construção do conceito de limite do cálculo para a análise
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construção do conceito de limite do cálculo para a análise
0 Lílian Isabel Ferreira Amorim A (RE) CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE LIMITE DO CÁLCULO PARA A ANÁLISE: UM ESTUDO COM ALUNOS DO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA OURO PRETO 2011 1 Lílian Isabel Ferreira Amorim A (re)construção do conceito de Limite do Cálculo para a Análise: Um estudo com alunos do curso de Licenciatura em Matemática Dissertação apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial à obtenção do Título de Mestre em Educação Matemática pelo Mestrado Profissional em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto, sob orientação do Prof. Dr. Frederico da Silva Reis. OURO PRETO 2011 2 A524r Amorim, Lílian Isabel Ferreira. A (re)construção do conceito de limite do cálculo para a análise [manuscrito] : um estudo com alunos do curso de licenciatura em matemática / Lílian Isabel Ferreira Amorim. – 2011. 133 f.: il., color.; graf.; tabs.; quadros. Orientador: Prof. Dr. Frederico da Silva Reis. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Exatas e Biológicas. Departamento de Matemática. Área de concentração: Educação Matemática. 1. Matemática - Estudo e ensino - Teses. 2. Cálculo - Estudo e ensino - Teses. 3. Cálculo diferencial - Teses. 4. Limites - Teses. 5. Ensino superior - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Título. CDU: 517.272:378.147 Catalogação: [email protected] 3 UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA Mestrado Profissional em Educação Matemática DISSERTAÇÃO DE MESTRADO A (re)construção do conceito de Limite do Cálculo para a Análise: Um estudo com alunos do curso de Licenciatura em Matemática Autor: Lílian Isabel Ferreira Amorim Orientador: Frederico da Silva Reis Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação defendida por Lílian Isabel Ferreira Amorim e aprovada pela Comissão Examinadora. Data: 26 de agosto de 2011 Assinatura:............................................................................................ Orientador COMISSÃO EXAMINADORA: ______________________________________________ Prof. Dr. Carlos Alberto Santana Soares (UFJF) _______________________________________________ Profª. Dra. Marger da Conceição Ventura Viana (UFOP) 2011 4 Ao meu filho Samuel Ferreira Amorim, por tudo que me ensina e por tudo o que há de aprender. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, princípio e fim de todas as coisas, por me permitir chegar até aqui! Aos meus pais, Vicente e Joaninha, gênese de toda a minha vida, responsáveis pela pessoa que sou hoje. Obrigada pela dedicação, pelo incentivo e pelas orações constantes. Ao meu esposo, Jeremias, pelo companheirismo, fazendo valer a expressão do latim cum paines, aquele que divide o pão, neste caso especial, o pão saboroso da descoberta e o pão amargo da ausência. Amo você! Aos meus irmãos: Claudenise, César e Nara, pelo apoio, pelo desejo sincero de que tudo desse certo. Obrigada! Aos sobrinhos, cunhados, tios, primos e amigos, obrigada pela torcida! Às babás: Dona Cleide, Benta e Dany, a quem confiei Samuel, o meu bem mais precioso. Obrigada porque foram a extensão do meu olhar, do meu braço e do meu colo... Ao professor, orientador, amigo, Frederico da Silva Reis, parafraseando Isaac Newton, “se cheguei até aqui, foi porque me apoiei sobre os ombros de gigantes”. Obrigada porque, há quase dez anos, você me fez acreditar que seria possível ir mais longe e, hoje, eu lhe agradeço todos os ensinamentos, não só matemáticos, mas além. Obrigada pelas lições de vida! 6 Kelly, obrigada por tudo, pelo convívio, pelas partilhas, pelos estudos, com certeza, tudo isso fez esta caminhada mais agradável! A sua amizade foi o presente mais precioso deste percurso. Aos amigos Daniel e Osvaldo, integrantes do “Quarteto Fantástico”, a amizade construída nessa trajetória. Aprendi muito com vocês! A todos os colegas da minha turma e das outras turmas que tive a grata satisfação de conviver, obrigada pelo companheirismo. Alexandre e Carmem, passageiros da mesma estrada, longa estrada! 506 km para ser mais precisa, suficiente para partilharmos risos, lágrimas, saudades, histórias, VIDA, suficiente para fazer de nós bons amigos. Ao ISEIB, colegas e alunos, agradeço a oportunidade da realização deste trabalho e a contribuição valiosa no meu crescimento pessoal e profissional. À coordenadora do Mestrado, Ana Cristina Ferreira, cuja dedicação e presteza são essenciais para o bom êxito do Programa e para o nosso desenvolvimento profissional. Obrigada pelo exemplo! A todos os professores do Mestrado que contribuíram para minha formação profissional. A Carlos Soares e Marger Viana, agradeço as importantes contribuições dadas ao meu trabalho e, de maneira geral, a valiosa contribuição à Educação Matemática. À UFOP pelos mais de 170 anos dedicados à educação, me sinto honrada em fazer parte dessa história, obrigada! 7 RESUMO Esta pesquisa discutiu, de forma geral, o ensino de Cálculo e de Análise na perspectiva da Educação Matemática Superior e, especificamente, investigou o papel das imagens conceituais e definições conceituais para a aprendizagem de Limites de Funções Reais de uma Variável. A natureza da pesquisa priorizou os aspectos qualitativos, preponderantes sobre os aspectos quantitativos. A pesquisa justifica-se já que diversos trabalhos vêm evidenciando os obstáculos epistemológicos em relação ao conceito de limite e ainda, a necessidade de se realizarem pesquisas que discutam a transição do Cálculo para a Análise. Formulamos a seguinte questão de investigação: Como uma proposta de ensino, baseada nas imagens conceituais, relacionadas ao conceito de limite de uma função, (re)construídas por alunos do curso de Licenciatura em Matemática, após cursarem Análise Real, pode contribuir para a aprendizagem desses alunos? O referencial teórico foi primordialmente baseado nos trabalhos de David Tall, Shlomo Vinner, Bernard Cornu, Márcia Pinto e Frederico Reis. As atividades foram realizadas pelos sujeitos de pesquisa, alunos do curso de Licenciatura em Matemática, dentro da disciplina Análise Real. A pesquisa teóricobibliográfica contemplou o ensino de Cálculo e de Análise e o Pensamento Matemático Avançado. Apresentamos também a abordagem do conceito de limites em livros didáticos de Cálculo e Análise utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática de universidades mineiras e ainda elaboramos um conjunto de atividades didáticas realizadas com alunos do curso de Licenciatura em Matemática, em uma disciplina de Fundamentos de Análise Real. As considerações finais do nosso trabalho apontam que uma proposta de ensino, baseada nas imagens conceituais dos alunos, pode contribuir para que o Professor de Análise entenda e situe o momento e a aprendizagem de seus alunos; perceba a importância de identificar e desconstruir imagens conceituais equivocadas e/ou conflitantes; reconheça a necessidade de (re)construir imagens conceituais coerentes e que explorem elementos intuitivos; trabalhe na perspectiva de se construir definições conceituais de acordo com as definições formais; repense a prática pedagógica e planeje as ações; incentive uma postura mais crítica e ativa nos alunos e, assim, contribua para desmistificar o “horror” à Análise. PALAVRAS-CHAVE: Limites. Imagens e Definições Conceituais. Ensino de Cálculo e de Análise. Educação Matemática no Ensino Superior. 8 ABSTRACT This research discussed in general, the teaching of calculus and analysis in the perspective of the Mathematics Education in college and investigated the role of the conceptual images and the conceptual definitions for learning the Limits of Real Functions of one Variable. The research prioritized the qualitative aspects prevailing on the quantitative aspects. This research is justified just because many studies have evidenced the epistemological obstacles about the concept of limit and the necessity of doing researches that discuss the transition from Calculus to Analysis. We formulated the question: How can a teaching proposal based on concept images related to the concept of a function, (re) created by students of the Bachelor´s degree in Mathematics, after attending the Real analysis, can contribute to the learning of these students? The authors analyzed were David Tall, Shlomo Vinner, Bernard Cornu, Márcia Pinto and Frederico Reis. The activities were developed by the researches, students of the Bachelor´s Degree in Mathematics, in the Real Analysis subject. The theoretical and research literature has included the teaching of Calculus and Analysis, and the Advanced Mathematical Thinking. We also present the approach of the concept of limits in textbooks used in Calculus and Analysis Degree Courses in Mathematics at Universities in “Minas Gerais” and developed a set of didactic activities with students from Bachelor´s Degree in Mathematics, in the Fundamentals of Real Analysis subject. The final considerations indicate that a proposal based on teaching students the concept images can help the teacher understand and verify the time and the students learning, and realize the importance of identifying and deconstructing conceptual misguided images and/or conflictants, and recognize the necessity of (re)create conceptual consistent images and explore intuitive elements, as well as working in the perspective of creating conceptual definitions according to the formal definitions, rethink their practice and plan their actions, encourage a more critical and active in their students and thus contribute to demystify the “horror” of the Analysis. KEYWORDS: Limits. Images and Conceptual definitions. Teaching Calculus and Analysis. Higher Mathematics Education. 9 Lista de Quadros 1. Quadro 1 – Questão 1 – item a .......................................................................................92 2. Quadro 2 – Questão 1 – item b .......................................................................................92 3. Quadro 3 – Questão 2 – itens a, b, c, d, e .......................................................................94 4. Quadro 4 – Questão 3 – itens a, b, c, d, e .......................................................................96 5. Quadro 5 – Questão 5.1.................................................................................................103 6. Quadro 6 – Questão 5.2.................................................................................................103 7. Quadro 7 – Questão 6 – item a .....................................................................................105 8. Quadro 8 – Questão 6 – item b .....................................................................................105 9. Quadro 9 – Atividade 2 – Questão 2.1.........................................................................112 10. Quadro 10 – Atividade 2 – Questão 2.2 .....................................................................113 10 Lista de Figuras 1. Figura 1: Triângulos característicos ........................................................................34 2. Figura 2: Imagem conceitual ...................................................................................57 3. Figura 3: Relação entre secante e tangente no ponto P............................................62 4. Figura 4: Relação entre secante e tangente no ponto P............................................62 5. Figura 5: Gráfico mostrando a relação − na definição de limite.......................63 6. Figura 6: Crescimento de uma população das frutas num experimento controlado.................................................................................................................66 7. Figura 7.1 e 7.2: Gráfico de f idêntico ao da reta y= x + 1, exceto em x = 1..........................................................................................................................67 8. Figura 8: Relação entre δ e ε na definição de limite.................................................68 9. Figura 9: Relação entre secantes e tangentes...........................................................70 10. Figura 10.1 e 10.2: Tabela mostrando os valores de m pq para valores de x próximos de 1...........................................................................................................70 11. Figura 11: Q tende a P pela direita e pela esquerda.................................................70 12. Figura 12: Gráficos (a), (b) e (c), mostrando lim→ ()..............................................................................................................71 13. Figura 13: Diagrama de Flechas...............................................................................73 14. Figura 14: Diagrama de Flechas apresentando a relação − na definição de limite.........................................................................................................................73 15. Figura 15: Gráficos (a), (b) e (c) apresentando a relação − na definição de limite.........................................................................................................................74 16. Figura 16: Gráfico da questão 5.1 da Atividade I (Pós-Cálculo)...........................84 17. Figura 17: Gráfico da questão 5.2 da Atividade I (Pós-Cálculo)..........................84 18. Figura 18: Gráfico da questão 2.1 da Atividade II (Pós-Análise).........................86 19. Figura 19: Gráfico da questão 2.2 da Atividade II (Pós-Análise).........................86 20. Figura 20: Gráfico da questão 5 da Atividade II (Pós-Análise)............................87 21. Figura 21: Gráfico do Aluno A1 – Questão 4 - Atividade I...................................99 22. Figura 22: Gráfico do Aluno A5 – Questão 4 - Atividade I...................................99 23. Figura 23: Gráfico do Aluno A2 – Questão 4 - Atividade I..................................99 24. Figura 24: Gráfico do Aluno A7 – Questão 4 - Atividade I..................................99 25. Figura 25: Gráfico do Aluno A9 – Questão 4 - Atividade I..................................100 11 26. Figura 26: Gráfico do Aluno A8 – Questão 4 - Atividade I..................................100 27. Figura 27: Gráfico do Aluno A4 – Questão 4 - Atividade I..................................100 28. Figura 28: Gráfico da questão 5.1 da Atividade I (Pós-Cálculo)...........................101 29. Figura 29: Gráfico da questão 5.2 da Atividade I (Pós-Cálculo)........................107 30. Figura 30: Resposta do Aluno A6 – Questão 6 – Atividade 1...............................106 31. Figura 31: Resposta do Aluno A8 – Questão 6 – Atividade 1...............................106 32. Figura 32: Gráfico do Aluno A7 - Questão 1 - Atividade II..................................109 33. Figura 33: Gráfico do Aluno A3 - Questão 1 - Atividade II..................................109 34. Figura 34: Gráfico do aluno A1 - Questão 1 - Atividade II ..................................109 35. Figura 35: Gráfico do Aluno A4 - Questão 1 - Atividade II..................................109 36. Figura 36: Gráfico do Aluno A1 – Questão 1 b - Atividade II .............................110 37. Figura 37: Gráfico do Aluno A9 – Questão 1 b - Atividade II ............................110 38. Figura 38: Gráfico da questão 2.1 da Atividade II (Pós-Análise)..........................111 39. Figura 39: Gráfico da questão 2.2 da Atividade II (Pós-Análise)..........................111 40. Figura 40: Gráfico do Aluno A3 – Questão 3a - Atividade II...............................114 41. Figura 41: Gráfico do Aluno A9 – Questão 3a - Atividade II................................114 42. Figura 42: Gráfico do Aluno A3 – Questão 4a - Atividade II................................115 43. Figura 43: Gráfico do Aluno A3 – Questão 4b - Atividade II................................115 44. Figura 44: Gráfico da questão 5 da Atividade II (Pós-Análise)..........................116 45. Figura 45: Diagrama de Flechas elaborado pelo Aluno A9 – Questão 5 – Atividade II.............................................................................................................119 46. Figura 46: Resolução do Aluno A8 – Questão 6 – Atividade II............................120 12 SUMÁRIO Introdução ENSINO DE CÁLCULO E DE ANÁLISE: BUSCANDO MOTIVAÇÕES E LEVANTANDO INDAGAÇÕES................................................................................15 I.1. Um breve histórico ........................................................................................ ...........15 I.2. Iniciando a discussão ................................................................................................ 18 I.3. Destacando alguns trabalhos sobre o Ensino de Cálculo e Análise ......................... 19 I.4. Destacando os trabalhos da linha Advanced Mathematical Thinking ...................... 22 I.5. Mais alguns estudos de pesquisadores brasileiros .................................................... 25 I.6. Apresentando nossa Questão de Investigação .......................................................... 27 I.7. Apresentando nosso objetivo .................................................................................... 27 I.8. Apresentando nossas tarefas ..................................................................................... 28 I.9. Apresentando nossa Metodologia de Pesquisa ......................................................... 28 I.10. Estrutura da Dissertação ......................................................................................... 29 Capítulo 1 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE LIMITE: UM PERCURSO DO CÁLCULO PARA A ANÁLISE ......................................................................................................30 1.1. Um breve histórico sobre o desenvolvimento do conceito de limite .......................30 1.2. Um pouco sobre o ensino de limites ............................................................... .........37 Capítulo 2 BUSCANDO CONEXÕES ENTRE O PENSAMENTO MATEMÁTICO AVANÇADO E AS NOÇÕES DE IMAGEM CONCEITUAL E DEFINIÇÃO CONCEITUAL .............................................................................................................47 2.1. Sobre o Pensamento Matemático Avançado ........................................................... 47 13 2.2. Imagem conceitual e definição conceitual ............................................................... 52 Capítulo 3 APRESENTANDO A ABORDAGEM DO CONCEITO DE LIMITE EM ALGUNS LIVROS DIDÁTICOS DE CÁLCULO E ANÁLISE ..............................................60 3.1. Apresentando os livros didáticos analisados ........................................................... 60 3.2. Apresentando os livros didáticos de Cálculo ........................................................... 61 3.3. Apresentando os livros didáticos de Análise ........................................................... 75 Capítulo 4 APRESENTANDO NOSSA PESQUISA ....................................................................80 4.1. Retomando a questão de investigação e as tarefas de pesquisa ............................... 80 4.2. Apresentando o contexto da pesquisa de campo ..................................................... 81 4.3. Descrevendo a metodologia de pesquisa ................................................................. 82 Capítulo 5 (RE)CONSTRUINDO O CONCEITO DE LIMITE DO CÁLCULO PARA A ANÁLISE: EVIDÊNCIAS DE UMA PESQUISA .....................................................91 5.1. Análise da Atividade I (Pós-Cálculo) ..................................................................... 92 5.2. Descrevendo o trabalho com limites em Análise .................................................. 107 5.3. Análise da Atividade II (Pós – Análise) ................................................................ 109 5.4. Análise do Questionário de Avaliação Final ......................................................... 121 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 124 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 130 14 Introdução ENSINO DE CÁLCULO E DE ANÁLISE: BUSCANDO MOTIVAÇÕES E LEVANTANDO INDAGAÇÕES O Cálculo foi a primeira conquista da Matemática moderna(...) Creio que só ele define, de modo inequívoco, o começo da Matemática moderna; e o sistema de Análise Matemática, que é o seu desenvolvimento lógico, ainda constitui o avanço técnico de maior importância no pensamento exato. John Von Neuman I.1. Um breve histórico A Matemática é uma ciência, a Rainha das Ciências, segundo Gilberto Garbi (1997) e, ao entrarmos em contato com ela, dificilmente ficaremos indiferentes; assim, são gerados dois tipos de sentimento: paixão ou aversão. Isso pode ser influenciado por vários fatores, tais como: metodologia, professor, currículo e, em alguns casos, a aversão pode ser modificada, dependendo da forma como é direcionado o ensino. Entretanto, o meu objetivo aqui não é discutir tais questões e sim me posicionar no primeiro grupo, ou seja, dos amantes da Matemática, desde o primeiro contato. A possibilidade que ela nos oferece de compreensão do mundo é fascinante, como afirmou Galileu Galilei apud GARBI, (1997, p. 209): “O universo é um grande livro que não pode ser compreendido a menos que antes se aprenda a entender a linguagem e a ler as letras nas quais ele está composto. Ele está escrito na linguagem da Matemática”. Com esse pensamento, enveredei pelo caminho da Matemática em 1999, quando comecei a cursar Licenciatura em Matemática na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Uma experiência muito proveitosa, pois exigiu de minha parte persistência, disciplina e muita dedicação. Assim, foi na licenciatura que meu interesse pelas disciplinas Cálculo Diferencial e Integral e Análise Real foi despertado, embora tivesse dificuldade para compreender tais assuntos, especialmente Análise Real e, em alguns momentos, tenha sido necessário recorrer à memorização e à repetição dos resultados. Ainda assim, eu fiquei fascinada com a disciplina. 15 Acreditava que somente naquele semestre do curso estava realmente estudando Matemática. A possibilidade de demonstrar, provar, por meio de uma estrutura lógica baseada nas definições, resultados simples como, por exemplo, que 2 é um número irracional, pois até então, tal ideia era aceita pelo fato de que esse número não pode ser escrito na forma a , a e b ∈ Z , com b ≠ 0 , fez com que eu me dedicasse ao estudo desta b disciplina com mais afinco e persistência; era capaz de ficar dias inteiros lendo, buscando, fazendo e refazendo exercícios e demonstrações. Foi um trabalho árduo, mas que valeu a pena. Também no ano de 1999, começou minha experiência docente, uma vez que fui convidada a monitorar as turmas de 8ª série do Ensino Fundamental e 1°, 2° e 3° anos do Ensino Médio do Colégio Professor Servelino Ribeiro, em Bocaiuva – MG, onde cursei os Ensinos Fundamental e Médio e onde estou, até os dias atuais, lecionando para esses níveis de ensino. Terminei a graduação em dezembro de 2002 e, em janeiro de 2003, iniciei o curso de Especialização em Educação Matemática Superior na UNIMONTES, que muito me enriqueceu e alargou os meus horizontes no sentido de continuar a minha formação acadêmica, pois o meu objetivo, ao cursar Matemática, sempre foi lecionar para o Ensino Superior. De uma forma particular, essa especialização me fez perceber, ainda mais, a minha paixão pela Matemática, quando cursei, pela segunda vez, as disciplinas de Análise Real e Estruturas Algébricas, pois entendi que muitas “imagens conceituais” que eu considerava não compreendidas na graduação precisavam apenas ser amadurecidas. Especialmente na disciplina Análise Real, com a Profª. Dra. Márcia Maria Fusaro Pinto, na época professora da UFMG, é que percebi as reais possibilidades de tal conteúdo, na formação docente. Como ela tratou esta disciplina sem um excesso de rigor e formalismo e buscou um equilíbrio entre rigor e intuição, escolhi como tema de meu projeto de pesquisa o tópico Limites, tentando entender como ocorre a construção e/ou reconstrução desse conceito do Cálculo para a Análise e como se dá o processo de ensino e aprendizagem em sala de aula. Uma vez que as disciplinas Cálculo e Análise estão entre as que mais reprovam, atualmente, nos cursos de Matemática, eu acredito que, com muita pesquisa e empenho dos educadores matemáticos, que atuam nessas áreas, seja possível reverter esse quadro, fazendo com que um maior número de alunos se interesse por estes assuntos e que 16 tenhamos um maior número, também, de matemáticos profissionais conscientes da importância de seu papel na formação dos estudantes. Tudo isso foi muito importante! Tive a oportunidade de ministrar, em janeiro de 2004, um curso na Faculdade de Ciência e Tecnologia de Montes Claros – FACIT, que foi denominado Pré-Cálculo e que consistiu em uma revisão de conteúdos do Ensino Médio, tais como números reais, funções e trigonometria, com o objetivo de “corrigir falhas” na formação matemática dos vestibulandos aprovados nos cursos de Engenharia Química, Engenharia de Computação e Engenharia de Controle e Automação, visando um melhor aproveitamento deles nas disciplinas de Cálculo. Foi uma experiência gratificante, pois tive a oportunidade de trabalhar com alunos de faixas etárias bastante diversificadas, embora isso tenha sido também muito difícil. Havia algumas pessoas que tinham parado seus estudos há dez, quinze anos. Não tive a oportunidade de comprovar se o objetivo foi alcançado, embora tivesse sido bem avaliada por parte dos alunos. Desde o ano 1999, atuo como docente na educação básica, tanto na rede particular de ensino como na pública, em Bocaiuva – MG. De 2008 a 2010, fiz parte do corpo docente do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB, em Montes Claros – MG, onde lecionei as disciplinas: História da Matemática, Fundamentos de Matemática I e II, Estruturas Algébricas, Cálculo I e Cálculo II para o curso de Licenciatura em Matemática. Mesmo com pouca experiência, foi possível perceber a dificuldade dos alunos em compreender os conceitos matemáticos e a própria linguagem da Matemática formal. Especialmente na disciplina Estruturas Algébricas, na qual praticamente ao longo de todo o semestre, falamos e praticamos as provas / demonstrações formais. É importante lembrar que sempre busquei trabalhar valorizando a intuição, tentando fazer com que o percurso dos alunos por tal disciplina não fosse tão árduo, mas as dificuldades e percalços, infelizmente, tornaram-se uma realidade. Já na disciplina Cálculo II, primeiramente, senti certo avanço na turma, em relação aos conceitos que trouxeram do Cálculo I. Nas primeiras semanas de aula, basicamente revimos e buscamos compreender algumas ideias e conceitos trabalhados no semestre anterior. Nessa disciplina, valorizei bastante a construção das ideias, pois sempre acreditei que ensinar Matemática é, antes de tudo, ensinar / compreender uma ideia, ou seja, é buscar construir uma representação mental daquele conceito que é abstrato. Para isso, 17 construí muitos gráficos para compreender a ideia de integral indefinida, depois integral definida e dei especial atenção às aplicações das integrais. É claro que também discuti com os alunos as técnicas de integração, mas acredito que o entendimento da importância do Cálculo passa pela compreensão da sua utilidade. Atualmente, tenho ministrado regularmente a disciplina Cálculo I para os cursos de Matemática e Física no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – IFNMG, onde sou professora efetiva e estou buscando realizar um trabalho que valorize, mais uma vez, os aspectos intuitivos relacionados aos principais conceitos do Cálculo I, baseando-me em Frederico da Silva Reis (2001), pois penso que é possível um equilíbrio entre rigor e intuição ao discutir a ementa desta disciplina e, então, inicialmente, estou procurando valorizar as construções de gráficos, tabelas e mesmo as questões de onde os limites surgem, como no caso da reta tangente a uma curva e no estudo da velocidade de um objeto. É importante também destacar a importância da compreensão da linguagem que, para os alunos, pode ser algo totalmente novo. Espero que esse caminho que estou trilhando seja produtivo para a comunidade de educadores matemáticos e que também seja longo... I.2. Iniciando a discussão É comum que alguns questionamentos sejam feitos, pelos alunos e professores, em relação ao Cálculo e seu ensino, como por exemplo: Qual é a sua utilidade? Qual é a importância para outras áreas do conhecimento? Qual é a melhor forma para ensinar / aprender Cálculo Diferencial e Integral? O Cálculo não se resume a determinar tangentes, áreas e volumes com aplicações apenas dentro da Matemática. São inúmeras as suas aplicações. Para se ter uma ideia, os diversos ramos da Engenharia, bem como da Física, da Química, da Biologia, da Medicina, da Administração, da Astronomia, da Economia se utilizam do Cálculo. Segundo Elenice Zuin (2001, p. 34), até mesmo na Psicologia, na Linguística e nas Ciências Políticas, o Cálculo vem sendo empregado. Nas aplicações de derivadas, podemos obter diversas aplicações, tais como: descrever o comportamento de partículas atômicas; analisar as vibrações de um sistema mecânico; estimar a evolução de um tumor nas terapias radioativas; analisar, investigar e predizer os resultados de uma reação química, ou do crescimento de uma cultura de 18 bactérias; encontrar a maximização dos lucros na fabricação de certo produto; mensurar as variações instantâneas na corrente elétrica. Com as aplicações da integral, é possível determinar o trabalho necessário para enviar uma sonda espacial a outro planeta; determinar a quantidade de diluição de um corante em determinados testes fisiológicos; calcular o fluxo sanguíneo através de uma artéria, dentre outras aplicações contidas em Earl Swokowski (1994). Daí, o nosso questionamento: Como conceitos tão ricos, tão importantes, em particular, os conceitos de limite, derivada e integral são ensinados nos cursos de Licenciatura em Matemática de um modo tão vazio, sem significado, como uma série de algoritmos e regras que, por si só, são apenas mecanizadas? Dario Fiorentini (1995) sustenta que “a forma como vemos / entendemos a Matemática tem fortes implicações no modo como entendemos e praticamos o ensino da Matemática e vice-versa”, ponto de vista com o qual nos identificamos. I.3. Destacando alguns trabalhos sobre o Ensino de Cálculo e Análise Segundo a Sociedade Brasileira de Matemática – SBM (1995, p. 5), em um de seus boletins informativos: O ensino de Cálculo nas universidades brasileiras tem sido objeto de questionamento em diversos fóruns em função das dificuldades apresentadas pelos alunos na sua aprendizagem, bem como pela alta evasão dos estudantes dos primeiros períodos, matriculados nesta disciplina. Esse questionamento deve-se aos altos índices de reprovação e evasão nas universidades públicas brasileiras, desde aquela época até os dias atuais. Muitos trabalhos de pesquisa, nacionais e internacionais, têm ressaltado as dificuldades dos alunos dos ciclos básicos das universidades na aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral, segundo Lílian Nasser (2009). Levando em consideração esses dados, de fato, há muito que se pesquisar quanto ao ensino de Cálculo, considerando ainda que, de acordo com Fiorentini (1995), o ensino, na grande maioria das salas de aula, que deveriam ser tratadas como espaço de trabalho, onde se estabelecem as múltiplas relações entre os sujeitos do fazer pedagógico, é livresco e centrado no professor, cujo papel, muitas vezes, é o de um mero transmissor de informações. A “aprendizagem”, então, torna-se 19 passiva e consiste na memorização e reprodução (imitação / repetição) precisa dos raciocínios e procedimentos ditados pelo professor ou pelo livro. Quem é (são) o(s) responsável(is) por essa situação ou esse estado de coisas? Acreditamos que a responsabilidade de mudar esse quadro que aí se encontra é, de fato, de todos aqueles que, de alguma forma, estão envolvidos nesse processo de ensino e aprendizagem, concordando com Jonas Lachini (2001, p.146) ao afirmar que: “Na ação pedagógica, tanto o sucesso quanto o insucesso em uma disciplina específica, nascem das relações instituídas por professores e alunos, em torno do trabalho com conteúdos curriculares”. Outra possibilidade a se pensar, quando se discutem os problemas no ensino de Cálculo, recai sobre a prática pedagógica dos professores, de acordo com Reis (2001, p. 23): A prática pedagógica do professor de Cálculo deve se pautar, primeiramente, na reflexão e compreensão do papel fundamental do Cálculo Diferencial e Integral na formação matemática de seus alunos. Somente estabelecendo elementos que esclareçam a real função do Cálculo na formação matemática do aluno, o professor terá condições de refletir sobre que objetivos traçar, que conteúdos e metodologias estabelecer, enfim, que prática pedagógica desenvolver. Neste ponto, temos a necessidade de questionar o ensino de Análise Real, uma vez que os tópicos fundamentais do ensino de Cálculo são os mesmos de um curso de Análise, disciplina obrigatória nos cursos de Licenciatura em Matemática e que concebemos como de fundamental importância para a formação do Professor de Matemática, por abordar formalmente, conteúdos trabalhados nos Ensinos Fundamental e Médio, como números e funções. Uma discussão acerca da ementa, da bibliografia e do papel da disciplina Análise Real, nos cursos de Licenciatura em Matemática, já foi realizada por Plínio Moreira, Helena Cury e Carlos Vianna (2005) quando enviaram questionários para 80 matemáticos, pesquisadores titulares ou professores titulares de 16 instituições universitárias e de pesquisa brasileiras, com questões envolvendo os assuntos acima citados. Destes, obtiveram 31 respostas de matemáticos que representavam 14 destas instituições. As questões da pesquisa versam sobre sugestão de ementa e bibliografia, bem como uma questão aberta, cuja segunda parte é a seguinte: “Se lhe coubesse defender a permanência da disciplina Análise na Reta como obrigatória para o curso de Licenciatura 20 em Matemática, que argumentos você apresentaria”? (MOREIRA, CURY e VIANNA, 2005, p.15) A 1ª categoria de respostas descrita pelos pesquisadores apontou a importância da Análise por se constituir numa possibilidade do aluno “tomar contato” com o significado e com as formas de se pensar Matemática. Moreira, Cury e Vianna (2005, p. 21) afirmam que, por isso: Desenvolve o raciocínio lógico e a capacidade de “pensar matematicamente”, proporcionando, também, maior maturidade intelectual ao aluno. O trabalho na disciplina abrange métodos, técnicas, estruturas, concepções e valores fundamentais da matemática, constituindo-se, assim, em uma introdução ao que se poderia chamar de “cultura matemática” (grifos dos autores). Uma 2ª categoria levantada por Moreira, Cury e Vianna (2005, p. 22) relaciona-se ao fato de que a disciplina proporciona uma compreensão “sólida e profunda” de conceitos que são considerados básicos na Matemática escolar e assim: [...] explica os “porquês” e dá mais segurança ao futuro professor da escola. Proporciona a construção de uma visão integrada e logicamente consistente da matemática elementar, em substituição a uma visão que a concebe como um amontoado desconexo de fórmulas e regras (grifo dos autores). Ainda uma 3ª categoria destacada por Moreira, Cury e Vianna (2005, p. 23) descreve que: “A disciplina constitui, para o aluno, um espaço de percepção da matemática como um instrumento que permite um entendimento profundo de certos fenômenos naturais e que tem aplicações em outras ciências”. Embora os autores da pesquisa critiquem algumas das respostas dadas, que questionam a necessidade de um professor da educação básica estudar Análise Real, acreditamos na importância dessa disciplina para a formação de Professores de Matemática, mas há que se repensar sua abordagem em sala de aula, na perspectiva de Alexandre Brito (2010, p. 25), ao pontuar: Concebemos a Análise como uma ponte entre a formalização dos conceitos e conteúdos que serão ensinados pelo Professor de Matemática em sua futura prática docente. Entretanto, acreditamos que, para que isto aconteça, a relação do conteúdo estudado em Análise com a Matemática da sala de aula dos Ensinos Fundamental e Médio, deve ser um elo fortemente trabalhado no curso de Análise Real. 21 Daí, deparamo-nos com uma série de problemas em relação ao ensino e à aprendizagem dessa disciplina. O aluno, quando tem o primeiro contato com a Análise, se vê diante dos aspectos formais da Matemática, até então desconhecidos para uma maioria dos estudantes, pois essa disciplina se encontra na grade curricular no final do curso de licenciatura, o que não deveria ser diferente, mas contrasta com o ensino da Matemática que o antecede, de um modo geral, privilegiando os aspectos computacionais e de manipulação simbólica, cujo objetivo é obter um resultado, uma resposta final, como no caso do Cálculo. Então, o processo de ensino e aprendizagem da Análise, nos cursos de graduação, acaba não sendo muito diferente do Cálculo, embora privilegie aspectos diferentes; enquanto no Cálculo há um excesso de algoritmização e falta de compreensão e aplicação dos conteúdos, na Análise há um excesso de rigor e formalismo (REIS, 2009), o que faz com que a maioria dos alunos recorra à memorização e reprodução precisa dos principais resultados e de suas demonstrações, sem que isso lhes faça algum sentido. Essa visão é corroborada por Márcia Fusaro Pinto (1998, p.293), ao afirmar que: O ensino de Análise Matemática tem demonstrado ser uma tarefa difícil. Estando no centro vital da transição dos estudantes do pensamento elementar para o pensamento avançado em Matemática, demandas conceituais são colocadas aos estudantes, como aquelas preocupadas com definições formais e prova formal. Essa discussão sobre a “transição de pensamentos” é abordada pelos estudiosos do Pensamento Matemático Avançado, que passamos agora a destacar. I.4. Destacando os trabalhos da linha Advanced Mathematical Thinking Pensamos, então, que há muito que se pesquisar sobre o ensino de Análise Real; o aluno e suas “imagens conceituais” devem ser objeto de estudo e investigação. Entendemos imagens conceituais, na perspectiva de David Tall e Shlomo Vinner (1981), como sendo os processos e imagens mentais relacionados à aquisição de um conceito. Os estudos do Advanced Mathematical Thinking, cujos trabalhos resultaram em um livro publicado em 1991, com o mesmo título do grupo (Advanced Mathematical 22 Thinking tendo como seu editor, David Tall) contêm diversos artigos relacionados ao ensino de Matemática avançada e são divididos em três focos principais: 1. A natureza do pensamento avançado, cujos tópicos incluem os processos envolvidos na concepção do Pensamento Matemático Avançado, a criatividade matemática e a prova matemática; 2. A teoria cognitiva do Pensamento Matemático Avançado, cujos tópicos incluem o papel das definições, o papel dos símbolos e a abstração reflexiva; 3. A pesquisa envolvendo o ensino e a aprendizagem do Pensamento Matemático Avançado, cujos tópicos incluem o desenvolvimento cognitivo e dificuldades conceituais relacionadas a funções, limites, Análise, infinito, prova e ainda, o uso do computador. No Capítulo 1 – The Psychology of Advanced Mathematical Thinking, Tall (1991, p. 3) caracteriza o Pensamento Matemático Avançado como aquele que dá “atitude produtiva de se considerar a contextualização de um problema, numa investigação matemática, leva à formulação produtiva de conjecturas e ao estágio de refinamento e prova” (tradução nossa). Em relação ao Pensamento Matemático Avançado e o Pensamento Matemático Elementar, Tall (1991, p. 3) afirma que existe semelhança com os ciclos de atividades relacionados a esses pensamentos: “Muitas das atividades que ocorrem neste ciclo também ocorrem na resolução de problemas matemáticos elementares, mas a possibilidade de definição formal e dedução é um fator que distingue o Pensamento Matemático Avançado” (tradução nossa). Mais do que a possibilidade da definição formal e dedução, acreditamos que a necessidade dessa postura formal é o que caracteriza / distingue o Pensamento Matemático Avançado, uma vez que, tal possibilidade também existe em níveis mais elementares, mas não se torna uma necessidade premente. Ainda em relação às diferenças entre os Pensamentos Matemático Elementar e Avançado, Tall (1991, p. 20) descreve a transição de um para o outro como um processo baseado em “entidades abstratas” construídas pelo indivíduo por meio de deduções das definições formais: 23 O movimento do pensamento matemático elementar para o avançado envolve uma transição significante: de descrever para definir, de convencer para provar de uma maneira lógica baseada nas definições. Esta transição requer uma reconstrução cognitiva, a qual é vista durante a luta inicial dos estudantes universitários com as abstrações formais, enfrentadas por eles no primeiro ano de universidade (grifos do autor; tradução nossa). Outro aspecto interessante é destacado por Tall (1985), ao criticar os professores que, ao se questionarem “por que os alunos não aprendem Análise?”, simplesmente reorganizam a disciplina, alterando alguns tópicos do conteúdo, sem primeiro investigar como os alunos pensam: “Para compreender por que os estudantes não conseguem aprender Análise, claramente se requer um estudo dos estudantes como o sujeito-problema / objeto da pesquisa” (TALL, 1985, p. 1). O pesquisador destaca também os conflitos causados pelas imagens conceituais nos estudantes, especialmente aqueles referentes a números reais e limites. Ainda, aponta para o problema da utilização de definições nas provas matemáticas como uma das maiores dificuldades na aprendizagem matemática de Análise, ao tratar das concepções dos estudantes sobre a teoria em que a Análise está construída. Tais conflitos, em particular a aprendizagem dos números reais e limites, já haviam sido estudados por Tall e Schwarzenberger (1978). Os autores acreditam que as causas dos conflitos podem estar associadas a três fatores: uma “infelicidade linguística”, que se refere à utilização inadequada / inapropriada de terminologias e/ou simbologias matemáticas por parte do professor e que poderia ser eliminada por uma escolha mais cuidadosa das motivações ou definições; “distinção genuína da Matemática” ou ainda “eventuais particularidades na experiência anterior do indivíduo”, o que poderia ser sanado por um professor sensível ciente da situação. David Tall e Rolph Schwarzenberger (1978, p. 49) consideram ainda que: “Em todos os três tipos de conflito, o papel do professor em encontrar uma resolução adequada será crucial e mais decisivo do que fatores como a escolha da ementa, livro didático ou recursos audiovisuais”. Já Márcia Pinto e Eddie Gray (1998) destacam os efeitos do ensino da disciplina Análise Matemática para estudantes que serão professores da escola elementar e que a cursam no último ano do curso de Licenciatura em Matemática na universidade. A pesquisa realizada por esses autores foi feita na Inglaterra e lá, mesmo os professores da escola elementar devem cursar Licenciatura em Matemática para estarem habilitados. 24 Esses autores questionam o sentido do ensino formalista de Análise, para aqueles que não serão matemáticos profissionais. I.5. Mais alguns estudos de pesquisadores brasileiros Em sua tese de doutorado, Reis (2001) discute como a relação tensional entre rigor e intuição acontece e se manifesta no ensino universitário de Cálculo e Análise, a partir dos estudos de manuais didáticos e de entrevistas semiestruturadas com quatro professores-pesquisadores que se destacavam nessa área à época, como autores de estudos e livros didáticos: Prof. Dr. Roberto Ribeiro Baldino – UNESP – Rio Claro; Prof. Dr. Geraldo Ávila – UFG; Prof. Dr. Djairo Guedes de Figueiredo – UNICAMP e Prof. Dr. Elon Lages Lima – IMPA – RJ. No centro da obra, discutem-se aspectos rigorosos e intuitivos do ensino das disciplinas em questão e a relação dicotômica / não complementar entre rigor e intuição verificada no ensino atual. Reis (2001, p. 202) considera que: Talvez a melhor metáfora, que agora se nos apresenta, seja o de uma reta com dupla seta, onde, numa extremidade pode-se representar o rigor e, na outra a intuição [...] É claro que o ponto ideal é o do equilíbrio, mas esse ponto, na verdade, é difícil de ser conseguido. O trabalho do professor pode situar-se em qualquer um dos pontos dessa reta contínua. O professor tem autonomia para deslocar-se para qualquer ponto dessa reta. Se o deslocamento tender a ser, com mais freqüência, para a esquerda (intuição), isso pode denotar uma preocupação pedagógica mais voltada à produção de sentidos e significados e à formação de conceitos. Se o deslocamento for, com mais freqüência, para a direita (rigor), isso poderá significar uma preocupação e uma ação pedagógica mais sintáticoprocedimental. Essas tendências, mais à direita ou à esquerda, dependem, de um lado, das concepções, valores e conhecimentos do professor e, de outro, das condições intelectuais dos alunos e materiais (aqui entrariam os livros didáticos) da instituição. Por fim, destacamos ainda Pinto (2001), que relata uma pesquisa realizada com alunos do Departamento de Matemática e do Instituto de Educação da Universidade de Warwick – Inglaterra, que cursavam Análise ao final de seus cursos. A autora constatou que, apesar da complexidade envolvida nos problemas que os estudantes enfrentavam em seu primeiro contato com a Análise Real, é possível descrever um padrão permeando seu desenvolvimento durante este momento, daí relacionou dois tipos de aluno. O primeiro tipo de estudante é aquele que usa seu conhecimento prévio essencialmente para “extrair significado”, ou seja, para produzir um significado para a 25 nova experiência dentro do contexto em estudo no momento; sua estratégia principal é a de “tornar rotina” o uso das novas ideias. O segundo tipo de aluno usa sua experiência para “atribuir significado” ao novo contexto em termos de seu conhecimento anterior. Sua estratégia principal é a de “explorar” o conceito novo, analogicamente, interpretando-o. A autora considera ainda que as dificuldades centrais para esses dois tipos de alunos não são as mesmas. Para os que “extraem significado” o problema não está em trabalhar com uma nova noção de prova, que requer deduções a partir de definições. As dificuldades cognitivas ao estudar Análise Real parecem estar, de início, relacionadas à habilidade em coordenar os processos nas afirmações quantificadas apresentadas na teoria e trabalhar com a lógica proposicional. Na impossibilidade de produzir significado para o novo contexto, ou, às vezes, em decorrência de uma visão restrita da própria matemática, tais estudantes tendem a trabalhar o conteúdo de modo mecanizado, não reflexivo, sobrecarregando a memória e evocando inúmeros resultados que não sabem relacionar conceitualmente, em geral, estes estudantes não trabalham com independência. Para os estudantes que “atribuem significado”, o vivenciar da nova experiência está íntima e invariavelmente ligado à reconstrução de experiências prévias; o que parece requerer do aprendiz um esforço cognitivo maior do que simplesmente compartimentalizar uma nova construção. Estudantes como esses podem ser derrotados por imagens conceituais restritas, não adequadas à exploração do conceito que pretendem desenvolver. Quando expostos a diferentes representações ou aspectos de um mesmo conceito, podem adicioná-los ao conhecimento que estão construindo como se fossem informações desconexas, ao invés de refinar sua imagem conceitual, focando gradualmente na definição formal. Ainda em relação a esses dois tipos de aprendizes, Pinto (2001, p. 128) tece uma consideração que parece se encaixar perfeitamente no perfil dos estudantes de Análise, não só da Inglaterra, mas também do Brasil: [...] ambos os tipos de aprendizes recorrem à memorização para passar nos exames quando estão fracassando em produzir significado para a teoria formal. São também unânimes no reconhecimento do esforço requerido para acompanhar o curso. Os que extraem significado talvez precisariam de mais tempo para “encapsular” as definições e tornar o novo contexto familiar; e os outros talvez necessitariam de mais tempo para a reconstrução da estrutura cognitiva como um todo. 26 Concluindo, destacamos a perspectiva de Pinto (2001, p. 144) da qual nos valemos para justificar a relevância de nossa própria pesquisa: “Há que se investir em investigar meios de atenuar a transição dos Cálculos para a Análise. Neste sentido, esta investigação nos mostra que não há uma engenharia ou fórmula única para conduzir o ensino de Matemática avançada”. 1.6. Apresentando nossa Questão de Investigação A partir das considerações inicias até aqui colocadas, podemos elaborar a seguinte questão passível de investigação: Como uma proposta de ensino, baseada nas imagens conceituais, relacionadas ao conceito de limite de uma função, (re)construídas por alunos do curso de Licenciatura em Matemática, após cursarem Análise Real, pode contribuir para a aprendizagem desses alunos? Essa questão se enquadra na linha de pesquisa de Educação Matemática no Ensino Superior: Ensino de Cálculo e de Análise desenvolvida na Linha 1: Educação Matemática Superior, Informática Educacional e Modelagem Matemática do Mestrado Profissional em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto. I.7. Apresentando nosso objetivo • Desvendar a contribuição de uma proposta de ensino, baseada nas imagens conceituais, relacionadas ao conceito de limite de uma função, (re) construídas por alunos do curso de Licenciatura em Matemática, após cursarem Análise Real, para a aprendizagem desses alunos. I.8. Apresentando nossas tarefas • Discussão dos ensinos de Cálculo e de Análise no contexto da Educação Matemática no Ensino Superior; 27 • Apresentação da abordagem do conceito de Limite em alguns livros didáticos de Cálculo e Análise utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática; • Elaboração de um conjunto de atividades didáticas, como sugestões, a partir de uma proposta de ensino, baseada nas imagens conceituais, relacionadas ao conceito de limites de funções reais de uma variável, para disciplinas de Fundamentos de Análise Real, em cursos de Licenciatura em Matemática, como Produto Educacional do Mestrado Profissional em Educação Matemática. I.9. Apresentando nossa Metodologia de Pesquisa • Pesquisa teórico-bibliográfica sobre Educação Matemática no Ensino Superior, Ensino de Cálculo Diferencial e Integral e Ensino de Análise Real: leitura, síntese e discussão de artigos científicos, livros, dissertações e teses; • Pesquisa documental, a partir da análise da apresentação e da abordagem do conceito de limites, em livros didáticos de Cálculo Diferencial e Integral e Análise Real utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática de universidades mineiras como UFOP, UFMG, UNIMONTES, ISEIB e IFNMG; • Pesquisa de campo com alunos do curso de Licenciatura em Matemática do Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB de Montes Claros – MG, a partir do planejamento, implementação e avaliação de duas atividades didáticas sobre limites de funções reais de uma variável. I.10. Estrutura da Dissertação Após a presente Introdução, na qual apresentamos as ideias iniciais da nossa pesquisa, caminhamos para o Capítulo 1, no qual tecemos algumas considerações sobre a história e o ensino de limites. Na sequência, o Capítulo 2 apresenta uma discussão acerca do Pensamento Matemático Avançado e também sobre as relações entre imagem conceitual e definição conceitual. 28 No Capítulo 3, apresentamos a abordagem do conceito de limites, em livros didáticos de Cálculo Diferencial e Integral e Análise Real utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática de universidades mineiras. No Capítulo 4, apresentamos nossa pesquisa em seu contexto e descrevemos o detalhamento da pesquisa de campo, juntamente com os instrumentos de coleta de dados que utilizamos. A análise das atividades didáticas e do questionário de avaliação é feita no Capítulo 5, no qual elencamos algumas categorias de discussão a partir de um contraste com nosso referencial teórico-bibliográfico. Finalmente, tecemos as Considerações Finais, como forma de conclusão de nossa pesquisa, buscando retomar / responder à questão que norteou nossas investigações. 29 Capítulo 1 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE LIMITE: UM PERCURSO DO CÁLCULO PARA A ANÁLISE Ao avaliar o desenvolvimento da Matemática, devemos sempre ter em mente que as ideias atrás das notações são de longe a melhor metade... Carl Boyer Entendemos que o foco do nosso trabalho é o processo de ensino e aprendizagem do conceito de limite, em particular, aqui falamos de limites de funções reais de uma variável. Sendo assim, faremos um breve histórico sobre o desenvolvimento do conceito de limite e, em seguida, uma revisão da literatura relacionada ao ensino desse conceito. Ressaltamos que não pretendemos esgotar o assunto, mas situar o ensino e aprendizagem de limite como objeto de estudo dentro da Educação Matemática e levantar elementos que contribuam para uma melhor compreensão do nosso estudo em questão. 1.1. Um breve histórico sobre o desenvolvimento do conceito de limite Foram necessários quase 2.500 anos de história para que o conceito de limite fosse estabelecido da forma como é hoje, desde os paradoxos de Zenão (cerca de 450 a.C), passando pela Aritmetização da Análise com Weierstrass, no século XIX quando, segundo Geraldo Ávila (2006), a definição de limite de Cauchy – correta, porém, ainda eivada da noção espúria de movimento – é substituída pela definição puramente numérica: f ( x ) tem limite L com x tendendo a x0 significa que dado qualquer ε > 0 , existe δ > 0 tal que se 0 < x − x0 < δ ⇒ f ( x) − L < ε . Zenão de Eléia foi um filósofo grego que entrou para a história por causa dos seus famosos dons de dialética, segundo Antônio Brolezzi (1996, p. 22): Zeno dizia que a ideia de infinitésimos é totalmente absurda, pois se possuem algum comprimento, então uma quantidade infinita deles irá 30 compor uma reta de comprimento infinito; e se não têm nenhum comprimento, então uma quantidade infinita deles tampouco terá comprimento algum. Além disso, dirá também: aquilo que acrescentado a outro não o faz maior, e subtraído de outro não o faz menor, é simplesmente nada. Ainda segundo o pesquisador, mais famosos ainda que esses argumentos são seus quatro paradoxos sobre a impossibilidade do movimento. Na forma que chegaram a nós, por meio de Aristóteles (384 – 322 a.C.) e outros, os que causaram maior agitação foram: o da Dicotomia, o de Aquiles, o da Flecha e o do Estádio. Apenas para ilustrar suas ideias, embora o mais conhecido seja o de Aquiles, iremos apresentar o paradoxo da Dicotomia, assim descrito por Brolezzi (1996, p. 22): Zeno nos coloca frente à aparente impossibilidade de percorrermos um número infinito de distâncias num tempo finito. Imaginemos uma pessoa que deve atravessar uma sala de um lado a outro. Antes de chegar à parede oposta, deve evidentemente chegar à metade da sala. Antes disso, porém, deve percorrer a metade da metade, ou um quarto da distância. E assim por diante, sempre dividindo a distância pela metade, indefinidamente. Desse modo, a pessoa nunca chegará ao outro lado, pois terá que percorrer um número infinito de espaços, ainda que pequenos, num tempo evidentemente finito. De acordo com Carl Boyer (2002), os argumentos de Zeno parecem ter influenciado profundamente o desenvolvimento da Matemática grega, influência que se compara com a da descoberta dos incomensuráveis, com a qual talvez se relacione. As grandezas deixam de estar associadas a números e passam a estar associadas a segmentos de reta. É a passagem da ideia do discreto para o contínuo; ao menos em parte, o reino dos números continuava a ser discreto, mas o das grandezas passava a ser contínuo. Essa separação do discreto e do contínuo é quase uma separação completa entre a Teoria dos Números e a Geometria, mas que teve uma contribuição interessante: a Álgebra Geométrica, que consistia, segundo Brolezzi (1996), em resolver problemas algébricos utilizando a ideia de grandezas contínuas. Antônio Lira (2008) destaca que os gregos não desenvolveram o Cálculo por duas razões: o mal-estar diante do infinito – chamado horror infiniti – e o fato de que eles não possuíam a linguagem algébrica. Como diz Boyer (1974, p. 30), “os próprios conceitos que deram nascimento ao Cálculo – aqueles de variação e continuidade, do infinito e do infinitesimal – foram 31 banidos da Matemática grega por esta razão, sendo o trabalho de Euclides (300 a.C.) um monumento a esta exclusão”. A partir desse ponto, vamos dar ênfase ao trabalho de Eudoxo de Cnido (morreu por volta de 355 a.C.), aluno de Platão (427 – 347 a.C.) que propôs outra definição de proporção, de caráter mais geral, uma vez que o conceito de proporção dos pitagóricos, associando a razão entre dois segmentos de reta à razão entre números inteiros, não podia ser aplicada no caso das grandezas incomensuráveis. Conforme Brolezzi (1996), com a nova definição de Eudoxo, os quatro termos da proporção puderam ser todos grandezas geométricas, evitando por completo qualquer extensão à ideia pitagórica de número. Dessa forma, Eudoxo constrói um instrumento útil que podia ser manuseado sem haver misturas entre números e grandezas geométricas, isto é, sem ferir o modo de pensar grego. Podia-se já falar da "razão entre as áreas de dois círculos" como sendo equivalente à "razão entre os quadrados construídos sobre os diâmetros dos círculos". Segundo Boyer (2002, p. 63), de posse dessa definição, Eudoxo forneceu o lema que hoje tem o nome de “Lema de Arquimedes” e serviu de base para o método da exaustão, que é o equivalente grego de cálculo integral: Dadas duas grandezas diferentes (ambas não nulas), se da maior subtrairmos uma grandeza maior que a sua metade, e do que restou subtrairmos uma grandeza maior que a sua metade, repetindo esse processo continuamente, restará uma grandeza que será menor que a menor grandeza dada. A partir do método da exaustão, Arquimedes de Alexandria (287 – 212 a.C.), ocupou-se intensamente com o cálculo de áreas e volume de diversas figuras geométricas, inclusive do círculo e da esfera. Segundo Ávila (2006), o método da exaustão consistia em exaurir a figura dada por meio de outras; dessa forma, Arquimedes provou que a área do círculo é exatamente π ⋅ r 2 e provou que a razão da circunferência para o diâmetro está compreendida entre 3 + 10 e 3 + 10 . Além disso, outro feito importante creditado a 71 70 Arquimedes foi a quadratura da parábola, ou seja, o cálculo da área do segmento de parábola, chegando à conclusão de que esta é 4 da área do triângulo nele inscrito, 3 antecipando-se assim em mais de dezessete séculos aos resultados do Cálculo Integral, como afirma Brolezzi (1996, p. 27): 32 A diferença entre o método de exaustão e o limite do Cálculo Diferencial e Integral reside apenas no fato de os gregos não realizarem essa passagem ao infinito, pois não tinham noção de um continuum aritmético. Mas o tipo de argumentação é o mesmo, tanto no caso do atual limite quanto no método de exaustão geométrico. Pode-se talvez dizer que a noção de limite tivesse sido vislumbrada pelos gregos. Merece destaque também a obra de Fermat (1601 – 1665). Segundo Boyer (2002), é possível que desde 1629, Fermat já estivesse de posse da sua Geometria Analítica, pois nesse período, ele fez duas descobertas importantes que se relacionam com o seu trabalho sobre lugares geométricos. A mais importante foi o chamado “Método para achar máximos e mínimos” que lhe rendeu, nas palavras de Laplace (1749 – 1827), o título de descobridor do Cálculo Diferencial, bem como co-descobridor da Geometria Analítica. Boyer (2002, p. 240) descreve assim o método: Fermat estivera considerando lugares dados (em notação moderna) por n equações da forma y = x ; por isso elas são hoje frequentemente chamadas “parábolas de Fermat” se n é positivo ou “hipérboles de Fermat” se n é negativo. Aqui temos uma geometria analítica de curvas planas de grau superior; mas Fermat foi além. Para curvas polinomiais da forma y = f (x ) ele notou um modo muito engenhoso para achar pontos em que a função assume um máximo ou mínimo. Ele comparou o valor de f(x) num ponto com o valor de f(x+E) num ponto vizinho. Em geral esses valores serão bem diferentes, mas num alto ou num baixo de uma curva lisa a variação será quase imperceptível. Portanto para achar os pontos de máximo e de mínimo Fermat igualava f(x) e f(x+E), percebendo que os valores, embora não exatamente iguais, são quase iguais. Quanto menor o intervalo E entre os dois pontos, mais perto chega a pseudo-equação de ser uma verdadeira equação; por isso Fermat, depois de dividir tudo por E fazia E = 0. Os resultados lhe davam as abscissas dos pontos de máximo e mínimo do polinômio. Aqui tem-se o processo hoje chamado de diferenciação pois o método de Fermat equivale a achar f (x + E ) − f ( x ) e igualar isso a zero. [...] O processo de Fermat de lim E→0 E mudar ligeiramente a variável e considerar valores vizinhos é a essência da análise infinitesimal (grifo do autor). Boyer (2002) afirma que, de forma evidente, Fermat ainda não possuía em mãos, a definição formal de limite, mas podemos perceber que o seu método para achar máximos e mínimos se assemelha muito ao que utilizamos hoje no Cálculo. É importante citar que durante os anos em que Fermat estava desenvolvendo sua Geometria Analítica, ele descobriu também como achar a tangente a uma curva algébrica da forma y = f ( x ) usando seu processo de valores vizinhos. 33 Enfim, no século XVII surgem os trabalhos de Isaac Newton (1642 – 1727) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716) que são considerados os inventores do Cálculo Diferencial e Integral. O percurso de “invenção” do Cálculo traçado por eles teve interessantes diferenças, assim descritas por Brolezzi (1996, p. 29): Newton e Leibniz chegaram ao Cálculo através de caminhos diferentes. Não só é diferente a linguagem com que ambos expressaram as ideias fundamentais do Cálculo, mas também em termos de concepção pode-se verificar uma diferença grande entre os trabalhos destes homens. Tanto Newton quanto Leibniz podem ser considerados como os primeiros a expressar a ideia da reciprocidade entre a diferencial e a integral, que constitui o Teorema Fundamental do Cálculo. Mas a maneira de ver o Cálculo era distinta. Newton se referia a seu Cálculo como o “Método das Fluxões”, sendo a fluxão uma velocidade finita, e não uma quantidade infinitamente pequena. As variáveis eram consideradas como quantidades fluentes. Os conceitos mecânicos e cinemáticos eram usados como variáveis, o que equivale a considerá-las funções do tempo. Para Newton, o conceito fundamental do Cálculo é eminentemente cinemático e a ideia central é a de fluxão x, vetor velocidade de x, ou taxa de mudança da variável. “Trata-se da decomposição no eixo x do vetor velocidade do ponto” (BROLEZZI, 1996, p. 30). De acordo com Boyer (2002), Newton tentou definir o limite de uma função. Já para Leibniz, a visualização do Cálculo se dá de forma estática, de acordo com Margaret Baron e Henry Bos (1985, p. 70). Ele considerava as variáveis como percorrendo sequências de valores infinitamente próximos. No seu Cálculo, há pouco uso de conceitos de movimento. De acordo com Ávila (2006), uma das ideias fundamentais na criação do Cálculo de Leibniz é a de “triângulos característicos”. Dada uma curva qualquer, o triângulo característico num ponto qualquer P da curva é um triângulo retângulo formado pelos elementos infinitesimais dx, dy e ds; mediante este triângulo e outros semelhantes, ele obtém resultados importantes de quadratura, como mostra a figura abaixo: 34 Figura 1 – Triângulos característicos Fonte: Ávila (2006, p. 189) De acordo com Ávila (2006), o cálculo de Leibniz, na sua origem, é mais complicado que o de Newton. No entanto, a sua grande vantagem é a notação, os símbolos “d” para derivada e “ ∫ ” para a integral, utilizados até hoje, foram introduzidos por Leibniz em 1675, e ainda as notações dx, dy, ds para elementos infinitesimais tem a grande conveniência de “sugerir” os próprios resultados. Brolezzi (1996, p. 30) também compara os estilos de cada um, da seguinte forma: Podemos dizer assim que, em termos de tendência, ou estilo, Newton teria chegado ao Cálculo pela via do contínuo, e Leibniz, pela via do discreto. Ambas as maneiras de abordar o problema mostraram-se igualmente úteis, pois, enquanto não estava estabelecida a noção de limites, as ideias de movimento contínuo e de infinitésimos discretos surgiram como tentativas de esquematizar as impressões sensíveis a respeito da variação (grifo nosso). Entretanto, em ambos os Cálculos faltavam os fundamentos; tanto Newton como Leibniz tinham problemas com os infinitesimais, visto por ambos de maneiras diferentes, mas que operavam de maneiras parecidas, pois esses infinitesimais às vezes eram cancelados como fatores diferentes de zero, outras eram desprezados como se realmente fossem zero. “Essas operações contraditórias dominaram o Cálculo por muito tempo, até que surgissem trabalhos decisivos para a fundamentação lógica da disciplina no começo do século XIX” (ÁVILA, 2006, p. 191). Destacaremos agora, os trabalhos de dois matemáticos que foram fundamentais na busca de uma construção rigorosa dos fundamentos do Cálculo e, portanto, para o 35 movimento que ficou conhecido como Aritmetização da Análise: Cauchy (1789 – 1875) e Weierstrass (1815 – 1897). O processo de Aritmetização da Análise foi uma busca pela fundamentação do Cálculo não mais de maneira geométrica, mas sim por meio dos números. Segundo Ávila (2006), esse processo era, de certo modo, uma volta a Pitágoras. Uma das principais contribuições de Cauchy para a Análise foi a definição quase tão precisa de limite como a que utilizamos hoje: “Quando valores sucessivos atribuídos a uma variável se aproximam indefinidamente de um valor fixo de modo a acabar diferindo dele tão pouco quanto se queira, este último chama-se o limite dos outros dados” (CAUCHY, 1829 apud BOYER, 2002, p. 355). No entanto, segundo Reis (2001), talvez a maior contribuição de Cauchy não esteja no rigor da definição de limite, mas sim na concepção de infinitésimo como uma variável dependente: “Diz-se que uma quantidade variável se torna infinitamente pequena quando seu valor numérico decresce indefinidamente de modo a convergir para o limite zero” (CAUCHY, 1829 apud BOYER, 2002, p. 355). A partir desse conceito de limite, Cauchy desenvolveu os conceitos de continuidade, diferenciabilidade e integral, cujas definições são, em sua essência, as utilizadas até hoje. Porém, a busca pelo rigor levava a uma questão: a fundamentação do sistema de números reais, uma vez que a teoria de limites de Cauchy estava baseada apenas em uma noção intuitiva desses números. A partir de então, segundo Reis (2001), Weierstrass defendeu a necessidade de que o sistema de números reais fosse tornado rigoroso, o que se concretizou no final do século XIX, com os trabalhos de Dedekind (1831 – 1916) e Peano (1851 – 1932) que mostraram como o sistema dos números reais pode ser deduzido de um conjunto de postulados para o sistema dos números naturais, conhecidos como “Axiomas de Peano” e “Cortes de Dedekind”, os quais permitiram a demonstração rigorosa dos teoremas fundamentais sobre limites sem utilizar recursos geométricos, criando dessa forma, uma nova forma de lógica matemática. Assim, com Heine (1821 – 1881), aluno de Weierstrass na Universidade de Berlim, chegamos ao ponto onde começamos esta história: a definição formal de limite, formulada em 1872 e que foi apresentada no início do presente capítulo. 36 1.2. Um pouco sobre o ensino de limites Iniciaremos com um pequeno cenário de algumas pesquisas relacionadas ao ensino de limites. Diante do que foi exposto até aqui, percebemos que houve um empenho de grandes matemáticos para que o conceito de limite fosse definido como hoje o é. Então, parece-nos natural pensar que, para nossos estudantes de Cálculo, não é fácil a compreensão / aprendizagem desse conceito. De uma maneira geral, o estudo de limites de funções integra a ementa da disciplina de Cálculo I, a qual normalmente aparece nas estruturas curriculares de cursos como Matemática (Licenciatura e Bacharelado), Engenharias, Economia, dentre outros, nos primeiros períodos. Uma das discussões presentes na literatura é a dificuldade de ensinar e aprender o conceito de limite, como mostra uma pesquisa de Bernard Cornu (1991), realizada em 1983, ao destacar a importância do conceito para o desenvolvimento de outros conceitos do Cálculo Diferencial e Integral sendo um tipo de “pensamento necessário” para a construção de uma Matemática avançada. Aqui, cabe destacar que acreditamos que o conceito de limite realmente é necessário para a construção de conceitos como derivada e integral, principalmente na forma como o Cálculo está hoje estruturado nos currículos públicos dos cursos de Ciências Exatas. Entretanto, há de se considerar que a própria História do Cálculo nos mostra que o surgimento desses conceitos se deu na ordem inversa: integral, derivada e limite. Talvez a formalização da estrutura matemática tenha contribuído para a ordem atual do ensino de Cálculo. Cornu (1991) discute de forma rápida a questão relacionada ao conceito formal e a intuição, deixando claro que alguns aspectos relativos à manipulação algébrica do conceito de limite são privilegiados em relação ao próprio conceito em si. Apresenta ainda algumas outras noções ligadas à noção de limite e a obstáculos cognitivos para seu entendimento como proposto pelos matemáticos. Organiza-os em três tipos: obstáculos genéticos e psicológicos, obstáculos didáticos e obstáculos epistemológicos. E, finalmente, apresenta algumas estratégias para o ensino do conceito de limite, visando uma melhor compreensão pelos que o estudam pela primeira vez. 37 Para o pesquisador, o conceito de limite é de difícil apreensão e, consequentemente, traz dificuldades também para quem o ensina. É possível perceber que os alunos, de uma maneira geral, são capazes de realizar longas listas de atividades envolvendo tal assunto, sem que realmente tenham compreendido o conceito. Cornu (1991) acredita que a dificuldade no ensino e na aprendizagem do conceito de limite não se restringe à riqueza e complexidade do assunto, mas também reside no fato de que os aspectos cognitivos envolvidos nesse processo não podem ser gerados apenas a partir da definição matemática. Há alguns aspectos do conceito de limite que apenas são compreendidos pela intuição, que é o caso do caráter dinâmico deste conceito. O fato é que, de uma maneira geral, os estudantes acabam não se apropriando do conceito formal de limite: “Lembrar a definição de limite é uma coisa, adquirir a concepção fundamental é outra” (CORNU, 1991, p. 153). Outra questão que Cornu (1991) discutiu foi o que chamou de concepções espontâneas, descritas como concepções relacionadas a uma noção, que ocorrem antes de seu ensino formal. Os estudantes trazem as suas próprias ideias, intuições e imagens que vêm da própria experiência, anterior ao ensino formal de um tema ou conceito. Segundo Cornu (1991), para a maioria dos conceitos matemáticos, o ensino não começa em um território virgem. No caso dos limites, um agravante é a linguagem coloquial, na qual expressões como “tender a” e “limite” tem significados diferentes para os estudantes (TALL e SCHWARZENBERGER, 1978) e para os professores que a utilizam no contexto técnico da aula de Matemática. Ainda segundo Cornu (1991), é ilusão acreditar que, diante de uma teoria formal, tais concepções espontâneas desaparecem; ao contrário, misturam-se à linguagem técnica dando origem a uma concepção pessoal acerca da ideia apresentada, que nem sempre corresponde à concepção como entendida pela comunidade dos matemáticos. Outra noção importante para o ensino e aprendizagem, de uma forma geral, que o autor discute, é a noção de obstáculo cognitivo. Ele a considera relevante para identificar dificuldades encontradas pelos estudantes, no processo de aprendizagem e para ajudar a determinar estratégias mais apropriadas de ensino. Esses obstáculos foram classificados em três tipos: os obstáculos genéticos e psicológicos, os quais ocorrem como resultado do desenvolvimento pessoal do estudante; os obstáculos didáticos, os quais ocorrem como resultado do ensino e do professor; e os obstáculos epistemológicos, os quais ocorrem pela própria natureza dos conceitos matemáticos. 38 Este último tipo, obstáculos epistemológicos, foi introduzido por Gaston Bachelard (1983). Para o pesquisador, os obstáculos epistemológicos têm duas características principais: 1) Eles são inevitáveis e essenciais na constituição do conhecimento a ser adquirido; 2) Eles são encontrados, ao menos em parte, no desenvolvimento histórico do conceito. Para Cornu (1991), em relação ao conceito de limite, existem quatro obstáculos epistemológicos na sua construção histórica: 1) A ausência de relações entre a geometria e os números; 2) A noção do infinitamente grande e do infinitamente pequeno; 3) O aspecto metafísico da noção de limite; 4) A dúvida se o limite pode ser atingido ou não. Os dois primeiros obstáculos levaram muito tempo para serem superados e possibilitar a construção formal do conceito. Cornu (1991) avalia que tal questão, da falta de ligação da geometria com os números, impediu que o conceito de limite fosse formulado ainda pelos gregos, pelo método da exaustão. A ideia do infinitamente grande e infinitamente pequeno gerou conflitos entre grandes nomes da matemática, tais como Newton, conforme visto no capítulo anterior, ou D’Alembert, que se opôs ao uso dos infinitesimais e tentou removê-los do Cálculo Diferencial. Quanto aos dois últimos obstáculos mencionados, estes geram conflitos entre os estudantes até hoje. De fato, a questão do aspecto metafísico do conceito de limite gera perguntas tais como: “isto realmente é Matemática?” E dúvidas quanto ao limite ser atingido ou não são objetos de pesquisa em nossas salas de aula, refletindo a dificuldade na construção e apropriação do conceito formal expresso na definição de limite. O autor ainda ressalta que, certamente, existem outros obstáculos epistemológicos em relação à noção de limite e que uma maneira valiosa para localizá-los são os erros 39 cometidos pelos alunos, os quais, quando analisados, permitem encontrar melhores estratégias de ensino. Cornu (1991) finaliza seu trabalho ressaltando a importância dos professores reconhecerem as dificuldades relacionadas ao conceito de limite e que apenas uma exposição clara das ideias não é suficiente para que os estudantes compreendam tal conceito. Uma sugestão de Cornu (1991) para os professores é que, antes de começar a trabalhar com a noção de limite, os estudantes tenham a possibilidade de trabalhar com atividades adequadas para ajudá-los a tomar consciência das próprias concepções espontâneas, imagens, intuições e experiências que virão à tona quando se iniciar o processo de aprendizagem de limites; em particular, deve-se discutir os diferentes significados das palavras utilizadas dentro desse contexto. Enfim, de uma maneira geral, é possível perceber, pelos argumentos do autor e de nossa própria experiência, que o ensino e a aprendizagem do conceito de limite é uma tarefa difícil, mas que não pode passar despercebida nos cursos de Cálculo, uma vez que a compreensão desse conceito pode contribuir para uma real compreensão de outros conceitos, como continuidade, derivada e integral, especialmente na perspectiva como o Cálculo está hoje estruturado nos currículos públicos. Outra pesquisa que também busca reconhecer os obstáculos epistemológicos em relação ao conceito de limite foi realizada por Anna Sierpinska (1985). A pesquisadora constatou, numa investigação junto a quatro estudantes de Cálculo, divididos em grupos de dois, a existência de diversos tipos de obstáculos ligados à aprendizagem da noção de limites, assim classificados por ela: 1) Obstáculos relacionados a um certo horror ao infinito; 2) Obstáculos relacionados à noção de função; 3) Obstáculos relacionados a fundamentos geométricos; 4) Obstáculos relacionados a fundamentos de lógica; 5) Obstáculos relacionados ao simbolismo utilizado. 40 Ao comentar sobre os obstáculos constatados por ela, afirma: “O conjunto de obstáculos que nos parece mais importante é o que resulta da recusa dos conjuntos infinitos. Trata-se de horror ao infinito” (SIERPINSKA, 1985, p. 39). É interessante observar que Cornu (1991) discute os obstáculos acerca da construção histórica do conceito de limites e sua definição formal e Sierpinska (1985) discute os obstáculos relativos à aprendizagem do conceito de limite. Analisando ambos os conjuntos de obstáculos, percebemos que ambos estão presentes na sala de aula, mesmo os que se referem à construção histórica, uma vez que cada estudante deve construir a sua própria concepção acerca do conceito e, é claro, espera-se que esta esteja de acordo com a comunidade dos matemáticos. Em particular, o horror ao infinito se faz presente historicamente e, para Cornu (1991), foi superado a partir da construção formal do conceito, enquanto Sierpinska (1985) o reconhece como um dos mais importantes para a aprendizagem do conceito de limite. Já Luc Trouche (1996) investiga a relação entre o processo de instrumentação e o processo de conceituação sobre a noção de limite de função em um ambiente em que se utiliza a calculadora gráfica como ferramenta para a aprendizagem; reúne os obstáculos relativos ao conceito de limite citados por Cornu (1983) e Sierpinska (1985) nos seguintes obstáculos: 1) Os obstáculos atomistas, que abrangem os obstáculos dos infinitamente pequenos de Cornu e os obstáculos relacionados à noção de funções de Sierpinska; 2) Os obstáculos geométricos, como uma curva tende a se aproximar de sua assíntota; 3) Os obstáculos cinemáticos-monótonos, como quando a ideia do limite é associada a uma aproximação numérica; 4) Os obstáculos algébricos, que se relacionam com a transferência automática dos métodos de álgebra das grandezas finitas às grandezas infinitas; 5) Os obstáculos lógicos, onde o controle da variável precede da função e é muito maior que a simples localização de eventuais quantificadores. 41 Essa pesquisa aponta para a necessidade de ferramentas de controle para uma aprendizagem eficaz. Três delas devem ser levadas em consideração, de acordo com Trouche (1996): a epistemológica que indica não se poder falar do conceito de limite, sem abordar o seu significado; a tecnológica, cuja integração das ferramentas computacionais é de responsabilidade do professor; uma análise cognitiva, pois, de acordo com o foco sobre os perfis dos estudantes, é uma condição indispensável para gerir a sala de aula, a mais necessária em uma atividade com instrumentos. Diante dessas pesquisas e de nossa própria experiência como docente e discente de Cálculo, reafirmamos, mais uma vez, que a tarefa do ensino e aprendizagem de limites não é simples, mas complexa, e requer atenção especial dos professores e pesquisadores. Dentro dessa perspectiva, Wanderley Rezende (1994) observou que, para alunos e professores de Cálculo, as dificuldades de aprendizagem relacionadas à operação de limite estão associadas muito mais às suas dificuldades em manipulações algébricas (fatoração de polinômios, relações trigonométricas, simplificações algébricas, produtos notáveis, etc) do que à sua interpretação analítica. Já o mesmo pesquisador, Rezende (2003, p. 14) afirma que: Assim, no contexto do ensino de Cálculo, pode-se dizer que a noção de limite de funções está mais caracterizada, portanto, como uma operação algébrica do que como uma operação analítica. Esta “algebrização” exacerbada da operação de limite caracteriza bem o que queremos dizer com a “prevalência da técnica sobre o significado”. Exercícios de técnicas de derivação e integração também preponderam sobre os exercícios de natureza conceitual. É importante observar que Rezende (2003) apresenta a opinião de alunos e professores em relação à operação de limite, ou seja, a forma como o conceito vem sendo trabalhado, leva alunos e professores a crerem que o maior problema reside na manipulação algébrica do que na apropriação do conceito em si. Isso demonstra claramente que há uma preocupação geral com o resultado do cálculo do limite e não com o significado em si. Frente aos obstáculos no ensino e aprendizagem do conceito de limite e dada a sua importância para a compreensão conceitual de derivada e integral, outros pesquisadores vêm buscando formas de enfrentar este processo de significação do limite, apresentando trabalhos cujo objetivo principal é minimizar as dificuldades que surgem em sala de aula. 42 Ivanete Zuchi (2005) é uma dessas pesquisadoras e deixa clara a sua intenção quando parte da premissa da existência de um obstáculo no processo de ensino e aprendizagem do conceito de limite e pondera que o desenvolvimento de uma nova metodologia pode contribuir de maneira significativa para a compreensão desse conceito. Nesse trabalho, Zuchi (2005) integra duas áreas, a saber: a Didática da Matemática e a Inteligência Artificial. A Teoria das Situações, proposta por Brousseau, foi o referencial teórico da concepção e aplicação de uma sequência didática do conceito de limite. Essa sequência foi desenvolvida, inicialmente, no ambiente lápis e papel e, logo após, num ambiente informatizado, utilizando-se os recursos da Inteligência Artificial. A questão norteadora da pesquisa de Zuchi (2005) foi: Que situações didáticas podem ser criadas no sentido de favorecer o processo de ensino e aprendizagem do conceito de limite? Para responder a tal questão, a pesquisadora fez um estudo sobre os obstáculos referentes ao ensino e aprendizagem do conceito de limite e propôs a sequência didática a partir do lápis e papel até a utilização da informática. A utilização da informática aconteceu por meio de um sistema especialista que, segundo Zuchi (2005, p. 20), são programas de computador planejados para adquirir e disponibilizar o conhecimento operacional de um especialista humano: São frutos de mais de vinte anos de pesquisa e seu uso tem se difundido por vários países e contemplando diversas áreas, entre as quais podemos citar interpretação de dados, simulação, diagnóstico, projeto, planejamento, monitoramento, reparo, instrução e controle. Zuchi (2005) integra o Grupo de Estudos de Informática Aplicada a Matemática – GEIAM, grupo de pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina e, para a realização desse trabalho, ela criou o protótipo Horos que, em grego, quer dizer limite. De acordo com ela, a sequência didática implementada contempla três módulos: 1) Um pouco de história do Cálculo: esse módulo traz alguns problemas motivadores que envolvem a ideia intuitiva do conceito de limite; 2) Limite do ponto de vista cinemático: esse módulo contempla o limite do ponto de vista cinemático, apresentando a ideia intuitiva de sequência numérica e, após isso, trabalha com limite de funções de maneira intuitiva, por meio de animações em recursos gráficos; 43 3) Limite do ponto de vista de aproximação: o protótipo Horos permite uma navegação linear ou aleatória, que permite chegar à definição de limite, via épsilons e deltas, que é o que autora chama de limite do ponto de vista de aproximação. O programa Horos foi implementado em quatro turmas da disciplina Cálculo Diferencial e Integral I, no Centro Tecnológico da Universidade Estadual de Santa Catarina, em Joinville – SC. Em uma dessas turmas, o protótipo foi aplicado sem o prévio conhecimento sobre o conteúdo de limite e, nas outras, após os professores terem trabalhado, em sala de aula, a definição de limite, do ponto de vista de aproximação. A aplicação do protótipo teve como finalidade a verificação de aspectos ligados à interface, à avaliação do produto e do contexto. Diante dos resultados da pesquisa, Zuchi (2005, p. 206) diz que: Na observação realizada em classe identificaram-se várias dificuldades no processo de ensino aprendizagem do conceito de limite. Alguns desses obstáculos já tinham sido observados no contexto histórico, tal como a dificuldade de se trabalhar com grandezas infinitesimais e com a noção do infinito. Uma dificuldade bastante acentuada foi a relação entre epsilon e delta na definição de limite pelo ponto de vista de aproximação. Constatou-se que essa dificuldade de aprendizagem era gerada por vários fatores, dentre os quais pode-se destacar: o obstáculo da linguagem matemática, a falha em conteúdos básicos como funções e inequações e principalmente, o obstáculo presente na passagem da noção intuitiva, a qual utiliza-se do ponto de vista cinemático, diretamente para a definição de limite pelo ponto de vista de aproximação, de uma maneira direta e formalizada. Essa discussão parece reforçar a nossa hipótese de que a definição de limites via épsilons e deltas deve ser repensada, em um curso de Cálculo, visão corroborada por Reis (2001, p. 64): Baseando-nos, principalmente, em nossa própria experiência profissional na docência do Cálculo, reconhecemos que o ensino de limites tem demonstrado ser um ponto de grandes questionamentos em relação à sua abordagem excessivamente rigorosa, segundo a ortodoxia epsilônica. Também encontramos respaldo teórico por várias pesquisas relacionadas ao ensino de limites, realizadas em diversos países e cursos. O pesquisador intensifica a sua preocupação com os níveis de rigor que devem ser utilizados, em qualquer assunto matemático que se esteja ensinando, lembrando a 44 importância de avaliarmos o perfil do nosso aluno e qual o objetivo daquele aprendizado. Reis (2001, p. 79) sustenta: Portanto, cabe a nós, professores de Cálculo e Análise, a avaliação de qual nível de rigor é conveniente atingir sem que, com isso, percamos o sentido e a real compreensão das ideias matemáticas. Para isso, devemos levar em consideração, fundamentalmente, o perfil do nosso estudante no que se refere a sua formação matemática anterior e aos objetivos das disciplinas que ministramos para os diversos cursos da carreira universitária, os quais formam profissionais com os mais diferentes aspectos. Ainda em relação ao conceito de limite e sua construção, destacamos o trabalho de Lira (2008), cuja visão é corroborada por todos os outros pesquisadores aqui estudados, no que diz respeito à dificuldade no aprendizado de limites. Este realizou uma pesquisa acerca da natureza do conceito de limite; para isso, buscou pesquisar os mecanismos cognitivos que estão envolvidos quando um sujeito atua sobre um problema acerca de tal conceito e ainda buscou elementos históricos para o embasamento dessa compreensão. Paralelamente a esse trabalho, também foi feita uma pesquisa sobre objetos digitais interativos e as possibilidades de utilizá-los na investigação dos mecanismos cognitivos. A teoria escolhida para a análise epistemológica foi a Epistemologia Genética de Jean Piaget, mais especificamente, a teoria relativa às relações lógicas, infralógicas e ao pensamento formal. A principal questão de investigação do trabalho dele foi: Que objetos digitais e como utilizá-los para investigar o desenvolvimento de mecanismos cognitivos presentes no processo de construção do conceito matemático de limite (de uma função com domínio e imagem no conjunto dos reais) em aprendizes? Para responder a tal questão e atingir o objetivo principal da pesquisa, que era utilizar o computador para investigar os mecanismos cognitivos envolvidos na construção do conceito matemático de limite, Lira (2008) buscou critérios para a elaboração de objetos digitais voltados para a aprendizagem matemática. Realizou um estudo sobre a construção histórica do conceito de limites que buscasse evidenciar os obstáculos epistemológicos para tal construção e os aspectos cognitivos associados a ela e, ainda, elaborou uma metodologia referendada na teoria de Piaget que permitisse evidenciar os mecanismos cognitivos, na construção do conceito de limite. 45 Nesse trabalho, foi utilizada a programação em LOGO e foram construídos dois objetos digitais que o autor chamou de “experimento da fita”, que é uma retomada dos paradoxos de Zenão e o “experimento da raiz quadrada de dois”. Esses instrumentos foram aplicados para alunos desde o 8º ano do Ensino Fundamental ao 3ºano do Ensino Médio, em um total de 38 experimentos. A escolha desses alunos se justificou pelo fato de Piaget já ter estudado o conceito do contínuo e ponto com crianças até treze anos e porque o objetivo da pesquisa era a construção do conceito e não, a sua formalização. Entretanto, para a análise, foram utilizados os resultados dos experimentos realizados com os alunos do Ensino Médio, em um total de 28. Lira (2008, p. 63) justifica seus instrumentos quando diz que: O conceito de limite depende do contínuo numérico que possui relação com a continuidade da reta e o conceito de contínuo, por sua vez, depende da existência dos números irracionais. Os números irracionais permitiram fechar as lacunas da reta real, uma vez que os conjuntos N, Z e Q deixam lacunas. Em relação às suas conclusões, Lira (2008, p. 114) afirma que: O conceito de limite envolve muito mais que uma definição. Ele envolve mecanismos cognitivos, os quais nós exercitamos desde criança, tais como ordenar, seriar, encaixar, separar, recompor e realizar envolvimentos, ou seja, relações topológicas estudadas por Piaget junto a crianças. Para atingir tais mecanismos na formalização avançada é necessário construir o conceito de contínuo numérico, que necessita destas relações, mas realizadas de forma infinita. Existe ainda a necessidade da generalização destas relações e das operações envolvidas. As pesquisas que foram aqui delineadas mostram a importância de se valorizar o conceito de limite para além do procedimento com o cálculo de limites. Nesse caminhar, é claro que muitos obstáculos podem surgir. Mais uma vez, então, estamos diante da necessidade da construção do significado, que é o buscamos em nosso trabalho. Embora o nosso público alvo seja formado por estudantes que se encontram em um nível mais avançado no curso de licenciatura, por estar cursando Análise Real, acreditamos que a definição formal de limite só tem sentido se o conceito estiver bem estabelecido e fundamentado. 46 Capítulo 2 BUSCANDO CONEXÕES ENTRE O PENSAMENTO MATEMÁTICO AVANÇADO E AS NOÇÕES DE IMAGEM CONCEITUAL E DEFINIÇÃO CONCEITUAL Advanced Mathematical Thinking has played a central role in the development of human civilization for over two millennia. David Tall Neste capítulo, discutiremos um pouco mais sobre o Pensamento Matemático Avançado, na visão de alguns pesquisadores, destacando Tommy Dreyfus (1991), Eddie Gray e outros (1999) e dando ênfase ao trabalho de Tall (1991) e Tall e Vinner (1981), bem como sobre as noções de imagem conceitual e definição conceitual, fundamentais como referencial teórico de nosso trabalho. 2.1. Sobre o Pensamento Matemático Avançado Para Dreyfus (1991), o Pensamento Matemático Avançado consiste numa grande série de processos que interagem entre si de forma complexa, como por exemplo, os processos de representar, visualizar, generalizar ou ainda outros, tais como classificar, conjecturar, induzir, analisar, sintetizar, abstrair ou formalizar. Entre estes processos, destacam-se a representação e abstração; esta, por sua vez, exige a capacidade de generalização e síntese. De acordo com Dreyfus (1991), não há distinção nítida entre muitos dos processos envolvidos nos Pensamentos Matemáticos Elementar e Avançado, mesmo que a Matemática avançada seja mais centrada nos processos de abstração, de definição e de dedução. Muitos dos processos mentais da Matemática avançada estão já presentes no pensamento das crianças sobre conceitos elementares da Matemática; por exemplo, no conceito de número e valor de posição. Esta também é a visão de Tall (1991) quando ressalta as semelhanças entre os ciclos do pensamento elementar e avançado, conforme citamos na introdução deste trabalho. 47 Os processos mentais, de acordo com Dreyfus (1991), não são exclusivamente usados em Matemática avançada nem são exclusivamente usados na Matemática. Abstrações são feitas em Física, representações são usadas em Psicologia, análises são usadas em Economia e visualização em Arte. É possível pensar em tópicos da Matemática avançada de uma forma elementar e há bastante de avançado em alguns temas elementares. Dreyfus (1991, p. 26) e ressalta: Uma característica distintiva entre o pensamento avançado e pensamento elementar é a complexidade e como ela é tratada. Conceitos avançados, tais como anéis, é provável que sejam muito complexos. A distinção está na forma como essa complexidade é gerenciada. Os processos poderosos são aqueles que permitem fazer isso, em especial abstração e representação. Por meio de abstração e representação, pode-se passar de um nível de detalhe para o outro e, assim, gerenciar a complexidade. (tradução nossa) Dentre os processos envolvidos na construção do Pensamento Matemático Avançado, Dreyfus (1991) destaca a abstração como o ponto chave e acredita que o aluno que adquiriu a habilidade de, conscientemente, fazer abstrações a partir de situações matemáticas, atingiu o nível de Pensamento Matemático Avançado. Para Dreyfus (1991, p. 37): Abstrair é primeiramente um processo construtivo – a construção de estruturas mentais a partir de estruturas matemáticas, isto é a partir de propriedades e de relações entre objetos matemáticos. Este processo é dependente do isolamento de propriedades e relações apropriadas. Requer a habilidade de trocar atenção dos objetos em si para a estrutura de suas propriedades e relações. Essa atividade construtiva mental por parte de um aluno é fortemente dependente da atenção do aluno, devendo enfocar nas estruturas que formarão parte do conceito abstrato, desviando-se daqueles que são irrelevantes no contexto pretendidos; a estrutura se torna importante, enquanto detalhes irrelevantes estão sendo omitidos, deste modo reduzindo a complexidade da situação. (tradução nossa) Gray e outros (1999) afirmam que o termo Pensamento Matemático Avançado tem sido usado mais no sentido do pensamento criativo de matemáticos profissionais quando imaginam, conjecturam e provam teoremas. Acrescentam ainda, que esse termo também se aplica ao pensar dos estudantes quando lhes são apresentados definições e teoremas criados por outros. Ainda pontuam que as atividades cognitivas, envolvidas no Pensamento Matemático Avançado, podem diferir grandemente de um indivíduo para 48 outro, incluindo aqueles que constroem a partir de imagens e intuições e outros, mais voltadas para a dedução lógica simbólica. Em relação aos Pensamentos Matemáticos Elementar e Avançado, Gray e outros (1999, p. 7) destacam a noção de “procepto”, como sendo a adjunção de um processo relacionado a um conceito, ao afirmarem: Portanto, nós vemos que a Matemática elementar tem dois métodos distintos de desenvolvimento; um com foco nas propriedades dos objetos na direção da geometria e outro nas propriedades dos processos, representados simbolicamente como proceptos. A Matemática avançada toma a noção de propriedade como fundamental, usando propriedades nas definições de conceitos, a partir dos quais uma teoria formal sistemática é construída (tradução nossa). Ainda em relação à transição do Pensamento Matemático Elementar para o Pensamento Matemático Avançado, Gray e outros (1999) dizem que o mover da construção objeto → definição para a construção definição → objeto é considerado uma parte essencial dessa transição. Esta construção definição → objeto envolve selecionar e usar critérios para as definições de objetos e isso pode inverter as experiências anteriores de relações e envolve uma transposição da estrutura do conhecimento. Para Tall (1991), algumas considerações psicológicas são pertinentes para o estudo do Pensamento Matemático Avançado e que servem de bases para melhor compreensão deste assunto. Ele considera a dificuldade acerca da discussão da natureza da psicologia do Pensamento Matemático Avançado, baseando-se em Hadamard (1945)1, o qual afirma que a dificuldade fundamental é esse assunto envolver duas disciplinas: a Psicologia e a Matemática e os representantes de ambas as áreas são suscetíveis de ver o assunto de maneiras diferentes. O psicólogo procura estender as teorias psicológicas ligadas aos processos de pensamento, na tentativa de uma compreensão, de forma mais complexa, acerca do domínio do conhecimento, enquanto o matemático busca soluções para o processo de pensamento criativo, na tentativa, talvez, de contribuir para um avanço na qualidade do ensino ou da pesquisa. Tall (1991) deixa claro que o foco do trabalho é o que chama de ciclo completo da atividade do Pensamento Matemático Avançado: a partir do ato criativo de considerar HADAMARD, J. The Psychology of Invention in the Mathematical Field. Princeton: University Press, 1945. 1 49 um problema no contexto da investigação matemática, chegar à formulação de conjecturas para a fase final de refinamento e prova. Dentre algumas considerações cognitivas, esse autor salienta a existência de diferentes formas de pensar matematicamente, fundamentando seu argumento no trabalho de Poincaré (1913)2 que analisou os trabalhos de vários matemáticos, dentre eles, Weiertrass e Riemann (1826-1866) e considerou a existência de dois tipos específicos de mentes matemáticas: o primeiro tipo são os que consideram a lógica como fundamento de seus trabalhos, como se cada avanço fosse sendo dado passo a passo, enquanto o segundo tipo é guiado pela intuição. Esses dois tipos de mente são divididos, então, de duas formas, a saber: os que pensam analiticamente e os que pensam geometricamente. Por outro lado, para Tall (1991), não existem apenas dois tipos de mentes matemáticas, mas muitas; e essas maneiras distintas de ver a Matemática levaram ao desenvolvimento de várias e diferentes vertentes da filosofia matemática, no início do século XX, como a visão intuicionista de Kronecker (1823 – 1891), a formalista de Hilbert (1862 – 1943) e a logicista de Russel (1872 – 1970). No entanto, ele destaca que prevaleceu, no final do século XX, uma mistura da visão formalista e lógica, com a criação de um grande número de sistemas formais baseados em deduções lógicas, formulados a partir de definições e axiomas formais, que prevalecem até os dias atuais. Tall (1991) destaca que a discussão anterior tem como objetivo salientar que qualquer teoria da psicologia da aprendizagem matemática deve levar em consideração, não só o crescimento das concepções dos alunos, mas as concepções dos matemáticos experientes, como mostra a própria história. “A Matemática é uma cultura compartilhada e há aspectos que são dependentes do contexto” (TALL, 1991, p. 6). Existem muitas teorias concorrentes na Psicologia, entre elas a teoria Behaviorista, construída a partir da observação externa de estímulo e resposta e que, conforme Tall (1991), tem uma aplicação limitada para a Matemática, pois se aplica apenas aos pensamentos matemáticos mecanizados, como os algoritmos de rotina. Por outro lado, temos a teoria construtivista, cujo principal representante é o psicólogo suíço Jean Piaget, o qual discute como as ideias são criadas na mente de cada indivíduo. Piaget estudou o desenvolvimento da criança até tornar-se adulta e identificou quatro etapas principais: a sensório-motora, a fase pré-operacional, a fase das operações 2 POINCARÉ, H. The Foundations of Science. New York: The Science Press, 1913. 50 concretas e, finalmente, a fase das operações formais, no início da adolescência, quando o tipo de hipotética “se... então” torna-se possível. Conforme Tall (1991), a teoria dos estágios de Jean Piaget foi estendida para níveis mais elevados, para abranger o Pensamento Matemático Avançado. Como exemplo, temos Ellerton (1985)3 que sugeriu ser as três primeiras fases do ciclo de Piaget o primeiro nível de uma espiral do desenvolvimento cognitivo, no qual o estágio formal é o início de outro ciclo do mesmo tipo, em maior nível de abstração. Ainda Biggs e Collis (1982)4 sugeriram a repetição das operações formais em níveis sucessivamente superiores. No entanto, para Tall, há dificuldade para estender a teoria de Piaget para níveis mais elevados de aprendizagem, pois, muito provavelmente, a maioria dos estudantes universitários não é capaz de chegar ao nível abstrato das operações formais. Tall (1991) salienta ainda que a teoria do estágio pode ser apenas uma visão simplista, linear, de um sistema muito mais complexo de mudança, quando se trata da transição do Pensamento Matemático Elementar para o Pensamento Matemático Avançado. Mas para Tall há um aspecto interessante na teoria de Piaget, o processo de transição mental de um estágio para outro. Durante essa transição, é possível a existência de um comportamento instável, pois é possível haver conflito entre a experiência anterior e as novas informações. Piaget utiliza os termos “assimilação” para descrever o processo pelo qual o indivíduo leva em consideração as novas informações e “acomodação” para o processo pelo qual a estrutura cognitiva do indivíduo deve ser modificado. Ele vê a assimilação e acomodação como eventos complementares (TALL, 1991). De acordo com Tall (1991), Skemp (1979)5 apresenta ideias semelhantes, distinguindo dois casos, a saber: o primeiro é quando, no processo de aprendizagem, é exigido apenas uma expansão da estrutura cognitiva do indivíduo; no segundo, quando existe conflito cognitivo e, então, há necessidade de uma reconstrução do pensamento. É justamente nesse processo de reconstrução que ocorrem as dificuldades de transição de uma fase para outra: “Essas transições ocorrem frequentemente na Matemática 3 ELLERTON, N. F. The Development of Abstract Reasoning – Results from a large scale mathematics study in Australia and New Zealand, 1985. 4 BIGGS, J.; COLLIS, K. Evaluating the Quality of Learning: the SOLO Taxonomy. New York: Academic Press, 1982. 5 SKEMP, R. R. Intelligence, Learning and Action. Londres: Wiley, 1979. 51 avançada quando o indivíduo se esforça com a estrutura do novo conhecimento. Conflito é um fenômeno bem conhecido para a mente matemática” (TALL, 1991, p. 9). Para Tall, o problema mais grave no aprendizado de Matemática avançada ocorre quando as novas ideias não foram satisfatoriamente acomodadas e entram em conflito com o conhecimento já construído, podendo ou não gerar um novo conhecimento. Tall (1991) também acredita que os processos de abstração e generalização são fatores cognitivos que dificultam ou impedem o aprendizado de matemática avançada. De acordo com ele, a abstração é um objeto mental muito distinto, que é definido por uma lista de axiomas. Enquanto a generalização simplesmente envolve uma extensão dos processos conhecidos, a abstração requer uma reorganização mental volumosa. Tall (1991) considera ainda que questões como rigor e intuição devem ser levadas em consideração, quando se trata do processo de ensino e aprendizagem de conceitos que requerem pensamentos matemáticos mais elaborados, descartando a possibilidade de uma visão dicotômica entre rigor e intuição. Coadunando com esse ponto de vista, Reis (2001, p. 75) faz uma comparação em relação ao ensino de Cálculo e Análise, destacando a importância da complementariedade entre o rigor e a intuição em ambos: “Rigor e intuição caminham juntos, tanto no Cálculo como na Análise e ambos têm papéis igualmente importantes e complementares na formação do pensamento / conhecimento diferencial, integral e analítico, tanto de um professor de Matemática quanto de um matemático. Enfim, acerca da construção do Pensamento Matemático Avançado, dois aspectos são apontados como fundamentalmente complementares por Tall (1991) na elaboração de conceitos e resultados: a criatividade, ao se gerar novas ideias e conceitos, e o convencimento da validade de certo resultado, por meio da prova matemática. Dentro dessa perspectiva, noções que devem ser levadas em consideração, quando se trata da construção do Pensamento Matemático Avançado são a imagem conceitual e a definição conceitual, sobre as quais passaremos, agora, a discorrer. 2.2. Imagem conceitual e definição conceitual Entre as teorias cognitivas relativas à construção dos conceitos matemáticos, daremos destaque na presente pesquisa, aos trabalhos de Tall e Vinner (1981) como impulsionadores da discussão acerca da imagem conceitual e da definição conceitual, 52 também chamadas, por alguns autores, de conceito imagem e conceito definição, respectivamente. Inicialmente, cabe destacar o que Tall e Vinner (1981, p. 152), concebem como imagem conceitual e definição conceitual: Nós usaremos o termo imagem conceitual para descrever a estrutura cognitiva total que está associada com o conceito, que inclui todas as figuras mentais e propriedades e processos associados. Esta é construída ao longo dos anos, através de experiências de todos os tipos, mudando enquanto o indivíduo amadurece e se depara com novos estímulos [...] definição conceitual é a forma de palavras usadas para especificar o conceito. (tradução nossa) É importante destacar que, embora Tall e Vinner (1981) concordem a respeito do que concebem como imagem conceitual e definição conceitual, eles entendem essas noções de forma diferente. Vinner (1991) apresenta uma distinção bastante nítida entre essas noções, usando inclusive imagens de células separadas para buscar entender as relações entre as noções, quando se refere à aquisição de um conceito, em contextos que ele chamou de “técnicos”. Tall (2003), ainda que considere os conceitos citados anteriormente como distintos, não os vê como exclusivos, mas antes, que a definição conceitual deve ser concebida como uma parcela da imagem conceitual global que existe na nossa mente / cérebro. Assumiremos, neste trabalho, essa consideração de Tall (2003) sobre imagem conceitual e definição conceitual, sem entretanto, deixar de destacar as contribuições de Vinner (1991). Para Vinner (1991), os termos imagem conceitual e definição conceitual são fundamentais para a explicação do processo cognitivo da formação dos conceitos, termos estes que foram formulados por Vinner em 1980, ano em que Tall estava diante de uma grande quantidade de dados, recolhidos junto a alunos universitários, procurando fazer uma análise que fosse além do ponto de vista puramente matemático. A partir desses dados, Vinner e Tall publicaram, em conjunto, o texto de 1981, no qual definiram os termos imagem conceitual e definição conceitual. Como já dissemos, existem algumas diferenças na forma como os termos são abordados por Tall e Vinner. De acordo com Tall (2003), para Vinner, a imagem conceitual, definida de maneira mais filosófica, é uma experiência mental do investigador, ao procurar analisar o que acontece quando os alunos se focam, de formas diferentes, nas 53 imagens e nas definições, podendo induzir que, para ele, a mente está separada do cérebro. É nesse contexto que ele define a existência de células diferentes na estrutura cognitiva que servem de base ao seu modelo de formação dos conceitos. Já para Tall (2003), a mente é pensada como a forma de o cérebro trabalhar, pois é uma parte indivisível da estrutura do cérebro. Assim, em vez de uma separação entre definição conceitual e imagem conceitual, como proposto por Vinner, Tall considera que a definição conceitual não é mais do que uma parcela da imagem conceitual total que existe na nossa mente. Para Tall, essa formulação tem uma base mais humana. Dessa forma, a imagem conceitual para Tall é a mesma descrita anteriormente, enquanto a definição conceitual não se restringe à definição formal aceita pela comunidade científica, mas permanece com a mesma concepção já referida, como sendo a forma das palavras usadas para especificar o conceito. Sendo assim, Tall e Vinner (1981) afirmam que a definição conceitual pode ser aprendida pelo indivíduo, de maneira mecânica, ou mais provida de significado e relacionada ao conceito como um todo, num grau maior ou menor. É, portanto, pessoal e não necessariamente está de acordo com a comunidade matemática, podendo ainda variar, ao longo do tempo. Segundo Tall e Vinner (1981), a definição conceitual pode ser uma reconstrução pessoal da definição feita pelo indivíduo ou dada a ele, assumindo a forma verbal que ele utiliza para explicar a sua imagem conceitual evocada, termo utilizado pelos autores para descrever a parte da memória evocada num dado contexto. Isso não é, necessariamente, tudo o que certo indivíduo sabe sobre certa noção. Uma vez que, de acordo com esses autores, a imagem conceitual não é necessariamente coerente em todos os momentos, ao longo do seu desenvolvimento, devido ao fato dos impulsos sensoriais excitarem certas partes neuronais que podem não ser as mesmas todas as vezes que há um estímulo ou estímulos diferentes: “Estímulos diferentes podem ativar partes diferentes da imagem conceitual” (TALL e VINNER, 1981, p. 152). Assim, para cada indivíduo, a imagem conceitual gera a sua própria definição conceitual, pelo que Tall e Vinner (1981) consideram ser possível falar de “imagem da definição conceitual” e, portanto, esta pode ser considerada uma parte da imagem conceitual. Para alguns indivíduos, ela pode estar vazia ou não existir. Para outros, ela pode ou não estar coerentemente relacionada com outras partes da imagem conceitual. 54 Para exemplificar, Tall e Vinner (1981) usam a definição formal de uma função que, em Matemática, pode ser considerada como “uma relação entre dois conjuntos A e B em que cada elemento de A está relacionado a um e um só elemento de B”. Entretanto, os alunos que estudaram funções podem ou não se lembrar da definição e a imagem conceitual pode incluir muitos outros aspectos, como por exemplo, que a função pode ser dada por uma regra ou fórmula, ou ainda pode ocorrer que diferentes regras podem aparecer em diferentes partes do domínio, nesse caso, o conjunto A. Existe também a possibilidade da função ser vista como uma ideia de movimento, onde o elemento a é levado em f(a) no conjunto B e que a função pode ser representada pelo seu gráfico ou tabela de valores, etc. Todos ou nenhum desses vários aspectos podem fazer ou não parte da imagem conceitual do aluno. É interessante observar que a maneira como Tall e Vinner (1981) tratam tais conceitos tem fundamento na questão pedagógica, pois eles acreditam que a formação da imagem conceitual pode ser fruto do tipo de ensino realizado ou do programa de ensino. Aqui, mais uma vez, Tall e Vinner (1981) utilizam o exemplo de função, citando que o professor pode fornecer, por exemplo, a definição formal e trabalhar com esta definição durante algum tempo, mas posteriormente, enfocar exemplos que são sempre dados por fórmulas. Nesse caso, a imagem conceitual pode desenvolver uma noção mais restrita, apenas envolvendo fórmulas, enquanto que a definição formal permanece inativa na mente do aluno. Ele pode operar, de forma satisfatória, com essa noção restrita e pode até mesmo dar respostas com a definição formal correta, enquanto que a sua imagem conceitual permanece inapropriada, correndo o risco de se deparar, mais tarde, com o assunto em questão em contextos mais amplos e ser inábil para lidar com tal situação. Esses autores afirmam que, em geral, é possível encontrar partes da imagem conceitual que entram em conflito com outras partes da própria imagem conceitual ou com a definição conceitual. Esses conflitos podem ou não ser conscientes e podem causar dificuldades ao lidar com conceitos mais formais. A parte da imagem conceitual ou da definição conceitual que pode entrar em conflito com outra parte da imagem conceitual ou da definição conceitual é chamada por Tall e Vinner (1981) de um “fator de conflito potencial”. Esses autores consideram que esses fatores podem não ser evocados em circunstâncias que causem um real conflito cognitivo, mas, caso isso ocorra, os fatores daí resultantes serão chamados “fatores de conflito cognitivo”. 55 Para exemplificar tal situação, os autores utilizam a definição de número complexo x+iy como um par ordenado de números reais (x, y) e a identificação de x+i0 = (x, 0), sendo número real x um fator de conflito potencial no conceito de número complexo. Isso acontece porque ele inclui um conflito potencial com a noção da teoria dos conjuntos de que o elemento x é distinto do par ordenado (x, 0). Tall (1977) verificou, mediante um questionário, que os alunos veem o número real 2 como não sendo um número complexo e, no entanto, vários desses alunos definiram números reais como sendo “números complexos com parte imaginária zero”. Nessa situação, número real e 2 é visto como um 2 + i 0 como complexo. Eles são considerados como sendo entidades distintas ou a mesma, convenientemente, dependendo das circunstâncias, sem causar nenhum conflito cognitivo. Apenas se tornam fatores de conflito cognitivo quando evocados simultaneamente. Ainda conforme esses autores, em algumas situações, os fatores de conflito cognitivo podem manifestar-se apenas no subconsciente, por meio de um vago sentimento de insegurança. Eles sugerem que essa é a causa implícita quando um aluno está resolvendo um problema ou, em uma pesquisa, para o sentimento de que alguma coisa está errada em algum lugar e pode ser que, posteriormente, a razão para o conflito seja conscientemente entendida. Entretanto, Tall e Vinner (1981, p. 154) pontuam o que consideram mais grave na questão dos fatores de conflito potencial: Um fator de conflito potencial mais sério é aquele em que a imagem conceitual está em desacordo não com a outra parte do conceito, mas com a própria definição formal do conceito. Tais fatores podem impedir seriamente a aprendizagem de uma teoria formal, pois eles não podem se tornar fatores de conflito cognitivos reais a menos que a definição formal do conceito desenvolva uma imagem do conceito que poderá então, trazer à tona um conflito cognitivo. Estudantes possuindo semelhante fator de conflito potencial em suas imagens conceituais podem estar seguros em suas próprias interpretações das noções em questão e simplesmente considerar a teoria formal como não funcionando ou supérflua. (tradução nossa) Assim, a postura do professor é fundamental na forma em que as definições deverão ser trabalhadas, pois para Vinner (1991, p. 65): “A definição representa, talvez mais do que qualquer coisa, o conflito entre a estrutura da Matemática, como concebida pelo matemático profissional, e os processos cognitivos de aquisição de conceito”. 56 Ainda Vinner (1991, p. 68) admite que adquirir um conceito significa formar uma imagem conceitual para si mesmo, ou seja, entender significa ter uma imagem conceitual acerca da noção em questão, reforçando que: A imagem conceitual é algo não-verbal associado em nossa mente ao nome do conceito. Pode ser uma representação visual do conceito, caso o conceito tenha representações visuais; pode ser também uma coleção de impressões ou experiências. As representações visuais, as figuras mentais, as impressões e as experiências associadas ao nome do conceito podem ser traduzidas em formas verbais. (tradução nossa) Assumindo também que as formas verbais não são a primeira coisa evocada em nossa memória, mas sim que ocorrem em estágio posterior, para exemplificar, ele utiliza novamente o conceito de função, afirmando que, quando um aluno ouve a palavra “função”, pode se lembrar da expressão “y = f(x)”, pode ainda visualizar o gráfico de uma função ou pode pensar sobre funções específicas como “y = x2 ou y = sen(x), y = lnx” ou outras. Conforme já discutido em Tall e Vinner (1981), Vinner (1991, p. 68) diz que: “[...] só é possível falar de imagem conceitual em relação a um indivíduo específico. Além disso, o mesmo indivíduo poderia reagir de modo diferente a certo termo (nome do conceito) em situações diferentes”. Apresentaremos, a seguir, um esquema da imagem conceitual feito por Marisa da Silva Dias (2007, p. 18), elaborado a partir de Tall e Vinner (1981) e Vinner (1991). Esse esquema permite uma visualização acerca da imagem conceitual como concebida por seus autores, no sentido de conseguir responder a problemas no contexto científico, ou seja, da aquisição do conceito. 57 Figura 2: Imagem Conceitual Fonte: Dias (2007, p. 18) Tall e Vinner (1981) discutem alguns tópicos do currículo de Matemática em escolas inglesas que chamaram de “problemas práticos de currículo” afirmando existirem vários destes problemas, limitaram-se à discussão de três destes tópicos: limite de uma sequência limn→∞ sn , limite de uma função limx→a f (x) e continuidade de uma função f : D → R. 58 Vamos nos limitar a apresentar alguns resultados referentes ao limite de uma função limx→a f (x) que é o objeto de discussão do nosso trabalho. Tall e Vinner (1981) iniciam mostrando como é feita a abordagem do conteúdo. Inicialmente, os limites de funções são abordados de uma maneira intuitiva, com uma explicação informal; então, em um estágio posterior, uma definição pode ser dada. O processo lim δ x → 0 de limite é primeiramente introduzido a partir da diferenciação f ( x + δx ) − f ( x ) ou em alguma outra notação. Eles afirmam que, muito cedo, as δx fórmulas usuais para a derivada são deduzidas e a notação geral de limite se reduz ao pano de fundo e, quando é discutida, leva os alunos a formar uma imagem conceitual restrita, considerando apenas o aspecto dinâmico “ f ( x ) → c quando x →a ” ou “f(x) se aproxima de c quando x se aproxima de a”. Esse tipo de raciocínio pode levar os estudantes a considerarem f ( x) ≠ c como outra porção da sua imagem conceitual e daí, tais circunstâncias fazem com que o conceito de limite de uma função seja um conflito potencial. Achamos conveniente, neste momento, destacar Natalia Maria Cordeiro Barroso e outros (2009, p. 106), ao se referirem aos resultados de sua pesquisa sobre definição intuitiva versus definição formal de limite: Os alunos tentaram encontrar a definição intuitiva dentro da definição formal. Naturalmente, nenhum aluno foi capaz de perceber que entre a definição formal e a definição intuitiva existe uma inversão do processo de aproximação. Na definição formal, não é a variável independente que produz uma aproximação da imagem da função ao limite. De fato, é o grau de aproximação (ao limite) desejado que impõe à variável independente uma condição de limitação a um intervalo. Embora esses autores não mencionassem nada a respeito, nós inferimos que uma das razões para tal resultado é a formação de uma imagem conceitual restrita acerca do conceito de limite, conforme Tall e Vinner (1981). 59 Capítulo 3 APRESENTANDO A ABORDAGEM DO CONCEITO DE LIMITE EM ALGUNS LIVROS DIDÁTICOS DE CÁLCULO E ANÁLISE Ainda que o contexto histórico seja essencialmente diferente dos tempos de Lacroix e Carnot, não podemos negar que, ainda hoje, os livros didáticos desempenham um papel fundamental no ensino de Cálculo e Análise... Frederico Reis Neste capítulo, faremos uma breve apresentação do conceito de limite em alguns livros didáticos de Cálculo e Análise que, de acordo com o nosso entendimento, desempenham um papel importante no cenário da educação brasileira como instrumento para auxiliar a condução das ações pedagógicas nas universidades brasileiras. 3.1. Apresentando os livros didáticos analisados Acreditamos que o livro didático seja uma das ferramentas imprescindíveis no processo de ensino e aprendizagem e, por isso, merece uma análise prudente devido ao seu poder de influência, uma vez que uma grande parte dos professores, consciente ou inconscientemente, ao se utilizarem de uma obra, corroboram com as concepções do autor acerca dos temas trabalhados e da maneira de apresentá-los e o bases utiliza como base para o planejamento e condução das aulas. No presente trabalho, julgamos necessário fazer uma análise de livros didáticos de Cálculo e Análise, especialmente no tópico de limites de funções reais de uma variável, pois buscaremos evidenciar na abordagem desse assunto, alguns fatores que contribuem para uma boa formação da imagem conceitual e da definição conceitual. Como critérios de análise, baseamo-nos em Reis (2001, p. 94) que, ao investigar a abordagem de Limites e Continuidade em livros didáticos de Cálculo e Análise, estabeleceu algumas categorias a serem observadas, dentre as quais destacaremos: a forma como o autor introduz a noção / o conceito de limite, a abordagem dos exercícios e 60 teoremas relativos a limite, as demonstrações dos resultados e ainda, os destaques feitos pelo próprio autor na apresentação de sua obra. Os livros foram escolhidos mediante a apreciação das ementas de disciplinas como “Cálculo I”, “Introdução a Análise Real”, “Fundamentos de Análise”, “Análise Real” ou ainda “Análise I” (variações do nome de disciplinas nas diversas grades curriculares de cursos de Licenciatura em Matemática) de algumas instituições mineiras, a saber: UFOP, UFMG, UNIMONTES, ISEIB e IFNMG , conforme consulta direta e busca virtual. Os 3 (três) livros de Cálculo selecionados foram: 1) O Cálculo com Geometria Analítica – Louis Leithold – Volume 1. São Paulo: Harbra, 1994; 2) Cálculo – George B. Thomas Jr. – Volume 1. São Paulo: Addison Wesley, 2009. 3) Cálculo - James Stewart - Volume 1. São Paulo: Cengage Learning, 2009. Os 3 (três) livros de Análise selecionados foram: 1) Análise I – Djairo Guedes de Figueiredo – Volume Único. Campinas: UNICAMP, 1996; 2) Análise Matemática para Licenciatura – Geraldo Ávila – Volume Único. São Paulo: Edgard Blücher, 2006. 3) Curso de Análise – Elon Lages Lima – Volume 1. Rio de Janeiro: IMPA, 2002. 3.2. Apresentando os livros didáticos de Cálculo 3.2.1. O Cálculo com Geometria Analítica – Leithold Escolhemos esse livro para investigação porque, embora sua 1ª edição seja de 1968, ele continua presente nas ementas básicas de muitas universidades brasileiras, inclusive na instituição onde a presente pesquisa foi realizada. É, provavelmente, um dos 61 livros mais ricos em exemplos resolvidos e demonstrações que normalmente são encontradas em livros de Análise Real. Iniciaremos a análise com a apresentação da obra feita pelo autor, seu público alvo e objetivos (LEITHOLD, 1994, p. ix): O Cálculo com Geometria Analítica foi planejado para futuros matemáticos e para estudantes cujo interesse primário seja Engenharia, Ciências Exatas e Humanas, ou áreas não-técnicas. As explanações passo-a-passo, os inúmeros exemplos descritos e a ampla variedade de exercícios continuam a ser os aspectos relevantes do livro. Uma vez que um livro-texto deve ser escrito para o estudante, empenhei-me em manter uma apresentação de acordo com a experiência e a maturidade de um principiante, sem deixar que qualquer passagem fosse omitida ou ficasse sem explicação. Espero que o leitor tome consciência de que as demonstrações dos teoremas são necessárias; procurei torná-las bastante motivadoras e explicá-las cuidadosamente, de forma que sejam compreensíveis para o estudante que adquiriu um nível razoável de conhecimentos de secções que as precedem. O Capitulo 2, intitulado Limites e Continuidade, está organizado nas seguintes seções: 2.1) O Limite de uma Função 2.2) Teoremas sobre Limites de Funções 2.3) Limites Laterais 2.4) Limites Infinitos 2.5) Limites no Infinito 2.6) Continuidade de uma Função em um Número 2.7) Continuidade de uma Função Composta e Continuidade em um Intervalo 2.8) Continuidade de Funções Trigonométricas e o Teorema do Confronto de Limites 2.9) Prova de Alguns Teoremas sobre Limites de Funções (Suplementar) 2.10) Teoremas Adicionais de Limites de Funções (Suplementar) Limitaremos a discutir a apresentação da noção de limite de função e sua definição formal, de acordo com os objetivos dessa pesquisa. A noção de limite é inicialmente explorada com a função () = , cujo domínio é { ∈ ∕ ≠ 1}. Investigam-se os valores de () quando x está próximo de 1, excluindo o 1. Essas aproximações são apresentadas utilizando tabelas e também de 62 maneira descritiva, verificando-se verificando se então que, à medida que x se aproxima de 1, f(x) se aproxima de 5. Figura 3: Relação entre secante e tangente no ponto P Fonte: Leithold (1994, (1994 p. 56) Figura 4: Relação entre secante e tangente no ponto P Fonte: Leithold (1994, (1994 p. 56) Tabela 1: x aproxima de 1 pela esquerda esquer Fonte: Leithold (1994, (1994 p. 56) Tabela 2: x aproxima de 1 pela direita Fonte: Leithold (1994, (1994 p. 57) Em seguida o autor afirma que podemos tornar os valores valores de f(x) tão próximos de 5 quanto desejarmos, tomando x suficientemente próximo de 1. Continua ontinuando, afirma que outra maneira de dizer isso isso é tornar o valor absoluto da diferença entre f(x) e 5, isto é, | () − 5|)tão tão pequeno quanto desejarmos, tomando o valor absoluto da diferença entre x ) suficientemente pequeno. Então, e 1, isto é, (| − 1|)suficientemente Então o autor sugere gere a necessidade de tornar essaa linguagem mais precisa (LEITHOLD, 1994, p. 57): Uma maneira mais precisa precisa de notar isso é através do uso de dois símbolos para essas pequenas diferenças. Os símbolos comumente usados são as letras gregas (épsilon) e (delta). Assim, enunciamos que para todo número dado positivo existe um número escolhido apropriadamente, apropria tal que se | − 1| for menor que e | − 1| ≠ 0 (isto é, ≠ 1), então 63 | () − 5| será menor do que . É importante observar que o tamanho do depende do . Em seguida, a validade da afirmação anterior é verificada numericamente, atribuindo valores para ε (0,2; 0,002; ...) e da obtenção de respectivos valores para δ (0,1; 0,001; ...) e justificada geometricamente, através do seguinte gráfico: Figura 5: Gráfico mostrando a relação − na definição de limite Fonte: Leithold (1994, p. 58) Segue então, a seguinte definição (LEITHOLD, 1994, p. 58 ): Seja f uma função definida para todo número real em algum intervalo aberto contendo a, exceto possivelmente no próprio a. O limite de f(x) quando x tende a a será L, escrito como lim→ () = ! se a seguinte afirmativa for verdadeira: Dado > 0 qualquer, existe > 0, tal que se 0 < | − $| < então | () − !| < . A partir daí, são apresentados exemplos explorando a definição acima. No primeiro exemplo, é dado um numérico pedindo que o respectivo seja encontrado. Já no segundo exemplo, o autor solicita uma demonstração formal: “Prove pela definição que lim→ (4 − 7) = 5”. Os demais exemplos seguem essa mesma linha. Em seguida, é apresentada uma lista com 44 (quarenta e quatro) exercícios dos quais 22 (vinte e dois) exigem algum tipo de prova. Apenas para registro, na próxima seção referente aos teoremas de limites são enunciados 12 (doze) teoremas, dos quais 8 (oito) são demonstrados e 4 (quatro) deixados ao leitor como exercícios. Em relação a essa obra, algumas questões podem ser levantadas como, por exemplo, a falta de explicação acerca do surgimento do conceito de limite. Há apenas uma 64 explicação de que as duas operações matemáticas fundamentais em Cálculo são a diferenciação e a integração e que ambas tem por base a noção de limite. Outra observação importante é a falta de problematização. Não aparece na introdução do texto nem em seu escopo, nenhum problema motivador que leve à construção do conceito. O uso da linguagem natural é mínima, prevalecendo sempre a linguagem matemática. Quanto à questão da visualização, percebemos uma preocupação do autor com a apresentação de gráficos e figuras que procuram justificar alguns resultados. Embora o autor considere que a variedade de exercícios permite a utilização do livro em vários cursos, não percebemos realmente uma grande variedade no padrão de exercícios, mas sim uma grande quantidade de exercícios. Os exemplos realmente são explicados passo a passo, mas questionamos o fato do livro ser destinado a estudantes iniciantes. Em nosso entendimento, esse livro é uma grande obra no universo da Matemática, sendo uma referência para professores de Cálculo, ao utilizá-lo em seus estudos próprios ou como auxiliar na elaboração das aulas. Entretanto, como livro didático para estudantes, seu uso mais apropriado parece ser o de material de pesquisa para aprofundamento dos estudos. Em relação à formação da imagem conceitual, acreditamos que o uso apenas dessa obra pode gerar uma imagem restrita do conceito de limite, uma vez que é muito direcionada para a definição formal desse conceito. 3.2.2. Cálculo – Thomas Iniciaremos a análise dessa obra com a apresentação feita pelo próprio autor (THOMAS, 2009, p. ix): Tentamos escrever o livro da maneira mais clara possível. Além disso, reestruturamos o conteúdo, para que se tornasse mais lógico e adequado ao currículo universitário padrão. A experiência nos ensinou muitas coisas, que nos ajudaram a criar um livro útil e atraente para os estudantes.[...] Ao terminar este livro, os alunos estarão familiarizados com a linguagem matemática – o suficiente para aplicar os conceitos de cálculo em inúmeros problemas da ciência e da engenharia. Em relação ao nível de rigor, o próprio autor compara a edição (11ª edição) com as anteriores e afirma que esta é mais consistente ao longo de toda a obra e ainda diz que são oferecidas explicações formais e informais, salientando deixar claras as diferenças 65 entre ambas e que também foram incluídas nessa obra definições precisas e provas acessíveis aos estudantes (THOMAS, 2009). Em relação ao conceito de limite, este é apresentado como uma ideia central que distingue o Cálculo da Álgebra e da Trigonometria, sendo fundamental para calcular a tangente a uma curva ou a velocidade de um objeto. Acerca da abordagem do livro para o conceito, o autor afirma: “Desenvolveremos o conceito de limite, primeiro intuitivamente e depois formalmente”. (THOMAS, 2009, p. 66) Aqui, o conceito de limite é apresentado no Capítulo 2, intitulado Limites e Continuidade, que está organizado nas seguintes seções: 2.1) Taxas de variação e limites 2.2) Como calcular limites usando as leis do limite 2.3) Definição precisa de limite 2.4) Limites laterais e limites envolvendo o infinito 2.5) Limites infinitos e assíntotas verticais 2.6) Continuidade 2.7) Retas tangentes e derivadas Limitar-nos-emos a discutir a forma como o conceito de limite foi introduzido e também sua definição formal. O autor introduz o conceito de limite de função utilizando problemas que levam à construção da ideia de limite, como cálculo de velocidade média, de velocidade instantânea e ainda taxas médias de variação e retas secantes. Uma qualidade peculiar desses problemas é que não se limitam apenas ao aspecto geométrico. Como exemplo, um dos problemas apresentados discute o crescimento de uma população laboratorial, uma população de moscas-da-fruta (Drosophila) num experimento de 50 dias ilustrado na figura 6 a seguir. Os problemas são ilustrados por meio de gráficos e tabelas. 66 Figura 6: Crescimento de uma população de moscas das frutas num experimento controlado Fonte: Thomas (2009, p. 69) Após esses problemas, o autor apresenta as taxas instantâneas como valores-limite das taxas médias e que taxas instantâneas e retas tangentes estão intimamente ligadas e aparecem em muitos outros conceitos e, pela primeira vez, aborda a necessidade de investigar o processo pelo qual esses valores-limite ou limites são determinados. A seguir, apresenta uma definição informal de limite (THOMAS, 2009, p. 70): Seja f(x) definida em um intervalo aberto em torno de x0, exceto talvez em x0. Se f(x) fica arbitrariamente próximo de L (tão próximo de L quanto quisermos), para todos os valores de x suficientemente próximo de x0, dizemos que f tem limite L quando x tende a x0 e escrevemos lim→0 () = !. Em seguida, o autor argumenta que essa definição é informal porque as expressões “arbitrariamente próximo” e “suficientemente próximo” são imprecisas, seu significado depende do contexto, e explica: “Para um metalúrgico que fabrica um pistão, próximo pode significar alguns centésimos de milímetro. Para um astrônomo que estuda galáxias distantes, próximo pode significar alguns milhares de anos-luz”. THOMAS (2009, p. 70) A partir daí, discute o comportamento da função () = afirma que lim→1 2 −1 −1 próximo de x = 1 e = 2, justificando esse resultado por meio de gráficos contidos nas figuras 7.1 e 7.2 a seguir e na tabela 3 a seguir: 67 Figuras 7.1 e 7.2: Gráfico de f idêntico ao da reta y= x + 1, exceto em x = 1 Fonte: Thomas (2009, p. 70) Tabela 3: Mostra que quanto mais próximo x estiver de 1, mais próximo f(x) parece estar de 2 Fonte: Thomas (2009, p. 71) Mostra, em seguida, que o valor do limite não depende do modo como a função é definida em x0, discutindo alguns exemplos e sempre justificando graficamente. Segue uma lista de exercícios variados e o autor apresenta uma preocupação em inserir problemas cuja solução envolva um ambiente informatizado. Na seção 2.3, o autor apresenta a definição precisa de limite depois de fazer uma discussão numérica para os valores de (, usando a função ) = 2 − 1. Seja f(x) definida em um intervalo aberto em torno de x0, exceto talvez em x0. Dizemos que o limite de f(x), conforme x se aproxima de x0, é o número L e escrevemos lim→0 () = ! se para cada número > 0 existir um número correspondente > 0, tal que, para todos os valores de x, 0 < | − * | < ⇒ | () − !| < . (THOMAS, 2009, p. 86): 68 Então, reforça a definição por meio de uma interpretação geométrica contida na figura 8 a seguir. Figura 8: Relação entre δ e ε na definição de limite Fonte: Thomas (2009, p. 86) Em relação a esse livro, observamos que não há uma preocupação muito grande em demonstrar os resultados, mas apenas em enunciá-los e verificar a validade destes por meio de exemplos. Dos teoremas enunciados, num total de 10 (dez), apenas 2 (dois) foram demonstrados. Quanto à linguagem utilizada, há uma forte presença da linguagem natural associada à linguagem matemática, sendo este talvez o ponto de maior destaque no capítulo. Percebemos uma preocupação com a visualização, pois o livro é ricamente ilustrado e, ainda, há a presença de tipos variados de exercícios, inclusive com questões discursivas e, como já citamos, exercícios que envolvem o uso de tecnologias. Acreditamos que esses aspectos do livro contribuem para a formação de uma imagem conceitual mais ampla e que incorpore elementos algébricos, geométricos e linguísticos. 3.2.3. Cálculo – Stewart 69 Consideramos importante iniciarmos a análise desse livro apresentando a visão do autor sobre a sua obra e o objetivo principal que, segundo Stewart (2009, p. v), é a compreensão dos conceitos por parte dos alunos: A ênfase aqui é na compreensão de conceitos. Creio que quase todos concordam que este deve ser o objetivo principal do ensino do cálculo. Na verdade, o ímpeto que norteia o atual movimento de reforma no ensino do cálculo vem da Conferência de Tulane de 1986, que teve como principal recomendação: Concentrar-se na compreensão de conceitos.Tentei atingir este objetivo por meio da chamada Regra dos Três: ”Os tópicos devem ser apresentados geométrica, numérica e algebricamente”. A visualização e as experiências numéricas e gráficas, entre outras ferramentas, alteraram fundamentalmente a forma como ensinamos os raciocínios conceituais. Mais recentemente a Regra dos Três expandiu-se em uma Regra dos Quatro, valorizando também o ponto de vista verbal (ou descritivo). Antes de entrar propriamente no conteúdo do Cálculo, o autor fez o que chamou de “Uma Apresentação do Cálculo”, na qual inicia uma discussão a partir de problemas relacionados a cálculo de áreas, tangentes e velocidade, justificando o surgimento dos limites. O Capitulo 2, intitulado Limites e Derivadas, está organizado nas seguintes seções: 2.1) Os Problemas da Tangente e da Velocidade 2.2) O Limite de uma Função 2.3) Cálculos usando as Propriedades dos Limites 2.4) A Definição Precisa de Limite Em relação a essa seção 2.4, na apresentação do conteúdo do livro, o autor deixa claro se tratar de uma seção opcional, uma vez que traz a definição de limite por meio de − . O autor inicia retomando as ideias relacionadas à tangente, discutindo como seria possível tornar precisa essa ideia; em seguida, traz um exemplo sobre como encontrar uma equação da reta tangente à parábola ) = no ponto (1,1). Esse exemplo traz uma série de ilustrações e o autor utiliza tabelas mostrando os valores de m pq para valores de x próximos de 1, sugerindo que a inclinação da reta tangente deva ser m = 2, ilustrando com as figuras 9, 10.1 e 10.2 a seguir. 70 Figura 9: Relação entre secantes e tangentes Fonte: Stewart (2009, p.73) Figura 10.1 e 10.2: Tabela mostrando os valores de m pq para valores de x próximos de 1 Fonte: Stewart (2009, p.73) Ao fazer essa discussão, apresenta a inclinação da reta como sendo o limite das inclinações das retas secantes e expressa simbolicamente o limite pela primeira vez da seguinte maneira: lim m pq Q→ P x2 −1 = 2 , onde m = m e lim x→1 x − 1 pq é o valor da inclinação da reta secante PQ e faz as ilustrações constantes na figura a seguir. Figura 11: Q tende a P pela direita e pela esquerda Fonte: Stewart (2009, p.74) Em seguida apresenta um problema de ordem mais contextualizado que se refere ao flash de uma câmara fotográfica e ainda discute a questão da velocidade, o que consideramos importante, pois não restringe a ideia da tangente apenas ao contexto geométrico. 71 Acreditamos que essa apresentação possibilita uma melhor formação da imagem conceitual, uma vez que não se restringe a uma única maneira de apresentação do conceito, mas como o próprio autor já se referiu no prefácio, há um cuidado em utilizar uma linguagem geométrica, numérica, algébrica e descritiva. A seção 2.2 que trata especificamente do limite de uma função, inicia-se analisando o comportamento da função f definida por f (x) = x2 − x + 2 para valores próximos de 2, mas não iguais a 2. A análise é feita mediante uma tabela e um gráfico da função, mostrando que, quando x estiver próximo de 2 para valores maiores ou menores que 2, f(x) tenderá a 4. Stewart (2009, p. 78) afirma que: De fato, parece que podemos tornar os valores de f(x) tão próximos de 4 quanto quisermos tornando x suficientemente próximo de 2. Expressamos isto dizendo que o limite da função f (x) = x2 − x + 2 quando x tende a 2 é 4. A notação para isso é: “lim→ − + 2 = 4 ". Em seguida, o autor apresenta a definição de limite (STEWART, 2009, p. 78): Escrevemos lim→ () = ! e dizemos “o limite de f(x), quando x tende a a, é igual a L”, se pudermos tornar os valores de f(x) arbitrariamente próximos de L (tão próximos de L quanto quisermos), tomando x suficientemente próximo de a (por ambos os lados de a), mas não igual a a (grifos do autor). O autor continua ressaltando a condição de x ≠ a na definição de limite, mostrando que, ao procurar o limite de f(x) quando x tende a a, nunca consideraremos x = a e apresenta alguns gráficos mostrando que f(x) sequer precisa estar definida em a, ou seja, o que realmente importa são os valores próximos de a. Ilustra com os gráficos (a), (b) e (c) da figura 12, a seguir. Figura 12: Gráficos (a), (b) e (c), mostrando lim→ () Fonte: Stewart, (2009, p.79) 72 Em seguida, apresenta uma série de exercícios resolvidos, sempre seguidos de tabelas e gráficos, o que permite uma melhor visualização do conceito e, consequentemente, uma condição mais adequada para a formação da imagem conceitual. É importante ressaltar que o autor traz, em seguida, a definição de limites laterais já introduzidos em exemplos anteriores e também limites infinitos, trabalhando com afinco a questão das assíntotas verticais. Logo após, segue uma lista de 42 (quarenta e dois) exercícios variados que fazem com que o aluno escreva o que entende por limite, faça análise de gráficos, inclusive em diferentes contextos, esboce gráficos que satisfaçam as condições de limites exigidas e exercícios que levem os alunos a estimarem o valor dos limites. Cabe mencionar ainda a existência de atividades que requerem o uso de tecnologias. Consideramos esse vasto leque de atividades importante para o aluno e também para o professor, especialmente nas atividades que envolvem aplicações e o uso de tecnologias. Em seguida, o autor apresenta as propriedades de limites, usando exemplos, deixando claro que as demonstrações se encontram em um dos apêndices do livro e que apenas uma delas será demonstrada na seção 2.4, quando apresenta a definição formal de limites via − , lembrando, mais uma vez, que se trata de uma seção opcional. Segue, então, uma lista de 62 (sessenta e dois) exercícios nos quais aparecem os cálculos de limite mais usuais, mas não se resumindo a estes. Consideramos importante para a nossa pesquisa registrar e analisar a maneira como o autor apresenta a seção 2.4 do livro. Motivando a necessidade de uma definição mais precisa do conceito de limite para alguns propósitos, o autor questiona frases como “x está próximo de 2” e “f(x) aproxima-se cada vez mais de L” considerando-as vagas; daí a necessidade de tornar a definição do conceito mais precisa. Apresentaremos a forma que o autor utilizou para chegar à definição formal via − . Stewart (2009, p. 97): inicia o assunto com a função () = . 2 − 1/( ≠ 32 6/( = 3 pontuando que: É intuitivamente claro que quando x está próximo de 3, mas ≠ 3, então f(x) está próximo de 5 e, sendo assim, lim→ () = 5. Para obter informações mais detalhadas sobre como f(x) varia quando x está próximo de 3, fazemos a seguinte pergunta: Quão próximo de 3 deverá estar x para que f(x) difira de 5 por menos 0,1? 73 A distância de x a 3 é | − 3|, e a distância de f(x) a 5 é | () − 5|, logo nosso problema é achar um número tal que | () − 5| < 0,1 se | − 3| < mas ≠ 3. A partir desse ponto, o autor busca valores numéricos para em função de , 4 chegando à conclusão de que = . Esse exemplo também é apresentado graficamente. Então, o autor define de forma precisa o conceito de limite (STEWART, 2009, p. 98): Seja f uma função definida sobre algum intervalo aberto que contém o número a, exceto possivelmente no próprio a. Então dizemos que o limite de f(x) quando x tende a a é L, e escrevemos lim→ () = ! se para número > 0 houver um número > 0 tal que se 0 < | − $| < então | () − !| < . (grifo do autor) Ainda existe uma preocupação com o ponto de vista verbal, pois o autor afirma que a definição de limite pode ser expressa em palavras da seguinte forma: “lim→ () = ! significa que a distância entre f(x) e L fica arbitrariamente pequena tomando-se a distância de x a a suficientemente pequena (mas não 0)” (STEWART, 2009, p. 99). A definição de limite também é apresentada em termos de intervalo e enunciada da seguinte forma: “lim→ () = ! significa que para todo > 0 (não importa quão pequeno for ) podemos achar > 0, tal que se x estiver no intervalo aberto ($ − , $ + (≠$, então f(x) estará no intervalo !−,!+” (STEWART, 2009, p. 99). A definição também é interpretada geometricamente por meio do seguinte diagrama de flechas contido nas figuras 13 e 14 a seguir. Figura 13: Diagrama de Flechas Fonte: Stewart (2009, p.99) Figura 14: Diagrama de Flechas apresentando a relação − na definição de limite Fonte: Stewart (2009, p.99) 74 Em seguida, o autor reforça a definição por meio da interpretação geométrica em termos do gráfico de uma função, conforme ilustrado na figura 15 a seguir. (a) (b) (c) Figura 15: Gráficos (a) , (b) e (c) apresentando a relação − na definição de limite Fonte: Stewart (2009, p.100) O autor apresenta uma série de exercícios resolvidos e define formalmente limites laterais; em seguida, demonstra a propriedade da soma de limites. Resumindo, o autor utiliza 34 (trinta e quatro) páginas para a apresentação do conceito de limite, incluindo os exercícios, sendo que apenas 6 (seis) páginas são destinadas à formalização por meio de − e, nesse percurso, apenas um único teorema é demonstrado no corpo do texto, sendo os demais apresentados em apêndices. Acreditamos que este tipo de apresentação permite que o aluno tenha acesso ao conceito de forma gradativa e que considere vários aspectos desse conceito favorecendo, portanto, a formação da imagem conceitual e, consequente, definição conceitual. 3.3. Apresentando os livros didáticos de Análise 3.3.1. Análise I – Djairo O autor inicia a apresentação da obra, dando uma ênfase à Análise Matemática como uma das áreas mais básicas dentro da Matemática, no sentido de que outras áreas dentro da própria Matemática como a Geometria e a Matemática Aplicada necessitam desse embasamento para dar continuidade ao seu desenvolvimento. É interessante observar que o autor não menciona os Professores de Matemática da Educação Básica, o que nos leva a inferir que o livro é destinado a quem tem a intenção de prosseguir seus estudos na área de Matemática. 75 Outra observação feita pelo autor é que os leitores devem ter uma familiaridade com a “técnica” do Cálculo Diferencial e Integral de uma variável e justifica (FIGUEIREDO, 1996, prefácio): Isso porque não temos aqui um número suficientemente grande de exercícios, que permita ao estudante desenvolver uma certa perícia em resolver problemas do tipo computacional. [...] Tivemos a preocupação de fazer um texto que apresente uma continuação natural do Cálculo. No Capítulo 2, intitulado Funções Reais, o autor apresenta a definição de limite de uma função real de uma variável. É interessante notar que Figueiredo (1996) faz uma apresentação do conceito de funções reais utilizando exemplos, inclusive discute a representação gráfica de alguns desses exemplos. Primeiramente, o autor apresenta a definição de limites laterais de uma função f no ponto c via sucessões (xn) e em seguida a definição de limites de funções reais e justifica o motivo desse procedimento (FIGUEIREDO, 1996, p. 53): As definições dos limites laterais de uma função f no ponto c, usando sucessões (xn) convergindo para c, foram preferidas, no presente trabalho, por dois motivos: (1) parece-nos mais fácil entender tais limites relacionando-os diretamente com os limites de sucessões já estudados; (2) as demonstrações dos teoremas e dos exercícios da seção 2.3 são mais simples usando essas definições. Entretanto, o problema de provar que certo número é o limite lateral de uma função dada é mais facilmente resolvido, usando os resultados abaixo, os quais dão condições necessárias e suficientes para um número ser limite lateral. Em alguns textos, essas condições são as próprias dos limites laterais. Em seguida, o autor apresenta a definição de limite lateral e de limite de uma função f num ponto c, via − e mostra alguns exemplos, discutindo a existência ou não dos limites laterais de algumas funções já estudadas, seguindo para o estudo dos limites quando x tende ao infinito. Logo após, segue uma breve lista de exercícios, alguns clássicos, como mostrar a unicidade do limite, quando este existe. 3.3.2. Análise Matemática para Licenciatura – Ávila 76 O autor afirma, no prefácio do seu livro, que este foi escrito especialmente para ser usado nos cursos de Licenciatura em Matemática; por essa razão, difere dos livros direcionados aos cursos de bacharelado. O autor pontua que uma dessas diferenças é o fato de incluir um capítulo inicial de Lógica e, nos capítulos seguintes, alguns tópicos sobre os números reais, que são de muita importância e particular interesse nos cursos de licenciatura. Outro aspecto interessante do livro é a atenção dispensada ao desenvolvimento das ideias mediante os aspectos históricos da disciplina. Também no prefácio, o autor explica o que considera uma primeira disciplina de Análise (ÁVILA, 2006, p. 1): Numa primeira disciplina de Cálculo, as apresentações costumam ser feitas de maneira intuitiva e informal, com pouca ou nenhuma demonstração rigorosa. Este procedimento é seguido, em partes por razões didáticas; mas também por razões ligadas à própria natureza dos temas tratados, cujo desenvolvimento histórico ocorreu primeiro de maneira intuitiva e informal, desde o século XVII até aproximadamente 1820. A partir de então, os avanços da teoria exigiam conceituações precisas das ideias de função, continuidade, derivada, convergência, integral, etc. É precisamente uma apresentação logicamente bem organizada de todos esses tópicos do Cálculo que constitui uma primeira disciplina de Análise. A definição de limite é introduzida no Capítulo 6, intitulado Funções, Limite e Continuidade, no qual o autor apresenta os conceitos básicos sobre função, definição, terminologia e notação e discute alguns tipos de funções como função injetiva, sobrejetiva, bijetiva, inversa, composta, monótona, par e ímpar; em seguida, apresentando algumas noções topológicas, define ponto interior, vizinhança, vizinhança perfurada, ponto de acumulação, ponto isolado, ponto aderente, fecho e conjunto fechado. A partir daí, Ávila (2006, p. 142) ressalta que: Historicamente, o conceito de limite é posterior ao da derivada. Ele surge da necessidade de calcular limites de razões incrementais que definem derivadas. [...] Os exemplos interessantes de limites devem envolver situações que só começam a aparecer no Cálculo depois que o aluno adquire familiaridade com funções mais complicadas. Segue então, a seguinte definição (ÁVILA, 2006, p. 143): Dada uma função f com domínio D, seja a um ponto de acumulação de D (que pode ou não pertencer a D). Diz-se que um número L é o limite de 77 f(x) com x tendendo a a se, dado qualquer > 0, existe > 0 tal que ∈ 6, 0 < | − $| < ⇒ | () − !| < . Para indicar isso escrevese lim→$ () = !, () → !789 → $ ou lim () = !, omitindo-se a indicação “ → $” quando for óbvia. A condição (6.3) pode ainda ser escrita das seguintes três maneiras equivalentes: /( ∈ :;< ($) ∩ 6 ⇒ | () − !| < , se ∈ :;< ($) ∩ 6 ⇒ ! − < () < ! + , /( ∈ :′ ($) ∩ 6 ⇒ () ∈ : (!). É importante observar que não é apresentado nenhum exemplo utilizando a definição acima. Em seguida, são apresentadas as propriedades de limite e algumas destas são demonstradas a partir da definição dada; outras são deixadas a cargo do leitor. Essa situação nos parece uma contradição quando o autor afirma que “o primeiro curso de Análise é uma apresentação logicamente bem construída dos tópicos de Cálculo”, principalmente porque também coloca que, no curso de Cálculo, as apresentações são feitas de maneira mais intuitiva e menos rigorosa. A maneira como a definição de limite foi apresentada, sugere que o aluno já tenha adquirido o conceito, ou seja, já tenha construído sua imagem conceitual para, a partir da definição formal, ser capaz de trabalhar demonstrando teoremas e propriedades. 3.3.3. Curso de Análise – Elon O autor, no prefácio do seu livro, diz se tratar da primeira parte de um Curso de Análise, tendo como principal objeto de estudo, as funções reais de uma variável real e destaca que toda teoria é apresentada desde o começo e na íntegra, de modo que, não se faz uso de resultados que não sejam estabelecidos no texto; inclusive os conceitos introdutórios, sendo ilustrados por meio de exemplos. O autor não especifica o público para o qual este livro é destinado, mas Lima (2002, prefácio) ressalta que: Apesar disso, é conveniente que os leitores deste livro possuam experiência equivalente à de dois semestres de Cálculo. Assim, terão alguma familiaridade com os aspectos computacionais mais simples e com a interpretação intuitiva de certas noções como limites, continuidade, derivadas, integrais e séries. Essas ideias constituem os temas fundamentais do curso. Elas são tratadas de modo autossuficiente, mas a ênfase é colocada na conceituação precisa, no encadeamento lógico das proposições e na análise das propriedades mais relevantes dos objetos estudados. 78 A definição de limite de uma função é apresentada no capítulo 6 e o autor faz uso da linguagem topológica, Lima (2002, pag.153) apresenta a seguinte definição de limite: Seja : @ → uma função com valores reais, definida num subconjunto @ ⊂ . Seja $ ∈ um ponto de acumulação de X, isto é, $ ∈ @ < . Dizemos que L é o limite de f(x) quando x tende para a e escrevemos lim→ () = !, para significar o seguinte: para cada número real > 0, dado arbitrariamente, podemos encontrar > 0 de modo que se tenha | () − !| < sempre que ∈ @ e 0 < | − $| < . Portanto, quando a é ponto de acumulação do domínio de f, a expressão lim→ () = ! é uma abreviatura para a afirmação abaixo: ∀ > 0∃ > 0; ∈ @, 0 < | − $| < ⇒ | () − !| < . Em seguida, o autor faz uma série de observações com o objetivo de esclarecer a definição acima e enuncia 9 (nove) teoremas acerca dos limites e suas propriedades, demonstrando todos eles. A partir daí, segue com uma série de exemplos de limites de funções, partindo de situações simples como a função identidade até funções trigonométricas, mas é importante ressaltar que, em todos os exemplos, são discutidos a existência do limite e o seu valor; no entanto nenhum exemplo é dado utilizando a definição acima. Nossa consideração geral é que, nesses livros escritos para disciplinas de Análise, a abordagem é completamente formal, demonstrando não haver preocupação dos autores em retomar / relembrar um pouco da abordagem do Cálculo para os limites. Um prova disso é a total ausência de apresentações gráficas alternativas na definição de limite. Acreditamos ainda, que a existência de poucos exemplos, após a apresentação da definição de limite, não contribui para a (re)construção / (re)formulação da imagem conceitual de limite de uma função. Há que se considerar esse aspecto na elaboração de nossas atividades de pesquisa, a qual passamos, agora, a delinear. 79 Capítulo 4 APRESENTANDO NOSSA PESQUISA É importante notar que o ser humano é o principal ator nesta modalidade de pesquisa, e não há procedimentos que substituam ideias e insights. Marcelo Borba 4.1. Retomando a Questão de Investigação e as Tarefas de Pesquisa A partir das discussões relacionadas ao ensino de Análise e a aspectos do Pensamento Matemático Avançado, especificamente, a questão da formação da imagem conceitual, elaboramos a seguinte questão de investigação: Como uma proposta de ensino, baseada nas imagens conceituais, relacionadas ao conceito de limite de uma função, (re)construídas por alunos do curso de Licenciatura em Matemática, após cursarem Análise Real, pode contribuir para a aprendizagem desses alunos? Ressaltamos que, relacionando-se a essa questão, traçamos como tarefas de nosso trabalho: - A discussão dos ensinos de Cálculo e de Análise no contexto da Educação Matemática no Ensino Superior, que gerou os Capítulos 1 e 2; - A apresentação da abordagem do conceito de limite em livros didáticos de Cálculo e Análise utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática, que gerou o Capítulo 3; - A elaboração de um conjunto de atividades didáticas como sugestões, a partir de uma proposta de ensino baseada nas imagens conceituais, relacionadas ao conceito de limites de funções reais de uma variável para disciplinas de Fundamentos de Análise Real, em cursos de Licenciatura em Matemática, que será delineada a seguir, a partir da própria explicitação da pesquisa de campo em seu contexto. 80 4.2. Apresentando o Contexto da Pesquisa de Campo A pesquisa foi realizada no Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB localizado na cidade de Montes Claros. A cidade de Montes Claros está localizada no Norte do Estado de Minas Gerais, a 422 km da capital do estado. Ocupa uma área de 3.569 km2 e possui uma população de 362 mil habitantes (população estimada em 2010). A economia é bastante diversificada pelas atividades agropecuárias, industriais e de prestação de serviços, sendo que a principal fonte econômica está centrada no setor terciário, com os vários segmentos de comércio e prestação de serviços em diversas áreas, como por exemplo, saúde e educação. Montes Claros faz parte da 22ª Superintendência Regional de Ensino e, de acordo com a Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais – SEE-MG, conta, atualmente, com 60 (sessenta) escolas estaduais, 103 (cento e três) escolas municipais e 97 (noventa e sete) escolas privadas. A cidade é considerada um polo universitário no Norte de Minas Gerais e conta, atualmente, com 30 (trinta) instituições de ensino superior, sendo 18 instituições de modalidade presencial e 12 com modalidade EaD (de acordo com o Sistema e-Mec, 2011) nas mais variadas áreas do saber. Dessas instituições, apenas duas são públicas: a Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES e um núcleo da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, o Instituto de Ciências Agrárias – ICA. É importante destacar que a cidade recebeu, em 2010, um campus do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – IFNMG que oferece atualmente apenas cursos técnicos, com previsão de oferta de ensino superior em 2012. Quanto ao curso de Licenciatura em Matemática, apenas duas instituições oferecem o curso na modalidade presencial: o ISEIB e a UNIMONTES, com entradas semestrais. A pesquisa de campo foi realizada no ISEIB, fundada em 13 de setembro de 1994 (Portaria MEC, Nº 2861 de 13/09/1994, D.O.U. de 16/09/1994). Essa instituição oferece os cursos de Licenciatura em Matemática, Ciências Biológicas, Geografia, História, Letras e ainda, Pedagogia. Atualmente, além desses cursos citados, a instituição também oferece o curso de Administração de Empresas. Além do campus em Montes Claros, funciona também um campus em Belo Horizonte e o Núcleo de Ensino a Distância do ISEIB. 81 A pesquisa de campo foi realizada no 2º semestre letivo de 2010, com os alunos regularmente matriculados na disciplina “Introdução à Análise Real”, obrigatória no curso de Licenciatura em Matemática. A professora da referida disciplina foi a presente pesquisadora. Estavam matriculados na disciplina 9 (nove) alunos do 6º e último período de um curso cuja previsão total é de 3 (três) anos. A ementa da disciplina era composta por: Preliminares de Lógica; Conjuntos Numéricos; Números Reais, Enumerabilidade, Comensurabilidade; Sequências Numéricas; Limites e Continuidade, trabalhados numa carga horária de 80 (oitenta) horas/aula. Adotamos como bibliografia básica o livro “Análise Matemática para Licenciatura” de Geraldo Ávila. No estudo de Limites, foram implementadas as nossas 2 (duas) atividades didáticas sobre limites de funções reais de uma variável, descritas a seguir. 4.3. Descrevendo a Metodologia de Pesquisa Nossa investigação de campo ocorreu por ocasião da docência de uma disciplina de Fundamentos de Análise Real, a partir da qual pudemos fazer observações em sala de aula e perceber as diversas interações discentes, manifestadas quando da implementação de nossas atividades didáticas. Consideramos nossa pesquisa, então, de cunho qualitativo, no que se refere a seus objetivos e métodos, mas principalmente, consideramos a importância da investigação na prática profissional do Professor de Matemática, na perspectiva de João Pedro da Ponte (2002). O pesquisador destaca que, na condução do processo de ensino e aprendizagem, o professor se depara com muitas situações problemáticas diante das quais ele recorre ao bom senso e à sua experiência. Isso, entretanto, em geral, não conduz a soluções satisfatórias o que, segundo Ponte (2002), justifica a importância de uma investigação, por parte do professor, de sua própria prática. Ponte (2002, p. 7) aponta, então, quatro razões para que os professores façam pesquisas sobre sua própria prática: (i) para se assumirem como autênticos protagonistas no campo curricular e profissional, tendo mais meios para enfrentar os problemas emergentes dessa mesma prática; (ii) como modo privilegiado de desenvolvimento profissional e organizacional; (iii) para contribuírem para a construção de 82 um património de cultura e conhecimento dos professores como grupo profissional; e (iv) como contribuição para o conhecimento mais geral sobre os problemas educativos. Acreditamos ainda, como Kennet Zeichner e Susan Nofke (2001) que a investigação realizada sobre nossa própria prática, representa um processo fundamental de construção de conhecimento que, aqui, podemos conceber como o conhecimento do professor visto de uma forma abrangente, englobando aspectos específicos, pedagógicos e curriculares. Assim, procuramos investigar nossa ação pedagógica, no ensino de Análise, de um modo geral e, mais especificamente, nossa prática pedagógica, dentro do processo de ensino e aprendizagem de limites. Nessa perspectiva, elaboramos, desenvolvemos e avaliamos, 2 (duas) atividades didáticas com os alunos participantes de nossa pesquisa de campo, durante o estudo de Limites, que foi realizado durante 3 (três) semanas, nos meses de novembro e dezembro de 2010, correspondendo a 12 (doze) horas/aula, no total. As atividades foram realizadas pelos alunos individualmente e recolhidas pela pesquisadora. 4.3.1. Atividade I (Pós-Cálculo) No início da 1ª semana, realizamos a Atividade 1, a qual denominamos de “PósCálculo” por ter sido aplicada somente com os conhecimentos construídos em Cálculo I. O objetivo foi levantar as imagens conceituais trazidas pelos alunos acerca do conceito de limite de funções reais de uma variável, bem como detectar eventuais falhas que porventura tenham ocorrido na construção do conceito e/ou de suas propriedades. Para tanto, buscamos, inicialmente, explorar a linguagem natural, associada a expressões matemáticas e à linguagem matemática e a gráficos ilustrativos, associados a formulações matemáticas. A seguir, exploramos a visualização e a habilidade gráfica sob condições limítrofes. Por fim, intentamos investigar as imagens associadas à definição formal, incluindo limites infinitos. A realização da atividade teve duração de 2 (duas) horas/aula, sendo que a professora-pesquisadora procurou não intervir em momento algum. A atividade foi composta das seguintes questões: 1) O que você entende pelas expressões? 83 a) Tender a: _____________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ b) Ter limite: ____________________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 2) Explique, com suas próprias palavras, o que significa cada formulação matemática abaixo. A seguir, ilustre graficamente cada formulação na reta real: a) → $________________________________________________________________ b) → $ _______________________________________________________________ c) → $ _______________________________________________________________ d) → ∞________________________________________________________________ e) → −∞ ______________________________________________________________ 3) Explique, com suas próprias palavras, o que significa cada formulação matemática abaixo. A seguir, esboce um gráfico de uma função que ilustre cada formulação. a) lim→ () = ! _______________________________________________________ _________________________________________________________________________ b) lim→F () = !______________________________________________________ _________________________________________________________________________ c) lim→G () = ! ______________________________________________________ _________________________________________________________________________ d) lim→ () = +∞ _____________________________________________________ _________________________________________________________________________ e) lim→H () = ! _____________________________________________________ _________________________________________________________________________ 4) Esboce o gráfico de uma função que satisfaça às seguintes condições: a) lim→ () = 4; lim→H () = +∞; lim→H () = −∞; b) lim→*F () = +∞; lim→*G () = −∞; lim→±H () = +∞; 84 5) Com base nos gráficos contidos nas figuras 16 e 17,, determine, caso exista: 5.1) Figura 16: Gráfico da questão 5.1 da Atividade I (Pós-Cálculo (Pós Cálculo) a) lim→F () = b) lim→G () = c) lim→ () = d) lim→* () = e) lim→H () = f) lim→H () = 5.2) Figura 17:: Gráfico da questão quest 5.2 da Atividade I (Pós – Cálculo) 85 a) lim→H () = b) lim→H () = 6) O que significa cada uma das afirmações abaixo? a) 6$J8 > 0, K($LMN$LMN(K, (O/P( > 0P$LMN(: 0 < Q − √ Q U < , (SPã8 Q () − Q < . b) 6$J8V > 0, K($LMN$LMN(K, (O/P(W > 0, P$LMN(: > W ⟹ () > V 4.3.2. Atividade II (Pós-Análise) Após a realização da Atividade I, fizemos a avaliação das respostas dadas pelos alunos e, nas 8 (oito) horas/aula seguintes, trabalhamos os aspectos relacionados ao conceito e às propriedades de limites, nos quais os alunos manifestaram maior dificuldade, procurando evidenciar os conflitos potenciais, até que chegássemos à definição formal de limite. Uma descrição mais detalhada da forma como trabalhamos será feita no próximo capítulo. Ao final da 3ª semana, então, realizamos a Atividade II, a qual denominamos de “Pós-Análise” por ter sido aplicada com os conhecimentos (re)construídos em Análise. O objetivo foi levantar as imagens conceituais reelaboradas pelos alunos acerca do conceito de limite de funções reais de uma variável, bem como ainda tentar detectar eventuais falhas que porventura houvessem ocorrido na construção do conceito e/ou de suas propriedades. Para tanto, inicialmente, exploramos a abordagem gráfica sob condições limítrofes. A seguir, buscamos evidenciar os diversos aspectos da definição formal de limite, desde formulações algébricas até interpretações gráficas. Por fim, investigamos a habilidade de uma demonstração simples a partir da definição formal. A realização da atividade também teve duração de 2 (duas) horas/aula, sendo que a professora-pesquisadora novamente procurou não intervir em momento algum. A atividade foi composta das seguintes questões: 1) Esboce o gráfico de uma função real de uma variável que satisfaça às seguintes condições: a) lim→ () = −1, lim→H () = −∞, lim→H () = +∞ 86 b) lim→F () = −∞ ∞; lim→G () = +∞; lim→±H () = −∞ ∞ 2) Com base se nos gráficos contidos nas figuras 18 e 19 a seguir, seguir, determine, caso exista: 2.1) Figura 18: Gráfico da questão 2.1 da Atividade II (Pós – Análise) (a) lim→F () = (b) lim→G () = (c) lim→ () = (d) lim→* () = (e) lim→H () = (f) lim→H () = 2.2) Figura 19: 1 Gráfico da questão 2.2 da Atividade II (Pós – Análise) 87 (a) lim→H () (b) lim→H () 3) O que significa cada uma das afirmações abaixo? a) Dado ε > 0 , real qualquer, existe δ > 0 tal que: 0 < x − π < δ , então f ( x) − e 2 <ε b) Dado k < 0, real qualquer, existe, N < 0 , tal que: x < N ⇒ f ( x) < k 4) Na definição de limite de uma função de uma variável, o que significa: a) ε > 0 , real qualquer b) δ > 0 , real qualquer 5) O que você entende pelo gráfico contido na figura 20, sendo ε > 0 e δ > 0 , reais quaisquer? Figura 20: Gráfico da questão 5 da Atividade II (Pós – Análise) 6) Utilizando a definição de limite de funções, mostre que: limx→4 (2x −1) = 7 88 4.3.3. Questionário de Avaliação Final Ao final da disciplina, no mês de dezembro de 2010, aplicamos um Questionário de Avaliação Final, objetivando conhecer as concepções dos alunos em relação ao papel das demonstrações em Matemática, as dificuldades que eles manifestaram, ao longo do curso, da disciplina e da realização das atividades, bem como a contribuição das atividades para a aprendizagem de limites, além da possibilidade deles fazerem sugestões em relação às atividades ou à sua forma de aplicação. O questionário foi composto pelas seguintes questões: 1) Considere seu envolvimento e participação nas aulas de Introdução à Análise Real. De 0 (zero) a 10 (dez), que nota você se daria? Por quê? 2) Em sua opinião, as demonstrações rigorosas em Matemática são importantes para um Professor de Matemática, mesmo que ele só atue nos Ensinos Fundamental e Médio? Comente! 3) Quais são as principais dificuldades que você manifestou ao longo do curso de Matemática, ao demonstrar resultados (propriedades, teoremas, etc)? Dê exemplos! 4) Em relação às dificuldades que você manifestava ao demonstrar resultados (propriedades, teoremas, etc), você considera que a disciplina “Introdução à Análise Real” contribuiu para algum avanço no sentido de superação das mesmas? Dê exemplos! 5) Na realização das atividades I e II, onde ocorreram suas maiores dificuldades? Explicite! 6) A realização das atividades contribuiu para uma ressignificação dos seus conhecimentos em relação a Limites? Em que aspectos ou tópicos do conteúdo? 7) Você tem alguma sugestão de mudança ou acréscimo nas atividades ou na sua forma de realização, visando sua real aplicação didática? Descreva! 89 No próximo capítulo, faremos uma análise das atividades realizadas pelos alunos, buscando destacar as principais imagens conceituais evocadas, bem como uma análise dos questionários respondidos pelos alunos, buscando elaborar categorias de respostas à nossa questão central de investigação. 90 Capítulo 5 (RE)CONSTRUINDO O CONCEITO DE LIMITE DO CÁLCULO PARA A ANÁLISE: EVIDÊNCIAS DE UMA PESQUISA A Ciência é ótima ao contar as sementes no interior dos frutos, mas é bem mais reticente ao contar os frutos latentes em uma simples semente. Nílson Machado No presente capítulo, faremos a análise das atividades aplicadas. Relembramos que foram duas atividades que nomeamos de Atividade I (Pós-Cálculo) e Atividade II (Pós-Análise). Entre uma análise e outra, apresentaremos a descrição das aulas, um pouco sobre como foi realizado o trabalho com limites e, em seguida, analisaremos o Questionário de Avaliação Final. Optamos por um levantamento quantitativo e qualitativo das respostas, tentando, tanto quanto possível, identificar as imagens conceituais evocadas pelos participantes desta pesquisa, bem como as definições conceituais manifestadas por eles acerca do conceito de limites de funções reais, uma vez que o objetivo principal de nossa pesquisa consiste em desvendar a contribuição de uma proposta de ensino, baseada nas imagens conceituais relacionadas ao conceito de limite de uma função, (re)construídas por alunos do curso de Licenciatura em Matemática, após cursarem Análise Real, para a aprendizagem desses alunos. Avaliamos todas as 6 (seis) questões de cada uma das duas atividades realizadas pelos 9 (nove) alunos, perfazendo assim um total de 108 (questões) distribuídas em 18 (dezoito) atividades. Optamos por analisar todas as questões das duas atividades, por acreditar numa maior qualidade na análise dos resultados e por julgar que, procedendo assim, pode-se traçar um perfil mais fidedigno das representações inferidas, a partir do conjunto de respostas. Como no Capítulo 4 já apresentamos cada atividade completa, optamos por apresentar aqui as questões de cada uma em separado, seguidas de uma avaliação das respostas dos alunos. 91 Ressaltamos ainda que, sempre que estivermos falando em imagens conceituais, na análise dos resultados, estaremos nos referindo à porção da imagem conceitual que foi evocada no momento das atividades pelos participantes da pesquisa, pois, como discutimos, não é possível falar em imagem conceitual global referente a um indivíduo, já que, conforme Tall e Vinner (1981), estímulos diferentes podem evocar porções diferentes da imagem conceitual. Destacamos ainda que, para garantir o sigilo dos participantes da pesquisa, foram atribuídos a cada um dos alunos os códigos de A1 até A9, para que pudéssemos identificálos. Isso foi feito de forma aleatória, não obedecendo à ordem alfabética ou qualquer outra classificação de qualquer natureza. A escolha foi feita por sorteio. 5.1. Análise da Atividade I (Pós-Cálculo) Questão 1: Discutindo os significados das expressões 1) O que você entende pelas expressões? a) Tender a: ______________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ b) Ter limite: ______________________________________________________ _________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ Nessa questão, tanto o item a quanto o item b tinham como objetivo verificar quais imagens conceituais acerca dessas expressões seriam evocadas pelos participantes da pesquisa, uma vez que, em Cálculo, eles já haviam estudado limites. É importante ressaltar que, em nenhum momento, especificamos que os termos deveriam ser entendidos no contexto matemático, pois a intenção era verificar quais imagens e em quais contextos estas seriam evocadas. Conforme já discutimos no Capítulo 2 desta pesquisa e de acordo com Tall e Schwarzenberger (1978), essas expressões têm significados diferentes para estudantes e professores, em função da linguagem coloquial. Seguem os quadros 1 e 2 onde buscamos categorizar as imagens conceituais evocadas para esta questão, primeiramente para o item a e em seguida para o item b. 92 Imagem conceitual evocada – Tender a Ideia de direção Ideia de aproximação Ideia de aproximação, mas “sem chegar” Ideia de valor de uma função no ponto Não respondeu Total Quadro 1 – Questão 1 – item a Quantidade de respostas 5 1 1 1 1 9 Percentual 55,56% 11,11% 11,11% 11,11% 11,11% 100% Aqui, percebemos que a maioria dos alunos participantes traz para a expressão “tender a”, a imagem conceitual de “ir para”, ou seja, uma ideia de direção; apenas dois alunos evocaram a ideia de aproximação, como “chegar até certo ponto” (A8) e também deixando claro o fato de “não chegar a certo ponto” (A9). Apenas um aluno nos pareceu fugir do contexto matemático, quando diz que: “é quando algo se conduz para algum lugar” (A7) mas, num certo sentido, também evoca a imagem de direção. Outro item que vale destacar é que o aluno A1 não especificou o que significa a expressão “tender a”, mas explicou que “quando se tende a um determinado valor e substituímos este valor na função para confirmar alguma coisa, chega lá”, ou seja, apresenta uma imagem restrita ao cálculo de um limite. Imagem conceitual evocada – Ter limite Ter limite é assumir um valor. Ter limite é se aproximar de um valor. Ter limite é quando a função para, em um ponto Ter limite é ser finito Ter limite é ser limitado Não evocou qualquer imagem Total Quadro 2 – Questão 1 – item b Nº de respostas 1 2 1 Percentual 11,11% 22,22% 11,11% 1 2 2 9 11,11% 22,22% 22,22% 100% Podemos perceber que há uma divergência maior de respostas, pois, como já dissemos, deixamos o contexto dessa questão em aberto. Assim, percebemos que quatro alunos citaram o termo “função” e pensaram em limite de funções; os demais evocaram imagens mais amplas, como a ideia de aproximação de um número ou como noção de algo que é finito. Pareceu-nos que dois alunos fizeram uma confusão com a ideia de sequência limitada com limite de função. 93 Dentre as respostas, chamou-nos a atenção o aluno A1 que, mais uma vez, reforça a ideia de limite de função com o fato da função assumir o valor no ponto. A impressão é que a ideia de limite para esse aluno se confunde com a ideia de continuidade da função em um ponto. Isso nos leva a perceber que a imagem conceitual desse aluno ficou restrita, talvez em função do tipo de atividade realizada ou da ênfase dada no ensino do conceito no Cálculo. Dois alunos não expressaram qualquer imagem conceitual relativamente à questão proposta, como por exemplo: “Determina o intervalo” (A6). Questão 2: Explicando com as próprias palavras 2) Explique, com suas próprias palavras, o que significa cada formulação matemática abaixo. A seguir, ilustre graficamente cada formulação na reta real: a) Y → Z___________________________________________________________ b) Y → Z __________________________________________________________ c) Y → Z __________________________________________________________ d) Y → +∞_________________________________________________________ e) Y → −∞ _________________________________________________________ O objetivo dessa questão foi analisar quais imagens conceituais são evocadas a partir dessas notações matemáticas, quais significados elas trazem para os participantes dessa pesquisa e ainda, a sua visualização gráfica na reta real, uma vez que tais formulações são amplamente utilizadas e necessárias para a construção da definição formal do conceito de limite de funções reais. Segue o quadro 3 contendo quantitativamente para os itens a, b, c, d, e. as respostas classificadas qualitativa e 94 Imagem conceitual evocada: → $ O aluno limitou-se a tentar descrever ou reescrever a questão, sem utilizar notações. Apresentou a ideia de aproximação, destacando que o valor de x não é o valor de a. Associou a ideia de limite lateral Total Imagem conceitual evocada : Y → Z Apresentou a ideia de aproximação destacando que esta se dava pela direita O aluno tentou descrever ou reescrever a questão, mas considerou a positivo. Total Imagem conceitual evocada: Y → Z Apresentou a ideia de aproximação destacando que esta se dava pela esquerda O aluno tentou descrever ou reescrever a questão, mas considerou a negativo. Total Imagem conceitual evocada: Y → +∞ O aluno limitou-se a tentar descrever ou reescrever a questão, sem utilizar notações. O aluno tentou descrever ou reescrever a questão, mas considerou x como natural positivo. Total Imagem conceitual evocada: Y → −∞ O aluno limitou-se a tentar descrever ou reescrever a questão, sem utilizar notações. O aluno tentou descrever ou reescrever a questão, mas considerou x como número negativo. Total Quadro 3 – Questão 2 – itens a, b, c, d, e Nº de respostas 6 Percentual 66,67% 2 22,22% 1 9 Nº de respostas 3 11,11% 100% Percentual 33,33% 6 66,67% 9 Nº de respostas 3 100% Percentual 33,33% 6 66,67% 9 Nº de respostas 8 100% Percentual 88,89% 1 11,11% 9 Nº de respostas 8 100% Percentual 88,89% 1 11,11% 9 100% É possível perceber que, de uma maneira geral, os alunos se limitaram a tentar descrever ou reescrever as questões, sem utilizar a simbologia matemática. Nas situações envolvendo as formulações matemáticas → $ e → $ , a maioria dos alunos (66,67%), ao tentar reescrever, cometeu o erro de considerar o valor de a positivo e negativo, respectivamente. Apenas 33,33% cumpriram o que a questão solicitava para esses itens. O mesmo ocorreu quando se tratou das formulações matemática → +∞ e → −∞, nas quais a maioria dos alunos (88,89%) se limitou a reescrever a questão sem a utilização da simbologia matemática e apenas um aluno, na tentativa de reescrever esses itens, cometeu 95 o equívoco de considerar os valores de x como naturais positivos e como inteiros negativos, respectivamente. Parece-nos que, aqui, houve uma tentativa de recorrer à memória ou a própria prática para explicar tais itens e que não houve uma compreensão real da notação e do conceito; nenhum aluno explicitou que quando → $ , por exemplo, trata-se de uma aproximação por valores maiores do que a e não necessariamente no próprio a. Isso nos leva a pensar em uma imagem conceitual restrita apenas à leitura da simbologia e não à sua significação. Quanto às representações gráficas pedidas na questão, a maioria dos alunos se limitou a esboçar intervalos na reta real, destacando apenas a, como um dos extremos, entretanto, sem representar x. Assim, podemos inferir que eles não possuíam uma imagem conceitual de aproximação na reta real. Questão 3: Ainda utilizando as próprias palavras... 3) Explique, com suas próprias palavras, o que significa cada formulação matemática abaixo. A seguir, esboce um gráfico de uma função que ilustre cada formulação. a) [\]Y→Z ^(Y) = _ _________________________________________________ ________________________________________________________________ b) [\]Y→ZF ^(Y) = __________________________________________________ ________________________________________________________________ c) [\]Y→ZG ^(Y) = _ ________________________________________________ ________________________________________________________________ d) [\]Y→Z ^(Y) = +∞ _______________________________________________ ________________________________________________________________ e) [\]Y→H ^(Y) = _ ________________________________________________ Como na questão anterior, o objetivo dessa questão era analisar quais imagens conceituais e também que definições conceituais eram evocadas a partir das formulações matemáticas anteriores, uma vez que eles deveriam expressar, em palavras, tais formulações. Nossa ideia também foi tentar perceber quais significados essas notações teriam para os alunos. Exploramos aqui a noção de limites em um ponto, limites laterais, limites infinitos e limites no infinito, além de explorar também as representações gráficas, ou seja, a capacidade de transposição da notação matemática para a representação geométrico- 96 visual, o que nos permitiria uma melhor análise da imagem conceitual e da definição conceitual dos alunos. Segue o quadro 4 com o levantamento dos dados feito qualitativa e quantitativamente e, em seguida, a sua análise. Imagem conceitual evocada: [\]Y→Z ^(Y) = _ O aluno limitou-se a tentar descrever ou reescrever a questão, sem utilizar notações O aluno afirmou que o limite da função é o mesmo à direita e à esquerda O aluno associou a afirmação ao cálculo do limite através da substituição do valor da função no ponto O aluno afirmou que a função tem limite em a Total Imagem conceitual evocada: [\]Y→ZF ^(Y) = _ O aluno limitou-se a tentar descrever ou reescrever a questão, sem utilizar notações O aluno afirmou que o limite da função está tendendo à direita O aluno associou a afirmação ao cálculo do limite através da substituição do valor da função no ponto O aluno afirmou que função é limitada por a , sendo o valor de a positivo. Total Imagem conceitual evocada: [\]Y→ZG ^(Y) = _ O aluno limitou-se a tentar descrever ou reescrever a questão, sem utilizar notações O aluno afirmou que o limite da função está tendendo à esquerda O aluno associou a afirmação ao cálculo do limite através da substituição do valor da função no ponto O aluno afirmou que função é limitada por a, sendo o valor de a negativo. Total Imagem conceitual evocada: [\]Y→Z ^(Y) = +∞ O aluno limitou-se a tentar descrever ou reescrever a questão, sem utilizar notações O aluno afirmou que a função não tem limite Total Imagem conceitual evocada: [\]Y→H ^(Y) = _ O aluno limitou-se a tentar descrever ou reescrever a questão, sem utilizar notações. O aluno afirmou que quando x tende ao infinito, a função sempre terá limite. Total Quadro 4 – Questão 3 – itens a, b, c, d, e Nº de respostas 6 Percentual 66,67% 1 11,11% 1 11,11% 1 9 Nº de respostas 6 11,11% 100% Percentual 66,67% 1 1 11,11% 1 11,11% 9 Nº de respostas 6 100% Percentual 66,67% 1 11,11% 1 11,11% 1 11,11% 9 Nº de respostas 8 100% Percentual 88,89% 1 9 Nº de respostas 8 11,11% 100% Percentual 88,89% 1 11,11% 9 100% 97 Observamos que, mais uma vez, a maior parte dos alunos se limitou a tentar reescrever a questão sem o uso da simbologia. Apresentaremos, a seguir, algumas dessas tentativas e vamos verificar que alguns erros foram cometidos nesse processo de leitura e interpretação da notação matemática, o que nos leva a acreditar numa má formação da imagem conceitual associada a esses conceitos. Alguns alunos (A1, A4 e A7) tentaram trazer algum significado para as afirmações, mantendo a mesma ideia nos itens a, b e c. O aluno A1 insiste na ideia de cálculo de limite mediante a substituição da variável independente da função pelo valor de a. Conforme já havíamos discutido, isso reforça a nossa afirmação anterior de que essa imagem conceitual pode ter sido formada pelo tipo de atividades desenvolvidas quando do estudo desse conceito em Cálculo, retomando Tall e Vinner (1981) ao afirmarem que, de acordo com os exemplos e exercícios focados pelo professor, os alunos podem construir uma imagem conceitual restrita. Nesse caso, a restrição parece ter ocorrido em relação ao cálculo de limites pela simples substituição de valores na função. O aluno A4 tenta uma associação com limites laterais. No item a, afirma que o limite da função é “o mesmo para a direita e para a esquerda”; já no item b, afirma que “o limite da função está tendendo para a direita” e, no item c, afirma que “o limite da função está tendendo para a esquerda”. É importante perceber que esse aluno tem uma ideia de limites laterais, mas se confunde com a notação ao afirmar que o limite “tende” para a direita ou para a esquerda e não o valor da variável independente; de qualquer forma, conseguiu evocar alguma imagem conceitual. Já o aluno A7 afirma que a função tem limite em a, mas não podemos afirmar que o aluno compreendeu bem a notação e definição de limite, uma vez que a função, para ter limite, não necessariamente precisa estar definida em a, mas sim na vizinhança de a. Outro fator que nos faz questionar a imagem conceitual desse aluno é que, nos itens b e c, o aluno afirmou que a função é “limitada por a” e que a pode ser qualquer valor positivo ou negativo, respectivamente. Isso nos leva à possibilidade de um fator de conflito potencial, conforme Tall e Vinner (1981), em função da própria linguagem. Quantos aos itens d e e que envolvem a ideia de infinito, percebemos um maior número de tentativas de reescrita das questões ou de uma simples leitura da notação. Apenas o aluno A7 tentou significar a simbologia afirmando no item a que “toda vez que meu x for a, a função não tem limite”. Aqui, mais uma vez, podemos afirmar que a 98 imagem conceitual de limites infinitos não está bem consolidada para esse aluno, pois, mais uma vez, ele restringiu o limite em a e não na vizinhança de a; além disso, apesar do fato do resultado desse limite ser +∞ poder significar que o limite não existe, como o aluno evocou, não pareceu estar associado a nenhuma ideia correlata, como os valores de f(x) ficarem arbitrariamente grandes quando a variável independente se aproximar de a. Inclusive, o aluno não fez a representação gráfica para esse item. As representações gráficas, em geral, restringiram-se a gráficos de retas e parábolas, destacando-se valores numéricos, em certos casos, entretanto sem evidenciar uma interpretação gráfica consistente com as formulações matemáticas requisitadas. Questão 4: Do cálculo para o gráfico... 4) Esboce o gráfico de uma função que satisfaça às seguintes condições: c) [\]Y→` ^(Y) = a; [\]Y→H ^(Y) = +∞; [\]Y→H ^(Y) = −∞; d) [\]Y→bF ^(Y) = +∞; [\]Y→bG ^(Y) = −∞; [\]Y→±H ^(Y) = +∞; O objetivo principal dessa questão era explorar quais imagens conceituais os alunos haviam formado a partir da simbologia e se essas imagens poderiam ser transportadas para a representação gráfica, quando se tratava de limites laterais, limites infinitos e no infinito. Enquanto na Questão 3, o aluno era levado a interpretar e explicar com suas próprias palavras situações de limite de uma forma geral, aqui apresentamos situações específicas com o objetivo de construir o gráfico considerando o comportamento da função na vizinhança de alguns valores do domínio. Cinco alunos (55,56%) conseguiram construir o gráfico solicitado no item a de forma correta; três alunos o fizeram de forma incorreta ou parcialmente correta e apenas um aluno não respondeu a questão. Vamos destacar algumas dessas respostas para que possamos fazer uma análise mais profunda. Quatro dos alunos que acertaram o item a pensaram em uma reta crescente onde f(2) = 4, ou seja, uma função contínua em x = 2 e um aluno pensou em uma curva com o comportamento parecido com uma reta. Seguem dois gráficos contidos nas figuras 21 e 22 que estão de acordo com o solicitado na questão. 99 Figura 21: Gráfico do Aluno A1 – Questão 4 Atividade I Figura 22: Gráfico do Aluno A5 – Questão 4 Atividade I Seguem duas respostas que consideramos incorretas, nas figuras 23 e 24 a seguir. Figura 23: Gráfico do Aluno A2 – Questão 4 Atividade I Figura 24: Gráfico do Aluno A7 – Questão 4 Atividade I Dentre as respostas incorretas, é possível perceber que, apesar de considerarem f(2) = 4, tiveram dificuldade com os limites laterais, limites no infinito e limites infinitos, o que nos relembra um certo “horror ao infinito” descrito por Sierpinska (1985). Quanto ao item b, apenas o aluno A9 (11,11%) apresentou uma resposta parcialmente correta, como apresentamos logo abaixo na figura 25. Seis alunos (66,67%) responderam a questão de forma incorreta e outros dois alunos (22,22%) não responderam a questão. 100 Figura 25: Gráfico do Aluno A9 – Questão 4 Atividade I Observamos que o aluno A9 atendeu às duas primeiras condições solicitadas no item b, mas não atendeu aos limites no infinito, quando pedimos lim→±H () = +∞. Seguem, ainda, duas respostas consideradas incorretas, contidas nas figuras 26 e 27. Figura 26: Gráfico do Aluno A8 – Questão 4 Atividade I Figura 27: Gráfico do Aluno A4 – Questão 4 Atividade I O gráfico do aluno A8, contido na figura 26, atende quando solicitamos que lim→±H () = +∞, mas equivocou-se quanto aos limites laterais em x = 0 e considerou lim→* () = 0, ou seja, apresentou uma imagem conceitual restrita no que se refere ao conceito de limites infinitos. O aluno A4 cometeu o mesmo equívoco em relação ao ponto x = 0; além disso, não considerou a nossa solicitação quanto aos limites no infinito, gerando um gráfico totalmente incorreto, contido na figura 27, mostrando assim, uma imagem conceitual restrita quanto aos limites infinitos e no infinito. 101 Essa situação confirma, mais uma vez, a questão dos obstáculos epistemológicos em relação à aprendizagem do conceito de limite destacados por Cornu (1991) e Sierpinska (1985) e nos leva, mais uma vez, a pensar em uma imagem conceitual restrita, a qual pode ser consequência de um excesso de “algebrização” no Cálculo que, de acordo com Rezende (2003), leva à constatação da prevalência da técnica sobre o significado, como discutimos anteriormente. Questão 5: Analisando gráficos 5) Com base nos gráficos esboçados a seguir nas figuras 28 e 29, determine, caso exista: 5.1) Figura 28: Gráfico da questão 5.1 da atividade II (Pós – Cálculo) a) [\]Y→cF ^(Y) = b) [\]Y→cG ^(Y) = c) [\]Y→c ^(Y) = d) [\]Y→b ^(Y) = e) [\]Y→H ^(Y) = f) 5.2) [\]Y→H ^(Y) = 102 Figura 29: Gráfico da Questão 5.2 da Atividade I – (Pós – Cálculo) a) [\]Y→H ^(Y) = b) [\]Y→H ^(Y) = O objetivo vo dessa questão era avaliar como o aluno interpretava interpreta geometricamente a existência stência do limite de uma função. Foram construídos dois gráficos com limites em um ponto, com limites infinitos e com limites limites no infinito. O primeiro gráfico apresenta, propositalmente, descontinuidade em um ponto, no qual o limite não existe. O segundo gráfico oscila, crescendo e decrescendo ao longo do domínio da função, objetivando investigar os limites no infinito. Nessa questão, solicitamos aos alunos que respondessem aos itens propostos de acordo com o gráfico e não pedimos nenhum tipo de justificativa, apenas que registrasse os valores dos limites em questão. Julgamos importante apresentar o resultado de cada aluno participante. Para isso, utilizamos o quadro 5 seguinte e criamos cri a seguinte legenda: C – Respostas Corretas I – Respostas Incorretas NR – Não Responderam 103 Itens A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 a) lim→F () I I C C I I I C C b) lim→G () I C I I I C I I C c) lim→ () I I I I I I I I I d) lim→* () C C I I C C C C C e) lim→H () C I I I NR I I C C f) lim→H () I I I I I I I C C Quadro 5 – Questão 5.1 Um dos aspectos que consideramos relevante foi o significativo percentual de erros (62,96%), que nos leva a concluir que os alunos tiveram dificuldade na leitura e na interpretação dos conceitos de limite, limites laterais, limites infinitos e no infinito, a partir do gráfico de funções. Uma situação que vale destacar são as respostas do aluno A9 que, apesar de ter acertado 83,33% das questões, calculou o lim→F () e lim→G (), encontrou valores diferentes, mas afirmou que lim→ () era 3, valor encontrado para lim→F (). Talvez a dificuldade tenha ocorrido pela descontinuidade da função no ponto, pois cabe ressaltar que 100% dos alunos interpretaram erroneamente o lim→ (). Já o item com o maior número de acertos foi lim→* (), talvez por se tratar de um ponto no qual a função é contínua. Itens A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 lim () I I I I I I I I I lim () I I I I I I I I I →H →H Quadro 6 – Questão 5.2 O quadro 6 mostra, de forma clara, que 100% dos alunos responderam de forma incorreta os itens propostos. Em ambos os casos, o limite não existe, mas tivemos as mais variadas respostas, como os alunos A1, A2 e A4 que responderam +1 e – 1 respectivamente; já o aluno A7 respondeu ±1 em ambos os casos, demonstrando claramente não conhecer a definição de limite de função. Os alunos A8 e A9 responderam 104 em ambos os casos; o aluno A5 respondeu +∞ e −∞, respectivamente; já o aluno A7 respondeu ±∞ em ambos os casos e, finalmente, o aluno A6 respondeu, curiosamente, da seguinte forma: +∞ + 1 e −∞ − 1, respectivamente. Essa questão demonstra, novamente, o obstáculo relativo ao infinito, a dificuldade com a interpretação gráfica e o problema relativo à definição do conceito de limite, o que reafirma a nossa hipótese de uma má formação da imagem conceitual e de uma respectiva definição conceitual relacionada ao conceito de limite. Questão 6: Tentando compreender a definição formal 6) O que significa cada uma das afirmações abaixo? a) dZefg > 0, hiZjklZjklih, iYmnoip > 0oZjkli: nib < QY − √` q s Q < p, iroãf Q^(Y) − ` Q < g. b) dZeft > 0, hiZjklZjklih, iYmnoiu > 0, oZjkli: Y > u ⟹ ^(Y) > t O objetivo dessa questão era avaliar se o aluno tinha algum tipo de imagem conceitual acerca da definição formal de limite de função real e se era possível perceber alguma ligação com uma eventual definição conceitual manifestada pelos alunos. Consideramos essa questão um ponto chave para a nossa pesquisa, uma vez que queremos discutir como uma proposta de ensino baseada nas imagens conceituais pode contribuir para a construção ou (re) construção do conceito de limite de funções reais, após o curso de Análise Real, e um dos pontos que consideramos importante nesse processo é a definição formal, própria de um curso de Análise, mas por muitas vezes, estudada já no Cálculo. É importante destacar que, no item a, descrevemos de maneira rigorosa, utilizando a notação − , uma situação onde a função possui limite em um ponto, no caso, lim √ → v () = U . Já no item b, descrevemos uma função que possui limite infinito quando a variável independente tende ao infinito (no caso, lim f ( x ) = ∞ ). x→ ∞ Como o resultado de ambos os itens foi muito semelhante, julgamos pertinente apresentar as respostas sequencialmente e faremos as análises simultaneamente. 105 Seguem, então, os quadros 5 e 6 com as respostas apresentadas qualitativa e quantitativamente. Imagem conceitual evocada Resposta em branco O aluno limitou-se a tentar descrever ou reescrever a questão, sem utilizar notações O aluno tentou dar significado para ( Total Quadro 7 – Questão 6 – item a Quantidade de respostas 6 2 Percentual 66,67% 22,22% 1 9 11,11% 100% Imagem conceitual evocada Resposta em branco O aluno limitou-se a tentar descrever ou reescrever a questão, sem utilizar notações Total Quadro 8 – Questão 6 – item b Quantidade de respostas 7 2 Percentual 77,78% 22,22% 9 100% Observamos, de acordo com os dados, que um grande número de alunos deixou as respostas em branco (66,67%) no item a e o número é ainda maior no item b (77,78%). O restante tentou reescrever a questão sem a utilização de simbologia, ou seja, houve apenas uma tentativa de “leitura” das questões; mesmo a própria reescrita demonstrou que os alunos não possuíam nenhum tipo de imagem conceitual acerca da definição formal de limite de funções reais. É importante destacar que, de acordo com informações obtidas com o professor que havia ministrado a disciplina Cálculo I para os participantes da pesquisa, foi trabalhada a definição com − quando se estudou o tópico de limites, mas não a definição formal de limites infinitos e no infinito. Apresentaremos, então, as tentativas de reescrita apenas do item a feitas pelos alunos A4, A6 e A8, para uma melhor análise da situação. Observamos que o aluno A4 tentou buscar algum significado para e fazendo uma afirmação sem sentido, atribuindo a o status de “limite da função” e ainda mais impressionantemente, afirma que é a “própria função”. Isso nos leva a questionar se esse aluno possui uma imagem conceitual coerente acerca da própria definição de função ou se a notação − é tão obscura que leva o aluno a uma resposta evasiva, para fugir da própria dificuldade. 106 Já os alunos A6 e A8 tentaram, a partir da reescrita da questão, tirar alguma informação que fosse útil para a sua resposta, mas ambos demonstraram não ter qualquer imagem conceitual coerente com a definição formal de limite de funções. Seguem as respostas desses alunos nas figuras 30 e 31. Figura 30: Resposta do AlunoA6 – Questão 6 – Atividade 1 Figura 31: Resposta do Aluno A8 – Questão 6 – Atividade 1 A partir da análise dessa questão e das demais questões dessa atividade, percebemos que, de modo geral, as imagens conceituais e definições conceituais relacionadas a limites, não pareciam estar consolidadas até aquele momento em que eles haviam estudado limites apenas em Cálculo. Isso nos levou a pensar em uma nova construção do conceito de limite e não apenas em uma possível reconstrução, como havíamos pensado, no início deste trabalho. 5.2. Descrevendo o trabalho com limites em Análise Inicialmente, ressaltamos que cada aula aqui retratada corresponde a 2 horas/aula, ou seja, 100 minutos. Na 1ª aula (22/11/2010), realizamos a Atividade I (Pós-Cálculo). Mesmo sem ainda fazer uma análise mais criteriosa de toda a atividade, já julgamos necessário abordar o conceito de limite, inicialmente, com elementos mais intuitivos, visando a elaboração de 107 imagens conceituais numéricas e gráficas pelos alunos, para chegarmos ao rigor das definições formais, próprio de uma disciplina de Introdução à Análise Real. Assim, na 2ª aula (23/11/2010), foi realizada uma discussão sobre as imagens conceituais evocadas pelos alunos, a partir da Atividade I e, além disso, permitimos aos alunos que falassem o que pensavam quando da sua realização. A nossa conclusão não foi diferente da conclusão que expusemos acima, ou seja, era necessária uma nova tentativa de construção do conceito de limite de funções reais. Ainda nessa aula, partimos então dos termos “tender a” e “ter limite”. Fizemos uma discussão sobre eles, apresentando-os na forma sob a qual deveriam ser vistos no contexto matemático. É importante ressaltar que deixamos claro que os alunos poderiam interromper a aula em qualquer momento para fazerem as perguntas e comentários que julgassem necessários. Apresentamos diversos exemplos e solicitamos exercícios que incentivavam a escrita dos alunos, na perspectiva de construir definições conceituais iniciais, porém, consistentes, apesar de não terem a forma de definições formais. Na 3ª aula (29/11/2010), fizemos uma discussão numérica sobre limites de funções reais. Tomamos uma função real, um ponto e estudamos as imagens dos valores na vizinhança desse ponto e intuímos o valor do limite para a mesma; logo após esse trabalho, partimos para a visualização dessa situação, por meio do gráfico da função, o que nos levou a confirmar que o valor do limite que estávamos discutindo era realmente o valor encontrado. A seguir, apresentamos alguns exercícios típicos de Cálculo. Deixamos também algumas perguntas: Podemos realmente afirmar que o limite encontrado é o limite da função no ponto dado? Qual é a nossa garantia? Essas questões seriam discutidas posteriormente. Trabalhamos com a notação de limite e, principalmente, com o seu significado; aproveitamos também para discutir limites laterais, notação e representação gráfica. Surpreendeu-nos que o aluno A5, por exemplo, comentou que nunca havia entendido que o limite da função estava associado ao valor da variável dependente da função, ou seja, no caso específico, ao valor de y. Outros comentários também foram feitos em relação à compreensão do assunto, como o aluno A7, ao afirmar que, para ele, limite era algo que sempre chegava mais perto, mas que nunca atingia o ponto. Discutimos também limites infinitos mediante exemplos algébricos e gráficos e, da mesma forma, os limites no infinito. Foi notória a surpresa dos 108 alunos em perceber que estavam “equivocados” em relação a alguns conceitos que eles acreditavam “conhecer”. Na 4ª aula (30/11/2010), retomamos a questão que havíamos deixado em aberto sobre a necessidade de tornar precisa a definição de limite, uma vez que frases como “x está próximo de a” e “f(x) aproxima-se cada vez mais de L” são imprecisas e dependem do ponto de vista de cada pessoa. A partir de uma visão do rigor em Matemática, esses resultados não podem ser vagos ou imprecisos, daí a necessidade da definição formal de limite de função real. Para isso, começamos com uma função polinomial do 1º grau, () = 3 + 1 e intentamos demonstrar que lim→1 (3 + 1) = 4, fazendo a pergunta: Quão próximo de 1 deverá estar x, para que f(x) difira de 4 por menos que 0,1?, baseando-nos em Stewart (2009). A partir daí, discutimos sobre módulo, distâncias e tentamos responder a pergunta anterior; em seguida, demos ao valor encontrado o nome de e para 0,1 o nome de . Tomamos outros valores para e, em seguida, generalizamos o resultado, chegando à definição formal de limite. Ao final, começamos a resolver, em sala de aula, alguns exercícios “clássicos” de demonstração de limites e deixamos vários outros exercícios para serem feitos individualmente em casa, porém incentivando a discussão posterior com os colegas. Na 5ª aula (06/12/2010), discutimos a definição precisa de limites infinitos e no infinito da mesma forma que fizemos anteriormente, utilizando exemplos e explorando exercícios. Entretanto, não pudemos demonstrar muitas propriedades da maneira que intentamos. Assim, avaliamos que o tempo que dispusemos para tal foi insuficiente, principalmente devido à restrição do cronograma da disciplina, uma vez que ainda deveríamos trabalhar com Continuidade de Funções Reais. Na 6ª aula (07/12/2010), realizamos a Atividade II (Pós-Análise) que passamos agora, a analisar. 5.3. Análise da Atividade 2 (Pós-Análise) Questão 1: Do cálculo para o gráfico mais uma vez... 1) Esboce o gráfico de uma função real de uma variável que satisfaça às seguintes condições: 109 a) [\]Y→q ^(Y) = −c, [\]Y→H ^(Y) = −∞, [\]Y→H ^(Y) = +∞ b) [\]Y→`F ^(Y) = −∞; [\]Y→`G ^(Y) = +∞; [\]Y→±H ^(Y) = −∞ O objetivo dessa questão era analisar se alguma nova imagem conceitual seria evocada, a partir das situações acima apresentadas e o tipo de representação visual do conceito apresentada pelos alunos, após as discussões feitas em sala de aula. Curiosamente, apenas um aluno respondeu o item a de forma correta e um aluno o fez de forma parcialmente correta. Sete alunos responderam a questão de forma incorreta. Observamos um equívoco quanto ao crescimento da função. Vamos destacar algumas dessas respostas para que possamos fazer uma análise mais profunda, pois nessa questão houve certa inversão quanto ao número de acertos e erros em relação à questão semelhante na Atividade I (Pós-Cálculo). Figura 32: Gráfico do Aluno A7 - Questão 1 Atividade II Figura 33: Gráfico do Aluno A3 - Questão 1 Atividade II Observamos na figura 32 que o aluno A7 construiu o gráfico corretamente. Já o aluno A3 construiu o gráfico contido na figura 33 de forma parcialmente correta, pois considerou lim→ () = −1 e não quando → −3, como foi solicitado. Seguem, agora, duas respostas consideradas incorretas. A do aluno A1, contida na figura 34 e a do aluno A4 contida na figura 35. Figura 34: Gráfico do Aluno A1 - Questão 1 Atividade II Figura 35: Gráfico do Aluno A4 - Questão 1 Atividade II 110 A primeira observação que fazemos é a questão da inversão dos limites quando → +∞ e → −∞, o que ocorre em ambos os casos. O aluno A1 chega a escrever que lim→H () = + ∞. Outra observação importante é em relação ao aluno A4 que considera apenas um limite lateral no ponto x = – 3 (no caso, à esquerda), o que não garante que lim→ () = −1, como foi solicitado na questão. Quanto ao item b, seis alunos apresentaram respostas parcialmente corretas e três alunos apresentaram respostas incorretas, o que consideramos um avanço importante, uma vez que esse foi um dos itens com o maior número de erros na Atividade I. Ainda em relação ao nível de dificuldade, podemos classificar o item b como mais difícil que o item a, por envolver o conceito de limites no infinito. Figura 36: Gráfico do Aluno A1 – Questão 1 b Atividade II Figura 37: Gráfico do Aluno A9 – Questão 1 b Atividade II Optamos por apresentar nas figuras 36 e 37 os gráficos dos alunos A1 e A9 respectivamente, considerados parcialmente corretos. Tanto o aluno A1 como o A9 consideraram os limites no infinito de forma parcial; o primeiro não considerou o fato do lim→H () = −∞ e o segundo o fato do lim→H () = −∞. Ambos evocaram imagens conceituais corretas quando se tratava dos limites laterais em x = 2 e ainda levaram em consideração a existência da assíntota vertical, o que consideramos um avanço importante na construção do conceito de limite, uma vez que demonstraram uma boa representação visual do conceito. Questão 2: Analisando gráficos 2) Com base nos gráficos contidos nas figuras 38 e 39 a seguir, determine, caso exista: 111 2.1) Figura 38: Gráfico da Questão 2.1 da Atividade II (Pós – Análise) (a) lim x→−1+ f ( x) (b) lim x→−1− f ( x) (c) lim x → −1 f ( x ) (d) lim x→ 0 f ( x ) (e) lim x → +∞ f ( x ) (f) lim x → −∞ f ( x ) 2.2) Figura 39: 3 : Gráfico da Questão 2.1 da Atividade II (Pós – Análise) 112 (a) lim x → +∞ f ( x ) (b) lim x → −∞ f ( x ) O objetivo dessa questão era avaliar como o aluno interpreta geometricamente a existência do limite de uma função e identificar suas imagens conceituais após o curso de Introdução à Análise Real. Novamente, foram construídos dois gráficos com limites em um ponto, com limites infinitos e no infinito. O primeiro gráfico apresenta, propositalmente, uma descontinuidade em um ponto onde o limite não existe. O segundo gráfico oscila, crescendo e decrescendo ao longo do domínio da função. Seguem quadros 9 e 10 com a análise das respostas. Itens A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 a) lim→F () C C C C C C C C C b) lim→G () C C C C C I C C C c) lim→ () C C C C C C C C C d) lim→* () I I C C C C C C C e) lim→H () C C C C C C C I C f) lim→H () I I I I I I C C C Quadro 9 – Atividade 2.1 A primeira observação que devemos fazer é o número de acertos: das 54 respostas dadas, 44 estão corretas (81,48%). Mais que isso, é preciso analisar o que isso representa. Por exemplo, o item c, que solicita o limite em um ponto de descontinuidade da função, mostra que houve uma melhor compreensão acerca da definição de limite, uma vez que, nesse ponto, os limites laterais são diferentes; logo, o limite não existe. 100% dos alunos responderam esse item de forma correta. Quanto à questão dos limites infinitos e no infinito, percebemos também uma melhor compreensão dos alunos, principalmente no item e que teve 88,89% de respostas corretas. Já no item f, observamos um maior número de erros, talvez porque, observando o gráfico da função contido na figura 38, temos uma função constante para < −1, o que levou a um conflito uma vez que pedimos o limite da função quando → −∞. Dentre as respostas incorretas, a maior parte respondeu que lim→H () = −∞. Passemos, agora, a analisar a Questão 2.2. 113 Itens A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 lim () C C C I C C I C C lim () C C C I C C I C C →H →H Quadro 10 – Atividade 2 – Questão 2.2 Em relação aos limites no infinito, percebemos um avanço considerável na porcentagem de respostas corretas (77,78%). Ainda não podemos afirmar que isso represente um rompimento com o “horror ao infinito”, mas podemos afirmar que houve um progresso importante na interpretação gráfica. Questão 3: Buscando significados para a definição formal de limite de funções... 3) O que significa cada uma das afirmações abaixo? a) Dado ε > 0 , real qualquer, existe δ > 0 tal que: se 0 < x − π < δ , então f ( x ) − e 2 <ε b) Dado k < 0, real qualquer, existe, N < 0, tal que: se x < N ⇒ f ( x) < k O nosso objetivo com essa questão era analisar se algum aspecto da imagem conceitual seria evocada, a partir da definição formal de limite, após o curso de Introdução à Análise Real e ainda, se as imagens conceituais estariam de acordo com as definições formais. Segue uma análise das respostas dos alunos, mas antes, lembramos que, na questão semelhante da Atividade I, tivemos um índice de 66,67% de respostas em branco e outros 33,33% de respostas incorretas. No item a, tivemos 100% de respostas corretas. Apresentaremos algumas destas respostas para que possamos analisar melhor a questão e as imagens conceituais evocadas e as definições conceituais relacionadas. Observamos que o aluno A1 conseguiu interpretar de maneira correta o que a definição formal quer dizer ao utilizar a notação lim→U () = ( √ e apresentou a seguinte definição conceitual como uma porção da imagem conceitual: “à medida que x se 114 aproxima de w, () aproxima de ( √ ”. Aqui, percebemos que o aluno conseguiu extrair da definição formal de limite o caráter dinâmico do mesmo. Fizemos as mesmas observações em relação aos alunos A2, A4, A5, A8. Já os alunos A3 e A9, além de utilizar a notação acima, também fizeram uma representação visual do conceito, pela representação gráfica contidas nas figuras 40 e 41. Seguem as respostas. Figura 40: Gráfico do Aluno A3 – Questão 3a Atividade II Figura 41: Gráfico do Aluno A9– Questão 3a Atividade II Os demais alunos limitaram-se a escrever que o item a significava que lim→U () = ( √. No item b, nenhum aluno inferiu que lim→H () = −∞.Apenas três alunos apresentaram imagens conceituais coerentes com a definição formal: dois alunos apresentaram o gráfico de uma função em que lim→H () = −∞;um aluno afirmou que lim→H () = ∞, talvez pelo fato da definição se aproximar daquela feita em sala de aula. Acreditamos que isso seja um reflexo do tempo escasso que destinamos, em sala de aula, à formalização dos conceitos de limites infinitos e no infinito, como já havíamos mencionado. Questão 4: Ainda buscando significados... 4) Na definição de limite de uma função de uma variável, o que significa: (a) ε > 0 , real qualquer (b) δ > 0 , real qualquer 115 O objetivo dessa questão era analisar qual o significado das expressões acima para os alunos participantes desta pesquisa, após o trabalho de formalização do conceito de limite que havíamos feito. Segue a análise e transcrições de algumas das respostas. O aluno A1 remeteu o e o à definição de limite de função e reescreveu 0 < | () − !| < e 0 < | − $| < , não deixando claro o seu significado. Já os alunos A2, A5, A7 e A9 apresentaram a mesma reescrita de A1; o aluno A9 só acrescentou que é um número real qualquer no eixo das ordenadas e que é um número real qualquer no eixo das abscissas. Os alunos A6 e A8 também apresentaram a reescrita relacionada à definição de limites, mas apresentaram definições conceituais. Apresentaremos algumas delas para uma melhor análise. Para o aluno A6, o item a “significa que é a distância que existe entre o ponto que aproxima pela direita e esquerda” e o item b “significa que é a distância entre o x e os pontos que se aproximam pela direita e esquerda”, retratando uma interpretação mais coerente do que a feita no item anterior. Para o aluno A8, no item a “o valor de é a distância em que se aproxima de L” e no item b “o valor de é a distância que existe entre o x e o ponto, sendo $ − os valores menores que a, estando à esquerda e + $ os valores maiores que a, estando à direita, ou seja, 0 < | − $| < (por ser distância, é maior que 0)”. Consideramos que as interpretações estão um pouco confusas, mas trazem elementos coerentes com a ideia de aproximação contida na definição de limite. O aluno A3 fez uma representação visual do conceito pelaa representação gráfica de e ,contidas nas figuras 42 e 43 a seguir. Figura 42: Gráfico do Aluno A3 – Questão 4a Atividade II Figura 43: Gráfico do Aluno A3 – Questão 4b Atividade II 116 O aluno A4 entendeu o valor de como sendo o “intervalo” próximo do limite da função e não igual a L, e o valor de como o “intervalo” próximo de a, mas não igual a a. Observamos, de uma maneira geral, que houve um avanço nas imagens conceituais dos alunos em relação ao papel desempenhado por e na definição formal de limites. Questão 5: Ainda em busca de significados... 5) O que você entende pelo gráfico contido na figura 44 a seguir, sendo ε > 0 e δ > 0 , reais quaisquer? Figura 44: Gráfico da Questão 5 da Atividade II (Pós – Análise) O objetivo dessa questão era avaliar como o aluno interpreta geometricamente o limite de uma função, uma vez que, nesse gráfico, deixamos evidente a existência dos intervalos gerados por e . Deixamos bastante espaço para a resposta da questão porque queríamos extrair o maior número possível de imagens conceituais dos alunos, a partir somente do gráfico e sem mencionar diretamente, a questão do limite da função em x = 4. Fizemos questão de transcrever todas as respostas dessa questão, para uma melhor análise das imagens conceituais e, quando possível, das definições conceituais eventualmente identificadas. O aluno A1 apenas discutiu sobre os valores de e , fazendo algumas afirmações que não havia feito na Questão 4: 117 é a distância que existe entre o limite e os valores que atribuímos a f(x) tão próximos de L quanto quisermos, sendo que pela direita são valores representados por lim + e os valores da esquerda, dados em lim – . Quanto aos valores de que é a distância que existe entre x e ponto “a” sendo os valores de a – tomados pela esquerda, são valores que crescem para “a” porém são menores que “a” e os valores a + que são valores maiores que “a” porém estão decrescendo para “a”. (A1) Podemos observar que o aluno A1 construiu uma imagem conceitual para os valores de e , tão importantes para a compreensão da definição formal de limite; percebemos também a presença do conceito de limites laterais e ainda o caráter dinâmico do conceito de limite, quando afirma sobre valores que crescem e decrescem para a; porém, nada afirmou sobre o limite em x = 4 como esperávamos. O aluno A2 também discutiu sobre os valores de e e afirmou que: A distância que existe entre o limite e os pontos que o cercam nas suas proximidades, para a direita os valores de L + maior que L e pela esquerda os valores L – menores que L. é a distância que existe entre o x e o ponto, sendo 4+ maior que x e pela esquerda, valores que são menores que x. (A2) Observamos que o aluno A2 se limitou a significar os valores de e , apresentando também uma imagem acerca de limites laterais, ou pelo menos, de aproximações laterais. O aluno A3 discutiu a existência do limite e afirmou: À medida que meu f(x) aproxima de L, o meu x aproxima de a ou à medida que meu aproxima do 2, meu se aproxima de 4, ou lim→x () = 2. (A3) Observamos que, para o aluno A3, o gráfico evocou a imagem conceitual do limite no ponto x = 4, quando utiliza a notação de limite e apresenta também uma definição conceitual, a partir da explicação do significado do gráfico e da notação. Ainda percebemos que há uma apropriação dos termos, quando utiliza o pronome “meu”, dando a impressão de que os termos e deixam de ser valores tão obscuros como antes. Já o aluno A4 evoca uma imagem conceitual de aproximação no ponto x = 4, a qual, porém, revela-se completamente equivocada ao observar a mesma proporcionalidade entre os valores de e verificada nos valores do limite da função, que é 2, quando x tende a 4: 118 Entendo que quando tomamos valores de x, quanto mais for próximo de 4 menor será o intervalo e o meu limite, será duas vezes menor que o meu . (A4) O aluno A5 também evoca uma imagem conceitual acerca dos valores de e , apresenta imagens conceituais acerca de limites laterais e discute o caráter dinâmico do conceito de limite quando apresenta sua definição conceitual: Entendo que é a distância que existe entre o limite e os pontos que o cercam nas suas proximidades, pela direita sendo os valores de L + maiores que L e pela esquerda, sendo L – menores que L. é a distância que existe entre o x e o ponto a, sendo $ + valores maiores que a pela direita e $ − valores menores que a pela esquerda. E que o limite da função aproxima de 2 quando meu x aproxima de 4. Sendo lim→x () = 2. (A5) Percebemos que o aluno A6 também aborda os valores de e , mais uma vez, apresentando esses valores como distâncias em relação ao limite da função e ao ponto, respectivamente. A princípio, não ousamos afirmar que o aluno A6 compreendeu bem quem são os valores de L e a, respectivamente, pois o aluno utilizou, ao mesmo tempo, os termos L e 2, a e 4, sem deixar claro que, no contexto da questão, tratavam-se do mesmo valor, mas o mesmo apresentou a notação de limite para o gráfico, o que nos deixa mais convictos de uma imagem conceitual coerente com a definição de limite: O gráfico mostra que é a distância que existe entre o limite e o ponto 2 e sua proximidade, onde pela direita 2 + os valores são maiores que L e pela esquerda 2 − os valores menores que L. E é a distância que existe entre o x e o ponto que é 4, sendo $ + maior que x e pela esquerda $ − menores que x. O lim→x () = 2. (A6) O aluno A7 foi o único que não se referiu aos valores de e . No entanto, mostrou uma imagem conceitual bem formada acerca da definição de limite, pois discutiu o fato da função não estar definida em x = 4, sem que por isso o limite deixasse de existir. Segue a resposta: A função não está definida em 4, contudo o limite existe, pois a medida que f(x) se aproxima de 2, de ambos os lados o x se aproxima de 4 também pela direita e pela esquerda. Pois ao estudar limite o que importa é como a função se comporta nas proximidades de a e não necessariamente em a, o ponto não importa. (A7) 119 Já o aluno A8 também apresenta uma imagem conceitual sobre os valores de e , enfatizando que, por se tratar de distância, esses valores são positivos e também utiliza a notação de limite para explicar o gráfico da função: Entende-se pelo gráfico que é a distância que existe entre o x e o ponto a, sendo $ − os valores menores que a, estando à esquerda, e $ + os valores maiores que a, estando à direita. é o valor que existe entre f(x) e o ponto L sendo L – menores que L e L + maiores que L, ou seja, são valores que aproximam de L. Por ser distância, e são maiores que 0. lim→x () = 2. (A8) O aluno A9 evoca algumas porções da imagem conceitual acerca do limite da função. Apresenta a imagem de limites laterais e afirma que: “lim→xG () = 2, lim→xF () = 2 e lim→x () = 2”. Em seguida, remete a interpretação do gráfico à definição formal de limite, afirmando que: “Dado > 0, real qualquer, existe > 0 tal que se0 < | − 4| < , então | () − 2| < ”. Ainda apresenta uma definição conceitual sobre a questão, quando afirma que: “o limite dessa função, onde o x aproxima de 4 pela direita e pela esquerda, se aproxima de 2 não sendo necessariamente o 2 o ponto da função”. Apresenta também uma representação visual do conceito por meio do diagrama seguinte contido na figura 45 e afirma existir uma “proporção” entre e . Figura 45: Diagrama de Flechas elaborado pelo Aluno A9 – Questão 5 – Atividade II Percebemos, diante dessas respostas e imagens conceituais evocadas, que tivemos um grande avanço na construção do conceito de limites de funções. Vimos que porções importantes da imagem conceitual de limites foram evocadas pelos alunos. Questão 6: Agora sim, a definição formal... 6) Utilizando a definição de limite de funções, mostre que: lim x → 4 (2 x − 1) = 7 120 Com essa questão, objetivamos investigar a habilidade de uma demonstração simples, a partir da definição formal, por se tratar de um curso de Introdução à Análise Real. Com isso, intentamos analisar se, nas imagens conceituais evocadas pelos alunos, havia uma porção que se referia à definição formal de limites de funções. Consideramos as demonstrações feitas por seis alunos, corretas e por três alunos, parcialmente corretas, principalmente por trocar, em algumas partes, por . Apresentamos a demonstração feita pelo aluno A8, contida na figura 46, destacando sua interpretação gráfica. Figura 46: Resolução do Aluno A8 – Questão 6 – Atividade II 5. 4. Análise do Questionário de Avaliação Final 121 A primeira questão tinha como objetivo uma autoanálise sobre o envolvimento e participação do aluno nas aulas da disciplina Introdução à Análise Real. De acordo com as respostas, os alunos se deram notas de 7 a 9, justificando uma boa participação nas aulas e nas atividades, mas justificando que sempre é possível fazer mais. Quanto à importância das demonstrações rigorosas em Matemática para um Professor de Matemática que vá atuar somente nos Ensinos Fundamental e Médio, todos foram unânimes em reafirmar a importância, justificando que as demonstrações trazem amadurecimento dos conteúdos matemáticos e, consequentemente, trazem segurança para ensinar e ainda afirmaram que o professor precisa ter uma formação completa, independente do nível de ensino em que irá atuar. Em relação às dificuldades manifestadas ao longo do curso de Matemática, observamos algumas respostas repetidas, como por exemplo, dificuldades com o conteúdo de sequências numéricas na própria disciplina Introdução à Análise Real. Já a grande maioria generalizou as dificuldades, remetendo-as às demonstrações e provas e chegaram a citar a disciplina Estruturas Algébricas, quando começaram a ter contato com esse tipo de raciocínio, afirmando inclusive que a linguagem matemática foi de difícil compreensão. Um aluno afirmou ter dificuldade com os limites de funções, especialmente quando falávamos em infinito. Especificamente em relação à disciplina Introdução à Análise Real, observamos que todos os participantes da pesquisa a consideraram importante para o seu desenvolvimento pessoal e para a superação das dificuldades. Vamos destacar algumas respostas: Sim, contribuiu muito; em limite, por exemplo, eu não sabia nem a definição, agora eu sei, sei até demonstrar. E também na parte de lim→ () = ∞, agora sei o que isso significa. (A4) Sim, pois na disciplina de Introdução à Análise Real, foi onde eu pude realmente conhecer a Matemática e gostar mais do curso, pois Matemática não é só fazer contas, mas sim demonstrá-las, o que me deixou fascinada e fez com que eu pudesse dar sentido ao conhecimento superficial que já tinha. (A8) A quarta questão se referiu às dificuldades durante a realização das atividades. Os alunos mencionaram dificuldades em relação à primeira atividade, porque chegaram à 122 conclusão que não sabiam limites de funções. Dois alunos relataram a dificuldade na leitura e interpretação de gráficos; outro aluno relatou a dificuldade com as notações e dois alunos relataram dificuldades com a demonstração na Atividade II. Na quinta questão, perguntamos se a realização das atividades contribuiu para uma ressignificação dos conhecimentos dos alunos em relação a limites e em que aspectos ou tópicos do conteúdo. Vamos destacar algumas respostas. Em Cálculo I passamos por limite, mas muito superficial, sem ao menos compreender a ideia do que é limite, somente agora em Análise Real ficou claro a definição, até mesmo visualizá-lo em um gráfico, coisa que particularmente meses atrás eu não sabia. (A5) Sei que ainda tenho que aprender muito, mas com Análise Real muitos conceitos de limite já estão claros: a definição de limite, limites laterais, leituras de gráficos, limites tendendo ao infinito... (A7) Na última questão, perguntamos se eles tinham alguma sugestão de mudança ou acréscimo nas atividades ou na sua forma da realização, visando sua real aplicação didática. Em geral, os alunos não apresentaram sugestões, afirmando que aprenderam muito da maneira com que as aulas foram trabalhadas. Apenas o aluno A7 sugeriu que o tópico de limites de funções fosse trabalhado na disciplina Cálculo I como o foi em Introdução à Análise Real. Percebemos que, de acordo com as respostas dos alunos, houve um avanço constatado por eles próprios na construção das imagens conceituais acerca de limites. Percebemos também, uma satisfação geral com a aprendizagem e, principalmente, com a superação das dificuldades. Como conclusão do nosso trabalho, passamos a elencar algumas considerações de nossa pesquisa. 123 Considerações Finais Entendemos que a aprendizagem é o ‘motor’ do desenvolvimento profissional e da mudança. Aprender é alterar / ampliar / rever / avançar em relação aos próprios saberes, à própria forma de aprender e à prática pedagógica. Ana Cristina Ferreira Quando pensamos em toda essa caminhada que foi trilhada para chegarmos a este ponto, assim a fizemos porque acreditamos no poder que a educação tem para transformar vidas, para transformar pessoas e que o ato de aprender / ensinar é um processo fascinante, mas que exige esforço, dedicação e, consequentemente, demanda pesquisa; neste caso, a pesquisa da própria prática. De maneira mais específica, a motivação para este trabalho nasceu de nossa experiência discente e docente, das nossas inquietações em relação ao ensino e à aprendizagem de Cálculo e Análise. De modo mais restrito, focamos nossa atenção no estudo de limites de funções reais e, para tanto, elaboramos a questão norteadora do nosso trabalho. Consideramos oportuno retomá-la, pela última vez, para que possamos tecer nossas considerações finais: Como uma proposta de ensino, baseada nas imagens conceituais, relacionadas ao conceito de limite de uma função, (re)construídas por alunos do curso de Licenciatura em Matemática, após cursarem Análise Real, pode contribuir para a aprendizagem desses alunos? Para tentarmos responder a esta questão, inicialmente elaboramos algumas tarefas que julgamos necessárias. Agora voltamos a elas para verificar de que forma ou em que medida, foram cumpridas, a partir das diretrizes metodológicas traçadas para a condução da pesquisa. A primeira tarefa consistia em uma discussão dos ensinos de Cálculo e de Análise, no contexto da Educação Matemática no Ensino Superior. Sendo assim, fizemos uma reflexão sobre o ensino desses assuntos, apresentando nossas inquietações. 124 Após a introdução do trabalho, a partir dessas reflexões, consideramos importante uma discussão mais profunda sobre limites de funções; para tanto, buscamos uma construção histórica do conceito de limite, perpassando o Cálculo até chegar à Análise, cientes da magnitude dessa tarefa se fosse tomada como objetivo principal de um trabalho de pesquisa. Entretanto, limitamo-nos a discutir os tópicos que julgamos pertinentes ao nosso trabalho. Em seguida, apresentamos alguns trabalhos que discutiam o ensino de limites e os obstáculos de aprendizagem, destacando os trabalhos de Cornu (1991) e Sierpinska (1985), o que resultou no Capítulo 1 desta dissertação. Ainda buscamos uma discussão sobre o pensamento matemático avançado e as noções de imagem conceitual e definição conceitual, tão relevantes para a nossa pesquisa, o que gerou o Capítulo 2. Destacamos que, à medida que refletíamos sobre os ensinos de Cálculo e Análise, no contexto da Educação Matemática no Ensino Superior, consideramos importante estreitar essa discussão para podermos esmiuçar o conceito de limites de funções e as noções de imagem conceitual e definição conceitual que consideramos pontos centrais deste trabalho. A partir dessas reflexões, foi possível constatar a difícil natureza do conceito de limite e também as dificuldades presentes na ação pedagógica quando se trata desse conceito, bem como a importância da pesquisa em relação ao pensamento matemático avançado e seus progressos nas últimas décadas. Ainda dentro dessa perspectiva, destacamos os trabalhos de Tall (1991) e Tall e Vinner (1981) que muito contribuíram para que pudéssemos vislumbrar as atividades que elaboramos para a pesquisa e também para que pudéssemos traçar uma ação pedagógica no trabalho com limites, cientes da importância de compreender as imagens conceituais e definições conceituais trazidas pelos alunos e o valor dessas noções para os processos de ensino e aprendizagem, de uma forma geral. A segunda tarefa da pesquisa consistia na apresentação da abordagem do conceito de limite em alguns livros didáticos de Cálculo e Análise utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática. Para a realização dessa tarefa, fizemos uma pesquisa documental em algumas universidades mineiras, já citadas anteriormente, buscando os planos de curso das disciplinas Cálculo I e Introdução à Análise Real (ou equivalentes). 125 Após este trabalho, identificamos os livros didáticos utilizados e escolhemos aqueles comuns às ementas das disciplinas citadas acima. A partir dessas escolhas, deparamo-nos com a tarefa de apresentar a abordagem do conceito de limite nos manuais didáticos, o que consideramos um passo importante nessa pesquisa, pois nos permitiu ampliar nossos saberes em relação à forma de apresentação do conteúdo, bem como uma percepção acerca das contribuições de cada um para a construção da imagem conceitual e da definição conceitual dos alunos, uma vez que o manual didático possui um papel importante na formação dos estudantes, por se tornar uma indispensável fonte de consulta. Percebemos que os manuais didáticos de Cálculo que foram analisados apresentam a definição formal de limite por meio da utilização da linguagem “epsilônica”; apenas um deles o faz de maneira mais rigorosa, os outros apresentam uma linguagem um pouco mais intuitiva. Quanto aos manuais didáticos de Análise, percebemos, de uma maneira geral, que seus autores consideram que o conceito de limite já foi construído pelos estudantes, uma vez que não há uma preocupação com a retomada deste conceito, a partir de exemplos e/ou gráficos, conforme já discutimos; há apenas a apresentação da definição formal do conceito de limite, seguida da demonstração das propriedades. A terceira tarefa foi a elaboração de um conjunto de atividades didáticas, baseadas nas imagens conceituais relacionadas ao conceito de limites de funções reais de uma variável. Estas se destinam a disciplinas de Fundamentos de Análise Real em cursos de Licenciatura em Matemática, com vistas à elaboração de um Produto Educacional exigência do curso de Mestrado Profissional em Educação Matemática. A realização dessa tarefa se constituiu em dois momentos. O primeiro momento foi a pesquisa teórico-bibliográfica que contribuiu e nos direcionou para a elaboração da Atividade I (Pós-Cálculo) e o segundo momento foi a pesquisa de campo, na qual tivemos a oportunidade de implementar a Atividade I e, além disso, permitiu-nos também realizar um trabalho didático com o tópico de limites de funções reais para, a partir daí, elaborar e implementar a Atividade II (Pós-Análise). À guisa de conclusão, apresentamos agora, algumas considerações que intentam responder, num certo sentido, nossa questão de investigação, ou seja, elencar algumas contribuições de uma proposta de ensino, baseada nas imagens conceituais dos alunos. 1. A contribuição para o Professor de Análise entender e situar o momento e a aprendizagem de seus alunos 126 Como já havíamos discutido, as relações entre professores e alunos, em torno do trabalho com os diversos conteúdos matemáticos, é fundamental, tanto para o sucesso como para o insucesso em uma disciplina (LACHINI, 2001). Também consideramos fundamental a reflexão e compreensão do papel de um determinado conteúdo na formação matemática dos alunos (REIS, 2001), especialmente o conceito de limite, tanto no Cálculo quanto na Análise. A pesquisa mostrou que o trabalho com as imagens conceituais dos alunos permite a nós, professores, entender e situar o momento em que os alunos se deparam com o ensino de limites agora em Análise e avaliar a bagagem trazida do Cálculo. Os dados evidenciaram que os alunos perpassam todo o curso de Matemática, manifestando dificuldades com as demonstrações e desembocam em Análise, ainda com dificuldades na leitura e interpretação da simbologia matemática. 2. A contribuição para o Professor de Análise perceber a importância de identificar e ressignificar imagens conceituais equivocadas e/ou conflitantes Como já havíamos discutido, há um grande descompasso entre calcular limites e entender seu significado (CORNU, 1991), que já pode ser percebido, ao longo do ensino de Cálculo. Especificamente, no caso de expressões como “tender a” e “ter limite”, a diferença de significados, tanto para alunos quanto para professores, pode aflorar radicalmente no ensino de Cálculo e novamente no ensino de Análise (TALL e SCHWARZENBERGER, 1978). A pesquisa mostrou que, a partir do trabalho com as imagens conceituais dos alunos, podemos perceber a importância de identificar eventuais imagens conceituais equivocadas que os alunos trazem, as quais podem gerar situações de conflitos, face uma nova possibilidade de aprendizagem. Os dados evidenciaram a necessidade de se ressignificar tais imagens relacionadas aos conceitos de limites, limites laterais, limites infinitos e no infinito. 3. A contribuição para o Professor de Análise reconhecer a necessidade de (re)construir imagens conceituais coerentes e que explorem elementos intuitivos 127 Como já havíamos discutido, questões como rigor e intuição precisam ser levadas em consideração pelos professores, quando se trata de processos de ensino e aprendizagem de conceitos que evocam um pensamento matemático mais elaborado (TALL, 1991). Por outro lado, destacamos a importância da intuição, em complementariedade ao rigor, na formação desse pensamento (REIS, 2009), tanto no Cálculo como na Análise. A pesquisa mostrou a necessidade de uma (re)construção das imagens conceituais dos alunos, tornando-as coerentes, a partir de elementos intuitivos significativos, especialmente aqueles presentes nos aspectos gráficos. Os dados evidenciaram a possibilidade e os benefícios de se trabalhar com a análise de gráficos também em Análise, já que, tradicionalmente, esse trabalho é realizado somente em Cálculo. 4. A contribuição para o Professor de Análise trabalhar na perspectiva de se construir definições conceituais de acordo com as definições formais Como já havíamos discutido, a definição conceitual, sendo uma forma de palavras utilizadas para especificar um conceito (TALL e VINNER, 1981), representa um elemento importante a ser considerado nos processos de ensino e aprendizagem de matemática, em geral. Por outro lado, consideramos fundamental, especialmente em Análise, o trabalho com a definição formal de limite (BARROSO e OUTROS, 2009) e sua significação. A pesquisa mostrou o quão é relevante se trabalhar com as definições conceituais, especialmente oferecendo oportunidades aos alunos para que eles escrevam e falem sobre os conceitos. Os dados evidenciaram que, a partir dessas oportunidades, pode-se contribuir para uma evolução da escrita dos alunos com vistas a um processo de ressignificação das definições formais, tal como a definição “epsilônica” de limites. 5. A contribuição para o Professor de Análise repensar sua prática pedagógica e planejar suas ações Como já havíamos discutido, o ensino de Análise tem se caracterizado como uma difícil tarefa (PINTO, 1998) que demanda dos professores uma reflexão sobre seus objetivos e metodologias. Também não se pode perder de vista, especialmente no planejamento da disciplina para o curso de Licenciatura em Matemática, que a Análise é 128 uma ponte entre a formalização dos conceitos e conteúdos que serão ensinados pelo futuro Professor de Matemática dos Ensinos Fundamental e Médio (BRITO, 2010). A pesquisa mostrou a urgência de se pensar num ensino de Análise que privilegie a aprendizagem dos alunos e não somente a execução de uma sequência de definições, propriedades e teoremas consistentemente elaborada por autores de livros didáticos. Os dados evidenciaram quão relevante é um planejamento didático-metodológico realizado / implementado nessa perspectiva de um ensino para a aprendizagem. 6. A contribuição para o Professor de Análise incentivar uma postura mais crítica e ativa em seus alunos e, assim desmistificar o “horror” à Análise Como já havíamos discutido, em geral, os alunos recorrem à memorização como forma de “sobrevivência” em Análise (PINTO, 2001), especialmente quando estão fracassando em produzir significados para a teoria formal. Também parece consenso que, no ensino de limite, os alunos se deparam com obstáculos de diversas naturezas relacionados ao infinito, às funções e até mesmo a fundamentos lógico-geométricos (SIERPINSKA, 1985). A pesquisa mostrou que uma postura mais crítica e ativa dos alunos pode contribuir para a criação de uma nova sala de aula que se constitua num espaço de trabalho, no qual se podem estabelecer novas relações entre professor e aluno. Os dados evidenciaram que os participantes de nossa pesquisa reconheceram um desenvolvimento pessoal, a partir da superação de dificuldades, o que certamente corrobora para uma desmistificação da Análise como disciplina formadora de conceitos fundamentais, tais como números, funções e limites. Finalmente, acreditamos que nossa pesquisa apresentou limitações e, por isso mesmo, não intenta ser conclusiva / definitiva. Diversos questionamentos permanecem ou até mesmo, foram reforçados. Assim, esperamos retomá-los futuramente em outras pesquisas ou num Doutorado em Educação Matemática. Outrossim, esperamos que o Produto Educacional oriundo dessa pesquisa, que por ora se encerra, seja útil para que Professores de Cálculo e Análise se convençam de que já tarda a necessidade de se repensar / ressignificar o seu ensino, visando a aprendizagem de seus alunos! 129 Referências AVILA, G. S. S. Análise Matemática para Licenciatura. São Paulo: Edgard Blucher, 2006. BACHELARD, G. 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