Rolling Stones
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Rolling Stones
Ainda Farpinhas e porradas, desculpas e carinho em público. Passado grandioso que enche os bolsos e pesa nas costas. Paixão pela música que não se esgota. Assim os Rolling Stones completam 50 anos de rock’n’roll Cancan Chu / Getty Images por Rodrigo Ortega 46 billboard brasil Maio 2012 MICK JAGGER, o “espírito encarnado do rock” e KEITH RICHARDS, o homem de riffs e palavras cortantes www.billboard.br.com 47 48 billboard brasil Maio 2012 Michael Ochs Archives/Getty Images CHARLIE, RON, KEITH, BILL e MICK JAGGER, na sua fase “Brenda” 1964 1965 1967 1968 1969 19 de setembro – A primeira composição de Jagger e Richards chega ao Top 10 inglês: “As Tears Go By”, cantada por Marianne Faithfull. A balada parecia não servir aos Stones, que ainda usavam só composições alheias, como “I Wanna Be Your Man”, de Lennon e McCartney. 4 de setembro –“(I Can´t Get No) Satisfaction”, feita a partir de um violão registrado por Keith em gravador portátil entre uma soneca e outra, chega ao topo das paradas britânicas. Com o terceiro disco, Out Of Our Heads, também no primeiro lugar americano, a banda volta aos EUA. 5 de fevereiro – O álbum Between The Buttons, lançado em janeiro, chega ao terceiro lugar no Reino Unido e segundo nos EUA. Além de “Let´s Spend The Night Together”, emplaca “Ruby Tuesday” no topo do Billboard Hot 100. 24 de maio – Lançado o single “Jumpin’ Jack Flash”, primeiro em quase dois anos a alcançar a posição nº1 na Inglaterra. Keith Richars afirma no livro Vida que, se tivesse que tocar só um riff de guitarra por toda a sua vida, seria o de “Jumpin’ Jack Flash”. 5 de julho – Os Stones fazem o maior show de sua carreira, até então, no Hyde Park, em Londres. A tarde é dedicada a Brian Jones. Eles apresentam o novo guitarrista, Mick Taylor, 20 anos. O público é estimado entre 250 e 500 mil pessoas. 18 de março – No mesmo dia que “The Last Time”, primeira composição de Jagger e Richards para os Stones, chega ao topo, os dois são pegos urinando num posto de gasolina em Londres. A multa foi de R$ 250, o equivalente a 0,00004% da atual fortuna de Jagger, R$ 581 milhões. 15 de janeiro – Em um de muitos incidentes dos Stones na TV dos EUA, e outra concessão da banda ao establishment, “Let´s Spend The Night Together” é censurada, e Mick Jagger canta “let’s spend some time together” (“vamos passar um tempo juntos”, em vez de “uma noite”). 3 de julho – Brian Jones morre em sua casa, um mês após anunciada sua saída dos Stones. Depois que Jagger e Richards começaram a compor, Brian ficou deslocado e se distanciou da banda. Ele foi achado morto na piscina, por causas até hoje não esclarecidas. 29 de junho – Após batida policial na casa de Keith Richards, onde são achadas drogas, Mick e Keith passam uma noite na cadeia e saem em liberdade condicional. Foi um ano judicialmente movimentado. Brian Jones também foi condenado por porte de drogas, mas a sentença foi revogada. 6 de dezembro – Acontece o trágico show em Altamont, na Califórnia, o fim simbólico da era “paz e amor”. Além de três mortes acidentais, houve o assassínio de Meredith Hunter, de 18 anos, esfaqueado por um motociclista dos Hell´s Angels, grupo que deveria cuidar da segurança do evento. 20 de dezembro – O álbum Let It Bleed alcança o topo da parada britânica, emplacando também o single “You Can’t Always Get What You Want”, com gravação pomposa cuja ideia era usar um coral gospel americano, mas acabou com o europeu London Bach Choir. 1970 1972 26 de maio – Lançado Exile On Main St., gravado na mansão de Keith Richards durante o exílio da banda no sul da França para fugir de impostos. O álbum duplo foi bem recebido, mas só com o passar dos anos ganhou a reputação de melhor disco dos Stones. 29 de julho – Rompem com o ganancioso empresário Allen Klein, que sai dono de toda a obra antes de 1971, e com a gravadora Decca, à qual entregam um último single, “Cocksucker Blues” (blues do chupapau). O dinheiro que lhes resta ainda é comido por vorazes impostos ingleses. >> www.billboard.br.com 49 Evening Standard/Hulton Archive/Getty Images Eles podem ser “solidários ao demônio”, mas o coisa-ruim nunca deixou de castigá-los* 9 de maio – A gravadora Decca contrata os Stones, mas exige a saída de Ian Stewart, um dos fundadores da banda. Cinco anos mais velho que Mick e Keith (porém mais novo que Bill Wyman), zero de vontade de ser popstar, ele continuou como colaborador. Jagger resume: “Era óbvio que Ian não cabia na foto”. Keith tenta selar a paz lembrando o primeiro encontro com Mick Jagger: “Continuamos aqueles garotos na plataforma três de Dartford”. Mick corrige: “Errr... Na verdade, foi na plataforma um” keystone/Getty Images ...e no inferno 12 de julho – Os Rolling Stones, recém-formados por Mick, Keith, Brian, o pianista Ian Stewart, o baixista Dick Taylor (logo substituído por Bill Wyman) e o baterista Mick Avory (enquanto Charlie Watts não aceitava o convite) fazem o primeiro show no clube londrino Marquee. Popperfoto/Getty Images Os Rolling Stones têm 50 anos de conquistas grandiosas* 7 de abril – Mick Jagger e Keith Richards, conhecidos de Dartford, subúrbio de Londres, vão assistir ao show da Blues Incorporated, de Alexis Korner. Ficam amigos do guitarrista Brian Jones, que usava o codinome Elmo Lewis. O baterista era Charlie Watts. Chris Ware/Keystone Features/Getty Images Stones nas alturas... 1963 Estate Of Keith Morris Redferns/Getty Images 1962 pelo jornal inglês Daily Mirror. Mas não sem emendar uma cândida conclusão que alivia o ambiente para o aniversário: “No fundo, continuamos aqueles garotos na plataforma três da estação Dartford [onde os jovens Keith e Mick ficaram amigos descobrindo a paixão compartilhada por blues]”. Mick corrigiu o velho amigo: “Errr... Na verdade, Keith, foi na plataforma um”. Outro que pediu desculpas recentes a Mick Jagger foi o guitarrista Ron Wood. Ele chegou a dizer, segundo alguns jornais, que os Rolling Stones entrariam em estúdio ainda neste ano. A bronca de Mick veio logo: “Que diabos! Não sabemos nada ainda”. “Eu respondi: ‘Você sabe como os jornais são. Apenas expressei minha vontade e eles entenderam errado’”, explicou Ron à Billboard no dia 15 de abril, quando foi indicado ao Rock’N’Roll Hall Of Fame com sua banda anterior, The Faces. Mas Ron confirmou dois lançamentos: no dia 12 de julho sai uma autobiografia fotográfica dos Stones, com imagens do maior arquivo de fotos sobre a banda, do jornal Daily Mirror, selecionadas e comentadas pelos músicos. Em setembro sai o documentário, com as citadas desculpas de Keith e mais entrevistas e imagens inéditas, com lançamento no Brasil confirmado pela ST2. Uma turnê, no entanto, deve ficar para 2013. Ron Wood ainda deixou no ar: “Nós temos um aniversário de 50 anos. O que quer que façamos será anunciado nos próximos meses”. Reedições dos Stones são uma mina de ouro com potencial crescente. Os dois últimos discos relançados, Exile On Main St., em 2010, e Some Girls, ano passado, conseguiram feitos inéditos na carreira: chegar ao 1º lugar do Billboard 200. Um site comemorativo dos 50 anos, Stonesarchive.com, está no ar com vídeos, fotos e entrevistas inéditas e, claro, uma lojinha com produtos diversos, de boxes luxuosos a bootlegs. O primeiro é um registro dos Stones em L.A. na clássica turnê de 1975. Outro novo keystone/Getty Images Aquela poderia ter sido uma despedida apropriada. Era impossível precisar o número de pessoas, ou enxergar todas lá de cima. Assim que o riff de “Jumpin’ Jack Flash” foi detonado nas caixas de som à frente do palco e nos nove enormes pares delas espalhados por 900 metros adiante, estimado 1,5 milhão de pessoas explodiu junto. Terminar uma viagem de 44 anos fazendo o maior show da história da banda em um paraíso descoberto por Mick Jagger em 1968, em frente ao mesmo hotel onde se hospedou, agora com a multidão daquele país quente aos seus pés, seria um encerramento e tanto. Foi o que pensou Keith Richards, nervoso em cima do palco pela primeira vez na vida. Só não lembrou que continuaria vivo depois. Que sua paixão por acordes de blues e o amor e ódio por Mick Jagger continuariam intensos. Em 2012, os Rolling Stones completam meio século. Como sempre, estão curando feridas e contabilizando glórias, entre o céu e o inferno. Ou seja: estão vivos. Outra bomba estourou quatro anos depois do show em Copacabana. Era silenciosa, mas não menos devastadora, e seu público se aproxima da multidão do evento: mais de um milhão de leitores. Em outubro de 2010, Keith Richards publicou a autobiografia Vida. As mais de 600 páginas de suas aventuras singulares foram o último grande hit dos Rolling Stones. Mas boas novidades não chegam à porta de um Stone sem um boleto para pagamento em anexo. A mesma sinceridade que tornou o livro atraente escancarou as mágoas de Keith em relação a Mick. O festival de alfinetadas em “Brenda”, venenoso apelido de Mick revelado no livro, deixou o climão entre eles no ar até dois meses atrás, quando um documentário sobre os 50 anos da banda foi anunciado, juntamente com desculpas oficiais do guitarrista. “[O livro] era muito cru, como eu pretendia, e sei que alguns trechos e sua publicidade realmente ofenderam Mick, e me arrependo disso”, disse, conforme reportado nas alturas... ...e no inferno 1977 23 de abril – Lançado Black And Blue, 1º entre os mais vendidos nos EUA e 2º na Inglaterra. As turnês começam a atingir números estratosféricos: a banda anuncia a venda de um milhão de ingressos para os próximos shows. 12 de dezembro – Com a banda em alta, logo após o lançamento de It´s Only Rock’N’Roll, o guitarrista Mick Taylor decide sair. Keith Richards, famoso por não perdoar os que abandonam o barco, admitiu: “Faltava um toque de camaradagem entre nós”. Ron Wood é o substituto. michael putland/getty images >> 1976 Rock’n’roll darlings Onde mora o segredo do inesgotável fascínio do mundo pelos Rolling Stones? Será no bocão de Mick Jagger? “Não, acho que o segredo de Jagger é que ele realmente encarna o espírito do rock. Não é uma parte específica. O Steven Tyler tem uma boca grande também, sabe?”, ironiza um veterano em imagens 1981 1985 24 de agosto – Lançado Tattoo You, com “Start Me Up”, que seria o maior hit dos Rolling Stones nos anos 80 – e de toda a carreira após os anos 70. Na décima turnê americana, eles tocam para dois milhões de pessoas em cinquenta shows. 24 de fevereiro – Keith começa a enfrentar o maior dos inúmeros problemas com a Justiça. Ele e sua mulher Anita são presos com drogas no Canadá. Inicia-se um processo que se arrastaria por dois anos. Mas a pena foi paga com um show beneficente para cegos. do rock, o fotógrafo americano Bob Gruen. “Eles criaram os parâmetros da atitude rock”, diz ele à Billboard Brasil, durante a exposição Let´s Rock, em São Paulo. “Se você olhar para o Keith Richards, ele não poderia ser nada mais além de um guitarrista. Quando ele tem boa aparência, fica bem. E quando tem aparência ruim, fica incrível. Os Rolling Stones simplesmente têm o visual que 1986 1988 25 de fevereiro – Os Stones recebem das mãos de Eric Clapton um Grammy pelo conjunto da obra. Naquele ano, lançariam Dirty Work, sucesso moderado. Um mês antes, Keith anunciou Chuck Berry no Rock’N’Roll Hall Of Fame admitindo: “Copiei todas as suas frases de guitarra”. 12 de dezembro – Morre Ian Stewart, aos 47 anos, de ataque cardíaco. Ian não era membro oficial da banda, mas continuou tocando e gravando com eles até o fim, e era figura musical respeitadíssima. Todos os Stones, assim como grandes nomes do rock, vão ao enterro. 1989 1993 31 de agosto – Começa a turnê de Steel Weels, depois batizada de Urban Jungle, a maior da banda até então. O álbum consegue emplacar “Rock In A Hard Place” e “Mixed Emotions”. A banda espanta a má fase dos 80, e começa uma nova etapa de lançamentos mais esparsos. 18 de maio – Fazem uma reunião em Londres para tentar se entender. Keith, livre da heroína, busca participar das decisões dos Stones e esbarra no poder de Mick. A carreira solo do cantor não decola. Charlie Watts soca Mick depois que ele o chama de “meu baterista”. mark baker/getty images 1974 outros projetos. Notícias de Keith gravando em Nova York com o baterista Steve Jordan foram dadas à Billboard Brasil por seu biógrafo [leia entrevista nesta matéria]. graham wiltshire/getty images projeto, esse de terceiros, é a cinebiografia focada na gravação de Exile On Main St.. O filme, bancado pelo magnata inglês Richard Branson, vai abordar o tema cujo apelo aumentou após Vida: a rivalidade entre Mick Jagger e Keith Richards. Há outras pepitas menos exploradas. Neste mês, o sempre discreto baterista Charlie Watts lança Live In Paris, do seu projeto ABC&D of Boogie Woogie. O mesmo grupo de feras do jazz lançou ano passado um tributo ao Stone honorário e pianista Ian Stewart, que tem a última faixa que reuniu os Stones no estúdio (“Watchin The River Flow”, de Bob Dylan). É claro que os inquietos músicos têm “Em 1970, meu último ano no Royal College of Art de Londres, o escritório dos Stones ligou para a faculdade e pediu para que mandassem um estudante para discutir o design de um pôster da turnê europeia da banda naquele ano. Meu trabalho foi considerado o mais apropriado e fui à reunião com Mick Jagger para pegar o briefing da arte. Eu acho que ele deve ter ouvido coisas legais sobre a faculdade e quis dar uma chance a um estudante. Na reunião, descobrimos que éramos ambos fãs de cartazes de viagem dos anos 30 e 40, então esse se tornou o ponto de partida do trabalho criativo. O trabalho fez parte da minha conclusão do curso e Mick apareceu lá para dar uma olhada – para assombro dos meus colegas. Algum tempo depois, ele me convidou para um encontro na casa dele em Chelsea e me pediu um novo logo para a gravadora que eles estavam criando [Rolling Stones Records]. O conceito básico era “a logo de caras maus do rock’n’roll, anti-autoridade e sexy ao mesmo tempo”. Eu tive a ideia da língua quase imediatamente e passei cerca de uma semana desenhando. Ele gostou assim que viu e foi pedir aprovação da banda. Eu recebi apenas £50 [com correção monetária, £ 650, pouco menos de R$ 2 mil] pelo design, e mais PASCHE em 1970, tarde ganhei um bônus de e suas criações ao lado £200 [cerca de R$ 8 mil] 1994 1998 2002 1º de outubro – Lançada Forty Licks, coletânea comemorativa dos 40 anos dos Stones, com direito a turnê – dessa vez sem Brasil. O álbum chega ao 2º lugar na Billboard 200, melhor posição deles além das reedições de Some Girls em 2011 e Exile On Main St. em 2010, em 1º. 1º de agosto – Lançado Voodoo Lounge, outra boa investida, que levou “Love Is Strong” e “Out Of Tears” ao Hot 100. O disco também gerou uma megaturnê, finalmente com shows dos Rolling Stones ao Brasil, em três noites no Pacaembu (SP) e duas no Maracanã (RJ), em 1995. 6 de janeiro – Exausto após a turnê da banda, Bill Wyman confirma a saída dos Stones em um programa de TV inglês. Keith, como sempre, não perdoaria: “A única coisa que Bill fez foi sair da banda, arranjar três bebês e abrir um restaurante de peixe e fritas!”. pela sua popularidade. O desenho foi mandado por fax em preto e branco para os EUA, e, provavelmente devido à má qualidade dos aparelhos de fax da época, foi refeito – por isso há ligeiras diferenças em relação ao original. Eu era um grande fã de pop art, o que foi provavelmente uma influência no estilo da logo. O artista [americano, ligado ao movimento surrealista] Man Ray foi também uma influência na minha época de faculdade. Eu fiz a maior parte dos trabalhos de design dos Stones de 1970 a 1974, o que incluiu quatro turnês. Foi uma grande experiência trabalhar com Mick, pois ele tem muito conhecimento e interesse em artes gráficas e fotografia. Ele era muito incisivo no que gostava ou não. Nem sempre pontual nas reuniões, mas você não pode ter tudo. Como meu primeiro trabalho foi para os Rolling Stones, eu sinto que já comecei no topo e fui descendo. Mas eu trabalhei com Paul McCartney, Jimi Hendrix, The Who e outras bandas grandes. As capas que fiz para os Stranglers e Art of Noise então entre os trabalhos dos quais sou mais orgulhoso. Acho que muitas pessoas jovens ao longo dos anos adotaram a língua dos Stones como um símbolo de sua própria revolta contra o padrão. Eu fico, obviamente, muito feliz que o sucesso tenha durado tantos anos – um pouco como os próprios Stones.” 8 de abril – Maré de azar. Na passagem da Bridges To Babylon Tour no Brasil, a lancha de Ron na Ilha Grande (RJ) explode e paparazzi o salvam. Keith cai da escada da biblioteca em casa e tem que adiar shows. Reformas fiscais provocam rombo de 12 milhões de libras (R$ 37 mi) no caixa da banda. 2006 18 de fevereiro – A banda faz o maior show de sua história na praia de Copacabana, para cerca de 1,5 milhão de pessoas. A turnê de A Bigger Bang é anunciada como a mais lucrativa da história – mas seria superada pela 360º, do U2, na passagem pelo Brasil em 2011. 2010 26 de outubro – Keith Richards lança a autobiografia Vida (no Brasil pela Ed. Globo), com a colaboração do amigo e jornalista inglês James Fox (veja boxe). O livro é um estrondoso sucesso, com mais de um milhão de cópias vendidas até hoje no mundo (60 mil no Brasil). 26 de outubro – Apesar do sucesso, o lançamento da biografia de Keith certamente não deixou uma pessoa satisfeita: Mick Jagger. As diversas alfinetadas do guitarrista no vocalista (veja boxe) renderam até um pedido oficial de desculpas em março de 2012. * Fatos lembrados pela banda no livro According to The Rolling Stones (ed. Cosac Naify) 50 billboard brasil Maio 2012 www.billboard.br.com 51 reproduções RON WOOD e MICK JAGGER no show em Copacabana em 2006, único que deixou Keith preocupado na vida A Billboard Brasil ouve John Pasche, designer que criou a logo mais famosa do rock. Ele revela uma influência surrealista e o valor surreal do job: 50 libras uma banda de rock’n’roll deve ter.” Bob Gruen foi fotógrafo pessoal de John Lennon no final dos anos 70, em Nova York, e pôde observar o ex-Beatle e Mick Jagger no apartamento de John. “Eles pareciam velhos colegas de escola. Claro que não frequentaram o mesmo colégio, mas cresceram na mesma cena na Inglaterra, e pareciam realmente felizes de se verem, como velhos amigos. Ambos estavam em Nova York, mas tomavam seu chá inglês, calmamente, sentindo que estavam com alguém de casa”, lembra Gruen. As lembranças de Keith em Vida são de proximidade semelhante, mas com heroína no lugar do chazinho – John Lennon só saía de sua casa carregado. Ele também tem lembranças do começo da carreira, quando ligava para Lennon combinando de alternar as datas dos singles. Anos depois das combinações telefônicas, os Beatles mergulharam em estúdios para registrar as gravações pop mais famosas do mundo, mas não encararam a mesma empreitada dos Stones por palcos e turnês cada vez maiores. “Podemos dizer que os Beatles fizeram os maiores discos, enquanto os Rolling Stones foram a maior banda de rock ao vivo”, diz Howard Kramer, curador do Rock’N’Roll Hall Of Fame Museum, nos EUA, e autor de Rolling Stones: 50 Anos de Rock, livro lançado no Brasil no final de 2011. arquivo pessoal douglas engle/bloomberg/getty images Beiço histórico Irritando Mick Jagger Incrível vida real Keith Richards não poupa ninguém: o cineasta Jean-Luc Godard, o produtor Phil Spector e o escritor Truman Capote recebem golpes em Vida. Mas o maior alvo é Mick Jagger: O coautor da viciante biografia de Keith Richards fala sobre os bastidores da obra e as memórias do Stone no Brasil Claro que o material bruto é a fala de Keith. Meu impulso para escrever esse livro vem desde quando entrevistei Keith pela primeira vez em 1973 e percebi o quanto ele era brilhante em contar histórias. Ele tem um jeito idiossincrático e maravilhoso de lembrar as coisas. É uma espécie de memória emocional, de como se sentia na época, o que é a base para o bom contador de histórias. Mas eu também tive que dar forma a isso, transformar em um livro. Nesse exemplo de deixar o leitor esperando pela transfusão, é pura inserção dramática minha. O livro sai de horas de gravações. Não só de Keith, mas de uns 30 amigos, tendo que dar à fala deles a mesma forma da de Keith. Então deu certo trabalho. Muitas vezes ele repetia a mesma história três ou quatro vezes, e cada uma tinha algo a mais, algum detalhe. Foi um processo fascinante. Como você se envolveu com a biografia? Eu acho que ele confiou em mim. Há 39 anos escrevi um artigo no jornal The Sunday Times, de Londres, chamado “The Sound Of The Stones”, no qual eu descrevo como Keith transformou completamente a guitarra elétrica, como ele a afina, e como ele faz aquelas coisas extraordinárias. Ninguém tinha feito isso antes. Os Rolling Stones já existiam há dez anos e ninguém tinha se importado em descobrir como e porque ele fez esse som inimitável – você ouve na hora e sabe que é Keith. Sou um guitarrista também, tinha interesse nisso. Ele aceitou ser entrevistado e ficou feliz com a matéria. Keith era basicamente visto como um viciado em drogas, e de repente foi mostrado como músico. Eu escrevi alguns livros depois. Então, quando a hora chegou, ele pensou: “talvez esse seja o cara certo”. Qual você acha que foi a maior motivação dele para lançar um livro? A vontade de contar a história em certa idade e ponto de sua vida? A vontade de esclarecer alguns preconceitos e visões equivocadas? Acho que foi uma mistura dos dois. Eu e seu empresário estamos tentando persuadi-lo há muito tempo. Não porque eu queria ser o autor. Era só porque ele não podia perder essa história. É tão vital. Nunca mais vai haver uma geração que dorme em preto e branco e acorda em tecnicolor ouvindo 52 billboard brasil Maio 2012 Um dos trunfos do livro é justamente falar com profundidade de música sem ser muito técnico. Você teve que filtrar as palavras de Keith para chegar a esse equilíbrio delicado? Não. Acho que ele tem uma leveza ao falar disso, um senso de humor. Realmente muitas pessoas que não tocam gostaram da maneira como Keith falava sobre a guitarra. Ele comunica isso com paixão, como se fosse a coisa mais natural do mundo, e acaba funcionando de maneira forte. O jornal The Times, daqui, foi o primeiro a publicar um trecho do livro. Como um jornal de [Rupert] Murdoch [empresário inglês, rei dos tabloides sensacionalistas], ou qualquer jornal, você esperaria que eles tirassem um trecho sobre Mick e Keith. Mas, na verdade, o que eles pegaram foi a parte sobre a afinação da guitarra. Acho que isso é comunicado de maneira tão charmosa que acaba conquistando as pessoas. Keith descreve longas sessões de gravação em que os outros músicos iam caindo de sono. Parece ser difícil conseguir sua atenção, e mais difícil ainda fazê-lo parar com alguma coisa quando ele começou. Foi o mesmo com as entrevistas para o livro? Nem tanto, claro que aquilo tinha muito a ver com as drogas. Uma das vantagens, comparada às muitas desvantagens de se tomar drogas, é que te dá essa concentração absoluta para levar algo à frente. Não te dá inspiração, mas concentração. Mas isso JAMES: “Se Keith estava preocupado com Mick, não me fez notar” não aconteceu no livro, ele largou as drogas há muito tempo. Na verdade a gente não tinha uma rotina diária, eu tinha que aproveitar o momento e grudar nele quando achasse que estava com o humor certo. E muitas vezes ele achava que estava muito quente, muito tarde, muito cedo, ou muito alguma coisa. Mas quando falava, tínhamos sessões de três horas e mais, só sobre um assunto. Eu nunca busquei dele uma ordem cronológica. Mas não foi um trabalho monstruoso colocar isso em ordem depois? Sim, foi muito difícil de estruturar. Porque os temas vão se alongando pelos anos. A composição de uma música pode durar três anos, ou um relacionamento levar muito tempo para terminar. Mas minha estratégia foi começar me baseando nos temas centrais. Havia histórias maravilhosas que eu já sabia que estariam lá, mas eu também encontrei entre amigos e músicos outras, que foram ótimas. E Keith, como eu disse, tem essa coisa que é o sonho de um escritor, a memória emocional. Ele pode não se lembrar de quantos ingressos foram vendidos no show da Filadélfia em 1967, mas se lembra de coisas como o rosto de garotas na porta do hotel tomando chuva. Mas havia anotações, diários? Não, está tudo na cabeça dele! Descobri depois um diário, mas bem pequeno. Só no processo de fazer o livro ele começou a registrar as coisas. E o interessante é o que estava na sua cabeça, como as coisas o afetaram. Quando ele fala de Altamount, por exemplo, foi completamente diferente de como imaginávamos, é muito surpreendente. E as lembranças dele sobre o grande show em Copacabana em 2006? O show é brevemente descrito no livro, mencionando que Keith estava muito concentrado, preocupado com o som, e ele diz que teria sido uma despedida apropriada para os Rolling Stones. Você tem mais histórias sobre esses dias no Rio? Eu lembro bem de ele falar sobre a estrutura extraordinária O livro menciona uma viagem ao Mato Grosso, no Brasil, mas é provavelmente uma confusão, pois eles estiveram em uma cidade chamada Matão, no interior do estado de São Paulo, em 1969. Você sabe mais também sobre essa estranha viagem com Mick, Anita e Marianne? O livro menciona que há imagens filmadas em superoito. Sabe do seu paradeiro? Esses erros acontecem quando a gente fica preso a uma memória de muito tempo. Pode ser uma coisa interessante para revisar. Mas não sei mais muita coisa sobre esse caso, infelizmente. A Marianne estava doente, teve que voltar mais cedo. Foi uma história bem misteriosa mesmo. Eles ficaram meio perdidos, não sabiam bem direito onde estavam. Você acha que Life ajuda a desmistificar ou aumentar o mito dos Rolling Stones? Porque Keith, no final, é bem mais racional do que se imagina. Minha teoria é que, na verdade, ele torna a história mais fascinante. Eu sempre quis saber a verdade sobre essas coisas. E também ler a história de alguém tão honesto e tão preparado para falar sobre suas fraquezas, sua vulnerabilidade às drogas, seu amor pela música. É tão tocante o jeito como ele fala que a música o conquistou de maneira tão intensa que nem a heroína foi forte o suficiente para superar isso. Ele teve que largar a heroína por afetar sua música. Anos e anos tentando captar o som do blues de Chicago, sendo fiel àquela chama única por toda a sua vida. Foi isso que guiou Keith – a curiosidade, a vontade de chegar ao fundo da música, que nunca diminuiu. Ele está tocando nesse momento músicas maravilhosas no estúdio em Nova York, com o baterista Steve Jordan. Quando o vi tocar recentemente, acho que ele tocava melhor do que nunca, e tinha canções brilhantes. Durante o livro, ou após seu lançamento, Keith estava preocupado com a reação de Mick Jagger? Se ele estava, não me fez notar de maneira nenhuma. Eu acho que ele sentiu que algumas coisas tinham que ser ditas. Se era pra ter um livro, tinha que ser honesto mesmo. De outra maneira, seria Cachinhos Dourados e Os Três Ursos [livro infantil inglês]. Ele sabia que havia coisas que o machucariam ou machucariam os Rolling Stones, e falou muito honestamente sobre isso. Se ele não tivesse lidado com esses tópicos, todos os que o conheceram ao longo desses anos achariam que ele amarelou. Se ele ia contar a história, algumas coisas tinham que ser ditas. Chifres cruzados – Keith não perdoa Mick pelo caso com sua ex-mulher e provoca: “Anita [Pallenberg] é de dar trabalho. Provavelmente quase quebrou a coluna dele!”. De quebra, diz que pegou a ex de Mick: “Enquanto aquilo estava acontecendo, eu estava me deitando com Marianne [Faithfull]”. Ombro alternativo – Sobre as mulheres do cantor: “Elas acabam vindo chorar no meu ombro quando descobrem que ele aprontou outra vez. O que eu posso fazer? Já choraram no meu ombro Jerry Hall, Bianca, Marianne, Chrissie Shrimpton...”. Brenda – Keith entrega e explica o apelido do cantor nos bastidores: “No começo dos anos 80, Mick começou a ficar insuportável. Foi quando ele se tornou Brenda, ou Sua Majestade, ou simplesmente Madame”. matt kent/film magic/getty images Vida tem histórias poderosas, mas também contadas de maneira atraente – quando, por exemplo, nos deixa esperando várias páginas até contar sobre a lenda da transfusão total de sangue. Queria saber o quanto disso veio da fala de Keith e o quanto veio da forma que você queria dar ao texto. daquele palco. O quanto era único, que algumas pessoas estavam tão longe na praia que ele nem conseguia ser visto, como se estivesse cantando para um abismo ou um enorme espaço vazio – mas eram milhares de pessoas. Keith diz que foi a primeira vez que ficou realmente nervoso no palco. Nervoso como o líder da banda, tentando se assegurar de que tudo funcionaria, que eles não f*deriam com tudo. Garanto que ele nunca se sentiu sob tanta pressão como naquela noite. Porque ele não conseguia medir o efeito. Para onde isso estava indo? Quanto tempo tem o delay no som? E ele fala muito da ponte que construíram para que eles fossem direto do hotel para o palco. Achou extraordinário. Eu penso que ele deveria ter passado mais tempo no Brasil e em outros países da América da Sul, porque os fãs são realmente apaixonados por sua música aí. Eu acho que eles não viajaram até aí o suficiente e que ele se arrepende disso. “Heartbreak Hotel” [primeiro grande hit de Elvis Presley, de 1956]. Essa grande transformação não vai acontecer de novo. Então eu o tenho atormentado, até que ele falou que estaria interessado. Ele queria contar sua própria versão do que viveu. Ele sabia que estava entrando nisso para contar a história de como os Stones passaram por tempos ruins, quase terminaram, e o que ele sentiu sobre isso. E também é um livro em que ele realmente quer falar sobre música. Minha estratégia foi seguir a música, esse é o verdadeiro coração da história. É a coisa que sempre guiou Keith. Passamos um longo tempo falando sobre como a música o afeta, o que ele se lembrava dos músicos do começo. taylor wood Imagine ter que colocar em ordem a loucura que foi a vida de Keith Richards. Essa foi a tarefa do jornalista e escritor James Fox, coautor da biografia que já vendeu um milhão de cópias no mundo – 60 mil no Brasil – desde que foi lançada em 2010. Mais que roadie literário, Fox foi produtor e arranjador de Vida. Ele organizou e colocou no papel o texto de Vida a partir de entrevistas gravadas com Keith e outros personagens. Depois, leu o texto em voz alta para a aprovação do guitarrista. Fox não é jornalista especializado em música nem biógrafo em série de roqueiros. Seu livro mais conhecido é White Mischief, de 1982, romance sobre o caso real do assassinato de um milionário inglês no Quênia, em 1941, que originou o filme Incontrolável Paixão, em 1987. Mas ele é amigo de Keith desde que fez um artigo em 1973 que foi a semente de Vida, como explicou por telefone à Billboard Brasil. Instrumento reduzido – Esse foi o golpe mais doloroso. Keith diz sobre Anita e Mick: “De qualquer maneira, ela não se divertiu muito com aquele pinto pequenininho. Sei que ele tem um par de bolas enorme, mas isso não preenche bem o espaço, né?”. Obra solo “fértil” – “Dogshit in the doorway” (merda de cachorro à porta) é como Keith chama o último disco solo de Mick, Goddess In The Doorway. Sobre o primeiro: “Chamava-se She’s The Boss [ela é a chefe], o que já dizia tudo”. Stones do Brasil Apesar de o nosso país ter acolhido o maior show dos Stones, tivemos que esperar por mais de 30 anos para comprovar a fama da banda de imbatível no palco. O carioca Nelio Rodrigues esteve nos oito shows deles por aqui, inclusive o primeiro, embaixo do temporal de 27 de janeiro de 1995, no Pacaembu, em São Paulo. Se a “stonologia” fosse ciência oficial, Nélio seria Ph.D. Ele lançou em 2000 o livro Os Rolling Stones No Brasil: Do Descobrimento À Conquista, e em 2008, Sexo, Drogas e Rolling Stones, com o jornalista José Emilio Rondeau. É uma extensa pesquisa sobre os shows por aqui em 1995, 1998 e 2006, e sobre as várias passagens dos Stones a passeio no Brasil. A editora Nova Fronteira estuda a reedição de Sexo, Drogas e Rolling Stones, revisto para o cinquentenário da banda. “Mick Jagger chegou aqui provavelmente por acaso, apenas por curiosidade, e se apaixonou”, diz Nélio. Em 1968, desembarcou no Rio para alguns dias de férias com a mulher Marianne Faithfull. A estada no Copacabana Palace, onde o visual flower power o fez ser visto como ET no Brasil da ditadura, foi seguida por tardes ao sol de Itapoã, em Salvador, onde o contato com músicos locais foi a conhecida inspiração para o – que o gringo Mick acredita ser um – samba “Sympathy For The Devil”. Ele não esperou nem um ano para voltar, dessa vez com Keith e a esposa Anita Pallenberg, para férias no Rio e no interior de São Paulo, em Matão, onde compuseram “Honky Tonky Women”, e breve passagem por Ouro Preto e Belo Horizonte. Mick voltaria ao Rio, assim como Mick Taylor, Charlie Watts e Ron Wood – ainda a passeio. Os laços pessoais do cantor com o Brasil foram selados com o nascimento em 1999 de Lucas Maurice Morad Jagger, seu filho com a apresentadora Luciana Gimenez. Depois que o grupo estreou em palcos locais em 1995, veio ao Brasil em três das quatro últimas turnês. Será que os Stones voltam ao Brasil? Não é improvável. Em 2013, quando se completam 50 anos da entrada de Charlie Watts no grupo – seria a desculpa para a turnê de aniversário atrasada – Mick e Keith farão 70 anos de idade. Não que isso seja motivo para desistirem, depois de tantas razões mais trágicas: quando o genial guitarrista deles se afogou após ser expulso da banda; quando tiveram que fugir da Inglaterra para não falirem; quando o outro guitarrista virou um junkie caçado pela polícia; quando o mesmo guitarrista ficou sóbrio e resolveu disputar o poder com o brilhante homem de negócios e vocalista; quando, na fase menos criativa do grupo, seu fundador e mentor morreu do coração. Ou, como já dito, após o show brasileiro de tamanho provavelmente inigualável, que faria qualquer outro grupo de rockstars milionários do mundo se dar por satisfeito. Mas, como Mick Jagger repete em seu refrão mais famoso, os Rolling Stones nunca estão satisfeitos. www.billboard.br.com 53