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MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Josué Modesto dos Passos Subrinho Reitor Angelo Roberto Antoniolli Vice-Reitor CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA UFS Luiz Augusto Carvalho Sobral Coordenador do Programa Editorial Antônio Ponciano Bezerra Péricles Morais de Andrade Junior Mário Everaldo de Souza Ricardo Queiroz Gurgel Rosemeri Melo e Souza Terezinha Alves de Oliva Endereço da UFS: Universidade Federal de Sergipe – UFS Cidade Universitária “Prof Aloísio Campos” Rua Marechal Rondon, s/no. - Jardim Rosa Elze 49100-000 – São Cristóvão – Se. MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES ANTENOR DE OLIVEIRA AGUIAR NETTO LAURA JANE GOMES (ORGANIZADORES) SÃO CRISTÓVÃO, 2010 Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, com finalidade de comercialização ou aproveitamento de lucros ou vantagens, com observância da Lei de regência. Poderá ser reproduzido texto, entre aspas, desde que haja expressa menção do nome do autor, título da obra, editora, edição e paginação. A violação dos direitos de autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Editoração Eletrônica Adilma Menezes Capa Sandra Pinto Freire FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE M514m Meio ambiente: distintos olhares/ Antenor de Oliveira Aguiar Netto; Laura Jane Gomes (organizadores). - São Cristóvão: Editora UFS, 2010. 178p ISBN 978-85-7822-129-4 1. Meio ambiente - Gestão ambiental - Sergipe. 2. Recursos hídricos. 3. Flora - Biodiversidade. 4. Sensoriamento remoto. I. Aguiar Netto, Antenor de Oliveira. II. Gomes, Laura Jane CDU 502.2 (813.7) HOMENAGEM A COP-15 (Dezembro 2009) Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?), Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmene real, certa, desconhecidamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), parte do Poema Tabacaria APRESENTAÇÃO “A questão ambiental, com sua complexidade, e a interdisciplinaridade emergem no último terço do século XX como problemáticas contemporâneas, compartilhando o sintoma de uma crise de civilização, de uma crise que se manifesta pelo fracionamento do conhecimento e pela degradação do meio ambiente” (LEFF, 2001). Pensamos em escrever este livro em meados de 2007, devido à nossa inquietação sobre o meio ambiente, particularmente no Estado de Sergipe, fruto da nossa participação como professor e pesquisador na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Logo, mudamos de ideia devido à complexidade do assunto em questão. Assim, resolvemos convidar alguns colegas para o desenvolvimento deste trabalho. Em certas áreas das Ciências os livros estão começando a sofrer um processo de desuso, devido ao auto custo de publicação e, sobretudo pela excessiva valorização dos artigos em periódicos científicos indexados. Apesar da enorme facilidade de comunicação, nos dias atuais, esses artigos não se encontram tão acessíveis aos acadêmicos dos Mestrados e da Graduação. Isto porque, esses trabalhos muitas vezes são diversos e estão dispersos. Além disso, as questões regionais são pouco exploradas nas revistas técnico-científicas. Aprendemos com os nossos colegas das Ciências Humanas que o livro, ainda, é vital para a disseminação do conhecimento. Escrever sobre o Meio Ambiente é uma tarefa complexa, organizar um livro então foi um processo desafiador. Exigiu articulação, enorme paciência e muita determinação. Ao receber os textos dos pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, de 8 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES outros departamentos da UFS e de outras instituições, fomos aumentando a confiança na qualidade da obra e a certeza de sua utilidade regional e nacional. Transformar a percepção ambiental dos autores numa seqüência lógica foi um grande aprendizado, na medida em que procuramos, também, respeitar o estilo dos distintos olhares. O capítulo I traz em seu bojo geotecnologias aplicadas à interpretação do espaço. Os professores José Pacheco e Paulo José vinculados ao Departamento de Geografia da UFS tratam de aspectos relacionados à interpretação de imagens que tem revolucionado o conhecimento na Geografia e também na área ambiental. Seu conteúdo, qualidade gráfica e sugestivo nome “Sergipe visto do espaço” instigará o leitor para as demais reflexões. Em seguida, o professor Antenor Aguiar (Departamento de Engenharia Agronômica -DEA), em parceria com João Carlos (Superintendência de Recursos Hídricos) e Cláudio Júlio (Companhia de Saneamento Ambiental) abordam a questão das águas em Sergipe. Com olhar diferente, voltado para a experiência de campo, o capítulo estimula a preocupação com este precioso recurso natural e suas limitações atuais e futuras. No terceiro capítulo, a professora Renata Mann (DEA), o professor Robério Ferreira (Departamento de Ciências Florestais DCF) e a professora Anabel Melo (DCF), escrevem sobre a biodiversidade da flora, trazendo ao público estudos de caso no baixo São Franscico sergipano. Complementando a ideia de conservação, os autores Laura Jane (DCF) e Paulo Maroti (Campus de Itabaiana), acompanhados dos acadêmicos Ivana Oliveira e Cristiano Costa, versam sobre planejamento e gestão de unidades de conservação, encerrando o mesmo com um estudo sobre o Parque Nacional da Serra de Itabaiana. Para encerrar este livro, o capítulo escrito por Eduardo Matos (professor de Direito da UFS e promotor público) relata e interpre- MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES 9 ta a atuação do Ministério Público no meio Ambiente. Todos os artigos aqui reunidos nos convidam para um diálogo que contempla a interdisciplinaridade e interinstitucionalidade. Este livro não é uma obra encerrada, antes pretende ser um início de discussão, acerca dos problemas regionais e principalmente uma jornada literária. No mundo em que vivemos, chamada de sociedade de risco por alguns estudiosos, a forma de organização e desenvolvimento social nos obriga a um posicionamento político em relação ao meio ambiente. Para ilustrar, essa concepção, basta lembrar que temas como o aquecimento global do planeta Terra, o uso de sementes transgênicas na agricultura, desastres ambientais, destino dos resíduos sólidos e líquidos das cidades se tornaram objetos de discussão nos meios midiáticos e também no cotidiano das pessoas. Assim, desejamos ao leitor que este livro seja base para o entendimento de aspectos ambientais e que lance distintas percepções em suas reflexões. Antenor de Oliveira Aguiar Netto Laura Jane Gomes Organizadores SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 1 OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES: Sergipe visto do espaço Jose Antonio Pacheco de Almeida; Paulo José de Oliveira 1 - Introdução 2 - Satélites e sensores 3 - As imagens interfereométricas 4 - Uso do sensoriamento remoto aplicado à análise espacial 5 - Sergipe no cenário nacional 6 - Dados SRTM: Sergipe em 3d 7 - Referências 2 ÁGUAS DE SERGIPE: reflexões sobre cenários e limitações Antenor de Oliveira Aguiar Netto; Claudio Julio Machado Mendonça Filho; João Carlos dos Santos Rocha 1 - Introdução 2 - Gestão de recursos hídricos 3 - Cenários de campo 4 - Potencialidades e demandas 5 - Limitações 6 - Referências 3 A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: estratégias para conservação Renata Silva Mann; Robério Anastácio Ferreira; Anabel Aparecida Melo 1 - Importância de estudos de diversidade genética e de manejo de espécies nativas para conservação da biodiversidade no Estado de Sergipe 7 13 13 14 16 19 24 35 37 39 39 41 44 53 56 68 71 71 12 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES 2 - O baixo curso do rio São Francisco e as ações de revitalização 75 3 - Ferramentas empregadas na caracterização da diversidade e no manejo de espécies nativas em Sergipe 81 4 - Estudos da biodiversidade da flora e estratégias de conservação no Estado de Sergipe 84 5 – Referências 111 4 PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO E GESTÃO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO 121 Laura Jane Gomes; Ivana Silva Sobral Oliveira; Cristiano Cunha Costa; Paulo Sérgio Maroti 1 - Unidades de conservação em Sergipe 121 2 - Uso público e interpretação da natureza em Unidades de Conservação 125 3 - Percepção ambiental como estratégia de planejamento e gestão ambiental em unidades de conservação 129 4 - O Parque Nacional Serra de Itabaiana 133 5 - Planejamento e gestão das Unidades de Conservação em Sergipe 151 6 - Referências 152 5 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE: UM RECORTE INSTITUCIONAL DE ALGUMAS AÇÕES Eduardo Lima de Matos 1 - Introdução 2 - Um novo paradigma constitucional 3 - Um recorte institucional 4 - Conclusão 5 - Referências 161 161 162 165 175 176 1 OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES: SERGIPE VISTO DO ESPAÇO JOSE ANTONIO PACHECO DE ALMEIDA PAULO JOSÉ DE OLIVEIRA 1 - INTRODUÇÃO A observação da Terra por satélite possibilitou a ampliação da visão do homem, alargando sua capacidade para além do espectro visível região do espectro eletromagnético, na qual a espécie humana consegue perceber, ampliando sua capacidade de identificar os objetos terrestres, consequentemente, entender e analisar a paisagem, sendo a paisagem a complexa inter-relação entre a atmosfera, litosfera, biosfera e sociosfera. Dessa forma, a imagem composta por bandas espectrais abragendo o espectro visível, infravermelho, infravermelho termal e microondas possibilitam ao ser humano um novo olhar sobre a Terra. A coleta de informações geográficas é de fundamental importância para as sociedades organizadas. Com o advento das geotecnologias no início dos anos sessenta no Canadá, como parte de um programa governamental para a criação de um banco de dados contendo o inventário dos recursos naturais, surgiram novos horizontes para a aquisição armazenamento e análise dos dados espaciais e uma nova maneira de fazer a cartografia. Aliada ao avanço das novas geotecnologias como Sensoriamento Remoto, Sistema de Informação Geográfica – SIG, Cartografia Digital – CAD e Sistema Global de Navegação por Satélite – GNSS o planejamento 14 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES e gestão do espaço são realizados de maneira mais complexa e adequada envolvendo uma gama de dados social, econômico, educacional e ambiental. A manipulação desses dados de forma apropriada só foi possível com a evolução e o acesso à informática através de hardware e software compatíveis com a realidade geográfica O Sensoriamento Remoto, principal ferramenta de estudo, é compreendido como um conjunto de técnicas para a obtenção de informações de objetos da superfície terrestre, sem a necessidade de contato diretor com o mesmo através da análise da radiação eletromagnética emitida e/ou refletida pelos alvos geográficos resultante da interação da radiação eletromagnética e os objetos terrestres registrada por sensores remotos, ferramenta indispensável para o mapeamento, realização de inventários, monitoramento, planejamento e gestão de recursos naturais. Nesse contexto, as técnicas de sensoriamento remoto envolvem a detecção de informação (sem contato diretor com o objeto), aquisição (dados-imagens), tratamento digital de dados-imagens(Tratamento Digital de Imagem - TDI) e análise (interpretação e extração de informação). 2 - SATÉLITES E SENSORES O surgimento da observação da terra por satélite destinado à coleta de dados-imagens sobre os recursos terrestres teve início na década de 1970 com o pioneirismo do programa LANDSAT, desenvolvido pela NASA (National Aeronautics and Space AdministraE arth R tion), originalmente designado de ERTS (E Resources Technology Satellite). O primeiro satélite foi lançado em julho de 1972, denominado de ERTS-1; posteriormente, em janeiro de 1975, com o lançamento do segundo satélite LANDSAT-1 o programa assumiu o nome de LANDSAT, o qual se mantém até os dias atuais. O Programa CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres) colocou o Brasil na elite dos países que detêm a tecnologia OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 15 do sensoriamento remoto, oferecendo aos pesquisadores imagens, gratuitas, através do site http://www.cbres.inpe.br do Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (INPE), com várias resoluções espaciais e espectrais através dos sensores WF1, CCD e IRMSS adequados para desenvolver estratégia de monitoramento, mapeamento temáticos, dinâmica de paisagem. Para completar a variedade de ofertas de imagens, em 19 de setembro de 2007 foi lançado o CBERS -2B, o qual está equipado com câmara PAN com resolução espacial de (2,5 x 2,5)m, colocando o Brasil entre os poucos países que produzem imagens de alta resolução espacial, fator indispensável para os estudos urbanos (Figura 1.1). CBERS – 1- 2 e 2B Imageador ResoluçãoEspacial CCD High Resolution Camera (20x20)m Faixa Emageada 113Km WFI Wide Field Imager (260 x 260)m Faixa Emageada 890Km IRMSS Infrared Multispectral Scanner (80x80)m termal (160x160) m Faixa Emageada 120 km Bandas Espectrais 0,51 - 0,73 µm pan 0,45 - 0,52 µm azul 0,52 - 0,59 µm verde 0,63 - 0,69 µm vermelho 0,77 - 0,89 µm infravermelho próximo 0,63 - 0,69 µm vermelho 0,77 - 0,89 µm infravermelho 0,50 - 1,10 µm pancromática 1,55 - 1,75 µm infravermelho médio 2,08 - 2,35 µm infravermelho médio 10,40 - 12,50 µm infravermelho termal (2,5x2,5)m CBERS – 2B Faixa Emageada HRC 20Km (nadir) 0,50 - 0,80 µm (pan) Visível e Câmara parte do infravermelho próximo Pancromática de Alta Resolução Figura 1– Características do programa Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS). 16 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Com relação aos satélites de observação da Terra importantes para a pesquisa brasileira, e em especial do Estado, merece destaque o programa francês SPOT. Os sistemas de sensores do SPOT sofreram modificações significativas ao longo do tempo. O mais recente satélite da série, o SPOT 5 está equipado com o sensor HRG (High Resolution Geometric), o qual possibilita obter imagens com resolução espacial de 5m no modo pancromático (0,51 – 0,73)ìm, de 10m no modo muiltiespectral nas faixas do verde (0,50 – 0,59)ìm, vermelho (0,61 – 0,68)ìm e infravermelho próximo (0,79 – 0,89)ìm e de (20 x 20)m na faixa do infravermelho médio (1,58 – 1,75)ìm. Uma das vantagens do sensor HRG é permitir obter imagens pancromáticas com resolução espacial de 2,5m resultante da combinação de duas imagens de 5m deslocadas de meio pixel na direção transversal (Centero, 2003). A partir de 1999, tivemos o lançamento de satélites equipados com sensores de alta resolução espacial, inicialmente utilizados apenas para uso militar, já a liberação para uso civil foi feita somente após o fim da guerra fria. A disponibilidade dessas imagens com alta resolução espacial amplia a possibilidade de aplicações principalmente para o mapeamento e cadastro urbano (IPTU), geomorfológico, geológico de detalhe em escalas grandes e no planejamento e gestão de sub-bacia e microbacias hidrográficas. Dentre os satélites equipados com sensores de alta resolução espacial, destacamos o IKONOS resultante de empreendimento privado, desenvolvido pela empresa KODAK e o QuickBird desenvolvido pelo consórcio privado, do qual fazem parte a KODAK, BAL AEROESPACE AND TECHNOLOGIES Co. e KOKKER SPACE (Centeno, 2003). Ao disponibilizar imagens de satélites de alta resolução espacial em 1999, o IKONOS revolucionou o mercado de imagens, possibilitando a realização de pesquisas em grandes escalas essencial para o cadastramento urbano. O sistema IKONOS caracteri- OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 17 za-se por possuir quatro bandas do modo multiespectral nas faixas do azul (0,45 – 0,52)ìm, verde (0,52 – 0,60) ìm, vermelho (0,63 – 0,69)ìm e infravermelho próximo (0,76 – 0,90) ìm com resolução espacial de 4m e uma imagem no modo pancromático (04 – 0,9) ìm com resolução de 1m. Quanto à resolução radiométrica dos dados coletados, são armazenados utilizando 11bits (2048 níveis de cinza), aumentado a possibilidade de contraste e melhor discriminação das imagens. O sistema QuickBird também projetado para suprir a necessidade de alta resolução espacial, recobre 11Km de largura em seu imageamento, estando equipado com um sensor pancromático com pixel de 0,70 metros e quatro bandas no modo multiespectral com resolução espacial de 2,80 metros na faixa do visível ao infravermelho próximo: azul (0,45-052)ìm, verde (0,52 0 -0,60)ìm, vermelho (0,63 – 0,69)ìm. 3 - AS IMAGENS INTERFEREOMÉTRICAS O dados SRTM - Shutlle Radar Topographic Mission compõem uma base digital topográfica da superfície terrestre, evidenciando a configuração do relevo, obtidos através de sensores RADAR pelo processo de Interferometria (Figura 1.2). O projeto SRTM advém do consórcio realizado em 2000 entre a NASA e a National Imagery and Mapping Agency do Departanento de Defesa Americano (DOD) e as agências espaciais da Alemanha e Itália. Esses dados recobrem 80% do planeta, entre as latitudes 60º N e 56º S. Desde agosto de 2003, os dados SRTM estão disponíveis para a América do Sul, com resolução de 90 x 90 metros, Datum e o elipsóide de referência WGS84 e dados altimétricos (z) em inteiros. Esse projeto constitui atualmente uma importante fonte de dados da superfície terrestre, uma vez que reduz custos de obtenção de dados altimétricos por métodos convencionais. No caso especí- 18 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES fico do Estado de Sergipe, esses dados, além de possibilitar a elaboração de modelos Digitais de Elevação (MDE) e Modelos Digital de terreno (MDT), permitem preencher, por exemplo, a lacuna de falta de dados altimétricos da região de Poço Verde, situada no oeste do Estado. Figura 2 - Esquema da aquisição de dados do Shutlle Radar Topographic Mission (SRTM). Fonte: htp://erg.usgs.gov/isb/pubs/factsheets/fs07103.html Apesar dessa missão ter fornecido, até o momento, para a América do Sul, dados matriciais com resolução espacial de 90m x 90m, estudos realizados vêm confirmando a precisão desses dados. As análises dos dados SRTM realizadas por Ferreira Gouvêa et al., 2005, comprovam que os dados SRTM, comparados com cartas IBGE (escala 1:100.000) com intervalo de curvas de nível de 40 metros), apresentam maior detalhamento e acurácia e os OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 19 mapas hipsométricos e de declividade gerados a partir de dados SRTM são melhores. 4 - USO DO SENSORIAMENTO REMOTO APLICADO À ANÁLISE ESPACIAL A gama de imagens de satélites recobrindo o Estado de Sergipe e disponíveis gratuitamente, a exemplo das imagens Landsat TM e ETM ou adquiridas por instituições públicas federais, estaduais e municipais constitui uma base de dados-imagens capaz de atender a demanda dos pesquisadores. Dessa maneira, objetivando propor um procedimento para o uso adequado das imagens de satélites nos estudos espaciais, o fluxograma apresentado a seguir (Figura 1.3), apresenta a proposta de algumas das etapas de trabalho aplicadas nos estudos envolvendo a utilização de imagens. Diante do objetivo previamente determinado, faz-se necessário definir a resolução do sistema sensor que atenda o propósito da referida pesquisa. O primeiro passo é decidir sobre a resolução espacial, radiométrica, espectral e temporal que melhor atenda ao objetivo proposto. Determinando inicialmente, se a imagem terá uma resolução espacial, alta, média ou baixa. Portanto, devese entender, de maneira clara e objetiva, quais as resoluções de um sistema sensor e como elas são definidas, a seguir (Figura 1.4) apresenta-se um resumo das resoluções de um sistema sensor. 20 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Figura 3 - Sensoriamento remoto aplicado ao planejamento. OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 21 RESOLUÇÃO DE UM SISTEMA SENSOR Dados Espectrais Terrestre Fonte de Radiação Sistema Sensor Imageador Sensor Passivo Dependem de uma fonte de iluminação externa Sensor Ativo Espacial Pixel Unidade elementar Possui própria fonte de radiação Menor área do terreno que um sistema é capaz de Individualizar Espectral Multiespectral Refere-se à largura da banda e ao número de bandas espectrais Radiométrica Níveis de cinza Capacidade de discriminar objetos a partir da radiação refletida ou emitida Temporal Intervalo de tempo para recobrir a mesma área, passando no mesmo ponto geográfico Figura 4 – Resolução de um sistema sensor. Definidas as características do sensor ou dos sensores que atendem aos objetivos das pesquisas, o segundo passo é a aquisição da imagem, a qual deverá possuir uma resolução espacial, seja em modo pancromático ou multiespectral, que esteja adequada a pesquisa. Assim, o estudo de uma área urbana para fins cadastrais deverá ser adquirida imagem com alta resolução espacial, a exemplo das imagens realizadas pelos satélites Ikonos e QuickBird. A etapa de georeferenciamento da imagem com pontos de controle deve ser cercada de todo o cuidado, pois um georeferenciamento inadequado pode transformar sua pesquisa em um trabalho sem valor científico. Para o devido procedimento, a resolução espacial da imagem deve ser correlacionada com a carta e/ou imagem georeferenciada e/ou dados adquiridos em campo através do Sistema de Navegação Global por Satélite (GNSS). 22 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES A etapa referente ao tratamento digital da imagem visa evidenciar os objetos geográficos e estruturas da imagem que valorizem o tema pesquisado. Para tanto faz-se necessário o domínio do tema, das técnicas de TDI e dos conceitos que definem uma imagem digital. A imagem digital representa as informações dos objetos geográficos através da reflectância espectral, onde cada ponto (i,j) traduz o valor radiométrico do(s) objeto(s) da superfície terrestre, em um dado instante, em uma banda espectral determinada, estando cada pixel associado um valor numérico codificado em octeto. Os valores da reflectância estão associados à escala de tons que varia de branco (alta reflectância) ao preto (baixa reflectância). Sendo o tom preto, para valores de reflectância igual a zero e branco para os valores de máxima reflectância. A maioria dos sensores possui uma resolução radiométrica de 256 níveis de cinza (Figura 1.5). Já para as imagens interferométricas (SRTM), as quais são disponibilizadas para América do Sul, cada pixel representa a altimetria referente às coordenadas geográfica (i,j) de cada ponto. Figura 5 – Imagem digital – Níveis de Cinza. OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 23 O sucesso da análise visual está diretamente relacionada às composições coloridas realizadas, conseqüentemente, com a resolução espectral do sensor, a qual define quantidade de bandas espectrais disponíveis a serem utilizadas no tratamento digital da imagem. Dessa forma, a convenção da imagem digital em imagem analógica resulta da associação das bandas multiespectrais aos planos Red Green Blue (RGB) através da síntese aditiva de cores. Tal procedimento, possibilita inúmeras composições coloridas realizadas a partir da associação de três bandas espectrais aos planos RGB (Figura 1.6). Figura 1.6 – Convenção Digital/Analógico. O mapa temático confeccionado a partir da imagem síntese, resultante do tratamento digital, poderá ser utilizado pelo especialista específico de cada área temática para impressão e análise dos fenômenos observados e/ou integrar o Sistema de Informa- 24 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES ções Geográficas – SIG para análise espacial, a exemplo do mapa síntese resultante do cruzamento do mapa de uso da terra com a carta de declividade. 5 - SERGIPE NO CENÁRIO NACIONAL O estado de Sergipe com uma área de 21.910 km2, corresponde a 0,26% do território brasileiro, com extensão máxima leste/oeste de 201km e norte/sul de 228km, está inserido totalmente na Fuso UTM 24 entre os meridianos 36º00’00’’ e 42º00’00’’ WGr com meridiano central de 39º00’00’’ WGr. O fato de o Estado de Sergipe estar totalmente circunscrito no Fuso UTM 24, (Figura 1.7) faz com que a maioria das bases cartográficas, dos mapas temáticos, das imagens e das fotografias aéreas sejam georreferenciadas ao Sistema de Coordenadas UTM, facilitando a criteriosa tarefa de georreferenciamento das imagens de satélites e fotografias aéreas que venham a ser adquiridas. Atualmente, o Estado de Sergipe destaca-se no cenário nacional por possuir uma base digital georreferenciada disponibilizada no Atlas Digital Sobre Recursos Hídricos de Sergipe (Sergipe, 2004). As informações são compatíveis com a escala 1:100.000, sendo disponíveis através CD – Compact Disc, pela Superintendência de Recursos Hídricos - SRH. Os arquivos vetoriais, disponibilizados em formato Shpefile (Shp) correspondentes aos diversos Planos de Informações(PI) ou layers, vão desde o limite do Estado às Unidades de Planejamentos (UP), passando por planos de informações importantes como a hidrologia, estrutura rodoviária, uso da terra, geologia geomorfologia, solos, etc. É fundamental destacar que as curvas de nível disponibilizadas no referido Atlas, contêm as informações referentes à localização(Lat, Long) e ao atributo (z) referente altimetria (x,y,z), possibilitando dessa maneira, a utili- OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 25 zação dessas curvas de nível para a construção de Modelo Digital de Terreno - MDT, consequentemente gerar cartas de declividade, altimetria, imagem em níveis de cinza e modelos tridimensionais (3D) e bidimensionais. Figura 1.7 - BRASIL ao Milionésimo - Sistema de Referência e Divisão das Folhas do C I M Fonte – RADAM BRASIL – Levantamento dos Recursos Naturais Folhas SC.24/ 25 – ARACAJU/RECIFE 26 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Esse excelente trabalho, desenvolvido pela Superintendência de Recursos Hídricos de Sergipe, vem facilitando o georeferenciamento de imagens orbitais compatíveis com a relação resolução espacial/escala, a exemplos das imagens adquiridas pelos satélites Landsat e Cbers, utilizada nas diversas pesquisas e aplicações e aplicações no Estado de Sergipe. (Figura 1.8). Figura 1.8 – Atlas Digital sobre Recursos Hídricos. Fonte: Sergipe (2004). Aliado à referida base, a SEPLAN - Secretaria de Planejamento do Estado de Sergipe, vem disponibilizando para a pesquisa o levantamento aerofotogramétrico realizado em 2003, recobrindo os municípios litorâneos do Estado: Indiaroba, Santa Luzia do Itanhy, OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 27 Estância, Itaporanga d´Ajuda, São Cristóvão, Aracaju, Barra dos Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro, Laranjeiras, Santo Amaro das Brotas, Pirambu, Pacatuba e Brejo Grande (Figura 1.9). O material é constituído por fotografias aéreas na escala 1:25.000 e 1:8.000, as quais deram origem à ortofotos georreferenciadas e ortorretificadas na escala 1:10.000 dos territórios municipais, e na escala 1:2.000 das sedes municipais e principais áreas urbanizadas de cada município. Também, a partir da restituição aerofotogramétrica das fotografias aéreas na escala 1:25.000, foram elaboradas cartas topográficas planialtimétricas na escala 1:10.000 com curvas de nível de 2 em 2 metros compondo uma base cartográfica digital em várias layers, sendo os arquivos vetoriais disponibilizados para o público em formato DWG. Da mesma forma, as fotografias aéreas na escala 1:8.000 foram restituídas gerando cartas topográficas na escala 1:2.000 com equidistância das curvas de nível de 2 metros. Esse produto pode ser utilizado para confecção e atualização de mapas temáticos como uso da terra, drenagem, rodovias, geologia, geomorfologia, etc. As curvas de nível com intervalo de 2 metros e 10 metros podem ser utilizadas para construir o Modelo Numérico do Terreno, capaz de gerar modelos tridimensionais, cartas de declividade e altimétricas com alta definição. Além de ser uma base confiável para o georreferenciamento de imagens com alta resolução espacial, a exemplo das imagens SPOT, QuickBird e Ikonos. As ortofotos digitais na escala 1:10.000 possuem resolução espacial de 0,60 metros compatível com as imagens QuickBird e Ikonos, também adequadas ao planejamento urbano e territorial de detalhe. As ortofotos 1:2.000 com resolução de 0,19 metros, bastante superior à dos satélites de alta resolução poderão ser aplicadas ao cadastro urbano, desde que corretamente utilizadas. 28 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Figura 1.9 – Articulação das Folhas 1:10.000 do Estado de Sergipe. Fonte: SEPLAN – 2004. Para o georreferenciamento do restante do Estado em grandes e médias escalas, deve-se optar pela utilização de pontos adquiridos Por meio de GPS topográfico ou cadastrais com pós-processamento através de correlações provenientes da estação de base (DGPS). 5.1 - Sergipe visto pelos satélites landsat, cbers, spot e quickbird O Estado de Sergipe é recoberto por três cenas Landsat5 TM ou Landsat7 ETM+, correspondente as órbitas e pontos 214/067, 214/068 e 215/068, onde cada cena recobre uma área de aproximadamente 185 Km de largura (Figura 1.10). O Landsat5 TM possui cinco bandas multiespectrais, BD1, BD2, BD3, no espectro visível, BD4, infravermelho próximo e BD5, BD7 infravermelho OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 29 médio com resolução espacial de 30 x 30 metros (Figura 1.11). O Landsat7 ETM+, além de apresentar as referidas bandas multiespectrais, também possui a banda pancromática com resolução espacial de 15 metros (BD8). Essas imagens podem ser obtidas gratuitamente nos sites http://www.glcf.umiacs.umd.edu/data e http://www.dgi.inpe.br/CDRS. Figura 1.10 - Grade das Cenas Landsat – TM e ETM+ Fonte: http://www.engesat.com.br/ É importante destacar que, para as imagens multiespectrais disponibilizadas no site http://www.glcf.umiacs.umd.edu/data, a resolução foi alterada para 28,5 metros. 30 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Figura 1.11 – Em (A), Carta – Imagem do Estado de Sergipe realizada a partir da Imagem TM – Landsat5 onde se observar uma grande presença de nuvens recobrindo o litoral e parte do agreste sergipano; em (B), detalhe de parte do estuário do Rio Vaza Barris no litoral Sul de Sergipe, podemos observar em (B), maior realce e detalhe das feições da drenagem e do manguezal. Recentemente, a Superintendência de Recursos Hídricos – SRH adquiriu varias cenas SPOT5 (Figura 1.12), composta por imagens multiespectrais com resolução espacial de 10 metros e a pancromática de 5 metros. Em um segundo momento, as imagens multiespectrais de 10 metros foram restauradas para resolução espacial de 5 metros. Esse material, de grande valor para o planejamento e gestão dos recursos hídricos do Estado, está sendo devidamente georreferenciado com pontos de controle adquiridos através do Sistema de Navegação por Satélite. Concomitantemente, está sendo elaborada uma nova base digital e novos mapas temáticos atualizados de uso da terra e rede hidrográfica. Esses dados irão integrar o Atlas Digital Sobre Recursos Hídricos de Sergipe aportando detalhes compatíveis com a escala de 1:25.000. OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 31 Figura 1.12 – Composição colorida realizada a partir de Imagens SPOT5 com resolução espacial de 10 metros. Podemos observar na composição colorida o detalhamento do uso da terra; entretanto essas imagens não são adequadas para estudos urbanos. Fonte: SRH (2004). As imagens CBERS são disponibilizadas gratuitamente pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais – INPE através do site http://www.dgi.inpe.br/CDRS, sendo necessárias cinco cenas para recobrimento total de Sergipe 148/111, 148/111, 147/111, 148/112, 147/113 e 148/113 (Figura 1.13.). Um fato importante que deve ser observado também para o CBERS, é o horário de imageamento do litoral sergipano, o qual ocorre pela manhã (09:00h – 10:00h); assim, em função da alta umidade vinda do oceano, raramente se obtém uma cena limpa com baixa porcentagem de nuvens (Figura 1.14). 32 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Figura 1.13 – Grade de Imagens para Sergipe do Satélite CBERS. Fonte: http://www.engesat.com.br/ Figura 1.14 – Em (A), CBERS, sensor CCD - resolução espacial de 30 metros. Em (B), detalhe da Capital do Estado, Aracaju. Observa-se em (A) uma grande quantidade de nuvens recobrindo grande parte da cena. Entretanto, em função das condições meteorológicas no momento do imageamento, a faixa litorânea apresenta-se totalmente sem nuvens. OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 33 As imagens QuickBird possuem alta resolução espacial, adequadas aos estudos urbanos, em função da sua resolução espacial, 0,70 metros. A Prefeitura de Aracaju, através da Secretaria de Planejamento, adquiriu em 2003 uma série de cenas recobrindo totalmente o município. Essas imagens, além de possibilitar a atualização do mapa municipal, publicado pela Secretaria Municipal de Planejamento, intitulado Aracaju - Mapa Municipal Oficial, vem possibilitando a criação sistema de Gerenciamento de Banco de Dados – SGBD, indispensável para a gestão municipal (Figura 1.15). Figura 1.15 – QuickBird com resolução espacial de 0,70 metros representando um detalhe da Zona Sul de Aracaju. As Ortofotos na escala 1:1.000 digitais como resolução de 0,12 metros, superior à resolução das imagens QuickBird e Ikonos, têm aplicação direta no cadastro urbano, respeitando-se a geometria das imagens (Figura 1.16). 34 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Figura 1.16 – Em (A), ortofoto 1:10.000 mostrando parte da UFS; em (B), ortofoto 1:2.000 mostrando a Reitoria da UFS com maior detalhe. OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 35 6 - DADOS SRTM: SERGIPE EM 3D O trecho referente à cobertura para o Estado de Sergipe, cuja articulação apresenta 1º de Latitude x 1º de Longitude, (Figura 1.17) vem possibilitando aos pesquisadores a criação de modelos tridimensionais e bidimensionais com a geração de imagens em níveis de cinza, cartas de declividade e altimétrica. DADOS SRTM - ESTADO DE SERGIPE S10W036.hgt S10W041.hgt S11W040.hgt S12W041.hgt S10W037.hgt S11W036.hgt S11W041.hgt S13W038.hgt S10W038.hgt S11W037.hgt S12W038.hgt S13W039.hgt S10W039.hgt S11W038.hgt S12W039.hgt S13W040.hgt S10W040.hgt S11W039.hgt S12W040.hgt S13W041.hgt Figura 1.17 - Arquivos referentes ao Estado de Sergipe. Fonte: ftp://e0mss21u.ecs.nasa.gov/srtm/south_america De acordo com a NASA, esses arquivos gerados na missão SRTM são produzidos apresentando ainda um nível de erro associado a uma generalização na geração de dados tridimensionais, sobretudo em áreas de baixa amplitude altimétrica. Nesse sentido, os arquivos foram corrigidos com a utilização do aplicativo freeware SRTM_Fill. Os arquivos SRTM estão disponíveis para download no website ftp://ftp.glcf.umiacs.umd.edu/glcf/SRTM/ (Figura 1.18 e Figura 1.19). 36 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Figura 1.18 - Em (A), imagem interferométrica do Estado de Sergipe representando a altimetria; em (B), representação tridimensional do Domo Dissecado de Itabaiana. Fonte: Dados SRTM ftp://ftp.glcf.umiacs.umd.edu/glcf/SRTM/ e base cartográfica da SRH/SEPLAN, 2004. Figura 1.19 – Em (A) e (B) Representação tridimensional resultante da fusão de dados SRTM com imagem SPOT5 , resolução espacial de 10 metros. Em (C), Modelo 3D com superposição das Curvas de Nível e Direção Preferencial de Fluxo. Fonte: Dados SRTM ftp://ftp.glcf.umiacs.umd.edu/glcf/SRTM/ Imagem SPOT SRH, 2004. OBSERVAÇÃO DA TERRA POR SATÉLITE E AERONAVES 37 7 - REFERÊNCIAS CENTENO, J. A. S. Sensoriamento Remoto e Processamento Digital de Imagens. Curitiba: Curso de Pós-graduação em Ciências Geodésica, 2003 CHUVIECO, E. Fundamentos de Teledeteccion Espacial. Madrid: Rialpa, 1990 FLORENZANO, T.G. Imagens de Satélite para Estudos Ambientais. São Paulo: Oficina de Textos, 2002 FLORENZANO, T.G.; et al. Geomorfologia: Conceitos e Técnicas Atuais. São Paulo: Oficina de Textos, 2008 FRANÇA, V.L.; et al. Atlas Escolar de Sergipe: espaço Geo-Histórico e Cultural. João Pessoa: Grafset, 2007 KUX, H.; BLASCHKE, T. Sensoriamento Remoto e SIG Avançados. São Paulo: Oficina de Textos, 2005 MELGAÇO, L. M; SOUZA FILHO, C.R.; STEINMAYER, M. Comparação entre modelos digitais de elevação gerados por sensores radar.Anais XII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento ópticos e por radar. Remoto, Goiânia, Brasil, 16-21, abril 2005, INPE, p. 1215-1220 SANTOS ALVES,P. R.; GABOARDI C; CASTRO DE OLIVEIRA, C. Avaliação da precisão vertical dos modelos SRTM para a Amazônia. Anais XII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Goiânia, Brasil, 16-21, abril 2005, INPE, p. 4437- 4444 SEPLANTEC; SRH. Atlas Digital Sobre Recursos Hídricos. Aracaju: Nordeste Digital Line Ltda, 2004. 2 ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES ANTENOR DE OLIVEIRA AGUIAR NETTO CLAUDIO JULIO MACHADO MENDONÇA FILHO JOÃO CARLOS DOS SANTOS ROCHA 1 - INTRODUÇÃO A Terra é uma emaranhada teia de cursos d’água, que ignoram as fronteiras nacionais. Ao longo dessas águas, há 3.000 anos a.C., floresceram os grandes centros da civilização antiga – Babilônia nos vales dos rios Tigre e Eufrates, Chinesa nos vales dos rios Amarelo e Azul; Indiana no vale do rio Ganges e Egípcia no vale do rio Nilo. No mundo atual, a água se tornou um bem dotado de valor econômico e presente em inúmeros processos da vida humana. Clarke e King (2005) alertam que o abastecimento de água no mundo está em crise, apesar dos diversos planos grandiosos realizados pelas Nações Unidas e por outros organismos internacionais, desde a década de 1970 do século XX. Esses autores informam, ainda, que existe um problema básico: o volume de água doce na superfície do planeta Terra é fixo, não podendo aumentar nem diminuir. Desse modo, à medida que a população cresce, e as aspirações individuais aumentam, há cada vez menos água disponível por pessoa. Embora o Brasil possua expressivo potencial hídrico, é importante sublinhar a significativa variabilidade temporal e espacial 40 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES das águas em suas diversas regiões, estreitamente associada à variação das precipitações e à sua sazonalidade, entre outras características naturais. Contudo, as bacias hidrográficas localizadas em áreas que apresentam uma combinação de baixa disponibilidade e grande utilização dos recursos hídricos passam por situações de escassez e estresse hídrico, associadas à variação das precipitações e à sua sazonalidade. De acordo com índice utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para expressar a disponibilidade hídrica, o país apresenta uma situação muito confortável (33.376 m3/hab./ano), sendo que apenas a Região do Atlântico Nordeste Oriental com 1.145m3/hab./ano, encontra-se em situação desfavorável de estresse hídrico. Esse valor corresponde a menos da metade do volume de água estimado pela ONU (2.500 m3/hab./ano) como suficiente para a vida em comunidade nos ecossistemas aquáticos e para o exercício das atividades humanas, sociais e econômicas (BRASIL, 2006). O Estado de Sergipe apresenta um padrão de utilização intenso de sua base física, marcado pela destruição dos ecossistemas naturais e por repercussões de vulto nos corpos d’água. A gênese desse padrão, todavia, não representa um processo próprio da região. Ele se insere no processo mundial de ampliação do capital cujas características nos espaços subdesenvolvidos são delineadas pela progressiva utilização dos recursos sem o alcance concomitante de índices de elevada qualidade de vida para as populações (MOREIRA et al., 2005). De particular, Sergipe apresenta uma densa malha hidrográfica, mas composta de rios pequenos, a exceção do rio São Francisco, intermitentes e irregulares. Eles possuem suas nascentes e grande parte dos cursos médios, insuficientes para suprimento permanente. No litoral, a influência das marés adentra vários quilômetros, resultando num imenso volume de água com elevado grau salino. Essas condições delimitam a carência e importân- ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 41 cia do recurso água para o Estado e para os sergipanos, cuja situação se encontra no limiar do estado de alerta em relação ao abastecimento de água. ROCHA (2006) alerta que, dentre os principais problemas de recursos hídricos em Sergipe, quatro se destacam por seu enorme impacto social e pela pressão que exercem sobre o governo, no que diz respeito ao desenvolvimento de vultosos programas de investimento: secas no semi-árido, desmatamento, ocupação desordenada do solo e poluição dos cursos de água. 2 - GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS A Política de Recursos Hídricos, conforme preconizada na Lei n.º 9.433, de 8 de janeiro de 1997, representa um marco para a sustentabilidade desse bem público essencial ao desenvolvimento e à sobrevivência da vida num planeta azul ironicamente chamado de Terra. Esse instrumento legal, instituído 62 anos após uma primeira tentativa de disciplinamento dos recursos hídricos no Brasil – o Código de Águas, apresenta fundamentos que trazem um novo olhar para esse recurso natural e reproduzem conceitos convergentes derivados de inúmeras conferências internacionais que ocorreram especialmente a partir da década de setenta do século XX. Em Sergipe, a Lei n.º 3.870, de 25 de setembro de 1997, que substituiu a Lei n.º 3.595 (19/01/1995), espelha a lei das águas brasileira e aponta fundamentos que norteiam uma dramática mudança no modo de ver a água e de administrar suas limitações. São eles, como dispostos no artigo primeiro: a água é um bem de domínio público; a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a 42 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES dessedentação de animais; a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Estadual de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos; e a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. Assim, depreende-se que o domínio público das águas, conforme mencionado anteriormente, não transforma o Poder Público em proprietário da água, mas o torna gestor desse bem no interesse de todos (MACHADO, 2002). Deve-se reconhecer que a água é um recurso natural limitado e não ilimitado, como até então a humanidade raciocinou. Esse fundamento talvez seja a mola propulsora de toda a engrenagem dessa Política, uma vez que conclama as autoridades e as organizações civis para a necessidade de se administrar um bem finito, essencial ao homem e em muitos lugares e momentos escasso. O consumo humano e a dessendentação de animais devem ser priorizados, buscando atender uma multiplicidade de usos e assegurando à atual e às futuras gerações, da necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequada aos respectivos usos. A gestão da água implica em equacionar um balanço entre a disponibilidade e as demandas dos recursos hídricos, com qualidade adequada para: consumo humano, dessedentação de animais, manutenção da biodiversidade aquática, transporte aquaviário, irrigação, indústria, aproveitamento dos potenciais hidrelétricos, aquicultura, lazer e lançamento de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, com a finalidade de sua diluição, transporte ou disposição final. É extremamente difícil desenvolver medidas consistentes de justiça ética que possam ser utilizadas para determinar a distri- ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 43 buição da água disponível. A administração democrática de uma propriedade comum e especial como a água, conforme preconizada na Lei n.º 3.870, minimiza o risco de injustiças na sua distribuição. Por outro lado, exige um arranjo institucional complexo, especialmente considerando o caráter federativo do sistema brasileiro com águas de domínio federal e estadual, e uma série de instrumentos técnicos em pleno funcionamento. Apesar dos mecanismos de descentralização e participação nas tomadas de decisão previstos na Lei das Águas, é difícil conseguir uma boa representatividade dos diversos segmentos que compõem o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CONERH) e os Comitês de Bacias Hidrográficas dos rios estaduais. Vencida essa dificuldade, depara-se ainda com uma falta de motivação e discussões pouco profícuas, que desestimulam ainda mais a participação dos membros em futuras reuniões. A forte burocracia da máquina estatal consome um tempo precioso que não se pode dispor para a realização de ações no campo da fiscalização e do controle dos recursos hídricos. Além do mais, o caráter inovador da Política de Recursos Hídricos, que exige uma constante capacitação e uma boa dose de criatividade, não se coaduna com a ausência de concursos públicos para a formação de um quadro de pessoal efetivo mínimo, principalmente considerando o caráter multidisciplinar da gestão de recursos hídricos. Recentemente, em avaliação da Agência Nacional de Águas – ANA, o Estado de Sergipe, apesar de ter avançado em grande parte nos instrumentos de gestão (Tabela 2.1), foi considerado institucionalmente precário pela inexistência de uma autarquia específica para funcionar como órgão operacional da Política de Recursos Hídricos. A modelagem de um sistema de informações sobre recursos hídricos que subsidie o planejamento e a tomada de decisão representa uma tarefa árdua, com destaque para a construção de 44 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES uma base cartográfica digital, a inserção de informações georeferenciadas e a construção de um banco de dados hidrometeorológico e de qualidade das águas, com uma série histórica de dados significativa para a gestão dos recursos hídricos, além de informações sobre disponibilidade e demanda de água. Tabela 2.1 - Situação dos principais instrumentos para a gestão de recursos hídricos em Sergipe. Em Não Estudos em E s t u d o s Implantado implantado a n d a m e n t o c o n c l u í d o s implantação 2009 Plano de Recursos Hídricos Enquadramento dos (Resolução CONAMA Fundo Estadual de Hídricos corpos d’Água nº 20) Recursos Outorga de Direito de uso Cobrança pelo uso de Recursos Hídricos Sistema Estadual de informações sobre Recursos Hídricos Conselho Estadual de Recursos Hídricos Comitês de Bacia Hidrográfica de rios Estaduais Fiscalização Fonte: SEMARH/SRH, 2009. 3 - CENÁRIOS DE CAMPO No contexto da descrição dos corpos d’ água do Estado de Sergipe, procura-se aqui, descrever as seis bacias hidrográficas (dos rios São Francisco, Japaratuba, Sergipe, Vaza-Barris, Piauí e Real) dentro de uma ótica, sobretudo, da percepção de campo, fruto de procedimentos operacionais de aquisição de dados hidrológicos, para fins de monitoramento e planejamento. ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 45 O Estado de Sergipe apresenta densa malha hidrográfica composta de rios de pequeno porte, intermitentes os quais em grande parte encontram-se inseridos no semi-árido nordestino. Mas, também, possui pequenos cursos d’água perenes localizados a partir do Agreste, em direção ao litoral. Assim, é possível traçar uma linha imaginária de intermitência e perenidade dos mananciais do Estado, conforme é apresentado na Figura 2.1. O sentido dessa linha seria sudeste/nordeste, partindo do município de Tomar do Geru, passando pelos municípios de Itabaianinha, Riachão do Dantas, São Domingos, Macambira, Ribeirópolis, Cumbe e terminando no município de Canhoba. Observa-se também que essa região concentra quase a totalidade das outorgas de direito de uso dos recursos hídricos expedidas pelo órgão gestor de recursos hídricos de Sergipe, bem como a maioria das intervenções relacionadas ao uso da água. A linha imaginária desenhada no mapa plotado na Figura 2.1 também estabelece uma fronteira na qualidade das águas subterrâneas, como será mostrado posteriormente, delimitando um território onde deverão ser concentrados os esforços para a gestão dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos em Sergipe. Trata-se da região onde está estabelecida a maior parte da população e das indústrias, a maior disponibilidade hídrica do Estado, excetuando o rio São Francisco, e também, onde estão os principais problemas ambientais de Sergipe, muitas vezes refletindo aspectos gerados à montante. 46 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Figura 2.1 - Localização das outorgas de direito de uso de recursos hídricos emitidas e dos principais rios perenes em Sergipe. Fonte: SEMARH/SRH, 2008. ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 47 Os corpos d’água inseridos no semi-árido, não oferecem constância de volume para serem mensurados, salvo os rios São Francisco, Vaza-Barris e Piauí. Algumas anomalias hídricas estão presentes como o riacho Craibeira e da Guia, afluentes do rio Jacaré em Poço Redondo (bacia hidrográfica do rio São Francisco), riacho do Buri, afluente do rio Jacoca em São Miguel do Aleixo (bacia hidrográfica do rio Sergipe), dos riachos Caldeirão e Marinheiro em Riachão do Dantas (bacia hidrográfica do rio Piauí), riachos Junco e Lagartixo, afluentes do rio Lagartixo, no Refúgio de Vida Silvestre da Mata do Junco, em Capela (bacia hidrográfica do rio Japaratuba ), entre outros, e os corpos d´agua inseridos na área da já citada linha imaginária do Agreste ao Litoral. A bacia hidrográfica do rio São Francisco é a maior em área, apresentando em Sergipe, na sua margem direita, inúmeros afluentes, muitos intermitentes. Dentre eles destacam-se do Semiárido para o Litoral, os rios Jacaré, Capivara, Gararu, Canhoba, Pilões e Betume. A demanda significativa de água do rio São Francisco iniciou-se na década de 1970 com a construção de perímetros irrigados pelo Governo Federal. Posteriormente, o Governo Estadual implantou nessa área dois outros perímetros de irrigação bem como iniciou um arrojado projeto de captação de água para o abastecimento humano que atualmente serve grande parte da população do Estado. Inseridas neste projeto estão, as adutoras Sertaneja, Semi-Árido, Alto Sertão e São Francisco, esta última abastecendo a Grande Aracaju e o parque industrial da capital, já parcialmente duplicada. O potencial hídrico do São Francisco assume dessa maneira, a maior importância para Sergipe. A perenidade dos afluentes do rio São Francisco só é notada no seu curso inferior a partir do município de Própriá em direção a foz no município de Brejo Grande. Sendo as sub-bacias de maior destaque a do riacho Jacaré (Município de Propriá), riacho Pilões e o riacho Poxim ou Betume. São originárias de nascentes 48 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES dos contrafortes terciários do Grupo Barreiras, onde se encontram estreitos e encaixados nos vales fluviais, desaguando e espraiando-se pela planície costeira, onde se tornam largos e caudalosos. A vazão dos cursos d’água varia de 20 L/s à 200 L/s em média, porém alguns como o riacho de Nossa Senhora e o rio Santo Antonio, apresentam potabilidade para consumo humano. A bacia hidrográfica do rio Japaratuba é a menor em área e apresenta como principais afluentes os rios Siriri, Riachão e Lagartixo na margem direita e Japaratuba, Mirim e Cajueiro na margem esquerda. Toda a produção de potássio de Sergipe e grande parte da produção de terra de petróleo estão nessa região, o que lhe confere grande importância econômica. O rio Japaratuba tem perenidade, em seu curso principal até o ponto de cruzamento com a estrada de ligação dos municípios de Graccho Cardoso a Cumbe. Sua potabilidade encontra-se comprometida tanto pelos processos naturais, como também pelo uso e ocupação do solo (indústrias petrolíferas, mineração e agropecuária). Porém, seus afluentes possuem características de potabilidade e vazão condizentes com os padrões mínimos, quais sejam: o riacho da Aldeia, rio Japaratuba-mirim, riacho Siririvivo, riacho da Cana Brava, rio Canela, rio Lagartixo, riacho Lagartixo e riacho do Junco. Os grandes alimentadores são novamente os tabuleiros costeiros do Grupo Barreiras, escoando suas águas pela planície litorânea do Estado de Sergipe. O rio Sergipe nasce na divisa com o Estado da Bahia, próximo à localidade de Lagoa das Areias (Serra da Boa Vista). Sua importância decorre do fato de englobar a histórica região econômica da Cotinguiba, grande produtora de cana de açúcar, cereais e gado, mas também a capital e um terço da população do Estado. Ressalte-se, ainda, que devido à degradação ambiental essa unidade de planejamento encontra-se sujeita à ocorrência de enchentes sazonais que afetam o elevado contingente populacional ribei- ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 49 rinho. Embora grande parte do abastecimento de Aracaju seja feito pela adutora do São Francisco já referenciada, assinala-se a contribuição das captações dos afluentes Poxim, Pitanga, Jacarecica e Mata Verde, além das águas subterrâneas da bacia sedimentar Sergipe-Alagoas. A perenidade do seu curso principal inicia-se a partir das proximidades da Rodovia Estadual SE-106, que liga os municípios de Nossa Senhora Aparecida à Nossa Senhora da Glória; no entanto sua qualidade é comprometida pelas condições físicas que compõem a região. Seus mais importantes afluentes são os rios: Poxim, Continguiba, Jacarecica, inclusive utilizados para abastecimento humano da capital do Estado e de importantes núcleos urbanos. Originam-se seus mais importantes corpos d´água, do Grupo Barreiras e dos maciços fraturados das serras Comprida e de Itabaiana, escoando até sua foz pela bacia sedimentar SergipeAlagoas, onde deságua em estreita faixa da Planície Litorânea. O rio Vaza Barris nasce no sertão da Bahia, próximo à cidade de Canudos, uma das regiões mais áridas do Nordeste. Ele penetra o Estado no município de Simão Dias e deságua, através de morfologia estuarina, nos limites meridionais de Aracaju com São Cristóvão. Os principais afluentes em território sergipano são, pela margem direita, Ribeira, Tejupeba e Xinduba e, pela margem esquerda, Salgado, Traíras, Jacoca e Lomba. Em cerca de 75% de seu curso, mostra uma vazão inexpressiva pela extrema escassez de água no leito durante a maior parte do ano. Destaca-se economicamente por apresentar as melhores condições para pecuária e a presença da citricultura. Vale registrar, o dinamismo do município de Lagarto, despontando como centro da economia regional. A princípio considerado como intermitente e não potável, o rio Vaza-Barris (curso principal da bacia hidrográfica em questão) em estudos executados pelo Governo, SERGIPE (2000), foi proposta a sua utilização a partir da construção de um sistema de 50 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES barramentos para a regularização da vazão e controle de sais, localizados nos municípios de São Domingos e Lagarto. É fato também que todos os seus afluentes tanto pela margem esquerda como pela margem direita, encontram-se limitados pela falha estrutural de Itaporanga D´Ajuda, sendo de pequena extensão, mas perenes e potáveis, ocorrendo isto até a altura do povoado Genipapo no município de Lagarto ao sul e a barragem da Ribeira nos limites dos municípios de Campo do Brito e Itabaiana ao norte. Seus principais afluentes são os rios das Pedras, Traíras, riacho Tabocas no povoado Genipapo em Lagarto, riacho Tabocas no povoado Sapé em Itaporanga D’Ajuda, rio Comprido, rio Pitanga ou Bica, rio Paramopama, riacho Água Boa, entre outros. O rio Piauí conforma a segunda bacia hidrográfica do Estado de Sergipe, em área. A maioria de seus afluentes é perene, destacando-se os rios Piauitinga, Fundo, Caiça, Jacaré e Machado pela margem esquerda e os rios Arauá, Indiaroba e Pagão ou Guararema pela margem direita. Tem em sua área, afora o centro regional de Estância, uma economia agrária importante. Este município tem uma população representativa e um distrito industrial, que embora com unidades nem sempre produtivas, impacta a qualidade das águas, restringindo atividades econômicas tais como a pesca. Na bacia hidrográfica do rio Piauí, é onde se encontra a maior densidade hidrográfica do ponto de vista de perenização e potabilidade. Em quase todos os seus afluentes, bem como seu curso principal (Figura 2.2) se faz presente o uso dos corpos d’água, para abastecimento humano, agrícola e industrial. Infelizmente se encontra atualmente no estágio mais avançado de degradação ambiental. Cita-se como exemplo o rio Piauitinga, onde pelos idos finais da década de 80 do século XX, nas campanhas efetuadas para medição de vazão, era necessária uma equipe composta de quatro pessoas e mateiros especializados para abertura de pica- ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 51 das, para acesso aos oito pontos de medição que tinha duração de uma semana. Em 2008, uma equipe com duas pessoas percorre o mesmo roteiro em um só dia e estacionando a viatura nas proximidades da margem do corpo d’água. Também, apresenta o Grupo Barreiras como grande alimentador, unidade geológica onde se originam os principais afluentes: rios Piauitinga, Fundo, Paripueira, Guararema, Sapucaia, Ariquitiba e Indiaroba e riachos Cabuçu ou dos Cavalos, Grilo, Areias, riacho Doce ou Saboeiro. Figura 2.2 – Barragem Dionísio Machado, local de captação d’água para fins de consumo humano, no rio Pauí, em Lagarto-SE. Fonte: os autores, 2008. 52 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES O rio Real nasce na divisa com o estado da Bahia, na serra do Tubarão, na altura do município de Poço Verde e conforma os limites meridionais de Sergipe com esse Estado e, assim, somente seus afluentes da margem esquerda cortam terras sergipanas. Os principais são Jacarezinho, Jabiberi, Paripe e Itamirim. Ele deságua no oceano Atlântico juntamente com o rio Piauí, formando um complexo estuarino de grande porte e importância ecológica. Igualmente as terras da bacia hidrográfica do rio Real, principalmente na sua porção mais úmida, foram ocupadas pela frente de expansão da citricultura, mas o destaque é da pecuária. Porém, o uso de suas águas atenderá não só perímetros irrigados, mas auxiliará também no abastecimento público de Tobias Barreto, a partir da barragem de Jabiberi. A bacia hidrográfica do rio Real é a que apresenta a menor perenização em sua extensão, alcançando até o ponto da fazenda Cruzeiro, no município de Cristinápolis. Seu curso principal não apresenta águas dentro do padrão de potabilidade e seu potencial quantitativo restringe-se à parte do estuário, onde ocorre intrusão salina além de chuvas torrenciais em sua porção média e superior, porém passageiras, justamente na zona de intermitência. 4 - POTENCIALIDADES E DEMANDAS A população sergipana, no ano de 2007, foi contada em 1.939.426 pessoas, sendo que 72,34% residem nas zonas urbanas (BRASIL, 2008). A participação do valor adicionado dos três grandes setores econômicos no Produto Interno Sergipano, no quadriênio 2001-2004, é o seguinte: setor agropecuário 6,7%, setor industrial 53,2% e o setor de serviços 40,1% (SERGIPE, 2007). Tais números demonstram que o recurso água possui uma vital importância para o abastecimento humano, agricultura e ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 53 produção industrial, sendo que a parcela prevista de utilização desse bem público por esses setores para o ano de 2020, é apresentada na Figura 2.3. Figura 2.3 - Demanda de água prevista para o ano 2020, em Sergipe. Fonte: SERGIPE (2000). As atividades agropecuárias sergipanas evoluíram nos últimos dez anos, à taxa média anual de 3,6%, sendo que esse desempenho ocorreu principalmente em razão do aumento das áreas irrigadas (SERGIPE, 2007). Proporcionalmente, Sergipe é o maior Estado do Nordeste em área irrigada, pouco inferior a 30.000 hectares, em que se fundamenta a rizicultura, hortícolas, tuberosas e a fruticultura tropical, o que favorece uma produtividade significativa para sustentabilidade do setor. Os perímetros irrigados do baixo São Francisco, ao longo da margem direita deste rio, tiveram a sua construção iniciada na década de 70 do século XX, como intervenção do Governo Federal, 54 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES em decorrência da implantação do complexo hidroelétrico à jusante. Os perímetros Própria, Cotinguiba-Pindoba e Betume se caracterizam pelo cultivo do arroz inundado, sendo que na Tabela 2.2 podem ser consultadas outras características dos mesmos. Tabela 2.2 - Características dos perímetros irrigados do Estado de Sergipe. Perímetro Irrigado Propriá Cotinguiba-Pindoba Betume Jabiberi Piauí Jacarecica I Jacraecica II Ribeira Califórnia Platô de Neopólis Área potencial irrigável Município sede Bacia hidrográfica 1177 2215 2861 221 703 252 820 1100 1360 7000 Própria Propriá Neopólis Tobias Barreto Lagarto Itabaiana Malhador Itabaiana Canindé S. Francisco Neopólis São Francisco São Francisco São Francisco Real Piauí Sergipe Sergipe Vaza Barris São Francisco São Francisco Fonte: SEAGRI/COHIDRO, SEMARH/SRH, MA/CODEVASF (2008). Durante a década de 1980, o Governo do Estado de Sergipe, através de convênios com o Governo Federal, implantou uma série de perímetros irrigados: Jabiberi, Piauí, Jacarecica I, Ribeira, e Califórnia, objetivando viabilizar a produção agrícola das pequenas, médias e grandes propriedades. O perímetro irrigado Platô de Neopólis, também planejado e implantado pelo Governo estadual, através da Companhia de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Irrigação (COHIDRO), teve sua inauguração em meados dos anos 90 e tinha como finalidade a produção de frutíferas para exportação. Merece registro, ainda, o processo de implantação do perímetro irrigado Jacaré-Curituba, na bacia hidrográfica do rio São Francisco. É evidente a importância do rio São Francisco para o desenvolvimento e a sustentabilidade do Estado de Sergipe, sendo fonte de ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 55 abastecimento dos principais perímetros públicos irrigados, da maior parcela da população e indústria sergipana. Situação que justifica a necessidade de transposição de suas águas para as bacias hidrográficas dos rios Japaratuba e Sergipe. Essa verdadeira fartura das águas do rio São Francisco, por outro lado, fez com que os sergipanos voltassem as costas para os demais mananciais, que foram fragilizados ambientalmente e tiveram sua disponibilidade hídrica drasticamente reduzida. Pode-se depreender da Figura 2.4 que, até que se consiga recuperar os mananciais locais, muitos deles já utilizados precariamente para o abastecimento de comunidades e sem a menor possibilidade de atendê-las em longo prazo, o desenvolvimento das demais bacias hidrográficas continuará a depender enormemente do rio São Francisco. As outras cinco bacias hidrográficas apresentam um balanço entre potencialidade e demanda desfavorável para o ano 2020. Figura 2.4 - Potencialidade versus demanda (2020) de recursos hídricos por bacia hidrográfica, no estado de Sergipe. SF = São Francisco, JP = Japaratuba, SE = Sergipe, VB = Vaza Barris, PI = Piauí, RE = Real. Fonte: SERGIPE (2000) 56 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES 5 - LIMITAÇÕES Os limites impostos ao uso dos recursos naturais são determinados pelo alcance da compreensão dos homens num determinado momento de sua existência e pelos resultados de ações efetivamente empreendidas na busca de uma sustentabilidade ambiental. A história está repleta de relatos sobre o declínio e o colapso de sociedades passadas devido a danos ambientais que, associados a outros fatores, provocaram o esgotamento dos recursos naturais, os mesmos que contribuíram para o seu apogeu. O suicídio ecológico não intencional – ecocídio – dessas sociedades é atribuído, por Diamond (2005), às seguintes categorias, cuja importância relativa difere de caso para caso: desmatamento e destruição do habitat, problemas com o solo (erosão, salinização, desertificação e perda da fertilidade), problemas com a gestão da água, sobrecaça, sobrepesca, efeitos da introdução de outras espécies sobre as espécies nativas e aumento per capita do impacto pelo crescimento demográfico. Na maioria das vezes, a associação de alguns desses impactos ambientais causa uma sinergia que acelera e agrava o problema. ROCKSTÖM et al. (2009) quantificaram o impacto da atividade humana sobre Terra, identificando processos biofísicos e sus limiares que, se transgredidos, podem gerar mudanças ambientais inaceitáveis. Estes autores propõem nove “limiares planetários”: mudança climática; perda da biodiversidade; interferência nos cilcos do nitrogênio e do fósforo; acidificação dos oceanos; uso global de água doce; mudanças no uso do solo; destruição do ozônio estratosférico; emissão de aerossóis na atmosfera; e poluição química. Esses limites definem um espaço de operação seguro para as pressões humanas sobre a biosfera. O respeito desse espaço permitiria à humanidade continuar a prosperar por vários séculos no futuro. O preocupante é que até agora, três dos limiares ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 57 planetários – a mudança climática, a perda da biodiversidade e o ciclo do nitrogênio – já foram excedidos, e mais quantro – ciclo do fósforo, acidificação dos oceanos, usa de água doce e do solo – serão logo ultrapassados se as atividades humanas mantiverem o ritmo atual. Não se deve ser ingênuo em pensar que o mundo moderno encontra-se imune a um possível colapso e que tudo pode ser resolvido com a “avançada tecnologia”. Certamente, esse pensamento arrogante e simplista restringiu uma clara compreensão da grave situação vivida por civilizações que desapareceram pelo mau uso dos recursos naturais. Hoje, uma grande diferença é que o alcance de alguns impactos, devido ao insustentável modelo de desenvolvimento econômico, em qualquer regime político, fere globalmente o planeta Terra. Pela primeira vez na história enfrenta-se o risco de um colapso global, embora a atual sociedade também seja a primeira a ter a possibilidade de expandir a compreensão dos impactos, na direção de uma solução adequada para uma sustentabilidade da vida humana no orbe terrestre. As limitações impostas pela Natureza geralmente necessitam de uma boa dose de tecnologia e, principalmente, de criatividade para uma convivência harmônica com o desenvolvimento do homem. A má distribuição das chuvas (espacial e temporal), a intensa evaporação, os solos rasos, o regime intermitente dos rios e o elevado conteúdo de sais presentes nas águas superficiais, subterrâneas e, muitas vezes, no solo são algumas dessas características que geralmente acentuam-se pela desastrada interferência antrópica no meio natural. BRASIL (2006) destaca que em âmbito nacional, o principal problema de qualidade das águas é o lançamento de esgotos domésticos, pois apenas 47% dos municípios brasileiros possuem rede coletora de esgoto, e somente 18% dos esgotos recebem algum tratamento. 58 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES No Nordeste do Brasil e, em especial, no Semi-árido, algumas dessas limitações sempre representaram um desafio para a implantação de um modelo de desenvolvimento importado de outras realidades do país e que não condizem com as limitações do meio ambiente local. As limitações dos recursos hídricos em Sergipe podem ser sintetizadas em dois aspectos: baixa quantidade de água potável para atendimento das necessidades da vida moderna e problemas ambientais. Na categoria ambiental, merece destaque a disposição final de lixo, lançamento de esgoto no solo ou na água, seja proveniente das indústrias ou domésticos, remoção de terras, argila ou areias, erosão no solo (ravinas ou voçorocas), barramento dos cursos d’água e ausência de vegetação, tanto ciliar, quanto nas nascentes e nas áreas de recarga. Assim, aspectos legais/institucionais, naturais, impactos ambientais e modelo de desenvolvimento atualmente praticado impõem uma série de limitações ao equilíbrio da equação entre disponibilidade e demanda e ao alcance dos objetivos manifestados na Lei Estadual de Recursos Hídricos: o asseguramento à atual e às futuras gerações, da necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; a utilização racional e integrada de recursos hídricos, com vistas ao desenvolvimento sustentável, à prevenção e à defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais. Como forma de reflexão, são elencadas algumas dessas limitações que se destacam como dificuldades técnicas a serem transpostas para uma eficaz gestão da água em Sergipe, especialmente na implantação da outorga de direito de uso de recursos hídricos, e no enquadramento dos corpos d’água, instrumentos importantes e previstos nas leis de recursos hídricos para facilitar a administração desse bem público. ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 59 A qualidade natural das águas superficiais está diretamente associada às características físico-químicas das águas subterrâneas. Os mananciais de subsuperfície, juntamente com a parcela de água oriunda do escoamento superficial proveniente das chuvas, contribuem com o que os hidrólogos denominam de fluxo de base. Essa descarga basal propicia que os rios permaneçam com água por longos períodos sem a ocorrência de precipitações atmosféricas. Alves et al. (2007), em trabalho realizado sobre a qualidade da água no rio Poxim, concluem que o oxigênio dissolvido na água apresentou valores muito baixos, na região estuarina e em alguns pontos do rio Poxim–Açu. Foram identificadas como principais causas desse problema: a disposição inadequada de resíduos sólidos e o aporte de matéria orgânica através de efluentes sanitários e industriais. O nitrogênio da água, nesse corpo hídrico, é controlado predominantemente pelo aporte de fontes pontuais (efluentes urbanos e industriais), enquanto a contribuição por fontes difusas (drenagem de áreas agrícolas) controla as concentrações do fósforo na água, situação que preocupa porque mais de 30% do abastecimento da capital sergipana é realizado a partir desse manancial de água. No que se refere aos recursos hídricos subterrâneos, os processos e fatores que influem na evolução da qualidade dessas águas podem ser intrínsecos e extrínsecos à formação geológica. A princípio, a água subterrânea tende a aumentar concentrações de substâncias dissolvidas à medida que percola os diferentes tipos de rochas e sedimentos. No entanto, muitos outros fatores interferem, especialmente, a taxa de precipitação pluvial, as características físico-químicas da chuva, a parcela de evaporação, o tempo de contato água-meio físico e a formação geológica. No Semi-árido Sergipano, a principal origem dos sais dissolvidos presentes nas águas subterrâneas cloretadas sódicas é a chuva, que, carregada com diminutas quantidades de aerosois 60 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES de origem marinha e logo evaporada, vai concentrando essas substâncias no solo e nas fissuras das rochas. Assim, dependendo da taxa de renovação dessas águas armazenadas, pode-se atingir concentrações de sais próximas da água do mar, como ocorre em Poço Redondo e Porto da Folha. A geologia é o ponto de partida para a compreensão da quantidade e qualidade das águas subterrâneas. As rochas ígneas e metamórficas (aquífero fissural), conhecidas como cristalinas, apresentam baixíssima porosidade e as águas estão presentes apenas nas fissuras das rochas, com baixo índice de renovação. As rochas sedimentares e os sedimentos arenosos (aquífero granular) possuem elevada porosidade, por conseguinte, elevado índice de renovação e boas características físico-químicas das águas acumuladas nesse meio poroso. Em Sergipe, a ocorrência predominante de aquíferos granulares próximo ao litoral, correspondente a 30,9% da área estadual, e cristalinos na região interiorana condiciona a distribuição dos sólidos totais dissolvidos (STD) nas águas subterrâneas, conforme apresentado na Figura 2.5. Verifica-se uma boa correspondência entre a distribuição dos aquíferos granulares e a ocorrência de águas subterrâneas de boa qualidade (SDT inferior a 500ppm) em 43,4% da superfície estadual. Como consequência haverá também um reflexo na qualidade físico-química das águas dos mananciais superficiais pela contribuição dos mananciais subterrâneos (descarga de base) que alimenta os rios, especialmente nos períodos de estiagem. O desflorestamento é o impacto ambiental que mais afeta em longo prazo a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos, principalmente pelas dezenas de anos necessária para recompor uma pequena área e pelos altos custos financeiros associados a sua recuperação, embora sejam necessárias apenas algumas horas para um corte raso de uma boa porção de mata. ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 61 Figura 2.5 - Distribuição espacial dos aquíferos granulares e dos sólidos totais dissolvidos nas águas subterrâneas do Estado de Sergipe. Fonte: SEMARH/SRH (2008) Em Sergipe, o desafio para recompor as áreas de proteção dos mananciais superficiais (áreas de preservação permanente) e subterrâneos (áreas de recarga) é hercúleo. 62 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES No ano de 2008, o levantamento efetuado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos, através da Superintendência de Recursos Hídricos, para a bacia hidrográfica do rio Japaratuba, com 1.668,45km² (7,5% da área do Estado), mostra a dimensão do problema a enfrentar. O estudo da vegetação e uso da terra da bacia hidrográfica foi realizado através do software SPRING v. 4.2, utilizando imagens orbitais SPOT, obtidas em 12/01/2003, com resoluções espacial de 5 metros e radiométrica de 8 bits. Foram identificados apenas 11,93% de vegetação nativa, sendo: 0,12% de Apicum; 0,34% de Campos de Restinga; 0,41% de Cerrado; 1,14% de Mangue; 7,31% de Mata e 2,60% de Mata Ciliar. O levantamento concluiu que a pastagem corresponde a 51,17% da área estudada. Esta categoria de uso, quando bem manejada, proporciona uma proteção do solo durante todo ano, reduzindo a velocidade do escoamento superficial, principalmente quando comparada com outros usos, em especial com a cana-de-açúcar (9,91%), que deixa o solo exposto durante o preparo para o plantio. Entretanto, pelas observações de campo foi possível observar muitas áreas de pastagens com características de degradação, tornando o solo suscetível à ação erosiva das chuvas, diminuindo significativamente a infiltração, afetando diretamente a vazão das nascentes e causando o assoreamento que irá acentuar as inundações de áreas produtivas. Buscando avaliar as matas ciliares, conforme preconiza a Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965, que institui o Código Florestal do Brasil, o trabalho identificou 607,7 hectares dessas matas nos três principais rios da bacia hidrográfica (Japaratuba, Japaratuba Mirim e Siriri), quando era necessário um total de 2.580,2 hectares. Verificou-se também que apenas um pequeno percentual de trechos lineares desses rios estava cumprindo integralmente o estabelecido no Código Florestal. Assim, conside- ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 63 rando a legislação em vigor, os números encontrados para os trechos protegidos com matas ciliares nas calhas principais dos rios são: 4,69% do rio Japaratuba, 3,62% do rio Siriri e apenas 0,14% do rio Japaratuba Mirim. Araújo (2008), em trabalho sobre outorga e meio ambiente na bacia hidrográfica do rio Japaratuba, constataram que as condições em que se encontram os rios, lagoas e riachos que compõem esta unidade de planejamento, palco da exploração agropecuária, industrial e mineração, uma série de problemas ambientais, como o caso da exploração de argila para fábricas e olarias de tijolos e telhas, despejos de esgotos diretamente nos corpos d’água ou mesmo, através de desmatamentos, por conta da abertura das fronteiras agrícolas para o plantio da cana-de-açúcar, da exploração de petróleo e da retirada de água dos lençóis freáticos para introdução no processo industrial. Problemas de tal ordem, que são capazes de originar conflitos socioambientais, entendidos como aqueles que aparecem em confrontos de interesses imediatos, quanto àqueles que se encontram potencialmente engendrados nas relações entre os atores sociais e o meio ambiente. Conforme classificação adotada, são conflitos ligados ao uso do controle sobre os recursos naturais e em torno dos impactos ambientais. Cenário ambiental mostrado nas evidências da interferência do homem, configurado pelos diversos momentos do seu processo de antropização. Marcado principalmente pelo modelo de desenvolvimento calcado na racionalidade clássica, em que a natureza é para ser explorada e consumida para atender exclusivamente, às necessidades do homem e para auferir lucros aos empreendimentos. A problemática ambiental do rio São Francisco ressalta a interferência do homem nos recursos hídricos. Contudo, é importante assinalar a realidade local, pois em terras sergipanas o rio percorre seu último trecho, no presente totalmente artificializado em decorrência dos sucessivos barramentos realizados pelo pro- 64 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES grama energético dos governos federais de 1950-60. Essa situação tem ocasionado consequências econômicas para a população ribeirinha e para a economia sergipana, sobretudo por acarretar problemas sociais, dentre os quais, os relacionados à pesca e à erosão marginal. A aquicultura se não está em extinção, vem alcançando índices mínimos, insustentáveis para a subsistência de uma população representativa e a erosão marginal, devido à diminuição da vazão, decorrente das barragens, vem causando prejuízos até mesmo nos perímetros irrigados, com perda de terras. Os afluentes do São Francisco, na margem direita, apresentam-se com inúmeros problemas, sendo que a seguir são apresentados alguns trabalhos publicados que servem como referência para estudos de caso. A sub-bacia hidrográfica do riacho Pilões caracteriza-se pela quase total ausência de cobertura vegetal em suas encostas e em seus principais cursos d’água, inclusive da vegetação ripária, que quando presente, é representada apenas por faixas estreitas, curtas e ralas, em função do desenvolvimento inadequado de atividades comerciais como a pecuária, plantação de coqueirais, frutas tropicais e rizicultura (Bandeira et al., 2005). A sub-bacia hidrográfica do riacho Jacaré apresenta-se com grandes impactos ambientais, principalmente na sua foz, onde se localiza o maior centro urbano – Propriá, em virtude do descaso da sociedade, ao lançarem os dejetos domésticos nos corpos hídricos, além do lixo que é jogado nas proximidades e nas margens dos riachos, bem como ao ar livre. Na sub-bacia hidrográfica do riacho Jacaré encontram-se problemas de poluíção e de mau uso dos recursos naturais. Como exemplo de poluíção vê-se focos de lixo, lixões e esgotos, já quanto ao mau uso dos recursos naturais, são reconhecidos através do uso indevido da terra que, associado a retirada da cobertura vegetal ao longo dos rios – mata ciliar – e das vertentes, reflete essa alteração no assoreamento ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 65 dos corpos hídricos, com o possível comprometimento dos mesmos (AGUIAR NETTO et al., 2008). Santana et al. (2007) afirmam que os eventos extremos ocorridos em janeiro de 2004, alteraram o comportamento hidrológico de várias bacias hidrográficas da região do semi-árido sergipano, gerando vazões significativas na sub-bacia hidrográfica do rio Jacaré, trazendo como consequências inundações, destruição de estradas, cabeceiras e outras obras, ocasionando grandes prejuízos financeiros e perdas de vidas humanas no município de Poço Redondo (Figura 2.6). Esses autores concluíram que as vazões máximas de projeto calculadas e observadas são resultantes da conjugação de diversos fatores, dentre eles destacam-se os seguintes: climáticos, principalmente a intensidade das precipitações; duração, frequência e respectiva distribuição espacial; ações antrópicas, como barramentos, barragens e estradas; características fisiográficas da região; falta de manutenção e descaso dos órgãos públicos; e inconsciência e falta de educação ambiental da população e das comunidades na referidas unidades de planejamento. A bacia hidrográfica do rio Sergipe, que apresenta grande concentração populacional abrigando mais da metade da população do estado, possui, também, problemas de degradação dos recursos hídricos provocados por lançamento de efluentes, contaminação por resíduos sólidos e desmatamento (Rocha, 2006). Por volta de mil e setecentos não havia mais vestígio de Pau Brasil na imensa Floresta Atlântica que cobria toda a fimbria costeira sergipana e acompanhava o rio Sergipe até quando, depois das serrarias de Itabaiana e Ribeirópolis, os ares e as terras se tornam mais secos, e começa o domínio das plantas xerófilas. Por esse tempo, nos verões, descia pelos afluentes e chegava até o oceano a fedentina dos Caxixi dos engenhos (Alves, 2006). Nas visitas de campo na sub-bacia hidrográfica do rio Poxim, seja no Poxim- Açu (Moreira e Aguiar Netto, 2006) ou no rio Pitanga 66 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES (Aguiar Netto et al., 2006), foram levantados diversos problemas ambientais, entre os quais a extração de areia e argila, erosão no solo (ravinas ou voçorocas), a presença de barramentos nos cursos d’água, más condições das estradas vicinais, focos de resíduos sólidos no solo ou na água e ausência de vegetação, seja ciliar, nas nascentes e cursos d’água. Na área urbana dessa unidade de planejamento, de acordo com Aguiar Netto et al. (2007), os problemas se acumulam, interagem e se complicam porque ocorrem intrinsecamente relacionados ao homem. A produção de efluentes urbanos e industriais, associada à problemática do lixo e crescimento desordenado das aglomerações humanas resulta em significativo comprometimento ambiental. Figura 2.6 – Foto das cabeceiras destruídas da ponte sob o rio Jacaré, em 21 de janeiro de 2004, na sede municipal de Poço Redondo-SE, Baixo São Francisco sergipano. Fonte: Agência Notícias de Sergipe, 2004. ÁGUAS DE SERGIPE: REFLEXÕES SOBRE CENÁRIOS E LIMITAÇÕES 67 Ferreira et al. (2010) analisando o estado de convervação ambiental das nascentes do rio Poxim, observaram que nas vinte principais nascentes dos rios e tributários que compõe esta unidade de planejamento ocorrem alterações decorrentes da acelerada antropozição, sendo que na maioria delas (65%) com elevada degradação (sem raio mínimo de 50m de vegetação em seu entorno) e ocupadas indevidamente por agricultura e pastagem. É através da educação que se pode reverter essa situação, faz-se premente modificar os modelos impostos pelos países ricos que influenciaram nossas instituições educacionais para a formação de cidadãos conformados com um padrão social, econômico e ambiental falido e de uma irracionalidade consumista sem tamanho. Ressalta-se que a água não está presente no cotidiano humano apenas no estado líquido e gasoso, ela também se manifesta como insumo básico para a produção de alimentos, papel, plástico, tecido e tantos outros bens de consumo. Assim, em 2007, quando o Brasil exportou um terço de sua produção de soja para a China, pouco mais de 19.000 milhões de toneladas, transferiu virtualmente para esse país da Ásia cerca de 38 bilhões de metros cúbicos de água, ou seja, o volume total de acumulação da barragem de Sobradinho. A água que sempre foi respeitada e valorizada em todas as religiões e culturas tornou-se também símbolo de equidade social, de desenvolvimento e, cada vez mais, de poder. A crise que se aproxima não será de escassez absoluta, mas, sobretudo de distribuição, conhecimento e recursos. Certamente, pode ser superada com educação, mudanças no modelo de desenvolvimento e nos padrões de consumo. 68 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES 6 - REFERÊNCIAS AGUIAR NETTO, A. O., MACEDO, L. C., COSTA, A. M., et al. Rio Pitanga: um diagnóstico dos recursos hídricos e dos aspectos ambientais In: VIII SIMPÓSIO DE RECURSOS HÍDRICOS DO NORDESTE, 2006, Gravatá. Anais Anais... 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Desde os primórdios da humanidade o homem tem a necessidade de utilizar a terra para produzir alimentos, explorar madeira, construção de moradias e estradas etc.Com o aumento da população, tais atividades passaram a prejudicar os ecossistemas naturais, ocasionando, muitas vezes, a extinção de espécies animais e vegetais existentes nos mesmos. A riqueza de espécies é um dos parâmetros utilizados para avaliar a diversidade biológica de uma região, sendo que a espécie é representada por um conjunto de indivíduos que trocam genes entre si. Os estudos sobre a biodiversidade dos ecossistemas brasileiros tiveram início há muitos anos atrás, na época do Império e desde então vários trabalhos foram realizados na tentativa de 72 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES esclarecer a complexidade das espécies nativas e suas inter-relações, visando principalmente a sua conservação (CORDEIRO, 2008). A conservação da biodiversidade dos ecossistemas precisa ir além do impedimento dos desmatamentos, podendo ser muito rentável com atividades manejadas exercidas pelas comunidades localizadas no entorno de áreas florestais (FUNBIO, 2008). Nesse contexto existem os planos de manejo florestal, visando à exploração de produtos madeireiros e não madeireiros e a manutenção da diversidade local. Além do manejo da vegetação nativa, outras formas de preservar a biodiversidade de um ecossistema são a criação de unidades de conservação, que, de acordo com Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000), podem ser de proteção integral e de uso sustentável e a manutenção de bancos de germoplasma das espécies características da região, pois as mesmas possuem características próprias e cada uma interage de forma diferente com o meio no qual está inserida. A região Nordeste do Brasil é conhecida pela seca que assola os seus Estados, conduzindo à existência de uma vegetação típica de ambientes áridos, mas poucas pessoas conhecem a riqueza vegetal existente na região e a necessidade de preservação de seus ecossistemas, como por exemplo, a Caatinga e a Mata Atlântica. A utilização da lenha advinda de vegetação nativa ainda é uma realidade na região, já que a mesma é a principal matéria prima para produzir energia em vários processos. Sendo assim, alternativas devem ser apresentadas para que a Caatinga possa ser explorada com sustentabilidade e a Mata Atlântica preservada. O manejo da caatinga teve início nos anos noventa e de acordo com o Centro Nordestino de Informações sobre Plantas da Associação Plantas do Nordeste (2008), no ano de 2007 existiam 390 planos de manejo sustentado totalizando 300 mil hectares de área manejada. Esses planos estão distribuídos nos Estados da Bahia (8 A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 73 planos), Ceará (226 planos), Paraíba (25 planos), Pernambuco (76 planos), Piauí (45 planos) e Rio Grande do Norte (7 planos). Como pode ser observado o Estado de Sergipe, apesar de apresentar uma cobertura vegetal típica do nordeste, constituindo-se de Mata Atlântica, Agreste e Caatinga ainda não possui plano de manejo. De acordo com estudo realizado por Machado em 2007, verificouse que a maior parte da lenha consumida nas cerâmicas do Estado é proveniente da Caatinga, o que vem causando a degradação desse bioma. O código florestal (Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965) prevê, no seu artigo 19, que a exploração de florestas e formações sucessoras, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá de prévia aprovação pelo órgão estadual competente, além disso, existe a lei no 5.858, que dispõe sobre a política estadual do meio ambiente no Estado de Sergipe. Sergipe possui 5,19% do seu território com áreas decretadas como Unidade de Conservação a exemplo do Parque Nacional Serra de Itabaiana, a Reserva Biológica de Santa Isabel, a Floresta Nacional do Ibura, o Monumento Natural Grota do Angico, o Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco, a RPPN Fonte da Bica, a RPPN Bom Jardim e Tapera, a RPPN Marinheiro e Pedra da Urca, a APA Foz do Rio Vaza-Barris, a APA Litoral Sul do Estado de Sergipe e a APA Morro do Urubu. As unidades de conservação constituem uma eficiente ferramenta para conservação das florestas, assim como estudos sobre a genética das populações nativas e a manutenção de um banco de germoplasma estadual dessas populações. Apesar da carência de informações em Sergipe, no Brasil como um todo, tem se observado a exploração indiscriminada dos seus recursos. A maneira puramente exploratória como essa ação vem ocorrendo tem contribuído desfavoravelmente para a manutenção desses ecossistemas, sendo eminente a necessidade de con- 74 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES servação dos mesmos, além da recuperação das áreas já devastadas. Entre as áreas mais necessitadas de medidas urgentes de recuperação estão as matas ciliares, pois devido à sua localização, que favorece uma maior fertilidade do solo, estas são preferidas para a exploração agrícola, o que prejudica grandemente a qualidade da água dos rios, além de acentuar o risco de erosão das suas margens que contribui para o assoreamento destes. No Estado de Sergipe esse fato é evidenciado no Baixo São Francisco, onde as áreas encontram-se altamente impactadas, devido à retirada de espécies sem nenhum plano de manejo prévio, o que pode acarretar a extinção de algumas espécies de grande importância para o ecossistema. Observa-se uma situação preocupante nessa área, uma vez que vários recursos da fauna e flora vêm sendo vastamente perdidos, aumentando assim, a lista de espécies com risco de extinção. Dessa forma, se justifica o real interesse em se buscar alternativas de conservação e recuperação desses ecossistemas, de forma eficaz e no menor tempo possível. Os ecossistemas, com uma grande diversidade de formas de vidas, são sustentados por uma interação complexa de plantas e animais (WILSON, 1997). Sendo assim, a biodiversidade pode ser considerada como todas as formas de vida, incluindo os genes contidos em cada indivíduo e suas interações. A diversidade genética permitiu a adaptação de vida em diversos pontos do planeta, mas nos trópicos, onde as plantas florescem com mais intensidade, a diversidade é maior (WWF, 2008). Com a necessidade premente da conservação, manejo e recuperação dos fragmentos, principalmente no Estado de Sergipe, é imprescindível que os conceitos teóricos básicos dos ecossistemas tropicais sejam tratados, para a construção de estratégias para essas ações. Para análise da estrutura da população, julga- A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 75 se fundamental a junção de conceitos da ecologia de populações e da genética de populações de forma a orientar as ações a serem efetuadas e definir parâmetros adequados para o monitoramento das mesmas (KAGEYAMA e GANDARA, 1998). Em função da alta riqueza de espécies arbóreas da maioria das florestas tropicais, frequentemente com 100 a 400 diferentes espécies por ha, é importante que se defina quais espécies devem ser consideradas, tomando suas populações como referências. Se de fato, se quer a sustentabilidade desses fragmentos, além do aspecto demográfico das espécies, deve-se acrescentar também a genética de suas populações, já que nem sempre um grande número de indivíduos identifica uma população normal, ou geneticamente viável (KAGEYAMA, 1998). Portanto, para que os planos de manejo sejam implantados no Estado existe a necessidade de realização de estudos que identifiquem a diversidade existente entre indivíduos das populações remanescentes e que ainda se associem dados sobre o ciclo de corte da vegetação, assim como uma política florestal, enfatizando a necessidade de realização de manejo para exploração da vegetação da Caatinga. 2 - O B AIXO CURSO DO RIO SÃO FRANCISCO E AS AÇÕES DE REVITALIZAÇÃO As florestas tropicais abrigam altos níveis de biodiversidade, sendo um dos ecossistemas mais ricos do mundo. Ao mesmo tempo, tais ecossistemas sofrem um alto grau de desmatamento em um tempo relativamente pequeno, causando efeitos e consequências desastrosas nessas regiões, como o aumento da taxa de extinção de espécies. Dessa maneira, a manutenção da biodiversidade é um dos maiores desafios (LUCA, 2002; LACERDA e KAGEYAMA, 2003). 76 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES As florestas tropicais são as mais procuradas para diversos estudos por apresentarem grande quantidade de espécies endêmicas e por diversas características importantes ligadas aos aspectos econômicos e medicinais, como também ambientais. Por serem úteis ao homem, ações de degradação estão intimamente ligadas a essas áreas. Com o aumento da fragmentação florestal ao longo dos anos, o conhecimento sobre a diversidade genética de espécies arbóreas vem aumentando, a fim de promover ações conservacionistas nas florestas tropicais. A conservação e o manejo da biodiversidade nos ecossistemas naturais em processos de fragmentação, e a restauração de ecossistemas fragmentados são desafios complexos que requerem conhecimento fundamental sobre fitossociologia, dinâmica, biologia reprodutiva e a estrutura genética de suas populações. Logo, informações sobre os níveis de variabilidade genética entre e dentro de populações são fundamentais para o delineamento de estratégias apropriadas de conservação “in situ” e “ex situ” (OLIVEIRA, 2002). Desse modo, os estudos relacionados à estrutura fitossociológica e tamanho das populações em fragmentos florestais permitem o estabelecimento de inferências a respeito da composição e das estruturas originais do início da sucessão secundária. Em se tratando de matas ciliares, a importância desses estudos aumenta com a crescente pressão causada por impactos em cursos d’água e suas margens (MEIRA NETO et al., 2003). Sergipe está entre os Estados que sofreram grandes devastações de suas matas ciliares, causado pela pressão de urbanização, necessidade por recursos para consumo, bem como para aumentar a renda econômica da região. Dessa forma, algumas espécies já não apresentam ocorrência em determinados lugares, ou quando apresentam, os números são reduzidos, ocasionando a erosão e o estreitamento da base genética. A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 77 Em áreas fragmentadas, devido, principalmente, às ações antrópicas, a diversidade genética entre e dentro das populações naturais tende a diminuir, promovendo, consequentemente, a extinção das espécies na área. O conhecimento da diversidade genética é de extrema importância, pois auxilia em planos de recuperação de áreas degradadas a fim de promover a sustentabilidade ambiental. Nesse aspecto, para que um programa de recuperação de áreas degradadas tenha sucesso, uma das etapas mais importantes é a escolha das matrizes porta-semente, que é algo determinante em programas de restauração. Essas matrizes devem apresentar a diversidade genética necessária para promover a sustentabilidade da área. As estratégias de restauração estão relacionadas aos padrões de comportamento que irão refletir diretamente na composição, distribuição, densidade e quantidade de indivíduos de uma floresta. No manejo das florestas nativas a composição, a estrutura e a dinâmica podem ser alteradas em função das estratégias de estabelecimento, uma vez que as mudanças provocadas podem favorecer as espécies de estabelecimentos distintos (PIÑARODRIGUES et al., 1990). Sendo assim, o reflorestamento de grandes áreas torna-se cada dia mais necessário, devido à baixa reposição, alta demanda por produtos e subprodutos, e da extinção de grandes populações florestais (Pinto et al., 2002). Para a efetiva recuperação de fragmentos não auto-sustentáveis, implantados ou não, é necessária a interrupção dos eventos que contribuem para sua degradação e adoção de manejos adequados à situação de cada área (LUCA, 2002). Dentro desta perspectiva, a Bacia do Rio São Francisco passa a ser uma das áreas prioritárias para estes estudos, principalmente pelas ações de revitalização. Esta Bacia passa por cinco Estados (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe), 78 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES com 2.624km de extensão, e 631.666 Km², é o maior rio genuinamente brasileiro, assim considerado porque da nascente à foz banha terras do Brasil. Seu clima é considerado semi-úmido apresentando cinco meses de estiagem (Ledo, 2006; Igam, 2007). O Baixo São Francisco tem uma área de 19.987,97 Km², sendo o valor em porcentagem em torno de 3,14% e os Estados que fazem parte deste trecho são, Sergipe, Alagoas e Pernambuco (ANA, 2003) (Figura 3.1). Figura 3.1 - Divisão fisiográfica da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Fonte: ANA (2003). A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 79 As condições pluviométricas, no baixo curso do São Francisco, diferem das constatadas no médio e alto curso. No baixo vale os meses mais chuvosos são, geralmente, os de maio, junho e julho. O período de estiagem perdura de setembro a fevereiro, sendo outubro o mês menos chuvoso. É navegável em seus trechos Médio e Baixo, sendo o Médio São Francisco compreendido entre Pirapora-MG e Petrolina-PE / Juazeiro-BA e o Baixo entre Piranhas-AL e a Foz, que se localiza entre Sergipe e Alagoas. Tem declividade média de 8,8 cm/km. Sua vazão média na Foz é 2.943 m3/s e a velocidade Média de Corrente é de 0,8 m/s (entre Pirapora - MG e Juazeiro - BA) (AHRSF, 2007). No curso do rio São Francisco há transformações significativas, ocasionada pelas barragens e usinas hidroelétricas, com reflexos diretos na vegetação, vida animal e o regime das águas. No Baixo São Francisco, as sucessivas barragens provocam um processo quase irreversível de assoreamento, diminuição da correnteza natural e a dinâmica do rio. Além disso, há a extinção de lagoas e várzeas naturais onde ocorria a reprodução e captura dos peixes, alterando o uso da terra o que ameaça a sobrevivência de espécies naturais e da própria população local (RADICCHI, 2001). Outra maneira de devastação e um dos principais fatores causadores dessa alteração das margens do rio, envolve a prática das populações ribeirinhas na produção de carvão vegetal, que é feita de forma clandestina. Outra forma de desmatamento, comum nesse local, é a prática da agricultura de subsistência. A ocorrência desse tipo de ações promovidas pelas populações do entorno são devido aos parâmetros como: o longo período de seca, o baixo poder aquisitivo e a falta de instrução dos agricultores (SILVA et al. 2006). O processo de resgate do rio passa impreterivelmente pela reconstituição física e ambiental e reordenamento físico, biológico, socioeconômico e logístico, que deve estar alicerçado na re- 80 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES composição das matas ciliares, estabilização dos taludes marginais, regularização efetiva das vazões e fixação do talvegue natural e original do rio São Francisco (CARREIRA, 2007). A importância do estudo da diversidade de espécies arbóreas em programas de restauração dos ecossistemas nessas áreas degradadas do Rio São Francisco vem se consolidando ao longo dos anos. Esses estudos são de grande importância, já que promovem inferências quanto à escolha de indivíduos que funcionem como matrizes fornecedoras de sementes assim como na forma de dispor as mudas dessas espécies no campo. A escolha de matrizes para coleta de sementes está dentro do plano de restauração florestal, porém, a maior dificuldade em qualquer viveiro florestal que produz muda para programas de restauração é a obtenção de sementes com diversidade genética desejada. É muito comum o uso de poucas árvores matrizes, as vezes uma só, que geralmente são de arborização urbana e sem origem conhecida e que esteja no ambiente em questão. Isso acarreta problemas genéticos, que podem afetar a sustentabilidade da futura vegetação (MOREIRA e ANANIAS, 2005). Nesse sentido, existem algumas regras básicas para fornecimento de sementes, tais como seleção de áreas de coleta, número de árvores mínimo para a formação de lotes de sementes e limite geográfico de utilização de uma fonte de sementes, sendo estes fatores essenciais para que as áreas restauradas representem de fato as espécies da região e que mantenha a representatividade genética dentro de cada espécie (KAGEYAMA e GANDARA, 2000). Nas últimas décadas têm-se intensificado os estudos genéticos em populações de espécies arbóreas em florestas tropicais, com amostragens adequadas, tanto entre populações como dentro das mesmas. Esse acúmulo de dados vem apontando algumas direções importantes para se tomar como referência para ações de minimização dos impactos ambientais nos ecossiste- A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 81 mas os quais as populações estão inseridas (Kageyama et al., 1998). O estudo da variação genética em plantas obteve grande avanço com a técnica da eletroforese em gel (LUCA, 2002). A utilização de marcadores genéticos em diferentes grupos sucessionais, em ecossistemas semelhantes, pode permitir avanços no entendimento genético das populações naturais de espécies arbóreas, bem como auxiliar na construção de estratégias de monitoramento, visando às ações na floresta tropical (manejo, restauração de áreas degradadas, corredores de fluxo gênico, tamanho mínimos de reservas e número de matrizes para a coleta de sementes) (KAGEYAMA et al., 2003b). Sendo assim, torna-se necessário o desenvolvimento de estudos de genética populacional das espécies que compõem tais ecossistemas, para que sejam estabelecidas estratégias, que contribuam para a conservação “in situ”. Ainda, o conhecimento genético auxilia na tomada de decisões de manejo sustentado e na formação de áreas de coleta de sementes visando à recuperação de áreas degradadas (PINTO et al, 2004), pois essa recuperação requer uma abordagem que envolva não somente os aspectos demográficos e ecológicos, mas também a genética de populações (CONTE, 2004). 3 - FERRAMENTAS EMPREGADAS NA CARACTERIZAÇÃO DA DIVERSIDADE E NO MANEJO DE ESPÉCIES NATIVAS EM SERGIPE Os marcadores utilizados atualmente para a diferenciação de espécies podem ser morfológicos ou moleculares. Um marcador morfológico é um fenótipo de fácil identificação, normalmente determinado por um único alelo, valendo ressaltar que, para ser um marcador, é necessário que ele esteja intimamente ligado a um gene de interesse. A grande limitação do marcador morfológico é a sua ocorrência em número reduzido e, consequentemente, não 82 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES ser suficiente para marcar alelos de interesse de vários genes da espécie (RAMALHO et al., 2000). Em relação aos marcadores moleculares estes têm sido usados com sucesso na análise genética de plantas e na caracterização da variabilidade contida em bancos de germoplasma. Como marcador molecular define-se todo e qualquer fenótipo molecular oriundo de um gene expresso, de um segmento específico de DNA (correspondentemente a regiões expressas ou não do genoma). Diversas técnicas de biologia molecular estão hoje disponíveis para detecção de variabilidade genética ao nível de seqüência de DNA para a detecção de polimorfismo genético. Essas técnicas permitem a obtenção de um número virtualmente ilimitado de marcadores moleculares cobrindo todo o genoma do organismo. Tais marcadores podem ser utilizados para as mais diversas aplicações, tanto no estudo de genética como na prática de melhoramento de plantas (BORBA, 2006). O delineamento de estratégias para a conservação de uma espécie passa pelo entendimento de sua forma de reprodução, distribuição da diversidade genética entre e dentro de populações, níveis de diversidade intrapopulacional, tamanho efetivo e distribuição espacial dos genótipos (KAGEYAMA et al., 2003a). Os estudos genéticos em populações naturais de espécies arbóreas tropicais, baseados em marcadores genéticos, iniciaramse na Malásia (GAN et al., 1981), porém tiveram grande avanço nas florestas Neotropicais do Panamá (Hamrick e Loveless, 1986), da Costa Rica (BAWA E O’ MALLEY, 1987) e do Brasil (HERRIITT, 1991; MORAES, 1993; PAIVA et al., 1994). Os marcadores genéticos apresentam diversas aplicações na conservação genética dos recursos florestais, por meio da mensuração da diversidade genética, estimativa da taxa de fluxo gênico ou migração, caracterização do sistema de reprodução, análise de paternidade, avaliação da eficiência do pomar de sementes, estudos filogenéticos e taxonômicos, podendo ser A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 83 mensuradas diferenças genéticas em populações naturais e manejadas (GLAUBTIZ e MORAN, 2000). O DNA tem diversas aplicações que incluem a obtenção de “digitais” genômicos de indivíduos, variedades, populações; além de possibilitar a análise da estrutura e diversidade genética em populações naturais, populações de melhoramento, bancos de germoplasma, bem como no estabelecimento de relacionamentos filogenéticos entre espécies, na construção de mapas genéticos de alta cobertura genômica e na localização de genes de interesse econômico (FERREIRA e GRATTAPAGLIA, 1998). Dentre as diversas tecnologias utilizadas para obtenção da estrutura genética de indivíduos e populações por meio de DNA, a técnica de RAPD é a que mais tem sido usada em Sergipe, devido à relativa simplicidade, pois não requer equipamentos muito sofisticados, o que se ajusta perfeitamente à realidade atual da UFS. Esse marcador trouxe uma verdadeira “democratização” da análise genética em espécies contempladas na área agrícola e florestal (Ferreira e Grattapaglia, 1998). A técnica consiste na amplificação ao acaso de fragmentos de DNA em um único oligonucleotídeo de seqüência arbitrária, que irá traduzir-se na síntese final de vários segmentos de DNA de diferentes tamanhos, onde é possível detectar polimorfismos na sequência do DNA que podem ser usados como marcadores genéticos, medindo a similaridade entre indivíduos dentro de populações (WILLIAMS et al., 1990). A amostragem de espécies-modelo de diferentes grupos sucessionais, em ecossistemas semelhantes utilizando os marcadores genéticos como o RAPD, pode permitir avanços no entendimento genético das populações naturais de espécies arbóreas e essas informações são incipientes na literatura (KAGEYAMA et al., 2003b). Como exemplo da eficiência desse método, pode-se citar o trabalho de Salla et al. (2002), onde os marcadores moleculares foram adotados na análise de variabilidade genética em acerola 84 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES (Malpighia emarginata D.C..), sendo utilizado 24 acessos dessa espécie, pertencente ao Banco Ativo de Germoplasma da Universidade Federal de Londrina, onde foram analisados utilizando marcadores RAPD (Random Amplified Polymorphic DNA) e obtidos com iniciadores (primers) de sequência simples repetidas (SSRs). Um total de 164 e 73 marcadores foram obtidos com primers de RAPD e SSR. Os marcadores obtidos foram analisados, usando o método de agrupamentos UPGMA. A análise comparativa dos dendrogramas gerados com os primers de RAPD e com os primers SSR mostrou que, enquanto alguns acessos se associaram em grupos diferentes, outros apresentaram a mesma associação. Entretanto, o maior polimorfismo entre acessos foi detectado com os primers de RAPD. A análise dos resultados revelou a alta variabilidade contida na coleção, permitindo associar o grau de similaridade genética, obtido por marcadores de DNA, com caracteres morfológicos compartilhados entre os acessos. 4 - ESTUDOS DA BIODIVERSIDADE DA FLORA E ESTRATÉGIAS DE CONSERVAÇÃO NO ESTADO DE SERGIPE 4.1 - Diversidade genética de Enterolobium contortisiliquum (Vell.) Morong. no baixo São Francisco sergipano por meio de marcadores RAPD 1 A espécie Enterolobium contortisiliquum (Vell.) Morong., Leguminosae-Mimosoideae, vulgarmente conhecida como tamboril, é decídua, heliófita, seletiva higrófita, dispersa em várias formações florestais. Pode ser utilizada na arborização urbana e na re- 1 Parte do trabalho de conclusão de curso de Geórgea da Cruz Santana A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 85 cuperação de áreas degradadas (LORENZI, 1998). Quanto à sua classificação no estádio sucessional é considerada, de acordo com Oliveira Filho et al. (1995), uma espécie pertencente ao grupo ecológico clímax exigente em luz e é encontrada, frequentemente, colonizando áreas desmatadas, em clareiras e borda da mata. Em trabalho realizado por Santana (2006) empregando marcadores moleculares RAPD, a diversidade genética de indivíduos de Enterolobium contortisiliquum, localizados em área de mata ciliar na região do Baixo São Francisco sergipano, foi analisada visando à definição de estratégias para a coleta de sementes e produção de mudas para serem utilizadas em programas de recuperação de matas ciliares na região. No mapa de localização dos indivíduos de E. contortisiliquum, estes apresentam-se concentrados em dois grupos, distantes 2,125km entre si. O número reduzido de indivíduos dessa espécie em uma extensão de mata ciliar de 100ha, juntamente com a proximidade existente entre alguns dos indivíduos remanescentes, consolida a necessidade de estudos genéticos urgentes, a fim de avaliar a diversidade genética dos mesmos e definir estratégias para a manutenção da sustentabilidade na área. Deve-se considerar que quanto maior for o grau de parentesco dentro de pequenos agrupamentos de indivíduos de uma determinada população, maior poderá ser a endogamia nas progênies (MORAES et al., 2005). Na análise de RAPD, dos 20 oligonucleotídeos utilizados, 19 geraram 71 produtos de amplificação, sendo que a porcentagem de polimorfismo variou de 0% a 83,3%, com média de 45,7%. O valor médio de similaridade genética observado na análise de matrizes de E. contortisiliquum foi de 37,68%, sendo que os valores variaram de 15% a 67%. A partir desses resultados, observa-se que, a depender das características da espécie (fenologia, mecanismos de dispersão 86 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES vegetal etc), a recomendação da distância mínima entre matrizes não precisa ser rigorosamente seguida. Como também é importante ter-se em mente que, mesmo utilizando esta estratégia, as sementes coletadas podem reter algum grau de endogamia biparental se os cruzamentos ocorrerem dentro das vizinhanças das árvores maternas (GUSSON et al., 2005). Esses resultados permitem inferir sobre a diversidade genética entre e dentro de grupos de indivíduos. Possivelmente, no estabelecimento dessas populações, pólen ou sementes foram dispersos a uma distância que permitisse abranger áreas dos grupos 1 e 2, fato este comprovado pela relativa proximidade genética dos indivíduos 4 e 5 (grupo 2) com os indivíduos 1, 2 e 3 (grupo 1), o que pode-se traduzir em fluxo gênico. No entanto, diversos autores assinalam o fato de que nem sempre as distâncias de dispersão de pólen ou sementes refletem diretamente o fluxo gênico efetivo, sendo necessária a utilização de marcadores genéticos para efetivamente estimarem-se intercruzamentos e movimentos de genes por meio de sementes (MARTINS, 1987). A estrutura genética espacial, à semelhança da estudada neste trabalho com E. cortortisiliquum, é importante tanto para a conservação e manejo, como para fins de melhoramento, possibilitando a formação de amostras mais significativas com certa diversidade em populações naturais de plantas, colaborando, assim, com a sustentabilidade dos recursos genéticos (Lacerda e KAGEYAMA, 2003). A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 87 4.2 - Diversidade Genética de Schinus Terebinthifolius Raddi, no baixo São Francisco sergipano 2 A crescente exploração dos recursos naturais tem levado a perda de muitas espécies, sem antes tê-las estudado ou mesmo tomado conhecimento de sua existência. Dentre elas se destaca a espécie Schinus terebinthifolius Raddi, Anacardiaceae, dióica, pertencente ao grupo das pioneiras e espécie nativa do Brasil. É popularmente conhecida como aroeira-vermelha, aroeira-pimenteira, pimenta brasileira e pimenta-rosa. No Brasil, há uma ampla distribuição geográfica e grande plasticidade ecológica, de ocorrência natural desde Pernambuco até o Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, em várias formações vegetais (LENZI e ORTH, 2004). O consumo dos frutos de aroeira na indústria de condimentos vem crescendo cada vez mais, na região do Baixo Rio São Francisco, esse fato é comprovado pelo extrativismo realizado pelas comunidades locais como fonte alternativa de renda (GOMES et al., 2005), o que vem provocando uma perda acentuada da diversidade genética intraespecífica na região. Assim, visando em longo prazo contribuir para a sustentabilidade de áreas em processo de recuperação na Região do Baixo São Francisco, Carvalho (2006) realizou um estudo para comparar a diversidade genética de duas populações de Schinus terebinthifolius Raddi., buscando a definição de estratégias de coleta de sementes e conservação de germoplasma que permita a sustentabilidade da área recuperada. 2 Parte do trabalho de conclusão de curso de Sheila Valéria Álvares Carvalho. 88 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES O estudo da variabilidade genética de S. terebinthifolius Raddi. (St) foi realizado empregando-se duas gerações. A primeira geração foi identificada como G1, localizada no Campus da Universidade Federal de Sergipe, no município de São Cristóvão-SE e suas progênies, G2, obtidas de sementes da geração G1 e da Floresta Nacional do Ibura (I), localizada em área de recuperação na Fazenda Mãe Natureza, município de Santana do São Francisco-SE. A primeira geração (G1) foi constituída por 14 indivíduos usados na análise. A segunda geração (G2) foi constituída por 44 indivíduos jovens com 3 anos, localizados na Fazenda Mãe Natureza, município de Santana do São Francisco-SE situado a 10°18’56’’S e 36°52’58’’W. Foram coletados materiais genéticos de 17 indivíduos da geração G2 que foram empregados para a análise da diversidade genética. Os indivíduos de S. terebinthifolius (St) da geração G1 apresentaram altura média de 8,09m, variando de 5,0m a 11,25m, CAP médio de 106,90cm, variando de 44,3cm a 226,0cm e área da copa média de 94,75m2, variando de 49,20m2 a 190,18m2 . Os indivíduos da geração G2, devido ao estado juvenil, apresentaram-se com altura média de 2,75m, variando de 0,74 a 4,00m, diâmetro médio da base de 78,66mm, variando de 28,0 a 177mm, a área de copa teve como média 9m2, apresentando uma variação de 1,1 a 16,34 m2 e todos os indivíduos apresentaram 1a ramificação na base. Para os produtos de amplificação de RAPD da geração G1 obteve-se 62 bandas monomórficas e 87 bandas polimórficas, que foram utilizadas para construção das matrizes usadas para cálculo das similaridades genéticas. Os valores de similaridade genética variaram de 33 a 68%, sendo a média igual a 43,63%, o que demonstra uma baixa proximidade genética entre as matrizes. Os indivíduos G1St6 e G1St14 mesmo apresentando certa proximidade (30m) apresentam uma menor similaridade genética de 41% quando comparadas às mais distantes G1St1 e G1St8 (1125m) A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 89 e similaridade de 46%. A distância mínima recomendada para coleta de sementes sugerida por Kageyama & Gandara (1999) é de 50 a 100 m. No entanto, quando se trabalha em áreas extremamente fragmentadas, ou com poucas matrizes por área, essa distância nem sempre é observada como padrão. Assim, existe uma grande carência em quantidade de sementes, o que inviabilizaria esta coleta. Diante dos resultados, percebe-se a importância de se obter dados de diversidade genética, mesmo trabalhando próximos, uma vez que se fosse seguido o critério de distância, indivíduos com baixa similaridade genética seriam excluídos da coleta de sementes. Comparando-se valores de similaridade entre as populações G1 e G2, observou-se uma alta similaridade de 83% entre as matrizes G2St3 e G2St4, ambas da geração G2, implantadas na Fazenda Mãe Natureza e uma menor similaridade de 22% entre os indivíduos G1St1 e G2St16, pertencentes a ambas as populações, tendo como média geral 47,59%. Diante da análise do dendrograma entre as duas gerações e, considerando-se um corte feito a 45% de similaridade, observa-se a formação de dois grupos, sendo um formado pela geração G1 e outro pela geração G2. Assim, esta avaliação claramente distingue indivíduos da geração G1 da geração G2, o que vem de encontro ao entendimento do sistema reprodutivo dos indivíduos em questão, que é de alogamia. Tal fato corrobora uma avaliação positiva sobre as estratégias empregadas no estabelecimento destas duas populações e, ainda, permite inferir sobre a grande diversidade intra e interpopulacional. 90 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES 4.3 - Variabilidade genética de indivíduos de jenipapo ( Genipa americana L.) no baixo São Francisco Sergipano 3 A espécie Genipa americana L. apresenta importância econômica e seus frutos são explorados no Estado de Sergipe, principalmente para comercialização e consumo in natura. A região do Baixo Curso do Rio São Francisco sergipano possui um alto grau de devastação ao longo do seu curso d’água, o que promove a perda de indivíduos e, consequentemente, perdas por erosão genética. Os impactos ocasionados nessa área podem ser atribuídos às populações ribeirinhas, que utilizam as espécies da região, as quais têm grande importância para a complementação da renda familiar. Esta utilização não apresenta um manejo que promova a sustentabilidade do ecossistema, sendo em sua maioria predatória e sem caráter de conservação. As informações sobre a espécie Genipa americana são generalizadas e estudos científicos escassos, principalmente relacionados à diversidade genética de populações naturais envolvendo a recuperação de áreas degradadas. Santos (2008) a fim de auxiliar planos de recuperação de áreas degradadas e contribuir cientificamente analisou a diversidade genética de 18 indivíduos de jenipapo (Genipa americana L.) procedentes de uma população natural em trecho do baixo curso do Rio São Francisco sergipano, visando à coleta de sementes para fins de programas de recuperação de mata ciliar. 3 Parte do trabalho de conclusão de curso de Allívia Rouse Ferreira dos Santos. A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 91 Em um universo de 57 indivíduos existentes no trecho de mata ciliar entre a cidade de Neópolis e Santana de São Francisco (SE), foram selecionados 18 com melhores características dendrológicas de altura e DAP (Diâmetro a Altura do Peito a 1,30m). De acordo com o mapa de localização dos indivíduos de G. americana selecionados, os mais distantes apresentam em torno de 7.047,65m e as mais próximas 9,59m. As distâncias entre os mesmos e sua disposição é muito importante, pois reflete diretamente no cruzamento e na escolha dos indivíduos como portasementes e posteriormente no entendimento da dinâmica no ambiente. O estudo em trechos fragmentados onde existem indivíduos remanescentes consolida a necessidade de estudos genéticos urgentes, a fim de avaliar a diversidade genética e definir estratégias para a manutenção da sustentabilidade na área, pois quanto maior for o grau de parentesco dentro de pequenos agrupamentos de indivíduos de uma determinada população, maior poderá ser a endogamia nas progênies. Na literatura indica-se que a distância mínima entre matrizes deve ser de 50 metros (Moraes et al., 2005). No trecho, para a espécie de jenipapo a maioria dos indivíduos que compõem sua população, está distante entre si acima de 50 metros, assim observando apenas a distância proposta na literatura para coleta de sementes, sugere-se que os mesmos possam ser utilizadas para coleta de sementes. Estes mesmos genótipos apresentaram alto grau de polimorfismo por marcadores RAPD, indicando a eficiência deste marcador para inferir sobre a diversidade encontrada nesta população. A mesma constatação foi observada por Assunção (2004) em Cedrela fissilis em um fragmento florestal chamado mata do galego empregando marcador RAPD para caracterização da diversidade genética. 92 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES A partir dos 74 fragmentos obtidos de 12 oligonucleotídeos utilizados na amplificação por meio de RAPD, a matriz de similaridade genética de Jaccard, permitiu a identificação de distância genética média das 153 estimativas obtidas de 61,13%. Com base no cálculo do Sgm (82,67), as menores distâncias obtidas foram de 83%±0,04, para genótipos posicionados a 439,71m e a maior de 34%±0,05, entre indivíduos posicionados a 5.381,24m. Assunção (2004) ressalta que as menores distâncias genéticas estão associadas aos genótipos mais semelhantes e as maiores aos mais divergentes. 61% dos genótipos foram agrupados em um mesmo grupo, o que permite inferir que, embora divergentes, os indivíduos apresentam certo parentesco. Isto, em parte pode ser possível, em consequência do processo de fragmentação que as florestas vêm sofrendo durante décadas, ocasionando cruzamentos entre indivíduos aparentados, fato também constatado por Assunção (2004). A análise de agrupamento foi realizada com o objetivo de verificar o poder de discriminação dos marcadores RAPD. Os resultados sugerem que tal discriminação foi bastante diferenciada, uma vez que os grupos incluíram números distintos de genótipos, conforme sugerido por Estopa (2003). Vencovsky (1987) apud Botrel e Carvalho (2004) afirma que, para a maximização das atividades de coleta de sementes, é importante ter informações a respeito da representatividade genética das matrizes da população. Essas informações auxiliam na definição de estratégias, já que por consequência dos diversos fatores que modificam o ecossistema, nas áreas de vegetação remanescente, há alterações no processo ecológico e genético das espécies que ali ocorrem (Estopa et al., 2006). Moraes et al. (2005) estudando a diversidade genética entre duas populações naturais de Myracrodruon urundeuva verificou por meio dos resultados obtidos que, para fins de amostragem, A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 93 tanto para o melhoramento quando para a conservação genética das populações estudadas, a estruturação detectada na população mostra a necessidade de se coletarem sementes em árvores distanciadas entre si por mais de 5.200m. Diferente da observação de Moraes et al. (2005) quanto à distância mínima de 50 metros, e dos resultados obtidos para a espécie de M. urundeuva, para o Baixo São Francisco Sergipano isso não ocorre para a espécie de jenipapo, pois apesar das espécies estarem próximas entre si, a coleta de sementes para produção de mudas em programas de restauração pode ser efetuada, não comprometendo a diversidade genética das mudas formadas por essas sementes, por haver variância genética entre os indivíduos, podendo ser escolhidas como matrizes porta-sementes. Como foram avaliados 31% da população de jenipapo, nota-se a partir dos resultados que os indivíduos são divergentes geneticamente, assim a população provavelmente apresenta variabilidade entre os indivíduos. Com esses dados de Santos (2008), pode concluir que os indivíduos podem ser utilizados como matrizes fornecedoras de sementes para produção de mudas na recuperação de áreas degradadas. Como estratégias de coleta de sementes, em função da presença de indivíduos semelhantes na população florestal em estudo, a depender da época e da quantidade de indivíduos em frutificação, deve-se suprimir os indivíduos posicionados a 439,71m, a fim de promover a maior variabilidade genética entre as sementes que formarão as mudas e assim compor o ambiente degradado. Estudos desse âmbito são muito importantes para conhecimento das características da vegetação existente na região de Sergipe. Já que, há pouco tempo, estão sendo desenvolvidos trabalhos na caracterização da variabilidade genética de indivíduos em populações naturais no Estado que visam ações ambientais de recuperação de áreas degradadas. 94 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Para a espécie de jenipapo, esse estudo teve grande importância para mensuração da diversidade genética existente, uma vez que apesar de ter 57 indivíduos na região, eles podem ser suprimidos pela intensa exploração de argila para cerâmica e também exploração imobiliária na região. Essa supressão pode levar ao desaparecimento de alelos que a longo prazo pode comprometer o futuro da população. 4.4 - Diversidade genética em matrizes de Cassia grandis Leg. Caesalpinoideae 4 Dentre as estratégias de conservação de germoplasma tem-se a conservação de sementes. O fator mais relevante para a manutenção da viabilidade e da longevidade das sementes armazenadas é o binômio, temperatura de armazenamento e conteúdo de unidade da semente, sendo o teor de umidade de maior importância (JUSTICE & BASS, 1978). Segundo Harrington (1972), para cada 1% de aumento no teor de umidade da semente, a longevidade é reduzida pela metade, considerando-se o intervalo de 5% a 14%. Para a maioria das espécies, que possuem sementes ortodoxas, quanto menor o teor de umidade das sementes (entre 3% e 7%), maior será a sua longevidade durante o armazenamento. Com relação à temperatura, para cada 5ºC de aumento, a longevidade é reduzida pela metade, no intervalo de 0ºC a 50ºC, em razão de uma maior atividade respiratória. A qualidade fisiológica das sementes é influenciada em toda a sua vida desde a fertilização até o momento da semeadura. Em ordem cronológica, os principais fatores que afetam a qualidade são: indivíduo, condições ambientais durante o desenvolvimento 4 Parte do trabalho de conclusão de curso de Heloisa Oliveira dos Santos. A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 95 das sementes, posição da semente na planta mãe, época e técnicas de colheita, condições de armazenamento e tratamentos présemeadura. Portanto, a qualidade fisiológica é adquirida durante os processos de desenvolvimento e pode ser perdida por processos deteriorativos, que podem iniciar ainda nessa fase. A qualidade de sementes é avaliada levando em consideração dois parâmetros fundamentais que são viabilidade e vigor. Por definição, viabilidade é a habilidade das sementes de germinarem sobre condições favoráveis, desde que qualquer tipo de dormência, seja removida antes do teste de germinação (OLIVEIRA, 2000). Quando as sementes deterioram, elas perdem vigor progressivamente, apresentando redução na velocidade e uniformidade de emergência, menor resistência a condições adversas, decréscimo na proporção de plântulas normais e, finalmente, perdem a viabilidade ou capacidade de germinar (SANTOS, 2006). Essa qualidade, por vezes é influenciada pela dormência, que pelo conceito atual, o fenômeno é tido como um recurso pelo qual a natureza distribui a germinação no tempo (CARVALHO & NAKAGAWA, 2000; BEWLEY, 1997). A dormência tem sido sugerida ser controlada por vários genes, e, portanto, sendo uma característica quantitativa, o que contribui para a ocorrência de fenótipos intermediários, o que ecologicamente tem o papel anteriormente citado, de distribuir a germinação no tempo. No entanto, sob o ponto de vista da tecnologia de sementes e para a produção de mudas, pode levar a perdas na semeadura, comprometendo toda a implantação florestal. Para que se tenha uma boa produção de mudas de espécies florestais, é necessário que cada semente possa resultar em uma muda vigorosa. Sendo assim, o número de sementes mortas, com germinação lenta ou dormentes, deve ser considerado antes da semeadura. Isto é especialmente desejado quando se utiliza uma única semente em cada recipiente, pois cada semente não germi- 96 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES nada resultará em perda econômica (SIMAK, BERGSTEN & HENRIKSSON, 1989). O armazenamento tem por objetivo conservar as sementes, preservando suas qualidades físicas, fisiológicas e sanitárias, para posterior semeadura e obtenção de plantas sadias após a germinação (UFSM, 2006). As sementes de várias espécies podem ser armazenadas por longos períodos sem tratamento, como muitas leguminosas pioneiras, mas outras necessitam preparação para o armazenamento e condições ambientais especiais. Assim, além do tratamento da própria semente, são necessários embalagem e ambiente apropriados. Os principais meios utilizados para o armazenamento de sementes são a câmara fria, a câmara seca e a câmara fria seca, que se adaptam à maioria das situações (VIEIRA et al., 2002). As sementes, de modo geral, são separadas em dois grupos, de acordo com a classificação proposta por Roberts (1973): as sementes ortodoxas podem ser secas a baixos níveis de umidade (em torno de 5%) e armazenadas a temperaturas baixas, o que possibilita a manutenção da viabilidade por um longo período; as sementes recalcitrantes não toleram estas condições, portanto, apresentam dificuldades de armazenamento (DAVIDE et al., 2003) Os problemas de armazenamento estão dentre os mais comuns que entravam o desenvolvimento dos programas de sementes nos países menos desenvolvidos, em que uma das causas principais são as condições climáticas relativamente adversas, como altas temperaturas e umidades relativas, que prevalecem na maioria desses países e afetam, de maneira direta e indireta, as sementes uma vez que, devido às suas propriedades higroscópicas, a água dentro delas está sempre em equilíbrio com a umidade relativa do ar. Alto teor de umidade nas sementes, combinado com altas temperaturas, acelera os processos naturais de degeneração dos sistemas biológicos, de maneira que, sob tais condições, as semen- A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 97 tes perdem seu vigor rapidamente e algum tempo depois sua capacidade de germinação (ALMEIDA et al., 1997). Para a conservação de sementes em longo prazo, é necessário manter a atividade respiratória em níveis baixos, pela redução da temperatura ambiente e do grau de umidade das sementes. Em Bancos de Germoplasma, a conservação das sementes sugere que o grau de umidade das mesmas seja reduzido por equilíbrio em ambiente com baixa umidade relativa, no entanto, isso depende do tipo de semente empregada e se esta não tolerar a dessecação, ajustes e testes devem ser conduzidos para se definir melhores teores de umidade e temperatura para esse armazenamento. Caso sejam ortodoxas, as sementes são acondicionadas em embalagens herméticas e armazenadas em temperatura sub-zero, geralmente –20ºC (CROMARTY et al., 1985), para conservação em longo prazo, ou a 5ºC, para conservação por períodos menores. Com a crescente necessidade de sementes viáveis com o objetivo de atender programas de produção florestal, bem como programas de conservação florestal, houve um potencial aumento no número de estudos quanto à classificação fisiológica de sementes de espécies florestais nativas. Logo, é primordial o conhecimento sobre a capacidade de armazenamento das sementes uma vez que essa informação permite que se adotem condições adequadas para cada espécie, bem como a elaboração de programas para manutenção e/ou conservação de germoplasma. Entretanto, a literatura existente apresenta-se deficiente quanto à tecnologia de sementes florestais nativas, principalmente quanto ao seu comportamento no armazenamento, devido provavelmente à grande diversidade de espécies presentes nas florestas tropicais. A conservação desta diversidade permite a garantia da biodiversidade existente na natureza, além de disponibilizar material, variável suficiente para garantir a sustentabilidade dos 98 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES plantios de recuperação, ao longo do tempo. Esses podem garantir a troca efetiva de alelos, devido ao fluxo gênico e ainda à formação de corredores ecológicos, contribuindo para a diversidade não só da flora como da fauna nativa. Cassia grandis L. f. Leguminosae - Caesalpinoideae, comumente conhecida como Canafístula, pertencente ao grupo sucessional pioneira a secundária inicial, é uma árvore de grande porte, de 15 a 20 m de altura, e crescimento rápido, heliófila, decídua, indiferente às condições físicas do solo, encontrada em diversas formações florestais brasileiras, incluindo as regiões de mata ciliar. A canafístula floresce a partir do final do mês de agosto, com a planta totalmente desprovida de folhas, situação que se prolonga até o mês de novembro. Seus frutos começam a amadurecer nos meses de agosto e setembro, permanecendo na árvore por mais alguns meses, podendo ser colhidos diretamente da árvore quando iniciam a queda espontânea ou recolhidos no chão após a queda. Esses podem ser de coloração marrom escura ou preta, de forma cilíndrica, e podem chegar a medir 60cm de comprimento. Internamente o fruto é septado, e dentro de cada septo há uma semente cercada de polpa de coloração marrom, viscosa e com cheiro adocicado (LORENZI, 1992). Visando o estabelecimento de um planejamento para colheita de sementes em Tecnologia e Produção de Sementes e Mudas em viveiros é de grande importância o conhecimento das características físicas de frutos e sementes bem como a qualidade dos mesmos (OLIVEIRA, 2000). A qualidade de sementes é avaliada levando em consideração dois parâmetros fundamentais que são viabilidade e vigor. Por definição, viabilidade é a habilidade das sementes de germinar sobre condições favoráveis, desde que qualquer tipo de dormência seja removida antes do teste de germinação (CARVALHO & NAKAGAWA, 2000). A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 99 Em trabalho realizado por Santos (2007) houve a descrição de aspectos morfométricos, físicos e fisiológicos dos frutos e sementes de dez indivíduos de Cassia grandis L. de ocorrência natural no Baixo São Francisco, em Sergipe. Para este trabalho foram selecionados dez desses indivíduos que se encontravam em período de frutificação. Realizou-se a caracterização física dos lotes, empregando-se o peso de mil sementes e número de sementes por quilograma. As sementes e frutos foram avaliados morfometricamente pelo comprimento (cm), largura (cm) e espessura (cm), obtendo assim, as medidas médias, mínimas e máximas comparadas entre dentro de indivíduos. Para as sementes, empregou-se uma amostra de 100 sementes de cada indivíduo e para os frutos, amostras de 20 unidades. Após o beneficiamento, lotes de sementes de cada indivíduo tiveram a umidade determinada pelo método da estufa, com temperatura de 105+2ºC durante 24 horas. Para o procedimento utilizou-se cápsulas de alumínio. As sementes num total de dez por repetição (quatro), foram seccionadas com o auxilio de um estilete. Os resultados da umidade foram expressos em porcentagem. As sementes foram submetidas a testes preliminares para avaliação da viabilidade e vigor. A viabilidade foi avaliada por meio de testes de germinação. Para esse teste foram utilizadas 80 sementes (quatro repetições de 20 sementes) para cada tratamento, distribuídos em gerbox, contendo areia de textura média lavada e autoclavada, a 25ºC e luz contínua. As avaliações foram realizadas diariamente de acordo com os critérios estabelecidos pelas Regras para Análise de Sementes (BRASIL, 1992), onde sementes normais germinadas apresentam o primeiro par de folhas e radículas. Nos indivíduos avaliados observou-se grande variação das características morfométricas dentro da população. Tal variação pode 100 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES ser decorrente das características dos micro-ambientes em que se encontram e da variabilidade genética, existente nessa população. Observou-se variação entre e dentro dos indivíduos para todos os parâmetros avaliados. O fator mais relevante para a manutenção da viabilidade e da longevidade das sementes armazenadas é o binômio temperatura de armazenamento e conteúdo de unidade da semente, sendo o teor de umidade de maior importância (JUSTICE & BASS, 1978). Segundo Harrington (1972), para cada 1% de aumento no teor de umidade da semente, a longevidade é reduzida pela metade, considerando-se o intervalo de 5% a 14%. Dessa forma, pode-se inferir que percentagens maiores de água nas sementes podem contribuir para um amolecimento do tegumento, e consequentemente facilidade na protrusão da radícula, promovendo uma facilitação da germinação. Diante dessas características, essa espécie apresenta grande grande potencial para utilização em recuperação de áreas degradadas e as suas sementes têm sido utilizadas para a obtenção de mudas nos programas de recuperação de matas ciliares, como o Baixo Curso do Rio São Francisco, no Estado de Sergipe. No entanto, existe carência de estudos relacionados às suas sementes. O armazenamento visa à conservação de sementes por períodos mais longos, preservando sua viabilidade. Para a conservação do poder germinativo das sementes, é necessário mantê-las em ambiente seco e frio. Quanto mais seco e mais frio, dentro de certos limites, são maiores as possibilidades de se prolongar a conservação das sementes. Em ambiente, a umidade presente no ar pode ser suficiente para promover o reinício das atividades do embrião, se o oxigênio e a temperatura forem suficientes. A respiração, consumindo parte dos alimentos armazenados na semente e transformando-os em substâncias mais simples, aliada à ação de microorganismos, provocam o aquecimento das sementes ar- A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 101 mazenadas, podendo reduzir drasticamente sua viabilidade (TOLEDO & MARCOS FILHO, 1977). Tendo em vista que os principais fatores que afetam o armazenamento são a temperatura e a umidade das sementes, Harrington (1972) afirma que a manutenção da baixa temperatura reduz a atividade das enzimas envolvidas no processo respiratório. Principal responsável pela perda da viabilidade das sementes durante o armazenamento. Para a conservação de sementes em longo prazo, é necessário manter a atividade respiratória em níveis baixos, pela redução da temperatura ambiente e do grau de umidade das sementes (CARVALHO & NAKAGAWA, 2000). Com a crescente necessidade de sementes viáveis com o objetivo de atender programas de produção florestal, bem como programas de conservação florestal, houve um potencial aumento no número de estudos quanto à classificação fisiológica de sementes de espécies florestais nativas. Logo é primordial o conhecimento sobre a capacidade de armazenamento das sementes uma vez que esse conhecimento permite que se adotem condições adequadas para cada espécie, bem como a elaboração de programas para manutenção e/ou conservação de germoplasma. Entretanto, a literatura existente apresenta-se deficiente quanto à tecnologia de sementes florestais nativas, principalmente quanto ao comportamento delas no armazenamento, devido provavelmente a grande diversidade de espécies presentes nas florestas tropicais. Desse modo, o presente trabalho objetivou avaliar o comportamento de sementes de dez indivíduos de Cassia grandis L. quanto a diferentes intervalos de tempo de armazenamento. A produção de mudas de alta qualidade leva em consideração a preservação dos atributos genéticos, físicos, fisiológicos e sanitários. Para isso, é necessário que se utilize sementes que apresentem subsídios para a manutenção de tais características. Os 102 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES procedimentos de colheita, beneficiamento e armazenamento destas sementes devem ser criteriosos para a manutenção da integridade das mesmas, entretanto as sementes de algumas espécies de leguminosas são comumente alvos de vários tipos de injúrias internas, causadas nos processos de colheita e beneficiamento além de injúrias causadas por insetos (OLIVEIRA, 2003). Além dessas características, as fissuras e os danos causados por insetos, assim como os danos físicos de outras origens, podem ser identificados por meio de radiografias produzidas por raios-x, em curto período de tempo, com expectativa de resultados promissores (SIMAK,1980; ISTA,1993), tendo essa recomendação adquirido importância a partir do uso de raios-x em sementes de coníferas, por Simak & Gustafsson (1953). Segundo Menezes (2005), a utilização de raios-x em baixa dose não afeta a germinação, não requer tratamento prévio das sementes para ser aplicadas e apresenta as vantagens de ser um método não destrutivo, rápido e de simples execução, sendo as radiografias facilmente conservadas, reproduzidas, podendo ser examinadas a qualquer momento. A maioria dos estudos de raios-X é realizada em sementes de grandes culturas, como tomate (LIU et al., 1993; BURG et al., 1994; LIU et al., 1997) e Arabidopsis (BINO, AARTSE & BURG, 1993). No entanto, os estudos relacionados à utilização de raios-x na avaliação de qualidade de sementes tem sido em sua maioria realizados com sementes florestais, como em estudos de Oliveira et al (2003), nos quais os autores avaliaram a qualidade de lotes de sementes de Peltophorum dubium . Em trabalho realizado por dos Santos (2007), utilizou o teste de raios-x como ferramenta na avaliação de danos internos em sementes de canafistula, além de avaliar o efeito de tais danos na germinação. A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 103 De acordo com os resultados obtidos no teste de germinação, foi observado que as sementes cheias, dos três lotes, resultaram em plântulas normais, plântulas anormais ou em sementes mortas. Devido à variação natural, algumas sementes que mostram boas características no teste de raios-X fracassam em testes de germinação, possivelmente por infecções invisíveis com microrganismos e sementes fisiologicamente danificadas ou mortas, devido ao envelhecimento (BURG et al., 1994). Os danos classificados como severos (mais de 50% da área do embrião danificada) afetam drasticamente a germinação das sementes de Cassia grandis L., entretanto, sementes com pequenos danos (área do embrião afetada menor que 50%) podem originar plântulas normais, anormais ou sementes mortas, reduzindo a qualidade dos lotes. 3.4.5 Avaliação da diversidade genética de Hymeneae courbaril L. var. stilbocarpa (Hayne) Lee et Lang. em populações naturais visando a definição de estratégias para restauração de áreas degradadas no baixo São Francisco sergipano 5 Hymenaea courbaril L. var. stilbocarpa (Hayne) Lee et Lang., conhecida vulgarmente como jatobá, jutaí, jutaí-açu, jutaí-bravo, jutaí-grande, jataí, jataí-açu, jataí-grande, jataí-peba, jataí-uba, jataí-uva, jataíba, jataúba, jatioba, jatiúba, jupati, copal, dentre outros,, é uma espécie arbórea da família Leguminosaea – Caesalpinoideae que tem como sinonímias botânicas Hymenaea animifera Stokes, H. candolleana Kunth, H. courbaril var. obtusifolia Ducke, H. multiflora Kleinhoonte, H. resinifera Salisb., H. retusa 5 Parte do trabalho de conclusão de curso de Marília Freitas de Vasconcelos Melo. 104 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Willd. ex Hayne, H. stilbocarpa Hayne e Inga megacarpa M. E. Jone. No Brasil, ocorre do norte até o sudeste. É encontrada em altitudes de até 900m acima do nível do mar, em solos arenosos e argilosos bem drenados de terra firme e em várzeas altas, mas raramente em campos abertos. Cresce bem em zonas úmidas com precipitação anual entre 1.500 e 3.000mm (MELO E MENDES, 2005). A madeira apresenta alta densidade básica, cerne vermelho a castanho-avermelhado, alburno branco acinzentado, grã regular a irregular e textura média a grossa, sendo empregada em construção civil, marcenaria, peças torneadas, instrumentos musicais e laminados. O caule exsuda uma resina, rica em terpenos e conhecida como “jutaicica” ou “copal-da-américa”, que pode ser utilizada na fabricação de vernizes. O endocarpo do fruto é comestível, podendo ser consumido “in natura”, usado na preparação de farinhas, doces e bebidas ou utilizado na alimentação de animais domésticos. As sementes são empregadas na fabricação de jóias e outros objetos artesanais. A casca e a seiva do tronco são usadas na fitoterapia popular. A árvore pode ser plantada em monocultura ou sistemas agroflorestais, com potencial de uso na recuperação de áreas degradadas; devido ao seu porte e à necessidade de expansão de suas raízes, é recomendada para arborização de parques e como quebra-vento em pastagens (MELO E MENDES, 2005). Essa espécie está ameaçada de extinção, devido à exploração da madeira usada na fabricação de móveis e na construção civil. Sendo dessa forma, dados de diversidade genética e estrutura genética populacional considerados essenciais na formulação de projetos de manejo de populações naturais de espécies ecologicamente importantes (SUGANUMA & CIAMPI, 2001). O número reduzido de indivíduos dessa espécie em uma extensão de vegetação ciliar significativa (100ha) no Baixo São Francisco Sergipano, juntamente com a proximidade existente entre A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 105 alguns dos indivíduos remanescentes, consolida a necessidade de estudos genéticos urgentes, a fim de avaliar a diversidade genética dessas matrizes e definir estratégias para a manutenção da sustentabilidade na área, pois quanto maior for o grau de parentesco dentro de pequenos agrupamentos de indivíduos de uma determinada população, maior poderá ser a endogamia nas progênies (MORAES et al., 2005). A caracterização fenotípica de árvores matrizes é uma atividade muito importante quando o objetivo do trabalho é a coleta de sementes para serem utilizadas em projetos de restauração ou recomposição de ambientes naturais, pois havendo a possibilidade de escolha entre árvores matrizes muito próximas geneticamente, a presença de uma dada característica superior às demais pode contribuir para a escolha daquelas que serão prioritariamente utilizadas (SANTANA, 2006). Como exemplo da importância das características fenotípicas no ambiente e levando-se em consideração a transmissão de características nas gerações, tem-se a influência que a projeção da copa de uma árvore exerce sobre a temperatura, a concentração de vapor e regime de radiação, agindo na determinação do ambiente de outros organismos dentro da comunidade e podendo influenciar decisivamente no sucesso ou fracasso de um reflorestamento heterogêneo (BARBOSA et al.,1997). Em estudo realizado por Melo (2007) indivíduos de H. courbaril apresentaram altura média de 4,71m, variando de 3,40m a 8,00m; CAP médio de 49,18cm, variando de 11,60cm a 94cm; área da copa média de 38,43m2, sendo a máxima observada de 77,35m2 e a mínima de 11,25m2. Na análise de RAPD, as reações de amplificação dos fragmentos de DNA geraram 99 bandas, sendo 81 polimórficas e 18 monomórficas. A similaridade genética entre os indivíduos variou de 16,7% a 74,1%. 106 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Comparando os dados obtidos na avaliação do grau de parentesco entre os indivíduos, com a localização das mesmas em campo, observou-se que indivíduos plotados como um grupo mais distante, com aproximadamente 6.744,24m distantes apresentam baixa similaridade genética. Apesar do número reduzido de indivíduos de Hymeneae courbaril na região de Santana do São Francisco, as matrizes apresentam níveis de diversidade genética que variaram de 16,7% a 74,1%. 4.6 Diversidade genética de Spondias lutea L., por meio de marcadores moleculares, procedentes do baixo São Francisco sergipano 6 Para a implantação de corredores ecológicos ou para a recuperação de áreas degradadas, deve-se dar preferência às espécies nativas da região e realizar um plano de coleta de sementes para a produção de mudas, que deve ser baseado na caracterização genética das espécies. Com a caracterização genética dos indivíduos remanescentes, escolhe-se aqueles mais divergentes para garantir que não haverá perda de alelos ou que não ocorrerá cruzamento entre indivíduos aparentados na área onde serão implantadas as mudas produzidas, tornando assim, o meio sustentável. Essa caracterização pode ser realizada por meio dos marcadores moleculares, que podem ser protéicos ou de DNA. Um dos marcadores mais utilizados atualmente devido à acessibilidade é o de DNA-RAPD (Polimorfismo de DNA Amplificado ao Acaso). Gois (2007) realizou a caracterização genética, por meio de marcadores moleculares, de indivíduos de Spondias lutea L. (cajá) 6 Parte do trabalho de conclusão de curso Itamara Bomfim Gois. A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 107 procedentes da Região do Baixo São Francisco sergipano, com a finalidade de elaborar estratégias de coleta de sementes para a recuperação de áreas degradadas. A espécie Spondias lutea L., conhecida vulgarmente como cajazeiro, taperebá, cajá-mirim, pertence à família Anacardiaceae (LORENZI, 1992). Apresenta como centro de origem a América Tropical e encontra-se amplamente distribuída no Brasil (PINTO et al., 2003), onde são encontradas isoladas ou agrupadas, notadamente em regiões da Amazônia e da Mata Atlântica, prováveis zonas de dispersão da espécie, e nas zonas mais úmidas dos Estados do Nordeste, principalmente na faixa litorânea e nas serras; e de forma espontânea ou subespontânea em matas, campos de pastagens (SOUZA, 2000), onde se regenera espontaneamente a partir de sementes ou vegetativamente. Devido a essa característica, é recomendada para reflorestamentos ecológicos (LORENZI, 1992). A Floresta Atlântica, representante de uma das mais complexas diversidades de espécies e altos índices de endemismo, encontra-se entre os biomas mais ameaçados, restando atualmente cerca de apenas 7,3% de sua cobertura original (GUSSON et al., 2006). Porém, o conhecimento desse bioma ainda é bastante incipiente, principalmente quanto à estruturação genética populacional de suas espécies, e procedimentos adequados de amostragem para fins conservacionistas e de manejo (MORAES et al., 1999). São raros os casos de espécies estudadas do ponto de vista genético, sendo esses indispensáveis à exploração racional, à recuperação e, principalmente, à conservação dos recursos da floresta tropical. Esses estudos são importantes para que não ocorra a perda de sua diversidade genética natural, permitindo que suas populações mantenham-se vivas e reprodutivas no ciclo evolutivo da seleção natural (KAWAGUICI & KAGEYAMA, 2001). 108 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Diante de tal realidade, são imprescindíveis estudos genéticos em nível populacional das espécies que compõem tais ecossistemas, para que sejam estabelecidas estratégias de conservação genética, sobretudo em áreas perturbadas, procurando reunir subsídios que contribuam para a conservação in situ, o manejo sustentado e a formação de áreas de coletas de sementes visando à recuperação de áreas degradadas (PINTO et al., 2004). A conservação da biodiversidade da floresta tropical torna-se mais importante quando se busca compreendê-la pelo conhecimento das interações biológicas, caracterizando a reprodução, a sucessão ecológica e a estrutura das populações (KAGEYAMA et al., 2003; BARREIRA, 2005). Para realizar a análise da estrutura da população, julga-se fundamental a junção de conceitos da ecologia de populações e da genética de populações de forma a orientar as ações a serem efetuadas e definir parâmetros adequados para o monitoramento das mesmas (KAGEYAMA & GANDARA, 1998). Assim, o padrão espacial ou a estrutura da diversidade genética dentro de populações é um componente importante dos processos genético-ecológicos e evolucionários de populações naturais de plantas (GUSSON et al., 2005). Para ecossistemas de alta diversidade de espécies, tais como as florestas tropicais, onde é praticamente impossível estudar todas do ponto de vista genético, a escolha da espécie passa a ter cada vez mais importância, principalmente para interpretar a comunidade e extrapolar os resultados para espécies com características semelhantes. Acredita-se que as espécies arbóreas de diferentes grupos sucessionais apresentam padrões característicos de estrutura genética. Espécies arbóreas pioneiras, devido às suas características de ciclo de vida curto (~20 anos), alta densidade populacional, ocorrência agregada e dispersão de sementes a curta distância, provavelmente apresentam fluxo gênico de curta distância, causando alta diversidade genética entre populações (KAGEYAMA et al., 2003). A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 109 Verifica-se que em populações de baixa densidade de indivíduos, a ocorrência de fenômenos genéticos como a deriva genética, que provoca perda da variação genética rapidamente em pequenas populações e a endogamia (auto-fecundações e cruzamento entre indivíduos aparentados) ocasionam a perda da heterozigosidade. Portanto, para a efetiva conservação genética ou exploração de uma espécie deve-se conhecer a forma em que a variação genética ocorre entre e dentro de populações, bem como o entendimento dessa variação no tempo e no espaço (BARREIRA, 2005). Considerando-se que, no papel de reconstrução de florestas, é importante que se mantenha o nível de variabilidade genética encontrado nas populações naturais, torna-se necessário, para a realização de um manejo florestal, estudos dos padrões de distribuição da variabilidade genética que ocorrem nos fragmentos florestais. Saber como essa variabilidade está partilhada dentro das populações é imprescindível, para que seus tamanhos não caiam abaixo do mínimo viável, comprometendo a perpetuação da espécie. Sendo assim, uma maneira muito utilizada para se conseguir detectar essa variabilidade é por meio de estudos da estrutura genética de populações naturais (BOTREL & CARVALHO, 2004). O estudo foi realizado em uma área de 100 ha (10Km/100m de largura) de mata ciliar no Baixo São Francisco sergipano. Foram coletadas folhas jovens de 17 indivíduos em estado reprodutivo de Spondias lutea L. de uma população de 52 indivíduos. Com a utilização de 17 oligonucleotídeos, para o estudo da divergência genética foram geradas pelo menos três bandas polimórficas entre os indivíduos. No total, foram gerados 154 produtos de amplificação, com uma média de 9,06 fragmentos. Destes, 111 foram polimórficos, igual a 72,08% e 43 foram monomórficas, igual a 27,92%. Os oligonucleotídeos que apresentaram maior número de bandas polimórficas foram: IDT17 e IDT19, onze bandas. Enquanto o IDT14 e o IDT18 apresentaram o menor número, três 110 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES bandas. O alto grau de polimorfismo observado indica que os genótipos estudados apresentam elevada heterozigosidade. Oliveira et al. (2007) utilizando 28 oligonucleotídeos caracterizou a diversidade genética entre acessos de açaizeiro e obteve uma média de 9,4 bandas, resultado próximo ao encontrado neste estudo. Bicalho (2006) avaliando a variabilidade genética de clones de seringueira usou 19 oligonucleotídeos e obteve uma média de 6,3 fragmentos. Resultado semelhante foi encontrado por Freire (2007) que, ao estudar cinco populações de guapuruvu, utilizou cinco oligonucleotídeos e obteve uma média de 6,4 bandas. No entanto, Santana (2006) estudando a espécie jatobá localizada no Baixo São Francisco sergipano obteve uma média de 3,55 bandas, o que pode ser explicado pelo reduzido número de indivíduos encontrados na área, devido ao processo de fragmentação florestal. Os fragmentos polimórficos utilizados no estudo podem ser considerados suficientes para a avaliação da diversidade genética na espécie. Assunção (2004), estudando a divergência genética entre indivíduos de Cedrela fissilis, utilizou 13 primers e obteve 59 produtos de amplificação, o que foi suficiente para estimar a variabilidade genética entre os indivíduos. Estopa (2003) analisou matrizes de candeia com 56 fragmentos polimórficos de DNA utilizando 10 oligonucleotídeos e também conseguiu resultado satisfatório. Bessega et al. (2000) utilizaram quatro oligonucleotídeos e obtiveram 46 bandas, que foram suficientes para determinar a diversidade genética entre indivíduos de Prosopis glandulosa e P. velutina. Observa-se então que como as espécies não são domesticadas encontra-se elevado polimorfismo em um número reduzido de oligonucleotídeos. A partir dos 111 fragmentos polimórficos de RAPD obtidos, foi estimada uma matriz de similaridade genética, pelo método de Jaccard, relacionando todos os pares de indivíduos. A distância A BIODIVERSIDADE DA FLORA EM SERGIPE: ESTRATÉGIAS PARA CONSERVAÇÃO 111 genética média entre os indivíduos foi de 46,77%, o erro padrão médio foi de 4 % e a amplitude das similaridades variou de 21 a 78%. Os indivíduos que se apresentaram mais semelhantes foram o C2 e C3 (78% ± 0,04) e os mais divergentes C1 e C16 (21% ± 0,04). Os principais efeitos da redução e fragmentação de populações naturais são a ocorrência de endogamia, o distanciamento entre indivíduos reprodutivos, a diminuição do fluxo gênico e o aumento da divergência genética entre as populações remanescentes de espécies arbóreas (BOTREL et al., 2006). Porém, mesmo com dados da variabilidade genética, não é possível afirmar que tais processos estão ocorrendo com a espécie em questão, pois o estudo verificou somente uma população. 5 – REFERÊNCIAS AHRSF - Administração da Hidrovia do São Francisco. Rio São Francisco. Disponível em:< http://www.ahsfra.gov.br/rio2.htm>. Acesso em cisco 18 de ago. de 2007. ANA – Agência Nacional de Águas. Projeto GEF São Francisco Francisco. 2003. Disponível em <www.ana.gov.br/gefsf/conteudo.asp?mcod=6&ecod=152>. Acesso em 16 de julho de 2007. ASSUNCAO, N. S. Divergência genética em Cedrela fissilis vell vell.. obtida por marcadores RAPD RAPD. . 2004. 39p. 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De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000), no Brasil as Unidades de Conservação dividem-se em dois grupos: Proteção Integral e Uso Sustentável. As Unidades de Proteção Integral tem por objetivo básico preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. Nesse grupo encontram-se: Estação Ecológica (ESEC), Reserva Biológica (REBIO), Parque Nacional (PARNA), o Monumento Natural e o Refúgio de Vida Silvestre. Já as Unidades de Uso Sustentável, têm como objetivo básico compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Nesse grupo incluem-se as seguintes categorias: Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Flo- 122 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES resta Nacional (FLONA), Reserva Extrativista (RESEX), Reserva de fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Apesar dessas áreas não se destacarem diretamente em valores monetários, como exige o sistema econômico vigente, elas possuem uma série de atributos e gera benefícios cujos valores podem ser comparados ao que acontece com as escolas, corpo policial e hospitais. Ao converter tais áreas em partes de planos de desenvolvimento regional é possível assegurar-se um equilíbrio adequado entre custos e benefícios de um determinado local (McNeely, 1993). Sergipe apresenta aproximadamente 5,19% do seu território com áreas decretadas como Unidade de Conservação, seja com categorias que se enquadram SNUC como é o caso do Parque Nacional Serra de Itabaiana, da Reserva Biológica de Santa Isabel, da Floresta Nacional do Ibura, do Monumento Natural Grota do Angico, do Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco, da RPPN Fonte da Bica, da RPPN Bom Jardim e Tapera, da RPPN Marinheiro e Pedra da Urca, da APA Foz do Rio Vaza-Barris, da APA Litoral Sul do Estado de Sergipe e da APA Morro do Urubu; Parque Natural Municipal de Lagoa do Frio ou por categorias que não se enquadram ao SNUC, como é o caso da “Paisagem Natural Notável” e “Área de Especial Proteção Ambiental” Foz do Rio Sergipe (Quadro 4.1). Apesar dos números indicarem uma porcentagem significativa em relação à área total do Estado, a ausência de planejamento e gestão na maioria das Unidades de Conservação é preocupante. Pode-se afirmar que nenhuma delas apresenta mecanismos de planejamento e gestão eficientes. Basta verificar que não possuem plano de manejo, conselhos consultivos atuantes ou programas de monitoramento implementados, aspectos básicos indicados pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Decreto 24.922 de 21 de dezembro de Estadual 2007 Decreto 24.944 de 26 de dezembro de Estadual 2007 Portaria IBAMA nº70/99-N de 13 de Federal setembro de 1999 Decreto 041 de 23 de outubro de 2001 Municipal Portaria IBAMA nº102/2006 de 19 de Federal dezembro de 2006 Portaria IBAMA nº04/2007 de 10 de Federal janeiro de 2007 Lei 2795 de 30 de março de 1990 Decreto 22.995 de 09 de novembro de Estadual 2004 Decreto 13.468 de 21 de janeiro 1993 (criação); Decreto 15.559 de de outubro de 1995 (alteração) Decreto 13.713 de 16 de junho 1993 (criação); Decreto 15.405 de de julho de 1995 (alteração) Monumento Natural Grota do Angico Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco Reserva Particular do Patrimônio Natural Fonte da Bica Parque Natural Municipal de Lagoa do Frio Reserva Particular do Patrimônio Natural Bom Jardim e Tapera Reserva Particular do Patrimônio Natural Marinheiro e Pedra da Urca Áreas de Proteção Ambiental da Foz do Rio VazaBarris Área de Proteção Ambiental Litoral Norte Área de Proteção Ambiental do Litoral Sul do Estado de Sergipe “Paisagem Natural Notável” e “Área de Especial Proteção Ambiental” Foz do Rio Sergipe Lei 2825 de 23 de julho de 1990 Decreto de 19 de setembro de 2005 Floresta Nacional do Ibura APA Morro do Urubu Decreto nº. 96.999 de 20 de outubro Federal de 1988 Reserva Biologica de Santa Isabel Estadual de Estadual 14 Estadual de Estadual 26 Estadual Federal Federal Decreto de 15 de junho de 2005 GESTÃO ATO DE CRIAÇÃO NOME Parque Nacional Serra de Itabaiana * O valor foi obtido por meio de uso de Sistema de Informações Geográficas Total Não se enquadram Uso Sustentável Proteção Integral GRUPO Santa Luzia do Itanhy Santa Luzia do Itanhy Canindé de São Francisco Areia Branca Capela Poço Redondo e Canindé de São Francisco Nossa Senhora do Socorro Aracaju Pirambu, Japoatã, Pacatuba, Ilhas das Flores e Brejo Grande NÃO DEFINE 1.144,97 NÃO DE- Aracaju e Barra dos CoFINE queiros 2,14 522, 33* 473,12 NÃO DE- NÃO DEFINE FINE 1,74 2,97 2,79 0,13 8,95 21,38 1,46 Área (Km2) LOCALIZAÇÃO Areia Branca, Itabaiana, 80,3 Laranjeiras, Itaporanga D’ajuda e Campo do Brito 27,66 Pirambu, Pacatuba Quadro 4.1 - Grupos de Unidades de Conservação em Sergipe que apresentam Decretos na esfera Federal, Estadual e Municipal, com área total em km2 e localização. PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 123 124 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Vale ressaltar que o Governo Estadual na década de 1990 fez vários esforços para a criação de Unidades de Conservação, porém a ausência de critérios técnicos para a delimitação das áreas indica a inviabilidade de se consolidar duas dessas áreas – Área de Proteção Ambiental da Foz do Rio Vaza-Barris e a “Paisagem Natural Notável” e “Área de Especial Proteção Ambiental” Foz do Rio Sergipe. Existem esforços de proprietários particulares que com o apoio do IBAMA, têm transformado suas matas em Reserva Particular do Patrimônio Natural. Por outro lado, não há esforços por parte das prefeituras em transformar áreas públicas em Unidades de Conservação. Em Sergipe, merece destaque apenas a prefeitura de Canindé de São Francisco, que em 2001, transformou uma área de Caatinga em Parque Natural Municipal, e tem buscado apoio técnico para que esta Unidade de Conservação municipal tenha planejamento e gestão. A consolidação das Unidades de Conservação no Brasil não é uma tarefa simples, pois depende de inúmeros fatores nem sempre favoráveis à sua implantação. Em Sergipe, por exemplo, existem setores da sociedade, e do próprio poder público, que não compreendem a importância da criação dessas áreas protegidas. A visão ultrapassada de que desenvolvimento não é compatível com conservação ainda “povoa a mente” de vários gestores públicos que chegam a se expor publicamente contra a criação e consolidação dessas áreas. Das categorias de Unidades de Conservação criadas no Estado de Sergipe, todas possuem potencialidades para a consolidação de programas de Educação Ambiental e mais especificamente para programas que possam integrar a comunidade PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 125 local a programas de ecoturismo1 dentro ou no entorno dessas áreas. Visando contribuir para um planejamento e gestão eficientes, pretende-se aqui discutir como a pesquisa por meio da percepção ambiental, se aplicada, pode ser compatível com o planejamento e gestão em Unidades de Conservação. Neste caso estaremos discutindo um estudo ocorrido no Parque Nacional Serra de Itabaiana dando um enfoque para o público que visita a área bem como os atuais problemas decorrentes da ausência de planejamento e gestão dessa importante Unidade de Conservação. 2 - USO PÚBLICO E INTERPRETAÇÃO DA NATUREZA EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO O número de visitantes em unidades de conservação é cada vez maior, principalmente, porque as pessoas buscam a Natureza para o relaxamento e o lazer que os centros urbanos não são capazes de proporcionar. Porém, segundo Takahashi (2004), essas áreas recreativas vêm sendo estabelecidas sem o adequado planejamento, colocando em risco a estabilidade dos ecossistemas. Isso acontece porque falta investimento tanto do setor público quanto do privado para o ecoturismo, os dois setores preferem investir no turismo de massa cujo retorno econômico é ime- 1 A Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR, 1994) define ecoturismo como “... o segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas”. 126 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES diato. Assim, os impactos negativos provenientes do turismo predatório acarretam dano ao meio ambiente, e às comunidades locais. Estas, além de perderem seus meios de sobrevivência – a Natureza – perdem, também, sua identidade sociocultural. Se não for bem planejado, o ecoturismo pode causar alterações nas áreas visitadas, tais como degradação do meio ambiente, instabilidades econômicas e mudanças socioculturais negativas (NUNES, 2004). A importância dada ao ecoturismo em Unidades de Conservação, mais especificamente em Parques Nacionais situados em outros países é significativa. Parques como Yellowstone (Estados Unidos), Blue Montains e Royal National Park (Austrália), Cairngorms National Park (Escócia) e Banff National Park (Canadá), possuem uma apreciável infra-estrutura de atendimento aos turistas. Historicamente, a exemplo de Yellowstone, estes locais excluíam a presença humana, mas atualmente, a atividade turística representa oportunidades de desenvolvimento econômico e social, promovendo a inclusão das comunidades do entorno, que se beneficiam diretamente, a geração de empregos e possibilita o desenvolvendo de ações de manejo eficientes (IUCN, 2002). No Brasil, Coutinho (2000) ressalta que iniciativas de organização comunitária visando à Educação Ambiental ganharam destaque, como as Reservas Extrativistas (RESEXs) Curralinho e Pedras Negras, no estado de Rondônia, que se desenvolveram sustentavelmente por meio do ecoturismo. Outro exemplo de atividade ecoturística voltada para o desenvolvimento sustentável é a praticada pela Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas. Essa iniciativa se tornou auto-sustentável, gerando um lucro que possibilitou investimentos no manejo e fiscalização da unidade de conservação pela qual está inserida (CAMPOS, 2005). PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 127 Nos casos bem sucedidos, na fase da elaboração do plano de manejo2, o zoneamento deve definir claramente, por exemplo, áreas destinadas à preservação; áreas para uso público (recreação e educação ambiental) e locais adequados para instalação de infraestrutura em harmonia com a paisagem natural. Convém destacar que o uso público, dentro de uma proposta de gestão e manejo de uma unidade de conservação, segundo PIRES et al. (2000) tem por objetivo proporcionar o contato direto do público com os recursos naturais da Unidade de Conservação, demonstrando a importância e as funções ecológica, social, cultural e histórica dessa área. Deve também, estimular a participação da comunidade na conservação e preservação da sociobiodiversidade; oferecer oportunidades para estudantes e professores desenvolverem estudos multidisciplinares e proporcionar atividades recreativas para os visitantes. Deve-se ressaltar que a atividade recreativa não é o objetivo fundamental de um parque, estas precisam estar condicionadas às atividades de educação ambiental. No litoral sergipano, por exemplo, o uso e a ocupação irregular do solo litorâneo, o aumento da exploração indevida dos recursos naturais (dunas e mangues), a sobreposição de costumes e culturas, a deficiência do planejamento integrado turístico, a falta de infra-estrutura são impactos provocados em nome do ecoturismo (VIEIRA, 2002). Quando inclui a comunidade local em suas práticas, o ecoturismo pode tornar-se uma alternativa de desenvolvimento sustentável por concomitantemente complementarem suas rendas 2 Documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade (SNUC, 2000). 128 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES de forma sustentável. Dessa forma, apresenta impacto positivo nas comunidades vizinhas, à medida que as mesmas o têm como uma opção viável para não explorar negativamente os ambientes naturais. Outra importante estratégia de gestão de uma Unidade de Conservação é que se estabeleçam técnicas de interpretação da Natureza, que são fundamentais para aliar a recreação à educação dos visitantes. A interpretação ambiental é uma tradução da linguagem da natureza para a linguagem comum das pessoas, fazendo com que percebam um mundo que nunca tinham visto antes. Essa tradução visa cativar, provocar e estimular a reflexão (VASCONCELLOS, 2006). A linguagem interpretativa possui quatro características principais: amena (entretém), pertinente (tem significado e é pessoal), organizada (não requer muito trabalho da audiência), temática (tem uma mensagem a ser comunicada). Para atingir as características da linguagem interpretativa, são necessários meios interpretativos personalizados, como as trilhas guiadas; palestras, animação passiva (teatro, na qual o público não participa diretamente), animação ativa (jogos, simulações, representações teatrais); e meios interpretativos não-personalizados, como as trilhas auto-guiadas (trilhas feitas com auxílio de placas, mapas e folhetos), audiovisuais e exposições (WWF, 2003). Para fazer uso da interpretação ambiental é necessário considerar as limitações de tempo e o interesse do público. Segundo a WWF (2003), as pessoas demonstram gostar mais em ordem de importância de: envolvimento sensorial; humor; novas informações inteligíveis; intérprete entusiasmado, e desgostam de: leituras; intérprete que fala muito, programas técnicos; apresentações longas e sem entusiasmo. Uma eficiente metodologia de interpretação busca atingir não apenas comportamentos imediatos, mas, principalmente, valores e atitudes dos visitantes. PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 129 3 - PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO E GESTÃO AMBIENTAL EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO Quando nos dispusemos a tratar da conservação de uma área protegida e seu entorno imediato de forma ampla, adotamos a definição de conservação proposto pela IUCN (1984) como “a gestão da utilização da biosfera pelo homem, de modo a produzir um maior benefício sustentado para as gerações atuais, mantendo suas potencialidades para atender as necessidades e as aspirações de gerações futuras”, tendo como foco a manutenção dos processos ecológicos essenciais aos sistemas vitais, preservação da diversidade genética e utilização sustentada das espécies e dos ecossistemas. Partindo de tal concepção, de acordo com SARAIVA (1999), os estudos da percepção ambiental e avaliação da paisagem, desempenham importante papel no processo de participação pública relativo à elaboração de planos ou de outro tipo de estudos, como de avaliação de impactos ambientais, complementando abordagens periciais, de modo a integrar as opiniões dos cidadãos diretamente implicados e minimizar conflitos que emergem muitas vezes de processos tecnocráticos e desligados das opiniões e envolvimento público. A importância da pesquisa em percepção para a gestão ambiental foi ressaltada no Programa “Man and Biosphere - MAB” da UNESCO (1973) e depois por WHYTE (1977), que consideram como “uma das dificuldades para a proteção dos ambientes naturais está na existência de diferenças nas percepções dos valores e importância dos mesmos entre os indivíduos de culturas diferentes ou de grupos sócio-econômicos que desempenham funções distintas, no plano social, nesses ambientes”. BOUSQUET (1989) ampliou essa consideração, ao enfatizar a necessidade dos programas de conservação estarem sendo estabelecidos em função de imposi- 130 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES ções sociais, econômicas, culturais e ecológicas e da percepção que as populações envolvidas têm do ambiente. O termo “percepção ambiental” considerado neste trabalho tem nas interações homem-ambiente, a definição de percepção do meio ambiente “como uma tomada de consciência e a compreensão pelo homem do ambiente no sentido mais amplo, envolvendo bem mais que uma percepção sensorial individual, como a visão ou a audição” (WHYTE, 1977), o que SAARINEN (1969) e SCHIFF (1973) denominam de “percepção social”. Dentre os trabalhos já realizados com percepção ambiental com áreas protegidas e entorno imediato no Brasil, destaca-se o de SANTOS et al.(1996) do grupo de pesquisas em Ecologia Aplicada da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), do Laboratório de Planejamento e Análise Ambiental (LAPA) cujo objetivo foi, à obtenção de dados visando ao planejamento e gerenciamento de uma área natural de conservação (Estação Ecológica de Jataí, Luiz Antônio/SP) levando em consideração: o conhecimento, a identidade, a atribuição de significado e a caracterização da estrutura e escolha de usos para a área e entorno pelos diferentes grupos de interação socioculturais (funcionários, pescadores, sujeitos do entorno, pesquisadores e o administrador) com a referida unidade de conservação. Tal pesquisa utilizou-se de técnicas de entrevista não padronizada, também denominada de mapa mental, além de questionários de caracterização dos sujeitos e grupos. A conjugação das diferentes imagens perceptivas considerou tal área protegida: como natureza conservada de estrutura complexa com vegetação e água; como recursos naturais dominantes, associada ao lazer, trabalho, pesquisa e fiscalização, à qual os grupos atribuem valores e manifestam atitudes, voltadas ao atendimento de seus desejos e necessidades. Os resultados corroboram com a necessidade de um confronto harmônico entre os conhecimentos científicos for- PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 131 mal e o não convencional, com base na percepção dos grupos envolvidos, para a formulação de propostas de manejo de ambientes naturais sujeitos as pressões antrópicas. A forma como os grupos de funcionários, pescadores, sujeitos do entorno, pesquisadores e o administrador percebiam essa área e seu entorno eram diferenciadas, em relação à percepção de sua estrutura, identidade, significado e escolha de usos, de acordo com as imagens perceptivas distintas mediadas pelos seus padrões de interação, sistema de utilização, sistema de valores e os contextos social, econômico e cultural. Ao mesmo tempo em que existem diferenças entre os grupos de interação, ocorrem algumas similaridades entre essas imagens perceptivas, que permitiram a formação de uma imagem básica (mapa síntese) da Estação Ecológica e de seu entorno para o conjunto dos atores sociais interatuantes. As distintas imagens perceptivas dos grupos revelaram diferenças de intencionalidade das consciências dos seus sujeitos, marcadas por valores, como expressão de desejos e necessidades próprios, voltados aos usos da Estação Ecológica e seu entorno. Para este trabalho, utilizou-se a base conceitual em percepção ambiental proposto por WHYTE (1977). Já MAROTI (1997 e 2002) e Fiori (2002, 2006), tendo na ecologia da paisagem seus princípios teóricos e metodológicos para os estudos da percepção ambiental abordados por BERNALDEZ (1981) e BENAYAS (1992), trabalharam com as escolas (professores e alunos) do entorno da mesma área protegida, utilizando dos mapas mentais e seus resultados determinaram total desconhecimento das características que definem esta unidade de conservação por esse público alvo, caracterizando a inexistência de qualquer interação em questão, quanto às possibilidades de uso para fins educacionais ligados à conservação. Quanto ao significado da referida área para os professores, os resultados estiveram associados à conservação (para estudo) e a produção, este último 132 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES totalmente inadequado às características de manejo para uma categoria de Estação Ecológica. Nos mapas mentais, observou-se, de forma idêntica aos resultados anteriores, a inadequação e falta de conhecimento, pois associaram a área de conservação a uma fazenda ou sítio, ainda vinculados às concepções anteriores a criação da unidade de conservação. No trabalho de MAROTI (2002) foram desenvolvidos cursos de aperfeiçoamento formativo para esses professores culminando com a criação de um Centro de Interpretação e Educação Ambiental no interior da Estação Ecológica para a realização de cursos e vivências. Para avaliar o perfil da percepção ambiental individual em unidades de conservação, com diferentes grupos etários, JACOBI et al. (2004) utilizaram questionários e observaram que, apesar da diferença de faixa etária, a percepção foi expandida e aguçada tendo sido utilizadas atividades em sensibilização ambiental. WELLS & BRANDON (1992) considera que tais percepções associadas à falta de consciência da comunidade do entorno quanto à importância das unidades de conservação, estão relacionadas a praticamente nenhuma participação pública na administração e manejo dos seus recursos naturais. ROY (1999) complementa, considerando o estabelecimento de proibições de determinados usos da unidade incompatíveis com a conservação dos recursos naturais e que não tem sido acompanhado de política de promoção econômica da área que compense aos habitantes as limitações resultantes da criação da unidade; à falta de confiança na administração das unidades; às atitudes excessivamente técnicas ou pouco pedagógicas que ocorrem com freqüência entre os gestores destas unidades; às dificuldades das próprias populações em perceber as vantagens proporcionadas pelo patrimônio de valores qualitativos inerentes à UC, entendendo somente as limitações econômicas acarretadas pela criação da mesma; ao caráter individualista e a pouca ou nenhuma consci- PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 133 ência coletiva da população, fatores que dificultam as relações de cooperação e associação somadas à tradicional rivalidade existente entre os municípios próximos. Assim, a educação ambiental possui o importante papel no esforço de envolver a comunidade, no sentido de ampliar a percepção, internalizando a mudança de comportamentos e atitudes, buscando a participação. A percepção e a interpretação dos níveis e dimensões das realidades ambientais, das singularidades e da importância do patrimônio paisagístico, das atitudes e condutas humanas, dos valores ambientais devem contribuir, essencialmente, para a compreensão das transformações visíveis e não-visíveis, tangíveis ou não, da paisagem, percebida e interpretada como patrimônio de um povo, de um país, legado às futuras gerações, consideradas as várias instâncias e conjunturas, pois um horizonte de possibilidades individuais e coletivas é desvendado numa expressão de valores locais, regionais e universais (GUIMARÃES, 2007). 4 - O PARQUE NACIONAL SERRA DE ITABAIANA O Parque Nacional Serra de Itabaiana (PARNASI), criado em 15 de junho de 2005, está situado próximo à costa de Sergipe (10º 40’S, 37º 25’W), abrangendo uma área de 7.966 ha e compreendendo as serras Cajueiro, Comprida e a de Itabaiana, sendo que esta última é a mais alta, com altitudes variando de 400 a 659 metros. Predomina um relevo ondulado ou suave ondulado. A sua criação teve o objetivo principal de proteger os ecossistemas naturais existentes, possibilitando a realização de pesquisas científicas, além de atividades de educação ambiental e ecoturismo. Abrange os municípios de Areia Branca, Itabaiana, Laranjeiras, Itaporanga D’ajuda e Campo do Brito e se situa na porção central do Estado de Sergipe, a cerca de 45 km da capital. 134 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES A Unidade de Conservação é recortada pela BR 235 e por diversas estradas vicinais, não possuindo cercas e sinalização adequada para delimitar a sua área, a não ser no principal acesso onde se localiza uma portaria com vigilância diária realizada por empresa terceirizada. A sede do parque está localizada a 2,5 km da referida BR, nas imediações da área mais visitada por turistas, o Poço das Moças, a Gruta da Serra, o Véu das Noivas, a trilha da Via Sacra e a trilha do Caldeirão. Parte das estradas não pavimentada necessita de veículo tracionado, devido ao mal estado de conservação (IBAMA, 2006). Com relação às formações vegetais, segundo CARVALHO & VILAR (2005) foram identificadas 114 espécies de plantas nas áreas abertas: destas, 26 são exclusivas deste hábitat e 88 ocorrem também em outros hábitats. Dois tipos fisionômicos de vegetação predominam: i) áreas abertas, com solos de areias brancas, mais predominantes na encosta leste, ii) áreas fechadas, formadas por vegetações arbóreas, encontradas nas margens dos quatro riachos da encosta leste e na costa oeste, onde a mata é mais extensa e estruturada na porção sul. Para CARVALHO & VILAR (2005) a comunidade de aves, apesar de alterada devido à fragmentação de hábitats, caça e captura, ainda guarda forte identidade com os ecossistemas originais. A presença de espécies florestais, como Ortalis araucuan, Myrmotherula axillaris, Chiroxiphia pareola, e da espécie endêmica da caatinga Herpsilochmus pectoralis, considerada ameaçada de extinção, evidenciam a sobrevivência de populações de grande interesse, o que reforça a relevância dessa área como patrimônio biológico. É uma importante região de fornecimento de água para as comunidades do entorno e a capital do Estado, contribuindo diretamente com 30% do abastecimento da cidade de Aracaju (Rio Poxim) que tem as suas nascentes na Serra do Cajueiro. A região do agreste beneficia-se diretamente da proteção dos nascentes e dos PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 135 cursos de água formadores da barragem do rio Jacarecica, tendo como principais afluentes tributários os riachos Coqueiro, Água Fria, dos Negros e Vermelho, todos com nascentes no interior do PARNASI. O rio Cotinguiba, cujas nascentes também se localizam no parque, é importante para a atividade industrial, especialmente usinas de açúcar (IBAMA, 2006). O Parque recebe intensos impactos decorrentes da ação humana, que ocasionam alterações de grande parte se sua paisagem. Alguns estudos analisaram essa problemática, dentre eles: a tipificação do lixo no Parque Nacional Serra de Itabaiana (SANTOS, 2006); a avaliação dos impactos no interior do Parque Nacional Serra de Itabaiana (SOBRAL et. al, 2007); a caracterização do consumo de lenha nas casas de farinha no entorno do Parque Nacional Serra de Itabaiana (GOMES et.al, 2006). Nos estudos já existentes sobre a degradação ambiental do parque (SOBRAL et. al, 2007), constatou que as queimadas, as práticas agrícolas, a retirada de argila e areia, a presença de torres e linhas de transmissão, o lixo, a retirada de madeira e lenha, a presença de espécies exóticas, a caça e as trilhas são os impactos mais evidentes no PARNASI. Para reforçar a idéia de que a legislação ambiental sempre foi descumprida e o uso público nunca foi planejado na Serra de Itabaiana, vale destacar que, em 2004 na época da pesquisa de mestrado de MENEZES (2004), o então governo do Estado juntamente com o SEBRAE e algumas agências de receptivo divulgava e vendia roteiros de turismo na Serra, em total falta de diálogo com o órgão gestor da Unidade de Conservação. 136 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES 4.1 - A visitação no Parque Nacional Serra de Itabaiana Segundo o livro de registro da entrada principal, o Parque Nacional Serra de Itabaiana recebeu 19.993 visitantes de fevereiro à dezembro de 2006. Os meses em que houve maior quantidade de pessoas foram outubro (3.107), novembro (3.384) e dezembro (3.353) (Figura 4.1). Houve uma redução do número de visitantes de março à julho de 2006. Mesmo julho sendo um mês de férias escolares, houve poucos visitantes, possivelmente em decorrência das chuvas. Apenas no Carnaval de 2006, foram registradas 716 visitantes na entrada do acesso principal. Convém ressaltar que a visitação é registrada apenas no portão principal, nas demais entradas não há qualquer tipo de controle do número de freqüentadores. Figura 4.1: Número total de visitantes registrado no portão principal do Parque Nacional Serra de Itabaiana de fevereiro à dezembro de 2006. A quantidade de visitante que procurou o parque, no período de fevereiro à dezembro de 2006, para o lazer (12.553) é maior do que os que realizaram “atividade educativa” (7.442), com exceção dos meses de maio e setembro (Figura 4.2). A maior parte das PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 137 atividades tidas como educativas realizadas no parque, é composta somente por alunos e os professores sem nenhum roteiro ou objetivo de visitação. O que se observou, em muitos casos, foram ônibus lotados de alunos, fazendo muito barulho, jogando lixo no chão, andando fora das trilhas e sem conteúdo educativo a ser passado. Em alguns casos, os grupos são acompanhados por um estagiário do IBAMA – aluno da Universidade Federal de Sergipe. São casos pontuais e que não atende a demanda do parque. Para minimizar os impactos da visitação desordenada, as Diretrizes para visitação de Unidades de Conservação enfatiza que o órgão gestor deve empregar instrumentos de interpretação ambiental e deve apoiar a capacitação das comunidades locais a fim de promover a sua participação no planejamento e gestão da visitação (MMA, 2007). Figura 4.2 - Número total de visitantes registrado no portão principal do Parque Nacional Serra de Itabaiana de fevereiro à dezembro de 2006, que frequentam o parque com o objetivo de lazer e atividade educativa. 138 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Do total de visitantes do período de fevereiro à dezembro de 2006 (19.993), 52% residem em Itabaiana, 22% em Aracaju, 10% em Areia Branca e 16% em outras cidades (Figura 4.3). Dentre estas, as mais citadas foram Ribeirópolis, Frei Paulo, Lagarto, Nossa Senhora do Socorro, Umbaúba, Macambira, São Cristóvão e Salvador. A elevada freqüência de visitantes que residem nas proximidades dos parques também foi observada por TAKAHASHI (1998) quando pesquisou o uso público em Unidades de Conservação de Curitiba. Figura 4.3 - Procedência dos visitantes registrada no portão principal do Parque Nacional Serra de Itabaiana de fevereiro à dezembro de 2006. 4.2 - Perfil do Visitante As entrevistas diretas realizadas durante o período de dezembro de 2006 à outubro de 2007 com 500 visitantes possibilitou que fosse traçado o perfil dos mesmos, bem como a percepção ambiental desse público em relação ao PARNASI3. 3 Os questionários foram tabulados em planilha Excel. Em seguida, as respostas semelhantes foram agrupadas em categorias. A partir daí, foi utilizado o programa estatístico SPSS for Windows 1.0. Além das informações obtidas nos questionários, foi anotada a observação direta feita pelos visitantes entrevistados. PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 139 Dos 500 visitantes entrevistados observou-se que a maioria pertence ao gênero masculino (64%) (Figura 4.4). Figura 4.4 - Gênero dos visitantes entrevistados no Parque Nacional Serra de Itabaiana entre dezembro de 2006 a outubro de 2007. KINKER (2002) ao realizar uma pesquisa semelhante nos Parques Nacionais Serra Geral (CE) e Caparaó (MG/ES) verificou que a distribuição de visitantes por gênero não demonstrava uma diferença significativa, embora o sexo masculino fosse maioria. Dos visitantes entrevistados, (30,4%) possui o ensino médio, seguido das pessoas que possuem o ensino fundamental (25,6%) e do ensino médio incompleto (16,2%). BARROS (2003), ao estudar a escolaridade do freqüentador do Parque Nacional de Itatiaia, observou que (39%) dos entrevistados tinham curso superior, 33% com curso superior incompleto. A diversidade de escolaridade existente entre os visitantes possibilita que o IBAMA prepare um guia de visitação de acordo com o nível de escolaridade do público. Dessa maneira, haveria um planejamento e adesão de atividades de educação voltadas aos visitantes, contribuindo para adequar suas ações à unidade de conservação. Com relação à faixa etária dos entrevistados, aponta-se que o público jovem procura mais o PARNASI, com 36,2% com idade 140 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES entre 10 e 19 anos e 42,4% com idade entre 20 e 29 anos. Os demais, 13,6% entre 30 e 39 anos; 5,6% entre 40 e 49 anos; 1,6 entre 50 e 59 anos e 0,5% entre 60 e 69 anos. As trilhas, portanto, devem estar planejadas e implementadas para atender a públicos de faixa etária diferenciada e oferecer experiências mais integradoras no contato com a Natureza. Durante a pesquisa, observou-se que muitos jovens estavam levando bebidas alcoólicas ou iam apenas para tomar banho no Poço das Moças. Caso houvesse programas de interpretação ambiental que desenvolvessem atividades lúdicas, tais como, encenações teatrais, jogos educativos e trilhas interpretativas, possivelmente, muitos jovens estariam envolvidos. Dos 500 entrevistados, 46% residiam em Itabaiana; 23% em Aracaju; 9% em Areia Branca; 16% em outras cidades de Sergipe, tais como Ribeirópolis, Frei Paulo, Lagarto, Nossa Senhora do Socorro, Umbaúba, Macambira e São Cristóvão; 5% em outros Estados do Nordeste e 1% em outros Estados do Brasil (Figura 4.5). É importante reforçar a importância do PARNASI no contexto local e a necessidade de programas que visem o seu desenvolvimento sustentável de seu entorno, como componentes de um sistema integrado. Figura 4.5 - Procedência dos 500 visitantes entrevistados no Parque Nacional Serra de Itabaiana entre dezembro de 2006 e outubro de 2007. PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 141 Com relação à frequência de visitação, apenas 27% dos entrevistados informaram que era a primeira vez que visitavam o parque; 42% visitam o parque de 1 à 9 vezes ao ano; 13% visitam de 10 a 19 vezes ao ano; 7% visitam de 20 à 29 vezes ao ano; 5% visitam de 30 a 39 vezes ao ano; e 6% visitam o parque acima de 39 vezes ao ano (Figura 4.6). Diante da diversidade na frequência de visitação, torna-se necessário programas de educação ambiental em diferentes frentes: uma destinada aos visitantes que estão indo pela primeira vez ao parque; outra para os visitantes rotineiros, nesse caso, sugere-se uma maior variedade de atividades, na qual será possível trabalhar com projetos educativos. Figura 4.6 - Frequência de visitação dos 500 visitantes entrevistados no Parque Nacional Serra de Itabaiana entre dezembro de 2006 e outubro de 2007. A maioria dos visitantes entrevistados (59%) tem como companhia amigos; 34,8% familiares; 3,2% grupos escolares4; 1,2% grupos de escoteiros; e apenas 1,8% vão sozinhos ao parque (Figura 4.7). 4 É importante ressaltar que a entrevista não selecionou grupos específicos, as escolha dos entrevistados aconteceu de maneira aleatória. 142 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Figura 4.7 - Companhia dos 500 visitantes entrevistados no Parque Nacional Serra de Itabaiana entre dezembro de 2006 e outubro de 2007. Do total de entrevistados, grande parte foram em grupos compostos entre 2-13 pessoas (68,2%). Segundo Roggenbuck e Lucas (1987), embora pessoas sozinhas em visitas a Unidades de Conservação sejam raras, o tamanho dos grupos está diminuindo ao longo dos anos. No caso do PARNASI, apenas 1,8% foram sozinhos ao parque (Figura 4.8). Figura 4.8 - Tamanho dos grupos de visitantes entrevistados no Parque Nacional Serra de Itabaiana entre dezembro de 2006 e outubro de 2007. PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 143 4.3 - Atividades de recreação O banho é a atividade de lazer preferida por 62,2% dos entrevistados durante a permanência no parque. A caminhada (13,4%), a contemplação da Natureza (7,6%), o relaxamento (3,6%), conhecer mais o Parque (2,2%) e outras atividades (10,6%), tais como: beber, jogar bola, paquerar, namorar, fazer amizades, se bronzear, esporte de aventura – rappel5 e escalada, também foram citadas. Apenas 0,4% disseram que não gostaram de nada do parque (Figura 4.9), estes entrevistados foram os mesmos que afirmaram que nunca mais retornariam ao parque. O motivo dado pelos dois entrevistados que não apreciaram o parque foi “que andava muito e não via nada”. Isso demonstra o quanto afastado da Natureza eles estão, não apreciaram a beleza cênica, a biodiversidade presentes no PARNASI. Os visitantes devem ser sensibilizados para abrir mão de alguns hábitos e “necessidades”, em troca de novas experiências. Conforme Neiman (2006) é simplesmente uma questão de coerência: “os lugares visitados apresentam uma realidade totalmente diferenciada e se cada turista carregar ou exigir seu tipo de alimentação, seu tipo de acomodação, seu estilo de vida em geral”; com o passar dos anos, esses locais não terão mais as características peculiares, tornando-se “lugares comuns” e não mais atrairão ecoturistas (se continuarem existindo). A contemplação da Natureza foi citada apenas por 7,6% dos entrevistados, isso demonstra a necessidade de programas de interpretação ambiental que proporcione a re-integração homemnatureza. Segundo STANKEY e SCHREYER (1987) o tipo e quantidade da experiência anterior, informações prévias, grupo social, 5 Técnica de transposição de obstáculos verticais utilizando cordas, mosquetões, freio oito e outros equipamentos de segurança. 144 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Figura 4.9 - Atividade de recreação preferida pelos visitantes entrevistados no Parque Nacional Serra de Itabaiana entre dezembro de 2006 e outubro de 2007. estado emocional e o próprio ambiente são alguns fatores que afetam a percepção das pessoas. A percepção ambiental “[...] é tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos, como a atitude proposital, na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados” (TUAN,1980). As percepções e os valores, respostas dos seres humanos a seu meio ambiente físico, permitem-lhes também compreender a si mesmos. Uma longa série de percepções, de experiências, leva à formação de posturas culturais, de atitudes (GONÇALVES, 2006). No julgamento dos visitantes, a quantidade de lixo (61%) e as áreas sem vegetação (43%) são os impactos que mais comprometem a qualidade da visitação (Figura 4.10). PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 145 Figura 4.10 - Valoração atribuída a diversos aspectos do Parque Nacional Serra de Itabaiana pelos 500 visitantes entrevistados entre dezembro de 2006 e outubro de 2007. Apesar do grande número de árvores danificadas nos locais onde as entrevistas foram realizadas, muitos dos entrevistados (80%) afirmaram não ter visto árvores danificadas, mesmo próximo a elas durante a aplicação da entrevista. Para reverter a falta de sensibilização perante as questões ambientais, é necessária a criação de programas de educação ambiental. A metade dos entrevistados (50%) julgou as condições de caminhadas nas trilhas como boas e excelentes. Possivelmente, eles não percebem a falta de manutenção e os impactos das trilhas, tais como alargamento, abertura de clareira nas margens, trilhas secundárias, porque já estão acostumados com a precariedade da infra-estrutura urbana (falta de saneamento básico, ruas esburacadas etc). A justificativa mais citada pelos que julgaram as condições de caminhadas nas trilhas como regular, ruim ou péssima foi a extensão, segundo eles “é muito longa”. 146 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Segundo os entrevistados a receptividade do parque ao visitante é péssima (13%), ruim (9%), regular (29%), boa (34%) e excelente (15%). Praticamente, o único contato entre funcionários do parque e visitantes ocorre na entrada principal quando o responsável pela portaria pergunta a um dos visitantes que compõe o grupo qual seu nome, aonde reside e o objetivo da visita, e caso o acesso aconteça pelas demais entradas do parque não existe qualquer tipo de recepção. O alto grau de satisfação comparado à inexistência de receptividade pode ser devido ao fato das pessoas estarem habituadas com a ausência do Estado, ou porque não entendem a importância e os objetivos de um Parque Nacional. Mesmo o parque sendo carente em infra-estrutura adequada, tais como lixeiras fechadas para que a fauna não entre em contato com o lixo; centro de visitantes; rampas para deficientes; corrimãos para evitar acidentes, a maioria dos entrevistados afirmou estar satisfeitos com a infra-estrutura (72%). Dos que estavam insatisfeitos reclamaram da falta de bares e restaurantes. Isso demonstra que os visitantes vão ao PARNASI à procura do lazer encontrado nas cidades e não percebem o risco que se expõe decorrentes da falta de infra-estrutura básica do parque. De acordo com Neiman (2006), é preciso que o órgão gestor deixe de “preparar” os locais para receber o visitante e passem a preparar o visitante, os planejadores e os operadores para conhecer os locais. Se a infra-estrutura da trilha for muito marcante, ela pode impedir os caminhantes de terem suas vivências com o espaço. O planejamento e a implementação da trilha deve favorecer o surgimento de sentimentos e emoções, a partir do “espaço vivido”, com o ambiente próximo, suas paisagens, lugares, proporcionando ao caminhante o conhecimento da sua realidade. Apenas 14% dos entrevistados estavam insatisfeitos (6% achou péssimo e 8%, ruim) com o ruído provocado por outros visitantes PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 147 no dia da entrevista. Algumas das vezes havia muito barulho e os entrevistados afirmavam: “está bom, quanto mais gente melhor”. Com relação ao aspecto número de visitantes, o maior percentual de respostas (52%) foi que estava bom, seguido de regular (29%) e ótimo (18%). Apesar da metodologia capacidade de carga, que considera apenas o número de visitantes que uma área suporta, sem se preocupar com as variáreis recreativas e ambientais, não ser apropriada para controlar os impactos de visitação em uma unidade de conservação, o número de visitantes pode ser utilizado como um dos indicadores para o monitoramento desses impactos. A capacidade de carga é ainda utilizada nas Unidades de Conservação brasileiras para definir o número de visitantes que uma UC suporta. Sabe-se que considerar apenas essa variável não é suficiente para garantir a proteção dos recursos naturais. A Reserva Natural Salto Morato, reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) do Estado do Paraná mantida pela Fundação Boticário optou no seu plano de manejo não trabalhar com a metodologia Limite Aceitável de Câmbio ao invés da capacidade de carga. Esta RPPN é um modelo em gestão de UC, sendo também palco de diversos cursos ministrados por profissionais renomados. Além disso, a Reserva promove e incentiva pesquisas que contribuam para a conservação da Natureza e otimize o manejo da reserva (BOTICÁRIO, 2001). Sugere-se para o PARNASI uma metodologia que monitore os impactos através de indicadores recreativos, ambientais e físicos tal como o LAC. O índice de aceitação dos visitantes entrevistados com relação ao parque foi de 99,6%. Apenas 0,4% afirmaram que nunca mais retornariam ao parque, disseram que o parque não lhes proporcionou nenhuma atividade de lazer. Mais da metade dos respondentes (57,2%) disse não ter nenhuma sugestão ou reclamação para ser feita; 15,4% sugeriram melhorar a infra-estrutura; 8,4% falaram da necessidade de edu- 148 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES cação ambiental e da abordagem de informações sobre o parque; 8,2% reclamaram sobre a ineficiência da gestão; 6,2% sugeriram mais fiscalização e segurança; 3% sugeriram que o parque disponibilizasse um transporte até próximo das trilhas e apenas 1,6% reclamaram da ausência de guias locais (Figura 4.11). A visitação tem sido feita apenas para o lazer básico, sobretudo o banho nos poços e cachoeiras. Contudo, é necessário conciliar conservação e educação ambiental, visando atender ao propósito pelo qual o parque foi criado. Figura 4.11 - Sugestões ou Reclamações citadas pelos 500 visitantes entrevistados no Parque Nacional Serra de Itabaiana entre dezembro de 2006 e outubro de 2007. 4.4 - Infra-estrutura A situação ideal é que quando o visitante chegasse ao PARNASI, ele fosse recepcionado num centro de visitação, onde receberia informações a respeito das normas de conduta a serem tomadas no interior da área, com uma linguagem simples e objetiva, por meio de apresentação falada ou escrita. PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 149 Segundo MENEZES (2004), a infra-estrutura física do PARNASI para receber visitas com foco na educação ambiental e em pesquisa científica não atende a demanda. O sistema de sinalização é precário e o galpão para atender aos estudantes é pequeno. Infra-estruturas devem ser implementadas visando atender às necessidades dos visitantes, minimizar os impactos negativos e evitar acidentes. A construção de um centro de visitação, por exemplo, auxiliaria na sensibilização dos visitantes. As edificações devem ser feitas com materiais alternativos, como pedras, madeira ou do tipo, de forma a não causar um impacto visual negativo na paisagem natural e o seu funcionamento deve ser feito de forma sustentável. A diminuição da beleza visual está relacionada aos impactos espaciais. Esse termo descreve o fato de que o turismo não pode ocorrer sem a existência de serviços e instalações para atender os turistas. No entanto, as instalações consomem espaço e podem, dessa maneira, comprometer a natureza do cenário da região. Há muitos exemplos de urbanização malfeita com claras implicações na beleza do cenário e na manutenção da naturalidade dos ambientes naturais (DIAS, 2003). Vale frisar que instalações para melhor atender os turistas acabam reduzindo o habitat da vida silvestre. Na opinião de RUSCHMANN (1997) em todos os espaços, a poluição visual provocada pela construção de equipamentos de hospedagem, alimentação e entretenimento modifica o meio, descaracterizando irremediavelmente a paisagem. Na verdade, a infra-estrutura deve ser baseada em princípios da gestão ambiental, reduzindo o consumo de energia, controle da emissão de resíduos e a adoção de fontes alternativas de energia como, por exemplo, a energia eólica e a energia solar. A questão da segurança é um fator crucial dentro de uma unidade de conservação. Isso se deve pela garantia da integridade 150 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES física e psicológica dos seus frequentadores. No caso do Parque Nacional Serra de Itabaiana, já foram relatados vários casos de insegurança dentro da unidade, como também foram observados durante a realização da pesquisa, cenas de pessoas usando drogas. Um dos entrevistados relatou que já presenciou, várias vezes, pessoas com armas de fogo no interior do PARNA, combinando bebida alcoólica com drogas, na presença de grupos de famílias com crianças. Durante a realização da pesquisa de campo, após ter participado da entrevista, um casal teve seus pertences furtados no Poço das Moças, local mais procurado pelos visitantes. Para melhorar a segurança, os visitantes fizeram algumas sugestões: rígido controle na entrada (RG, endereço); revistas; presença de seguranças, rondando o interior do parque, dentre outros. A presença de policiamento acabaria intimidando pessoas de má conduta que se desloquem ao PARNA, no intuito de praticar alguma atitude ilícita. Dessa forma, haveria uma maior sensação de segurança para aos visitantes. Um outro ponto abordado pelos visitantes foi a questão de uma unidade de saúde dentro do Parque, com o objetivo de fazer o resgate e o salvamento dos freqüentadores em emergência. Os turistas em áreas naturais protegidas estão em constante risco de se perderem nas trilhas ou de serem picadas por animais peçonhentos, como: cobras, escorpiões, aranhas, sendo necessária a aplicação de soros. Assim, é necessário que haja uma unidade médica dentro do PARNA, com profissionais da área da saúde, de forma a adotar os procedimentos adequados no caso de uma emergência. Deve-se esclarecer que para implementar infra-estruturas no PARNA Serra de Itabaiana, torna-se necessária a elaboração de um plano de manejo. Este indicará o melhor local para sua implementação, de maneira a minimizar os impactos. PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 151 5 - PLANEJAMENTO E GESTÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO EM SERGIPE A elaboração do Plano de Manejo com programas de Educação e Interpretação que considere a percepção do público envolvido é de fundamental importância para que os propósitos para os quais as Unidades de Conservação foram criadas sejam cumpridos. Como pode ser visto no PARNASI, a maioria dos visitantes não se mostra sensível perante as questões ambientais e não reconhece que está dentro de uma Unidade de Conservação. Tal fato aliado à ausência do órgão gestor tem contribuído para a degradação da Unidade de Conservação que apresenta visivelmente impactos negativos de visitação (árvores danificadas, trilhas alargadas e lixo em grande quantidade). Constatou-se que grande parte dos entrevistados busca no PARNASI um dia de lazer como banhistas e não espera do órgão gestor outras formas de lazer (ecológico ou de conhecimento sobre a flora e fauna local). Este fato compromete sobremaneira a resiliência dessa unidade de conservação que foi criada por meio de critérios ecológicos (presença de espécies de fauna em extinção e nascentes de importantes rios). É preciso, urgentemente, encontrar mecanismos que conciliem a conservação das espécies com os anseios do perfil dos visitantes. O zoneamento da área terá um importante papel a fim de delimitar áreas, bem como monitorar os impactos de visitação. O PARNASI não tem gerado emprego para a comunidade local de maneira que possa substituir a renda familiar adquirida de maneira ilícita, tal como a extração de madeira, areia e argila e caça. O estudo da percepção ambiental e a inclusão da comunidade no planejamento é um passo fundamental para que a gestão sustentável do PARNASI ocorra de fato. 152 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Na elaboração do Plano de Manejo, além de considerar a percepção e os anseios da comunidade do entorno, muitos destes aqui expostos, é preciso uma participação da comunidade local durante todo o processo de planejamento. A participação ativa de todos os atores envolvidos é necessária para estabelecer mecanismos de controle da visitação. Apesar de os visitantes e a comunidade do entorno serem os causadores de parte dos problemas ambientais do Parque, são também parte das soluções. Resolver a problemática ambiental do PARNASI excluindo a comunidade local não é uma solução inteligente. O desenvolvimento e conservação só serão alcançados se estabelecidos mecanismos mais efetivos de planejamento e gestão. Só assim, essas unidades de conservação serão efetivamente consolidadas e cumprirão os propósitos para as quais foram criadas. 6 - REFERÊNCIAS BARROS, M.I.A. de. Caracterização da visitação, dos visitantes e avaliação dos impactos ecológicos e recreativos do Planalto do Parque Nacional de Itatiaia. Dissertação de Mestrado, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Piracicaba, 2003. 121p. BENAYAS, J.A. Paisaje y Educación Ambiental Ambiental. Evaluación de Cambios de Actitudes hacia el Entorno. Monografías de la Secreatía de Estado para las Políticas del Agua y el Medio Ambiente, MOPT, Madrid. 1992. BERNALDEZ, F. Ecologia y Paisaje Paisaje. H. Blume Ediciones, Madrid. 1981. PERCEPÇÃO AMBIENTAL COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO ... 153 BOTICÁRIO, Fundação O. 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Brasília. 470p. 2003 5 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE: UM RECORTE INSTITUCIONAL DE ALGUMAS AÇÕES EDUARDO LIMA DE MATOS Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que toda atividade de seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no direito brasileiro ( BANDEIRA DE MELO, 2001). 1 - INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 ao redemocratizar o Brasil reestruturou político-administrativamente a República Federativa do Brasil, restabelecendo o estado democrático constitucional de direito. Ocorreu a redistribuição de competências e os poderes foram devidamente reequilibrados, proporcionando a harmonia e independência desejados pelo legislador constituinte. No tocante ao Ministério Público, a modificação foi muito intensa, saindo da condição de um órgão atrelado ao Poder Executivo na Carta de 1967, para uma instituição com prerrogativa de poder e alçada à condição de fiscal da sociedade. 162 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES A nova Carta Magna assegurou autonomia financeira e administrativa, quadro próprio auxiliar, adequação remuneratória, vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de salários e independência funcional para os seus membros. Com essas garantias o Ministério Público passou à condição de fiscal da sociedade, sendo ofertado pela Constituição de 1988 um instrumental fundamental para a defesa do conjunto da sociedade. As atribuições foram ampliadas, privatividade da ação penal, controle externo da atividade policial, curadoria do meio ambiente, fiscalização dos serviços públicos essenciais, curadoria da população indígena, defesa do consumidor, patrimônio público e os demais interesses coletivos indisponíveis. O propósito neste trabalho é efetivar um recorte em algumas ações desenvolvidas pelo Ministério Público, as quais estão dentro das atividades de proteção e defesa do meio ambiente, um dever constitucional da instituição. Serão destacados alguns projetos que foram implementados nos últimos anos, destacando a importância da participação do Ministério Público na defesa do meio ambiente, e demonstrando como a Instituição pode colaborar com a conscientização do conjunto da sociedade para o alcance do estado democrático constitucional de direito ambiental. 2 - UM NOVO PARADIGMA CONSTITUCIONAL A Constituição Federal de 1988 modificou o tratamento institucional ofertado ao Ministério Público, estabelecendo competências para a defesa dos interesses do conjunto da sociedade. No tocante ao meio ambiente, reza a Constituição: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: Nota: Dispositivo regulamentado pela LC nº 75, de 20.05.1993, e Lei nº 8.625, de 12.06.1993. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE... 1 6 3 ... III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; Dessa forma, estabeleceu a Carta Magna o dever institucional de proteção ao meio ambiente, não podendo o Ministério Público deixar de exercer suas competências inerentes à defesa do meio ambiente. O dispositivo constitucional tem o cunho genérico e visa possibilitar a atuação nas diversas demandas oriundas da intervenção humana no meio ambiente. Assim, será na área de recursos hídricos, proteção do solo, atmosfera, cobertura florestal, licenciamento de atividades, crimes ambientais, políticas públicas ambientais, enfim, em todas as áreas onde existam conflitos pelo uso dos recursos naturais. Ao longo dos quase vinte anos de vigência da Constituição de 1988, o Ministério Público vem prestando relevantes serviços nas diversas áreas de atuação relativas à proteção ambiental. Além disso, a nova disposição constitucional proporcionou a edição das novas constituições estaduais e leis orgânicas municipais, documentos legais que incorporaram à tutela do meio ambiente estabelecida na Carta Magna de 1988. A partir do novo perfil constitucional surgiu a Lei 8.625/93, lei Orgânica dos Ministérios Públicos dos Estados e a lei Complementar 75, Lei Orgânica do Ministério Público da União, representando a reestruturação do Ministério Público Federal e Estadual, que se adequaram ao novo perfil da Constituição de 1988, ou seja, o de fiscal da sociedade. É interessante ressaltar que mesmo antes da edição da Constituição de 1988, a Lei Complementar 40/81 já designava o Ministério Público como instituição responsável pela ação civil. Em 164 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES 1985 surgiu a Lei 7.347, que regulamentou a ação civil pública, legitimando dentre outros o Ministério Público e lhe concedendo com exclusividade, a condução do inquérito civil público. Assim, mesmo antes da Constituição, o perfil do Ministério Público como defensor do meio ambiente já começou a ser delineado, inclusive, o Estado de São Paulo foi pioneiro na aplicação da Lei 7.347/85, sendo autor de diversas ações civis públicas de proteção ambiental. É correto afirmar que a partir da lei Maior de 1988, o Ministério Público começou a se estruturar para a defesa dos interesse difusos e coletivos, dentre eles, o do meio ambiente sadio, como determina o art. 225, caput, da Constituição de 1988. Nesses quase vinte anos de vigência da lei Maior, de fato, a atuação do Ministério Público avançou extraordinariamente, estabelecendo parcerias que foram fundamentais para a proteção do interesse público. Acontece que existe uma deficiência nos órgãos ambientais estaduais e municipais, além do fato de que nem todos os Ministérios Públicos possuem o corpo técnico específico para o acompanhamento das demandas ambientais que chegam à instituição. Contudo, o exercício das atribuições institucionais estabelecidas na Nova Carta foi decisivo para a proteção de diversos ecossistemas, de fato alguns restaram degradados, porém parte do ambiente natural protegido foi em virtude da ação dos integrantes dessa instituição, una, indivisível e essencial ao regime democrático. Não resta dúvida de que é essencial enfrentar as questões ambientais de forma contundente, reconhecendo que o passivo ambiental do país é imenso e exige que os órgãos públicos atuem de forma integrada, com estratégia para alcançar a proteção ambiental plena. O Ministério Público tem atuado como agente catalisador das ações ambientais, reunindo em seu entorno os diversos atores ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE... 1 6 5 sociais e públicos de atividades de proteção ambiental, conseguindo o Parquet integrar ações ambientais que se mostraram eficientes e necessárias para assegurar o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Nas linhas que se seguem serão comentados alguns trabalhos desenvolvidos pelo Ministério Público de Sergipe, que são amostras significativas de como Instituição pode atuar de forma integrada com os órgãos ambientais, favorecendo a proteção ambiental e conscientizando o conjunto da sociedade. 3 - UM RECORTE INSTITUCIONAL 3.1 - A seca de 2001 No ano de 2001 ocorreu uma estiagem prolongada no alto São Francisco, comprometendo o conjunto de afluentes da bacia do rio São Francisco, por conseguinte, o nível de água do rio ficou numa situação crítica, obrigando o Governo Federal a estabelecer um racionamento rigoroso, sob pena da escassez hídrica tornarse extrema. Naquele momento estava em andamento o projeto de transposição das águas do rio São Francisco, projeto pensado desde a época do Império, porém que nunca havia saído do papel, foi repensado na década de 1970, contudo, exatamente no Governo do mineiro Itamar Franco, teve suas iniciativas desenhadas, contudo, os primeiros atos administrativos ocorreram na gestão de Fernando Henrique Cardoso. O estudo prévio de impacto ambiental estava em andamento e os primeiros atos administrativos preparados para edição. A longa estiagem mudou a ação governamental, o estado crítico da bacia do São Francisco contradizia a possibilidade de doação de água, então o Governo Federal suspendeu o projeto de transposição e 166 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES estabeleceu um programa emergencial de revitalização da bacia do rio, diante do cenário trágico exposto nacionalmente. Durante o programa de revitalização, surgiu no seio do Ministério Público dos Estados, a ideia da criação da Coordenadoria Interestadual das Promotorias do rio São Francisco – CIP São Francisco, com a finalidade de uniformizar a atuação dos Ministérios Públicos dos sete estados integrantes da bacia do São Francisco. O primeiro coordenador foi o Procurador de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Junior, que articulou, no sentido que todos os Ministérios Públicos criassem suas estruturas internas destinadas à atuação na bacia do São Francisco. Dessa forma, ocorreu com todos os Ministérios Públicos, no caso de Sergipe foi criado o Núcleo de Apoio às Promotorias de Justiça do rio São Francisco, contando com um coordenador e dois sub-coordenadores, tendo atuação em 12 Promotorias de Justiça do Estado de Sergipe, na área de influência da bacia do São Francisco. A atuação da CIP - São Francisco permitiu a celebração de convênios com cada instituição, no intuito de equipar cada órgão de defesa da bacia do São Francisco com as condições ideais de atuação. No caso do MP de Sergipe foi adquirida uma camionete, equipamentos técnicos e estruturado um local de atendimento para exercício das atividades inerentes à proteção da bacia. Diversas atividades foram desenvolvidas, no sentido do exercício das competências estabelecidas. Num primeiro momento foi realizado um seminário com o fito de estabelecer a metodologia de atuação, diante de tantas demandas no baixo São Francisco sergipano. O primeiro ponto decidido foi a realização de um diagnóstico da região e a partir da identificação dos principais problemas teria início a atuação ministerial. No segundo momento, o Núcleo passou a realizar inspeções em diversas áreas da bacia, sempre acompanhado de peritos da ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE... 1 6 7 instituição e dos órgãos ambientais, identificado e registrado o dano, o laudo era encaminhado ao Promotor de Justiça da área, com a finalidade de adotar as medidas legais cabíveis. Com as inspeções efetivadas foram identificados diversos danos, como depósito irregular de resíduos, falta de coleta de resíduos, desvios de riachos, destruição de mata ciliar, atividades não licenciadas, lançamentos de substâncias poluentes no leito do rio São Francisco, barragens não autorizadas, enfim, ações danosas ao conjunto da bacia, que começaram a ser combatidas pela atuação dos Promotores de Justiça. Não é possível afirmar que os danos ambientais no baixo São Francisco inexistem, pelo contrário, infelizmente, a ação humana tem sido sempre danosa, porém, existe uma Instituição que vem trabalhando com os demais órgãos de proteção ambiental, no intuito de combater as condutas lesivas ao meio ambiente e isto tem de fato sido efetivado adequadamente. A criação da CIP – São Francisco foi um ponto fundamental na defesa da bacia, pois ordinariamente todos se reúnem e estabelecem metas para atuação conjunta na unidade territorial que é a bacia. Cabe registrar que o Ministério Público Federal, através da 4ª Câmara Ambiental vem atuando em conjunto com a CIP – São Francisco, bem como os Procuradores da República, lotados nos Estados integrantes da bacia também atuam em conjunto com os Ministérios Públicos dos Estados. Nesses sete anos de existência da CIP – São Francisco ocorreram atuações integradas e participativas em todos os eventos, tais como: consultas públicas, caravanas, audiências públicas, visita ao IMPE, reunião com a equipe que fez o estudo prévio de impacto ambiental, reunião com o Ministro da Integração, reunião com o Ministro do Meio Ambiente, diálogos com a Chefia da Casa Civil, reuniões do Comitê de Bacia, seminários, congressos, 168 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES simpósios, enfim todas as atividades ligadas à bacia do rio São Francisco, sempre garantindo a presença da representatividade da CIP – São Francisco, com o fito de demonstrar os aspectos legais e institucionais necessários à abordagem dos problemas ligados ao São Francisco. Além dessa atuação institucional em eventos e reuniões, ocorreu também uma ação concatenada para o ajuizamento de ações judiciais, dividindo assuntos e temas, tendo cada ente abordado temas específicos da região, proporcionando um volume substancioso de ações que estão tramitando no Supremo Tribunal Federal, em razão do entendimento daquela Corte Maior de que o tema era de conflito federativo e a competência é do STF. Essas ações terão a instrução realizada pelo STF, pois até o momento só ocorreram julgamentos de liminares, o mérito não foi abordado ainda em nenhuma das ações que tramitam na referida corte. A integração dos Ministérios Públicos dos Estados foi fator decisivo para uma atuação uniforme e concatenada, possibilitando um avanço na defesa do meio ambiente na bacia do rio São Francisco. Não obstante as dificuldades encontradas, a cooperação com os diversos órgãos ambientais, federais, estaduais e municipais foi ponto importante no exercício das competências constitucionais conferidas aos membros do Ministério Público. Convém afirmar que houve um avanço substancial na proteção ambiental, sem contudo descuidar da realidade que demonstra a existência de um cenário amplo de degradação ambiental, fato que exige um aprimoramento institucional maior e cada vez mais uma integração total dos órgãos de defesa ambiental, como condição sine ne qua non, para o alcance da qualidade de vida almejada. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE... 1 6 9 3.2 - O estudo da bacia hidrográfica do rio Poxim No ano de 2005 durante uma reunião sobre a questão da transposição do rio São Francisco, o professor Luiz Carlos Fontes, do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Sergipe, sugeriu que fosse dado inicio ao estudo das bacias do Estado de Sergipe. Seguindo essa sugestão foi marcada uma reunião no Ministério Público com os diversos órgãos estaduais, tais como: Secretaria de Meio Ambiente, Administração Estadual do Meio Ambiente, Superintendência de Recursos Hídricos, IBAMA, Universidade Federal de Sergipe, enfim, demais órgãos vinculados a questão ambiental. Na reunião ficou acordado que o estudo teria início com a bacia do rio Poxim, que é uma sub-bacia do rio Sergipe, ficando também definido que a Companhia de Saneamento do Estado – DESO e a Superintendência de Recursos Hídricos, através do Fundo de Recursos Hídricos iriam financiar o estudo. O projeto ficou orçado em R$ 267.000,00 (duzentos e sessenta e sete mil reais), tendo início em setembro de 2005 e o seu término foi em setembro de 2006, ficando a cargo dos professores José Patrocínio Hora, Carlos Alexandre, Antenor Aguiar e Robério Anastácio a condução do projeto, tornando-se o mais completo estudo realizado naquela unidade de planejamento. Os resultados foram publicados e apresentados nos diversos órgãos que financiaram o projeto, inclusive no Ministério Público para os Promotores de Justiça que atuam no território da bacia hidrográfica. Após a apresentação elaborou-se um documento especificando os principais problemas da bacia, esse material foi entregue ao então Coordenador do Núcleo de Meio Ambiente, Promotor de Justiça Sandro Luiz Costa. Diante dos fatos narrados, o Promotor de Justiça oficiou a Administração Estadual do Meio Ambiente para adotar as providências legais cabíveis. 170 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES Essa foi mais uma atuação do Ministério Público em defesa das bacias hidrográficas do Estado de Sergipe, claro que os problemas são maiores do que se pode contabilizar, mas não resta dúvida, foi o início de uma ação protetiva importante para os mananciais estaduais. 3.3 - Cajueiro dos Veados O professor Robério Anastácio, vinculado ao Departamento de Engenharia Florestal da UFS, procurou o Ministério Público para vaibilizar um projeto que estava em execução na localidade denominada Cajueiro dos Veados, localizada no Município de Malhador, especificamente na nascente do riacho, local que estava sendo efetivada uma ação de reflorestamento. No contato realizado com a Promotora de Justiça Cláudia Daniela, titular da Promotoria de Justiça de Riachuelo, foi informado que tramitava naquela promotoria um procedimento para apurar os danos causados a nascente do referido riacho. Assim, ocorreu a continuidade do procedimento e foi designada uma audiência pública para a sede do Ministério Público de Sergipe, na Praça Fausto Cardoso, na referida cidade. No decorrer da audiência os proprietários foram informados que a área de nascente é de preservação permanente, dessa forma, mesmo a propriedade sendo deles, estavam todos, por determinação legal obrigados à recomposição da área. Conscientes do dever de proteção das nascentes, os proprietários assinaram o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, assumindo a obrigação de cooperar com o reflorestamento da área. A Companhia de Saneamento de Sergipe – DESO também assumiu algumas obrigações no reflorestamento e o Ministério Público cooperou também, fornecendo o deslocamento do pessoal a cargo da Universidade Federal de Sergipe. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE... 1 7 1 Essa foi uma ação vitoriosa, a parte crítica da nascente está recuperada e o projeto vive um momento em que se faz necessária a ampliação da área a ser reflorestada, como forma de assegurar o abastecimento da região, pois é desse riacho que a DESO capta água para abastecer a cidade de Malhador. 3.4 - O assentamento rural Borda da Mata A criação do Núcleo de Apoio às Promotorias de Justiça do rio São Francisco possibilitou uma atuação mais incisiva em defesa do rio São Francisco. No ano de 2001, o Promotor de Justiça Antônio Cezar Leite de Carvalho iniciou um trabalho de reflorestamento da mata ciliar do Assentamento Borda da Mata. Contando com o apoio do Núcleo e do então Coordenador Geral do Ministério Público, Pedro Iroíto Dórea Leó, foi realizada uma reunião no assentamento e tomada a decisão de dar início ao reflorestamento de uma área de trinta metros, colocando uma cerca, para evitar que os animais destruissem a área reflorestada, ficando para discussão posterior a ampliação do espaço a ser reflorestado. Dois problemas iniciais surgiram – inexistência de regularidade da propriedade e o assentamento pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária – INCRA dos posseiros até a margem do rio São Francisco, sem respeitar os limites estabelecidos no Código Florestal. Observe-se que de fato era uma política pública de assentamento, a qual não respeitou as leis ambientais vigentes. A decisão de cercar causou resistências em alguns ambientalistas ligados ao IBAMA, porém, posteriormente, eles reconheceram que sem a colocação da cerca a área reflorestada não resistiria. No primeiro momento foram reflorestados sete quilômetros dentro do assentamento, ficando a comunidade parceira do plantio, sendo feito um revezamento para cuidar da referida área, já que cada as- 172 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES sentado faz a doação de um dia de trabalho por mês para o assentamento. O plantio foi um sucesso, contou com apoio da CHESF, ADEMA, IBAMA, UFS, PRÓ-SERTÂO, SRH, dentre outros órgãos, porém no ano seguinte, ocorreu uma cheia na região, com a abertura das comportas da Hidroelétrica de Xingo e 90% das mudas foram perdidas. O grupo liderado pelos professores Robério Anastácio e Genésio fazia o monitoramento quinzenal da área, com o fito de assegurar o crescimento adequado das mudas, com a enchente não esperada e a morte de muitas mudas foi programado um segundo reflorestamento, que ocorreu dentro do previsível. Nesse segundo reflorestamento as mudas chegaram a quatro metros de altura, porém uma nova cheia no ano de 2007, essa maior do que o esperado, provocou a morte de um percentual estimado em quarenta por cento, registrando que, nesse caso, as mudas já estavam adultas, causando um prejuízo imenso à área de restauração, tanto que foi aberto um procedimento para apurar os fatos no Ministério Público Federal Diante dos fatos, o monitoramento foi mantido e o reflorestamento está agendado para este mês de julho, com a finalidade de recuperar as áreas que foram atingidas com a última enchente. Um projeto simples, realizado pelo voluntariado e pela boa vontade das pessoas e das instituições, servindo de paradigma para a restauração de áreas e ensinando que, de fato, não degradar é mais barato do que restaurar. 3.5 - Lixo e cidadania No ano de 1998, quando estava na direção do Centro de Estudos do Ministério Público de Sergipe o Procurador de Justiça, Fernando Matos, por sugestão da Promotora de Justiça Maria Cristina da Gama Foz Mendonça criou um grupo de estudo para discutir a questão do lixão da Terra Dura. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE... 1 7 3 A primeira atividade do grupo foi uma visita ao lixão, quando estiveram presentes o Procurador de Justiça Fernando Matos e os Promotores de Justiça Cristina Mendonça, Carlos Cezar, Eduardo Seabra, Izabel Abreu, Gláucia Queiroz e Eduardo Matos, oportunidade em que o Promotor Eduardo Seabra fez a filmagem da situação do lixão, registrando o despejo de lixo hospitalar. Os estudos evoluíram e posteriormente, um grupo atuou na retirada dos menores da atividade de catadores de lixo e outro grupo passou a trabalhar nas alternativas para resolver o problema do depósito final de resíduos no Município de Aracaju. Após um longo e árduo trabalho a Promotora de Justiça, Izabel Abreu deu início a um trabalho de retirada dos menores da atividade de catadores de lixo, tendo o apoio da UNICEF. Posteriormente, a Promotora de Justiça Cristina Mendonça conseguiu o apoio da iniciativa privada e ajudou a fundar a Cooperativa de Catadores de Lixo de Aracaju – CARE, que passou a funcionar com o apoio do Ministério Público. Não obstante essas atividades, a questão jurídica não foi resolvida, o lixão continuou e não havia projetos de retirada. Após andamento do procedimento e com alguns incidentes aéreos ocasionados por urubus oriundos do Lixão da Terra Dura, o Promotor de Justiça Rony Almeida e o Procurador da República Paulo Jacobina ajuizaram uma ação civil pública, na Justiça Federal, com o fito de encerrar o depósito de resíduos sólidos naquela localidade. O processo foi suspenso e a Empresa de Infra- estrutura Aeroportuária - INFRAERO disponibilizou recursos para uma ação com a finalidade evitar acidentes. Algumas medidas paliativas foram tomadas, mas os reflexos do lixão continuaram. No decorrer do procedimento o Promotor de Justiça Sandro Costa assumiu o procedimento, fez a proposta de um grupo de estudo que foi montado para avaliar o processo. Após algumas reuniões ocorreu a proposta de um termo de ajustamento na au- 174 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES diência de conciliação. Proposto o TAC, o mesmo foi aceito pelos Prefeitos na área de influência do consórcio, porém, até o momento os atos concretos para a resolução dos problemas oriundos do lixão não foram alcançados, estando nesse momento, o grupo decidido a tomada de medidas de execução do TAC. Infelizmente, decorridos dez anos, desde que o grupo de estudo foi formado para discutir alternativas para o lixão de Aracaju, uma solução definitiva não foi alcançada, apesar da luta incessante do Ministério Público. Na verdade, o depósito de resíduos sólidos não é uma prioridade da Administração Municipal de Aracaju, que realiza eventos artísticose outras atividades com um gasto que seria suficiente para resolver parte dos graves problemas do lixão, contudo o Ministério Público continuará na luta para resolver esse problema antigo e danoso ao meio ambiente. 3.5 - O Projeto Adote um Manancial O Promotor de Justiça Antônio Cezar Leite de Carvalho idealizou um projeto de reflorestamento da mata ciliar dos rios Piauí e Piauitinga, desde a nascente até a foz. Ele conseguiu envolver a comunidade, o poder público e a iniciativa privada, contando com apoio dos professores da UFS, bem como professores da Faculdade José Augusto Vieira. O projeto conta com apoio da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Sergipe e de fato, foi pioneiro na sua idealização, constituindo-se na maior área a ser reflorestada no momento em Sergipe. Mais informações podem ser consultadas em Carvalho e Santana (2009). ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE... 1 7 5 3.6 - Núcleo do Meio Ambiente Com a posse da Procuradora Geral, Maria Cristina da Gama Foz Mendonça, ocorreu a partir de 2007, uma reestruturação nos núcleos que integram a Coordenadoria Geral, dessa forma, foi criado o Núcleo do Meio Ambiente, órgão de apoio a todas as Promotorias de Justiça do Estado de Sergipe. No Núcleo tramitam mais de trezentos procedimentos, indicando uma grande atuação da instituição nas questões ambientais, tendo sido dado uma ênfase muito grande a questão dos resíduos sólidos e gerenciamento hídrico. O primeiro coordenador foi o Promotor de Justiça Sandro Luiz da Costa e posteriormente, assumiu o Promotor de Justiça Gilton Feitosa, dando continuidade às ações já realizadas. 4 - CONCLUSÃO A Constituição de 1988, que nesse ano comemora seus vinte anos de promulgação, foi o ponto decisivo na tutela ambiental no Brasil, pois com as prescrições do art. 225 e demais artigos do seu texto possibilitaram uma ampla proteção ao meio ambiente. Dentre as grandes alterações destacam-se a proteção integral ao meio ambiente, resguardando o direito ao ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações e o estabelecimento da responsabilidade do Ministério Público na proteção do ambiente que pertence a todos. Nessas linhas foram delineadas algumas atividades desenvolvidas pelo Ministério Público, não foi possível citar todas, foram escolhidas as mais recentes e que tiveram uma ampla divulgação no conjunto da sociedade. De um modo geral o Ministério Público desenvolveu atividades importantes, mas que ainda estão aquém da necessidade coleti- 176 MEIO AMBIENTE: DISTINTOS OLHARES va e do cenário de degradação existente no momento, contudo, verifica-se uma reestruturação para que a Instituição possa efetivamente exercer suas prerrogativas com a amplitude prevista na Constituição esperada pelo conjunto da sociedade. 5 - REFERÊNCIAS BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo trativo.13. ed.. São Paulo: Malheiros, 2001. BENJAMIM, Antônio Herman V. Dano ambiental ambiental. São Paulo: RT, 1991. ambiental BESSA, Paulo Antunes. Curso de direito ambiental.1. ed.. Rio de Janeiro: Renovar,1993. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros,1996. ______. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 1996. CARVALHO, Antônio Cesar Leite; Santana, José Lima. Direito ambiental brasileiro em perspectiva - aspectos legais, críticas e atuação prática. Curitiba: Juriá, 2009. 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