Na urgência de uma educação artística com uma
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Na urgência de uma educação artística com uma
REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | Bianual | ISSN 1647-0508 #6 NOVEMBRO 2014 Na urgência de uma educação artística com uma postura radical perante as ofensivas do poder En la urgencia de una educación artística con una postura radical ante las ofensivas del poder FICHA TÉCNICA PROPRIEDADE E PRODUÇÃO EDITORIAL Rede Ibero-Americana de Educação Artística http://educacionartistica.org/riaea/ Juan Carlos Araño, Universidad de Sevilla, España #6 Leonardo Charréu, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Lia Raquel Oliveira, Universidade do Minho, Portugal REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA Lorena Sancho Querol, Universidade de Coimbra, Portugal EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES NOVEMBRO 2014 Lucia Gouvêa Pimentel, Universidade Federal de Minas Geris, Brasil Luciana Gruppelli Loponte, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil COMITÉ EDITORIAL Lucília Valente, Universidade de Évora, Portugal Aldo Passarinho | Instituto Politécnico de Beja / Lab:ACM, Portugal Manuelina Duarte, Universidade Federal de Goiás, Brasil Ana Velhinho | Instituto Politécnico de Beja / Lab:ACM, Portugal Maria Céu Melo, Universidade do Minho, Portugal Jurema Sampaio | Universidade de São Paulo, Brasil María Dolores Callejón Chinchilla, Universidad de Jaén, España Olga Olaya Parra | AMBAR Corporación, Colombia Maria Eduarda Ferreira Coquet, Universidade do Minho, Portugal Ricardo Reis | Universidade de Barcelona/ i2ADS, Portugal Maria Helena Leal Vieira, Universidade do Minho, Portugal EDITORES #6 José Carlos de Paiva Filipa Martins EDIÇÃO APECV – Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual Maria Jesus Agra Pardiñas, Universidade de Santiago de Compostela, España María Reyes González Vida, Universidad de Granada, España Marilda Oliveira, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Mônica Medeiros Ribeiro, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil 05 | EDITORIAL Paula Cristina Pina, Instituto Piaget, Portugal 05 | A urgência da EDUCAÇÃO ARTÍSTICA enquanto acção agonística: como um terreno político, epistemológico/ontológico singular, alargado e plural José Carlos de Paiva e Catarina Martins Raimundo Martins, Universidade Federal de Goiás, Brasil Rua Padre António Vieira, 76. Ricard Huerta, Universidad de Valéncia, España 4300-030 Porto, Portugal Ricardo Marín Viadel, Universidad de Granada, España Email: [email protected] Roberta Puccetti, Universidade Estadual de Londrina, Brasil Teresa Torres Eça, APECV/I2ADS, Portugal ENDEREÇOS ELETRÓNICOS Teresinha Sueli Franz, Centro de Artes da UDESC, Brasil Submissão de artigos: http://invisibilidades.apecv.pt Visualizar e descarregar os números publicados: http://issuu.com/ invisibilidades ISSN 1647-0508 PERIODICIDADE Bianual DATA DE PUBLICAÇÃO Novembro de 2014 Membros do Conselho Científico Aida Sanchez de Serdio, Universidad de Barcelona, España Ana Luiza Ruschel Nunes, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Ana Mae Tavares Bastos Barbosa, Universidade de São Paulo, Brasil Ana María Barbero Franco, Professora. Artista. Investigadora, España António Pereira, Escola Secundária de Peniche, Portugal Ascensión Moreno González, Universidad de Barcelona, España Belidson Dias, Universidade de Brasília, Brasil Carmen Franco-Vázquez, Universidad de Santiago de Compostela, España Catarina Martins, Universidade do Porto, Portugal Cláudia Mariza Brandão, Universidade Federal de Pelotas, Brasil Elisabete Oliveira, CIEBA-FBAUL, Portugal Fábio Rodrigues da Costa, Universidade Regional do Cariri, Brasil Fernando Hernández, Universidad de Barcelona, España Fernando Miranda, Unviversidad de la Republica, Uruguai Imanol Aguirre, Universidad Pública de Navarra, España Isabel Granados Conejo, Fundación San Pablo Andalucía CEU, España Isabel Maria Gonçalves, Universidade de Évora, Portugal José Carlos Paiva, Universidade do Porto, Portugal José Pedro Aznárez López, Universidad de Huelva, España DESIGN E PAGINAÇÃO Ana Velhinho LAB.ACM - Laboratório de Arte e Comunicação Multimédia do Instituto Politécnico de Beja | www.lab-acm.org 09 | ARTIGOS 10 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim 22 | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández EDIÇÃO ON-LINE 35 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade Isabel Bezelga LAB.ACM - Laboratório de Arte e Comunicação Multimédia do Instituto Politécnico de Beja | www.lab-acm.org 44 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? Moema Martins Rebouças REVISÃO DE TEXTO 60 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down Mariana Baruco Machado Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça Ricardo Reis Autores 70 | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas Fabiane Pianowski AUTORES NESTE NÚMERO Ana Cañete Correas Mariana Silva Câmara Ana Emidia Sousa Rocha Moema Martins Rebouças Ana Sofia da Cunha Bessa Reis Mônica M. Ribeiro Catarina Martins Mônica Medeiros Ribeiro Cláudia Mariza Brandão Raquel Morais Edite Colares O. Marques Ricard Huerta Elisabete Oliveira Ricard Huerta Fabiane Pianowski Roser Juanola Fernando Hernández-Hernández Samuel Mendonça Flávia Pagliusi Teresa Torres de Eça Giovana Bianca Darolt Hillesheim Isabel Bezelga Jesus Marmanillo Pereira José Carlos de Paiva Magda Silva Marcia Toscan Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva Maria Helena Vieira Mariana Baruco Machado Andraus 78 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? Raquel Morais 99 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica Edite Colares O. Marques 09 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes 1 visuais: primeiras considerações Ana Emidia Sousa Rocha 17 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de 1 uma Potência e a construção de subjetividades Magda Silva 27 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao 1 movimento corporal Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara 41 | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras 1 dos Morros da Mariana Marcia Toscan 47 | Estar alerta. A construção de uma atitude. 1 Ana Sofia da Cunha Bessa Reis EDITORIAL A urgência da EDUCAÇÃO ARTÍSTICA enquanto acção agonística: como um terreno político, epistemológico/ ontológico singular, alargado e plural da sua acção pedagógica está imbuída das suas concepções sobre o que é a Educação Artística; sobre o que os seus alunos têm de aprender na sua disciplina; sobre o que é a Literacia Visual; sobre quem pensa que são os seus alunos..., ainda que 154| ENTREVISTA 155| Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística Ricard Huerta disso não esteja totalmente consciente. RICARDO REIS (2011: 413) 166 | RESENHAS 1. O mundo ocidental no século XXI desvanece-se como cerne do desenvolvi- 167|Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta Teresa Torres de Eça mento, e espelho de um sistema político democrático, optimista e irradiante, re- 170|Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. Jesus Marmanillo Pereira sultado de um sistema global onde o ‘mundo financeiro’, escondido e incógnito, 175 | SECÇÃO ESPECIAL: HOMENAGEM A ELLIOT EISNER medidas-necessárias para superar os cataclismos financeiros criados pelas suas 76 | Evocación de Elliot Eisner 1 Fernando Hernández-Hernández 78 | Elliot Eisner na Arte-Educação Global e em Portugal 1 Elisabete Oliveira comanda, move governos e dita políticas, sabendo deslocar para fora de si as políticas. Os resultados da ganância dos poderosos, medidos na dimensão dos excluídos, dos sem-emprego-e-sem-esperança, dos refugiados sem-espaço-e-semágua, dos resíduos-sem-nome-e-sem-terra, dos novos-remediados, são desespe- 81 | El código paterno del maestro Elliot W. Eisner 1 Ricard Huerta rantes para quem desacredita no que é mostrado e constrói a sua percepção 83 | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una 1 pedagogía de la interioridad Roser Juanola uma prática agonística, e não se cansa de lutar por uma possibilidade de haver 87 | Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner 1 Maria Helena Vieira 89 | Corpo e conhecimento em arte: contribuições de Elliot W. Eisner 1 Mônica M. Ribeiro 91 | O ensino de Artes sob a égide da complexidade contemporânea 1 Cláudia Mariza Brandão 193| CHAMADA DE TRABALHOS crítica perante as representações dos dominantes hegemónicos e lhes contrapõe REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 É bom ter a consciência de que a acção de um professor não é inócua. Cada imagem que escolhe, cada actividade que propõe, cada decisão que toma no decorrer um aberto no tempo que há-de vir. A urgência de alterações visíveis, é assumida de modo diferenciado por focos resilientes, que não ignoram os fracassos de narrativas alternativas, e em geografias onde o percurso histórico é diferente, onde a independência e a autodeterminação dos povos conseguida no século XX não se substituíram por cópias-apressadas das formas de poder do mundo ocidental e, noutro sentido e em geografias sobrepostas, se procuram caminhos próprios, num percurso que se entreluza com as posturas agonísticas face aos valores hegemónicos do velhomundo-ocidental. “Não pretendemos dominar o mundo”, declara um dirigente de uma firma transnacional, “queremos apenas possuí-lo”. LATOUCHE, Serge (1998: 39) São tempos complexos e difíceis os deste início do século XXI, tempos múltiplos e encruzilhados que obrigam a atenção, escuta e paragem, ao encontro de uma acção esclarecedora, à mobilização de uma disponibilidade plena do corpo e do juízo, perante o que parece distante e o que se apresenta como distinto. Onde quer que se esteja, estaremos em 2014, conhecedores das desgraças longínquas, dos Novembro 2014 | Editorial |5 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 políticas geradas, apenas mostra a urgência de se contra- 3. A Educação Artística vive um momento crítico, em primei- à Educação Artística outras possibilidades de interferência sos artistas, dos sorrisos-falsos-da-tv, das falsidades e dema- riarem os caminhos de reprodução deste modelo social, na ro lugar porque as políticas hegemónicas subtraem as con- educativa, democrática e propiciadora de posturas críticas gogias descaradas dos políticos-profissionais do poder, das procura de um outro, aberto, em aberto. dições objectivas necessárias para o seu desenvolvimento, e de materialização das capacidades de produção de inter- procuras de outros-ares-de-refúgio em Marte, procurando criando situações escandalosamente desfavoráveis nas es- venções de natureza artística das crianças, jovens e adultos. discernir o que nos é escondido, o outro lado do que nos A pessoa singular não é um início, e as suas relações com colas, nas universidades, nos museus e centros educativos. Apela-se a este debate, a uma prática revirada de onde ir- dizem os ‘especialistas’. Nesta actualidade de tormentos outras pessoas não têm um início. ELIAS, Norbert (1987: Embrulhado em narrativas de reconhecimento do valor da radie a possibilidade de se aprender, ensinar, aprender/en- abundantes, pretende-se promover o debate, de clarifica- 52) cultura nas sociedades, determinam-se políticas que ten- sinar, sempre, em todo o lado, para se ser, para fazer, para dem a isolar a arte num reduto fechado, ao mesmo tempo saber, para não-saber, para viver… ção agonística de procura de um entendimento crítico e heterogéneo, busca-se a possibilidade simples de se poder voltar a ter desejos pessoais e interesses próprios, isolados dos discursos do ‘mercantilismo do consumo globalizado’, das ‘economias do saber’, resistentes aos ‘dispositivos de regulação’, capazes de lidar com o ‘vigiar e punir’, persistentes numa capacidade de resposta ao convite permanente à resignação e ao dormente conforto. A organização de este número do (in)visibilidades pelo Núcleo de Educação Artística do Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade (i2ADS/FBAUP), inscreve-se na pertença deste colectivo a um espaço de resistência no interior dos dispositivos de poder onde habita, procurando nas heterogeneidades existentes uma acção difusora de busca de possibilidades de intervenção crítica, persistentes na construção de uma narrativa comprometida apenas aberto, que a atenção aos tempos possibilita. 2. A inscrição na Educação Artística acarreta uma implicação crítica na actualidade, por se tratar de uma área de acção interrelacional, um espaço de produção de realidade, ou seja, um terreno nunca inócuo de intervenção, que ou se torna inerte na reprodução das narrativas hegemónicas e na disciplinação dos jovens e sujeitos, ou então, que persegue a construção de possibilidades críticas de um outro devir, onde cada cidadã e cada cidadão possam ter os seus próprios desejos e interferir democráticamente na comunidade. Esta inscrição crítica tem um sentido redobrado por ser a arte um campo de acção humana comprometida com o político e a arte contemporânea um lugar particular de implicação no entendimento das encruzilhadas do tempo, onde a actualidade configura complexidades que têm de ser entendidas, numa compreensão que lhe configura o próprio sentido. que se retrocede na criação de espaços educativos, onde a proximidade à arte se torne possível, pela experimenta- setembro de 2014 ção do seu fazer-saber, pelo envolvimento do corpo na sua experienciação, pelo entendimento da sua complexidade, pelo usufruto da sua natureza irradiante de vida. O presente número da Revista Invisibilidades é um nú- Mas este momento crítico corresponde também às incapa- mero especial. Em primeiro lugar representa um trabalho cidade de se gerarem práticas renovadas correspondentes colaborativo entre o Núcleo de Educação Artística do i2ADS- às demandas da actualidade, que se libertem do modelo de- Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade, e o senvolvido no século passado correspondendo ao fulgor do corpo editorial desta revista, particularmente representado modernismo, e se criem outras realidades educativas onde na figura de Ricardo Reis que, enquanto colaborador tam- se instale a capacidade de fazer-intervir, a prática da produ- bém deste Núcleo, propôs a realização colaborativa deste ção de sentidos e de actos significantes, resultantes de um número. entendimento do artístico construído numa proximidade à Os textos aqui reunidos são, portanto, resposta a um arte, a seus produtos e discursos, que a reconheça como desafio que se apresentava como a urgência de um pensa- um campo de actividade humana inscrita numa particular e mento e de uma postura radical em educação artística pe- permanente procura do inalcançável, e não por simulações rante as ofensivas do poder. Um número que pretendia não falseadoras do inimitável. apenas denunciar, mas fazer viver as tensões que borbulham O conforto, a facilidade, o controle elevam a conversa às No amplo território que a Educação Artística habita, no- formas de comunicação impessoal, em que se fala em vol- meada assim por configurar o campo onde se estabelecem Isso não é um cachimbo. A pintura mente. Mas ela diz a ta dos problemas e em que cada um renuncia a si mesmo relações educativas com a arte, na dimensão dos eventos aceitamos de frente o desafio de viver agonísticamente. Se verdade quando diz que mente. De todo o modo, é bom para deixar falar momentaneamente o discurso geral. que lhe conferem dimensão social, alojados nos museus de não confiar muito nela. os textos conseguem fazer transparecer os conflitos pró- BLANCHOT, Maurice (1959: 229) arte e nas instituições culturais, nas escolas de arte e na pre- CAUQUELIN, Anne (2006: 107) A visibilidade deste panorama alarga-se pela maior parte da humanidade, atormentada e numa revoltada imobilização, deixada adormecer no charme que a sociedade de consumo exibe, e nas opiniões que a ‘economia do saber’ espalha na procura da manutenção das regalias que sobram da ganância dos centros financeiros, das simbologias de poder e dos quando assumimos a intranquilidade do questionamento e sença do artístico nos currículos escolares, presentes no requer seja em modalidades formais e estruturadas, quer em 4. Este texto inicia a publicação de uma revista que marca relacionamentos abertos, híbridos ou desmaterializados, a a presença de uma vontade de na Educação Artística se en- relação anteriormente referida ao político, tem a mesma tenderem as possibilidades de ‘um fazer’ renovado e con- amplitude vinculativa que lhe confere o sentido, temporâneo, correspondente ao pensamento crítico que se torna esclarecido, também por uma acção de recusa da ma- … o poder transformador da colectividade humana sobre nutenção das rotinas e dos desânimos crescentes, face aos volta, isolam-se e não adquirem espaços de representação o seu destino que se funde (no aqui-e-agora) numa tem- muros sombrios que se vão construindo e que dificultam o que tornem visíveis e reforçadas as ideias que as alimentam. poralidade utópica, incompreensível, inimaginável, que o Esta impotência de presença agonística significativa em prol pensamento já não pode alcançar. seu exercício. de uma democracia radical, resultante da história recente, JAMESON, Frederic (2001: 77) 6 | Editorial | Novembro 2014 prios da complexidade dos tempos que vivemos, essa é uma questão a que apenas cada leitor(a) poderá responder. Mas da sua leitura emergirá a certeza de que estes textos trans- lacionamento estabelecido por artistas com comunidades, interesses que os cargos públicos oferecem. As acções de re- dos contratempos e do esgotamento das representações REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 êxitos das estrelas e das façanhas impressionantes de nos- Assinala-se, assim, numa demanda resiliente e positiva, a possibilidade de se multiplicarem as acções que conferem portam diferentes backgrounds e posicionamentos teóricos claramente diferenciados que revelam políticas de pensamento. O mais interessante será analisar cuidadosamente o político que cada um inscreve, que é a dimensão necessária do antagonismo. Mas o presente número é também especial porque incorpora em sim um outro núcleo de textos que, não sendo resposta à chamada lançada para esta revista, são em si mesmos reveladores de posicionamentos críticos em educação artística a partir dos contributos de Elliot Eisner, que recentemente nos deixou. Entender Eisner como uma ‘per- Novembro 2014 | Editorial |7 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 sonagem conceptual’, utilizando aqui a expressão de Gilles Deleuze e Félix Guattari, que viajou por diferentes geografias e foi também diferentemente apropriado, é talvez uma maneira justa de lhe prestar homenagem. O interessante destes textos é que eles são o resultado de encontros que estes diferentes autores tiveram com Eisner, encontros que se podem dizer também encontros com ideias e com um modo de pensar que permitiu a cada um(a) dele(a)s pensar mais sobre aquilo que já queria pensar. Deste modo, com a publicação deste número da revista Invisibilidades cumpre-se um duplo objectivo: o de pensar sobre os poderes que constrangem as actuais práticas em educação artística, numa dimensão internacional, e a lembrança de um autor fundamental para uma larga comunidade de pensadores e educadores na área da educação artística. Que ele seja sobretudo lembrado não como ‘herói’ mas como intercessor de pensamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLANCHOT, Maurice (1959). Le Livre à Venir. O Livro Por Vir. Martins Fontes, São Paulo, 2013. tradução de Leyla Perrone-Moisés. CAUQUELIN, Anne (2006). Fréquenter les incorporels . Frequentar os Incorporais, S. Paulo, Martins Fontes, 2008, tradução Huendel Viana. ELIAS, Norbert (1987). Die Gesellschaft Der Individuen. A Sociedade do Indivíduos, Lisboa, Publicações D. Quixote (2004), tradução de Mário Matos. JAMESON, Frederic (2001). A cultura do dinheiro: Ensaios sobre a globalização, Editora Vozes, tradução de Maria Elisa Cevasco e Marcos César de Paula Soares. LATOUCHE, Serge (1998). Les Dangers du Marché Planétaire, Os perigos do Mercado Planetário, Lisboa, Instituto Piaget, 1999, tradução de Nuno Romano. RICARDO REIS (2011). A Literacia Visual desde “quem os meus professores pensam que sou?”: uma análise sobre as imagens que os professores mostram aos seus alunos. in Sara Pereira (org) Congresso Nacional “Literacia, Media e Cidadania”, Universidade do Minho, 2011. José Carlos de Paiva i2ADS — Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade — Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Catarina Silva Martins Coordenadora do Núcleo de Educação Artística do i2ADS 8 | Editorial | Novembro 2014 ARTIGOS As políticas governamentais brasileiras e sua influência na formação docente em Arte Brasilian government policies and its influence on teaching in Art Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva de este artículo buscando comprender la formación del profesor, lo que requiere [email protected] un análisis histórico sobre las políticas de Educación Básica, develar las relaciones Departamento de Pedagogia - EAD - PPGAV UDESC, Brasil entre el proyecto de educación en el contexto actual y la formación de profesores, sobre todo en el ámbito de la enseñanza del arte, tanto en su nacimiento como en Giovana Bianca Darolt Hillesheim su desarrollo. A tales efectos, abordaremos por medio de los estudios de Saviani [email protected] de 2006, 2009 y 2011, los presupuestos de la Pedagogía Histórico-Crítica a fin de UNIASELVI - UDESC , Brasil buscar contribuciones para la formación de profesores de arte. Tipo de artigo: Original RESUMO Participam do projeto bilateral Observatório da Formação de Professores no âmbito do Ensino de Arte: estudos comparados entre Brasil e Argentina, professores de três universidades brasileiras e duas universidades argentinas cujo objetivo é sistematizar estudos relativos à formação de professores nos dois países sul-americanos nos últimos dez anos. Considerando a diversidade da coleta de dados realizada no projeto definimos o recorte deste artigo buscando compreender a formação do professor de Arte, o que requer uma análise histórica sobre as políticas de Educação Básica, um desnudar das relações entre o projeto de educação no contexto atual e a formação de professores, sobretudo no âmbito do ensino de arte, seja no seu nascedouro, seja no seu desenvolvimento. Para tanto abordaremos por meio dos estudos de Saviani de 2006, 2009 e 2011, os pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica a fim de buscar contribuições para a formação de professores de arte no Brasil. Embora o projeto abarque as reflexões entre Brasil e Argentina, neste artigo enfatizaremos o contexto brasileiro. Palabras Clave: Políticas gubernamentales; Formación del docente en arte; Observatorio; Brasil-Argentina. Abstract The project Observatory of Arts Teacher Education involves universities from two countries (Brazil / Argentina). Professors from three brazilian universities and two REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Políticas del gobierno brasileno y su influencia en la enseñanza en el arte Argentine universities systematize studies relating to teacher training in the both countries in South American in the past decade. Considering the diversity of data collection conducted in the project Observatory of Arts Teacher Education, this paper is framed with the purpose of understand the formation of the teacher. That requires a historical analysis of the politics of Basic Education, baring relations between the current education project and actual education especially in the teaching of art. Whether its initial education or in continuing education. We will address through studies Saviani 2006, 2009 and 2011, the assumptions of the Historical-Critical Pedagogy to seek contributions to the training of teachers of art. Keywords: Government policies; Teacher training in art; Observatory; Brazil-Argentina. Palavras-chave: Políticas governamentais; Formação do docente em arte; Observatório; Brasil-Argentina. RESumen Participan del proyecto bilateral Observatorio de la Formación de Profesores de Artes (Brasil/Argentina) profesores de tres universidades brasileras y dos argentinas cuyo objetivo es sistematizar estudios relativos a la formación de profesores en los dos países sudamericanos en los últimos diez años. Considerando la diversidad de la colecta de datos realizada en el proyecto, definimos el recorte 10 | Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Novembro 2014 Novembro 2014 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Silva / Hillesheim |11 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 na para Ensino de Arte (Parecer CNE/CEB – 22/2005). professores nos cursos de graduação. Podemos exemplifi- fessor é pensar também a educação, frisando que ambas reivindicam uma filosofia da práxis (Vásquez, 1986). A Educação Artística insere-se como disciplina obri- No contexto de implementação da lei 5692/71, a car com os dados apontados em outro estudo gestado no gatória no currículo do ensino de 1º e 2º graus no Brasil no política governamental do governo militar é de reordena- campo do Observatório por (Hillesheim, 2013) que levantou Assim, tendo como pano de fundo a crise estrutu- início dos anos de 1970, de acordo com a Lei de Diretrizes e mento da educação nos moldes do que ocorreu no trabalho no Banco de Teses da CAPES 400 dissertações com o tema ral do capital, no contexto atual, é necessário pensar qual Bases da Educação 5.692/71, e sua identidade é construída fabril e de acordo com as novas exigências de qualificação formação de professores em geral, buscando encontrar o formação, de fato, é articuladora do fazer e do pensar; quais sob a orientação tecnicista da lei, cuja meta era “[...] inserir do trabalhador para que este possa atuar competitivamente contingente de pesquisas sobre a formação nas licenciatu- os princípios privilegiam as mudanças educacionais no que a escola nos modelos de racionalização do sistema de pro- evidenciando o estreito vínculo entre educação e política, ras em Arte (que totalizaram 31). tange a formação de professores no Brasil. Vejamos, inicial- dução capitalista”. Neste sentido, tal como uma empresa que a escola é uma instância perpassada de ponta a ponta Do contingente de 31 dissertações, 22 foram des- privada, a escola deveria ser eficiente (Saviani, 1984: 13). pelo político, pelo econômico, assim como pelo cultural. É cartadas por abordarem aspectos da formação continuada No caso brasileiro, é no período de 1827 até 1890 Em que pese sua gestação no seio de um modelo com base neste pressuposto que nasce a organização em ou relatos de experiência de Ensino de Arte nas escolas ou que a preocupação com a formação do professor se colo- de desenvolvimento econômico dependente, não se pode torno de uma Federação de Arte Educadores do Brasil – ONG`s. Finalmente, sobre a formação de professores nas ca pela primeira vez; ou seja, é a época da independência, deixar de reconhecer que a lei 5.692/71 tornou obrigatória FAEB - em 1987, comprometida com uma educação e uma licenciaturas em Artes, restaram apenas 9 dissertações, precisamente em 1827, com a Lei das Escolas de Primeiras a disciplina Educação Artística na escola, o que é louvável. atuação no campo do ensino da Arte tanto política quanto sendo que 8 delas foram desenvolvidas em programas de Letras – quando “[...] os professores são obrigados a se ins- No entanto, cabe perguntar: a lei por si só resolveu o proble- pedagógica. pós-graduação em Educação e uma delas em programa de truírem no método do ensino mútuo, às próprias expensas” Artes Visuais. –, que se destaca “[...] a exigência de preparo didático” do 1 mente, que propostas de formação ganharam corpo. ma do acesso à arte no Brasil para a maioria da população? Concebendo a educação (e a educação em Arte Ou melhor, a obrigatoriedade vincula-se às lutas dos profes- também), como uma prática que, longe de ser desinteres- Já as teses de doutorado, (Hillesheim, 2013) des- professor, embora, de acordo com (Saviani, 2009: 144), “[...] sores por uma educação artística voltada aos interesses da sada e neutra, mas que no modelo de sociedade capitalista taca que foram coletadas 89 teses entre os anos de 2000 a não se faça referência propriamente à questão pedagógica”. maioria? ou a lei apenas recompõe as práticas educativas é um instrumento de reprodução social, também o é con- 2011, sendo que 13 se referem à formação de professores Nesta perspectiva foram criadas as Escolas Normais, “[...] impregnadas de uma mesma concepção liberal de educa- traditoriamente de emancipação, o que leva o conjunto dos de Arte. Entre elas só uma, de um programa de pós-gradu- que visavam à preparação de professores para as escolas ção e sociedade, cujo ideário sustenta-se na “[...] ideia de educadores em Arte, sobretudo a partir dos anos de 1980, ação em Educação, atende ao tema da formação de profes- primárias”. que a escola tem por função preparar os indivíduos para o a colocar no centro de suas preocupações a pesquisa e a sores de Arte nas licenciaturas. desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões reflexão sobre os pressupostos teórico-metodológicos do individuais” (Libâneo, 1986: 2)? A formação proposta para ensino de Arte. Nesta linha de raciocínio, (Saviani, 2006: 145) lem- Outro aspecto apontado por (Hillesheim, 2013) diz bra o que argumentavam os reformadores da instrução pú- respeito ao lugar da formação de professores de Artes quan- blica do estado de São Paulo, realizada em 1890: “[...] sem alunos e professores, tem por objetivo reduzir o distancia- Partindo do entendimento de que a política de do se trata dos estudos de Pós-graduação. Neste contexto, professores bem preparados, praticamente instruídos nos mento entre os “doutos” e os “leigos”, entre a experiência e educação inerente à Lei 5692/71 também se inscreve na observa-se que raros estudos são desenvolvidos nos cursos modernos processos pedagógicos e com cabedal científico o saber, entre o capital herdado e o capital adquirido? Ob- história da Educação Artística, disciplina hoje chamada de de Pós-graduação em Artes Visuais, pois a maioria realiza-se adequado às necessidades da vida atual, o ensino não pode serva-se, de fato, uma mudança radical nas práticas político- Ensino de Arte, observa-se uma crescente oferta de cursos nos cursos de Pós-graduação em Educação. Nesse processo ser regenerador e eficaz”. pedagógicas? O que se supera e o que se propõe? de Formação de Professores na área e um aumento signifi- de reflexão, nos perguntamos: qual o lugar da Arte nos estu- Por último, cabe argumentar que é a partir do sé- A disciplina Educação Artística torna-se atividade cativo da Pós-graduação, num total de 39 cursos no país en- dos sobre a formação de professores de Artes Visuais? Que culo XIX que se põe a necessidade de universalizar a instru- obrigatória dentro deste contexto polifônico, desde a práti- tre mestrados e doutorados, no ano de 2012. Essa oferta de especificidades permeiam a formação deste profissional? ção elementar, o que levou à organização dos sistemas na- ca de academia advinda das Escolas de Belas Artes, do tecni- formação, no entanto, não é acompanhada pelo crescimen- Debruçando-nos sobre estas problemáticas, pri- cismo, até a livre expressão. A designação Educação Artísti- to de pesquisas sobre a formação nas licenciaturas em Arte. meiramente cabe lembrar que a formação do professor, em Estes, concebidos como uns conjuntos amplos ca que nomeou a disciplina na escola, foi utilizada igualmen- O que se observa nos levantamentos bibliográficos especial do educador em Arte, implica uma teoria e uma constituídos por grande número de escolas or- te nos cursos de formação de professores polivalentes, nas em anais de eventos, teses e dissertações, bem como em prática conectada à luta por uma transformação das rela- licenciaturas curtas, bem como a partir de meados de 1980 periódicos realizados entre 2000 e 2011, realizados pelo ções sociais, por uma sociedade igualitária e pela defesa também nas licenciaturas plenas seguido das habilitações. projeto Observatório da Formação de Professores no âm- de uma educação comprometida com o acesso ao conhe- Pode-se dizer que existe uma convivência com diferentes bito do Ensino de Arte: estudos comparados entre Brasil e cimento artístico-cultural cuja finalidade é a formação de nomenclaturas designando o nome do curso de formação, Argentina – (OFPEA- Br Ar) – doravante chamado Observa- homens e mulheres capazes de enfrentar os desafios ine- nível médio, para formar professores primários mesmo após a aprovação da mudança do nome da discipli- tório, é que o foco dos estudos concentra-se muito mais rentes à relação da tríade capital - trabalho - educação e de atribuindo-se ao nível superior a tarefa de formar 1 A lei 5692/71 é uma reforma da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB aprovada em 1961 (lei 4024/61). Essa LDB foi reformada em duas oportunidades. A primeira em 1968, com a reforma do ensino superior brasileiro e a segunda em 1971 com a reforma da educação básica (Lei 5692/71). nas experiências concernentes ao ensino de Arte na escola e criar um projeto político-educativo comprometido com as os professores secundários (Saviani, 2006: 146). nos relatos de formação continuada desenvolvida em redes transformações sociais, por consequência, com uma nova de ensino, do que em estudos que abordam a formação de educação não excludente. Enfim, pensar a formação do pro- 12 | Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA FORMAÇÃO cionais de ensino. ganizadas segundo um mesmo padrão, os quais viram-se diante do problema de formar professores – também em grande escala – para atuar nas escolas. E o caminho encontrado para equacionar essa questão foi a criação de Escolas Normais, de As escolas normais traziam a prática do desenho como uma abordagem educativa. O desenho pedagógico Novembro 2014 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Silva / Hillesheim |13 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 § 5º A União, o Distrito Federal, os Estados e os de acordo com o diagnóstico realizado. (Saviani, 2011) acre- na educação básica. A segunda, a resolução CNE/CP 2, de Conforme (Coutinho, 2008), a tese de Nereu Sampaio in- Municípios incentivarão a formação de profissio- dita que essa situação se dá pela pressão que os relatores 19/02/2002, implementa a carga horária obrigatória de es- dos pareceres sofrem das diferentes posições políticas exis- tágio e define a prática pedagógica como componente cur- tentes no meio político/educacional. ricular com mais de 800 horas de ação e reflexão na escola. titulada Desenho Espontâneo das Crianças: Considerações Sobre Sua Metodologia era em 1930 a única produção que nais do magistério para atuar na educação básica pública mediante programa institucional de bolsa de iniciação à docência a estudantes matriculados A LDB 9394/96, ao garantir o Ensino de Arte como A prática de estágio curricular como componente componente curricular, modifica a concepção de ensino por obrigatório visa proporcionar conhecimento, pesquisa e re- O PIBID - Programa Institucional de Bolsa a Ini- atividade que caracterizou a construção da Educação Artís- flexão sobre a escola ao longo do curso. Também possibilita No mesmo texto (Coutinho, 2008) apresenta as ciação Docente é um programa implantado pelo governo tica e propõe a inserção do Ensino de Arte como disciplina a imersão da universidade com ferramentas capazes de am- contribuições do educador Sylvio Rabello, que na condição federal com a aprovação do Decreto 7.219 de 04/06/2010 obrigatória e conforme a lei objetivando o desenvolvimento pliar a reflexão a fim de solidificar a formação do licencian- de professor da Escola Normal em Recife publicou dois li- que visa criar uma equivalência entre a atuação docente e cultural dos alunos. No tocante a formação de professores do, com uma melhor compreensão do contexto para cons- vros, um sobre Psicologia do Desenho Infantil e, em 1937, a atuação na iniciação científica. A equivalência dos valores de Arte, se na concepção da 5692/71 o professor de arte truir práticas emancipatórias na escola. No modelo anterior, das bolsas, o tempo de dedicação às ações e a existência possuía uma formação aligeirada, realizada em curta dura- o estágio era uma atividade terminal no curso, fato que pro- espécie de livro didático para a disciplina de “Psicologia de professores doutores orientando as atividades em parce- ção, sem muita estrutura nos cursos de formação inicial e porcionava pouco conhecimento sobre o cenário escolar. Aplicada à Educação” nas escolas normais e institutos de ria com os docentes da escola são os fatores de sucesso da a orientação era focada prioritariamente na atividade e na Em 2009 foi aprovada a resolução que instituiu as educação. proposta. Embora o PIBID apresente consideráveis avanços técnica, na concepção de formação de professores da LDB Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação Nosso intento é compreender a formação do pro- ainda não atingem contingentes satisfatórios de estudantes 9394/96 esse cenário mudou. A concepção de docência se em Artes Visuais, que orientou as reformas curriculares nos fessor de arte, as influências dessa história da formação de em formação, até mesmo porque a maioria dos licenciados ampliou, pois o professor é responsável na escola por pro- cursos da área. Esse movimento afetou a formação de pro- professores no Brasil, e por isso, um exame sobre como as são formados em cursos privados que não tem acesso a es- cessos que extrapolam as ações didático pedagógicas. Es- fessores de Arte porque a legislação proposta e a realidade políticas para a Educação Básica auxiliam a análise da influ- sas políticas ou equivalentes. sas mudanças sociais no modelo de escola e de aluno nos educacional exigiram novas demandas dos profissionais. abordava o desenho da criança. O estudo foi apresentado na Escola Normal do Distrito Federal, quando a capital do Brasil era o Rio de Janeiro. publicou o livro Psicologia da Infância, que se tornou uma em cursos de licenciatura, de graduação plena, nas instituições de educação superior. No contexto da LDB (Lei 9394/96), o artigo 67 afeta conduzem a uma contradição pois, de um lado, o profes- As diretrizes evidenciam a formação do bacharel os professores de Arte no quesito valorização do magistério: sor de arte se vê diante de um universos de ampliação de muito mais do que a formação do professor, dicotomia esta Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a possibilidades de atuação, mais produção artística na área, também presente nos cursos que possuem as duas habili- 2. AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA E A FORMAÇÃO DE valorização dos profissionais da educação, assegu- melhor produção e veiculação da literatura, crescimento da tações. Podemos aferir duas hipóteses para esse direcio- PROFESSORES DE ARTES NO BRASIL rando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e graduação e pós-graduação e por outro lado, existe uma namento uma de que, como já havia uma resolução que formação para a docência que se afasta dos aspectos filo- inseria os conteúdos pedagógicos na matriz curricular das sóficos e se aproxima de soluções práticas que minimizem licenciaturas, bastava propor conteúdos artísticos; outra hi- os problemas da realidade. Essa mecanização do trabalho pótese seria de que por trás dessa ênfase no processo e na clusive com licenciamento periódico remunerado do professor de arte caracteriza a concepção de formação teoria da Arte está a concepção de que basta saber o conte- um projeto, mesmo que inconcluso, de gestão dos recursos para esse fim; de professores presente na LDB atual. Essa ampliação das údo para saber ensinar. humanos para a educação, a exemplo da Lei de Diretrizes e III - piso salarial profissional; ações do professor na escola, da ampliação do tempo de Outro documento que suscitou demandas para as Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96 - que influencia IV - progressão funcional baseada na titulação ou trabalho para reuniões e formações, muitas delas mal ou licenciaturas em Arte foi o documento das Diretrizes Curri- não remuneradas, podem colaborar com o aumento da pro- culares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Resolução letarização docente. CNE nº 4, 2010), que propicia uma problematização: o que ência dos documentos oficiais na formação. Os últimos 17 anos constituem marco histórico de mudanças educacionais no que tange à formação de professores no Brasil (Sobreira, 2008). Nesse processo de mudanças nas políticas públicas brasileiras, o país passou a ter um conjunto de outros documentos. A referida lei estabelece um capítulo intitulado Dos Profissionais da Educação. Neste capítulo ficam caracterizadas as diferentes atividades profissionais dos educadores, no que se refere à definição de princípios que orientam a atuação profissional, sua formação em cursos de graduação (podendo ser oferecidos em Universidades ou Institutos de Educação), formação em serviço e continuada, sendo de responsabilidade dos Municípios, Estados e da União a promoção de ações formativas, segundo a reforma realizada na LDB pela Lei nº 12.796, de 2013: dos planos de carreira do magistério público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II - aperfeiçoamento profissional continuado, in- habilitação, e na avaliação do desempenho; V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - condições adequadas de trabalho. Para (Saviani, 2011), existe um diagnóstico relativamente correto, no que diz respeito a análise da situação geradora da normatização (leis, Decretos, Resoluções entre outros documentos). No entanto, as táticas de implementação das mudanças necessárias não apresentam soluções satisfatórias. Os documentos apresentam acessórios demais, perdendo o foco daquilo que a lei precisaria propor para estar 14 | Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Novembro 2014 Duas outras resoluções propostas pelo governo fe- se propõe para a organização da Educação Básica coaduna- deral atingem o conjunto das licenciaturas. A primeira, data- se com as diretrizes para a formação de professores (CNE/ da de 18/02 CNE/CP 1/2002, que define as Diretrizes Curri- CP 1/2002)? E para as licenciaturas em Artes, há um diálogo culares para a Formação de Professores da Educação Básica entre os documentos (CNE/2009)? em nível superior, curso de licenciatura, de graduação ple- A Resolução CNE nº 4 de 2010, que orienta a orga- na. Com o objetivo de harmonizar o modelo de formação nização da Educação Básica, tem como objetivo organizar docente presente nas licenciaturas, o documento institui o funcionamento dos diferentes níveis da educação básica, princípios, fundamentos e procedimentos a serem observa- bem como sua gestão, os processos avaliativos e a formação dos na organização da formação de professores para atuar de educadores. No documento há um conjunto de questões REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 é presente no ideário dos professores até os dias de hoje. Novembro 2014 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Silva / Hillesheim |15 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 produzidos culturalmente, expressos nas políticas ciaturas de Artes Visuais/Plásticas, como apontam (Silva cola, bem como da coexistência do professor de Arte neste públicas e gerados nas instituições produtoras do & Araújo, 2008). Em um segundo estudo, (Silva & Araújo, O Brasil possui acordos internacionais com a OCDE 2012) apresentam a inexistência de estudos que abordem por meio do Instituto Anísio Teixeira. (Ferreira, 2012), ana- “a formação de formadores”. Nossa área necessita estimu- lisando os documentos da OCDE que tratam da concepção lar mais estudos que tomem o formador, seja o professor da e da orientação para a formação docente, ressalta três pre- cidadania; e nos movimentos sociais (Resolução nº disciplina de Arte nos cursos de Pedagogia ou nas licenciatu- missas para a implementação de uma política eficaz e com- 4, 2010). ras em Arte, como elemento de análise a fim de identificar petente segundo os princípios neoliberais. conhecimento científico e tecnológico; no mundo espaço social. No tópico referente aos objetivos, aparecem do trabalho; no desenvolvimento das linguagens; as relações com o campo da cultura. nas atividades desportivas e corporais; na produ- Art. 3º As Diretrizes Curriculares Nacionais espe- ção artística; nas formas diversas de exercício da cíficas para as etapas e modalidades da Educação Básica devem evidenciar o seu papel de indicador de opções políticas, sociais, culturais, educacio- também coaduna com essa concepção de eficácia. É certo que as Diretrizes para as Artes Visuais apon- as principais questões desse intricado movimento de for- A primeira das premissas busca atrair os profes- um projeto de Nação, tendo como referência os tam para outras demandas profissionais aos professores de mar os formadores que vão atuar no contexto pedagógico sores para a educação desde a formação inicial com pro- objetivos constitucionais, fundamentando-se na Arte, fato que reitera o que já apontava (Oliveira, 2003), ao da escola a partir da perspectiva da Arte. gramas e estímulo de bolsas. Cabe ressaltar que a escassez cidadania e na dignidade da pessoa, o que pressu- abordar as reformas educacionais na América Latina na dé- (Gatti, 2012) analisou os trabalhos publicados na de professores no Brasil já é uma realidade e que, segundo põe igualdade, liberdade, pluralidade, diversidade, cada de 1990 que buscavam estimular os países a ampliar a revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – RBEP - entre os dados do INEP (2010), faltam professores de Artes habilita- rentabilidade da educação, inclusive inserindo as empresas anos de 1998 a 2011, destacando 38 publicações referen- dos, fato que gera uma necessidade de estimular a carreira na definição de princípios para a educação. tes ao tema da formação. Para (Gatti, 2012: 438) é urgente desde a graduação. Segundo (Neves, 2012) atual coordena- Embora haja uma diretriz por força do governo a implementação de “[...] políticas sistêmicas, integradas e dora da CAPES – DEB, federal, não há a devida correspondência, na maioria dos duradouras, bem monitoradas, que possam provocar trans- Em um contexto de baixa atratividade da profissão, estados e municípios brasileiros, no amplo cumprimento da formações efetivas diante das características socioculturais indicadores educacionais desfavoráveis, assime- legislação. O pagamento do piso salarial para os professo- dos estudantes que buscam ingressar nas licenciaturas”, trias regionais, velozes transformações da ciência res tem motivado lutas sindicais constantes e as estruturas preparando-os para compreender os desafios e atuar como e das tecnologias, demandas crescentes dirigidas organizativas das escolas não têm atendido as expectativas sujeitos nesse cenário. A autora ressalta que os estudos às escolas, novos padrões de comportamento de nem da legislação em vigor, nem dos profissionais e gesto- analisados abordam o trabalho dos professores, suas moti- crianças e jovens, exigências de uma sociedade que res. vações, o contexto e as contribuições que esses diagnósticos demanda equidade, igualdade de oportunidades, A Coordenação de Aperfeiçoamento de Profissio- podem exercer na formação de professores, oxigenando as justiça e coesão social e outros tantos fatores, a nais do Ensino Superior – CAPES - recebe, no ano de 2007, políticas públicas e a organização dos cursos de licenciatura. complexidade técnico-política da questão reveste- uma nova tarefa: emprestar o modelo de sucesso de aper- (Ferreira, 2012) destaca que os documentos brasileiros tra- se de contornos dramáticos (Neves, 2012: 356). feiçoamento de profissionais desse segmento em nível de zem influência das orientações propostas pela Organização A segunda premissa é desenvolver uma formação Mestrado e Doutorado para a Educação Básica. Esta ação é para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) 2 considerando os novos parâmetros de eficácia4, programas regulamentada pela Lei nº 11.502 de 2007. A Diretoria de na regulação 3 da política de formação docente no Brasil a como o Pró-docência, Novos Talentos desenvolvidos pela Educação Básica Presencial (DEB), propõe uma série de pro- partir dos anos 2000. (Ferreira, 2012), por sua vez, ratifica a CAPES Educação Básica, podem ser considerados exemplos gramas a fim de estimular mudanças no contexto da Educa- posição de que estamos num momento de grande investi- dessa política. Os programas propostos pela CAPES estão ção Nacional. mento na formação docente, no entanto, sua análise critica atrelados a uma visão liberal, baseada na ideia de compe- As investigações sobre a formação de professores o modelo de eficácia subjacente aos documentos oficiais. tência e eficácia. Para a coordenadora da CAPES – DEB: estão em crescimento, como aponta (Gatti, 2012). As atuais Essa política de eficácia tem focado a formação nos proce- O educador Philippe Perrenoud (2000) propõe políticas públicas colaboram para esse processo, existe uma dimentos didáticos, na definição de conteúdos ministrados competências que partem da sala de aula, onde o demanda estimulada por meio de editais, cresce o número e na avaliação externa à escola que vão validar, por meio de pesquisadores analisando os programas, como aborda- de exames, o processo avaliativo da educação brasileira. Ao do por (Gatti & Barreto, 2009). Embora as autoras apresen- mesmo tempo o modelo de formação de professores por tem um estudo minucioso sobre a realidade da formação competências presente nos documentos governamentais nais, e a função da educação, na sua relação com respeito, justiça social, solidariedade e sustentabilidade (Resolução nº 4, 2010). A articulação com os indicadores nas opções políticas, sociais e culturais permite dimensionar uma integração com a Arte e seus diferentes cenários, apontando para aspectos relativos à igualdade, liberdade, pluralidade, diversidade, respeito, justiça social, solidariedade e sustentabilidade, que dialogam com princípios políticos no campo da Arte. Consolidam-se, por meio da Lei 10639/2003, a problemática da pluralidade étnica abordada a partir da inserção na aula de Arte, dos conteúdos de cultura e história da África e dos afrodescendentes, bem como a Lei nº 11.645, de 10 de março 2008, que destaca as culturas indígenas. Essa organização temática numa perspectiva de visibilidade de outros grupos culturais e sua influência na cultura brasileira cria, também, demandas para a formação inicial e continuada de professores. No tópico II da Resolução CNE nº 4 de 2010 fica definido um conjunto de referências gerais que embasam conceitualmente a lei e que apontam para a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, demarcando uma intencionalidade no envolvimento do contexto artístico-cultural. Considerando o desafio de formar profissionais para atuar na realidade, o documento traz indicações do envolvimento dos professores, bem como formação continuada, espaço físico e salários adequados, a fim de garantir o pleno êxito da proposta. Já o capítulo das diretrizes, que aborda a organização dos sistemas de ensino, assinala que: Art. 14. A base nacional comum na Educação Básica constitui-se de conhecimentos, saberes e valores no Brasil, seus impasses e desafios, aparecem poucos elementos relativos às licenciaturas e professores de Arte. Nas produções da área são os anais de eventos que apresentam estudos embrionários sobre o tema da formação nas licen- 16 | Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Novembro 2014 2 A OCDE foi criada em 1948 para ajudar os países devastados pela II Guerra. Tem uma atuação a partir de comitês de educação e possui parcerias com vários organismos internacionais entre eles o Fundo Monetário Internacional - FMI. 3 Abordamos nessa regulação o conjunto de leis, pareceres e resoluções apresentadas ao longo do texto. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 que dizem respeito a organização do Ensino de Arte na es- professor deve utilizar novas linguagens e tecnologias, organizar, dirigir e administrar a progressão das aprendizagens – cujo plural alerta que é preciso também conceber e fazer evoluir os dispositivos que identificam os diferentes alunos e os motivam em suas aprendizagens e no trabalho em equipe. (Neves, 2012: 359). Já (Saviani, 2011) apresenta a ideia de competên4 Parâmetros apontados, entre outros, por (Perrenould, 1999). Novembro 2014 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Silva / Hillesheim |17 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 dade salarial, da estrutural da escola, da formação proposta o Norte e Nordeste do país, o número de professores em Assim, para (Saviani, 2011), aproximar as licenciaturas da implantação de concepções pedagógicas que previam uma nas licenciaturas, desencontradas das necessidades do con- exercício profissional é muito pequeno diante da extensão escola por meio dos estágios e aprofundar o conhecimen- qualidade fabril nas escolas. Pode-se estabelecer um vín- texto da escola. territorial dessas regiões. O Acre é um exemplo alarmante, to teórico, reforçando os saberes sistematizados no campo culo da concepção de competência e eficácia com o viés pois possui menos de 0,5 professores de Artes atuando na do conhecimento, auxilia a minimizar os dilemas existentes pedagógico do tecnicismo, modelo importado da educação rede escolar pública. entre domínio do conteúdo e domínio pedagógico. Para os americana para a realidade brasileira via acordo MEC-Usaid 3. OS ESPAÇOS DE FORMAÇÃO INICIAL: AS LICENCIATURAS que inspirou a criação da Lei 5692/71. EM ARTES VISUAIS Além dos problemas de falta de professores habili- profissionais do Ensino de Arte, como abordavam (Fusari & tados, baixa densidade no oferecimento de formação, fato Ferraz, 2001: 53), o desafio é “[...] saber Arte e saber ser Advém dessa concepção de competência a ideia da No campo da formação de professores de Arte, que gera programas especiais de formação como o PARFOR, professor de Arte” articulando duas dimensões do ser pro- formação de um professor técnico estimulada pelas novas (Araújo, 2010) aborda a história buscando referências na a UAB entre outros, a formação universitária de professores fessor. políticas. O professor técnico é aquele que desenvolve sua história da formação de professores, tendo como marco a vive um conflito entre dois modelos de formação confor- aula de modo pragmático, repetindo uma prática prescri- Reforma Francisco Campos, no Governo Getúlio Vargas, em me (Saviani, 2011). Para ele, configuraram-se dois mode- tiva, já o professor “culto”, como aborda (Saviani, 2011), é 1930. A autora também enfatiza a distribuição geográfica los de formação de professores: o modelo dos conteúdos aquele que, a partir de fundamentos científicos e filosófi- dos cursos de Artes na atualidade. Analisa, igualmente, que culturais-cognitivos e o modelo pedagógico-didático em Considerando a criação dos cursos de formação de cos, compreende a realidade social e a partir desse contex- do ponto de vista do contexto da criação da disciplina o mo- que situamos o modelo de professor de Arte na atualidade. professores para o ensino da Educação Artística a partir do to desenvolve proposta de formação aprofundada de seus delo do governo civil-militar trouxe entraves para seu pleno Os modelos que datam do século XIX ainda persistem no ano de 1971, pode se dizer que, mais do que as contribui- estudantes. funcionamento. “No caso da formação de professores de contexto da formação de professores na universidade, na ções da disciplina na rede escolar, podemos identificar as A terceira premissa apontada por (Ferreira, 2012), Artes, esses acordos resultaram na precariedade de recur- medida em que esses ideários pedagógicos antigos ressur- contribuições dos cursos de formação como lugar de pro- diz respeito à retenção dos professores por mais tempo na sos humanos e financeiros destinados aos cursos e em polí- gem revisados e adaptados para a atualidade, ou mesmo dução de conhecimento, de reflexão no campo da Arte e carreira, evitando o abandono da profissão precocemente. ticas educacionais voltadas para uma formação tecnicista e persistem nas suas concepções mais tradicionais. Aplicados de produção artística. Podemos elencar também uma vasta Com ações como o piso nacional, planos de cargos e salá- reducionista da concepção de docência” (Araújo, 2010: 07). esses modelos na área de Arte, teríamos uma ênfase na produção bibliográfica, um conjunto de programas de pós- rios, formação continuada no contexto do trabalho (espe- Nos dias de hoje há uma concentração de cursos formação por conteúdos culturais-cognitivos que ficariam graduação e o investimento na formação de recursos huma- cializações e mestrados profissionais) e envolvimento dos na região Sudeste e na rede privada, que, identificando ni- concentrados no aprendizado de Arte visando os conteúdos nos individualmente qualificados para atuar nas escolas e professores em projetos de pesquisa como o programa chos de mercado, investiu fortemente na criação de cursos, da disciplina, a formação de uma cultura artística geral, am- no cenário da Arte. Mas necessitamos ainda democratizar OBEDUC – Observatório da Educação -, o governo preten- garantindo seus ganhos na quantidade de alunos atendidos. pliando a formação no que diz respeito às teorias artísticas, o acesso a produção artística, e formar recursos humanos de implementar sua política de formação docente. Sobre a (Araújo, 2010) aponta dois movimentos expansionistas para aos processos artísticos, focando numa formação prope- aptos a conhecer a Arte, produzi-la, disseminá-la e compre- permanência dos professores na carreira docente, (Saviani, os cursos de Licenciatura em Artes Visuais. Um na década dêutica do educador, entendendo que a partir do domínio ender seus aspectos políticos, econômicos e sociais a fim de 2011) conclui que se os professores forem valorizados so- de 1970 como desdobramento da criação da disciplina de dos conhecimentos o professor de Arte poderia transpô-los construir um enfrentamento coletivo para a problemática cialmente, tiverem estrutura adequada, formação e salá- Educação Artística, e outro na primeira década do século para a realidade. do acesso como proposto nas perguntas iniciais do presente rios dignos, essa permanência será uma consequência, pois XXI, como ampliação dos cursos de graduação nas IES brasi- Já o segundo modelo ressalta o caráter pedagó- atrairão jovens a investirem em sua formação, como outros leiras. A autora destaca a existência de 126 cursos de artes gico-didático com a preocupação de enfatizar os fazeres A dimensão política da formação de professores o fazem para carreiras mais valorizadas. plásticas dentre os quais 39 criados no governo civil-militar artísticos no processo de ensino-aprendizagem na escola. de Arte com a inserção institucional da área foi minimizada, entre os anos de 1970 e 1979. Nas tarefas artísticas, os conteúdos sistematizados seriam, fato que poderia explicar o enfraquecimento das Associa- Dentre os diferentes programas oferecidos, desta- 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS texto. camos o Plano Nacional de Formação – PARFOR - que obje- Dados sistematizados no Projeto Observatório nessa concepção, pensados para a prática pedagógica, bem ções de Arte-Educadores nos estados brasileiros. A atuação tiva propor formação em nível de graduação no modelo pre- apontam que diante da distribuição geográfica de atendi- como os conteúdos artísticos pensados para a aplicação em política associativa foi dando lugar à atuação nos cursos de sencial para os professores não habilitados que atuam nas mento às demandas de formação de professores de Arte, sala de aula, pois a formação do professor de Arte só se con- graduação e pós-graduação. As lutas pela valorização da redes escolares públicas. Estes profissionais não habilitados conforme dados do Censo Educacional de 2007, último dis- cretizaria com o domínio do como ensinar. disciplina decresceram a partir da implementação da LDB existem também na área de Arte, atuam ministrando aulas ponível para análise pública, o atendimento em algumas re- Ressaltamos as especificidades da formação nas 9394/96, motivada pela obrigatoriedade como componen- de outras disciplinas com habilitação e complementam a giões, como Sul e Sudeste, apresenta equilíbrio. Um exem- licenciaturas em Arte como a formação do artista e a for- te curricular. No entanto, os editais de concursos públicos carga horária ministrando aulas de Arte sem habilitação. plo é o número de professores de Artes atuando na Educa- mação do professor, do pesquisador, o currículo e a sele- para professores de Arte, o modelo de formação continu- As atuais políticas públicas ainda apresentam ca- ção Básica no Paraná, que no Censo Educacional soma um ção de conteúdo, a prática e a práxis. Podemos dizer que ada disponibilizado pelas redes de ensino aos professores ráter disperso, muitas vezes não consolidados, atuando de total de 984, entre todas as linguagens, sendo que destes, esses dilemas perpassam a temática e, finalmente, as prá- e a falta de liberação para estudos de pós-graduação são forma parcial e com dificuldade de transformação: da reali- 127 sem habilitação. No entanto, em outras regiões, como ticas artísticas e suas relações com as praticas pedagógicas. alvos de duras críticas pelos professores de Arte que atuam 18 | Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 cia vinculada ao cenário dos anos de 1960, o contexto de Novembro 2014 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Silva / Hillesheim |19 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Tendo em vista as reflexões anteriores, muito se valorização do magistério e a falta de estrutura para ensinar tem discutido e escrito sobre a formação do professor. No arte nas escolas. Acreditamos que se houvesse uma política entanto, ela ainda é pensada no âmbito da dimensão técni- de fortalecimento das associações estaduais, os professo- ca ou do como ensinar, esquecendo-se que o como ensinar res organizados poderiam fazer frente a esses problemas e nem sempre vem acompanhado de reflexões sobre quem fortalecer uma visão de sociedade a fim de compreender ensina, o que se ensina, por que e para que se ensina. Isto melhor os problemas da escola, o fenômeno da proletari- significa que as reflexões em torno da formação do profes- zação do professor, o aumento e a diversificação da carga sor exigem uma abordagem da teoria e da prática educativa de trabalho e por consequência o fortalecimento da FAEB. comprometida com o acesso ao conhecimento artístico-cul- A compreensão do seu próprio contexto contribuiria para tural, cuja finalidade é a formação última de homens e mu- a formação e, por sua vez, para a diminuição da carga de lheres capazes de enfrentar os desafios inerentes à relação culpabilização do professor de Arte. capital, trabalho, educação e de criar um projeto político- Em relação às políticas públicas, incluindo a legis- educativo comprometido com as transformações sociais e, lação e os programas especiais, podemos concluir que pre- por consequência, com uma nova educação não excludente. domina um modelo liberal que pressupõe a ação individual Podemos falar hoje de um modelo específico de em detrimento da ação coletiva e que valoriza a concepção formação docente em Arte? Do ponto de vista das análises de eficácia e competência, inclusive desqualificando os construídas nos estudos propostos pelo projeto Observa- professores como educadores, sem considerar o contínuo tório, não é possível falar de um modelo diferenciado pois desmonte realizado na escola pública. Um exemplo disso é vivenciamos um domínio dos pressupostos da educação a não aplicação, por parte dos governos estaduais e munici- no campo do Ensino de Arte. Isso acontece porque há uma pais, do percentual obrigatório nas escolas previsto na LDB. predominância de formação nos cursos de Pós-Graduação Os documentos da CAPES/DEB guardam relação da área da Educação, também há uma escassez de linhas com as concepções advindas da lei 5692/71, que foi produ- de Ensino de Arte e nomes congêneres nos cursos de Pós- zida num contexto polissêmico a partir das contribuições da Graduação em Artes Visuais. Contamos na atualidade com Escola Nova e do Tecnicismo no que diz respeito à qualifica- nove linhas dentre os 39 cursos existentes. Caso seja desejo ção do professor para a prática e a formação por atividade, da área propor uma docência em Artes Visuais amalgamada como no caso da Educação Artística. Vislumbra-se aqui uma com os saberes específicos é necessário um investimento ênfase no saber fazer em detrimento do saber filosófico. A nas linhas de ensino de arte nos cursos da Pós-Graduação releitura desse pensamento liberal para os dias atuais justi- da área de artes visuais. ficam a ênfase numa abordagem “neo-escolanovista” mar- Outras pesquisas podem ser estimuladas a fim de cada no modelo de formação de professores advindos das responder algumas das questões em aberto no presente políticas públicas atuais. É preciso ressaltar que a própria texto. Destacamos entre elas duas para compartilhar com visão sobre o fazer pesquisa volta-se para a pesquisa sobre o leitor: quais as especificidades de ser professor de Arte? a prática, como se o universo de atuação docente fosse ex- Que experiências de formação docente em Artes Visuais fo- clusivamente a prática, ou mesmo, considerar que a teoria ram construídas na história recente dos cursos de licencia- pode existir distanciada da prática ou vice-versa. tura em Artes Visuais? Outro aspecto relevante do nosso ponto de vista é Longe de encerrar as reflexões sobre o tema da for- que as políticas públicas são afetadas pelos diferentes proje- mação de professores de Artes Visuais, o projeto Observa- tos políticos sociais, dado seu caráter polissêmico, apresen- tório construiu um conjunto de perguntas a ser investigadas tando inclusive posições internas contraditórias advindas no contexto dos estados brasileiros com a intenção de co- do debate entre diferentes forças políticas na sua feitura e nhecer as especificidades das licenciaturas e suas relações processo de aprovação. com seus egressos, uma tarefa ainda inconclusa. 20 | Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Novembro 2014 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Coutinho, R. G. S. R. (2008). O educador e suas pesquisas sobre o desenho infantil. In Barbosa, A. M. (Org.). 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Facultad de Bellas Artes Universidad de Barcelona Tipo de artigo: Original RESumen Abstract This article reports on how arts education for understanding visual culture is linked to the development of inclusive education based on an experience with high school students as part of the European project Creative Connections. The particularity of this case is that allows young participants facing the stigma of being immigrant not as a limitation but as a possibility of visibility, recognition and emancipation. Keywords: interculturalism; visual culture for understanding; postmodern education; research with young people; subjectivities in transition. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Encarar o ‘estigma’ da diferença através da compreensão da cultura visual Este artículo da cuenta de cómo la educación artística para la comprensión de la cultura visual, que se vincula al desarrollo de una experiencia de educación inclusiva con estudiantes de secundaria en el marco del proyecto europeo Creative Connections, permite afrontar la experiencia del estigma de ser emigrante que la mayoría de los participantes llevan consigo como una posibilidad de visibilización, reconocimiento y emancipación. Palabras Clave: interculturalidad; comprensión de la cultura visual; educación posmoderna; investigar con jóvenes; subjetividades en tránsito. RESUMO Este artigo relata como a educação artística para a compreensão da Cultura Visual, que se vincula ao desenvolvimento de una experiência de educação inclusiva com estudantes do ensino fundamental dentro das bases do projeto europeu Creative Connections, permite afrontar a experiência do estigma de ser imigrante que a maioria dos participantes leva consigo como uma possibilidade de visibilização, reconhecimento e emancipação. Palavras-chave: interculturalidade; compreensão da cultura visual; educação pós-moderna; pesquisa com os jovens; subjetividades em trânsito. 22 | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Novembro 2014 Novembro 2014 | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández |23 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 estos tiempos de marginalización de quienes no participan Así, la educación cultural ha puesto en entredicho una cada uno de los puntos de vista que (re)configuran ‘al Otro’. de los valores de los grupos hegemónicos: educación artística esencialista que se caracteriza por el Lo que reclama, en la educación en general y en la artística ¿Cuál es el papel de la voz en el proceso de estudio único de las grandes obras de arte (Hernández, en particular, aproximaciones que ayuden a desmitificar es un proyecto colaborativo que cuenta con la financiación autorizarse y reconocerse los jóvenes en el 2000; Aguirre, 2000; Freedman, 2006; Bartholeyns et al cuestiones que vinculan y limitan la cultura a un territorio de la Comisión Europea dentro del programa Comenius proyecto? 2010; Touriñán, 2011; Hernández, en prensa). Frente a la o a la etnicidad. ¿Cómo se constituyen las relaciones pedagógicas concepción modernista de que una Cultura es sinónimo para posibilitar que todas las voces sean de una Sociedad, el acercamiento posmoderno a la(s) reconocidas? cultura(s) se focaliza en el doble proceso de aprendizaje ¿En qué medida un proyecto de educación de vivencial (enculturación) y formalizado (socialización), que y dos de secundaria) para dar énfasis a la voz de los chicos las artes y la cultura visual puede contribuir al además se ramifica de manera dinámica compartiéndose y Nuestro proceso de indagación en el aula se inició y chicas, especialmente a través de su relación con el Arte reconocimiento y la emancipación de los jóvenes? adaptándose permanentemente (Bullivant, 1993 en Efland, pidiéndoles a los chicos que se agruparan de acuerdo a sus ¿Cómo aprenden los jóvenes a partir de la Freedman, Stuhr, 2003). afinidades y temas de interés: crisis económica, política, Creative Connections (http://creativeconnexions.eu/es/) (EACEA-517844). Su principal objetivo es el intercambio transnacional entre jóvenes y niños/niñas, • • en el que participan seis países europeos. Una universidad de cada país del consorcio coordina cuatro centros (dos de primaria Contemporáneo. El programa ha creado un archivo con • • APRENDER A MIRAR(SE) DESDE OTRO LUGAR obras de arte de diferentes artistas pertenecientes a los educación artística -entendida como comprensión seis países vinculados al proyecto, con la finalidad de que de la cultura visual- modos de ser y de relación Pero frente al desafío que plantea la relación entre grupos Inicialmente empezaron a pensar en realizar algunos contribuyan a facilitar un proceso de indagación sobre el que cuestionan las concepciones multiculturales con diferentes modos culturales de mirar y de mirarse, apuntes de forma individual para una futura obra conjunta. significado de la identidad cultural y de lo que puede querer estigmatizadoras? otros autores (Zizek, 1997; Barbosa, 1998; Colom, 2013) Para algunos, estos temas fueron únicamente un punto de cultura popular, televisión, deportes, medio ambiente... decir ser “ciudadano europeo”. Los jóvenes comparten sus Estas cuestiones responden, además de a la finalidad del nos advierten del peligro de caer en el esencialismo de partida desde el que se inició un proceso asociativo mucho reflexiones en forma de producciones artísticas en una proyecto, a un mantra que sobrevolaba en la práctica renacimientos identitarios que puedan terminar por añadir más complejo y con más implicaciones de las que ellos galería on-line para iniciar así una conversación que busca educativa del centro: “Aquí tenemos alumnos inmigrantes, marginación a las situaciones ya precarias de algunos mismos pensaban, de manera que algunos se reagruparon favorecer el intercambio y el diálogo entre los participantes. alumnos que llegan a escolarizarse ya en la ESO, alumnos casi colectivos sociales, en lugar de llevar a cabo lecturas más cuando salieron nuevos temas para explorar. El proceso reflexivo y de intercambio que corre paralelo al analfabetos, alumnos de bajo nivel cultural”. La presencia caleidoscópicas que eviten una educación neocolonizadora. desarrollo del proyecto trata de dar cuenta de cuestiones de jóvenes inmigrantes era mayoritaria (en torno al 70%), Esto nos puso en alerta fetichización que se Cuando tuvieron claro qué tema querían trabajar, llegó la que van desde la construcción de la identidad hasta otras pero lo que llamaba la atención era la estigmatización que está haciendo de este tipo de práctica educativa, que se hora de ver cómo podían hacerlo y especialmente, cómo relacionadas con la propia educación y producción artística. de esto se hacía. Estigmatización entendida, como señala presupone inclusiva, pero que en realidad, puede marginar podían materializar sus ideas a partir del trabajo de los Delgado (1998: 171), como el fenómeno en que una a los alumnos supuestamente diferentes por su cultura, artistas que proporcionaba Creative Connections en forma El grupo de la Universidad de Barcelona, coordinado minoría es acusada por la mayoría “de las desgracias que como si de “discapacitados culturales se tratara” (Delgado, de archivo. Pero esta exploración les resultó difícil de por Fernando Hernández, tomó la decisión de incluir afectan o podrían afectar la sociedad”. Lo que nos llevó 2003: 69). afrontar. Por ello les planteamos una propuesta que les en el equipo investigador a una tercera figura, quien a preguntarnos cómo tener actuaría como facilitadora y narradora de cada caso. En Connections la voz de los chicos y chicas a través del arte Autores como Manuel Delgado (1999), Rosi Braidotti su concreción en un proyecto artístico. Como ejemplo les la experiencia de la que aquí se da cuenta, Ana, como contemporáneo para cuestionar este estigma con el que (2011), Zygmunt Baumann (2011) han definido la(s) mostramos los conceptos principales que se relacionaban estudiante del máster en Artes Visuales y Educación: un eran representados. identidad(es) como una posición de subjetividad en con los modos de ser artista, que estaban presentes en enfoque construccionista, fue la encargada de tender un tránsito. Pero no está de más señalar que no es lo mismo cada uno de los bloques en que se organizaba el archivo puente entre la universidad y el IES Torras i Bages de l’ elegir un posicionamiento transitorio de la subjetividad que que proponía Creative Connections: A: cartógrafos de ante la en cuenta desde Creative ayudara a transitar entre sus ideas, sus temas de interés y la Hospitalet de Llobregat (Barcelona). Lo hizo vinculándose LA EDUCACIÓN DE LAS ARTES VISUALES Y LA CULTURA encontrarse permanentemente en un tránsito impuesto. identidad cultural; B: intérpretes de la diversidad cultural; a los dos grupos de la asignatura optativa de Educación VISUAL EN UN MARCO PLURICULTURAL Porque los chicos y chicas que llevaron a cabo el proyecto, no C: reporteros sobre la cultura; D: guías culturales y E: son solamente inmigrantes, también son estudiantes en un activistas culturales. Visual y Plástica de 4rto de la ESO donde desarrollamos el proyecto junto con su profesora, Marta, siguiendo los El giro cultural en educación se ha caracterizado por un contexto con el que no siempre se comparten y reconocen principios de la investigación-acción. Además de contribuir anhelo reformista que busca reestructurar y ampliar sus sus valores. La cuestión del estudiante como el Otro nos Basados en esos referentes se les propuso que escogieran las al desarrollo del proyecto nos planteamos explorar cuatro perspectivas en busca de un modelo educativo mucho más obliga a situarnos en el entramado relacional y a explicitar palabras clave que creyeran que tenían que ver con el tema cuestiones que tenían que ver con las posibilidades que cercano a la experiencia del alumnado y de su realidad cuáles son nuestros presupuestos acerca de la cuestión de que iban a tratar en su obra o en el enfoque que iban a darle. ofrece la educación de las artes visuales para favorecer que social y cultural (Banks & McGee Banks, 1989; Greeson, lo educativo, lo artístico y lo multicultural, aceptando que Se organizó bastante revuelo. Los miembros de un mismo los jóvenes encuentren otro lugar para ser y aprender en 2004; Campbell 2010; Boman et al 2012; Ortega, 2013). es una situación que depende del contexto, y de todos y grupo comenzaron a debatir sobre la idoneidad o no de las 24 | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 EL MARCO DEL PROYECTO CREATIVE CONNECTIONS Novembro 2014 | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández |25 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 1. Un ejemplo de aprendizaje asociativo en colaboración entre los distintos grupos se oían voces que reclamaban la Pero todavía faltaba darle unidad a la obra que querían REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 palabras que algunos querían escoger (y otros no) y también crear. En la primera sesión que se organizó para pensar en propiedad de tal o cual concepto. Estaban así dando a la Els Solts es el nombre de un grupo que quiso indagar grupo, además de llevar a cabo una reflexión conceptual vez sentido a los contextos de producción y observación, al a partir de los “sentimientos”. Después de explorar comenzamos a familiarizarnos con las imágenes de Creative tiempo que actuaban como grupo crítico que validaba sus temas como el amor, la amistad, la empatía, la envidia, Connections. La sesión se desarrolló interrogando algunas propias obras, de manera que sus interpretaciones formaban la tristeza... como primera actividad realizaron algunos de estas imágenes, no todas, ya que el tiempo de la clase parte de la construcción del conocimiento que ellos mismos esbozos a partir de imágenes de la red que encontraban -una hora- es limitado para comentar en su totalidad el estaban generando. Tenían ideas acerca de lo que para ellos tecleando el sentimiento con el que querían trabajar. extenso archivo. Para intentar solventarlo, se les pidió que era la cultura visual que iban proponiendo sus compañeros Las imágenes comenzaron a desbordar las carpetas escogieran algunas de las imágenes que les interesaran y de las imágenes que comenzaban a desbordar las carpetas virtuales que creaban en los ordenadores del centro para o les llamaran la atención para comentarlas en el aula. virtuales de los ordenadores del aula, les hicimos ver que “inspirarse” en los dibujos que estaban haciendo. Estaban Conversamos durante la clase y nos fuimos a casa. Al día en realidad, lo que estaban haciendo, era crear su “propio creando, en realidad, su propio archivo. Imágenes del tipo siguiente, Abigail había traído varias fotografías sobre archivo” en paralelo al del proyecto. Algo que no siempre “visto en las redes” les sirvieron para, por un lado, hacer “libros de artista” (figura 4). ocurrió como habíamos previsto. Hubo desubicaciones, que su realidad y sus intereses entraran en el proyecto silencios y extrañamientos. Pero eso era también parte de y en el aula, y por otro lado, como idea incipiente sobre Las profesoras (Marta y Ana) no entendieron a qué venía un proceso con subidas y bajadas del que ahora damos la que trabajar. Las primeras experimentaciones fueron todo aquello, pues no le habían explicado en qué consistía cuenta a partir de tres de los ejemplos que se llevaron a de tipo formal: variaciones en el tema representado y hacer un libro de artista, ni habíamos visto ninguno en cabo. experimentación técnica en sus propios esbozos a partir de clase. Al parecer Abigail se había interesado por la obra editores fotográficos... de A Butterfly Girl de Berenika Ovčačkova (figura 3). Había buscado información sobre la artista y había acabado LOS GRUPOS, LOS PROYECTOS Y SUS PROCESOS en algunas webs donde se mostraban más obras suyas y algunos libros de la artista, de donde había sacado la idea A la hora de decidir cómo dar cuenta del recorrido de los de realizar el suyo propio. jóvenes dos cuestiones guiaron nuestras decisiones: la primera fue que, como dicen Freedman (2006) y Hernández A los compañeros les pareció una manera idónea (2007), la(s) identidad(es) cultural(es) se aprenden, cambian para poder trabajar con las imágenes que ya habían y varían a lo largo de las experiencias de aprendizaje y de comenzado a buscar/transformar en la red en relación a vida. La segunda tiene que ver con el reconocimiento que los “sentimientos” y además vinculaban con otra artista Eisner (1988), Sullivan (2004) y Hernández (2008) hacen del archivo que también les habían llamado la atención, de la experiencia artística como una forma genuina de como Ana García Pineda, cuya obra presentaba el proyecto generar conocimiento. Y así había sido nuestro caso, desde Máquinas y Maquinaciones (2008) era de hecho, una el comienzo del proyecto, pasando por las sesiones de especie de cuaderno de artista (Figura 5). Figuras 3 y 4. Figura 3 – A Butterfly Girl de Berenika Ovčačkova. Reproducción cortesía del artista para el proyecto Creative Connections. Figura 4 – Libro de artista de Berenika Ovčačkova. reflexión en las que debatieron cómo las cuestiones sociales y culturales también pueden presentarse de manera De esta forma, el grupo se repartió los distintos artística. Si en Creative Connections los jóvenes “debían “sentimientos” con los que querían trabajar y decidieron utilizar el Arte Contemporáneo” como punto de partida hacer una tarea doble (que se fue multiplicando): la de desde el cual crear y compartir, las producciones de estos realizar una escultura en cartón a modo de gran librería chicos y chicas también constituyen imágenes discursivas, (figuras 1 y 2) (a la manera de los ejemplos que habían que a su vez median otros discursos, de manera que su encontrado a partir de investigar más sobre Berenika dichos “sentimientos” que fueron autofotografiándose en Ovčačkova) y realizar cada uno su propio cuaderno de una performance fotográfica (figuras 6, 7 y 8) en el mismo artista en relación al sentimiento que iban a trabajar. instituto y que acabó de dar coherencia a la obra y a todo el Estos libros contenían además toda una escenificación de proceso de indagación. creación/producción artística, se presenta así como una vía para la comprensión y expresión de estos discursos que constituyen sus identidades. Figuras 1 y 2 – “Cada uno ha escogido las palabras y las hemos ido a representar a través de dibujos y también en frases” (Josselin Abigail). Fotos Ana Cañete. 26 | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Novembro 2014 Figura 5 – Ana García Pineda (2008). Máquina-Lengua. De la serie Máquinas y Maquinaciones. Novembro 2014 | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández |27 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 algunos integrantes del grupo para decir que están descontentos con la idea de su trabajo. Que no puede ser que quieran hacer grafiti si sólo uno o dos saben pintar. A Marta van con las dudas técnicas y les propone hacer plantillas en esténcil, de manera que puedan trabajar “sin ser grandes dibujantes”. Figuras 6, 7 y 8 – Performativazar y representar los sentimientos. Fuente: Trabajos de los estudiantes. Los chicos y chicas que desarrollaron este proyecto y el Hernández (2011: 18) se pregunta ¿Cómo tienen lugar, proceso de exploración que han llevado a cabo, muestran desde esta posición, las experiencias de creación de sentido que esta experiencia ha funcionado como vehículo para que fijan lo que “son” los jóvenes? Los investigadores y los la construcción de un significado, de una obra en la que poseedores del conocimiento disciplinar suministran a los confluyen los intereses de todos los integrantes del grupo y responsables de la administración […] una serie de términos las obras propuestas por Creative Connections. que definen a los jóvenes como “en riesgo”, “desafiantes”, “problemáticos”, “fracasados”, “radicales”, “superdotados” 2. De la imitación a la construcción de la identidad cultural. etc. Con ello se configuran discursos, por lo general cortos El proceso dialógico entre imagen-contexto. de mira y con connotaciones negativas, que se hacen presente en las escuelas, hogares, centros comerciales y en El grupo de Campions decidió indagar a partir de la las manifestaciones de los políticos. fascinación grafitera que les produjo encontrarse con la obra de Banksy. Tuvieron claro que querían hacer algo Quizá por eso mismo estábamos infravalorándolos o parecido. Pero tenían una dificultad: les gustaría hacer un considerando poco importantes sus propias decisiones o sus gran mural con un montón de grafitis pero “solo el Jefferson intereses (porque en el fondo seguíamos relacionándonos y el Colmenares saben pintar”. Se arma revuelo en el con ellos como personas “en construcción”). Pero la grupo porque tienen clara la técnica que querrían utilizar sorpresa no tardó en llegar. Habían estado trabajando para pero pocos son duchos en materia de grafiti y en general la primera puesta en común copiando dibujos de grafitis en “esto del dibujo”. El tema que quieren tratar es fútbol, que encontraban en internet y... fútbol y más fútbol. Este tema no parece muy atractivo a las profesoras que se preguntan sobre qué implicaciones Hemos buscado un artista para inspirarnos puede tener el hooliganismo en las construcciones de y se llama Banksy y hemos hecho varios identidad cultural. Aunque pensándolo bien... seguro que dibujos relacionados con fútbol y grafitis de son muchas. Marta comenta cómo se les podría ayudar a su estilo. Las palabras que hemos elegido enfocar el trabajo para que hicieran algo más “profundo”. están relacionadas también con el deporte: Pero lo cierto es que el tema lo han escogido los jóvenes y no, leyendas, los mitos del fútbol, o sea los como suele ocurrir en otras experiencias, desde la mirada e jugadores, los símbolos, cultura popular, intereses de los investigadores-educadores. En este sentido cuerpo físico... y nacionalidad. Ésta la hemos Agirre (en Hernández, 2011: 24) habla de los temas que elegido porque en muchos países piensan que pensamos que más van con ellos revelan nuestras visiones todo el mundo juega al fútbol y no siempre ha sobre los jóvenes y “sólo en raras ocasiones los temas de sido así. Hay muchos países que la gente no la investigación parten de los propios deseos de saber o conoce y también juegan al fútbol (Felipe y de las necesidades e intereses de los jóvenes”. Al respecto Rodrigo, extracto de vídeo). 28 | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Novembro 2014 También se habían fijado en la obra de Dexter Dallwood que se encuentra en el archivo de Creative Connections. Su elección estaba justificada. “Podemos pintar una cancha de fútbol y al fondo Barcelona”. Una conexión compositiva. Un grafiti en la pintura. Un solo elemento... Pensamos que era una mirada un tanto ingenua, pero en realidad estaban, como ellos decían, “inspirándose” en una asociación Figura 9 – “La periferia era ahora el centro, dónde se disputaba el gran derbi enmarcado por los altos edificios de la Barcelona central” (Ana Cañete, Memoria del Trabajo Final de Máster). constante entre las imágenes que ellos mismos encontraban en la red. El proceso de investigación que llevaron a cabo Esta cuestión encaja con uno de los presupuestos básicos muestra una vez más, como en base a sus propios intereses que apoya la educación artística para la comprensión para se produjo un aprendizaje mediado por asociaciones de la cultura visual y es que los jóvenes no crean motivados significados sugeridos por la experiencia. Habían establecido únicamente por puros valores técnico-formales, sino que lo conexiones con las obras de arte que proponía el proyecto, que buscan es mejorar sus habilidades para desarrollar su las imágenes de los medios y la prensa deportiva y de su propio estilo. Entendiendo por estilo una ilustración visual propio entorno de la riqueza de matices y referentes que consumen a diario experiencial para, a su vez, crear sus propias obras, su propio imaginario. La mistificación del REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Al día siguiente nos encontramos en el aula. Se acercaron junto con sus intereses y motivaciones personales. proceso creativo “inspirado” se estaba convirtiendo, sin haberlo trabajado específicamente en el aula, en un diálogo Banksy había sido la conexión primera que habían podido bastante autónomo con su contexto. Y es propiamente de establecer con el archivo propuesto por el proyecto, como su contexto la cancha de fútbol que decidieron incorporar elemento conocido y vinculado a su entorno. como modelo de su obra: la del propio instituto ¿qué otra pensaron en crear, en primera instancia un mural-graffiti, conocían mejor? Le sacaron fotos y realizaron un foto- pronto se dieron cuenta de la incomodidad que les producía montaje con la ayuda de Marta, con una panorámica de tener que trabajar únicamente en base a un presupuesto Barcelona al fondo vista desde el Torras i Bages. El nombre formal. Así, el deseo de reconocimiento que habían temido del instituto en letras escritas en graffiti marcaba el centro que no llegaría a través de la destreza técnica les había de la composición, como habían visto en la obra de Dexter impulsado a re-contextualizar una actividad de ocio y un Dallwood. En el centro de la pista se encuentran Messi y contexto urbano que dejaban de ser “tópicos adolescentes” Cristiano Ronaldo disputándose un balón. Y sobre ellos, para convertirse en un ejemplo que revela que la identidad en esténcil, las palabras que interrogaban toda la escena: cultural y juvenil es tan compleja como cualquier otra y está los mitos, las leyendas y la nacionalidad de una vista muy lejos de poder estereotiparla. Aunque estratificada y a la vez superpuesta de imágenes que iban desde su contexto más cercano a la ciudad de Barcelona (y mucho más allá). Novembro 2014 | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández |29 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Al final de la clase ya lo han decidido. Van a pintarse el cuerpo Aparentemente, la elección de la palabra “estigma” para de Mona Hatoum (1988) Measures of Distance o Speechless apropiación cultural. como L. Tatarová y van a imitar los tatuajes de la banda de designar de manera generalizada al tipo de marca corporal (1996) de Shirin Neshat. los Maras. Marta les dice que antes de pintarse les buscará ejecutada en Grecia y Roma, como signo de esclavitud, A los componentes del grupo Sicaris las bandas latinas algo de información sobre pintura corporal, especialmente competía tanto al uso frecuente de este vocablo para Fascinados ante semejante idea no podíamos dejar de ver les generaban curiosidad y admiración, por eso tuvieron por cuestiones higiénicas y de salud. Para que no se dañen la referirse a la técnica de tatuar la piel como a la imposibilidad en aquellas auténticas performances que el “problema claro desde el principio cual sería su proyecto. De hecho, piel. Les da también el nombre de algunos blogs que hablan de remover la cicatriz; ambas cuestiones ratifican el fin idiomático”, que es “conflictivo” dentro de la institución, fue el grupo que antes entregó sus obras. Sí, en plural. En sobre pintura corporal, por si eso les da ideas, y pide a Ana estigmático de la marca en el cuerpo y dieron lugar a era para ellos un campo de batalla en el que poder conjugar enero habían terminado sus creaciones, frente al parecer que les escriba una guía sencilla para que obtengan fotos diferentes interpretaciones etimológicas y asociaciones y codificar múltiples códigos y múltiples significados. Del de algunos profesores descreídos que preguntaban de calidad. Nos ponemos manos a la obra. Ese mismo día semánticas de las palabras estigma y tatuaje (Martínez, mismo modo, que el chador también remite al mismo sorprendidos “¿pero quieres decir que se puede sacar algo les enviamos la información y pocos días después una parte 2011: 150). tiempo a la reclusión y a la libertad de acceder a la vida de este grupo?”.... del grupo ya ha terminado la tarea ¡y en casa! Además no En su proceso de aprendizaje y trabajo vemos como pasaron de sus “votos de silencio” a las foto y vídeo-(re)creaciones de los procesos de iniciación en algunas bandas latinas y a la investigación acerca de la articulación de su simbología. El comienzo fue similar al de los grupos anteriores: definir sus intereses acerca de lo que querían investigar. Se empaparon de información y quisieron visionar y presentar algunas pública, aquellos chicos y chicas se autodenominaban solo se han fotografiado (figuras 9 y 10), han filmado todo el De la misma manera, el grupo de “las chicas”, más inmigrantes, negros o términos similares, que eran a la vez proceso de realización simulando los procesos de iniciación interesadas por la dimensión lingüística de los signos maras, signos de estigma y resistencia. Es interesante ver como de dichas bandas. En las fotografías podemos ver a Carlitos las llevó a buscar los equivalentes en letras del abecedario en todas estas obras, aunque diversas, es el cuerpo el que posando para la cámara con la piel dibujada con simbología de los signos que las bandas utilizan. Su encarnación opta encarna los conflictos sociales (en) del propio sujeto ¿No mara. En los vídeos se ve el proceso de elaboración de esa por ser, en lugar de pintura corporal, proyecciones de es esa una noción muy similar a la que Delgado daba de la pintura corporal a modo de tatuaje, como si de un rito de estos signos encima de la piel posteriormente fotografiada estigmatización? ¿Estaban performando fotográficamente iniciación se tratara. (figuras 11 y 12). Estas obras recuerdan a su vez a otras precisamente eso? (Recordemos también la experiencia obras, especialmente de artistas mujeres como es el caso fotográfica que lleva a cabo el grupo de Els Solts). películas. Su preferida fue la de Óscar González (2010) Destino Mara. Pero habían otras: de Andrés Lozano Pineda Los jóvenes se sitúan, actúan, hacen cosas que les permiten (2008) La Gorra; la de Jorge Franco (2005) Rosario Tijeras. improvisar y experimentar con imágenes y escenas propias Ana les recomendó también la de Barbet Schroeder (1999) La y ajenas. Son ingredientes y recursos distintivos de esa Virgen de los Sicarios. Hasta aquí todo bien, los “problemas” performance fotográfica: el control corporal, la sonrisa, la comenzaron cuando Marta y Ana les preguntan si ya han seriedad, la posición, la gracia, el movimiento, la suavidad, visto alguna de las películas... y la respuesta cada día es la la furia, la dignidad, la juventud, el colorido, entre otros, misma: no. De pronto nos preguntan si pueden hacer un y, si se pudiera introducir la expresión de otros elementos estudio en el barrio sobre la seguridad de la zona. Ahora sensoriales, habría que añadir, el tono de voz, las risas y ya no sabemos si están fascinados por las bandas o si les otros sonidos y resonancias (Buixó, 1998: 183-184). tienen pavor. La autoexpresión en el propio cuerpo encarna la Al preguntarles qué es lo que les interesa realmente de interpretación que hacen del entorno social y cultural, trabajar el tema que han elegido dicen que quieren criticar apropiándoselo. Lo que nos lleva a recordar, en relación la falta de seguridad que sienten que hay en el barrio. a la educación para la comprensión de la cultura visual, ¿Realmente lo sienten así? Contestan de manera afirmativa: que el arte actúa aquí como una vía de expresión de las esto es lo que es y lo que se dice. Ante la pregunta de si para preocupaciones de estos jóvenes. Quienes interpretan su realizar ese estudio tienen alguna idea de cómo experiencia de relación de manera metafórica, pero no presentarán el trabajo, la “obra”, sus caras, su silencio y su con un objetivo terapéutico, sino social y cultural, ya que indecisión -que va durando ya varios días- dicen que no. Se les propone revisar el archivo de Creative Connections para ver si encuentran alguna idea (así había sido como habían comenzado a trabajar los otros grupos y había dado resultado). REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 3. De los procesos de resistencia y auto-expresión a la sus emociones no son estrictamente personales sino una Figura 10 y 11 – Tatuaje, estigma y reconocimiento. Fuente: Trabajos de los estudiantes. 30 | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Novembro 2014 Figura 12 y 13 – “La institución es para ellos un campo de batalla en el que poder conjugar y codificar múltiples códigos y múltiples significados” (Ana Cañete, Memoria del Trabajo Final de Máster). Fuente: Trabajos de los estudiantes. personalización de cuestiones sociales y culturales que realmente les preocupan. Novembro 2014 | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández |31 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Fernando Hernández (2000) comenta que una de las Es importante reflexionar aquí también, acerca del papel Estos procesos pueden reseguirse en todos los casos que finalidades de la educación artística para la comprensión de que ha tenido el grupo, como entidad corporeizada de la hemos expuesto y en los que hemos dejado por cuestiones la cultura visual es evidenciar el recorrido por las miradas dimensión relacional que la educación artística para la de espacio. Primero, buscando las emociones y resonancias entorno a las representaciones visuales de diferentes comprensión de la cultura Visual posibilita. Con relacional que nos suscitan las obras de “Otros” -los artistas en este culturas. Con la finalidad de confrontar críticamente a nos referimos a la que se establece, por un lado entre el caso- e intentando relacionarlas con inquietudes propias, los estudiantes con ellas, e investigar así, acerca de las sujeto y las imágenes, dialogando entre éstas y su contexto que permitan hacer emerger otras imágenes. Una vez representaciones y exclusiones de la historia visual (y (el de la propia imagen). Pero por otro, el que nos hace que establecíamos cuál era la conexión conceptual que de la visualidad) de occidente, para así indagar sobre comprender que al ser parte de distintos momentos vinculaban las representaciones sobre las que se interesaban sus propias representaciones y exclusiones. Desde esta culturales (como algo lábil y no conceptualmente cerrado), y aquello sobre lo que querían indagar, buscaban una posición los chicos y chicas del Torras i Bages, a través de la estamos en disposición de saber cómo nos relacionarnos manera de representarlo ellos mismos, haciendo que se observación de imágenes de múltiples ámbitos (no sólo las con nuestro entorno. Porque en nuestro caso, cabe recordar, preguntaran acerca de cómo un concepto determinado procedentes del archivo de Creative Connections) junto con que las obras no son fruto de un joven en concreto, sino de se ha narrado o se representa y qué otras formas hay de las reflexiones colectivas en clase, han podido establecer unos procesos creativos que son en sí mismos colectivos. hacerlo. BOMAN, K.M., Danzig, A.B. y García, D.R. (Eds.) (2012). Education, democracy and the public good. Review of research in education, 36, 1-316. asociaciones que les/nos han ayudado a reflexionar sobre Esto ha fomentado los procesos dialógicos que la propia el mundo en general y sobre el efecto que tienen sobre comprensión para la cultura visual propone. De esta manera La visión que ofrecemos aquí de Creative Connections no BRAIDOTTI, R. (2011). Nomadic Theory. The Portable Rosi Braidotti. New York: Columbia University Press. nosotros mismos las distintas concepciones acerca de “lo es como pudimos trascender la resistencia inicial ante el pretende ser, en ningún caso, un resumen de lo que ha sido cultural”. proyecto, en la que, por mucho que quisiéramos hablar o la experiencia del proyecto en general, ni de lo importante comunicarnos, no estábamos en la misma (pre)disposición que ha sido participar en él. Lo que nos gustaría compartir para hacerlo. es que de las experiencias que hemos presentado y que nos Pensamos entonces que han podido aprender que la(s) han hecho reflexionar acerca de las distintas concepciones cultura(s) y los momentos culturales, son aspectos que participan de nuestra construcción identitaria, mediando En el grupo, cada uno se situaba y se recolocaba en función de sobre la identidad cultural que se manejan en un contexto nuestras relaciones y a su vez cuestionando y constituyendo las relaciones que establecía con el Otro y con las imágenes educativo conceptualizado como multicultural y en el que nuevas concepciones sobre lo que entendemos que es (del Otro). De este mismo modo, nos ocurría a nosotros en las identidades de los jóvenes se encontraban en posiciones la identidad cultural. Este proceso incide en la forma de las reuniones del proyecto, cuando proponíamos medidas de subjetividad en tránsito, el lector, quien quiera que sea, entender el conocimiento, ya no como algo estanco, sino de actuación y nos aconsejábamos durante el proceso. pueda reflexionar también sobre las aportaciones que la como algo que construimos a través de las experiencias Como dicen Petry y Hernández (2013) basándose en Lacan, educación artística para la comprensión de la cultura Visual visuales que se solapan y se asocian y que ya no obtienen una investigación se basa en parte en los deseos y en el lugar puede aportar al debate multicultural, permitiéndonos salir su forma a través de la presunta existencia de una cualidad que éstos ocupan dentro de la investigación, así como del al encuentro con nuestros propios intereses y cuestionarnos estética inherente. Lo cual nos lleva a preguntarnos: ¿qué resto de inquietudes y deseos de los demás investigadores conceptos naturalizados problemáticos como los que tiene que ver esta imagen conmigo? del equipo. Por eso, una investigación se constituye construyen nuestra subjetividad. también en una red de relaciones. Del mismo modo, en la Así pues, establecer puentes con la “realidad” dando forma a Poder contribuir a expandir los sentidos de la cultura visual, relación que establecieron las profesoras, hubo también la comprensión que tenemos del mundo y posicionándonos ha permitido a los jóvenes desarrollar un sentido de autoría negociaciones y continuas recolocaciones, igual que en las en éste, nos permite ser conscientes de la capacidad de en el que la producción artística ha sido un camino para teníamos ambas con los chicos y chicas y también entre los la que disponemos para hacer escuchar nuestras voces y la comprensión y el aprendizaje. Esto ha sido así, porque propios compañeros participantes en la gestión de Creative salir de los tránsitos que más que escogidos, nos vienen durante su proceso han podido experimentar con múltiples Connections. De hecho, en una de las sesiones finales que impuestos. Lo que dibuja un camino para vincular la conexiones –creativas, críticas, formales, emocionales… y organizamos para conversar acerca de lo que el grupo había educación a través de las artes y la cultura visual con las a través de la expresión de sus ideas. Lo que a su vez les aprendido con el proyecto, todos concluyeron en que se situaciones, encrucijadas y tensiones a la que los jóvenes ha hecho conscientes de las motivaciones, intenciones y había aprendido sobre todo a trabajar en grupo. (y los adultos) nos enfrentamos en estos tiempos de capacidades artísticas de los demás compañeros. 32 | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Novembro 2014 AGIRRE, I. (2000) Teorías y Prácticas en Educación Artística. Ideas para una Revisión Pragmatista de la Experiencia Estética. Navarra: Universidad Pública de Navarra. BANKS, J. A. & McGEE BANKS, C. A. (Ed.), (1989). Multicultural Education Issues andm Perspectives. Boston: Allyn and Bacon. BARBOSA, A. M. (1998). Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte. BARTHOLEYNS, G.; Dierkens, A. & Golsenne, T. (ed.) (2010). La Performance des images. Brussels: Brussels University Press. BAUMAN, Z. (2011). Culture in a Liquid Modern World. Cambridge: Polity. BUIXÓ, M. J. (1998). Mirarse y agenciarse: espacios estéticos de la performance fotográfica. En Revista de Dialectología y Tradiciones Populares. 52, pp.175-189. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 AUTODEFINIDOS CAMPBELL, D. (2010). Choosing Democracy: a Practical Guide to Multicultural Education. Boston: Allyn and Bacon. COLOM, A.J. (2013). Elogio de la educación y crítica de la educación intercultural. En Grupo SI(e)TE. Educación, Desmitificación y crítica de la educación actual (pp. 143-162). Barcelona: Octaedro. DELGADO, Manuel (1998). Diversitat i Integració. Lògica i Dinàmica de les Identitats aCatalunya. Barcelona: Empúries. _______________ (1999). El Animal Público. Barcelona: Anagrama. _______________(2003). El “Disapacitado Cultural”. En Cuadernos de Pedagogía. 326, pp. 69-70. Disponible en: http://www. cuadernosdepedagogia.com/content/Inicio.aspx . EFLAND, A.; FREEDMAN, K. & STUHR, P. L. (2003). La Educación en el Arte Posmoderno. Barcelona: Paidós. EISNER, E. (1988). The Primacy of Experience and the Politics of Method. Educational Researcher, Juny-July, pp. 15-20. FREEDMAN, K. 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Revista Española de Pedagogía, 71 (256), 401-422. lógicos e intertextuais -, impõe-se como determinante para a reflexão em torno PETRY, P. & HERNÁNDEZ, F. (2013). Ideais e Alteridade em uma Pesquisa sobre a Relaçao dos Jovenes com o Saber. Estilos da Clinica, 18, pp. 1-21. urgência na demanda duma intervenção artística e teatral eficaz, mobilizadora e SULLIVAN, G. (2004). Art Practice as Research Inquiry in the Visual Arts. New York: Teachers College, Columbia University. TOURIÑÁN, J.M. (2011). ¿Enseñar áreas culturales o educar con las áreas culturales? Encuentro de Teoría de la Educación Sistema educativo, nuevas y viejas encrucijadas (Barcelona, Institut d’Estudis Catalans, octubre, Sala Fontseré). Publicado en SI(e)TE (2013). Desmitificación y crítica de la educación actual (pp. 57-92). Barcelona: Octaedro. das práticas teatrais na comunidade. Nesse sentido, o presente artigo reflecte a transformadora. Salientamos os enfoques educacionais e sociais destas práticas artísticas através da apresentação de um projecto de formação de dinamizadores teatrais, em curso na Universidade de Évora. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 La urgencia de un enfoque artístico e teatral de comunidad de calidad Palavras-chave: Teatro e comunidade; Performance; Culturas Populares. RESUMEN El estudio de las representaciones tradicionales contemporáneas, permiten una ZIZEK, S. (1997). Multiculturalism, or, the cultural logic of multicultural capital. New Left Review (225), 28-51. comprensión de las motivaciones de las comunidades en relación con sus propias experiencias culturales y expresiones estéticas.Atender a la paródica, los procesos dialógicos y intertextuales, es crucial para la reflexión en torno a las prácticas teatrales en la comunidad. En este sentido, lo artículo refleja la demanda urgente de una intervención artística eficaz, logrando aceder a la movilización y la transformación teatral. Hacemos hincapié en los enfoques sociales y educativos de estas prácticas artísticas mediante la presentación de un proyecto de formación de facilitadores de teatro, en curso en la Universidad de Évora. Palabras clave: Teatro y comunidad; Performance, Cultura Popular. 34 | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Novembro 2014 Novembro 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |35 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Introdução The study of contemporary cultural performances, allow us to an understanding of the motivations of communities in relation to their own cultural experiences and aesthetic expressions. Attending the parodic, the dialogic and intertextual processes is crucial to understand community theatrical practices. The text reflects the urgent demand of an effective, mobilizing and transforming theatrical intervention. We emphasize social and educational approaches of these artistic practices by submitting a draft of theatrical training facilitators, ongoing at the University of Évora. Keywords: Theatre and community; Performance, Popular Culture. Este artigo toma como referência os resultados duma popular e os códigos de teatralidade que se identificam em investigação, que partiu da análise de uma performance tra- diversas fontes do teatro e performances populares. Com- dicional no sul de Portugal - Brincas Carnavalescas de Évora preendê-los e respeitá-los constituíram-se como passos – compreendendo quer os seus sentidos na contemporanei- decisivos no nosso projecto de formação educacional e ar- dade, quer os seus contributos para a criação teatral comu- tística na comunidade já que se traduzem na oportunidade nitária (Bezelga, 2012). de aceder aos padrões estéticos que este tipo de manifes- A metodologia adoptada revelou uma multiplicida- tações comporta. de de olhares, como área epistemológica de confluências, Impõe-se a um tempo, a identificação, utilização e relevando a pertinência dos processos dialógicos, da incor- re-apropriação de elementos de diversificada proveniência poração das vozes dos interlocutores e ainda da dimensão cultural, não se restringindo apenas aos estritos reportórios projectual de participação, ao longo de anos, nestas práticas teatrais, mas igualmente aos provenientes de outras áreas performativas. da expressão artística e cultural: dança, música, narração Efectivamente, os contributos do teatro educação e oral e escrita, etc. Neste contexto o progressivo interesse comunidade induzem a abordagens cada vez mais especia- pelas formas tradicionais e respectivo processo de patri- lizadas e implicadas, quer referindo-se a especificidades de monialização (Raposo, 2003), tem correspondido às neces- grupos e sub-grupos presentes nas sociedades contempo- sidades das sociedades contemporâneas, de espaços de râneas, a um mesmo tempo sujeitos e objecto de interven- encontro com as suas « raízes » e de procura de sentidos ção, quer no enfoque da dimensão política que prespassa o de continuidade, num mundo em que tudo é fortemente processo criativo. transitório, modulado por fluxos e em constante mudança. A toda esta multiplicidade de práticas se reconhece a tónica no desenvolvimento sustentado, na promoção de REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Abstract Onde até mesmo o conceito de comunidade se encontra comprometido (Bauman, 2003). valores e boas práticas, na afirmação dos direitos humanos, As manifestações performativas populares, caracte- na superação traumática. A função social e transformadora do teatro está pre- rizadas como espaços de celebração comunitária em que sente em todas essas acepções e por esse facto ela é dese- simultaneamente todos são actores e espectadores, fre- jada e urgente! quentemente desenvolvem nos indíviduos sentimentos de Para tal, conte-se sobretudo, com a pertinência da autenticidade e permanência num contexto dinãmico e vi- visão educacional ampla de Paulo Freire, do poder que a li- brante. Tem-se vindo a assistir a uma recuperação das for- teracia confere enquanto promotora da conscientização e mas tradicionais, ou mesmo à sua invenção (Hobshawn & exercício de liberdade e cidadania assim como com as pers- Ranger, 1983) e à adaptação destas manifestações a certos pectivas emancipadoras do Teatro para todos de Augusto formatos com maior visibilidade para o que tem contribu- Boal. ído a crescente dimensão da vida social como espectáculo presente no mundo contemporâneo. A transformação que ocorre ao nível das práticas, das funções e significados Contributos das manifestações performativas que lhes são atribuídos emerge da tensão criativa presente populares nestas manifestações, entre a incorporação de elementos culturais provenientes das referências globais conduzindo 36 | Isabel Bezelga | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Novembro 2014 A perspectiva aqui apresentada pressupõe a interac- ao aparecimento de objectos híbridos (Canclini, 2006) e as ção com 2 sistemas da performance popular que se com- tendências de cristalização suportadas pelas noções de au- plementam, o mundo dos reportórios da expressão artística tenticidade de algumas encenações folclóricas. Novembro 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |37 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 personagem’, reforçada por aspectos visuais e discursivos nhecimento, procedem por habituação e fundem normal- so, constituem-se como uma espécie de alegoria do mundo performances populares equacionando-se a alteridade de eu pessoa, eu performer, mente as suas expectativas com a estrutura tradicional que que representam, ao estabelecerem laços particulares com eu personagem. lhes é sistematicamente brindada, embora se manifestem níveis pré-conhecidos de sentido. A sua dimensão estética A pesquisa transversal que levámos a cabo permitiu A identificação da personagem é sobretudo realiza- abertas e livres para atender às novidades, às actualizações reside nessa capacidade comunitária de reconhecimento e entender a teatralidade como um território maleável onde da por signos externos, que caracterizam tipos facilmente narrativas, aos novos gags (e, portanto, a poderem rir-se de no domínio autotélico (valor próprio intrínseco) que se tra- diversas tradições e inovações operam proximidades e in- reconhecíveis. A tipificação conduz frequentemente a uma si-próprios com eles). duz pela partilha criativa enquanto processo, de certo modo teracções. especialização tornando-se tácita a distribuição de certos No entanto, e apesar do seu carácter festivo e multi- papéis. expressivo, identificam-se um conjunto de elementos teatrais que as caracterizam. A figura de Mestre/ Mordomo, relativamente comum nestas manifestações, aparece associada a um proces- Estes aspectos das performances populares tornam- ahistórico e tendencialmente ritual. se particularmente relevantes para a formação artística, A característica multi expressiva remete-nos não nomeadamente no que se refere à sistematização dos seus apenas para os primórdios do teatro mas igualmente para a contributos para as práticas de teatro e comunidade. performance artística contemporânea em que se salientam O espaço da performance passa, numa primeira ins- so de Iniciação reservada apenas a alguns, nomeadamente os aspectos de mobilização da individualidade criadora, de tância, pela criação do território do jogo, onde – com a co- na senda da continuidade duma determinada linhagem. A inscrição e da consciência de apresentação para um público munidade – fica estabelecido o pacto da natureza ficcional ela cabem diversas funções: liderança, organização, nego- Teatro e Comunidade – Um projecto de no contexto duma implicação comunitária que lhe confere da própria performance, sendo a “rua” o locus preferido. ciação e gestão do grupo, distribuição de papeis, condução formação sentido. A disposição circular ritualizada é percepcionado como mo- dos ensaios e preparativos. mento de efectiva sacralização correspondendo a uma rela- A presença do grotesco e o apelo da comicidade apa- No teatro contemporâneo assiste-se ao desejo de Podemos efectivamente detectar um sem número tivamente comum convenção de passagem do tempo e de recem ligados à presença de outras figuras características, transformar a cena num interface de inscrições culturais, de de exemplos de encontros, interferências e influências mú- enunciação da viagem. que tomam diversos nomes. Estas figuras estão associadas a sonoridades específicas, de pulsões soltas e de corporalida- tuas, que conferem a estas performances populares uma O posicionamento dos performers é organizado ten- diversas funçõe: organização da cena; regulação do espaço des pluralmente marcadas, o que transforma a teatralidade interessantíssima actualidade, se comparados com recen- do em vista um contínuo contacto visual entre todos, es- e tempo; corte (instituindo a dualidade ordem/desordem); num horizonte de permanente investigação. Um projecto tes opções do teatro contemporâneo. Schechner (1982), ao truturando as suas posições relativas através dum discurso reactualização crítica dando voz à insatisfação e à possibili- que se alimenta do projecto e que incorpora a diversidade reconhecer a existência actual de 4 formas teatrais (oral, sistémico que articula o posicionamento de uns face aos dade de leitura das diversas camadas dramaturgicas oriunda expressiva numa estratégia ‘anarrativa’: como uma espécie tradicional, moderna e pós-moderna), salienta a influência outros, ao mesmo tempo que define o ‘de dentro’ e o ‘de da prolepse das narrativas enunciadas na cena; e ainda pela de ‘media res’ sem limites nem metas definidas. das formas tradicionais no teatro pós-moderno: “The post fora’ do espaço de jogo. ajudando as audiências não fami- superação desconcertante da narrativa (sobretudo através liarizadas a (re)conhecer intuitivamente os seus lugares na de referências escatológicas e excessos de linguagem. performance. As práticas performativas são muito diversas da tra- As práticas teatrais tenderam nas últimas décadas modern is influenced more by oral and traditional ways of para a poliexpressividade, para a polissemia oficinal e para making theatre than any modern ways” (Schechner, 1982, uma grande variedade de registos não tuteladas p. 106). A noção de tempo na relação fábula versus enredo dição realista europeia. As características multi-expressivas As desterritorializações foram assim sendo suces- preconizada por Eco (1983), sendo um dia ou uma vida in- destas performances, através da incorporação do cortejo, sivamente animadas por linhas de fuga que curiosamente dências pós-modernas das performances populares, nome- teira, pouco interessa. O posicionamento é o da tradição da música e dança, remetem para uma forma de Teatro To- misturaram a tradição e a contemporaneidade adamente no que se refere à multiplicidade de significados, oral em que uma história se conta começando por “Era uma tal. São vários os autores que salientam as ten- A emergência de novas tendências prende-se com o temas e processos nos modos de criação, onde se acentu- vez…” e, nesse contexto de verdadeira ‘atemporalidade’, Assiste-se à concumitância de diversos géneros no desejo de um regresso às origens e com o sentimento de am o carácter ritual na procura de formas “para expressar as divisões metadiscursivas entre real e ficcional perdem interior destas performances, o que lhes confere uma es- perda de referências fundamentais no teatro occidental. A emoções primárias sufocadas pelas convenções dominan- efectivamente o sentido (e os saltos e ‘décalages’ de espaço tétca particular oriunda das múltiplas influências do teatro. valorização simbólica da dimensão ritual na experiência hu- tes”, resgatando a “manifestação original de cada sujeito e tempo e acção deixam de interferir). Neste sentido, as vivências teatrais destas performances mana aliada a uma busca de autenticidade são aliás ideias de reencontros mágicos, com energias perdidas” (Canclini, Nas performances populares não raramente se re- vão desde entre as mais enraizadas tradições oitocentistas, partilhadas por Artaud, Brook, Grotowsky e Barba. 2006, pp. 20/25). conhece a existência de um conjunto de performers, cujos aos princípios de multiplicidade do teatro pós-moderno, de Os registos da teatralidade popular, independente- Revelaram-se óbvios os contributos das performan- papéis desempenhados com alguma estabilidade, os defi- que destacamos a estilização, a economia de meios e mini- mente das designações colaterais e regionais, denotam vín- ces populares, tendo a experiência – corpórea e sensível – a nem como figuras/personagens, muito para além do tem- malismo. culos naturais e espontâneos de proximidade e intimidade, memória e o conhecimento sido distinguidos como desem- po de realização da performance. Efectivamente, o que Se existem formas e códigos que são agenciados definem contextos de partilha e auto-construção, fazem de- penhando papéis importantíssimos no desenvolvimento estes “actores” enunciam talvez não se possa chamar de pelos performers, também existe um sistema de códigos pender o texto e outros ditames da lógica da própria perfor- criativo e da apreciação estética. personagens, mas sim e apenas, figuras. O “actor” destes convencionados para a sua leitura, enquanto objectos de mance e existem, no terreno, ao arrepio das dicotomias po- Muitos dos elementos presentes nas mais diversas contextos evidencia a separação entre o ‘eu-actor’ e o ‘eu- fruição co-participada. As audiências, por via de um pré co- der/não poder com que são amiúde postuláveis. Além dis- práticas de teatro e comunidade escapam à codificação te- 38 | Isabel Bezelga | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Características da teatralidade das Novembro 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |39 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 atenção; temas recorrentes do teatro tradicional que confe- e identificação como centrais, Mchoul (1996) postula quase ência das capacidades expressivas individuais, a exploração expressivos provenientes não apenas da teatralidade. Estas rem atemporalidade temática. O que importa são as acções uma superação da noção de cultura em nome das “commu- e experimentação em colectivo dos processos de criação. características diferenciadas traduzem uma preocupação (simbólicas ou não) que permanecem, atravessando os fios nities” propiciando o cruzamento de culturas e o apareci- Retemos algumas condições centrais: em abranger linhas de força fundamentais, que mapeiem dos tempos. Vida e Morte, Honra, Traição e Perdão são iso- mento de novas culturas! - A ideia de jogo, como actividade primordial de rela- estas práticas, por natureza disseminadas e diversas nas topias ahistóricas que estão presentes – hoje e sempre – na suas géneses, propósitos e formas de dizer e de ser. vida e nos dilemas contemporâneos. Passemos a examiná-las: Nas práticas de Teatro em Comunidade, verifica-se - A diversidade estética, quer ao nível da complexi- uma clara tentativa de retorno às formas simples. Como se o dade dos signos propostos, quer ao nível das incorporações ‘readvento’ do jogo correspondesse a um desejo profundo: desse material na comunidade que os gera e interpreta, sur- A simplicidade pressupõe sempre a ideia de um regresso, ge como a primeira das características. E possivelmente a embora corresponda a uma estética de experimentação e mais importante. Com efeito é o sentido ‘desprogramático’ despojamento. mas, ao mesmo, denso e tangível na sua comunicação, que O uso das formas populares desempenha um óbvio enforma – como um dado necessário – a diversidade de pro- factor de inclusão, já que uma das preocupações deste tipo postas estéticas que encontramos nas práticas de teatro e de trabalho teatral se centra no potenciar da co-participa- comunidade. ção. Este aspecto é reforçado pelas opções temáticas, de es- - Co-presença de elementos integrantes da vida da pacialidade, de linguagem e de recursos técnico-estéticos. comunidade e da sua cultura. Esta integração de dados do As abordagens de Teatro e Comunidade assumem-se dia-a-dia na cadeia ficcional assegura a presença do ima- metodologicamente como auto-reflexivas, apresentando-se ginário e do seu reconhecimento na própria manifestação. como um desafio e uma oportunidade para que os parti- - Manipulação da multiplicidade de elementos da cipantes – individualmente e enquanto membros de uma cultura popular, aspectos que vão desde o uso específico da dada comunidade – sintam desejo de reflectirem sobre si língua à morfologia da cena próprios, sobre as suas vidas, os seus projectos e esperanças - a presença lúdica e festiva concorrem como mobilizadores potenciando a criatividade e a entrega colectiva. futuras. No projecto de formação que temos em curso tem - Preocupações de eficácia potenciando vínculos co- especial destaque o conhecimento e experimentação de municacionais que se estabelecem entre os diversos parti- formas e códigos presentes nas performances populares, cipantes. que sem descurar pressupostos artísticos e estéticos, se re- A eficácia performativa em teatro e comunidade decorre de vários factores que confirmam o permanente velam eficazes na inclusão dos diversos participantes e no desenvolvimento de processos de co-criação. diálogo com as performances populares: dimensão multiextivos simples e imediatos (objectos e outros signos); uso do A urgência de uma perspectiva artística coro e da forma cantada; recurso ao grotesco e non sense; Intercultural estratégias de narração e uso de prólogo e epílogo; e ainda o facto de todos se sentirem ‘espect-actores’ da cena, na Ao reflectirmos sobre cultura e identidade na con- consideração de que o espaço ficcional construído decorre temporaneidade temos que começar por considerar a cul- de uma realidade de que todos são (personagens e público) tura como algo dinâmico e em constante evolução e não já intrinsecamente parte; recurso às formas de cortejo e fó- assente em identidades fixas e monocentradas. elemento que permite o contacto visual entre todos, a inclusão das audiências e o estabelecimento de um foco de logismo proporcionado pelo Teatro como linguagem artística e estética, no espaço de encontro em contextos situados, com diferentes indivíduos e grupos. Para Augusto Boal (1995) o espaço estético possui qualidades que estimulam a reflexão, a descoberta e o processo de expansão dos universos íntimos e sociais através da experiência. Neste sentido, na formação/educação artística e teatral contemporânea, com preocupações sociais engajadas, deverá ser criado um espaço de questionamento laboratorial, para que de uma forma autónoma e empenhada os alunos investiguem e desenvolvam competências de mediação entre visões, discursos, projectos, instâncias e grupos sociais identitários, fomentando práticas performativas dialógica e cooperadamente sustentadas. Não se trata, pelo atrás exposto, de levar objectos construídos previamente segundo critérios paternalistas de adequação e utilidade (Bezelga, 2008). Aliás sobre esta perspectiva refiram-se as posições de Thompson e Schechner (2004) quando afirmam: “(…) the act of using theatre in these contexts needs to be understood as a process of meeting and competing performances, not as merely bringing theatre to people and places that are theatre-less” (Thompson e Schechner, 2004, p.13). Pretende-se, com esta abordagem, que num ambiente seguro e protegido, os alunos sejam capazes de se exercitar enquanto dinamizadores de projectos na comunidade, assumindo uma relação horizontal baseada no respei- pressiva; identificação das personagens através de disposi- rum. A forma circular é valorizada em termos teatrais como As bases desta abordagem recaem sobretudo no dia- A preocupação intercultural advém das necessidades criadas pelas novas sociedades multiculturais na tentativa de uma melhor inclusão. Projectando as noções de partilha 40 | Isabel Bezelga | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Novembro 2014 to recíproco, na criação de afectos e de laços, que promovem a oportunidade de reflexão-acção e a transformação de práticas e constructos. Convém ressaltar que não sendo a preparação de artistas profissionais, vulgo formação de actores, o tema deste artigo, importa desde já enunciar os princípios pedagógicos do teatro inscritos na formação de educadores, professores e animadores centrando-os no favorecimento de um ambiente desafiador e auto-reflexivo, que possibilite a aquisição das linguagens dramáticas, a tomada de consci- ção deverá ser tomada como ponto de partida e de retorno. - A integração no processo criativo das dimensões rituais, arquetípicas e oníricas das performances populares pressupõem um reconhecimento e leituras universais. - A recuperação de temas e formas do teatro tradicional traduz-se numa preocupação pelo ‘não dito’, pela preferência por um tipo de recriação que evita o óbvio; aposta na autenticidade - recusando o artifício - e ainda na reinvenção do espaço e da própria ordem da representação. - A comicidade e o uso do grotesco, característicos das performances populares permitem o “espelhamento” e um olhar crítico imediato. - A consideração da importância das novas formas de comunicação, e de interacção com o público (que pressupõe uma comicidade reflexiva) ligam-se, obviamente, a uma REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 atral estrita. Cabe neste domínio todo o tipo de elementos valorização de espaços alternativos de sociabilidade, pelo fazer artístico e vivência estética. fidelizam os seus participantes como públicos mais críticos e produtores culturais autónomos. - O processamento da transmissão de saberes, englobando não apenas os representantes de diversas gerações mas toda uma comunidade, deverá ser realizado de uma forma intuitiva e natural. Desta forma, valoriza-se a aprendizagem decorrente do contacto directo e experimentação. A possibilidade de conversar, observar e partilhar momentos do quotidiano em contexto, ao invés de ser considerada uma perda de tempo, revela-se uma insubstituível oportunidade de aceder e compreender as práticas culturais de uma comunidade, actualizando e reformulando concepções construídas. A narração oral, a implicação da memória e a interpretação subjectiva de acontecimentos e casos - através da aplicação de metodologias audio-visuais de elicitação, por exemplo -, revelam-se facilitadores da mobilização intergeracional numa comunidade e oportunidade de construção identitária. A partilha de histórias (aliando a dimensão da realidade e da fantasia) constituem-se em momentos de Novembro 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |41 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 A dimensão reflexiva é um imperativo que recai na A criação de uma relação de confiança e a anulação análise sobre as próprias práticas. Assim o profissional ao de níveis hierárquicos é condição do desenvolvimento de promover o desenvolvimento das competências de análise um Projecto, permitindo compreender na praxis os princí- e reflexão individual dentro do grupo, inclui-se a si próprio, pios que enformam a abordagem teatral intercultural. Esta já que o trabalho teatral na comunidade é uma co-constru- constante prática de ‘media res’ que visa a transformação ção. social está muito para além de todos os reducionismos e codificações binárias e/ou esquemáticas. Interessa levar em conta indicadores de eficácia provenientes da investigação no âmbito educacional, no- O desenvolvimento de uma visão ética do mundo – no respeito de diferentes valores, acepções e perspectivas – articula-se com as necessárias qualidades de liderança e pro-actividade do animador/facilitador (Bezelga, 2013). meadamente os que decorrem de projectos formativos na O conhecimento fundamentado e experienciado, concepção das Comunidades de práticas (Wenger, 1998), numa praxis dialógica, das formas das performances po- em que a responsabilidade de aprendizagem partilhada e pulares, torna-se ferramenta necessária ao animador/faci- a co-construção de conhecimento se espelham sobretudo, litador. No entanto, tal conhecimento não pressupõe uma ao nível de um mais rigoroso e adequado planeamento e fidelização aos conteúdos e temas tradicionais. avaliação das acções – incorporando as motivações, desco- A heterogeneidade com que as expressões culturais bertas e expectativas de todos os participantes -, num “En- se apresentam e se reinventam, isentas da referência a câ- contro” a várias VOZES. nones estéticos, são denominadores comuns na contemporaneidade (Canclini, 2006). O carácter híbrido acompanha a crescente vitalidade da cultura popular, pelo que se impõe Considerações Finais contínua investigação estabelecendo o recurso a formas Referências Bibliográficas BAUMAN, Z. (2003). Comunidade: A busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. BEZELGA, I. (2013). Facilitadores Teatrais nos contextos das culturas populares. In J. Pereira, M. Vieites & M. Lopes (coord.), Teatro do Oprimido: teorias, técnicas e metodologias para a intervenção social, cultural e educativa no século XXI. (pp. 187-202). Chaves: Intervenção. BEZELGA, I. (2012). Performance Tradicional e Teatro e Comunidade: Interacções, Contributos e Desafios Contemporâneos. O caso das Brincas de Évora. Tese de Doutoramento. Évora: Universidade de Évora. BEZELGA, I. (2008). A abordagem intercultural do tradicional ao contemporâneo: um contributo para a educação artística. Revista Imaginar, 49, pp. 26-31. BOAL, A. (2009). A Estética do Oprimido. Rio de Janeiro: Garamond. BOAL, A.(1995). The Rainbow of Desire: The Boal Method of Theatre And Therapy. London: Routledge. CABRAL, B. et al. (1999). Ensino do Teatro: Experiências Interculturais. Florianópolis: Imprensa Universitária. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 forte adesão e coesão dos participantes (Cohen-Cruz, 2005). CANCLINI, N. (2006). Culturas híbridas: estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo: Edusp. performativas eficazes possibilitando a vivência de procesA partir da análise das práticas e discursos produzi- sos criativos livres e actualizados. dos por criadores e estruturas de criação em Portugal, cujo A construção partilhada de conhecimento é o mo- programa de acção contempla a intervenção teatral na co- tor de desenvolvimento e transformação individual, o que munidade foi possível compreender que frequentemente as remete para a consideração da abordagem de Teatro e Co- abordagens de teatro e comunidade servem propósitos so- munidade como eminentemente processual, no sentido em cioculturais e artísticos institucionais (nomeadamente aca- que se promovem no seio do grupo, as competências co-in- démicos) que não levam em conta as experiências, vivências vestigativas, co-criativas e co-avaliativas de âmbito artístico, culturais e motivações dos individuos e comunidades, não estético e social. correspondendo por isso às expectativas criadas e fracas- Os resultados da investigação constituíram um esteio sando os seus reais impactos. Desta forma, a reflexão sobre particularmente rico que acabou por ancorar as diversas a formação do agente teatral com esta responsabilidade chaves da teatralidade, entendidas como um sistema que mostra-se decisiva. resiste ao fechamento e à cristalização conceptuais. O ponto Saliente-se o papel polivalente do profissional que de partida e os pontos de chegada da nossa pesquisa reflec- desenvolve a sua acção teatral na e com a comunidade tiram este percurso. Por um lado, problematizando os senti- considerando uma multiplicidade de funções: A um tempo dos contemporâneos da performance tradicional; por outro formador; educador; investigador; e artista. Indubitavel- lado, enunciando os contributos que daqui advém para a mente apresenta-se como mediador entre visões, mundos criação teatral contemporânea em contextos de desenvolvi- e contextos, envolvendo diferentes referências de ordem mento comunitário e, desta forma, inquirir as relações en- cultural, social, artística e estética, acentuando o carácter tre a educação, a comunidade e as práticas performativas e dialógico da relação. teatrais. 42 | Isabel Bezelga | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Novembro 2014 COHEN-CRUZ, J. (2005). Local Acts: Community Based Performance in the United States. New. ECO, U. (1983). Leitura do texto literário. Lisboa: Presença. HOBSHAWN, E. & RANGER, T. (1983). The Invention of Tradition. Cambridge: Cambridge University Press. McHOUL, A. (1996). Semiotic Investigations: Towards an Effective Semiotics. Stages: University of Nebraska Press. RAPOSO, P. (2003). O papel das Expressões Performativas na Contemporaneidade. Identidade e Cultura Popular. Tese de Doutoramento. Lisboa: I.S.C.T.E. SCHECHNER, R. (1982). The end of humanism. Nova Iorque: Performing Arts Journal Publications. THOMPSON, J. & SCHECHNER, R. (2004). Why “Social Theatre”? The Drama Review 48:3, pp. 11-16. WENGER, E. (1998). Communities of practice: learning, meaning and identity. Cambridge: Cambridge University Press. Novembro 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |43 Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? Practices of Visual Arts in schools: the usual or resignified ones? Moema Martins Rebouças ambiente virtual (AVA). Dividida en dos etapas, en la primera se realizó una [email protected] cartografía de la docencia en Artes en todo el estado, y en la segunda se realizó Universidade Federal do Espírito Santo una investigación de naturaleza indagadora y también participante a partir de las interacciones, estudios y proyectos disponibles en el AVA. La finalidad Tipo de artigo: Original es comprender los cambios que este estudiante pasó durante el curso. Para este artículo fueron elegidas las interacciones realizadas a partir de las asignaturas “Estágio II” (Práctica laboral II/ pasantía) y “Trabajo de Graduación I” RESUMO teniendo como referencia estudios cualitativos en el campo de la sociosemiótica por posibilitar éste el análisis de las diversas producciones textuales Este artigo faz parte da investigação “A Educação da Arte no Espírito Santo: de professores a alunos” que teve como objetivo conhecer e acompanhar o professor no exercício da disciplina de Artes e sua formação como aluno do Curso de Artes Visuais Licenciatura na modalidade Educação à Distância (EAD), realizadas por los estudiantes/maestros. Palabras-clave: practica del arte; formación del maestro en Artes Visuales; artes visuales. da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Como corpus analítico foram utilizados: questionários, narrativas, projetos, planejamentos e outras produções REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6| ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Las prácticas de las Artes Visuales en las escuelas: habituales o resignificadas ABSTRACT disponibilizadas no ambiente virtual (AVA) do curso. Dividida em duas etapas na primeira foi realizado um mapeamento da docência em Artes em todo o estado, e na segunda foi realizada uma investigação de caráter exploratório e participante a partir das interações, estudos e projetos disponibilizadas no AVA. O objetivo é o de compreender as mudanças pela qual esse aluno passou durante o curso. Para este artigo foram escolhidas as interações realizadas a partir das disciplinas “Estágio II” e “Trabalho de Graduação I” tendo como referencial os estudos qualitativos de cunho sociossemiótico, por possibilitar a análise das diversas produções textuais realizadas por esses alunos. Palavras-chave: práticas das artes; formação de professor de Artes Visuais; artes visuais. This article is part of the research “The Education of Art in Espírito Santo: from teachers to students”, which aimed to understand and observe the teacher in the exercise of the Art discipline, so as his/her formation as a student under the teacher licensing course of Visual Arts of the Federal University of Espírito Santo (UFES in portuguese), in Distance Education modality (EAD in portuguese). As analytical corpus were used questionnaires, narratives, projects, class plans and other productions available in the virtual environment (AVA in portuguese) of the course. The research was divided into two stages: in the first one, a mapping of the Art’s teaching throughout all the State was carried; in the second one, an exploratory and participant investigation was conducted from the interactions, studies and projects available on the AVA. The goal is to understand the changes through which the student has passed during the course. For this paper were RESUMEN chosen the interactions which resulted from the disciplines “Estágio II” (Work Placement II) and “Trabalho de Graduação I” (Dissertation I), having as theoretic Este artículo forma parte de la investigación “La Educación de Arte en Espírito Santo: de profesores a estudiantes” que tuvo como objetivo identificar y referential the qualitative studies of social-semiotic character, for they allow the analysis of the various textual productions undertaken by these students. acompañar al profesor que enseña Artes y, al mismo tiempo, hace su formación como estudiante del Curso de Artes Visuales, Licenciatura dentro de la modalidad Keywords: art pratices; formation of Visual Art teachers; visual arts. Educación a Distancia (EAD) de la Universidad Federal de Espírito Santo. Como corpus analítico se utilizaron: cuestionarios, narraciones de su propia historia docente, proyectos, planificaciones y otras producciones disponibles en el 44 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Novembro 2014 Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |45 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 a nomenclatura de Pólos de Formação Continuada do das disciplinas, aquele momento em que os programas são gerados por trocas estabelecidas, por condições de trabalho continuada? Professor e às Universidades a formação dos docentes pensados, repensados, debatidos pelo grupo de docentes a que são submetidos, por uma legislação que regula, em nível superior. Devido à demanda em nosso estado, responsáveis pelo curso e, enfim, disponibilizados legitima e hierarquiza as disciplinas por meio das matrizes A partir de novembro de 2009, o curso de Artes Visuais o curso foi ofertado em 22 Pólos e possibilitou que tanto alunos. curriculares entre outras determinações e coerções a que - Licenciatura, na modalidade semipresencial (EAD) , é os alunos de áreas rurais, quanto aqueles que moram em Todo esse processo foi acompanhado por um colegiado são submetidas. Do outro lado, está o curso como o lugar de ofertado pela Universidade Federal do Espírito Santo cidades localizadas em municípios vizinhos estivessem, representativo do qual participam: professores das investimento de valores que lhes possibilitará a conquista (UFES), com o objetivo de mudar uma realidade que preferencialmente, a no máximo 50 quilômetros dos Pólos, instâncias interdepartamentais da “sala de Artes” e nela a atualização de uma docência perdura em nosso estado desde a obrigatoriedade da e conseguissem deslocarem-se semanalmente para os compostas por profissionais dos Centro de Artes e do Centro enriquecida com o vivido nos espaços escolares em que disciplina de Educação Artística na educação básica (1971), encontros presenciais que ocorrem, e também submeterem- de Educação e representantes de coordenação de Pólo, de atuou, considerando tanto as potências advindas dali como a da atuação de docentes nos sistemas de Ensino público se às avaliações de cada disciplina que são obrigatoriamente tutoria e de alunos. Cada etapa do curso incluiu também as lacunas. desde a Educação Infantil, Ensinos Fundamental e Médio presenciais. Esta é uma característica dessa oferta de curso, uma dinâmica de reuniões com a intencionalidade de Considerando o exposto acima, o nosso interesse foi o sem a formação específica em Artes. a de contar com a presença do aluno no Pólo, e lá eles serem incluir os sujeitos aos quais o curso engloba, os professores de acompanhar o trânsito entre esses dois espaços de A oferta se deu no âmbito da Universidade Aberta do Brasil mediados por um profissional da educação que recebe o em formação continuada, e, os demais alunos, ou seja formação do aluno desse curso que é professor da educação (UAB), com uma proposta do Centro de Artes (CAR da UFES), nome de tutor presencial, portanto, ser semipresencial, e àqueles interessados em uma formação em arte e que por básica, que nomearemos aqui de aluno/professor: seus e em atendimento aos Editais lançados pelo Ministério da não à distância motivos diversos (tais como a entrada na vida profissional saberes docentes advindos do cotidiano e aqueles do curso Educação e Cultura (MEC) e o que moveu esta iniciativa foi Para confirmar a grande demanda pela formação, no e/ou moradia distante), não puderam fazer o curso na numa articulação entre eles e num alcance que se expande processo seletivo realizado em setembro de 2008, a procura modalidade presencial, ou seja um público diferenciado e se estende às escolas e a cada sala de aula em que atuam pelo curso foi maior que a do processo seletivo para o daquele que ingressa atualmente no curso de Artes Visuais como professores. ensino presencial. Foram ofertadas 30 vagas em cada Pólo Licenciatura na modalidade presencial (composto de jovens Municipal, sendo 15 vagas para professor em exercício e 15 que em sua maioria ainda não ingressaram no mercado de vagas para o público em geral. Ao todo, 3.315 candidatos trabalho). 2. Como pesquisar e envolver os alunos na fizeram o Vestibular 2008/2 para o curso, destes 958 para Portanto, esse curso possui para aqueles que já são pesquisa aberta e a distância um importante e eficaz instrumento a categoria de professor no exercício de sua função e 2.357 professores a dimensão de uma formação continuada em de democratização do acesso à educação e uma opção para o público em geral. docência, em nosso caso específico, a formação em Artes. de qualidade para atender àqueles que lutam por uma O empenho a este modelo para a oferta UAB, que normalmente O nosso interesse nessa investigação foi o de acompanhá- não destina vagas específicas para professores no exercício, los no processo mesmo dessa formação, para adentrar e foi condição da UFES para aprovação do curso. O interesse conhecer como se dá a articulação, ou não, dos saberes estava em combater práticas instituídas pelas Secretarias advindos de uma prática construída no cotidiano das salas de Educação Estadual e Municipais de complementação de de aula, em confronto, ou não, com outros saberes, como os carga horária do professor de outras áreas e disciplinas para que a academia lhes proporcionará. justificar a permanência do profissional na escola. Desse Desse modo, na oferta e planejamento das disciplinas, modo, como a disciplina de Artes3 é a que possui menor consideramos os dois espaços, tanto o da educação básica, carga horária semanal, profissionais com graduação em como o do ensino superior, como espaços instituídos de Pedagogia, Letras e até Geografia ministram a disciplina nas formação, num mesmo nível de competências para a escolas sem, entretanto, possuírem a formação superior docência, sem hierarquizar um saber advindo da vivência como garante a legislação. e da experiência, sobre o outro específico da academia. Formar os que já atuam na docência e possuem experiências Se, por um lado, são dois espaços formadores distintos, e nos exigem competências diferenciadas desses sujeitos. No acompanhou antes do curso iniciar, no processo do desenho primeiro há um saber-fazer que a todo o momento, se do currículo4 e, principalmente, no momento das ofertas modifica, pois advindo da prática, se pauta num saber 1 [...] constatar que ainda hoje grande parte dos professores de arte em atuação, principalmente no interior do estado [Espírito Santo], não possui formação acadêmica necessária para o pleno desenvolvimento de atividades vitais para a formação sensível, social e cultural de nosso alunado. Essa constatação [...] o Centro de Artes da Ufes viu na educação habilitação em nível superior, possibilitando a formação adequada e sustentável dos atuais e futuros professores de arte. (Gonçalves, 2010,p. 65). É importante esclarecer a existência de um único curso de Licenciatura em Artes Visuais no estado do Espírito Santo não conseguiu atender à extensa demanda profissional 2 existente. Para viabilizar este projeto foram criadas parcerias entre o sistema de ensino federal (MEC e UFES) e os municípios do estado. Estes seriam responsáveis por disponibilizar e administrar as unidades em seus municípios que recebem 1 Modalidade semipresencial pois é obrigatória a presença do aluno semanalmente no Pólo de Formação em que ele está inscrito. 2 Dados da Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo-SEDU/ES e de pesquisa realizada por Rebouças (2005) apontaram para um número de 1.200 profissionais atuando como professores da disciplina Artes e/ou Educação Artística na educação básica em municípios de nosso estado sem a formação e a titulação de curso superior em arte. A Educação básica compreende as diferentes etapas da educação, desde o infantil, fundamental ao médio. formações diversificadas? Essa inquietação 3 Artes é a nomenclatura atual que substituiu a anterior de Educação Artística. 4 O currículo do curso de Artes Visuais Licenciatura na modalidade semipresencial (EAD) é diferente do ofertado na modalidade presencial. 46 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Novembro 2014 departamentais e aos constituído ali, no cotidiano dessa prática, ou, como alguns falam, “no chão da escola”. Com os sobressaltos e surpresas REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 1. Porque pesquisar o professor em formação A primeira etapa da investigação teve como objetivo principal a aproximação do aluno do curso com a realidade mediante um fazer investigativo, para que, desde a formação envolvêssemos, tanto os que já atuam em sala de aula (aluno/professor) como os futuros professores. O objetivo era o de fazer com que o aluno do curso compreendesse a sua ação docente contextualizada e englobada por todas as variáveis que possuem uma dimensão que não é individual, porém, coletiva. Acreditamos que essa aproximação se dá pela pesquisa, porque é a partir dessa prática que a realidade escolar é repensada e o seu fazer efetivamente transformado. É nesse escopo que o Estágio na modalidade de ensino aberto e a distância se sustenta, pois respeita-se a realidade, a cultura, os problemas relativos a cada município ou cidade a que pertence o aluno ou aluno/professor do curso. E é em “Estágio I” que esse mapeamento é iniciado, a partir da imersão desses estudantes no contexto escolar, vivenciando o seu cotidiano multifacetado. Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |47 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 este artigo foram escolhidas as interações realizadas a de suas motivações e razões respectivas, como a partir do Landowski (2009) propõe a ampliação dos modelos como é o trajeto até a escola, o que tem ao seu redor, como partir das disciplinas “Estágio II” e “Trabalho de Graduação que pensam da competência modal de seus interlocutores, narrativos de Greimas8 . a escola é fisicamente, as salas de aula, como se organiza I” tendo como referencial os estudos qualitativos de cunho sejam eles os seus adversários ou co-partícipes de seu fazer. É esse arcabouço teórico, proposto por Landowski (2009), e se estrutura, enfim, munidos de máquinas fotográficas e sociossemiótico, por possibilitar a análise das diversas Portanto, o professor(a), o aluno(a), ou mesmo o(a) que nos permite refletir sobre as condições de sentido das do diário de bordo, escreveram e registraram com imagens produções textuais realizadas por esses alunos. diretor(a) não são papéis temáticos fechados, nos quais se práticas instituídas na escola e assumidas, discursivamente, o que cartografaram. Em seguida, munidos de documentos “moldam” comportamentos predefinidos. São interações pelos professores. Sabemos que as relações entre sujeitos, devidamente autorizados pelas autoridades competentes, entre sujeitos em que as competências darão motivo às dependendo de onde elas se dão, os constituem, desse interpretações e às influências do poder persuasivo, de modo, na escola, ou em espaços exteriores a ela, numa festa, os estudantes iniciaram a aplicação dos questionários. A coleta de dados foi desenvolvida, basicamente, a partir dos seguintes instrumentos de pesquisa: observação, incluindo fotografias e/ou filmagens, um questionário com 16 perguntas e os registros em diário de campo das cartografias realizadas. A disponibilidade e o empenho de todos possibilitou o envolvimento de todos os alunos do curso totalizando 22 municípios pesquisados5nesse mapeamento. Ao todo foram entrevistados 612 professores, com idade entre 26 e 40 anos, sendo mais de 90% do sexo feminino. O perfil desses docentes, sua escolaridade, sua experiência, os fatores extras e intracurriculares que influenciam em seu fazer docente configuram um primeiro retrato dessa docência no Espírito Santo que essa pesquisa após a tabulação de todos os dados conseguiu desenhar. Na segunda etapa da investigação, foi feito um recorte tendo como parâmetro a abrangência e as diferentes realidades de nosso estado e de sua docência. Os 22 Pólos em que o curso foi ofertado estão localizados, em todas as regiões de nosso estado, do sul ao norte, nas montanhas e no litoral, com grande diversidade cultural, étnica e social. A nossa pretensão foi a de nesse recorte englobar essa diversidade de espaços e culturas em que estes sujeitos atuam, para melhor qualificar as suas práticas. Para analisá-las utilizaremos tanto as narrativas elaboradas pelos mesmos sobre a sua docência, como a análise documental dos portfólios produzidos no curso, os estudos e investigações anexados no ambiente virtual de aprendizagem (AVA), e com este movimento compreender as mudanças pelas quais esse aluno/professor passou durante o curso. Para 5 Os municípios pesquisados foram: Afonso Cláudio, Alegre, Aracruz, Bom Jesus do Norte, Cachoeiro de Itapemirim, Colatina, Conceição da Barra, Domingos Martins, Ecoporanga, Guaçuí, Itapemirim, Iúna, Linhares, Mantenópolis, Piúma, Pinheiros, Santa Leopoldina, Santa Teresa, São Mateus, Vargem Alta, Venda Nova do Imigrante e Vila Velha. 3. Práticas habituais ou práticas ressignificadas? Será que é possível imaginar uma escola cujo funcionamento se baseie em modos esperados de comportamento dos sujeitos? Onde cada um desempenha o seu papel, segue o seu programa, ou cumpre seu plano de atividade diária previsto, independentemente do que possam estar fazendo os outros sujeitos (e coisas, e eventos) que o cercam? Que imite o funcionamento de uma fábrica em seu setor de produção programando o tempo a partir de sinais sonoros que anunciam a hora da entrada, dos intervalos entre as aulas, do recreio e da saída e a sua própria espacialidade, e nesse espaço-tempo, cada qual desempenha o seu papel temático de ser professor(a), ser aluno(a), ser pedagogo(a), de ser diretor(a), de ser bibliotecário(a), entre outros, e cumpre uma função determinada que tem ainda como característica a de não comunicarem-se com os demais? Ou, ao contrário, esse espaço escola, ao não se programar pragmaticamente, nem filiar-se a um conteúdo predeterminado, possibilitará que a competência modal, como atributo dos sujeitos, tenha como efeito unir os actantes6 em lugar de separálos? Assim, todo sujeito nela poderá a partir de sua inserção nesse espaço que o constitui, ser motivado, a querer, a crer, a saber, a poder e consequentemente, a querer que o outro queira (ou não queira), crer que crê, saber que sabe, e assim fazê-lo saber? Esse espaço escola, mesmo demarcado espacial e temporalmente, é constituído e compartilhado pelos sujeitos, e institui entre todos que ali circulam periodicamente, como os pais em comparecimento às reuniões, ou os que o usam cotidianamente, como os profissionais da educação e os alunos, competências semióticas que os “habilitam” a comunicarem-se entre si. Entretanto, e ao mesmo tempo, os fazem manipuláveis, uns aos outros, tanto sobre a base 6 Actante é uma unidade sintáxica formal que designa o que ou quem realiza ou sofre o ato e participa de um processo. 48 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Novembro 2014 um com o outro, ou de um sobre o outro, e essas ocorrem no ato mesmo em que se fazem, portanto, não garantem nenhuma certeza “de sua eficácia” sobre o outro. A escola, que consideramos e exemplificamos aqui, se constitui como um espaço sócio-cultural7ordenado por uma dupla dimensão, ou seja, institucionalmente ela possui normas e regras que tem como objetivo unificar e delimitar as ações dos seus sujeitos, mas por outro lado é constituída cotidianamente pela complexa trama advinda das relações socais nas quais eles se encontram envolvidos, o que inclui os conflitos que ali se instauram, os posicionamentos individuais assumidos ou rechaçados pelo coletivo, as transgressões e os acordos. Como um espaço social, a escola vive uma vida social onde as situações interactanciais descritas acima são de práticas educativas e sociais que envolvem atores e, portanto, são dotadas de regularidades, de intencionalidades, de sensibilidades compartilhadas ou rechaçadas, e acima de tudo por imprevistos. Essas práticas constituem-se como num supermercado ou mesmo na feira, serão consideradas as qualidades discursivas instaladas ali, nas interações entre os atores, naquele momento e lugar. Assim, os modos de funcionamento de uma escola, com o qual iniciamos a nossa reflexão nessa etapa de investigação, constitui fases do regime de programação e de manipulação, que envolvem relações interactancias movidas por regularidades e por intencionalidades, produzidas em interações desenvolvidas em um plano horizontal, exemplo das programadas, ou em um eixo “vertical”, hierárquico, como nas manipulações. Nestas, os coparticipantes podem trocar valores objetivos, e nesta confrontação põem em jogo o reconhecimento de um dos destinadores pelo outro. O sociossemioticista alerta que, se, no primeiro caso, as razões de submeterem-se à vontade do manipulador eram fundamentalmente de ordem econômica, no segundo caso, as motivações são de ordem identitária. Tendo como base as constituições de sujeito manifestadas em seus discursos e práticas, questionamos, se os papéis assumidos pelo professor regem as práticas que ele elege: situações semiotizáveis? Possuindo uma natureza distinta Como preconiza Landowski (2005), o quanto em nossas dos “textos” que regem as escolas como os planos, as leis, práticas cotidianas privilegiamos um poder-fazer e um os regulamentos, ou que circulam nas mãos dos professores saber-fazer em detrimento de outros modos de relações e alunos como os livros e manuais didáticos, como dar conta possíveis com o nosso entorno. Tal conduta, conforme das relações entre os sujeitos, das situações e das práticas aponta o autor, se for eleita pelos sujeitos em suas práticas que ocorrem ali, ou que chegam a ela e são apropriadas, ordinárias, objetiva o mundo e, desse modo, nos distancia vivenciadas e portanto são tão educativas quanto as dele. Corresponde, assim, a uma visão dualista que separa originadas e destinadas para ela? sujeito e objeto, sendo este visto e entendido como Se são situações semiotizáveis, assim como qualquer texto exterioridade. O sociossemioticista advoga a existência (impresso, pictórico, audiovisual, gestual entre outros), de um outro modo de relação entre o sujeito e o mundo- podem ser assimiladas e analisadas como tal. Entretanto, objeto dado pelo encontro estético. Desse encontro entre a escola e as práticas que nos interessa investigar são o sujeito e as qualidades sensíveis do mundo, emerge uma as situações e/ou atos e não os textos enunciados em REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Para cada escola, uma cartografia foi desenhada, ou seja, experiência que é de uma aprendizagem: determinado suporte, e para empreender esta tarefa 7 Cf. Dayrell (1996) . 8 Além do regime da programação e da manipulação proposto por Greimas (1970), Landowski (2009) acrescenta o de ajuste e do acidente. Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |49 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 aluno) que executa os programas sem questioná-los. a primeira possibilita o repensar a escola, deslocando graduais de ajuste às qualidades sensíveis dos elementos A segunda envolve comportamentos relacionados à esse aluno/professor de seu papel e cenário rotineiro, educação numa escola de educação básica para competências modais de sujeitos motivados por uma de docente no interior de uma sala de aula. A segunda é propor intervenções educativas com metodologias, motivação de ordem decisiva, entretanto, questiona tanto o repensar, de todos os estágios realizados por eles, os conteúdos e recursos da Arte (projeto de uma sobre o que desejaria, deveria e poderia fazer, que acaba vários deslocamentos, e ainda engloba uma proposta que é oficina de arte). por não fazer. autoral, a de um projeto de uma monografia. com os quais o sujeito interage, quer se trate de obras de arte, de outros sujeitos, ou ainda das coisas mais ordinárias que compõem o meio ambiente da vida cotidiana (Landowski, 2005, p.93). Portanto, esta experiência, não se restringe a comportamentos e papéis programados e considera àquelas que englobam as qualidades das articulações presentes nos eventos, ou seja, os sujeitos, os contextos e as culturas, e também reconhecem a pluralidade, e, por conseguinte, a polissemia de magnitudes de toda ordem com as quais podemos tratar. Assim, o sentido, ou as condições de sentido, tal como propõe Landowski (2009, p.32) “não estão fechadas objetivamente nas coisas, tampouco estarão completamente submetidas à pura subjetividade de pontos de vista, depende certamente, da mirada do sujeito”. Temos, então, conforme o autor, nas narrativas programadas, tais como as que determinam o tempo na escola (da aula, do recreio, da entrada, da saída), as baseadas em necessidades físicas e biológicas (tempo para alimentação, para ir ao banheiro), regularidades de comportamento de ordem social e simbólica, duas formas de motivação. Para explicar a primeira, motivação stricto sensu, Landowski (2009) recorre a Michel de Certeau (1994) que, ao analisar o cotidiano, insere o “inventor”, como aquele sujeito questionador, que redefine o sentido que atribui não só aos objetos que o rodeia mas às suas próprias práticas, desse modo constrói a cada dia seu próprio mundo enquanto mundo significante. Esse é um sujeito crítico. A outra forma de motivação é aquela em que o sujeito acompanha comportamentos socialmente regulados, explicitando o valor simbólico que é possível associarlhes. Esse é um sujeito consensual, entretanto, possui a capacidade de reivindicar, se necessário, as pertinências. Após explanar sobre essas formas de programação e de motivação, Landowski (2009,p.40) argumenta que delas se depreendem três figuras fundamentais. A primeira pautada em regularidades, casualmente determinadas na programação em que as noções de motivação e intencionalidade não são pertinentes, ou seja, ela gera um actante ativo puro (pensando na escola, um professor, ou E, enfim, as programações motivadas de natureza complexa, amplamente automatizadas, que geram comportamentos dessemantizados de práxis praticadas, e ao mesmo tempo ressemantizáveis, se o sujeito reposicionar-se como observador de sua própria prática. A esse, Landowski denomina senhor todo-mundo. É importante aqui esclarecer que as situações e as categorizações apresentadas pelo autor, não correspondem a papéis fixos destes atores, nem tampouco possuem a pretensão de engessar as situações e as narrativas produzidas por eles. O objetivo é a proposta de um modelo analítico que permita articular e extrair as implicações ideológicas inerentes aos discursos e às práticas tomados como objetos de descrição semióticas. Os regimes de sentido e de interação são procedimentos entre sujeitos e objetos, e entre sujeitos que se articulam, ou interferem entre si nas práticas e interações concretas, portanto, não há uma continuidade entre intencionalidade e regularidade, nem ruptura entre manipulação e programação, o que há é uma série de passagens graduais que encadeiam estes dois regimes entre si. Ou, ainda, como no caso do ajustamento, a existência de uma dinâmica própria dos atores, desse modo a interação emerge dela mesma, no co-atuar de seu coparticipante. Apresentada a base teórica que fundamenta e conduz a Desse modo, o curso, tal qual um programa narrativo 3.1. A proposta de/para ressignificar a própria prática Com a intencionalidade de provocar o aluno do curso de Artes Visuais Licenciatura EAD, e principalmente o aluno/ professor, propomos os Estágios para todos, e a perspectiva que abraçamos foi a da pesquisa, posicionando-os como observadores de seu próprio espaço/escola e de sua própria prática docente. Apresentaremos, a seguir, os principais objetivos da disciplina Estágio II, para que se possa acompanhar, como nós, enunciadores de uma disciplina, promovemos esse encontro com a realidade, tomando-a como uma totalidade a ser investigada. Nas performances discursivas, estão incluídos o plano social (campo de estágio, as escolas e seus sujeitos) e como na interação com esse campo os professores/alunos discursivizam e quais práticas propõem. Para tanto, apresentaremos inicialmente os objetivos propostos pela disciplina, para depois apresentarmos os discursos produzidos pelos professores/alunos modelizados pelo curso. A seguir nos objetivos da disciplina o compromisso e a responsabilidade de cada um na transformação da arte na educação escolar: • coletivos compartilhados socialmente? Nesse fazer, como a uma determinada realidade. • em projetos específicos de intervenção na escola (como em uma oficina inter e transdisciplinar tal qual proposta na disciplina “Estágio II”, ou ainda nos projetos que apresenta em “Trabalho de Graduação I”? O recorte nessas disciplinas (“Estágio II” e “Trabalho de Graduação I”), se justifica pois Conhecer os princípios que fundamentam a pesquisa de campo e a etnografia para pesquisas interfere em sua prática, a reorganiza e a re-apresenta em planejamentos e propostas educativas em seu cotidiano ou Compreender o estágio como campo de pesquisa entender e investigar fatos ou princípios relativos professor? Como ele articula e se apropria dos conteúdos em educação; • Conhecer os instrumentos de coleta de dados para uma pesquisa de campo; • Acompanhar e compreender a dinâmica de uma escola e a sua estrutura organizacional para que possa conhecer as propostas e planejamentos pedagógicos, artísticos e culturais existentes nesse espaço educativo; 50 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Novembro 2014 de base do percurso gerativo de sentido proposto pela semiótica, pressupõe um sujeito disjunto de “certo saber”, logicamente, não de todos os saberes, mas daqueles específicos que compõem o objeto valor almejado por esses professores ao retornarem a um antigo papel já desempenhado, o de ser aluno, e, para tanto, tendo de passar por provas que o qualifiquem, como o vestibular de ingresso para essa formação. Com o curso, agregamse aos conhecimentos prévios desse sujeito, inserido na cultura e na educação, um “conhecimento da arte”, com o reconhecimento que um curso de graduação lhes confere. Nesse programa narrativo de base do curso, as disciplinas, e cada uma delas, possui também os seus próprios programas narrativos com o objetivo de modalizar os sujeitos para a ação, ou seja, modificar o estado inicial do “não saber” para junto com eles torná-los sujeitos do querer, do dever, do poder e do saber. Cada uma dessas disciplinas propõe o seu próprio programa, como os objetivos citados acima, que enfatizam o dever, ou seja, o professor/aluno deve: “conhecer os princípios que fundamentam a pesquisa de campo e a etnografia para pesquisas”, e ainda “conhecer os instrumentos de coleta de dados para uma pesquisa e esta como uma possibilidade de descobrir, nossa análise, questionamos: Como é o atuar desse aluno/ e metodologias da Arte e os relaciona com os significados Conhecer e conviver com alunos e profissionais da REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 • [...] do sentido estésico dos objetos mediante processos de campo”, ou mesmo o “acompanhamento de uma dada realidade escolar”, e para avaliarmos se ele cumpriu com todas as etapas previstas desse programa, ou melhor, se realizou as ações, poderíamos, como numa concepção de estágio já apontada aqui, enchê-lo de fichas e questionários, ou outros programas que têm como base o alcance de uma dimensão pragmática e funcionalista da educação, legitimada inclusive pela legislação, como apontam Guimarães e Oliveira (2009). Os pesquisadores, professores das disciplinas de Estágio do Curso de Artes Visuais da modalidade EAD da Universidade Federal de Goiás, criticam essa perspectiva didática instrumental pautada na produtividade, eficiência, racionalização e controle dos resultados padronizados da Lei 11.788, do MEC. Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |51 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 os atores transformados assumem os seus papéis narrativos responsivas da questão avaliativa da disciplina “Estágio II” se demarcadas nas roupas, gestos e músicas que ecoam as modalidades são as do querer, do poder e do saber e com diferentes encenações. Assim, o que a princípio poderia com o seguinte enunciado: O que o motivou na escolha para dos pátios escolares, ou das quadras de esporte. Esses, esse conhecimento é formado na experiência concreta do parecer imutável, se transforma a cada mudança dos atores a temática da oficina proposta na escola? como espaços de passagem ou de recreio, permitem outros sujeito, pois se dá na inserção dele na cultura e em como nesse mesmo espaço. Portanto, é a partir dessa interação Apesar de serem pouco representativas quantitativamente , modos de interação entre os sujeitos, diferentes dos modos ele articula os saberes teóricos (do curso) aos das ações com a escola que a proposta de estágio foi pensada. Quais tais práticas mantêm um modelo, algo como um papel “permitidos” e recomendáveis para uma sala de aula; docentes cotidianas, com as práticas institucionais. Serão interações ocorrem ali? Constrói-se sujeitos críticos ou o “decorativo” para a arte, e este modelo, conforme pode ou, ainda, estão presentes nos hábitos de cada criança e essas as modalidades que fazem esse professor/aluno senhor de todo mundo? Nesse atuar investigativo do aluno/ ser constatado nos discursos produzidos nessa avaliação, adolescente, ou nos eventos que ocorrem na comunidade competente para a transformação. De sujeito disjunto para professor, desestabilizam-se os sentidos prévios para uma está presente na representação do que seja Arte para os em que a escola se encontra situada. sujeito conjunto, e essa prática tem como objeto modal a compreensão da diversidade da qual a escola é constituída, profissionais que atuam na escola. Conforme pesquisa, é ela que possibilitará “ver” a diversidade cultural abrindo espaço para uma convivência compreensiva e A adoção de um “modo de fazer” repetitivo, ou de o numa frequência pequena, a manutenção de práticas da escola e, como afirma Dayrel (1996, p. 144) constatar dialógica com os demais profissionais da escola e com os emprego de um modelo para a educação da arte, tem sido existentes nas escolas, manifestadas e reiteradas nos que a escola é polissêmica, possui uma multiplicidade de demais sujeitos que ali interagem. superada nas escolas com a entrada, principalmente pelas discursos produzidos, e nos “modelos” poderia ser “mais sentidos e, portanto, se distancia do sentido único que a A partir de nossa própria imersão nesse contexto como vias de concurso, de professores com formação na área esperada” numa temporalidade anterior à do curso, época ela atribui o sistema educacional ou até mesmo alguns uma das professoras das disciplinas de Estágio, e a (Artes Visuais, e/ou Educação Artística). Assim, a realização em que esses profissionais formados em outras áreas e professores. partir de um corpus composto de aproximadamente 400 de concurso nos sistemas de ensino, além de legitimar ocasionalmente responsáveis pela disciplina de Arte na Outro objetivo presente na disciplina é o de romper com provas escritas, que compõem uma das etapas avaliativas esses profissionais e a área, pois não é compreendida mais escola contassem somente com sua própria “sorte”, ou com uma prática de estágio curricular obrigatório que se pauta previstas na disciplina, foi possível apreender as duas como uma disciplina de complementação de carga-horária manuais didáticos descontextualizados da realidade em somente na sala de aula. O que implica toda a escola como formas de motivação apontadas por Landowski (2009), docente, cumpre um papel temporal de longo alcance ao que atuam. Contudo, no quinto módulo do curso (o módulo campo de estágio, assim, o “esperado” também está em qual seja, as consensuais, ou seja subjazem à execução garantir a permanência desse profissional nas unidades do equivale ao semestre letivo), e como são sete módulos para observar como a vida social/comunitária circula nesse de práticas instituídas nesse espaço escolar, ou práticas sistema de ensino. integralização do mesmo, a nossa expectativa, ainda mais espaço. habituais e a crítica. Estas motivações constituem sujeitos Assim, os discursos que iniciam com: “o meu foi sobre numa fase em que como alunos do curso possuem todo o Há uma cultura escolar muito presente e que se manifesta questionadores de suas próprias práticas e desse modo origami ...”, “escolhi o tema...”, ou “o meu projeto...” além acompanhamento tanto dos professores da UFES, como dos de diferentes modos, desde na proposição dos tempos redefinem os sentidos advindos delas. Chamamos aqui de de trazer as técnicas incluídas neles, são marcas de um tutores, era a de superação da adoção dos “modelos” para escolares (hora de entrada, de recreio, de aula, de saída); práticas ressignificadas. modo de fazer uma prática disjunta de qualquer interação as suas propostas de intervenção. 9 como nos espaços (salas de aula, pátio, laboratórios, 11 comentamos anteriormente, mesmo que com esse outro que são os sujeitos que habitam esse Os “modelos” aos quais nos referimos são as propostas espaço escolar e que fazem a sua dinâmica funcionar. Para de releitura a partir de reprodução de obras de arte interagir com eles é preciso conhecer desde a estrutura descontextualizadas, ou “soltas”, sem um encadeamento organizacional da escola, sua história, sua memória, até que justifique o estudo daquele artista, ou daquela obra. o que ainda se encontra confinado entre os muros que a Se limitada a informação da vida do artista e cópia da englobam, ou seja, os seus segredos. Ou, ainda, constatar reprodução, distancia-se da Proposta Triangular de Barbosa que as fronteiras físicas presentificadas e diariamente (1991) que tem as vertentes no fazer artístico, leitura da atualizadas por esses muros, por mais que a instituição arte e contextualização da arte, e se aproxima do modelo mais gostei entre outras, foi a de Cor e Laboratório”. escolar mantenha o controle, têm sido derrubadas, dia após acadêmico de cópia de “estampas”, presente nas academias metáfora da mola maluca, nela as posições de hierarquia “o meu e de x é de trabalhos manuais com sucata, onde dia, por meio de ações rotineiras que ocorrem nesse espaço. e nas aulas de arte de meados do século XX12. O origami e de divisões entre os espaços escolares alternam-se, envolve CDs velhos, papelão, retalhos, jornais, etc.” Tais ações são realizadas por cada um dos sujeitos que ali citado, descontextualizado, restringe-se às “chamadas intercalam-se, dialogam. Esse espaço, então não possui circulam, sendo assim, elas podem estar materializadas nas atividades artísticas”, herdeiras das técnicas, nos moldes aquela posição verticalizada que ainda pode persistir em propostas e planejamentos pedagógicos, ou seja, escapam de “como fazer” presentes nos manuais e livros didáticos, salas de direção e de professores, refeitório) e, em cada 3.2. Práticas habituais um deles, um modo de comportamento esperado dos sujeitos, tal como a obediência a certos papéis narrativos e às expectativas que eles geram para si e para o outro ( diretor(a), professor(a), aluno(a), merendeira entre outros), como se a vida social desses sujeitos pudesse ser deixada lá fora da escola. Será que é assim? Para pensar o espaço escolar, Guimarães e Oliveira (2009, p.117) propõem a “o meu será uma releitura de...”10 “o meu foi sobre origami... porém em outros momentos estaremos trabalhando outros temas como trabalho com sucatas, modelagem em argila, pintura com cola e pigmentos do barro/argila e fotografia” “o meu é sobre produção de tintas, pois a disciplina que algumas instituições escolares, seja por determinação do O recorte acima é representativo do que chamamos sistema que a escola integra, ou, ainda, como Rebouças & de práticas habituais. São manifestações discursivas e Magro (2009) apontam, dependendo do turno, matutino, 9 As disciplinas de Estágio do curso foram acompanhadas por duas professoras, Moema Martins Rebouças e Letícia Nassar Mesquita. 10 Os enunciados foram retirados de um corpus composto por 400 provas realizadas presencialmente nos Pólos e constituem uma das etapas avaliativas obrigatórias da disciplina. vespertino ou noturno, a mudança dos sujeitos no espaço impõe um outro atuar nele. A cenografia é a mesma, contudo 52 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Novembro 2014 dos manuais reguladores e homogeneizantes. Encontram- desvinculadas do pensamento de uma proposta que a 11 Entre as 400 provas dos 22 Pólos que ofertam o curso pela UFES, encontramos aproximadamente em 10% delas a referência à proposta de releitura como cópia a partir da apresentação do professor de uma reprodução de obra, e a aplicação de técnicas descontextualizadas em detrimento de uma temática da Arte. Tais modelos são herdeiros também de uma concepção de REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Se o dever fazer não dá conta da apreensão da realidade, inserção numa temática da Arte Contemporânea exige. educação pautada na transmissão e aplicação de técnicas, 12 Cf Fusari & Ferraz (1993) e Rebouças&Corassa (2009). Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |53 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #5 #6 | ISSN 1647-0508 que ali se instauram em seu cotidiano. Contudo, tanto socialmente. apreensão dos sujeitos somente como alunos homogeneíza a arte e seu ensino são atitudes e experiências, investimentos a si própria. Os alunos deixam de ser crianças, adolescentes, em processualidades ancoradas e re-operadas pelas perdem a sua distinção de sexo, idade, origem e experiências significações. Tais propostas correm o risco de reforçarem e compõem uma única categoria que é a de aluno. o pensamento daqueles que atribuem à incumbência do Assumir esse papel de enunciador coletivo, responsável pela professor de arte na organização das festas escolares, ou educação, é o esperado socialmente para esta instituição, ainda à responsabilidade dele na decoração da escola nos e até a sua razão de existência, pois é ela que garante os diversos períodos do ano letivo, principalmente nas datas comemorativas. Esclarecemos aqui que compartilhamos com os demais educadores, tais como Dayrell (1996), que atribuem uma grande importância às festas promovidas pela escola, como a de possibilitar momentos de confraternização e de aproximação da família com a escola, e com isso garantir a presença nesse espaço de valores considerados universais em nossa cultura. Paradoxalmente, não concordamos que a responsabilidade recaia a um profissional, mas oportunizar, em tais momentos, a promoção das ações compartilhadas por todos da escola e de fora dela, como a família e a comunidade. Como também sou professora do Curso de Artes Visuais na modalidade presencial, sei que as propostas citadas acima também se apresentam nos discursos produzidos por esses alunos presencias, principalmente naqueles que também são professores da educação básica, o que nos conduz a pensar na hipótese do espaço escolar como ethos difusor direitos de acesso à educação. Contudo, por outro lado, ao se constituir e se estruturar sempre do mesmo modo, a escola se apresenta como uma instituição única. Considerando a sua aspectualização13 temporal, a escola mantém tempos e ritmos desde a sua fundação, tais como os horários de entrada, de aulas, de recreio e de saída, comunicados sonoramente ora por sirenes ou outra sonoridade; e a sua aspectualização espacial conserva uma mesma arquitetura, cercada entre muros, impondo um limite físico que, ao mesmo tempo que a segrega, se deixa penetrar pelo entorno, que é a vida social, e é ela que provoca espacialmente (a arquitetura escolar conserva as mesmas características como a organização das salas dispostas em simetria entre corredores, ou até mesmo a disposição topológica dos móveis na sala, que remontam à arquitetura do século XIX); como pedagogicamente, a instituição escolar dessa representação da educação da arte, considerando conserva várias práticas e legitima e mantém definidos os a permanência destas práticas como a perpetuação de papéis dos sujeitos que nela circulam (direciona sobre o um estilo de educação da arte tal qual preconizado por que se espera de um diretor(a), de um professor(a), de um Discini (2003), que define este conceito pela recorrência aluno(a) entre outros). Como um enunciador coletivo de uma vida-escola, é ela que determina qual conhecimento aceito e acumulado socialmente circulará ali, e de que modo será de um fazer depreensível de uma totalidade de discursos enunciados. A pesquisadora esclarece ainda que o estilo decorre de uma leitura homogeneizada do mundo, e de uma totalidade de discursos enunciados, ou seja, de nosso corpus de 400 questões, 10% (dez por cento) deles reiteram um mesmo fazer, o que produz um efeito de individuação dessa totalidade, e um papel temático meramente recreativo/ decorativo e, portanto, supérfluo para a educação da arte na escola. Para uma melhor compreensão de nossa hipótese, recorremos a Dayrell (1996, p.139) e a sua reflexão sobre os modos como a instituição escolar ao modular a sua realizada essa “transmissão”. Organizados em disciplinas e estas em grades e currículos, esses conhecimentos, nessa perspectiva, poderão ser reduzidos a “produtos”, que como tais possam estar contidos em manuais pedagógicos, tais como os livros didáticos, ou ainda reiterados em práticas que se instauram no imaginário do educador como um estilo de educação aceito e aprovado pela instituição, como os discursos de nosso corpus, que estão como numa camada de superfície impermeável, camada do sem sentido, pois estão descontextualizados dos sujeitos 13 Aspecto em semiótica é a maneira pelo qual o discurso põe em perspectiva seu objeto, ao mesmo tempo no eixo do tempo e em seu ambiente espacial. 54 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Novembro 2014 3.3.Práticas ressignificadas Práticas ressignificadas são aquelas que são propostas pelos “inventores do cotidiano”, como propôs Certeau (1994). São aqueles que, ao atender a manipulação feita pelos destinadores sociais (comunidade, escola, coordenadores do curso, professores da disciplina), repensaram as suas práticas e as apresentaram em projetos autorais com possibilidade de as ressignificar. Para melhor visualizá-las, partiremos de um outro movimento metodológico que essa pesquisa exigiu, que foi o mapeamento dos projetos da disciplina “Trabalho de Graduação I”(TG1). O mapeamento foi realizado a partir de 186 projetos de TG1, pertencentes a professores/alunos de 18 Pólos de Formação, conforme constam nas tabelas abaixo. Para a sistematização dos dados, consideramos primeiramente o objeto da pesquisa, e quem são os sujeitos e quais práticas contemplam. Estes dados estão na tabela 1, e nela podemos ler e acompanhar que as práticas são tanto as que ocorrem no exterior da escola (envolvem os estudos das poéticas e 14 Modelizar em semiótica é dar uma forma, ou tomar a seu encargo o “ser vivido” individual e social. Cf Landowski (1992, p.130) os processos de criação e nelas estão envolvidos artistas e artesãos), ou ainda ocorrem em seu interior (envolvem as crianças e adolescentes, alunos das instituições que serão pesquisadas por eles). Elas ainda podem ser divididas em práticas inclusivas, por considerarem e atenderem as políticas de inclusão na escola e as contribuições da arte nesse processo. Em práticas de formação do educador, pois contemplam a formação do docente, e buscam investigar quem é esse professor de arte e como ele se constitui como tal. E, finalmente, as práticas da educação da arte, em que estão os projetos que envolvem as metodologias da educação da arte. Na segunda tabela, estão os dados relativos a etapa da investigação que trata dos documentos, e/ou/ corpus utilizado para a investigação. Como documentos incluímos desde as técnicas de pesquisa que utilizam uma documentação indireta, ou seja, de fontes primárias e secundárias. Incluímos aqui as pesquisas que possuem como corpus analítico determinada produção artística e/ou artesanal que irão utilizar documentos primários (entrevistas, diários, auto-biografias, fotografias entre outros). Os estudos que possuem como meta investigar determinado estilo, ou estilos, ou artistas, possivelmente terão de recorrer a documentos retrospectivos, como objetos, gravuras, pinturas, desenhos, fotografias, livros, entre outros. Incluem-se aqui as pesquisas dos suportes midiáticos, somente 5 possuem esse interesse e elas tratam de estudos sobre as tecnologias digitais e a educação. A coluna de documentos engloba os estudos pertencentes aos materiais encontrados em arquivos públicos, legislação, regulamentações, entre outros. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #5 #6 | ISSN 1647-0508 e modela o desejo dos sujeitos provocadores das dinâmicas a quem se destinam: a releitura e as atividades artísticas. Um outro exemplo desta prática de releitura encontramos desde em projetos propostos, como em uma intervenção a partir de uma pintura de Tarsila do Amaral, o Abaporu na fachada da instituição de uma escola (com uma dimensão aproximada de 3x4 metros) e simulando uma cópia da obra, dada a obediência das cores e composição e distribuição das formas. Posicionada no exterior da escola, e junto com o verbal ARTES, escrito na vertical, designa e qualifica esta como uma prática aceita ali. As práticas homogeneizantes, conforme Dayrell (1996, p.139), pertencem a uma lógica que “desconsidera a totalidade das dimensões humanas dos sujeitos ─ alunos, professores e funcionários ─ que dela participam”. Como também, em nome e em prol da democratização da escola, defende e concebe um projeto político e pedagógico que, tal como uma “forma”, é usado para conter algo sempre com o mesmo formato, ou seja, modeliza14 o conjunto das ações e práticas que ocorrem em seu interior. Temos, assim, motivações que constituem sujeitos consensuais, regulados contudo, a arte não é “transmissível” e nem “aplicável”, pois Na terceira tabela estão os referenciais utilizados nas investigações e compreendem: a metodologia triangular (com referenciais em Barbosa), semiótica (Buoro, Rebouças, entre outros) teorias de linguagem visual (Dondis, Arnheim, entre outros), estudos antropológicos/culturais abrangendo os da cultura visual (Hernandez, Guimarães entre outros), educação infantil (Cola, Iavelberg, Benjamin entre outros). Os projetos concentram-se em duas grandes áreas, a dos estudos antropológicos/culturais, com 46 projetos e os que incluem a Educação Infantil com 44. Suspeitamos, com os dados que temos dos sujeitos envolvidos e que já foram apresentados aqui parcialmente, que esta escolha se Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |55 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Afonso Claudio Alegre Poéticas/Processos de Criação Artistas/ Artesãos Crianças/ Adolescentes 5 1 1 6 1 Aracruz 8 1 Bom Jesus 12 2 Cachoeiro de Itapemirim 8 Conceição da Barra 12 1 Domingos Martins 12 1 Ecoporanga 13 2 Linhares 9 3 3 Práticas Inclusivas Formação de Educador Práticas da Educação da Arte 1 1 O resultado foram desenhos da casa, fogão a lenha, alunos desenvolverem a sua docência na educação infantil instrumentos de oficina, etc “. atualmente, e, ainda, em outra época terem atuado ali. Mas, se essa é uma suspeita que está presente nos dados, 5 1 justifica pelo fato de um grande número desses professores/ qual foi o motivo da escolha pelos estudos antropológicos/ “Meu trabalho vai abranger um pouco da cultura Capixaba, como a Festa do Congo que ficou muito marcada no estado e uma oficina referente as máscaras de congo. Essa 1 2 1 3 culturais? A ênfase do curso, não é a dos estudos oficina terá como principal tema a confecção de pequenas 1 1 antropológicos e culturais, como a do curso de Artes Visuais máscaras de argilas que são usadas como cordões na dia Licenciatura ofertado pela UFG. Das disciplinas ofertadas da festa”. 2 2 2 que possuem essa ênfase podemos incluir a de “Interações 1 Culturais” e a de “Cerâmica”, pois esta promoveu uma As provocações durante o curso para que considerassem os Iúna 5 3 investigação em todo o nosso estado sobre essas produções estágios como oportunidades de refletir sobre as práticas Itapemirim 20 6 Mantenópolis 12 2 e seus produtores. A começar pelo destaque das Paneleiras, educativas e as escolas como campo de pesquisa parecem Nova Venécia 16 1 2 que são patrimônio imaterial tombado pelo Instituto de que deram certo, no que tange aos projetos contidos neste Pinheiros 7 1 1 Patrimônio Artístico Nacional (IPHAN). Por outro lado, os mapeamento. Os alunos/professores, ao se voltarem para seu 5 seminários interdisciplinares concomitantes a cada módulo entorno, compreenderam que a Arte está imersa na cultura e 1 de ofertas de disciplinas promoveram e envolveram as que, motivados, podem abandonar as regularidades seguras 4 comunidades em que estão localizados os Pólos, e estes das ações programadas e aventurarem-se em investigações 8 com as escolas. que, ao mesmo tempo que os constituem, constroem No Fórum Construir saberes da disciplina de “Estágio II”, as conhecimento. Ressaltamos, aqui, o mérito para adoção da propostas de intervenção na escola contemplam esse olhar pesquisa como fundamento da configuração dos estágios, que abrange o entorno, abaixo alguns destes depoimentos: e a presença da investigação como opção pedagógica nas São Mateus 6 Vargem Alta 15 Venda Nova 8 2 Vila Velha 12 3 Total 186 1 1 1 18 1 2 29 16 Tabela 1 – Cruzamentos dos Dados de Pesquisa, n.1 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Polos Número de Trabalhos disciplinas pertencentes aos demais fundamentos teóricos Polos Número de Trabalhos Documental Obras Estilos 1 Artistas Afonso Claudio 5 Alegre 6 Aracruz 8 1 1 Bom Jesus 12 1 1 Cachoeiro de Itapemirim 8 2 1 1 Conceição da Barra 12 1 1 1 Domingos Martins 12 2 Ecoporanga 13 Linhares 9 Iúna 5 1 1 Suportes Midiáticos Documentos Outros 1 1 2 história. O grupo escolheu esse tema visando resgatar pesquisa é possível ressignificar as práticas e construir fatos relevantes que marcaram a nossa história por conhecimento a respeito das Artes e, nesse movimento, em continuidade à mesma”. “[...]é sobre A CULTURA ARTÍSTICA DOS POMERANOS. Para 3 1 crianças e adolescentes ávidos por aprender (e nós, de pois na cultura pomerana é bastante voltada para estas aprendermos com eles). questões como por exemplo os cestos feitos taquara e Como diz uma aluna: A escola por muito tempo foi limitada a ser um ambiente em que os professores transmitiam conhecimentos e 1 1 Oliveira(2009), nos aproximar da realidade dos estudantes, realizá-lo estamos nos baseando na disciplina de “Fibras”, cipó”. 3 espiral, tal qual a mola maluca que figurativiza a imersão pedagógica do trabalho docente proposta por Guimarães e 1 1 1 e metodológicos propostos. Advogamos que somente pela meio de fotografias e registrar temas atuais que darão 1 1 “O nosso projeto é Fotografias que contam a nossa 5 “Leitura fotográfica do passado ao presente e as mudanças os alunos assimilavam. O conhecimento era visto como Itapemirim 20 Mantenópolis 12 7 na sociedade”. É uma complementação de outro grupo produto sendo enfatizado, portanto os resultados e não Nova Venécia 16 3 que vai fazer uma saída fotográfica. Nós desenvolvemos na o processo pelo qual o aluno aprenderia. Além disso, não Pinheiros 7 1 1 escola EEEFM “Alto Rio Possmoser.” havia nenhuma articulação entre o conhecimento escolar São Mateus 6 1 1 Vargem Alta 15 2 Venda Nova 8 3 1 Vila Velha 12 2 1 Total 186 19 5 1 2 11 “[...]dentro do projeto “Um olhar diferente da casa 2 Lambert” foi feito pelo nosso grupo um trabalho O mapeamento apresenta uma outra configuração de envolvendo o que aprendemos na disciplina de Fotografia prática docente, não como um modelo a ser copiado, e e Cerâmica. O grupo foi muito participativo. Eu e Rosinéia nela o consensual proposto por um professor que cumpre utilizamos o bordado para trazer a visão da trama da casa e acompanha o que já está previsto e programado. Os 1 1 5 29 Tabela 2 – Cruzamentos dos Dados de Pesquisa, n.2 56 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Novembro 2014 e a vida dos alunos. 2 2 Lambert que foi construída com tramas de madeira e barro. projetos pertencem a sujeitos inventores, questionadores, Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |57 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Pólos N. de T.G.I Afonso Claudio 5 Alegre 6 Met. Triang Semiótica Aracruz 8 2 12 1 Cachoeiro de Itapemirim 8 1 Conceição da Barra 12 2 1 Domingos Martins 12 1 2 Ecoporanga 13 Linhares 9 Iúna 5 Itapemirim 20 12 Nova Venécia 16 Teorias de Linguagem Visual Estudos Antropológicos Culturais 1 Bom Jesus Mantenópolis Estudos antropológicos / Formação de Professor 2 2 1 3 2 1 2 1 1 3 1 2 4 Pinheiros 7 São Mateus 6 1 Vargem Alta 15 6 Venda Nova 8 5 Vila Velha 12 2 Total 186 27 1 1 2 5 2 1 2 3 4 5 3 3 10 2 1 3 3 16 4 1 1 5 6 3 2 6 1 1 5 2 12 46 44 LANDOWSKI, E. (2005). Por uma semiótica sensível. In Educação & Realidade, V.30, n.2. (93-1006). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. _____________ (2009). Interacciones arriesgadas. Tradução de BLANCO, D. (32-40). Lima: Universidad de Lima, Fondo Editorial. 3 1 8 1 1 4 1 1 2 4 4 1 Outros 3 5 3 Educação Infantil GUIMARAES, L. e OLIVEIRA, R. A. (2009). Estágio Supervisionado 1. In Licenciatura em Artes Visuais: módulo 5 Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Artes Visuais (96-155). Goiânia: Editora da UFG, FUNAPE, CIAR. LANDOWSKI, E. (1992). A sociedade refletida: ensaios de sociossemiótica. Trad. BRANDÃO, E. São Paulo: EDUC/Pontes. REBOUÇAS, M.M.; ANDRADE,J.F.E.; BASTOS,R.M.; CRISTOVÃO, A. L.; CARVALHO, E. (2005). arte br uma trajetória da extensão à pesquisa. In Revista Brasileira de Extensão Universitária/Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Vol.3, n.2(49). Rio de Janeiro: UFRJ,UNIRIO. REBOUÇAS, M.M. & CORASSA, M. A. de C.(2009). Propostas Metodológicas do Ensino da Arte II. Vitória: UFES, Núcleo de Educação Aberta e a Distância REBOUÇAS, M.M. & MAGRO, A. (2009). A cidade que mora em mim. Vitória: EDUFES. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Referencial 18 Tabela 3 – Cruzamentos dos Dados de Pesquisa, n.3 que podem propor práticas ressignificadas, pois inclui nelas o mundo enquanto significante. Como aponta Landowski (2009) esse é o sujeito crítico. Se ele foi capaz de discursivizálas pode ser capaz de praticá-las, essa é a nossa torcida! Esperamos um redesenho do estado de nome Espírito Santo, que tem tantas cores, como as dos mantos dos reisados, das saias das dançarinas do Congo, da austeridade e elegância do Ticumbi ao trançado das cestas dos guaranis e das casas dos pomeranos. Esperamos a escrita das histórias orais, cantigas e provérbios que passam de boca em boca, antes que alcancem a região em que habitam os esquecimentos: O recontar da densa história de um lugar, que de mata densa foi Capitania de Vasco Fernandes Coutinho, e ergueu em 1580 construções jesuíticas como a da igreja dos Reis Magos, e tantos outros patrimônios materiais e imateriais que constituíram o objeto de investigação desses alunos/ professores. Referências Bibliográficas BARBOSA, A. (1991). A imagem no Ensino da Arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva /Porto Alegre, Fundação IOCHPE. CERTEAU, M. (1994). A invenção do cotidiano I: artes de fazer. Petrópolis: Vozes. Dayrell, J. (1996). A escola como espaço sócio-cultural. In Dayrell, J. (org.) Múltiplos Olhares sobre Educação e Cultura (136-161). Belo Horizonte: Editora UFMG. DISCINI, N.(2003). O estilo nos textos: história em quadrinhos, mídia, literatura. São Paulo: Contexto. FUSARI, M. F. R.& FERRAZ, M. H. C. T.(1993). Arte na Educação Escolar. São Paulo: Cortez. GONÇALVES, M. G. D. (2010). Curso de Artes Visuais - Licenciatura na modalidade a distancia: formação de educadores/formadores. In REBOUÇAS, M. M. & COLA, C. P. (orgs). Espaços de Formação em Arte (6578).Vitória: EDUFES. GREIMAS, A. J. (1970). Du sens. Paris: Éditions du Seuil. 58 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Novembro 2014 Novembro 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |59 Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down Reflections on dance teaching for students with Down Syndrome Mariana Baruco Machado Andraus RESUMEN [email protected] Doutora em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-Doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, realizado com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Docente do curso de Graduação em Dança e professora participante no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Flávia Pagliusi [email protected] Acadêmica do curso de Graduação em Dança da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Graduada em Enfermagem pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Samuel Mendonça [email protected] Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Tipo de artigo: Original Este artículo se centra en la posibilidad de la inclusión a través de la educación en la danza. A partir de una breve exposición, sobre la base de la literatura de la salud, de las características del síndrome de Down, para discutir sobre las posibles estrategias de inclusión que se aleja de una perspectiva que es eficaz y, al mismo tiempo de transformación. El estatuto epistemológico de la danza, todavía en construcción, ha fortalecido esta área como independiente y autónoma. En la posmodernidad, ya que cada vez más profesionales de la danza a construir no sólo el diseño escénico de sus espectáculos, sino también, en muchos casos, el propio lenguaje corporal para ser utilizado, es razonable y conveniente hacerlo desde una perspectiva inclusiva. Palabras-clave: Danza inclusiva; Síndrome de Down; Danza y necesidades especiales. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Reflexiones sobre la enseñanza de la danza para lós estudiantes con Síndrome de Down ABSTRACT This article focuses on the possibility of inclusion through dance education. We RESUMO start with a brief exposure, based on the literature on healthcare, regarding Down syndrome features, to argue about possible inclusion strategies that Este artigo apresenta uma reflexão quanto à possibilidade de inclusão por meio depart from a perspective that is effective and at the same time transforming. do ensino de dança. Partiu-se de uma breve exposição, baseada em literatura da The epistemological status of dance, still under construction, has strengthened área da saúde, sobre as características da Síndrome de Down, para argumentar itself as an independent and autonomous area. In postmodernity, since dance sobre possíveis estratégias de inclusão que partam de uma perspectiva que professionals are increasingly creating not only the scenic design of their shows, seja efetiva e, ao mesmo tempo, transformadora. O estatuto epistemológico but also, in many cases, the body language to be used, it is reasonable and da dança, ainda em construção, tem-na fortalecido como área independente e desirable doing so from an inclusive perspective. autônoma. Na pós-modernidade, uma vez que cada vez mais os profissionais da dança constroem não somente a concepção cênica de seus espetáculos, Keywords: Inclusive dance; Down Syndrome; Dance and special needs. mas, também, em muitos casos, a própria linguagem corporal a ser utilizada, é plausível e desejável fazer isso a partir de uma perspectiva inclusiva. Palavras-chave: Dança inclusiva; Síndrome de Down; Dança e necessidades especiais. 60 | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Novembro 2014 Novembro 2014 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça |61 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 O corpo humano, com seus incontáveis processos químico-fisiológicos, reserva suas surpresas. Era de Além disso, também comumente apresentam malformações é entendido, no trabalho citado, como um exercício podem ser válidos como um exercício para desenvolver esta cardíacas, que normalmente precisam ser corrigidas de liberdade, e “Essa liberdade é o que permite ao capacidade, sem configurarem, no entanto, um pilar para o cirurgicamente (Rasore-Quartino, 1999) e que requerer aluno desenvolver sua capacidade de escolha, requisito ensino de dança – como ocorre no contexto tradicional de estratégias especiais no que concerne ao ensino de dança. fundamental a um improvisador” (Andraus, 2013, p. 809). ensino de técnicas codificadas como o ballet clássico. se esperar que, em meio a tantas etapas de altíssima Enfatiza-se que o emprego de termos como “podem Em que pese o fato de que não se pretende discorrer complexidade, algo pudesse, em algum momento, não manifestar”, “comumente apresentam”, entre outros, neste sobre o conceito de autonomia, é preciso destacar Kant determinadas seguir o curso esperado. E é devido a enganos microscópicos artigo, é proposital e foi adotado porque não se pode (1985) como pensador que problematizou esta questão fundamental no que diz respeito ao grau de profundidade que, por vezes, um organismo completo se constrói de generalizar: cada indivíduo é único e a história de vida em articulação com o tema da liberdade. No contexto do de cada uma dessas alterações. A intervenção precoce forma inusitada e surpreendente. A tão conhecida Síndrome pessoal e os estímulos recebidos desde os primeiros dias de Iluminismo, evidenciou a importância da saída do estado e a estimulação da criança desde os primeiros meses de de Down (SD) nasce, justamente, de um pequeno, mas vida em função das estratégias de inclusão e acessibilidade de menoridade pelo homem, por meio da superação da vida vêm se fazendo cada vez mais presentes, graças à perceptível, deslize genético. que se vêm criando e aprimorando nos últimos tempos – preguiça e da covardia (Kant, 1985). Nota-se que a dimensão disponibilidade de informações a respeito e a mecanismos O presente artigo, de cunho teórico, resultado de em especial desde a assinatura da Convenção Internacional da conquista da autonomia é individual e depende da diagnósticos que, ao permitir o diagnóstico pré-natal da pesquisa qualitativo-bibliográfica, aborda os processos de sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em Nova vontade do indivíduo. SD, auxiliam a aceitação da família e o planejamento de inclusão social, especificamente o caso das pessoas com York, em 30 de março de 2007, promulgado no Brasil pelo estratégias para estimulação do desenvolvimento. Síndrome de Down, tendo por objetivo analisar a dança Decreto no. 6.949 de 25 de agosto de 2009 (Presidência pode significar um desafio para o educando com SD Do ponto de vista formal, este artigo está como possibilidade educativa que promove a inclusão. da República – Casa Civil, 2009) – fazem grande diferença porque ele tende a encontrar “dificuldade em exercer estruturado em três momentos. Parte-se de uma A Síndrome de Down, reconhecida como uma no desenvolvimento do indivíduo, sendo este, inclusive, constantes adaptações” (Casarin, 2007, p. 25), por outro investigação sobre “As relações familiares: o bebê ideal x o entidade nosológica somente em 1866 com o trabalho um objeto de discussão neste texto. Por outro lado, certas lado um exercício desta natureza, conduzido com firmeza e bebê real”, em seguida discute-se “O ambiente escolar e a de Langdon Down, possui registros antigos ao longo da características, como as citadas (hipotonia muscular e afetividade pelo professor, sem desqualificar o aluno diante educação inclusiva” para então se discorrer sobre “A dança história, incluindo, entre eles, algumas obras de arte de tendência a alterações cardíacas) são prevalentes e, para se dos fracassos, mas, ao mesmo tempo, sem se acomodar na educação inclusiva”. pintores como Andrea Mantegna (1431-1506) – “Virgem pensar um ensino de dança efetivamente inclusivo, não se diante deste aluno com falsas crenças como “ele não irá e criança” e “Madona e criança” –, Jacobs Jordaens (1539- pode fechar os olhos para a realidade. conseguir, então é melhor não cobrar”, pode configurar 1678) – “Sátiro com camponeses” e “Adoração do pastor” uma estratégia profícua para se pensar a educação artístico- – e Pieter Porbus (1523-1584) – “Transfiguração” (Pueschel, regiões do cérebro que acabam por trazer diversas 1993). No entanto, a causa da SD foi descoberta somente consequências, como “dificuldades nas formas de raciocínio em 1959, por Jerome Lejeune, Patrícia Jacobs e outros que exigem entendimento simbólico, captação de relação colaboradores (Pueschel, 1993), que a classificaram como temporo-espacial e elaboração de pensamento abstrato” Existe ainda uma série de alterações em diferentes Então, se por um lado, o trabalho de improvisação corporal desses educandos. Apesar de as características fenotípicas serem geneticamente, o ambiente é fator As relações familiares: o bebê ideal x o bebê real É extremamente difícil para a família, e principalmente para a mãe, sufocar a imagem do bebê Casarin (2007) ainda afirma que idealizado ao longo dos nove meses de gestação para dar lugar ao bebê real, muito diferente do primeiro. Sentimentos (Casarin, 2007, p. 25), sendo todos esses requisitos (...) a aprendizagem e a elaboração de respostas podem como raiva, culpa e angústia se misturam em um verdadeiro mecanismos causadores da SD (Schwartzman, 1999a, apud. fundamentais à prática artística. A autora menciona, ainda, ser mais lentas e trabalhosas quando as alterações estão turbilhão, construindo um estado de luto (Sunelaitis, Arruda Silva & Dessen, 2002) que resultam em um cromossomo 21 como característica prevalente na SD um desequilíbrio a mais. no modo de perceber a realidade em sua diversidade e genética. Hoje em dia já são conhecidos, basicamente, três Dentre as principais causas da síndrome figura dificuldade em exercer constantes adaptações, afirmando a idade materna avançada. Como a mulher nasce com que “a adaptação fluida a uma realidade variável decide em uma determinada quantidade de óvulos que, ao longo presentes, como na Síndrome de Down. A retenção de informação pode estar sujeita ao esquecimento, o processamento das informações podem estar dificultado e o bloqueio informativo pode atrapalhar & Marcom, 2007). No entanto, na maioria das vezes, esses pais passam a buscar ativamente informação a respeito da síndrome, bem como programas de auxílio do governo, e a aprendizagem e a dificuldade de habituação pode mesmo outras pessoas que vivem a experiência de ter um termos práticos a capacidade e possibilidade do ser humano levar à dificuldade de desprendimento de um estímulo familiar próximo com este diagnóstico (Pueschel, 1993). de sua vida, vão sendo maturados e preparados para a aproveitar-se da independência e autonomia na vida diária” para dedicar-se a outro (Casarin, 2007, p. 25). Além disso, também reconhecem que o estímulo precoce fecundação, estes sofrem um processo de envelhecimento (Casarin, 2007, p. 25). (Schwartzman, 1999b, apud. Silva & Dessen, 2002), podendo causar desarranjos durante a divisão celular. Quanto ao fenótipo, a criança com SD apresenta hipotonia muscular ao nascer, o que acaba por retardar o desenvolvimento motor. Por causa disso, esses indivíduos podem manifestar dificuldade para sentar, andar e falar. é de extrema importância para que a criança se desenvolva Mais uma vez, um trabalho sistemático de da melhor maneira possível (Silva & Dessen, 2003). Apesar qual se afirma que “o ensino sistematizado de improvisação improvisação pode auxiliar o educando com Síndrome de disso, as expectativas dos pais com relação ao futuro da em dança revela-se um conteúdo poderoso para ajudar o Down na medida em que não se cobra dele que memorize criança com SD estão, na maioria das vezes, aquém daquilo educando a desenvolver-se com autonomia” (Andraus, sequências, como se a ampliação do conhecimento em que provavelmente esta conseguirá atingir, e é preciso a 2013, p. 809), justamente porque a o exercício de tomada dança estivesse atrelada à capacidade de memorização. aceitação desta realidade para se começar a pensar em de decisões em processos de improvisação em dança Momentos pontuais de elaboração de pequenas sequências inclusão, para se trabalhar esta expectativa de modo a Nesse sentido, cita-se o trabalho de Andraus, no 62 | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Introdução Novembro 2014 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça |63 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 de uma maneira incompleta e destrutiva, enquanto – as reais, não as imaginadas. 20% sentiram indiferença por parte do médico e outros 20%, preocupação, o que pode ter influenciado uma má De acordo com Voivodic e Storer (2002), “São as aceitação do filho por parte dos pais (Porto & Baltazar, primeiras experiências emocionais e de aprendizagem, 2005, p. 32). vivenciadas nas relações com os pais, que serão responsáveis pela formação da identidade e, em grande parte, pelo desenvolvimento da criança” (Voivodic & Storer, 2002, p. 32). No caso específico das crianças com SD, essas primeiras experiências podem ficar comprometidas devido ao impacto que a notícia deste diagnóstico produz na família. Desta forma, para Casarin (2001), a criança com SD possui, além da condição de anomalia da qual é portadora, todos os reflexos decorrentes da dificuldade de uma ligação afetiva entre a mãe e a criança desde os primeiros momentos de vida, o que pode afetar suas possibilidades de desenvolvimento. Sentimentos negativos com relação à criança recém-nascida são extremamente comuns em um primeiro momento; contudo, aos poucos, estes vão sendo substituídos por sentimentos de carinho e dedicação (Porto & Baltazar, 2005). Desta forma, o acompanhamento de um psicólogo, muitas vezes, pode fazer a diferença no tocante à reação imediata dos pais e aos primeiros momentos da vida do bebê (Porto & Baltazar, 2005). Vê-se, pelo que precede, que o diagnóstico da SD, especialmente para os pais, tem potencial desestabilizador em vários aspectos da vida familiar. Assim, faz-se necessário o investimento em programas de intervenção que visem a fornecer atendimento especializado a essas famílias desde o diagnóstico da SD, o qual deve ser feito, preferencialmente, ainda durante a gestação. Desta maneira, estes pais poderão receber o auxílio necessário para que o processo de adaptação à criança ocorra de forma plena, oferecendo suporte clínico e psicológico. Com essas medidas, O ambiente escolar e a educação inclusiva mais inclusiva. De acordo com o Seminário Internacional do Consórcio da Deficiência e do Desenvolvimento - Aos pais resta a dúvida a respeito do que fazer International Disability and Development Consortium (IDDC) quando o filho com SD atinge a idade escolar. Qual seria -, realizado em março de 1998, em Angra, na Índia (Almeida, o melhor caminho: o ensino regular ou uma escola 2007), a educação inclusiva só existe quando se reconhece especializada? Como se darão as relações entre os colegas que todos os alunos podem aprender, respeitando-se suas de classe, professores e funcionários? diferenças, e quando o sistema educacional permite que A resposta a essas perguntas não é simples, e só estruturas, sistemas e metodologias atendam à demanda aparece após as primeiras experiências escolares. A criança do aluno e possibilita estratégias para a promoção de uma com SD precisa frequentar algum tipo de espaço escolar, sociedade inclusiva, não oferecendo restrição de materiais não há dúvidas, uma vez que este oferece uma gama de e recursos para o trabalho (Almeida, 2007). Além disso, a estímulos cognitivos e relacionais que impulsionarão o educação inclusiva tem “(...) como objetivo a construção desenvolvimento daquele indivíduo. Assim, é necessário de uma escola acolhedora, onde não existam critérios ou averiguar como a criança se adapta a determinada escola, exigências de nenhuma natureza, nem mecanismos de seja ela especializada ou não. seleção ou discriminação para o acesso e a permanência com sucesso de todos os alunos” (Alves & Barbosa, 2006). Como com qualquer outra criança, não é possível estipular ou prever quais serão os limites alcançados por Assim, a educação inclusiva pressupõe que, apesar aquele determinado indivíduo ao longo de sua vida e, desta de as crianças com e sem SD – ou outras necessidades forma, não se pode trabalhar com generalizações quando o especiais – possuírem objetivos e processos diferentes assunto é a educação da criança com SD, especialmente a na escola, elas podem aprender juntas. Isso significa que O ritmo do desenvolvimento neuropsicomotor na (...) pais e familiares [conseguiriam] lidar de modo educação artística. Contudo, é preciso levar em consideração o processo de desenvolvimento deve ser diversificado criança com SD é mais lento se comparado a crianças não mais adequado com a criança com SD, facilitando que próprias e criativo, visando ao atendimento das demandas e portadoras da síndrome, e este fato “(...) pode prejudicar o desenvolvimento de todo o seu potencial e relacionadas às especificidades da síndrome, e que estas necessidades peculiares de cada indivíduo (Alves & Barbosa, devem ser investigadas e trabalhadas apropriadamente 2006). Assim, de acordo com Teixeira & Kubo (2008): contribuindo para a qualidade de vida destas famílias as expectativas que a família e a sociedade têm da pessoa e para o estabelecimento de relações familiares mais com Síndrome de Down” (Ramos, Caetano, Soares & Rolim, saudáveis (Henn, Piccini & Garcia, 2008, p. 491). 2006, p. 266). Durante certo tempo, isso foi determinante no que diz respeito à estimulação do bebê, que era deixada de lado, uma vez que a criança era considerada incapaz (Ramos et al., 2006). Hoje, no entanto, esta visão vem sendo modificada, uma vez que a SD está cada vez mais presente em nosso cotidiano, seja por meio de propagandas, novelas ou campanhas (Porto & Baltazar, 2005). Para que seja possível proporcionar um ambiente favorável a fim de que o desenvolvimento da criança com SD ocorra da melhor maneira possível, a estimulação precoce faz-se necessária. O primeiro passo se dá ainda logo após o parto, no hospital, situação em que a maioria dos pais recebe a notícia do diagnóstico da SD. De acordo com estudos de Porto & Baltazar (2005): Quarenta por cento dos pais relataram que o médico os informou que seu filho possuía Síndrome de Down a Além do atendimento especializado durante gestação, intervenções nos estágios iniciais de desenvolvimento, com atendimento psicológico, fisioterápico e fonoaudiológico auxiliarão no desenvolvimento motor e repercutirão positivamente quando a criança chegar ao estágio em que começará aprender dança. Na outra via, a experiência com a dança auxiliará esses atendimentos, existem necessidades educacionais visando a uma maior compreensão das informações que estão sendo transmitidas (Bissoto, 2005). Desta forma, é (...) A educação inclusiva é benéfica para todos os importante a presença de profissionais capacitados em alunos e não apenas para aqueles que, aparentemente, enfrentariam maiores obstáculos para desenvolveram sala de aula, que detenham um conhecimento básico a relações de amizade com seus colegas. A inclusão de respeito da síndrome e do manejo de seu portador. Além do pessoas com necessidades especiais no sistema regular conhecimento técnico, condição sine qua non para o êxito do de ensino é um processo complexo que requer o trabalho com crianças com SD, parece também fundamental envolvimento e a participação de todos os integrantes a sensibilidade do profissional para a compreensão de cada criança no seu universo, respeitando a singularidade, o das organizações escolares (Teixeira & Kubo, 2008, p. 91). potencial e a condição de desenvolvimento no contexto No Brasil, já está em vigor, desde 2003, o Programa da aprendizagem. Em princípio, uma boa formação técnica Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, da Secretaria de parece suficiente para esta percepção; no entanto, não se Educação Especial, que busca “(...) promover a educação trata apenas de diagnosticar a potência da criança por meio continuada de gestores e educadores das redes estaduais sentidos e significados para a própria vida, de pertinência de um padrão, mas, justamente, por meio daquilo que não e municipais de ensino para que sejam capazes de à espécie humana – “eu danço como os outros dançam” –, se repete compreender as nuances de cada um. oferecer educação especial na perspectiva da educação favorecendo a construção da autoimagem e desenvolvendo Apesar de isso ainda não ser uma realidade na inclusiva” (Ministério da Educação, 2007). O programa está a autoestima. Passa-se, agora, a discutir aspectos que grande maioria das escolas em diversos países, existe funcionando, atualmente, em 162 municípios, oferecendo envolvem o ambiente escolar e a educação inclusiva. um esforço atual para que a educação se torne cada dia cursos de formação de gestores e educadores. Discorre-se, permitindo que esta criança exercite corpo e mente em uma atividade que proporciona experiência estética, que nenhum dos atendimentos clínicos irá proporcionar. A arte traz ao indivíduo experiências de construção de 64 | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 ajudar esses pais a enxergarem as qualidades de seus filhos Novembro 2014 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça |65 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 inclusiva. possível reconhecê-las e estimulá-las nos outros. Para (...) a relação entre os governos e os cidadãos mudou Cia Integrada Multidisciplinar (Lisboa, Portugal). A primeira, tanto, a bailarina utiliza diversos tipos de estímulos para o em muitos casos de uma relação política para uma criada em 1996 como parte integrante da Associação relação econômica: uma relação entre o Estado como movimento, tais como cores, objetos, música e palavras. A dança na educação inclusiva provedor de serviços públicos e o contribuinte como Dessa forma, o indivíduo apropria-se, aos poucos, de seu o consumidor de serviços estatais. Value for Money próprio corpo e seus movimentos. Para Fux, [bom uso do dinheiro dos impostos] tornou-se um A arte, de modo geral, abre espaço para a expressão de sentimentos e ideias, possibilitando o desenvolvimento O corpo, quando se expressa no espaço, realiza da imaginação e da criatividade, bem como a vivência sequências que são seu universo. O homem é um universo em miniatura. Através daquilo que sente de experiências estéticas, sendo, desta maneira, uma e vive, transforma seu ritmo interno em sons – que importante estratégia formativa, potencializadora da sensibilidade. Por causa disso, ela figura entre os principais estímulos utilizados em educação, especialmente nos primeiros estágios (4 a 6 anos, correspondente à Educação Infantil, no Brasil, e 6 a 8 anos, correspondente aos dos primeiros anos do Ensino Fundamental), seja com crianças portadoras ou não da SD. Suas diversas modalidades – entre elas a música, o teatro, a dança e as artes visuais – possuem uma gama de potencialidades que podem ser utilizadas para A autora complementa seu seus contribuintes. Essa maneira de pensar está na vivências e reflexões, propiciando acontecimento de soma base do surgimento de uma cultura de prestação de e amplitude dos seres” (Crepúsculo Cia de Dança, 2013). Já contas que resultou em sistemas rigorosos de inspeção a segunda, criada em 2005 por Anderson Leão e Roberto de vales-educação e da ideia de que os pais, como os medos, suas angústias, suas alegrias (Fux, 1988, p. 95). consumidores da educação de seus filhos, devem decidir pensamento assunto é dança inclusiva; a companhia defende que “(...) a troca entre as diferenças produz novas consciências, prescritivos. É também a lógica por trás dos sistemas com seu corpo, pode expressar aquilo que é, seus contemporânea e é hoje referência nacional quando o princípio orientador nas transações entre o Estado e e controle e em protocolos educacionais cada vez mais podem ser palavras –, e se o desenvolve no espaço, Crepúsculo, possui como referência a pesquisa em arte Morais (Giradança, 2013), ganhou destaque recentemente na revista portuguesa Mutante, na qual se destaca que “(...) a diferença é vista como ferramenta de trabalho, em última análise o que deve ser oferecido nas escolas como desafio de ir mais além na inclusão social através da (Biesta, 2013, p. 36). dança contemporânea e das possibilidades de expressão corporal que esta oferece” (Capitão, 2013, p. 100). E, por enfatizando a importância do reconhecimento de um ritmo interno para a construção da experiência percebida pelo Pais que decidem o que deve ser oferecido nas fim, a Cia Integrada Multidisciplinar (CIM), fundada em sujeito: escolas e que não tenham sido, eles próprios, conscientizados 2007, que mantém uma parceria com a Associação de do valor da arte na sociedade, tendem a preferir que seus Paralisia Cerebral de Lisboa (APCL), a Associação Vo´Arte a transposição de dificuldades enfrentadas por portadores O conhecimento do ritmo interno pode constituir filhos aprendam os requisitos e informações explicitamente e o Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral Calouste da SD. uma experiência enriquecedora, que permitiria aos necessários à formação em profissões mais “rentáveis” e Gulbenkain (CRPCCG) para a realização de seus trabalhos. A A dança, por exemplo, exerce grande influência especialistas reconhecer e interpretar a linguagem muitas vezes ignoram que as habilidades desenvolvidas em CIM pretende uma “constante reflexão da arte associada à física e intelectual na formação do indivíduo, sendo capaz profunda que têm diante deles: um corpo que está arte-educação podem auxiliar seus filhos, inclusive, a atingir pessoa com necessidades especiais, como meio integrador esses objetivos. e de desenvolvimento de competências” (CIM, 2013). expressando seu mundo interno, que nos conta como de produzir melhora considerável no que diz respeito à está, sem palavras, com a linguagem não-verbal do coordenação motora, à noção de lateralidade, consciência do movimento (Fux, 1988, p. 95). próprio corpo e do espaço, além de trabalhar a expressividade e a criação de uma linguagem individual e única por meio do movimento (Flores & Bankoff, 2010). Além disso, trabalha aspectos imprescindíveis ao desenvolvimento do esquema corporal que, por sua vez, tem papel importante no que diz respeito ao domínio psicomotor, ou seja, influencia diretamente no desenvolvimento de habilidades motoras (Furlan, Moreira & Rodrigues, 2008). Existem, ainda, trabalhos que ressaltam o potencial terapêutico da dança, dentre os quais se pode citar como um dos mais difundidos no Brasil a dançaterapia, desenvolvida pela bailarina argentina Maria Fux (1988). Tendo trabalhado com diversos pacientes, tanto sem necessidades especiais quanto com deficiência visual, auditiva, SD, autistas, entre outras, Fux aperfeiçoou cada vez mais seu fazer em sala de aula e chegou à conclusão de que, na dançaterapia, é necessário reconhecer, primeiramente, as inúmeras mudanças que se operam no próprio corpo mediante diferentes estímulos e experiências, para que, então, seja Embora a autora se refira à percepção da experiência pelo especialista, é possível inferir que o reconhecimento do ritmo interno é, mais do que um recurso técnico para quem ensina dança, um conteúdo primordial a ser trabalhado junto ao aluno, em consonância com a própria valorização da subjetividade preconizada pela pós-modernidade, após o advento de pesquisas de abordagem fenomenológica como as de Merleau-Ponty (1999) e Husserl (2006), que influenciaram e influenciam terminantemente grande parte da produção em dança contemporânea. Pouco se discute, ainda, a respeito do potencial artístico que a dança – ou qualquer outro tipo da arte – possibilita. Esta discussão está restrita aos próprios circuitos das artes, mas, ao transpor para a sociedade em geral, esta ainda entende as relações de ensino de forma muito pragmática e, no que compete à arte, presa a um paradigma que a entende como supérflua. Biesta (2013) afirma que 66 | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Novembro 2014 No que se refere à produção em dança inclusiva, Espetáculos de dança que tomam a deficiência muito do que se produz ainda possui um apelo de caráter como assunto – ao invés de, ao contrário, incluir a pessoa filantrópico, que mais expõe a deficiência do que a naturaliza. com deficiência para tratar de outros assuntos ou conceitos, Em alguns casos, tragicamente, a deficiência está relacionada os quais poderiam ser adotados, inclusive, por companhias à própria mensagem que se deseja transmitir ao público – o não inclusivas – não perfazem o que seria a verdadeira que, muitas vezes, acaba por expor o indivíduo, excluindo-o inclusão de indivíduos portadores de SD ou de qualquer sob o pretexto de incluir. O bailarino (com deficiência ou outra deficiência física ou intelectual. Esta se dá quando não) não é entendido como possuidor de um estilo próprio os limites da deficiência são transcendidos, passando-se, de movimentação, capaz de comunicar e expressar, mas sim assim, a enxergar o portador da síndrome como um ser como símbolo de superação e alvo de compaixão. Para que humano com uma expressividade única. se possa começar a falar em dança inclusiva, este cenário precisa ser modificado. A deficiência nestes casos, nota-se, REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 no próximo tópico, sobre a dança no contexto da educação Conclusão está na própria arte, e não na deficiência em si. No entanto, já existem trabalhos que são Este artigo buscou propor uma reflexão sobre o produzidos por companhias compostas por integrantes ensino de dança para crianças com Síndrome de Down e com e sem deficiência, cujos espetáculos têm, em sua citou exemplos de companhias de dança que vêm realizando concepção estética, uma proposta inclusiva. Dentre estas espetáculos efetivamente inclusivos. Para tal, partiu de uma companhias podemos citar a Crespúsculo Cia de Dança (Belo breve exposição, baseada em literatura da área da saúde, Horizonte, MG, Brasil), a Giradança (Natal, RN, Brasil) e a sobre características da Síndrome de Down, considerando- Novembro 2014 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça |67 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 para o público específico da dança e da arte-educação para proposições de estratégias de ensino de dança que sejam realistas e, justamente por isso, transformadoras. É importante que, cada vez mais, o arte-educador tenha elementos para construir o seu pensar e, também, estratégias práticas de trabalho em arte e em arteeducação, com fundamentação teórica, de modo que ele esteja apto a propor estratégias em interlocução com os profissionais da área de saúde, dado que, cada vez mais, as equipes multidisciplinares vêm constituindo um modelo de atendimento em saúde. O estatuto epistemológico da dança, ainda em construção, tem se fortalecido como área independente e autônoma. Na pós-modernidade, uma vez que cada vez mais os profissionais da dança constroem não somente a concepção cênica de seus espetáculos, mas, também, em muitos casos, a própria linguagem corporal a ser utilizada, é plausível e desejável fazer isso a partir de uma perspectiva inclusiva. Capitão, S. Q. (2013). Gira Dança: Conquista do corpo. Mutante, 17, 98-105. Casarin, S. (2001). Os vínculos familiares e a identidade da pessoa com Síndrome de Down. 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São Paulo: Roca. 68 | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Novembro 2014 Novembro 2014 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça |69 Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas Education in Rural Area and Teaching Visual Arts: contextures Fabiane Pianowski sea contextualizada y considere las particularidades y necesidades de los [email protected] educandos del campo. En este artículo, se establece una discusión respecto del Universidade Federal do Vale do São Francisco, UNIVASF, Brasil rol del Arte/Educador del Campo, presentando las orígenes de la Educación del Campo y como esta se estructura de una manera particular respecto a las formas Tipo de artigo: Original tradicionales de enseñanza; y, finalmente, se presenta una reflexión sobre como los arte/educadores, a través de la Propuesta Triangular, pueden actuar para conseguir realizar una enseñanza de las artes visuales que respecte el arte y la RESUMO A Educação do Campo, nascida das lutas dos movimentos sociais pelo direito à terra, objetiva antes de tudo a valorização e o desenvolvimento do sentimento de cultura campesina. Palabras-clave: Arte/Educación; Educación del Campo; Propuesta Triangular; Práctica pedagógica. pertencimento do camponês. Não se trata de uma educação rural que tem como referência a educação urbana, mas sim uma educação por, para e pela terra. ABSTRACT Como as demais disciplinas, o ensino de arte também deve estar contemplado na Educação do Campo, e do mesmo modo, a referência para esse ensino não pode se restringir aos cânones da história da arte ocidental ou aos modelos urbanos, ao contrário, é necessário que este ensino esteja contextualizado levando em consideração as particularidades e necessidades dos educandos do campo. Nesse artigo, estabelece-se uma discussão a respeito do papel do Arte/Educador do Campo, apresentando as origens da Educação Campo e como se estrutura essa maneira particular de se pensar a Educação, para finalmente refletir sobre como os arte/educadores, através da Proposta Triangular, podem atuar para conseguir realizar um ensino de artes visuais que respeite a arte e a cultura campesina. Palavras-chave: Arte/educação; Educação do Campo; Proposta Triangular; Prática pedagógica. RESUMEN REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Educación del Campo y la Enseñanza de las Artes Visuales: contexturas Education in Rural Area –related with the landless workers movement– aim recovery and development the rural belonging feeling. It is not a rural education referenced in an urban education, but an education through and for the earth. As in other subjects, art education should also be provided in the Education in Rural Area, and likewise, the reference for this teaching cannot be restricted to the canons of Western Art History or urban models, unlike it is necessary that this teaching is contextualized and considers the characteristics and needs of rural learners. This article provides a discussion about the role of the Rural Art/ Educator, showing the origins of Education in Rural Area and how it is structured in a particular way compared to traditional forms of education, and finally, is presented a reflection on how the art/educators, through Triangular Proposition, can teach Visual Art respecting art and culture of rural area. Keywords: Art/Education; Education in Rural Area; Triangular Proposition; Pedagogical practice. La Educación del Campo, nacida de las luchas de los movimientos sociales por el derecho a tierra, objetiva primeramente la valorización y el desarrollo del sentimiento de pertenecer del campesino. No tratase de una educación rural que tiene como referencia la educación urbana, sino que es una educación por y para la tierra. Como en las demás asignaturas, la enseñanza del arte también debe estar contemplada en la Educación del Campo, y del mismo modo, la referencia para esta enseñanza no puede estar restricta a los cánones de la historia del arte occidental o a los modelos urbanos, al revés, es necesario que esta enseñanza 70 | Fabiane Pianowski | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Novembro 2014 Novembro 2014 | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Fabiane Pianowski |71 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 I Encontro de Educadores e Educadores da Reforma Agrária possui apenas o nível médio. No entanto, atualmente, cidadania, da luta pela terra, pelas territorialidades, pelos - ENERA, no qual os movimentos de luta pela reforma através dos esforços do governo federal e de suas políticas direitos, pela cultura e saberes dos sujeitos do campo. De acordo com o dicionário Houaiss da língua agrária, especialmente o Movimento dos Sem Terra (MST), públicas tenta-se sanar essa deficiência com a implantação portuguesa o termo “contextura” tem várias acepções que apoiados pelas organizações não governamentais (ONGs) e de programas educacionais como o Programa de Apoio a comunidades indígenas, mestiços, população rural dos podem ser resumidas em contexto, trama e conexões. Essas pelas universidades, exigem uma maior atenção à formação Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades centros urbanos e todo aquele que se identifique como três definições do termo serão utilizadas no presente artigo dos assentados. Federais – REUNI ou Programa Nacional de Educação da “sujeito do campo”. para a apresentação e vinculação da Educação do Campo Um ano depois, em 1998, acontece a I Conferência Reforma Agrária - PRONERA, como se tratam de programas com o Ensino de Artes Visuais. Nacional por uma Educação Básica do Campo, em Goiás. Esse bastantes recentes só vislumbraremos realmente seus movimentos sociais pelo direito à terra, objetiva antes de Em ‘“Contexto” será traçado o histórico da Educação encontro será fundamental porque é nesta ocasião quando resultados em alguns anos. tudo a valorização e o desenvolvimento do sentimento do Campo no Brasil e sua situação atual. Em “Trama” se estabelece o termo “Educação do Campo” em oposição Outro problema da Educação do Campo, além de pertencimento do camponês. Por isso ela não é uma serão abordadas as questões que implicam em uma nova à conhecida “Educação rural”. A Educação do Campo não é, da deficiência na formação dos educadores, é a falta de educação rural que tem como referência a educação forma de pensar a Educação do Campo. E, finalmente, em portanto, uma teoria educacional, mas sim uma exigência instalações adequadas e o fechamento constante de escolas. urbana, mas sim uma educação por, para e pela terra. Nesse “Conexões” serão estabelecidas as relações entre o Ensino das lutas dos sujeitos do campo e dos movimentos sociais Além disso, normalmente o ensino oferecido é somente de sentido, é importante que a formação do educador do de Arte e a educação não formal como referências para a associados à terra. A educação rural, por outro lado, foi primeira a quarta série, de modo que muitos adolescentes e campo contemple a formação política, em que o histórico Educação do Campo. instituída pelos planos educacionais do governo federal, de jovens têm que se deslocar até a cidade para poder estudar, de desigualdades e a relação opressores e oprimidos seja maneira a impor os saberes da cidade aos sujeitos do campo perdendo a possibilidade de aprender a partir do lugar estudada. através de propostas descontextualizadas e desconectadas onde vivem, ou seja, de sua própria realidade, sem falar que da realidade do meio rural. De acordo com Roseli Caldart também perdem o tempo de ser jovem (Cavalcante & Silva, reconhecimento dos saberes locais e das matrizes culturais (2012, p. 263), “a educação DO campo não é PARA nem 2010). dessas populações. É importante considerar o tempo apenas COM, mas sim, DOS camponeses, expressão legítima A partir desse breve panorama é possível constatar do campo para colocá-lo em sintonia com o tempo do de uma pedagogia DO oprimido”. que há ainda muita coisa para ser feita em relação à conhecimento, como nos recorda Miguel Arroyo (Arroyo & Em 2002, instituem-se as Diretrizes Operacionais Educação do Campo e que, apesar da mesma estar Fernandes, 1999, p. 17): da Educação do Campo (Brasil, 2002), no entanto, será amparada legalmente, na realidade é necessário e urgente: Contexto: histórico da Educação do Campo Para melhor entendermos o panorama da Educação do Campo é importante pensarmos em quais momentos da história, quer seja através das políticas públicas, quer seja através dos movimentos sociais, estabeleceram-se seus marcos. Nesse sentido, o primeiro marco foi a Declaração de Direitos Humanos (ONU, 1948), que colocou a educação como um direito de TODOS. No Brasil, esse direito nem sempre foi cumprido, no entanto, após anos de desigualdades econômicas e exclusão social, com a ajuda de novas políticas públicas e, principalmente, dos movimentos sociais, esse panorama vem mudando. Em 1988, a Constituição Federal Brasileira reafirmou o direito à educação a todos os brasileiros. No entanto, seria somente em 1996 com a Lei Nacional de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Brasil, 1996) que se garante legalmente a educação básica aos habitantes da zona rural e se estabelece que os tempos e modos de ser do sujeito do campo devem ser respeitados. Não obstante, apesar de estar previsto em lei, as mudanças reais são lentas e para agilizar esse processo cabe à população civil organizada pressionar para exigir seus direitos. Uma das formas encontradas para que isso acontecesse foi através da realização de Encontros Nacionais. Sob essa perspectiva, em 1997 aconteceu o • somente em 2010 quando a Educação do Campo passa a ampliar os níveis de formação dos educandos do ser incluída nas Diretrizes Nacionais da Educação Básica campo, tanto em relação à Educação Infantil, como (Brasil, 2010b). Além desse fato, o ano de 2010 é importante às demais etapas da Educação Básica; porque também é quando se institucionaliza o Programa • investir na formação de educadores do campo; Nacional de Educação da Reforma Agrária – PRONERA • investir em pesquisas na área e na elaboração de (Brasil, 2010a), criado em 1998. Além disso, esse decreto que • institucionaliza o PRONERA torna obrigatório às instituições • não só como componente curricular, mas também como que os municípios e estados estabeleçam suas próprios da realidade agrícola nas suas ofertas de formação. locais. Atualmente, pelo Censo/2010 somente 15% da população brasileira vive no campo, em 1982 esse índice era Trama: Educação do Campo como uma nova de 32% e em 2000 de 19%. O êxodo rural é consequência de perspectiva educativa campo, 41% tem nível superior, sendo que a maioria (59%) 72 | Fabiane Pianowski | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Novembro 2014 prever também o A escola tem que incorporar o saber, a cultura, o conhecimento socialmente construído, no entanto, os currículos das escolas básicas do campo não podem reproduzir o conjunto de saberes da escola da cidade. Neste sentido, é preciso incorporar no currículo do campo os saberes que preparam para a produção e o trabalho, os saberes que preparam para a emancipação, separar o tempo da cultura do tempo de conhecimento. as Diretrizes Nacionais e com as necessidades de acordo com o Censo/2010, dos 334 mil educadores do deve plena do ser humano como humano. [...] Não podemos entre campo e cidade, sem deixar de respeitar os tempos desrespeito com a vida no campo. Nesse panorama, também educação garantir a existência das escolas do campo, diretrizes para a Educação do Campo acorde com uma larga história de desigualdades sociais e de desprezo e Essa para a justiça, os saberes que preparam para a realização formação dos sujeitos do campo, promovendo a interação A Educação do Campo, nascida das lutas dos materiais didáticos contextualizados; impedindo o seu fechamento; de ensino superior a consideração da Educação do Campo Os sujeitos do campo são assentados, quilombolas, O que estou propondo é que os próprios saberes escolares têm que estar redefinidos, têm que vincularse às matrizes culturais do campo aos novos sujeitos culturais que o movimento social recria. (grifo nosso) Nesse sentido, Arroyo não defende apenas que a Educação do Campo deve ser organizada por ciclos e não por séries, para que os saberes, interesses e desejos dos De acordo com diversos autores (Arroyo, 2011; sujeitos do campo sejam levados em consideração; também Arroyo & Fernandes, 1999; Caldart, 2012; Oliveira, 2012; deixa claro que a Escola do Campo não é a mesma escola entre outros) a Educação do Campo é a educação para a que temos na cidade e que, portanto, ele deve ser (re) REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Introdução pensada tendo em vista outros interesses e objetivos. Novembro 2014 | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Fabiane Pianowski |73 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 • fortalece a autoestima; a formação de cidadãos críticos e participativos. do seu estudo Oliveira encontrou duas situações: • desenvolve o sentimento de pertencimento; a Educação do Campo a cargo dos municípios • promove a convivência e o diálogo intercultural; importante trabalhar as matrizes culturais locais, a pelos pesquisadores da área como a solução educacional a é • valoriza os saberes dos educandos dando espaço arte popular, a produção cultural do sujeito do campo, este contexto, estando prevista nas Diretrizes Curriculares considerando a relação dessa educação com as para o diálogo e a participação; sem negar, no entanto, o direito a conhecer as demais Nacionais da Educação Básica (Brasil, 2010b) no que tange à lutas e movimentos sociais dos sujeitos do campo, • promove o desenvolvimento cognitivo; expressões, produções e ações culturais. O arte/educador Educação do Campo. Cabe salientar, que essa pedagogia foi salvo em algumas exceções; • possibilita o acesso aos saberes culturais universais; do campo deve então ter essa flexibilidade, essa sabedoria a Educação do Campo realizada através ou com • ocorre em um espaço flexível, heterogêneo e da conexão, para ligar os múltiplos pontos de vista em um participativo. “rizoma”, essa rede que não tem um núcleo mas é formada A Pedagogia da Alternância, pedagogia que leva em consideração a alternância entre o tempo do campo e o • tempo da escola, integrando ambos saberes, é considerada • criada na França em 1935 e trazida ao Brasil em 1968 pelo insuficiente e descontextualizada, não Como focos das atividades de arte/educação é padre jesuíta Pietrogrande, primeiramente para o Estado do o apoio de organizações não governamentais Espírito Santo. (ONGs) são muito mais efetivas porque levam em No ensino de arte da Educação do Campo é necessário, consideração a vida e os saberes dos sujeitos do portanto, que se busquem essas referências para a prática conhecimento (Deleuze & Guattari, 1995). campo. educativa, uma vez que além de todo o mencionado Atualmente, no Brasil, as escolas que aplicam a Pedagogia da Alternância são conhecidas como Escolas por inúmeros pontos, sem hierarquias, em um fluir do Com Guattari (1990), também aprendemos a pensar Famílias Agrícolas (EFAs). Segundo a União Nacional das Nessa pesquisa, Oliveira coloca que somente o anteriormente também é fundamental que o espaço de a educação sob o enfoque das três ecologias: a mental Escolas Famílias Agrícolas (UNEFAB), existem apenas município de Valente têm um programa instituído pela ação do arte/educador esteja contextualizado levando (humana), a social (coletiva) e a ambiental (ecológica). duzentas escolas no Brasil que aplicam essa pedagogia. Em prefeitura que é realmente significativo e que leva em em consideração as particularidades e necessidades dos Esses conceitos inspiram a Educação Ambiental e devem termos nacionais esse valor é muito baixo, no entanto, está consideração as particularidades e necessidades dos educandos do campo. Nesse sentido, os arte/educadores estar presentes também quando pensamos a Educação do prevista a implementação de mais 40 EFAs ainda para o ano sujeitos do campo, realizando atividades contextualizadas do campo devem ter a postura do professor crítico reflexivo Campo, posto que ambas estão voltadas para a cidadania de 2013. Esses dados mostram que há um crescimento no e integradas ao meio ambiente que extrapolam a sala de (Pimenta & Lima, 2004), ou seja, o professor que busca um e ambas buscam a formação de sujeitos emancipados, cenário educativo do campo. aula e ocupam os espaços significativos desses sujeitos na processo de ensino-aprendizagem contextualizado, que críticos e capacitados para promover a transformação integração dos saberes instituídos e os saberes empíricos. considera tanto os conhecimentos instituídos como os seus social. Para ambas, os conceito de sustentabilidade é esses diferentes tempos, estar em sintonia com as lutas Nas demais cidades estudadas, somente a próprios conhecimentos e o conhecimento dos alunos e também muito relevante e deve ser considerado como e movimentos sociais dos sujeitos do campo. A escola do participação de ONGs ou de Associações promovem que tenha acima de tudo uma postura investigativa, que elemento da prática educativa. Mas, cabe destacar, que ser campo deve ser um espaço participativo, dialógico, no qual um ensino conforme as escolas do campo de Valente, reflexione sobre a própria prática, porque esta também é sustentável no âmbito das práticas artísticas não é apenas as comunidades campesinas tenham voz e vez. Também sendo que a maioria das escolas são escolas tradicionais conhecimento. realizar atividades com material reciclado; ser sustentável é deve ser um espaço heterogêneo de valorização tanto das que desconsideram a realidade do campo e trabalham diferenças como das singularidades. A escola do campo é um O educador do campo deve, portanto, considerar Os arte/educadores do campo também necessitam respeitar a terra, valorizar o lugar em que se vive, respeitar o apenas com a temática urbana na sala de aula. atuar com a postura dos mediadores culturais, no sentido outro e se reconhecer na diferença, ser cidadão consciente espaço de vivência, de diálogo, de luta; é também um espaço A arte/educadora Ana Mae Barbosa (2002) afirma que o do estar entre: “um estar entre atento e observador, no de seus direitos e deveres, ser ético. Nesse sentido, a arte de transformação social que vislumbra a emancipação dos melhor ensino de arte não está na sala de aula, mas sim olhar e na escuta, para gerar questões que apenas tem como mobilizadora de pensar, ver e refletir o mundo a seus alunos através da sua ativa participação e direito a nas ONGs preocupadas com a reconstrução social de jovens sentido se provocam a reflexão, a conversação, a troca entre partir dos enfoques estético e sensível deve ser entendida decidir. e adolescentes. Nesse sentido, o pensamento de Barbosa os parceiros. Um estar entre que precisa ser mais apurado” como conhecimento e não como mera execução técnica de Nessa escola, a avaliação tem que ser diagnóstica em relação à arte/educação corrobora o panorama das (Martins, 2005, p. 55). atividades artísticas. e serve para ver como os educadores e educandos avançam escolas do campo apresentado por Oliveira (2012). Sob a no processo de ensino-aprendizagem, como se desenvolve o mesma perspectiva, Lívia Marques Carvalho, através de sua uma prática que promove o diálogo e a participação, assim do campo existem poucas referências em relação ao ensino olhar crítico, como se fortalece a autoestima e o sentimento pesquisa de doutorado sobre o ensino de arte nas ONGs como não busca verdades nem respostas concretas, mas específico das artes visuais. A maioria dos trabalhos de arte/ de pertencimento. Enfim, essa avaliação possibilita observar (2008), também coloca que as atividades de arte/educação incita o pensar, o analisar e o refletir. Nesse sentido, o arte/ educação que encontramos no contexto da educação do como o sujeito do campo reconhece-se como tal e tem são fundamentais na reconstrução social de jovens e educador do campo deve ser um provocador que consiga campo são trabalhos que estão no âmbito da performance orgulho de pertencer a cultura campesina, de ser um sujeito adolescentes. gerar um diálogo dos saberes entre os saberes do campo e (música, teatro, dança e circo) e não no âmbito das artes os saberes instituídos e os seus próprios saberes tanto como visuais (artes plásticas, artes gráficas etc.). Através da análise dos estudos mencionados educador como cidadão. Este último elemento, a cidadania, podemos concluir que as atividades de educação não é muito importante que seja ressaltado, posto que na apresentadas no Segundo Festival de Artes das Escolas de formal são extremamente profícuas quando pensamos em Educação do Campo, é fundamental um comprometimento Assentamento do Paraná (MST/PR, 2013) que foram –em transformação social e emancipação dos sujeitos, posto que ela: ético e político do educador, que deve buscar acima de tudo sua totalidade– performáticas, restando às artes visuais do campo, de ser um camponês. Conexões: Arte/Educação do Campo A professora Lúcia Oliveira (2012) estudou a situação das escolas do campo no semiárido baiano, em 74 | Fabiane Pianowski | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Novembro 2014 Irene Tourinho (2009) coloca que a mediação cultural é REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 especial nos municípios de Juazeiro, Valente e Uauá. Através Não obstante, quando discutimos sobre a educação Nessa perspectiva, estão por exemplo as atividades Novembro 2014 | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Fabiane Pianowski |75 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 sujeitos; os Critical Studies (Inglaterra) na proposta de visitação aos museus de arte fazia parte da programação, leitura e análise da arte através da sua contextualização; e educação não-formal heterogêneo, flexível e participativo não havendo, no entanto, nenhuma exposição de artes a Discipline Based Art Education – DBAE, responsável por necessita contar com um ensino de arte que promova a plásticas dos alunos nesse festival. É claro, que essa pensar nos conteúdos e na organização do ensino de arte. E reflexão, a autoestima, o pertencimento, o empoderamento constatação não diminui a enorme importância deste se estrutura a partir de três vértices, não hierárquicos e não na perspectiva da interculturalidade, defendida por Ivone evento no fortalecimento e empoderamento através da sequenciais: conhecer arte (contextualização), apreciar arte Richter (2000), de um ensino de arte que promova a arte e da cultura dos cerca de dois mil estudantes da região (leitura e análise) e fazer arte (produção). interação de diferentes culturas, sua vivência e seu diálogo sul do Brasil que tiveram a oportunidade de conhecer e sem perder de vista a luta pelos direitos dos sujeitos do se apresentar no Teatro Guaíra em Curitiba, um espaço educação do campo temos que pensar: Adaptando a Proposta Triangular às atividades de arte/ • A Educação do Campo como um espaço de campo de terem uma vida digna, de serem valorizados o conhecer arte através da contextualização não e respeitados e de terem reconhecida a sua importância artistas reconhecidos nacional e internacionalmente. Essa somente das obras de arte universais e canônicas, para a cultura brasileira. Práticas participativas e dialógicas constatação apenas alerta para a debilidade do ensino das mas também das produções/ações culturais como pode ser a Proposta Triangular no ensino das artes artes visuais no contexto da Educação do Campo. dos sujeitos do campo, incentivando a atitude visuais mostram-se como fundamentais para que os arte/ Carvalho (2008), no seu estudo do ensino de arte investigativa dos mesmos a fim de que eles educadores neste contexto sejam verdadeiramente Arte/ em ONGs observou uma predominância de atividades construam pequenas “histórias da arte” a partir da Educadores do Campo. performáticas (67%) em relação às artes visuais (33%) nas sua própria cultura e estabelecendo relações com instituições pesquisadas. Para a autora, isso ocorre porque outras referências culturais; artístico de grande relevância onde já se apresentaram as atividades performáticas têm mais potencial para as • a análise e a leitura da arte considerando os apresentações públicas e para a realização de trabalhos múltiplos pontos de vista, promovendo um coletivos, e que, por outro lado, corroboram as possíveis verdadeiro diálogo intercultural, um diálogo de exigências do apoio financeiro (marketing) necessário ao saberes, em que os saberes dos sujeitos do campo funcionamento da maioria das ONGs, uma vez que essas sejam ouvidos e valorizados a fim de possibilitar a atividades têm maior visibilidade. Nesse sentido, a autora esses educandos a sua formação crítica e reflexiva; alerta para esse fato no sentido de que se ofereça uma • o fazer arte não como a reprodução mecânica e maior diversidade de modalidades artísticas como modo de descontextualizada de produções artísticas, mas ampliação do leque das experiências estéticas. No entanto, pensar um fazer arte como uma prática reflexiva acredita-se que após a formação da primeira turma em em que o processo e o produto sejam significativos Arte/Educação do MST, que aconteceu em julho de 2013 para aqueles que o fazem. (Percassi, 2013), esse panorama possa mudar dando às artes visuais o mesmo espaço de importância das artes performáticas. A Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa (1998), criada nos anos oitenta e em vigor até os dias de hoje, tanto na educação não formal, como nos indica o estudo de Carvalho (2008); como na educação formal, como podemos constatar analisando os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte – PCN/Arte (Brasil, 1997), é uma referência muito importante para os arte/educadores do campo que pretendam trabalhar com o ensino das artes visuais. Essa proposta teve como referências: as Escuelas del Aire Libre do México e que, portanto, tem como princípios a valorização da arte local e os conhecimentos dos próprios Conclusões O próprio conceito de arte tem que ser revisitado uma vez que já não podemos mais pensar em arte erudita e arte popular sob uma distinção de valores, em que a primeira é mais importante que a segunda. Depois do reconhecimento da diferença cultural e do estabelecimento de conceitos como multiculturalismo crítico, interculturalidade, estudos culturais sabemos que não há culturas puras, mas que vivemos em um mundo de culturas híbridas (Canclini, 1992) e nessa diversidade todas as culturas têm uma produção artística válida, que precisa ser estudada e valorizada. 76 | Fabiane Pianowski | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Novembro 2014 Canclini, N.G. (1992). Culturas híbridas: estrategias para entrar y salir de la modernidad. Buenos Aires: Sudamericana. Carvalho, Lígia Marques (2008). O ensino de artes em ONGs. São Paulo: Cortez. Cavalcante, G.C., & Silva, M.G. (2010). O campo vai à cidade: escola nucleada urbana e o (des)encontro de saberes e práticas educativas. In: Seminário de Educação de Adultos da PUC-Rio, 1. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: PUC/Nead. Deleuze, G., & Guattari, F. (1995). Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. 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Educação do campo na perspectiva do desenvolvimento sustentável: análise comparativa entre os modelos experienciados na zona rural dos município de Juazeiro, Uauá e Valente, no semiárido baiano. Revasf, v.1, n. 2, 42-56. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 somente a apreciação por parte dos alunos, posto que a ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nova Iorque, ONU, 1948. Percassi, Jade (2013). Primeira turma de Arte-Educação do MST se forma em Teresina. Retirado de http://www.mst.org.br/Primeira-turmade-Arte-Educa%C3%A7%C3%A3o-do-MST-se-forma-em-Teresina Barbosa, A.M.T.B.(1998). Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: Com/Arte. Pimenta, S.G., & Lima, M.S.L. (2004). Estágio e docência. São Paulo: Cortez. Brasil (2010a). Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010: dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA. Richter, I.M. (2000). 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Novembro 2014 | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas | Fabiane Pianowski |77 Traçado & Stroke - ¿cuál es el lugar del diseño de comunicación en la formación de un joven autor? Line & Stroke - what role has communication design in a young author training? Raquel Morais RESUMEN [email protected] Research Institute in Art, Design and Society (i2ADS), School of Fine Arts, University of Porto, Portugal - www.i2ads.org. Tipo de artigo: Original Dentro de la investigación relativa a la tesis doctoral en curso, se pretende con este artículo contestar a dos cuestiones fundamentales que sirven de caminos a la reflexión: - ¿Cómo puede un proyecto de design gráfico y comunicación afectar RESUMO el significado y la construcción del mundo de los jóvenes? Teniendo en cuenta los estudios de casos que van a ser presentados basados en la acción de la investigación, ¿qué articulaciones establece la investigación Dentro da investigação relativa à tese de doutoramento em curso, pretendese com este artigo responder a duas questões fundamentais que servem de caminhos à reflexão: teórica en educación artística, con la voluntad y la posibilidad de cambio? En un contexto de escuela profesional, particular y artística, el curso técnico de Design Gráfico surge con una voluntad de dar a los alumnos herramientas de - Como pode um projecto de design gráfico e de comunicação afectar comprensión del mundo. El design gráfico y la comunicación visual son el pretexto o significado e a construção do mundo dos jovens? Tendo em conta para analizar y reflexionar sobre la experiencia educacional - cómo puede un os estudos de caso que irão ser apresentados baseados na acção da proyecto artístico afectar al significado y la construcción del mundo, y cómo es investigação, que articulações a investigação teórica em educação que los jóvenes pueden ser críticos y reflexionar sobre sus propias elecciones y artística estabelece com a vontade e a possibilidade da mudança? actitudes. Num contexto de escola profissional, particular e artística, o curso técnico Se pretende profundizar en las cuestiones particulares relativas a la Educación de Design Gráfico surge com uma vontade de dar aos alunos ferramentas de del Design Gráfico y de la Comunicación, su enseñanza en un sistema profesional compreensão do mundo. O design gráfico e a comunicação visual são o pretexto y de nivel pre-universitario, y su relación con una educación responsable para la para analisar e refletir sobre a experiência educacional - como pode um projecto ciudadanía y el desarrollo sostenible. artístico afectar o significado e a construção do mundo, e como é que os jovens podem ser críticos e refletir sobre as suas próprias escolhas e atitudes. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? Este articulo está dividido en tres grandes bloques: una primera parte de introducción al tema revelando la posición sobre lo que es el Design y una Pretende-se aprofundar as questões particulares relativas à Educação do design educación en Design sirviendo de contextualización de los casos de estudio; Gráfico e de Comunciação, o seu ensino num sistema profissional e de nível pré- Una segunda parte relativa a los casos de estudios y reflexiones resultantes de la universitário, com relação com uma educação responsável para a cidadania e acciòn-investigaciòn; Una tercera parte de caminos y pistas a la respuesta a las desenvolvimento sustentável. cuestiones iniciales. Este artigo está dividido em três grandes blocos: uma primeira parte de introdução Palabras-clave: Educación Artística y Del Design; Educación para el Desarrollo ao tema revelando a posição sobre o que é o Design e uma educação em Design Sostenible; Acciòn-investigaciòn en Design y Comunicación. servindo de contextualização dos caso de estudo; Uma segunda parte relativa aos caso de estudo e reflexões decorrentes da acção-investigação; Uma terceira parte de caminhos e pistas de resposta às questões iniciais. Palavras-chave: Educação Artística e do Design; Educação para o Desenvolvimento Sustentável; Acção-investigação em Design e Comunicação. 78 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014 Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |79 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 1. O significado de Design no seu lugar na de Design Gráfico na Escola Artística e Profissional Árvore Educação Artística (EAPA) no Porto, Portugal . A escola tem uma experiência de 1 ABSTRACT Within the research for the doctoral thesis in progress, the intention of this article is to provide an answer to two fundamental questions, which may be considered paths for a reflection: - How can a communication and graphic design project affect the meaning and the construction of the world of youth? Having in mind that the case study projects that will be presented are based on action, how can the theoretical research in art education establish connections to the will as well as to the possibility of changing? cerca 30 anos de ensino profissional e artístico. É uma escola O Design gráfico e de comunciação tem um papel ainda de ensino de nível secundário pré-universitário, privada, pequeno e secundário dentro do mundo “maior” de com autonomia pedagógica, onde os cursos profissionais conhecimento que é a Educação Artística, comparando aprovados pelo Ministério da Educação são ministrados e com outras áreas de enfoque, por exemplo, nas áreas financiados pelo POPH (Programa Operacional Potencial de conhecimento das questões ligadas às artes plásticas Humano) . É um lugar onde ainda se tenta a experiência ou performativas. Prova disso é a pouca investigação pedagógica, a reflexão crítica e onde os professores e publicada nesta área, nomeadamente em Portugal. Mais técnicos tentam um trabalho de equipa em contacto com pequeno e pouco estudado se torna, quando em particular o mundo das empresas e instituições da cidade. Todos os tentamos aprofundar as questões específicas do Design cursos, de nível secundário, têm a duração de 3 anos e Gráfico e de Comunicação, ligadas a uma educação de conferem habilitações ao 12º ano de escolaridade. Em nível pré-universitário, técnico e profissional. Isto deve-se a média, os alunos entram na escola com 14 anos e saem variadas razões, entre as quais: O design é uma disciplina 2 com 17. Cerca de metade tenta prosseguir estudos no relativamente recente nas escolas portuguesas, mais In a private vocational artistic school context, a technical graphic design course ensino superior em áreas artísticas, enquanto que os recente se torna a um nível de ensino secundário. Só em comes with a willingness to provide students with tools to understand the restantes tentam o mercado de trabalho ou outros modelos 2006 é introduzido no sistema nacional o curso profissional world. Graphic design and visual communication are the pretexts to analyse and de formação profissional. Mais à frente neste artigo será e técnico de Design Gráfico que foi feito a partir do curso to reflect upon educational experience - how can an artistic project affect the descrita a estrutura do curso técnico de Design Gráfico no de Desenho Gráfico nascido nos anos 80 com a introdução meaning and the construction of the world, and how can young people have a âmbito dos seus projectos e metodologia de ensino aplicado do sistema de ensino profissional em Portugal; A área critical approach and thus reflect upon their own choices and attitudes. aos estudos de caso. profissional tem muitos requisitos e divisões (vejam-se por It is intended to deepen the particular issues regarding the education of Graphic exemplo as várias tipologias da prática do design, desde Entende-se aqui que uma educação em Design Gráfico ao design de moda, produto, etc) existindo igualmente deverá ser uma educação preocupada com as questões enúmeras saídas profissionais; A disciplina de crítica de sociais e uma forma de compreensão do mundo numa era design ou a investigação em design normalmente é feita sob digital povoada de imagens e ecrãs. As relações com um o ponto de vista do artefacto e da prática do design, não há This article is divided into three main blocks: the first part is an introduction design social e uma reflexão a partir da cultura visual são uma tradição de estudos críticos específicos do design ou to the subject’s position on what is Design and Design Education in order to evidentes e que mais tarde também se exploram. da teoria do design ligados à prática do ensino e visando Design and Communication, which is taught in a vocational system and at a pre - university level, by connecting it to responsible citizenship and sustainable development education. contextualize the case study; the second part is about the case studies and the reflections arising from action-research; the third is about the paths and tracks of response to the initial questions; Keywords: Arts and Design Education; Education for Sustainable Development; REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 O contexto dos estudos de caso são vividos no curso técnico Para melhor definir os campos estudados, torna-se necessário então definir o termo Design, o campo do Design Gráfico e de Comunicação nas Artes e na Educação Artística e colocar no contexto histórico a profissão e o seu ensino. Action-Research in Design and Communication. uma educação global. Algumas excepções são, por exemplo, as teorias nascidas nos anos 70 aliadas ao Design Thinking, com a sua aplicação nas engenharias, gestão e educação; Em Portugal, um designer normalmente não é preparado para ser um professor, não estuda especificamente para essa profissão enquanto que noutras áreas artísticas existem estudos e cursos específicos para ser um professor. A cultura de escola e ensino de um designer que um dia poderá vir a ser um professor, baseia-se na concepção de “mestre” e 1 Mais informação no site da escola, em http://www.arvore.pt (último acesso em 31 de Janeiro 2014); na relação hierárquica que se pode estabelecer entre os “seguidores” e o “mentor”; Há uma grande diferença de métodos e perfis entre um designer (ou alguém formado na 2 Mais informações em http://www.poph.qren.pt (último acesso em 31 de Janeiro 2014); 80 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014 área artística) e um professor. Um designer essencialmente é Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |81 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Na tentativa de melhor compreendermos o fenónemo de Design Português” realizada pelo então Instituto Nacional que procuram um afastamento das artes tradicionais e a uma necessidade específica, público-alvo, técnicas e regras do Design, a sua prática, ensino e profissionais, tentemos de Investigação Industrial (Fragoso, 2012, pp. 66) e que defesa de pressupostos universais, científicos e políticos formais; A existência de uma variedade de nomenclaturas primeiro duas abordagens: uma no sentido da codificação confere o nascimento oficial desta actividade. Nas décadas para a resolução de problemas. É na génese do design que e alguma confusão em relação aos nomes e papeis e etimologia da palavra, e outra, num sentido histórico do seguintes, são criados cursos superiores e escolas de design, residem as questões centrais da dictomia forma-função, as desempenhados pelo designer de comunicação fazem com aparecimento da profissão e da sua legitimização pelas pelo estado e por alguma iniciativa privada. É então com a ligadas aos objectos utilitários para todos, à universalidade que exista mais dificuldade em definir a profissão ou as suas instituições de ensino. institucionalização da prática do design e do seu ensino, que da forma, a uma produção em massa para que os objectos são criados os primeiro cursos técnicos ou profissionais de sejam mais acessíveis a todos, a um design para todos e ligado à democracia e a questões políticas. funções. A confusão de significados da palavra Design e como é design, com o nascimento do ensino profissional no currículo Mas se no mundo profissional ainda existem tantas amplamente aplicada provavelmente relaciona-se com nos anos 80. Na sua génese, o curso de Artes Gráficas lidava nomeclaturas e “nichos”, essa questão é reflexo ainda da a origem e o seu duplo significado: quando usado como com as práticas industriais e artísticas de impressão e tinha A criação dos primeiros movimentos artísticos e escolas em recente entrada no mercado da legitimização da profissão verbo liga-se ao acto de fazer, projectar e planear. Como como objectivo a formação para a profissão de desenhador que o design é ensinado, acompanham essa âmbito social por via das escolas superiores. Desde o “artista” dos anos substantivo, significa o produto, o artefacto, o resultado ou artista gráfico. Com a introdução dos meios digitais nos do design, vejamos: 20 do séc. XX, que arranjava as formas e a composição e finalidade em si. A origem da palavra inglesa tem como anos 90 e a consequente evolução das áreas profissionais No início do século XX na Rússia revolucionária, o da página, fazia igualmente as ilustrações e decorações base a palavra latina – “designare -, “de”, e “signum” ligadas ao design gráfico, sendo a extinção da profissão de Construtivismo abre portas à união entre a Arte e da tipografia, até ao designer do início do séc. XXI, a (marca, sinal) significa desenvolver, conceber”. A palavra desenhador gráfico uma realidade, o curso é revisto em Tecnologia ao serviço das necessidades de uma nação. profissão e tarefas alteraram-se consideralvelmente. Não “design” surgiu no século XVIII, no Reino Unido, como 2006. Surge assim o actual curso técnico de Design Gráfico, A ideia fundamental era “construir, educar e comunicar a só se assistiram a alterações e mudanças radicais ao nível tradução do termo italiano disegno (desenho), mas só mais ligado às questões da comunicação visual e à criação população sobre factos que se desenrolaram na fase inicial técnico, bem como a introdução do mundo digital veio com o desenvolvimento da produção industrial e com a gráfica, tendo em consideração a evolução do mercado e da implantação do socialismo” (Curtis, 2011, pp. 25). Após alterar práticas, tempos, aquisição de informação e formas institucionalização da sua prática, com a criação das escolas das tecnologias digitais. 1918, os artistas iniciaram um trabalho de organização da de comunicação em si, a que um designer não pode ficar dedicadas ao ensino específico do design, é que esta alheio. Também as preocupações do designer sofreram expressão passou a caracterizar uma actividade exclusiva O Design nasce assim da necessidade de regulamentar propaganda massiva. Em 1920 são criadas importantes alterações, se no início seria uma profissão para servir no processo de desenvolvimento de produtos e serviços objectos do quotidiano, da industrialização massiva e da escolas em Moscovo: o Inchuck (Instituto de Cultura quase exclusivamente de apoio ao mundo das vendas e da (Braga, 2011, pp. 11). Havia que distinguir entre o desenhar publicidade aos produtos e serviços num mundo em pleno Artística) e o Vkhutemas (Estudos Artísticos e Técnicos publicidade, cedo se descobriram as vantagens de dominar (to draw) e o conceber ou projectar (to design). O produto desenvolvimento económico e em expansão capitalista. Superiores), voltadas para uma formação abrangente a comunicação visual para efeitos sociais, de propaganda daí resultante adquiria igualmente a característica da sua Desde os anos 1990, que a disciplina obtêm plena aceitação em arte, arquitectura e design onde homem, tecnologia, ou políticos. Em conclusão, o lugar do Design Gráfico ou de concepção, poderia ter mais ou menos “design”. e é também nesta década que novas necessidades de máquina e arte se fundem. Este movimento é percurssor de comunicação nascem. Os designers gráficos não só são um design social pelas preocupações perante o colectivo em Comunicação na Educação Artística é um ponto pequeno vida cultural e artística do país visando a educação pela inerente à sua prática e ensino, o Design como disciplina e O termo inglês design é hoje amplamente utilizado requisitados por questões publicitárias e de marketing das deterimento do individual, “pelo pão, pela paz e pela casa” profissão ainda busca o seu lugar. em Portugal. Porque usamos design e não desenho, à empresas, de tratamento da “imagem” da empresa, mas (Fragoso, 2012, pp. 25-26). semelhança dos vizinhos espanhois, ou até a palavra também, são contratados para resolver questões visuais debuxo, entretanto caída em desuso, seria motivo provável ligadas a assuntos sociais e políticos. Não estão só ligados, Em 1919 na Alemanha, a Escola Bauhaus e os movimentos e válido para um outro artigo. As razões certamente por vezes num segundo plano, ao comércio e vendas, modernistas também vão ser influenciados pelos “ventos” prendem-se com uma certa cultura de importação dos mas também à informação, instrução e apresentação. A construtivistas e a acção social que a arte e o design poderão termos algo-saxónicos ligada à publicidade e marketing, linguagem visual da persuação volta-se para as questões ter no quotidiano. O projecto Bauhaus, de vida atribulada, mas também, devido à educação dos percursores do design éticas, sociais e pessoais. O Designer sente que também ele interrompido pelo Führer Hitler e pela 2ª guerra Mundial, português, que estudaram fora do país e trouxeram para pode mudar o mundo para um mundo melhor e não tem vai influenciar toda a educação do design no sentido de uma Lisboa os primeiros gabinetes e agências de publicidade. A que estar em exclusivo ao serviço da sociedade por vezes educação global, técnica e convergente de vários saberes, palavra design começa então a ser amplamente utilizada em fútil e onde o único interesse é o lucro. teórico e prático. Depois do seu fecho definitivo em solo O interesse deste tema e abordagem, pela via do ensino pré-universitário, relaciona-se principalmente por incidir numa fase muito particular no desenvolvimento do jovem e ainda as escolhas definitivas em relação à sua profissão ou continuação de estudos não estarem fechadas. Os alunos que frequentam o curso técnico de Design Gráfico na EAPA, na sua grande maioria, não serão todos designers. Mas estes 3 anos de formação final no ensino secundário são de grande importância quanto à construção de valores identitários e da passagem da adolescência para a juventude, irão ser cidadãos maiores de idade e de plenos direitos. Como um curso técnico de Design pode ensinar para além do design e das técnicas? alemão, em Berlim de 1933, os principais professores e Portugal a partir dos finais dos anos 60 do séc. XX, aquando um grupo de profissionais da área, nomeadamente Sena da Aliás, já na origem da criação das escolas de ensino do directores seguem para a Europa aliada ou para os Estados Silva, Daciano Costa, António Garcia, entre outros, se auto- Design no início do séc. XX e que deram significado à Unidos. Em Chicago em 1937, Moholy-Nagy funda a “New intitulam de designers. Em 1971 tem lugar a “1ª Exposição especificidade da profissão de Designer, residem ideais Bauhaus” e Walter Gropius é professor de arquitectura em 82 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 um comunicador visual que é “treinado” para trabalhar para Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |83 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 pela Teoria Crítica, a Escola de Frankfurt e da contra-cultura permanente alteração em virtude das também constantes Construtivistas Russos após a revolução de 1917. Otl Aicher e Inge Aicher-Scholl, fundam a escola privada própria do ambiente vivido nos anos 60. “First Things First”, alterações culturais, sociais e económicas, bem como, da Segundo Whiteley, este modelo possui algumas “Ulm Hochschule für Gestaltung” (Escola de Design de Ulm) reuniu contra a cultura consumista e tentou adicionar necessidade que parte dos “actores do design” de produzir variantes: o designer “radical” do final da década de numa tentativa de rejuvenescimento do estilo Bauhausiano uma dimensão humanista à teoria de design gráfico e de conceitos em permanente mutação . 1960 deu lugar ao designer “responsável” da década de ensino. Fechou em 1968 por problemas finaceiros e comunicação . Mais tarde foi actualizado e republicado com lutas internas. A escola alemã de Ulm defendia o “design um novo grupo de signatários como o “First Things First 2000 como elemento de utilidade social e o designer como um manifesto” na revista Adbusters em 1999. Este manifesto condutor da informação (e não um artista), cujo trabalho relaciona-se directamente com a educação do design pois era o de dar claridade e ordem na organização visual da uma grande maioria dos designers que o assinaram também informação” (Braga, 2011, pp. 18). É aliás Otl Aicher, que desempenham funções como professores ou colaboradores cunhou o termo “comunicação visual” para englobar todas de escolas artísticas e de design, passando esta cultura de as especialidades num único vocábulo. Este termo indica interesse social aos seus alunos. Este manifesto continua precisamente o que significa e ainda hoje se utiliza. Refere- actual e ciclicamente é recuperado quer em conferências se a especializações que lidam com o aspecto visual da ou revistas da especialidade, reescrito, analisado ou ainda mensagem, como ilustração, tipografia, design interativo, criticado. 4 5 Design, portanto, significa essencialmente projectar artefactos ou serviços para determinado grupo ou Apesar de as vozes pós-modernistas serem muito necessidade detectada, lida com os seres humanos a um críticas quanto à aura da escola Bauhaus e da verdadeira nível direto pois tem sempre como finalidade o Outro e importância da sua herança deixada na história de arte e do as suas aspirações. O Design desde a sua origem, foi um design, não deixa de ser marcante o legado desta escola nos produto de ambições sociais e de diferentes intenções domínios da metodologia do design, do Design Thinking, de políticas, culturais e económicas. “O design nunca é pedagogias aplicadas às artes e técnicas, do Modernismo e neutro no cenário social” (Braga, 2011, pp. 18). Em termos do Estilo Internacional, na combinação interdisciplinar do latos, o design gráfico é um tipo de linguagem, com os artesanato, artes aplicadas e a industrialização massiva. seus códigos próprios, que serve essencialmente para comunicar de uma forma visual. Serve para comunicar, Para concluir esta parte referente ao papel social do Design, mas igualmente para vender, alertar, informar, entreter, das escolas percursoras e de alguns momentos chave na educar e interagir. O design gráfico e de comunicação está, história do design, torna-se obrigatório referir a publicação deste modo, submerso na nossa vida quotidiana, social, em 1964 do manifesto “First Things First” , pelo designer económica e cultural. O que se verifica e igualmente sendo inglês Ken Garland e apoiado por mais de 400 designers e mais uma prova que o design é social e dinâmico, é que os artistas. Este manifesto foi uma importante forma de reacção diferentes conceitos e abordagens feitas ao design estão em 3 contra a Grã-Bretanha dos “ricos e abastados” da década de 1960, na tentativa de radicalizar o projecto de design de comunicação que entretanto se tinha tornado “preguiçoso e acrítico”. Reafirmou o conceito de que o Design não é algo isento de valor neutro e baseou-se nas ideias compartilhadas 3 Cópia do manifesto no site de Ken Garland: http://www.kengarland.co.uk/KG%20published%20writing/first%20things%20first/index. html?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter (último acesso em 31 de Janeiro 2014); Segundo Nigel Whiteley vivemos uma condição pósmoderna em que teoria e prática se fundem existindo uma “erosão da distinção entre teoria e prática [que] é sintomática de um desmoronamento maior das fronteiras que separavam disciplinas, áreas de conhecimento e metodologias científicas” (Whiteley, 1998, pp. 63). O conceito de disciplina também ele se alterou em relação aos anos 60, em que o desejo de autonomia se expunha na relação entre a prática e a teoria, “Antes conceituadas como independentes, autónomas e compartimentadas, as disciplinas tradicionais hoje dão lugar à interdisciplinaridade, design web, design de embalagem, design de informação, entre outras. 6 outro sintoma característico da condição pós-moderna.” (Whiteley, 1998, pp. 63) 5 Mais informação em http://www.eyemagazine.com/feature/article/ first-things-first-manifesto-2000 (último acesso em 31 de Janeiro 2014); 84 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014 atenção para as questões ambientais. Este designer “verde” ou “ecológico” deu lugar ao designer “ético” da década de 1990, onde passou a perceber o design como um fenómeno visceralmente ligado ao consumo, com uma relação íntima com o sistema político e social. Os partidários desse modelo possuem uma certa tendência a pressupor que tanto o processo de design quanto o de consumo são racionais, onde as pessoas agirão de “forma correta” e tomarão decisões “sensatas” segundo escolhas responsáveis baseadas na informação correcta; - O “designer consumista”; Não é propriamente aquele que consome, mas sim, aquele que projecta A interdisciplinaridade surge assim como traço identificador na adaptação do design às circunstâncias culturais e sociais do tempo que mora. Whiteley desenvolve uma série de modelos que se relacionam diretamente com modelos de escolas e ensino. Para Whiteley existem cinco tipos de designer, que passo a descrever brevemente. - o “designer formalizado”; o que busca a funcionalidade máxima, herança da dictomia formafunção, é criado em instituições que condenam a parte teórica e até filosófica do design, tendo princípios enraizados no Modernismo e na escola Bauhaus; - o “designer teorizado”; que é o oposto do formalizado, tem grande formação teórica em deterimento da prática, sendo incapaz de relacionar teoria e prática; 4 “...we have reached a saturation point at which the high pitched scream of consumer selling is no more than sheer noise. We think that there are other things more worth using our skill and experience on. There are signs for streets and buildings, books and periodicals, catalogues, instructional manuals, industrial photography, educational aids, films, television features, scientific and industrial publications and all the other media through which we promote our trade, our education, our culture and our greater awareness of the world. ...” Garland, First Things First. de 1970, que nos anos de 1980 começou a dar mais - o “designer politizado”; ligado ao modelo anterior e com origem nos ideais defendidos pelos 6 Design, then, is not only a process but also a vehicle of ideology and a means of expressing national, institutional or corporate aspirations, a point underlined in the 1980s by the importance given to it in many countries. Increased global competition, mostly brought about by those new dynamics in the world economy, was met by increasing government interest in and promotion of design in many countries. (Julier, 2004, pp.13) focando sempre o consumo quase em exclusivo. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Harvard até 1952. Em 1950, Max Bill, ex-aluno da Bauhaus, Não possui grande poder teórico nem preocupações políticas ou ambientais. Uma crítica e reacção a esta concepção de designer consumista tem origem na influência exercida pelo livro “Design para o mundo real: ecologia humana e troca social”, de Vitor Papanek, lançado em 1972, que teve como intenção promover uma nova “agenda social para os designers” e repercutiu internacionalmente esta ideia de design atento e crítico. O livro de Papanek e o manifesto de 64 “First Things First” vieram alterar consideralvelmente esta noção de designer e o tomar consciência do designer também como formador de opinião. - O “designer tecnológico”; Em que é desenvolvido um certo fanatismo pelos avanços tecnológicos e informáticos em deterimento de uma reflexão crítica, assemelha-se ao modelo consumista com enfoque na tecnologia. Para Whitley, todos os modelos possuem limitações. Surge assim o modelo ideal, o “designer valorizado” que congrega todas as qualidade dos modelos anteriores, em equilíbrio. Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |85 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 do Mundo, na preparação de melhores cidadãos através do com o meio e os seus produtores, insere-se no real e procura ao trabalho, tendo vários professores responsáveis e guias ensino, que seja adequado às necessidades da nossa desenvolvimento da inteligência sensível, da resolução de o diálogo da multiplicidade dentro da diversidade. deste percurso. Os tempos de aula são vistos como pontos sociedade, do nosso mundo e que transforme o estudante problemas, do estímulo da criatividade e desenvolvimento de encontro de forma a analisar o decurso do projecto, são num profissional sofisticado, que deve estar bem informado cognitivo e da destreza manual. O curso técnico e feitos pontos de situação semanais, revertidos em avaliação e capaz de discutir e reflectir de forma crítica, além de ser profissional insere-se nesta lógica de proporcionar aos criativo em termos de projecto. O futuro profissional deve alunos competências técnicas e habilidades que os prepara ter pleno conhecimento dos valores do design, além de para uma futura profissão. Na escola em questão, o objectivo saber conciliar e unir teoria e prática, de forma construtiva. vai para além da destreza pois como escola exclusivamente artística há mais de 30 anos acreditamos que as Artes e o É neste modelo de designer valorizado que se situa o Design poderão ser um elemento chave de compreensão e modelo da escola onde os estudos de caso ocorreram. mudança do mundo. Com preocupações sociais e culturais, trabalhando com a comunidade e as instituições vizinhas à escola, o A arte e uma educação artística poderão tornar-se curso técnico de Design Gráfico tem como inspiração os elementos-chave para uma consciência do eu e do outro, prinicpais temas do programa da UNESCO de Educação de uma cultura de responsabilidade e afirmação do futuro para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) de forma a cidadão autónomo, de julgamento sobre o real. A construção que os alunos tenham uma consciência e sentido crítico da educação do olhar sensível, segundo Sílvia Pilloto daquilo que os rodeia. Desta forma também se pretende baseada em Paulo Freire, é um dos objectos de pesquisa que estejam preparados para um futuro incerto mas que no campo da Educação e Arte e uma das preocupações da a resolução de problemas e as questões multidisciplinares escola na actualidade. Trata-se de um olhar que “amplia e inter-temáticas sejam estruturais a qualquer tarefa ou as leituras do mundo”, não um olhar exclusivamente profissão. unidirecional e centrado na realidade puramente visual, é 7 Interessa então esta dimensão social e preocupada do design, do seu ensino e do futuro profissional dos jovens. Pois é esta dimensão “valorizada” ou com outro valor para além do valor do consumo e das “imagens de marca”, que se relaciona directamente com a Educação, para o bem e para a construção de um futuro melhor. Pressupõe a ideia de uma transformação positiva na pessoa através de uma actuação ética. Logo, ao educarmos alguém, estamos a transformar essa pessoa em alguém melhor, estamos a transcender e a passar uma determinada cultura de valores para a construção de uma sociedade melhor. Pressupõe igualmente, pela parte de quem educa, ser um agente de mudança ética. A educação para a cidadania respeita e acata os valores essenciais no ensino artístico de descoberta e exploração 7 Mais informações em http://www.unesco.org/new/en/education/ themes/leading-the-international-agenda/education-for-sustainabledevelopment/education-for-sustainable-development/ (último acesso em 31 de Janeiro 2014); um olhar aberto a outros sentidos e complexo na sua análise (Pilloto, 2008, pp. 10). É uma leitura sensível, para além da descodificação mecânica, que permite uma compreensão mais profunda do mundo e prepara os futuros cidadãos para uma interpretação crítica do que os rodeia, implicando a percepção das relações entre texto e contexto. As artes, deste modo, podem ser um veículo promotor da união de diferentes classes e extractos sociais, de diferentes etnias e de trocas culturais, podem desenvolver capacidades em outras aprendizagens e saberes, reforçam o diálogo entre pares e entre educadores e alunos. A educação artística e do design pode também ser um veículo para o questionamento da actualidade e consequente construção e compreensão de uma consciência ética sobre a obra, o objecto e a sua utilidade e vida. Apresentados tão vastos objectivos e argumentos para um ensino das artes e do design, a posição do professor será a de guiar os alunos neste território ao mesmo tempo consolidando os alicerces para uma futura profissão. A escola artística deve estar intimamente ligada 86 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014 2. Estudos de Caso à disciplina e auto-avaliação dos alunos e professores. Os estudos de caso aqui apresentados correspondem a projectos que têm em comum terem sido realizados na Escola Artística e Profissional Árvore (EAPA) no curso técnico de Design Gráfico e a alteração do habitual espaço da aula, a sua deslocação e consequente estrutura da aula, matérias leccionadas, ritmos de trabalho e interacção com os colegas, técnicos e professores. Como atrás foi referido, os cursos da escola são de nível de ensino secundário (pré-universitário), profissionais e artísticos, todos ligados ao design e às artes, a saber: Animação 2D/3D, Conservação e Restauro, Desenho Digital 3D, Design de Equipamento, Design Gráfico, Design de Moda e Multimédia. A componente das disciplinas tecnológicas é comum a todos os cursos, e no caso específico do curso de Design Gráfico, existem duas disciplinas fundamentais: Oficina Gráfica onde se leccionam os conteúdos relativos às ferramentas digitais e não digitais e Design Gráfico, onde se leccionam questões relativas à criação e ao projecto de comunicação visual. Estas disciplinas tem grande articulação e, apesar de serem dadas por professores diferentes, são coordenadas entre si através das propostas de trabalho e dos projectos. O trabalho em equipa extende-se também A escolha dos estudos de caso deveu-se a serem projectos em que se estavam a experimentar outras formas de leccionação e deram-se no tempo da investigação, onde um certo olhar mais atento teve lugar. Interessava entender os processos e consequências da mudança do habitual espaço da aula, do contacto e projectos com entidades fora do sítio seguro que é a escola, as diferentes abordagens do papel do design gráfico e de comunicação na sociedade digital e da imagem, bem como, o papel do professor-guia e do alunoautor em paralelo com um percurso escolar. A metodologia de análise situou-se na observação directa e em entrevistas abertas, na construção de episódios de vida dos alunos. À observação seguiu-se a posterior análise, reflexão, diálogo, REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Para isso é necessário desenvolver um novo modelo de confronto e escrita também com os jovens. Daí por vezes a escrita adquirir uma forma de “relato” algo pessoal, por ser vivida pela autora no seu duplo papel de professora e também investigadora. A sala de aula transforma-se assim num espaço de acção e reflexão, num “laboratório” de experiências que não são necessariamente exemplares, são episódios vividos que valem o seu relato pelas experiências e reflexões produzidas. a outras disciplinas, nomeadamente na construção Os alunos hoje são estimulados por múltiplos aparelhos de conteúdos, em trabalhos de pesquisa ou na escrita e interfaces, vivem num mundo mediatizado em que o da memória descritiva de cada projecto. O curso têm conhecimento não é construído necessariamente numa enúmeras parcerias com entidades vizinhas ou empresas, sala de aula. O clássico isolamento da sala de aula e da faz regularmente projectos que simulam uma situação escola, como uma entidade protetora e de alteração per real de trabalho, são projectos que mais tarde são de facto si do indivíduo, está distanciada da realidade vivida. “As aplicados e produzidos. Serve esta contextualização para formas tradicionais de práticas lectivas e abordagem melhor se entender a mecânica de trabalho do curso: curricular estão em exposta discordância, com as actuais há um pedido de uma entidade, nas várias disciplinas e dinâmicas do conhecimento e da aprendizagem, num com um calendário pré-determinado trabalha-se para o mundo fortemente mediatizado que é o dos nossos alunos. pedido, entrega-se o projecto e cada disciplina avalia as Os novos media interactivos, em associação com as vastas competências inerentes aos conteúdos leccionados, na bases de dados dos velhos media, suscetíveis de rápida maioria das vezes adaptando à situação real. Os alunos digitalização, estão a revolucionar os tradicionais conceitos têm que fazer todas as diligências e contactos inerentes sobre educação e tornam possíveis novos contextos sociais Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |87 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 da professora Sara Lopes para o mestrado em Ensino das professoras saíram para a zona O apetecível “mundo lá fora” entra constantemente Artes Visuais no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino circundante à escola e iniciaram o na aula, através de múltiplos interfaces e mecanismos. Secundário da Faculdade de Filosofia da Universidade passeio pela cidade. Esta proposta Ao mesmo tempo, o ensino particular do design não se Católica Portuguesa. continha também uma componente faz desfasado da realidade, o design é um exercício de projectar para o outro, para a necessidade detectada nesse mundo. Nesta mediação de forças encontra-se o professor com as obrigações de executar um programa definido, num calendário estabelecido e uma lista obrigatória de objectivos e competências. A complexidade, a diversidade, a interacção e a multiplicidade dos suportes são conceitos desfasados da estrutura normativa do curriculum. Mas a realidade vivida na sala de aula coloca a necessidade e pressão na mudança. Esta mudança torna-se mais urgente quando falamos de um ensinar preocupado e apaixonado no sentido de um envolvimento como sujeitos fomentadores da aprendizagem mas também como autores e parceiros dos jovens alunos. o livro “Tipografia em Ambiente Urbano” pretendeu abrir o debate às questões sobre a cópia, o plágio e a inter-relação de técncias tradicionais e artísticas de impressão (serigrafia) com as técnicas digitais de aquisição e tratamento de imagem, composição de texto e construção de um livro; O segundo projecto, “Tecer Outras Coisas”, enquadra-se num espaço de diálogo e construção entre alunos, professores, artistas, designers e ex-empregados do setor têxtil em regime de voluntariado; O terceiro projecto, “Raiz” é o resultado de uma Prova de Aptidão Profissional (PAP) , prova obrigatória 8 e pública que permite a conclusão de um curso profissional e que deverá ser um projecto demonstrador dos saberes adquiridos ao longo de todo o percurso escolar; Livro Tipografia em Ambiente Urbano Nasce no contexto de ensino profissional do curso técnico de design gráfico, e igualmente, num contexto de estágio 8 Mais informações em https://dre.pt/pdf1sdip/2013/02/03301/0000200009.pdf ou em http://dre.pt/ pdf1s/2004/05/119B01/00290038.pdf (último acesso em 31 de Janeiro 2014); intervenientes importante para o (“Grande C”) promovido a nível nacional pela AGECOP conhecimento mútuo e de reflexão (Associação para a Gestão da Cópia Privada)9. Toda a sobre a cidade que habitamos. proposta de trabalho segue metodologias e formas de Cada aluno com a sua máquina abordar as questões do design gráfico inseridas na lógica do fotográfica, enquadrava, focava, na curso e da práctica lectiva. tentativa da procura de cada letra A propósito de uma reflexão sobre o plágio, a relação ética e na sombra ou reflexo do pormenor deontológica com os direitos de autor e conexos, escolheu- capturado. Nesta busca, o olhar se o formato de livro para desenvolver um projecto de percorria os edifícios e a luz de design gráfico que uniu alunos, professores e técnicos. uma cidade marcada pela história Com pleno domínio de todas as fases, desde a concepção, e passando pelo desenvolvimento de conteúdos, montagem objecto. Alunos, professores e técnicos juntaram-se ladoa-lado num propósito de construção emergente de um artefacto que aborda as questões técnicas do design gráfico e artes gráficas, mas também, as questões conceptuais, clarificadoras do caminho percorrido, da identidade e dos significados. Pretende-se reflectir sobre um projecto complexo, original e ambicioso, que encerra em si mesmo uma ideia completa de ensino artístico contemporâneo, experimental e transdisciplinar. O concurso pretendia que as escolas trabalhassem peças originais executadas por alunos, próprias dos meios de comunicação a que eles diariamente acedem, ganhando desta forma uma consciência sobre o plágio, os direitos de autor e conexos. O desafio era o de criar uma peça completamente original em que os conteúdos (imagem e texto) fossem exclusiva responsabilidade dos alunos. Na disciplina de Design Gráfico os conteúdos a leccionar seriam precisamente os relativos ao módulo “A Imagem”. As professoras ao terem conhecimento deste concurso de imediato formularam um projecto em que a imagem fosse discutida sob o ponto de vista, primeiro da sua observação, segundo, da sua aquisição, e por fim, da sua análise e 9 Mais informações em http://www.agecop.pt/ (último acesso em 31 de Janeiro 2014); 88 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014 património. Desvendavam-se “coisas que nunca tinha visto”, e finalizando na produção e acabamentos, este projecto pôs à prova a capacidade da turma e da escola na produção do Os casos de estudo têm características diferentes: o primeiro, lúdica e de envolvimento entre os Este projecto seria posteriormente alvo de concurso nas palavras de uma aluna, pela Imagem 1 – (no sentido dos ponteiros do relógio) Capa, duas páginas e impressão do livro em serigrafia. contextualização. Como a escola se situa em pleno centro histórico da cidade do Porto e património da humanidade10, a ideia de descobrir pelo olhar atento a cidade sob o pretexto de uma visita foi encontrada. O formato livro surgiu na lógica da necessidade de registo de 23 alunos juntos numa única peça. Seria impresso em serigrafia, cosido e colado na Oficina Gráfica, numa edição de 50 exemplares. Chegou-se ao título “Tipografia em Ambiente Urbano” por tema e conteúdos se basearem na descoberta de formas tipográficas na malha da cidade, na composição atenta da tomada da fotografia e na consciência sobre o copyright e os direitos de autor. distracção de quem passa por ali REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 e culturais de aprendizagem.” (Rodrigues, 2011, pp.33) todos os dias. Já em aula, cada aluno procedeu à selecção das imagens e ao processo de retoque, enquadramento e composição nos planos de impressão. De seguida os alunos escolheram três palavras iniciadas pela sua letra que relacionassem significados e conceitos com as imagens captadas. Produziram-se conteúdos textuais originais ou devidamente identificadas as suas fontes. Depois de múltiplos testes, correcções e retoques procedeuse à impressão final. Todos os cadernos foram impressos em serigrafia a uma e três cores. Seguiram-se os acabamentos, coser os cadernos, montagem, colagem e encadernação do livro. Assim se realizou um livro de originais em que alunos Um dos objectivos primordiais seria o de educar o olhar dos alunos através do uso da máquina fotográfica, do enquadrar a composição e descobrir o “para lá” do primeiro plano, do óbvio. A tipografia aqui surge como um pretexto para esse treino do olhar e da composição, de forma a existir um objectivo claro na procura dentro da textura da cidade, algo para descobrir e enquadrar. Ainda na sala de aula, a cada aluno foi sorteada uma letra do alfabeto. Toda a turma e 10 Mais informações em http://whc.unesco.org/en/list/755 (último acesso em 31 de Janeiro 2014); e professoras, se transformam em criadores, autores e originais. A complexidade deste projecto reside nas múltiplas dimensões que detém: a conceptual, a oficinal, a técnica, a da produção e execução da obra gráfica; esta complexidade é verificada também por ser uma obra colectiva em que a contribuição de cada um é primordial, a falta de uma destas partes poria em risco toda a construção do livro. Só foi possível a sua concretização se todos os alunos colaborassem Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |89 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 tornando-se, não só uma obra gráfica per si, mas também uma obra colaborativa, em que cada indivíduo detém uma importância para o todo formado pelo grupo-turma. De referir outra dificuldade, transformada prontamente em desafio, que foi a circunstância de a proposta congregar métodos de trabalho digitais, não-digitais e oficinais em diferentes fases metodológicas. A falha de apenas uma parte ou fase metodológica poria em risco todo o projecto final sendo que tal só foi ultrapassado por uma tomada de consciência do grupo da sua importância, de constante atenção ao ritmo e dinâmica no trabalho diário. Ensinar design através da cidade e da tipografia é, consequentemente, um ensinar implicado sobre o que nos rodeia, é a tentativa de explicar e compreender o mundo da informação e da imagem, é dissecar e estruturar em contínuo processo de troca, é sobre valores e conteúdos. A partilha desses valores culturais entre pares, professores e alunos é de uma enorme riqueza. O ensino assume aqui um papel aparentemente lúdico, de envolvimento entre as pessoas e a cidade numa clara relação de respeito e descoberta.11 Imagem 2 – Encontro em Fevereiro de 2012 entre voluntários, Max Fernandes e a artista Carla Cruz para a execução do projecto “Rastilho” a apresentar em Outubro de 2012 em Guimarães, na Capital Europeia da Cultura. 11 “In order to get citizens to think critically about their environment, we suggest walking as an aesthetic practice, and the creation of pictures as a personal artistic intervention. In this sense, calligraphy and typography should be considered an important graphic resource in art education exercises, and used by teachers to educate.“ (Huerta, 2010, pp. 80) Tecer Outras Coisas O projecto Tecer Outras Coisas (TOC) está localizado numa sala da empresa têxtil Coelima, em Pevidém, Guimarães. Surgiu da vontade de um artista e também professor na EAPA, Max Fernandes (imagem 2), de fazer um projecto assumidamente artístico, um projecto auto-sustentável apoiado pela Junta de Freguesia e Câmara Municipal, que aliasse a EAPA (professores e alunos), os voluntários (exempregados da indústria textil e moradores na freguesia) e artistas ou designers convidados. seus intervenientes. Todos estão lá por mote próprio e Imagem 3 – Algum do material gráfico produzido no TOC; (no sentido dos ponteiros do relógio) Identificador visual para o projecto, Identificador e economato para o projecto “Construir”, material de informação do TOC e cartaz para um desfile da colecção de moda para criança. com uma enorme vontade de aprender-ensinar o que que decidir, fazer escolhas e conceptualizar uma ideia, O que sobressai neste projecto tão original é a premissa sabem. Os alunos participam neste projecto dentro do todos juntos. Alunos e voluntários tornam-se por vezes de uma ideia de sustentabilidade social, do projecto estágio curricular (ou Formação em Contexto de Trabalho, professores, quando partilham experiências e saberes uns comunitário, que junta gerações e indivíduos com denominada de FCT) a tempo inteiro, durante quatro com os outros, passando a informação que sabem, numa variados conhecimentos de diferentes áreas e níveis do semanas, 8 horas por dia. Vivem e convivem diariamente partilha constante. conhecimento. É um projecto assumidamente artístico e de com os voluntários, professores e artistas. Aos alunos é Tudo é executado em grupo, decisões e criações. “A design social, contendo a ligação à comunidade e à escola: pedido que dialoguem, interajam e construam projectos não formalidade é uma fragilidade” , segundo Max pessoas aprendem e ensinam umas com as outras pela ligados ao design de moda ou ao design gráfico em conjunto Fernandes. No entanto, penso que esta fragilidade pode sua experiência com o mundo, pelos seus conhecimentos com os voluntários e artistas. Os alunos, numa primeira ser transformada em uma qualidade pois abre a criação ao adquiridos, vividos. “Urge que designers, não apenas fase, definem que metodologia e conceito irão implementar imprevisto, ao casual e até ao erro, está criado um enorme através do seu trabalho, mas também pela sua vivência, de forma a chegar a um objectivo previamente traçado. campo aberto de possibilidades. A rigidez das estruturas leva exerçam sua cidadania com mais plenitude” (Miyashiro, Os voluntários também ajudam a definir estratégias e a uma quebra quase inevitável, esta flexibilidade e tolerância 2011, pp. 83). Acrescento que urge na educação dos futuros metodologias, dentro da sua área de conhecimento ou abrem um imenso campo criativo de exploração, de partilha designers que a componente da cidadania seja incorporada apenas, dando a sua opinião. Os voluntários são parte e sobretudo, pronto à transformação e à renovação. Não no trabalho efectivo e de forma estrutural na formação, que activa e assumem o papel, por vezes de técnico maquinal sendo algo rígido, controlado por uma entidade, nem os alunos tenham uma experiência concreta e responsável e repetitivo, ou de igualmente, interveniente na acção, autoral, a presença do colectivo é permanente, fomenta com o design. determinantes no fio condutor do projecto. Aqui o papel uma energia criadora saudável, sem liderança tradicional do professor adquire outra dimensão. Ele torna- ou subalternos, sem hierarquias numa vontade se um “guia” nas pesquisas, alguém que acompanha o comum de criar, fazer, aprender, aprender- projecto dos alunos e voluntários, o orienta e que o leva a fazendo. Promove uma relação afectiva entre tomar decisões baseadas na responsabilidade individual e os intervenientes sem compromissos formais, na ética. Há relações que se constroem e transformam, não propicia um ambiente de vontade comum, de por imposição da sua autoridade, mas sim, por descobertas troca de experiências no domínio profissional e vontade de percorrer um caminho comum, o do aluno mas não só, histórias de vida são contadas, com o professor. Para o professor alteram-se igualmente dramatizadas e exploradas. Sem a lógica da as questões de conhecimento e domínio da “sua” matéria productividade e da reprodução em série, pois deixa de ser a do campo exclusivo do seu domínio para foram executadas coleções de moda para alcançar territórios longíquos. Sem um objecto ou objectivo crianças e adultos, publicações e obras de arte. É um projecto apaixonante para o seu criador e para os 12 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 para o mesmo, fossem responsáveis na sua individualidade, definido, sem a meta a atingir, os voluntários e alunos tem 12 Em entrevista concedida a 21 de Dezembro de 2011; 90 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014 Imagem 4 – Parte da exposição final do material gráfico produzido no TOC. Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |91 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 tarde, davam-me conteúdo e margem de manobra para e professores podem realmente fazer no bairro e na cidade. poderosa de comunicação, educativa e de união entre as continuar mais”. A análise do Diogo ao “conteúdo-aula” e É um espaço amplo para apreciar a aprendizagem baseada pessoas envolvidas. Surge a invulgar relação que se produz “conteúdo-fora da aula” afere uma relação afectiva com o na transmissão de conhecimento, sem as barreiras clássicas entre os voluntários, alunos e professores/artistas ou conhecimento e a aquisição de informação. Num ambiente entre professor (mestre) e aluno (o aprendiz). designers à volta do artefacto e do que ele quer transmitir. mais descontraído, sem o rigor do planeamento e do tempo Torna-se um lugar de experimentação e independência na a passar, surge um conhecimento tácito, implícito, que A estrutura principal de cada projecto final do curso de acção de cada um em atenção, ou como primeiro objectivo, perdura e ganha acrescida importância a quem aprende. design gráfico é testada ao longo dos três anos do curso. É um o colectivo. “Today, professional design practice involves É quase um aprender sem dar conta disso, pelo diálogo e projecto multidisciplinar onde é lançado um tema-desafio advanced multi-disciplinary knowledge that presupposes interacção com os outros. incial e estruturador escolhido pelo conjunto de professores interdisciplinary collaboration and a fundamental change in design education. This knowledge isn’t simply a higher level of professional education and practice. It is a qualitatively different form of professional practice. It is emerging in response to the demands of the information society and the knowledge economy to which it gives rise.” (Friedman, 2012, pp 150) Imagem 5 – Diogo Machado, autor do projecto RAIZ. ligação, essa forma de estar”13. Acresce-se à atitude das relações entre corpos docentes e discentes o que o Diogo entende por conhecimento adquirido. Na sua opinião, o conhecimento mais interessante e cativante pode ser transmitido fora do conteúdo da aula “nem o aluno quer só receber o conteúdo-aula, quer é receber outro que esteja fora”. Prossegue que era mais interessante os poucos minutos de intervalo do que propriamente a aula “por vezes, O projecto RAIZ REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 O design gráfico tranaforma-se igualmente numa ferramenta aqueles 10 minutos (depois da aula acabar) depois de uma Aos alunos finalistas do curso técnico de Design Gráfico, foi dado o desafio de encontrar um problema e tentar uma solução, dentro do tema geral de “Educação para o Desenvolvimento Sustentável” (EDS), segundo a UNESCO. Diogo Machado (imagem 5) sentiu que Imagem 7 – Conceito gráfico do identificador do projecto RAIZ. a troca e transmissão de conhecimentos na comunidade escolar (entre professores, alunos, artistas, designers e técnicos) poderia ser melhorada. Surgiu desta forma a ideia de fazer um projecto que conseguisse unir a comunidade em torno da arte e do design, vistos como um todo. A ideia nasceu quase naturalmente, a partir das experiências tidas ao longo dos 3 anos de formação. Segundo as palavras do Diogo, “professores, alunos e funcionários para mim eram todos iguais, na [escola] Árvore sempre me ensinaram isso, essa Imagem 6 – Conceito gráfico do identificador do projecto RAIZ. 13 Em entrevista concedida a 21 de Janeiro de 2013; 92 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014 O espaço RAIZ foi então pensado para desenvolver a da turma. Os alunos, mediante uma problemática associada “produção cultural”, uma forma de trazer uma nova energia à EDS, escolhem o que querem estudar e desenvolver. às relações dos seus membros. É uma espaço de troca O grupo de professores transforma-se num grupo de cultural através da arte e do design, para a “transmissão de guias e conselheiros do projecto, em fases previamente experiência e conhecimento”, um espaço para “fomentar determinadas, professores e alunos apresentam, discutem sinergias (...) a alunos com ideias inovadoras e geradoras de e avaliam cada projecto. A metodologia das aulas é uma efectiva mudança artística e social”, nas palavras do Diogo, combinação de metodologia de projecto com didáticas no seu relatório final do projecto. associadas à prática lectiva. (imagem 7) RAIZ foi concebido para ser um espaço físico dentro da Todo o projecto é desenvolvido com diferentes professores escola, bem como, uma plataforma “digital”, um site e uma e alguns convidados (ex-alunos, grupos de teste ou público- página no Facebook. Pretende ser uma forma de promover alvo, profissionais de áreas específicas, entre outros) que a escola fora dos seus domínios, para divulgar o que alunos formulam perguntas, fazem apresentações e reflexões, Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |93 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 importante da prova, mas sim, RAIZ levou três meses a ser desenvolvido e finalizado. O foca-se a importância do projecto tema-desafio lançado à turma foi “30 anos da Escola” a no processo de construção e ser tratado dentro do programa EDS. RAIZ começou com criação, e ainda nas relações a sensação de que a comunidade escolar, que integra produzidas alunos, professores e técnicos, estava distante, não tinha aprendizagem. Afinal, aprender é um local específico para o desenvolvimento de projectos também um processo, não é um e conhecimentos fora do currículo escolar. Do problema produto. O processo de fazer um detectado, o projecto evoluiu para uma solução, a criação artefacto é também um caminho de um espaço, não necessariamente físico, mas também de construção e reconstrução uma plataforma digital, e mais importante de tudo, um do conhecimento, bem como, lugar conceptual de “transmissão e conhecimento”. RAIZ o processo de construção de poderia ter uma sala, um site ou uma página no Facebook, significados subjectivos que cria mas o mais importante foi a discussão e reflexão que gerou limites emocionais e afectivos no grupo professores-alunos ao longo do caminho da sua numa turma, numa escola e criação. num bairro. RAIZ é um projecto neste caminho de individual para uma comunidade, Da entrevista feita ao Diogo a propósito deste projecto, é um espelho de si, uma forma de interessante ele salientar, com a distância de 6 meses após entender e ordenar o mundo em si a sua finalização, a importância de um ensino artístico, não mesmo. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 avaliam, tendo um papel interventor e, por vezes, decisivo. necessariamente feito de técnicas e objectos belos, mas sim, que serve essencialmente para nos pôr a pensar e a interagir com os outros: “o ensino artístico vive de seres pensantes, algo que se transmite e se dá a conhecer, comunica”.14 A sido Imagem 8 – Cartaz final do projecto RAIZ. RAIZ pode ser então uma exposição ou um livro, é do cartaz. A construção e conceito da imagem principal do suficientemente flexível para ser transformada ano após ano, cartaz segue a estrutura de “reconstrução” do elemento enquanto os alunos e professores assim o quiserem. Diogo humano formado por partes de professores, alunos e desenvolveu a sua ideia a partir de duas fontes: o projecto técnicos, formando um só. É a representação e tradução educativo da escola Árvore15 e do conceito de coworking. gráfica do elemento da reciprocidade e transmissão como As palavras-chave foram: conhecimento, intercâmbio e solução para o problema inicial. transmissão. Daí evoluiu para estudar o significado de educação vista em como design um tem ensino eminentemente práctico, baseado em conceitos universais sobre a forma, criados por escolas modernistas, como a Bauhaus ou Ulm, ou movimentos artísticos como De Stijl. Esses conceitos resolveram vários problemas e Imagem 9 – Páginas do catálogo da exposição Casa Sandeman. mostram-se muito úteis para ensinar a composição, a ordem “professor” e “aluno”, o papel de cada um deles, estudar Todos os outros elementos foram desenvolvidos seguindo as diferentes pedagogias e estratégias, realizou entrevistas, a mesma lógica, a construção de um espaço comum com chegou ao conceito de Deleuze e Guattari de Rizoma. A fase a participação dos vários actores. No final do ano lectivo e O projeto RAIZ também exemplifica como o design de percepção visual, por exemplo. O que eu posso observar seguinte foi a de construir o projecto relativo à comunicação dentro das comemorações oficiais dos 30 anos da escola, comunicação pode ser uma ferramenta poderosa na nas minhas aulas é que os alunos podem facilmente e ao design gráfico, a parte prática após a especulação. A RAIZ criou uma exposição e um catálogo na Casa Sandeman, construção do conhecimento, como os alunos ativamente resolver os exercícios apresentados e comentar os exemplos abordagem visual foi sendo definida pela pesquisa, onde as vizinha do edifício da escola, no Jardim da Cordoaria. Todos podem construir e reconstruir conhecimento, das suas mostrados, mas é necessário um enorme esforço para fazê- palavras-chave deram origem a um identificador e à imagem os projectos executados na escola até ao momento que experiências no mundo. Como conseguem eles construir los trabalhar e aplicar num projecto, onde esses conceitos envolviam a comunidade e a relação da escola com outras a sua identidade como “seres pensantes” que assumem são obrigatórios. A universalidade dos métodos modernistas instituições foram identificados e documentados. e se identificam. E igualmente como o podem expressar não se aplica a questões mais profundas e pessoais, que em productos funcionais e próprios da comunicação só podem ser respondidas na nossa rotina diária, pois gráfica. O produto final, que não se assume como o mais são questões que normalmente estão relacionados com 14 Em entrevista concedida a 21 de Janeiro de 2013; 15 Mais informação no site da escola, em http://www.arvore.pt (último acesso em 31 de Janeiro 2014); 94 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014 e hierarquia, e compreender a Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |95 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Mais do que formalidade e aspecto dos artefactos pode ser o mundo cá fora, pois a escola cada vez mais se “It does not matter whether the individual ends up legado que nos rodeia e faz parte de nós. Por outro lado, produzidos, a aula de design deverá ser uma reflexão sobre distanciou da realidade prática do dia-a-dia e já não é o becoming a professional artist: the important thing is os alunos tendem a resolver melhor os problemas que lhes o processo de ensino e de aprendizagem, uma tomada lugar exclusivo onde se aprende tudo. são particulares, que questionam a sua posição no mundo de consciência sobre o mundo que nos rodeia, uma e a sua individualidade. A universalidade da forma e o rigor preocupação da posição individual em relação ao colectivo, O último caso de estudo – projecto Raiz – a relação com a das grelhas não conseguem dar uma resposta satisfatória. não esquecendo um olhar para o passado em termos comunidade que circunda a escola e criar um projecto de Também aqui são importantes as questões identitárias e históricos e tecnológicos de forma a abordar o futuro união entre alunos, professores, funcionários, técnicos e que confere uma certa originalidade ao artefacto. Torna-se encarando-o com a naturalidade da aprendizagem de mais artistas. Um lugar de diálogo que a escola também o deverá mais empolgante produzir e interagir com públicos-alvo que uma ferramenta e conceito. ser. Os alunos tornam-se autores, fazem o seu projecto, existem e com os quais nos identificamos, do que algo ao desenham o seu percurso, definem as suas metas, repensam nível da simulação, do abstracto e pouco tangível. Se por um sobre a escola onde estiveram 3 anos e o seu futuro. Tornam- lado os alunos precisam dessa resposta do que os envolve a 3. possibilidade de resposta às questões iniciais se autónomos no fazer, no falhar e experimentar. A escola deverá ser um espaço de inovação e criatividade. um outro nível, o que podemos observar é uma percepção filtrada pela singularidade da nossa própria cultura e do Dos diferentes casos de estudo, podemos retirar alguns As artes e o design são ferramentas poderosas para se lugar onde podemos interagir. caminhos criarem esses espaços, bem como, o desenvolvimento de resposta, algumas possibilidades de that the direct experience of art makes the individual.” Anthony Gormley (Hickman, 2005, pp. 10) Referências Bibliográficas Almeida, V. (2009). O Design em Portugal, um Tempo e um Modo - A institucionalização do Design Português entre 1959 e 1974. Tese de Doutoramento. Lisboa: FBAUL. Braga, M. d. (2011). Introdução. In M. d. Braga, O papel social do design gráfico (pp. 9-24). São Paulo: Editora Senac. Curtis, M. C. (2011). A dimensão social do design gráfico no construtivismo. In M. d. Braga, O papel social do design gráfico (pp. 2544). São Paulo: Editora Senac. De Moraes, D. (2010). Metaprojeto, o design do design. SãoPaulo: Blucher. caminhada. da autonomia do aluno. A autonomia será a “arma” para O Design gráfico e de comunicação, permite-nos enquanto Do primeiro caso de estudo – Livro Tipografia em Ambiente o futuro. Numa escola profissional, mais do que bons profissionais criar, inovar, redesenhar, construir, construindo- Urbano – os alunos, técnicos e professores trabalharam lado- técnicos e preparados para o mundo do trabalho, interessa nos profissionais, a-lado na construção de um livro único e completamente desenvolver a autonomia e a resolução de problemas, pois encontramo-nos em permanente mutação, pois o trabalho original. A cooperação e a igualdade provocam uma energia serão as únicas ferramentas, que poderemos com toda nunca se repete, não se cria a rotina nem a monotonia renovadora, ligações afectivas e emocionais que conduzem certeza, hoje prever em relação ao futuro profissional. inerente, por isso, “permite a satisfação profunda que a uma aprendizagem implícita, para além da matéria Enquanto “alunosautores” podem iniciar essas valências e provém apenas de levar uma ideia a bom termo e ao seu abordada. É no trabalho de equipa, na responsabilidade essas ligações. desenvolvimento efectivo” (Papanek, 2007, pp. 9). individual perante o grupo que nascem ensinamentos de Friedman, K. (2012). Models of Design: Envisioning a Future Design Education. Visible Language , 46, pp. 132-154. respeito, igualdade, liberdade e cooperação. Ao mesmo Os projectos em design são metodológicos, seguem Quando se unificam o design gráfico, o ensino profissional, tempo foram abordadas as questões ligadas à construção da um programa de resolução de problemas definido pelo a educação artística e a sustentabilidade social, então imagem, à cópia e plágio, tão constantes numa sociedade alunoautor. Tem objectivos concretos e passam pela Garland, K. (n.d.). First Things First. Acedido em Janeiro 31, 2014, de http://www.kengarland.co.uk/KG%20published%20writing/ first%20things%20first/index.html?utm_source=twitterfeed&utm_ medium=twitter temos todo o potencial, enquanto professores, de formar digital da informação. experimentação de soluções onde criatividade, iniciativa, igualmente enquanto pessoas e espontaniedade, imprevisto, o erro e falha acontecem, a jovens preocupados e interessados em dar o seu contributo Flusser, V. (2010). Uma Filosofia do Design. Lisboa: Relógio D’Água Editores. Fragoso, M. (2012). Design Gráfico em Portugal, formas e expressões da cultura visual do século XX. Lisboa: Livros Horizonte. Friedman, K. (1997). Design Science and Design Education. In P. McGrory, The Challenge of Complexity (pp. 54-72). Helsinki: University of Art and Design Helsinky UIAH. Hickman, R. (2005). Why we make Art and why is Taught. Wiltshire: The Cromwell Press. enquanto pessoas idóneas e coesas. Ensinar design é, Do segundo caso de estudo – Tecer Outras Coisas – resposta na maioria das vezes é uma resposta conceptual e consequentemente, um ensinar implicado sobre o que nos onde uma comunidade sem escolariedade luta por uma criativa à resolução do problema. Huerta, R. (2010). I Like Cities; Do You Like Letters? Introducing Urban Typography in Art Education. The Author. Journal compilation , 29 (1), pp. 72-81. rodeia, é a tentativa de explicar e compreender o mundo dignificação do seu trabalho em conjunto com artistas e da informação e da imagem, é dissecar e estruturar em estudantes, podemos verificar uma sala de aula num lugar A escola do séc.XXI deverá ser então um espaço de diálogo, Julier, G. (2004). The Thames & Hudson Dictionary of Design since 1900. London: The Thames & Hudson. contínuo processo de troca, é sobre valores e conteúdos. “fora do sítio”. Sem o edifício escola e todas as suas regras de liberdade e de contacto com o mundo, não ser um É também uma actividade da insatisfação, da resolução de e horários, um grupo de alunos conseguiu ouvir, perceber esconderijo protector. Um lugar onde o aluno escolhe o seu problemas nem sempre com sucesso, feita das tentativas quais as necessidades e problemas, desenvolver um plano trajecto, define os seus objectivos, sente a necessidade de e do percurso, de caminhos percorridos que nem sempre de resolução e dar resposta de uma forma autónoma. A sala aprender as ferramentas para concretizar o seu objecto, deslumbram a meta, da experiência que falha e faz outra de aula fora do sítio é o mundo “fora da escola”, uma escola conforme as suas necessidades. Um lugar de ideias, vez, da tentativa-erro, do acaso e da procura. dentro do mundo e não um lugar fora, uma escola que cria conceitos, criatividade, imaginação, um lugar de autores e É na procura do “designer valorizado” de Whitley, que se laços emocionais para uma aprendizagem com sentido. de professores co-autores. encerram as questões inerentes à aula de design, para um O lugar da escola, afinal, não deverá ser tão diferente do “ensino valorizado”. mundo real fora da escola, afinal o lugar de aprendizagem 96 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 questões culturais locais, pertencendo a um determinado Miyashiro, R. T. (2011). Com design, além do design: os dois lados de um design gráfico com preocupações sociais. In M. d. Braga, O Papel Social do Design Gráfico (pp. 65-86). São Paulo: Editora Senac. Morais, R. in Hernández-Hernández, F., & Fendler, R. (Eds.). (2013). RAIZ, Local interests and global languages. 1st Conference on ArtsBased and Artistic Research: Critical reflections on the intersection of art and research (pp. 151-156). Barcelona: Universitat de Barcelona - Dipòsit Digital. Morais, R. (2012). Severance Class displacement for alternative paths of learning in a vocational graphic design course. 11th InSEA European Congress (p. 45). Lemesos: CySEA. Novembro 2014 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Raquel Morais |97 Morais, R., & Lopes, S. (2012). Sobre o livro Tipografia em Ambiente Urbano. A construção de um livro como um caminho alternativo de aprendizagem num curso profissional de design gráfico. 2a Conferência Internacional em Design e Artes Gráficas. Tomar: ISEC + IPT. Los desafios teóricos y metodológicos de la cultura popular en el arte educación en la escuela básica The theoretical and methodological challenges of popular culture in art education in basic education Papanek, V. (2007). Arquitectura e design. Ecologia e ética. . Lisboa: Edições 70,. Pilloto, S. (2008). Arte na educação: aspectos conceituais e metodológicos na contemporâneidade. Imaginar , 51, pp. 8-13. Rodrigues, F. (2011, Janeiro). Aprendizagem significativa e criatividade. Revista Imaginar (n 53), pp. 26-34. Edite Colares O. Marques [email protected] Tipo de artigo: Original Whiteley, N. (Outubro 1998). O designer valorizado. Arcos-design, cultura material e visualidade , I, pp. 63-75. RESUMO O presente artigo discute a inserção das festas tradicionais no ensino de arte, destacando os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa de pós-doutorado que busca articular as interfaces das práticas culturais populares encontradas em Fortaleza-BR e Porto-PT, com a finalidade de que, ao identificar traços análogos, contribua para fundamentar a compreensão de suas matrizes culturais, influências mútuas e a descoberta de um contato histórico e dialético, fenômeno que está prenhe de contradições e sujeito a transformações próprias do tempo no qual está inserido. Como forma de análise empírica visualizou-se as festas joaninas dentro da perspectiva de compreendê-las no quadro das manifestações da cultura popular de maior relevo nas cidades do Porto e de Fortaleza articulando-a ao REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de arte na educação básica contexto do ensino de arte na escola básica. Como resultado do perfil encontrado na referida festa popular tradicional faz-se uma reflexão sobre o conceito de identidade cultural apoiando-se em autores como: Hall, Woodward, Silva, Boas, Ortiz, dentre outros. Palavras-chave: Arte; Educação; Cultura Popular. RESUMEN Este artículo aborda la integración de fiestas tradicionales en educación artística, destacando aspectos teórico-metodológicos de una investigación que busca articular las prácticas culturales populares interfaces en Fortaleza-BR y PortoPT, a fin de que, mediante la identificación de rastros similares, contribuir para apoyar la comprensión de sus matrices culturales, las influencias mutuas y el descubrimiento de un dialéctico e histórico contacto, fenómeno que está lleno de contradicciones y sujeto a las transformaciones de la época en la que se inserta. Como una forma de análisis empírico se visualizó las fiestas joaninas dentro de la perspectiva de entenderlas en el contexto de las manifestaciones de la cultura popular más relevante en las ciudades de Porto y Fortaleza y la articulación con 98 | Raquel Morais | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? | Novembro 2014 Novembro 2014 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Edite Colares O. Marques |99 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 trava em tal fenômeno social em um conjunto que articula aspectos das interações travadas entre os sujeitos das A discussão que apresentamos se nos impôs quando nos defrontamos com a reflexão resultante da pesquisa de campo, el contexto de la educación artística en la escuela primaria. Como resultado del realizada ao abordarmos a questão da cultura popular e sua perfil de esta tradicional fiesta popular hemos por fin uma reflexión sobre el inserção no ensino fundamental. Tal problemática tem se concepto de identidade cultural apoyandose em autores como: Hall, Woodward, mostrado assente na proposição metodológica que toma as Silva, Boas, Ortiz, entre otros. práticas culturais de populações que se situam em realidade Palabras-clave: Art; Education; Cultura Popular. histórica e social, nas quais o popular e o tradicional são negados em seu valor de conhecimento acadêmico e escolar, buscando reconhecer-lhes, então, o estatuto de saber pertinente aos fundamentos de um ensino escolar de ABSTRACT highlighting theoretical-methodological aspects of the postdoctoral trying articulate the cultural practices popular interfaces found in Fortaleza-BR and Porto-PT, in order that, by identifying similar traits, contributes to support the understanding of their cultural matrices, mutual influences and the discovery of a dialectical and historical contact, phenomenon that is full of contradictions and subject to transformations of the time in which it is inserted. As a form of empirical analysis visualized the joaninas holiday inside the perspective to understand them in the context of manifestations of popular culture more relevant in the cities of Porto and Fortaleza articulating it to the context of the art education in elementary school. As a result of the profile found in the said traditional popular holidays makes a reflection about the concept of cutural identity supporting by altores as: Hall, Woodward, Boas, Silva, Ortis and others. Keywords: Art; Education; Popular Culture. tradições, para mencionar apenas reduzidos aspectos da grandeza deste fato formativo da cultura de uma comunidade, impossíveis de ser abordados apenas com base nas generalizações próprias ao método comparativo. Assim, como nos ensina Frans Boas, em sua Antropologia Cultural: “Em suma, antes de se tecerem comparações mais amplas, é preciso comprovar a comparabilidade do material”. (Boas, 2004, p. 32). O objetivo de nossa investigação é descobrir os ao aprofundamento dos estudos sobre a metodologia adequada à pesquisa em foco. Ao visualizar as festas populares como lócus privilegiado do popular e do tradicional em sua manifestação mais imbuída da vida comunitária envolto em momentos de celebração, reunião processos pelos quais as festas populares com seus ritos se desenvolveram, e as conexões que guardam com a educação dos mais jovens. Acreditando, com Boas, que “(...) quando se pode comprovar que há uma conexão histórica entre dois fenômenos, estes não devem ser aceitos como evidências independentes” (Boas, 2004, p. 33). e aprendizagens coletivas, optamos por este elemento Compreendemos que mesmo ao identificar uma como enunciado indispensável a um ensino de arte que se mesma matriz cultural, bem como as influências recíprocas responsabilize por levar às gerações atuais, uma iniciação e o contato histórico entre Portugal e Brasil nossa reflexão ao patrimônio cultural e, às vindouras, uma possibilidade deve-se pautar por uma fundamentação histórica e dialética de educação carregada da produção coletiva da arte da pela qual todo fenômeno está sujeito a contradições e humanidade em geral e de cada lugar em especial. transformações próprias do tempo histórico no qual está Reconhecendo o popular tradicional como inserido. momento de constituição da cultura de uma determinada Valemo-nos da convicção de que a ação do sujeito população e como ação-cultural comum a diversos povos, é fruto em grande parte das aprendizagens do meio no imaginamos articular as raízes das referidas práticas, qual está imerso, e dos quais a própria escola é parte encontradas em Fortaleza-Ceará e em Porto-Portugal, integrante, e por meio de suas atividades influencia o modo com a finalidade de observar traços culturais análogos, de ser e pensar do educando. Novamente chamamos Boas pressupondo que contribuamos com um olhar mais apurado para reforçar a ideia de que, “(...) o método que estamos sobre suas origens e como tais práticas se afirmaram em tentando desenvolver baseia-se num estudo das mudanças distintas culturas. dinâmicas da sociedade que podem ser observadas no Encarando, 100 | Edite Colares O. Marques | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Novembro 2014 de transmissão cultural, a renovação e manutenção das arte que esteja carregado de sentido e significado. Os primeiros achados da investigação levaram This article discusses the integration of traditional holidays in art education, práticas festivas em diferentes contextos, os procedimentos desta maneira, encontraremos REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 INTRODUÇÃO tempo presente” (Boas, 2004, p. 47) convergências em distintos métodos de pesquisa, ou seja, É flagrante, então, que este não se restringe a um ao projetar esta investigação pensamos em metodologia estudo comparativo, mas compõe-se também de um estudo comparativa, mas ao nos posicionarmos frente aos dados etnológico que colocará à disposição um material descritivo encontrados demo-nos conta da impossibilidade de e analítico das formas culturais festivas que deitam raízes alcançarmos as raízes mais profundas das relações, que se em um passado remoto e que ainda hoje se constituem em Novembro 2014 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Edite Colares O. Marques |101 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 a máxima isenção, motivando o entrevistado à participação artes tradicionais num projeto formativo que, ao identificar locus de acesso ao saber erudito, reafirmar, como o fez dos indivíduos à cultura na qual vivem e às influências das sem, contudo, influenciar suas colocações, ou utilizando o tempo destinado a este conteúdo de caráter tradicional Paulo Freire, que o saber escolar não pode prescindir do mesmas sobre a sociedade e a educação da sensibilidade. materiais secundários como recortes de jornal, com nos currículos escolares nos dois países e a forma como é universo cultural do educando e, ao mesmo tempo, afirmar reportagens pertinentes ao tema com o qual se estabelece ensinado, fomente a interação de saberes e práticas para a existência de uma cultura popular, reconhecendo sua um diálogo com outros interlocutores. um ensino de artes mais criativo e enriquecedor à formação singularidade e validade no ambiente educacional. O estatuto epistemológico desta pesquisa encontra assim desafios que colocam em xeque sua validade enquanto ciência da educação. Em outras palavras, preocupa-nos não Ao falarmos em método de pesquisa é a cultura popular tradicional como um receituário para importante dizer que mesmo buscando fundamento em práticas pedagógicas bem intencionadas, mas reconhecer metodologias distintas de investigação dos fenômenos, as manifestações festivas como rituais que acompanham tais metodologias tem uma mesma concepção teórica: a humanidade desde a mais remota antiguidade incluída histórico-crítica e dialética, vendo o sujeito como resultado como parte indispensável à formação sensível e humanística das relações socioeconômicas e culturais das quais participa de nossos estudantes. cotidianamente, mas entendemos que ao mesmo tempo Lançar mão dos variados recursos metodológicos de pesquisa qualitativa tornou-se, assim, um imperativo, digamos categórico. Voltamos nosso olhar para percursos traçados na antropologia com à metodologia etnológica, de onde pensamos em organizar uma recolha de práticas em que sofre a ação da história, através do processo de conscientização, deve procurar entender suas causas, de professores e alunos. Outro aspecto de grande relevância para a escolha da temática, festejos populares no ensino de arte, para a realização da presente pesquisa deveu-se à crença de que ao revestirem-se de padrões multiformes das linguagens artísticas tornam-se portadores de uma pluralidade cultural, ainda mais quando comparamos o encontrado em Fortaleza com o Porto, estratégia escolhida para fundamentação metodológica dessa investigação. desvelando as relações e conexões causais que as fazem ser assim hoje, e reconhecer as possibilidades de transformação destas mesmas relações em suas causas e efeitos. Como Helder Pacheco, em Tradições Populares do Porto “(...) defendemos, sobretudo, que o reencontro vital com a herança popular significa a subversão necessária à passividade criativa em que mergulhamos.” (Pacheco, 1985, p.14) Dentro da proposta deste trabalho adotaremos, de aqui em diante, o seguinte roteiro: relataremos festejos populares de São João em Porto/PT, e faremos algumas Compreendemos que as expressões culturais locais, ao mesmo tempo em que, identificam e dão sentido ao particular, projetam-se e articulam-se ao reflexões sobre tais manifestações e sua dimensão educativa, seja no ambiente escolar ou comunitário. É evidente que os estudos realizados das obras de diversos autores, aqui mencionados, são o pano de fundo sobre o qual vamos das festas populares de Fortaleza e do Porto e, para tal, nos Nossa tarefa primordial deve ser delimitar universal desde que captemos seus aspectos em comum utilizamos de meios variados como a fotografia, a filmagem claramente o objeto de estudo da pesquisa em questão, e suas diversidades. Existe, assim, nesta variedade de e a visita a espaços onde tais manifestações se fazem determinar a ordem dos fatos que a compõe para só aí poder manifestações, presentes (praças, parques e praias) e o lugar privilegiado procurar identificar caracteres comuns entre contextos só de identidade local (nacional), mas representativo do da educação (a escola) onde a festa demonstrou-se ainda suficientemente próximos em suas práticas sociais e envolvimento espontâneo e social, bem como da dimensão ausente ou distante, até a recursos do método biográfico, educativas. Ou seja, inicialmente, agruparemos situações dialógica que confere à arte uma função de práxis que a quando ao entrevistar o professor procuramos identificar sobre a mesma denominação, “festejos populares”, nas mesma significa. Ou usando das palavras de Elder Pacheco No Porto e em Fortaleza, os festejos joaninos são as ligações que o mesmo estabelece entre suas próprias duas comunidades pesquisadas, a fim de apresentar ao em Arte e Tradições em Barcelos: “Um dos fatores salientes considerados pela população em geral o mais tradicional e vivências culturais e aquelas que realiza em sua prática leitor um conjunto de fatos sociais capazes de identificar ou nas artes populares é o da concepção estética como uma são ansiosamente esperados. Nesta festa, a cidade do Porto docente. distinguir este fenômeno, enquanto processo de formação função socialmente actuante - os objetos intervêm na vida vê radicado o momento de celebração da vida comunitária, da sensibilidade e da sociabilidade em contextos educativos. quotidiana das pessoas.” (Pacheco, 1979, p. 18) e as ruas da cidade são tomadas por todos. É uma noite, Ficaria ao leitor, com certeza, uma dúvida sobre os características estético-funcionais compondo esta colcha de retalhos que ora expomos. não FESTAS JOANINAS 23 de junho, na qual se mantém vigília, pois o foguetório possíveis choques que a utilização de metodologias distintas Só após a descrição de festejos populares em poderia causar ao resultado desta pesquisa, indagação a Fortaleza e no Porto é que trataremos de categorias de qual nos antecipamos em responder afirmando que tal análises nas quais ambas as situações se identificam ou não, embaraço foi superado na medida em que as metodologias para na sequência projetar possíveis viabilidades destas empregadas confluem ao conceberem uma perspectiva de festividades em contextos educativos nos quais as mesmas pesquisa social que não restringe o objeto de conhecimento possam contribuir de maneira decisiva para o fortalecimento aos grandes acontecimentos, a história das elites, “(...) do ensino de arte nas séries iniciais do ensino fundamental. mas também a história enquanto memória coletiva do Propomos, assim que a arte-educação deva ser intervenção criativa no real. Desta maneira, a cultura popular Mas, ao contrário do que a maioria das pessoas trabalhada em contexto escolar, com o propósito de dar exprime-se como uma arte viva porque é essencialmente possa pensar, os fundamentos de tal prática popular têm Dessa maneira, as análises aqui foram elaboradas sentido às experiências estéticas de professores e alunos, útil e funcional já que serve ao homem que a produz. origem naturalística, como afirma Coelho: “(...) os costumes graças a uma grande variedade de instrumentos de coleta ampliando suas percepções quanto à riqueza cultural das de dados, sejam eles oriundos do acesso primário como na manifestações artístico-populares nacionais, no Brasil e em entrevista, que exige do pesquisador o cuidado de exercer Portugal; ou seja, verificar se faz sentido a recorrência às quotidiano (...)” ( Ferrarotti, 2013, p. 41) 102 | Edite Colares O. Marques | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Novembro 2014 Consideramos que situada histórica e socialmente, a arte popular constitui-se evidentemente numa perspectiva universal, pela ação transformadora que a mesma desempenha, não só por seu aspecto formal, mas na medida em que exprime a manifestação cultural da classe trabalhadora afirmando-se como consciência de classe e sua condição de produtora de cultura e possibilidade de REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 práticas culturais vivenciadas e transformadas com a reação Procuramos, com esta investigação, ao questionar o modelo hegemônico de prática escolar constituída como não deixa a cidade dormir. Assim, tal manifestação mantém ainda hoje práticas que estão enraizadas no passado como fruição coletiva de uma ação cultural que alimenta a identidade e o patrimônio cultural desse povo. Em Fortaleza não ocorre mais a mesma participação comunitária e sim em espaços mais fechados e privados populares têm suas raízes nos velhos cultos naturalísticos.” (Coelho, 1993, p. 274) Dessa maneira, práticas como acender fogueira, que no ano de 2013 ainda se pode assistir, nas Novembro 2014 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Edite Colares O. Marques |103 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 alho-porro ou martelinhos de plásticos para baterem nas Como se dá em outros estudos da área, não ou identidade em crise, todas frutos dos processos de fogueiras remontam à crença ancestral de que assim se cabeças uns dos outros. (Hoje, os martelinhos substituem pretendemos, estabelecer, aqui, afirmações conclusivas, mobilidade das mais variadas formas, seja pela migração, obtém influências benéficas sobre a saúde e se afugentam quase na totalidade os ramos de alho-porro e arruda, que mas tão somente contribuir para o debate sobre identidade colonização ou fluidez dos meios de comunicação de massa. malefícios. eram usados tipicamente para abençoar ou livrar do mal as cultural, apresentando elementos que foram elucidados Porém, o sujeito fala a partir de uma dada situação histórica, pessoas como que para abençoá-las). Caminham de um lado no momento da pesquisa sobre as manifestações artístico- social e cultural específica. para o outro e muitas churrasqueiras são postas às ruas para populares em Porto - Portugal e Fortaleza – Ceará no exato assar sardinhas que também fazem parte da tradição. Em momento em que tais práticas, para muitos, encontram-se muitos lugares da cidade as pessoas montam caixas de som em decadência, mas para a pesquisadora são marcadores e ouvem música e dançam em grupos de amigos. Também significativos de identidade cultural e representam para as são montados palcos em pontos estratégicos da cidade comunidades envolvidas fortes momentos simbólicos para onde se apresentam artistas locais, bem como dançam em a vida coletiva. Assim, na noite de São João, as pessoas ficam fora de casa até a madrugada, segundo Coelho: “(...) a fim de apanhar as orvalhadas, isto é, o orvalho sagrado desta noite que dá vida para longos anos (...)” (Coelho, 1993, p. 311). Isso faz parte desse conjunto de tradições que se perde nas brumas do tempo e dá sentido à vida. É essencial perceber que as festas, ditas hoje religiosas, têm origem nas manifestações relativas ao vínculo do homem à natureza, como no caso das festas joaninas fica patente a relação com o solstício de verão, pois que nas chamas da fogueira evidencia-se a íntima relação que estabelecem com o símbolo de origem representativo do sol, já presente nos cultos pagãos. O período joanino no Porto é muito rico em manifestações do universo tradicional. Ao passar pelas muitos pontos da cidade ao som de conjuntos musicais. Ao mesmo festejo a cidade de Fortaleza já se manifesta de forma privada, pois além de não mais envolver toda a cidade numa comemoração coletiva, mas em redutos restritos a grupos fechados, também suas quadrilhas, danças tradicionais deste período, correspondem hoje a um grande investimento turístico e comercial, para aqueles que participam, visto que se transformou em festivais competitivos e não mais em espaços e tempos de convivência desinteressada. ruas encontram-se nas calçadas muitas pessoas vendendo conhecimento geral que não se deve cheirá-la diretamente UMA REFLEXÃO INICIAL SOBRE A IDENTIDADE CULTURAL perfume através da pele das mãos. São acompanhados de Qual a importância de se aprofundar o conceito de identidade uma plaquinha que vem ficada na terra com uma quadra cultural nesse trabalho? Quando abordamos “identidade em homenagem a São João. Como exemplo, podemos citar cultural” já delimitamos aí um quadro de perspectiva a seguinte: histórico e socialmente definido, ou seja, pretendemos Anda o povo contente nos remeter a um conjunto de condicionantes de ordem Com o manjerico na mão histórica e não a um essencialismo biológico ao qual o É uma imensa alegria termo também pode remeter. Assim, nessa perspectiva, Na noite de São João a identidade vincula-se às condições simbólicas marcadas montas que ficam nas vitrines das lojas e são miniaturas da procissão a São João. Na véspera de São João, a cidade do Porto engalanase toda e espera-se ansiosamente o ponto alto da festa que são os fogos de artifício. À meia-noite dá-se o foguetório na ribeira e parece que toda cidade vem assisti-lo. São inúmeras pessoas caminhando pela ribeira e trazem à mão pelas práticas e relações sociais de um dado grupo que lhe confere sentido e os diferencia de outros. É necessário fazer, preliminarmente, a configuração de qual identidade estamos falando uma vez que o referido conceito é, como nos afirma Hall, “(...) demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova.” (Hall, 2011, p. 8) 104 | Edite Colares O. Marques | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Novembro 2014 identidade como uma necessidade do sujeito cognoscente de articular espaços interiores e exteriores, ou seja, entre o pessoal e o social. O indivíduo em formação estabelece para si e para o outro uma imagem com a qual se projeta no mundo e se constrói como parte de uma determinada comunidade. a nossas vidas e vamo-nos tornando aquilo que somos. A Mesmo ao constatar que hoje este perfil construído vivência cultural dá contornos à nossa identidade na medida pelo sujeito, sob diversas influências, é cada vez mais em que dando sentido às experiências coletivas torna impactado pelas informações das mídias sobre os eventos possível optarmos entre as várias identidades possíveis. sociais distantes, que se tornam, pela insistência dos meios Desta maneira, é correto afirmar que uma identidade se de comunicação de massa, muitas vezes mais presentes constrói à medida que somos expostos a crenças, ritos, do que os eventos da cultura local, acreditamos que a práticas sociais que pela repetição são reforçadas como referência das contextualidades locais é indispensável a pertinentes ou não. uma estabilização do sujeito quanto ao lugar que ocupa no universo social e cultural. pode ser um processo de escolha ou de falta de escolha. Uma vez que, se a comunidade local se abstiver de apresentar às novas gerações práticas próprias do lugar de e sim colocar as mãos nas folhas para então aspirar-lhe o Também, andando pelas ruas, é comum encontrar práticas sociais das quais participamos que damos sentidos Compreendemos então que a identidade cultural manjericos em pequenos jarrinhos. É uma planta que tem uma forma arredondada e um suave olor, mas é de É por meio dos significados engendrados pelas Nessa perspectiva social e educativa percebemos a onde o jovem olha o restante do mundo, fornecendo aos mesmos as referências capazes de identificá-lo à cultura local, a homogeneidade cultural promovida pela sociedade de mercado e de consumo o distanciará de tudo o que representa seus pares e familiares, aqueles que partilham o mesmo modo de ser e estar no mundo. É obvio que esta identidade cultural a que nos É visível que, com as mudanças produzidas pela “modernidade tardia”, os sistemas de significação multiplicam-se confrontando-nos com um número alucinante de informações e, como resultado, temos que mesmo as manifestações pertinentes às culturas locais veem-se invadidas por produtos massificadores de uma indústria cultural que descaracteriza em proveito próprio, de maneira desconcertante, os signos dos eventos sociais locais. referimos não é algo estático, mas constituída frente É certo que os interesses da indústria cultural as mais diversas influências e num mundo globalizado estão distantes do interesse das populações das aldeias ou são plurais e diversificadas as influências. Para Kathryn periferias das cidades do Porto ou de Fortaleza, como de Woodward, em Identidade e Diferença: “A homogeneidade tantas outras espalhadas pelo mundo afora. Quando uma cultural promovida pelo mercado global pode levar ao comunidade leva seus jovens a participar de ranchos típicos distanciamento da identidade relativamente à comunidade ou grupos etnográficos, seus objetivos são diametralmente e à cultura local.” (Woodward, 2012, p. 21) opostos ao de uma empresa fonográfica ao levar para Muitas são as formas de classificação que a identidade cultural recebe como: pluralidade, diversidade REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 comemorações a São João, bem como o costume de saltar milhões de lares a música mais recente gravada por ela. Aquele promove uma vivência cultural enraizada na vida de uma comunidade que celebra juntos a partilha do Novembro 2014 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Edite Colares O. Marques |105 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 O que nos parece claro é que mesmo as identidades O que viemos argumentando desde o princípio vida coletiva, enquanto uma gravadora vende um produto nacionais vêm se desmistificando enquanto unidade, já que deste estudo pode parecer utópico demais, mas realmente desenraizado capaz de agradar a todos exatamente pela o hibridismo das populações é uma realidade incontestável agimos no campo da utopia, não como algo, idílico ou banalidade ou alto teor de vulgaridade do seu produto. em todos os países. O que faz-nos conscientes de que a ilusório, mas como um povir, um vir a ser, aliás, muito identidade nacional hegemônica é representante de uma apropriado quando refletimos no campo da identidade que classe que detém o poder e que impõe sua versão da também se constrói dia a dia. Como nos lembra Kathryn história e uma representação da nação que não pode ser Woodward “(...)ao ver a identidade como uma questão de identificada a todos. Assim, argumentamos que é válido tornar-se” (Woodward, 2012, p. 29). Estamos conscientes em contexto educativo reforçar as identidades locais como da desproporcionalidade que representa nos opormos ao forma de resistência à homogeneização provocada pela processo de desenraizamento provocado pelos grandes globalização. conglomerados econômicos mundiais, mas não resta outra Como está amplamente visualizado em teorias sobre a identidade, este conceito surge no bojo das transformações sociais ocorridas desde a década de 60 do século passado em movimentos sociais que se opunham, segundo Hall, “(...) tanto à política liberal capitalista do Ocidente quanto à política estalinista do Oriente.” (Hall, 2004, p. 44) Assim surge o que veio a ser conhecido como política da identidade, uma identidade para cada movimento social, onde o pessoal é político e o que está em destaque é a humanidade. Por outro lado, o conceito de globalização amplamente usado no campo da cultura é na verdade originado no âmbito da economia uma vez que buscava a internalização dos mercados, facilitando as trocas de produtos aliados a multinacionalização de empresas que passam a operar em mercados internacionais. Constatamos assim que a apologia à globalização opção aos educadores que pensam em formar jovens mais Concordamos, então, com Hall ao constatar que: permanecem É evidente que, como afirma Ortiz, “tanto a escola fortes, especialmente com respeito a coisas como as tradições populares têm um âmbito de atuação como direitos legais e de cidadania, mas as restrito ao domínio regional ou nacional.” (Ortiz, 2000, identidades locais, regionais e comunitárias p. 165) mas temos clareza também que o mundo é um têm se tornado mais importantes. Colocadas espaço no qual se confrontam diferentes concepções e acima do nível da cultura nacional, as ideários humanos e cabe à escola como instituição voltada identificações “globais” começam a deslocar para o interesse comum, mesmo que numa luta desigual, e, algumas vezes, a apagar, as identidades travar este combate a bem do desenvolvimento de uma nacionais. (Hall, 2011, p. 73) mentalidade a favor da liberdade e da democracia. As identidades nacionais da cultura, que anda hoje tão presente no discurso corrente pelo qual não há interesse da juventude sobre a cultura local, mas antes uma ânsia por conhecer o externo, o mundialmente difundido, é uma resposta aos apelos da sociedade de mercado que ao fortalecer uma cultura homogeneizada vende seus objetos em maior escala. Em suma, existe uma vasta gama de posições acerca do conceito de identidade ligadas às noções de etnia, nação, gênero, espaços geográficos ou contextos históricos, mas interessa-nos aqui argumentar que diante do fenômeno educativo as questões relativas à identidade não nos podem passar despercebidas e que a opção que defendemos é a de que a escola enquanto partícipe de uma determinada comunidade busque “(...) recuperar a “verdade” sobre seu passado na unicidade de uma história e de uma cultura partilhadas que poderiam, então, ser representadas, por exemplo, em uma forma cultural como o filme, para reforçar e reafirmar a identidade (...)” (Woodward, 2012, p. 28). conscientes. A própria categoria identidade se constrói a partir Uma cultura mundializada, portanto, não exige das diferenças e das simbologias e rituais que se opta como a extinção das manifestações culturais locais, mas ao formas elementares pelas quais os sentimentos sociais contrário se alimenta delas e coabita na medida em que têm existência. Assim, identidade e diferença resultam de estas diversidades possam ser transformadas em produtos relações sociais de poder que, quer queiramos ou não, comercializáveis pela indústria cultural. povoam o espaço educativo através do processo de produção Em nossa pesquisa um bom exemplo deste fenômeno é facilmente percebido quando nos deparamos com o uso na cidade do Porto de martelinhos plásticos que vieram, na noite de São João, a substituir os antigos alhos que eram tocados nas cabeças dos transeuntes como forma de oferecer bons fluidos e de espantar o mal em se procede a uma espécie de benção. Ou seja, à indústria importa vender martelos plásticos e a população perde aos poucos os elos com esta tradição. 106 | Edite Colares O. Marques | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Novembro 2014 aos dias de hoje em matéria de ensino de arte. Neste momento nos preocupamos com o campo das manifestações tradicionais como indispensável à formação do indivíduo, não dizemos com isso que a cultura geral da humanidade não seja direito de todos. Reafirmamos que o patrimônio cultural da humanidade nos pertence, a todos, que de uma maneira ou de outra contribuímos para sua construção. Conhecer, respeitar, interagir com diferentes culturas é fundamental, bem como a História Geral da Humanidade ou da Ciências Naturais, mas como efeito de recorte teórico e metodológico escolhemos destacar o tradicional e o popular na educação em arte. Continuamos a afirmar que em arte podemos partir das manifestações populares para os demais conhecimentos. Quando pequenos, dos 6 aos 9 anos, nas séries iniciais do ensino fundamental, os brinquedos cantados, as danças, os contos e outras manifestações tradicionais podem introduzir todo o universo que exploram as diversas linguagens artísticas. Na cidade do Porto, assim como em Fortaleza, a escola anda ausente dos festejos populares. Nestes períodos de maior grandeza das festas, as escolas fecham para férias e sob esta justificativa não participam dos festejos populares das cidades. simbólica e discursiva onde se afirmam identidades que A maior festa popular, coincidentemente, em traduzem os desejos e modus vivendi de diferentes grupos ambas as cidades, Fortaleza e Porto, é o São João, e conta que se encontram, assimetricamente, situados em relação com o desprezo da escola em ambos os lugares. Em todos os ao acesso aos bens culturais criados, desenvolvidos e dois casos as férias são a justificativa para tal menosprezo. produzidos pela humanidade para toda humanidade e não para o lucro e benefício de poucos. É certo que se se administra a escola e a fábrica da mesma maneira, então é muito dispendioso pensar numa escola aberta à participação na festa de São João, na vida de nome de São João. Hoje quase ninguém mais se lembra do que representa este ato como forma simbólica na qual compreensão “global” é o passo metodológico necessário REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 quotidiano, a fertilidade da terra ou outros elementos da CONSIDERAÇÕES FINAIS seu povo, das comunidades onde está inserida. É mesmo na contramão da escola que estamos a O fundamento da expressão artística na escola deve caminhar, é uma aprendizagem significativa que queremos. ser a cultura local em articulação à cultura universal. Pretendemos somente que os contos locais, os ícones de Assim conhecer o universo local ampliando-o para uma cada povo, suas festas, suas manifestações e a expressão Novembro 2014 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Edite Colares O. Marques |107 mais peculiar recebam merecido destaque na formação em arte. Preocupados com as séries iniciais do ensino Uma experiencia educativa con el trabajo de mediación en las artes visuales: consideraciones iniciales An educational experience with the mediation work in the visual arts: initial considerations fundamental e o ensino de artes propomos que partamos das histórias locais e demais manifestações comunitárias como ponto de inicial para um conhecimento das artes e de suas expressões por nossas crianças nos primeiros anos do ensino básico. Ana Emidia Sousa Rocha [email protected] Grupo MITA/CNPq/UNIVASF Então cabe-nos questionar sobre qual contribuição traria uma maior participação da escola nos festejos da Tipo de artigo: Original cidade? Ou seja, como a escola deve se articular a estes momentos comunitários, sendo ela, como é, responsável pelo resguardo do patrimônio cultural de diferentes povos? RESUMO O texto pretende compartilhar a experiência no trabalho como mediadora em Referências Bibliográficas Boas, Frans (2004). Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Zahar. Coelho, Adolfo (1993). Festas, Costumes e outros Materiais para uma Etnologia de Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote. uma exposição realizada entre janeiro e março de 2013 na Galeria Ana das Carrancas, em Petrolina, Brasil. Apesar de atender o público em geral, o trabalho pretendeu criar e desenvolver atividades educativas com crianças em idade escolar, que corresponde à maior parte dos espectadores da exposição. Este trabalho consiste em um relato de experiência à qual cheguei a partir dos estudos sobre arte/educação em espaços não-formais. Inicialmente faço uma reflexão Ferrarotti, Franco (2013). Sobre a Ciência da Incerteza. Portugal: Edições Pelago Ltda. teórica sobre o tema. Posteriormente, relato a experiência como mediadora Hall, Stuart (2011). A identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A. (2005; 2009), Leite (2004), Nóbrega (2012), Iavelberg (2003) e Pillar (2008). Ortiz, Renato (2000). Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense. Pacheco, Helder (1979). Artes e Tradições de Barcelos. Lisboa: Edições Terra Livre. Pacheco, Helder (1985). Portugal Patrimônio Cultural Popular. O ambiente dos Homens. Porto: Areal Editores. Silva, Tomaz Tadeu (2012). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Stuart Hall, Kathyn Woodward. 12. Ed.- Petrópolis: Vozes. na exposição, de forma reflexiva. Para tal utilizo-me dos trabalhos de Barbosa REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações Além de haver recebido visitantes espontâneos, a exposição recebeu diversos grupos de crianças e adolescentes que participaram das atividades educativas. As atividades foram realizadas em consonância com a faixa etária de cada grupo: jogos, desenho, bate-papo etc, além da leitura imagética. Palavras-chave: Arte/educação; Mediação educativa; Educação em espaços nãoformais. RESUMEN El texto tiene como objetivo compartir la experiencia en el trabajo como mediador en una exposición celebrada entre enero y marzo de 2013 en Galeria Ana das Carrancas, em Petrolina, Brasil. Aunque respondiendo al público en general, la labor encaminada a crear y desarrollar actividades educativas con los ninõs de edad escolar, que corresponde a la mayoría de los espectadores De la exposición. Este trabajo consiste en uma cuenta de relato de experiencia desde estúdios de arte y educación en espacios no formales. Inicialmente hago uma reflexión teórica sobre ele tema. Relato posteriormente la experiencia como mediadora 108 | Edite Colares O. Marques | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica | Novembro 2014 Novembro 2014 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Ana Emidia Sousa Rocha |109 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 O interesse por educação em espaços não-formais surgiu para mim no início do curso de Licenciatura em Artes Visuais. Isso porque, a experiência como professora Olhando a definição para mediação no dicionário encontrei: “1- Intercessão, intervenção”1. Mediar seria, então, fazer intervenções para que a obra de arte e o espectador se aproximem e interajam. Diversos pesquisadores têm discutido sobre o tema: o que é, como en la exposición de forma reflexiva. Para ello utilizo las obras de Barbosa (2005; em escolas públicas e privadas, desde 1998, fez com que 2009), Leite (2004), Nóbrega (2012), Iavelberg (2003) y Pillar (2008). Además de adquirisse algum conhecimento sobre educação escolar. haber recibido visitantes espontaneos, la exposición ha recibido vários grupos No entanto, gostaria de saber como acontece o ensino e a de niños y adolescentes que participaron en las actividades educativas. Las aprendizagem em instituições de ensino não-formal. a mediação em espaços expositivos como um processo atividades se llevaron a cabo en consonância com la edad de cada grupo: juegos, dibujar, chatear etc, además de leer las imágenes. A partir de estudos no Grupo de Estudos Arte na acontece, para que serve a mediação. Estudiosa do tema, Martins (2003, p. 56) concebe rizomático: [...] num sistema de relações fecundas e complexas Educação Infantil, o foco do meu interesse pendeu para a que se irradiam entre o objeto de conhecimento, o Palabras-clave: Arte y educación; Mediación educativa; Educación em espacios mediação em espaços expositivos. Também passei a dar aprendiz, o professor/monitor/mediador, a cultura, no formales. mais atenção à ação dos mediadores nas exposições que a história, o artista, os modos de divulgação, as visitava. especificidades dos códigos, materialidades e ABSTRACT The text aims to share the experience on the job as a mediator in an exhibition held between January and march 2013 at Ana das Carrancas Gallery, Petrolina, Brasil. Although answering to the general public, the work intended to create and develop educational activities with children of school age, which corresponds to most of the viewers of the show. This work consists of an account of experience suportes de cada linguagem artística. Em 2013 tive a oportunidade de integrar a equipe de mediadores de três exposições artísticas e uma exposição histórica, que me proporcionou a experiência prática que contribuiu para meus estudos com algumas respostas e inúmeras dúvidas e inquietações. Essas atividades têm contribuído para minha formação docente e me levado à reflexão sobre como a educação em instituições culturais são consideradas diante da arte/educação. que várias questões se entrelaçam e cada uma pode ser a inicial, puxando outras. mediator in the exhibition of reflective form. For this I use the works of Barbosa (2005; 2009), Leite (2004), Nóbrega (2012), Iavelberg (2003) e Pillar (2008). In addition to having received spontaneous visitors, the exhibition has received mediação explícita e a mediação implícita, que são definidas da seguinte maneira: A mediação explícita é aquela em que há da obra [...] na qual o trabalho de mediação é realizado por arte-educadores que desenvolvem 1. O que vem a ser a mediação activities. The activities were carried out in line with the age range of each group: instigar e estimular os sentidos, deixando-os receptíveis a games, drawing, chat etc, besides reading imagery. outras formas de organização e apresentação do mundo spaces. intencionalidade de subsidiar o sujeito na recepção Aporte teórico various groups of children and adolescents who participated in educational Keywords: Arte/education; Educational mediation; Education in non-formal metodologias para introduzir o público no universo da obra e para aplicar atividades após a experiência Uma das atribuições dadas à Arte é a de provocar, estética. [...] Na mediação implícita, os elementos de mediação (Canton, 2009, p. 12) durante a experiência estética. se encontram camuflados, pois a intencionalidade Essa interação oferece a oportunidade de construção de de intermediar o acesso a obra não é direta. significados pelo espectador, que é o principal nessa relação Entretanto, esses elementos também são constituintes e influenciadores da experiência (Leite, 2004, p. 30). estética (Nóbrega, p. 3-4). Nessa atividade cada pessoa parte do seu lugar, seus conhecimentos, seus referenciais e seu repertório de significações para entender a imagem que lhe é apresentada. citados a subjetividade de cada indivíduo e o contexto onde O papel da mediação é, então, auxiliar nessa interação, instigando à construção de sentido diante da obra de arte. 110 | Ana Emidia Sousa Rocha | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Novembro 2014 Em trabalho sobre o tema, Nóbrega (2012) averigua como a mediação se dá e encontra dois tipos: a to which I got from art studies education in non-formal spaces. Initially do a theoretical reflection on the topic. Subsequently report the experience as a Ou seja, não existe centralidade, é um processo em REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Introdução Como elementos da mediação implícita, podem ser 1 Melhoramentos: minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1997. Novembro 2014 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Ana Emidia Sousa Rocha |111 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 3). O ensino de arte contemporâneo formal e não-formal Social do Comércio – SESC, de Petrolina, Pernambuco, pode utilizar-se da oralidade ou da ludicidade como meio. baseia-se neste pressuposto. Brasil. A galeria foi fundada em 2009 e desde então recebe reuniões de planejamento, buscando atividades que exposições de artistas de relevância regional e nacional. O se adequassem aos grupos recebidos e aos visitantes espaço consiste num salão grande e retangular e uma sala isolados. Recebemos material educativo utilizado em avarandada que serve como recepção. Ambas oferecem outras exposições que a galeria havia recebido e algumas lugar para uma conversa e a realização de atividades com os informações sobre a exposição e o artista. Tivemos uma visitantes. conversa com o artista que foi muito salutar para o trabalho A ação educativa da mediação visa ampliar a Ser arte/educador implica ter uma clara intenção sensibilidade estética, ou seja, ali acontece parte do educativa que esteja presente nas ações de quem educa processo e não todo ele. O público de uma exposição de para que o processo ensino/aprendizagem tenha sentido. arte tem uma experiência estética anterior que acontece num contexto cultural específico: no quotidiano doméstico, na escola ou outros. Ler obras de arte é parte fundamental da experiência estética. Para operacionalizá-la a criança (ou o adulto) sentirá a necessidade de buscar informações Como ação educativa, as atividades de mediação registradas mentalmente a partir de sua experiência são planejadas para possibilitar uma experiência de doméstica, escolar e outras desenvolvidas nos diversos aprendizagem no espaço expositivo, relacionando os espaços culturais em que interage. objetos, o espaço, a temática. O que pode ser feito com um conjunto de ações que englobam atividades de fruição, de contextualização e de produção. Esse planejamento é específico para tal contexto, afinal, os espaços expositivos não são salas de aula e nem oficinas de arte, eles têm uma dinâmica própria: são os lugares onde se vê e se pensa sobre arte (Ott, 2005, p. 114). O contato com as obras de arte e O exercício do olhar é fundamental para que se chegue a ver, uma rápida olhada não conduz à compreensão porque não permite a leitura. Além disso, a arte contemporânea suscita desafios e dúvidas do observador (Frange, 2008, p. 36), demandando tempo para ser experienciada devidamente e produzir conhecimento. a experimentação oferecida pela mediação visa ampliar o universo estético e o conhecimento do público. Leite (2004, p. 30) afirma que “a escuta deveria ser a base para a mediação”. Apesar de dar as informações necessárias e solicitadas, o mediador não tem todas as respostas, pois parte importante do conhecimento sobre cada trabalho exibido está na interação que o público Para compreender a imagem é necessário “ver construtivamente a articulação de seus elementos, suas tonalidades, suas linhas e volumes” (Rizzi, 2008, p. 81). Não se trata de adivinhar o que o artista quis dizer, mas de compreender aqueles elementos presentes na obra e sua relação com a cultura, com a vida, enfim, é preciso contextualizá-la. estabelece com a obra. Por isso é importante escutar. O mediador não é um explicador, a ele cabe melhor o papel de emancipador (Rancière, 2002, p. 18; 108-14). Aprender a olhar de maneira diferente ajuda a ver a obra de arte e a obter conhecimento. Ensinar não é dar informações sobre as obras é, sim, ajudar a encontrá-las. Para aprender é preciso ser agente, ser ator ao invés de ser receptor. 2. Arte/educação em espaços de educação não-formal A partir da década de 1980 o ensino de arte passou a considerar outros aspectos da arte além da expressão, a arte passou a ser considerada como cultura e conhecimento, de acordo com as investigações de Barbosa (2005, p. 12- Geralmente as escolas agendam as visitas de acordo com o horário das aulas e a conseqüência disso é uma rápida visita de, no máximo, uma hora. Dessa forma não há tempo suficiente para se realizar a leitura de um conjunto de 20 obras, por exemplo. Esse fato reforça a ideia A mediação foi realizada na Exposição Pneumática durante os meses de janeiro a março de 2013 pela equipe formada pelos mediadores Delson Lopes, Ana Emidia e das obras e realizar uma atividade a partir delas. Relato de experiência adquirido na Licenciatura em Artes Visuais foram Pneumática é uma exposição de esculturas infláveis de papel de seda inspirados nos balões que o artista pesquisou no Rio de Janeiro desde os anos 80. As obras exploram a tecnologia, o lúdico e a tradição dos Acredito que essas informações e o conhecimento extremamente importantes para minha atuação como educadora nessa exposição, saber como o artista trabalhava fez-me entender como a obra funcionava e ajudou a elaborar minha abordagem aos visitantes. balões e recriam elementos dos contextos culturais dos quais o artista participa, como as pipas e as festas de São p. 75) afirma que é preciso saber trabalhar com públicos João. diversos nesses espaços quando se pretende atender As esculturas são obras de Paulo Paes, artista paraense erradicado no Rio de Janeiro. Participou de várias Sobre atendimento ao público, Iavelberg (2003, uma larga faixa da população, incluindo crianças, jovens e adultos. O que pude constatar na prática. exposições coletivas e individuais e tendo produzido outras obras inspiradas na pesquisa sobre os balões. foi possível verificar que os adultos sentiam-se mais à O público dessa exposição constituiu-se principalmente de estudantes do ensino fundamental da cidade de Petrolina, mas também de estudantes da educação infantil e ensino médio. Sendo a galeria parte dos serviços que o SESC oferece a seus associados, também recebíamos comerciantes e suas famílias. Durante o período de atuação como mediadora, vontade ao olhar as obras com mais autonomia, ou seja, sem a proximidade de um mediador. Depois de observar o conjunto, a maioria dos visitantes recorria ao mediador para tirar dúvidas sobre o artista, fazer questionamentos sobre a obra exposta e falar de suas impressões, era nesse momento que a mediação acontecia com esse público. Por outro lado, com as turmas de estudantes a visita sempre começava com a fala do mediador com 2. A mediação na Exposição Pneumática algum questionamento sobre a exposição. Era possível Mediar está longe de somente dar informações ter uma conversa com as turmas antes de entrarmos no sobre as obras, é como ampliar olhares, permitir salão, sempre perguntava sobre experiências prévias com contrapontos. Antes da abertura da exposição li muito sobre exposições e obras de arte. o Paulo Paes e sobre o trabalho educativo em galerias e fosse realmente aquilo que eu acreditava. 112 | Ana Emidia Sousa Rocha | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Novembro 2014 como educador. SESC Petrolina André Vitor Brandão. museus. Também fiquei tentando pensar em atividades que então relatada é a Galeria Ana das Carrancas, do Serviço seda desde a década de 1980, sua poética e seu trabalho 1. Contextualizando O espaço expositivo em que aconteceu a experiência porque soubemos de seus estudos sobre balões e papel de Candyce Duarte e pelo instrutor de atividades artísticas do de que para a experiência ser completa não é necessário ver todo o conjunto da exposição. É possível selecionar parte Como preparação para a mediação aconteceram REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 ocorre a atividade. Vale ressaltar que a mediação explícita pudéssemos realizar com as crianças para que o trabalho No salão deixava que primeiro observassem as obras, circulassem entre elas. Enquanto isso, ia conversando com algumas crianças sobre a exposição e aproveitava para conhecer mais sobre a turma. Depois de algum tempo, Novembro 2014 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Ana Emidia Sousa Rocha |113 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 que eles tinham gostado mais e porquê; como poderiam pela qual passei, tendo participado em mais três exposições sobre o que elas viram. recriar uma daquelas obras, que outro material e dimensão como mediadora na mesma cidade. Citando Iavelberg (2003, Carrancas contribuiu de forma valiosa para minha formação poderiam utilizar; qual das esculturas eles gostariam de ter p. 78), “A identidade do ‘educador de museu’ criador, se como arte/educadora. em casa. constrói, como a do artista, ao longo da vida, para alcançar valiosas é a de que um mediador precisa estar preparado maturidade e plenitude”. todos os dias, tanto em conteúdo, quanto em atividade Percebi que as crianças eram bem expansivas diante das obras, falavam o que pensavam sobre elas, faziam perguntas espontaneamente e sempre queriam tocar os trabalhos. O tato de todos era altamente requisitado cera, canetinhas e lápis de cor para que cada um pudesse pelas esculturas translúcidas e agigantadas, de silhueta fazer um desenho relacionado à exposição. Antes, porém, exposições, participei também de atividades formativas sinuosa, mas para as crianças, ainda não conformadas instigava-os a dizerem o que eram aquelas peças que para esse trabalho. Percebo que cada ação elaborou pelo comportamento aceitável socialmente, era mais difícil estavam ali enchendo o salão, como elas tinham sido feitas, essas atividades de maneira particular, com objetivos e resistir. Desta forma, precisava ter cuidado redobrado com com que objetos ou seres eles poderiam associá-las, qual metodologia diferentes. as crianças para que não tocassem as peças. chamava mais a atenção, perguntava sobre as cores e as As visitas eram previamente agendadas pelas Com as turmas menores utilizávamos papel, giz de formas geométricas presentes nas obras. Tendo participado como mediadora em algumas Na primeira experiência, foram realizadas reuniões para apresentação dos trabalhos a serem expostos, do professoras, no entanto, muitas turmas não tinham noção Impressionantemente a maioria das crianças material educativo (produzido por uma consultoria) e do que estavam fazendo ali ou o teor da exposição. Refleti pequenas sentia-se atraídas pela maior obra, que eles do espaço disponível; tivemos uma tarde com o artista e muito sobre o que diz Lanier (2005, p. 47), que para diziam ser “gorda” ou “fofa”, um menino chegou a dizer que parte da equipe da exposição; por fim, uma reunião para aproveitar uma experiência estética e aquilo que ela pode queria abraçá-la. Quanto aos adultos, alguns comentaram propostas de atividades de mediação a serem utilizadas, oferecer é necessário que a pessoa tenha noção sobre o que experimentavam uma sensação de leveza e flutuação entre as quais: jogos, confecção de objetos, produção de que está experienciando. Mas também é necessário que os enquanto estavam no salão. Outras disseram que as obras desenho. educadores estejam preparados para fazer essa condução ficariam melhores se expostas ao ar livre. Da mesma e a maioria dos professores que foram à galeria com seus forma, adultos e crianças percebiam e interagiam de forma alunos não tinham formação em arte. diferente com as esculturas, o que exigiu de mim atuações Foi possível utilizar materiais com os estudantes diferentes e adequadas às possibilidades de cada grupo. como parte da atividade mediativa. Para as turmas de 5° ao Grande parte dos adultos estava interessada em 9° ano utilizávamos um jogo de cartas com metade das cartas receber informações e até explicações sobre as obras. contendo perguntas e a outra metade as respostas. As cartas Percebi que as pessoas entravam com os folhetos nas mãos, podiam ser utilizadas de várias formas: às vezes eu lançava alguns liam, outros nem abriam. Lembrei de uma fala de as perguntas e deixava que respondessem livremente; Barbosa, sobre a opinião de mediadores de um museu outras pediam que procurassem as cartas com as respostas, nos Estados Unidos, que as pessoas querem apenas um ou as usava como um dominó. Esse jogo ultrapassava os souvenir. Será? Será que a leitura de informações sobre o aspectos objetivos das obras, contextualizando histórica, trabalho exposto é considerada supérflua pela maioria? cultural e cientificamente os objetos apresentados ali. Vemos somente aquilo que nossa compreensão permite, além disso, captamos apenas algumas informações visuais numa imagem, aquelas com as quais estamos acostumados. Para ver decodificamos signos de uma cultura e tentamos interpretá-los a partir dos conhecimentos construídos quotidianamente (Iavelberg, 2003, p.76). Desta forma, propunha às turmas que observassem a técnica curso de oito horas, no qual foram apresentadas a biografia e os trabalhos relevantes de cada um dos artistas com obras na exposição. Além de cansativo, não foi muito construtivo. Para a terceira e quarta exposições, recebi, somente, uma lista de informações sobre os objetos expostos somente. Não perco de vista que a experiência à qual me refiro neste texto foi a primeira, sendo assim, tenho consciência de que o trabalho não teve a perfeição desejada, mesmo tendo sido desempenhado com a seriedade exigida pela arte/educação. empregada pelo artista, as figuras que compunham as obras, A experiência prática é extremamente necessária a forma, a textura, a cor, o volume. Procurava perguntar do na formação docente e essa foi a primeira etapa formativa 114 | Ana Emidia Sousa Rocha | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Novembro 2014 Algumas destas experiências foram ineficazes para o desenvolvimento do trabalho. Acredito que o problema ultrapasse a carga horária reservada para a formação e atinjam a concepção de mediador que a instituição ofertante propaga. O que aprendi como educadora: Para a segunda exposição foi oferecido um mini- Devido a insuficiência das atividades formativas, eu, como outros educadores, procuro outras maneiras de ampliar meu conhecimento acerca da área de atuação. Posteriormente, participei de um mini-curso de Mediação Inclusiva de oito horas, com Andreza Nóbrega, oferecido pelo SESC, por exemplo. Constato que se faz necessário ter clareza na construção dos programas de formação para mediação, considerando que esta é uma forma de educação em arte também. Acredito que o trabalho na Galeria Ana das Uma das aprendizagens mais para conseguir atender turmas variadas. É necessário haver um planejamento do que será realizado, saber conduzir a atividade, mas, ao mesmo tempo, saber escutar, estar atenta ao conhecimento prévio e às necessidades que cada grupo traz. Referências: BIBLIOGRÁFICAS Barbosa, A. M. (2009). A imagem no ensino da arte: anos 80 e novos tempos. São Paulo: Perspectiva. ________. (Org.) (2005). Arte-educação: leitura no subsolo. 6 ed. São Paulo: Cortez. Canton, K. (2009). Do moderno ao contemporâneo. São Paulo: WMF Martins Fontes. (Col. Temas da arte contemporânea) REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 convidava a turma a sentar em círculo onde conversávamos Frange, L. B. (2008). Arte e seu ensino, uma questão ou várias questões? In: Barbosa, A. M. (Org). Inquietações e mudanças no ensino da arte. 5 ed. pp. 35-47. São Paulo: Cortez. Iavelberg, R. (2003). Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed. Lanier, V. (2005) Devolvendo arte à arte-educação. In: Barbosa, A. M. (Org). Arte-educação: leitura no subsolo. 6 ed. pp. 43-55. São Paulo: Cortez. Leite, M. I. (2004). Museu de arte: espaço de educação e cultura. In: Ostetto, L. E., Leite,M. I. (Orgs.). Arte, infância e formação de professores: autoria e transgressão. Campinas: Papirus. [mimeo]. Martins, M. C. (2008). Conceitos e terminologia. Aquecendo uma transforma-ação: atitudes e valores no ensino de arte. In: Barbosa, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino de arte. 4. ed. p. 49-60. São Paulo: Cortez. Nóbrega, A. (2012). Mediação inclusiva: a áudio-descrição abre as cortinas do teatro para a pessoa com deficiência visual [CD-Ro om]. In: Arte/Educação: corpos em trânsito: anais do XXII Congresso Nacional da Federação de Arte-Educadores do Brasil. São Paulo: UNESP – Instituto de Artes. 29 Out.-02 Nov. 2012. Ott, R. W. (2005). Ensinando crítica nos museus. In: Barbosa, A. M. (Org.). Arte-educação: leitura no subsolo. 6 ed. pp. 113-141. São Paulo: Cortez. Novembro 2014 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Ana Emidia Sousa Rocha |115 Pillar, A. D. (2008). A educação do olhar no ensino da arte. In: Barbosa, A. M. (Org). Inquietações e mudanças no ensino da arte. 5 ed. pp. 71-82. São Paulo: Cortez. Rancière, J. (2002). O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica. ¿Por qué copiar a Leonardo? La Enseñanza del Dibujo como inscripción de una Potencia e la construcción de las subjetividades Why copying Leonardo? The Learning of Drawing as the inscription of a Potentiality and the construction of subjectivities Magda Silva Rizzi, M. C. do S. (2008). Caminhos metodológicos. In: Barbosa, A. M. (Org). Inquietações e mudanças no ensino da arte. 5 ed. pp. 63-70. São Paulo: Cortez. Magda Silva I2ADS, Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade Faculdade de Belas Artes – Universidade do Porto Doutoranda em Educação Artística Tipo de artigo: Original Artigo baseado em Tese de Mestrado, Entre desenhos-daninhos: A Inscrição da Potência, apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e à Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, em 2013. RESUMO Neste artigo procuramos configurar uma plataforma de discussão com as práticas letivas privilegiadas no Ensino de Desenho A, na Escola Secundária Portuguesa. Expondo estas enquanto práticas discursivas que exercem efeitos produtivos REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades sobre os seus sujeitos, sublinhamos a construção das subjetividades dos alunos, enquanto aprendizes de desenho. Assim, se as aprendizagens se pontuam pela predominância de determinados tipos de exercícios, identificamos nas práticas letivas a convergência por uma potência de Desenho, que não é mais do que o campo de possibilidades previsto pelo programa da disciplina, e um determinado estado de desenho a atingir. Neste sentido, o conceito aristotélico de potência, a leitura contemporânea do mesmo por Agamben (1993, 2006, 2007), e o conceito de tecnologias do eu de Foucault (1988), articulam-se no problema que aqui se procura desenvolver: A inscrição de uma racionalidade específica que produz a forma como os alunos se passam a ver a si mesmos e ao desenho. Palavras-chave: Potência; Desenho A; sujeito; subjetivação; Escola Secundária. RESUMEN En este artículo buscamos configurar una plataforma de discusión con las prácticas lectivas privilegiadas en la Enseñanza del Dibujo A, en la Escuela Secundaria Portuguesa. Exponiéndolas en cuanto practicas discursivas que ejercen efectos productivos sobre sus sujetos, destacamos la construcción de las subjetividades 116 | Ana Emidia Sousa Rocha | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Novembro 2014 Novembro 2014 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades| Magda Silva |117 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 mesmo a tentativa árdua de reproduzir aquele modelo atendendo aos seus aspetos estético-formais. Querer-seia naquele movimento de desenho pedir de empréstimo a mão de Leonardo? Se o maior génio de todos os tempos de los alumnos como aprendices de dibujo. Por lo tanto, si los aprendizajes se se encontrava ali fotocopiado, era por demais evidente que puntúan por el predominio de determinados tipos de ejercicios, identificamos cada aluno se debatia por assemelhar a sua mão e o seu en las prácticas lectivas una convergencia por una potencia de Dibujo, que no gesto, à mão e ao gesto de um génio. De alguma forma, a es más que el campo de posibilidades previsto por el programa de la disciplina História e o Desenho, estavam ali presentes, e os trabalhos (que ofrece el plan de estudios), y un determinado nivel de dibujo a alcanzar. En produzidos eram citações dessa longa e íntima relação… este sentido, el concepto aristotélico de potencia, la lectura contemporánea del O aluno que referi, abandonou o desenho de mismo por Agamben (1993, 2006, 2007), y el concepto de tecnologías del yo de Leonardo e avançou para outro, seu. Eu afinal não soubera Foucault (1988), se articulan en el problema que aquí se busca desarrollar : La inscripción de una racionalidad específica que produce la forma en la cual los alumnos pasan a verse a sí mismos y al dibujo. Palabras-clave: Potencia; Dibujo A; sujeto; subjetivación; Escuela Secundaria. dar-lhe uma resposta ‘motivadora’. Leonardo da Vinci, Estudo para o Monumento Trivulzio c.1508-1511 pena e tinta sobre pedra negra INCITAÇÃO INICIAL ABSTRACT O estudo que conduziu a este artigo foi efetuado no decurso de um estágio pedagógico de um ano letivo In this paper we seek to configure a platform for discussing the drawing teaching realizado numa Escola Secundária do Porto, em Portugal. practices in the Portuguese Secondary School. Exposing them as discursive Deste, recordo um breve episódio vivido numa aula practices that produce effects on their subjects, we emphasize the construction dedicada a um exercício de cópia de um desenho de of students’ subjectivities as apprentices of drawing. Thus, if the learning is Leonardo da Vinci. A seu propósito, um aluno perguntou- punctuated by the predominance of certain types of exercises, we identify, me o motivo pelo qual teria ele que desenhar aquele cavalo. within the teaching practices, a kind of potentiality relating to drawing, that is Pese embora a ironia e a resposta tipificada que lhe ofereci, no more than the field of possibilities provided by the curricular discourse, and recordo este como um episódio impactante, perante o a certain state of drawing to be achieved. In this sense, the Aristotelian concept qual a tentativa de uma resposta plena, suporia uma longa of potentiality, its contemporary reading by Agamben (1993, 2006, 2007), and conversa e um necessário questionamento àquele ato de the Foucaultian (Foucault, 1988) concept of technologies of the self, articulate cópia. Será assim tão evidente conceber o lugar da cópia the problem that is here discussed: the inscription of a specific rationality that numa aula de desenho? produces how students come to see themselves and the drawing. Keywords: Potentiality; Drawing; subject; subjectivation; Secondary School. Na verdade, a resposta que havia improvisado para que o aluno prosseguisse com o seu exercício – uma vez que esse era o meu dever –, levar-me-ia, mais tarde, a pensar no quão difícil pode ser perceber por que motivo de facto aquele é um exercício tão natural de se conceber em aula, se procurarmos pensar um pouco além da sua indicação na sugestões metodológicas do Programa de Desenho A. Era porém naquela concreta aula, que tomado pelos alunos como mera representação de um cavalo, aquele desenho ocupava no olhar destes a função inerte de uma qualquer 118 | Magda Silva | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades | Novembro 2014 A PEDAGOGIA DA POTÊNCIA O presente artigo não pretende outra coisa senão a de expor uma reflexão. Esta não se possibilitaria porém REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 imagem a copiar. Na verdade, o que importava ali, era sem ter sido realizada uma investigação ao longo de um ano letivo, onde observei e participei em aulas de desenho com uma turma de artes visuais, tendo, por princípio, dedicado a minha atenção aos processos de ensino e aprendizagem do desenho, tanto quanto possível a partir das perspetivas dos alunos (Silva, 2013). Assim, através de diálogos e de discussões de grupo com os alunos, assim como um trabalho sistemático de análise documental, não apenas se produziu um trabalho académico, mas um campo de possibilidades por onde pensar o ensino de desenho através do reconhecimento de uma articulação muito sensível entre o que é a dimensão ontológica inscrita nessa disciplina e o universo humano a que se destina pedagogicamente. Deste modo, o que trago neste artigo, é o desejo de tornar a escrever e pensar alguns recortes dessa experiência. A teoria é por isso um lançamento necessário onde se busca nutrir o pensamento. Assim, o episódio referido atrás não pretende outra coisa senão incitar a uma reflexão que bem além de um exemplo como o dado, um exemplo de cópia, pretende colocar em discussão, não necessariamente a forma como o ensino do desenho na escola secundária se processa, mas até que ponto podemos perceber, ao nível do que Novembro 2014 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades| Magda Silva |119 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 entender que tal advém, em primeiro lugar, da potência-de- de desenho ser objeto de um processo de subjetivação aquisição de uma imagem contornada por determinadas aprender que o aluno necessariamente trará consigo, como enunciado previamente no formato de uma literatura funções e atributos. Nesse sentido começo por buscar o o próprio Aristóteles poderia dizer. curricular que o antecipa em função de uma potência, dita A POTÊNCIA DE SER-SUJEITO: TECNOLOGIAS DO EU Se o ponto central da investigação que transporto conceito de potência, que pela via agambeniana (Agamben, Assim, entre a escrita ou a não escrita sobre as 2006, 2007), me propicia viajar no tempo para o perceber tabuinhas dos sujeitos, permitamo-nos imaginar as práticas Com efeito, na disciplina de Desenho, se o percurso que os alunos são sujeitos, enquanto alunos de desenho, na fala de Aristóteles, repensando uma sua metáfora, que, a escolares, ou disciplinares, como meios de inscrição de pedagógico do aluno decorre de um processo de aquisição é-nos requerido olhar o programa e perceber que no propósito da escola e do desenho permite diversos sentidos. determinados discursos curriculares, que transportam no de especificidades e do domínio das potencialidades mesmo se recorta o perfil de uma determinada figura de No século IV a.C., Aristóteles utilizou a metáfora seu íntimo perfis subjetivadores. Neste sentido o conceito previstas pelo Programa, tal aquisição é, à luz da potência, aluno, produto necessário dessa herança articulada entre a de uma tabuinha para se referir à mente humana e à de subjetividade a que me reporto requer o reconhecimento semelhante a uma inscrição na tabuinha do sujeito, e dessa escola, o desenho e a interioridade do sujeito (Penim, 2003; capacidade que cada um de nós tem, sobretudo, de pensar. de processos de subjetivação (Foucault, 1988), decorrentes forma podemos entender o poder inscrito no Programa Martins, 2012). Assim, muito embora o conceito tenha viajado através dos de um poder produtivo, uma vez que as condicionantes da como produtor da subjetividade do aluno, enquanto séculos e sofrido a responsabilidade de um determinismo formação dos indivíduos não são dados necessariamente aprendiz daquele saber. largamente condicionador, encontramos a partir da leitura naturais, mas produzidas por relações de poder, que se Desta forma, em Desenho, é sobretudo a eficácia olhar o programa de desenho, partindo de tecnologias contemporânea de Agamben (2006, 2007), a possibilidade traduzem na conduta e no pensamento dos indivíduos. dos desenhos produzidos – maioritariamente desenhos de de subjetivação (Foucault, 1988). Esse olhar permitir- de repensar essa mesma tabuinha. Proponho então, Assim,“O conceito de sujeito, para Foucault, é a encarnação observação – que coloca os alunos em confronto com essa nos-á perceber a dimensão ontológica da figura ideal de através desta metáfora da mente humana, imaginar a dos efeitos de poder produzidos pela subjectivação, ou seja, potência, ao que dizer que a pedagogia da disciplina de aluno que refiro, como presente no programa: Aquele escrita dos nossos pensamentos e da nossa vontade, afinal, a agregação ao ser humano de um conjunto de qualidades, Desenho se organiza em função de produzir determinados que domina, conhece e comunica com eficácia através do desenhando-se sobre essa mesma tabuinha. como se dele fossem inerentes, como se da sua natureza sujeitos, permite-nos nomear esses sujeitos como potentes desenho, e que do programa de desenho, se projeta para Com efeito, se uma ideia de escrita ou inscrição íntima fizessem parte” (Penim, 2002, p. 30). É precisamente no desenho. as práticas letivas prefigurando os contornos da potência numa tabuinha era, em Aristóteles, uma metáfora da perante esta conceção de sujeito, que a evocação da tão Serão então esses sujeitos potentes no desenho, perante a qual os alunos constroem as suas subjetividades. construção da mente humana, apenas concebível a partir da antiga tabuinha de Aristóteles e da potência de nesta se os alunos que designadamente alcancem os objetivos, Assim, independentemente das diferentes pessoas que potência que a possibilitava, era também essa já a potência inscreverem qualidades tão íntimas, se apresenta neste finalidades e competências indicadas no Programa: aqueles são os alunos, preside instalada nas práticas letivas, toda pura do ser pensante (Agamben, 1993, 2007). Assim, tanto texto. Porém é também a metáfora aristotélica que nos que, em última análise, verão o nível das suas aprendizagens uma linguagem reportada a essa figura, que define o que quanto podemos imaginar atos de escrita sobre a tabuinha permitir imaginar um outro devir, pois a inscrição só se certificado pelas classificações a obter no exame nacional os alunos devem ser, como devem fazer, como devem de Aristóteles formando a ‘subjetividade’ de determinado permite enquanto possibilidade concedida pela potência: de desenho . agir. Desta forma concretiza-se um discurso curricular indivíduo, é por um lado outro, o da potência de não que Ou seja, o ser humano teria, neste sentido, a possibilidade Assim se nos referirmos a essa potência macro normalizador que separa e categoriza as capacidades podemos compreender o papel desafiante que essa potência de ser sujeito, assim como a de o não ser (Agamben,1993, inscrita no Programa, estamos a referir-nos precisamente individuais dos alunos, que na verdade conduz a que os pura pode representar perante o saber. Pois uma potência 2007). É por este motivo que os episódios impactantes que àquilo que, em Desenho, se autoriza como sendo o campo alunos se sintam representados pelas próprias capacidades de não, como nos explica Agamben (2007), corresponde se nos colocam, como o exemplo do aluno que partilhei de possibilidades no qual os alunos devem formar-se, (Atkinson, 1998). precisamente à possibilidade de um sujeito não ser apenas atrás, nos podem levar a pensar na produtividade específica adquirindo um conjunto de saberes que não é mais do que Partindo então do princípio de que os alunos passivo face à inscrição na sua própria tabuinha. É por esta que solicitamos quando representamos um programa ou uma representação de poder que, por ser ali proposto, se vêem a si mesmos, através do que entendem que diferença entre ‘ter a potência de ser sujeito’ a algo, e o ‘ter uma potência. Dessa forma, no concreto espaço da escola, participa na produção das suas subjetividades enquanto ‘conseguem’ fazer, precisamos compreender antes de mais a potência de não sujeito’ a algo, que podemos imaginar não apenas os alunos, mas também os professores são alunos daquela disciplina. a aprendizagem como um processo de interiorização de uma uma subjetivação prometida numa representação macro de sujeitos da potência que na escola se autorizar, traduzindo-a racionalidade que leva o aluno a agir sobre si mesmo para desenho tal como a escola projeta sobre os seus sujeitos. na linguagem letiva. se transformar, de acordo com a potência que lhe é pedida Se entendermos o saber como potência macro, Neste sentido a ocasião de conceber então que é por este representar os contornos de escrita que uma por uma articulação entre uma dimensão macro e uma instituição como a escola, se proporia inscrever na tabuinha dimensão micro da potência – aquela que existirá em cada de cada um dos seus sujeitos. Desse modo, se pensarmos um –, encontramos na escola uma instituição que persevera que pela circunstância da mundividência escolar um na produção de determinados tipos de sujeitos, através da aluno atravessa o território da sua formação, adquirindo linguagem que habita as práticas letivas. Permitamo-nos as características que a escola lhe transmite, precisamos então indagar longamente a possibilidade de um aluno 120 | Magda Silva | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades | Novembro 2014 para este texto, se reporta aos processos de subjetivação de macro. 1 Assim para que possamos compreender melhor a que conceito de subjetivação me refiro, precisamos REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 estas aprendizagens podem representar para os alunos, a demonstrar no desenho. Recorramos então a Foucault 1 A disciplina de Desenho A, é em Portugal, a única disciplina trienal obrigatória e de formação específica do Curso Científico-Humanístico de Artes Visuais. O exame nacional de Desenho A, que refiro no texto, corresponde a um instrumento de avaliação sumativa externa que certifica a aprendizagem realizada pelo aluno no final do ciclo de estudos. Este exame tem por referência o Programa de Desenho A, homologado em 2002 e representa na nota final do aluno uma percentagem de 30%. Porém, para efeitos de média de acesso ao ensino superior, o exame pode funcionar também como prova de ingresso, nesse caso pode corresponder a uma percentagem entre 35% e 50% da nota de candidatura do aluno. (1988) para que possamos compreender tais mecanismos, ou tecnologias do eu, que permitem aos indivíduos: “…efetuarem sozinhos ou com a ajuda de outros, um certo número de operações sobre seus corpos e suas almas, seus pensamentos, Novembro 2014 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades| Magda Silva |121 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 mesmas inscrevem os alunos e as suas subjetividades na aprendizagem, antes sim, territórios de agitação, dúvida e dos exercícios, que por força da ‘boa’ execução requer a transformarem-se de acordo com um certo direção da potência. profundas, se não irreversíveis transformações interiores: uma crescente objetividade. Com efeito, a existência de ao que os desenhos, elementos visíveis, testemunham o modelos claros do então ‘bom’ e ‘mau’ desenho, começa estado de felicidade, de pureza, de sabedoria, de perfeição ou de imortalidade.” (Foucault, AS PRÁTICAS LETIVAS: NA OCUPAÇÃO DE UM CAMPO DE processo de subjetivação à potência, produzindo-se a forma por implicar a necessidade de que os enunciados dos 1988, p. 18) POSSIBILIDADES INSTALADAS como os alunos passam a ver o seu trabalho, a si mesmos, exercícios sejam o mais objetivos possível, pois a prescrição e ao Desenho. clara que se contém num enunciado passa a anunciar um 2 Se encararmos a potência instalada nas práticas letivas Se a prática de determinados tipos de exercícios Com efeito, cada aluno se torna sujeito dessa espaço de segurança para os alunos, visto que dentro dessa como um determinado estado a atingir, podemos perceber promove sobre os alunos, a definição de uma imagem potência – seja por falta manifesta, seja por esforço de como se possibilita ao próprio aluno tornar-se, pelos seus sobre o que o desenho é, e sobre o que o desenho aproximação ou alcance desse ideal, seja até mesmo sob Compreendamos como o entendimento do investimentos pessoais no sujeito que domina, conhece e deve representar para eles, os alunos passam a ocupar uma recusa, em si mesma, do que aí, na escola, lhe seja desenho conduzido para um campo restritivo delimita nas comunica através do desenho. Pelo que, não apenas um determinadas categorias, enquanto alunos de artes visuais, proposto – ao que a subjetivação, se torna inegável a partir práticas letivas um paradigma em que aprender a desenhar desenho, mas um sujeito que o produz, se corrige e se e produtores de desenhos. do momento em um aluno reconheça aquela potência de significa viver comodamente com a falta de liberdade, por desenho como o Desenho, e perante este se entenda a si se supor, dentro desse campo de critérios cuidadosos, mesmo como um determinado tipo de ‘desenhador’. ter como não falhar. Assim, os hábitos de disciplina já objetividade, se assegura um maior controlo do erro. reeduca, se aperfeiçoa, se melhora, se aplica por aprender, Tais categorias não se esclarecem contudo, sem dada a existência de todo um ritual que acompanha e que consideremos atentamente esse pequeno universo delimita compromissos de, por exemplo, como dizer, como que delimita a produção de desenhos nas aulas, por dois Assim, quando disse atrás que os alunos passam adquiridos comprometem a possibilidade do desenho ser ser, como se organizar, como ocupar a folha, de como motivos primordiais: primeiro porque é nas aulas que a ocupar determinadas categorias enquanto alunos de entendido como um instrumento autónomo, uma vez que utilizar os materiais, ou de como explicar o trabalho que os dizeres programáticos são, depois de interpretados artes visuais, é pela correlação direta entre o sujeito que qualquer indeterminação passa a ser entendida como risco. produz. pelos professores, postos em prática, e segundo, porque desenha e a categoria na qual o seu desenho se inscreve. Verifiquemos que aquilo que são espaços de Assim, se nos referirmos a posturas, atitudes, e é nas aulas e no contacto com os alunos que podemos Desta forma, o ‘desenhador’ vai-se afinando, cuidando por desenho prescritivos ou condicionados tendem a tornar-se sobretudo a uma ‘autocrítica’ – tão valorizada em ambiente considerar os desenhos produzidos como exercícios claros não errar, ou cuidando por dominar o perfil pretendido de lugares mais confortáveis, à medida que se considera o já letivo enquanto impulsionadora da aprendizagem –, de subjetivação, pois cada aluno aprende a desenhar pelo um ‘bom desenho’, categoria essa que necessariamente aprendido, ou o já disciplinado, como o território dentro do necessitamos perceber como essas derivam da incorporação estabelecimento de uma auto regulação que parte do saber instala o seu oposto: o ‘mau desenho’. Este, por um qual se possa explorar o desenho. Assim, o desenho passa a do discurso que modela as práticas letivas, e de como este que lhe é proposto. progressivo aperfeiçoamento do desempenho do aluno, vai ser visto pelos alunos como um território progressivamente pensável dentro de fronteiras muito claras. convida os alunos a ocupar o seu lugar dentro daquela Se nas práticas letivas podemos encontrar a sendo identificado, criticado, corrigido e repetido, ao jeito potência particular que se faz representar nas aulas de tradução dos discursos da potência prevista no programa de um processo evolutivo, na convergência daquele que Se a inscrição da potência tem como produto desenho. – dizendo-nos o que o desenho deve ser, como deve ser se entender como o ‘bom’ : aquele desenho em que já se subjetividades que se resguardam do ‘risco’ habitando Aprender desenho é passar a habitar o desenho aprendido, e que tipo de resposta os alunos devem conseguir sabe o que fazer, como, com que material, dentro de quanto espaços de autorização específicos do desenho, tal só num enquadramento racionalmente preciso que não atingir –, é importante começar por notar a dimensão que os tempo, no domínio dos conceitos-base de uma linguagem acontece exatamente por se haver definido o território dispensa o investimento que o próprio sujeito – que tem desenhos de observação da realidade adquirem nas aulas. própria do seu campo discursivo: proporção, volume, do ‘bom’, aquele cuja qualidade se pretende atingir. Pese contraste, enquadramento, etc. então o privilégio do estudante que atinge esse estado a potência de o ser –, empreende por essa transição para Seja por cópia de desenhos de mestres ‘desenhador’ em domínio das especificidades discursivas reconhecidos pela história da arte, seja por composições Imaginemos então o quanto o discurso do professor de superação da aprendizagem, na verdade ele lança-se do saber que lhe é ensinado. Aí se oferece ao sujeito um de objetos presentes no espaço da sala de aula, seja por – também ele um sujeito do programa –, vai cultivando o num movimento de desenho cuja propriedade de ‘bom’, é território de conforto, mas vejamos: aquele que a potência observação de elementos arquitetónicos próprios do espaço caminho dos desenhos dos alunos, ajudando a identificar sobretudo manifesta no ‘produto final’ da sua execução. autoriza, campo de possibilidades bem claras, fechadas escolar, na verdade o desenho é sobretudo praticado como o erro e a distinguir deste o desenho com qualidade, para e previsíveis, por onde convergir na direção desse sujeito exercício de registo, adestrante da mão e potenciador de conduzir a respostas mais próximas do que se pretende ideal subentendido no Programa de Desenho. uma crescente perícia técnica ao nível da representação atingir na disciplina. A propósito desta convergência, proponho em rigorosa da realidade visível. NOS EFEITOS DA POTÊNCIA: O ELOGIO DO PRODUTO FINAL Assim, se o rigor de uma linguagem delimita a ação seguida observar as práticas letivas, como território produtor Na verdade, considerando este Desenho disciplinar do desenho, na direta proporção entre os investimentos Se os alunos potentes no desenho são que dessa mesma convergência, tentando perceber como as enquanto potência macro, podemos perceber como para os pessoais do ‘desenhador’ e o cumprimento dessa linguagem se adaptam comodamente à permanência dentro das alunos se constitui aquele que se representa como o produto em prol da potência que se crê ser o ‘bom desenho’, a fronteiras aprendidas, é também por ser nesse mesmo ideal do seu trabalho. Neste sentido, os desenhos, realizados instalação desta representação tornada comum, ordena o lugar que residem com objetividade os critérios de na prática letiva, não são para nós inofensivos lugares de trabalho, subordinando-o ao cumprimento dos enunciados avaliação e de validação de aprendizagens. É certo, nesse 2 No original: “…effect by their own means or with the help of others a certain number of operations on their own bodies and souls, thoughts, conduct, and way of being, so as to transform themselves in order to attain a certain state of happiness, purity, wisdom, perfection, or immortality.” 122 | Magda Silva | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 suas condutas, seus modos de ser; de modo Novembro 2014 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades| Magda Silva |123 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 discutir o desenho, o desenho em si, para além da dureza ocupa nas subjetividades dos alunos, muito embora essa da grafite, que perfaz a silhueta da figura a copiar? A CONCLUIR, UMA PROPOSTA DE IMPOTÊNCIA Este é um ato de gerar tensões. Nestas tensões não estaremos já a habitar um espaço de impotência perante os valorização do produto possa implicar alguma negligência Articulemos o fundamento desta cópia com a Circunscrever a aprendizagem do desenho a uma moldes segundo os quais permanecem inscritas tais normas do processo que lhe é inerente. Porém, como neste artigo preponderância que o produto final representa, aqui tão subjetividade que se compraz na contemplação de um e padrões nas práticas letivas e nas expectativas que as o foco tem vindo a ser precisamente a construção subjetiva claramente ordenado pela semelhança face ao original. produto final no qual se aplaude a semelhança, por se supor instituições ordenam para os seus sujeitos? Não estamos na que os alunos fazem do desenho, entendemos não dever Por instantes perguntemo-nos por que motivo os alunos nesta a finalidade do desenho, é perder um ininterrupto contemporaneidade no direito de discutir com a reprodução ignorar este estado limite subjetivador do aluno, porque consideram os ‘produtos finais’ como mais importantes processo de aprendizagem que não pode barrar-se pelo passiva de leonardos? ele é efeito das práticas discursivas que percorrem as aulas, naquela disciplina e não os processos de pensamento e os recorte estético de um imaginário a todos os títulos Parece-nos mais do que urgente colocar um constituindo um entendimento do desenho cujo foco exercícios que conduzem a esse mesmo produto final? destituído de significado na contemporaneidade, que insiste verdadeiro e comprometido foco sobre qual é realmente em sobreviver sem plenitude nem compreensão possível. o sentido desta disciplina no currículo de artes visuais obedece maioritariamente a esse produto. Não será por uma subjetividade que se constrói na Ao realizar o estudo que conduz a este artigo, foi direção desse estado final de execução, na qual os alunos Se abordámos a disciplinação de um ato que no Ensino Secundário. Por esse ato de impotência notável perceber como para os alunos, aprender a desenhar, apostam, atribuindo a este produto o valor mais elevado da não era novo ao aluno, e que necessariamente se vem a experimentaríamos talvez a emergência de um espaço onde significa acima de tudo aprender a ver, e tal poderia em sua experiência, uma vez que sujeitos, se vêem a si mesmos transformar, não apenas pelos resultados ‘impressos’ na as aprendizagens se permitam abranger uma experiência certa medida ser satisfatório, se ver não se encerrasse na como capazes ou não de atingir esse estado de perfeição? folha de papel, mas sobretudo pela subjetividade que se mais ampla, não apenas ao nível dos exercícios, mas compreensão das partes de um todo, sobretudo quando o Projetando da fotocópia de Leonardo a missão da cópia, não constrói como apanágio das relações estabelecidas com o também daquilo que o desenho é, e daquilo que o desenho ato de desenhar, é sentido pelos alunos, precisamente como se ausenta a questão pertinente a colocar ao desenho sobre desenho tal qual ele é apresentado e requerido nas práticas permite. Porque o desenho é um lugar de permissão, e só um espaço no qual barreiras emergem conscientemente a sua natureza como processo de pensamento? letivas, e se os próprios alunos se vêem e avaliam a si o entendendo assim, será ao sujeito que o estuda, possível Perdida a oportunidade de com o desenho de mesmos pelo que conseguem fazer, é porque nos é possível explorá-lo plenamente. Portanto, se as práticas letivas conduzem os alunos Leonardo discutir o propósito a que este servira séculos atrás, discutir este tipo de práticas, concedendo o devido enfoque a conviver dentro de limites e convenções que obtêm valor subordinando uma vez mais o pensamento à reprodução e à à construção das subjetividades dos alunos. como norma, imbuindo os ‘produtos finais’ de um valor repetição, é não dar espaço ao necessário debate que possa soberano, sobre quaisquer outros espaços de significação conduzir a uma aprendizagem que desejaríamos plena. enquanto os desenhos são produzidos, (Silva, 2013). do desenho, fará sentido retomar o episódio que evoquei no início deste texto. Permitir copiar Leonardo, atendendo meramente à dureza da grafite e às proporções entre as partes da O cavalo de Leonardo que tão desconcertantemente figura original, é perder a oportunidade de pensar naquele me traria aqui não é mais do que um pretexto para propor a desenho como o que realmente aquele desenho é: Um avidez de uma discussão, que toma este episódio como um estudo. Um estudo, que entre vários outros, vinha responder entre outros possíveis. Um pretexto para pensar no próprio a uma questão. questionamento só será, também ele, pleno, quando se permite o questionamento a qualquer ato de escrita na transportado para o nosso pretexto de escrita: é nas práticas ‘tabuinha’ do sujeito (Agamben, 2007) – pode ser entendido letivas que precisamos de ser impotentes. Impotentes por como o ato puro de colocar questões, perguntemo-nos: pensarmos que não podemos unicamente cumprir um Por que é o desenho ensinado dentro de fronteiras tão precisas? Não está o desenho a ser ensinado como um ato de programa orientado para resultados. Impotentes porque precisamos encontrar outra forma de atribuir significado à aprendizagem. reprodução de arcaicas, embora continuamente renovadas A necessária consciência de que o desenho permite práticas discursivas, que mantêm os seus propósitos aquela aula de desenho do século XXI, em que todos os responder a questões é viver a potência pura do próprio dirigidos para uma convergência resignada à fórmula de um alunos se encontravam perante a tarefa de reproduzir um Desenho, é ultrapassar as fronteiras que se estendem ao ‘produto final’ eficaz? desenho seu. Afinal esse era um desenho de estudo que pensamento, é aceitar a inevitabilidade fundamental da De que outra forma poderá o desenho se justificar havia realizado para o Monumento Trivulzio, entre 1508 e divergência. Pois pleno é o desenho quando se permite enquanto disciplina escolar, além das fronteiras que parece 1511. Um desenho de estudo era no século XXI, reduzido a pensar através dele, quando se permite perceber que impor às subjetividades dos seus estudantes no ensino uma imagem cujo lugar em aula era o do exemplo a copiar. ele é um instrumento único com que aceder àquilo que secundário? O seu valor enquanto desenho de pensamento, ou de não é ainda visível senão na mente. É aceitar e permitir a Assim, se viemos até aqui falando de potência, instrumento de resposta a uma questão, era ali inexistente. convivência da potência pura de cada um que não pode é por salvaguardar desde o início que nesta se contém a É certo que a história trouxe Leonardo e o seu conter-se na subjetividade conjuntamente solicitada nas própria impotência: essa é também a possibilidade nossa desenho até uma aula do século XXI, é certo que o Programa finalidades, objetivos e competências a que os sujeitos – de questionar nas práticas letivas os efeitos de subjetivação recomenda este tipo de exercícios, mas perguntemo- professores e alunos – se subordinam por responder o mais aí contidos. Pensar com impotência poderá levar-nos nos: com que sentido? Como não discutir o fantasma de eficazmente a um exame nacional. algures além das fronteiras instaladas do desenho, se nos 124 | Magda Silva | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades | Novembro 2014 estamos já a ser já impotentes, mas o devir desse Assim, se estar na impotência – lugar a partir do qual Leonardo e no que ele poderia dizer se acaso pudesse visitar Leonardo fotocopiado duas dezenas de vezes, sem se Na verdade, ao questionar as práticas letivas, REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 sentido, que se compreenda o valor que o produto final permitirmos entendê-las como evidências questionáveis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aristóteles. (2010). Sobre a Alma. Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Agamben, G. (1993). A comunidade que vem. Lisboa: Editorial Presença. Agamben, G. (2006). A Potência do Pensamento. Revista do Departamento de Psicologia – UFF, v. 18 – n. 1, 11-28, Jan./Jun. Agamben, G. (2007). Bartleby, Escrita da Potência. Lisboa: Assírio & Alvim. Atkinson, D. (1998). The production of the pupil as a subject within the art curriculum. Journal of Curriculum Studies, 30:1, 27-42. Foucault, M. (1988). Technologies of the Self, in Technologies of the Self, A Seminar With Michel Foucault, edited by Luther H. Martin; Huck Gutman & Patrick H. Hutton, 16-49. Tavistock Publications. Novembro 2014 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades| Magda Silva |125 Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal Martins, C. S. (2012). Investigar em Educação Artística: A História do Presente como a Possibilidade de Desnaturalizar Alguns Lugares Comuns. Revista Portuguesa de Educação Artística, 119-134. Poietic potentiality in artistic’s notebooks: from drawing towards the body movements Penim, L. (2003). Da Disciplina do Traço à Irreverência do Borrão. Lisboa: Livros Horizonte. Mônica Medeiros Ribeiro Ramos, A. (Coord.), Queiroz, J.P., Barros, S. N., & Reis, V. (2001). Desenho A 10º Ano, Curso Científico-Humanístico de Artes Visuais. Ministério da Educação, Departamento do Ensino Secundário. Ramos, A. (Coord.), Queiroz, J.P., Barros, S. N., & Reis, V. (2002). Desenho A 11º e 12º Anos, Curso Científico-Humanístico de Artes Visuais. Ministério da Educação, Departamento do Ensino Secundário. Silva, M. (2013). Entre desenhos-daninhos: A inscrição da Potência. [Tese de Mestrado]. Universidade do Porto. [email protected] Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes, Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema Mariana Silva Câmara Universidade Federal de Minas Gerais, Graduação em Letras Projeto realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento e Tecnologia/ CNPq-Brasil. Zollner, F. (2005) Leonardo da Vinci, Vol. II: Desenhos e Esboços. Taschen Tipo de artigo: Original RESUMO Este artigo apresenta os resultados da pesquisa documental realizada em cadernos da artista Ione de Medeiros com o objetivo de encontrar índices REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 La potencia poietica en cuadernos de artista: del dibujo al movimento del cuerpo formativos para o artista cênico. Com fundamentação teórica baseada na crítica genética, foi efetivada pesquisa documental buscando coletar e analisar imagens/ desenhos de movimentos corporais e, posteriormente, efetivar um processo de criação coreográfica compartilhada na rede. Foram coletados e arquivados 3.211 desenhos, e criada uma sequência de movimentos expressivos por meio da participação de usuários de uma conta no facebook. Finalmente, consideramos que os índices que poderiam ser qualificados como formativos eram os que, portando potência de afecção, promovem desdobramentos poiéticos sob a forma de novas criações de movimentos. Palavras-chave: Índices; Movimento; Processo de criação; Compartilhamento; Desenho. RESUMEN En este artículo se presentan los resultados de la investigación documental realizada en los cuardenos de la artista de teatro Ione de Medeiros, com el 126 | Magda Silva | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades | Novembro 2014 Novembro 2014 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara |127 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 compreender os caminhos seguidos pelo seu autor, o modo de pensamento criativo, o processo imaginativo do artista objetivo índices formativos para artistas escénicos. Sobre la base teórica de la crítica genética, la investigación documental se llevó a cabo com el objetivo de recojer y analizar imágenes/ dibujos de movimentos del cuerpo y luego llevar a cabo un processo de creación compartida em la red. 3.211 dibujos foran recojidos y arquivados, y se creó uma secuencia de movimentos expressivos por médio de la participación de usuários de uma cuenta de facebook. Por ultimo, consideramos los índices que podrian ser cualificados como formativos como aquellos que, portando potencia de afección, promueven otras craciones artísticas. Para a feitura da pesquisa em arte realizada, que gerou o criador. Como surgiu aquele assunto? O que foi estimulante texto aqui presente, abordamos as tecnologias do corpo para que tal tema fosse abordado na obra? Como se deu que possibilitaram articulação de movimentos a partir de o processo de montagem de uma cena? O escrutínio dos imagens oriundas de variadas fontes, como visual, sonora, documentos do processo de criação permite revelar a auditiva e cinestésica. O corpo associa e implementa estrutura de pensamento do autor. técnicas, métodos em processos de construção e criação de movimentos. Ressaltamos que as tecnologias do corpo não são compreendidas aqui como cindidas da sociedade e contexto no qual o sujeito criador se encontra, uma vez que são desenvolvidas a partir da relação corpo-ambiente. Consideramos ainda que essas tecnologias poderiam ser Palabras-clave: Índices; Movimiento; Proceso de creación; Creación compartida; correlatas a processos de percepção, decisão, inibição, Dibujo. coordenação motora, além da atenção e imaginação. ABSTRACT This paper presents the results of documental research conducted in artistic’s notebooks of Ione de Medeiros with the goal of finding formative indices for scenic artists. Based on genetic critics, documental research was carried out and later we made a shared choreographic creation process in the network. Were collected 3.211 drawings, and created an expressive movement sequence pesquisa, permitiu-nos iniciar o processo de compreensão do pensamento da artista Ione de Medeiros em relação ao trabalho corporal dos integrantes de seu grupo1. Por meio da análise de conteúdo (Bardin, 1977) estudamos registros das imagens sob a forma de desenhos de movimentos expressivos. Perseguimos o processo da feitura do corpo cênico por meio dos índices, que, sendo representação da ambiente, interessa-nos o registro da experiência corporal expressão, possibilitam o acesso à gênese do movimento. efetivado durante o processo de criação de obras cênicas. Os índices são as características do processo de criação do A partir do tema da pesquisa documental em cadernos artista e através deles alguns pontos podem ser esclarecidos de artista, estudamos os registros do processo de criação sobre a necessidade que levou o artista a criar a obra de durante 32 anos de atividades da artista-professora Ione de arte. Medeiros e do Grupo Oficcina Multimédia – GOM/ Brasil, objetivando encontrar índices de processos metodológicos e formativos corporais para o artista cênico. A pesquisa documental tem como objetivo analisar that could be classified as formative, those that carrying poietic potentiality, documentos que ainda não passaram por processos de promotes others movement creation forms. editoração, também chamados documentos primários, como cadernos de rascunhos, diários, cartas, vídeos, fotos, desenhos, anotações, imagens, entrevistas etc (Gil, 1999). Apropriamo-nos da pesquisa documental por meio da ambiência investigativa da crítica genética que, segundo Salles (1992, p.19), [...] analisa o documento autógrafo – documento vindo da própria mão do criador, não passando por processo de publicação – para compreender, no próprio movimento Detalhamento do processo da pesquisa A pesquisa documental foi aplicada usando primeiramente o procedimento da leitura skimming - leitura rápida prestando atenção em pontos específicos - dos 111 cadernos da artista-professora Ione de Medeiros, fundadora do GOM e, posteriormente, o estudo para definição de com qual tipo de índice trabalharíamos, a coleta e arquivamento desses. A partir das quatro categorias de elementos, previamente estabelecidas, presentes nos documentos ─ exercícios de preparação do ator; desenhos de cenas; estudos teóricos da artista; observações da artista-formadora para seus da escritura, os mecanismos da produção, elucidar os atores-bailarinos ─ definimos a categoria de índice com a caminhos seguidos pelo escritor e entender o processo qual trabalharíamos: imagens sob a forma de desenhos de que presidiu o nascimento da obra. movimentos expressivos registradas nos 111 cadernos. Desse modo, a crítica genética, oriunda dos estudos literários, foca nos estudos de processos criativos, buscando 128 | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Novembro 2014 artístico-corporal de atores e dançarinos, objetivo da Por meio do exercício da continuidade corpo-mente e through the participation of facebook account users. Finally, we consider indexes Keywords: Indices; Movement; Creation Process. A identificação dos índices formativos para a formação REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Introdução Os 111 cadernos são correspondentes aos anos de 1973 1 Grupo Oficcina Multimédia: http://oficcinamultimedia.com.br/v2/ Novembro 2014 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara |129 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 de fala com utilização de sons para cada movimento. Em em 27 pastas, sendo em média de 3 a 5 cadernos por pasta, professora Ione de Medeiros e do GOM. O primeiro seguida, partimos para a composição da sequência que teria em excelente estado de conservação. Eles estão numerados procedimento foi a leitura dos cadernos cronologicamente seu processo de criação compartilhado. do número 1 ao 113, sendo que os cadernos de número 1 por décadas. Começamos pela década de 1970 e posteriormente 1980, 1990 e 2010. A coleta desses índices foi feita a partir de escaneamento dos desenhos/imagens que compõem os documentos primários. Em cada um dos cadernos procuramos analisar imagens de desenhos de movimentos expressivos registrando, através da escrita, todas as impressões e observações que os desenhos suscitavam, a partir das indicações da análise de conteúdo de Bardin (1977). Após essa coleta e análise, os desenhos foram guardados em arquivos no computador. A sequência de imagens/desenhos teve sua criação compartilhada nas redes sociais por meio da plataforma do A coleta dos índices foi feita a partir de escaneamento facebook e era modificada a cada postagem que constou das imagens/ desenhos que compõem os 70 cadernos de: 1- apresentação do desenho com uma provocação para de artista – documentos primários do recorte temporal criação. 2- Acolhimento das proposições dos participantes. correspondente às décadas de 1980 e 1990. Foram 3- Alteração na base da sequência, que estava paralelamente coletados 3.211 imagens/desenhos correspondentes às sendo trabalhada, com a apropriação da proposta mais décadas de 1980 (395 imagens) e 1990 (2.816 imagens). votada. 4- Nova postagem mostrando a sequência em vídeo Essas 3.211 imagens/desenhos estão divididas em 515 após participação dos usuários. A escolha do facebook se páginas escaneadas de acordo com as décadas estudadas. deu pelo fato de ser uma ferramenta nova, de fácil acesso A etapa seguinte pautou-se na definição de Rudolf Laban tanto para o usuário quanto para o moderador da conta, sobre ação corporal, citado por Rengel (2005, p.23), rápida e que atinge todo o público que está inserido na como sendo “aquela que engloba todo o envolvimento página do usuário sem restrições. da pessoa, podendo ser racional, emocional e física”. A partir dessa definição selecionamos imagens/desenhos que representassem ações corporais que sugerissem um movimento cênico. Em seguida, passamos à escolha feita prioritariamente por meio de nossa percepção subjetiva, levando em consideração aqueles desenhos que nos provocassem um desejo de complementá-los com movimentos, criando um antes e um depois para o instante registrado. Os desenhos que nos “afectaram” foram corporificados sob a forma de movimentos expressivos no corpo em ação. Então, efetivamos uma análise cinestésica dos índices por meio da execução corporal das imagens. Colocamos em movimento um momento, uma imagem que revelava um instante de um movimento. A partir dessa etapa a pesquisa passou a ser prática e compartilhada nas redes sociais. O procedimento metodológico da experiência prática foi a criação da sequência cronológica dos movimentos selecionados por via das imagens/desenhos coletados. Esses movimentos foram primeiramente corporificados, em seguida, registrados em fotos e vídeo, como uma sequência única, que foram arquivados no computador. Houve momentos de experimentos da sequência de movimentos e de número 106 não estavam em nenhuma das 27 pastas. A década de 1970 foi descartada na nossa coleta por se tratar de uma década de poucos registros de criação e de movimentos expressivos. A primeira década dos anos 2000 também foi descartada por conter cadernos que Essa etapa compartilhada durou um período de 3 meses. correspondem apenas à metade da década. O recorte Criamos e utilizamos um canal específico no site do Youtube temporal escolhido, portanto, foi referente aos anos 1980 e onde todos os vídeos postados estão acessíveis para 1990 que, além de terem sidos anos produtivos para o GOM qualquer usuário do site. com mais de 13 criações artísticas, foram também anos de Por meio dessa metodologia, aqui compreendida como composição de métodos para efetivar o estudo de um projeção e de estruturação do grupo e de seus treinamentos corporais. objeto com demandas singulares, desenhos de movimentos Os cadernos numerados do 5 ao 22 pertencem a década expressivos foram transformados em movimentos e, de 1980 e foi possível observar nesses cadernos, de forma em seguida, organizados em sequências coreográficas. geral, desenhos para ilustrar exercícios de movimento, Desse modo, trabalhamos com tecnologias do corpo desenhos de improvisação, desenhos de rosto/expressões, para propor novos agenciamentos criativos por meio do desenhos de exercícios de pares. Encontramos também compartilhamento de momentos do processo de criação registros de coreografias por via de desenhos. Foram coreográfica analisados 18 cadernos nos anos 1980, correspondentes a 7 montagens de espetáculos, oficinas de inverno, aulas, Do planejamento à ação e seus desdobramentos Os resultados alcançados foram a coleta e arquivamento de 3.211 imagens/desenhos dos 70 cadernos do GOM correspondentes aos anos de 1980 e 1990, uma coreografia breve, resultado do processo de criação compartilhada e suas variações, e a proposta da noção de índice formativo no campo artístico. com: variação de velocidades, com textos cotidianos, com Os música, enumerando movimento por movimento, por via correspondentes aos anos de 1973 a 2005 e estão divididos 111 cadernos inicialmente analisados 130 | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Novembro 2014 são treinamentos.2 Seguem alguns exemplos de imagens/ desenhos de movimentos encontrados. A década de 1990 refere-se aos cadernos numerados do 23 até 75, totalizando assim 52 cadernos. É de fato uma década muita produtiva na criação artística do GOM, levando em conta os registros analisados na pesquisa documental via os cadernos de processo. Foi possível observar também, nos 2 Os espetáculos “Biografia”, “K”, “Domingo de Sol”, “Decifra-me que eu te devoro”, “Quantum”, “Sétima Lua” e “Navio-noiva e gaivotas”, que deu início a trilogia Joyce, fazem parte da década de 1980. Imagem 1 – Desenho, Medeiros, C. 1988, p.84.. Imagem 2 – Desenho, Medeiros, 1989, p.16. 52 cadernos, desenhos de movimento para os processos de montagens, imagens de possíveis estruturas de cenário e figurinos, desenhos para processo de iluminação, desenhos de exercícios de gestos, desenhos de movimentação cênica, REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 a 2005 – 32 anos de atividades ininterruptas da artista- estrutura de exercícios de rítmica corporal, muitos desenhos de criação artística em prol dos processos de montagem, treinamento, aulas, viagens do GOM, oficinas de inverno e workshops. 3 Imagem 3 – Desenho, Medeiros, 1997, p.172. Dos 3.211 desenhos coletados e analisados, apenas 115 foram selecionados. O critério para esse recorte referiu-se a imagens/desenhos que representassem ações corporais que incitassem a execução de movimento. Baseando-nos na definição de atitude interna da ação corporal, segundo 3 Os espetáculos “Epifanias”, “Alucinações”, “Missisfíli”, “Happy Birthday to you”, “Babachdalghara”, “A Rose is a rose is a rose” e “Zaac & Zenoel” pertencem a década de 1990. Novembro 2014 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara |131 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Passamos então à etapa de corporificar cada imagem por relação aos fatores do tempo, espaço, peso e fluxo” (Rengel, meio da execução corporal do instante de movimento 2005, p.30), escolhemos os desenhos que nos afectavam registrado nos cadernos. Esses movimentos foram também diretamente aumentando nossa potência de ação. Assim, capturados em novos instantes como se pode ver a seguir. foram selecionados 42 desenhos em ordem cronológica dos anos 80 e 90. Imagem/desenho Desenho Movimento 5, Medeiros, 1989, p.68. Fotografia da corporificação Desenho Movimento 6, Medeiros, 1989, p.1. Desenho Movimento 1, Medeiros, 1981a, p.153. Desenho Movimento 7, Medeiros, 1989, p.1. Desenho Movimento 2, Medeiros, 1981 a, p. 153 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Laban, como a “qualidade subjetiva do movimento em Desenho Movimento 8, Medeiros, 1989, p.12. Desenho Movimento 9, Medeiros, 1989, p.16. Desenho Movimento 3, Medeiros, 1981a, p. 162. Desenho Movimento 10, Medeiros, 1990, p. 85. Desenho Movimento 4, Medeiros, 1988a, p. 34. Desenho Movimento 11, Medeiros, 1990a, p.87. 132 | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Novembro 2014 Novembro 2014 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara |133 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Desenho Movimento 19, Medeiros, 1990g, p.1. Desenho Movimento 20, Medeiros, 1990g, p.1. Desenho Movimento 13, Medeiros, 1990b, p.40. Desenho Movimento 14, Medeiros, 1990b, p.111. Desenho Movimento 21, Medeiros, 1990g, p.4. Desenho Movimento 15, Medeiros, 1990b, p.112. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Desenho Movimento 12, Medeiros, 1990b, p.39. Desenho Movimento 22, Medeiros, 1990, p.13. Desenho Movimento 16, Medeiros, 1990d, p.35. Desenho Movimento 17, Medeiros, 1990d, p.73. Desenho Movimento 23, Medeiros, 1990g, p.14. Desenho Movimento 18, Medeiros, 1990d, p.103. Desenho Movimento 24, Medeiros,1990g, p.18. 134 | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Novembro 2014 Novembro 2014 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara |135 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Desenho Movimento 32, Medeiros, 1991b, p.60. Desenho Movimento 33, Medeiros, 1991b, p.69. Desenho Movimento 26, Medeiros, 1991a, p.126. Desenho Movimento 27, Medeiros, 1991 a, p.126. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Desenho Movimento 25, Medeiros, 1990g, p.21. Desenho Movimento 34, Medeiros, 1991b, p.70. Desenho Movimento 28, Medeiros, 1991 a, p.158. Desenho Movimento 35, Medeiros, 1991b, p.70. Desenho Movimento 29, Medeiros, 1991 a, p.201. Desenho Movimento 36, Medeiros, 1991b, p.70. Desenho Movimento 30, Medeiros, 1991 a, p. 204. Desenho Movimento 37, Medeiros, 1991c, p.24. Desenho Movimento 31, Medeiros, 1991b, p.59. 136 | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Novembro 2014 Novembro 2014 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara |137 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 dos interessados na criação da sequência expressiva. sequências do processo de criação compartilhada estão Percebemos também que nas três postagens de votações disponíveis nos links do Canal específico do youtube. 70% dos que votavam eram os mesmos usuários, que de fato 5 Parece-nos interessante observar também em números o processo de compartilhamento dessa experiência de Desenho Movimento 38, Medeiros, 1991c, p.96. criação. O processo de criação compartilhada em números - 19 postagens via plataforma do facebook entre 23 de maio e 09 de agosto de 2013 Desenho Movimento 39, Medeiros, 1991g, p.11. de movimentos que foram posteriormente corporificados constitui-se processo de partilha criativa que envolve não acadêmica, como também o não acadêmico. Também Consideramos os resultados obtidos satisfatórios, tendo uma vez que promoveram novas ações poiéticas. Tal devir as quais são atualizadas em menos de um minuto na timeline (linha do tempo) de cada um, nada garante que um “amigo” comentará sua postagem. As provocações da Após a corporificação dos desenhos acima apresentados, a 16 imagens/desenhos já destinadas à composição da pesquisa poderiam ter passado desapercebidas, o que não passamos a vinculá-los em uma sequência de movimento.4 sequência coreográfica, que teve, posteriormente, seu ocorreu. Tivemos uma adesão de 9% do total de “amigos” No entanto, consideramos a necessidade de verificar quais processo de criação compartilhado em rede. da página. Essa percentagem é significativa, tendo em para conferirmos-lhes uma assinatura nossa, ou seja, espaço para associarmos nosso modo estético durante a efetivação corporal do desenho. Buscávamos interferir ativamente na memória acessada por via dos registros. A intenção foi a de inventar a partir dos restos propondo uma atualização da arqueologia do processo. Redefinindo o recorte a ser trabalhado houve mais uma etapa de redução dos movimentos que, de 42, passaram 4 Sequência Cronológica de 41 movimentos: http://www.youtube.com/ watch?v=zVgSNSMuIVc somente o público acadêmico num projeto de pesquisa Tabela 1 – Resultados do processo de criação compartilhada. caracterize pela rapidez das visitas que geram postagens, sendo eles amigos, alunos e familiares da área artística e Essa tarefa ficou para um momento posterior. - 70 usuários participativos nas votações e comentários em relação ao foco de interesse. Ainda que o facebook se conexão entre eles, assim como nos deixavam “espaço” a outros assuntos postados e efetivar uma comparação. criação de uma sequência elaborada a partir de desenhos e efemeridade nos contatos, que tendem a ser transitórios Utilizamos uma página do facebook que possui 769 usuários, âmbito da rede, devemos fazer outras pesquisas em relação - 20 compartilhamentos das postagens ser “amigo” do outro. Associam-se desse modo fidelidade desses movimentos de fato nos provocavam ações de a quantidade de participantes voluntários foi significativa no - 145 comentários rede social de contatos entre aqueles que se dispõem a Imagem 4 – Desenhos coletados dos anos 1980 e 1990 e fotos reproduzidas das imagens, da sequência cronológica de 41 movimentos. ao processo de criação. No entanto, para sabermos se de fato Consideramos que o compartilhamento do processo de em vista que o facebook é um website que promove uma Desenho Movimento 41, Medeiros, 1998a, p.102. novas postagens. Podemos pensar, então, numa fidelização - 417 opções de “curtir” - 3 postagens de votações Desenho movimento 40, Medeiros, 1997, p.172. estavam acompanhando o processo e revisitando nossas vista que geralmente essa plataforma social não é utilizada para processos de criação compartilhada que demandam reiteramos a potência de afecção dos índices trabalhados nos leva a considerar a hipótese de que vestígios do processo de criação portam poiesis, incentivando desdobramentos para além da análise do que passou, mas sim, promovendo ações de criação no presente da investigação. Para os pesquisadores de processos, também chamados de críticos genéticos, a qualidade do índice é de muita importância para a pesquisa, pois é a partir desses índices que ele é capaz de se aproximar do entendimento do pensamento do autor. A qualidade aqui se refere, então, à potência de afecção do registro, a qual pode ser percebida nos desdobramentos teórico-práticos que ele incita. Após a pesquisa bibliográfica e documental efetivada consideramos que o aspecto formativo dos índices encontrados nos cadernos de processos da artista, os tomadas de decisão nas escolhas estéticas. registros desenhados, refere-se à capacidade de afecção do facebook aderiram o processo de compartilhamento Assim, a princípio, atingimos nosso objetivo de troca e Associamos desse modo, formação e criação. opinando e sugerindo suas impressões acerca da composição compartilhamento da criação da composição coreográfica, Reiteramos então a necessidade de acercamento a índices coreográfica, configurando um diálogo sobre o processo de e transformamos desenhos de movimentos em movimentos formativos que assim são qualificados também devido criação com 9% dos usuários. corporificados no tempo presente com a colaboração ao contexto em que se encontram. No caso analisado, 5 Sequência original de 16 movimentos: http://www.youtube.com/ watch?v=9qmdwb3Ul98 Sequência modificada de 16 movimentos a partir das 03 etapas de votação nas redes sociais: http://www.youtube.com/watch?v=rbrdS2xyI2Y http://www.youtube.com/watch?v=cbPRV31WUw8 não bastaria estudar o desenho fora do caderno, pois a acadêmica e de outras áreas diversas. Em média 70 usuários Foram 19 postagens no total de todas as etapas do processo de compartilhamento e 3 propostas de votação, criação e modificação da sequência original, que resultou ao final em outra sequência de 16 imagens/desenhos, diferente 138 | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 da sequência original, em um período de 3 meses. As desses chegando a promover novas ações poiéticas. qualidade formativa aqui sugerida constitui-se de modo processual desde o momento que as pesquisadoras elegem um determinado desenho, a despeito de outro, em função Novembro 2014 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara |139 do movimento em direção a sua corporificação. Ou seja, reforçamos a importância de se efetivar vínculos e afinidades entre teoria e prática criativa nos procedimentos formativos em artes cênicas. [Medeiros, I.], [2000-2005]. Caderno de Artista nº 76 ao 113. Unpublished manuscript, Belo Horizonte, MG. Intensificando la Renda de Bilro : o Caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana Intensifying Bilro Lace : the case of the Lace Makers Association from Morros da Mariana Rengel, L. (2005). Dicionário Laban. São Paulo: Annablume. Salles, C. A. (1992). Crítica genética: uma introdução, fundamentos dos estudos genéticos sobre os manuscritos literários. São Paulo: EDUC. Considerações finais Terminado o processo de investigação, podemos considerar que outras pesquisas poderiam desdobrar-se a partir dessa. Seguindo as proposições da genética teatral, pode-se pesquisar outro tipo de índice formativo registrado ao longo Marcia Toscan [email protected] Anhanguera Educacional de Cascavel-PR Tipo de artigo: Original RESUMO de um determinado recorte temporal. Também sugerimos a investigação da transformação de um tipo de índice ao longo O artesanato é um modo especial de conhecer comunidades. Pensando assim de duas décadas de registro contínuo. Correlata à pesquisa traçamos aqui uma reflexão sobre a produção da renda de bilro dos Morros da efetivada, indicamos o compartilhamento da percepção Mariana, Piauí, que após o reconhecimento de estilistas brasileiros e a criação do e corporificação dos índices encontrados por diferentes associativismo sustentável passou a ser valorizada ainda mais pela população e pesquisadores, com intuito de se investigar o processo deste modo a herança cultural das rendeiras não caírem no esquecimento. de recepção dos registros do artista. Um índice pode ser considerado formativo para uns e não para outros, o que Palavras-chave: Renda de Bilro; Associação dos Morros da Mariana; artesanato. nos leva à sugestão de que os aspectos afetivos permeiam a percepção e nossas escolhas antes mesmo de qualquer RESUMEN suposição racional. Constatamos que o trabalho realizado possibilitou a tomada de consciência da importância de se trabalhar com documentos primários de artistas cênicos, de promover ações de criação compartilhada, de apropriar-se de índices para gerar novos processos. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana El arte es una manera especial de conocer las comunidades. Pensando de esta manera hemos esbozado una reflexión sobre la producción del encaje de bolillos de Morros da Mariana, Piaui, que gracias al reconocimiento de los diseñadores brasileños y la creación de asociaciones sostenibles, aún ha sido más valorado por la población. De este modo la herencia cultural de las creadoras de dicho encaje no se pierden en el olvido. Palabras-clave: Encaje de bolillos; Asociación de Morro da Mariana; artesanía. Referências bibliográficas Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Gil, A. C. (1999). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas. [Medeiros, I.], [1973-1977]. Caderno de Artista nº 2 ao 4. Unpublished manuscript, Belo Horizonte, MG. [Medeiros, I.], [1980-1989]. Caderno de Artista nº 5 ao 22. Unpublished manuscript, Belo Horizonte, MG. [Medeiros, I.], [1990-1999]. Caderno de Artista nº 23 ao 75. Unpublished manuscript, Belo Horizonte, MG. 140 | Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal | Novembro 2014 ABSTRACT The craft is a special way of knowing communities. So thinking we draw here a reflection on the production of bobbin lace of the Mariana Hills, Piauí, that after the recognition of Brazilian designers and the creation of sustainable associations became even more valued by the population and thus the cultural heritage of the lace does not fall into oblivion. Keywords: bobbin lace; the Association of Marian Hills; crafts. Novembro 2014 | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Marcia Toscan |141 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 O artesanato sempre foi presente na história da é possuidor dos instrumentos de trabalho; participa Inicialmente a produção tinha um cunho Tão rápido essa tradição foi-se espalhando para pessoalmente na elaboração dos bens e serviços que doméstico, em que as mulheres produziam para a outras regiões brasileiras e hoje é parte do patrimônio produz. O artesão exerce uma arte ou um ofício manual por ornamentação do lar. imaterial, que é definido pela UNESCO: humanidade, sendo que os artesãos surgiram em momento sua conta, sozinho ou auxiliado por membros da sua família “A origem da palavra renda não é bem conhecida. de transformação da sociedade, pois eles produziam os seus e um número restrito de companheiros ou aprendizes. Com A renda é definida, por Bueno (1988), como lavor “A UNESCO define como Patrimônio Cultural próprios instrumentos de trabalho e os artefatos necessários a ajuda de ferramentas e mecanismos caseiros, visa produzir de agulhas ou ainda como tecido muito fino e Imaterial “as práticas, representações, expressões, nos seus modos de vida. peças utilitárias, instrumentos de trabalho, artísticas e aberto. Aparece também como dissimilação do conhecimentos e técnicas - junto com os espanhol randa, que veio do provençal randa instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais – adorno, deverbal de randar, adornar. Já em que lhes são associados - que as comunidades, Nascentes (1966), renda é uma palavra aparentada os grupos e, em alguns casos, os indivíduos O trabalhador, segundo o sociólogo C. Wright Mills: recreativas, com ou sem fim comercial. Hoje podemos ainda encontrar oficinas de artesãos “[...] imbuído do ofício artesanal se envolve com essas características o que intensifica o valor que o do espanhol e do catalão, de origem incerta, talvez no trabalho em si mesmo e por si mesmo; reconhecem como parte integrante de seu artesanato ainda produz na sociedade e para a sociedade. céltica.” (Zanella, Balbinot & Pereira, 2000, p.237) patrimônio cultural.” as satisfações do trabalho são per se uma recompensa; os detalhes do trabalho cotidianos Cooperativas e associações são planejadas pelos governos municipais e estaduais para que essa herança não seja Os imigrantes portugueses em busca de vida Assim a renda de bilro – trata-se de uma abandonada e possa ser passado de pais para filhos dando melhor trazem nas suas bagagens para o Brasil a cultura manifestação cultural e, como tal, deve ser entendida trabalho; a habilidade se desenvolve no processo continuidade para história cultural de seu país. Pois é a partir predominante de seu país e as adaptam nas novas moradas como atividade social realizada por uma determinada do trabalho; o trabalho está ligado à liberdade de do trabalho que o homem constrói sua esfera cultural, atua como alimentação, vestuário, idioma e as modificações coletividade. Desse modo, ao aprendê-la o sujeito apropria- experimentar; finalmente, a família, a comunidade sobre a natureza transformando-a a partir de suas novas também não foram diferentes na confecção das rendas. se não somente de um fazer, mas de toda a história e valores e a política são avaliadas pelos padrões de necessidades, gerando novas possibilidades e promovendo O corrente crescimento posterior do turismo fez com que que o caracterizam, sendo que, ao mesmo tempo, imprime uma ação. a produção passasse de algo de essência domestica para a estes sua marca singular. são ligados, no espírito do trabalhador, ao produto final; o trabalhador pode controlar seus atos no satisfação interior, coerência e experimentação do trabalho artesanal.” (apud Sennett, 2009, p.37). O artesão começou a gerar para sua família renda financeira e acabou por inserir na sociedade um novo elemento artístico manual, que não somente agradava Essa herança de passar o aprendizado de certa ser comercializada, desde modo, mudando a forma dessas produção artesanal de avós para filhos e netos é comum em rendeiras ensinarem a produzir o Bilro, até mesmo porque, muitas regiões brasileiras, aqui em especial vamos tratar foram se adaptando as transformações sócias, econômicas da renda de Bilro, produzida pelas rendeiras dos Morros da e culturais da onde estavam inseridas. Aos poucos as AS RENDEIRAS DOS MORROS DA MARIANA - “Olé, muiê Mariana, Piauí. mulheres açorianas foram produzindo a renda de bilro para rendeira, olé muiê rendá, tu me ensina a fazer renda que ajudar no rendimento financeiro. te ensino a namorar.” aos seus vizinhos, mas também a burguesia que passou a adquirir os objetos produzidos pelos camponeses com apuro na fabricação com estética que marcaria e marca as regiões por onde ele é produzido, que na visão de Barros, Costa e Saldanha (2006) A RENDA DE BILRO Há 350 km de Terezina, no Piauí, está localizada a Associação das Como muitas heranças européias, a renda de Bilro Rendeiras dos Morros da Mariana. chegou ao Brasil em fins do século XV e início do século Hoje Ilha Grande de Santa Isabel. importante rede de geração de emprego e renda, XVI que juntamente com outras manifestações folclóricas sendo ainda um dos principais elementos da (cerâmica, cestaria, danças, cantigas...) foi aprendidas e como Coroa Grande, o nome dado conservação e tradição da cultura regional e do transferidas para as gerações futuras. Os açorianos foram posteriormente dos Morros da Mariana desenvolvimento turístico de uma região.” (p.3) responsáveis em trazer e ensinar essa tradição para o Brasil, foi devido a uma desbravadora e rendeira em especial no Estado de Santa Catarina. do local que tinha uma pousada e “O artesanato se caracteriza como uma grande e Pensando assim não é difícil reconhecermos um objeto produzido no Ceará e outro no Rio Grande do Sul, E segundo Varela, Balbinot e Pereira (2000), Os principais traços característicos do artesanato são: a oficina que dirige é pessoal e não societária; nela o artesão assume uma posição de chefia ou mestre artífice; No século XVI era conhecido recebia os recém chegados no povoado. O local ficou cobiçado devido à riqueza pois os artesãos incorporam características locais e as transmitem no objeto produzido. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Introdução da fauna e flora e a abundancia de “A renda de bilro chegou ao sul do Brasil por volta alimentos retirados da água. de 1748/1749, trazida pelos imigrantes açorianos vindos em busca de melhores condições de vida.” (p.543) 142 | Marcia Toscan | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Novembro 2014 Imagem 1 – Desenvolvimento de moldes para renda de bilros. À esquerda, moldes antigos usados pelas artesãs; à direita, moldes geometrizados por Lia Monica e José Marconi; Caiçara, PB Novembro 2014 | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Marcia Toscan |143 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Hoje a cidade é conhecida devido às rendeiras da “O fato das rendeiras saírem de suas casas associação que fizeram do ato de tecer rendas o sustento para a associação, para juntas realizarem o trabalho, familiar. Inicialmente, as rendeiras estavam desmotivadas profissionaliza e fortalece diante qualquer dificuldade, pois elas têm o suporte da em continuar o labor, pois se sentiam desvalorizadas e organização, para realizar qualquer ação. Não muitas já suscitavam abandonar os bilros. há muitas interrupções no trabalho, como no lar “(...) as rendeiras, visto que são pessoas de pouca educação formal, mas o trabalho oferece a elas a possibilidade de pensar em grupo, de conviver A Associação passou a ser conhecida em todo Brasil depois das encomendas do estilista Walter Rodrigues que dedicou uma coleção de sua criação utilizando as rendas de bilro devido inúmeras ocupações, daí o rendimento ser produzidas pelas rendeiras dos Morros maior.” (2009) da Mariana. Walter Rodrigues conheceu A mulher rendeira está em constante mudança, o trabalho das rendeiras de Ilha Grande está sempre construindo e desconstruindo, tece peças e através de um folheto do SEBRAE conferindo-lhes transforma suas vidas à medida que o trabalho funciona (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e autonomia e assim resgatando e/ou estimulando como um vácuo do pensamento, dando espaço para Pequenas Empresas), onde despertou sua autoestima”. (Pitta, 2010, p.11) as transformações subjetivas, inconscientes, tirando sua curiosidade, então resolveu vir ao das mentes as banalidades do dia-a-dia e relaxando, Piauí para conhecer melhor o trabalho. Logo, começou a por Considerações Finais direcionando a atenção para o que está dentro. em prática sua ideia de fazer uma coleção confeccionada alguns órgãos municipais e estatais em 1994 foi fundada a Não demorou muito para as rendeiras atualizarem- pelas rendeiras da associação para o desfile de moda mais Associação dos Morros da Mariana que, inicialmente eram se com cursos e ensinamentos de design conseguindo assim importante do Brasil, São Paulo Fashion Week. Desse modo, particular das regiões em que é produzido e, mesmo com oito rendeiras que produziam o trabalho em casa e levavam desenvolver mais ainda a sua produção e entrar para o o acontecido deu um novo impulso na cultura local, onde todo o apuro tecnológico do nosso século ele não pode em um local comum para a venda que na paróquia da mundo moda brasileira. foram mostradas ao mundo inteiro a renda peculiar de Ilha deixar de existir, pois transmite o processo cultural de uma Grande do Piauí em 2001/2002 na cidade de São Paulo. nação. em comunidade, de mesclar sua rotina de dona de casa às lutas de busca de seus direitos enquanto trabalhadoras e mulheres, Mas graças a esforços da comunidade e de cidade eram comercializadas e expostas, aos poucos outras “No trabalho da rendeira vê-se a liberdade de rendeiras foram agregando a associação e hoje chegam a organização deste, uma vez que mais que um trabalho, é o estilo de vida daquelas mulheres. Imagem 3 – Artefatos Produzidos pelas rendeiras dos Morros da Mariana – Foto: PROMOART. O artesanato é uma produção de essência Desde então elaboram as mais variadas tramas não mais oferecendo as toalhinhas e outros enfeites para a casa, mas sim um novo viés comercial, a confecção de rendas pelas mãos lusitanas recebeu também adaptações das para a alta costura. Para entrar neste ramo da alta costura regiões onde foram difundidas, mas não abandonaram a trabalho que acaba por exigir mais das rendeiras. as rendeiras introduziram novos materiais na confecção sua essência do feitio que são as utilizações dos bilros, das economicamente viável para as rendeiras, sendo que cada Não possuem seguranças financeiras, nem têm que gerou um retorno financeiro maior. Utilizaram a crina almofadas e dos gabaritos produzidos pelas rendeiras com rendeira é responsável pela confecção do seu produto horas fixas de trabalho.” (Pitta, 2010, p.33) de cavalo e cores, desta maneira atualizaram a sua estética apuro artístico e matemático. O produto final das rendeiras desde os materiais utilizados para a na produção dando um aprimoramento e criando um são confecções de toalhas, apliques e enfeites de modo confecção, até sua disponibilização diferencial para a associação. geral, devido a falta da difusão de tal patrimônio muitas das 180 rendeiras. A renda do bilro do Morro da Mariana passou a ser bem mais valorizada, e sua comercialização melhorou bastante, tornando-se assim uma atividade Aqui a organização obedece a regras um pouco frouxas, mas não menos exigentes. Há um misto de obrigação e displicência, em vista da não rigidez de No caso da renda de bilro que chegou até nós para venda na associação. No entanto, Desta forma, a Associação das Rendeiras de Ilha rendeiras ficaram desmotivadas em produzir, pois o retorno para vender a renda na associação Grande do Piauí, exerce um papel de vital importância financeiro era e é escasso em algumas regiões em que ainda não é necessário ser associado, para a economia local e para o desenvolvimento turístico o bilro é trabalhado. Deste modo essa herança cultural pode porém quem não é associado deve da região, não obstante que a presença da associação na cair em uma produção solitária em que a rendeira venha deixar 10% de tudo que vende para cidade de Ilha Grande, torna o destino com um diferencial a produzir peças somente para a sua necessidade caseira. a manutenção da casa. Em 2008 a que pode vir a atrair turistas e funcionar como um fator que Na tentativa de não se perder esse processo de ensinar a associação conseguiu sede própria pode influenciar na decisão do turista em conhecer o litoral seus herdeiros a confecção, em especial da renda de bilro, onde lá conseguem produzir e vender piauiense, pois apesar de a renda do bilro ser confeccionada algumas rendeiras dos Morros da Mariana, no Piauí, fizeram o seu trabalho em situação melhor e em outras regiões do país, no Piauí a mesma é feita de um trabalho com a comunidade e com a ajuda de órgãos promover o associativismo dividindo forma artesanal, de modo que a renda ilhagrandense é interessados, para que não se perca essa herança cultural. as encomendas. Silvia Sasaoka é uma confeccionada do mesmo jeito que era confeccionada das colaboradoras que ajudou na quando chegou ao local trazida pelos portugueses. onde lá elas possam se organizar, aperfeiçoarem e vender Essa conscientização criou-se uma associação as suas rendas. Deste modo formaram um associativismo organização da associação, declarou em uma entrevista: REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Imagem 2 – 2001 - Vestidos de Walter Rodrigues, rendas da Associação das Rendeiras de Morros da Mariana, Piauí - Foto de Ali Karakas. 144 | Marcia Toscan | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Novembro 2014 Novembro 2014 | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Marcia Toscan |145 Estar alerta. A construção de uma atitude. sustentável, que foi intensificado com a utilização das rendas por estilistas brasileiros que assim ajudaram a difundir e a valorizar o que as nossas comunidades têm a oferecer para a alta costura. Conclui-se assim que não podemos deixar de valorizar o artesanato, pois ele nos conta história, valoriza o fazer manual e nos mostra a essência da vida simples e pura de pessoas que não perderam a herança deixada. Em especial a renda de bilro é um trabalho que exige de seu http://www.acasa.org.br/instituicao - acessado 08/03/2012 Be alert. The construction of an attitude. http://www.bdae.org.br/dspace/bitstream/123456789/1051/1/tese.pdf - 14/03/2012 http://www.eumed.net/libros/2008a/372/PRODUCAO%20ARTESANAL. htm -ANTECEDENTES DO CAPITALISMO, por Carlos Gomes – acessado em 03/03/2012 http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/bds.nsf/CA146DA3D21F877B83 2574DC00453EA0/$File/NT00039052.pdf -01/03/2012 feitor uma apuro manual, uma vivência cultural e acima de tudo uma maestria na sua confecção em que as rendeiras Ana Sofia da Cunha Bessa Reis [email protected] Tipo de artigo: Original RESUMO sentem-se orgulhosas de transmitirem esses ensinamentos as gerações futuras. Contra a depredação das aprendizagens significativas nas artes visuais através das alterações que progressivamente vêm sendo introduzidas no sistema de ensino defende-se a manutenção de um estado de alerta essencial e de construção de Referências Bibliográficas uma atitude crítica, evocando dispositivos naturais como mote para a reflexão acerca das possibilidades de ação e intervenção. Barros, K.S.; Costa, R.F.C.; Saldanha, M.C.W. (2006): Inserção do Design na Renda de Bilro na Vila de Ponta Negra: Instrumento e Inclusão Social, Preservação Cultural e Turismo Sustentável. Natal: 2006. Disponível em: <http://www.ivt-rj.net/sapis/2006/pdf/KleberBarros.pdf> Acesso em: 09/08/2013 Beck, A., Costa, C. M., Torrens, J. C. & Lacerda, E. P. (1982): Roça, pesca, renda: Trabalho feminino e reprodução familiar. Boletim de Ciências Sociais, 23, 5-39. Pitta,Ludmila Nogueira de Macedo (2010): Trabalho manual: a técnica da renda de bilro como elemento de promoção de Saúde. Dissertação de Mestrado da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza; Brasil. Sennett, R. (2009): O Artífice. Rio de Janeiro: Record. Zanella, Andréa Vieira; Balbinot, Gabriela; Pereira, Renata Susan. (2000): A renda que enreda: Analisando o processo de constituir-se rendeira - Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 – disponível em: http://www.scielo. br/pdf/%0D/es/v21n71/a11v2171.pdf - 01/03/2012 Zanella, Andréa Vieira; Balbinot, Gabriela; Pereira, Renata Susan. (2000): Re-criar a (na) Renda de Bilro: Analisando a Nova Trama Tecida. Universidade Federal de Santa Catarina - Psicologia: Reflexão e Crítica, 2000, 13(3), pp. 539-547, disponível em http://www.scielo.br/pdf/prc/ v13n3/v13n3a21.pdf - 05/03/2012 http://www.proparnaiba.com/emfoco/projeto-cultura-e-rendapreservacao-e-difusao-da-renda-de-bilro.html - entrevista com Silvia Sasaoka em 17/06/2009 – acessado 14/03/2012 Palavras-chave: atitude crítica; cultura visual; aprendizagem significativa. RESUMEN REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Estar alerta. La construcción de una actitud. Contra la depredación del aprendizaje significativo en las artes visuales a través de los cambios que se están introduciendo progresivamente en el sistema de educación se defiende el mantenimiento de un estado de alerta essencial y la construcción de una actitud crítica, evocando dispositivos naturales como tema de reflexión sobre las posibilidades de acción e intervención. Palabras-clave: actitud crítica; cultura visual; aprendizaje significativo. ABSTRACT Against the predatory action over meaningful learning through the changes that are being progressively introduced in the education system, this article supports the maintenance of an essential alertness and construction of a critical actitude, evoking natural devices as theme for reflection on the possibilities of action and intervention. Keywords: critical attitude; visual culture; meaningful learning. http://minhailhagrande.blogspot.com/2010/10/historia-do-povoadomorros-da-mariana.html - acessado em 02/03/2012 http://portal.iphan.gov.br - acessado em 08/03/2012 146 | Marcia Toscan | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Novembro 2014 Novembro 2014 | Estar alerta. A construção de uma atitude. | Ana Sofia da Cunha Bessa Reis |147 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 conformadores, e que incluirá questionamento, resistência contribuírem para essa produção, têm a possibilidade de e confrontação. reinterpretar as relações subjacentes. Fruição e contemplação Este artigo propõe uma reflexão acerca da liberdade da Tomam-se exemplos conhecidos e facilmente identificáveis Pensemos numa pavoa (Pavo cristatus) que olha para um insubmissão, inalienável das relações de poder, e, portanto, da natureza: mecanismos que permitem ver e ser visto pavão. Podemos imaginar que lhe admira as cores e o das possibilidades de resistência, escapatória ou fuga de determinada forma e que asseguram ou prolongam Alerta sem perigo ou quando as aprendizagens magnífico brilho metálico das penas, mede a dimensão (Foucault, 1995), através da desconstrução dos dispositivos a sobrevivência nas relações mantidas dentro dos nos conformam da cauda em leque, que se deixa hipnotizar pelos olhos de poder que configuram a paisagem educativa na ecossistemas. A perceção produzida, a realidade criada, atualidade, enquanto “…mecanismos estáveis pelos quais interpõe-se entre o observador e o observado, dispositivos Perante uma salamandra com um corpo negro e manchas executa. E podemos adivinhar que o pavão usa os atributos um [adversário] (…) pode conduzir de maneira bastante que conformam e limitam as visões, mas sobre os quais as amarelas, mesmo tendo pouco conhecimento do mundo para afirmar a sua presença perante as fêmeas, disputar constante e com suficiente certeza a conduta dos outros” mulheres e os homens podem refletir e agir, desconstruindo- animal, pressentimos que existe perigo. De facto, as território com outros machos, assegurar descendência. (Foucault, 1995, p. 248). os, vendo para lá deles, percebendo-os, usando-os. salamandras-de-fogo (Salamandra salamandra) têm um Se, por um lado, podemos imaginar e até partilhar estes Procurarei aceder a essa desconstrução, tendo em conta a Enquanto os outros animais dispõem de mecanismos de sistema de proteção ativo que consiste na libertação momentos de contemplação em que a pavoa olha o pavão, teorização conduzida por Foucault, a partir das perspetivas sobrevivência, defesa ou ataque e são capazes de percebê- de uma substância tóxica, sendo que as zonas amarelas por outro, podemos analisar, a partir dos conhecimentos da propostas pela cultura visual, como forma de possibilitar los e de reagir de forma instintiva e não refletida, os correspondem às glândulas que a produzem. biologia, por exemplo, as relações que se estabelecem entre um questionamento sobre as verdades estabelecidas e seres humanos têm a possibilidade de pensar acerca dos Em que altura e por que motivo é que o preto e amarelo estes animais e desconstruir os dispositivos de que dispõem naturalizadas acerca da educação artística, pensando ainda dispositivos que produzem e determinam formas de ver, ou o vermelho passaram a ser usados e reconhecidos como para se perpetuarem. nas relações possíveis com as aprendizagens significativas, de compreender e de agir. Assim, perante certos sinais, sinais de perigo talvez não saibamos, mas aprendemos a partir do enunciado de Ausubel (1963), o que significa que podem corresponder a cores e padrões, por exemplo, culturalmente a reconhecer e a atribuir significados às cores Desconstrução do observado e projeção de considerar o aluno enquanto agente que estabelece os animais estarão alerta e reagirão indiferentemente, e isso permite-nos uma leitura facilitada do contexto em subjetividades relações entre os novos conhecimentos potencialmente quer haja perigo real, quer se trate de um mecanismo de que nos encontramos. significativos e os conhecimentos prévios. simulação. Os seres humanos, embora “aprendam a ver”, Também a cobra coral verdadeira (Micrurus corallinus), Da mesma forma, os professores e alunos de artes visuais Sem pretender responder a qualquer delas, várias questões devem, na minha opinião, manter-se alerta relativamente negra, amarela e vermelha, é um animal perigoso e venenoso, podem admirar e fruir dos produtos artísticos e culturais, se me colocam que julgo poder encontrar nas interseções aos dispositivos e procurar analisá-los e desconstruí-los. mas a cobra coral falsa (Erythrolamprus aesculapii) exibe as mas também procurar entendê-los no que diz respeito ao entre educação artística, relações de poder, cultura visual Os dispositivos são tomados aqui no sentido que lhes mesmas cores e é perfeitamente inofensiva. As cores e a sua processo da sua criação, aos efeitos que produziram e que e aprendizagens significativas. Que sujeitos são produzidos conferiu Foucault (1997), pelo que se considera que têm conjugação são interpretadas de acordo com o aprendido projetaram, aos sistemas de classificação e de atribuição pelos dispositivos de poder, particularmente no contexto da uma natureza estratégica no âmbito de relações de poder e a cobra coral falsa passa por venenosa. Tendo em conta de valor que os enquadram, e também na relação que educação artística? Qual o papel do estudo das imagens e e que produzem certos tipos de saber e por eles são este exemplo, podemos questionar-nos acerca das leituras os observadores têm com o que veem, incluindo aqui os da cultura visual nessa produção e no processo de ensino- condicionados, ou seja, existem no contexto de redes e são promovidas pelas aprendizagens, da literacia visual e aspetos particulares dos sujeitos e dos seus contextos como aprendizagem? Como pensar as aprendizagens significativas usados como forma de manipulação, entendida como um também do aproveitamento que se pode fazer dela para fatores que determinam visões diferenciadas dos mesmos na relação com a cultura visual, na produção de identidades processo de direcionamento das relações que dentro dessas emitir mensagens, criar sensações ou produzir qualquer objetos. e na projeção das subjetividades sobre o observado? redes se estabelecem. Com base na conceção de dispositivo outro efeito. É importante aprender a observar, num sentido de fruição aqui considerada e que pode “…apparaître tantôt comme Nas artes visuais, a cor é um elemento visual fundamental e e de análise, uma projeção das subjetividades sobre o programme d’une institution, tantôt au contraire comme é estudado segundo vários pontos de vista, entre os quais o que é observado e que se traduzirá necessariamente Estados de alerta un élément qui permet de justifier et de masquer une simbólico. Quanto melhor aprendermos a ver e usar cores em perceções distintas, e também refletir sobre a No sentido de introduzir a construção de um posicionamento pratique qui, elle, reste muette, ou fonctionner comme e as compreendermos no contexto de diferentes culturas, própria observação e nisto não poderá deixar de haver crítico e interventivo, parte-se dos “essenciais estados de réinterprétation seconde de cette pratique, lui donner mais facilitada a produção e interpretação de imagens e a envolvimento, participação, reflexão e ação. Daí que, se alerta” para o “estado de alerta essencial”. Os essenciais accès à un champ nouveau de rationalité” (Foucault, 1997), comunicação. Por outro lado, se for adotado um modelo de vemos e interpretamos de formas diferenciadas ou até estados de alerta são aqui entendidos enquanto fatores entende-se que os sujeitos não são simplesmente produtos interpretação e aplicado acriticamente, provavelmente será mesmo divergentes, não podemos aceitar e instituir um biológicos e ecológicos, associados a formas de assegurar a das relações de poder, mas que eles próprios, para além de maior a probabilidade de se legitimarem e sedimentarem ensino homogeneizador com o qual se pretenda dar origem sobrevivência de animais e plantas e são o mote para o estado 1 “…aparecer às vezes como programa de uma instituição, outras vezes, pelo contrário, como um elemento que permite justificar e ocultar uma prática que permanece muda, ou funcionar como reinterpretação segunda dessa prática, dar-lhe acesso a um campo novo de racionalidade” – tradução livre visões estereotipadas e de apenas haver lugar a a sujeitos cujas respostas são idênticas e atuar de forma interpretações conformadas. a eliminar a diferença, amputando as características que de alerta essencial como atitude das mulheres e dos homens que lhes permitirá sobreviver aos dispositivos reguladores e 1 148 | Ana Sofia da Cunha Bessa Reis | Estar alerta. A construção de uma atitude. | Novembro 2014 enigmáticos que a preenchem e pelos movimentos que REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Introdução determinam a individualidade. Novembro 2014 | Estar alerta. A construção de uma atitude. | Ana Sofia da Cunha Bessa Reis |149 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 the visual - what we see, what we can’t see, what we are descodificar, imaginar, criar? O foco em determinadas que os estudantes se mobilizem a si próprios, podendo usar not allowed to see, who sees us, how we are seen, and so atividades mecanização as técnicas, gramáticas, linguagens e as formas de expressão A salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica) é um on…” (Tavin, 2009, p. 2) Determina, portanto a perceção de gestos, do desenvolvimento de competências, da para delas se apropriarem e construírem a sua subjetividade. exemplo de animal que, quando se sente ameaçado por da realidade, as identidades e as formas como nos vemos e aquisição de conceitos abstratos, da reprodutibilidade Neste contexto, parece essencial levantar as questões da predadores, solta a cauda (autotomia), perdendo assim vemos os outros, conforma e limita e, consequentemente, dos conhecimentos, em detrimento da sua apropriação visualidade entendida como “visão mediada pela cultura” uma parte de si própria para garantir a sobrevivência. Esta influencia as relações de poder entre indivíduos e/ou e reconstrução, sentindo-se assim uma tendência para (Bryson, 2007, p.114), da interpretação da imagem e dos salamandra tem ainda a particularidade de poder regenerar grupos. a homogeneização e normatividade não só das práticas seus usos e da forma como a visão e o visível determinam a a cauda e reconstituir o que perdera. “Because all complex societies are hierarchically ordered, docentes, mas dos próprios discursos que perpassam a construção das identidades. Não haverá um certo paralelismo entre este processo e where different groups have different degrees of instituição. Para além disso, pelo facto de o estudo da cultura visual o que muitas crianças ou adolescentes atravessam para power, images constitute different agendas. All images Os professores de artes visuais podem criar contextos em que se fundar nas experiências pessoais dos alunos, poderá assumirem o papel de aluno: renunciar a partes de si offer arguments about what the world is like, what it a informação obtida através do corpo possa ser analisada, aumentar a relevância das disciplinas artísticas e facilitar as próprios para poderem sobreviver no seio da escola e ser should be, or should not be.” (Duncum, 2010, p. 6) Pelo decomposta, reestruturada, transformada e ativada para aprendizagens no sentido da construção de significados e “bem-sucedidos”? Será que os jovens podem recuperar as que, reconhecendo e compreendendo a existência de a intervenção. Introduzir momentos para reflexão em que eventualmente conduzir à introdução de perfurações nas particularidades de que abdicaram ou serão irrecuperáveis? dispositivos que participam na definição das relações se analisem com os alunos as transformações operadas e formas de conhecimento estabelecidas, ou seja, permitir Será desejável que recuperem as características ou que se entre indivíduos, se resgata o poder de agir. Se não se sentidas nas formas de pensar, de agir e intervir socialmente que ocorram encontros através dos quais se veja para lá transformem? Transformarem-se em quê? Que posição têm tiver perceção das restrições, limitações e barreiras, não será um meio de estabelecer novas fundações à medida da realidade forjada. Numa conferência que teve lugar os sujeitos em relação ao ofício do aluno e à escola bem se pode rompê-las. Torná-las visíveis é o primeiro passo que se avança para espaços antes desconhecidos, num na FBAUP (Faculdade de Belas Artes da Universidade do como à sua relação com ela? para poder derrubá-las. Conseguir compreender que se crescimento idêntico ao do gengibre (Zingiber officinale) ou Porto) em 2013, Atkinson falou destes encontros em que pode ver de mais do que uma maneira, deixar de perceber de outra planta rizomática com a vantagem de que, mesmo se interrompe o real, afirmando que “when we don’t o mundo como monossignificante, para passar a ser separando os rizomas em pedaços, uma nova planta poderá recognize, we really begin to think”4 para nos remeter para considerada a plurissignificação e, portanto, dar lugar a um nascer. os estados de perturbação que nos põem perante o-que- alargamento da forma de o entender, poderá constituir-se No que diz respeito à relação entre professor e alunos e ainda-está-por-vir e pensarmos a possibilidade de explorar Qualquer uma destas questões terá várias respostas como uma aprendizagem significativa, principalmente se às práticas docentes, parece importante questionar as o mundo não em termos do que é conhecido, mas do que diferentes, mas há que permitir que sejam colocadas, se tomar consciência da transformação da perceção e do identidades e subjetividades preestabelecidas e introduzir pode ser criado. pensadas e exploradas e não assumir que os papéis e as enquadramento a que está sujeita. identidades performativas, num sentido em que o performer “The idea of truth then is related to the idea of being truthful regras estão predeterminados e que não há lugar para a é o agente da ação e pretende que algo aconteça, havendo to something and this truth process denotes a process of valorização da construção das subjetividades a partir delas lugar à assunção de papéis, numa tentativa de dissolução das subjectivization which in other terms can be viewed as a Cultura visual e aprendizagens significativas 2 3 acentua a importância da mesmas. Reinventar as relações pedagógicas fronteiras naturalizadas; introduzir o risco e ter consciência ‘commitment to’ an idea, an affect, a new practice, a new Acreditando, a partir de Vygotsky (1979), que a As políticas educativas que vêm sendo introduzidas são de que os resultados poderão ser imprevisíveis; eliminar way of seeing, a new way of making sense, and so on, which aprendizagem se faz num processo de socialização, ou seja, formuladas cada vez mais no sentido de regular e conformar a ideia de erro, diminuindo as suas consequências, para involves a struggle where we can be carried beyond our numa interação social dinâmica, recíproca e bidirecional as práticas educativas e reduzir as disciplinas a verbos como permitir a experimentação e criar as condições para que a normal range of responses.”5 (Atkinson, 2012, p. 5) com envolvimento ativo dos participantes, implicando desenhar, registar, empregar, utilizar, distinguir, aplicar, avaliação contribua para o desenvolvimento e não para a O conceito de ver implica “aquele que vê” e necessariamente a ação do aprendente na construção do conhecimento, selecionar, representar, descrever, enumerar, reconhecer, limitação ou direcionamento das intervenções. uma grande variedade de interpretações a partir das atribuição de significado e apropriação, defende-se que a identificar. Onde ficam outros verbos possíveis como pensar, A prática pedagógica que reconhece e coloca nos alunos quais se supõe que terão lugar diferentes ações, já que os introdução do estudo da cultura visual será fator importante agir, intervir, criticar, refletir, discutir, colaborar, confrontar, a responsabilidade pelas suas aprendizagens desestabiliza observadores “...are not passive receptacles, but active para a valorização dos contextos particulares de cada sujeito e para a sua interpretação e participação e, portanto, para as aprendizagens significativas. A cultura visual examina as “...relationships between individuals, societies, images and imagination - how we see and how we are seen. Visual culture is the characterization and examination of meaning making primarily through 2 “…relações entre indivíduos, sociedades, imagens e imaginação – como vemos e como somos vistos. A cultura visual é a caracterização e exame da construção de significados primariamente através do visual – o que vemos, o que não conseguimos ver, o que não nos é permitido ver, quem nos vê, como somos vistos, e por aí fora…” (Tavin, 2009, p.2 – tradução livre) 3 “Porque todas as sociedades complexas são ordenadas hierarquicamente, em que diferentes grupos têm diferentes graus de poder, as imagens constituem diferentes agendas. Todas as imagens oferecem argumentos acerca do que o mundo é, do que devia ser, ou do que não devia ser.” (Duncum, 2010, p. 6 – tradução livre) 150 | Ana Sofia da Cunha Bessa Reis | Estar alerta. A construção de uma atitude. | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 A autotomia: sobrevivência ou transformação? o papel do professor enquanto autoridade e afirma a importância de “…aprender qualquer coisa e a isso relacionar tudo o resto, segundo o princípio de que todos os homens têm igual inteligência” (Rancière, 2002, p. 30). Este processo pode operar-se em todas as facetas da vida, ser permanente e representar uma aprendizagem significativa. A área das artes visuais é provavelmente a que mais implica 4 “quando não reconhecemos, começamos realmente a pensar” (tradução livre) 5 “A ideia de verdade está então relacionada com a ideia de ser verdadeiro a alguma coisa e este processo de verdade denota um processo de subjectivação que noutros termos pode ser visto como um “compromisso” com uma idena, um afecto, uma nova prática, uma nova forma de ver, uma nova forma de constuir sentido, e por aí fora, que envolve uma luta em que podemos ser leveados para lá do nosso espectro habitual de respostas.” (Atkinson, 2012, p. 5 – tradução livre) Novembro 2014 | Estar alerta. A construção de uma atitude. | Ana Sofia da Cunha Bessa Reis |151 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Concordando com Tavin, considera-se aqui que os objetivos significa que diferentes sujeitos atribuirão diferentes da exploração da cultura visual deverão dirigir-se no sentido valores e significados ao que veem: “Arendt (...) stresses an de desenvolver um cidadão crítico: “A critical citizen is one experience of vision as mode of critical reflection. It is an who has a deep concern for the lives of others and actively understanding of vision that is much more than a simple, questions and challenges the social, political and cultural uncritical perception of the given” (Birmingham, 1997, p. structures and discourses that comprise everyday life. In 387). an ever-increasing visual culture, critical citizens need to Neste processo têm, portanto, especial importância as be able to actively engage a variety of images, sites, and experiências vividas que constituem a complexidade das media that help construct views of the world (Tavin, 2000).” relações e, por isto, as práticas exploradas com os alunos (Tavin, 2009, p. 9-10) deverão fundar-se nas suas experiências, criando situações Como Freedman (2000, p. 315) refere, a promoção de em que os alunos possam trazer as suas preocupações, pensamento e ação democráticas poderão ser fundadas interesses, perguntas, a partir das quais se poderão indagar nos seguintes conceitos: “a) a broadening of the domain influências exercidas sobre o modo de ver, de pensar acerca of art education, b) a shift in the emphasis of teaching do que se vê e de agir ou não, promovendo a atitude crítica. from formalistic concerns to the construction of meaning, “Quienes nos interesamos por indagar de manera crítica c) the importance of social contexts to that construction, en torno a las manifestaciones de la cultura visual, and d) a new definition of and emphasis on critique.”10 Em no sólo tratamos de afrontar las repercusiones de las suma, o ensino das artes visuais, através da inclusão do representaciones visuales en la subjetividad de los chicos estudo da cultura visual e do alargamento do seu domínio, y las chicas y de nosotros mismos, sino que proponemos fundando-se na construção de significados e promovendo prácticas de resistencia en las que los individuos se o agenciamento dos alunos, bem como a aportação de autoricen y hagan pública sus voces mediante la apropiación elementos dos diversos contextos em que se movem, de referencias teóricas y metodológicas procedentes de los permitirá que seja despoletada uma atitude crítica e de Estudios de Cultura Visual.”8 (Hernández, 2005, p. 29) alerta. 7 9 A ideia de “estado de alerta essencial”, tal como aqui é concebida, consiste neste processo contínuo de Considerações finais aprendizagem através do questionamento e da construção de significados. Jogando com as palavras e os seus sentidos, Com este artigo não pretendo tirar conclusões sobre a diz Rita Irwin (2010): “Practitioners are interested in ongoing introdução da cultura visual no ensino das artes visuais, mas questioning, a quest for understanding, a questing if you antes contribuir, como outros o têm feito, para a reflexão will.”11 acerca desta possibilidade e reforçar a necessidade de discussão do rumo que o ensino tem vindo a tomar. 6 “…não são recetáculos passivos, mas ativos discriminadores” (Duncum, 2010, p. 7 – tradução livre) 7 “Arendt (…) sublinha uma experiência de visão como modo de reflexão crítica. É um entendimento da visão que é muito mais do que uma simples, acrítica perceção do dado.” (Birmingham, 1997, p. 387 – tradução livre) 8 “Quem se interessa em indagar criticamente as manifestações da cultura visual, não só trata de enfrentar as repercussões das representações visuais na subjetividade dos rapazes e das raparigas e de si próprio, mas propõe práticas de resistência em que os indivíduos se autorizem e tornem públicas as suas vozes mediante a apropriação de referências teóricas e metodológicas procedentes dos Estudos da Cultura Visual” (Hernández, 2005, p. 29 – tradução livre) 9 “Um cidadão crítico é o que tem uma profunda preocupação pelas vidas dos outros e ativamente questiona e desafia as estruturas social, política e cultural e os discursos que compõem a vida quotidiana. Numa crescente cultura visual, cidadãos críticos precisam de ser capazes de se envolverem ativamente com uma série de imagens, sítios e meios de comunicação que ajudam a construir visões do mundo (Tavin 2000).” (Tavin, 2009, p. 9-109 – tradução livre) 10 “a) um alargamento do domínio da educação artística, b) uma mudança na ênfase de ensinar a partir de preocupações formais para a construção de sentido, c) a importância dos contextos sociais para essa construção, e d) uma nova definição de e ênfase na crítica “. (Freedman, 2000, p. 315 – tradução livre) 11 Rita Irwin brinca com as palavras conferindo-lhes novos significados, pelo que não é possível traduzir a expressão. 152 | Ana Sofia da Cunha Bessa Reis | Estar alerta. A construção de uma atitude. | Novembro 2014 Referências bibliográficas Atkinson, D. (2012). The Event of Learning: Politics and Truth in Art and Art Education. Acedido Maio 5, 2013 em http://faeb.com.br/livro03/ Arquivos/palestras/dennis_atkinson.pdf AUSUBEL, D.P. 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Acedido em 19 de Março de 2014 em http://1libertaire.free.fr/MFoucault158.html REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 discriminators”6 (Duncum, 2010, p. 7). Isto também Freedman, K. (2000). Social Perspectives on Art Education in the U.S.: Teaching Visual Culture in a Democracy. In Studies in Art Education A Journal of Issues and Research 2000, 41(4), (pp. 314-329) Hernández, F. (2005). ¿De qué hablamos cuando hablamos de Cultura Visual?. In Educação & Realidade 30(2):9 – 34 jul/dez 2005 Irwin, R. (2010). A/r/tography: Practice Based Inquiry within Interdisciplinarity. Acedido a 5 de Maiode 2013 em http://eiea.identidades. eu/eieahtml/arquivo/2010/index50f7.html?q=pt-pt/node/126 Rancière, J. (2002). O mestre ignorante. Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica. Tavin, K. (2009). “Seeing and being seen: Teaching visual culture to (mostly) non-art education students”. In The International Journal of arts Education 7(2). Vygotsky, L. (1979). Mind in society. The development of higher psychological processes. EUA: Harvard Unversity Press. Novembro 2014 | Estar alerta. A construção de uma atitude. | Ana Sofia da Cunha Bessa Reis |153 Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística Nacho Lavernia : o design da paternidade na educação artística Nacho Lavernia : the design of fatherhood in art education [email protected] Universitat de València Proyecto de investigación en el que se incluye: La presente investigación forma parte del Proyecto I+D+i “Educación Patrimonial en España: Consolidación, evaluación de programas e internacionalización del Observatorio de Educación Patrimonial en España (OEPE)” con referencia EDU2012-37212. Tipo de artigo: Entrevista RESUMEN Planteo el presente trabajo como una reflexión sobre la transmisión de saberes, teniendo en cuenta un factor determinante como es la paternidad, indagando en los resortes de la herencia y el patrimonio (Huerta y De la Calle, 2012). Considero la paternidad como un concepto que evoluciona, y soy partidario de una relación paterno-filial cercana, porosa y enriquecedora para ambas partes (Huerta, 2013). En base a estos preceptos, y partiendo de la metodología del estudio de caso, me REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 ENTREVISTA Ricard Huerta acerco al colectivo de los diseñadores y del profesorado de diseño entrevistando a Nacho Lavernia, el padre, y a su hijo Nacho, profesor de la EASD de Valencia. Analizamos esta relación en tanto que característica de un modelo que responde a la transmisión de oficios, algo que nos remite a las reflexiones de Richard Sennett cuando disecciona los valores del trabajo bien realizado (Sennett, 2013). Si los diseños de Nacho Lavernia (http://lavernia-cienfuegos.com) nos ayudan a disfrutar de objetos cuidadosamente elaborados (a destacar sus conocidos envases para los productos de la marca de distribución Mercadona), entendemos que su papel como maestro ha funcionado del mismo modo al transmitir a su hijo el amor por el trabajo bien hecho, ya que éste aplicará a su docencia los preceptos asumidos. De todo ello nos hablan sus protagonistas, padre e hijo, en el marco incomparable de su estudio (http://lavernia-cienfuegos.com/el-estudio). Palabras-clave: educación artística; diseño; arte; paternidad; patrimonio. RESUMO não tem resumo em português Palavras-chave: não tem em português Novembro 2014 | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Ricard Huerta |155 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 educación artística. Esta es una doble entrevista al diseñador ABSTRACT This paper proposes a reflection on the transmission of knowledge, given as a determining factor as paternity, and investigating issues such as inheritance and Heritage (Huerta & De la Calle, 2012). I consider parenthood as an evolving concept, being in favor of a parent-child porous and enriching for both parties relationship (Huerta, 2013). Based on these requirements, and using the methodology of case study, we approach the group of designers and design teachers interviewing Nacho Lavernia, father and son. We analyze this property relations as a model that takes into account the transmission of trades, which brings us to the reflections of Richard Sennett when dissects values a job well done (Sennett, 2013). If Nacho Lavernia designs (http://lavernia-cienfuegos.com) help us to enjoy carefully crafted objects (include their packaging for products of Mercadona), we understand that the role also has worked as a teacher to give her child love for a job well done. His son applies to their teaching the precepts assumed. From all this, tell us about their characters, father and son, in the beautiful setting of the studio (http://lavernia-cienfuegos.com/el-estudio). His son understands the work as a teacher from the precepts transmitted by his father. Keywords: Art Education; Design; Art; Parenting; Heritage. Nacho Lavernia (Premio Nacional de Diseño) y a su hijo el profesor Nacho Lavernia (profesor en la EASD Escuela de Arte y Superior de Diseño de Valencia) realizada el 14 de febrero 2014, en el Estudio de Diseño Lavernia & Cienfuegos Asociados, situado en una céntrica Figura 1 – Nacho Lavernia padre e hijo en 1986. calle de la ciudad de Valencia. Al convencer a ambos para cambiar de espacio, aunque te encuentres bien. Todos entrevistarles conjuntamente se intenta conectar los los momentos creativos tienen un punto de inquietud y lazos que unen a un padre y a su hijo en la transmisión nerviosismo, lo cual puede provocar que las cosas salgan de intereses, saberes y valores. Esta es una cuestión muy bien o no, aunque sólo sea por el hecho de moverte. Este cercana a la idea de educación, ya que uno de los significados espacio que tenemos ahora es muy distinto al taller en el del término “educere” responde al concepto amplio de que estábamos antes, que era un espacio absolutamente conducir, orientar y guiar. La entrevista es semiestructurada diáfano, donde todos los que trabajábamos juntos nos y parte de un conjunto de preguntas abiertas, de manera veíamos constantemente, se oían las conversaciones y la que los entrevistados intervienen en función de sus propias relación era muy fluida en ese sentido. Aquí sin embargo pulsiones, sin un orden prefijado. Se trata de preguntas, todo ha cambiado, ya que cada uno tiene su despacho. ideas o sugerencias que se van comentando, para poder Es más fácil crear y diseñar en condiciones favorables si dar cabida a los nexos que existen entre padre e hijo al dispones de un espacio donde te sientas cómodo. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en abordar determinadas temáticas: los gustos personales, la influencia del padre, los cambios en el escenario digital, NLH Si existe un entorno idóneo para el diseño no lo conozco, el oficio de educar, la importancia de los espacios para la pero lo cierto es que influye en la manera de hacer las cosas, creación, o las diferencias generacionales. Al no existir un sobre todo en el hábito de trabajar. Yo lo veo con mi hijo orden preestablecido de intervención, las aportaciones de Marc, que en determinados espacios está acostumbrado los dos personajes se intercalan y permiten una conexión a actuar y funcionar de cierta manera, es muy difícil que de intereses. Se ha marcado con siglas iniciales cada funcione igual a la hora de estudiar en el sitio donde juega intervención, de manera que RH es el entrevistador (Ricard y se divierte. Huerta), NLP el diseñador (Nacho Lavernia Padre) y NLH el RH Mi espacio de creación ha sido básicamente el aula, ya profesor de diseño (Nacho Lavernia Hijo). que si bien me formé en Bellas Artes, nunca tuve un taller RH Con esta entrevista nos acercarnos a la idea de de artista en sentido estricto. transmisión, al concepto de padre como maestro. Un diseñador precisa de un espacio para el diseño, su estudio, NLP Es que en realidad es lo mismo. El espacio adecuado y un profesor para impartir sus clases, el aula. ¿Existe un es el mejor taller, ya que allí tienes lo que necesitas, las espacio idóneo para la creación? herramientas que vas a usar, los materiales, la mesa, las superficies adecuadas para tus tareas. Un lugar de trabajo, 156 | Ricard Huerta | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Novembro 2014 NLP Más que averiguar si existe un espacio idóneo, se trata taller o despacho, siempre es lo mismo. Yo aquí tengo los de trabajar en un espacio en el que te sientas bien y estés libros que suelo manejar, los lápices, el papel, la impresora, a gusto. A veces parece que incluso necesites precisamente el ordenador. Vas haciendo las tareas poco a poco, y las Novembro 2014 | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Ricard Huerta |157 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 NLH En ese sentido está muy bien el proyecto de la Nave de lo mal que lo hacías. Ese es el momento de empezar a RH Vosotros formáis a la gente. Diseñando, al ofrecer un estás a gusto. Música del Centro de Creación Contemporánea Matadero aprender: tener un criterio de valoración. producto de calidad. Y en clase, porque es un espacio perfecto para transmitir sensibilidad por las cosas bien de Madrid, en el que se han habilitado espacios para los RH Sin embargo los espacios donde impartimos las clases creadores, incorporando sillones y muebles, haciendo RH Las clases de educación artística han sido las únicas hechas. nos vienen impuestos. todo más cálido y acogedor. Desde fuera parece una casa en las que nunca estuvo mal visto el hecho de copiar. Se (gesticula con las manos describiendo un tejado a dos anima al alumnado a compartir sus trabajos, una tradición NLP Yo les explico a mis alumnos que la materia prima con aguas). El conjunto es como una pequeña ciudad. de la educación artística. la que trabajamos son las imágenes, y sobre todo la cultura NLH El alumnado hacen suyo el espacio mucho antes de que tú mismo lo hayas logrado, ya que pasan allí muchas de esas imágenes, la cultura de lo visual. Es importantísimo horas compartidas con sus compañeros. El profesor es el RH El trabajo colaborativo y las propuestas de equipo o la NLH Lo cierto es que los alumnos aprenden tanto o más de que conozcan la historia del arte, la historia del diseño, la que cambia de aula, pero ellos se mantienen en la misma, implicación de los participantes también han modificado la sus compañeros como del profesor. En las clases de diseño arquitectura, que vean cine, todo eso es fundamental. Por y la hacen suya. De todos modos habría que repensar los posición del profesor en el aula. lo habitual es que todos compartan lo que están haciendo. poner un ejemplo, aquí en el estudio estábamos hace poco En algunas escuelas del centro de Europa se impuso hace debatiendo dos propuestas de diseño de caja, y alguien dijo NLP Cuando he impartido clases, y en general, lo que años un modelo de enseñanza que era no presencial. El que le gustaba más ese “Rothko” (Mark) que ese “Mathieu” NLP El taller de diseño o el aula para impartir clase son cosas promuevo es que la gente pueda ver el trabajo que están alumno tenía una tutoría y volvía varios días después. (Georges), comparando los proyectos y relacionándolos con diferentes. haciendo los demás y que participe. Si un alumno expone Llegamos incluso a tenerles un poco de envidia. Sin embargo la obra de dos artistas. Esta sería una manera de entenderse ahora eso está cambiando. Se está volviendo a la enseñanza rápida y precisa, algo fundamental para nosotros. Cuando RH Creo que deberíamos plantear los presencial, porque resulta evidente que el profesor no es vas a una escuela y detectas que el alumnado no conoce entornos para la educación en artes la única instancia de saber, ya que los compañeros son una a Rothko, entonces te planteas muchas cuestiones. Si estás como un reto de futuro. Las aulas de fuente de conocimiento, por tanto conviene tener contacto estudiando diseño, estas cosas hay que saberlas. El dominio dibujo de las antiguas escuelas de con ellos. Algo que se comprueba en la práctica es que si en de lo visual es fundamental, porque de este modo se arte eran mucho más atractivas que un grupo de clase hay alumnos destacados que llevan bien genera una sensibilidad, que es de lo que se trata. Explicar las actuales. su trabajo, están tirando del resto, estimulando el ritmo de lo subjetivo es arduo, requiere tiempo, el gusto se forma a la clase. En el otro extremo ocurre igual, si detectas que hay través del aprendizaje. espacios para la docencia, ya que suelen ser muy fríos. NLH Quizá esto se deba al tipo de cuatro o cinco alumnos que no están avanzando, entonces herramientas que se utilizan ahora: ves que el resto tiende a animarles. el ordenador ocupa un espacio importante en el aula, aunque no se RH ¿Un diseñador es más exigente con su entorno esté usando, lo cual es un problema, cotidiano? REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 cosas las tienes a mano. Tu taller es el espacio en el que ya que la mesa está copada por el ordenador. RH Puede que sigamos con la idea de NLH Un diseñador es un sufridor nato cuando pasea por la Figura 2 – Estudio Lavernia & Cienfuegos Asociados, en Valencia. ciudad. que la mesa es para dibujar, aunque ahora esté ocupada su proyecto prefiero que el resto opine y participe, incluso NLP Nos pasa a todos, pero creo que tampoco hay que por un ordenador, lo cual en realidad elimina ambos que se pueda ver la relación que existe entre el alumno que obsesionarse con esto. procesos, y de paso nos impone una organización del taller. está siendo valorado y las opiniones que va aportando su profesor. Así también se aprende mucho. Me parece que en NLH Sí, pero la cantidad de mensajes que recibes cuando NLP Está evolucionando todo lo referido a mobiliario de todo sistema educativo lo que debe prevalecer es aprender vas por la calle es abrumadora. Eres más sensible, porque oficinas, y también está cambiando muchísimo el diseño de a valorar el trabajo que se está haciendo. En muchas estás más expuesto y trabajas en ello. estos espacios, justamente porque ya nadie tiene un lugar ocasiones el alumno es incapaz de detectar si lo que está fijo, sino que la gente llega y se instala con sus portátiles, y haciendo es muy bueno o muy malo. Esto debería ser una NLP Cuando alguien tiene buen gusto, las cosas de mal al final toda la comunicación es online. cuestión prioritaria a abordar. Un profesor de dibujo nos gusto le hacen daño. decía que no podías aprender a dibujar hasta que supieses 158 | Ricard Huerta | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Novembro 2014 Figura 3 – “Los ciclistas”, un diseño del padre, en el que participó el hijo, con el que han jugado ambos. Novembro 2014 | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Ricard Huerta |159 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 formación autodidacta era mucho más dura y difícil. Ahora Si la educación en sí fuese más exigente, puede que hubiese NLP Y después están las escuelas privadas, lo cual significa diseñador? el camino es extremadamente más fácil. Sin embargo, en menos alumnado, pero estarían más motivados. que cada año se graduan unos mil diseñadores. nuestra época era más fácil que ahora encontrar una salida NLH ¡Uf! Requiere una cierta actitud y predisposición por profesional cuando terminabas los estudios. Es como RH En los estudios de Magisterio, que es mi especialidad, NLH O más, puede que sean 2000 los que se gradúan cada parte del alumno. Tu labor como docente consiste en poner si cuando terminan les dijesen: “ahora te vas a enterar, se ha detectado que si bien no todo el alumnado inicia su año en España. encima de la mesa ciertos conocimientos. Quien quiere ahora es cuando lo tienes duro”. No sé si ese cambio de la formación de manera vocacional, tras las prácticas se ha los toma, y quien no, no. Yo lo detecto en mi alumnado. dificultad laboral antes o después es más positivo o no, ni consolidado el argumento vocacional. A las pocas semanas de estar impartiendo clase ya sabes cómo lo resolverán. En general veo más indolencia entre la quiénes tienen interés. El alumno que tiene interés saca gente joven. RH En Bellas Artes teníamos profesores que se guardaban mucho de explicarnos sus “secretos” a la hora de pintar o NLP Cuando la gente empieza a ver que le gusta la carrera esculpir. que está estudiando puede que haya una mayor carga las asignaturas sin problema, de manera que disfrutas tú y NLH Nosotros en la Escuela hemos detectado que desde de atracción hacia el oficio, supongo que vocacional. La NLP Yo creo que eso es malo en diseño, en farmacia y en hace unos años el alumnado viene con una actitud distinta. vocación me parece casi un acto de fe, que ya no lo es tanto cualquier disciplina. Eso debe ser un síntoma de mediocridad NLP Lo vocacional al final es una actitud. Es una cuestión que La tradición vocacional que tenían las escuelas se ha perdido. si llevas dos años estudiando aquello que te gusta. y de inseguridad. Si ahora Rubens o Leonardo da Vinci tiene que ver con el tiempo, con el desarrollo de la sociedad. Ahora viene la gente diciendo “a ver qué hago”. disfruta él. El diseño no era algo muy conocido cuando yo empecé se pusiesen a enseñarte a dibujar ¿qué temor podían RH En los estudios de Magisterio las prácticas constituyen tener a que luego tú lo hicieses mejor? Lo importante del un elemento esencial, supongo que en diseño ocurre igual. conocimiento es lo que se hace con él. Cuando un profesor a interesarme por el tema; de hecho aquí en Valencia no NLP Tener vocación por algo a los 16 años es muy difícil. había escuela de diseño, lo que había era la Escuela de Artes Cuando más reglada, más convencional y más conocida y Oficios, donde podías estudiar decoración o cerámica. se ha hecho una carrera, menos vocación creo que hay. La NLH En diseño las prácticas son fundamentales. Incluso hay Todavía no existía interiorismo. Otros compañeros estaban vocación se manifiesta cuando lo que vas a hacer es algo exceso de oferta por parte de las empresas. Son demasiadas NLH Ahora con Internet se tiene acceso a todo. El profesor en Bellas Artes, y algunos ni siquiera cursaban una carrera desconocido, ha de haber un espíritu especial. las que ofrecen plazas de prácticas para alumnado en ya no es la única fuente de saber. Lo comprobamos en clase, especializada, sino que empezaron a trabajar en una formación. Nosotros estamos muy contentos con los estamos hablando de algo y el alumnado lo está consultando agencia de publicidad a los 14 años y resultados de estas prácticas. en Internet. Por tanto no tiene sentido quedarse con el hace su trabajo no veo por qué tiene que ocultar nada. conocimiento, ya que no lo posees únicamente tú, sino que siguieron aprendiendo por su cuenta. Nosotros estuvimos REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 RH ¿Qué se requiere para dar una buena formación al RH ¿Está reconocida la labor del diseñador? descubriendo está al alcance de todo el mundo. Tu labor ahora es guiar, indicar, aconsejar. lo que era el mundo del diseño de una manera autodidacta. Yo estudié NLP Eso seguro. Desde los años 1980 hasta ahora ha Diseño Industrial en la Escuela Elisava cambiado mucho el conocimiento y el reconocimiento RH ¿Por qué en los países mediterráneos está tan extendida de Barcelona, cuando ya llevaba años social de la profesión. Ahora las empresas y las instituciones la separación entre Bellas Artes y Diseño? intentando aprender. El aprendizaje saben de la importancia del diseño. NLH Debido a nuestro nombre hay gente que cree que autodidacta es como conocer una RH ¿Existe competencia entre las escuelas de diseño? somos de Bellas Artes, y hemos de aclararles que no es así. va orientando, que te va indicando NLH No veo que haya competencia. Lo que sí hay es mucho NLP Entiendo que hay muchos elementos comunes que las cosas que hay que saber y lo que diseñador joven que sale al mercado laboral y no encuentra se comparten en los estudios de Bellas Artes y de Diseño, hay que ver en la ciudad. Si intentas un sitio para ubicarse. Hay muchas escuelas formando a incluso de Arquitectura. Pero considero más próxima la conocerla siendo autodidacta te dejas gente. Arquitectura al Diseño que no a las Bellas Artes. Un elemento ciudad por ti solo. En la educación formal dispones de un guía que te distintivo que se da en Bellas Artes es el no trabajar por unas lagunas enormes, pero por otro lado profundizas muchísimo más, ya que eres tú el que busca. La curiosidad es fundamental, la exigencia, tu Figura 4 – Durante cinco años padre e hijo estuvieron trabajando juntos en la empresa “aila” de creación de páginas web. NLP ¿Cuánta gente matriculada tenéis aquí en la EASD de encargo. También hay diseñadores que trabajan en los Valencia? límites del mundo del arte y el diseño. Yo diría que una de las cosas que diferencia al diseñador del artista es que el propia inquietud, tu motor. Vas buscando aquí y allá, vas NLH Si la educación es más dura cambia, porque no creo NLH En las cuatro especialidades de grado tenemos artista trabaja desde adentro hacia afuera enfrentándose al recorriendo todo, de repente un libro te lleva a otro. Nuestra que nadie se plantee estudiar medicina para ver qué pasa. alrededor de 1300 alumnos. lienzo en blanco, mientras que el diseñador trabaja con un 160 | Ricard Huerta | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Novembro 2014 Novembro 2014 | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Ricard Huerta |161 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 no le interesaban demasiado los cuadros, pero se quedó RH ¿Ha influido en tu opción por la docencia en diseño el diseña directamente desde el ordenador, lo cual supone funcionar con un elemento sustancial que es el proyecto. entusiasmado con unas maquetas de barcos, con las pistolas hecho de que tu padre sea diseñador? hacer muchas cosas en muy poco tiempo, cambiando y y las espadas. probando. Se ha perdido escribir y dibujar las cosas a mano, NLH Sí, creo que sí. Pero nunca de una forma consciente, ya lo cual requiere mucha reflexión, porque cuando has hecho que él nunca me presionó al respecto. Fui descartando otras unas rayas no es tan fácil volver al principio, ya que implica posibilidades que no me convencían, y finalmente opté por empezar de nuevo. Tienes que pensar más, reflexionar, ver RH ¿Puede que sea el entorno industrial el que domina en el diseño? RH ¿Solíais ir a los museos cuando Nacho era pequeño? NLP También la estética al servicio de una comunicación que NLP Imagino que lo normal. No tengo un recuerdo especial la formación en Bellas Artes. Pero no me atraía ni la pintura dónde quieres poner cada cosa, el texto, la imagen, antes tiene una dimensión muy distinta a lo que sería comunicar al respecto. ni la escultura, más bien el dibujo y el grabado. incluso de hacerlo. De todos modos no creo que una cosa sea mejor que la otra. Cada cuestión responde al tipo de en el mundo del arte. Pero todo lo visual es algo que tenemos en común. Tradicionalmente ha habido una separación muy NLH Cuando se inauguró el IVAM entonces sí que iba mucho. NLP Cuando hacías la carrera venías por el estudio, me sociedad en la que estemos. En la sociedad donde nosotros grande en los museos de arte y de diseño. Incluso varias veces a la misma exposición. ayudabas. Supongo que si yo hubiese sido farmacéutico nos educamos la profundidad era un valor esencial. Era también hubieses venido por la farmacia. importantísimo profundizar en las cosas. En la sociedad RH ¿Para deleitarse visualmente el diseñador prefiere un museo o un centro comercial? actual tiene más interés la superficialidad, la rapidez, los NLP Cuando íbamos de viaje. Con desplazamientos constantes. Internet te permite acceder a niños ya se sabe que con estas cosas un montón de cosas con una gran rapidez, pero no resulta tampoco se puede abusar, en un tan fácil profundizar. Son valores que cambian. La sociedad museo aburren se va auto-justificando. La gente joven que ha nacido con el bastante (aquí el hijo pone su mano iPad, el iPhone y el ordenador en la mano, que ha aprendido izquierda sobre el antebrazo derecho un proceso mental y creativo en función de todas estas de su padre). herramientas, dará unos resultados, y los justificará. No es normalmente se REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 encargo, unos requisitos, unos requerimientos, además de mejor o peor reflexionar o profundizar, pero cada momento lleva su proceso propio. NLH Me acuerdo que cuando fuimos al Museo de la Ciencia me lo pasé en grande. Y también me acuerdo del NLH Lo notas con el alumnado. Planteas algún problema Museo de las Miniaturas de Guadalest, y no se funciona igual. Antes iniciaban su proceso con la donde había una edición del Quijote Figura 6 – Tres generaciones en una imagen reciente. El más jovencito es Marc. escrita en un grano de arroz (ríen Figura 5 – Biblioteca del estudio Lavernia & Cienfuegos. A Nacho Lavernia le gusta trabajar rodeado de libros. ambos). RH Intuyo que desde pequeño ibas por el taller. mano, el lápiz, el papel, lo cual requería una construcción mental concreta. Cuando te pones directamente a trabajar con el ordenador es distinto: hay un espacio de separación entre el ordenador y lo que hay en tu cabeza, las ideas. NLP También influyen los temas de los que se habla, lo que NLP Más que un Centro Comercial, que me pone un poco RH En las nuevas teorías del artist-teacher o de las a/r/ los pelos de punta, te diría que pasear por la ciudad, viendo tografías se habla del profesor de educación artística como tiendas, comercios, y cualquier aliciente visual. Yo en cada un artista que es al mismo tiempo profesor e investigador, NLH Yo siento más interés por la arquitectura, algo que me ha grupo La Nave tuvimos que hacer una reflexión sobre sitio y en cada momento busco cosas distintas. Tiene que elaborando procesos artísticos como elemento clave de las sido inculcado por tu parte (dirigiéndose a su padre), siendo sobre los diseños desde Bauhaus hasta el año 1980, sobre ver con las inquietudes, con las cosas que te inspiran, que clases. pequeño tú siempre te interesabas por la arquitectura. El el uso del cartabón y del compás, del sistema diédrico tema del diseño te lo he tenido que “sacar”. de representación. Esas herramientas y esos lenguajes te aportan algo. En ese sentido hay un grado de aporte de disfrute importante. NLP La herramienta es fundamental en relación con el ellos ven desde niños, lo que te interesa. resultado que vayas a obtener. Cuando estábamos en el configuraban el resultado final. Ahora son los programas de NLH En diseño no podemos plantearnos las clases como algo artístico, porque de ese modo nos salimos del enfoque RH ¿Qué ganamos y qué perdemos con el nuevo escenario ordenador los que te llevan. No se puede diseñar lo que no NLH ¿No te ocurre en ocasiones cuando vas a un museo correcto. Muchos compañeros han trabajado como digital? se sabe expresar. Puedes tener buenas ideas en la cabeza, que disfrutas del espacio y de la arquitectura pero después profesionales del diseño y además son profesores, lo cual prácticamente no te acuerdas de lo que había expuesto? favorece que planteen las clases desde el ámbito profesional. NLP (suspira) Ganamos en el terreno de la acción, y Hace poco visité un museo con mi hijo Marc, comprobé que No conocía estas corrientes teóricas que comentas. perdemos en el terreno de la reflexión. Ahora la gente 162 | Ricard Huerta | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Novembro 2014 pero al final el resultado de esas ideas será lo que seas capaz de expresar. Novembro 2014 | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Ricard Huerta |163 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 pensando en la pantalla. Están lejos de los escritores del tres películas a una isla desierta serían tres de siglo XIX, desde Proust a Galdós, de los grandes novelistas Billy Wilder (El apartamento, Con faldas y a como Dickens o Tolstoi. lo loco, Primera Plana). Me llevaría comedias de esa época, porque me parece un cine NLH Yo soy partidario de llegar al máximo de público. En maravilloso. Y no es lo mismo ver una película un programa de radio en el que hablaban sobre literatura, en el ordenador que en pantalla grande. cuando se les preguntaba qué novela no habían podido terminar la mayoría apuntaban al Ulises de James Joyce. NLH Con el tema del cine nos han influido un ¿Entonces qué sentido tiene? ¿Te imaginas diseñar una silla montón nuestros padres. Cuando tenía siete en la que no te pudieses sentar? años, mi hermano y yo nos levantábamos Figura 7 – Un momento de la entrevista fotografiado por Germán Navarro. temprano el sábado y veíamos en video Un, NLP Es imposible juzgar el arte sin tener un conocimiento dos, tres de Billy Wilder, una y otra vez. Con bastante profundo de lo que es. Picasso le gusta a la mayoría, RH Pasando a temas cotidianos ¿Cuáles son vuestros el tiempo he ido perdiendo esa exigencia que mi padre ha pero eso no quita valor a Tàpies o a los pintores abstractos. platos preferidos? mantenido. Pertenezco a una generación que se ha criado En el mundo del arte, si no eres un verdadero experto con Star Wars, Indiana Jones, Los Goonies (aquí discuten debería resultar difícil exponer una opinión en público, o en ambos y se interrumpen). Nos han educado en un cine los medios. Es entonces cuando eres capaz de apreciar las comercial de entretenimiento, de manera que soy capaz de cosas. En literatura ocurre lo mismo, ya que esa capacidad ver cualquier cosa. Algo que ahora me resulta más difícil de de determinados autores por encontrar formas nuevas para ver son las historias en las que sufren los niños. Desde que contar historias es meritoria. Te podrá gustar o no, pero si NLP A mí me gusta comer. Disfruto de un buen arroz al horno tuve a Marc estoy más reacio a las películas de acción y a te metieras de verdad en lo que es la problemática del arte (uno de los mejores arroces, incluso por encima de la paella), las series violentas. Sufro mucho. Me acuerdo de la abuela lo entenderías. Te lo digo yo que he empezado dos veces y de un cocido o de unos garbanzos. Pero también me gusta cuando vio Kramer contra Kramer: impidió que yo la viese. el Ulises de Joyce y nunca he pasado de la página 37. Sin NLH Unas patatas con huevos fritos. (ríen ambos) RH ¿Eso significa que no os gusta la cocina sofisticada? embargo he leído a Proust desde los 18 años. la cocina de vanguardia. La gastronomía más novedosa le hace un gran favor a la oferta que tenemos en Valencia, NLP Una experiencia que no sé si llegó a ser traumática con una buena oferta de restaurantes, incluso a un precio para Nacho cuando tenía cinco o seis años fue el día que su NLH La persona de 18 años que se leyó a Proust porque no razonable, donde encuentras un ambiente agradable y una abuelo, mi padre, le llevó a ver 2001 Una odisea del espacio, había televisión y decidió dedicar su tiempo a esa lectura comida muy creativa. La cocina tradicional es más factible pensando que se trataba de una película de aventuras está lejos de los jóvenes actuales que no dedican su tiempo para comer en casa, pero las tendencias creativas mejor en infantiles (ríen ambos). a ello. Debería haber un entrenamiento, una preparación los low cost de grandes chefs, como Ricard Camarena. En para leer una novela medianamente compleja. El Corte Inglés de Callao, en Madrid, David Muñoz, el chef NLH El abuelo estaba indignadísimo, y es cierto que me del restaurante Diverxo, ha montado un low cost donde quedé muy impactado. RH ¿Compartís preferencias en películas de cine? NLP En cualquier manifestación artística lo más fácil de apreciar es el dibujo, y en narrativa el argumento. Pero se come de maravilla. (gesticula y explica con emoción los platos orientales típicos de Singapur que comió) REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 una birria de película. Si tuviese que llevarme NLP El hecho de ir a ver una película al cine o de comprarte las aportaciones realmente novedosas han de tener un libro es en realidad como una apuesta: arriesgas. Cada originalidad, plantear las cosas de otro modo, algo que vez hay menos gente que te recomiende, y no hay una requiere un esfuerzo por parte del lector, pero que resulta crítica realmente fiable. Tienes que ir buscando y tanteando fundamental en cultura. (ríen ambos) NLP Con el cine y con la literatura tengo fama para comprar un libro. La trilogía del “Milenio” me parece entre mis amigos de gustarme lo sesudo, en realidad lo auténtica basura, aunque tenga mucho éxito. Estamos en que ocurre que me gustan las buenas películas y la buena la sociedad de la audiencia, y si lo importante es que te literatura. Cuando decimos que vamos al cine a pasarlo bien vean dos millones, harás lo que sea necesario. Muchos de y a disfrutar creo que hablamos de no tener que aguantar los escritores actuales más que escribir novelas escriben Referencias Huerta, R. (2013) Paternidades creativas. Barcelona. Graó. Huerta, R. y De la Calle, R. (2012) Patrimonios migrantes. Valencia: PUV. Sennett, R. (2013) El artesano. Barcelona: Anagrama. 164 | Ricard Huerta | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Novembro 2014 Novembro 2014 | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Ricard Huerta |165 RESENHAS Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 RESENHAS por Teresa Eça APECV/I2ADS, Portugal Ymago é um projeto editorial que possibilita o alargamento dos nossos horizontes de leituras sobre a teoria e a investigação das imagens, sobre as imagens e com as imagens. Os seus promotores estão a traduzir e a publicar textos chave para todos os que de um modo ou de outro se interessam por este tema. Já traduziram e publicaram quatro títulos de autores que pensam a imagem em termos inovadores. Uma dessas obras é ‘Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta’ de Georges Didi- Huberman traduzido por R. C. Botelho e R. P. Cabral. Um livro notável, com uma excelente tradução. Didi- Huberman, é um filósofo e historiador de arte, que tem apresentado uma visão muito crítica e pessoal questionando os pressupostos vasarianos, panofskianos e neo-kantianos da história da arte. Ele é um autor plurifacetado que tem assumido posições demarcadas, apoiado em referências teóricas como Warburg, Benjamin, Freud e Deleuze em relação à interpretação da arte. Para ele as imagens são complexas e contraditórias e têm dimensões empáticas, éticas e políticas. Neste livro ‘Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta’, Didi- Huberman retoma o seu texto introdutório do catálogo da exposição Cómo llevar el mundo a cuestas ? - Atlas. How to Carry the World on One’s Back? que Georges Didi- Título: Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta Huberman organizou no Centro de Arte Reina Sofía (Madrid) entre novembro Autor: Georges Didi-Huberman, trad. R. C. Botelho e R. P. Cabral 2010 e fevereiro 2011, mais tarde exposta no ZKM-Zentrum für Kunst und Ano: 2013 Medientechnologie de Karsrühe e em Sammlung Falckenberg em Hamburgo, Editora: KKYM+EAUM entre maio e novembro de 2011. Local de publicação: Lisboa O Atlas Mnémosyne é um marco importante na maneira como interrogamos 315 páginas o papel das imagens. Foi um momento de rutura epistemológica importante, ISBN: 978-84-8363-984-9 tendo sido composto, decomposto, montado, remontado por Aby Warburg entre 1924 et 1929. O Atlas Mnemosyne é uma obra aberta ao acaso e à partilha, deixando em aberto interstícios, brechas, continuidades para que outros, como http://cargocollective.com/ ymago/Didi-Huberman-Txt-10 Didi- Huberman o possam interrogar para, nas palavras de Foulcault, exercitar uma arqueologia do saber visual. Trata-se de um autêntico processo de pesquisa, com um método que releva do poder que as imagens e a técnica de montagem de imagens têm de rondarem o real, de se associarem e de associarem outras ideias, conceitos e imagens para criar discursos. Ao abordar o Atlas como qualquer arquivo, incompleto, sujeito a erros e lacunas Didi-Huberman acercanos da impossibilidade de definir o real e das possibilidades da imagem tocar Novembro 2013 | Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta | Teresa Torres de Eça |167 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 maneiras de entender o conhecimento, desde a primeira prancha dedicada à várias vezes evocados pelos pesquisadores que utilizam investigação baseada arte divinatória até à última que evoca a sombra do fascismo, é um livro que nas artes. A montagem no entender de Didi-Huberman não é a criação artificial recolhe tal como Goya os ‘Disparates’ do mundo visível. Os seus ‘Desastres’ de uma continuidade temporal a partir de “planos” descontínuos organizados assentam perfeitamente nos paradoxos da erudição e da imaginação relatados em sequências. É, pelo contrário, um modo de desdobrar visualmente as por Jorge Luís Borges. Enfim é um livro que nos leva a pensar e questionar ética e descontinuidades do tempo da obra em toda a sequência da história. politicamente, através das imagens e da montagem, as loucuras da história. No Atlas Mnémosyne percorremos um processo arqueológico, numa viagem que vai desde a Babilónia até ao século XX, do Oriente ao Ocidente, dos ‘astras’ mais longínquos (constelações de ideias) até aos ‘monstra’ mais próximos (pulsões viscerais). Das belezas da arte aos horrores da história. Este livro evoca, através de uma escrita baseada em grandes planos mais do que em descrições contínuas as metamorfoses de Atlas, o titã condenado pelos deuses do Olimpo a carregar eternamente o peso do mundo. Recorrendo ao Atlas Mnemosyne, de Aby Warburg, Didi-Huberman encontra no género atlas, nesta forma visual do saber, um percurso que aborda o “saber pelo sofrimento” (pathei mathos), de Ésquilo, passando pela reinvenção warburguiana do género Atlas, onde as imagens se situam entre “a fantasia vibrante e a razão apaziguadora” até o “sabiamente caótico” atlas de Jorge Luis Borges. As imagens evocam, transcendem e alteram, são fantasmas. Ao atender ao ethos e ao pathos de uma única imagem, entra- Referências BORGES, J. L. (2010). Atlas. São Paulo: Companhia das Letras. DIDI-HUBERMAN, G. (2000). Atlas Cómo llevar el mundo a cuestas? Madrid: Reina Sofía. REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 o real através de processos de associação e de montagem, processos esses se em contacto com a fina película do fantasma primitivo, explorada por Freud. Inerente à imagem estão os gestos, e expressões próprios de uma corporeidade que assombra a imagem, seja como “matriz”, seja como “expressão” ou “encarnação”, termos que fazem parte do vocabulário crítico de Georges DidiHuberman. No ‘remix’ Warburguiano feito por Didi-Huberman, sentimos algumas forças complementares que fazem parte de sua tarefa arqueológica. Uma dessas forças, que apela ao informe, ao sintoma e à metamorfose vem talvez da influência do filósofo Georges Bataille e do seu pensamento do não-saber. A outra força poderia vir da influência de Friedrich Nietzsche, com o ‘gai savoir’. Georges DidiHuberman leva em consideração ambos, o não-saber e o saber alegre, como aqueles que assombram o logos de uma teoria do conhecimento que paira sobre o sensível. Aqui, encontra-se uma primeira interferência que acontece pelo assombro, pois o espaço do desejo assombra o espaço do pensamento. Assim a construção do conhecimento vagueia entre astra e monstra, logos e sensível. É no conflito entre astra e monstra que o saber na cultura acontece de forma trágica e perturbadora e a ciência se reivindica como uma profecia, onde se captam as nuances de intuição do conhecimento e de uma inteligência capaz de adivinhar. A ciência como profecia inclui outras maneiras de saber (saber pelo sofrimento tal como o titã Atlas que ao carregar o fardo do mundo acede a uma sabedoria imensa mas também trágica, o saber alegre ou ainda não-saber), ou seja um saber que existe nos limites, nos excessos. Compassado assim entre estas três 168 | Teresa Torres de Eça | Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta | Novembro 2014 Novembro 2013 | Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta | Teresa Torres de Eça |169 RESENHAS REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 por Jesus Marmanillo Pereira Nas primeiras páginas do livro O Poder em Movimento, Sidney Tarrow Ao falar sobre as condições da luta política, destaca um dos pilares expõe notícias do Internacional Herald Tribune de 17 de março de 1997 e fundamentais do livro, que é a noção de estrutura de oportunidades políticas. chama atenção para os inúmeros registros de protestos e rebeliões ocorridos na Contrariamente a perspectiva da mobilização de recursos, voltada para explicação Iugoslávia, Albânia, Sérvia, Bornéu, Zaire oriental e Bélgica. O autor demonstra dos fatores e condições existentes no interior dos movimentos de reivindicação, que todas as situações descritas foram marcadas pelo “poder” constante no a perspectiva da estrutura de oportunidades políticas inseriu o elemento político confronto político e nos movimentos sociais. e histórico na analise das ações coletivas de confronto, garantindo assim uma Nos diferentes exemplos, o autor observa que “pessoas comuns” irromperam nas ruas e tentaram exercer o poder por meios contenciosos contra estados nacionais ou opositores mais fortes. Essas situações de confronto caracterizam, para o autor, um cenário privilegiado de estudos das condições de Título: O Poder em Movimento: movimentos sociais e confronto político Autor: Sidney Tarrow Ano: 2009 abordagem mais estrutural. Com esse viés analítico, buscou sintetizar às principais contribuições dos estudos sobre ação coletiva de confronto, a fim de criar um modelo analítico que considerasse os condicionantes internos e externos para o desenvolvimento da mesma. emergência de movimentos sociais, ou seja, “seqüências do confronto político Ao discorrer sobre a ação coletiva modular, o autor destaca a dimensão baseadas em redes sociais de apoio e em vigorosos esquemas de ação coletiva histórica e cultural dos repertórios de ação, desenvolvendo uma explicação e que, além disso, desenvolvem capacidade de manter provocações sustentadas pautada em duas perspectivas: a orientação dos detentores de poder e o âmbito contra opositores poderosos” (p.18). da ação (local e nacional). Empiricamente analisa antigos e novos repertórios Nessa perspectiva, ele compreende a ação coletiva como base dos movimentos sociais, enfatizando a necessidade de que essa seja estudada de acordo com um amplo quadro analítico composto de contribuições da história, sociologia, ciência política e antropologia. Tal abordagem interdisciplinar foi pensada para contextos caracterizados por situações de “mudanças nas oportunidades e restrições políticas” capazes de gerar nos participantes, uma série desenvolvidos na Europa ocidental e na América do Norte, de onde extrai as noções de repertórios tradicionais e repertório modular. Grosso modo, pensa os dois tipos de repertórios: 1) em relação à capacidade de utilização em diferentes contextos, 2) considerando a forma como se desenvolvem tais ações, por encenações, boicotes, ações violentas, e 3) quanto às características da ação coletiva- propósitos comuns, solidariedade etc.. Editora: Editora Vozes de incentivos materiais, ideológicos e partidários. Para tanto, considera fatores Ao valorizar a dimensão histórica, Sidney Tarrow enfatiza que os Local de publicação: Petrópolis, RJ como: os desafios coletivos, as redes sociais ativadas, os quadros interpretativos movimentos sociais como são conhecidos hoje datam desde os séculos XVIII, com 320 páginas construídos e a construção de solidariedades associadas a tais ações. forte influência de mudanças estruturais, como a da imprensa comercial e dos ISBN: 978-85-326-3828-1 Expondo, inicialmente, estudos teóricos de autores como Karl Marx, Lenin e Gramsci, Sidney Tarrow observa a relação entre eles e as teorias recentes sobre ação coletiva. Nesse sentido, aponta como os estudos sobre ação coletiva foram tornando-se mais aprimorados e complexos, descobrindo a cada tempo, novos modelos de associação e socialização, relacionadas ao capitalismo. Entre outras coisas o autor percebe que essas possibilitaram a difusão de informações entre pessoas de diferentes regiões e processos associativos conhecidos como coalizões interclasses. novos fatores e condições para a emergência e permanência dos movimentos Por meio de um estudo comparativo, o autor demonstra a utilização da sociais. Para tanto, demonstra uma serie de perspectivas teóricas e formas de noção de estrutura de oportunidades, tomando como exemplos da França, E.U.A abordagens desenvolvidas ao longo das quatro últimas décadas, destacando: e Inglaterra, onde se deteve sobre as diferenças nos padrões de construção do a teoria da escolha racional, a teoria da mobilização de recursos, a perspectiva Estado e nas repercussões disto em termos de incentivos e constrangimentos sócio construtivista e o viés da sociologia histórica. para a formação de movimentos sociais, ou seja, para entender o que fazia as 170 | Jesus Marmanillo Pereira | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. Novembro 2013 | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. | Jesus Marmanillo Pereira |171 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 ser seguidas como exemplos, por grupos não relacionados ao confronto, ou ser não só conhecer fatores sociais e econômicos experimentados por elas, mas combatidas por grupos antagônicos, gerando assim uma dinâmica caracterizada, também as oportunidades políticas estruturadas de acordo com as características tanto pela difusão, por meio de símbolos, ideologias e de um fluxo maior de dos Estados “fortes” ou “fracos”. informação - que indica uma ativação maior das redes, quanto pela desmobilização Para destacar a importância das mudanças nas oportunidades e restrições relacionada à cooptação e repressão desenvolvidas pelos grupos antagônicos. políticas em relação ao fomento de mobilizações coletivas, o autor exemplifica os No decorrer do confronto os custos pessoais inferem nas formas de diferentes efeitos da crise de 1930 em países com diferentes características de reivindicação, podendo os líderes optar por formas moderadas ou radicais, de estados - França, Inglaterra, E.U.A e Alemanha e enfatiza elementos específicos acordo com a manutenção do “grupo”. Além disso, ele percebe a importância como o Popular Front Francês e o New Deal, considerando sempre o engajamento do aspecto polarizador da violência, que pode esclarecer antagonismos e definir dos trabalhadores precarizados. posições e das ações de facilitação e repressão, que pode desmobilizar ou Com mais detalhes, Sidney Tarrow utiliza seu modelo teórico para interpretar as mudanças ocorridas na U.R.S.S e Sérvia, elencando pontos explicativos cruciais como: abertura política, realinhamento político, aliados extrematizar as ações coletivas de confronto. Para exemplificar, o autor discorre sobre o que considera o primeiro ciclo moderno, a “primavera dos povos” ocorrida na Europa. fortes, divisões no interior das elites, o efeito polarizador da violência, a dinâmica Finalizando o livro, toca em duas questões que também demonstram das manifestações e as rupturas pacificas não impositivas - que combinavam a complexidade dos movimentos sociais. Primeiramente expõe a dificuldade de confronto e convenção. estudos pautados nos “resultados” de ações coletivas de confronto (como greves, Em relação à forma de regime político, destaca as diferentes influências da democracia e dos regimes repressivos sobre os confrontos. Para o autor, a primeira possibilita um numero maior de mobilizações pacificas, mas retira dos passeatas etc.), afirmando que para alguns especialistas, estes dependeram do poder de produção de rupturas, aberturas nas oportunidades políticas e obtenção de recursos internos. mesmos, o elemento da “indignação” - valorizado nas segundas situações onde Com base em pesquisadores como Charles Tilly (1978), o autor sugere as ações coletivas são radicalizadas e unificadas em alvos centralizados. Com que é preciso uma combinação de fatores – internos e externos organizacionais e a democratização, a associação entre reivindicação e partidos políticos tende políticos, estruturais e estratégicos - para conduzir os movimentos ao sucesso. No a aumentar, e com isso, as eleições passam a ter um papel fundamental na processo em que tais fatores se combinam, o autor percebe que há a formação de conquista e manutenção de valores, direitos. um aspecto “politizante” que possibilita aos participantes a aquisição de certas Apesar das mobilizações serem explicadas, também, por tais condicionantes, o autor ressalta que nem sempre configuram movimentos sociais. É necessário que sejam reconhecidos tanto pelos apoiadores como habilidades e que influência vida pessoal dos mesmos, na estrutura familiar ou nos custos que causam. Para exemplificar, Sidney Tarrow discorre sobre os protestos de estudantes na França (1968) e de mulheres nos E.U.A(1960). pelos oponentes, que ocorram a ativação de redes, coalizões, de um modelo A outra questão é a da transnacionalidade do confronto. Para explicá- organizacional, de símbolos e formas de percepção ou enquadramentos la, o autor interpreta o caso do fechamento da Renault na Bélgica, em 1997, e interpretativos capazes de constituir pontos de conexão e formar laços identitários a repercussão disso no mundo dos trabalhadores. Nota como as manifestações em grupos heterogêneos. Com a utilização dos enquadramentos interpretativos (Eurostrike) da cidade de Vilvorde (BEL) difundiram-se, alcançando também os conhecidos também como frames, o autor valoriza as variáveis das análises sócio- trabalhadores franceses. Para explicar essa difusão transnacional, expõe aspectos construtivistas relacionadas a autores como Erving Goffman, David A.Snow e como: a expansão do mercado e globalização, as tecnologias de informação como Robert D. Benford. televisão, computador, fax, a força dos estados nacionais. Para o autor todos Outro tema abordado por Sidney Tarrow é a ampliação do confronto em ciclos gerais. Por meio de uma analogia entre ciclo de confronto e ciclo revolucionário, o autor elencar algumas características a respeito da dinâmica esses aspectos favorecem uma abertura nas oportunidades políticas, ou seja, a capacidade de mobilização, aquisição de incentivos de contextos transnacionais fortalecem confrontos locais. dos ciclos de confronto, por meio de algumas fases como as de “difusão” e Sem abrir mão das principais contribuições dos estudos sobre “desmobilização”. Para tanto, destaca que as primeiras reivindicações podem movimentos sociais, o livro “O Poder em Movimento: movimentos sociais e 172 | Jesus Marmanillo Pereira | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 pessoas arriscassem suas vidas nas ruas para clamar seus direitos é necessário Novembro 2013 | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. | Jesus Marmanillo Pereira |173 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 confronto político” representa um esforço de traçar uma morfologia complexa desse fenômeno social. Dessa forma, os elementos culturais de identidade coletiva, históricos e políticos recorrem às contribuições de importantes autores europeus e norteamericanos como: Alberto Melucci, Erving Goffman, Karl Max, Barrington Moore Jr, Eric J.E. Hobsbawm Charles Tilly, Doug McAdam, John D. McCarthy, Mancur Olson e outros. Enfim, Sidney Tarrow apresenta empiricamente por meios dos processos históricos esquema e modelos interpretativos interdisciplinares que tornam evidente seu bom diálogo entre teoria e prática. Considerando a multidimensionalidade de tais fenômenos sociais contribui significativamente na produção de conhecimento e no refinamento epistemológico das ciências sociais. Referência TILLY, Charles. From Mobilization to revolution. New York, Ramdom House, 1978. SECÇÃO ESPECIAL Homenagem a Elliot Eisner 174 | Jesus Marmanillo Pereira | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. | Novembro 2014 Homenagem a Evocación de Elliot Eisner por Fernando Hernández-Hernández Universidad de Barcelona En 1993 había llegado a Estados Unidos para un sabático que fue clave en mi no sólo contemplar la ciudad desde un apartamento en lo En 2002 nos encontramos en Barcelona y en Madrid, trayectoria personal, pues tomar distancia permite ver la realidad propia desde alto de uno de los hoteles, sino compartir el ambiente que durante su estancia sabática en la universidad Complutense, otros puntos de vista y con menos solemnidad. Pero como he escrito en algún se respira en una circunstancia como esa. y proseguimos con nuestras conversaciones. Por entonces, lugar, me sirvió de manera especial para apreciar que la Educación Artística necesitaba repensar su sentido e incorporar los conocimientos y propuestas que emergían de los debates posestructuralistas, los estudios culturales, los estudios visuales y los estudios de género. También de los cambios que en el sentido del arte y de la práctica artística se planteaban a raíz del debate que agitó la postmodernidad. Finalmente, y en la educación, para tener en cuenta un sentido cultural de la noción de sujeto, que cuestionaba el determinismo de la psicología sobre la linealidad del desarrollo y replanteaba el aprendizaje reivindicando Unos meses después nos encontramos de nuevo en el congreso mundial de InSEA en Montreal. Allí tuvimos ocasión de conversar con calma en más de una ocasión y pude escuchar sus comentarios mientras asistíamos a las presentaciones de algunos de los ponentes invitados. Todavía guardo los temas de algunas de estas conversaciones y la agudeza e ironía de sus observaciones. algunos estábamos tratando de poner en relación la orientación de la Educación Artística con la Cultura Visual. Eisner, seguía las aportaciones de colegas como Kerry Freedman, Paul Duncum y yo mismo, y escribiría su punto de vista sobre esta perspectiva en “El arte y la creación de la mente: El papel de las artes visuales en la transformación de la conciencia” (2012). En aquella ocasión me señaló la importancia de abrir nuevos caminos, pero sin dejar de lado poner lo que se aprende en contexto para que tenga sentido. Esto fue una parte Uno de los días del congreso, mientras comíamos, hablamos la experiencia que comporta la práctica de las artes. De no lo que me llevé cuando regresé a Barcelona. Pero en el camino tuve encuentros de nuestra educación. De lo importe que para él había convertir la educación artística en un hablar del arte. que me ayudaron en mi reflexión y que me abrieron a autores y experiencias. sido participar como niño en las comidas familiares. De Y, sobre todo, a una manera de pensar la educación y el papel de las artes en la importancia que en su familia tuvo la participación y la la educación desde lugares diferentes a los que hasta entonces ocupaban mi escucha de todos, también de los niños, en la mesa. Algo interés. En especial fueron importantes las conversaciones con los colegas del que le hacía sentir a la vez importante y responsable. Me Departamento de Educación artística de Ohio State University (Michael Parsons, sorprendió lo fácil y fluida que resultaba la conversación y Vesta Daniel, Terry Barret, Arthur Efland, Patricia Sthur y Sydney Walker). También de cómo poco a poco me llevó a explicarle mi trayectoria e con los encuentros con Kerry Freedman, Graeme Sullivan y,… Elliot Eisner. intereses, mis impresiones sobre la NAEA e InSEA saltando A Elliot Eisner lo escuché por vez primera ese mismo año, en una conferencia que impartió en el congreso de la NAEA en Chicago en la que intentaba evidenciar que no había estudios que mostraran una correlación entre el desarrollo de actitudes artísticas y el rendimiento en otras materias del currículo. Lo que me pareció relevante de su reflexión fue que cuestionaba la manera en cómo se hacían estos estudios comparativos, tratando de relacionar dominios a los que se evalúa con de un modo personal de un tema a otro, pero con la extraña cualidad, supongo que como le sucedía a él en esas comidas familiares, de hacerme sentir el centro de la conversación. Recuerdo que me señaló sus esfuerzos para que la educación artística no fuera sólo un campo de experiencias sino también de investigación. criterios diferentes. Una colega de la Universidad de Ohio nos presentó durante Con el paso de los años coincidimos en varios congresos. el congreso. Nos saludamos con cordialidad y le conté que iba a estar unos meses Recuerdo de manera especial su comentario en el congreso en Estados Unidos. de NAEA en Huston en 1995, cuando después de la En Atlanta fue ese año el congreso de la AERA y coincidió con su presidencia de esta asociación de investigación en educación. Al cruzarnos por los pasillos entre los dos hoteles en los que se celebraba el evento nos encontramos y nos invitó al presidential party. Algo que me sorprendió, pues solo habíamos intercambiado unas palabras en Chicago, pero que le agradecí, pues me permitió 176 | Fernando Hernández-Hernández | Evocación de Elliot Eisner | Novembro 2014 presentación que hice en un simposio con Kerry Freedman y Brent Wilson, se acercó para felicitarme y señalarme que tener en unas transparencias el texto de mi intervención había ayuda a hacerla más comprensible. Me pareció una REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Elliot Eisner La última vez que nos vimos fue en otro congreso de AERA, de nuevo en Chicago. Me alegró verlo, intentando moverse entre la multitud con cierta dificultad, debido a los efectos de su enfermedad. Me conmovió su coraje y entusiasmo. Su firme voluntad de seguir presente y no recluirse. Pensé que su presencia había servido para dar otro sentido a la educación artística. Para que el currículo y la evaluación se configuraran desde posiciones de diálogo entre campos de conocimiento. También para que la investigación no fuera considerado sólo como aplicación del método científico. Para valorar que el espacio de la experiencia es clave en la investigación en educación,… y en artes. Recordé su esfuerzo para que la mirada de las artes se proyectara en la educación y la investigación. Esas imágenes, como flashes que se suceden se agolparon en el momento en el que después de despedirnos me giré, y le vi dirigiéndose con paso lento hacia alguna sesión en la que pudiera seguir aprendiendo de los otros y aportando su saber. forma amable de decirme que junto a mi entusiasmo era importante que mejorase mi inglés. Novembro 2013 | Evocación de Elliot Eisner | Fernando Hernández-Hernández |177 Homenagem a Elliot Eisner na arte-educação global e em Portugal por Elisabete Oliveira CIEBA-FBAUL. Portugal Elliot Eisner viveu de 10.03. ’33, em família de Judeus Russos emigrada em A foto de Pablo Scagliola (Figura 2) espelha o seu rigor formativa em The Art of Educational Evaluation. A Chicago, até à morte de Parkinson a 10.01.’14. Com gratidão e saudade científico; e gosto de brincar, com profundo vislumbre. personal view (’85): o professor prosseguirá uma recordo o primeiro encontro com esse meu Professor, na sua Sabática e minha Numa noite cultural nigeriana, Eisner foi chamado ao investigação-acção qualitativa cujo criticismo será de Pós-Graduação no Instituto de Educação da Universidade de Londres, ‘79-80. palco, em peúgas; disse, no seu modo optimista lúcido: natureza artística. Em polémica com Howard Gardner, Se eu não voltar, contem à minha mulher! Aspergiram- abre caminho a que até uma novela possa ser defendida lhe a cabeça com sangue de um galo sacrificado como tese. Este contacto permitiu, em ’80, termos o privilégio de uma formação de 50 professores e inspectores na FCG - Lisboa, com o Ministério da Educação, por Eisner, em que o assisti. A sua obra começara a ser conhecida em Portugal nos anos ’70, por referências nossas e de Alfredo Betâmio de Almeida vinda de Londres a sua obra Educating Artistic Vision (’72) -, nas Bibliografias dos Programas e nas Acções de Formação de Professores no país, quando e declararam-no imortal: Agora noutra dimensão, consumou a imortalidade, pela dádiva de centenas de artigos e 15 livros estruturantes de Arte-Educação e Educação. Em Art in Mind: An Agenda for Research (Stanford Keynote. ‘00), explicita que a mente é um processo cujo crescimento é influenciado pelo seu uso, pela cultura (modo antropológico, de vida partilhada; ou biológico, do lançamento destes. E pelos anos ’78 – ‘88/’89, no Gabinete de Apoio à Educating Artistic Vision (’72), com a sua visão curricular de fazer crescer coisas). As escolas desenvolverão a Educação Visual do Ministério da Educação, a Inspectora Irene Sam Payo triangular (dimensões produtiva, critica e cultural), terá mente para que as pessoas se reinventem ao longo da traduziu excertos dessa obra, difundidos aos Professores. fundamentado: (1) Abordagens triangulares, como a de vida, arquitectas da própria educação. Às artes cabe Ana Mae Barbosa (eixos produtivo, crítico e histórico- o pensamento sentido, expressando a descoberta no cultural) ou a nossa (dimensão, D material – Função, F curso da acção. O modelo dos meios precedendo os fins tecnológica; D Social – F comunicativa; D ontológica – F será útil ao planeamento, mas em situações complexas de organização-de-vida); (2) A Cultura Visual no currículo os objectivos podem derivar da aplicação dos meios, escolar - que em Portugal se afirma nos Programas desde imprevisivelmente. Com esta visão, converge o nosso ’74-‘75, após a pacífica revolução de 25 Abril ’74, em uso de referenciais em vez de modelos; e a verificação interacção com a explosão da imagem em liberdade de em investigação campo, da necessidade e eficácia expressão após quatro décadas ditatoriais -, em graffitis, do processo de auto-eco-compatibilização contínua. cartazes, cartoons, banda desenhada e fanzines; nas Investigámos que, até à adolescência, pelo final do 9º campanhas culturais e de alfabetização do Movimento ano, os alunos não atingem geralmente a autonomia de das Forças Armadas nas aldeias; ou no teatro, cinema e critério crítico; e em diálogo com Michael Parsons, este circo sem censura. confirmou não ser frequente encontrá-la antes dessa Em Portugal, Eisner foi ainda crucial no reconhecimento da APECV – Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual (’88-), como RNO – Representative National Organization, secundado por John Steers que, em ’90, lhe reconheceu uma abrangência e operacionalidade que ultrapassavam a da anterior, a APEA – Associação Portuguesa de Educação através da Arte (desde ’57-). Foi Eisner quem impulsionou que propuséssemos a 3ª Conferência de Investigação/3º Congresso Europeus da INSEA para Lisboa (‘94); e, ainda, convidou Portugal (três especialistas), à International Conference on the Future of Arts Education. GlobalPerspectives for the New Millennium. N. York. 1999. Desde a Conferência Mundial de Investigação INSEA, Roterdão ’81, (Figura 1) participei com Eisner em numerosas Conferências de Arte-Educação pelo mundo: ele, Presidente da INSEA (’88-’91), com Vice-Presidência antecedente e sequente; e eu, Conselheira Mundial (‘88-’97). Constatei como valorizava os contextos em que intervinha, em empático diálogo: exº, a 1ª Conferência de Investigação Africana INSEA, Lagos-Nigéria ’88, onde optou por formar para uma investigação ali enraizada em vez de difundir modelos de investigação externos. Com comunicabilidade penetrante, conversava com o profundo empenho de valorizar o arte-educador e chegando, na sua dedicação, a disponibilizar artigos actualizantes. 178 | Elisabete Oliveira | Evocación de Elliot Eisner | Novembro 2014 Uma semelhante liberdade defende Eisner para a concepção da Educação – ao enunciar os objectivos expressivos, para além dos de imitação/mestria ou do 2º grau/de transferência ou design, em The Educational REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Elliot Eisner idade. Nesta base, defendemos que a escolaridade obrigatória, até ao final do 9º ano, deve incluir a Educação Visual/criatividade no core-curriculum, seja qual for o grau de flexibilidade ou autonomia reconhecido à escola. Imagination. On the Design and Evaluation of School Eisner presidiu ainda às Associações Profissionais NAEA, Programs (‘79); e considerando, para lá do currículo AERA e John Dewey Society; e recebeu numerosos expresso e do oculto, o nulo – daquilo que se inibe que Prémios de Professor de Arte e Educação na Stanford possa ser experimentado ou se faça (não) acontecer. University e Mundiais/Nacionais de carreira. E daqui derivando, defende uma arte da avaliação Novembro 2013 | Elliot Eisner na Arte-Educação Global e em Portugal | Elisabete Oliveira |179 Homenagem a El código paterno del maestro Elliot W. Eisner Em palavras suas (In: Oliveira E, Educação Estética Visual Eco-ncessária na Adolescência – Entrevista. ’10. - Eu quero reter conjuntamente a generalidade do campo e a sua contribuição para outras áreas da vida por Ricard Huerta Universitat de València e, ao mesmo tempo, reconhecer o que especifica ou unicamente pertence ao campo da arte-educação. (Refere: The Enlightened Eye. ‘91) (…) A energia que tenho alimenta-se na alegria e prazer em dirimir com ideias com as quais venho lutando En nuestro recorrido profesional surgen personajes que nos marcan de forma durante uma vida de trabalho de investigação. decisiva, del mismo modo que en nuestras vidas acontecen sucesos vinculados a personas con las cuales descubrimos cuál es el camino a seguir, gracias a las (…) Sugeriria aos arte-educadores… Criem uma vivencias que compartimos con ellas y a la confianza que nos transmiten. Esas consciência na vossa vida entre o que está firmado na terra e ao mesmo tempo atinge bem alto, acima do chão para explorar as possibilidades que as artes tornam possíveis nas vidas daqueles que nelas, se empenham e se embrenham na sua realização. Figura 2 – Foto premiada de Eisner, por Paulo Scagliola. Blog DIDATICA III personas son capaces de elaborar lo que yo llamaría un código paterno, es decir, una cercanía que nos inspira y nos anima, incrementando nuestro deseo de saber y nuestro gozo por transmitir. Nos comunicamos con ellas desde el respeto que les tenemos, en base al reconocimiento moral que se han ganado con su ejemplo. Algunas de esas personas se sitúan cerca, en un sentido físico; su presencia es constante, y sus consejos llegan a nuestros oídos a través de palabras y de gestos, expresiones que conocemos y valoramos. A otras no las tenemos geográficamente cerca, y sin embargo nos transmiten sus saberes y consejos a través de textos, mediante libros que leemos, ofreciéndonos documentos que disfrutamos y adaptamos a nuestra propia realidad. Uno de esos personajes REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Elliot Eisner de libro(s) que ha marcado mi trayectoria de manera contundente es sin duda Elliot Eisner. Al igual que él, mi formación está ligada a las artes, ya que estudié música en el Conservatorio Superior, y después Bellas Artes en la Facultad de San Carlos. Pero esa coincidencia la detecté mucho después, gracias a una conversación que pude tener con el maestro en Madrid. Empecé a leer a Eisner estimulado por compañeros de la universidad como Jaume Martínez Bonafé y Fernando Roda, quienes a mi llegada a la Facultad de Magisterio allá por 1990 me recomendaron Procesos cognitivos y curriculum (Martínez Roca, 1987). Este texto sigue conmoviéndome, por su clarividencia y por la destreza con la que elabora su discurso pedagógico. También Roser Juanola y Ricardo Marín me Figura 1 – Conferência de Investigação Mundial da INSEA, Roterdão ’81 Pormenor). (Photo: National Institute for Curriculum Development. Netherlands). A partir da esqª: 1ª fila, 1º, Irein Wangboje (Nigéria); 2ª fila, 3ª, Phylis Gluck (NY); 5ª, Andrea Karpati (Hungria); 7º, Brian Allison (UK); Elisabete Oliveira (Portugal); 3ª fila: 4º, EISNER (Stanford); 4ª fila: 2º, Peter Hon-Chiu (Hong Kong); 3º, Ralph Smith (Illinois); 4º, Diethart Kerbs (Alemanha) e 9º, Luis Errazurie (Chile), transmitieron su entusiasmo por el maestro, algo que se afianzó con la edición en español de Educar la visión artística (Paidós, 1995). Fue la idea eisneriana de formar a profesorado competente partiendo de cuatro ámbitos la que me animó a elaborar y publicar el libro Art i Educació (PUV, 1995). Según el maestro, las cuatro columnas necesarias para preparar a un buen docente en artes visuales supondrían que este profesional dominase tanto la historia como la crítica de arte (estética), que por supuesto tuviese una buena preparación pedagógica, y que además fuese hábil con las técnicas de taller, es decir, que controlase la parte procedimental de la creación artística. Pudiese parecer que Eisner reclamaba 180 | Elisabete Oliveira | Evocación de Elliot Eisner | Novembro 2014 Novembro 2013 | El código paterno del maestro Elliot W. Eisner | Ricard Huerta |181 Homenagem a una utopía, pero lo cierto es que su DBAE aspiraba a dotar de docentes muy capaces a los centros educativos. Era una aspiración legítima, y coherentemente argumentada. Con El ojo ilustrado el maestro incidía en la importancia que pueden ejercer las artes en la formación de la ciudadanía, del mismo modo que El arte y la creación de la mente (también publicada por Paidós) respondía de nuevo a su preocupación por difundir los valores del arte en la educación. Ahora podemos valorar lo importante que hubiese sido para nuestra área de conocimiento el hecho de haber conseguido profesorado especialista en Educación Primaria cuando tuvimos esa oportunidad al implantarse la LOGSE al inicio de la década de 1990. Del hombre recuerdo su sonrisa jovial, y su emoción al contar anécdotas, que más bien parecían clases magistrales de sabiduría, contención y humildad. Intuyo que su pasión por el arte rozaba un permanente síndrome de Stendhal. Cuando recientemente disfruté viendo la película La Grande Bellezza volví a recordarle y a valorar su legado. Por tanto, reitero mi reconocimiento y mi absoluto agradecimiento a ese gran maestro que ha sido y sigue siendo para nosotros Elliot Eisner. Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una pedagogía de la interioridad por Prfa Dra Roser Juanola UdG A diferencia de otras ocasiones, quiero reconocer que no me ha costado decidir el título que figura en este artículo dedicado al profesor Eisner; tenía previsto escribirlo y esperaba una buena oportunidad, un destino adecuado, como pienso que lo es el de figurar junto a un monográfico de textos en su memoria como el que propone la revista Invisibilidades. ¿Qué publicación mejor para cumplir esta función que la revista que edita la comunidad de profesores de arte y educación? ¿Qué plataforma sino la presente, es la más indicada en este caso, para romper la (in)visibilidad y aunar ambos sentimientos: reconocimiento y gratitud? Sí: creemos que hace falta exteriorizar y reconocer los beneficios que, a muchos y sin lugar a dudas a todos los profesores del campo de las artes, Eisner, nos ha facilitado; nos ha indicado el camino a seguir en un período de tránsito entre el siglo XX y el XXI. El respeto que nuestro profesor, consiguió de sus colegas, tanto psicólogos como pedagogos o de profesores de otras disciplinas, ha REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Elliot Eisner abierto expectativas positivas, tanto para el desarrollo de la gestión como para la investigación y docencia en nuestro campo de conocimiento. Reflexionando con posterioridad a librar otros artículos encargados a raíz del fallecimiento de Eisner, teníamos conciencia de que, la prioridad actual, era destacar la palabra gratitud. Substantivo que, por otro lado, se cita escasamente cuando hablamos de otras personas; de manera general, nos cuesta hacerlo emerger. Es frecuente percibir la sensación de gratitud, pero no nos han educado bajo esta perspectiva, en la tan necesaria Pedagogía de la interioridad- que es la que ayuda a interrogarse a uno mismo- como para que sepamos comunicarnos con facilidad cuando hacemos referencia a alguien, en este caso, al profesor Eisner con frases parecidas a: (../..) reconozco la importante huella que me ha dejado, ….participo de sus ideas y sin sus aportaciones, no habría avanzado tanto, ni en el campo de la docencia ni en el de la investigación, …su prestigio ha hecho que aumentara mi autoestima como profesora de Educación artística, afectada, por ser esta una disciplina marginal y desprestigiada en nuestro contexto ….me he sentido correspondida cuando he necesitado consultas, le he pedido 182 | Ricard Huerta | El código paterno del maestro Elliot W. Eisner | Novembro 2014 Novembro 2013 | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una pedagogía de la interioridad | Roser Juanola |183 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Dimensiones abiertas añadir otro, en coherencia a todo lo que exponemos en aceptado venir a mi casa o me ha invitado a la suya O, simplemente Elliot Eisner, representa un profesor muy convencido de los importantes valores del arte, valores que él elevó ¡! Como nos hemos reído en distintas partes de España, al mayor nivel Intelectual, a un status que nunca habían Europa o Estados Unidos! tenido. Defendió con una gran elocuencia- seguramente emanada de su firme convicción- las artes dentro de la educación como un valor cognitivo imprescindible, lo Gracias pues, Elliot, de manera personal y en nombre de todos, tanto los que te hemos conocido como los que no, ya que, valorando los significados implícitos que se encierran en las frases anteriores u otras parecidas, debemos reconocer que tus intereses no han sido en ningún caso hizo ante toda la comunidad educativa a través de las asociaciones en las que ostentó cargos (……..) y dirigiéndose a numerosas comunidades pluridisciplinares, que tuvieron que reconocérselo. No se separó nunca de los talleres de los artistas, ni de las escuelas de todos los niveles este artículo. Conocedora de la diferencia entre ser alumna o discípula de un profesor, y usando esta diferencia que se basa en que, mientras ser alumna es algo que puede venir asignado por las circunstancias y de manera temporal, lo segundo, sentirse discípula, es consecuencia de la voluntad, del convencimiento e incluso de la reivindicación. Me identifico con lo segundo, en sentirme discípula del profesor Eisner, consciente de que, el profesor de Stanford tuvo, además de luces, algunas sombras como todo el mundo las tiene, pero se manifestó siempre flexible y capaz de aceptar las críticas que recibía educativos, la acción y la experiencia conjunta, formaban Recordamos sus palabras cuando nos decía: en educación parte de sus intereses básicos. Promocionó artistas jóvenes siempre todo es revisable, nada puede quedar estático en Existe además un consenso que proclama que los momentos desconocidos, reivindicó escuelas anónimas en las que el tiempo. Haciendo uso de este principio, pensamos que compartidos con Eisner, están libres sin excepción de la tenía lugar un trabajo interesante. Su casa era un santuario no todas las críticas que se le han hecho pueden validarse, menor manifestación de arrogancia o vanidad; su proximidad de arte de todas las culturas, especialmente la africana, de la porque algunas, no atienden o alteran el marco de la situación y franqueza dejaba a veces desconcertado al profesorado. que era un gran admirador y conocedor. A pesar de ello tuvo espacio temporal en las que cabría ubicarlas y, además, Esto ocurrió en algunas ocasiones ante colectivos demasiado que soportar abundantes críticas que le achacaban falta a determinados argumentos les falta el seguimiento de rígidos que esperaban de él unas lecciones magistrales y al de visión multicultural, comentarios sin duda fácilmente posteriores declaraciones del autor, es decir, la autorevisión encontrarse con la actitud relajada y próxima de Eisner, se rebatibles, que solo incidieron en determinados sectores. que el mismo Eisner siempre se aplicaba. les hizo difícil de entender. Me interesa no obstante que la Desde su posicionamiento sobre la forma de concebir el arte palabra gratitud vaya acompañada de reconocimiento, que en diferentes dimensiones (conceptual, creativa productiva, este sí que se ha ido acumulando con los años, y en especial, contextual y crítica y estética), Eisner, no dudó en denunciar a raíz de su muerte. Tal como se merece, casi siempre se las tendencias que anulaban o aminoraban la imprescindible destacan sus méritos y su dilatada trayectoria profesional. práctica artística que tan bien conocía y defendía. Esto En la revista Española de Pedagogía (rep, n.258-259) se último quizás es el mejor legado, y al que dedicó sus últimos han editado recientemente dos artículos en este sentido, años. No se nos escapa por lo tanto que, nadie mejor que un artículo obituario, escrito por el también amigo suyo, el él, después de destacar por la defensa conceptual del arte profesor José Antonio Ibáñez Martín y el que he publicado en base a lo anteriormente expuesto, podía hacer creíble junto con la profesora Mariona Masgrau en el número la crítica de la falta de práctica artística, proclamada como del mes de septiembre. En ambos se explicita el privilegio innovación por algunos modelos educativos. individuales, sino enfocados y abiertos a la colectividad. de participar del amparo, de la amistad y asesoramiento del profesor Eisner, y para ello se citan ejemplos acerca de distintas oportunidades y situaciones. Se destaca que la excelencia del profesor Eisner viniera acompañada de un carácter divertido, alegre y con ganas de ayudar a las personas, independientemente de su perfil profesional o procedencia. Estoy segura que Elliot se apuntaría y formaría parte del grupo de profesores que creemos que hace falta fomentar una Pedagogía de la interioridad y que vería con clarividencia que, el arte, puede dar respuesta a estos retos imprescindibles para mejorar el mundo, que puede aportar y desarrollar capacidades que ayuden a radicar los fundamentalismos, las intolerancias e, iluminar, guiar y flexibilizar a los educadores, en tanto que personas fundamentales para transformar el mundo. Hemos perdido un aliado pero releyendo sus textos, podemos adecuar todavía mucho de lo que nos ha querido decir. Tal como ya hemos puesto de manifiesto, Eisner no ha escrito para su Miradas interiores o como unir sentimientos El artículo obituario que hemos citado, el publicado por el profesor José Antonio Ibáñez Martin, lleva un título claro y sencillo, con tres palabras nos decía: Eisner, mi amigo. La frase que es y quiere ser afectuosa, transpira además de amistad, admiración y añoranza; podemos sin reservas identificamos y sumarnos a este titular, pero nos interesa 184 | Roser Juanola | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una pedagogía de la interioridad | Novembro 2014 honor y gloria, lo ha hecho des un sentido de “altredad” y responsabilidad social basada en un gran convencimiento de los valores educativos de las artes. Lo adecuado es pues, corresponderle transformando su legado y orientarlo hacía necesidades presentes y futuras, acciones todas ellas que no pueden dejar de estar impregnadas de un alto reconocimiento y una sincera gratitud. Bibliografía ARAÑO, J.C (1994) Arte, educación y creatividad. Pixel-Bit: Revista de medios y educación, Nº. 2. http://www.sav.us.es/pixelbit/pixelbit/ articulos/n2/n2art/art25.htm ( consultado el 18.V.2014) ARNHEIM, R (1994) The way of the crafts, Design Issues, 10, pp.29-35. AGRA, M.J. (1977, Planes de acción: una alternativa para la Educación Artística, T:Doc. (UCM). BARONE, T, & EISNER, E. W. (1997) Arts-based educational research. In R. M. Jaeger (Ed.), Complementary Methods for Research in Education, 2nd ed.), (Washington: AERA). BARONE, T. y EISNER, E. (2006) “Arts–Based Educational Research”, en J. L. Green, G. Camilli y P. B. Elmore (Eds.) Handbook of complementary methods in education research. 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EISNER,E:W (2002), E.W (2002) La escuela que todos necesitamos ( Paidós, Barcelona). EISNER,E:W (2002), E.W (2002) El arte y la creación de la mente ( Paidós, Barcelona). GARDNER ,H. (1987) Estructuras de la mente. La teoría de las múltiples inteligencias, F.C.E.,México. GIROUX, H (1988) Teachers as Intellectuals Toward a Critgogy of Learning, Toward a Critical Pedagogy of Learning, (Greenwood Publishing Group). Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner por Maria Helena Vieira [email protected] Instituto de Educação – Universidade do Minho. Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) Numa conversa recente com uma professora recebi um elogio envenenado à minha área de trabalho: “que a arte e a música são maravilhosas, e que é muito GOODMAN, N (1955) Axiomatic Measurement of Simplicity, Journal of Philosophy. importante que as crianças também se dediquem a outras actividades, que não GOODSON,I. F. (1990) Curriculum history:knowledge and professionalitation , Curriculum and teaching. o sorriso agradecido ao elogio, enquanto cá dentro arrumava a um canto a GREER, W. D. (1984) Discipline-based art education: approaching art as a subject of study, Studies in Art Education, 25 (4), pp. 212-218. GRAUER, K. (2014) E. Eisner: A Canadian Perspective and Personal Tribute, International Journal of Education & the Arts, 28.02. Salomon (ed.) Distributed Cognitions. Psychological and educational considerations, (Cambridge, Cambridge University). IRWIN, R. (2004) Homenaje A E. W. Eisner el 15/01/2014 a las 12:38 boletinclea.bligoo.cl/homenaje-a-elliot-w-eisner.(Consultado el 12.05. 2014). JUANOLA, R. & CALBÓ, M (2008) Hacia modelos globales en educación en R. Calaf y O. Fontal (Coords):Comunicación educativa patrimonio:referentes, modelos y ejemplos (TREA Oviedo). JUANOLA, R., MASGRAU, J (2014) Las aportaciones de E. W. Eisner en l educación: un profesor paradigmático como docente, investigador y generador de políticas culturales en revista española de pedagogía, n259, septiembre-diciembre, 2014 Madrid. LANGER, S. (1957) Problems of Art, (Charles Scribner’s Sons, New York). MARÍN VIADEL, R., ROLDÁN RAMÍREZ, J. (2010) Metodologías de Investigación Educativa basadas en las Artes Visuales (Aljibe, Malaga). apenas as cognitivas, tais como as emocionais e expressivas”. Consegui manter concepção de que as artes vivem afastadas do mundo “cognitivo”. Fez-me lembrar aquele tipo de etiqueta que se costuma colar aos europeus do norte (“que são muito racionais”) e aos do sul (“muito emotivos” e, há quem diga, “menos fiéis” e “mais impulsivos”). Como sabemos, todos os artistas nascem no sul da Europa, e não no norte. Adiante. A construção “oculta” dos terrenos curriculares (Santomé, 1994) assenta, paradoxalmente, em ingénuas concepções elogiosas como a descrita. Muitas dicotomias entre um suposto “privilégio emocional” das áreas artísticas e uma predominância do “cognitivo” e “racional” nas áreas científicas não passarão de desvios que a linguagem constrói sobre a realidade, muito mais complexa e híbrida. E isto é um facto em muitos países. Elliot Eisner revelou-se para mim um grande aliado no combate a esta “idade das trevas curricular” quando, pela mão do meu orientador de doutoramento, Professor Varela de Freitas, li o seu livro “Educating Artistic Vision”. Nele, Eisner afirma logo no prefácio: As dicotomias que têm sido estabelecidas entre o trabalho da cabeça e o trabalho da mão são evidentes no papel que é atribuído às artes na escola. Foi meu desejo neste livro fazer a ponte entre essas dicotomias, ao mostrar como a experiência de criação e de apreciação da arte podem ser justamente concebidas como um produto da inteligência. (Eisner, 1972, p. V – Trad. da autora deste texto). Eisner prossegue explicando que não considera o desenvolvimento artístico McFEE, J. K.(1988) Art and Society , In Issues in Discipline-Based Art Education: Strengthening the Stance, Extending the Horizons, 1 (Los Angeles: Getty Center for Education in the Arts). como idêntico ao desenvolvimento científico ou das ferramentas discursivas de WILSON, B. (1967) Little Julian’s Impure Drawings: Why Children Make Art, Studies in Art Education, 17, 2 pp. 45-61, W 76. vai o currículo compartimentado entre cognição e afectos; entre o norte rico e 186 | Roser Juanola | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una pedagogía de la interioridad | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Elliot Eisner pensamento, mas que, não obstante, insere o lado afectivo atribuído às artes dentro do que chama “qualitative aspects of intelligence” (id., ibid.). E lá se poderoso das ciências e o sul pobre e menosprezado das artes! Novembro 2013 | Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner | Maria Helena Vieira |187 Homenagem a Aberta esta porta para este poderoso pensamento curricular automatização dos instrumentos de organização do sistema de Eisner, parti, encantada, para a leitura de outras obras escolar, e à consequente deterioração das formas de suas. Enquanto música e professora de música, ia crescendo relacionamento humano. a admiração por um artista e académico que, não sendo músico, era aquele autor em cuja obra encontrava mais eco às preocupações curriculares e de política educativa para o Não resisto a transcrever as palavras de Eisner sobre as relações que existem entre a escola e a sociedade. Pelo que ensino da música. elas têm de actual pelo que tiveram de visionário. Pelo que Encurtando a história, Eisner passou a ser um autor sugerido à necessidade da luta pela democratização das artes na para leitura aos meus alunos de mestrado e doutoramento escola: elas exigem de nós em co-responsabilidade no que respeita na área da música e continuou a contribuir para acender Corpo e conhecimento em arte: contribuições de Elliot W. Eisner por Mônica M. Ribeiro [email protected] Atriz, dançarina, Doutora em Artes e Professora do Departamento de Fotografia e Teatro da Universidade Federal de Minas Gerais nas Graduações em Teatro, Dança e da Pós–Graduação em Artes da Escola de Belas Artes. Como acontece com muitas das inovações preocupações curriculares e políticas em muitos deles. tecnológicas, raramente compreendemos na Há dois anos atrás, no âmbito das minhas funções altura em que são implementadas quais serão “The arts are the way of enriching our awareness and expanding our humanity”. enquanto membro da Comissão Directiva do Programa de as suas consequências a longo prazo. Poucas Elliot W. Eisner. Doutoramento em Estudos da Criança da Universidade do pessoas gabaram as longas horas longe de casa e os engarrafamentos de trânsito quando Minho e Coordenadora do Itinerário de Educação Artística, contactei por e-mail e por telefone com Eisner, no sentido de o convidar para fazer uma palestra na nossa série de Conferências Doutorais. A idade e dificuldades de saúde as auto-estradas estavam a ser construídas Entrar em contato com as proposições para o Ensino de Arte de Elliot W. Eisner e a cortar as terras. Trânsito rápido era o foi um marco definidor do contínuo processo de construção de minha prática conceito dominante. É impossível não nos artístico-pedagógica do movimento expressivo em Artes Cênicas, a saber: questionarmos se o aumento da quantidade de impediram-no. No entanto, recordo comovida que ainda automatização nas escolas contribuirá de facto me pediu um tempo para pensar e avaliar a possibilidade. para uma maior humanização do ambiente escolar. (Eisner, 1972, p. 277 – Trad. da autora deste texto). Muitas vezes, as pessoas que mais nos marcam e contribuem para moldar o nosso percurso, não são aquelas com quem convivemos mais tempo ou com Fica o desafio. Para a luta pela continuidade e sequencialidade quem tivemos oportunidade de privar. São, precisamente, das artes no currículo. E o agradecimento, sentido, a Elliot aquelas cujo pensamento e acção irradiou na nossa vida Eisner! com meridiana clareza, independentemente da distância artístico; pela valorização dos aspectos produtivo, crítico conhecimento no movimento, e se o conhecimento cênico do ator e dançarino poderia estar fundado no corpo em relação ao ambiente foram questões que a leitura desse educador me proporcionou. Ao refletir sobre suas lições (Eisner, 2004), fui apresentada a desdobramentos das propostas de J. Dewey, S. Langer, N. Goodman. Esses pensadores atestaram a relação intrínseca entre arte e conhecimento. Arte e cognição. Arte, imaginação e interação. Imaginação como cognição. Incluíram a experiência estética como qualificativo do conhecimento gerado na Arte. Eles afirmaram o lugar da (geográfica ou temporal). As “lutas” de Eisner (por um currículo de “continuidade e sequencialidade” no ensino Teatro e Dança. Questionar se o corpo em ação pode gerar conhecimento, se há REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Elliot Eisner REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS e cultural na aprendizagem; pelo respeito das concepções Eisner, E. W. (1972). Educating artistic vision. New York: MacMillan. artísticas da infância; pela acção artística como um “modo Santomé, J.T. (1994). El currículum oculto. Madrid: Morata. de inteligência”; pelo desenvolvimento da investigação sensibilidade, da percepção e da imaginação como fundamentos do que Eisner chamou de inteligência artística, constituída pela capacidade de atualização, denominada, a partir de Dewey, de flexibilidade de propósito na qual incluo a demanda de atenção, de flexibilidade cognitiva, da empatia cinestésica, da memória, da disponibilidade afetiva, do estado de prontidão. sobre as pedagogias artísticas e sobre o papel das artes no Também foi fundamental perceber, com sua ajuda teórica, que o conhecimento currículo; pelo discernimento sobre avaliação em artes e não necessariamente depende da linguagem, o que também reforça sua em educação artística) continuam a ecoar hoje em muitos proposição de um conhecimento somático não mediado por palavras. Tal países e constituem um apelo fortíssimo à colaboração independência da linguagem não implica sua exclusão no processo de construção na construção de um currículo mais equilibrado e mais do saber, mas ressalta a presença de sentimentos do corpo em ação, que, humano. Um currículo em que a beleza e a construção somados às memórias, às percepções do instante e às associações entre ambas, (necessariamente lenta, longa, persistente e sequencial) das podem gerar pensamento e conhecimento do corpo. Um conhecimento somático diversas linguagens artísticas se oponha, em diálogo criativo, ou conhecimento corporal é oriundo da ressonância de algumas imagens em à presente massificação dos objectivos e procedimentos, à nós, em nossa imaginação (Eisner, 2004). Para ele, tal conhecimento possibilita a 188 | Maria Helena Vieira | Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner | Novembro 2014 Novembro 2013 | Corpo e conhecimento em arte: contribuições de Elliot W. Eisner | Mônica M. Ribeiro |189 Homenagem a sintonia com a obra e, como consequência, a realização de campo artístico, substituída, muitas vezes, pelo exercício ajustes de ordem estética. Esses ajustes se dão no domínio de problematizar, de inventar perguntas sobre o fazer, de da imagem e são mediados pelos sentimentos, oriundos de reajustar a experiência por meio do aprimoramento da um sistema sensório-motor que gera estados emocionais, conexão sensação-percepção-ação. O processo enfatiza-se percepções e atos cognitivos. sobre os resultados, e a contínua renovação do desejo de Eisner diz ainda que a arte transforma a consciência. saber é substituída por desejos de experienciar. Assim, reflito acerca da relação dessa práxis com a afecção espinosiana. Aproximo ainda palavras de Damásio para reiterar que se pode pensar que os sentimentos do corpo geram conhecimento corporificado, corroborando para a construção de dança-pensamento (Katz, 1994). Trata-se de movimento com subjetividade, ação proveniente da experiência estética consciente do corpo no espaço-tempo. A consciência de Eisner e a subjetividade de Damásio (2010) estão intrinsecamente associadas promovendo o testemunho da experiência. Por outro lado, quando ele considera que a arte pode transformar a consciência, reitera a continuidade arte e O ensino de Artes sob a égide da complexidade contemporânea por Cláudia Mariza Brandão attos @vetorial.net Universidade Federal de Pelotas, UFPel Referências Bibliográficas Ao iniciar o exercício da docência no ensino superior no curso de Artes Damásio, A. (2010). O livro da consciência: a construção do cérebro consciente. Portugal: Temas e Debates-Círculo de Leitores. Visuais – Modalidade Licenciatura (UFPel, RS, Brasil), em 2009, me deparei com a Dewey, J. (1934). Art as experience. New York: Perigee. interativas, como educar os futuros educadores? Eisner, E.W. (2004). El arte y la creación de la mente: el papel de las artes visuales en la transformación de la consciencia. Barcelona: Paidós. Katz, H. (1994). Um, Dois, três: a dança e o pensamento do corpo. Tese de Doutorado em Comunicação e Semiótica - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. seguinte questão: Se pretendemos desenvolver novas mentalidades, pluralistas e Sabia que o momento não era para críticas, como costumávamos fazer quando estudantes, mas, sim, o tempo para colocar em prática anos de estudo. No entanto, os questionamentos se somavam: Como agir? Como colaborar para a construção do conhecimento sem repetir os modelos vigentes, ultrapassando as barreiras da racionalidade cartesiana e adentrando no mundo da sensibilidade e da poética, da ética e da estética? vida já proposta por Dewey (2005), uma relação corpo- Na busca por um rumo a seguir, recorri aos teóricos que trazia na ambiente. Parece-me fundamental dizer que ele nos bagagem, assim como Edgar Morin (2002), uma “herança” do mestrado em lembrou a todo instante que a arte pode transformar a Educação Ambiental. Morin argumenta que as universidades têm um papel basilar construção de conhecimento em formas de participação. no desenvolvimento de sociedades com maior qualidade de vida, defendendo Mencionou aspectos da empatia na experiência artística a ideia de que, diferente de separar o conhecimento em “compartimentos”, que me levaram aos estudos do corpo empático na rítmica fragmentando-o, devemos pensar em como a complexidade pode levar a uma e do exercício da empatia na improvisação em Dança. conexão entre os vários modos de ponderar e ver o mundo ao redor. Compreendo que a empatia faz parte do processo do Parti do lugar concreto de minha experiência, num exercício conhecer como mediadora na relação com os companheiros autorreflexivo, que me fez perceber o caráter processual da formação. Optei por durante o fazer artístico coletivo. Eisner considerou a um projeto educacional que estimulasse a relação dos estudantes com a realidade experiência empática como característica da práxis artística imediata, e permitisse que eles adentrassem no reino da sensibilidade simbólica que leva a ações de compreensão da alteridade, compaixão, regido pela Arte. E foi nesse momento que Elliot Eisner surgiu em minha vida. compartilhamento de saberes. Ele também identificou No entendimento de Eisner (2005), para a compreensão da aprendizagem capacidades que a experiência (trans)-formativa em arte em artes é fundamental o entendimento dos modos de criação, e de como proporciona: capacidade de observação, predisposição vemos as formas da natureza e conhecemos os aspectos que concorrem para para tolerar aquilo que é ambíguo, iniciativa de exploração a compreensão das intrínsecas relações da vida em sociedade. Tal pensamento do incerto e, acrescento, capacidade de lidar com o erro expõe a consciência acerca da complexidade de um cotidiano cada vez mais aproveitando-o em novas associações. visual. Ou seja, o autor entende que o sujeito faz parte da comunidade, e essa Eisner ainda afirmou que a pesquisa em arte não vai promover soluções, respostas. Desse modo, reiterou o quão problemática é a definição do conhecimento em arte no âmbito dos estudos epistemológicos. A solução é, no 190 | Maria Helena Vieira | Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner | Novembro 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 Elliot Eisner faz parte dele por meio de suas normas, linguagens e culturas, agindo ao mesmo tempo como produtos e produtores da sociedade. Identifiquei aí uma relação profunda entre o pensamento de Eisner e Morin, pois esse é um dos princípios da epistemologia da complexidade, para a qual a parte está no todo, assim como o todo está na parte, que mesmo preservando suas características próprias e Novembro 2013 | O ensino de Artes sob a égide da complexidade contemporânea | Cláudia Mariza Brandão |191 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508 individuais, contém a totalidade do real, seja nas vivências ou em suas representações/interpretações. ensino-aprendizagem se caracterizam como narrativas Morin discute sobre a complexidade não apenas autobiográficas metafóricas que, para além da qualidade como um conceito, mas como um modo de enxergarmos a estética, destacam-se como fruto de práticas reflexivas, que realidade, o que aponta para os desafios que são colocados acredito serem fundamentais para a formação docente. A aos sujeitos no momento da ação, uma visão da realidade importância desses exercícios estético-reflexivos repousa indispensável ao conhecimento incompleto que possuímos na potencialidade oferecida para o desenvolvimento de da mesma. Por sua vez, Eisner entende que a história de múltiplas aprendizagens decorrentes da ponderação crítica vida, as experiências, as necessidades e a perspectiva de sobre o mundo, fragmentado em suas (re)apresentações abordagem do sujeito face a uma determinada situação artísticas. Através deles os sujeitos se afirmam pela diferença, concreta, são “estruturas de referência” que afetam a dando vazão a um campo polissêmico de sentidos, além de percepção visual do mundo ao redor. valorizarem a educação como um espaço relacional. Sem a pretensão de extrair das práticas uma Para Eisner o significado não é fruto de uma teoria sistemática ou um conjunto unificado de teses, eu descoberta, sim, o resultado de uma construção estipulei como objetivo dialogar, teórica e poeticamente, influenciada pelas referências que se tem acerca de através do poder criativo das linguagens artísticas sobre determinada situação. Portanto, a participação ativa na vida a essência do humano. Acima de tudo, busquei/busco em sociedade, em comunidades de discurso, pressupõe apresentar/problematizar as marcas comuns que compõem a partilha de modos de codificação e decodificação dos a identidade de cada um, tal e qual uma sintaxe visual que significados, de modo que no processo sejam ampliadas as expõe a complexidade do todo. capacidades de sistematização da ação e do pensamento. Frente ao desafio de (re)formar os futuros (re) Através dos ensinamentos de Elliot Eisner, entendi formadores, e por conseqüência a própria estrutura da que por meio das representações visuais ampliamos nossos educação básica, acredito que as aprendizagens devem conhecimentos acerca da complexidade do humano que contribuir para que os estudantes utilizem as suas as constrói. Por esse motivo o autor se tornou um dos diferentes estruturas de referência, como quer Eisner, meus fiéis companheiros, amparando as minhas ações na experimentação e compreensão da realidade. E isso pedagógicas rotineiras. extrapola a visão racional que temos da vida em sociedade, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: de seus conjuntos de referenciais. Logo, as aprendizagens estão diretamente relacionadas às experimentações como possibilidade de ampliação das estruturas de referência. Contaminada pelas ideias de Morin e Eisner, e acreditando que “ver é adquirir sentido visual através da #8 Chamada de trabalhos Convocatoria de artículos Número #8 Artes e Educação, Significados Sociais para un Mundo Novo Artes y Educación, Significados Sociales para un Mundo Nuevo Data limite para envio de trabalhos: Fecha límite para el envío de artículos: 30/ 03 / 2015 Editor do nº 8 : Professor Juan Carlos Araño Usualmente identificamos las Artes con simbolismos basados en iconografías que nos llevan a reflexionar sobre identidades, conciencias colectivas y otras construcciones culturales que manifiestan la potencia creadora individual y social. La importancia de la Educación Artística reside precisamente porque pone de relieve el valor de las dimensiones intencional y afectiva de las significaciones sociales, incentivando, a la vez, el valor de la imaginación en la construcción de conocimiento. A la vez, nuestro tiempo está configurando un mundo complejo y veloz en el que las construcciones culturales son los modos más eficaces para organizarse y habitar en el. pois o conhecimento prévio que os indivíduos têm acerca da arte pode condicionar a percepção daquilo que foge REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | Bianual | ISSN 1647-0508 As obras resultantes de tais processos de ELLIOT, E. (2005). Educar la Visión Artistica. Barcelona: Paidós Edicador. MORIN, E. (2002). O método 5: a humanidade da humanidade. Porto La Revista Invisibilidades pretende contribuir a poner de relieve las aportaciones que distintos investigadores realizan sobre estos tópicos, además de centrar el debate en cuestiones que contribuyan a poner de relieve la importancia de las Artes en la Educación de modo operativo y eficiente. Alegre, RS: Sulina. experiência” (Eisner, 2002:9), direcionei minhas práticas Agradecemos um ampla divulgação desta chamada de trabalhos. Gracias por una amplia difusión de la llamada de trabajos. no sentido de instigar aprendizagens teóricas a partir do exercício das linguagens visuais, da pesquisa estética Registo, normas e submissão das propostas através da plataforma: associada à ética das relações. Através do estímulo à razão Registro, normas y presentación de propuestas a través de la plataforma: sensível, os docentes em formação não só descobrem significados ocultos nas estruturas formais que povoam o cotidiano contemporâneo, mas percebem as imagens em interação com o seu contexto social e histórico. 192 | Cláudia Mariza Brandão | O ensino de Artes sob a égide da complexidade contemporânea | Novembro 2014 http://invisibilidades.apecv.pt O/El comité Editorial inVISIBILIDADES Novembro 2013 | Chamada de Trabalhos |193 © 2014 REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES powered by