Itinerários da memória: solidão, morte e velhice
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Itinerários da memória: solidão, morte e velhice
IV REUNIÃO EQUATORIAL DE ANTROPOLOGIA E XIII REUNIÃO DE ANTROPÓLOGOS DO NORTE E NORDESTE 4 a 7 de agosto de 2013 – Fortaleza/CE GT-26: Antropologia e Sociologia das emoções na América Latina Itinerários da memória: solidão, morte e velhice no filme Morangos silvestres de Ingmar Bergman Edilson Baltazar Barreira Júnior Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza (FAMETRO) Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará (ESMEC) [email protected] 1 Resumo: A obra cinematográfica de Ingmar Bergman marcou a segunda metade do Século XX. O cineasta que foi criado em um ambiente familiar pautado por uma rígida disciplina religiosa evoca em seus filmes muitos aspectos desse espaço austero. A vasta obra bergmaniana, que além dos vários filmes, incluem-se livros, peças teatrais e entrevistas têm o selo autobiográfico, ou seja, procede a uma aproximação entre seus filmes e a vida privada. Algumas histórias narradas revivem suas experiências e lembranças, principalmente, aquelas relacionadas com a infância e a juventude. Os filmes de Ingmar Bergman, mesmo depois de sua morte, continuam a impactar a cinematografia mundial, pois suscitam debates e questões estéticas, sociais e filosóficas. O trabalho busca analisar as concepções de juventude, velhice, memória e morte, como temáticas que permeiam a produção cinematográfica do cineasta sueco. Para a análise proposta, o recorte se deu em torno do filme Morangos silvestres. A intenção desta escolha é eleger uma obra que tematizasse aquilo que foi identificado como problema central do estudo. Portanto, o tempo é o grande protagonista da narrativa, pois figura no contraste entre várias épocas, bem como no confronto entre as gerações. Palavras-chave: Ingmar Bergman, cinema, morte, velhice e memória. 2 Introdução A obra cinematográfica de Ingmar Bergman marcou a segunda metade do Século XX. O cineasta que foi criado em um ambiente familiar pautado por uma rígida disciplina religiosa evoca em seus filmes muitos aspectos desse espaço austero. Ernest Ingmar Bergman Äkerblön nasceu em Uppsala, Suécia, em 1918, filho de Erik Bergman, pastor luterano, e Karin Bergman, a qual era oriunda de uma família burguesa. Ingmar Bergman faleceu em 31 de julho de 2007. A vasta obra bergmaniana, que além dos vários filmes, incluem-se livros, peças teatrais e entrevistas têm o selo autobiográfico, ou seja, procede a uma aproximação entre seus filmes e a vida privada. Algumas histórias narradas revivem suas experiências e lembranças, principalmente, aquelas relacionadas com a infância e a juventude. Os filmes de Ingmar Bergman, mesmo depois de sua morte, continuam a impactar a cinematografia mundial, pois suscitam debates e questões estéticas, sociais e filosóficas. Assim, como investigador social, pretendo analisar uma destas obras, o filme Morangos Silvestres, pois entendo que o universo pessoal e o contexto sociocultural vivido pelo autor, incluindo sua formação protestante luterana, dramatúrgica, literária e cinematográfica, possibilitaram uma concepção de religião, arte e ciência. A análise do filme buscará responder algumas questões como: a formação religiosa e dramatúrgica de Bergman interfere nas concepções de morte? Quais a relações que o cineasta estabelece com as temáticas de velhice e morte? A análise da obra cinematográfica bergmaniana tem sido muito tímida nos círculos acadêmicos brasileiros. A Biblioteca Digital de Teses e Dissertações do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação indica a existência de apenas duas dissertações de Mestrado: de Luciana Helena Mussi e José Luiz de Campos Castejón Branco, defendidas junto aos Programas de Pós-Graduação em Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Universidade Presbiteriana Mackenzie, respectivamente, e intituladas Reflexão sobre a angústia existencial do cinema de Ingmar Bergman no envelhecer diante da ameaça iminente 3 de morte e do desejo de vida e A angústia na obra de Ingmar Bergman: Sarabanda em Ser e Tempo de Martin Heidegger. Ao que me consta também existem outras duas dissertações que não figuram na referida biblioteca digital que foram defendidas por Denise Costa Hausen e Ana Cleide Guedes Moreira junto aos Programas de Pós-Graduação em Psicologia das Pontifícias Universidades Católicas do Rio Grande do Sul e de São Paulo, respectivamente, e intituladas Filha: um olhar da mãe, uma análise do filme “Sonata de outono” e A concepção de melancolia em Freud e Stein: uma interpretação sobre Eva, personagem de “Sonata de outono”, de Bergman. Também há em língua portuguesa a tradução de dois livros de Bergman com os títulos de Lanterna Mágica e Imagens, de Bergman, respectivamente, publicados por Editora Guanabara 1 e Editora Martins Fonte, bem como uma entrevista que ele concedeu ao repórter e crítico de cinema sueco Stig Björkman e aos jornalistas Torsten Manns e Jonas Sima, publicada pela Editora Paz e Terra, com o título de O cinema segundo Bergman. Registro, também, o livro do jornalista e crítico de cinema Carlos Armando O planeta Bergman, no qual o autor esboça um grande panorama da obra bergmaniana. Assim, essas obras e outra ensejam o diálogo e reflexão para a análise aqui proposta. Alguns estudos sobre a obra cinematográfica bergmaniana expressam-se em análises gerais, não destacando temas específicos, que possam de algum modo recortar toda a sua produção. Este trabalho, porém, busca analisar as concepções de juventude, velhice, memória e morte, como temáticas recorrentes na produção cinematográfica do cineasta sueco. Para a investigação proposta, o meu recorte ocorreu em torno do filme Morangos silvestres. A intenção desta escolha é eleger uma obra que tematizasse aquilo que identifiquei como problema central da pesquisa. Ingmar Bergman, em Morangos silvestres (Smultronstället, 1957), leva a que se reflita sobre a velhice e a relação desta com a morte, solidão, juventude, memórias etc. Análise fílmica 1 Reeditado, em 2013, por Cosac Naify. 4 No início do filme, a tela está escura e se ouve apenas o badalar de um sino. Alguns segundos depois, em plano médio, vê-se uma pessoa sozinha, sentada de costas num gabinete de estudos. Percebe-se ser um homem idoso, que está preparando o discurso para a ocasião especial, na qual receberá o título honorífico na Universidade de Lund. O velho é Eberhard Isak Borg (Victor Sjoström), médico aposentado de setenta e oito anos. Sozinho, o velho, em voz off, descreve sobre suas relações familiares e sociais: Nossa relação com as pessoas consiste em discutir e criticá-las. Foi isso que me afastou, por vontade própria, de toda minha vida social. Isso tornou minha velhice solitária. Sempre trabalhei muito e sou grato por isso. Comecei trabalhar para sobreviver e acabei amando a ciência. Tenho um filho que também é médico e mora em Lund. Ele é casado durante anos, mas não teve filhos. Minha mãe ainda vive apesar da idade, é uma pessoa ativa. Minha esposa Karin, morreu há muitos anos. Tenho o privilégio de ter uma boa empregada. Talvez deva acrescentar que sou um velho meticuloso, o que às vezes, tornou a vida penosa, tanto para mim, quanto para os convivem comigo. Meu nome é Eberhard Isak Borg e tenho 78 anos. Amanhã receberei o título honorífico na Catedral de Lund. Isak Borg sai do gabinete e chama a cadela, a qual havia permanecido ao seu lado durante os momentos, em que esteve ali. A tela volta a escurecer, enquanto aparecem os créditos e ouvimos a música de Erik Nordgren 2. Bergman (2001) ressalta que criou a personagem de Isak Borg, cujo nome significa “fortaleza de gelo”, por parecer com seu pai, mas no fundo era ele mesmo. Na época em que dirigiu o filme, estava com trinta e sete anos e já era um cineasta de sucesso, porém vivia privado de relações humanas, sentia necessidade de se impor, o que provocava uma sensação de fracasso. Ele ressalta, ainda que a história se resume: A insuficiência no jogo da vida, a pobreza, o vazio, a ausência de perdão. Ainda hoje não posso avaliar, e naquela altura muito menos, como eu, por meio de Morangos Silvestres, estava implorando a meus pais: vejam, compreendam e, se possível, me perdoem. (BERGMAN, 2001, p. 22). Portanto, o elemento propulsor, que fez Bergman realizar Morangos silvestres, decorreu da tentativa de se justificar perante seus pais, com os quais estava rompido desde a juventude. O objetivo não surtiu efeito, pois a reconciliação 2 Autor da trilha sonora. 5 só ocorreu muitos anos depois, quando os rancores de criança desvaneceram e fez nascer uma compreensão mútua entre o filho e os pais. Quando Isak Borg alude às pessoas da família, a câmera desloca-se e as mostra por meio das várias fotos expostas na sala de estudos. Ele lamenta que o afastamento da vida social e familiar o transformou num velho solitário. Alguns elementos nesta cena atestam a condição do aposentado: os familiares estão presentes apenas em fotografias; vive com a velha empregada e uma cadela; e joga xadrez contra si mesmo. Para o velho solitário, as diversas fotos espalhadas pelo gabinete de estudos servem de consolo, “como presença fixa do outro que se foi ou que não mais existe, não é outro em si, porém. É o seu simulacro”. (KOURY, 1997, p. 145). Na distribuição das fotografias, percebe-se a proximidade do retrato da esposa falecida, pois está sobre a escrivaninha. Esta aproximação conforta o viúvo pela substituição da ausência da mulher, pela presença do que ela foi no passado, agora fixado no presente por meio de simples fotografia. Após os créditos do filme, encontra-se o primeiro sonho 3 de Isak Borg. Durante sua caminhada matinal, ele se perde numa parte desconhecida da cidade com ruas desertas e casas em ruínas. Num determinado momento, o velho médico fica diante de um relógio sem ponteiros e, logo abaixo deste, uma armação de óculos com dois olhos, sendo um aberto e outro vazado. Isak puxa seu relógio de bolso e se dá conta de que também não tem ponteiros. O olhar torna-se apreensivo. Há um profundo silêncio, rompido apenas com as batidas do coração do velho cansado. O ancião dá alguns passos e para. Olha numa direção e não vê nada, no outro sentido encontra mais uma rua deserta. Olha novamente para o local do relógio sem ponteiros e percebe a presença de uma pessoa que está de costas. Isak aproxima-se e toca no ombro do desconhecido, que ao se virar, revela uma aparência horrível. Não profere nenhuma palavra e esvazia-se, tornando-se líquido. O médico dá mais alguns passos à frente e ouve cavalgar dos animais que rebocam uma carroça funerária. O veículo vem em sua direção e, ao passar por ele, uma das rodas prende-se ao poste. Os cavalos continuam puxando e a roda desencaixa do eixo e rola até próximo de Isak. Do carro funerário, tomba um ataúde, que se 3 Cañizal (2004:13) analisa este sonho e outras partes do filme a partir da noção de hipertexto, como sendo a tarefa de interpretação das parcelas dos múltiplos sentidos de uma obra cinematográfica, de modo mais específica, os simulacros que nelas estão estruturados. 6 arrebenta ao cair no chão. Isak aproxima-se e o morto o toma pela mão. O professor percebe que quem está no caixão é ele mesmo. O ancião tenta desvencilhar-se do defunto e não consegue. Em meio a este desespero, Isak acorda. Na primeira cena, a qual Isak Borg discorre sobre sua vida e lembra-se de seus familiares, Bergman estabeleceu, segundo analiso, uma relação entre envelhecimento e solidão, quando o professor informa que por vontade própria se afastou da vida social e familiar, tornando sua velhice solitária. No sonho, o cineasta acrescentou outro elemento: a morte. O velho médico, ao vaguear pelas ruas desertas, tenta romper a solidão, mas o indivíduo com o qual se encontra não tem expressão nem rosto; é a nulidade. Quando o ancião olha o relógio sem ponteiros, os óculos e os olhos, Bergman parece sugerir que ele está sendo observado pelo Deus transcendente, onipresente e eterno (não limitado pelo tempo), conforme registrou Salomão em um de seus provérbios que diz: “os olhos do Senhor estão em todo o lugar contemplando os maus e os bons” 4. Isak, ao ver os relógios sem os componentes de medição, constata que seu tempo chegou ao fim, ante a presença inexorável da morte. O outro que lhe oferece a mão é ele mesmo, ou melhor, sua máscara mortuária. Assim, conforme explica Heidegger (2004), a existência é inseparável do tempo, pois a temporalidade une os sentidos do existir e, por isso, é o sentido próprio da existência. Morangos silvestres é um filme sobre o tempo, mudanças, medos e máscaras. O tempo é o grande protagonista da narrativa, pois figura no contraste entre várias épocas, bem como no confronto entre as gerações. A vinculação entre velhice e morte evidenciada em Morangos silvestres, corrente em nossos dias, enfrenta reações nos trabalhos de alguns estudiosos. Simone de Beauvoir é uma dessas vozes dissonantes, pois considera errônea a concepção de que a morte se aproxima, afinal: Ela não está nem próxima, nem distante: ela não é. Uma fatalidade exterior pesa sobre o vivente em qualquer idade; em nenhum lugar está fixado o momento em que ela se realizará. O velho sabe que se extinguirá “logo”: a fatalidade está tão presente aos 70 anos quanto aos 80 anos, e a palavra “logo” permanece tão vaga aos 80 anos, quanto aos 70. Não é justo falar de uma relação com a morte; o fato é que o velho – como todo homem – só tem relação com a vida. O que está em questão é sua vontade de sobreviver. (1990, p. 543). 4 Provérbios 15:3. 7 O desejo de sobreviver referido por Beauvoir é o mesmo que faz Isak Borg acordar atordoado do pesadelo, no qual presencia sua morte. Ele levanta-se e dirige-se ao quarto de Agda (Julian Kindahl) para solicitar que prepare seu desjejum, pois não mais realizará a viagem para Lund de avião, mas de carro (mudança fundamental para a narrativa do filme). A serviçal protesta, lamentando que esperara tanto para vê-lo receber o título honorífico e agora o patrão estragara tudo. A relação entre os dois velhos reflete uma afirmação anterior de Isak, na qual informava que sua meticulosidade e teimosia atormentavam aqueles que partilhavam sua convivência. A continuação do diálogo com a empregada acentua ainda mais isto: Agda: tudo bem, pode ir! (com raiva) Pode estragar tudo! Isak: não somos casados. Agda: agradeço a Deus todas as noites por isso. Segui meus princípios por 74 anos e não vou mudar hoje. Isak: é sua última palavra? Agda: sim, é minha última palavra (levantando-se para ajudá-lo nos preparativos da viagem). Mas não vou me esquecer como são os velhos egoístas, que só pensam em si mesmos e esquecem dos que o serviram lealmente por 40 anos. Isak: não sei como aguentei mandando em mim por tantos anos. Agda: é só dizer e eu parto amanhã mesmo. Isak: de qualquer modo, vou de carro. Faço o que quiser. (começando a jogar as roupas dentro da mala, sem qualquer organização. Agda vem e passa a arrumar com cuidado) Já sou bem crescido e não tenho que receber suas ordens. (batendo no ombro da empregada e abrindo um sorriso) ninguém faz malas como você. Agda: é mesmo? Isak: velha chata. Agda: quer que eu cozinhe alguns ovos? Isak: sim, obrigado. É uma gentileza sua. Título honorífico, que estupidez (falando sozinho). Deveria receber o título de idiota honorário. Vou acalmar a velha com um presente. Odeio gente rabugenta (pegando alguns livros) não faria mal a uma mosca, muito menos a senhorita Agda. Isak sublinhou no início do filme que se afastou da vida social e familiar por decisão própria, mas esse diálogo indica que o egoísmo também o isolou das pessoas. O velho médico não levou em conta o desejo da empregada, que o serve por quarenta anos, bem como desprezou o apreço daqueles que o condecorarão, ao considerar a premiação uma estupidez. Isak, ao viajar para Lund, é acompanhado pela nora Marianne (Ingrid Thulin). O velho ao volante do carro e a mulher ao seu lado. A primeira ação da nora, no início da longa viagem, foi acender um cigarro. Imediatamente, o sogro solicitou que 8 não fumasse, asseverando que deveria existir uma lei contra cigarros. Isak diz que fumar charuto5 é mais estimulante, pois é um vício para homens. Além de egoísta, o velho médico revela-se também machista. A nora pergunta quais são os vícios das mulheres. A resposta é uma referência bergmaniana a Strindberg, pois o ancião diz: “chorar, engravidar e fofocar”. O simples ato de acender um cigarro e a reação negativa de Isak abre a porta para que Marianne expresse sua opinião sobre o sogro. A exposição começa pelo empréstimo, em dinheiro, tomado pelo marido Evald (Gunnar Björnstrand) ao pai Isak. Este deixa claro que o combinado deve ser cumprido, mesmo sendo rico, não dispensa o pagamento. A nora tece ainda alguns comentários sobre as semelhanças entre pai e filho e continua o diálogo: Isak: sei que Evald me respeita. Marianne: talvez, mas também o odeia (Isak muda o semblante). Isak: (silêncio) o que tem contra mim? Marianne: quer uma resposta sincera? Isak: quero Marianne: é um velho egoísta. Não tem consideração e só ouve a si mesmo. Mas, esconde bem isso atrás de sua civilidade e seu charme. Mas é egoísta, apesar de ser chamado de grande amigo da humanidade. Quem convive com o senhor sabe como é. Não nos engana. Lembra-se do que disse quando me mudei? Achei que nos ajudaria e pedi para ficar em sua casa. Lembra-se do que disse? Isak: sim, disse que seria bem vinda. Marianne: (sorrindo) deve ter esquecido, mas disse “não tente me envolver nos seus problemas conjugais. Cada um resolve seus problemas”. Isak: eu disse isso (surpreso)? Marianne: não só isso. Isak: é mesmo? Marianne: foram suas palavras: “não respeito o sofrimento da mente, por isso não se lamente. Se precisa de ajuda, posso lhe arranjar um psicanalista ou um padre, está em voga”. Isak: eu disse isso? Marianne soma-se à empregada Agda ao declarar ao próprio Isak que ele é um velho egoísta, que não se interessa pelas pessoas e seus problemas. Na exposição de Marianne, o egoísmo do sogro apresenta-se pela avareza, indiferença e sarcasmo. Isak é um velho preso ao dinheiro e espera que o filho pague cada centavo emprestado. No momento crucial vivido pela nora grávida e em crise conjugal, o sogro limita-se a declarar: ”não tente me envolver nos seus problemas conjugais. Cada um resolve seus problemas”. 5 No início do filme, Isak é apresentado dando boas tragadas em um charuto. 9 Simone de Beauvoir, em seu denso estudo sobre a velhice, registrou vários casos da relação do idoso com o dinheiro, interpretando-os como sinônimo de poder. E acrescenta: Experimenta uma satisfação narcísica em contemplar e tocar essa riqueza na qual se reconhece. E nela encontra, também, a proteção que lhe é tão necessária. ‘A posse é uma defesa contra o outro’: através do que tenho, recupero um objeto assimilável ao meu ser para outrem, e, portanto, não cabe a outrem decidir que eu sou. Contra aqueles que pretendem não ver mais que um objeto, o velho graças a seus bens, assegura-se de sua identidade. (1990, p. 575-576). Isak manifesta este poderio do dinheiro. O empréstimo tomado pelo filho o prende ao pai, tendo que pagar o combinado. Quando Isak visita sua mãe, esta lamenta o abandono dos netos e bisnetos e indica que o dinheiro é o elemento que faz com que eles se aproximem, pois: Evald é o único que me visita. Não estou reclamando. Tenho quinze bisnetos que nunca vi. Mando cartas e presentes para todos em seus aniversários. Recebo cartas agradecendo, mas ninguém me visita. A não ser quando querem dinheiro emprestado. Eu devo ser muito cansativa. Também tenho outro defeito. Não morro. Todos os descendentes estão esperando e nada da herança sair. A velha sublinha que a morte a esqueceu. Continuar vivendo em avançada velhice é um defeito. A solidão a transformou numa morta-viva. O seu falecimento ensejaria logo a partilha dos bens entre seus descendentes, que não a visitam, mas almejam seu dinheiro. O diálogo entre Isak e Marianne continua. O sogro tenta narrar o sonho, no qual andava errante pelas vielas da cidade, mas a nora vai à desforra e simplesmente diz: “não me interesso por sonhos”. Isak sai da estrada principal para contemplar a casa, na qual desfrutava, quando criança, as férias de verão com toda a família. Enquanto Marianne vai tomar banho no lago, Isak olha para a antiga residência, senta sobre a relva, toca no solo e em voz off6 rememora: O canteiro dos morangos silvestres. É possível que eu tenha ficado sentimental. Talvez estivesse cansado ou nostálgico. Foi então que percebi que pensava em coisas que estavam ligadas à minha infância. Não sei como isto aconteceu, mas a luz do dia clareou mais ainda, as imagens das minhas lembranças, que passavam perante meus olhos, com toda a força da realidade. 6 Mecanismo no qual há um narrador, que não aparece na cena, apenas a voz. (RITTNER, 1965). 10 Na evocação das memórias da juventude, Isak Borg contempla a prima Sara (Bibi Andersson) e ex-namorada, no frescor da juventude, colhendo morangos silvestres para o aniversário do tio Aron (Yngve Nordwall), e, ao mesmo tempo, sendo cortejada por Sigfrid (Per Sjöstrand), irmão e rival de Isak. Observa a família próxima à mesa e a mãe ditando normas de higiene e etiqueta aos seus irmãos. O velho ouve com prazer, quando Sara expõe a uma de suas irmãs o que pensa dele e do irmão: Isak é tão gentil. Ele é frio, honesto e gentil. Quer sempre ler poesias, falar da vida após a morte e gosta de tocar piano. Só tenta me beijar no escuro e fala do pecado. Ele é muito melhor que eu. Nem sei como me sinto. Não há perdão para mim. Às vezes parece um menino, apesar de termos a mesma idade. E Sigfrid é tão perverso e excitante. Quero ir para casa. Não quero passar o verão sendo ridicularizada por todos. Pobre Isak, é tão bom comigo. Tudo o que faço é tão injusto. Isak, tendo evocado todas estas imagens, ainda em voz off, sublinha que “um sentimento de vazio e tristeza invadiu meu coração. Mas a voz de menina me trouxe de volta dos meus sonhos”. Conforme analiso, Ingmar Bergman, ao longo do filme, estabeleceu relações entre velhice e solidão, morte, egoísmo e dinheiro. Agora, nessa cena descrita, ele associa velhice e memória. O ancião solitário por opção, ranzinza, meticuloso, egoísta e avarento, próximo à velha casa de veraneio, deixou que aflorassem as vívidas imagens infanto-juvenis. Assim, neste momento nostálgico de rememoração, a família para Isak “é um quadro referencial extremamente valioso para a reconstituição das experiências passadas. É a moldura onde se desenham às primeiras lembranças pessoais – as impressões de mais larga duração – de onde brota o sentimento de origem”. (MALUF, 1995, p. 49). Nas ciências sociais, muito se tem escrito sobre o valor social da memória. Maurice Halbwachs (1990), tributário do pensamento de Durkheim, foi um desses estudiosos. Halbwachs não se deteve sobre a memória em si, mas naquilo que chamou de quadros sociais da memória. Para ele, o indivíduo, ao recordar, o faz mediante as vinculações sociais dos grupos a que pertence, como, a família, a igreja, a escola etc. Entre os que rememoram, os velhos têm um papel relevante. Halbwachs situa em sentidos diferentes as memórias dos adultos e dos velhos. Os primeiros vivem 11 tão atarefados pelo trabalho, pela disputa por prestígio, que não têm tempo para buscar na infância eventos, que se correlacionem à vida adulta. Os idosos, por sua vez, já aposentados, com tempo livre, ficam propensos a lembrar, assim como faz Isak diante da velha casa da família. Portanto, um velho “ao lembrar o passado ele não está descansando, por um instante, das lides cotidianas, não está se entregando fugitivamente às delícias do sonho: ele está se ocupando consciente e atentamente do próprio passado, da substância mesma da sua vida”. (BOSI, 1998, p. 60). Assim, Isak ao lembrar-se da família, tocando nos morangos silvestres, tenta reconstruir algumas imagens de um mundo que não mais existe. O pai e os nove irmãos morreram e ele vive a velhice solitariamente. Na rota para Lund, Isak desvia para dois lugares marcantes em sua história de vida. As estradas secundárias direcionam as lembranças. O primeiro desvio o conduziu a casa, onde passava com a família as férias de verão. No segundo, o levou à residência da mãe, de noventa e seis anos. Ante a casa de veraneio, Isak evoca suas memórias juvenis. Na moradia da mãe, ambos recordam a vida em comum. A velha aponta para uma caixa e pede a Marianne para pegá-la. No interior, encontram-se alguns objetos relacionados à infância dos filhos: uma boneca, um livro de pintura, uma locomotiva em miniatura, um relógio sem ponteiros, além de um diário datado de 1887, bem como outras coisas. Estes objetos conectam as lembranças comuns entre mãe e filho. Nesse momento, que os velhos estão reunidos, a anciã toma nas mãos uma boneca e passa a rememorar: Esta boneca era de Sigbritt. Ganhou quando fez oito anos. Eu mesmo fiz o vestido. Ela nunca gostou dela. Charlote era quem brincava com ela. Lembro-me bem. Sabe que são (segurando uma foto)? Sigfrid com três anos e você com cinco. E esta sou eu e como éramos diferentes naquela época (...) Claro que sim (respondendo ao pedido de Isak para ficar com a foto). É um livro de pintura. Devia ser das gêmeas, Anna e Angélica. Todos puseram seus nomes nele. Kristina escreveu: ‘ao meu pai a quem mais amo neste mundo’. Brigitta acrescentou ‘vou me casar com papai’. Não é engraçado? Eu ri quando li isto (...) Olhe isto (pegando um relógio sem ponteiros igual ao que Isak carregava no bolso no momento de seu primeiro sonho) o filho de Sigbritt fará 50 anos e pensei em lhe dar este relógio. Posso lhe dar, mesmo sem ponteiros (Isak olha com interesse e apreensão). Lembro-me de quando ele ficava no berço, na pérgula da casa de verão. Agora vai fazer 50 anos. E a pequena prima Sara, sempre cantava para ele dormir. Ela casou-se com Sigfrid, o inútil. Daquela caixa, a velha mãe busca as marcas do passado, perante o único filho que ainda vive. Cada brinquedo ou foto sintetiza as lembranças dos membros 12 do circulo familiar. As peças configuram-se como “relíquias” da família, cujas qualidades dão sentido à velhice solitária da guardiã e herdeira. Para Bosi, citando Viollete Morin, objetos dessa natureza são denominados de biográficos, “pois envelhecem com seu possuidor e se incorporam à sua vida”. (1998, p. 441). Arecco (2000), por sua vez, assinala que a velha não guarda entre tais relíquias nem uma lanterna mágica, nem um teatrinho infantil, mas objetos de um mundo morto. Ainda no pomar de morangos silvestres, Isak é interrompido em suas lembranças por uma jovem perguntando se a casa de veraneio é sua. Ele responde que não e assim iniciam o diálogo. A jovem identifica-se pelo nome de Sara, personagem também interpretada por Bibi Andersson. Esta multiplicidade de papéis é uma referência a Strindberg (ADLER, 2002). Sara caracteriza-se pela liberdade juvenil para os padrões da época, pois usa calças compridas coladas ao corpo, cabelo curto, óculos escuros, fuma cachimbo, revela-se também aventureira ao viajar da Suécia à Itália, apenas por meio de caronas e acompanhada por dois rapazes - Anders (Folke Sundqvist) e Victor (Björn Bjelvenstam) - respectivamente, estudantes de Teologia e Medicina. Assim, com a presença de Sara e seus amigos, Bergman retoma uma temática que lhe foi cara no início da carreira: a exaltação da juventude. Sara revela a Isak a nostalgia da juventude perdida e seus dois amigos assemelham-se à rivalidade dele com o irmão Sigfrid na busca do amor da prima Sara. Em Morangos silvestres, Bergman não apenas volta ao tema da juventude, mas desta vez a contrasta com a velhice, como se percebe no início do diálogo de Isak com Sara: Sara: esta casa é sua? Isak: não. Sara: que bom que é honesto. Isak: tudo aqui é de meu pai. Mas vivi aqui por 200 anos. Sara: é mesmo?Aquele carro é seu? Isak: sim, é. Sara: parece antigo. Isak: sim, é antigo, como o dono. No retorno ao carro, agora com outros três passageiros, Bergman emoldura a tela de forma que contrastem os rostos dos jovens com a face idosa de Isak. O velho médico faz menção sobre a prima, a qual foi sua namorada, que também se chamava Sara. O diálogo continua: Sara: ela se parecia comigo? 13 Isak: para dizer a verdade, sim. Sara: e o que houve com ela? Isak: casou-se com meu irmão e teve seis filhos. Agora tem 75 anos e continua muito bonita. Sara: deve ser horrível envelhecer! (repreendida por Anders indicando que Isak é velho). Desculpe-me, disse uma bobagem (Isak ri). A conversa é interrompida, quando Isak desvia seu automóvel para não colidir com o Fusca que vinha na contramão. O carro de Isak resvala para o acostamento, enquanto o outro capota. Do interior deste último sai um casal e vem ao encontro do médico e seus amigos. O homem apresenta-se como Alman (Gunnar Sjöberg), cuja profissão de engenheiro a exerce em Estocolmo. Alman pede desculpas e justifica que o acidente ocorreu em virtude de Berit (Gunnel Broström), a esposa, estar ao volante e que discutiam naquele momento. Isak sugere desvirar o carro. Alman e os três jovens empurram até que o automóvel retorna a posição normal. Enquanto isso, Berit ironiza a atitude do marido, dizendo: “vejam só como o engenheiro mede forças com os jovens. Tudo isso para se exibir para a jovem. Cuidado para não ter um infarto, querido!”. Para Bergman, as acusações mútuas de Berit e Alman revelam o inferno da vida no matrimônio. Nesse sarcasmo da esposa, no entanto, aparece, nitidamente, o confronto entre velhice e juventude, que permeia alguns momentos do filme, cujo momento máximo ocorre no início do segundo sonho de Isak. O sonho inicia com uma revoada de pássaros, numa clara citação ao filme Pássaros, de Hitchicok. Uma cesta de morangos silvestres caída ao chão. Isak dialoga com a prima Sara no mesmo lugar, onde evocou as memórias da infância: Sara: já se olhou no espelho, Isak? Ainda não? Vou lhe mostrar como está (apontando o espelho contra o rosto do primo), Um velho assustado, que logo morrerá e eu tenho uma vida pela frente. Desculpe-me se o ofendi. Isak: não estou ofendido, Sara. Sara: está sim, pois não suporta a verdade tentei ser uma pessoa razoável e acabei sendo cruel. Isak: entendo. Sara: não entende. Não falarás a mesma língua. Olhe no espelho de novo. Não desvie o olhar. Isak: estou olhando. Sara: quero lhe dizer uma coisa. Vou me casar com seu irmão Sigfrid (a imagem de Isak refletida no espelho) o amor é para nós um jogo. Olhe para o seu rosto agora. Tente sorrir. Está sorrindo. Isak: mas dói tanto. Sara: como professor, devia saber por que dói, mas não sabe. Pensou saber tanto, mas não sabe de nada. Preciso ir. Prometi cuidar do filho de Sigbritt. 14 A prima Sara, na plenitude juvenil, confronta o rosto enrugado e envelhecido de Isak diante do espelho. A imagem é cruel, o velho tenta desviar o olhar da face refletida, mas tem que encarar a dura realidade da velhice. A prima cria uma associação, que reflete o pensamento dos dias presentes, entre velhice/morte e juventude/vida. Sara é mais uma pessoa do circulo familiar a declarar que Isak, embriagado pelo egoísmo, não percebe a dor das pessoas. No mesmo sonho, Isak é examinado, perante uma plateia de jovens, em questões simples concernentes à atuação de um médico. Não identifica a amostra de bactéria através do microscópio; não consegue ler as palavras que estão no quadro-negro, cuja frase revela o primeiro dever de um médico, que é pedir perdão; diagnostica o fato de que uma mulher está morta, quando ela começa a dar gargalhadas. A conclusão do examinador é a incompetência do médico, acrescida da acusação da esposa, de indiferença, egoísmo e falta de consideração. Esses sonhos e lembranças experimentados por Isak, desde o início do dia, propiciam ao velho uma reflexão sobre a vida e a relação com as pessoas. Como médico, Isak é reconhecido pela Universidade de Lund como benfeitor da humanidade. Na vida familiar, no entanto, ele foi reprovado pelo egoísmo e indiferença, tendo ainda que amargar a traição da esposa, que no sonho copula em público. Portanto, o último sonho aflora uma relação paradoxal, pois, enquanto Isak receberá um prêmio por sua competência técnica, é declarado incompetente no trato com as pessoas. Ao acordar desse sonho, Isak percebe que o carro está parado e Marianne se encontra ao seu lado. Os jovens estão colhendo flores para homenageá-lo. O médico diz para a nora que teve mais um sonho bastante estranho e surreal, pois, assim como os outros, parece comunicar algo que ele não quer ouvir acordado, ou seja, que está morto apesar de vivo. Marianne vira-se para o sogro e afirma que ele e o filho são idênticos. Para justificar esta declaração, a mulher narra o episódio sobre o dia em que comunicou ao marido acerca de sua gravidez. Evald tentou persuadi-la a abortar, argumentando tratar-se de um absurdo trazer uma criança ao mundo. Para Marianne, estas palavras são apenas desculpas. O esposo assinala que viver para a companheira é existir e procriar, enquanto que para ele é simplesmente morrer. 15 Portanto, para Marianne, tanto o sogro como o marido são mortos/vivos, cuja maior representante é a velha mãe de Isak, pois: Quando vi sua mãe (acendendo o cigarro) senti muito medo, eu pesei, esta é sua mãe, uma velha como o gelo, de certa forma, mais assustadora do que a própria morte. Este é seu filho e entre eles há uma grande distância. Ele se sente um morto-vivo e Evald se sente no limiar do frio da morte. Então pensei no filho que carrego. Pensei, não existe nada além do frio da morte e da solidão. Deve haver algum motivo. Isak Borg, seu filho e sua mãe juntam-se aos grandes mortos/vivos de Bergman, como cavaleiro Antonius Block em O sétimo selo, Don Giovanni em O olho do Diabo e Oscar Ekdahl no filme Fanny e Alexander. A viagem está chegando ao fim e é possível perceber algumas pequenas mudanças no comportamento de Isak. O velho ranzinza, que no início da jornada indica que deveria haver uma lei contra cigarros, agora, gentilmente, sugere a nora que fume. Ela, em retribuição, é mais receptiva e ouve a narração de seus sonhos. Marianne revela ao sogro o desejo de ter o filho e de reatar com o marido, pois o ama. Não quer viver como o casal que encontrou na estrada, cujo casamento é uma sucessão de desventuras. Para ela, a separação, mesmo temporária, é a alternativa à falência matrimonial. Berit, como católica, assume o casamento como um sacramento revestido do caráter de indissolubilidade, preferindo viver o fracasso do matrimônio ao rompimento do acordo nupcial. Isak e seus companheiros de viagem chegam à casa de Evald. Pouco depois, o velho médico é homenageado na catedral de Lund pelo transcurso de seu jubileu de cinquenta anos de exercício profissional. Durante a celebração, em voz off, Isak profere estas palavras: “Surpreendi-me durante a cerimônia pensando nos eventos do dia. Foi então que decidi pensar e escrever tudo o que houvera. Notei que nestes eventos tão ligados havia uma causalidade memorável”. Como homem ligado à ciência, busca relações de causa e efeito nos fatos mais simples da vida. Após a cerimônia e de volta à casa do filho, Isak prepara-se para dormir e tem três momentos significativos que revelam mudanças em seu comportamento. No primeiro, ele confessa à empregada que, mesmo a conhecendo por muitos anos, não são amigos e gostaria de chamá-la simplesmente pelo nome. A velha prefere manter a situação como está, sem nenhuma intimidade. Depois, com 16 o filho Evald, ele esboça o perdão da dívida. A nora, que no início da viagem mantinha restrições em relação a ele, agora o beija com carinho. Isak deitado, mais uma vez, lembra-se de sua juventude e da casa de veraneio. A prima Sara o toma pela mão e leva-o para ver seus pais que de longe acenam ao filho. Isak adormece ou morre. Referências bibliográficas ADLER, Stella. Stella Adler sobre Ibsen, Strindberg e Chekhov. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. ARECCO, Sergio. Ingmar Bergman: Segreti e Magie. Genova: Le Mani, 2000. ARMANDO, Carlos. O Planeta Bergman. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1988. BEAUVOIR, Simone. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BERGMAN, Ingmar. Face a face. Lanterna mágica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988. 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