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ANAIS
IV Seminário Internacional de Direitos
Humanos da UFPB
III Encontro Anual da ANDHEP
Seminário Final do Programa ALFA
Human Facing Security
(3 a 6 de setembro de 2007)
João Pessoa-PB, Brasil
Maria de Fátima Ferreira Rodrigues
Giuseppe Tosi
(Orgs)
IV Seminário Internacional de Direitos
Humanos da UFPB
III Encontro Anual da ANDHEP
Seminário Final do Programa ALFA
Human Facing Security
Tema:
Democracia e Educação em Direitos
Humanos, numa época de insegurança
(Textos integrais das comunicações apresentadas nos GTs)
Editora Universitária
João Pessoa-PB
2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
reitor
RÔMULO SOARES POLARI
vice-reitora
MARIA YARA CAMPOS MATOS
EDITORA UNIVERSITÁRIA
diretor
JOSÉ LUIZ DA SILVA
vice-diretor
JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
divisão de produção
ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR
Anais do IV Seminário Internacional de Direitos Humanos da UFPB/III Encontro
Anual da ANDHEP/Seminário Final do Programa ALFA-Human
Facing Security/ Maria de Fátima Ferreira Rodrigues e Giuseppe
Tosi - João Pessoa: Editora Universit ári a UFPB, 2008. ISBN:
978-85-7745-3054
921p.
1. Educação 2. História 3. João Pessoa. I. RODRIGUES, Maria de Fátima
F.; II. TOSI, Giuseppe.
UFPB/BC
CD
Editoração Eletrônica: Richarde Marques da Silva
Capa: Richarde Marques da Silva
Direitos desta edição reservados à: EDITORA UNIVERSITÁRIA/UFPB
Caixa Postal 5081 - Cidade Universitária, João Pessoa - Paraíba - Brasil. CEP: 58.051-970
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
APRESENTAÇÃO
O C D-ROM que estamos lançando contém uma parte dos trabalhos
apresentados no IV SEMINÁRIO INTERNAC IONAL DE DIREITOS HUMANOS
DA UFPB - III ENC ONTRO ANUAL DA ANDHEP - Seminário Final do
Programa ALFA, realizado em João Pessoa, de 3 a 6 de setembro de 2007.
O evento reuniu 48 convidados(as) do Brasil e do exterior, que
participaram de 9 mesas redondas e 103 participantes em 7 grupos de
trabalho, divididos em 16 sessões, que apresentaram 121 comunicações.
O C D-ROM reúne 78 comunicações apresentadas por 114
participantes dos Grupos de Trabalho, por um total de 1101 páginas de
texto. As palestras das mesas redondas estão sendo reunidas em dois livros
impressos de próxima publicação com o financiamento da SEDH e do
Programa ALFA.
Queremos assim colocar a disposição de um público mais amplo os
resultados das intensas discussões que aconteceram durante os quatro dias
do evento, ao qual assistiram mais de 300 pessoas.
A leitura dos trabalhos desta coletânea mostra a vitalidade do
paradigma dos direitos humanos, ou seja, a sua capacidade de articular, de
forma interdisciplinar, o ensino, a pesquisa e a extensão universitária. Neles
são abordados vários temas, reunidos ao redor de três eixos centrais: o
Estado de Direito, a Segurança Pública e a Educação à C idadania e aos
Direitos Humanos. Apesar da pluralidade de temas, visões ideológicas e
abordagens, todos os trabalhos são perpassados pela preocupação com a
consolidação de uma sociedade mais justa e mais fraterna que supere as
discriminações e divisões sociais, econômicas e culturais.
Queremos ressaltar a presença de pesquisadores(as) e militantes de
direitos humanos de diferentes países e instituições, assim como
participação dos estudantes e dos jovens pesquisadores. Acreditamos
assim de estar contribuindo para criar uma nova geração de profissionais
comprometidos com a produção de um saber que contribua para melhorar
econômica, social e eticamente a sociedade em que vivemos.
Agradecemos a colaboração de todos os que permitiram a realização
deste CD-ROM, em particular das professoras Maria Carmela Buonfiglio,
Fátima Pereira e Eliana Monteiro e das alunas Alecsandra Pereira da C osta
Moreira e Amanda C hristinne Nascimento Marques.
Esperamos desta forma oferecer um instrumento que possa fortalecer
o ensino, a pesquisa e a extensão no campo dos direitos humanos.
João Pessoa, 10 de dezembro de 2008
60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Maria de Fátima Ferreira Rodrigues
Giuseppe Tosi
Teoria e História dos Direitos Humanos
CONS IDERAÇÕES ACERCA DA TEORIA MORAL KANTIANA DE UM PONTO
DE VIS TA FEMINIS TA.......................................................................................................7
DIREITOS HUMANOS, LEGITIMAÇÃO DIS CURS IVA E PRAGMATIS MO: o
problema da efetividade da teoria.......................................................................................21
CONS IDERAÇÕES COM EMMANUEL LEVINAS: direitos humanos e direitos do
outro numa ótica ético-política............................................................................................40
DIREITOS HUMANOS E DIFERENÇA: o retorno à pergunta pelo sentido do humano a
partir da hermenêutica filosófica ........................................................................................53
RETÓRICA, PRAGMÁT ICA E DIREITOS HUMANOS: ENS AIO SOBRE A
RELEGIT IMAÇÃO DA RETÓRICA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO
HOMEM..............................................................................................................................65
DIREITOS HUMANOS: uma aproximação sócio-histórica .............................................78
A VIOLAÇÃO DE DIREITOS: exclusão social e direitos humanos.................................88
BIOTECNOLOGIA, PODER E T ECNOCRACIA: a resposta dos direitos humanos ..102
Cultura e Educação em Direitos Humanos
RELATO DO CURSO DE MULTIPLICADORES EM TEATRO DO OPRIMIDO:
formação emancipatória em diretos humanos..................................................................115
RELATO SOBRE O CURSO DE INTRODUÇÃO À ASS ESSORIA JURÍDICA
UNIVERS ITÁRIA POPULAR: pela humanização do ensino jurídico...........................124
UMA ABORDAGEM DA EDUCAÇÃO POPULAR EM DIREITOS HUMANOS NO
PROGRAMA DE ASSESSORIA JURÍDICA ES TUDANTIL .......................................138
COMUNICAÇÃO E DIREITOS HUMANOS: reflexões sobre a ação educomunicativa
das organizações não-governamentais..............................................................................149
A EDUCAÇÃO S UPERIOR: de direito fundamental a serviço comercializável ..........160
FUNDAMENTOS HISTÓRICO-FILOSÓFICOS DOS DIREITOS EDUCATIVOS DE
JOVENS E ADULTOS......................................................................................................177
PROJETO ALFA: intercâmbio acadêmico em direitos humanos junto a Universidade do
Minho – Braga – Portugal .................................................................................................191
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
1
DIREITOS HUMANOS E EDUCAÇÃO POPULAR: a efetividade do direito à educação
............................................................................................................................................215
PARE, OLHE E ESCUTE: direitos humanos e educação quilombola ...........................233
EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: olhando a prática educativa a partir das
relações de gênero ..............................................................................................................250
EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: porque, para quem, para que, como ?.....260
EDUCAR PARA OS DIREITOS HUMANOS: desafio da extensão universitária.........278
A ASS ESSORIA JURÍDICA UNIVERS ITÁRIA POPULAR NA EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS....................................................................................................293
Democracia e Direitos Humanos
DIREITOS HUMANOS EM TEMPOS DIFÍCEIS : produzir rupturas subjetivas e uma
política sem partidos ..........................................................................................................308
PAULO FREIRE E NOVOS CONTORNOS PARA A DEMOCRACIA ......................321
DIREITOS HUMANOS, ACESSO À JUS TIÇA E MEDIAÇÃO POPULAR...............335
DIREITOS HUMANOS: a perspectiva das lutas sociais, uma visão biopolitica e
imanentista.........................................................................................................................354
A S UBORDINAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DE LIB ERTAÇÃO DOS(AS )
OPRIMIDOS (AS) PELA RESERVA DO POSSÍVEL ECONÔMICO: uma crítica à
teoria hegemônica acerca da eficácia dos direitos humanos sociais.................................363
PENS AR A CIDADANIA: entre o direito de todos e a responsabilidade de cada um ...383
DIREITOS HUMANOS E SOBERANIA POPULAR: por uma dialética do consenso
livre.....................................................................................................................................400
PRES TAÇÃO DE S ERVIÇO À COMUNIDADE: uma forma alternativa de punição e
inserção social do infrator..................................................................................................418
INTRODUÇÃO.................................................................................................................418
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................436
PRIS ÃO E DEMOCRACIA: o diálogo impossível ..........................................................438
CID AD AN IA E S IS TEMA PEN IT ENC IÁRIO: aten dimento ju rí dico gratuito e
intervenções de direitos humanos no sistema penitenciário da Gran de Jo ão
Pessoa – PB .......................................................................................................................449
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
2
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
INTERCULTURALIDADE, JUS TIÇA E DIREITOS HUMANOS: o discurso do
judiciário sobre as ações afirmativas para a população negra.........................................458
A PARTICIPAÇÃO POPULAR NOS MOVIMENTOS SOCIAIS POR MORADIA:
fundamentos para a construção dos direitos sociais como normas jurídicas de origem
comunitária ........................................................................................................................477
AS ES TRATÉGIAS DE ES PACIALIZAÇÃO DA LUTA NOS ACAMPAMENTOS DO
MST: um espaço vivido de concretização dos direitos humanos .....................................487
AGROINDÚSTRIA, AMBIENTALISTAS E CONSUMIDORES: luta e afirmação dos
direitos humanos no trato dos alimentos transgênicos ....................................................509
A DEFESA DO CONSUMIDOR COMO DIREITO ECONÔMICO FUNDAMENTAL
............................................................................................................................................517
DIREITO AO DES ENVOLVIMENTO E JUSTIÇA INTERGERACIONAL..............527
ÁGUA DOCE: direito fundamental da pessoa humana .................................................536
OCUPAÇÕES URBANAS : a luta pela efetivação do direito à moradia na grande joão
pessoa..................................................................................................................................548
ANÁLISE CRÍTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS : aspectos teóricos e
conceituais ..........................................................................................................................566
DIREITO HUMANO À CULTURA: experiências dos pontos de cultura em
pernambuco .......................................................................................................................580
EXC LUSÃO SOCIAL: a agonia do direito à saude.........................................................590
MENS SANA IN CORPORE SANO: o direito à saúde e o Comentário Geral N.º 14 da
ONU....................................................................................................................................610
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE RACIS MO INSTITUCIONAL E AÇÕES
AFIRMATIVAS NO BRAS IL..........................................................................................626
INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA EM S ITUAÇÃO DE RISCO E DIREITOS
HUMANOS ........................................................................................................................645
ENT RE A FÉ E O DIREITO: o caso da cam panha ho mofó bica em Cam pina
Gran de – PB .....................................................................................................................661
DIREITOS DO CONSUMIDOR COMO UM NOVO VIÉS DOS DIREITOS
HUMANOS : RES PONS ABILIDADE DO ESTADO PELO FORNECIMENTO DE
SERVIÇOS PÚBLICOS....................................................................................................670
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
3
PROMOÇÃO E EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PELOS OCUPANTES
DO PARQUE OES TE INDUSTRIAL EM GOIÂNIA....................................................686
NÚCLEO DE PES QUIS A E EXT ENSÃO EM DIVERS IDADE S EXUAL: o combate à
homofobia no Estado de Goiás .........................................................................................705
Instrumentos Jurídicos de Proteção e Defesa dos Direitos
Humanos
CAS O Nº 12.051/OEA: análise da influência internacional no caso Maria da Penha ....720
NOVA LEI DE CUS TAS JUDICIAIS: antigo obstáculo ao acesso à justiça..................738
SISTEMA DE JUS TIÇA E DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DO PARÁ:
MECANIS MO DE DEFES A E PROMOÇÃO................................................................749
DEFENSORES(AS ) DE DIREITOS HUMANOS: da proteção internacional à
experiência local.................................................................................................................765
TERRORIS MO E CRIME POLÍT ICO: os desafios da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal do Brasil no tocante às práticas políticas e instrumentos de proteção e
defesa dos direitos humanos ..............................................................................................778
A VENDA DE ÓRGÃOS E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRAS ILEIRO.............792
ACESSO A MEDICAMENTOS COMO DIREITO HUMANO: o protagonismo
brasileiro nas Nações Unidas.............................................................................................806
PODER JUDICIÁRIO E JUS TICIABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS : uma
pesquisa no tribunal de justiça do estado do rio de janeiro..............................................822
Violência Social, Políticas de Segurança Pública e
Direitos Humanos
FAMÍLIA: LAR DOCE LAR? .........................................................................................843
GES TÃO COMUNITÁRIA DA S EGURANÇA PÚBLICA: a experiência da polícia
comunitária ........................................................................................................................856
“ES TÃO ME DEVENDO COMIDA, CAS A, DENTES (...)”: execução de dívidas
vencidas e os direitos humanos no conto o cobrador, de Rubem Fonseca.......................864
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HUMANOS DA UFPB
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EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E POLICIAMENTO: construindo segurança
pública em comunidade.....................................................................................................886
RELAÇÕES CONFLITUOS AS: uma reflexão sobre violência conjugal.......................905
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO CONTROLE DO CRIME ............................................917
DES INSTITUCIONALIZAÇÃO - UM LONGO CAMINHO........................................933
DIS CURSOS MORAIS: a necessária distinção conceitual entre migração voluntária e
tráfico de seres humanos....................................................................................................952
O EXERCÍCIO DO DIREITO PENAL MÍNIMO NUM ESTADO GARANTIS TA
PARALELO À INDIVIDUALIDADE DO APENADO ..................................................971
Direito Internacional dos Direitos Humanos
COSMOPOLITIS MO E PAZ: dois conceitos estreitamente relacionados .....................983
PARA UMA FUNDAMENTAÇÃO ANTROPOLÓGICA DOS DIREITOS HUMANOS
COM FINS COS MOPOLITAS ......................................................................................1000
A CONTRIBUIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA O
INCIDENTE DE DES LOCAMENTO DE COMPETÊNCIA......................................1018
JUS TIÇA GLOBAL E DIREITOS HUMANOS: o desafio do Tribunal Penal
Internacional....................................................................................................................1034
O IMPACTO DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NA
PRÁTICA DOMÉS TICA DO ES TADO DO S UDÃO: o Conflito Darfur sob a óptica do
modelo espiral de Thomas Risse......................................................................................1047
A VÍTIMA DE VIOLÊNCIA NO S ISTEMA DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS : um estudo sobre a experiência do Tribunal Penal Internacional............1068
O ACIONAMENTO DOS MECANISMOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS
DIREITOS HUMANOS COMO FORMA DE DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À
JUS TIÇA..........................................................................................................................1086
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Teoria e História dos Direitos
Humanos
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CONS IDERAÇÕES ACERCA DA TEORIA MORAL KANTIANA D E UM PONTO
DE VIS TA FEMINIS TA
Alice Lino
1
1. Introdução
Na obra Meta física dos Costumes (1798), p arece n ão haver esp aço p ara a miso gin ia.
Muito p elo contrário, Kant p ode ser considerado até um p recursor do feminismo moderno,
visto que elabora conclusões igu alitárias no que tange aos direitos e aos deveres dos seres
racionais, independentemente do gênero. Ainda assim, é evidente a contradição existente
entre os p receitos que se referem à liberdade - estes mesmos que comp õem a estrutura da
obra como um todo - com os argu mentos ap resentados na seção destinada ao direito
matrimonial, na qual a mulher ap arece como sendo, necessariamente, subordinada ao
marido. Se tais consid eraçõ es dissessem resp eito às mulheres da Alemanh a do séc. XVIII, a
argu mentação kantiana seria de cunho emp írico. Tal discurso, então, estaria reduzido à
persp ectiva do filósofo sobre o seu meio. Mas o problema é que esta colo cação p arece
pretender um caráter un iversal, na medida em que se encontra em u ma obra de cunho
metafísico. Ou seja, diz resp eito a um tip o de argumentação que se constitui
indep endentemente da exp eriência.
A questão traduz-se em como Kant p ode argumentar qu e a lib erdade ap resenta-se
como um direito nato de todo ser racional; que nin guém tem o direito de lesar o outro no
tocante à liberd ade deste e ainda sustentar que o marido deve ser o mestre da esposa, em
um contrato onde ele dirige e ela ob edece?
Dito isso, p retende-se apresentar a estrutura que comp õe a teoria moral kantiana, a
fim de ev idenciar argumentos que soam como p arado xais, quando se consid era o p ap el
atribuído à mulher no casamento.
2. Dos pressupostos
Conforme Kant argumenta n a Fundamenta ção da Metafísica dos Costumes (1785) obra essa qu e garante os fundamentos p ara sua teoria moral - a ética é determinada p ela
ciência das leis da liberdad e ou p ela teoria dos costumes e ap resenta necessariamente uma
1
Universidade Federal de Ouro P reto. E-mail: alice22lino@ hotmail.com.
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parte emp írica, a Antrop ologia Prática, associad a a uma p arte racional. A relação com o
emp írico é estabelecida n a med ida em que a filosofia moral indica quais devem ser as
pretensões da vontade humana, enquanto essa é afetada p elas leis da natureza. Estas leis
conduzem os acontecimentos e as leis morais intervêm determinando como tudo deveria
acontecer. A natureza, p ortanto, é regida p or leis próp rias. O homem, p or sua vez, age
segundo a sua vontade, ou segundo a sua razão p rática, que é a resp onsável p ela
determinação das ações a p artir das rep resentações das leis. Já a p arte racional da ética
mostra-se constituída pelos p rincíp ios a p riori, que se ap resentam destituídos do caráter
emp írico. Trata-se, p ortanto, da Filosofia Pura ou da moral prop riamente dita. Esta quando
se refere aos objetos do entendimento é considerada metafísica. A metafísica p ode ser a da
natureza e a dos costumes. Kant, a p artir da distinção que estabeleceu entre a p arte emp írica
e a p arte racional, p ropõe a necessidade da antep osição de uma metafísica da natureza à
próp ria física e da metafísica dos costumes à antrop ologia p rática.
“Somente a experiên cia é cap az de ensinar o que nos traz alegria” (KANT,
2
1798/2003, p . 58) , argumenta Kant na “Introdução à M etafísica dos Costumes”. Logo,
pode-se concluir qu e, o p uro exercício racional não se refere à felicidad e e que para este
intuito, o instinto natural nos atende melhor do que a razão. Tal p rop osição fundamenta a
presença de certos vestígios de misologia encontrados naqueles que utilizam em demasia a
razão, justamente p ela constatação de que “mais se sobrecarregaram de fadigas do que
ganh aram em felicidade” (KANT, 1785/1995, BA 6, 7, p . 25). Assim, ao considerar tais
asp ectos, invejamos os homens de condição inferior, que estando mais p róximos do p uro
instinto natural não p ermitem que a razão exerça grande influência no que fazem ou deixam
de fazer. Na p ersp ectiva kantiana, a razão não é cap az de nos conduzir até a felicidad e, p ois
não p ode satisfazer as necessidad es imp ostas p ela vontade; muito pelo contrário, é cap az
até de criar novas necessidades. Cabe, p ortanto, ao instinto conduzir a vontade, com maior
seguran ça, a seu fim determin ado; no caso, à felicidade. Segundo o filósofo, os instintos
naturais referem-se, num p rimeiro momento, à busca p elo alimento, sexo, rep ouso,
movimento; mas, ap ós certo desenvolvimento das nossas p redisp osições naturais, a busca
volta-se também p ara asp ectos tais como a honra e o conhecimento. Como tais instintos
aparecem intrinsecamente ligados à exp eriência, somente através desta será p ossível nos
nortearmos na busca da felicidade.
2
As datas na referência indicam o ano da publicação original e a edição utilizada, respectivamente. A letra e o número,
que ocasionalmente aparecem, indicam as referências da obra original mantidas nas edições atuais.
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Poder-se-ia vislumbrar, com um mínimo de coerência, que a razão, mesmo antes d a
exp eriên cia, seria cap az de determinar os meios p ara a tão esp erada felicidad e. M as de
acordo com Kant, tudo a esse resp eito que nos for transmitido de forma a p riori, ou seja,
qualquer mand amento da razão que anteceda à exp eriên cia, co m o intuito de revelar um
caminho mais p rósp ero a segu ir, não passa de tautologia ou é simp lesmente p resumido sem
qualquer base. Deve-se considerar que em cada um de nós a felicidad e mostra-se de forma
diferente e que tal constatação invalida qualquer tentativa de uma elaboração a p riori p ara
resolver a questão.
O fato de a teoria moral k antiana apresentar p rincíp ios morais a p riori indica,
necessariamente, que esta não se refere à felicidade. E as inúmeras tentativas de a razão
op erar de forma a p riori sobre tais questões somente são valorosas devido à experiência
promovida p ela indução p ara a generalidad e. Pois as ações determinadas p ela razão com o
intuito da felicidade mostrar-se-ão frágeis, sendo necessário uma série de ajustes para uma
melhor adequação das esco lhas feitas co m as inclinações p articulares e as suscetibilidad es à
satisfação. E, aind a assim, estas somente se tornarão prudentes através da exp eriência.
Pelo fato da razão ap resentar-se tal como uma facu ldade p rática, Kant considera que
o fim desta dev e ser a elaboração de u ma vontade. Mas, sobretudo, de uma vontade boa em
si mesma; simp lesmente p elo querer. Posto que, a vontade não será consid erada boa d evido
a sua finalidade; em outros termos, a sua utilidade não se relaciona em nenhu m momento
com o seu valor.
Na ótica kantiana, o conceito de dever encerra o de boa vontade, sendo que essa
faculdad e en contra-se entre um p rincípio a p riori formal do querer em geral e o seu móbil a
posteriori material. E sua d eterminação cabe ao p rimeiro mencionado, p ois na p rática do
dever não há a motivação p romovida p elo princíp io material. M elhor dizendo, as ações
apresentarão valor moral somente quando p raticadas por dever.
O conceito de dever, p or sua vez, diz resp eito ao cump rimento obrigatório de uma
determinada ação. E pode acontecer até de estarmos obrigados a u m único dever de
diversas formas. A execução ou não deste relaciona-se de forma efetiva com o sentimento
moral de p razer ou desp razer, mesmo não sendo estes considerados nas leis p ráticas da
razão, na med ida em que não constituem sua base. Tais sentimentos ap resentam-se como
uma esp écie d e efeito subjetivo na mente, quando interferem determinando a esco lha; o que
vai variar em cada u m de nós. Mas de forma alguma, mostrar-se-ão cap azes de acrescentar
ou diminu ir na validade ou na influ ência das leis. Segundo Kant, a prática de uma ação p or
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dever é o que garante o valor do caráter. E é n a máxima que determin a a ação que está o
valor moral d esta, visto que o objetivo d a ação n ão apresenta nenhum valor sequer. A ação
quando praticada p or dever não considera os p ossíveis objetos p retendidos p ela faculd ade
de desejar, o que a norteia é unicamente o p rincíp io do querer, a lei. E o p uro resp eito a esta
lei é o móbil subjetivo no cumprimento do d ever, ou seja, aquilo que rep resenta o interesse
moral. Tal lei é con cebid a como necessária em si mesma, ou seja, a esta estamos
subordinados, indep endentemente do que o amor p róprio nos diga.
Uma vontade que não é inteiramente boa está sujeita à inclin ação. Esta última
refere-se às tentações com as quais a faculdad e de desejar estabelece uma relação de
dep endência. A obrigação, então, estará p ara aqueles em que a vontade não se apresenta
inteiramente conforme a razão e atende também à subjetivid ade.
...se a vontade não é em si plenamente conforme a razão (como acontece
realmente entre os homens), então as ações, que objetivamente são
reconhecidas como necessárias, são subjetivamente contingentes, e a
determinação de uma tal vontade, conforme a leis objetivas, é obrigação
(Nötigung)... (KANT, 1785/1995, BA 38, p. 48).
A vontade é considerad a absolutamente boa somente quando determin ada
exclusivamente pela lei, qu e se ap resenta na condição de mand amento da razão e mostra-se
sob a fórmula do imp erativo; uma regra p rática que dev e ser n ecessariamente segu ida. M as
se esta ação ditada p elo imp erativo já for in erente ao sujeito agente, esse é consid erado um
santo e para tal não há a necessidade dos imperativos, p ois o querer coincide com o dever.
As regras determin adas através dos imperativos refletem a tentativa de estabelecer preceitos
universais sobre os p articulares. Os imp erativos rep resentam, portanto, um princíp io
objetivo elaborado p or uma vontade qu e sintetiza a relação do querer em geral com a
imp erfeição subjetiva da vontade humana. E podem ser rep resentados na forma categórica
ou hip otética. O p rimeiro ordena uma ação que se mostra como objetivamente necessária.
Tal imp erativo é incondicion al, p ois a ação ordenad a torna-se necessária p or meio da
rep resentação dela mesma e n ão p ela rep resentação do p ossível fim desta ação. O
Imp erativo Categórico ordena: “age somente segundo uma máxima tal que p ossas ao
mesmo temp o querer que ela se torne lei universal” (KANT, 1785/1995, BA 52, 53, p . 59)
e “age de tal maneira que uses a humanidade, tanto em tua p essoa como na p essoa de
qualquer outro, semp re e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”
(KANT, 1785/1995, BA 66, 67, p . 69). Este imp erativo não está relacionado co m o objeto
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da ação e nem mesmo com o resultado desta, mas somente com a forma e o princíp io
exp ressados no agir. É, p ortanto, p uramente formal, desp rovido de conteúdo. E justamente
por ap resentar tal estruturação, é concebido co mo o imp erativo da moralidade. O
fundamento deste não diz resp eito a nenhuma p rop riedade da escolha qu e não seja a
liberdad e. Esta, na concep ção kantiana, ap resenta-se como um p ressup osto necessário da
razão naquele qu e ju lga ter consciência de uma vontade. Ou seja, daquele que age de
acordo com as leis da razão sem considerar os instintos naturais.
O Imp erativo Hip otético, p or sua vez, rep resenta a necessidade de uma ação que
serve p ara intermediar a obtenção de outra coisa. Este imperativo mostra-se condicional,
pois se relacion a co m os meios p ara alcançar um d eterminado fim. A p rudência (Klugheit),
na p erspectiva kantiana, ap arece relacionad a co m o imp erativo hipotético, na medid a em
que é considerada co mo a hab ilid ade necessária n a escolh a dos meios p ara se atin gir o b emestar. Nos imp erativos de p rudência, as ações não aparecem ordenadas de forma absoluta,
não há, portanto, nem mesmo a exp ressão de uma ord em, como acontece nos imperativos
categóricos. As ações, no caso, rep resentam ap enas um meio p ara se atingir um fim
determinado.
A força da lei moral está, justamente, na sua base a priori. A razão deve, portanto,
imp or ao homem a forma de agir, ind ependente de que se tenha ou não u m exemp lo daquilo
que é determinado. Não cabe também ao sujeito av aliar se tal ato lh e trará v antagens ou
desvantagens, até p orque somente a exp eriência p oderia revelar isto. E, na p ersp ectiva de
Kant, todos os conceitos e juízos sobre o homem, suas açõ es e o missões não ap resentam
nenhum significado moral se o conteúdo destes p uder ser ap reendido através exp eriên cia.
Para que uma lei ap resente um valor moral (co mo fundamento de uma obrigação),
essa deve trazer consigo uma necessidade absoluta. O fundamento da obrigação d á-se então
a p riori. Pois se as b ases de tal fund amentação fossem empíricas, no lu gar da lei haveria
regras p ráticas, que condizem com a natureza humana e com as circunstâncias do p róp rio
mundo e não com a lei moral. Kant estabelece, a p artir de tais afirmaçõ es, que a filosofia
moral d eve ser constituída somente sobre a sua p arte p ura. E acrescenta que a ap licação de
tais leis não considera em momento algu m a antropologia; do homem exige-se somente
uma ap urada faculd ade de ju lgar atrelada à exp eriên cia, pois assim ele será cap az de
distinguir em que casos as leis têm ap licação e também terá a en ergia necessária p ara
realização dessas.
Poder-se-ia alegar qu e a p rática desta teoria moral constrange a liberdad e do sujeito,
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mas a concep ção erguida p elo filósofo diz o contrário. Segundo Kant, a liberd ade mostra-se
como um conceito racional p uro; sendo que para este não há exemplos p ossíveis. Ou seja,
não há nada obtido através da exp eriên cia cap az de rep resentar a lib erdade; desta não se
pode obter nenhum conhecimento teórico. Logo, seu conceito é transcendente e detém seu
valor somente como um p rincíp io regulador da razão esp eculativa. Para Kant, o homem
livre - aquele que age conforme as leis d a liberdade - está de acordo com os p adrões
estabelecidos p elo sistema ético; qu er se dizer que, o homem livre é aqu ele qu e apresenta
traços éticos.
Devido às necessidades e inclinações, os homens tendem a resistir diante dos
deveres que são esculpidos pela razão com toda a dign idade p ossível. Neste contexto
imp era um questionamento acerca do que seria melhor fazer ou deixar de fazer, da real
necessidade d e se seguir d eterminad a lei. M as, ao se dep arar com esta encruzilhada, a razão
humana vulgar logo busca au xílio n a filosofia; exclusivamente, p or motivos p ráticos. E esta
conduz com braços fortes a razão quando lhe mostra uma fonte de água p ura, que reflete a
verdadeira determin ação.
3. Doutrina do Direito
Esta seção trata da “Doutrina do Direito”, a fim de estabelecer u ma introdução p ara
o “Direito Privado”, seção onde se encontra os argumentos referentes ao matrimônio. E,
princip almente, tem-se a intenção de exp or os argumentos que dizem resp eito à liberdade,
para que estes sejam confrontados com as condições ap resentadas no “Direito
Matrimonial”.
De acordo com argu mentos que o p róprio Kant ap resenta, a “ética” na Antigüidade
referia-se à teoria dos costumes (philosophia moralis) em geral ou também era d enomin ada
teoria dos deveres. No entanto, com o p assar do temp o, a ética p assou a referir-se “a uma
parte da teoria dos costumes, nomeadamente à doutrina daqu eles d everes que n ão se
enquadram em leis externas (p ensou-se ser ap ropriado chamar isso em alemão de
Tugendlehre)” (KANT, 1798/2003, p. 223). Assim, estabeleceu-se qu e a doutrina dos
deveres em geral ap resentar-se-ia como a doutrina d a virtude (ética) e a doutrina do direito.
A doutrina do direito indica os deveres que p odem ser rep resentados p or leis
externas. Para Kant, nem mesmo o jurista p oderia definir o que é o direito, p ois mesmo
possuindo exp eriência co m as leis, sabendo utilizá-las ap rop riadamente no dia a dia, ele não
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poderia determinar ad equadamente o conceito do direito, justamente p or estar envolto p or
princíp ios obtidos através da exp eriência. O jurista saberia dizer somente o que as leis de
algum lugar e de certo temp o p rescreveram, mas em hip ótese alguma, p oderia abarcar o
critério universal p elo qual se pode determinar o certo e o errado. Para tal, ele teria qu e usar
como fundamento exclusivamente a razão.
Kant, então, define o que é o direito. A formulação parte do p ressuposto de que ao
conceito do direito deve-se vincular a sua obrigação corresp ondente. Trata-se, p ortanto, do
conceito moral do direito. Dito isso, p assemos à defin ição. Num p rimeiro mo mento, o
direito refere-se à relação p rática de uma p essoa com a outra, no sentido de que as ações
praticadas p or essas p essoas podem influenciar-se mutuamente. Nesse movimento, ocorre
necessariamente uma relação com a escolha do outro. O que não significa dizer que o correu
uma escolha baseando-se na necessidade do outro, como é evidente nas ações de
beneficência ou crueldad e. Segundo o filósofo, a “necessidade” ap resenta-se como um
direito no sentido lato (ius strictum), ou seja, aquele onde não há leis que determinam a
coerção, visto que a necessidade não p ode determinar objetivamente as leis. Pois, o que
alguns podem considerar como um direito legítimo não é, de fato, tido como ap rop riado
quando analisado p or uma corte. A necessidad e não deve ser, p ortanto, considerada na
relação recíp roca da escolh a, p ois o fim que cada um estabelece co mo ob jeto do seu d esejo
não deve ser levado em conta. O fator que merece imp ortância é a forma utilizada p or
ambas as p artes na relação da escolha, melhor dizendo, é se a ação de uma p essoa
apresenta-se de acordo co m a liberd ade d a outra e em conformidad e co m uma lei univ ersal.
A lei universal do direito estabelece que se dev a agir “de modo qu e o livre uso de teu
arbítrio possa coexistir com a liberdad e de todos de acordo com u ma lei universal” (KANT,
1798/2003, p . 77). Essa lei d etermina uma obrigação, mas n ão é suficiente para restrin gir a
condição de liberdad e do sujeito. O que se vê é a limitação d a liberdad e p or certas
condições inerentes a sua p róp ria idéia e a constatação da p ossibilidade de restrição à
liberdad e p or p arte de outros. De acordo com esta lei, tudo o que for injusto ap arece como
um obstáculo p ara a liberdade. A ação justa é então aquela que obedece a lei univ ersal do
direito e assim não restringe a lib erdade do outro.
Na “Doutrina do Direito”, a liberdade ap arece como o único d ireito original que
pertence a todos, simp lesmente devido à humanidade destes, mas somente quando p uder
“coexistir co m a liberd ade d e todos os outros de acordo co m uma lei universal” (KANT,
1798/2003, p . 83). A liberdade é vista, p ortanto, como um direito nato e é rep resentada
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como “a indep endência de ser constrangido pela escolha alh eia” (ibidem). Este princíp io
aparece relacionado com o p rincíp io de iguald ade inata, isto é, “a indep endência de ser
obrigado p or outros a mais do que se pode, por sua vez, obrigá-los...” (KANT, 1798/2003,
p. 84). E tais argu mentos conduzem à assertiva k antiana qu e d elega ao homem o direito de
ser o seu p róp rio senhor.
No que diz resp eito à div isão dos dev eres do direito, Kant utiliza as formu lações de
3
Ulp iano : Sejas um ser humano honesto (honeste vive); não p rejudique ningu ém (neminem
laedere) e p articip e de uma associação com outros na qual cad a um seja capaz de conservar
o que é seu (suum cuique tribu ere). Ao co mentar o p rimeiro dev er apresentado, Kant relata
que a honestidade determina a d ignidad e do homem co m relação aos outros. No que se
refere ao segundo dev er, o filósofo argu menta que se deve romp er as relações com outros e
se for necessário até abandonar a sociedade p ara ev itar causar prejuízo a alguém. E o
terceiro dever, na p erspectiva kantiana, indica que as relações dev em p reservar as posses de
cada u m, melhor d izendo, devem ser inerentes ao relacionamento certas condiçõ es que
protejam aquilo que é de cada um. Tais condições devem atuar contra a cobiça que outros
possam vir a ter sobre o que não lh es pertence.
4. Da Doutrina da Virtude
A doutrina da virtude refere-se à “p arte da doutrina geral dos dev eres que resulta em
liberdad e interior” (KANT, 1798/2003, p . 225). Para o estabelecimento desta liberd ade
exige-se que o sujeito seja o seu p róprio senhor (animus sui compos) e regule a si p róp rio
(imperium in semetipsum), ou seja, tenha sobre controle suas p aixões e afetos; o qu e lhe
garantirá um caráter nobre.
Enquanto a doutrina do direito refere-se somente à “condição formal da liberd ade
exterior (a co erência da liberdade exterior consigo mesma se sua máxima fosse
transformada em lei universal)” (KANT, 1798/2003, p . 224), a doutrina da virtude ou a
ética, na p ersp ectiva kantiana, pretende instaurar uma finalidade moral, co m a qual a razão
legisladora p oderá op erar frente às influên cias d as inclinações. Assim, nos dev eres éticos
apenas a legislação interna opera na coerção, diferentemente dos deveres de d ireito que
apresentam uma legislação externa. E mesmo qu e a lei d etermine um dev er de direito, é o
dever de virtude que “nos ordena a manter sagrado o d ireito dos seres humanos” (KANT,
3
Jurisconsulto romano do século III A.D.- Ver sua Regras de Ulpiano (edição bilingue- Latim/P ortuguês) Série Clássicos,
Edipro, Bauru/SP ,2003. Apud KANT, 1798/2003, p. 82.
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1798/2003, p . 238). A virtude ap arece, p ortanto, como a faculdade moral de constranger a
si mesmo. E a ação que p rovêm deste constrangimento mostra-se tal como uma ação ética
(virtuosa).
O dever de virtude relaciona-se necessariamente com um fim. Este rep resenta um
dever, na med ida em qu e a razão p ura p rescreve os fins a p riori e, assim, os determina
como deveres. Devido ao fato das inclinações sensíveis hu manas rep resentarem tentações
cap azes de imp edir o cump rimento do dever, faz-se necessário a elaboração d e um fim a
priori, pois somente através deste a razão legisladora pode deter as influên cias das
inclin ações sobre as ações. “Por essa razão a ética também p ode ser definida como o
sistema dos fins da p ura razão prática” (KANT, 1798/2003, p. 225).
O fato de os deveres de virtude não se relacionarem com uma legislação externa
exp lica-se justamente devido aos fins, que são consid erados como deveres. O
estabelecimento de um fim para si mesmo diz resp eito a um ato interno da mente, a
legislação externa não tem nenhu ma p articip ação nisso, ou seja, somente o próp rio sujeito é
cap az de estabelecer um fim p ara si mesmo. Ele p ode até ser constrangido por outros a agir
de certa forma, mas nunca p oderá ser constrangido a ter determinado fim. Kant define o fim
como “um objeto da escolha (de um ser racional)” (KANT, 1798/2003, p . 225), sendo que
tal escolha imp lica em uma ação qu e realizará de certa man eira este objeto.
Segundo Kant, os fins ap resentados também como d everes dizem resp eito à p róp ria
perfeição de cada um e a felicid ade dos outros. A troca dos termos p ara: a p erfeição dos
outros e a felicidade de cada um não é de forma alguma aceita p elo filósofo, p ois, em se
tratando deste último mencionado, todo ser racional, devido aos imp ulsos da sua p róp ria
natureza, já anseia p or tal objetivo. Dito isto, este não p ode ser considerado u m dever, visto
que o “que todos já desejam inevitavelmente, em harmon ia consigo mesmo, não se
enquadra no conceito de dever, que é constrangimento relativamente a um fim adotado com
relutância” (KANT, 1798/2003, p . 230). E seria também u m equívo co considerar a
perfeição do outro como um d ever, p osto que somente o p róprio indivíduo pode determinar
para si tal fim.
Ao referir-se à perfeição, Kant p retende considerá-la enqu anto qualitativa (formal).
Esta se traduz na “harmonia das p rop riedades de uma coisa com um fim” (KANT,
1798/2003, p . 230), ou em outros termos, refere-se ao “cultivo das faculdades de cad a um
(ou p redisp osições naturais)” (ibidem). A p erfeição almejada pelo sujeito encontrar-se-á nas
suas ações. E com relação aos deveres cap azes de escu lp ir tal p erfeição, Kant argumenta
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das seguintes formas:
Um ser humano tem o dever de erguer-se da tosca condição de sua
natureza, de sua animalidade (quoad actum) cada vez mais rumo à
humanidade, pelo que somente ele é capaz de estabelecer ele mesmo fins;
tem o dever de reduzir sua ignorância através da instrução e corrigir seus
erros.
Um ser humano tem o dever de conduzir o cultivo de sua vontade à mais
pura disposição virtuosa, na qual a lei se converte também no in centivo
para suas ações que se conformam ao dever e ele acata a lei a partir do
dever. Esta disposição é perfeição interior moralmente prática (KANT,
1798/2003, p. 231).
Quanto à felicidade dos outros, cada um opta p elo o que pode trazê-la, mas nem
semp re o sujeito tem d ireito sobre as esco lhas feitas, então, pode ocorrer a recusa por p arte
de outros. M as, em função desta felicidade sacrifica-se até o p róp rio bem estar, na medida
em que se trata de um fim que é também um dev er e p ara tal não há limites p reviamente
determinados.
Deve-se considerar que tanto a p erfeição d e cada u m qu anto a felicidade dos outros
são deveres meramente éticos, de lata obrigação, ou seja, estes não são determinados de
forma específica p or nenhum princíp io racional.
Na p erspectiva kantiana, a virtude mostra-se na “força das máximas do homem no
cump rimento do dever” (KANT, 1798/2003, p . 238). As máximas ap resentam-se co mo o
princíp io subjetivo do querer, cuja força en contrará resistência n as inclin ações naturais do
ser humano. Ocorrerão, então, conflitos entre inclinaçõ es e os asp ectos morais do
indivíduo, mas, segundo Kant, esse movimento p ertence à n atureza humana. A virtude
imp lica, portanto, em um autoconstrangimento baseado no p rincíp io de liberdad e interior.
O p rincípio sup remo da doutrina de virtude determina que se deve agir “de acordo
com uma máxima dos fins que p ossa ser uma lei universal a ser considerada p or todos”
(KANT, 1798/2003, p . 239). O ser humano é, então, tratado como um fim em si mesmo.
Este p rincíp io ap resenta-se como uma dedução provinda da pura razão p rática. A
consideração do ser humano como um fim em si mesmo é estabelecida p ela razão p rática,
na med ida em que esta rep resenta a faculd ade dos fins em geral. E tal razão não é cap az de
estabelecer fins a p riori sem que esses sejam também considerados como deveres; assim
são esculp idos os deveres de virtude.
Conforme se p retendeu demonstrar até o p resente momento, a teoria moral kantian a
não ap resenta restrição alguma co m relação à d istinção de gêneros, visto que p ara a
elaboração d esta adota-se a subjetividade transcend ental; o que indica dizer qu e, o sujeito é
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considerado somente enquanto ser racional. Lo go, tanto os homens quanto as mu lheres
aparecem ap tos para o exercício moral, ou, em outros termos, a liberdade está p ara todos.
5. Do Direito Matrimonial
Ao tratar do “Direito Privado”, na “Doutrina do Direito”, Kant inclui uma seção
intitulada “Direito M atrimonial”, na qual ap resenta uma definição p ara o casamento
(matrimonium). Este é definido como a união sexual (commercium sexuale) de duas
pessoas de sexos diferentes, que é mantida através de uma lei. As p essoas envolvidas no
matrimônio têm o direito de fazer uso dos atributos sexuais do outro p or toda a vida. A
utilização dos atributos sexuais p ode ser caracterizada como natural ou antinatural. A
primeira p ossibilita a procriação da esp écie. Esta última acontece entre duas p essoas do
mesmo sexo ou co m um an imal de espécie não hu mana. A união sexual, obviamente, p ode
também ocorrer indep endentemente da lei, o qu e dirá respeito à natureza animal (vaga
libido, venus volgivaga, fornicatio).
É p rovável, aos olhos de Kant, que a natureza tenha imp lantado a inclinação de um
ser humano p elo outro justamente p ara a p reservação da esp écie. Assim a finalidad e da
geração e da educação dos filhos ap resenta-se como uma finalid ade da n atureza. Mas esta
não deve ser consid erada como a finalid ade do matrimônio, visto que a união pode ser
preservada indep endentemente da p rocriação. Talvez a finalidade do casamento seja o
prazer de usar de forma recíproca os atributos sexuais de cada um, sup õe o filósofo. E
mesmo que se assim o fosse, o contrato do casamento ap arece como n ecessário. Este não é
op cional p ara aqueles qu e desejam co mp artilhar os prazeres sexuais, na medida em que a
força da lei da hu manid ade, determin ada através das leis de direito da razão p ura,
estabelece como necessário o matrimônio. Segundo Kant, a relação dos cônjuges deve
apresentar igualdade d e p osse, tanto da p essoa com quem se estabeleceu o matrimônio
quanto dos bens materiais, mas, com relação aos bens, os cônjuges devem abdicar da
utilização de uma p arte destes se isto for estip ulado através de um contrato.
Ao tratar da relação do marido com a esp osa, Kant julga que o marido deve ser o
senhor da sua esp osa. E alega qu e tal assertiva não deve ser considerada como conflitante
com a igualdade natural do casal, posto que tal dominação tem co mo fundamento a natural
sup erioridade masculin a quanto à capacidade de melhor atender aos interesses do lar. O
direito do marido em dominar é d erivado do dever de serem un ificados e iguais, no que d iz
resp eito ao p ropósito do casamento.
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Mason Cash, ao comentar tal argumentação em seu artigo intitulado Distan cing
Kantian Ethics and Politics from Kant’s views on women, conclui que o dever de união
referente ao casamento, é o qu e p ossibilita a submissão de u ma das partes. E que o dever de
igu aldad e, co m esse mesmo p rop ósito, nos garante que n enhum dos p arceiros p ode ser o
mestre do outro. Então, quando estes dois deveres encontram-se no casamento tem-se
configurada u ma contradição. Cash (2002) p rossegue argu mentando que como o dev er da
união, concebido p or Kant, é incomp atível com o dever de igu aldad e, esse deveria
manifestar-se de outra forma que não fosse a subserviência de u m p arceiro sobre o outro. O
relacionamento deveria ser b aseado num mútuo e equivalente amor e resp eito.
Cash (ibidem) também tece alguns comentários acerca dos apontamentos de
Howard Williams (1983) sobre a questão, alegando que:
o reconhecimento de Kant do estado ideal no qual somos todos livres,
autônomos e iguais tem que ser mitigado pelas realidades ao colocar esses
ideais em prática. De acordo com Williams, Kant tinha que equilibrar
esses ideais com preocupações pragmáticas sobre a natureza dos
relacionamentos humanos e sobre as naturezas particulares do homem e
da mulher (CASH, 2002, p. 106).
Outros comentadores também já se debruçaram sobre a qu estão. Dentre eles M arvin
Fox (1949), alega que, Kant determina que o fundamento p ara o julgamento moral correto
provém do uso isolado da razão, mas erra ao considerar qu e os ideais p articulares morais de
sua p rópria sociedade são ou dev eriam ser univ ersalmente reconhecidos. Susan M endus
(1987, p.36) “argumenta que Kant era simp lesmente incap az de distinguir entre o que é
contingente em sua socied ade e o que é um comando da razão” (CASH, 2002, p.106 ). E
“Morris Cohen (1962) sugere que, p ara Kant, as mulheres serem submissas aos homens e
passivas ao invés de cidad ãs ativas são conseqüên cias diretas das leis da n atureza e da
moral e são n ecessariamente assim” (CASH, ibid em).
Além do mais, como já fo i dito anteriormente, a lei univ ersal do direito estabelece
que se deva agir de forma que sua ação p ossa coexistir com a liberdade do outro. E o que
determina que a ação esteja sob os moldes da justiça é justamente esta conformid ade à lei
universal. A liberd ade dev e ser, p ortanto, preservada nas relaçõ es sociais, até porque é
considerada como um direito nato no contexto ap resentado. M as, tais fatores não são
considerados no “Direito M atrimonial”, o que d eflagra uma contradição entre a estrutura
apresentada na teoria moral k antiana e os p receitos referentes ao matrimônio.
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DIREITOS HUMANOS , LEGIT IMAÇÃO DIS CURS IVA E PRAGMAT IS MO: o
problema da efetividade da teoria
Alexandre Garrido da Silva∗
1. Introdução
A temática da legitimação, justificação ou fundamentação dos direitos humanos, dos
princíp ios constitucionais e do ordenamento juríd ico passou a conv iver, em temp os de p óspositivismo e de neoconstitucionalismo, com o p lano das p reocup ações teóricas e p ráticas
sobre a efetivid ade dos direitos e instituições jurídicas, p olíticas e sociais. O p roblema da
legitimação tem p rojetado transformações metodológicas fundamentais na p rática
constitucional, abrindo o Direito Constitucional e suas normas à avaliação moral e
introduzindo p rofundas mudanças no estilo doutrinário dos juristas e na prática de
motivação das decisões judiciais, p rincip almente no âmbito da jurisdição constitucional.
Esta nova constelação de id éias que informa a práxis constitucional no p óspositivismo foi brilhantemente sintetizada p elo jusfilósofo argentino Nino (1997, p. 70): as
normas, convençõ es e práticas p ositivas que presidem as constituições históricas “não são
premissas do raciocínio justificatório, mas objeto de justificação no primeiro estágio
daquela argumentação”.
4
Neste sentido, o autor p ostula um “teorema fundamental da teoria jurídica ”,
segundo o qual a constituição ideal dos direitos, integrada p elos direitos fundamentais, p ela
particip ação democrática e p elos p rincíp ios liberais de justiça social, ap resenta-se como
parâmetro
normativo resp onsável p ela legitimação
das
diferentes constituições
historicamente existentes. Segundo este entendimento, o discurso jurídico não constitui um
discurso insular ou “fechado” às razões de ordem p ragmática, ética e moral. A
argu mentação jurídica integra, sobretudo nas controvérsias constitucionais, um discurso de
justificação mais amp lo e conectado com os princíp ios morais (NINO, 1994, p . 97). Com
apoio no estudo da argumentação judicial emp reendid a em casos controversos na história
jurisp rudencial argentina, Nino (Id., ibid., p . 62) conclui no sentido de que “a validez de
∗
Doutorando e mestre em Direito P úblico pela UERJ. P rofessor substituto de Teoria e Filosofia do Direito na UERJ e
UFRJ. Bolsista de doutorado pelo CNPq.
4
Id., ibid., p. 70.
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21
certo ordenamento jurídico não p ode fundar-se em regras desse mesmo sistema jurídico,
mas deve derivar de p rincíp ios externos ao p róp rio sistema”.
A reflexão filosófica sobre a legitimação dos direitos humanos e dos direitos
fundamentais tem como objetivo delimitar, em seus contornos gerais, um conjunto de
“princíp ios fundamentais garantidores de u m mín imo ético a ser resp eitado p elo direito
positivo” (M AIA, 2000, p . 5). De acordo com Farago (2004, p . 162), “legitimar algu ma
coisa significa demonstrar a justeza, seu bem fundado ”. Assim, o discurso de legitimação
almeja justificar, aduzir boas razões, isto é, argumentar em favor da v alid ade jurídica e
moral d as p ráticas, normas e instituições p ositivas. O tema da legitimação constitui um dos
cânones de investigação da filosofia prática – e também da filosofia do direito – que se
debruça sobre a questão de como justificar a facticidad e ou a coercibilidade do Direito. O
Direito, como bem lembra Habermas (2001, p . 144), “reclama não ap enas aceitação; ele
demanda dos seus end ereçados não apenas um reconhecimento fático, mas antes reivindica
merecer o reconhecimento”.
No entanto, ao mesmo temp o em que vislumbramos o auge – ou o ráp ido caminhar
em sua direção – das reflexõ es jusfilosóficas sobre a legitimação dos direitos humanos e da
Constituição – demonstrável a p artir da análise do crescente número de p ublicações e
autores dedicados ao tema – v erificamos, tamb ém, o endereçamento de contundentes
críticas filosóficas à viab ilidade teórica e, p rincip almente, à pertinência p rática do
emp reendimento filosófico de legitimação dos direitos humanos e fundamentais, das
instituições jurídicas e dos p rincíp ios constitucionais.
O discurso de legitimação encontra-se, neste in ício de século, p osto dup lamente à
prova. Em p rimeiro lu gar, é questionado co m relação à p ossibilidad e ou n ão de justificação
racional – ou razoável – da p retensão de universalidad e dos direitos humanos e
fundamentais como referenciais normativos indisp ensáveis para a avaliação da justeza dos
ordenamentos jurídicos e instituições político-sociais nacion ais no mundo contemporâneo.
Em segundo lugar, o esforço filosófico de legitimação é criticado – sob o p risma
pragmático – no que se refere à sua utilid ade social ou contribuição p ara o incremento do
grau de efetividad e dos direitos sup ramencionados em sociedades liberais e democráticas
ou não. Deste modo, o d iscurso de legitimação é p ercebido p elos seus críticos como um
emp reendimento eminentemente academicista, excessivamente abstrato e desconectado da
prática de lutas e de definição de estratégias p olíticas que objetivam a garantia e a
promoção in concreto dos direitos humanos e fundamentais.
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Em síntese, os questionamentos filosóficos e p olíticos formulados hodiernamente
são os seguintes: o discurso de legitimação é cap az de justificar racionalmente os direitos
humanos? O discurso de legitimação contribui em alguma medida p ara a efetividade dos
direitos humanos e fundamentais, isto é, p ara o resp eito a tais direitos por seus
destinatários? Qual a utilidade social e as conseqüên cias p ráticas do emp reendimento
filosófico de legitimação d e tais direitos?
Parte do conjunto de indagações filosóficas sup ramencionadas p ode ser agrup ada
em torno
do questionamento
formulado p elo p ragmatismo contemp orâneo
ou
neop ragmatismo à justificação do discurso de legitimação. Recentemente, tem-se
presenciado a um fecundo debate filosófico entre a teoria do discurso e o p ragmatismo
filosófico, em esp ecial aquele travado entre Jürgen Habermas e Richard Rorty 5, cuja
temática transversal aborda inúmeras questões fundamentais, tais como o pap el e a função
da filosofia, os limites da racion alid ade e seu relacionamento com o ideal democrático nas
sociedades contemp orâneas.
Conforme veremos, o pragmatismo vincula a justificação (e a “correção”) d e uma
teoria com a verificação de sua ap tidão p ara a p romoção de suas finalidades, in casu, a
garantia e a p romoção dos direitos humanos. Neste sentido, uma teoria sobre os direitos
humanos revela-se “correta” quando contribui p ara o resp eito e a imp lementação efetivos
de tais direitos. Teoria e p rática ap resentam-se, deste modo, indissoluvelmente interligados.
2. A legitimação teorético-discursiva dos direitos humanos e da constituição no
pensamento de Robert Alexy
A estratégia de legitimação dos direitos humanos desenvolvida p elo autor insere-se
no p ensamento moral kantiano e, neste sentido, a sua comp reensão teórica é informada p or
dois p rincíp ios fundamentais, quais sejam: a univ ersalid ade d e tais direitos e a autonomia
de seus titulares. O p rincípio da universalidade aduz que todos os homens têm
determinados direitos válidos erga omnes, isto é, direitos que transcendem as fronteiras
moralmente contingentes do Estado, da cultura, da tradição, da religião e do grup o social a
que p ertencem. O p rincíp io da autonomia, p or sua vez, desdobra-se em duas direções: a
autonomia p ública dos cidadãos e a autonomia p rivada dos sujeitos de direito. A garantia e
o desenvolvimento p leno de ambas somente é possível no âmbito de um Estado
5
Sobre os recentes debates entre Richard Rorty e Jürgen Habermas, inclusive coma tradução para a língua portuguesa dos
principais artigos de cada autor sobre a temática, confira: SOUZA, José Crisóstomo de. Filosofia, racionalidade,
democracia: os debates Rorty e Habermas. São P aulo: UNESP , 2005.
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constitucional democrático, no qual os direitos humanos – ao assumir a forma p ositiva de
direitos constitucionais fundamentais – e a p articipação d emocrática, conjuntamente,
passam a p reservar e estimular o fato do p luralismo.
A estratégia teorético-discursiva de legitimação dos direitos humanos divide-se em
duas etap as ou tarefas que são comp lementares: em p rimeiro lugar, a n ecessidade de
legitimação das regras do discurso p rático e, em segundo lugar, a justificação dos direitos
humanos com apoio em tais regras que p residem a argumentação sobre questões práticas.
Privilegiaremos, em especial, a segunda tarefa, mais p róxima ao tema sobre a legitimação
dos direitos humanos e fundamentais.
A teoria do discurso é uma teoria p rocedimental da correção p rática. Uma norma é
correta e, p ortanto, válida, quando é o resultado de um determinado p rocedimento de
argu mentação, ou seja, de um discurso p rático racional p residido p or um sistema de regras
6
da razão p rática . Ap esar de ser uma teoria emin entemente p rocessual ou p rocedimental, ela
não é uma teorização dotada de p ressupostos neutros. Segundo Alexy:
a idéia do discurso não é uma idéia neutra. Ela encerra a universalidade e
a autonomia da argumentação, e também uma concepção de
imparcialidade apoiada nestas. A idéia do discurso é, assim, uma idéia
essencialmente liberal. Por esta razão, os problemas em fundamentar uma
posição liberal começam ao nível do discurso (Id., ibid., p. 70).
Alexy desenvolve sua estratégia d e legitimação das regras do d iscurso a partir de
uma argumentação que se divide em três p artes também co mp lementares: em primeiro
lugar, com ap oio nas reflexõ es de Karl O. Ap el, Jürgen Habermas e John L. Austin,
defende um argumento transcendental pragmático em sentido débil ou fraco, tendo em v ista
que “não oferece uma fundamentação infalív el, mas somente uma reconstrução falível do
conteúdo normativo fático de pressup ostos da argumentação inevitáveis” (Id., ibid., p . 71).
Este argumento é responsável p or identificar um sistema de regras do discurso que
presidem a práxis de argumentação, tal co mo a con cebemos como p articipantes em nossa
prática comunicativa cotidiana. A teoria do discurso “rastreia, d esse modo, o potencial
racional existente na realidad e human a” (Id., ibid., p . 86).
6
Cf: ALEXY, Robert. Teoria del discurso y derechos humanos. In: ALEXY, Robert. Teoria del discurso y derechos
humanos. Traducción e introducción de Luis Villar Borda. Colombia: Universidad Externado de Colombia, 1995, p. 66 et
seq.
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Em segundo lu gar, as regras do discurso, embora legitimad as teoricamente, são
apenas efetivamente cump ridas p or aqueles que têm interesse em argumentação, correção e
justiça. A exp eriência h istórica, p assada e recente, d emonstra a fragilidade – e certo
idealismo in gênuo – em sustentar que o interesse em correção rep resente uma motivação
suficientemente forte para o abandono defin itivo do emp rego da força, v iolên cia e
dominação p ara a imp osição dos interesses do mais forte ante os demais. O argumento
transcendental em sentido débil sup ramencionado, excessivamente racionalista, abstrato e
normativo, p ossui uma força motivacional muito reduzida. Em regra, qu anto maior o grau
de abstração ou idealização de uma razão p ara agir, menor o resp ectivo p otencial de
motivação p ara o seu cump rimento.
Em terceiro lu gar, mesmo p ara aqueles que não têm interesse em correção, o
cump rimento das regras do discurso apresenta-se como algo vantajoso, tendo em vista que
a legitimação obtida com tais regras é mais estável e menos custosa – p ortanto, mais
eficiente – do que o exercício constante e exclusivo d a força para a manutenção da
dominação. O terceiro co mp onente da argumentação sobre a legitimação das regras do
7
discurso é centrado na maximização da utilidade individu al .
A legitimação dos direitos humanos imp lica, por sua vez, a justificação d a forma, do
conteúdo e da estrutura de tais direitos. A etap a seguinte da estratégia do autor p ara a
legitimação dos direitos humanos e fundamentais tem início com a d efesa da necessidade
do direito p ara a institucionalização da teoria do discurso (ALEXY, 1995). Os direitos
humanos p recisam assumir a forma jurídica p ara desenvolv erem todo o seu potencial
normativo. A teoria do discurso é uma teoria excessivamente id ealizada e abstrata, tendo
em vista que suas regras somente p odem ser cump ridas de modo aproximativo diante das
limitaçõ es de temp o, de conhecimento e de particip antes que p residem o discurso jurídico.
O direito oferece uma solução satisfatória p ara os três p roblemas fundamentais existentes
no âmbito moral d a teoria do discurso, quais sejam: os p roblemas de conhecimento, de
execução e de organização.
Em p rimeiro lu gar, a teoria do discurso não oferece um p rocedimento infalível qu e
permita, em todos os casos, alcan çar semp re de modo exato um único resultado. No direito,
a controvérsia, o d issenso e o desacordo constituem a regra e o consenso, ao contrário, a
exceção. As regras do d iscurso não conduzem necessariamente a u ma ún ica resp osta
7
Deste modo, conclui ALEXY, Teoria del discurso y derechos humanos, cit., p. 72: “ as linhas kantiana e hobbesiana (...)
se relacionam na fundamentação das regras do discurso. Nela se mantém, por certo, dominante a linha kantiana”.
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correta e, com isso, surge a imp ortância da decidib ilidad e que define o direito diante do
temp o limitado e da n ecessidade de p ôr termo aos conflitos sociais. Em segundo lu gar, o
direito garante o cumprimento das normas legitimadas p elo discurso com ap oio em sua
coercib ilid ade, ou seja, através do uso p otencial e legítimo da força estatal. Por último, as
exigências morais da teoria do discurso, bem como outros valiosos fins éticos, somente
podem ser concretizados em sociedades comp lexas e pluralistas p or intermédio da
organ ização e coord enação do direito. Em síntese, a forma jurídica é fundamental p ara a
efetividade d a garantia
e da p romoção dos direitos humanos nas sociedades
contemporâneas.
Alexy (Id., ibid., p . 97) aduz a existência de duas classes de legitimação teoréticodiscursiva dos direitos humanos: uma direta e outra indireta. Há, em p rimeiro lugar, um
conjunto de direitos humanos diretamente legitimados sobre a base da teoria do discurso.
Neste sentido, sem a garantia de tais direitos não há discurso ou argu mentação p ossíveis:
eles constituem a base jurídica do discurso p rático. Eles são “discursivamente necessários
[e] sua não v alidez é, também em sentido estrito, discursivamente imp ossível”. Por outro
lado, os direitos humanos indiretamente legitimados p ela teoria do discurso são direitos
cuja justificação dá-se por meio de u m p rocesso p olítico realizado de fato sob as cond ições
exigidas p elo discurso. Eles são ap enas direitos “discursivamente possíveis”, p ois
constituem o resultado de uma deliberação p olítica e histórica conduzida de modo
aproximado segundo as regras do discurso. O p rimeiro grupo de direitos define o núcleo
dos direitos humanos e uma con cep ção min imalista d e tais d ireitos. O segundo grup o de
direitos con grega direitos que são p oliticamente contin gentes, isto é, direitos definidos p elo
processo democrático, e que, portanto, p odem sofrer restrições ou amp liações consoante a
história política e ideológica d e cad a socied ade em p articular.
Para a legitimação dos direitos humanos diretamente sobre a base do discurso,
Robert Alexy desenvolve três argumentos que se reforçam mutuamente: o argumento da
autonomia, do consenso e da d emocracia.
O argumento da autonomia aduz que “aquele que toma seriamente p arte em
discursos p ressup õe a autonomia d e seu interlocutor, fato que exclu i a negação de
determinados direitos humanos” (Id., ibid., p. 100). Segundo o p rincíp io da autonomia,
particip am seriamente de discursos práticos aqueles que desejam resolver os conflitos
sociais através da argu mentação e do consenso discursivamente orientado e controlado, ou
seja, renunciando ao uso da v iolên cia.
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No entanto, nem todos in gressam no d iscurso com interesse em correção e
pressup õem a autonomia de seu interlocutor. Na p olítica, assim como no direito, os
interesses estratégicos de p oder, na grand e maioria dos casos, se sobrep õem emp iricamente
à busca pelo melhor argu mento. Não obstante, se desejam maximizar ao lon go p razo suas
utilidades ind ividuais, precisam atuar como se estivessem “aparentemente” interessados em
argu mentação e na busca p elo melhor argumento, p ois o exercício constante e habitual da
violência não é o meio mais eficiente p ara a obtenção da legitimação p olítica. Neste
sentido, o agir “latentemente” estratégico dos p artícip es interessados tão somente em
auferir ben efícios e vantagens p essoais em detrimento dos demais vive “p arasitariamente”
do uso da lin guagem voltado p ara o entendimento mútuo, p ois somente terá êxito enqu anto
uma das p artes inadvertidamente continuar a p ressup or de boa-fé que está p articip ando
seriamente em um discurso p rático. Assim, inclusive nesse caso, as regras do discurso e o
princíp io da autonomia são confirmados e n ão excep cionados, mesmo que um dos
8
particip antes do discurso não atue necessariamente orientado p ara o entendimento .
Do p rincíp io de autonomia decorre u m direito geral à lib erdade, sintetizado a seguir:
“cada um tem o direito de julgar livremente o que é conveniente e o que é bom e atuar em
conseqüência” (ALEXY, cit., p . 111). Por sua vez, do direito geral à lib erdade pode ser
esp ecificado um sistema d e direitos humanos que inclu i, em p rimeiro lu gar, todos os
direitos de
liberd ade tradicionalmente
positivados
em instrumentos
normativos
internacionais e nas constituições contemp orâneas que p residem sociedades liberais e
9
democráticas . Em segundo lu gar, são legitimados também direitos que configuram meios
para a salvaguarda e p romoção dos direitos de liberdade, tais como: “direitos à proteção
pelo Estado e direitos sociais fundamentais, como, por exemp lo, o direito a um mínimo
existencial”(ALEXY, cit., p . 112-113). Neste sentido, os direitos de liberdade e os direitos
relativos ao mínimo existencial são direitos diretamente legitimados sobre a base da teoria
do discurso.
Em segundo lugar, o argu mento do consenso afirma que a igu aldade e a
universalid ade dos direitos humanos constituem um resultado necessário do d iscurso, isto é,
todos têm direito ao mesmo sistema b ásico de d ireitos humanos e fundamentais.
8
Sobre o agir estratégico latente, confira: HABERMAS, Jürgen. Ações, atos de fala, interações mediadas pela linguagem
e mundo da vida. In: HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Tradução de Flávio Beno
Siebenchler. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1990, p. 73-74.
9
Por exemplo: direito à vida, à integridade física, direitos de personalidade, direito à liberdade básica de ação, liberdade
de religião, de expressão, opinião, associação e reunião, liberdade de exercício de profissão, direito de propriedade,
igualdade perante a lei, dentre outros.
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Por último, o argumento da democracia aduz que os ideais normativos inscritos na
teoria do discurso somente p oderão ser realizados de modo ap roximado co m a
institucionalização jurídica d e p rocedimentos democráticos de formação da op inião e da
vontade. De acordo com o autor: “se na realidade é p ossível uma ap roximação à correção e
10
legitimidade, isto somente é possível na democracia ”. Assim, também são legitimados
com ap oio na teoria do discurso os direitos fundamentais de particip ação p olítica.
A legitimação da Constituição é alcançada somente quando o seu texto consagra os
direitos humanos sob a forma positiva de direitos fundamentais, bem como a p articip ação
democrática como p rincip al método p ara a p rodução de decisões p olíticas. O ideal do
discurso somente p ode ser institucionalizado em um Estado constitucional democrático, no
qual os direitos humanos, p or um lado, e a demo cracia, p or outro, ap esar das in evitáveis
tensões, p assem definitivamente a constituir uma insep arável unidade conceitual para fins
de legitimação da p olítica e do direito nas sociedad es p luralistas contemp orâneas.
3. Neopragmatismo, educação sentimental e a cultura dos direitos humanos
Richard Rorty , filósofo norte-americano, é certamente o rep resentante mais
conhecido do pragmatismo filosófico contemp orâneo ou neop ragmatismo. Antes de
analisarmos as reflexões do autor sobre o tema da legitimação ou fundamentação dos
direitos humanos, revela-se indisp ensável a ap resentação, em breve síntese, dos três
elementos definidores que conformam, em linhas gerais, a matriz filosófica do
pragmatismo, quais sejam: o antifundacionalismo, o conseqüen cialismo e o contextualismo.
A análise da matriz filosófica do p ragmatismo contribuirá sobremaneira p ara entendermos a
crítica elaborada p or Richard Rorty ao discurso d e fund amentação dos direitos humanos,
princip almente no que tange à inv estigação de sua utilidad e – ou não – p ara a construção de
um “futuro melhor” que rep resente uma “esperança” p ara a human idade, no qu al sejam
efetivamente alcan çadas a p roteção e a imp lementação de uma cultura dos direitos
humanos.
O p rimeiro elemento que defin e o pragmatismo filosófico e, p rincip almente, o
neop ragmatismo
de
Rorty ,
que
o
conduz
às
últimas
conseqüên cias,
é
o
antifundacionalismo. O antifundacionalismo consiste na negação de qu e o pensamento seja
passível de uma fundamentação estática, eterna ou imutável. Richard Rorty identifica o
antifundacionalismo com o anti-realismo ou anti-essencialismo, isto é, com a crítica radical
10
Id., ibid., p. 129.
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do conceito de verd ade co mo corresp ondência entre o p ensamento (e, também, a
lin guagem) e a realidade (ou o mundo objetivo, isto é, aquilo que nos ap arece como “dado”,
11
em op osição ao “construído”) . O p ragmatismo – ao contrário do pensamento metafísico
que busca a essência, a p ermanência e a eternidade – p ostula a investigação, a reflexão e a
crítica perenes enquanto métodos de p ensamento. Neste sentido, exp lica Po greb inschi
(2002, p . 107-121):
Trata-se de uma permanente rejeição de quaisquer espécies de entidades
metafísicas, conceitos abstratos, categorias apriorísticas, princípios
perpétuos, instâncias últimas, entes transcendentais, dogmas, entre outros
tipos de fundações possíveis ao pensamento. (...) O antifundacionalismo
pragmatista se exerce também na recusa à idéia de certeza e aos
tradicionais conceitos filosóficos de verdade e realidade; não se trata de
negar a existência da verdade e da realidade, mas sim de submeter seus
conceitos tradicionais a um novo método.
O segundo elemento que define o pragmatismo é o seu conseqüencia lismo ou
instrumentalismo, isto é: “o significado de uma p rop osição, bem como a sua verdade,
apenas p odem ser conhecidos se forem verificados a p artir dos testes de suas
conseqüências” (POGREBINSCHI, cit., p . 38). Deste modo, a verdade de uma teoria ou
enunciado encontra-se intimamente relacionada co m a sua utilidade ou ap licabilid ade
prática – isto é, com o seu uso – no sentido de p roduzirem conseqüências p ositivas ou
benéficas p ara os p ropósitos individuais ou sociais que visam alcançar. Em síntese, a
verdade ou a correção d e uma teoria é definida, d e modo instrumental, a p artir de sua
contribuição p ara a p romoção das necessidades human as, sejam estas individuais ou
sociais.
Para o pragmatismo filosófico, exp lica Hessen (2003, p . 40), “a verdade d o
conhecimento consiste na concordância do p ensamento com os objetivos p ráticos do
12
homem – naqu ilo, p ortanto, que p rovar ser útil e ben éfico p ara a sua conduta p rática ”, ou
como bem sintetiza Calder (2005, p . 37), “significa unicamente que a verdad e, dito com a
11
Cf. RORTY, Richard. P ragmatismo, filosofia analítica e ciência. In: P INTO, Paulo R. Margutti et al (Orgs.) Filosofia
analítica, pragmatismo e ciência. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998, p. 15: “ É que nós aprendemos com Nietzsche e
James, dentre outros, a suspeitar da distinção entre aparência e realidade. Nós pensamos que há muitas maneiras de falar
sobre o que está acontecendo, e que nenhuma delas está mais próxima do jeito como as coisas são em si mesmas que
qualquer outra. Chegar mais perto da realidade soa para nós como uma metáfora desgastada. Não temos a menor idéia do
que o “ em si mesma” quer dizer na frase “ a realidade tal como ela é em si mesma”. Assim, sugerimos que a distinção
aparência/realidade seja abandonada em benefício de uma distinção entre formas mais úteis e menos úteis de se falar”.
12
HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. Tradução de João V. G. Cuter. São P aulo: Editora Martins Fontes, 2003.
p. 40. Segundo HESSEN, Teoria do conhecimento, cit., p. 39-40: “ [o pragmatismo] também abandona o conceito de
verdade como concordância entre pensamento e ser. Entretanto, não se detém nessa negação, mas põe outro conceito de
verdade no lugar do que foi abandonado. Verdadeiro, segundo essa concepção, significa o mesmo que útil, valioso,
promotor da vida”.
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forma de classificação mais genérica que se pode encontrar, é o que funciona”. A verdade
de uma teoria ou p rop osição individualmente considerada n ão constitui um atributo
intrínseco às mesmas, que seria “descoberto” ou “desvendado” p elo cientista ou filósofo,
mas um p redicado qu e lh e é atribuído p or algu ém em razão de sua utilidad e p ara a
resolução dos p roblemas que a teoria objetiva solucion ar. Neste sentido, argu menta Rorty
(2005), se o discurso de legitimação, enquanto uma modalidade de justificação racional dos
direitos humanos, não contribui emp iricamente p ara a p roteção e p romoção d e tais direitos,
13
não há motivo para tê-lo como verd adeiro .
Finalmente, o terceiro elemento que define o p ragmatismo é o seu contextua lismo.
O contextualismo traduz a exigência p ragmática de que as investigações filosóficas estejam
atentas ao p ap el dos contextos social, p olítico, econômico e religioso que condicionaram a
sua elaboração e desenvo lvimento. Em síntese, a teoria deve estar atenta ao mundo da
exp eriên cia, aos fatos e à cultura de uma determin ada comunid ade, b em como ao
relacionamento que mantém co m as p ráticas e instituições sociais vigentes. O
contextualismo defend e um íntimo relacionamento entre a teoria e a p rática social, d e tal
modo que a p rimeira somente continua a ser adotada enquanto revelar-se útil p ara a solu ção
dos p roblemas e necessidades sociais que p retende resolver. Há, aqui, um forte
relacionamento entre o contextualismo e o conseqüen cialismo p ragmatista.
Rorty (2005), em seu ensaio intitulado Direitos humanos, racionalidade e
sentimentalidade, analisa de modo crítico e inovador a temática sobre a fundamentação ou
legitimação dos direitos humanos. Segundo o autor, um dos avanços intelectuais mais
imp ortantes vislumbrado ao lon go do século XX consiste no p rogressivo declín io do
interesse filosófico a resp eito do debate sobre o que realmente somos, sintetizado nas
seguintes questões: qual é a nossa natureza? Qual é a essência do ho mem? Nesse sentido, as
teorias sobre o conhecimento da natureza humana e, conseqüentemente, também sobre a
natureza dos direitos humanos, h erdeiras diretas do p latonismo, entraram em declínio e,
com elas, as tentativas de definição de critérios eternos ou estáveis sobre a natureza do
13
Cf. RORTY, Richard. “ Direitos humanos, racionalidade e sentimentalidade”. In: RORTY, Richard. Verdade e
progresso. Tradução de Denise R. Sales. Barueri, São P aulo: Manole, 2005. p. 206: “ Contudo, na visão pragmatista que
defendo, essa é uma questão de eficiência: uma questão sobre como dominar melhor a história – como realizar melhor a
utopia do iluminismo. Se as atividades dos que tentam alcançar esse tipo de conhecimento parecem ter pouca utilidade na
atualização dessa utopia, há razão para pensar que não existe tal conhecimento. (...) Acrescentamos ainda que, como
parece não haver trabalho útil em insistir numa natureza humana supostamente ahistórica, provavelmente não existe tal
natureza ou, pelo menos, não existe nada de relevante para nossas escolhas morais nessa natureza”.
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homem e seus supostos direitos “inatos” ou “naturais”. Segundo Rorty (2005, p. 202203):
Estamos muito menos propensos do que nossos ancestrais a levar as
“teorias sobre a natureza humana” a sério, muito menos propensos a
escolher a ontologia, a história ou a etnologia como guias para nossa
vida. Estamos muito menos inclinados a colo car a seguinte questão
ontológica: “ O que somos?”, pois compreendemos que a principal lição,
tanto da história quanto da antropologia, é nossa extraordinária
maleabilidade. Começamos a nos considerar como um animal flexível,
versátil, automoldável, em vez de um animal racional ou cruel.
Com ap oio nas reflexões de Rabossi (1990, p . 159-179), Rorty (2005, p.
203) aduz que os filósofos deveriam assumir os direitos humanos como uma nova cultura,
surgida e amp lamente difundida no mundo pós-holocausto. Esse fenômeno h istórico, que
marcou indelevelmente o século p assado e rep ercutiu sobre a consciência universal no
tocante à necessidade dos direitos humanos, tornaria o tema da fundamentação ou
legitimação antiquado e irrelevante, resultando estéril do p onto de vista p rático o prop ósito
dos filósofos de “tentar ficar à frente ou atrás desse fato, de tentar detectar e defender suas
assim chamadas p ressuposições filosóficas”.
A filosofia p rática em geral, assim co mo a filosofia do d ireito, devem, assim,
abandonar o p rojeto naturalista de uma fundamentação última dos direitos humanos,
considerado obsoleto neste início de sécu lo. As tentativas teológicas de fundamentação com
apoio na idéia de revelação divin a, o debate sobre a natureza egoísta ou altruísta do homem
ou as afirmações neotomistas sobre a sua intrínseca dign idade humana, p odem ser
agrup ados sob o rótulo de assertivas epistemológicas sobre a natureza dos seres humanos.
Estas tentativas constituiriam preocupações teoricamente infundad as, p ois até o p resente
não p odemos afirmar que aumentaram o nosso conhecimento sobre tais questões e – o que
é ainda mais grave – revelam-se também in eficazes p ara a p roteção e p romoção in con creto
14
dos direitos humanos .
A p artir das reflexões emp reendidas por John Rawls sobre a noção de “equilíbrio
reflexivo” (cu jo objetivo é o de tornar a nossa red e co mp artilhada de intuições e crenças
14
Confira, em especial, RORTY, Direitos humanos, racionalidade e sentimentalidade, cit., p. 206: “ Se parece que a
maior parte do trabalho de alterar as intuições morais tem sido feita pela manipulação de nossos sentimentos [e não pelo]
aumento de nosso conhecimento, então há razão para pensar que não há conhecimento do tipo que filósofos como P latão,
Santo Tomás de Aquino e Kant esperavamobter. (...) Do fato de que o surgimento da cultura dos direitos humanos parece
não dever nada a um maior conhecimento moral, mas dever tudo a histórias tristes e sentimentais, nós pragmatistas
concluímos que provavelmente não existe o conhecimento como Platão o previu.”
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morais o mais coerente e estruturada possível), Richard Rorty concebe, de modo bastante
inovador, a tarefa da filosofia como uma “questão de tornar a nossa p rópria cultura – a
cultura dos direitos humanos – mais autoconsciente e p oderosa, em lu gar de demonstrar a
sup erioridade dela em relação a outras culturas p or meio de um ap elo a algo transcultural”
(Id., ibid., p . 204). Desse modo, à filosofia caberia tão somente o p ap el de resumir e
sistematizar nossas intuições influenciadas culturalmente sobre o qu e deve ser feito em
determinadas situações consid eradas p roblemáticas.
15
Contra o fundamentalismo racionalista em matéria de direitos humanos , Rorty
prop õe uma abordagem sentimentalista – eminentemente p edagó gica, não epistêmica – que
considera mais eficiente p ara a difusão d a cultura dos direitos humanos nas sociedades
contemporâneas do que a p rop osta kantiana de demonstração de uma obrigação moral
incondicional enquanto um “fato da razão”. Os direitos humanos, assim, não seriam objeto
de uma teoria do conhecimento, mas de u ma práxis p edagó gica com o ob jetivo de amp liar a
16
nossa lealdade com grup os cada v ez mais amp los e, p ortanto, distantes de nós . Essa
amp liação de horizontes (ou de fronteiras morais) não se daria com base na extensão
progressiva do conhecimento racional do conteúdo da lei moral, mas a partir do
comp artilhamento de histórias lon gas, tristes e sentimentais qu e nos comovem e que
estimulam uma troca de p ersp ectivas, bem como o exp erimento imagin ário dos
sofrimentos, tristezas e frustrações de outras pessoas.
A educação sentimental objetiva, assim, p romover uma hab ilid ade crescente de
enxergar as similarid ades – p or menores ou sup erficiais qu e sejam – entre nós mesmos e as
pessoas diferentes de nós, p or exemp lo: as relações afetivas entre p ais e filhos ou a
possibilidade de casamento com p essoas de outras nacionalidades ou etnias. A p esquisa de
tais similarid ades não deve ter co mo meta o en contro de um self verd adeiro ou u ma
essência humana sup ostamente racional e universal, mas a percep ção do sentimento como
força motivadora idônea p ara a difusão da cultura dos direitos humanos. Neste sentido,
assevera o autor:
O melhor e, provavelmente o único, argumento que nos permite ignorar o
fundacionalismo é aquele que já sugeri: seria mais eficiente fazer isso
porque, assim, poderíamos concentrar os nossas energias na manipulação
dos sentimentos, na educação sentimental. Esse tipo de educação deixa
15
Richard Rorty inclui a teoria do discurso no projeto racionalista de legitimação dos direitos humanos.
Sobre a idéia de justiça como lealdade ampliada desenvolvida pelo autor, bem como suas críticas à ética do discurso,
confira: RORTY, Richard. Justiça como lealdade ampliada. In: RORTY, Richard. Pragmatismo e política. Tradução de
Paulo Ghiraldelli Jr. São P aulo: Martins, 2005, p. 101-121.
16
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pessoas diferentes suficientemente familiarizadas umas com as outras, de
modo que elas se sentem menos tentadas a pensar que aquelas que são
diferentes delas são apenas semi-humanas. O objetivo desse tipo de
manipulação do sentimento é expandir a referência dos termos ‘nosso
tipo de gente’ e ‘gente como nós’ (RORTY, 2005, p. 211).
Os questionamentos suscitados p or Rorty (2005) e Rabossi (1990) encontraram
grand e recep ção nos debates contemp orâneos sobre a legitimação e a efetividade dos
direitos humanos. M éndez (2004), com ap oio nas reflexões dos autores supramencionados,
também critica uma abordagem filosófico-metafísica que contribuiu, segundo ele, p ara a
difusão de uma comp reensão “idolátrica” e ahistórica dos direitos humanos. O autor
pretende, assim, deslocar o debate sobre os direitos humanos do âmb ito da filosofia –
excessivamente centrado em questões morais e, p ortanto, alheias à p olítica – p ara o p lano
da democracia, ond e temas controversos do ponto de vista moral (aborto, eutanásia, etc.)
devem ser amplamente tematizados, continuamente debatidos e, por fim, d ecid idos p or
intermédio d as leis ou p ela realização de p lebiscitos ou referendos com amp la e direta
particip ação p opular.
A retomada de uma agend a p rogramática dos direitos humanos, deixada d e lado
pelos discursos morais de fundamentação e legitimação, constitui, segundo Méndez (2004),
uma estratégia p olítica necessária e urgente p ara o êxito na luta p ela proteção,
institucionalização e promoção de uma cultura dos direitos humanos cada vez mais
consciente e p oderosa nas sociedad es contemporâneas.
4. Discurso de legitimação, democracia e o problema da efetividade da teoria:
O discurso de legitimação dos direitos humanos deve atentar p ara a reconstrução
dos teores normativos que estão contidos nas p ressup osições imp lícitas e tacitamente
assumidas p elos p articip antes em qualquer discurso voltado p ara o entendimento
(HABERM AS, 2001, p . 162). O diálogo intercu ltural somente é p ossível se os p articip antes
assumem a necessidad e da argumentação voltada p ara o entendimento mútuo e decidem
abandonar definitivamente a utilização da força e da violência p ara a imposição de seus
interesses e de sua visão de mundo.
A teoria do discurso fornece imp ortantes subsídios teóricos p ara a elucidação e
map eamento dos ideais normativos que p ermeiam a práxis de d eliberação intercultural. A
op ção coerente dos p articip antes p ela argu mentação moral e juríd ica e, conseqüentemente,
pelo abandono da v iolên cia n a resolu ção dos conflitos, somente tem lu gar quando,
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paralelamente, é institucionalizado u m sistema de d ireitos que garantam as liberdades
individuais, a iguald ade jurídica e a demo cracia p ara qu e todos p ossam exp or suas razões e
buscar de modo coop erativo o entendimento ou, então, p ara que p ossam aduzir em um
contexto de simetria de op ortunidades suas resp ectivas razões na defesa de seus interesses
individuais ou coletivos.
Neste sentido, a teoria do discurso não constitui uma estratégia maximalista de
legitimação dos direitos humanos. O discurso de legitimação retira do âmbito da
democracia deliberativa alguns direitos, p rerrogativas e bens considerados fundamentais e,
portanto, inegociáv eis politicamente. Quanto maior a extensão da concep ção filosófica e
moral sobre os direitos humanos, menor o âmbito de liberdade do legislador e dos atores
que interagem no espaço p úblico para deliberação, tematização e crítica de direitos,
interesses e questões que, em mu itos casos, são altamente controversos. É possível
identificar, desse modo, um trade-off entre a extensão dos direitos legitimados moralmente
e a amp litude do grau de liberdade do legislador demo crático em sua deliberação cotidiana
sobre tais questões. Um discurso de legitimação inflacionado, afirmam os críticos, acabaria
por conduzir ao imperialismo da moral sobre a p olítica. A teoria do discurso objetiva
encontrar o p onto ótimo entre legitimação e democracia.
Assim, segundo Alexy (1969, p . 61), “todos os direitos [humanos] merecem (...)
proteção juríd ico-constitucional, mas nem tudo que merece proteção jurídico-constitucional
deve ser u m direito [humano]”. A estratégia de legitimação teorético-discursiva p ostula um
conceito não inflacionado de direitos humanos, segundo o qu al são d ireitos humanos
apenas aqueles direitos que p rotegem ou p romovem interesses ou carências fundamentais,
cuja vio lação ou não satisfação imp lica a morte, o sofrimento grave ou atin ge o núcleo
essencial da autonomia de seu titular. Deste modo, os direitos humanos são basicamente
direitos do indivíduo, restando exclu ídos os direitos referentes a grupos sociais p articulares,
comunidad es culturais ou ao Estado (Id., ibid., p. 59). Estes direitos p oderiam ser
garantidos p oliticamente por meio do discurso, mas não integrariam o núcleo restrito de
direitos discursivamente necessários. A teoria do d iscurso insere-se, assim, em u ma
17
estratégia d e legitimação min imalista dos d ireitos humanos , também seguida p or outros
imp ortantes autores, tais como Rawls (2001) e Kersting (2003). No mesmo sentido, afirma
Méndez (2004, p. 18):
17
Cabe ressaltar a dimensão gradual do conceito deminimalismo, podendo este ser mais ou menos intenso dependendo da
formulação teórica de cada autor em particular.
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A insistência em expandir incessantemente as áreas da vida econômica e
social que devem ser entendidas como direitos humanos debilita de
forma considerável qualquer agenda política confiável e, sobretudo,
mobilizadora em matéria de direitos humanos. Não me parece que seja
expandindo a lista dos direitos humanos, como uma espécie de fuga para
o futuro, que se recupere a credibilidade perdida.
O minimalismo na legitimação discursiv a dos direitos humanos tem asp ectos
negativos e p ositivos. Para muitos estudiosos e militantes dos direitos humanos, a
desvantagem reside p rincip almente na amp litude limitada da legitimação discursiv a de tais
direitos, bem como no esvaziamento de sua dimensão “utóp ica”. Assim, nem todos os
direitos demandados p or grup os ou movimentos sociais constituem rigorosamente direitos
humanos. Certamente essas reivindicaçõ es são imp ortantes, algumas até mesmo
fundamentais, no entanto não versam sobre direitos humanos, mas sobre direitos de
comunidad es ou grup os sociais esp ecíficos que merecem, por sua vez, uma deno minação
distinta.
Deste modo, a teoria do discurso acab a retirando p arte da legitimidade que preside a
pauta reivindicatória cap itaneada p or esses atores sociais no âmbito da esfera p ública. Ao
mesmo temp o, em muitas sociedades – até p ouco temp o fortemente marcadas p elos ideais
de bem-estar insp irados p elo Welfare State – o minimalismo abre a possibilidade de
retrocesso no âmb ito dos direitos sociais até o limite máximo definido p elo mín imo
existencial. Esta p ossibilidade tem fomentado, nos últimos anos, inúmeras manifestações
sociais tanto na Europa, em esp ecial as recentes e violentas manifestações contra a
flexibilização d as leis trabalh istas na França, quanto em diferentes p aíses da América
Latina.
Por outro lado, p ode ser citado como um importante asp ecto p ositivo a
op eracionalid ade (e a facticidad e) do conceito discursivo de direitos humanos. Por ser
minimalista, tal conceito configura-se mais resistente às objeções particularistas e
relativistas formuladas p elas diferentes culturas, religiõ es, tradições e regimes políticos
existentes na sociedad e internacional. Ele p ossui uma maior chan ce de ser reconhecido e
aceito p or diferentes Estados e tradições culturais, além do fato de que a constatação e
comp rovação de sua vio lação, em razão da extensão limitada d e tais d ireitos, não
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18
ensejariam maiores dúvid as hermenêuticas . Além do mais, exatamente por ser
minimalista, a legitimação discursiva p ossui uma menor p robabilidade d e ser imperialista
ou etnocêntrica, tendo em vista que maior será o âmbito de liberd ade d as diferentes
culturas, tradições e regimes políticos p ara a resolução de p roblemas sociais fundamentais
com ap oio em instituições jurídicas e sociais adequad as às histórias, tradições e valores
culturais que defin em a identidade coletiva d e cad a p ovo.
5. Considerações finais
A compreensão dos pressupostos e dos limites da estratégia discursiv a d e
legitimação dos direitos humanos p ressup õe o diálogo com p osicionamentos filosóficos que
ora questionam sua viabilidade teórica, ora sua p ertinência prática para o fortalecimento da
efetividade de tais direitos. O neop ragmatismo de Richard Rorty chama atenção do filósofo
para a obsolescên cia das indagações epistemoló gicas sobre a natureza human a e sobre u ma
fundamentação absoluta dos d ireitos humanos como direitos “naturais”, “inatos”, “eternos”
e “imutáveis”. Além disso, esses questionamentos tradicionais tamb ém são ineficientes,
pois não p roduzem respostas que impliquem um aumento de efetividade e conhecimento
moral sobre tais direitos.
O discurso de legitimação atenta p ara a importante distinção entre “verdade” e
“correção”. Os ju ízos morais não são p assíveis de “verdade”, p ois falta-lhes uma “ordem
objetiva de valores” (imutável ou apriorística) co m a qual p ossam ou não entrar em
corresp ondência. No entanto, no âmbito do p aradigma da racion alid ade prática, ao qu al
pertence a teoria do discurso, os juízos morais, assim como os enunciados normativos que
consagram os direitos humanos, são p assíveis de “correção” ou “incorreção ” e, p ortanto, de
racionalidad e. Esta é med ida pela natureza inclusiva do discurso, bem como p elo resp eito
dos p articip antes aos seus p ressupostos normativos e às condições exigentes de
comunicação em busca do melhor argumento. Em síntese, a legitimação discursiva d e um
enunciado normativo é construída p or meio da argumentação e, sobretudo, com apoio nos
exigentes p ressup ostos normativos que condicionam essa p rática social.
A teoria do discurso afasta-se, p ortanto, do pressuposto realista de que os juízos
normativos, à semelhança dos descritivos, p odem ser “verificados” ou “confrontados” com
18
Cf. KERSTING, Em defesa de um universalismo sóbrio, p. 92: “ (...) eu não preciso mergulhar numa cultura para tomar
conhecimento do genocídio, da perseguição de minorias, da privação de grupos populacionais inteiros de seus direitos
como violações dos direitos humanos. Expulsões e valas comuns não têm uma gramática cultural que demandaria uma
hermenêutica difícil. Elas próprias mostram o que significam”.
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uma realidade moral que independe da lingu agem cotidiana, da argumentação e do p róp rio
discurso emp reendido p elos participantes sobre questões p ráticas que necessitam ser
resolvidas em seu cotidiano.
A idéia de uma fundamentação absoluta, comp reendid a como a busca de algu m
referencial extramund ano (p or exemplo, a idéia de uma ordem objetiva e imutável de
valores fora d a p rática social cotidiana) ou, então, de “algo” in ato ao homem, somente
conduz o filósofo a aporias. Segundo Ernst Tugendhat, “a filosofia não pode fazer nada
mais do que analisar ad equadamente em suas pressuposições uma p ré-compreensão [moral]
19
existente; ela não possui nenhum ponto de referên cia extramundano, p róp rio ”.
20
Neste sentido, a teoria do discurso, em razão de seus p ressupostos construtivistas ,
resiste em p arte às críticas de Rorty , pois não p ostula uma fundamentação naturalista dos
direitos humanos. Entretanto, o autor acerta ao identificar u m ap elo motivacion al limitado
nas diferentes estratégias racionalistas de justificação dos direitos humanos. Essa limitação
é p articularmente intensa no caso da teoria do discurso, que fornece uma legitimação
demasiadamente abstrata e idealizada dos direitos humanos.
É necessária, assim, uma conjugação interdiscip linar de esforços p ara a efetivação
dos direitos humanos, de tal modo que o emp reendimento de legitimação não resulte
socialmente “estéril”. Por um lado, o filósofo não pode renunciar à tarefa d e legitimação
que informa sua p rópria práxis; p or outro, a educação para os d ireitos humanos, ao
trabalhar também co m os sentimentos, revela-se como um meio bastante eficiente p ara
sup rir o déficit motivacional da estratégia teorético-discursiv a de legitimação.
6. Referências bibliográficas
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19
TUGENDHAT, Ernst. Lições sobre Ética. 5ª edição revista. P etrópolis: Editora Vozes, 2003. p. 28, grifo nosso.
Sobre as principais teses do construtivismo discursivo (Jürgen Habermas e Robert Alexy) e rawlsiano e sua repercussão
no debate sobre a legitimação dos direitos humanos e da Constituição, confira: SILVA, Alexandre Garrido da. Direitos
humanos, Constituição e discurso de legitimação: possibilidades e limites da teoria do discurso, cit., p. 11-96.
20
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CONS IDERAÇÕES COM EMMANUEL LEVINAS : direitos humanos e direitos do
outro numa ótica ético-política
M árcio Adriano dos Santos Dias
21
Introdução
Saída até o outro homem. Como se a humanidade fora um gênero que
admite ao interior de seu espaço lógico de sua extensão – uma ruptura
absoluta, como se sendo até o outro homem, se transcendera o humano até
a utopia. Como se a utopia fora não o sonho ou o preço de uma erradica
maldita, senão a claridade de onde o homem se mostra. (LEVIANAS,
1976, p.62).
Temos o intuito de tecer aqui algumas considerações, p ara melhor comp reender n a
atualidade os direitos do homem no que se trata, sobretudo, da sua construção na relação
ético-p olítica. Visamos, com isto, elaborar uma leitura deste fenômeno desde a ótica de
alguns textos da obra deixada pelo filósofo Emmanuel Levinas em relação aos direitos do
homem. Fazemos isto por entendemos que na atualidade se rad icalizou a problematização
do humano, revelando qu e o “p onto de p artida” filosófico tradicional que esclarece os
direitos do homem se encontra mais ex-p osto em nossos dias, nos p rop iciando uma
dimensão temp oral p rivilegiad a p ara uma comp reensão crítica d a situação human a em suas
relaçõ es ético-políticas numa sociedad e globalizada, p rocurando novas persp ectivas de
abordagem d esta temática em debate.
Seguindo este ângulo, imp orta a nós investigar o debate dos direitos do homem
relacionado também à afirmação que Jacqu es Derrida em L'écriture et la différence (Trad.
esp .: La Escritura y La Diferen cia). (C ap. 4: Metafísica y Violência). Barcelon a:
Anthrop os, 1989, pp . 107- 210) faz com relação a p rop osta de uma ética da alterid ade,
elaborad a p or Emmanu el Levinas, no qu e se refere a lucidez desta ao se situar frente à ética
tradicional, ou seja, uma ética sem lei nem conceito, entendidos aqui de um modo
aprop riado, isto é, guardando uma p ureza não violenta antes que de ser determinada p or
conceitos e leis. Nesta medida, susp eita Derrida que há um outro p rojeto de inteligib ilid ade
em relação à tradição filosófica comumente rep assada, mas p rofundamente vinculado às
raízes dessa tradição do ocidente, p rincip almente no que se refere ao comp artilhar do logos,
21
Doutorando pelo Programa Interinstitucional de Pós-Graduação em Filosofia da UFPE-UFP B-UFRN na linha de
pesquisa de Filosofia P rática: área de Ética. P rofessor do DFCS da Universidade Estadual da P araíba.
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na forma de u ma outra racion alid ade ocidental referida em relação ao humano. Com efeito,
a p rop osta levinassean a da ética não teria o fito de estabelecer leis ou regras morais, através
da p rop osta de uma “moral”, como se se tratasse de uma teoria da moral, consistindo antes
em desp ertar p ara a essência da relação ética em geral e a outro temp o aceder a uma “ética
da ética”. Na relação ao humano, a ótica levinasseana p ode instaurar um discurso que não
teria escap atória se se movesse inteiramente no terreno da tradição filosófica no sentido
forte que este termo p ossa p arecer, lógico, argumentativo e veritativo, mais imed iatamente
de uma tradição que se constrói em torno da id éia de totalidade que os gregos
rep resentaram, senão porque também se move na tradição judaica se tendo aqui um
diferencial imp ortante. Procuraremos averiguar estas p istas deixadas p elas leituras de
Derrida sobre Lev inas ao mesmo qu e criticamente consid erando com este filósofo francolituano para um bom p roveito no debate acerca dos direitos humanos.
1 – Um ponto de partida dos direitos humanos ?
Segundo Derrid a, a ética que Lév inas defende está situada em uma p osição qu e
oferece condições suficientes p ara se entender o malo gro d a teoria abstrata e univ ersal
sobre a realidade que exerce violência aos casos individu ais ou singulares, ainda mais no
que tange aos ind ivíduos humanos, por isto mesmo Levinas p retendendo situar fora do
terreno da tradição filosófica que vem dos gregos e seu alcance crítico. Co m efeito, em que
pesem as consideraçõ es de Derrid a encontradas no texto já mencionado, co m relação a
Levinas, p ode-se p erguntar: Se a ética lev inasseana não tem como p onto de partida o
conceito, isto é, rep resentação p roduzida como razão do Ser desde sua fundamentação
mesma para dominar a realidade, sobretudo a cond ição human a p or excedência p ara
afirmar sua liberdade, qual seria o seu ponto de p artida na fundação dos direitos do homem,
de modo que não fosse imp rescindível ter p or base esta violência ad erida n a lib erdade?
Da leitura de Derrida com relação aos p roblemas humanos que Levin as discute em
sua filosofia, também nota-se o argü idor de Lev inas ser d enso, envolv ido apaixonadamente
pela questão da violência com relação ao humano, bem como extremamente lúcido e
sobretudo crítico, visto que assume uma p osição fran camente ligada à ontologia grecoheideggeriana qu e p ropriamente da ética levinassean a. Contudo, coloca Derrida v árias
elip ses no sentido de p erguntar se p ertencemos à id entidade grega ou judaica, reconhecendo
que temos uma mescla das duas neste tocante, nem só grega nem só judaica, senão que
greco-judaica além de poder contar outras em sua constitutividade. Se trata assim, de um
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desafio à ló gica do excludente “ou x ou” que o p róp rio Derrida p rocura desmontar em nív el
axioló gico e ontológico, mas encontrando dificuldad es com Levinas, posto que este,
segundo suas p róp rias p retensões tem um p onto de p artida situado desde fora do âmbito
comumente recorrido pela tradição filosófica, algo diferentemente em termos de ponto de
partida dos direitos do homem. É justamente p or se situar de um p onto de p artida diverso,
que este último filósofo p rocura ler as relações ético-p olíticas que estão p ermeadas de
sucessivas categorizações ap licadas ao humano, no fito de aceder a u m p onto axial da
realid ade hu mana em sua constutividade p ré-original, p ré-ló gica, isto é, anterior a todo
discurso; p or isto servido de p onto de p artida não-violento, como acontece com a
aprop riação e dominação do outro humano n a relação “ser/não ser”, “identidad e/diferença”,
“bondade/mald ade”, etc. ap oiado apenas na contradição ló gica, dissolvendo esta e
apontando p ara uma diferen ça primeva: “virgo intacta” e “vir intactus”.
Estranhamente, a ética levinassean a nos suscita um transfundo situado mais além d a
jurisdição d a teoria fund acional grega co mo metafísica ou ontolo gia. Com efeito, um
paradoxo surge ao se entender qu e estamos diante de uma ética exterior ao
enclausuramento que marca a ap rop riação e domín io da liberdade, sobretudo quando temos
que aceitar a liberdad e moderna da autonomia enquanto auto-ap ropriação de si mesmo e
sua p ositivação, a p ossesividade que a vontade p articular tem ao estabelecer desde si a
auto-p ossessividade como forma sutil de ap rop riação. Será que depois de descobertas as
funções inconscientes e sua influ ência no mundo humano somos tão autônomos o quanto se
quer a vontade auto-ap rop riadora, como Kant quis entender? Não há de modo algum algo
que signifiqu e eticamente d espertando desde fora do sujeito da auto-p ossessividade e atraia
desde fora p ara um começo cu jo término não se encerre nele mesmo, isto é, em nós
mesmos e uma vontade auto-aprop riadora ?
Disto resulta a existência de uma ética sem ethos. É a p ossibilidade que Derrid a
entrevê na ética levin asseana, que parece se situar mais além da ética jud eu-cristã (e
burguesa) qu e se estruturou também mimeticamente na h istoricidade do ethos grego. Ora,
segundo Levinas, a ap rop riação e o domínio do outro constituem a matriz da ontologia
grega e de seu ren ascimento heideggeriano, p erman ecendo assim na obediência deste modo
de ser na forma de u ma p erseverança intransitiva no Ser, ínsito na ontologia do ocidente.
Com efeito, se trata de uma aprop riação p rimitiva incorp orada na lógica exclusiva do Ser,
sendo entre-vista enquanto fenômeno qu e deixa o seu “rastro” ao lon go da h istória éticopolítica e econômica do modelo ocidental cultural imp osto. Aqui é p ossível examin ar os
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problemas éticos e valorativos que surgem no seio d esta comp reensão-intervenção na
realid ade social, e mais, segundo Levin as, sendo p ossível descobrir o valor p ositivo e real
do humano, não obstante a erosão sofrida n a prática dos direitos humanos segundo a ord em
do Ser.
O valor p ositivo da p rática efetiva na defesa da formu lação levinasseana; isto
porque a sua p rop osta resiste à ló gica do ser que exclui exp ressa ou veladamente o hu mano
enquanto outro. Neste sentido, segundo a ótica levinassean a, a p ossessão e o domínio fazem
parte da p róp ria matriz ocidental, remontando a uma acep ção essencial d e caráter
antrop ogênico baseado n a ap rop riação e no domín io inclusive do outro. Isto constitui o
conhecimento e o auto-conhecimento do “eu”, do “outro”, da relação que aí se estabelece
como fundamental (Grund), em termos de origem do humano (arkhé), desde o qual tudo o
que requer ser fund ado, ter “fundamento”, a saber, a ló gica, a epistemologia, a
antrop ologia, a ética e a p olítica, já surgem em seu horizonte com o traço do p rincíp io de
aprop riação e domínio. Nesta configuração genitiva da realidad e Levinas ind ica (1995,
p.71) que “é necessário inverter os termos”, no sentido de encontrar desde a exteriorid ade
do imp ulso de aprop riação no humano, a n ão-ap rop riação, e do domín io, a não-do minação.
Ora, na medida em que aconteça um desbordamento e saída do Ser, p romover u ma
substituição da forma definida negativamente p or um sentido p ositivo; ou seja, doação e
acolhimento, na razão direta em que desborde d a ordem da ap rop riação e ap rop riação do
humano, excludentes do outro. Se trata deste modo de sugerir uma ética de uma
hosp italidade p ré-originária, concreta em carne e osso no fenô meno do face a face, cujos
símbolos guias se encontram no estrangeiro, no órfão, na viúva, no p obre, no que há de
outramente humano que dá sustento às diferenças que constroem identidades, sem ser
idênticos p or necessidade, mas formando a exp eriência d a unicidad e da human idade – u ma
esp écie de unidad e na condição p révia dos diferentes entre si. Esta exp eriência da unicid ade
resultante dos encontros de nós-outros (como ainda n a lín gua espanhola se p reserva no
nosotros: nós) pode nortear, segundo Levin as, as relações humanas, e com isto, os direitos
humanos enquanto direitos dos “outros”, fruto de uma cap tação e leitura do humano em
sentido avesso à démarche da interpretação ontológica vigente, presente no imagin ário
ocidental. Portanto, teríamos esta diferença p articular no p onto de p artida - o humano – em
sua exp eriên cia próp ria, revelando o quanto de inosp italidade há nas éticas tradicionalmente
vigentes, baseadas no individualismo possessivo, até nas mais insusp eitas p ossessões
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morais do “eu” que se pretende em sua vontade algo de ser univ ersal, ou seja, como autoaprop riação de si elevada a um estatuto de p ura universalidade n a forma d e dever.
O p onto de p artida tradicional dos direitos humanos ainda não tem condiçõ es de
deixar d e albergar a p ossessão e o domín io, p osto que neste as vontades se têm como livres
pela ap rop riação e domínio de todo outro, colocando indiv íduos em sua sin gularidad e no
jogo in acab ado de domin ação. Sendo neste sentido esp ecífico que a sua p rop osta pode ser
vista como uma “ética sem ethos”; p osto que este filósofo não vê enquanto estrutura
originária da realid ade a p rioridade do ser humano baseado na p ossessão e no domínio sob
o título de justificar a satisfação de suas carências e necessidades. Para além destas e sem
deixar de considerar essa base desiderativa do humano como a “boa sop a” está a condição
humana de outros a comun gar, com rosto e diferença p rópria, com suas necessidades e
carências a ser consideradas; se trata de uma p luralidade de origem em termos de
sociabilidade do humano, uma quase infindável revelação da existência de outros fazendonos a p ar de suas diferenças p róp rias, com tonalidades afetivas desenhad as segundo o que a
mão de cada u m co loca com seu traço, indicando a altura e também a miséria n a existência,
pois isto suscita a obrigação: relação ao humano.
Nestes termos, Levinas não atribui o humano numa amb igüidad e entre Ser co mo
princíp io p rimário, originário e único - o correlato de u ma busca da verd ade; denuncia
antes, que nesta base de ap orte, assumida como escolha maior desde u ma onto-teologia
grego-judaico-cristã, é tem domin ado no horizonte discursivo “sobre” o real. Atentemos
que este p onto de p artida transforma-se em conceito p olítico, p or assim dizer se positiva
política e juridicamente a relação de p oder de domín io que surge co mo matriz a ser
mimetizada tout cou t, nas relaçõ es sociais: de p oder, de domínio e possessão escravista do
outro, que é também assumido na forma mod erna de precarização das relações no trabalho.
Esta matriz se ap resenta como a “prop riedade” do p ensamento, p osto que sua
aptidão cognitiva se p assa e consiste em ap rop riar-se e dominar o outro. É justamente isto
que Levinas indica como uma redução do Outro ao M esmo, que rep ete a mesmidade do
aprop riador. Neste sentido ainda, já se ind ica aqui que esta man eira da filosofia originária
ou ontologia, não somente mimetiza a p olítica do domínio mas também uma economia da
aprop riação. Isto se corrobora já mesmo no discurso estruturado no sentido aqui já
mencion ado, sobretudo na contemporaneidade, como Martin Heidegger an alisa este
fenômeno em uma p assagem do seu texto “Identidade e diferença” (1957), em que a
matriz origin ária reabilita o seu modo próp rio de estar jungida à reflexão ocidental:
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A mútua pertença do homem e ser à maneira de provocação alternante,
nos mostra surpreendentemente próximo que da mesma maneira que o
homem é dado em propriedade, ao ser; o ser por sua parte, tem sido
atribuído em propriedade ao homem. Na composição reina um estranho
modo de dar ou atribuir a propriedade. Do que se trata é experimentar
sensivelmente este jogo de apropriação em que o homem e o ser se
transpropiam reciprocamente, isto é, adentramos naquilo que nomeamos
de Ereignis. (HEIDEGGER, 1988, p. 85).
Nesta p assagem vemos uma síntese desta matriz, que sobrep assa a glob alização
desde o nosso ocidente judaico-cristão e de maneira burguesa, se depreendendo o processo
de ap ropriação.. Acontece nesta maneira a organ ização da totalidade da lin guagem e do
simbólico em geral, em que todos os enunciados ontologicamente p ossíveis “devem” ser
comp reendidos desde a p ergunta originária: “Que é?”, e sua verdade: a ex-p rop riação, a
tomada, a tomada de p osse, o domínio, servidão e todo intercâmbio que se relacione com
esta realid ade. Neste p onto de vista, o que é mais p oderoso na p ergunta sobre o “que é ?” É
por isto também digno de notar que “Ereignis” se trata de uma p alavra que mistifica desde
um seio do alemão esta relação d e ap rop riação e do minação como “esp elho do ser”, ond e o
homem é visto como esp eculado nele. A maneira de ap reender o humano mesmo qu e não
se dê no chão alemão, assim se caracteriza em qualqu er lu gar d este p laneta, desde que a
partir desta base construída no ocidente, se celebrou co m um quê p rofético da união dos
povos ao se definir o exemp lo encarnado na União Europ éia, com o interesse desta em
maior alargamento das relações desde um tipo de relacionamento peculiar que assegure o
progresso da humanidade, mas com p rovocação de limites bem definidos co m relação aos
outros p ovos, como vemos também na trans-prop riação do trabalho imigrante em situação
de clandestinidade dentro da Europ a se redesenhando p elo Ser da União Europ éia. E o que
precedeu p ara acarretar esta celebração da liberdad e dos p ovos ?
Uma atitude possessiva e dominadora: a riqueza pela riqueza, o
capitalismo colonialista e imperialista, a ex-propriação, a desocupação, o
terrorismo, a miséria do T erceiro Mundo, as duas guerras mundiais, o
“ genocídio ao plural” e “holocausto ao singular”, o fascismo, o nazismo,
o stalinismo, a ameaça nuclear, testemunhamos todos numa mesma
vontade de potência inscrita na “ cativa consciência” da Europa.
(GISONNA, 1994, pág. 4).
O grau de esp eculação ontológico-filosófica p ermite a função h istórico-p olítica
naturalizadora das relaçõ es de ap rop riação e de domín io, ap resentando estas como se a
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sociabilidade constitua um p ressup osto neste esp ecífico, sendo anterior e exterior e sup erior
às relações sociais pré-originárias, isto é anteriores a qualquer conceituação teórica, d aí
sendo aderidas conceitualmente a um modo “a priori” em relaçõ es de aprop riação e de
dominação. M as será este mesmo, o seio de onde surge o hu mano p ropriamente dito?
Dissimulação e simulação; ap rop riação e domín io do “outro” no ato de conhecer e atuar ?
Ele: o outro que co mo “objeto” que é ap rop riado e dominado p elo eu/sujeito anunciado p or
esta matriz, sendo op erada nela uma redução de sua realidade (do outro humano) ao mesmo
? Análo gos são a escravid ão, o racismo imp lícito ou explícito neste modo que segue
incólume em nosso século, com o apartheid enquanto forma neo-racista. Destarte, efeitos
culturais e p olíticos são também frutos da rep etição e mimetização de uma ep op éia
ocidental no seu univ erso de sign ificação, alimentando a v iolência nesta matriz que assenta
as bases da p olítica de modo sutil ou exp resso, como aconteceram epígonos no totalitarismo
de direita e d e esquerda.
É p or isto que Levin as afirma não ser este p onto de p artida ontológico fund amental,
posto que anteriores a esta estão relações sociais merecedoras de u ma significação ética e
ético-p olítica que negu em in extremis o sujeitamento do outro à lógica do mesmo, ló gica
esta que segue na ap ropriação e domínio de uns p or outros em escala global sob pretextos
de p rogresso humano. Um acontecimento ético da n atureza que Lev inas 22 aponta é então da
afirmação do outro numa responsabilidad e de uns-pelos-outros, para com os outros. Se
trata, p ortanto, da p rioridade da ética sobre a ontologia, bem co mo da justiça (ao outro)
sobre a verdade semp re afirmada p elo viés do M esmo formalizado e equipado de maneira
sofisticada p ara fins de dominação e exp ansão de seu elã guerreiro que se instaura na
política através de uma forma d e sociabilidad e negadora do moral e todos os seus
imp erativos de incondicionalidad e p ara o humano, sendo neste sentido que Levinas afirma
no início d e seu p rimeiro texto maior “Totalité et in fini” (1961, trad. esp .: 1995, pp . 104112), ao dizer que “o estado de guerra suspende a moral; desp oja as instituições e as
obrigações eternas da sua eternidade e, p or conseguinte, anu la no p rovisório, os imperativos
incondicionais.”(LEVINAS, 1995, p . 9)
2 – Outro modo que ser dos direitos humanos: Direitos do outro
22
Cf. LEVINAS, Emmanuel. Totalidad e Infinito. Ensaio sobre la exterioridad. Salamanca: Sígueme, 1995, p. 104-112.
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Cabe ressaltar que n a indicação da ética como prioridade, Levin as não quer se
referir à ética d elimitada a p artir do princíp io de aprop riação, p rojetado na filosofia e na
cultura pelo ocidente de maneira usual, isto é, construído sobre bases desta ontologia de
persevarar em crescer e domin ar tudo: o outro humano e os outros extra-humanos, a
natureza em geral. Não se trata, evidentemente, desta ética do individualismo p ossessivo
que culminou na ép oca moderna com todo o ap arato teológico e filosófico rep etidores da
infância filosófica d e uma humanidade norteada p or uma egolo gia do empoderamento do
Dominador justificado por uma Imago Dei, conseqüentemente uma mistificação, como b em
indica sua gênese na modernid ade Giusep p e Tosi, (2003, p .p . 577-587), ao afirmar que:
A doutrina do dom inium que é condição da liberdade do sujeito e na
doutrina do seu fundamento na imagem de Deus, encontram-se as raízes
teológicas de um direito subjetivo que será posteriormente secularizado
pelo jusnaturalismo moderno, dando origem às doutrinas dos direitos do
homem que conhecemos. (T OSI, 2003, p.585).
Levinas quer então considerar uma ética de uma outra maneira que se revela p ara o
humano; e n este sentido, de uma ética qu e devém da exterioridad e às p remissas
hobbesianas e toda sua infuência sobre os mais variados p ensadores da Filosofia p olítica,
história, economia, sociolo gia, etc. Onde nestas a possessividade do sujeito ora instalado no
ocidente é a raiz tida como inexoráv el e intocável, convertida em u ma luta pelo p oder como
poder aglutinador de valor: econô mico e simbó lico de glória: honra p róp ria. M esmo ainda
como em Immanuel Kant e sua vontade-livre como auto-p ossessividade (vontade que quer
se ter como universal), uma autonomia ainda p resa à órbita da ap rop riação, mesmo sendo
mais desejável que d iante da hetero-p ossessividade da escravid ão. Os direitos humanos se
encontram assim numa encruzilhad a de p retensões tendo como referência o humano e sua
condição p rimordial de dignidade. M as qual dign idade?
Por um lado, os direitos humanos constituem hoje em dia a condensação do melhor
da ética na p olítica, ou seja, na ordem da “voz” p ró-ativa voltada p ara o humano em geral.
Isto é um fato imp ortante p elo menos ao constituir-se em torno da subjetividad e humana
exp osta, que está diante de todos nós cara-a-cara, em seu valor individu al e moral, bem
como de outrem. Daqui se faz ap arecer o reconhecimento de u ma constelação de v alores
ligados ao núcleo (a subjetiv idade digna do outro ?), como a inviolabilidade e a liberd ade.
Isto goza de uma p rofunda e fecunda criação de outros valores nesta dimensão éticopolítica. M as p or outro lado, p or ter um p onto de p artida que se afirma desde o horizonte já
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exp osto do M esmo, aqui em termos ontoló gicos, éticos, políticos e econô micos qu e se
situam e nosso mundo vivido e neste os que desde “fora” da cultura qu e gerou e admin istra
os direitos humanos, serem v ia de regra associados também com tanta facilidade à sua
próp ria violação, co mo p ara ilustrar aqui a violência contra o “estranho” (e aí o
estrangeiro), seja na p osição de uma cultura que se passa como juiz severo que castiga, e
contudo que segue numa cultura de violação e amp liação da violência, cada vez mais
engenhosa na forma de uma cump licidade qu e não julga tão severamente situações
estratégicas d e seus p róp rios interesses. Como p or exemplo: exigem pela v iolên cia a
Milosevic e a Sadam Hussein, mas n ão exigem a Israel e à Rússia n em aos Estados Unidos
que os estão violando, vio lentamente, em suas relações com os palestinos, chechenos e
iraquianos n este temp o, resp ectivamente. No mín imo se trata de que os d ireitos humanos
não constituem o critério normativo final desta mesma cultura: p osto que antes e por cima
dos direitos humanos vige o p rincíp io de ap ropriação de qu e falamos. E esta dup licidade de
critérios, uma retórica assumida dos direitos humanos e o p rincíp io de ap rop riação
jungidos, é o que exp lica a vo lúvel severidade d este “juiz” ocidental que domina com sua
imagem de p retensão universal. As p alavras de Mohamed Jatami exp ressam bem esta
ambigüidade da tradição amb ivalente do direitos humanos e sua p resunção de
universalid ade aplicada aos diferentes povos no contexto mundial:
Os direitos do homem são um dos maiores acontecimentos do mundo atual. A
democracia não tem significado sem os direitos humanos e sem reconhecer que
o homem tem direito a dirigir seu destino. Creio que existem alguns princípios
e normas que são aceitáveis em todas as partes. Nós temos que considerar os
direitos humanos como algo benéfico, mas é preciso pontuar. Em primeiro
lugar: em que medida se tem respeitado os direitos humanos na prática tanto
dentro das fronteiras nacionais como em nível internacional ? (...) Em segundo
lugar: os direitos humanos são também um debate de princípios e é aí onde
intervém o diálogo com as civilizações. (in: JAT AMÍ, El País, 31 de outubro de
2002).
Resta aqui então p erguntar: p odem os d ireitos humanos libertar-se da tibieza do
princíp io de ap rop riação e sua p erformatividade v iolenta ínsitos em seu un iversalismo?
Com esta interro gação remetemos não somente às p ráticas ou p olíticas mais ou menos
infelizes, mas antes mesmo nos dirigimos ao seu nú cleo filosófico assentado numa
antrop ologia do individualismo p ossessivo. Com efeito, há uma ab ertura aqui p ara o debate
em torno de uma sup eração do mod elo economicista de uma justiça meramente distributiva,
que p retende os “iguais” e sua conseqü ente justiça identitária, p ela amp liação do
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reconhecimento numa maneira p róp ria de acontecer a Justiça. Ou seja, de um
reconhecimento que seja, semp re, reconhecimento do outro, enquanto imp licação da
alteridade no final das contas e n ão o cálculo dominador d e base. Isto p osto em jogo,
podemos p erguntar também: Que relação p ode haver então entre direitos humanos, que se
configuram segundo a matriz cultural do ind ividualismo p ossessivo, e a categoria de
alteridade, qu e rep resenta, p recisamente ao outro exclu ído do título de uma p rop riedade e
de seu uso e desfrute?
Este é o p roblema, ao nosso ver, que introduz Levinas (1987, p .137) ao indagar se
os direitos humanos não correm o perigo de ser desmentidos em sua matriz ética: a
individualidad e sin gular auto-possessiva e livre–p essoal, p elos direitos “dos outros”. Estes
dois p ontos de p artida p ara os direitos humanos constituem duas órbitas diferentes?
Decerto. Se tratam de duas éticas: a ética do individualismo p ossessivo e a ética da
alteridade, em que esta se estende a uma ética da hosp italidade. M antêm-se aqui uma
relação agôn ica entre estas duas éticas. Isto p orque, como temos visto, Levinas susp eita do
individualismo possessivo: 1) que serve de ch ão teórico dos direitos humanos, que tem
acento em um egoísmo naturalista/p sicologista e p or sua desimp ortância lógico-idealista,
posto que a “boa vontade” se encontra no lamaçal do ego ísmo (que é um dos componentes
essenciais do indiv idualismo p ossessivo) desde até Kant mesmo, qu e o p ressup õe na
significação moral dos direitos, Ora, da p arte do idealismo se reduz também: 2) o ind ivíduo
humano a um caso ao lado d e outros no esp aço ló gico (comunid ade dos seres racionais) de
um conceito de caráter abstrato, a saber o d e humanidad e, imp licando assim num déficit de
diferença, co mprometendo a singularidade e a ind ividuação éticas. Estas duas dificuldades
concernem ao sujeito moral ilustrado e sua constituição de sujeito dos direitos humanos.
Portanto, se radicalizamos estas duas dificuldades, p or um lado, que o “homem” ou a
“humanidade” não comp õem enqu anto entes ló gico-idealistas um sujeito de direitos
líquidos, e neste sentido a exp ressão “direitos humanos” torna-se vaga em sua formação; já
por outro lado, o “sujeito de direitos” em sua univ ersalid ade é considerado desde a
influência do individu alismo subjetivista ético, e assim fica comp rometido por p roximid ade
com o indiv idualismo hedon ista. O teor subjetivista se traduz em ser egoísta e se basear na
concorrencilalidad e, p ondo ênfase na relação de p rop riedade e de p ossessão.
Estão assim estas duas dificuldades suscitadas co m relação ao sujeito dos direitos
humanos. Como então p ode Levinas neutralizar este imp edimento que surge no seio da
próp ria tradição? Pensamos que este filósofo constrói uma p onte a p artir da diferença d e um
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indivíduo sin gular o concernindo a termos estritamente éticos, isto é, a partir da
exterioridade do humano desde um “fora do sujeito” ontolo gicamente ou cu lturalmente
referido e em uso. Ora, em lu gar de um “eu” enqu anto substância atomista, em cu ja
singularidad e se revela culturalmente na forma de “ego” mantenedor de uma relação de
auto-p ossessão consigo mesmo e de exclusão do outro, Levinas substitui p or um “eu”
constituído p or sua não indiferença face ao “outro”, ou seja, p or sua resp onsabilidade p ara
com ele, u m modo outramente que ser do hu mano, d esde semp re p ossível nas relaçõ es mas
que p or obra da v igência do individualismo p ossessivo reinante se encontra suprimido,
postergado, e p or isto mesmo sendo de no ção bem limitada no p resente. Não obstante tal
sup ressão, a não-ind iferen ça ao outro na forma de resp onsabilidade p ara ele, goza de um
sentido ilimitado, isto é, nada pode resp onder p elo outro no lugar do eu, e na inversa, nada
pode substituir ao eu em sua resp onsabilidade p ara com o outro.
É justamente aqui qu e se encontra ap ontado p or Levinas o p rincíp io de individuação
da ética da alteridad e. Esta situação indicada no humano p or Levinas salva p or um o lhar
acolhedor as duas carências acima descritas nas éticas tradicion ais, que herd amos de u ma
conceituação rígid a feita na mod ernidad e; ainda devedora do Conceito subssumido ao
Dominus em detrimento do prop riamente humano, e p or isto, carente da necessária
radicalização, que foi lev ada adiante p or Levinas na contemp oraneidade; contudo, sem
descurar da importância da subjetividade co mo temática ética e p oliticamente digna,
sobretudo na substituição da antrop ologia moral que subjaz aos direitos humanos. Em
outras p alavras, é p or causa do déficit de egoísmo p ossessivo e autopossessivo e o déficit de
diferença, de sign ificação ética do humano, que Levinas alud e à não-indiferença face ao
outro, ele que se ap resenta diante de nós-outros em carne e osso (ou ainda, como
“consciência encarn ada” – p ara usar um termo deste filósofo), qu e o eu é descentrado de
sua órbita p rop riamente p essoal-egóica, de sua autoafirmação e d e seu egoísmo, da sua
obsessão p or p erseverar em seu ser (próp rio), que se abre a p ossibilidade de resp onder ao
outro e sair em defesa de seus direitos: os do outro, de sua diferença (cf. Levinas, 1987, p.
138).
Conclusão
De onde vem esta não-indiferença ? Resp ondemos: do rosto do outro. O rosto se faz
presente, p ró-vocando um ato ético e não ap enas a intenção vazia numa forma conceitual
do dever elevado à id éia de ser livre p ara h aver dign idade na hu manidad e. É no chão diante
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de cad a um de nós qu e já se constitui através do olhar o d ever d e ser resp onsável para com
o outro, interp elando ao “eu”, sem negá-lo mas afirmando-o ao desp ertarmo-nos como
seres infinitamente responsáveis nesse átimo do face a face com ele, p edindo-nos justiça e
colocando-nos em situação de resp onder na forma de verdade p rática, um ato ético de serresp onsável p ara o outro. De tal sorte que o eu não p ode se elidir senão na forma de
violência como único modo de “resolver-se” diante desta moléstia (ética) do outro que me
faz o ap elo ético. Outra alternativa em ser resp onsável é a acolhida hosp italeira que ch ega
até a comp rometer o “eu” em sua identidade sua p retendida “casa”, em cuja ló gica está,
precisamente já instalada a delimitação de um esp aço identitário em que o outro deve ficar
via de regra excluído, mas p ara além desta lógica cede esp aço p ara o que lhe é exterior e
sep arado, mas nem p or isto deixando de poder realizar um en contro verdadeiramente
humano, consciente e resp onsável diante da sep aração a assimetria radical que h á entre um
e outro outro; substituição de uma exclusão ló gico-simbólica do “eu” na qual às vezes se
materializa sob o signo da violência aberta ou velada. Da eleição de uma destas duas
escolhas a lib erdade nasce, não sendo então objeto de dedução de uma idéia em si mesma
nem mesmo culminando na h istória como liberdad e a toque de arb ítrio da História como sói
acontecer na démarche da filosofia da modernid ade e seu id eal de p rogresso histórico, cego
aos retrocessos cometidos e que deixam rastros de alcan ce glob al por onde p assa. Não se
tratando então de ideal de p rogresso, mas de ap rimoramento do humano no exercício
ineludív el de um ato ético irrep etível a constituir o sujeito moral como sujeito da
resp onsabilidade e da n ão ind iferen ça para co m o outro, uma obra que começa em cada um
mas não termina como retorno, senão no outro e p ara o seu bem.
Neste acúmulo de razões suscitadas pela ética, na política dos direitos humanos,
Levinas prop õe, como vemos, uma descentração de raiz daquele p onto de vista p ossessivo
segundo o qual se d ão os “meus” direitos ou os “nossos” direitos, seguindo com u ma
substituição p ela p erspectiva dos direitos dos “outros”, p elos quais faz sentido “lutar”.
Lin guisticamente considerando, p oderia melhor nos servir a exp ressão deveres para com
todos os homens. Vejamos bem então, qu e ao fin al das contas esta descentração que v em
desde o outramente hu mano que ser do ideo lo gicamente p osto p ela tradição, n ão p oderia
ocorrer sem que, p or um lado, se p udesse sair da órbita da lingu agem d a possessividade e
toda sua p ressão circunjacente.
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Bibliografia Citada
Livros:
DERRIDA, Jaqques. L'écriture et la différence. Paris: Seuil, 1967. Trad. Esp . La
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HEIDEGGER, Martin. Identidad y diferencia. Barcelona: Anthrop os, 1988.
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___. Fuera del Sujeto. M adrid: Cap arrós, 1987.
Internet (em arquivo PDF):
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Jornal:
JATAM Í, M ohamed (Ex-p residente do Irã em entrevista). El País, 2002.10.31
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HUMANOS DA UFPB
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DIREITOS HUMANOS E DIFERENÇA: o retorno à pergunta pelo sentido do
humano a partir da hermenêutica filosófica
M ariana Fischer Pacheco
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1. Introdução: a Destruktion heideggeriana como caminho para a temporalização dos
direitos humanos
Esse trabalho busca, a p artir da hermenêutica de matriz heid eggeriana e
gad ameriana, mostrar o direito como parte de um p rocesso mais amp lo, de uma época, da
“era da técnica” e, nesse contexto tratar da questão dos direitos humanos.
Tal abordagem imp lica num p asso p ara trás, um p asso que nos levará n ão
simp lesmente a uma destruição estéril, mas colocará o p roblema em mov imento, e, assim,
poderá trazer à tona a “temp orariedade” (no sentido heideggeriano da p alavra) radical do
fenômeno jurídico. Trata-se de dizer “sim e não” ao sentido atual e, inexoravelmente
histórico, dos direitos humanos.
É consenso entre os p rincip ais pensadores contemp orâneos – cita-se aqui
Habermas, Derrida, Levin as, Heidegger e Gadamer - que busca p or direitos humanos tem
começar a p artir da p ergunta pela diferença, e a respeito de co mo se d á a relação co m o
outro, mas bem distintas são as tentativas de resp onder essa questão. Op tamos p elo viés da
hermenêutica p or ser cap az de sair do “não” exclud ente a outros p ontos de vista, e tomar o
rumo da Destruktion.
Gadamer esclarece que a p alavra “Destruktion” não tinha o sentido de atual d e
destruição ou aniquilação p ara os ouvidos alemães da ép oca que fo i usada p or Heidegger. A
Destruktion, na verdade, tem um sentido mu ito p róximo à “desconstrução” derridiana; d eve
ser compreendida como abertura que p ermite fazer fluir um núcleo rígido e a camadas
sedimentadas. É d esvelamento de p ressup ostos metafísicos e restauração da dinâmica das
palavras ou, como p ropõe Gadamer, abertura ao acontecimento do lin guagem falad a, da
conversação.
Diferente do sentido atual d a palavra “destruição”, a Destruktion não deve, então,
ser compreendida de man eira eminentemente negativa, carrega sim a força do uso vivo de
palavras e a multidimensionalidade de um “deixar-se atin gir” p or alguma coisa que nos
23
Doutoranda e bolsista da CAPES. E-mail: marianafisch@ gmail.com
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vem p or meio delas. Ao invés da fixação em uma rede linear e unidimension al de
conteúdos ap reendidos racionalmete, trata-se de u m p rocesso que busca “aguçar nossos
sentidos” (GADAMER, 2007, p. 69) p ara a exp eriência.
A hermenêutica en contra seu norte na estética e num retorno a simplicidade de u m
“dizer algo” e de um “ouvir algo ” que é, ao mesmo tempo, um “colher” que “recolh e”
,
(HEIDEGGER 2001, p . 188-192).
Romp e com os herdeiros da tradição racionalista ao lidar com a diferen ça co mo
“alguma coisa que nos atinge” e que p recisa ter seu ap elo escutado, não p or ouvidos
técnicos, racion ais, treinados e esp ecializados, mas, sobretudo, p or ouvidos sensíveis. A
lin guagem de uma cultura ultrap assa, p or exemplo, o falatório p ersuasivo de seu
rep resentante na ONU (muito embora seja in egável a função pragmática de um tal discurso)
e é p reciso que existam ouvidos desp ertos p ara escutá-la.
O diálo go entre Destruktion, direito e p olítica nos conduzirá a u ma p ergunta: será
que da hermenêutica pode emergir algo construtivo? Algo que se ap roxime de uma
prop osta de ação? Diremos aqui que sim.
Mas trata-se de alguma co isa estranha, que não surge a p artir das demandas d a
cultura jurídica e n ão resp onde a p erguntas colocad as a p artir do impulso tecnicista.
Chegaremos a uma senda, a abertura radical da diferença. Trata-se de uma resp osta
intolerável. Insup ortável p ara o modo que estamos acostumados a ser e a p artir do qual
tendemos a p ensar mas, talvez, exatamente p or isso, por sua intolerabilidade radical, tentar
lidar co m essa resp osta que é a abertura e ferida seja uma travessia interessante.
Pretende-se, então:
Em p rimeiro lu gar, mostrar o direito como u m fenômeno que se estrutura (Gestell
heideggeriana) a p artir de um imp ulso de dominação e homogenização e que um ambiente
que se constitui a p artir do imp ério da técnica, ainda que comun icativo (no termos
habermasianos), não p ermite uma abertura profunda ao que é radicalmente diferente: há
muitas vozes, inúmeras p alavras, mas carência de sentido p ara o humano.
E, em segundo lugar, a busca será p ensar em uma escuta que é estética e d irige-se ao
“aí” (“da” heideggeriano), ex-stático; p ara daí falarmos na ab ertura à diferença como
sentido para uma redefinição do humanismo.
2. Técnica e estética: algumas dissonâncias.
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A p rimeira questão é: Como se dá a escuta das p alavras, qual a força e o sentido qu e
os direitos humanos adquiriram no interior do jo go do d ireito-técnica?
Mas não se p ode exp lorar o sentido e os limites de um jogo (do direito técnica)
seguindo as regras que o regem (a partir de d entro) é p reciso ganh ar um horizonte. É
preciso voltar ao início e ao que está mais p róximo d a exp eriência.
Técnica e estética tem a mesma origem grega (HEIDEGGER, 2001). Traço comum
marcante entre artes mecânicas e b elas artes é que ambas “imitam” um modelo. A diferen ça
esp ecífica é que a criação do artista não é objeto de uso. De fato, o belo rechaça qualquer
pergunta p ela utilid ade, é algo qu e se auto-justifica e que quebra com o p ensamento que se
guia p or objetivos. Ao retirar-nos d a conexão trivial com o mundo, a arte insurge-se contra
o p adrão moderno em que exp ectativas p ré-fixad as determinam tudo de antemão
(GADAMER, 2002, p . 186).
Esse p arentesco torna, também, tentativas de articular op osições fortes entre técnica
e estética p roblemáticas. Buscaremos, então, ao invés d e op or, ouvir d issonâncias. Falamos
em dissonâncias a fim de segu ir a metáfora com a música feita p or Heidegger (2003), que
evoca tons afetivos ao tratar de situações ou estados afetivos que nos encontramos
(Befind elichkeit). Podemos estar em d iferentes afin ações, h á um modo cap az de uma escuta
profunda (apto a harmonizar-se com a coisa); d e outro lado, há a dis-p osição exp loradora
que sep ara p ara usar as p artes em direção a objetivos pré-fixados, tal afin ação é o p adrão da
“era da técnica” e tende a tornar p ossibilidades in audíveis.
Prestar atenção a d issonâncias, simp lesmente - ao invés de op erar dissociações,
junto com a tradição que Derrida gosta de chamar de lo gocêntrica -, vai nos ajudar a sair de
vícios metafísicos subjacentes a op osições fortes. Pensar a estética a p artir da h ermen êutica
é destoar em relação à disposição tecnicista e em relação á filosofia centrada na
consciência.
A hermenêutica romp e com Hegel e co m é idealismo alemão, cuja herança n ão
deixa d e ser expressamente admitida por Gadamer (Hegel mostra a orientação de sentido
que há em toda exp eriência da arte, bem como a concilia com a consciência histórica),
notadamente, em função da tentativa idealista de ultrap assar a facticidade para ascender ao
camp o da teoria. Segundo Gadamer (1985, p . 40), o equívoco está na abstração das
peculiaridad es da exp eriência estética e na sua decorrente redu ção a uma “pura integração
de sentido” (idéia). Não se p ode p ermitir p assar p or cima da resistência da conformação
artística. A exp eriência da obra de arte conduz a um encontro origin ário co m a verd ade, tem
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primazia em relação à idéia alcançada p or seu intermédio. O enclausuramento em
universais, como conceitos e p rojetos, é, p ara Gadamer, um obstáculo à sensib ilid ade; tratase de um ato de violência, uma imp osição que não p ermite uma autêntica escuta.
O debate entre Hegel e Gadamer traduz a tensão entre modern idade e p ósmodernidad e: de um lado a busca p ela ord em, p ela literalidade, p ela fixação d e algo estável
que organiza ao caos concreto - atitude que acab a p or conduzir o b animento da diferença -,
1
do outro lado, a busca de um sentido e d e um modo d e lid ar diferença, com o outro .
Já se p ode p ressentir que adentrar no camp o da estética gadameriana não sign ifica
restringir-se ao mundo das b elas artes (co mp reendidas estritamente), ao contrário, a estética
tem, aqui, um sentido univ ersal; é nela que está o fio condutor da explicação ontológica que
vai au xiliar no projeto ap roximação do sentido mais origin ário de toda exp eriên cia.
Ontologia e estética encontram-se quando escutamos uma metáfora quando é
pronunciado o verbo “ser”. Segundo Rico eur (2000), o verbo “ser” é o lugar mais íntimo e
próp rio da metáfora, comp reender a cóp ula dessa maneira torna também p ossível fazer uso
de definições da lin guagem natural (que p or sua p rópria natureza, dissocia) sem que estas
sejam delinead as com o rigor da metafísica clássica – que se p retende desconstruir.
Permite, igualmente, escap ar da contradição p erformativa qu e co mumente se atribui ao
ceticismo, já que p rop or que há uma orientação necessária para a verdade - sup ostamente inerente a p rópria lin guagem p ressupõe a articulação d e referen ciais binários de ló gica
aristotélica. De outro lado, d entro de um universo de metáforas, em qu e o “é” significa a
um só temp o “não é” e “é co mo”, os p rincípios da id entidade, não-contradição e terceiro
excluído p erdem sua força.
A hermenêutica p rop õe uma p ostura permissiva (que não p ode ser confundida com
passividade), a p alavra usada p or Heidegger (2003) é Gelassenheit, traduzida como
serenidade. Trata-se de um “colher”, que permite as coisas serem elas mesmas (em
contrap osição a Husserl, que p rop unha a “ida” em direção “as co isas elas mesmas”). Nesse
sentido, a hermenêutica surge co mo caminho da escuta (no sentido mais forte d a p alavra) e
da estética em direção a u m acontecimento, um instante ex-stático (o “ex” nos indica um
movimento p ra fora) que simp lesmente está aí.
Segue-se a rota d e uma filosofia do ouvir dentro do univ erso da lin guagem, em sua
estreita conexão com a voz human a e com o acontecimento da conversação. A linguagem
não é u m fim em si mesma, o mistério (e a mística) da voz e d a palavra é seu poder de
invocar, de fazer p resente p elo dizer; a voz diz algo que, p or ser dito, está “aí” - em alemão
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“da” (GADAMER, 2002, p . 68). Dizer é dizer algo, é trazer a tona o “da”. M as a
evocação, o “aí” p erde alguma coisa d e sua forma n a era da rep rodutibilidad e, em que
tantas vozes surgem ao mesmo temp o e há tão p ouca escuta.
O autêntico diálogo tem uma afinação p róp ria, exige que se esteja desp erto p ara a
fala e p ara a escuta, p ressup õe sensibilidade p ara p erceber também os tons mais sutis (como
o tom que faz comp reensível uma iron ia na v ida diária, por exemp lo), os quais p odem
passar desp ercebidos em função d a p ressa típ ica da modern idade.
Encontramos em Gadamer (2002) o convite à conversação oral, fluida, em que a
alian ça entre duas p essoas não se dá apenas em termos de conteúdo, evo lve disp osição p ara
estar, de fato, com o outro, efetivamente ouvi-lo.
A afinação em que se encontra o técnico racional e esp ecializado não carrega o fim
radical (morte), ap enas meios; a p reocup ação é seguir p rocedimentos estabelecer estratégias
para otimizar objetivos p ré-determinados. O excesso e informações e a agilidade que
demanda a sociedad e de consumo e d a técnica são, p ara Heidegger, obstáculos no caminho
em direção ao mais originário; surge aí u m Dasein decaído, em meio ao falatório, a
ambigüidade, curiosidade, que n a in cessante p rocura p or novos produtos e informações
perde-se no “impessoal”. O sujeito-tecnocrata, insaciável consumidor de clichês, brocardos
e frases feitas, está mergulh ado no senso comum e só comp reende em termos do familiar.
É, assim, incluído, p orém sup rimido p ela cultura de consumo.
A autenticidade nasce de uma decisão que se orienta em direção à sin gu larid ade e
faz p resente o fim; a liberdade reside na d ecisão d e carregar, a todo instante, a p róp ria
mortalidade. M as um tal p eso que é também o p eso da an gustia, do temp o longo e do tédio
(Langwellig), quando surge, tende a p rovocar av ersão e fu ga para o passatemp o. A afinação
do tecnicista é marcada p elo repúdio ao estranho.
Quanto mais familiar nos é uma lin guagem, mais incap azes somos de ouvir suas
24
palavras e in cap acidade de ouvir e p ensar as p róp rias p alavras significa a imp ossibilidade
de p rojetar alternativas para si.
“A tarefa é ap render a ouv ir o que quer falar na arte e teremos que nos confessar
que ap render a ouvir quer dizer antes de tudo elevar se acima de todo mal ouvir e ver mal,
massificantes” (GADAMER, 2002, p . 60 e s).
24
RORTY, Richard: Ensaios sobre Heidegger e outros. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999. P . 50-53.
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A hermenêutica p retende tornar audíveis as palavras mais elementares, p ara tanto
segue o caminho estética. A metáfora (na p oesia, p or exemp lo) retira as palavras de seu
nexo comum e causa estranhamento, palavras “soam mais alto”, nos atingem, ganh am v ida.
Algo semelhante acontece com trabalhos artísticos que exp õem objetos do dia-a-dia,
1
retirando-os do contexto de suas funções triviais .
Mas, mesmo ap arte da atividad e artística em sentido estrito, uma conv ersa, a leitura
de um texto, de um modo geral, uma exp eriência é mais interessante quando é cap az de
afetar de tal maneira qu e desestabiliza, p rovoca vertigem e um p otencial ro mp imento com o
referencial anterior. Por isso a hermenêutica da finitude p õe ênfase nas exp eriências
negativas, que são aqu elas que frustram, mostram a insuficiência do p ensamento: a tarefa
constante é a de ad equar o p ensamento às experiên cias. O ap ego aos resultados
universalizados faz com que esqueçamos do autêntico p rocesso de exp eriência, qu e é o
eterno movimento de negação e destip ificação d e universais.
Coreth (1973, p. 103) ensina que “a comp reensão no diálogo somente se fará se
olharmos juntos p ara a coisa”. Há uma unidade original entre os elementos ap enas,
figurativamente sep arados, p ois não se p ode falar em sep aração entre sujeito e mundo;
“Olhar juntos” é remissão a intersubjetivid ade e ao p ap el da tradição (o ser-com), mas a
hermenêutica exige qu e não se p erca de v ista “a coisa” – talvez a grande marca distintiva a
da hermenêutica no amb iente pós-moderno. Forma-se u m círculo, ou melhor, um esp iral:
cada conteúdo novamente ap reendido ou experiên cia in corporada, acaba por modificar o
todo, constitui-se, então, uma nova p ré-comp reensão que determin ará a próxima
comp reensão (CORETH, 1973, p . 102). A relação entre p ré-comp reensão e comp reensão é
circular e d inâmica, um elemento p ressup õe o outro e, ao mesmo temp o, imp ulsiona a
progressão. Não há como fu gir d a “p ré”, no entanto, a compreensão p ode abrir-se à coisa
submeter-se à sua alteridad e, para tanto é p reciso entrar no círcu lo de maneira adequ ada,
com consciência da força que a h istória exerce.
A comp reensão mostra-se como jo go cu jo mov imento envo lve, leva os jo gadores ;
projetos subjetivos sucumbem à dinâmica p eculiar do jo gar que tem resultados
imp revisíveis. No ato da co mp reensão, de u m lado h á o hermen euta que sofre os efeitos da
história, e do outro, a coisa fala p or si p róp ria e p recisa ser ouvida. A riqueza do processo
está no seu desenrolar, quando o intérp rete se vê obrigado a p erguntar sobre os p róp rios
preconceitos. A história efetiva sempre condiciona a comp reensão, mas de outro lado, o
comp reendido tem também luz p róp ria imp ulsionando a criação de novas conv icçõ es: a
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1
comp reensão p recisa ser um “fazer da p róp ria coisa, um fazer que o p ensamento padece” .
,
(GADAMER 2002, p . 461-464).
3. Serenidade (Gelassenheit) para que se dê o tempo da experiência estética.
Ap esar da filiação declarad a, a hermenêutica gad ameriana p arece ter a p retensão de
atenuar o lado mais obscuro do p ensamento de Heidegger e, d esse modo, colo cá-lo em
diálo go com outras vertentes do pensamento contemp orâneo. De fato, em alguns
momentos, Heidegger dá a imp ressão de caminhar em direção a um mutismo: para uma
maior aproximação do que é origin ário é p reciso sair do falatório, da cidad e e assim abrir-se
a um clamor que só p ode ser ouvido no silên cio. É o caminho do camp o e do isolamento.
“Tudo dep ende do fato da verdade do ser atin gir a linguagem e do p ensar consegu ir
esta lin guagem. Talvez a lin guagem exija muito menos a exp ressão p recipitada do que o
devido silêncio. Contudo, qual d e nós, contemp orâneos, quereria p retender que as suas
tentativas de p ensar estivessem familiarizadas na send a do silêncio ?”. (HEIDEGGER,
2005, p . 54).
A senda, a ferida é a diferença, que v ibra com mais vigor quando as vozes do dia-adia silen ciam e algo emerge e nos ch ama. R esp onderemos se p udermos ouvir. O falatório
da cid ade não deixa o silêncio surgir em sua rad icalidade e é, exatamente, no silên cio qu e o
Dasein pode ouvir o clamor p roveniente da estranheza, lugar das suas p ossibilidades mais
próp rias. A virada e o encontro consigo mesmo não surge de u ma descoberta cognitiva
simp lesmente, vem d e um deixar algo acordado, u ma tonalidade afetiva que já semp re
esteve lá, mas da qual o ser humano fo ge para p assatempo. Para isso é p reciso p restar
atenção no tempo, a experiência do tédio (Langweilig) que faz com que o temp o se mostre
em seu vigor.
A angústia retira a significância familiar do ente intramundano, este se mostra,
então, em sua mundan idade, na sua irrelev ância e imp otência d iante da angústia. Na não
significância abre-se a mundanid ade do mundo ele mesmo, das coisas com as quais nos
ocup amos e leva o Dasein a se-sentir-fora-de casa (DUBOIS, 2004). A diferença é algo que
se ap resenta aí, que se abre como um abismo. No segundo Heidegger isso se chama
abertura do ser. (GADAM ER, 2007, p . 67 e s).
A hermenêutica nos lembra que a fala é semp re eco, que somos condicionados,
exercitamos já d esde sempre u m p adrão de resp ostas. O grande ap rendizado,
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originariamente, não v em do discurso que, com suas armad ilhas, confund e e faz com que
esqueçamos do que está mais próximo, v em de u m ouvir, de um deixar-se afetar.
Não muito distante, mas com suas p eculiarid ades, Gad amer (2007) p õe acento no
novo que surge no d iálogo, n a cid ade e tamb ém na estética.
O novo está na conformação artística, que n ão corresp onde a uma construção
planificada p ela consciên cia intencion al; alcança sua formação a p artir de dentro - por esse
motivo Gadamer considera mais ap ropriada a exp ressão “conformação” (Gebild, que p ode
ser traduzido também co mo figura, configuração ou formação no sentido de educação)
artística, ao invés de “obra” de arte. A conformação está aí, como ela mesmo, quebrando
projetos de construção, antecipações e p rojeções de sentido. É p reciso semp re voltar mais
uma vez e d e modo renovado (olhar mais uma v ez p ara um quadro, ouvir de novo as
palavras do p oeta), atitude que deve ser comp reendida como um ato p ermissivo, de deixar a
configuração falar (GADAM ER, 1998, 84). Esta não p ode ser reduzida a um mero sup orte
de sentido ou veículo substituível e tende a desap arecer depois de realizada sua tarefa de
transmissão; mas de um mundo qu e carrega uma riqueza in esgotável.
A crítica se dirige a v iolên cia da redu ção à idéia, mas, p or outra via, quer escap ar do
risco de se p erder na pura imediatez. A continuidade no temp o faz p arte da experiência
estética, tratá-la como descontinuidade também exige um ato de abstração. O que faz
destacar a arte é o que se d iz com ela, o que ela nos record a, algo un iversal (para Aristóteles
1
o p oeta diz sempre como algo é semp re, como é em geral) . Há algo na obra qu e se colo ca
por cima de todas as condições em que se p resenteia e a faz p ermanecer com sua
cap acidade exp ressiva próp ria, p or mais diversos que sejam seus efeitos.
A p ergunta que se segue é: se a obra de arte é rep resentação, qual a natureza de tal
rep resentação, se esta não se reduz a transmissão e se não h á distinção entre rep resentante e
rep resentado?
Gadamer traz à baila a discussão sobre a natureza do símbolo, remetendo-nos ao
banquete de Platão e ao discurso de Aristófanes, para quem o amor é a união d e duas
25
metades antes sep aradas, cuja unid ade será reconstituída no reencontro . A metáfora
auxilia na exp licação da natureza do simbólico, comp reendido como comp lemento,
acréscimo de ser: “O simbólico não ap enas remete p ara a significação, mas torna-a
presente: ele representa significação” (GADAMER, 1985, p . 54-55).
25
P lato: Symposium. Oxford: Oxford University P ress (Digital Classics), 1995.P . 22.
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É a tese da indissociabilid ade entre rep resentado e rep resentado: não se trata de
substituição ou transmissão, o rep resentado ele próp rio se ap resenta na configuração
artística, como sua encarnação.
Mais tarde Gadamer (2002) mostrará que fato do ser da obra acontecer n a
rep resentação não é u ma p eculiarid ade d a arte, mas todo ente é uno com sua rep resentação,
é lin guagem que enuncia um sentido. As p alavras evocam, trazem algo à presença,
conformando com esse algo u ma unid ade.
Um jo go de luz e sombra estrutura-se a p artir da constituição p róp ria da p alavra qu e
distingue, mas ao mostrar as partes oculta a unidade originária e ind izível. A p alavra da
tradição da mesma maneira qu e esconde ilumin a, evidencia algo, é cap az de, sem enrijecerse numa visão totalizante, amp liar o horizonte (GADAM ER, 2002, p. 625).
A autêntica escuta da obra p ressup õe temp o. È necessário se p ermitir inundar p ela
exp eriên cia, deixar-se envolv er p or sua alteridade e fazê-lo de um modo, cada v ez,
diferente, na medid a em que a dinâmica do jogo se imp õe. Incap acidade p ara escuta tem a
ver com p ressa, com não se d ar temp o p ara o encontro, correria típ ica da cultura d a técnica
em que resp ostas p ré-fabricadas já estão dadas.
Não há um temp o ou um modo de relacionar-se co m a configuração já
estabelecidos, é preciso que d a exp eriência da arte nasça uma forma e um temp o p eculiar de
permanecer-se nela. Para Gad amer esse “demorar-se na exp eriência” se caracteriza p or não
se tornar monótono.
“A essência da experiência do tempo da arte é que aprendemos a deter-nos. Esta é
1
talvez a correspondência fin ita a nossa medida, do que se chama eternidade ”.
Do “demorar-se” na obra v em a n egatividad e da exp eriência d a arte, qu e remete ao
volume ines gotável da configuração, a riqueza de d imensões e referências sutis que surgem
de man eira diversa em cad a encontro. O volume não p ode ser comp reendido como mero
adereço, fun gív el, acessório em relação ao sentido da obra, deve ser tomado como u ma
dimensão exp eriencial da compreensão estética (GADAM ER, 2002, p . 405-418). Há aí um
movimento p ara além das p róprias antecip ações, que vai em direção ao imp revisível e à
novidade.
Este impulso p ara fora (ex-stático) p ermite a autêntica escuta - a p artir da co isa
mesma, de seus p róp rios referenciais - ao invés de obediência aos ditames da consciência.
A hermenêutica gadamerian a exige submissão à alteridade.
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E a verdadeira abertura ao outro, como na exp eriência da obra de arte, requ er
sensibilidad e. Imp lica o ab andono dos referenciais internos da consciência e admissão de
algo que não se p ode comp reender, um outro irredutível, radicalmente diferente. É “ir com
o outro” (que acontece na p rática de diversas maneiras, como ao ouvir uma música, p or
exemp lo), ainda que não h aja assentimento; é “exp erimentar o tu realmente co mo um tu”
nas relações humanas, é reconhecimento de que d evo estar disposto a deixar valer em mim
algo contra mim, a inda que não haja outro que o faça valer con tra mim” (GADAM ER,
2002, p . 471-472).
4. A senda dos direitos humanos: o sentido do humano que se dá na diferença.
Alcançamos então a possibilidade de falar em uma universalid ade de direitos
humanos a p artir da universalidade do fenô meno hermenêutico e do sentido mais p róp rio de
diferença. Heid egger d esconstrói o abismo que sep ara ética e ontolo gia ao relembrar a
origem grega das p alavras, em sua raiz Ética dizia meditar a habitação do homem.
“Aquele p ensar que p ensa a verdade do ser como o elemento p rimordial do homem
enquanto alguém que ex-siste, já é em si a Ética originária. Mas esse p ensar não é ap enas
Ética, p orque é Ontologia” (HEIDEGGER, 2005, p . 74).
A referencia ao hab itar, como um lugar onde simplesmente nos encontramos e
vivemos, desfaz a cisão clássica entre sujeito e objeto. Não somos unid ades de consciência
cap azes de reter e dominar objetos indep endentes, indo mais adiante, também não se p ode
comp reender a diferen ça co mo algo que está sep arado e diante de nós. Diferença n ão é algo
que fazemos, já estamos nela. Do mesmo modo, justiça é justiça com o acontecimento,
escuta de suas sutilezas. “Habitamos no habitual” (GADAMER, 2007, p . 45). No interior
do habitual está a lin gu agem e as coisas que nos fazem sentir em casa.
Derrida (2007), d e maneira semelhenate, fala de eticidade que reside n a p róp ria
desconstrução. A justiça derridiana segu e o rastro radicalmente emp irista de Levinas, é,
nesses termos, acontecimento, excede o p ensamento que calcula e antecip a. É a experiência
da alteridad e absoluta e cond ição d a história.
Contudo, Derrida (2007) sublinha que não há que simp lesmente se jogar fora um
sentido de justiça historicamente alcan çado:
“Esse excesso da justiça sobre o direito e sobre o cálculo, esse transbordamento do
inap resentável sobre o determinável, não p ode e n ão deve servir de álibi para ausentar-se
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das lutas jurídico p olíticas, no interior de uma instituição e de um Estado” (DERRIDA,
2007, p . 55).
Justiça é acolhimento da alterid ade, socialmente pode ser compreendida co mo
proteção de espaços para a exp ressão da diferen ça. Tal projeto envolv e um direito a
mobilid ade, a emergência da fluidez histórica ou, co mo p rop õe Derrida (2007), um direito a
memória.
O sentido de uma responsabilidade sem limites, portanto necessariamente
excessiva, incalculável, diante da memória: e, por conseguinte,a tarefa de
lembrar a história, a origem, o sentido, isto é, os limites dos conceitos de
justiça, de lei e de direito, dos valores, normas, prescrições que ali se
impuseram(...) a tarefa de uma memória histórica e interpretativa está no
cerne da desconstrução(...) é preciso ser justo com a justiça, e a primeira
justiça a fazer-lhe é ouvi-la, tentar compreeender de onde ela vem, o que
ela quer de nós, sabendo que ela o faz através dos idiomas singulares
(DERRIDA, 2007, p. 36-38).
Daí p odermos começar a falar no direito a escuta (uma escuta estética talvez, algo
bem diferente do p rocedimentalismo habermasiano) calcada na diferença ontológica e na
singularidad e human a.
Não só (mas sem negar p eremptoriamente essa hip ótese) recorrer exclusivamente a
procedimentos, a se p or diante de uma outra p essoa dentro de uma tradição rep etitiva que
manipula e d is-põe da alteridade, fazendo-a ap arecer como o mesmo. È p reciso constituir
esp aços para que a diferença possa aparecer como tal, em sua estranheza e radicalid ade, o
que não vai acontecer no ambiente europ eu, de intelectuais eloqüentes.
Nesse sentido, é p reciso travar um diálogo e uma negociação entre fato e d ireito. No
ambiente jurídico a “destruição” tem o sentido de harmonizar o direito com o temp o e
romp er com uma tradição tantas vezes diagnosticada de esquizofrênica.
5. Referências Bibliográficas
CORETH, Emerich. Questões Fundamentais de Hermenêutica. São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo, 1973.
DERRIDA, Jacques: Força de Lei. São Paulo: M artins Fontes, 2007.
DUBOIS, Christian. Heidegger: Introdução a uma leitura. Rio de Jan eiro: Jorge Zahar,
2004.
GADAMER, Hans-Georg. A Atualidade do Belo – A arte como jo go símbolo e festa. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985.
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____. En Conversación com Hans-Georg Gadamer – Hermenéutica, Estética, Filosofia
Práctica. M adrid: Editorial Tecnos, 1998.
____. Verdad e e M étodo I - Traços Fundamentais de uma Hermenêutica Filosófica .
Petróp olis: Vozes, 2002.
____. Verdad e e M étodo II – Comp lementos e Índice. Petrópolis: Vozes, 2002.
____. Hermenêutica em R etrosp ectiva – Heidegger em Retrosp ectiva. Petróp olis, Vozes,
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HEIDEGGER, Martin. Ser e Temp o - Parte I. Petróp olis: Vozes, 2000.
_____. Ensaios e Conferên cias . Petrópolis, Vozes, 2001.
_____. Carta sobre o Humanismo. São Paulo: Centauro, 2005.
____. Os Conceitos Fundamentais da M etafísica – M undo, Finitude, Solid ão. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003.
____. Seren idade. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
Plato: Symp osium. Oxford: Oxford University Press (Digital Classics), 1995.
RORTY, Richard. Ensaios sobre Heid egger e outros. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
1999.
RICOEUR, Paul. A M etáfora Viva. São Paulo, Loy ola: 2000.
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HUMANOS DA UFPB
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RETÓRIC A, PRAGMÁTIC A E DIREITOS HUMANOS : ENS AIO SOBRE A
RELEGITIMAÇ ÃO DA RETÓRICA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO
HOMEM
Narbal de M arsillac
26
Capítulo 1º - A Pragmática Lingüística e a Retórica
Observando a evidente falência do liberalismo tradicional e do neoliberalismo, do
conservadorismo tradicional e do neoconservadorismo, do pacifismo tradicional e
do neomilitarismo, do imperialismo tradicional e do neocolonialismo, das
diversas formas de comunismo e socialismo, nos encontramos em terreno estéril,
isento de qualquer teoria ou ideologia política aceitável capaz de mobilizar a
imaginação e as forças vitais da sociedade. Devemos começar de uma forma
muito modesta, mas ao mesmo tempo devemos discutir novas idéias,
esperançosamente num processo infinito de diálogo retórico (MANELI, 2004, p.
20).
1.1 – A Pragmática
A recente redignificação da Retórica 27 está intimamente relacionada ao p luralismo
de convicçõ es ideoló gicas que cada vez mais são obrigadas a coexistir, como defende
28
Maneli no trecho sup racitado, e à ascensão d a filosofia d a linguagem à filosofia p rimeira ,
e mais precisamente à chamada v iragem p ragmático-lin guística que consistiu em u ma
radicalização
29
da viragem lin güística (lingu istic turn) e que se diferencia da p rimeira p ela
concep ção p ragmática do fenômeno lin gu ístico. Sob esta nova p ersp ectiva, temas como a
concep ção rep resentacional da lin guagem, tão cara ao p rimeiro movimento, p assa a ser
revisitada e, com isto, a p róp ria p ostura essencialista e a-histórica tendem a desap arecer. O
significado d e um signo p assa a ser visto como o uso p rático e efetivo que se faz dele em
um dado contexto. Assim, não há significação p révia à contextualização; abandonando-se,
desta forma, uma concep ção tradicionalista e agostinian a
30
de lin guagem que a comp reende
desde semp re caracterizada como d esignativa e, neste sentido, secund ária no p rocesso de
conhecimento do mundo. Assim, o que se p rocura abran ger co m o termo pragmática são,
em geral, as teorias do uso lingüístico ou da lin gu agem ordinária qu e nascem como u ma
26
UFP B. E-mail: narbalmarsillac@ bol.com.br
SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma Ciência Pós-Moderna. Rio de Janeiro; Ed. Graal, 1989.
p.98
28
TUGENDHAT, E. Lições Introdutórias á Filosofia Analítica da Linguagem. Ijuí; Ed.Unijuí, 1992. p.37ss
29
OLIVEIRA, Manfredo. Reviravolta Lingüístico-Pragmática na Filosofia Contemporânea. São P aulo; Ed. Loyola, 2001.
p. 14
30
WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São Paulo; Ed. Abril Cultural, 1975. p. 13
27
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HUMANOS DA UFPB
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reação contra o p ositivismo lógico
31
e sua pretensão de fundar o conhecimento em uma
lin guagem artificial unívoca, como a matemática. Foi, no entanto, na definição de
pragmática de um dos princip ais rep resentantes desta p reocup ação com a univocidade da
lin guagem, Rudolf Carnap , que p odemos encontrar melhor sua p roximidade com o
fenômeno retórico, p orque ao defini-la como sendo a investigação na qual, diferentemente
32
da semântica e da sintática, se faz referência ao p articip ante ou usuário da linguagem ,
aquele p ensador p arece reconhecer que quando há p reocup ação com o usuário da fala, não
se trata, pois, de demonstrações lógico-formais de cunho meramente subsuntivo que seriam,
neste sentido, coercivas e op oníveis erga omnes indep endentemente dos ouvintes, mas de
argu mentação a p artir de p remissas não-univ ersais que caracterizam, neste sentido, o
raciocínio op inativo. Em outras p alavras, na p ragmática assim definida, o p roblema do
significado, fund amental na análise lin güística, passa a orbitar em torno dos usos
lin güísticos contextualizados.
1.2 – A Retórica
A lingu agem entendid a, assim, em seu caráter eminentemente p rático, age mais do
que diz, faz mais do que d escreve. Quando se usa a lin guagem, o falante mais do que
simp lesmente declarar algo, realiza. É a evocação d este caráter de efetividade da linguagem
comp reendida pragmaticamente que melhor corresponde, no trivium clássico, ao p ap el
reservado p ara a retórica. Porque se a gramática estava p reocup ada com a correição do
discurso e a ló gica co m sua v alid ade, era ela, a retórica, que deveria se p reocup ar com a
33
eficácia e a cap acidade efetiva de transformação do meio . Falar é fazer e retórica é usar da
lin guagem co mo meio de p ersuasão pacífica. Neste sentido, p artindo de uma p ersp ectiva
pragmática da lin guagem, retórica p ode ser entendida como um fazer fazer através da
lin guagem sem uso de força ou violência. Ou seja, parte-se do p rimado da eficácia do uso
efetivo da lin gu agem sobre a questão do significado dos vocábulos. No universo
lin güístico, a questão de saber onde e quando se ap lica essa arte ou técnica deve ser
resp ondida se se p rocurar onde e quando ela não é ap licada, uma vez que seu camp o de
aplicação p ossível é imenso. Há ap enas duas exceções: quando há evidência entendida e
aceita como tal p elos p articip antes do discurso, e, p ortanto, demonstra-se e não se
31
LEVINSON, Stephen. P ragmática. Trad. Luis Carlos Borges. São P aulo; Ed. Martins Fontes, 2007. p. 13
CARNAP, R. Foundation of logic and mathematics. In. International Encyclopedia of Unified Science, vol.1, 1938. p.2.
Ver també mdo mes mo autor: On some concepts ofpragmatics. Philosophical Studies, 6, 89-91, 1955
33
P ERELMAN. Retóricas. Trad. Maria Ermantina Galvão G. P ereira. São P aulo; Ed. Martins Fontes,1 999. p. 86
32
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34
argu menta, ou quando há imposição arb itrária e violenta de uma tese . Mas essas duas
situações são raríssimas. O uso desta arte, assim, está diretamente associado à controvérsia,
mesmo que enqu anto mera p ossibilidade p revista p elo orador. Desde d iscussões
parlamentares sobre p rojetos de lei a serem votados, p rocessos judiciais a serem julgados,
debates sobre decisões admin istrativas a serem tomadas em qualquer esfera, a situações
35
cotidianas, a retórica se faz onip resente . Por essa mesma razão, o direito, p ensado p elo
viés retórico, é essencialmente democrático p ela necessária consideração p or aqueles a
quem serão end ereçados os discursos, uma vez que não há evidên cia nem violência; assim,
o falante p assa a dep ender da anuência do ouv inte, o que coaduna com a definição de
lin guagem p ragmática de C arnap , como foi dito.
O papel da retórica se torna indispensável numa concepção de direito menos
autoritária e mais democrática, quando os juristas insistem sobre a importância da
paz judiciária, sobre a idéia de que o direito não deve ser somente obedecido, mas
reconhecido, que ele será, aliás, tanto mais bem observado quanto mais
largamente for aceito (Op. Cit. 1982. p. 238).
Capítulo 2º - A Retórica e os Direitos Humanos
2.1 – A Retórica e o advento da Jurisdição e da Democracia
Isso fica mais claro revendo o p rocesso de substituição da força p ela razão na
formação d as sociedad es humanas que p aulatinamente gera a legitimação das diferentes
abordagens de um mesmo fato, marcada p elo surgimento da jurisdição e abandono da
36
chamad a autotutela , que d eu azo ao emb asamento retórico do p rocesso de comp osição do
conflito de interesses, p orque antes estes eram marcados p ela inexistência de ju iz
indep endente das p artes e p ela imp ossibilidade de equ ip aração entre as versões
apresentadas, o que possibilitava a imp osição p ela força de uma d as interpretações
possíveis do mesmo fato, no caso, aquela que mais favorecia o p leito do mais forte.
Significa dizer que a figura dos rectores surge n a antiguidad e diretamente vin culad a
à racion alização do p rocesso jurisdicional e, p ortanto, ao decréscimo da imp osição e da
violência como formas naturais d e controle social. Daí Alexy , na esteira p erelmaniana,
37
vincular a teoria d a argumentação jurídica à d emocracia em qualquer uma d e suas formas .
34
P ERELMAN. Rhetorische Rechtstheorie, Festschrift für Theodor Viehweg, Alber, Friburgo, 1982. p.237-245
P ERELMAN. Império Retórico. Trad. Fernando Trindade e Rui Alexandre Grácio. P orto; Ed. Asa, 1993
36
P ELLEGRINI et alii. Teoria Geral do Processo. São P aulo; Ed. Malheiros, 1992. p.20
37
ALEXY, Robert. Teoria del Discurso y Derechos Humanos. Colômbia; Universidade Externado de Colômbia, 1995
35
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Imp orta, assim, institucionalizar a argumentação ou retoricizar as instituições de tal forma
que o n ível de demo cratização d e uma n ação p assaria a ficar diretamente relacionado ao
tanto de retoricidade que espelham. Princípios do contraditório, da ampla defesa e do
devido processo legal; tribunais constitucionais, órgãos de defesa dos direitos das minorias
ou dos mais fragilizados, tais como crian ças, idosos, consumidores, p op ulações indígenas;
além do imp ortante p apel do ministério p úblico e d a defensoria p ública, etc, são todos bons
exemp los do processo, longevo e lento, de retoricização de uma sociedade e, p or
consegu inte, de sua democratização, porque criam, assim, esp aço e op ortunidade para que
diferentes abordagens fáticas disp utem, em igualdade de forças e pacificamente, a d efesa
das melhores razões. Ou seja, reconhece-se primeiramente qu e a exp osição que se faz de
fatos nunca é imp arcial ou inocente 38, mas comp rometida com a qualificação que se quer
dar em virtude dos interesses p erseguidos. Esses diversos delineamentos p ossíveis dos
mesmos fatos, na medida em que não esgotam, em tese, a p róp ria faticidade, comp etem
entre si a p lausibilidad e de seus diferentes emolduramentos.
Na própria medida em que não é formal, toda argumentação retórica im plica a
ambigüidade e a confusão dos termos em que se baseia. Essa ambigüidade pode
ser reduzida à medida que nos aproximamos do raciocínio formal. Mas, por não
redundar numa linguagem artificial, tal como pode resultar do acordo de um
grupo de cientistas especializados numa determinada ciência, a ambigüidade
sempre subsistirá. A própria condição da argumentação coerciva é a univocidade,
enquanto a argumentação social, jurídica, política, filosófica, não pode eliminar
toda ambigüida de (Op. Cit. 1999. p.81).
Ou ainda, continua Perelman em uma outra obra:
Quando a tese que se quer defender é evidente, e quando esta evidência se impõe
a todo espírito atento, não há espaço para argumentar: assim que a verdade se
impõe de maneira coerciva, quando a evidência não deixa nenhuma liberdade de
escolha à vontade, toda retórica é supérflua (PERELMAN, 1990, p. 207).
2.2 – Apodicticidad e ou Dialeticidade dos Direitos Humanos?
Portanto, há que se esclarecer primeiramente qual o âmb ito em qu e se dá a reflexão
sobre os direitos fundamentais do homem, o da ap odicticidade ou o da d ialeticidade. Se a
resp osta for o p rimeiro, ou seja, que seria p ossível entrever premissas evidentes ou
evidenciáveis, necessárias e un iversais, que p oderiam servir d e fundamento p ara esses
38
GHIRARDI, Olsen. La Retórica y la Dialética en el Razonamiento Forense. Bogotá; Ed. Academia Colombiana de
Jurisprudência, 2001. p.8
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direitos, não haveria, p ois, esp aço para o fenômeno da retoricidad e. Este começa a
desap arecer na medid a mesma em que há a redu ção do esp ectro de resultados p ossíveis de
um raciocínio, gerando a p ossibilidade de sua imp osição aos eventuais recalcitrantes. M as
pelo contrário, se a resp osta for o segundo, o âmbito da dialeticid ade, isto é, que as
premissas de onde p arte o discurso fundante desses direitos varia de acordo com os
auditórios, contextos, p ráticas efetivas do discurso, seus resultados nunca são
absolutamente imp ositivos, mas fruto de uma maior razoabilidade intersubjetivamente
aferida. Neste caso, a retórica, enquanto raciocín io dialético co mo queria Aristóteles
39
se
configura como a maior aliad a na defesa d esses direitos, sem p recisar, p ara tal, desresp eitar
esses mesmos direitos. Isso p orque, na p rática, em nome dos direitos humanos pensados
segundo raciocín ios ap odícticos, Estados, com maior poderio bélico, p odem mais
facilmente se arvorar a si mesmos co mo defensores da “moralidade do mundo”, e
desqualificar ou retirar o atributo de razoabilidade de outras tantas formas de p ercep ção
moral distintas, advindas de culturas distintas, p ara, então, intervir, muitas vezes de forma
violenta e com intuitos nem semp re humanitários, na vida p olítica de outros Estados.
Significa dizer que, em nome dos direitos humanos se desresp eita os próp rios direitos
humanos. Partindo de uma postura retórica ou p olêmica ou dialética desses mesmos
direitos, com exceção de alguns p oucos casos40 que exigiram solução imediata, justamente
por se reconhecer o p luralismo das percep ções morais desde o início, conclui-se qu e o
projeto de imp lementação e promoção dos direitos fundamentais fica dependente de um
esforço prévio, contínuo, p ersuasivo e, sobretudo, p acífico das p olíticas internacionais. Em
uma única p alavra, um esforço retórico.
Na esteira do que foi dito até aqui, se uma concep ção não-retórica do direito, como
as teorias p ositivistas ou naturalistas, p revalece, a grande vantagem ap arente é a certeza,
objetividade e garantia que p odem ser construídas a partir dela, mas o p reço que se p aga é
muito alto, p orque no âmbito da concretude das relações humanas o que se tem é a
controvérsia, a ambigüidade e o p luralismo de convicçõ es que se legitimam igu almente no
seio das sociedades
41
através do p rocesso de ap resentação e ap reciação recíp roca dos
39
ARISTÓTELES. Órganon. Livro I. Trad. Edson Bini. Bauru; Edipro, 2005. p.348
JONES, Bruce. Intervention without borders: humanitarian intervention in Rwanda, 1990-1994. Millenium, v.24, n 2,
p.225-249, 1995. p.228. Ver também Régis, André. Intervenções nem sempre Humanitárias. João P essoa. Ed.
Universitária da UFPB, 2006 e Rodrigues, Simone. Segurança Internacional e Direitos Humanos: a Prática da Intervenção
Humanitária no P ós-Guerra Fria.
41
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea.
Rio de Janeiro; Ed: Lumem Júris, 2004
40
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fundamentos das teses postuladas. As decisões tomadas p or quem está no p oder não p odem
tomar rumo diverso à naturalid ade do processo lin güístico de p onderação mútua das razões,
aqui ch amado de retoricid ade, e se configurarem co mo desarrazoadas ou infundadas,
desp rovidas, enfim, de sustentação em razões, sob p ena de minar, com o temp o, o p róp rio
42
poder . Significa dizer qu e a constituição de poder legítimo, em socied ade, está
diretamente relacion ada à sup ressão do que seria considerado arbitrário ou abusivo, criando
condições necessárias p ara a dialogicid ade. Caso contrário, tal p oder, cada vez mais
rejeitado, p recisaria se imp or, cada vez mais, p ela coerção violenta e monoló gica. Ou, em
outras p alavras, contra a op osição e resistência se contrap õe a arbitrariedade da imp osição
num círculo vicioso que tem seu início em toda e qualqu er p retensão moral, ética, juríd ica e
política à univocidad e, imp ossibilitando o referido fenômeno da retoricidade; gerando,
muito diferentemente do que se esp erava, vio lentos desresp eitos ao direito mais
fundamental do homem que é ser considerado semp re como u m interlocutor razoável. Ou
seja, na ânsia d e defender até ao extremo e inelutavelmente os d ireitos humanos p ostula-se,
para tal, fundamentos absolutos ou ap riorísticos que p assam a servir de justificativa
racional para a imp osição desses direitos a p ovos de culturas e p ercepções muito distintas, o
que agrava, mais do que ajuda, a situação de desrespeito desses direitos porque passam a
ser impostos coercivamente, diminuindo radicalmente as chan ces de constituição mundial
de uma sociedade d e mentes livres e resp onsáveis, cap azes p or si mesmas, na medida em
que tratadas como seres de razão, de abrir mão d e toda forma de vio lência e sup ressão da
dign idade humana. Contra a resistência cada vez maior desses p ovos, ou grup os ou
minorias se op õe a imposição cada v ez mais violenta e indigna. É a morte do diálo go e,
com ela, da p róp ria retórica e da esp erança de se construir p acificamente um mundo
melhor.
Capítulo 3º - A Fundamentação Retórica dos Direitos Humanos e sua Interpretação
Concretista
3.1 – Da Prevalência da Dialogicidade N egocia l sobre os Fundamentos Absolutos
Delineia-se assim, p ois, extremos que em nada ajudam na temática dos direitos
humanos e de sua legitimação internacional, p orque ora são tomados como justificados
absolutamente ora como infundados, fazendo a p roblemática de sua fundamentação oscilar
42
P ERELMAN. Op. Cit. 1982. p. 239
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43
entre um absolutismo e um ceticismo . A p rop osta é p ensar em fundamentos situacionais,
retoricamente nego ciados, qu e tem a sua validade vigente enqu anto não for suficientemente
contestado, análogos aos p rincíp ios que fundam as ciências naturais contemp orâneas que
não se pautam mais nas certezas e incorrigib ilid ade de seus p ontos de p artida44, mas
reconhecem a p rovisoriedade de suas verdades. O que mantêm a porta sempre aberta p ara
eventuais controvérsias futuras e imp ede que se almeje a irresoluta subordinação p ela força
de todos que p ensam diferentemente da corrente hegemônica.
A busca de um fundamento absoluto deve ceder a prioridade a uma dialética, na
qual os princípios que se elaboram para sistematizar e hierarquizar os direitos
humanos, tal como são concebidos, são constantemente cotejadas com a
experiência moral, com as reações de nossa consciência. A solução dos
problemas suscitados por esse cotejo não será nem evidente nem arbitrária: será
dada graças a um posicionamento do teórico, que resultará de uma decisão
pessoal, apresentada, porém, como válida para todas as mentes razoáveis. Essa
decisão, não sendo mera conformidade à evidência e não se apresentando como
infalível, não se arrisca a fornecer um fundamento a um despotismo esclarecido,
que escapa a qualquer controle e a qualquer crítica (Op. Cit. 1966. p. 16).
O p erigo, p ortanto, de se p retender ter fundamentos definitivos para os direitos
humanos é, como diz Perelman, a formação de u m despotismo esclarecido que, aind a que
bem intencionado, p ode ser usado por alguns p ara fins desumanos p orque p retende se
imp or p ela força contra todos os que resistem, autorizando os d eten tores do pod er a impor
suas visões e a suprimir toda opinião contrária, que supostamente expressam um erro
45
intolerável . Assim, na p ersp ectiva retórica desses direitos, reconhece-se a limitação de
seus alicerces inviabilizando, ao menos teoricamente, que o desrespeito seja levado a cabo
pelo p róp rio poder incubido de p rotegê-los. No entanto, se são reconh ecidamente
imp erfeitos, p or um lado, tais fundamentos são aperfeiçoáveis no decurso d a história
através das contribuições cada v ez mais razoáveis dos d iferentes interlocutores e d e suas
diferentes p erspectivas de mundo. Daí a importância de se ter, no p lano internacional e
doméstico, instituições sólidas comp rometidas com a manutenção do resp eito ao dever
moral, ético e juríd ico mais fundamental do diálo go. Um bom exemplo disso p arece ter sido
43
P ERELMAN. Le fondement dês droits de l´homme. Acte. Florença, La Nuova Itália, 1966. p.10-17..
P RIGOGINE, Ilya. O Fim das Certezas: Tempo, Caos e as Leis da Natureza. Trad. Roberto Leal Ferreira. São P aulo:
Ed. Unesp, 1996. “toda teoria se funda em conceitos físicos associados a idealizações que tornam possível a formulação
matemática dessas teorias; é por isso que nenhum conceito físico é suficientemente definido sem que sejam conhecidos os
limites de sua validade, limites que provêm das próprias idealizações que o fundamentam...A consideração desses
conceitos leva a uma nova formulação das leis da natureza, uma formulação que não mais se assenta em certezas, como
as leis deterministas, mas avança sobre possibilidades”. P.31
45
Idem. P .17
44
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71
a Conferência Mundial de Viena de 1993 ond e, ap esar de ter-se ch egado a um acordo sobre
a universalidad e e indivisibilidad e dos Direitos Humanos, ficou igualmente claro a
necessidade de consideração p elas especificid ades nacionais, region ais, h istóricas, culturais
e religiosas dos povos (art.5º)
A grande controvérsia de Viena se desenvolveu ao redor da questão da
diversidade que tornaria os princípios de direitos humanos não aplicáveis ou
relativos, segundo os diferentes padrões culturais e religiosos. Apesar das
resistências flagrantes à noção de universalidade dos direitos humanos, o
primeiro artigo da Declaração de Viena afirma que "a natureza universal de tais
direitos não admite dúvidas". A controvérsia ressurgiria em Cairo, Copenhague e
Beijing. Entretanto a definição de 1993 permaneceria como referência
inegociável nestes novos contextos de debate e negociação46 .
Outra conclusão imp ortante desta conferência foi o vín culo estabelecido entre o
resp eito efetivo p or esses direitos e a democracia que p assam, assim, a ser considerados
oficialmente co mo interdep endentes, reforçando-se mutuamente (art. 8º). A legitimid ade
dos resultados dessa Conferência e das similares que se seguiram está diretamente
relacionada com a atenção p restada e a efetiva p articip ação de representantes de povos e
culturas não-ocidentais. As diferentes p ersp ectivas ap enas enriqueceram o debate e
provaram que há aind a mu ito a se fazer neste p rocesso de internacionalização d as garantias
de um mínimo dev ido a todos. O p luralismo de concep ções quando irremed iavelmente
diagnosticado conduz a u ma maior tolerância e exige a descentralização crescente do p oder
que p assa a ficar dep endente de p rocessos contínuos de legitimação. Sem estes, como se viu
aqui, ele só p oderia ser mantido p ela força.
3.2 – A Interpretação Con cretista e a Necessidade de Ampliação dos Intérpretes
Além da necessária descentralização e relativização das soberanias dos estados, a
comp leta democratização v inculada aos d ireitos fundamentais fica também dep endente da
hermenêutica ou metodolo gia interp retativa dos documentos internacionais p rotetores de
tais direitos. Ela p recisaria ser variável a p onto de p rivilegiar os contextos práticos onde se
dá a p róp ria interp retação, considerando que sem estes ela não seria p ossível. Daí se ter
falado aqui d a lin guagem p ragmática situacional, ou seja, que tem semp re em conta que o
falante fala com o ouvinte. Neste sentido, toda interp retação desses textos que se efetiva
46
Disponível em: www.dhnet.org.br/direitos/anthist/viena/viena. Acesso em: 20/08/07
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desconectada das situações concretas do uso da lin guagem é vista ou tende a ser v ista como
monoló gica, impositiva, ideoló gica e antiretórica. Porque p arte de uma concep ção sintáticosemântica e referencial d a linguagem. Asp irando primeiramente a elaborar constatações
que independem do camp o situacional, tem a p retensão de descrever d e forma isenta uma
imagem fiel do mundo que nos cerca. Bem diferente disso, a viragem p ragmática obriga a
tomar em conta a lingu agem enqu anto diálo go. Instaura-se, desta forma, uma p olítica nãoimp ositiva que desconstitui o caráter autoritário das decisões p ela instauração da necessária
dialo gicidad e próp ria de uma hermenêutica democrática p or se deixar p autar p ela
pluralidade dos d iversos p rojetos que abriga oriundos de d iversos interesses dos div ersos
setores de uma mesma sociedade plural. Assim, se a interp retação não p ode se dar
indep endente de contextos e estes não p odem, p or sua vez, p rescindir das p essoas, a
hermenêutica democrática de cunho p ragmático-retórico, não p ode estar mais p re-ocup ada
em desvelar essências ou sentidos p ré-existentes, ou mesmo, verdadeiras interpretações,
porque passam a dep ender agora dos lugares, das p essoas, das relações concretas que
existem entre elas, etc. Os intérp retes esp ecialistas não serão os únicos d etentores da
interp retação legítima. A p rop osta é a amp liação dos p articip antes do processo
interp retativo dos documentos que p rotegem os d ireitos fundamentais a todos os cidad ãos e
grup os, a todas as instituições e órgãos estatais, não havendo limites de intérp retes47. O que
é assegurado p ela consideração da cond ição inafastável d e interlocutor razoável, enqu anto
direito humano mais fundamental que d á à interp retação desses textos um cunho
democrático qu e talvez jamais tenha tido.
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DIREITOS HUMANOS : uma aproximação sócio-histórica
Núbia dos Reis Ramos
48
Introdução
Esse trabalho busca analisar os direitos humanos numa perspectiva sóciohistórica, identificando os condicionantes normativos, políticos e filosóficos que
fundamentam discursos e práticas, validando-o como instrumento de emancipação do
homem nos espaços sociais democráticos.
A idéia central de que os seres humanos têm liberdade e direitos fundamentais
que lhes são inerentes não é um princípio recente. Ela faz parte da história do
desenvolvimento da própria condição humana no processo civilizatório e de seu
desenvolvimento em diversos modelos e ciclos econômicos, políticos e culturais no
Ocidente. Em cada uma das fases desse desenvolvimento, os direitos do homem foram
sendo definidos e incorporados, primeiro ao nível das idéias políticas e, em seguida, no
plano jurídico, como a expressão de um sistema normativo do direito positivo
individual e coletivo, nacional e internacional (LEAL, 2000).
Os direitos humanos formam um corpo de princípios morais que estruturam o
Direito institucionalizado, na criação de leis e normas que regulamentam a vida em
sociedade e as relações entre os homens, além de garantir os princípios da igualdade e
dignidade do ser humano. Por fornecerem os subsídios às normas jurídicas positivadas
nas instituições do Estado nacional, os direitos humanos são os elementos originários de
todo valor moral tornado valor político e social através das leis. Por sua natureza, esses
direitos caracterizam os valores da comunidade universal dos homens e são os
princípios próprios desta comunidade, transcendendo, enquanto tal, as particularidades
das formas como eles se apresentam na constituição jurídica de cada nação, orientando
os próprios direitos fundamentais. Portanto, os direitos humanos, como princípios
orientadores das instituições sociais e substrato das leis específicas de cada
48
P rofessora Assistente do departamento de Ciências Humanas e Tecnologias, Campus XVII, Universidade do Estado da
Bahia - UNEB e pesquisadora associada do Núcleo de Estudos sobre Poder e Organizações locais - NEP OL, Universidade
Federal da Bahia.
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comunidade, ocupam um espaço ético e discursivo na cultura política moderna.
Impregnam o ethos de uma nação com os elementos que dão sentido à validade moral
da norma, à confiabilidade da lei, à solidariedade com o próximo e ao próprio caráter da
inserção do indivíduo no seu ambiente social (LANIADO & RAMOS, 2003).
1. Bases Filosóficas dos Direitos do Homem: Jusnaturalismo e Direito Positivo
As p rofundas transformações econômicas e cu lturais em p rocesso desde a Idad e
Média deram, no início da era moderna, origem ao sujeito de direito. A ele estão vinculados
dois p aradigmas do p ensamento jurídico ap resentados freqüentemente co mo antagônicos: o
jusnaturalismo ou d ireito natural e o positivismo jurídico. O p rimeiro p aradigma informa
que o direito humano é u ma prerrogativa d e todos os seres, ligado à p róp ria origem da
humanidad e. Prop õe que a legitimação das leis e sua v alid ade moral ocorrem a partir de
idéia de justiça baseada n a existência de um d ireito natural, cujas diretrizes devem ser
descobertas p or meio da razão. O segundo paradigma não tem p retensões de validação
moral d as normas legais, mas sim de ord enamento racional de u m corp o de leis capazes de
lidar co m os fatos emp íricos do fenômeno jurídico (SOUSA, 2001).
49
Na história da filosofia jurídico-p olítica Ocidental, o direito natural
ap resentou e
ainda apresenta vertentes de reflexões mu ito variadas e diferenciadas entre si, que não
permitem atribuir-lhe univocidade. Entretanto, de acordo Lafer (2001), é p ossível destacar
alguns de seus asp ectos fundamentais. Em sua versão cosmológica, o direito natural
fundamenta-se em p roposições de uma justiça moral, a qual dev em submeter-se todos os
homens e Estados. Em sua versão teológica, ap resenta-se como uma lei estabelecida p or
vontade da divindade e p or esta revelada aos homens. Por último, em sua versão
antrop ológica este seria uma lei ditada p ela razão, esp ecífica, p ortanto, do homem que a
encontra automaticamente dentro de si.
Destaca ainda o autor, que estão p resentes no paradigma do direito natural a idéia d e
imutabilidad e que corresp onde a p rincíp ios que escap am à história e, p or isso, p odem ser
vistos como intemp orais; a idéia de universalidade que diz resp eito a p rincíp ios comuns a
todos e a idéia de que a função do direito não é comandar, mas sim qualificar como boa e
justa uma conduta. Nesse sentido, é p ossível observar que essa qualificação dos p rincíp ios
do direito natural p romove uma vinculação entre norma e valor e, p ortanto, uma
49
Por razões metodológicas, que não cabem ser explicadas aqui, e seguindo uma indicação de Lafer (2001), só será
utilizado o termo jusnaturalismo para designar o direito natural a partir dos acontecimentos nos século XVII e XVIII.
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permanente ap roximação entre Direito e moral. Embora tais concep ções p reservem entre si
uma heterogeneid ade, ressalta-se que amb as p artilham a idéia co mum de um sistema de
normas logicamente anteriores e eticamente sup eriores às do Estado (Direito Positivo) que
seria universais, ligado à p róp ria origem d a human idade.
Revolvendo os antecedentes jurídico-filosóficos do direito natural, tomando-se
como recorte histórico à Grécia Antiga, tem-se co mo marco referen cial o mito de
50
Antígona . Conta o mito, que Antígona se recusou a obedecer às ord ens do rei, que a
proibiu de enterrar seu irmão Polínices, afirmando serem elas ordens da autoridade p olítica
não p odendo estas se sobrep or às leis eternas, às leis d e Deus. Nesta p assagem, segundo
Lafer (2001), Aristóteles observa que a lei comum – conforme a n atureza – transcende a lei
particular – conforme as normas e leis – p or esta ser justa p or natureza. Essa dicotomia
entre lei comu m e lei particular sustentou e alimentou, durante séculos, a reflexão meta
jurídica na civ ilização ocidental: Direito Natural X Direito Positivo (BOBBIO, 1992;
LAFER, 2001).
Na Idade M édia, a doutrina do direito natural se identificava com a lei revelada p or
Deus aos homens, ap reendida através da razão e tem como seu p rincip al rep resentante São
Tomás de Aquino, cuja obra é consid erada a base do d ireito natural defendida p elos
católicos. Na era moderna, o direito natural assumiu, p rincip almente no século XVIII,
características profundamente laicas e, no camp o p olítico, bastante liberal. Verifica-se a
proeminência do asp ecto subjetivo do direito natural, ou seja, os direitos inatos, relegando o
asp ecto objetivo, o da norma. Esse tip o de p rop osição moldou p rofundamente as doutrinas
políticas de tendência ind ividualista e lib eral (BOBBIO, 1992).
O jusnaturalismo moderno, como observa Lafer (2001), buscou resp onder ao
descolamento do objeto de pensamento, da natureza p ara o homem, que caracteriza a
modernidad e. A idéia de qu e “o direito natural” é a fonte de todo direito, aos p oucos, foi
sendo desenvolvid a e p arado xalmente corroída p elos p rocessos históricos que caracterizam
a exp eriência jurídica a p artir do ap arecimento do Estado M oderno. Neste contexto, surgem
os p ensadores Hobbes, Locke e Rousseau, comumente chamados de contratualistas, com
suas teorias sobre a constituição do Estado. Para eles, cada u m a sua man eira, o surgimento
do Estado é p recedido, hip oteticamente, p or uma ép oca em que os homens, sup ostamente,
teriam vivido no “estado de natureza”. Foi p or meio do contrato social, firmado entre
50
P ersonagem da peça homônima de Sófocles.
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soberano e o ho mem comu m, que teria surgido o Estado p oliticamente organizado e dotado
de autoridade, a fim d e que os direitos naturais de cada indiv íduo fossem p or ele tutelados e
garantidos.
Outrossim, o ideal jusnaturalístico do século XVIII e a conjunção de fatores,
econômicos e políticos tiveram assaz resultados políticos, insp irando a Declaração da
Indep endência dos Estados Unidos da América (1776) e a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cid adão (1789), onde se p roclamava como “direitos naturais” a liberdad e, a
igu aldad e entre os homens co mo p rincíp io de justiça, ancorado no velho recurso à ord em
natural.
Embora tenha insp irado as Declarações americana e francesa, o jusnaturalis mo
moderno foi ao lon go do temp o sofrendo uma gradu al dissolução da un idade d e seu
paradigma. Isso ocorreu, marcadamente, p elo surgimento da reflexão filosófica de cunho
ilumin ista que rechaçava as concepções teológicas vinculadas ao Direito, em qu e a
afirmação dos conceitos de soberan ia e razão-de-Estado e a Reforma Protestante levaram à
sep aração entre Direito e Teologia e à busca de um fund amento para o direito que fosse
válido indep endente da discussão sobre Deus. Era p reciso encontrar um fundamento
autônomo e laico p ara o Direito, com características que pudessem ser reconhecidas p or
todos os homens. No p lano interno, o ap elo à razão natural tinha como meta, n a elaboração
contratualistas, chegar a uma justificação do Estado e do Direito, que en contra a sua base
na ação dos homens, não no p oder irresistível de Deus (BOBBIO, 1992; SOUSA, 2001).
Nesse novo contexto, os p ostulados jusnaturalistas se mostraram insuficientes na
garantia dos p rincíp ios da igualdade, d a liberd ade e solidariedade p ara todos. É nesse
momento que surge a positivação do direito, enquanto instrumento criado e gerido p elo
Estado baseado no uso d a razão e co mo reflexo do desenvolvimento histórico da p róp ria
sociedade. Daí, a origem do pressup osto moderno do Estado como fonte central de todo
direito e a lei co mo sua única exp ressão.
2. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos
À luz de uma p ersp ectiva histórica, Leal (2000) observ a qu e desde os hebreus, co m
sua visão de cosmos e a religião monoteísta, é p ossível identificar uma certa p rimazia d ada
ao tema dos direitos da p essoa humana. Na cultura grega, embora com algumas ressalvas,
pode-se encontrar uma concep ção de existência voltada p ara um humanismo marcado p ela
racionalidad e, envo lvendo o ser humano como centro da sociabilidad e nas comunas. O
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Cristianismo, instituindo os p rincípios de iguald ade e fraternidad e, estabelece u ma
verdadeira rup tura com o modelo de sociedade existente, p ostulando a inexistência de
diferenças entre senhor e escravos e as razões que a justifiquem a exp loração do segundo
pelo p rimeiro, tanto no plano moral como no econômico.
Num salto temporal histórico arbitrário, observa-se que os direitos do homem na
sociedade modern a, consagrados p ela Declaração Universal dos Direitos Humanos foram
profundamente influenciados p elas Declaraçõ es burguesas: Independência dos Estados
Unidos da América e a Direitos do Homem e do Cidadão. De acordo com Arendt (1990), os
direitos consagrados mediante os p rincíp ios da p rofessados pela Declaração fran cesa foram
concebidos p ara assegurar os direitos positivos fundamentais inerentes à natureza humana.
Salienta, que esses direitos não diziam respeito ao status p olítico do individuo e não
assegurava p ropriamente os direitos à liberdade e à cidadania. Destarte, a autora destaca
que a referida declaração:
[...] estabelecia uma distinção entre, p or um lado, os direitos do
homem e, p or outro, os direitos do cidadão. O homem é colo cado
como alguém fora d a sociedade, ei qu e p reexiste a ela. No que
tange ao cid adão, ele se encontra exatamente no centro da
Sociedade e sob a autoridade do estado (p . 37).
Numa p ersp ectiva semelhante, Piovesan (2000) ambas Declarações consagrav am a
ótica contratualistas liberal, segundo a qual os direitos humanos se reduziam aos direitos à
liberdad e, segurança e prop riedade, comp lementados pela resistência à op ressão.
Entretanto, somente em meados do século XX, em decorrên cia das atrocid ades
cometidas na Segund a Guerra M undial, os direitos humanos vieram a tornar-se objeto
próp rio de uma regulação internacional. Assim, com a emergência da necessidade de
reconstrução do valor dos direitos humanos como p aradigma e referencial ético a orientar a
ordem internacion al e com a crença de que as violações ocorridas p oderiam ser p revenidas
foi criado o sistema de proteção internacion al de d ireitos humanos. Nesse sentido, em 1948,
foi adotada p ela Assembléia Geral das Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Cabe salientar, que a Declaração, em si mesma, não apresenta força jurídica
obrigatória (lei). Não é um tratado e sim uma resolução que funciona como um código
comum de conduta qu e visa p romover a d efesa e p roteção dos direitos humanos em âmb ito
mundial (PIO VESAN, 2000).
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A concepção moderna de direitos humanos, ao consagrar direitos civis e p olíticos e
direitos econômicos, sociais e cu lturais associados à cidad ania, tenta combinar o valor da
liberdad e e d a igualdade, enfatizando a necessidade d a articu lação desses valores nu ma
persp ectiva universal e indivisív el. Assim, partido-se dessa ap roximação entre direitos
humanos e cid adania classifica-se os direitos humanos em três gerações de direitos
mutuamente comp lementares.
Os direitos da p rimeira geração correspondem aos direitos relativos à cidadania civil
e p olítica, fundamentados na liberdade. São exercidos individu almente – no p rimeiro caso
– e coletivamente via organ ismos de rep resentação social, p arlamentos e p artidos, além do
direito à livre associação – no segundo caso. Os da segunda geração corresp ondem à
cidadan ia social, econômica e cu ltural. Dizem resp eito ao atendimento das necessidades
básicas do ser humano como trabalho, alimentação, habitação, saúde, educação, lazer, etc.,
e traduzem, p or sua vez, o valor da igualdade. Os direitos de terceira geração são os
relativos à cidad ania “p ós-material”, mais conhecidos como os direitos difusos.
Caracterizam-se p elo direito à qu alidade d e vid a, à p roteção do patrimônio h istórico, à
diversidade cu ltural e ambiental, ao reconh ecimento da diferença e da subjetividad e. Em
fim, a tudo que diz resp eito às atividades e v alores humanos, que traduzem o valor da
solidariedade (PIOVESAN, 1998; FARIA, 1997).
Bobbio (1992) assinala qu e desde a sua p rimeira ap arição no p ensamento p olítico
dos séculos XVII e XVIII, a doutrina dos direitos do homem avançou muito, embora
permaneçam os conflitos, confrontações e limitaçõ es que não estão relacionados apenas às
questões legais, mas, e, p rincipalmente, à crise da sociedade democrática lib eral que não
consegu iu cumprir sua promessa de iguald ade e lib erdade. Sin aliza que foram p ercorridas
várias etap as da história da afirmação dos direitos do homem, em relação às quais já não é
possível retroceder tão facilmente.
A p rimeira, de grande imp ortância, que transformou uma aspiração ideal secular em
direito concreto, em um d ireito p úblico subjetivo, ainda que no restrito âmbito de u ma
nação, foi a sua constitucionalização através das declarações dos Direitos inseridos nas
constituições dos p aíses, como d ireitos fundamentais. Desse modo os direitos do homem
passaram de direitos naturais p ara direitos p ositivados.
A segunda etap a, que se mantém até os dias de hoje numa evolução e extensão
contínuas. A p rimeira forma de p rogressão ocorreu no camp o do direito à liberd ade
vinculando o direito de associação, p onto nevrálgico de um sistema p olítico e social de
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democracia p luralista. A segunda forma de extensão ocorreu com a p assagem do
reconhecimento dos direitos apenas civis p ara o reconhecimento dos direitos p olíticos, com
a concessão do sufrágio un iversal masculino e feminino, p assagem qu e rep resentou a
transformação do Estado liberal em Estado democrático. A terceira e mais incisiva extensão
é aquela que introduziu os direitos sociais, assim transformou o Estado democrático e
liberal em Estado democrático e social.
A terceira etapa dos direitos do ho mem diz resp eito ao p rincíp io da sua
universalização, que teve o seu p onto de p artida na Declaração Universal dos Direitos do
Homem. Dele derivou a transp osição da sua p roteção no sistema legal interno p ara o
sistema internacional que, p ela p rimeira vez na história, faz do indivíduo um sujeito do
direito internacion al. A quarta etap a, que segundo o autor está apenas em seu in ício, é
marcad a não mais p ela universalização mais sim p ela especificação dos direitos humanos.
Isto p orque, com a comp lexid ade das socied ades modern as, esses se tornaram
demasiadamente genéricos e abran gentes e não contemp lam os grup os com exigên cias
esp ecíficas de p roteção como as mu lheres, os homossexuais, idosos e os deficientes físicos.
Nesse sentido, buscando contemp lar essas esp ecificid ades foram incorp orados a
Declaração dos Direitos Humanos, o direito a autodeterminação dos p ovos e diversidade
cultural. Nas ú ltimas décadas, o reconhecimento social e a redistribuição têm sido uma das
princip ais reivindicações das lutas sociais de vários segmentos da sociedade, antes
invisíveis na organização social do p oder, e que agora p assaram a d emand ar direitos a p artir
do reconhecimento de identidades específicas. O reconhecimento social diz resp eito a uma
dimensão sociopolítica qu e se situa no camp o dos valores e p ráticas sociais e na pertença
comunitário, étnica, etc. A redistribuição está relacionada a uma concep ção de justiça social
incorp orada nos códigos civis e nas ações dos estados nacionais que assegurem a iguald ade
na diversidad e (MATTOS, 2006).
No âmbito da teoria social moderna, a questão do reconhecimento social e
redistribuição material está relacionada à qu estão dos p ressupostos básicos da modernid ade
situados em duas correntes de pensamento. Na p rimeira, estão localizados os autores
rep ublicanos e liberais que d efendem a concepção d istribuitivista de justiça, co mo prop osto
por John Rawls, como parâmetro de d eterminação do grau d e justiça de u ma sociedad e. Na
segunda, estão situados os autores considerados comunitaristas, como Charles Taylor, que
afirmam que as análises dos critérios de justiça p recisam levar em consideração o caráter
social da identidad e human a, o que significa tomá-las nos aspectos morais e simbó licos. No
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centro desse debate, estaria Nancy Fraser que ap onta p ara uma p osição intermediária,
considerando que a justiça social p ara se realizar p lenamente necessita tanto da distribuição
de bens assegurados legalmente como de valores identitários que garantam a diversid ade
dos grupos sociais (NEVES, 2005).
Nessa p rop osta, a autora tenta equacionar p rincíp ios universais, como p rop õe os
direitos humanos no seu asp ecto legal, com d emand as colocadas p or identidades especificas
que reconfigura o conflito de interesses e exigem dos atores posicionamentos que vão além
da dimensão material dos interesses p articulares.
Na atualidad e, a comp lexid ade d as relações sociais n as sociedades d emocráticas
estabeleceu uma amb igüidad e em relação ao usufruto dos direitos. Isto p orque, de um lado,
a cid adania e consolidação dos direitos do homem no mundo moderno requereram
historicamente do Estado a universalização de d ireitos mediante a formulação de regras
imp essoais que garantam a todos os cidad ãos a lib erdade, igualdad e e acesso a d ireitos. Na
prática, isso implicaria na homogeneização das demandas de diferentes grup os, conferindo
a cidad ania u m status igualitarista. Ao mesmo temp o, grup os minoritários organ izaram-se
em torno de demandas esp ecíficas que não p assam p or questões meramente de ordem
econômica (redistribuição dos bens sociais), traduzindo a p roblematização da subjetivid ade
em um processo de constante construção ou re-sign ificação d e identidad es, fundamentado
no discurso da afirmação da diferença e na valorização do p rincíp io da dignidade do
indivíduo (M ATTOS, 2006).
O p aradoxo p arece ser que a amp liação dos direitos fundamentais e a consagração
dos direitos humanos (coletivos e difusos) demandam, continuamente, uma concep ção
universalista do d ireito. No lado op osto, estão os direitos culturais, civ is ou ind ividuais que
enfatizam o indivíduo e sua identidade, como elementos fundantes p ara a organização
sócio-p olítica das socied ades modern as. Nota-se, nesse caso, uma tensão contínua entre
essas duas esferas em que se estruturam os conflitos sociais modernos. Todavia, conforme
sugere o p ensamento de Charles Tay lor referenciado p or Mattos (2006), a questão estaria
em considerar a d ignidad e do ser humano como um projeto de sociedade, p ois assim p oderse-ia p ensar na idéia de iguald ade d e direitos universais como subjacente à noção básica do
direito á diferença. Pois, como indica Ân gela Paiva, na ap resentação do livro de M attos
(2006), os p rincíp ios da diferença e da iguald ade:
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Aparentemente contraditórios, são dois princípios que devem andar juntos
para qualquer possibilidade de enriquecimento da esfera pública. Hoje
quando falamos de direitos culturais, por exemplo, estamos falando do
reconhecimento, na sua dimensão política, de direitos que novos atores
têm de participar da esfera pública a partir de suas diferenças. (p. 16).
Nessa mesma linha, Oliveira (2006) argumenta que o bem comu m professado p ela
justiça distribuitivista é comum aos membros de u ma comunidade política, p or p artilharem
uma mesma forma de vida. Contudo, chama a atenção autora, qu e ele não deve ser tomado
como um bem fixo, imutável e sim como um ponto de equilíbrio, que considera a
diversidade cultural co mo o bem maior d e uma comunid ade.
É p reciso salientar, que embora, como foi relatado nos p arágrafos acima, tenha
ocorrido uma constante evolução histórica dos d ireitos do homem, as cond ições p ara
realizá-los, na sua p lenitude, se ap resentam mais como ideal do que real. À medida que as
pretensões aumentam, a sua p roteção torna-se cada vez mais difícil. Os direitos sociais são
os mais difíceis de p roteger do que os direitos de liberd ade; a p roteção internacional é mais
difícil do que a p roteção no interior do p róp rio Estado. Bobbio (2000) assinala que na sua
atualidade, os direitos do homem ap arecem como sinal do p rogresso moral da hu manid ade,
mas não seria demais lembrar que o ap rimoramento moral dever ser medido muito mais
pelos fatos (p ráticas) do que p elas p alavras.
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A VIOLAÇÃO DE DIREITOS : exclusão social e direitos humanos
Prof. Pe. Paulo Henriques da Fonseca
51
1. Introdução
Os direitos humanos e as lutas por seu reconhecimento, p roteção e afirmação fazem
parte do núcleo da contemp oraneidade jurídica e p olítica esp ecialmente ap ós trágicos
acontecimentos do Século XX. Foram mu itas as brutais violaçõ es que o correram aí: a 1
a
Guerra com o uso de gases, o massacre d e pop ulações civis nos conflitos e as chacinas
como a dos armênios p ela Turquia em 1915, na Esp anha entre 1936 e 1939, o ho locausto e
os campos de concentração durante a 2a Guerra e os Gulags (camp os de p risioneiros e
o
dissidentes do regime soviético), a repressão colonial até o 3 quartel do século XX e o
surgimento das armas de extermínio em massa dentre outros acontecimentos.
Tendo p assado por exp eriência de v iolações, mas numa outra intensidade, o Brasil
(esp ecialmente uma região co mo o Nordeste e as áreas p eriféricas e degradadas das grandes
cidades) conviv e com problemas como carências sociais e econô micas, num contexto de
retraimento do esp aço p úblico das liberdades e cidadania, de violação naturalizada em
exclusão social. Os direitos humanos, nesse contexto, são como um luxo, “direitos de
bandidos” co mo são comumente descritos. Daí ser necessário u m esforço p ara “vulgarizar”
o que sejam direitos humanos, onde faltou aquele ambiente histórico das trágicas violações,
mas onde não faltaram as omissões e negligências do Estado e outros atores sociais.
As graves vio laçõ es aos direitos humanos quando n ão deixaram de ocorrer p odem
emergir sob um asp ecto novo o da naturalização das violações p ela cultura da exclusão
social. Isso acontece com o embotamento da sensibilidade social p ara com os muito p obres,
o descomp romisso com os marginalizados. A naturalização das violações p ela exclusão
social torna atual a macabra anedota atribuída a Stalin, ditador soviético e autor de grandes
violaçõ es aos direitos humanos. Para ele, se uma morte era uma tragédia, um milhão de
mortes era ap enas “uma estatística”. A exclusão massificada e crescente desafia o direito
esp ecialmente como direitos humanos, p ois oculta os grupos em risco social e p essoal,
corromp e as instituições, neutraliza as açõ es de sup eração da p obreza e miséria, retirando a
titularidade p olítico-jurídica de multidões de seres humanos descartáveis.
51
Professor da UFCG, advogado e padre católico. É pesquisador/bolsista da Fundação Ford/Carlos Chagas na linha de
direitos humanos, inclusão jurídica e acesso à justiça, mestre em direitos humanos pela UFPB.
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O reconhecimento da distinção entre violação e exclusão é imp ortante no caso do
direito como ciên cia e co mo técnica de p acificação social. Há como que um itinerário: um
direito de mold es individu alistas, ap to p ara comp or litígios entre p articulares de mesma
condição social (em geral p roprietários ou cidadãos ou nacionais), incorp orou a luta contra
as violações (em geral dos p oderes e Estados contra os indivíduos), mas não alcan çou ainda
plena eficácia n a sup eração das exclusões sociais.
Essas três dimensões do direito, da comp osição racional de conflitos, de proteção
contra as violações e sup eração das exclusões, co incid em em certa medida com o evo lver
dos direitos humanos em gerações ou dimensões: p rimeiro os direitos civis, de p roteção da
prop riedade e segurança juríd ica dos súditos diante dos désp otas, passando p elos direitos
políticos (e aqui se coloca como b ase o direito p enal e constitucional) de reconhecimento da
cidadan ia, d a rep resentação e dos limites que o Estado e o Poder se auto-imp õe na
condução d a p unição jud icial e da intervenção na sociedade e do mínios do indivíduo. Os
direitos p olíticos são do “corp o”, do cidadão-indivíduo e da sociedade co mo corpus
politicus.
Falta um direito p ara a sup eração da exclusão social que junto com a questão
ambiental, é a “bola da vez” das graves urgências na agend a d as ações globais e locais dos
governos e da sociedade civil. O p róp rio direito moderno p ara Santos (1999) é uma forma
de “inclusão contratada” que traz em sua gênese uma exclusão inicial, a da natureza, do
diferente, do estran geiro, d aquilo qu e não p ode mais ser exprimível na esfera p ública. Os
direitos sociais e p olíticos das coletivid ades étnicas, dos econômicos e socialmente
desp ossuídos, emergem como a segunda geração /dimensão dos direitos humanos. Primeiro
na construção jurídico-legal do direito do trabalho, mais solidamente ancorado na
“modernidade sólida” do capitalismo fordista, dep ois nas variaçõ es dos direitos à
segurid ade social, à saúde e educação. Por fim, os diretos sociais “bagatelizados” na
legislação social d as “bolsas” (escola, v ale-gás, família), tradutores de direitos mínimos e
prestações sociais p uramente comp ensatórias, de baixa qualidad e p olítica e quase nula
exigibilidad e judicial. Antecip a-se abaixo um esquema d essa abordagem.
O esquema v isa ilustrar sem maiores pretensões uma distribuição ap roximada dos
diversos elementos referenciais d e uma comp reensão do direito e dos d ireitos humanos
como construções históricas e nos diversos contextos em que são chamados a atuar. O que
se p retende buscar na reflexão a seguir é determin ar pontos de uma distinção entre violação
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e exclusão, sua imp ortância para u ma comp reensão mais fácil dos direitos humanos,
esp ecialmente o de acesso à justiça, n as situações diversas.
Quadro I – O Direito nos três ambientes possíveis.
Conflitos inter-pares
particulares
Judicial-tradicional
Partes envolvidas
Tipo da prestação
jurídica
Direito material buscado Civis: patrimoniais,
reais
Tipo de sociedade
T radicional
Histórico do Estado.
Despótico-aristocrático
Bens jurídicos afetados Propriedade, status
Valor cultural e social
Segurança jurídica
Conceito base de justiça Comutativa
Exigibilidade judicial
Máxima
Violação de direitos
Estado x particulares
Judicial-liberal
Exclusão social
Sociedade x (?)
Políticas públicas-tutelas
Penais, políticoeleitorais
Moderna - burgues a
Liberal-constitucional
Corpo, coisas, liberdade
Incolumidade, liberdade
Legal
Média
Sobrevivência digna.
Consumo-confo rmista
Social
Sobrevivência, dignidade.
Fraternidad e
Social, distributiva
Mínima
O método analítico-comp arativo será a ferramenta usada p ara op erar essa distinção
que não é sep aração ontoló gica entre vio lação e exclusão, mas a consideração “quântica” de
sua relação dialética: a vio lação o elemento “p artícula” e a exclusão como a dimensão
“onda”. A violação de direitos é um momento de concreção e p articularização da exclusão
como cultura e lógica da (p ós) modernidade, sendo a exclusão o p onto chave da reflexão.
2- Revisão Teórica: Direitos Humanos e Exclusão Social
Os direitos humanos, conforme Bobbio (1992) ligam-se à evolu ção jurídico-p olítica
da humanid ade, na crescente exp licitação histórica: h á uma p rimeira fase, a da
fundamentação filosófica e ética (reconhecimento e afirmação da d ignidad e da p essoa
humana pelo Cristianismo e outras filosofias hu manistas, como o estoicismo), uma segunda
fase, das grandes “Declarações de Direitos” que se segu iram às Revolu ções burguesas ou
modernas (culminando com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948) e
por fim, a fase das implementações desses direitos mediante sua p ositivação n as diversas
constituições dos Estados ap ós a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto judeu, mas
esp ecialmente após os Pactos internacionais de direitos de 1966. Gregori (1998, p . 37) diz
nesse sentido que a Declaração de 1948 “tem a natureza jurídica de uma soft law
proclamatória de normas”, mas p rossegue ele, os Pactos internacionais que se seguem são
52
uma hard law, p ois agora obrigam os Estados
signatários ao que antes era ap enas a
proclamação d a Declaração Universal de 1948.
52
A positivação dos direitos humanos, sua recepção pelas Constituições, é um fato jurídico e político notável. A
Constituição brasileira o faz expressamente nos seus Arts. 5°, 6°, 12 e 14. Faz menção expressa a eles no art 4°, inciso II e
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Para Booth (1999, p . 61) a universalidad e é marca dos direitos humanos e ela surge
com a vio lação de direitos. Para ele os human rights ganham universalidad e quando se
consideram as vio laçõ es brutais, os human wrongs e as comun idades d e vítimas que eles
geram. A exclusão não forma “comunidad e de excluídos”, mas uma “não-comunidade”.
Dentre os conceitos p ossíveis de exclusão social a comp lexid ade do fenômeno se
revela. Daí que se um facilitador de abord agem é a p osição de Sawaia (2002, p . 7). Para ela,
53
exclusão e o seu reverso, a “inclusão defeituosa” são a mesma realidad e. Ela, na esteira da
posição de Foucault, nega o caráter absoluto da exclusão social em favor de uma dialética
“exclusão/inclusão”. Exclusão é inclusão “defeituosa”, feita p ara o controle ou a p unição
discip linar. Foucau lt, estruturalista, não concebe qu e uma imensa massa de p essoas
simp lesmente “não interessem mais à sociedad e”, sejam sup érfluos. Sawaia (2002)
considera n a exclusão social três componentes: o econômico e objetivo, quando ela assume
o asp ecto de desigualdade social, o asp ecto subjetivo da discriminação social e outras
54
formas de p reconceito e o terceiro e mais importante p ara ela, o da injustiça social , o que
une asp ectos objetivos e subjetivos da exclusão social.
A exclusão social – “apartação” na formulação mais radical de p ensadores como
Buarque (2002) – é um dado social e econômico (p ara não amp liar em demasia o esp ectro
de seu alcance) que se agiganta no mundo inteiro, mas é “endêmico” no Brasil. É p or à
parte o outro como quem não é igu al e nem pertencente ao gênero humano. É uma forma
radical de intolerância social. Sella (2004) a vincula ao movimento de globalização neoliberal que é estruturalmente desinteressado com as proteção sociais aos pobres. Igual é a
posição de Nunes (2002) que lhe dá uma feição mais calcad a na ló gica n eoliberal em que os
mercados e os cap itais ao colocar o Estado a serviço da acumulação, exigem que ele se
desvincule de prestações sociais p ara os setores carentes, pois nada p ode imp edir o livre
curso da seleção p elo mercado.
Bourdieu (2003) modula em “grande” e “p equena” miséria, considerando o
fenômeno no caso de incidência sobre as maiorias e quando afeta grup os minoritários, ou
ainda quando end êmica ou episódica. Amarty a Sen (apud Salama; Destremeau, 1999) a
art. 5°, § 3°, modificado pela Emenda Constitucional n° 45/2004 que tratou do tema dos direitos humanos. Com a
recepção constitucional os direitos humanos ganhamo nome de “ direitos fundamentais”.
53
Importante para uma ulterior aplicação no caso estudado na parte empírica deste trabalho: o acesso formal à justiça, ao
Judiciário poderá ser uma inclusão reveladora de uma gama de exclusões.
54
Daí que o tratamento da exclusão implica buscar um direito apto à inclusão social, não só aquele hábil à composição
privada de conflitos “duelísticos” entre particulares, nem que reaja às violações de direitos apenas.
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concebe n ão tanto como resultado da escassez e penúria de bens e serviços, mas na
incap acidad e de p essoas ou grup os em adquirir esses bens. Isso afeta da qualidade da
existência d evido à “p rivação de cap acidad es” que é o afastamento e não p articipação na
vida social, o reco lhimento das p essoas e grupos marginalizados numa zona de p rivações.
Castel (1995) situa e conceitua o fenômeno como desafilia ção social, (ele não usa o
termo exclusão) que não é a ausên cia comp leta de vínculos, mas a ruptura dos mais
significativos e p lenos de sentidos, como a relação salarial, o p oder p articip ar de u ma
relação de emp rego, co mo o víncu lo mais forte p ara filiar a p essoa a um p rojeto de vida.
Não se pode esquecer a formulação inicial
55
de exclusão social de Lenoir (1974), o
que p rimeiro utilizou esse conceito. Ele trata a exclusão como fenômeno inserido estrutural
e cronicamente na ló gica do cap italismo de mercados globais e suas estratégias de
acumulação fin anceira. Leno ir retoma em nível social a tese econômica de Karl Polanyi
segundo quem, ao contrário do que M arx descrevera, a p obreza não era uma etap a
passageira e superável do cap italismo, mas sua condição necessária. A exclusão p roduzida
passa a ser também aceita co mo conseqü ência natural e fatal, contra a qu al só cab em ações
pontuais, fragmentadas e comp ensatórias. Ações p ouco p olíticas, enfim.
A exclusão social tem, enfim, uma dimensão geo gráfica e esp acial. A distribuição
do fenômeno d a exclusão ocorre de modo descontínuo e irregu lar n a geo grafia, embora que
seja end êmica em algumas regiõ es do globo p rejudicad as p ela div isão internacional do
trabalho: aos países do Hemisfério Sul cabe, em geral, uma acumu lação de cap itais
precária, p ois os bens e p rocessos econômicos que lh es cab em gerir p erdem
progressivamente valor no mercado internacion al. Mas ela afeta também os p aíses do
cap italismo central onde Santos (2005) detecta os “terceiros mundos interiores”, bolsões de
pobreza e exclusão no interior dos p aíses ricos. A exclusão social tem um “map a” no qual,
recorrendo a B auman, os “não-lu gares”, conv ivem com os “esp aços vazios”. A retração do
esp aço público pela p rivatização é um fenô meno em algu mas áreas, diminuindo a qualid ade
das demandas sociais por melhorias, silen ciando os segmentos p op ulares e atores locais
inconformados com a escalada do emp obrecimento maciço da p op ulação e redução da
qualidad e de sua cidadania.
55
No Brasil, foi Hélio Jaguaribe quem na década de 80 usou do termo exclusão social para invocar a nova situação de
endêmica pobreza e marginalização crônica de segmentos sociais e étnicos.
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Camp os e Pochmann (2004) desenham a geo grafia da exclusão no “Atlas da
Exclusão Social”, como ilustração traz-se os dados que dizem resp eito à região de Sousa,
no alto sertão da Paraíba:
Tabela I – Municípios que compõem a Comarca de Sousa (PB) no ranking da Exclusão Social.
Fonte: Atlas da Exclusão Social, 2004.
Posição no
Ranking
Ap arecida
4.159°
Lastro
4.357°
Marizóp olis
3.637°
Nazarezinho
4.432°
Santa Cruz
3.608°
São Francisco
4.497°
São José da Lagoa Tap ada
4.927°
S ousa
2..857°
Vieirop ólis
4.640°
S ão Caetano do Sul
1°
56
(S P)
Município
Índice de exclusão
social
0,345
0,338
0,370
0,336
0,371
0,334
0,317
0,360
0,328
Índice de emprego
formal
0,035
0,098
0,018
0,043
0,040
0,002
0,038
0,074
0,034
0,864
0,74057
Os dados acima mostram uma “p referência” da exclusão social em suas várias
manifestações. Em geral a ló gica é de um aguçamento dela quanto mais se distancia do
centro p ara a p eriferia, embora as variações con junturais do mercado e do Estado alterem
essa dinâmica. As cidades maiores ou mais centrais detêm em geral os melhores índ ices,
dando conta que n a divisão territorial do trabalho e a conseqüente eficiência na acu mulação
de riquezas, elas se saem melhor que as p equenas e mais distantes cidades. O mito de que
uma globalização p elas vias virtuais e reais (internet, comunicações e transp ortes)
desmontaria uma desigualdad e decorrente da localização geográfica, p ermanece mito, até o
presente momento: a exclusão atin ge mais agud amente as regiões remotas e periféricas.
3- Violação e Exclusão: Algumas Distinções
A distinção entre violação e exclusão afeta diretamente à legitimidade, aceitação e
“ap etecibilid ade” dos direitos humanos. Segundo Drawin (2004, p . 45) houve nu m p assado
56
P ara efeito de comparação: o município paulista é o de melhores indicadores gerais quanto à inclusão social.
Pilar do Sul e Morungaba, ambos em São P aulo, têm índice de emprego formal 1,000, os melhores (Atlas da Exclusão
Social, 2004).
57
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recente certa reação ante os direitos humanos e as ações de inclusão social p or p arte de
alguns segmentos de esquerda. Ap ostando na conflitividade
58
e triunfo final das forças
sociais a substituir o direito p elo poder, projeto até recente desse setor p olítico, se
valorizava mais a reação às violaçõ es, mas silenciava-se d iante das omissões que geram a
exclusão social. A exclusão tende a ser negligen ciad a em seus efeitos, não forma reação, ao
passo que as violações acend em reações viv as.
Uma ocupação de terras p elo MST é mais visível p or ser violação a um d ireito, o d e
prop riedade. Essa ocupação não é comp reendid a inicialmente como uma saída p ossível
para um quadro crônico de exclusão social gerada p ela con centração fundiária. Violaçõ es e
exclusões imp actam muito distintamente a opinião comum das p essoas: as violações são
mais sensíveis e reconhecíveis por sua evidência.
A violação ressalta a vítima e o agressor. A exclusão mostra mais os “autoculp ados”, os incap azes de manter-se in cluídos, ap esar do “melhor dos mundos possível”
prop orcionado pela generosa aventura liberal-demo crática-industrial, usando de uma ironia
educativa. Os efeitos das violações e exclusões na esfera da subjetividade estão sendo bem
pesquisados p ela Psicolo gia Social, pois os danos na esfera da subjetividade não são
menores que n a do direito, sendo a anomia política gerada pela exclusão um risco p ara a
democracia. Na esfera do direito são recorrentes às afirmaçõ es, p or exemp lo, de que
direitos subjetivos são aqueles exercitados em face de algu ém decorrentes de vio lação ou
ameaça dela. Se u ma violação se naturaliza, não se p ode alegar direito subjetivo segundo os
atuais cânones jurídicos, a saída será a ado ção d e p olíticas p úblicas de socorro dos mínimos
existenciais. Diferente de uma concepção de direitos subjetivo como a que Tosi (2003, p.
585) detecta nos mestres de Salamanca, no sécu lo XVI, não d ireitos nascidos “contra”
alguém ou algo, no contexto da modernid ade hobbesian a, mas como um p rolon gamento
intrínseco da p róp ria liberdade, em que entre o “eu” e o “meu” n ão há a cisão que sep ara
em campos distintos a liberdade, a dignid ade e a p rop riedade, p or exemplo. Atualmente
chamam-se de “p otestativos” aqueles direitos que se exercem indep endentemente da
permissão ou oposição dos demais.
As diferenças d e acesso à justiça no caso das violações ou d as exclusões revelam as
suas arquiteturas bem distintas. Observa-se que a resposta do direito no caso das violações
58
Interessante é observar que a conflitividade social como aquela dos movimentos reivindicatórios é muito diferente da
conflitividade ritualizada do direito. Como esta perdeu boa parte de sua qualidade pública e política, parece mais um jogo
de formalidades do que interesses em oposição.
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tem sido mais visível mesmo na sua ineficácia do que no caso de sup eração das exclusões:
aqui os direitos sociais p arecem um p rimo p obre dos direitos civis e políticos, aquele
semp re à mercê da bo a vontade de governos, da gestão de orçamentos públicos semp re
escassos quanto à investimentos sociais. O garantismo jurídico na esfera do cível emp erra
ainda um direito que sirva às mudanças, à promoção social. Uma “geração” dos direitos
humanos, a dos direitos civis, guarda cump licidad e com isso, ao maximizar as garantias e
seguran ças jurídicas quase sempre a serviço do statu quo.
A dialética tensa entre a esfera pública-p olitica e a p rivada-moral tem lu gar também
na análise comp arativa entre violação-exclusão. A violação corresp onde melhor a
privatização e individuação das questões, sua subsunção como sentimento de revolta, de
comoção. A força da violação se d á co m a intimidade fragilizada e exp osta ao p úblico tanto
da vítima qu anto do violador e lib era as p essoas de coletivamente pensar e agir na esfera
pública de u m modo mais p olítico. Bauman (2000, p 17) narra o ep isódio de Sidney Cooke
um p edófilo que ao ser libertado e voltar p ara casa, deu uma causa pública p ara as p essoas
unirem-se nu m p rotesto na Inglaterra, sem que fosse p olítico o ato. As p essoas sequer
sabiam onde ele estava, mas se juntaram p ara protestar.
Na dinâmica do d ireito visív el já n a Constituição, as p roteções contra violações e
ameaças de violações 59 são muito mais identificáveis. O mesmo n ão acontece com os que
visam imp lementar o combate à exclusão. Por exemp lo, um fundo constitucional que
serviria a essa finalidad e (art. 153, in ciso VII e Art. 80, inciso III do ADCT, da
Constituição Federal) não sustenta ações de combate e erradicação da pobreza p ois os
60
recursos p revistos viriam da taxação das grandes fortunas ainda n ão legislada.
A violações e exclusões são momentos ou irrupções num mesmo eixo d e
degradação da condição humana, mas se exp ressam de modo d iferenciado e tal diferença se
imp õe a uma apreciação sistemática no estudo dos direitos humanos. A violação, nu ma
valoração dentro das relações sociais, é o que de n egativo afeta alguém com quem aind a se
mantém uma relação de p ertença social ou p roximid ade. A luta p olítica no Brasil em favor
dos exilados p olíticos, nos finais da ditadura em 1979, p ela an istia e retorno deles era
contra uma v iolação, a do d ireito de p ertença nacional, de p erman ência no território
identitário e nacional. Era uma luta burguesa (conqu anto que muito justa) em favor do
59
60
O art. 5°, incisos XXXV, XXXVI e XXXVI da Constituição Federal enuncia os mais clássicos deles.
O art. 153, inciso VII, prevê essa modalidade tributária na competência da União ainda não implantada.
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semelhante, de um “outro” querido (com direito até a bela música, co mo no “Bêbado e a
equilibrista” o hino dos anistiados na voz de Elis Regina).
Quadro II – Visualizando elementos de uma diferenciação p ossível.
Violação
Exclusão
Pólo passivo
Vítima – imp ortante:
Culp ado – dificuldad e até
identificad a. Qualid ade
estatística de
reconhecida: sofrimento.
identificar/quantificar os
excluídos.
Pólo ativo
Bem identificável: agente
Mal identificado: mercado,
violador.
tecnologia
Camuflada e naturalizada: basta
Ação causal
Ostensiva: comissiva ou (-)
a mera o missão ou indiferença.
omissiva.
Nexo mais evidente causa-efeito.
Tutela estatal
Judicialização, controle e p olícia. Políticas públicas: só as
p ossíveis.
Direitos afetados
Civis e p olíticos. + tipicidade
Sociais: + ideais juríd icos e
(p enal)
sociais.
Percepção subjetiva Sente-se a vio lação e
Naturalização e autointencionalidade
culp abilização
Interesse/divulgação Fatos imp actantes, “furos”
+ p/Estado, Academia, ONG’s,
jornalísticos.
NM’s.
Fatos/situações
Holocausto Judeu: racismo
Fome: África. Povos tribais
marcantes
exp losivo e histórico. Atores
anônimos. Abandono. Situação
definidos. Dramático.
(racismo) crôn ica.
A exclusão, p or sua vez, n ão tem música p ara os seus afetados, todos muito
nacionais e “severinos” no p oema de João C abral de Mello Netto. Formam a massa anód ina
só alcançada p ela estatística, p ela inclusão eleitoral, p olicial ou nos surtos de políticas
sociais comp ensatórias que visam dar uma sobrevida aos movimentos de rep rodução do
cap ital: há um mercado rentável gerado p ela transferência de rend a p ara os p obres que os
torna consumidores de b ens ou tomadores d e créd ito mediante empréstimos consignados:
uma inclusão (defeituosa), mas aquela única possível.
Pode-se afirmar qu e na estrutura ideoló gica do direito, os direitos sociais que se
mantiveram fortes foram aqueles p atrimonializados em p rivilégios de alguns segmentos da
burocracia, co mo o setor das altas ap osentadorias. E se mantiveram fortes a b ase do direito
adquirido, da coisa julgad a e o ato jurídico p erfeito, p érolas de um sistema de p roteção de
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alcan ce bastante orientado p ara as classes com maior p roximidad e do direito e do Estado,
61
caso da burocracia .
Violação e exclusão são p ois distintas seja na amb iência h istórica e fática n a qual
têm origem, mas esp ecialmente quanto às suas distintas p osições e relações com o direito.
As gerações de direitos ganham um novo fôlego ep istemológico diante dessa distinção.
4- Acesso à Justiça, Inclusão Social e Direitos Humanos
O acesso à justiça é o direito humano b asilar qu ando se consideram a violações e
exclusões. Em tratamento memorável do tema no chamado “Projeto de Florença” de acesso
à justiça em qu e se fez uma co leta de dados de diversos p aíses no que diz resp eito ao tema,
Capp elletti e Garth (1988, p . 12) definem “o acesso à justiça p ode, p ortanto, ser encarado
como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema
jurídico moderno e igualitário que p retenda garantir [...] o direito de todos”.
A democratização de uma cultura dos direitos humanos, ou uma visão de mundo
rights based approach passa p ela consideração d a situação que já é emblemática da falta de
acesso à justiça como exp ressão do déficit de in clusão social. Isso já mereceu a atenção de
muitos pesquisadores e a abordagem sob várias dimensões como se ap resenta a
exclusão/inclusão d efeituosa. A quantidade d e nuances em que essa falta de acesso à justiça
se revela vão do p ouco conhecimento dos direitos p or uma p arcela consideráv el da
pop ulação, p assando pelos altos custos e inefetividade do Judiciário até o desenho ou
arquitetura social que se fund a na desigu al e injusta distribuição dos bens.
Na dimensão objetiva da efetivação dos direitos humanos como sup eração da
injustiça social, uma coop eração trans e multidiscip linar é imp ortante. É que alguns
conceitos p ertencem ao camp o ep istemológico de mais de um ramo das ciências setoriais
ou regionais. A p obreza, categoria nuclear da inclusão social (e seu p ar dialético, da
exclusão) e do acesso à justiça, é um exemp lo disso. Seu conceito é p roblemático d iz
Salama e Destremeau (1999). C ada p obreza é v ivida de modo sin gu lar
62
p elo titular
hip ossuficiente de direitos. Cada uma delas se ap resenta como um caso concreto, p ois a
fatalidade do p rocesso social e histórico de “individualização”, segundo Bauman (2001, p .
44), sociólo go polonês, leva a uma situação atual em que n ão é p ossível o retorno p uro e
61
Wanderley Guilherme dos Santos é quem trata de modo magistral dessa cumplicidade e proximidade das burocracias (e
não só no Brasil) comos benefícios legais proporcionados pelo Estado. Cf. SANTOS (1987)
62
Mesmo que isso não seja negação de que nos planos estatístico, sociológico, político, legal, dentre outros, seja legítimo
tratamento teórico e científico da pobreza. Mas ao Judiciário, no processo, vai o caso concreto.
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simp les às lutas coletivas: as questões, os desejos e as necessidades individuais não p odem
mais ser simp lesmente “somadas” numa “causa co mum”. A vio lação mais que a exclusão
põe uma causa comu m, p ercebida subjetivamente, o que não ocorre na faixa dos afetados
pela exclusão.
É, no entanto, na Carta Política que ap arecem os vieses históricos, filosóficos e
teóricos que triunfam na v isão de mundo e na construção da matriz identitária dos sujeitos e
das sociedades e que as p redispõem p ara a conservação ou a transformação. A supremacia
a
dos direitos civis e p olíticos, direitos e garantias burguesas de 1 geração, marcou o
constitucionalismo de modo mais ostensivo.
No caso muito esp ecífico do p resente trabalho, a consideração d a violação-exclusão
como momentos na mesma linha axial, p assa p ela análise da ideolo gia liberal burguesa
individualista, que p redominou n as p rimeiras formu laçõ es dos direitos humanos. Isso que
influenciou o constitucionalismo desde o século XIX e toda a gama de demandas históricas
que aquela ideolo gia ensejou, pode ser retomado quando se nota que as v iolações dev em
ser combatidas, mais para garantir a segurança, ordem e legitimidade, ao p asso que as
exclusões sejam considerad as, mas mantendo-se intacta a p osição patrimonial conquistada
pelo indivíduo. Exp urga-se assim o risco de medidas redistributivas muito custosas p ara as
elites que uma mobilização maciça contra a exclusão social acarretaria. Na Constituição
brasileira de 1988, vio lação e exclusão ap arecem assim:
Quadro III – Direitos fundamentais: modulações.
Politicidades substantivas
Redução das desigualdades
Acesso à justiça célere e efetiva
Promoção do bem de todos
Direito à informação de qualidade –
boa impressão
Acesso, permanência e progressão na
educação
Trabalho como direito social e
oportunidade.
Exclusão consentida
Formalidad es adjetivas
Igualdades reconhecidas p erante a lei.
Inafastabilidad e da ap reciação judicial
Reserva legal: “nin guém será obrigado a
fazer...”
Liberdade de expressão e de p ensamento.
Liberdade de ap render, ensin ar, várias
pedago gias
Liberdade no exercício das p rofissões e
ofícios.
Violação: sentida
Observando a diferença, afirme-se a força delas no ordenamento jurídico co mo
princíp ios e bases de interpretação da Constituição. Os direitos substantivos na
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Constituição brasileira de 1988 tensionam com as garantias ou “direitos negativos” das
formalid ades adjetivas. Estas são muito mais fortes, fáceis de exigir p roteção p ara elas se
comp aradas com a expressão mais afirmativa (que não lhe é op osta, só que ideológica e
institucionalmente mais fraca) das p oliticid ades substantivas dos direitos constitucionais
promocionais.
5 – Considerações Conclusivas
Uma caracterização suficiente dos direitos humanos e p ráticas políticas de sua
efetivação, p assa p ela distinção entre aqu eles nascidos das v iolações e aqueles surgidos das
políticas de superação das exclusões. Como o Estado e sua administração da Justiça não
podem ou devem ser deixados de lado na p roteção e imp lementação dos direitos, perceber
os filtros hermenêuticos do ordenamento jurídico e suas limitações p ara denunciá-los e criar
alternativas, é tarefa da acad emia no tocante aos direitos humanos, bem como d a militância
em torno da imp lementação. É de se p erceber que as idéias-força geradas na história do
constitucionalismo recente, de cunho garantista e mantenedor do status, interferem na visão
dos direitos humanos, nas limitaçõ es, potencialidades e p reconceitos que cercam este.
O direito como ciên cia e saber que deve acomp anhar e atualizar suas estratégias
num mundo em mudanças rápidas, pode ter suas p esquisas ambientadas em contextos
teóricos e referenciais que p ossibilitem seu p rogresso e a racionalidade do seu discurso. O
eixo exclusão-v iolação abre-se a uma recup eração do direito como ap licação importante:
sup erando (sem abandonar) a mera comp osição de conflitos interp ares, a recomp osição do
status quo ofendido, o direito recup era o fô lego como sab er ap to a contribuir no mutirão
contra a exclusão social qu e, repita-se, junto com o drama amb iental, é a questão p rimordial
dos governos.Reap arelhar, enfim, as p ráticas políticas de uma justiça (re)d istributiva.
Os direitos humanos, p elo seu rol aberto e tecitura versátil, in clusive com a elevação
de sua p roteção sempre a nível glob al-internacional, p restam-se p ara ser um lugar
hermenêutico p ara o direito. O acesso à justiça p assa a ser, nessa ótica amp liada, um
movimento p olítico, jurídico e social que alce o direito p ara além d as demandas clássicas e
ao encontro da sup eração das exclusões que crescem e retiram o p róprio fôlego do direito.
Se não há titulares de direitos e estes judicializáveis p or falta de sujeitos, como se falar
mais em imp ortância do d ireito? Ressalv ando a h ipótese extrema e imp rovável de u ma
inclusão social em nível ótimo que façam cessar as demandas e satisfazer todas as
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necessidades e de todas as p essoas igualmente, o direito será semp re chamado ao seu p ap el
de gestão dos déficits e dos excessos como enfatiza Boaventura de Sousa Santos.
As novas práticas p olíticas do direito serão tanto mais eficazes quanto mais
ancoradas elas estiverem na ambiência maior dos direitos humanos, na interven ção fund ada
em distinções qu e são relevantes, como aquela p osta aqui, entre v iolação d e d ireitos e
exclusão social que u ma p ostura militante e p olítica denuncia co mo dois p ólos mas de u ma
mesma relação: a exclusão p rogramad a e sistemática de amp las p arcelas da pop ulação.
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BIOTECNOLOGIA, PODER E T ECNOCRACIA: a resposta dos direitos humanos
64
André Soares Oliv eira
65
Robson Antão de M edeiros
1. Introdução
O domínio da técn ica está ligado ao domín io do p oder. As ciências da vid a avan çam
num ritmo vertiginoso, trazendo para a sociedade tecnocrática p ossibilidades de
intervenções tecnoló gicas que eram tidas como ficção.
Esse contexto p ode conduzir a trágicas conseqüências que conv ivem com benefícios
tão imp ortantes p ara a manutenção da vida humana. O p aradoxo desse p oder que se arvora
no desenvolvimento das biotecnociências conduz a p osicionamentos extremados entre
aqueles qu e defendem o caráter absoluto da liberdad e de p esquisa e aqu eles que p retendem
limitar o desenvolvimento da ciên cia.
O que se p ode fazer? Qual o melhor caminho a se tomar nesse impasse p róp rio da
contemporaneidade tecno crática? Esse estudo p retende refletir sobre essa temática e
reafirmar a interven ção dos direitos humanos nessa realid ade.
2. Poder Biotecnológico: Histórico, Paradoxos e Necessidade de Saneamentos.
Busca-se p oder. A trajetória humana está marcada p ela conquista e manutenção do
poder. Intimamente ligado à p roblemática do poder está a ap rop riação de suas fontes. Umas
das fontes mais relev antes do poder é o domínio da técnica, do know-how, que transforma a
natureza e a modela ao desígn io do homem.
Leia-se a história universal. Quando certos grup os deixarem de ser co letores a
caçadores e p assaram a p lantar e criar an imais, desenvolveram cond ições econômicas
favoráveis p ara a dominação de grup os menos desenvolvidos tecnicamente. A Idade dos
Metais deixa clara essa p rep onderância co m o domínio das técnicas de metalurgia e
conseqüente p rodução de armas p ara a guerra. No Oriente e no Ocidente clássicos, o
conhecimento tecnológico foi a base do desenvolvimento dos romanos, gregos, egíp cios,
63
Esse trabalho faz parte do projeto de pesquisa “ Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça: o biodireito
nas instâncias superiores da justiça brasileira” – PIBIC/UFCG/CNP q – e do grupo de pesquisa: “ Bioética, biodireito e
direitos humanos”, cadastrado no CNPq.
64
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Bolsista P IBIC/UFCG/CNPq. E-mail:
<ratioetveritas@ yahoo.com.br>.
65
P rofessor Adjunto II – UAD/UFCG. P ós-doutor em Direito pela Universidade de Coimbra. Orientador
PIBIC/UFCG/CNPq. E-mail: <robson.antao@ uol.com.br>.
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fenícios, etc. Quando os europ eus desembarcaram na América encontraram p ovos que
pouco deixavam a d esejar em relação ao conhecimento europ eu, e em certos p ontos
sup erava-o. A Revolução Industrial engrenou as atuais condiçõ es determin antemente com a
criação do mercado, da livre con corrência, da indústria. Revo lução essa que não parou no
temp o, mas que continua a reafirmar a p rep onderância dos p aíses detentores de tecnologia.
Hoje, o que está em cen a é a Revolu ção B iotecnoló gica. Tecnolo gia ap licada à vid a,
não somente de hu manos, mas de animais e v egetais, que tem seu imp ulso a partir da
descoberta do ácido deso xirribonu cléico e do ap erfeiço amento das técnicas de en genharia
gen ética, notadamente o DNA recombinante.
O map eamento da seqüência gen ética d as plantas p ossibilita alterações na sua
cadeia de rep rodução de modo a se obter um vegetal co m características pré-definidas. A
aplicação da biotecnolo gia aos animais rende esp écies co m maior resistência,
adap tabilidade e força. O Brasil é referência nesses tip os de p esquisa através,
princip almente, da Empresa Brasileira de Pesquisa A grop ecuária.
No que toca ao homem, as técnicas de rep rodução assistida são um alivio p ara
casais inférteis. A inseminação artificial, mães de alu gu el e fecundação in vitro são
exemp los bem comuns. Para casais que n ão podem p rocriar p or p roblemas recíp rocos de
infertilidad e, ou p ara os “casais” homossexuais, a clonagem rep rodutiva é um meio p ara
que estes alcancem a rep rodução. A clon agem terap êutica p ossibilita a p rodução de células
tronco embrionárias – utilidad e incontestável na terapia de doenças crônicas e rev ersão de
paralisias. O aconselhamento genético adverte os p ais p ara a p ossibilidade de seus filhos
nascerem com ano malias gen éticas hered itárias, e assim conduz à ‘p rodução’ do bebê em
laboratório, onde se p ode diminu ir ou anular a in cidência d essas anomalias.
Desnecessário é listar todas essas conquistas aqui, mas deve-se voltar à reflexão
histórica inicial e questionar-se: todas as civ ilizaçõ es, grup os e classes sociais que
detiveram o p oder técnico o utilizaram ap enas na p ersecução de fins p acíficos? A resp osta
será negativa. A biotecnolo gia fo ge d essa linha?
Os avanços biotecnoló gicos p rop orcionaram ao homem um maior do mínio sobre a
natureza. Isso imp lica em algumas conseqü ências não desejáveis p ara a humanidade. O
caráter de v aloração econômica dessas descobertas seduz grandes laboratórios numa p rática
criminosa recorrente no Brasil: a b iopirataria. Segundo a lição de Alves (2002, p .15), esse
crime consiste na exp loração predatória do patrimônio genético da flora e da fauna, sem
qualquer remuneração. As p rincip ais patrocinadoras da biop irataria são
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[...] as indústrias farmacêuticas, cosméticas e de alimentos, dentre outras,
[que] contrabandeiam os conhecimentos dos povos nativos, acrescentam
alguma modificação na composição genética das plantas e intitulam de
descoberta cientifica a manipulação de recursos nativos, ou sabedoria
primitiva, angariando, após o patenteamento, grandes lucros.
No tocante à aplicação da biotecnolo gia a seres humanos, a p roblemática é aind a
mais controversa. A clonagem humana é, sem dúvida, a que gera mais discussões. A
clonagem rep rodutiva é taxativamente condenad a p or rep resentar uma ”co isificação” do ser
humano, reduzindo-o a objeto de cap richos irresp onsáveis. Intermitentemente estouram na
mídia casos como o médico italiano Antinori, os raelianos, uma seita californian a chamada
“A Segunda Vind a”, entre outros que defendem a clon agem rep rodutiva desde fins p ara a
satisfação de casais inférteis e “casais” homossexuais até como um meio para alcançar a
‘vida eterna’ ou trazer Jesus Cristo a p artir de uma amostra do Santo Sud ário.
O Projeto Genoma Humano, ao mesmo tempo em que avança no map eamento d a
seqüência genética hu mana, delimitando a função de cad a gene, fornece elementos que,
dada uma leitura equivo cada, ensejam nov as p ráticas discriminatórias, classificando as
pessoas através de seus caracteres genéticos. Essa p rática chama à memória o ocorrido na
Alemanha n azista e na camp anha de esterilização p romovida p elo governo sueco, no fin al
dos anos 80, p or motivos de “higiene social e racial” (CASONATO, 2001).
Já em 1996, segundo Carlo Casonato (2001, p . 02), a revista Science and
Engeeniring Ethics rep ortava 200 casos de discriminação genética no camp o securitário,
hoteleiro, emp regatício, nos orfanatos, escolas, bancos d e san gue e no exercito. Assim,
afirma-se qu e
[...] há uma tendência a reduzir as pessoas exclusivamente ou
prevalentemente à respectiva identidade genética. Um certo determinismo
biológico, de fato, tende a exaurir os perfis da identidade individual
apenas no patrimônio genético, julgando como condições efetivas aquelas
que são condições apenas hipotéticas, sem considerar a riqueza que faz de
cada ser humano uma entidade extraordinariamente complexa, única e
irrepetível: em tal perspectiva é criticado o conceito de ‘pessoa reduzida’.
Hobsbawm rep orta que a revolução na biolo gia se opera desde 1994 com melhores
conceituaçõ es dos mecanismos de h ereditariedade e estruturação do DNA. Isso trouxe p ara
o centro do debate vinte e três pares de cromossomos em forma helicoidal.
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Acaloradas d iscussões segu iram com o foco na n atureza das diferenças hu manas, se
essas eram de natureza genética (conservadores de direita) ou determinada pelas condições
materiais de v ida (liberais de esquerda).
Nessa esteira, Hobsbawm (1995, p . 533) lembra que
o conceit o de raça ilustra bem essa interação. A lembrança das políticas
raciais nazistas tornou praticamente impensável que intelectuais liberais
(o que incluía a maioria dos cientistas) operassem com esse conceito.
Está-se diante do homem tecnoló gico, “que oscila suas ações entre a criação d e
novos benefícios extraordinários e a insólita destruição de si mesmo e da natureza”
(GARRAFA, 1998, p . 99). Desta liberdade científica, p or ela e em nome dela, o homem
adquiriu “também novos p oderes sobre a vida humana em seu p róp rio início e nos seus
primeiros estágios, com conseqüências imp revisíveis” (DOUTRINA DA FÉ, 1987).
Diante dessa p roblemática, ch egou-se a p ensar que a ciência mesma p oderia ela
próp ria se conduzir. Entretanto, devido ao fato de que “não se p odia divorciar a pesquisa
das conseqüências sociais da tecno logia que ela agora, e quase imediatamente, gerav a”
(HOBSBAWM , 1995, p. 534), essa idéia falhou. De fato,
[...] a ciência a e técnica, preciosos recursos do homem quando são postos
ao seu serviço e promovem o desenvolvimento integral em benefício de
todos, não podem indicar sozinhos o sentido da existência e do progresso
humano [...] sem a consciência, a ciência só pode conduzir a ruína do
homem. (DOUTRINA DA FÉ, 1987).
Tão logo, não se p ode esp erar que a ciên cia conduza-se a si mesma. No caso em
tela, as imp recisões e limitações de ordem técnica são as maiores barreiras ao co gitar novos
avanços. A nota global desses avanços torna todos os habitantes do globo em p otenciais
beneficiados e em potenciais vitimas de usos inconseqüentes. A vítima dessa
irresp onsabilidade biotecno ló gica é tanto o cid adão do mundo dito desenvolvido (ond e as
condições materiais favorecem exp erimentos mais complexos, como as técnicas de
clonagem, assim como nas discriminaçõ es genéticas), quanto em desenvolv imento (as
pop ulações autóctones que tem seu p atrimônio genético vio lado p or pesquisadores do Norte
com finalidad es ignoradas (OLIVEIRA e VIEIRA, 2006)).
Isso gera a necessidad e que reflexões de ordem deontoló gica, fora das
biotecnociên cias, sejam instigad as a ap resentar uma resp osta, uma decisão a esse grande
conflito.
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105
3. O Contexto Tecnocrático
A questão do p oder biotecnológico é u ma questão p róp ria da sociedade tecnocrática.
A característica básica de um sistema tecno crático é a p redominân cia da ciência, d a
previsibilidade cientifica co mo base p ara as decisões que irão reger a sociedade.
Partindo das reflexõ es de Fisichella (1999), em termos gerais, tecnocracia é u m
modelo de gestão do p oder nascido na sociedad e de alto nível de desenvo lvimento
industrial, que tem como fundamento a comp etência e a eficiên cia. Trata-se de um
fenômeno industrial, onde a necessidade de exp ansão macroeconô mica e concentração
emp resarial p ulverizaram a titularidad e de d ireito através do mercado d e açõ es e
concentraram o p oder de decisão no grup o diretor dos meios de p rodução. Em outras
palavras, é a prep onderância do momento de fato – a direção da indústria – sobre o
momento de direito – os titulares das ações exercem pouco poder de fato sobre as nuances
mais decisivas da vid a emp resarial.
Transp ortado p ara a gestão do p oder estatal, a tecnocracia é um modelo que tem
como substrato uma sociedade tecnologicamente p lasmada e qu e, tal como u ma indústria,
busca a máxima eficiência através da ação comp etente do homem sobre a natureza. Para
liderar esse p rocesso estará o tecnocrata, que se op orá à gestão p olítica do p oder estatal
qualificando-a como in comp etente, p articularista e irracional e p rop orá um modelo no quais
as decisões seriam fundad as em cálculos, p revisões cientificas, p lanos gerais e p rogramas
emp resarias voltados p ara a racionalidad e do desenvolv imento econômico.
Dentro desse contexto, no afã de construir uma sociedade eficiente, seria
interessante p ara a tecnocracia usar d e intervenções tecnoló gicas sobre a v ida p ara modelar
a p róp ria natureza humana, ou seja, reinventar o ho mem à imagem e semelhança de seus
desígn ios de uma sociedad e eficiente.
O que se p retende com isso? Eliminar da socied ade seres humanos que sejam
incap azes de exercer sua autonomia diante de uma sociedad e altamente comp etitiva
(eutanásia), impedir seu nascimento (aborto) e p revenir seu nascimento (esterilizaçõ es em
massa), além da p ossibilidad e de definir as qualidad es necessárias a uma pessoa ainda no
útero p ara resp onder p ositivamente às demandas sociais.
Denúncias dessas p ráticas ap arecem à margem da grande míd ia, p rincipalmente
através da voz da Igreja Católica. De acordo com João Paulo II (1995), na encíclica
Evangelium Vitae, o Ocid ente porta em si u ma grande contradição ao p roclamar extensas e
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106
belas declaraçõ es de direitos e, dentro de seus sistemas jurídicos, negar esses mesmos
direitos àqueles qu e estão mais vulneráv eis, e por isso mesmo mais necessitam de proteção:
a mulher, a criança, o enfermo e o idoso.
Souza (2001, p . 57) também reconh ece o caráter p aradoxal dos avanços da ciência
assevera que os p rincip ais imp actos negativos estão na neoeugenia. O autor a subdiv ide em
eugenia p ositiva, que “intenta o melhoramento da esp écie humana, seja eliminando os
caracteres gen éticos indesejáveis, seja alterando-os, selecion ando-os ou rep roduzindo-os”, e
em eu genia negativa, que “serve ap enas p ara ev itar ou p revenir a extensão dos fatores
gen éticos danosos”.
Entretanto, qualquer ação social orientada co m fins eu gênicos tem um traço
tecnocrático. João Paulo (1995) se refere várias vezes a esse sintoma tecnocrático ao
lembrar dos embriões excedentes nas fertilizações artificiais que são usados como material
bioló gico p ara pesquisas; que para evitar um ônus social imp rodutivo é p rop osto sup rimir
recém-n ascidos defeituosos, deficientes, inválidos, idosos e doentes termin ais; do p oder
tirânico de disp or da vid a dos mais fracos em no me d a eficiência social. Em síntese, ele
considera que
[...] o critério próprio da
altruísmo e do serviço –
funcional e da utilidade: o
por aquilo que ‘tem, faz e
mais fraco.
dignidade pessoal – isto é, do respeito, do
é substituído pelo critério da eficiência, do
outro é apreciado não por aquilo que ‘é’, mas
rende’. É a supremacia do mais forte sobre o
Enquanto a tecnocracia p rop õe uma ação voltada p ara modelar a natureza human a,
através do conhecimento, deve-se lembrar semp re que “tais técnicas p odem consentir ao
homem ‘tomar nas mãos o próp rio destino’, mas exp õem-no tamb ém ‘a tentação de
ultrap assar os limites de um domínio razoável sobre a natureza’” (DOUTRINA DA FÉ,
1987).
Refletindo sobre a clonagem, a Pontifícia Academia p ara a Vid a (1997) faz uma
advertência v álida p ara todo esse contexto, ao concluir que “é nesta p ersp ectiva que se
enquadra a ló gica da produção industrial, dev er-se-á exp lorar e favorecer a p esquisa de
mercado, ap erfeiçoar a exp erimentação, p roduzir modelos semp re novos”.
Frente a essa p roblemática, que já bate à p orta das consciências indiv iduais co m
insistência e diante de tantos caminhos a seguir, qual dev e ser escolhido ? Afin al, ond e está
a saída para d esviar os avanços da ciência, em si desejáveis quando p ostos ao serviço da
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107
dign idade hu mana, d e usos irresponsáveis quando conju gados co m um sistema
tecnocrático, que esp ezinha a dignid ade humana em nome do lucro imediato?
Com efeito, é necessário p romover um saneamento ético, e tão logo jurídico, d a
biotecnolo gia. Frise-se, é p roposto um saneamento, não uma limitação, uma v ez que os
avanços da biotecno lo gia são desejáveis, mas são axio lo gicamente neutros, ou seja, não
portam nenhum valor intrínseco. Dada essa neutralidade axioló gica, eles p odem ser usados
por uma sociedade tecno crática na p ersecução d e seus fins de u ma sociedade eficiente,
incidindo em todos os atentados à dignid ade hu mana já arro lados. Com isso, se faz
necessário que o ordenamento jurídico intervenh a, dado a insuficiência da bioética, uma
vez que ela não obriga juridicamente.
Entretanto, p ara a intervenção do Direito - que como assinala Ferraz Júnior (1980),
o Direito não resolve os conflitos, apenas os decide, imp edindo que se perp etuem - será
necessário um referencial de dignidade humana. Hoje, o referencial de d ignidad e humana
mais aceito é o prop osto p elo discurso dos direitos humanos, aind a qu e se coloquem v árias
resistências de ordem cultural por p ovos não-ocidentais.
Essa resposta, ou decisão p elos direitos humanos no saneamento da b iotecnolo gia,
que se p retende elucidar a seguir.
4. A Resposta dos Direitos Humanos
Como se p ode assinalar, as conqu istas e os avanços da ciência são ambíguos, trazem
um p aradoxo iman ente. No mundo globalizado da técnica, o domín io da ciên cia é fonte
incomensuráv el de p oder; p oder esse que traz a p otencialid ade de ser usado na dominação
cruel e imp erialista quanto de serv ir à difusão do bem geral e no ap erfeiço amento das
condições d e vida de cada ser humano. Todo poder deve ser saneado, a fim de n ão ameaçar
a vida, a liberdad e, a segurança, e sobretudo a dignid ade humana. Bobbio (2004, p . 229)
assinala que
[...] hoje, as ameaças à vida, à liberdade e à segurança podem vir do poder
sempre maior que as conquistas da ciência e das aplicações dela derivadas
dão a quem este em condições de usá-las. Entramos na era que é chamada
de pós-moderna e é caracterizada pelo enorme progresso, vertiginoso e
irreversível, da transformação tecnológica e, consequentem ente, tam bém
tecnocrática do mundo66 .
66
Grifo nosso
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Para que esse poder advindo do avanço tecnológico p ossa servir a interesses
pacíficos, ele deve ser disciplinado p or uma ordem jurídica que o d esvie d e trágica
finalid ade. Tendo sempre em mente a nota global que esse p oder assume na socied ade
tecnocrática, a ordem jurídica que p retende fazer esse saneamento não p ode estar adstrita às
fronteiras nacionais. Nas p alavras de Andorno (2004, p . 229),
[...] na medida em que a ciência se torna cada vez mais e mais
globalizada, uma resposta coerente e efetiva aos novos desafios
levantados pela ciência devem também ser globais. Além do mais,
regulamentos domésticos nessa área podem ser facilmente burlados num
simples cruzar de fronteiras.
Ao romper essas fronteiras, está-se diante do direito cosmop olita, p ara usar a
terminologia k antiana.
Kant identifica uma tendência na h istória da human idade p ara uma ordem jurídica
mundial, u m direito cosmop olita. Bobbio (2004, P.145) lembra que
[...] Kant sabia muito bem que a mola do progresso não é a calmaria, mas
conflito. Todavia, compreendera que existe um limite para além do qual o
antagonismo se faz demasiadamente destrutivo, tornando necessário um
alto disciplinamento do conflito, que possa chegar até a construção de um
ordenamento jurídico universal.
Transp ortando essa p onderação p ara a realid ade em apreço, pode-se en xergar que as
biotecnociên cias e todos os conflitos que as cercam têm u m sentido do irrenun ciáv el
progresso tecnológico do homem. Mas quando esse conhecimento p ode ser posto ao
interesse meramente tecnocrático, com todas as suas conseqü ências, se faz necessário um
discip linamento desse conflito p or uma ordem jurídica universal. Há uma decisão, que p õe
fim ao conflito, imp edindo que se p erpetue.
Esse direito cosmop olita estaria p ara a cidade do mundo, p ortanto os titulares desse
direito seriam cad a ser humano ind ividualmente e a humanidad e co mo um todo. Assim, “se
chegou progressivamente, no que se refere à associação dos povos da Terra (...), a tal nív el
que a violação de u m direito ocorrida em um p onto da Terra é percebida em todos os
outros”. O direito cosmop olita é “o necessário coroamento do código não escrito, tanto do
direito público interno quanto internacional, para a fundação de um direito p úblico geral e,
portanto, p ara a realização da paz p erpétua” (KANT ap ud BOBBIO, 2004, p. 147).
A Declaração Univ ersal dos Direitos do Homem, que “é a única p rova através d a
qual um sistema d e valores pode ser considerado h istoricamente fundado, e, portanto
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reconhecido: e essa p rova é o consenso geral acerca d e sua validade” (BOBBIO, 2004, p.
46). Desta maneira, está exp resso nos direitos humanos o ideal un iversalista kantiano de um
direito cosmop olita, fundado no reconhecimento da dignidad e inerente de cad a ser humano.
De fato, nos direitos humanos en contra-se a p lataforma ideal p ara o saneamento das
biotecnociên cias, uma vez que p reenche o necessário requ isito de universalid ade.
Entretanto, a aceitação dos direitos humanos no saneamento das biotecnociên cias n ão é
pacífica. Há os qu e afirmam a d iversidad e cu ltural como uma das barreiras a transp or.
Entretanto, Bobbio assegura que os direitos humanos enquanto valores p odem ser
considerados historicamente fundados, enquanto apoiados no consenso. A tática dos
direitos humanos no saneamento das biotecnociências funda-se em que o discurso dos
direitos do homem é o mais aceito quando se fala em dignid ade humana.
Enquanto secularização da idéia grego-cristã de homem, a dignidad e da p essoa
humana é o p onto em torno do qu al giram os debates sobre as interven ções tecnoló gicas
sobre a vida. Em todos os seus ap elos, o discurso da Igreja – enquanto autoridade moral –
reflete exatamente a p reocup ação chav e com a d ignidad e da p essoa humana. De acordo
com Dallari (1998), a percep ção de que o homem é um ser associativo, é que faz que todas
as culturas, ainda que variem de p equenas e sup eráveis p eculiaridad es, dêem à vid a um
valor ético, ou seja, uma dignidade. Isso se deve, em parte ou no todo, ao p róp rio fenômeno
da relação co m o sagrado e a sacralização d a vida.
Longe de qu erer discutir se a dign idade hu mana – fundamento dos direitos humanos
– é ou não universal, p refere-se assumir que seja, d e fato, um v alor un iversal e absoluto.
Até p orque negar-se essa universalidad e é sinôn imo de negação dos p róp rios direitos
humanos, e qualquer p essoa que assuma seriamente os direitos humanos deve considerar a
“vaga, mas p oderosa idéia de dign idade human a” (DWORKIN ap ud ANDORNO, 2002, p.
960).
Andorno (2002) assevera u m dos princip ais motivos que fazem dos direitos
humanos a p lataforma id eal p ara o saneamento d as biotecnociências: o consenso p olítico
universal sobre a p roteção dos direitos humanos. De fato, os direitos humanos rep resentam
uma lin guagem amp lamente mais aceitável do trato da dignid ade hu mana do qu e as
formulaçõ es bioéticas. Lon ge de querer p olitizar a bioética ou desvirtuá-la, transformando-a
mais em militância e menos em reflexão, o discurso dos direitos humanos é o único cap az
de conferir com efetividad e uma p roteção à dign idade humana que tenha um
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HUMANOS DA UFPB
110
enquadramento mundial. Ap esar das discussões em torno de sua fundamentação, h á um
consenso de que os direitos humanos devam ser resp eitados (BOBBIO, 2004).
Partindo do p ressup osto que a legislação internacion al em direitos humanos guard a
valores que transcendem a pluralidad e cultural e filosófica da p ós-modernidad e, e
considerando a imp ossibilidade d e que os países isoladamente possam regulamentar a
questão do biotecnop oder, qual a instância que p ode prop or regulamentos orientados p ara a
garantia dos direitos humanos no tratamento das biotecnociências?
É da Organização Nações Unidas, enquanto instância máxima p ara a manifestação
dos p ovos da Terra, o dever se ser sensível a esse conflito e mobilizar o seu ap arato
institucional na tarefa de san ear a biotecno lo gia através dos direitos humanos. A UNESCO
(Organização das Nações Unidas p ara a Educação, Ciên cia e Cultura) já se faz sentir
através da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, na
Declaração Internacional sobre os Dados do Genoma Humano e, em 2005, na Declaração
Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. De fato, a UNESCO reclama para si o múnus
de
[...] identificar princípios universais, baseados em valores éticos comuns,
para orientar o desenvolvimento cientifico e tecnológico e as
transformações sociais, de maneira a identificar os desafios emergentes da
ciência e tecnologia, levando em conta a responsabilidade da s gerações
presentes frente às gerações futuras,
e também reconhece que
[...] questões bioéticas, que necessariamente tem uma dimensão
internacional, devem ser tratadas como um todo, fazendo uso dos
princípios já afirmados na Declaração Universal sobre o Genoma Humano
e os Direitos Humanos e na Declaração Internacional sobre os Dados do
Genoma Humano.
5. Conclusão
O desenvolvimento biotecnológico trou xe para human idade n ão ap enas novas
tecnologias que au xiliam a manutenção da vida human a, mas suscitou discussões éticas em
torno de técnicas de intervenção tecnoló gica sobre a vid a. Toda essa contenda se agrav a e
urge p or resp ostas efetivas e globalmente ap licáveis quando há a con ju gação entre
biotecnolo gia e tecno cracia, ond e se esp ezinha a dignid ade hu mana em nome do lucro
imediato.
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111
Diante dessa urgência, a bio ética isoladamente não p ode p rover uma proteção
satisfatória, dada à ausência de coercibilidad e. Frente à p roteção do homem b iológico, se
faz necessário que todos os p aíses p ossam p romover essa p roteção em seus ordenamentos
jurídicos internos de maneira uníssona, sob pena de lacunas que comp ortem os chamados
‘paraísos genéticos’.
Nesse contexto, surgem os direitos humanos como p lataforma ideal p ara o
saneamento da biotecno lo gia, d ado o seu caráter universal e crescente consciência de
proteção disp ensada a esses direitos. Além disso, as Declarações da UNESCO surgem
como mod elo para que todos os países possam internalizá-las em suas legislações,
garantindo o máximo de assistência aos mais vulneráveis nesse desenrolar: o enfermo, o
idoso, a mulher e a criança.
67
Ap esar das críticas feitas aos docu mentos da UNESCO nesse camp o , a d ignidad e,
que difere o homo sapiens sapiens dos outros animais, se vê p rotegida se as intervenções
tecnológicas sobre a vida tiverem com fim absoluto a p romoção dessa dignid ade,
corroborando p ara o aperfeiçoamento das condições de vida de cad a membro da família
humana.
6. Referências
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Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, v.4, n.1, p .41-61, dez. 2002.
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Acesso em: 25 nov. 2006
67
A P ontifícia Academia para a Vida (1998), se manifestando acerca da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e
os Direitos Humanos, critica-os pelo fato de não delimitarem quem são seus titulares, os sujeitos a quem se destinam os
direitos ali proclamados, notadamente o embrião e questões como de quando teminício a vida humana. De fato, em nome
do consenso mínimo possível, todos os documentos da UNESCO se afastam dessa polêmica.
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HUMANOS DA UFPB
112
DALLARI, D. de A. Bioética e direitos humanos. In: FERREIRA, Sergio Ib iap ina;
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Cultura e Educação em Direitos
Humanos
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RELATO DO CURSO DE MULT IPLICADORES EM TEATRO DO OPRIMIDO:
formação emancipatória em diretos humanos
Carolina Salvador Schmid
68
Introdução
O “Curso de M ultip licadores em Teatro do Op rimido: formação emancip atória em
direitos humanos”, cujo inicio deu-se em maio do p resente ano, é realizado pelos estudantes
do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Pop ular (NAJUP), da Faculdade de Direito
da Universidade Fed eral d e Goiás (UFG).
A forma de se fazer extensão na Univ ersidade já era tema de d iscussão do NAJUP e
tal forma foi repensada no p resente projeto, no sentido de se reaproximar estudantes de
direito e socied ade em geral, distanciados p or um ensino sup erior de p rática muitas vezes
elitista.
Com um olhar atento à realidade brasileira, constata-se o crescimento de p roblemas
sócio-econômicos e conseqüente desresp eito a direitos fundamentais. Conscientes de que
não basta convocar mestres de boa fé para ministrarem p alestras em lin guagem, qu ando não
inacessível, num contexto que não diz resp eito ao da comun idade em foco, os p articip antes
do curso objetivam conhecer as p essoas com as quais manterão contato, a realidad e delas, a
fim de estabelecer um diálo go de igual p ara igual, nu ma troca horizontal de conhecimento e
enriquecimento mútuo.
O Teatro do Op rimido, intimamente ligado com a educação p op ular idealizada p or
Paulo Freire, se ap resenta como meio de se combater os monó logos entre op ressores e
op rimidos, a fim de que se estabeleça um diálogo entre seres humanos, acima de tudo.
O Teatro do Op rimido (TO), como técnica de Assessoria Jurídica Pop ular, torna-se
um meio d e interven ção social e p olítico. O TO re-situa o indivíduo em seu entorno social,
retirando-o do marasmo, desvela relações de poder, desmascarando a vio lência simbólica e
a sutileza da dominação gerando uma reflexão qu e mostra outros ângulos do mundo e das
relaçõ es sociais.
68
Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG) e membro do Núcleo de Assessoria Jurídica
Universitária P opular (NAJUP -GO). E-mail: [email protected]
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O enorme p otencial transformador p resente no trip é Assessoria Jurídica Pop ularEducação Pop ular-Teatro do Oprimido leva à criação de um curso de extensão p ara estudo,
discussão e p rática do método Boal de Teatro. Com mais esse instrumento de
transformação social, fortalecido também estará o arsen al de luta por direitos humanos e
conseqüente democratização do acesso à justiça.
Teatro do Oprimido: princípios básicos
O Teatro do Op rimido consiste num conjunto de técn icas, jo gos e exercícios teatrais
fundamentado em dois p rincíp ios básicos, que devem ser considerados semp re que se falar
em Teatro do Oprimido. São eles, nas p alavras do seu p róp rio mentor: “a) a transformação
do esp ectador em p rotagonista da ação teatral; b) a tentativa de, através dessa
69
transformação, modificar a socied ade, e n ão apenas interp retá-la ”.
Retirar o esp ectador da ap atia tão freqüente e p rejudicial, transformando-o em
protagonista da ação dramática e da p róp ria vida, eis a essência e a razão de ser do Teatro
do Op rimido.
As Categorias
Quem nunca rep arou no modo absolutamente singular co m que as crianças
interp retam e reagem aos acontecimentos mais banais e rotineiros? Estão constantemente
em alerta p ara novas cores, sons, sabores, o p róprio corpo sendo desvendado, tudo é
novidade e d escoberta. Com uma criatividade e uma curiosid ade inv ejáv eis, as crianças
adentram no mundo ad mirav elmente misterioso e instigante à sua volta.
Feliz ou infelizmente, as crian ças crescem. Viram nós, os adultos. E a curiosidad e e
a criatividade que as acomp anhavam são esquecid as, deixadas d e lado p elos grand alhões
que, satisfeitos com uma p equena p arcela de mundo descoberta, na aventura de sentir e
conhecer colocam um ponto final.
As diversas atividades que realizamos no d ia-a-d ia exigem d e nós certas adaptações.
Esp ecializamo-nos em determin ados afazeres, limitando a amp la gama de sensações que
nossos sentidos p odem nos p rop orcionar. Essa mecanização física e p síquica nos faz sentir
semp re os mesmos cheiros, andar semp re do mesmo modo, ver (ou não ver) semp re as
69
Augusto BOAL. Jogos para atores e não atores. p. 319.
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mesmas co isas, nos relacionar semp re de uma ou outra maneira, enfim, o inusitado, o
criativo, a novidade, são p or nós p ostos em segundo plano, quando não esquecidos.
O Teatro do Oprimido, assim co mo também certas técnicas teatrais tradicionais,
busca quebrar, pouco a p ouco, a armadura que “castra” a multipotencialidade humana.
Partindo da concep ção de que todo ser humano é exp ansivo, constrói-se uma estética
baseada em jo gos e exercícios cuja realização envolve uma série de movimentos, sons,
cheiros e imagens extracotidianos, através dos quais tenta-se desmecan icizar o corp o e
libertar a mente.
O arsenal de jo gos e exercícios do TO é divid ido em cinco categorias, de acord o
com o sentido que se deseja amp liar, são elas: sentir tudo que se toca, escutar tudo que se
ouve, ativar os vários sentidos, ver tudo que se olha e a memória dos sentidos.
Quantas vezes, em nosso dia-a-dia cronometrado e caótico, tocamos em algo e não o
sentimos realmente? Ou, ao final do dia, diante de tantos sons que visitaram nossos
ouvidos, não demos a d evida atenção a n enhum? Ou ainda quando, desatentos, deixamos de
ver os rostos diferentes e coloridos que conosco esbarraram pelas calçad as da vida?
O cotidiano nos imp ede de ver e sentir além dele. E um dos p rincip ais motivos,
conseqüência de nossa mecan ização corp oral, é a sup ervalorização da visão. Certamente
este é o sentido mais manip ulador que p ossuímos. Imp ressionante como os cegos, na falta
da visão, buscam outras p ossibilidades de p ercep ção do mundo à nossa volta, realizando
atividades como se en xergando estivessem. Já p ensou na p ossibilidade d e ver, ouv indo? Ou
de conhecer o mundo pelos seus diversos cheiros? Há muito mais entre o céu e a terra do
que p ensamos nós e nossos limitados sentidos...
A título de curiosidad e, enu meramos aqui alguns dos exercícios do TO realizados
pelos p articip antes do curso em qu estão. Tem-se, como rep resentante da p rimeira categoria
(sentir tudo que se toca), o hipnotismo colombiano: em dup las, um hipnotiza o outro,
invertendo-se os p ap éis ao final d a ativid ade. O hip notizado deve seguir com a cabeça a
mão do hip notizador, mantendo semp re a mesma d istância entre as duas. Este, p or sua vez,
deve buscar fazer co m que o hip notizado movimente todos os músculos possíveis de seu
corp o, concretizando as p osições mais inusitadas. Depois da inversão dos p ap éis, a dup la se
hip notiza mutuamente, havendo v ariantes co m mais de do is p articip antes hip notizando-se
simultaneamente.
A segunda categoria, escutar tudo que se ouve, p ode ser exemplificad a com a
máquina do ritmo. Nesse exercício, forma-se um círculo e um voluntário posiciona-se ao
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centro. O curin ga p ede, então, que ele inicie u m mov imento e depois alie a este um som
qualquer. Dep ois de algumas rep etições, os outros p articip antes devem se juntar, um a um e
também com um movimento e um som, ao pioneiro da máquina. Ao final, ter-se-á uma
máquina de ritmo, na qual cada p articip ante atua como uma en grenagem do todo. O ritmo
da máqu ina p ode ser acelerado e d esacelerado, bem como p ode ser uma máquin a temática,
como a máquina do amor, do ódio, d e Goiânia, dos sonhos etc.
Ativar os vários sentidos é a terceira categoria, que consiste, basicamente, em
exercícios que ob jetivam libertar nossos diversos sentidos do p oder controlador e
monop olizador da visão. Um exercício bastante interessante é a floresta d e sons, no qual,
em dup las, um será o guia e o outro, o seguidor. Este deverá fechar os o lhos e seguir o seu
guia, que, movimentando-se p elo esp aço, emitirá um som de um animal qualqu er a fim de
possibilitar o seu reconhecimento p or p arte do segu idor, que deverá and ar em direção ao
som assim que este se manifestar. Cessando o som, o seguidor deve parar. O guia é
resp onsável p ela segurança do seu colega, já que no mesmo esp aço haverá mais de uma
dup la e choques entre os “cegos” são co muns em grup os iniciantes. Os p ap éis devem ser
trocados ao final da atividade.
A quarta categoria consiste em ver tudo que se olha, e dentre a sua gama d e
exercícios p odemos citar o completar a imagem. Uma dup la voluntária simula um aperto de
mãos qualquer. O coringa grita “p ára” e, em seguid a, p ede que uma d as pessoas da dup la
saia da imagem. A que restou deve p ermanecer na p osição inicial. Trabalh am-se, então, os
diversos sentidos da imagem, e uma p essoa nela é convidad a a entrar, interagindo e
formando uma nova imagem, normalmente n ão relacion ada co m a inicial. Ped e-se, então,
que se formem dup las a fim de p raticar o que foi trabalhado pelos voluntários.
Por último, a memória dos sentidos objetiva buscar em cada ator lembranças d e
sensações p assadas, relacionando memória, emoção e imaginação, o que mu ito facilita na
elaboração de u m esp etáculo.
Vale lembrar que discutir as impressões de cada exercício, simbolo gias,
intertextualidad es, relaçõ es com a realid ade, é essencial p ara um efetivo ap roveitamento
das atividades p rop ostas.
As categorias do Teatro do Op rimido são co mp ostas, como já exp licitado e
exemp lificado, por exercícios e jo gos que trabalham outras p ossibilidades de ser, e isso
amp lia o modo ver, sentir, p erceber o mundo. Tais atividades são utilizadas na formação de
atores e corin gas (facilitadores das oficin as de TO), bem como são alguns dos exercícios
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praticados como aquecimento e descontração p ara o p úblico p articip ante de oficinas do
Teatro-Fórum.
As Formas
Há diversas formas de se colo car em p rática o Teatro do Op rimido, desde as
intersubjetivas, como o Teatro-Fórum, até as mais introspectivas, como o Arco-íris do
Desejo. Cada forma teve sua razão para nascer e existir. A seguir serão exp licitadas, de
maneira sucinta, algu mas delas.
O Arco-íris do Desejo busca relacionar a op ressão intersubjetiva com a introjetada,
tendo esta origem naquela. Uma de suas técnicas p rincip ais, O Policial na Cabeça, mostra
que, se ele existe, de algu m quartel veio, exterior à subjetividade do sujeito70.
O Teatro-Jornal consiste em técnicas de transformação de textos jornalísticos em
cenas teatrais. Co mbinando imagens e p alavras, revela o d iscurso e a ideologia camuflados
pelo manto da objetividade e imp arcialidade. Foi desenvo lvido inicialmente p elo grup o
Núcleo do Teatro de Arena de São Paulo, do qual Boal foi d iretor de 1956 até 1971, quando
teve de abandonar p aís.
Uma forma muito utilizada p or Boal enquanto esteve exilado, de 1971 a 1986, fo i a
do Teatro-Invisível. Semp re p resente nos trens, bares e restaurantes europ eus, caracterizase p ela simulação de u ma situação de op ressão real e do cotidiano, n a qual o p úblico, não
sabendo que se trata de uma en cenação, p articip a esp ontaneamente da rep resentação. É u ma
das formas mais difíceis, exigindo muita p rep aração dos atores, que devem ev itar revelar se
tratar de uma teatralização.
A dificuldad e de co municação entre Boal e indígen as do Peru, Colômbia, Venezuela
e M éxico, levou à criação da técn ica do Teatro-Imagem. Sem utilizar palavras, têm-se
como único recurso p ara co municação o corp o e suas inúmeras formas de manifestação. Os
atores rep resentam uma imagem d e op ressão e, a seguir, o corin ga conv ida o público a
construir, com os atores ou consigo mesmo, u ma imagem ideal, de como gostaria que fosse
aquela relação na realidade. Em seguida, comp aram-se as duas cenas, construindo-se uma
imagem de transição entre as duas situações, rep resentativa de formas de transporte da
imagem ideal p ara a realid ade.
70
Augusto BOAL. teatro do oprimido e outras poéticas políticas. p. 19.
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O Teatro-Fórum, p ela sua extrema imp ortância e amp la divulgação mund ial, será
analisado em tópico p róp rio.
Não se objetivou, neste breve resumo das formas do TO, esgotá-las, nem limitar as
diversas maneiras de se p raticar cada forma. O p ontap é inicial foi dado para aquele que
encantado também se deixou ficar p or essa maneira não tão nova, mas semp re inovadora,
de se fazer teatro.
Teatro-Fórum: O Teatro Como Ensaio Para A Ação Na Vida Real
Como já exp osto anteriormente, o TO baseia-se em dois p rincíp ios fundamentais,
que no Teatro-Fórum tornam-se mais evidentes.
A ap atia característica da televisão e do teatro tradicional é quebrad a p elo TO. A
tela da TV e a película invisível qu e faz co m que atores ignorem o p úblico durante suas
encenações é retirad a: o esp ectador agora é espect-ator, age, interp reta, exterioriza seus
sentimentos, suas idéias.
O tema do espetáculo em si também é mod ificado: têm-se necessariamente a
encenação de uma relação de op ressão (sexual, social, racial, étnica, p atronal etc), na qual
op ressor e op rimido entram em conflito. Imp ortante destacar aqui que a opressão não deve
ser repressiva, o op rimido não p ode estar, p or exemp lo, em frente a um muro de
fuzilamento, p restes a ser morto; p elo contrário, deve se tratar de uma relação de op ressão
na qual há alternativas, entretanto o op rimido age de maneira equivo cada, deixando-se
op rimir.
Antes, contudo, do início do Teatro-Fórum, é recomendável que o corin ga exp lique,
rap idamente, o que vem a ser o Teatro do Oprimido, um p ouco de sua história, bem como
aplique alguns exercícios e jo gos p ara aquecimento e descontração dos esp ect-atores.
Ap ós a encenação, o curin ga p rovoca a reflexão do público acerca da op ressão em
questão, convidando-o a entrar em cena, substituir o p rotagonista e teatralizar suas idéias.
Não deve o curin ga, em hip ótese alguma, dar resp ostas ou indicar soluções, seu pap el é o
de p roblematizar, questionar, p rovocar. Cabe ao facilitador do TO (curinga) também
controlar eventuais excessos dos atores e espect-atores, como, p or exemp lo, nos casos em
que os interventores, modificando a p ersonalidad e e as características p rincip ais do
personagem op rimido, ind icam soluçõ es mágicas, improváveis d e concretização. Tratandose de um ensaio p ara ação na vid a real, as p ossibilidades de resistência à op ressão devem
ser buscadas dentro dos limites sócio-culturais e econômicos do op rimido.
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Intimamente ligado ao Teatro-Fórum está o Teatro-Legislativo, no qual uma
prop osta que surge durante aquele p ode ser votada p ela p latéia e, se ap rovada, encaminh ada
às autoridades comp etentes como p otencial candidata a v irar uma lei.
O Centro de Teatro do Op rimido do Rio de Janeiro (CTO-RIO) já conseguiu, co m
esse método, a ap rovação de quinze leis municip ais e duas estaduais.
O Tripé Transformador: Educação Po pular, Teatro Do Oprimido E Assessoria
Jurídica Popular
Vieira (2006) assim resume, brilhantemente, a atual conjuntura p olítico-sócioeconômica brasileira:
O que se percebe é que, no Brasil, a tão celebrada democracia política
veio desacompanhada da democracia social e a grande agenda da
Constituição de 1988 – a tentativa de conciliá-las – é um projeto que
permanece inacabado, sendo constantemente ameaçado pelos altos índices
de exclusão, que enfraquecem a democracia e impedem a realização da
justiça social.
A efetivação dos d ireitos fundamentais (aqueles positivados p or constituições
estatais) garantidos p ela Constituição de 1988 p assa obrigatoriamente p or um p rocesso que
transcende a mera informação d e direitos e necessita de uma conscientização
emancip atória, que tira da ap atia para o p rotagonismo social. Antes de lutar p ela
concretização dos direitos, é p reciso que a p essoa tenha consciência de que é detentora de
direitos.
A assessoria jurídica p op ular pode ser realizada, b asicamente, de duas maneiras,
bem distintas: uma, a mais tradicional, indiv idualista, paternalista e assistencialista,
caracteriza-se por uma relação d e subordinação entre assessor (dono do saber) e
assessorado (aquele que, ap ático, recebe, caridosamente, a ajuda do “doutor”); outra,
chamad a p or Camp ilon go (1991) d e inovadora, tem caráter coletivista e nãoassistencialista, com p ráticas que visam a eman cip ação do assessorado: nela, há não u ma
hierarquia, mas sim uma relação de coorden ação, na qual todos, assessores e assessorados,
particip am ativamente do caso em questão. Quando se fala em educação p op ular e
assessoria jurídica, certamente é a esta última forma que estamos nos referindo.
Já claro o p erfil de nossos assessores, p assamos p ara a indicação d e traços básicos
da educação p opular. “Ensinar não é transferir conhecimento”: essa frase, de Paulo Freire,
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resume muito do que pensa esse brilhante educador. Deve-se abandon ar a concep ção de
ensino (e também de assessoria) bancária, na qual o “mestre” dep osita na turma seus
estudos, iluminando cada “aluno” co m todo o seu saber. Quem ensina ap rende junto e quem
aprende, ensina também: é uma troca horizontal de conhecimentos, de enriquecimento
mútuo.
Buscamos uma assessoria p autada nos moldes da educação pop ular, que transforme
o esp ectador em esp ect-ator, protagonista de sua vida e das mudan ças sociais. E, nesse
contexto, constitui o Teatro do Op rimido imp ortante ferramenta p ara essa transformação. O
assessor-curinga p õe em questão a opressão encen ada p elos atores, o p úblico a discute e
teatraliza; todos, juntos, trabalham p ara que se tenha, enfim, a tão proclamada e almejada
democracia social.
A união é a força: esse trip é transformador nos p rova que a mudança é p ossível. “O
mundo não é, o mundo está sendo” (FREIRE, 2000).
Objetivos e Metodologia
Os trabalhos desenvolvidos, além de prop orcionar aos nossos assessores mais um
instrumento de assessoria e luta social, v isam incentivar uma mud ança no p rocesso de
conhecimento, afastando a concep ção tradicional do profissional “transmissor de
informaçõ es”. O assessor jurídico é o curinga no p rocesso p edagó gico, v iabilizando a
intensa participação dos membros da comunid ade durante o ap rendizado, de modo a
produzir mudanças de p ercep ção e de co mportamento, atitudes essenciais na busca p ela
efetivação dos direitos fundamentais.
O Curso de Multip licadores do Teatro do Oprimido será desenvolvido através de
oficinas semanais, nas dep endências da Faculdad e de Direito da UFG, nas quais realizar-seá uma série d e exercícios e jo gos presentes nas categorias já analisadas, a fim de se
formarem curin gas e multip licadores em Teatro do Oprimido.
Ap ós o curso, deverão os p articip antes realizar atividades práticas, como oficinas
em lo cais p úblicos, sob a supervisão e avaliação dos curingas. Ao final, receberão um
certificado que indicará estarem ap tos a realizar oficinas de Teatro-Fórum ou outras formas
de TO durante as atividades de assessoria, bem como min istrar outros cursos formadores de
mais curin gas.
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Conclusão
A p eça, já ensaiad a e reprisada inúmeras vezes, cansa seu p úblico ap ático. O cenário
emp oeirado e ultrap assado dá lu gar, inesp eradamente, a novos atores. Estes romp em os
figurinos em trap os, contestam o roteiro mecanicamente decorado, quebram o ritmo
sintomático do ato já doente, p assam a imp rovisar suas p róprias falas. Organizam um novo
esp etáculo, de forma autônoma e livre, o p úblico acorda do sono p uramente espectador:
com a p alavra, os op rimidos.
Referências Bibliográficas
ALFONSIN, Jacques Távora. Assessoria Jurídica popular. Breve ap ontamento sobre sua
necessidade, limites e p ersp ectivas. Resumo da contribuição do autor ao IV En contro
Internacional de Direito Alternativo sobre o tema “Direito e direitos: Democracia,
Constituição e Multiculturarismo”. Florianóp olis, 1998.
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1998.
_____________. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005.
CAM PILONGO, Celso Fernando. Assistência Jurídica e Realidade S ocial: ap ontamentos
para uma tip ologia dos serviços legais. Texto p ublicado na Coleção Semin ários nº 15 –
Discutindo a assessoria p op ular, AJUP/FASE. Rio de Janeiro, 1991.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 14 ºed.
São Paulo: Paz e Terra, 2000.
____________. Pedagogia do Oprimido. 7ºed. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1979.
VIEIRA, Rosiane Rodrigues. “Democracia, Exclusão So cial e Cidadan ia: a questão do
Estado Democrático de Direito Brasileiro”. In: “Antídoto: Para as crises de democracia, o
antídoto consiste em mais democracia!”. Publicação anual do NEP – Núcleo de Estudos e
Pesquisas da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Ano I, Número 1,
2006.
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RELATO S OBRE O CURS O DE INTRODUÇÃO À ASS ESSORIA JURÍDIC A
UNIVERS ITÁRIA POPULAR: pela humanização do ensino jurídico
71
Bruna Junqueira Rib eiro
72
Carla Miranda
73
Júlio César de Andrade
74
Luana Renostro Heinen
75
Lucas Carvalho de Oliv eira
1. Universidade e Ensino Jurídico: Crise
A Universidade é uma instituição social. Como exp lica Chauí (2003), é “uma ação
social, uma prática social fundada no reconhecimento p úblico de sua legitimidade e de suas
atribuições”. Surgid a num momento de transição entre o final do feudalismo do gmático e a
consolidação do liberalismo capitalista, a Universid ade serv iu co mo instrumento de criação
de um saber que serviria ao novo mundo, na p assagem d e um saber mítico p ara um saber
racionalista. E foi exatamente na conquista da idéia d e autonomia do saber em face da
religião e do Estado, num conhecimento guiado por sua p róp ria lógica de invenção e
transmissão, que se fundou a legitimid ade d a Univ ersidade nesse p eríodo (instituição
rep ublicana). Aponta Chauí (2003) que, com as revoluções sociais do século XX e lutas
políticas e sociais p or elas desencadeadas, a edu cação p assou a ser vista como direito dos
cidadãos e a Universid ade co mo instituição social ligada d iretamente à demo cratização do
saber (instituição democrática).
A Universidade é vista, p ortanto, como uma instituição social, cujas mud anças
acomp anham as transformações sociais, econômicas e p olíticas. Entretanto, o caminho que
71
Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Goiás. Membro do NAJUP -GO – Núcleo de Assessoria Jurídica
Universitária P opular de Goiás.
72
Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Goiás. Membro do NAJUP -GO – Núcleo de Assessoria Jurídica
Universitária P opular de Goiás. P esquisadora de Iniciação Científica (P IBIC - CNP q). Membro do Cerrado Assessoria
Jurídica Popular.
73
Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Goiás. Membro do NAJUP -GO – Núcleo de Assessoria Jurídica
Universitária P opular de Goiás.
74
Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Goiás. Membro do NAJUP -GO – Núcleo de Assessoria Jurídica
Universitária P opular de Goiás. P esquisadora de Iniciação Científica (CNPq) do subprojeto “ O Discurso do
Desenvolvimento Sustentável na Construção do Direito Ambiental Internacional”.
75
Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Goiás. Membro do NAJUP -GO – Núcleo de Assessoria Jurídica
Universitária Popular de Goiás. Membro do Grupo Colcha de Retalhos – a UFG saindo do Armário. Bolsista do “ Núcleo
de P esquisa e Extensão em Diversidade Sexual”. Pesquisador de Iniciação Científica (CNP q) do subprojeto "A garantia
constitucional dos direitos sociais das mulheres frente à flexibilização da legislação trabalhista: o caso da cooperativa de
mulheres do Real Conquista".
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a human idade tem p ercorrido em seu processo civilizatório, nos dois últimos séculos, a tem
feito p rimar p ela técnica, identificar seu d estino com o p rocesso de crescimento econômico
e seu objetivo com o consumo. Nesse contexto a Univ ersidade “optou p elo conhecimento
isolado, p assou a organizar-se em unidades eficientes na produção do saber, fechada em
dep artamentos esp ecializados. O universitário p erdeu a dimensão da hu manid ade, e o seu
saber p erdeu a globalidade do hu manismo ” (BUARQUE, 1994, p . 201).
Buarque (1994, p . 17) levanta as mudanças que a sociedade tem exp erimentado e
como tem se p osicionado a Universid ade frente a esse novo contexto:
O final do século ap resenta à humanidade o desafio de imaginar
utop ias alternativas ou de sacrificar valores consolidados nos
últimos séculos, como a igu aldad e e a lib erdade. A ciência começa
a manifestar dúvidas sobre o caminho à certeza. As artes p erdem os
alicerces dos valores estéticos, sobretudo, a técnica reconheceu a
necessidade da ética. Todo o cenário se p rep ara p ara viver a
aventura, mas a Universid ade, acomodad a, reage contra. Limita sua
luta à rep etição, à defesa dos currículos, ao monop ólio do dip loma,
à reiv indicação de direitos e não raros p rivilégios, ao cu mprimento
de normas e p lanos de carreira. A comunid ade universitária
esquece que sua grande aventura está em inventar-se outra vez p ara
ser um instrumento de ruptura, de invenção de um pensamento p ara
conviver co m o p resente e construir o futuro.
Essa resistência da Universidade à inovação e transformação, ao atendimento das
demandas sociais, também se verifica – e talvez até mais acentuadamente – nos cursos
jurídicos, o que reflete um h istórico de conservadorismo.
Aguiar (2004, p . 213) faz uma classificação das Faculdades de Direito conforme a
época em que foram criadas, o que, segundo ele, determina suas histórias diferenciadas.
Conforme essa classificação, a Facu ldade d e Direito da Universidade Federal de Goiás, a
qual está vinculada o NAJUP-GO (Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Pop ular de
Goiás) e local em que se desenvolv e o p rojeto objeto deste estudo, insere-se entre as
primeiras faculdades do p aís, criad as p ara comp or quadros p ara o novo imp ério, que
priorizou formar elites burocráticas a alfabetizar a p opulação. Os currículos dessas
primeiras faculdades foram uma rep etição dos currículos de Co imbra, comp rometidos em
formar novas gerações de senhores. “Disso resultaram instituições conservadoras,
senhoriais, hereditárias em sua formação docente e resistentes às modificações do mundo”
(AGUIAR, 2004, p . 214).
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125
As Faculdades de Direito, em regra, es gotam-se no
estéril momento das aulas dogmáticas e monocórdicas, que mais se
aproximam de um leguleio pomposo e cheio de adereços que só serve
para nulificar os alunos, matar a criatividade dos estudantes mais argutos
e impedir a reflexão crítica e transformadora desse grupo humano
(AGUIAR, 2004, p. 148-149).
Esse sistema de ensino juríd ico p redomin antemente exp ositivo e rep etidor trava a
construção do conhecimento e só permite aos estudantes conformismo, rep etição e
acriticid ade. Como esclarece Pinh eiro (1998, p. 224):
O diagnóstico de tudo isso é um ensino que não participa nem conhece da
vida, dos alunos e da realida de que os cerca. E na mesma medida na qual
se ensina, o Direito também se torna dela afastado. (...) este resultado
também é sentido na vida prática, na doutrina que permanece a mesma e
na jurisprudência que revela paradoxos: em um momento, é extremamente
conservadora, em outro, consegue exercer algumas rupturas com antigos
valores, que não mais satisfazem.
Diante disso não é de se ad mirar que se fale nu ma crise do ensino jurídico d esde
1955 com, Dantas, e que ela já tenha sido mencionad a p or Rui Barbosa (PINHEIRO, 1998,
p. 225). Essa longa crise tem se acentuado ainda mais diante da “crise de paradigma” p ela
qual p assa a ciência
76
e diante dos novos p roblemas que o desenvo lvimento do cap italismo,
tendo-se a lógica do mercado como regente das relações sociais, tem p osto à Universidade
e ao Direito.
Nesse novo contexto, Pinheiro (1998) p rop õe não somente se rep ensar e modificar
os currículos d as Faculdad es de Direito, mas se p ensar em qual dev e ser a função do jurista
na sociedade. Ao jurista deve caber tão somente ap licar e interp retar as normas, como tem
sido até então, ou ele deve ir além disso imp ulsionado p ela insuficiência dessa função?
Entende Pinheiro (1998, p . 213-214) que a necessidade é de “reinventar, de reap render os
conceitos e institutos, com os quais estamos a op erar, modificando-se a essência d e um
Direito que há muito não consegue dar resp ostas aos p roblemas que lhe são ap resentados”.
A função essencialmente valorativa do jurista não d eve ser somente de criticar o Direito,
mas construí-lo através de uma ação transformadora.
76
Ver: SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamento, 1987.
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2. Construção da Extensão Universitária
Os novos p roblemas que se colocaram e se colocam à Universid ade, b em como a
necessidade de democratização do ensino e do cump rimento de sua função de socialização
(colaborar n a integração social da maioria dos ind ivíduos) fez com que surgissem p rop ostas
de mudanças na man eira d e se conceber a Universidade, no seu modelo d e ensino.
Assim, a extensão universitária surge co mo uma resp osta às demandas externas,
como mais uma função assumid a p ela academia na tentativa de responder às indagações
quanto a sua p resença na sociedad e. Nesse sentido esclarece Sousa (2000, p . 120): “Fica
claro que a extensão universitária tem como resp onsabilidade p recípua efetivar as relações
sociais da Universidade com seu meio, de modo tal a fazer dela uma instituição realmente
social e comp rometida com as necessidad es da So ciedade de seu temp o”.
Primeiro p asso dado no sentido de instituir a extensão universitária foi a legislação
de 1931 do então M inistério da Educação e Cultura (MEC) que coloca
a extensão com papel de destaque na execução do que se considera como
função da Universidade, elevar o nível de cultura do povo. [Essa
legislação reforça] a extensão como cursos e conferências e, na prática, na
maioria das vezes dependentes, mas desvinculados das atividades de
ensino e de pesquisa. Já a Lei 5540/68 assume a indissociabilidade entre
as atividades de ensino e pesquisa, e elege a prestação de serviços de
cunho assistencialista como prioridade das ações extensionistas e os
estudantes como principais protagonistas dessas ações (RODRIGUES,
2003, p. 2).
Mas em 1969, com a elaboração do Plano de Trabalho de 75, o M EC op eracionaliza
a extensão através da idéia de co municação co m a sociedade nu ma relação d e mão-dup la.
Universidade-sociedade, p ara a integração com as funções de ensino e p esquisa e com a
sociedade, p ara a articulação, em nível nacional, das diferentes exp eriências de extensão e
para o cump rimento da missão social, numa atuação mais p articipativa da Universidade
(RODRIGUES, 2003, p. 2). Entretanto, é somente a criação do Fórum de Pró-Reitores de
Extensão, em 1987, que formaliza a discussão de políticas de extensão universitária em
nível nacional, e a Constituição Federal de 1988 que consolida a exigência da
indissociabilidade entre ensino, p esquisa e extensão (artigo 207).
De acordo com Rodrigues (2003, p .2) a extensão foi imp lementada como atividad e
das Instituições de Ensino Sup erior - IES somente na década de 1980, numa nova
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127
persp ectiva de produção do conhecimento e do saber, que se daria numa relação direta com
a sociedad e. M as nos adverte Ana Luiza Sousa (2000, p . 120-121):
as dificuldades em identificar uma concepção teórica clara sobre o que
isso significa [função da extensão] têm produzido as mais diversas
práticas e direcionamentos variados. Essa nebulosidade tem produzido um
movimento contraditório. (...) A forma como vem sendo concebida [a
extensão] ao longo da história varia de acordo com os sujeitos de sua
prática.
Nesse sentido, Sousa (2000) faz um levantamento histórico da p rática extensionista
– advertindo que ainda está em movimento e consequentemente em construção –
considerando os p rincipais interlocutores e o eixo-norteador dessa p rática em cada período.
De acordo com o referido lev antamento, em seus momentos iniciais a extensão nas
Universidades brasileiras caracterizou-se p or uma transferência de modelos, da
Universidade popular da Europa e da extensão rural dos Estados Unidos, feita de forma
acrítica e aculturada, o que evidencia a transnacionalização do saber. Trata-se de uma
prática extensionista alienad a, que tem como eixo a difusão do conhecimento p roduzido
como mecanismo de promoção da erudição das massas. Esse modelo ainda p ersiste,
convivendo con comitantemente co m outros modelos.
Um segundo eixo qu e caracteriza a p rática extensionista está marcado p ela presença
do movimento estudantil assumindo a extensão como p rática p róp ria, uma prática-políticocultural-ideo ló gica. Essa p rática instrumentalizava-se p or meio das p romoções culturais e
artísticas. Entretanto, p ouco atingiu a sociedade civ il, estando mais voltada para os próp rios
estudantes, tendo sido assumida com visíveis diferenciações p elas Instituições de Ensino
Sup erior e p elo Estado. Para Ana Luiza Sousa (2000, p .125), p ode-se p erceber hoje u ma
retomada desse eixo d a cultura, que já foi relegado a segundo p lano.
O terceiro eixo ap ontado foi o utilizado p elo Estado no p eríodo rep ressivo (a p artir
de 1964), tratava-se da extensão como p restação de serviços, como assistência às
comunidad es carentes. Já a prestação de serviços quando assumid a p elo movimento
estudantil, p rocurava desenvolver a comunidade não só materialmente, mas tamb ém
intelectualmente e ideolo gicamente para p ossibilitar-lhes sup erar seu estado de miséria.
Assim a extensão p ode ser tanto instrumento de alienação quanto instrumento de
emancip ação, isso vai dep ender de fatores como o contexto em que está inserida, os atores
que a efetivam e as bases teóricas nas quais se fundamenta.
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128
O quarto e último eixo assinalado p or Sousa (2000, p. 126) tem se articulado como
prestação de serviços voltada para a venda desses serviços, numa prática em p arceria com
instituições da sociedade civil, n a qual ambos assumem a mesma missão social. Essa
prática busca se conformar com os paradigmas da eficiência e da qu alidade, ao mesmo
temp o em que outros sujeitos p assam a ter responsabilidade pelos serviços, o que
possibilita distanciamento ou até ausência do Estado. Por fim, Ana Lu iza Sousa esclarece
que a extensão vive um momento de transformação, de recriação, imp ulsionada p elas
demandas e expectativas em que a academia está inserida, bem como p elo momento de
crise generalizada que vivemos. A construção dessa concepção de extensão universitária
deverá refletir sobre sua p rática e sobre o p róp rio modelo de Universidade e d e socied ade
que se almeja p ara o p aís (SOUSA, 2000, p . 128).
O movimento que a Universidade deve fazer, utilizando-se da Extensão
como mediadora desta ação, precisa começar dentro de si mesma e
arriscar-se também fora de seus muros. Suas funções, já amplamente
reconhecidas de produção e disseminação do conhecimento, precisam do
oxigênio de uma práxis revolucionária. Ela precisa estar vigilante quanto a
sua função política de transformação das condições sociais de dominação.
(SOU SA, 2000, p. 129).
2.1. Extensão Universitária nas Faculdades de Direito
Nos cursos jurídicos, falar-se em extensão é tradicionalmente falar em extensão
assistencialista, p restação de serviços: são os Escritórios Modelos ou Núcleos de Prática
Jurídica, nos quais os estudantes, orientados p or p rofessores, fazem trabalhos de
acomp anhamento p rocessual para a “pop ulação carente” u ma relação de mão-dup la, id ade
Samp aio. Esse trabalho se limita unicamente à tradicional ap licação e interp retação do
Direito, ao ap rendizado da tradicional relação advo gado-cliente, na qual o advo gado é o
detentor do conhecimento jurídico e o cliente aquele que necessita dos seus serviços. O
cliente leva até ele seu p roblema e a p artir disso “tudo é por conta do advogado”. Nessa
relação tradicional mu itas vezes o “cliente” p ouco ou nada entende do que está acontecendo
com seu p rocesso, não co mp reende a lin guagem, não comp reende a d emora e se sente
totalmente “nas mãos do advogado”. Esse espaço que serve também p ara ministrar ensino
jurídico prático, p rop orciona um contato sup erficial com a realid ade. E mais, devido a seu
“trabalho individualizante tem uma abran gência limitada e incap az de dar respostas às
novas demandas sociais” (SOUSA JUNIOR, 2006, p . 27).
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129
É o que Camp ilon go (1991) vai d enomin ar de “Serv iços Legais Tradicion ais”, dos
quais p odemos ap ontar como características p rincip ais: individu alismo (atendimento
individualizado, causas individu ais), assistencialismo, p aternalismo, ap atia do advogado
(formalismo e subordinação do cliente p or seu saber jurídico), unicamente legal (utiliza-se
unicamente de mecanismos p rocessuais, sem recorrer a outros caminhos extra-legais p ara a
solução dos conflitos), acesso à justiça confundido com acesso aos tribunais, demandas
clássicas (características individu ais), ética utilitária (quanto às relações entre Estado e
cidadão, tende a ressaltar as incomp atibilid ades entre lib eralismo, democracia e Estado de
bem-estar, o que imp lica em restrição no acesso à justiça e recuos no camp o dos direitos
sociais), busca da certeza jurídica (p autada na concepção de que as relações entre Estado e
cidadão seriam in governáv eis).
3. Assessoria Jurídica Universitária: Uma Proposta Ino va dora
Conhecedores das limitaçõ es que os Serviços Legais Tradicionais ap resentam
diante da conflituosa realid ade social, p rincip almente diante da sua insuficiência como
meio d e “acesso à justiça”, surgem estudos e atuações no sentido de uma p rática jurídica
emancip atória, que responda as novas demandas sociais. “Uma forma de se estabelecer u ma
relação de diálogo mais intenso com a sociedade, p referencialmente os grup os excluídos.”
(NÚCLEO DE ASSESSORIA JURÍDICA EM DIREITOS HUM ANOS E CIDADANIA,
1993, apud SOUSA JUNIOR, 2006, p . 27).
São p ropostas vindas de p rofessores universitários, advogados e outros p rofissionais
do Direito (Jacques Távora Alfonsim, Celso Fernando Camp ilongo, Roberto Ly ra Filho,
José Geraldo de Sousa Júnior, Roberto Aguiar, Antônio Alberto M achado, Antônio Carlos
Wolkmer, Eros Rob erto Grau, M auro Capp elletti, Alexandre Bern ardino), linhas de
pesquisa (Direito Alternativo, Direito Achado na Rua) e grup os de extensão universitária
(NAJUP-GO, SAJU-RS, CAJU-CE, SAJU-BA, RENAJU).
Camp ilongo (1991) ilustra bem essa nova p rática, chamada p or ele de “Serviços
Legais Inovadores”, que, em contrap osição aos “Serviços Legais Tradicionais”, tem como
princip ais características: casos que envolvem “interesses coletivos”, trabalho de
conscientização e organização comunitária, entrosamento diferenciado entre cliente e
advogado (cooperação entre os atores de uma p ostulação jurídica, p ostura p articip ativa e
reivindicante da clientela), educação jurídica p op ular (educação em direitos utilizando-se
métodos da educação dialó gica e p autando-se na “educação p op ular” do educador Paulo
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Freire), treinamento p aralegal p ara autotutela dos direitos (trata-se de uma forma de
substituir a ido latria d a lei, da ciên cia e do p oder p erfeitos p ela redescob erta das suas
imp erfeições e p ela recup eração da autonomia das massas), p olitização das demandas
(conscientização social tanto de advogados quanto da clientela, adoção de u ma exegese
socialmente fundamentada, acesso à justiça é visto de forma mais amp la do qu e acesso aos
tribunais, sendo o Judiciário apenas lócus de atuação e mob ilizando-se recursos em outros
níveis como o legislativo e admin istrativo), atuação em equipes multip rofissionais (equip es
formados p or técnicos de diferentes áreas, o que p ossibilita melhor abord agem d as questões
políticas, econômicas e sociais), demand as de imp acto social, ética co munitária (insiste na
integração entre lib eralismo, democracia e Estado de bem-estar, o que resulta em
alargamento de acesso à justiça p or meio de p rática jurídica libertária e p ostulados de
equidade e a exp ansão dos direitos sociais), p ossibilidade de se estabelecer relações
legítimas entre o p articular e o Estado (p autadas p or p rincípios de obtenção do consenso e
justificação d a obediência, desde que maximizem a comp atibilização entre ambos).
Partindo do contato com esses diversos autores, com sua p roposta de “Serviço Legal
Inovador”, e com a experiên cia de outros grup os de Assessoria Jurídica Universitária, o
NAJUP-GO surge, em 2003, por iniciativa dos estudantes, com a p ersp ectiva de ser, na
Faculdade d e Direito da Universidade Federal de Goiás, um espaço em que se p ossa
questionar o Direito e, p rincipalmente, transformá-lo. Um esp aço p ara se desenvolv er a
assessoria jurídica que
é um trabalho que dá condições efetivas ao estudante de Direito
desenvolver e exercitar a sua práxis social. E por práxis entendemos, não
apenas a face técnico-prática do Direito, mas, sobretudo a capacidade
criativa de reflexão do fenômeno jurídico a partir de um contato direto
com a realidade social, fonte material desse fenômeno. (NÚCLEO DE
ASSE SSORIA JURÍDICA EM DIREIT OS HUMANOS E CIDADANIA,
1993, apud SOUSA JUNIOR, 2006, p.28).
3.1. Curso de Formação em Assessoria Jurídica Universitária Popular:
construção de um espaço de reformulação da percepção do Direito
Inicialmente os membros do NAJUP-GO p erceberam a necessidade d e se
aprofundar o estudo dos autores que trabalham a temática da Assessoria Jurídica, para que
se p udesse de fato desenvolver um trabalho de questionamento e transformação, que
posteriormente ficou eviden ciado p oderia ser efetivado p or meio da Pesquisa-extensionista,
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131
pois como bem relatam os estudantes de Direito da UnB: “Reforçando o sentido de p ráxis
social, a assessoria jurídica tem o objetivo de desenvolver linhas de p esquisa a p artir desse
diálo go com grup os sociais, p ara identificar e fundamentar nessas novas demand as o seu
direito insurgente.”
(NÚCLEO
DE
ASSESSORIA
JURÍDICA
EM
DIREITOS
HUM ANOS E CIDADANIA, 1993, apud SOUSA JUNIOR, 2006, p.28).
Para sanar essa necessidade de ap rofundamento teórico o NAJUP-GO criou em
2004 o “Curso de Formação em Assessoria Jurídica Universitária Pop ular”. O curso, além
de uma forma de ap rofundamento teórico para os estudantes-membros do NAJUP-GO,
serviu como ferramenta de inserção de outros estudantes da Faculd ade n as temáticas
trabalhadas, bem como na p ersp ectiva inovadora a que se p rop õe a Assessoria Jurídica
Pop ular.
O método de aprendizagem se baseou na abord agem d edutiva dos diversos tóp icos
temáticos. O estudo se p autava na p roblematização dos textos, discussão em grup o,
apresentação p or meio de seminários, peças teatrais e outros meios lúd icos. Havia o intuito
de se consolidar um esp aço de discussão sobre a necessidade de transformar a
Universidade, o Judiciário e o ensino juríd ico, fazendo do curso um instrumento na busca
da construção de uma nova ordem sócio-econômica e jurídico-p olítica.
Desde então, o NAJUP-GO realizou p rojetos, oficinas e outras atividades de
formação, com a p arceria de entidades e mov imentos sociais, semp re p rimando p or um
processo educativo dialó gico, de interação e não d e imp osição. Entre 2004 e 2007 foram
realizadas três edições do curso (no ano de 2005 o curso não foi realizado), que todos os
anos p assam p or reformulações, acréscimos e redu ções conforme a exp eriência demonstra
ser necessário num p rocesso de constante avaliação. Tendo em vista que n ão houve o curso
em 2005, o Curso de Formação retorna em 2006 p ara ap rofundar e iniciar o debate, com os
membros que ainda não h aviam p assado p ela experiência. Os módulos en globav am o
estudo de textos que versam sobre Educação Popular, Direitos Humanos, Assessoria
Jurídica Pop ular, Assessoria Jurídica Universitária Popular e Direito Crítico. Este último foi
incluído em razão da necessidade dos p articip antes conhecerem outras vertentes que se
contrap õem ao Direito Tradicional.
O resgate dos temas foi marcado p ela maturidad e dos membros em relacionar suas
reflexões a p ráxis já emp regad a, inclusiv e ao dialo gar com os textos e definir suas
limitaçõ es. O diálo go se enriqueceu com a manifestação de p erguntas sobre os p rincíp ios da
assessoria, uma vez que o curso é d irecion ado p referencialmente aos estudantes do primeiro
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ano de graduação. Trata-se de um p rocesso de crescimento teórico e p rático que teve como
passos seguintes a inserção em outras atividad es extensionistas do NAJUP-GO e a
realização de p esquisas vinculadas a essas atividades. É importante ressaltar, segundo uma
leitura p osterior, que alguns p articip antes do curso não conseguiram visualizar o contexto
em que se insere a Assessoria Jurídica Pop ular (AJP), causando, em d eterminados
momentos, discussões acaloradas qu anto aos temas abord ados, comp reende-se que n em
todos os estudantes se sentiram motivados com a temática e n ão viram na AJP uma
prop osta que lhes encantasse ou estimulasse.
O curso de 2007 foi u m ajustamento da exp eriência de 2006. A ordem de relev ância
dos objetivos mudou um p ouco na medid a em que se priorizou o ingresso de novos
membros no NAJUP-GO. A p ersp ectiva p assou, então, a tratar de temas introdutórios e em
menor temp o, sendo também in cluíd a uma atividade externa obrigatória. Essa ativid ade
externa necessariamente deveria ser alguma atividade vincu lada ao NAJUP-GO ou a
alguma entidad e ou movimento social p arceiros. Exemp lo de atividades externas que os
estudantes p articip aram foi o Grito dos Excluídos
77
que é organ izado por movimentos
sociais em p arceria com a Igreja Católica e realiza-se no dia 7 d e setembro numa
caminh ada p elas p rincip ais ruas de Goiânia-GO, outra atividade foram as Oficinas de
direitos realizadas p elo NAJUP-GO, no Bairro Grajaú em Goiânia-GO p or meio do Projeto
78
de Extensão Promotoras Legais Pop ulares .
77
O Grito dos Excluídos é uma manifestação popular carregada de simbolismo, um espaço de animação e profecia,
sempre aberto e plural de pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as causas dos
excluídos. Essa manifestação possui três sentidos: denunciar o modelo político e econômico que, ao mesmo tempo,
concentra riqueza e renda e condena milhões de pessoas à exclusão social; tornar público, nas ruas e praças, o rosto
desfigurado dos grupos excluídos, vítimas do desemprego, da miséria e da fome; propor caminhos alternativos ao modelo
econômico neoliberal, de forma a desenvolver uma política de inclusão social, com a participação ampla de todos os
cidadãos. A proposta do Grito surgiu no Brasil no ano de 1994 e o 1º Grito dos Excluídos foi realizado em setembro de
1995, com o objetivo de aprofundar o tema da Campanha da Fraternidade do mesmo ano, que tinha como lema “ Eras tu,
Senhor”, e responder aos desafios levantados na 2ª Semana Social Brasileira, cujo tema era “ Brasil, alternativas e
protagonistas”. Em 1999 o Grito rompeu fronteiras e estendeu-se para as Américas. Realiza-se no dia 7 de setembro,
porque, sendo o dia da comemoração da “ Independência” do Brasil é a data adequada para refletir sobre a soberania
nacional, que é o eixo central das mobilizações do Grito. Fonte: Site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB): http://www.cnbb.org.br/index.php? op=noticia&subop=12457.
78
P romotoras Legais Populares é uma pesquisa extensionista realizada pelo NAJUP -GO em parceria com o Cerrado
Assessoria Popular e a Rede de Educação Cidadã - GO e em diálogo com os grupos do Movimento Sem-Teto do bairro
Grajaú. Estes Sem-Tetos se estabeleceram em maio de 2004 no Sonho Real - ocupação urbana situada no bairro P arque
Oeste Industrial, município de Goiânia-GO. O terreno particular baldio era devedor de mais de um milhão de reais em
IPTU. Cerca de três mil fa mílias, que há nove meses viviam ali, foram despejadas em uma operação das polícias de Goiás
–“Operação Triunfo” – que culminou no assassinato de dois ocupantes. Os desabrigados foram alojados em dois ginásios
de esportes. Após cinco meses, fora m transferidos “ provisoriamente” para o Grajaú, onde esperam pelas moradias
populares prometidas há dois anos. Hoje várias famílias já estão assentadas no setor Real Conquista e cerca de 500 ainda
esperam pela transferência definitiva. O projeto visa o empoderamento jurídico dos Sem-Teto e acontece quando os
participantes mudam de perspectiva deixando a condição de objetos sociais e se percebem enquanto sujeitos de sua
própria história. São feitas discussões sobre a questão da moradia, tema central da comunidade, e a partir disso, pensa-se a
intervenção do cidadão na conquista de seus direitos. A metodologia utilizada é a da Educação P opular. A escolha do
conteúdo da oficina é resultado de um processo: pesquisa (estudo de realidade através de entrevistas); definição de falas
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Em 2006, a ló gica de u ma reun ião a cada duas semanas se adequ ava b em ao volume
e a d ensidade dos textos. No entanto, gerav a algumas distorções. Por exemplo: alguém que
tivesse faltado a uma reunião, além de p erder p arte imp ortante do debate, ficaria três
semanas sem contato direto com o curso. Outra mudan ça imp ortante deu-se com
individualização dos relatórios, que antes eram p rep arados durante as discussões nos grup os
menores. No decorrer do curso esses relatórios servirão de base p ara a construção de um
artigo centrado em u ma ou mais áreas temáticas do curso, este artigo é exigido como um
requisito p ara a conclusão do curso. Esp era-se co m este p ossibilitar aos estudantes a
realização de um estudo mais ap rofundado sobre a temática qu e mais lhes d esp ertou
interesse durante o curso, exigindo então, uma p ostura de p esquisador.
Na edição do curso de 2007, a biblio grafia contou com menos textos debatidos em
encontros semanais, p ara que pudessem ser trabalhados d e forma mais consistente. Durante
a semana os estudantes, organizados em grupos menores, en contraram-se p ara
aprofundamento e construção da ap resentação dos textos. Além da ap resentação p elos
próp rios estudantes ao final de cad a módulo realizou-se um encontro (debate, p alestra) com
alguém qu e tivesse exp eriência teórica e p rática na temática do módulo.
O p rimeiro módulo (Educação Pop ular) buscou em Paulo Freire a cap acidade d e
problematizar os diversos assuntos a serem estudados e iniciar um diálo go entre as
realid ades conhecidas e as limitaçõ es p essoais no p rocesso de conhecer. Esse módulo tem
suma importância, vez que o p rofissional de Direito em geral é mu ito alheio à temática do
magistério, p ois devido à tradição bach arelesca do curso o debate sobre magistério e
educação somente se inicia no mestrado, mesmo assim como tema secundário.
Incitar a imp ortância da interdiscip linaridade e de se contextualizar textos e autores
a serem estudados p rovoca nos p articip antes a cap acidade de reflexão crítica. Chamar ao
debate a p edagogia do op rimido é desfocar a visão meramente fatalista e fech ada do direito
em si próp rio, desvelando as relações de p oder existentes no p rocesso de ensinoaprendizagem. A p artir dessa persp ectiva, busca-se a cap acitação de assessores jurídicos
pop ulares que deve abran ger formação jurídica, p olítica, social e humanística.
Direitos Humanos (visto no segundo módulo), fruto de conquistas históricas, é o
pressup osto p ara a realização d e assessoria juríd ica a comun idades, entidad es e movimentos
significativas (fala de entrevistado que expressa sua visão de mundo e apresenta limites explicativos); escolha de tema
gerador (fala significativa representativa do coletivo). A partir disso, é problematizado o tema gerador, definido e
estudado conteúdos específicos e montada a oficina. Há a realização deuma oficina e duas pesquisas mensais.
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pop ulares. A consolidação de direitos, mesmo que resp aldados formalmente nas leis e na
Constituição, é tarefa constante, p ois visa sua efetividade, sua realização no dia-a-d ia
desses grup os.
As conquistas históricas abrem à dimensão cultural e subjetiva dos espaços de
decisão. Busca-se assim sup erar ou atenuar os p aradigmas estritamente normativistas, que
são reinantes nas instituições de ensino juríd ico e n as carreiras juríd icas. Bem como qu ebrar
a uniformid ade do discurso e reconhecer a importância de interp retações minoritárias, o que
enriquece a p ossibilidade hermenêutica d esses estudantes. Por isso a formação de
assessores jurídicos p opulares na seara dos Direitos Humanos.
A p rática da assessoria e suas experiên cias são vistas no terceiro módulo
(Assessoria Jurídica Popular). Trata-se do tóp ico central e fonte do marco teórico no qu al se
baseia as atividades e p esquisas do NAJUP-GO, que não é simp lesmente prestação
unilateral de serviços à comunidad e. Diferentemente da simp les Assistência Judiciária, a
Assessoria Jurídica p retende efetivar, junto às comunidades acomp anhadas, uma educação
jurídica pop ular e um treinamento p aralegal. Para tal interp retar e comp reender a maneira
de ensinar p rop osta p elo educador Paulo Freire é essencial.
O quarto módulo (Assessoria Jurídica Pop ular Universitária) ap esar de ainda tratar
da assessoria jurídica pop ular muda o foco da discussão ao inclu ir o pap el social da
Universidade e a atividade extensionista no NAJUP-GO, comp reendida como algo a ser
conquistado continuamente, no d ia-a-dia, a p artir da ação coletiva organizada, e não com
uma utopia ou retórica ind ividualista. Mostrar que extensão un iversitária é uma v ia de mão
dup la em que estas atividades trarão retorno à Universidade, no sentido de auxiliá-la na
consecução de seus objetivos. Reafirmamos ainda a indissociabilidad e entre ensino,
pesquisa e extensão na formação de p rofissionais cap azes de influir efetivamente na
realid ade social.
O quinto módulo busca ap resentar a p erspectiva do direito crítico frente aos
pressup ostos hegemônicos no camp o jurídico ao v alorizar o pap el da sociologia juríd ica, da
filosofia, antropologia e trazer ao debate o p luralismo jurídico. A última etap a traz o
balanço de Roberto Lyra Filho, e o pluralismo jurídico de Antônio Carlos Wo lkmer. O
contato com estes juristas visa estimular a p rática de p esquisa-extensionista comp rometida
com a transformação da sociedade e o pap el que o direito deve exercer.
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135
4. CONCLUSÃO
A crise que se verifica na sociedade hoje se reflete em todos os seus âmbitos.
Esp ecialmente são afetados p or essa crise a Universidade, a ciên cia, o direito, o ensino
jurídico e as faculdad es de d ireito. Nesse sentido, essa crise se revela nas limitações d essas
instituições e institutos p ara solucionarem os p roblemas sociais, sup erarem as
desigu aldad es, conseguirem ap reender a complexidade do social.
Diante dessa espraiada crise forjam-se debates, incursões teóricas e p rop ostas em
todos os sentidos numa p erspectiva de sup eração. Nesse contexto, a Assessoria Jurídica
Universitária Pop ular surge como um esp aço de ap roximação dos estudantes de Direito da
realid ade, co mo um mecanismo que possibilite um diálo go mais intenso com a socied ade,
visando à emancipação e à autonomia dos grup os sociais oprimidos p or meio da educação
para a cidadan ia.
A criação do NAJUP na Faculdad e de Direito d a UFG busca inserir a Assessoria
Jurídica Pop ular e as discussões que lhe são inerentes num contexto de ensino juríd ico
desp olitizado e afastado da realid ade social. A forma en contrada p elo NAJUP-GO p ara
inserir os estudantes no referido debate e forjar mudanças no sentido de aprofundar o seu
conhecimento do fenômeno jurídico é o “Curso de Formação em Assessoria Jurídica
Universitária Pop ular e Direitos Humanos”.
Em suas três edições o Curso de Formação tem se consolidado como u m esp aço d e
discussão, de inserção no mundo acadêmico e juríd ico aos egressos da Faculdade de Direito
da UFG. Além disso, é um esp aço que p ossibilita a reflexão-crítica do Direito ensinado nas
salas de aula e de sua metodolo gia pautada tão somente em aulas exp ositivas, leitura e
rep etição de Códigos e doutrinas. Tem sido essencial, aind a, como meio de renovação de
membros do NAJUP, uma vez que é ministrado p referencialmente aos estudantes em seu
primeiro ano de graduação. E trata-se de u m curso introdutório a um p rocesso de
crescimento teórico e p rático que vai ter como p assos seguintes a inserção em outras
atividades extensionistas do NAJUP e a realização de pesquisas vinculadas a essas
atividades.
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137
UMA ABORD AGEM D A EDUCAÇÃO POPULAR EM DIREITOS HUMANOS NO
PROGRAMA D E AS S ESSORIA J URÍD ICA ES TUDANTIL
79
Jâmerson Delmondes Terto
Daiana Ferreira de Alencar Diógenes 80
81
Glória Isabel d e M elo Guedes
1. Notas introdutórias
Entendendo ser de suma importância a colocação do ser hu mano na condição de
82
sujeito histórico, através do Programa de Assessoria Jurídica Estudantil , p rojeto de
extensão desenvo lvido p or alunos do curso de graduação em Direito da Universid ade
Regional do Cariri – URCA, tem-se buscado viabilizar a conscientização e conseqüente
emancip ação dos assessorados e integrantes do referido Programa.
Tal núcleo extensionista, que tem como método a educação p op ular, atua junto ao
Projeto Nova Vid a - Organização Não-govern amental situada na antiga co munidad e do
Gesso, no centro da cidade de Crato-CE -, desemp enhando suas atividades em conjunto,
através de uma relação horizontal, com os integrantes do mesmo.
Desta feita, o p resente trabalho tem como escop o p rincip al investigar até que
ponto a ap licação metodoló gica d a educação p op ular, mais esp ecificamente no caso do
P@JE, em atuação na ONG Projeto Nova Vida, é capaz de promover, a p artir da análise de
uma realidad e histórico-social, a conscientização, efetivação e construção dos Direitos
Humanos.
Procurou-se confrontar os relatórios dos convívios com os jovens e educadores do
Projeto, com os marcos teóricos que norteiam o referido Pro grama, a fim de averiguar-se de
que forma este tem agido no sentido de combater a opressão e a exp loração existentes numa
sociedade de classes, reivindicando os Direitos Humanos verdad eiramente, aqu eles
historicamente negados às classes subalternas.
83
79
Graduando em Direito pela Universidade Regional do Cariri – URCA e membro do P rograma de Assessoria Jurídica –
P@JE. Contatos: jamersondelterto@ hotmail.com.
Graduanda em Direito pela URCA e membro do P@ JE. Contatos: [email protected]
81
Graduanda em Direito pela URCA e membro do P@ JE. Contatos: [email protected]
82
A partir de agora chamado apenas e P @JE
83
Usamos o termo “ classes subalternas” na concepção gramsciana, em oposição às “ classes dirigentes”. No plural porque
“ as classes subalternas, por definição, não são unificadas, nem podem se unificar enquanto não se puderem converter em
‘Estado’ ” (GRAMSCI Apud SADER, 2005, p.129)
80
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2. P@JE e Assessoria Jurídica Uni versitária Popular: surgimento e contexto
social
Ao final de vinte anos de ditadura militar, a socied ade brasileira sofreu um
processo de democratização, como fluxo de um p rocesso histórico, no qual os movimentos
sociais adquiriram nov a significação. A p artir daí, tornam-se mais visíveis críticas ao
modelo de legalidad e imp osto pela classe burguesa.
Nesse momento de autoritarismo, as lutas pop ulares eram no sentido da ab ertura
política. Com a redemo cratização, estas lutas centram-se, d entre outras coisas, na
efetivação dos direitos ditos fundamentais do homem.
Ao longo da história, mu itas vezes o discurso dos d ireitos humanos foi aprop riado
e usado em p rol de id eários muito distintos. Assim, cump re esclarecer o que, p ara nós, p ode
ser considerado direito humano fundamental.
Direitos humanos seriam aqueles ind isp ensáveis à p romoção da d ignidad e da
pessoa humana, exatamente aqueles negados historicamente às classes subalternas, aqueles
que estas reconhecem como seus, p ois, a p artir da viv ência, da falta que sente
cotidianamente, os membros de tais classes ap rendem a identificar quais são seus direitos
mais básicos.
Desta feita, a partir de visões de d ireitos humanos identificadas co m a ap resentada
por nós, de ações no sentido de efetivar e ampliar tais direitos, e dentro do contexto social
apresentado anteriormente, surgem idéias questionadoras dentro do mundo jurídico.
Críticas ao Positivismo Jurídico - ap ontado como mantenedor do status quo aceitação do p luralismo jurídico - co m conseqü ente comp reensão de qu e o Judiciário não
era o único meio de solução de conflitos e aplicação de meios extralegais para tal -, dentre
outros, foram alguns dos nortes de juristas insurgentes ao direito burguês, reivindicantes de
um direito a chado na rua.
Essa corrente de juristas, de base marxista, contrapôs-se à dogmática tradicional,
lutando com as lideranças p opulares p or uma justiça social, p ara a construção d e u ma
sociedade justa e fraterna. Desta aliança d e construtores do direito com os movimentos
sociais, tratando p rincip almente de d emandas coletivas, surgiu a Assessoria Jurídica
Pop ular.
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Dentro do espaço acadêmico, na luta contra hegemôn ica p or espaços dentro da
sociedade, surgiu a Assessoria Jurídica Universitária Pop ular, semp re se aliando à crítica ao
modelo tradicional d e ensino que v igorava e vigora nos cursos de gradu ação em Direito.
Os p rimeiros núcleos surgiram na Univ ersidade Fed eral do Rio Grande do Su l e na
Universidade Fed eral da Bahia, onde estudantes, insatisfeitos com o do gmatismo e
legalismo estrito, iniciaram suas atividades, de início, assistencialistas. Estes núcleos,
existentes desde 1950 e 1963, resp ectivamente, p assaram a ter nova conotação no contexto
da ditadura militar, p assando a desenvolver assessoria e assistência paralelamente.
Cump re destacar que dentro das AJUP’s semp re se procurou diferenciar assessoria
e assistência, como coisas totalmente dissociadas. Isso se deu na tentativa se rechaçar
qualquer atitude assistencialista, p ois, como ressalta Paulo Freire, estas p ráticas
“contradiziam a vocação natural da p essoa – a de ser sujeito e não objeto, e o
assistencialismo faz de quem recebe assistência um objeto p assivo, sem possibilidade de
particip ar do p rocesso de sua p róp ria recup eração.” (1983, p .282).
No nosso sentir, p orém, assessoria juríd ica, mu itas vezes, não d eve e n em p ode se
dissociar de assistência jurídica. Deve, antes, ultrap assá-la, p ois:
A Assessoria Jurídica Popular compreend e uma interv enção não só judiciária,
mas também de orientação, organi zação e ação política-jurídica, pois entende que
a es fera jurídica engloba, além da prestação jurisdicional do Estado, todo o
processo constitutivo e organizativo dos movimentos sociais [original sem grifos]
(OLIVE IRA, 2003, p.55).
Entendemos ser mais imp ortante fazer a diferenciação no modo de atuação, nem
tanto na prática da assistência ou da assessoria, p osto que esta engloba também aquela.
Feito este recorte, cabe destacar que, com o p assar do temp o, outros p rojetos de
assessoria foram surgindo, como o Centro de Assessoria Jurídica Pop ular de Teresina
(CAJUíNA), na Universidade Federal do Piauí, o Núcleo de Assessoria Jurídica Pop ular –
Direitos nas ruas (NAJUP – Direito nas ruas), na Universidade Federal de Pernambuco, o
Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária (NAJUC), na Universidade Federal do Ceará e
o Programa de Assessoria Jurídica Estudantil (P@JE), na Universidade Regional do C ariri.
Este último, com ap roximadamente dois anos de existência efetiva, in gressou na
Rede Nacional de Assessoria Jurídica (RENAJU) em abril do corrente ano, quando de sua
segunda p articipação segu ida no ERENAJU (Encontro da Rede Nacion al de Assessoria
Jurídica). Tal agrup amento faz-se muito imp ortante na interação dos vários projetos de todo
Brasil, seja n a troca de exp eriência, seja na atuação conjunta.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
140
O P@JE é comp osto p or estudantes de vários semestres do curso de Direito da
referida Universidad e e não ap resenta nenhum tip o de centralização, n em p or parte de
estudantes, nem p or p arte de p rofessores. Estes desemp enham o p ap el de orientar os alunos,
nunca de dirigir. A convivência dentro do p rograma pauta-se no respeito e na amizade entre
pajeanos e p ajean as. Seus estudos têm p or base teóricos como Gramsci, Demo, Ly ra Filho,
Boaventura de Sousa Santos, José Geraldo de Sousa Júnior, Co mp arato, além de Paulo
Freire.
Dentre as p ráticas de Assessoria Jurídica Universitária Pop ular, a desenvo lvida
pelo P@JE atualmente é a educação em Direitos Humanos, notadamente educação pop ular.
84
Foram iniciadas recentemente
p elo citado p rograma as atividades referentes a
oficinas de Direitos Humanos juntamente co m oficinas de confecção d e bijuterias na cadeia
pública da cid ade d e Crato – CE, além d a p arceria com a ONG Projeto Nova Vida, situada
na antiga comunidade do Gesso, no centro da referida cidad e.
A referida p arceria existe oficialmente desde nov embro de 2006 e in icialmente
está sendo trabalhada a temática de Direitos Humanos junto a jov ens assistido p elo referido
85
Projeto, através de convívios entre p ajean@s e @s referid@s jovens, em regra semanais.
A escolha do p alco inicial p ara atuação do P@JE, deve-se ao p ap el social
desemp enhado pelas ONG’s na sociedade brasileira atual. Estas organizações, mu itas vezes
colocad as p ela mídia como sociedade civil organizada, buscam a solução de muitos de
nossos problemas sociais, como educação e saúde sucateadas, em iniciativas de cunho
assistencialista e p aternalista. Como salienta Souza:
A maioria das pessoas, incluindo p arcela signifi cativa de p ro fissionais d a
acad emia, carrega sem crítica a idéia, assaz bem di fundida p elos meios d e
comunicação de massas e por seus finan ciadores (fundações vinculad as a grand es
corporações econômicas intern acionais e a governos), de que bo a parte d a
solução da pobreza e miséria qu e assola o mundo atual, de forma m ais perv ers a
que em qualquer outro momento histórico, está nas mãos dessas organizaçõ es que
pro fissionalizam a assistência so cial, exploram o voluntariado e contribuem p ara
a destruição das políticas de cid adania embasad as nos direitos soci ais. (...) Essas
organizações, juntamente com outras que buscam objetivos não tão idealistas
quanto fazem crer, compõem um elenco de entidades que se agregam sob o rótulo
de T erceiro Setor (SOUZA, 2007).
A p artir, então, desta p ercepção, o P@JE adentrou em uma d estas instituições,
aceitando mais um desafio, o da desconstrução de conceitos dentro mesmo do ambiente
84
Segundo semestre de 2007.
O @ significa a junção do ‘ a’ e do ‘o’ , desinências gramaticais da língua portuguesa dos gêneros feminino e masculino,
respectivamente.
85
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HUMANOS DA UFPB
141
inicial de atuação, conceitos estes contraditórios à p ráxis do Programa, e, por isso mesmo,
refutados na vivência do dia-d ia.
Vale ressaltar ainda que, p ara o P@JE, o Projeto Nova Vida é apenas a porta de
entrada na comunid ade, através da qual os membros do referido p rograma teriam in gresso
nesta e ganh ariam a confiança e amizade dos moradores da mesma.
3. A escolha do método: por que educação popular?
Em consonância com o seu objetivo p olítico-ideoló gico, o P@JE tem como
método a edu cação p op ular. Esta, antes de ser apenas um p rojeto p edagó gico, é um
verdadeiro método d e ensino, p autado na leitura do mundo e na análise ap rofundada das
relaçõ es e dos diferentes níveis de op ressão, que possibilita a politização de todos os
particip antes do p rocesso e, conseqüentemente, sua eman cip ação.
Para Paulo Freire “ap render a ler n ão significa ap render a ler a p alavra
(significado), mas também consiste em ler o mundo” (FURMAN, 2006, p .13), p ois “ler é
reescrever o qu e estamos lendo. É descobrir a con exão entre o texto e o contexto do texto, é
também vincu lar o texto/contexto com o meu contexto, o contexto do leitor”.(FREIRE &
SHOR,1986, p .22)
Segundo M oacir Gadotti, a “validade univ ersal” dos ensinamentos de Paulo Freire
se ligam a “quatro instituições originais”, quais sejam:
1º - Ên fase nas condiçõ es gnosiológicas d a prática educativa – em qu e edu car é
conhecer, ler o mundo para pod er trans fo rmá-lo. 2º - Defesa da educação como
ato dialógico (...). 3º - A noção de ciência abert a às necessidad es populares – e
por conseguinte uma educação voltada para as questões sociais e muito concretas,
tais como trabalho, emprego, pobreza, fome, doença, etc. 4º - O planej amento
comunitário, participativo, e gestão democrática e a pesquisa participant e (Apud
Padilha, 2005).
Ademais, faz-se mister delimitar dois conceitos importantes da teoria frieireana, a
saber, p rescrição e aderência. A p rimeira p oderia ser con ceituada como conjunto de v alores
pensados pelas classes dirigentes, para as classes subalternas. “Toda p rescrição é a
imp osição da opção de uma consciên cia a outra”(FREIRE Apud FURM AN, Op . Cit., p .13).
Já p rescrição seria a aceitação de tais valores p ensados para si, e não consigo. É o
que acontece freqüentemente, no Brasil, co m a grande ajuda dos meios de comun icação de
massa, com o senso comum das classes subalternas, aceitação de valores abstratos às suas
classes.
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142
A educação bancária, outro conceito freireano, tem também p ap el imp ortantíssimo
para a aderência dos valores p rescritos. Educação bancária é aquela em que se considera o
educando como um recip iente vazio, que está ali p orque não sabe e p ara aprender, no qual
se dep osita (daí o adjetivo bancário) o conhecimento e o edu cador um recipiente cheio, que
está ali porque sabe e p ara ensinar, p ronto p ara derramar conhecimento.
Paulo Freire também critica a noção de neutralidad e da educação, consid erando-a
como um “ato p olítico”. Assim, criticável o modelo bancário por, além de ser antidialó gico, mascarar p or trás de uma n eutralidad e impossível, seu caráter de conservação do
status quo.
Constatando a realidade do ensino brasileiro como b ancário, e no sentido de
reversão deste quadro, o p rofessor p ernambucano desenvo lve o seu método inovador, que
seria mais tarde a base para a educação p op ular, onde é ressaltada a imp ortância do diálo go
e da horizontalidade.
Para Maria Victoria Benevid es:
A educação em direitos humanos é um a inculcação de v alores, para atingir
corações e mentes e não apenas instrução, merament e transmissora d e
conhecimentos. Acrescente-se, ainda, e não menos important e, que ou esta
educação é compartilhada por aqu eles que estão envolvidos no processo
educacional – os educadores e os educandos - ou el a não será edu cação e muito
menos educação em direitos humanos (2007).
Nesse sentido, justifica-se a ado ção de tal método para a atuação das AJUP’s, no
geral, e do P@JE, em esp ecial. No caso deste, p rocurando um diálo go p ermanente e
horizontal com os educandos do Projeto Nova Vida, em contrap osição à p ostura
paternalista adotada p or esta e muitas das entidades congêneres.
4. No Projeto Nova Vi da, a busca pelo tema gerador
Dep ois de diversas conversas com pessoas do Projeto Nova Vida, no início de
novembro de 2006 ocorre finalmente o p rimeiro convívio com jovens deste projeto.
Cada convívio era iniciado co m uma dinâmica de d escontração, objetivando
construir um ambiente de amizade e confiança mútuas. Procurava-se também qu e todos se
reunissem sempre em rodas, de formas que cada u m p udesse olhar o outro nos olhos e
mostrando que todos são iguais.
No p rimeiro convívio, foi feita a chamad a dinâmica da caixa dos sonhos, na qual
se p ede para que todos escrevam numa p equena folha de p ap el um sonho de infância. Em
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
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seguid a, todos devem segurar o p ap el, erguendo-o. Neste mo mento, então, o facilitador
passa recolhendo todos os p apéis, rasgando, pisando, amassando e comendo todos, exceto
alguns p oucos, que vão p ara a caixa dos sonhos, colocada no meio da rod a.
No final p ergunta-se aos p articip antes quem seria esta p essoa ou coisa qu e recolhe
os sonhos e p or que uns p oucos vão para a caixa, enquanto a maioria é destruída. A p artir
daí surge a d iscussão. Com isso p rocura-se apreender o que Paulo Freire ch ama de “falas
significativas”, pois, p ara este professor, “nosso p ap el não é falar ao p ovo sobre nossa visão
de mundo, ou tentar imp ô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa” (2005,
p.100).
Durante a discussão, foi ap ontado como destruidor de sonhos a realid ade injusta, o
mundo, as condições financeiras p recárias, a falta de p erseverança, dentre outros. É
imp ortante destacar também, que um dos sonhos consistia em ‘ser alguém na vida, ou seja,
ser um profissional’, observando-se nesta fala a p ercep ção de que quem não tem emp rego
não é ninguém, não tem dign idade.
A p artir destas colocações, verificou-se a problematização sobre os limites dos
limites dos direitos de cada um e da ap licação d e tais direitos p elo ordenamento juríd ico
estatal. Foi levantada a questão de qu e um p obre é p reso p or p ouca coisa, enquanto um rico
mata e não é p reso.
A escolha da dinâmica do p rimeiro convív io dev e-se à generalidad e dos temas que
podem ser abordados através dela, já que o tema gerador p ode ser colocado como círculos
concêntricos, que p artem do mais geral ao mais p articular. Para Paulo Freire, muitas vezes
os homens, ao analisarem p roblemas p ontuais, não têm comp reensão crítica d e sua
realid ade co mo um todo,
e não o podem porqu e, para conhecê-la, seria necessário partir do inverso. Isto é,
lhes seria indispensável ter antes a visão totalizad a do contexto para, em seguida,
separarem ou isolarem elementos ou as parcialidad es do contexto, através de cuj a
cisão voltariam com mais claridade à totalidade analisada (idem, p.111).
Nesse contexto, torna-se imp ortante o que Paulo Freire chama de “re-ad miração”
das falas. Seria esta uma rev isitação do que foi d iscutido, onde a “admiração” do outro (ou
seja, sua fala, suas impressões acerca do qu e fo i co mentado antes) é an alisad a e, através
dela, todos p odem sentir de novo tudo que aconteceu no momento anterior, ou seja, “readmirá-lo”.
Freire exp lica o p rocesso da seguinte forma:
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HUMANOS DA UFPB
144
na medida em que, um a um, vão todos expondo como perceberam e sentiram
este ou aquele momento que mais os impressionou, no ensaio "descodificador",
cada exposi ção particul ar, desafiando a todos como descodi ficadores da mesma
realidad e, vai re-pres enti ficando -lhes a realidad e recém -pres enti ficada à su a
consciênci a intencionad a a el a. Neste momento, "re-admiram" sua admiração
anterior no relato da "ad-miração" dos demais (idem, p.123).
Assim, nos convívios realizados no Projeto Nova Vid a, semp re se p rocurou “readmirar” os momentos anteriores. No segundo realizado isto foi feito através da leitura do
relatório do p rimeiro convívio. Dep ois de entusiasmad a discussão, chegou-se à con clusão
de que os p ontos mais imp ortantes levantados foram liberdade e injustiça.
Nesse ponto foi feito o ap rofundamento d entro destes temas, tendo como ponto de
partida as falas sign ificativas surgidas. Como costumeiramente, foi utilizado algum recurso
que p udesse p roblematizar a discussão, neste caso a exib ição do curta-metragem Ilh a das
Flores, do diretor gaú cho Jorge Furtado.
A p artir daí, começaram a ser feitas críticas à ideo logia domin ante, aco mpanhadas
de temas contra-temas pertinentes à desigu aldad e social vista em nosso p aís e no mundo,
fruto de uma sociedad e de classes.
Baseados, então, na técnica de admiração e re-admiração, foram sendo revistos, a
cada convívio, os momentos anteriores, sempre com o ap rofundamento dentro do tema já
discutido.
5. As oficinas de e ducaç ão popular com os educadores do Proje to Nova Vi da
Tratando o tema gerador, como já dito, como círculos concêntricos, os temas
foram se delimitando, até que se chegasse aos questionamentos de atitudes de op ressão
sofridas p el@s jovens, referentes à liberdad e de exp ressão, sofridas no ambiente escolar e
dentro do p róp rio Projeto Nova Vida.
Inicialmente @s jovens p assaram a relatar incid entes ocorridos no colégio onde a
maioria deles estudava, nos quais o diretor deste tratava-os de forma discriminatória.
Posteriormente, com uma maior confiança d@s adolescentes em relação aos
membros do P@JE, aqueles relataram situações d e op ressão dentro da p róp ria ONG. Por
ocasião de uma ap resentação do grup o de d ança do Projeto, os edu cadores e diretores deste
imp useram que os jovens dançarinos (coincidentemente aqueles que freqüentavam os
convívios) cortassem cab elos, retirassem brin cos (no caso dos meninos), etc.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
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A p artir da discussão surgid a quando do relato desta situação, surgiu a idéia, p or
parte d@s p róp ri@s adolescentes, de que fossem feitas algumas oficin as com os
educadores. Assim nasceu a idéia de oficinas d e educação pop ular com os educadores do
Projeto.
Na p rimeira oficina, que contou com grande p articipação d@s educador@s e d@s
adolescentes, p rocurou-se ap reender os vários conceitos de edu cação e de oficina, para que
fosse construído o conceito comum durante a discussão. Foram também apresentadas duas
situações claras de op ressão, através de esquetes, mostrando como uma influenciava na
outra e como opressão gera op ressão.
Já na segund a oficina foram trabalhados os conceitos de prescrição e ad erência e
método inovador de Paulo Freire, semp re com dinâmicas que p udessem problematizar a
discussão.
Nas oficinas subseqüentes foram discutidos vários temas, como manip ulação e o
pap el da educação na construção do homem e da mulh er enquanto sujeitos da sua história
(método bancário versus método inovador de educação), através da leitura e d iscussão de
um trecho de Leonardo Boff.
Acreditamos ser p ossível afirmar que, em linh as gerais, o ciclo d e oficinas marcou
o momento de início da conscientização d@s educador@s acerca de p ráticas, muitas vezes
até inconscientes, op ressoras tomadas por eles.
M arca também o início da conscientização, p or p arte de todos os envolvidos no
processo (educador@s, adolescentes e p ajean@s), da verticalização existente na referida
ONG. Isso ficou demonstrado dep ois de relatos de que @s educador@s estavam sendo
imp elidos, muitas vezes contra a p róp ria vontade, a p articip arem das oficinas.
Ap esar disso, p ôde-se observar uma p articip ação boa p or p arte destes. Alguns
revelaram orgu lho ao verem os adolescentes tão p articip ativos e, no dizer de u ma
educadora, “cheios de direitos”, caracterizando uma p essoa reivindicante, numa ap arente
contradição, p ara educador@s op ressor@s. Na verdade, isso demonstra o início da tomada
de consciên cia, início este observado ao lon go do ciclo de oficinas.
Paulo Freire fala deste p rocesso como p assagem da “consciência real” p ara a
“consciência máxima possível”. Na p rimeira o homem ou a mu lher não consegue abstrairse das “situações-limites” e deixa-se levar p elo fatalismo, p ela inércia. O p róp rio professor
pernambucano nos ensina:
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A este nível, como salientamos em Pedagogia do Oprimido, a consciência
dominada não toma su ficiente distân cia d a realidade a fim d e objetivá-l a e
conhecê-la criticament e. (...) É que, a este nível de quase imersão, não se veri fica
facilmente o que chamamos de "percep ção estrutural" dos fatos, que implica na
compreens ão verdad eira da razão de ser dos mesmos (FREIRE, 1982, p.72-73).
Na segunda, a “consciência máxima p ossível”, já se consegue captar as situações
limites a p onto de abstrair-se delas e atuar sobre as mesmas, o qu e possibilita mod ificá-las.
A esse processo de aprofundamento da tomada de consciên cia é que Paulo Freire d á o
nome de conscientização.
7. Considerações Finais
Acreditamos que ap enas através de um método verdadeiramente libertador, como
é o caso da educação p op ular, e de uma consciência crítica sobre os direitos humanos, sua
historicidade e suas lutas, p ode-se viabilizar uma conscientização e efetivação de tais
direitos, com vistas a uma sociedade justa e igualitária e conseqüente sup eração da
sociedade d e classes.
Para tanto, torna-se mister o trabalho em conjunto com os op rimidos, lib ertandonos, todos, de p reconceitos, p receitos e hábitos incutidos p ela ideolo gia domin ante.
É p reciso também comp reender a imp ortância da educação em todo esse processo
de conscientização e construção dos direitos humanos, seja n a educação dita formal - nas
escolas, Universid ades, etc. -, seja em momentos como os d escritos no p resente trabalho. E
comp reender a imp ortância da edu cação é entendê-la como um p rocesso de ap rendizagem
mútua.
8. Referências bibliográficas
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HUMANOS DA UFPB
148
COMUNICAÇÃO E D IREITOS HUMANOS : reflexões sobre a ação
educomunicativa das organizações não-governamentais
Joelma da Silva Oliv eira
86
Introdução
A democratização da comunicação é, antes de tudo, uma questão de cidad ania e
justiça social, que integra o direito humano à informação e à comunicação. Cabe dizer que
é fundamental à sociedade, cujos valores transmitidos dep endem de uma cidadan ia
devidamente construída.
De acordo com a Constituição Federal Brasileira (1988), os meios de comunicação
devem prestar um serv iço d e utilid ade p ública. Eles d evem rep resentar a sociedade e ser
acessíveis a todos os cidad ãos. Admitir que ap enas alguns tenham vez e voz na míd ia
significa n egar direitos já adquiridos.
A educação a partir dos esp aços não-formais, a exemp lo das organ izações n ãogovern amentais rep resenta, hoje, uma alternativa ao comp lemento da educação esco lar e
familiar, sobretudo em relação aos deno minados temas transversais como gênero, etnia,
sexualidad e, diversid ade entre outros temas de relev ância social. Nesse sentido, a
comunicação ganha força co mo um elemento aglutinador d e possibilidades à educação p ara
os direitos humanos.
É imp ortante ressaltar que a educação p ara os direitos humanos
ap resenta várias dimensões: a ético-filosófica, a econômica e social, a cultural e
sócio-p sicológica, a juríd ico-p olítica, a h istórico-p olítica e a educativo-social.
Cada abord agem assume imp ortância singular no p rocesso de contribuição.
Nesse caso, a dimensão educativo-social agrega alguns elementos que a tornam
relevante p ara compreendermos a educação p ara a cidad ania, ou a educação p ara
os direitos humanos.
Concordamos com Tosi (2005, p . 27) quando afirma que “a educação
p ara a cidadan ia constitui, p ortanto, uma das dimensões fundamentais p ara a
efetivação dos direitos, tanto na educação formal, quanto na educação informal
ou p op ular, e nos meios de comun icação”.
86
Mestranda em Comunicação pela UFP B. Especialista em Direitos Humanos. Jornalista e Relações P úblicas. Assessora
de Comunicação de Organizações Não-Governamentais em João P essoa (P B). E-mail: [email protected].
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HUMANOS DA UFPB
149
Embora cada dimensão colabore p ara uma comp reensão geral e estejam interligadas
entre si, é na dimensão edu cativa que se ap rop ria da condição do homem co mo ser em
permanente ap rendizado, fruto de uma sociedad e e de cu lturas. Portanto é fundamental
discutir o p ap el das ONGs no p rocesso da democratização da comun icação e na educação
para os direitos humanos.
A comp rovação da imp ortância da dimensão educativa dos direitos humanos com a
utilização da comun icação p ara esta finalidad e tem se revelado nas organ izações nãogovern amentais, sobretudo quando estas destacam nos objetivos ou quando inclu em na
próp ria missão a comunicação como eixo de atuação, envolvendo os p úblicos p articip antes
no p rocesso.
Mídia, Democracia e Direitos Humanos
Cada vez mais o mundo contemp orâneo exige um aprendizado teórico e viven cial
para o fortalecimento da democracia. Neste sentido, a informação e a comun icação
relacionada com os direitos humanos passam a ser grande d esafio do sécu lo XXI.
Vale destacar que os meios de comunicação e a mídia em geral têm assumido p ap el
predominante na vida da sociedade, não é p or acaso. Segundo Sodré (2000, p . 21) “tem
sido uma maneira de p roduzir um novo tip o de sociabilidade, ajustada aos imp erativos do
mercado e cap ital”.
Assim, a p articip ação p op ular na comun icação p assa a ser um elemento d e
relevân cia p or está relacionada com o p rocesso de construção e amp liação dos direitos de
cidadan ia. Ela abre e sup era o caminho p ara uma nova práxis, p reocup ada em ver no ser
humano a força motivadora, p rop ulsora e receptora dos benefícios do desenvolv imento.
Daí surge o termo qu e Peruzzo denomina de Edu comunicação. Vários autores têm
se debruçado sobre essa linha de p esquisa: a inter-relação da educação e comun icação. A
comunicação p roduzida p or setores p op ulares organizados, nos mais variados esp aços, que
vem contribuindo p ara amp liar o esp ectro educativo em torno do exercício da cidad ania.
Mas, o monop ólio dos meios de comunicação e a falta de mecan ismos democráticos
dos meios de comun icação têm impedido, de certa forma, que as diferenças políticoideoló gicas sejam respeitadas e asseguradas no esp aço monop olizado da mídia. Ao
contrário do que dizem os instrumentos legais sobre o p ap el da co municação, a míd ia
continua concentrada nas mãos de grup os econômicos e p olíticos e assume uma fun ção
deseducadora, e até, instigante à intolerância, à discrimin ação e desresp eito aos direitos
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HUMANOS DA UFPB
150
humanos. Segundo p esquisa realizada em 2001
87
p elo Instituto de Estudos e Pesquisas em
Comunicação (Ep com):
as seis redes privadas nacionais de televisão aberta e seus 138 grupos
regionais afiliados controlam 667 veículos de comunicação, entre
televisões, rádios e jornais. A pesquisa também revelou que através dos
“aliados locais”, os “ donos” controlam 294 emissoras de televisão em
VHF (90% do total de emissoras do país), 15 em UHF, 122 emissoras de
rádio AM, 184 rádios FM, duas rádios em onda tropical (OT) e 50 jornais
diários. (HERT Z, 2008, p. 8).
Os dados revelam u ma realidade a qual só será alterada com uma p olítica d e
democratização dos meios, especialmente na sua forma de concessões. M as só o esforço da
sociedade civil não é suficiente. Será necessário um maior investimento p or parte dos
legisladores que são responsáveis p ela cessão das concessões dos v eícu los de comun icação
– rádio e telev isão - do país.
88
Outro levantamento aponta que,
das 3.315 concessões de rádio e televisão distribuídas pelo governo
federal: 37,5% pertencem a políticos filiados ao PFL, PMDB (17,5%),
PPB (12,5%), PSDB (63%) e PDT (3,8%). 5 governadores de Estado, na
época, e 47 deputados federais eram proprietários de emissoras de rádio
e/ou televisão. (BAYMA, 2001).
Democracia e Comunicação: o movimento pela democratização da comunicação no
Brasil
A democratização dos meios de comunicação no Brasil é uma das lutas sociais que
mais recuou n a história recente do p aís. Haja vista a desmobilização do Fórum Nacion al
pela Democratização dos M eios de Comun icação (FNDC) ao lon go da década de 80, e o
atraso da imp lantação do Conselho Nacional de Comunicação, ap enas em 2002.
Para M eksenas (2002, p. 171) “o conflito existente entre o p oder institucional da
comunicação com o p oder p opular da comunicação traduz, a p artir de situações emp íricas,
um sentido p ossível que a cidadania de classe assume no p aís”. Com o avanço do
Movimento p ela Democratização da Comunicação no Brasil, ao contrário do processo
87
P esquisa sobre o sistema de comunicação de massa no Brasil – “ Os donos da mídia” realizada pelo jornalista Daniel
Hertz. Artigo do Jornal do Conselho Federal de P sicologia – Ano XVIII, Nº 75 – Abril de 2003, p. 8.
88
Estudo realizado pelo assessor do P artido dos Trabalhadores, na Câmara dos Deputados, engenheiro Ismael Bayma, e m
2001, loc cit.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
151
democrático no p aís, as forças sociais d efensoras da demo cratização dos meios de
comunicação reativaram a rearticulação do Fórum, um imp ortante instrumento de controle
social.
O Fórum Nacional p ela Demo cratização d a Comunicação surgiu em 1991, formado
por rep resentantes de todas as regiõ es, de modo a con gregar o conjunto de forças sociais
que tinham a comp reensão estratégica sobre o p apel do controle social no camp o das
comunicações. As entidades integrantes do Fórum ap rovaram, em 1994, o documento –
Bases de um programa p ara a democratização da Co municação no Brasil – contendo
prop ostas e caminhos p ara a área d e comun icação.
Mas,
ao contrário
de
muitos
movimentos
sociais, o
M ovimento
p ela
Democratização da Co municação, no Brasil, não emerge d a ação política pop ular, mas da
dimensão institucional da sociedade civil.
Sem conter um sentido único, uma organização centralizada e sujeitos
definidos, o Movimento pela Democratização da Comunicação no Brasil
aglutinou ONGs, sindicatos, partidos, Universidades, organizações
jurídicas e de imprensa em diferentes contextos. (Meksenas, 2002, p.
185).
Um avanço, d entre as p rincip ais p ropostas do FNDC ap resentadas à Assembléia
Constituinte, foi a criação de um sistema p úblico de comunicação social que assegurasse o
direito à informação, p or meio de fundações e entidades sem fins lucrativos, assim como a
criação do Conselho Nacional de Comun icação So cial. Nesse sentido, as transformações
imp ostas, na área da comunicação, co m uma recomp osição do p ap el do Estado, da
sociedade e do setor p rivado são necessidades estratégicas p ara o desenvolvimento do p aís.
É fundamental qu e a comunicação social p asse p or um momento de discussão e
análise sobre o seu pap el na construção de uma nova realidad e. Por meio de um
envolvimento massivo da sociedade civ il, especialmente das organizações nãogovern amentais que assumiram desde seu surgimento o p ap el de rep resentante e de
enfrentamento ao que o governo e mercado não resp ondem.
A Relação da Mídia com as Organizações Não-Governamentais
Nosso objetivo não é ap rofundar a discussão sobre as organizações n ãogovern amentais, mas vamos adotar a definição d e M eksenas p ara entender o que são e qu al
o p ap el dessas organizaçõ es.
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152
O conceito de organizações não-governamentais (ONGs) se define
aparentemente, por oposição ao Estado. Denota a possibilidade de setores
da sociedade civil organizarem e desenvolverem órgãos ou centros de
caráter institucional que atuem no suporte às lutas sociais. (MEKSENAS,
2002, p. 152).
Desse modo, as Organizações Não-Governamentais revelam a cap acidad e da
sociedade civil em institucionalizar temas que integram os conflitos e anseios das políticas
públicas e que perp assam os movimentos sociais.
A mobilização pela defesa do direito à co municação p arece ser mais d ifícil qu e
qualquer outra mobilização p or direitos humanos. A Comunicação, ainda, é vista como u ma
questão menos urgente – quando chega a ser cogitada – p or governos e sociedade civ il.
Mais do que um desafio, debater comunicação é u m asp ecto estratégico e fundamental p ara
o fortalecimento das ONGs. Entretanto, uma das barreiras mais comuns encontradas nas
ONGs p ara se tornarem notícia é a falta de uma estrutura de comunicação.
Na maioria das ONGs, a comunicação estruturada estrategicamente ainda não faz
parte das p rioridades p ara o p rocesso de crescimento institucional, embora muitas nas suas
avaliações reconheçam que p recisam investir na área de comunicação. E os esforços se
concentram, d e forma quase semp re equivo cada, na comun icação midiática, atrop elando os
processos anteriores de comunicação, ou seja, a comunicação interna.
Vale ressaltar que o p rimeiro p asso para que um dep artamento de comunicação
funcione p ara as ONGs, é que todos os seus rep resentantes, colaboradores estejam
conscientes da imp ortância de um trabalho como esse na sustentabilidade d a sua
organ ização, afinal são eles, e o trabalho deles, que refletem o que é a organ ização em sua
essência.
De fato, o investimento na comunicação interna constitui um diferencial p ara a
organ ização, sobretudo no reflexo d essa comunicação através do feedback dos p úbicos. A
mídia tem d ado cada v ez mais imp ortância às açõ es do denominado Terceiro Setor, como
notícia relevante à sociedad e. "Estar na mídia" p ara uma organ ização n ão-governamental
pode significar, mu itas vezes, mais do que a simples divulgação da sua causa, mas a
legitimidade desta, a p restação de contas à sociedad e, e a sua credibilidad e diante de seus
doadores, beneficiários, voluntários e p arceiros. Além disso, p ode p rop orcionar muitas
op ortunidades de p arcerias, em esp ecial com emp resas p rivadas. Mas é preciso entender
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HUMANOS DA UFPB
153
que o esp aço dado às ações do Terceiro Setor, ou se p referirmos das organizações nãogovern amentais, não é favor ou p rivilégio.
Portanto, mais urgente torna-se o exercício d a p articip ação e reivind icação dos
esp aços na comunicação midiática. Paralelo ao grande poder político exercido p ela
comunicação, sobretudo de massa, torna-se crescente a n ecessidad e de uma comun icação
que assuma um caráter pedagó gico.
A p articipação efetiva da comun idade no p rocesso comunicacional é exatamente o
que vai distin guir u m v eícu lo co munitário dos grandes meios. Essa distinção p erp assa todo
o p rocesso desde o envolvimento dos atores à p rodução e difusão da informação (PAIVA,
1998, p . 159).
O envolvimento das pessoas na p rodução e transmissão das mensagens, nos
mecan ismos de planejamento e na gestão do veículo de comunicação co munitária contribui
para que elas se tornem sujeitos, se sintam capazes de fazer aquilo que estão acostumadas a
receber pronto, se tornam p rotagonistas da comunicação e não somente receptores.
Outro fator relevante para as organizações não-governamentais considerarem é o
potencial educativo implícito nos veículos de comunicação, sejam eles de p equeno ou grande
alcance, é muito significativo. Como bens p úblicos e não privados os veículos de comunicação
rep resentam mais que simp les instrumentos, devem ser visto como uma conquista que p recisa
ser utilizada p ara a disseminação dos valores da cidadania e do resp eito aos direitos humanos,
cap azes de democratizar, de forma ágil, interessante e com fidedignidade, a informação, a
cultura e o conhecimento.
A Comunicação no Processo de Mobilização das ONGs
Vamos nos rep ortar ao p rocesso de mobilização adotando o con ceito de Toro e
Werneck apud Henriques (2004, p . 35) entendendo-o como um “p rocesso de convocação
de vontades p ara uma mud ança de realidade, através de p rop ósitos comuns estabelecidos
em consenso”. As p essoas p recisam, no mín imo, d e informaçõ es p ara se mobilizarem, mas,
além d isso, p recisam comp artilhar visões, emoções e conh ecimentos sobre a realidade das
coisas à sua volta, gerando a reflexão e o d ebate p ara a mudança.
O desafio da comunicação em p rojetos de mobilização social é gerá-la de forma
particip ativa. Cabem iniciativas descentralizadas do fazer comunicativo, distintas de uma
comunicação manip ulada, autoritária, unidirecion al e paternalista.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
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154
A comunicação também assume u m caráter p edagó gico. Segundo Braga (2001, p . 56), “ap render é mudar o rep ertório e as atitudes...” E a ap rendizagem capaz de alterar a
realid ade dar-se-á p ela participação efetiva da comunidad e no p rocesso comunicacional. A
particip ação será a distinção a qual perp assa todo o p rocesso da comunicação, d esde o
envolvimento dos atores à p rodução e difusão da informação.
Paiva (1998, p . 157-158) destaca que,
o processo de comunicação popular começa quando os grupos de mais
baixo status deixam de fazer esforços para se comunicarem através da
hierarquia das elites intermediárias ou dos meios públicos ordinários e
estabelecem seu próprio sistema de comunicação horizontal.
As reflexões da ação ‘educo municativa’ das ONGs nos ajudam entender o pap el da
educação informal que muitas vezes comp lementa ou até substitui a educação formal ou
escolar. Algu mas ONGs têm se p reocup ado com a co municação d e forma p lanejada,
embora ainda com a preocup ação de marketin g, de d ivulgação ou utilização dos meios
simp lesmente. Nossa intenção nessa reflexão é a busca do entendimento da comunicação na
dimensão dos direitos humanos.
Considerando que as ONGs assumem uma função política assim co mo
mobilizadora, p or conseguinte não p ode deixar se assumir a função educativa. Quando, no
processo de mobilização, consegu e-se a adesão de sujeitos, conquistando-os p ara além dos
partidos, corp orações ou interesse p articulares, se ganh a maior legitimidade e sin ergia em
torno dos p rop ósitos. Esta sinergia revela igu almente maturidade no exercício d a cidadania.
O acesso do cidadão aos meios de comunicação na condição de p rotagonista é
fundamental p ara ampliar ao p oder de comunicar. Quando esse protagonismo é
desenvolvido p elas organ izações de interesse social ocorre uma p ossibilidade maior d e se
colocar os meios de comunicação a serviço do desenvolvimento comunitário e desse modo
amp liar os direitos à lib erdade de exp ressão a todos os cidadãos.
Mesmo considerando a observação d e Peruzzo (2004, p . 131) de que “há de se
reconhecer o grand e p oder da míd ia e sua manip ulação, prioritariamente, a serviço dos
interesses das classes domin antes, mas nem por isso ela deixa de dar sua contribuição ao
conjunto da sociedad e”.
A p artir do momento que as pessoas se ap rop riam do seu direito de exp ressão e
comunicação
se
tornam
fortalecidas
e
assumem
resp onsabilidad es.
E assumir
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HUMANOS DA UFPB
155
resp onsabilidades culmina com u m p rocesso de mobilização cap az de explorar p otenciais
latentes.
Comunicação como Aliada na Conquista de Credibilidade
O crescimento da instituição dep ende da integração total entre os membros da
mesma. Caso contrário h averá ru ídos que p odem refletir na sua v isibilidade. A integração
da equipe será fortalecida com o desenvolv imento da comunicação interna, ou seja, dentro
da instituição. O sentimento de que faz p arte da organ ização faz com qu e seus membros
externem seu orgulho e vontade d e p ermanecer no grup o.
O direito à comunicação n a socied ade contemp orânea in clui o d ireito ao acesso ao
poder de comunicar, ou seja, que o cidadão e suas organizações coletivas possam ascender
aos canais de informação e comunicação - rádio, televisão, internet, jornal, alto-falantes etc.
– enquanto emissores de conteúdos, com liberdad e e p oder de decisão sobre o que é
veiculado.
Para Henriques (2004, p. 83-84),
Ao se propor a comunicação mobilizadora como uma coordenação de
ações, desafia-se seu papel de gerar e manter canais desobstruídos para a
interação entre os indivíduos e o movim ento de maneira organizada e
seletiva, envolvendo os diversos públicos por meio da criação,
manutenção e fortalecimento de vínculos co-responsáveis.
Nesse sentido, as organizações não-governamentais têm buscado desenvolver ações
de comunicação p ara discutir e favorecer a cidadan ia de forma p articip ativa, o que requer
mais do que a simp les utilização dos meios de comunicação, mas uma ap ropriação e
cap acidade de leitura crítica dos mesmos. A instalação d e uma d ifusora comunitária, p or
exemp lo, numa co munidad e p ode significar a abertura p ara o fortalecimento da organ ização
ao mesmo tempo em que reflete a importância da p articip ação da comunidade no processo
de mão dup la que é o p rocesso educativo e comunicacional.
A p articip ação efetiva da co munidad e no p rocesso comunicacional é
exatamente o que vai distingu ir um veículo comunitário ou a comun icação
comunitária dos grandes meios. Essa d istinção p erp assa todo o processo desde o
envolvimento dos atores à p rodução e difusão da informação. Paiva (1998, p.
157-158) destaca que,
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156
O processo de comunicação popular começa quando os grupos de mais
baixo status deixam de fazer esforços para se comunicarem através da
hierarquia das elites intermediárias ou dos meios públicos ordinários e
estabelecem seu próprio sistema de comunicação horizontal.
Precisamos entender a comunicação co mo um instrumento indispensável p ara o
processo educativo. Como afirma So ares, mais do que recursos didáticos, a
educomunicação p rop õe ações p ara a construção, no esp aço da educação, d e uma nova
prática comunicativa.
Como resultado da edu comunicação, as ONGs têm se ap rop riado cada v ez mais, no
camp o de educação informal, de programas e produtos veiculados pelos meios de
comunicação de massa, esp ecialmente p ela televisão, destinados a assegurar à comunid ade
formas alternativas de construção de conhecimentos.
As organizações n ão-governamentais podem utilizar as ferramentas de comunicação
com diversas finalid ades: busca de p arceiros e doadores, recrutamento de voluntários, p ara
informar sobre o andamento das atividades, p ara aumentar o envolvimento do p úblico
direto. Mas os custos de uma comunicação p lanejada não são baixos e p edem uma atenção
redobrada.
Portanto, as organizações p recisam desenvolver maneiras de tornar o p rocesso de
comunicação mais eficiente p ara p oderem ap roveitar melhor esta ferramenta. Nesse sentido
a educomunicação torna-se um eixo fundamental, associando duas áreas em p auta, hoje,
sob vários p rismas, fortalecendo um modelo de co municação.
Mas a discussão não se esgota por aqui. A educomun icação é um camp o de estudo e
pesquisa a qual passa p or um aprofundamento e discussão dentro das áreas da comun icação
e da educação. O p lanejamento e a execução d e p rop ostas voltadas a criar um novo
ambiente de comun icação em esp aços educativos, como é o caso da maioria das ONGs.
Nesse contexto, a educação p ara os direitos humanos e p ara a cidadania ganha u m reforço
pela força de en gajamento das organizações.
Dentro de um esquema de comun icação co munitária – aquela orientada n ão por uma
lógica emp resarial, mas p rincipalmente p or determinações da força dos grupos ganha mu ito
mais no alcan ce dos objetivos do que o uso de um ou outro sistema de comunicação
definido p ela grand e mídia.
Conclusão
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HUMANOS DA UFPB
157
Diante das transformações, sobretudo sociais, não p odemos imaginar a estrutura das
organ izacionais sem a preocup ação co mo a comunicação desde o n ível interp essoal, interno
ao institucionalizado, p ensado para sociedad e em geral. O que significa tamb ém repensar a
particip ação, as formar de rep resentação dos segmentos ligados à organ ização.
A mídia tem dado cada vez mais imp ortância e divulgado informações do Terceiro
Setor, como notícia relevante à sociedad e. Mas quantidade não significa o ob jetivo maior
do uso dos meios de co municação social p ara trabalhar d e forma educativa e fazer valer um
direito sucumbido mu itas vezes em detrimento d e atitudes arbitrárias p elos detentores da
informação mediad a p or interesses, a exemp lo da televisão e do rádio. Ap ontamos até aqui
para uma comunicação vo ltada à mobilização social, com u m caráter dialó gico, educativo e
particip ativo.
A comunicação de resultados nas organizaçõ es parte do acordo entre os p articip antes.
Tratá-la como mera divulgação, colocando marcas acima de causas, é uma abordagem
sup erficial e p rejudicial. Proced er desta forma é fomentar uma disp uta velada entre as
organ izações da sociedade civil p ara v er quem ap arece mais, nu m mo mento em que a
atuação no terceiro setor deve ser p autada p ela p arceria.
A comunicação da qual tratamos deve contribuir p ara romp er com a distância entre
quem fala (env ia a mensagem) e quem recebe (recep tor). Precisa está voltada p ara os
interesses e benefícios reais da sociedad e, contrap ondo-se ao formato da comunicação
midiática que constrói, destrói e reconstrói valores e atitudes que não corresp ondem à
sociedade d emocrática que d esejamos enquanto cidad ãos.
Cada vez mais se torna fundamental u ma contrap osição ao que conv encionamos
como aceitável porque os meios de comunicação de massa assim o determinaram. A ado ção
de um caráter educativo da comunicação com p ossibilidades de favorecer mudanças de
atitudes e mentalidades.
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Editora Universitária, 2005.
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HUMANOS DA UFPB
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A EDUCAÇ ÃO S UPERIOR: de direito fundamental a serviço
89
comercializável
M aria Creusa de Araújo Borges
90
1. Introdução
Este artigo tem como objeto de estudo as concep ções de educação sup erior,
construídas nos discursos de organ ismos e institucionais internacionais, no contexto do
Processo de Bolonha europ eu, bem como os docu mentos formulados p elo B anco
Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), mais conhecido como B anco
Mundial, p ela Organização das Nações Unidas p ara Educação e Cultura (UNESCO) e p ela
Organização M undial do Comércio (OM C). Os discursos são analisados p or intermédio de
documentos formulados p or essas instituições - os documentos globais -, os quais v ersam
sobre o pap el da educação sup erior na socied ade/economia do conh ecimento.
Os documentos elaborados p elas instituições sup racitadas e cujos discursos
constituem objeto de análise são os seguintes:
1. Documentos do Processo de Bolonha:
1.Magna Carta das Universidades (1988) – Reitores das Universidades
européias;
2.Declaração de Sorbonne (1998) – Quatro ministros europeus;
3.Declaração de Bolonha (1999) – Declaração Conjunta dos ministros da
educação europeus;
4.Declaração de Salamanca (2001) - Convenção das Instituições de Ensino
Superior – Instituiçõ es Européias de Ensino Superior;
5.Conferência d e Praga (2001) – Ministros europeus do ensino superior;
6.Declaração de Göteborg do Estudan te (2001) – Estudan tes (ESIB);
7.Promovendo o Processo de Bolonha (2001) – Reunião M inisteria l de Praga;
8.Comunicado da Comissão das Comunidades Européias (2003) –
Comunicação elaborada no con texto do Conselho Europeu ;
89
90
Trabalho apresentado no GT Cultura e Educação em Direitos Humanos.
P rofessora efetiva do Centro de Educação da Universidade Federal daP araíba.
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9.Declaração de Graz: enviar de Berlim – o papel das Universidades (2003) –
Convenção da Associação Européia da Universidade (EUA);
10. Comunicado de Berlim (2003) – Reunião ministerial d e Berlim.
2. Documentos do Banco Mundial:
1.La Enseñanza Superior: las leccion es derivadas de la experiência (1995);
2.La Educación Superior en los Países en desarollo: peligros y promesas
(Higher Education in Develop ing Countries – peril and promise) (2000) –
documento ‘conjunto’ Banco M undial e UNESCO.
•
Documentos da UNES CO:
1. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI. Relatório Ja cques Delors
(1996);
2.
Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: visão e ação
(1998);
3.
Marco Referencia l
de
Ação
Prioritária para a
Mudança
e
o
Desenvolvimento do Ensino Superior (1998);
4.
La Educación Superior en los Países en desarollo: peligros y promesas
(Higher Education in Developing Countries – peril and promise (2000) –
documento ‘conjunto’ Banco M undial e UNESCO;
5.
Relatório S intético sobre as Tendências e Desenvolvimentos na Educação
Superior desde a Conferência Mundia l sobre a Educação Superior (1998-2003)
(2003).
•
Documentos da Organização Mundial do Comércio (OMC) – World
Trade Organization (WTO):
1.
General Agreement on Trade in S ervices (GATS) (1995);
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2.
Servicios de Enseñanza – Nota Documental d e la Secretaria (1998);
3.
Comunicação dos Estados Unidos (2000);
4.
Comunicação da Austrália (2001);
5.
Comunicação do Japão (2002).
A abordagem sociológica bourdieusiana é utilizada co mo referencial teóricometodológico no p rocesso de análise dos discursos sup racitados, os quais versam sobre
concep ções de educação sup erior. A p artir das noções de camp o, p osição e cap ital, esse
referencial se constitui como uma teoria fértil p ara o estudo de formulações discursivas,
produzidas p or organismos e instituições internacion ais, ocup antes de posições
diferenciadas e desiguais, no interior do camp o da educação sup erior.
2. A Análise e Apresentação dos Dados
A análise dos discursos dos organismos internacionais indicou-nos a p resença de
uma luta, no interior do camp o da educação sup erior, em torno de referências discursivas
que consideram a educação como um direito social inalienável, um bem público e como
um serviço comercializável.
Na ap resentação dos dados, p arte-se, p rimeiramente, d e u ma retrosp ectiva
histórica, retrospectiva esta necessária p ara o entendimento das concep ções de educação
sup erior em disp uta e das estratégias discursivas utilizadas, no interior do campo, p ara
balizar essas concep ções. A partir da análise dos condicionantes históricos, se busca
entender o surgimento do direito à educação e sua p osterior evolução e reformulação
conceitual - de direito fundamental a serviço comercializável.
Assim, são objeto de disp uta, p or p arte das instituições p articip antes do referido
camp o, três concep ções de educação sup erior: a educação sup erior como u m direito,
sobretudo, como um direito fundamental da pessoa humana e u m d ireito p úblico subjetivo;
como um bem público, esta última concep ção analisad a em duas direções – como um bem
público oferecido e finan ciado p elo Estado e co mo um bem público, cuja oferta e
financiamento não é garantido, exclusivamente, p elo p oder estatal; como um serviço
comercializável. Para melhor entender a concep ção de educação superior como um direito
fundamental, inalienável, protegido e garantido pelo Estado, se faz necessário analisar o
processo histórico de surgimento do direito à educação, sua evolução e tutela p elo Estado.
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Cabe ressaltar que o reconh ecimento, p or p arte da ordem estatal, de certos direitos
imp rescindíveis à melhoria d as condições de vid a e, p ortanto, da dignidade humana,
constitui um avanço no p rocesso histórico de reconhecimento e d e afirmação dos direitos
humanos91.
O p rocesso de p ositivação dos direitos humanos
92
tem início no contexto das
revoluções burguesas do sécu lo XVIII, sobretudo, das Revoluções Americana de 1776 e da
Revolução Francesa de 1789. A Revolução Americana de 1776, juntamente com suas
Declarações de Direitos, constitui o marco histórico d e nascimento dos direitos humanos,
93
princip almente, quanto ao asp ecto de sua p ositivação (constitucionalização) . Os direitos
humanos que nascem do p rocesso revolucionário da burguesia, cujo marco consiste nas
revoluções sup racitadas, integram os d ireitos humanos d e p rimeira geração, ou como
94
prefere Sarlet (2007), os direitos humanos de p rimeira dimensão , cuja característica
primordial consiste no fato de se constituírem contra o p oder p olítico, tendo como objetivo
a limitação do poder estatal. Segundo Oliveira (2002), utilizando-se de uma terminolo gia
jurídica, esses primeiros direitos humanos imp oriam ao Estado uma obrigação de não
fazer, p ois se referem aos direitos de liberdade do indivíduo p erante o p oder p olítico do
Estado.
91
Os direitos humanos referem-se àqueles direitos reconhecidos igualmente a todos os seres humanos, inerentes à própria
condição de ser humano e, nesse sentido, não podemser considerados como uma concessão daqueles que exercem o poder
político. Os seres humanos, por sua própria natureza, nascem livres e iguais e, por conseguinte, certos direitos são
reconhecidos ao homem como forma de favorecer e garantir a sua dignidade. Dessa forma, o aparente pleonasmo,
presente na expressão direitos humanos, se justifica, tendo o propósito de dar ênfase, reafirmar que certos direitos são
fundamentais à melhoria da condição humana, pelo simples fato de integrar a própria natureza do homem, sem relação
com particularidades ligadas a indivíduos ou grupos. Sobre o assunto, ver: Bobbio, A era dos direitos; Comparato, A
afirmação histórica dos direitos humanos.
92
A literatura acadêmica sobre direitos humanos costuma distinguir entre direitos humanos positivados e os ainda nãopositivados, distinção esta elaborada pela doutrina jurídica germânica. Os primeiros são tratados como direitos
fundamentais, pois integram o quadro constitucional de um Estado, referindo-se às pessoas como me mbros de um ente
público concreto. Os segundos são tratados como direitos humanos, reconhecidos a todos, independentemente, de sua
vinculação a uma ordem constitucional determinada, aspirando à validade universal. P ortanto, o processo de positivação
dos direitos humanos se constitui no reconhecimento desses direitos por parte do Estado, passando a integrar a sua ordem
constitucional. Tornam-se, dessa forma, direitos fundamentais. Estes se referem aos direitos humanos reconhecidos como
tais pelas autoridades que detêma competência para elaborar normas, normas as quais podem ser editadas tanto no quadro
de uma ordem estatal como no plano internacional, por intermédio de tratados e pactos. A fase de positivação consiste na
primeira fase – conversão em direito positivo – no processo de evolução histórica dos direitos humanos. As outras fases
são: generalização; internacionalização; especificação (determinação dos sujeitos titulares de direitos). Sobre o assunto,
ver: Bobbio (op. cit.); Comparato (op. cit).
93
O processo de positivação dos direitos humanos não se constitui de forma linear. Como alerta Oliveira (2002), os
direitos sociais que passaram a ser consagrados nas constituições estatais a partir do século XIX, tê m o seu germe de
nascimento na declaração francesa de 1793. Nesta, são encontrados dispositivos considerados como precursores dos
direitos sociais, como o direito ao trabalho e à educação.
94
Sarlet (2007) prefere utilizar a expressão dimensão a geração, pois o processo histórico de reconhecimento dos direitos
humanos constitui umprocesso cumulativo e de complementariedade e não de substituição de uma geração por outra. Nas
declarações do século XVIII, os direitos sociais não são mencionados. Por sua vez, nas declarações recentes de direitos
humanos, se encontram reafir mados os direitos individuais e políticos de primeira dimensão e são reconhecidos outros
direitos - como os direitos sociais - conforme as necessidades sociais do contexto histórico vigente. Sobre o assunto, ver,
também, Bobbio, A era dos direitos.
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Os direitos humanos fundamentais de p rimeira d imensão consistem em direitos do
indivíduo frente ao Estado, demarcando um esp aço de n ão interven ção estatal e u ma esfera
de autonomia indiv idual frente ao poder político. Os direitos à vida, à liberdad e, à
prop riedade e à igualdade formal p erante a lei constituem os direitos fundamentais de
primeira dimensão, sendo comp lementados, p osteriormente, p elos direitos relativos à
proteção das liberd ades de expressão, imp rensa, manifestação, reunião, associação e p elos
direitos voltados p ara a efetivação da p articipação p olítica do cidadão, tais como o direito
95
de voto e a cap acidad e eleitoral p assiva (Sarlet, op. cit.).
A p reocup ação dominante de limitar o p oder p olítico, exigindo-se do Estado uma
ação de cunho negativo, na p ersp ectiva de sua não intromissão nos assuntos do indivíduo,
permitindo que este aja com liberdad e, uma lib erdade exercitada com base nos p rincíp ios
da legalidade e da igualdade formal (p erante a lei), configura-se como uma necessidade
diante do contexto de recrud escimento do p oder estatal no âmbito de v igência do ancien
régime. O objetivo da classe burguesa, no século XVIII, em limitar a atuação do p oder
político estatal se insere no contexto de luta pela extinção dos antigos p rivilégios dos dois
estamentos do ancien régime – o clero e a nobreza -, e p ela substituição de uma sociedade
baseada n esses p rivilégios, p rivilégios estes garantidos, apenas, a uma aristocracia de
nascimento, p or uma sociedad e fundamentada numa aristocracia de mérito96.
Na Revolução Francesa de 1789, também p rotagonizada p ela burguesia, as idéias
de liberdad e e de iguald ade do ser humano são reconhecidas e reafirmadas. A diferença
fundamental entre esta Revolução e a o corrida no contexto americano consiste no fato de
que a Revolu ção Fran cesa tinha um caráter mais universal, universalidade esta exp ressa no
próp rio título da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. A exp ressão ‘homem’
sendo utilizada no sentido de abarcar o ser humano, indep endentemente, de particularidades
de ordem social, econômica ou p olítica. Contrariamente, o uso da expressão ‘cidad ão’ serve
para realçar a referência, ap enas, aos cidadãos franceses. Por sua vez, a Revolução
Americana teve como foco instalar a democracia mod erna na América do Norte, sem
preocup ações de cunho universal (Comp arato, op. cit.).
Por sua vez, os direitos fundamentais d e segunda dimensão resultam dos imp actos
95
Os direitos individuais de primeira dimensão, os quais resultam do processo revolucionário burguês do século XVIII, se
encontram contemplados na Constituição Federal brasileira de 1988 no Capítulo I (os direitos e deveres individuais e
coletivos).
96
No século XVIII, o vocábulo mérito significava cultura e cultura tinha o significado de conhecimento dos clássicos.
Sobre o assunto, ver: Comparato, A afirmação histórica dos direitos humanos.
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econômicos e sociais, p rovocados pelo avanço da industrialização sob a égide do
cap italismo, já no d ecorrer do século XIX. A doutrina socialista teve uma influência
imp rescindível no p rocesso de reconhecimento e d e afirmação h istórica desses direitos,
particip ando da cobrança, p or intermédio dos movimentos reivindicatórios que influen ciou,
de um comp ortamento ativo, p or p arte do Estado, na realização desses direitos,
diferenciando-se, dessa forma, dos direitos individuais de p rimeira d imensão, os quais
exigiam, p ara a sua efetivação, uma não interven ção estatal. Os direitos fundamentais de
segunda dimensão, p ortanto, detêm um caráter p ositivo, uma vez que, n esse caso, n ão se
trata de evitar a intervenção estatal, mas de prop iciar a ação d este em favor do bem-estar
social (Sarlet, op. cit.).
Os direitos fundamentais de segunda d imensão, os chamados direitos sociais e
econômicos, se caracterizam p or outorgarem ao ind ivíduo direitos a p restações sociais p or
parte do Estado, tais como saúde, educação. É, no século XX, no entanto, que esses direitos
se tornam objeto de diversos pactos internacionais e alcançam o reconhecimento em um
número significativo de ordens constitucionais estatais. Integram, também, o con junto
desses direitos as chamadas liberdad es sociais: liberd ade de sindicalização, direito de greve,
direito a férias, rep ouso semanal remun erado, garantia de salário mín imo, limitação da
jornada de trabalho 97 (Sarlet, op. cit.).
Os direitos fundamentais de terceira dimensão, tamb ém d enomin ados de d ireitos
de fraternidad e ou de solidariedade, têm a característica distintiva o fato de sua titularid ade
se desp render da figura do indivíduo, voltando-se p ara a p roteção de grup os humanos, tais
como a família, o p ovo, a nação. Ap resentam, dessa forma, a característica de d ireitos de
titularidade coletiva ou difusa. Os direitos à p az, à autodeterminação dos p ovos, ao
desenvolvimento sustentável, ao meio ambiente e à qu alid ade d e vida, à conservação e
utilização do p atrimônio histórico e cultural, o d ireito de co municação integram o rol d esses
direitos, que, em sua maior p arte, ainda estão p or ser reconhecidos nas ordens
constitucionais estatais, estando em fase de consagração em tratados e em outros
documentos internacionais (Sarlet, op. cit.).
Uma questão que se coloca, ap ós a exp licitação das dimensões dos direitos
fundamentais, dimensões estas que se comp lementam, em seu p rocesso histórico de
reconhecimento e d e afirmação, diz resp eito a sua eficácia. Nesse sentido, conv ém
97
Na Constituição Federal (CF/88), os direitos sociais se encontram contemplados no Capítulo II.
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esclarecer a categoria de direito subjetivo, pois interessa na comp reensão da educação
como um direito subjetivo tutelado p elo Estado.
A teoria do d ireito ocidental encontra-se b aseada na categoria de direito subjetivo,
o qual significa d ireito d e ação, a existência de uma p ossibilidade de ação, tutelada p elo
Estado, quando o direito de uma p essoa for infrin gido (Lop es, 2002). Refere-se à faculd ade
de agir (fa cultas ag endi) (Gomes, 1987). O direito subjetivo “é a faculdade ou a
prerrogativa das p essoas de invocar a norma juríd ica (norma agendi) n a defesa de seu
interesse” (Dower, 1996, p . 4).
A p ossibilidade d e requerer o d ireito de u ma pessoa em ju ízo consiste na
característica que d istingue o direito subjetivo. Nessa p erspectiva, se coloca a questão da
possibilidade d e se exigir o d ireito à educação, um direito, cuja marca consiste na exigência
de uma prestação p or parte do Estado p ara que ele seja garantido. Trata-se da cobrança de
políticas p úblicas e de p rogramas govern amentais voltados p ara a execução/p restação do
direito à educação. Na p ersp ectiva de Lop es (op. cit.), caberia saber qual ação ou quais
ações garantiriam ou viab ilizariam os direitos sociais, tal co mo o d ireito à educação. Qual a
natureza dos direitos que integram o conjunto dos direitos sociais e econômicos de segunda
dimensão?
Primeiramente, p ara se falar de eficácia dos direitos humanos e fundamentais, é
necessário distinguir dois asp ectos: um, o qual se vincula à questão de seu reconhecimento
por determinada ordem juríd ica estatal; e o outro, se refere ao p roblema dos div ersos níveis
de eficácia em relação aos variados direitos fundamentais, contemp lados na Constituição
Federal Brasileira de 1988 (CF/88).
A eficácia jurídica e social dos direitos humanos, que ainda não foram
reconhecidos no interior de uma ordem constitucional estatal, é muito menor, quando
comp arada à eficácia jurídica dos direitos fundamentais, os quais se en contram consagrados
na Constituição de u m Estado. A eficácia dos primeiros dep ende, p ortanto, de sua recep ção
na ordem jurídica interna de um Estado, a qual lhes confere um status juríd ico diferenciado.
O seu efetivo exercício, ainda que contemp lados em documentos internacionais, requer a
98
sua reafirmação e tutela p or p arte da ordem estatal .
98
P ara a Teoria Positivista, o direito, para existir, depende da possibilidade de sua cobrança por intermédio da coerção
estatal. Portanto, só tem direito aquele que pode requerer o seu cumprimento no órgão jurisdicional do Estado. Comparato
(op. cit.) discorda dessa concepção, pois esta excluíria do rol de direitos, não tendo caráter jurídico, a quase-totalidade das
normas declaradas em documentos internacionais, o costume e os princípios gerais de direito. P ara o autor, existe uma
confusão entre direito subjetivo propriamente dito, o qual significa a pertinência de um bem da vida a alguém, e
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A outra questão se refere aos níveis de eficácia dos diferentes conjuntos de direitos
fundamentais. Em relação aos direitos de primeira d imensão, os quais consistem em
direitos de liberd ade frente ao Estado, direitos consagrados na CF/88, no art. 5 º, os
remédios constitucionais construídos p ara a defesa e p roteção de tais direitos são o
mandado de segurança e o habeas corpus. Por sua vez, os direitos sociais, consagrados no
art. 6º da CF/88, tal como o direito à educação, têm um caráter esp ecífico, p ois se trata de
criar situações voltadas p ara a defesa e p roteção desses direitos, situações estas que não
buscam excluir a intervenção do Estado. Pelo contrário, se exige d a ordem estatal uma
postura ativa na p romoção dos direitos sociais, p or intermédio de p olíticas p úblicas. E é
justamente nesse asp ecto que surge o p roblema da eficácia, do efetivo exercício d esses
direitos, na condição de um direito subjetivo. Portanto, o problema maior encontra-se na
busca de instrumentos que garantam a efetivação dos direitos sociais.
O direito subjetivo individual é feito valer através do direito de ação, pelo qual
aquele que tem interesse (substancial) provoca o órgão jurisdicional do Estado
(Poder Judiciário) para obter uma sentença e se necessário uma execução
forçada, contra a outra parte que lhe deve (uma prestação, uma ação ou uma
omissão) (Lopes, op. cit., p. 128).
O direito à educação p ública d ep ende, p ara a sua efetivação, da atuação dos
Poderes Executivo e Legislativo, tratando-se de um direito que contém u ma eficácia
esp ecífica em relação à eficácia dos direitos individuais, p ois sua fruição é distinta. Nas
palavras de Oliveira (op. cit., p. 162), “existiria em relação a tais direitos, uma juridicid ade
diferenciada”. Nessa p ersp ectiva, os direitos sociais:
(...) dependem, para a sua eficácia de uma ação concreta do Estado, e não
simplesmente de uma possibilidade de agir em juízo. Existe (...) uma dupla série
de questões jurídicas a serem enfrentadas. (...), trata-se de saber se os cidadãos
em geral têm ou não o direito de exigir, judicialmente, a execução concreta de
políticas públicas e a prestação de serviços públicos. (...), trata-se de saber se e
como o Judiciário pode provocar a execução de tais políticas (Lopes, op. cit., p.
130).
A CF/88 constitui um av anço em relação à introdução de instrumentos jurídicos
voltados p ara a efetivação do direito à educação p ública e gratuita. Quanto à p ossibilidade
de se exigir concretamente esse direito, na Carta M agna brasileira são introduzidos
pretensão (anspruch, em alemão), a qual se refere ao modo judicial ou extrajudicial, consagrado pelo ordenamento
jurídico do Estado para garantir a cobrança do direito subjetivo.
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mecan ismos que p odem ser acionados no p rocesso de cobrança judicial, quando negado,
pelo Estado, a garantia do d ireito à educação, tais como o mandado de segurança coletivo, o
mandado de injunção e a ação civil p ública.
O mandado de segurança p ode ser acionado p ara a defesa dos direitos líquidos e
certos, aqueles direitos que não dep endem d e instrução p robatória p ara serem reconhecidos,
contra ações e omissões do Poder Público, exceto o direito relativo à liberdad e de
locomoção. O mandado d e in junção é remédio constitucional esp ecífico, utilizado p ara se
obter, p or intermédio de decisão judicial de eqü idade, a ap licabilidade imediata de direitos
relativos à nacionalidade, à soberania p op ular ou à cidadania, qu ando a falta de norma
regu lamentadora imp ossibilite o exercício efetivo de tais direitos. Por fim, a ação civ il
pública consiste em instrumento jurídico, que p ode ser acion ado p elo M inistério Público,
para fins de d efesa do patrimônio p úblico e social, do meio ambiente e de outros interesses
de caráter difuso ou co letivo (Oliveira, 1999).
No dispositivo legal em tela, o direito à educação é declarado de forma mais
99
precisa e detalh ada, tendo p rimazia em relação aos outros direitos sociais (art. 6 º, CF/88) .
No art. 205, do mesmo d isp ositivo legal, a educação é definida co mo dev er do Estado e da
família
100
. No art. 208, é especificada a efetivação, p or parte do Estado, do direito à
educação, p or intermédio de algu mas garantias. Há, tamb ém, a enumeração de metas e
objetivos a serem alcançados (Incisos I ao VII, inclu indo os p arágrafos 1 º e 2 º). No
parágrafo p rimeiro, o acesso ao en sino obrigatório e gra tuito é consid erado como um
direito público subjetivo. E, no p arágrafo 2º, é regulad a a resp onsabilidad e do Poder
público, no caso do não oferecimento do ensino obrigatório pela autoridade comp etente. O
101
ensino considerado obrigatório e gratuito consiste no ensino fundamental (art. 208, I) .
Por sua vez, o acesso à educação sup erior é baseado no mérito, reafirmando-se o princíp io
contido na Declaração Univ ersal dos Direitos Humanos (art. 26, I), dep endendo da
“cap acidade de cada um” (art. 208, V, CF/88)
102
.
Vê-se, portanto, que a educação, como um direito, o qual p oderá ser cobrado
judicialmente, imp ortando a resp onsabilidad e do Poder Público, somente abarca o ensino
99
“ Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
“ Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da fa mília, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.”
101
“ I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não
tiveram acesso na idade própria.”
102
“ V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.”
100
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fundamental, p ois este é o único nível de ensino considerado obrigatório, a ser garantido
pelo Estado. O ensino médio é tratado como um nível ainda a ser universalizado, de forma
progressiva, e o acesso à educação sup erior dep ende do mérito do indivíduo, isto é, “de
seus talentos, habilidades e esforço ” (Johnson, 1997, p. 146).
Outra concep ção, objeto de disp uta por p arte dos p rotagonistas da reforma, que se
imp õe no interior do camp o em referência, consiste no entendimento de que a educação
sup erior consiste num bem público. Convém esclarecer o significado da p alavra ‘b em’.
Segundo Abbagn ano (1998, p. 107), a p alavra b em sign ifica “tudo o que p ossui
valor, p reço, dign idade, a qualquer título”. Por sua vez, na acep ção jurídica, basead a na
doutrina, a definição de bem não é consensual. Na p ersp ectiva de Diniz (2002), o bem,
como objeto de uma relação jurídica p rivada, guarda relação com co isas materiais ou
imateriais, cuja característica consiste no fato de serem apreciadas economicamente,
consistindo em coisas que ap resentam um valor econômico. Trata-se de objeto p assível de
aprop riação, integrando o p atrimônio da p essoa. Este - o p atrimônio - consiste no conjunto
de relações juríd icas de u ma p essoa, ap reciável economicamente. Nessa p ersp ectiva,
portanto, a noção de bem assume u m sentido econômico.
Ainda na p erspectiva jurídica, n a concep ção de Dower (1996), o bem ap resenta a
característica d e ser ap reciável em d inheiro, constituindo-se em objeto material suscetível
de valor. Nesse sentido, o conceito juríd ico de b em guarda semelhança co m o seu conceito
econômico. No entanto, segundo Gomes (1987, p . 174), a noção d e bem “abran ge as coisas
prop riamente ditas, suscetíveis de apreciação p ecuniária e as que não comp ortam essa
avaliação, as que são materiais ou não”. Ainda nas p alavras de Gomes (op. cit., p . 175), “a
noção de bem comp reende o que p ode ser objeto de direito sem valor econômico, enqu anto
a de coisa restringe-se às utilidades p atrimoniais, isto é, as que p ossuem valor p ecuniário”.
Nessa p ersp ectiva, nem todo bem jurídico é considerado econô mico. Somente os bens
suscetíveis de avaliação econô mica são considerados coisas em sentido jurídico.
No Direito Romano, h á a distinção entre res in patrimonium e res ex tra
patrimonium. A p rimeira definição refere-se às coisas ou bens p assíveis de serem ob jeto de
aprop riação individual, constituindo o p atrimônio da pessoa. São d enomin adas, também, de
res p rivatae, res in commercio. Por sua vez, res ex tra patrimonium, também consid eradas
extra commercium, não p odem integrar o p atrimônio do ind ivíduo, pois se tratam de coisas
que p ertencem ao Estado romano. Subd ividem-se em coisas do direito divino (res nullius
divini iuris) e coisas de direito humano (res nullius humani júris). Estas últimas
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constituídas p or coisas comuns a todos, inalienáveis e que não p ertencem à p rop riedade de
alguém (res commumes o mnium); coisas que p ertencem à comunidade (res universitates)
e aquelas p ertencentes ao Estado romano, estando à d isp osição de todos (res publicae)
(Santos, 2005).
Não obstante a diversidade de entendimento sobre a noção d e bem na doutrina
jurídica, o fato é que considerar a edu cação sup erior como um bem p úblico significa
integrá-la num esp aço, localizado entre u ma con cepção de educação superior como um
direito fundamental da p essoa humana e uma concep ção de educação sup erior que a
considera como u m serviço comercializável. Dessa forma, não se p ode id entificar a
concep ção de educação sup erior co mo um b em p úblico com u ma concep ção estritamente
mercado ló gica, co mo querem fazer alguns estudos (Siqueira & Neves, 2006). Entender a
educação sup erior como u m ‘bem p úblico’, ap esar da utilização da p alavra ‘bem’, a qu al
remete a u m espaço p rivado, não significa considerá-la in totum co mo uma mercadoria, um
serviço comercializável segundo a ló gica do lu cro e da comp etição. O entendimento da
educação sup erior como um direito integra uma concep ção mais universal. Considera-se a
educação sup erior como um serv iço comercializável uma concep ção mais restritiva, em que
só aquele que p ode p agar tem acesso a esse nível edu cacional e, sobretudo, há, nesse caso, a
imp osição de uma lógica externa à especificidade da Universidad e como instituição social.
Entre essas concep ções, situa-se a qu e consid era a edu cação sup erior como um b em
público, onde a questão relativa ao p apel do Estado no fin anciamento da educação sup erior
é fundamental. Como afirma Cêa (2006), o entendimento da educação superior como um
bem p úblico comp õe a agenda de organismos internacionais e outros protagonistas da
reforma, entendimento este que reconfigura a ação do Estado e reconstitui os limites entre o
público e o p rivado no camp o da educação sup erior. As referidas concepções consistem,
pois, em concep ções diversas e que são utilizadas nas estratégias discursivas dos
interlocutores da reforma p ara balizar posições em emb ate sobre a instituição universitária.
Convém, ainda distinguir entre duas tendências que se imp õem nas referências
glob ais: a edu cação sup erior como u m bem público, garantido exclusivamente e
fundamentalmente pelo Estado e educação sup erior como um bem público, ofertado pelo
seto r privado em co mplementação com o seto r público-estatal. Essa distinção parece, à
primeira vista, inadequada, mas se imp õe, como referência discursiva, no camp o da
educação sup erior, integrando os documentos dos organ ismos internacionais, resultando do
processo de transformação das tarefas estatais no âmb ito de uma economia glob alizada e
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HUMANOS DA UFPB
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baseada no conhecimento. Processo este que, num p rimeiro mo mento – início d a década de
oitenta até meados da década d e noventa – h á a consolidação dos mercados nacionais
universitários e, num segundo momento, esse mercado se expande co mo mercado
transnacional da edu cação sup erior, ordenado, exclusiv amente, p ela ló gica mercantil. Esse
processo tem p rovocado mudanças no modo d e p rodução da educação superior como um
bem p úblico, no qual a Universidade, mesmo sendo considerad a como um bem p úblico,
não sign ifica que a sua garantia seja realizada pelo Estado (Santos, 2004). Nesse contexto, é
deixado para o setor p rivado “a p rodução do bem p úblico da Universid ade e obrigando a
Universidade p ública a comp etir (...) no emergente mercado de serviços un iversitários”
(Santos, op. cit., p . 14), mercado este cada vez mais global.
Em contrap artida, a educação sup erior como um bem público, garantido pelo
Estado se alinha a uma concep ção de educação co mo um direito, sintetizando
os fundamentos de uma política educacional que é a base de um projeto de
nação soberana numa sociedade democrática, solidária e justa. Esta é uma
lição da experiência histórica que revelou a importância da educação
pública para a cidadania republicana e a legitimidade democrática
(Santos, op. cit., p. 173).
As concep ções de educação sup erior co mo um bem p úblico, ofertado e finan ciado
pelo p oder estatal, e ofertado e mantido p elo setor privado, constituem-se em referên cias
discursivas que passam a se impor no camp o da educação superior brasileiro, integrando os
projetos de reforma, sobretudo, a p artir de meados da década de noventa do século XX.
Como alerta Gomes (2006), historicamente, no camp o educacional, tem havido u ma
tendência a identificar o ‘p úblico’ com o ‘estatal’, e o ‘mercado’ com o ‘p rivado’, além de
se estabelecer polaridades entre o ‘p úblico-estatal’ e o ‘p rivado-mercado’, como se estes
configurassem uma relação d e op osição (‘p úblico-estatal’ x ‘privado-mercado’).
Embora o privado, em seus múltip los sentidos, se articule com o mercado,
eles não são idênticos, nem em termos de significado nem de significante.
O público e o estatal têm inerências semânticas consideráveis, mas não
formam simetrias de sentidos (Gomes, op. cit., p. 2).
Numa posição extrema, encontra-se a con cep ção de educação superior como um
serviço, con cep ção esta qu e consid era a educação superior p arte de um jo go, cujas regras e
lógica são d itadas p elo mercado. O que interessa, nesse caso, é a possibilidad e de
exp loração co mercial lucrativa dos ‘p rodutos’ p roduzidos p or esse nível de educação, além
da p resença de u ma imp osição de u ma ló gica empresarial nas atividades un iversitárias,
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HUMANOS DA UFPB
171
pressionando a Universidade a funcionar como u ma emp resa, voltada p ara a p restação de
serviços. No dizer de Chauí (1999), uma ló gica que transforma a Univ ersidade em
Universidade operacional. Nessa ótica, não é a ló gica acadêmica qu e é resp onsável p ela
orientação dos processos decisórios – o qu e ensin ar, o qu e p esquisar. Pelo contrário, a
lógica emp resarial se sobrep õe à lógica acad êmica, ditando as mais variadas atividad es. A
ênfase recai na prestação de serviços, naquilo qu e é requerido p elas demandas da economia,
pelas necessidades de u ma parcela da socied ade, rep resentada p elo setor p rodutivoemp resarial.
Nessa p ersp ectiva, o Estado tem o seu pap el bastante reduzido, p assando a
focalizar a suas açõ es no sentido do estabelecimento de um quadro legal e de sup ervisão do
sistema de educação sup erior. A finalidade, aqui, consiste na criação e estímulo de um
mercado educacion al, que ultrap asse fronteiras, com a eliminação das barreiras qu e p ossam
dificultar o seu crescimento e ganho lu crativo, além de objetivar a redução dos custos
estatais no desenvolvimento da educação sup erior.
A concep ção de educação sup erior como um serviço tem como interlocutor
princip al a OM C, cuja prop osta, inserida no AGCS, inclu i a edu cação sup erior no con junto
dos serviços comercializáveis ao nív el mund ial. Co mo afirma Siqueira (2004, p . 55):
o Gats/AGCS significa a incorporação, no âmbit o da OMC, de diversos
setores tradicionalmente mantidos e regulamentados pelo Estado como
parte dos direitos sociais e subjetivos do cidadão, fruto de anos de luta e
de conquistas (...), e seu ordenamento sob a lógica do lucro, da oferta, da
competição, características do pensamento liberal do ‘livre’-mercado
(SIQUEIRA 2004, p. 55).
Nessa persp ectiva, a educação sup erior é considerada, exclusivamente, como um
BEM PRIVADO, p assível de ser comercializado no mercado transnacional de serviços
educacionais, ond e o Estado reduz o seu pap el nos asp ectos relativos à regulação e
avaliação d a educação sup erior. A Universidade, esp ecificamente, p assa a ser op erada
como p restadora de serviços, cujo acesso se realiza p or intermédio do consumo, com
pagamento, e não p ela consideração da educação co mo um direito de cidadania. Há, nesse
sentido, uma reformulação rad ical do conceito de educação sup erior, em que o p aradigma
institucional da Universidad e é substituído p or um p aradigma emp resarial (Santos, 2004).
O BIRD, cuja p osição no camp o da educação sup erior se ap roxima da OM C,
considera essencial a redu ção do p apel do Estado na p romoção da educação sup erior,
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HUMANOS DA UFPB
172
devendo esta se vincular, p ortanto, às necessidades do setor produtivo, com vistas não só a
diversificar suas fontes de financiamento, como, sobretudo, com o objetivo de conseguir
recursos adicionais p ara a sua manutenção. O d ireito à educação, nessa p ersp ectiva, se
reduz aos níveis básicos (educação fundamental e média), deixando a educação sup erior
para ser ordenada sob uma ló gica d a comp etitividade e do lucro.
No final do século XX e início do século XXI, com base no discurso da
‘sociedade do conhecimento’, segundo o qual níveis mais elevados de
educação seriam fundamentais para o desenvolvimento e competitividade
das nações num mundo globalizado (...), o ensino superio r voltou a fazer
parte das prioridades do Banco Mundial. Mas não mais a partir de uma
oferta pelo setor público, e sim para sua abertura, como uma área de
negócios, ao setor privado internacional e a grandes firmas nacionais a ele
associados (SIQUEIRA 2004, p. 50).
Na p ersp ectiva da UNESCO, a educação sup erior é consid erada como um
DIREITO HUMANO e um B EM PÚBLICO. No entanto, seu financiamento e manutenção
não constituem obrigações somente do Estado. Recomend a, então, a ado ção d e um
financiamento misto, p úblico e p rivado, p ara a manutenção e garantia d a educação sup erior.
Diante do exp osto, fica evidente qu e, na conjuntura atual, se p rocessa uma luta no
interior do camp o da educação sup erior, luta que tem como objeto a definição social
legítima do p ap el da educação sup erior na sociedade contemporânea. Nessa luta, nem todos
os p articip antes se constituem como interlocutores autorizados, não ap resentando as
condições materiais e simbólicas p ara imp or a sua interp retação, p ois não p ossuem o cap ital
social n ecessário que os qu alifica a p articip ar, no interior do campo em referência, como
protagonistas capazes de imp or os seus discursos.
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176
FUNDAMENTOS HIS TÓRICO-FILOS ÓFICOS DOS DIREITOS EDUCATIVOS
DE JOVENS E ADULTOS
M aria Elizete Guimarães Carvalho
Introdução
As crescentes exigências educativas da sociedade contemp orânea, nas mais
diversificadas dimensões da vida humana, apontam p ara a necessidade de p romoção dos
direitos educativos de jovens e adu ltos. Tal promoção está relacion ada ao reconhecimento
do direito de todos à educação, indep endente de faixa etária, afirmando os direitos de
jovens e adu ltos ao ensino fund amental e médio p úblico e gratuito não p rop orcionado na
idade p róp ria, o que implica n a correção de injustiças históricas, na busca de uma socied ade
mais justa, favorecendo aqueles que historicamente tiveram negado o acesso aos direitos
essenciais à vida humana. Esses direitos encontram seu fundamento no p ressup osto de que
a educação é condição básica p ara a existência humana, na universalidad e dos v alores
historicamente estabelecidos e na reflexão de que todos os seres humanos detêm a mesma
dign idade, o qu e decorre da igualdad e universal.
Ora, a descob erta dessa dign idade surge quando o homem começa a refletir sobre si
mesmo, conco mitantemente, em v árias civilizações, entre os séculos VIII e II a. C. Nesse
período, denominado de axial
103
, surgem grandes doutrinadores como “Zaratustra na Pérsia,
Buda na Índ ia, Lao-Tsê e Confú cio na Chin a, Pitágoras na Grécia e o Dêutero-Isaías em
Israel” (COM PARATO, 2007, p . 08). Suas visões de mundo defin em o curso da história,
enunciando-se os grandes p rincíp ios e fundamentos da vida humana. O nascimento da
Filosofia traz para o eixo da história a an álise e reflexão sobre o homem, p osto como
problema à p rópria comp reensão. Nesse contexto se faz necessária a criação das primeiras
escolas, assinalando-se, juntamente, o despertar da idéia de igu aldad e entre todos os
homens.
Em suma, é a partir do período axial que, pela primeira vez na
História, o ser humano passa a ser considerado, em sua igualdade
essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as
múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais.
Lançavam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a
103
Época que Jaspers (apud COMPARATO, 2007) define como eixo fundamental da história da humanidade.
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HUMANOS DA UFPB
177
compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de
direitos universais, porque a ela inerentes (COMPARATO, 2007,
p. 11-12).
De fato, foi co m o desp ontar da idéia de igualdade essencial entre todos os homens,
que surge a convicção da dign idade, ou seja, o resp eito a que todo ser humano tem direito
em razão de sua humanidade. Esta convicção da d ignidad e nasce com a edu cação, p ois o
homem toma consciência d e sua natureza p ela razão, p ela reflexão e também p ela emo ção,
atributos decorrentes da p rática educativa. Assim, a dign idade é uma formulação da p róp ria
reflexão hu mana, qu e a ela ch egou de forma historicamente dada p elo conhecimento.
A dignidade do ser humano não repousa apenas na racionalidade;
no processo educativo, por exemplo, procuramos atingir a razão,
mas também a emoção, isto é, corações e mentes – pois o homem
não é apenas um ser que pensa e raciocina, mas que chora e que ri,
que é capaz de amar e de odiar, que é capaz de sentir indignação e
enternecimento, que é capaz de criação estética (SOARE S, 2004, p.
58).
Daí não poder sep arar-se educação e dign idade. Porque de qu e valeria a vida sem
dign idade, e dignidade só existe com educação. E p ara p reservação dessa dignidade faz-se
necessário reconh ecer os direitos fundamentais da p essoa humana, protegê-los e p romovêlos. Nesse sentido, a p reservação da dignidad e das p essoas jovem e adulta não-alfabetizadas
ocorrerá p elo reconh ecimento e p romoção dos direitos educativos. Aristóteles, no IV século
a. C. em sua Po lítica, já afirmava a necessidade de educação para todos.
(...) Ninguém colocará em dúvida que o legisla dor deve dirigir sua
atenção sobretudo para a educação dos jovens, uma vez que a
negligência com relação à educação prejudica a constituição (...).
Dado que o Estado [a polis] tem um fim único [o bem comum] é
evidente que deve haver uma única e mesma educação para todos e
que ela deve ser pública e não privada [...pois] a educação nos
assuntos que são de interesse comum deve ser a mesma para todos
(ARIST ÓT ELES, 1952, p. 127).
As reflexões de Aristóteles apontam para valores atualmente já consagrados, mas
que exigem esforços p ara sua realização. Os valores que reconhecem a dignidad e do ser
humano. A educação é um d esses valores, e em seu âmbito, a edu cação de jovens e adultos.
Comp reender os fundamentos histórico-filosóficos dos direitos educativos de jov ens e
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HUMANOS DA UFPB
178
adultos, refletindo sobre sua natureza co mo direito humano fundamental, constitui-se o
prop ósito do p resente trabalho, que considera a realização desse direito uma estratégia
fundamental de sobrev ivência para jovens e adultos no mundo atual.
Fundamentos filosóficos dos direitos educativos de jovens e adultos
A comp reensão sobre a origem dos fundamentos filosóficos dos direitos educativos
de jovens e adultos surgiu há cerca de d ez anos. Pesquisando sobre a memória dos
movimentos de edu cação popular da década de 1960, e utilizando a h istória oral como
aporte metodológico, em uma entrevista a um adulto p articip ante da Campanha de Pé no
104
Chão Também se Aprende uma Profissão , foi investigada a questão do direito à
educação. A resp osta veio imediata: “Só conheço um: o direito de não ter direitos”. E o
direito à dign idade? À felicidade? E a resp osta: “O que é isso?” “Pobre, analfab eto e adu lto
não tem direito algum”. Analisando-se essa resp osta, p ercebe-se que é a visão do senso
comum, qu e a consciência da d ignidad e só será adqu irida co m a educação, sendo esse o
prop ósito do trabalho do Professor Paulo Freire no início dos anos 1960, na alfabetização
de adultos, alfabetizar conscientizando, p ara que, a p artir da reflexão da realid ade e
condição sócio-cultural, fosse construída a noção de dignidade e a necessidade d e lutar p ela
conquista de direitos. Daí a d efesa de que os fund amentos dos direitos educativos
coexistem com os fundamentos do direito à dignid ade, p ois a consciência do sentido da
próp ria humanidade só vai surgir com os p rimeiros doutrinadores, com a noção de
igu aldad e entre os homens, quando a v isão mitológica do mundo é substituída p elo saber
lógico da razão, quando o ser humano co meça a exercer sua facu ldade d e crítica racional da
realid ade.
Ora, se todos os homens nascem iguais, ap esar de suas diferenças indiv iduais e
grup ais, de ordem bio lógica ou cultural, têm direito a serem igualmente resp eitados. A lei
escrita veio contribuir p ara a efetivação d essa convicção, tornando-se o fundamento da
sociedade p olítica e o antídoto ao arbítrio govern amental. Será essa mesma lei que v ai
garantir o direito de todos à educação, e em seu âmbito, os direitos educativos de jovens e
adultos, cerca de do is mil e quinhentos anos dep ois.
104
Esta foi a sexta fase da Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler, significando a evolução da educação
acadêmica para a educação para o trabalho.
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HUMANOS DA UFPB
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O Cristianismo veio contribuir para o con ceito de igualdade universal entre os seres
humanos, embora fosse clara sua efetivação no p lano divino. No p lano terreno, a
desigu aldad e era sustentada, como se verifica:
(...) o cristianismo continuou admitindo, durante muitos séculos, a
legitimidade da escravidão, a inferioridade natural da mulher em
relação ao homem, bem como a dos povos americanos, africanos e
asiáticos colonizados, em relação aos colo nizadores europeus. Ao
se iniciar a colonização moderna com a descoberta da América,
grande número de teólogos sustentou que os indígenas não podiam
ser considerados iguais em relação ao homem branco
(COMPARAT O, 2007, p. 18).
No entanto, esse conceito vai sendo construído ao longo da história. A idéia d e uma
natureza comum a todos os homens é discutida e enriquecida com a concep ção medieval de
pessoa, sendo a igu aldad e de essência dessa p essoa que forma o núcleo do conceito
universal de direitos humanos. A essa visão acrescenta-se a con cep ção kantiana de
dign idade da p essoa humana, em que esta é vista como um fim em si mesmo e não um
meio p ara outras coisas, o único ser cuja existência é um valor absoluto. Tal conceito de
dign idade é essencial para a comp reensão dos direitos humanos e de sua universalidade,
considerando-se o ser humano, no âmbito desse conceito, como :
(...) um ser essencialmente moral, ou seja, o seu comportamento
racional estará sempre sujeito a juízos sobre o bem e o mal. (...) o
ser humano tem a sua dignidade explicitada através de
características que são únicas e exclusivas da pessoa humana; além
da liberdade como fonte da vida ética, só o ser humano é dotado de
vontade, de preferências valorativas, de autonomia, de
autoconsciência como o oposto da alienação. Só o ser humano tem
a memória e a consciência de sua própria subjetividade, de sua
própria história no tempo e no espaço e se enxerga como um
sujeito no mundo, vivente e mortal. Só o ser humano tem
sociabilidade, somente ele pode desenvolv er suas virtualidades no
sentido da cultura e do auto-aperfeiçoamento vivendo em
sociedade e expressando-se através daquelas qualida des eminentes
do ser humano como o amor, a razão e a criação estética, que são
essencialmente comunicativas. (...) Sua unida de existencial
significa que o ser humano é único e insubstituível (SOARES,
2004, p. 59).
Desse conceito conclu i-se que o ser humano tem dignid ade e não um p reço, como as
coisas. Ora, a desp ersonalização de seres humanos viria com a consolidação do cap italismo,
em que ocorre a inversão do conceito kantiano de dign idade. Tal inversão coloca o cap ital
em p osição p rivilegiada, como sujeito de direitos, enquanto a p essoa humana é relegad a a
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HUMANOS DA UFPB
180
posição de mercadoria, p ara futuramente ser relegad a ao lixo social como descartável.
Também, a trágica exp eriência vivida p elos judeus durante a II Guerra M undial demonstra
o esvaziamento da p ersonalidade de ser humano, que p erde a razão e os sentimentos,
surgindo dessas cinzas o ser embrutecido, que luta p ara sobreviver.
A descoberta do mundo dos valores ap onta para o fato de que o ser humano é o
único ser vivo que dirige sua vida em função de p referências valorativas. Essa compreensão
transformou a teoria jurídica, que p assou a identificar os direitos humanos com os valores
mais importantes da convivência human a.
Os estudos filosóficos da p rimeira metade do século XX enfatizaram o caráter
único, inconfundív el e irrep rodutível da p ersonalidade humana, como reação à crescente
desp ersonalização do ser humano no mundo contemp orâneo, afirmando sua essência
singular e inconfundível. Já a reflexão filosófica desse mesmo século ap resenta a p essoa
humana como um constante vir-a-ser, um contínuo devir, p ossuidora de essência histórica,
evolutiva, em p ermanente inacab amento, o que foi confirmado p ela ciên cia. Essa evolu ção
ocorre não só no p lano bioló gico, mas também no cultural, o qu e tem imp licações no p lano
jurídico.
No início dos anos 1960, em seu trabalho educacional co m jovens e adultos, Paulo
Freire comp reendeu a necessidade da educação p ara a efetivação do p rincípio da dignid ade
humana. “O acesso às mesmas op ortunidades educacion ais, às mesmas informações e às
mesmas frentes de desenvolv imento interior” (DALLARI, 2004, p . 41) efetiva os p rincíp ios
da lib erdade e da igualdade, sendo esse crescimento interior que torna a p essoa
essencialmente livre e igu al, p ossibilitando uma con creta p articipação na vida social.
Como seres humanos, detentores de iguald ade n a diversidade, o jovem e o adulto
detêm a mesma d ignidad e, os traços essenciais qu e confirmam sua humanização, como a
cap acidade de penetrar nos p roblemas da vida, o conhecimento que p rovém das emoções e
da visão de mundo, a disp osição p ara a reflexão e aquisição do saber. A exclusão a que
estão sujeitos p elo fato de viverem em uma sociedade letrada que discrimina o an alfab eto,
contribui p ara sua desp ersonalização, fazendo com que se escondam e omitam sua condição
de não-escolarizados. Porém, o fund amento filosófico do seu d ireito à educação é quase tão
antigo quanto o p róp rio homem. Decorre do p ressuposto da igualdad e universal entre os
homens e do p rincíp io da dignidad e human a.
Ao longo da evo lução h istórica, as desigualdades entre os seres humanos se
apresentaram como juízo de sup erioridade e de inferiorid ade entre os grupos, camadas ou
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181
classes sociais, origin ando p reconceitos sociais. Essa desigualdade é contraditória ao
conceito de diferença, pois ela diminui o ser humano e o divide em sup eriores e inferiores.
Já a diferen ça é fonte de d inamismo e enriquecimento humano.
A desigualdade social não é criada pela natureza, ela é criada pelo
homem, numa relação constante de força, de dominação e de
exploração. A luta contra esses fenômenos patológicos, no campo
social, é ininterrupta e praticamente indefinida: quando se acaba de
eliminar um foco de exploração social, surge outro, de modo que a
perspectiva de luta contra a desigualda de social é contínua
(COMPARAT O, 2004, p. 68).
Assim o subgrupo de adultos não escolarizados são tratados como desigu ais e n ão
como diferentes. E aqui a educação é essencial p ara a conquista da d ignidad e, p orque é uma
prática social que contribui p ara o conhecimento sistemático e organ izado da realid ade,
tendo em vista que o acesso aos bens p rop iciados p or essa p rática p ossibilitará uma v ida
plena, feliz, p rop ósito da vida em sociedade. O p ressup osto da igualdade então é
fundamental p ara a conquista dessa felicidade, p ara a p articip ação na construção de novos
bens culturais e direitos, no contexto da vida coletiva.
É nesse contexto que a p essoa jovem e adulta p recisa ser reconhecida e resp eitada.
Como alguém diferente e igual, humana e p ortadora de direitos, p ara a realização de u ma
relação social simétrica. Com educação, surgirá a condição de p articipação ativa, a
consciência da iguald ade na d iferen ça.
Na verdade, a tendência da sociedade atual é elimin ar formas esp ecíficas de
alien ação, co mo o desconhecimento do outro, a assimetria instalada nas relações sociais, a
desconsideração do diferente, em v irtude das desigualdad es sociais. Porém, é necessário
lembrar a d iversidade d e contextos, a dimensão social dos valores construídos
historicamente por homens e mulheres, que vão influenciar a transformação das relações
entre sujeitos.
Nesse sentido, a contribuição da escola é relev ante p ara a p romoção da p essoa
jovem e adulta não-escolarizada e sua inclusão social, não p romovendo em seu esp aço a
discriminação e o p rivilégio, mas amp liando a socialização de sab eres e v alores,
aprofundando o conhecimento desses seres humanos sobre si mesmos e sobre o mundo,
fazendo valer direitos que p ertencem a toda humanid ade.
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182
Evolução Histórica dos direitos Educativos de Jovens e Adultos
Em contrap artida aos fundamentos filosóficos, os fund amentos históricos dos
direitos educativos de jovens e adu ltos são colocados cerca de vinte e cin co sécu los dep ois,
com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ap rovada em unan imid ade p ela
Assembléia Geral das Naçõ es Unidas, em 1948, p roclamando em seu artigo I a liberd ade e
a igualdade entre os seres humanos - “Todos os homens nascem livres e iguais em
dign idade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade”, confirmando-se a dignid ade d a p essoa humana no
artigo VI: “Todo homem tem direito de ser, em todos os lu gares, reconh ecido co mo p essoa
perante a lei”.
Pela interp retação desses artigos, p ercebe-se que o Docu mento Universal condensou
as reflexões teórico-filosóficas elaboradas ao lon go d a história da hu manid ade, e, como não
poderia deixar de ser, o que vem corroborar as reflexõ es aqui desenvolvidas, colo cou a
educação como direito humano, no mesmo p atamar da dignidad e, revelando a
imprescindibilidade d a educação p ara a conquista dessa dignidade.
Assim discip lina o artigo XXVI da Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948 (COM PARATO, 2007, p . 239):
1 T odo homem tem direito à educação. A educação deve ser
gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A
instrução elementar será obrigatória. A instrução técnicoprofissional será generalizada; o acesso aos estudos superiores será
igual para todos, em função dos méritos respectivos.
2 A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos
direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução
promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e grupos nacionais ou religiosos, e coadjuvará as atividades
das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3 Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que
será ministrada a seus filhos.
Na verdade, o p rincípio da fraternidade orienta os direitos humanos de caráter
econômico e social, sendo seu reconhecimento resultante do mov imento socialista do
século XIX, colocando os grup os humanos esmagados p ela miséria, a fome e a
marginalização como titulares desses direitos.
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183
Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais
não eram cataclismos da natureza nem efeitos necessários da
organização racional das atividades econômicas, mas sim
verdadeiros dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica
consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao
das pessoas (COMPARATO, 2007, p. 55).
Ora, as pessoas jovem e adulta não-escolarizadas são, geralmente, colocadas à
margem dos benefícios que uma vida digna p ode oferecer. Pois é a educação que p ossibilita
o desenvolvimento
intelectual,
a obtenção
e amp liação
de
conhecimentos,
o
desenvolvimento psíquico, orientando sobre a convivên cia fraterna e as formas de
particip ação e integração social.
Nessa concep ção, a educação é base p ara a realização de outros direitos, p ela
próp ria natureza dos direitos humanos universais, indivisíveis e interdep endentes entre si,
criados para garantir a dign idade hu mana.
Outro aspecto importante e que fundamenta a educação escolar
como um direito humano diz respeito ao fato de que o acesso à
educação é em si base para a realização dos outros direitos. Isso
quer dizer que o sujeito que passa por processos educativos,
particularmente pelo sistema escolar, é normalmente um cidadão
que tem melhores condições de realizar e defender os outros
direitos humanos (saúde, habitação, meio ambiente, participação
política etc.). A educação é base constitutiva na formação do ser
humano, bem como na defesa e composição dos outros direitos
econômicos, sociais e culturais (HADDAD, 2006, p. 03).
A p artir do momento histórico, em que os direitos humanos são declarados
universalmente, outros documentos relevantes p ara a afirmação desses direitos foram
promulgados, como é o caso do Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966),
que trata em esp ecial dos direitos à educação, à saúde e ao trabalho, “situações
problemáticas que exigem in iciativas do Estado e que implicam a correção de injustiças
históricas, ainda lon ge de serem sup eradas” (CARVALHO (Org.), 2004, p . 38), afirmandose que sem a educação, o ser humano não chegará a ser livre e não será tratada co mo igu al.
Na verdade, essas p roclamações que garantem a p romoção d e direitos ap ontam p ara
o reconhecimento da existência dos direitos humanos, criando a obrigação d e respeitá-los,
devendo-se contribuir para sua efetivação. Isso, p orém, não imp ede que sejam vio lados. É
como afirma Bobbio (2004, p . 43): “O p roblema fundamental em relação aos direitos do
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HUMANOS DA UFPB
184
homem, ho je, n ão é tanto o de justificá-los, mas o d e p rotegê-los. Trata-se de um problema
não filosófico, mas p olítico”.
Tais direitos p rotegidos p elo Pacto merecem inteiro reconh ecimento e resp eito,
podendo ser exigíveis e acionáv eis como direitos “e não como carid ade, generosidad e ou
comp aixão” (PIOVESAN, 2006, p . 19), o que imp lica em lev ar esses direitos a sério.
Levar os direitos econômicos, sociais e cult urais a sério implica, ao
mesmo tempo, um compromisso com a integração social, a
solidariedade e a igualdade, incluindo a questão da distribuição de
renda. Os direitos sociais, econômicos e culturais incluem como
preocupação central a proteção aos grupos vulneráveis. (...) As
necessidades fundamentais não devem ficar condicionadas à
caridade de programas e políticas estatais, mas devem ser definidas
como direitos (EIDE; ROSA S apud PIOVESAN, 2006, p. 20).
Traz-se agora p ara a reflexão as p alavras do p articipante da Campanha De Pé no
Chão Também se Aprende uma Profissão, quando qu estionado sobre seus direitos: “Só
conheço um: o direito de não ter direitos”. Ora, o desconhecimento dos direitos imp lica na
sua não exigib ilid ade. Então se esp era pela caridade de p rogramas e de p olíticas p úblicas.
A V Conferên cia Internacional de Educação de Jovens e Adultos (V CONFINTEA),
realizada em Hamburgo, Alemanh a, em 1977, com a p resença de 170 p aíses, elaborou dois
documentos, dos quais o Brasil é sign atário: a Declaração de Hamburgo, e a A genda p ara o
Futuro da Educação de Adultos. Tais documentos tratam da educação ao longo d a vida.
A educação de adultos torna-se mais que um direito: é a chave para
o século XXI; é tanto conseqüência do exercício da cidadania como
condição para uma plena participação na sociedade. Além do mais,
é um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico
sustentável, da democracia, da justiça, da igualda de entre os sexos,
do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de um
requisito fundamental para a violência cede lugar ao diálogo e à
cultura de paz baseada na justiça. (DECLARAÇÃO DE
HAMBURGO, apud CORT I; VÓVIO, 2007, p. 18).
Observa-se a importância da Educação de Jovens e Adultos – EJA - no contexto do
século XXI. A violação desse direito não p ode ser aceita p ela socied ade civil. Trata-se de
pensar a EJA como educação básica, buscando uma socied ade mais justa e em favor
daqueles que n ão tiveram o d ireito à edu cação efetivado n a idad e ideal.
A Conferência Mundial Edu cação p ara Todos, realizada em Jomtien, Tailândia
(2000), constituiu-se também imp ortante eixo p ara organizar a edu cação de jov ens e
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HUMANOS DA UFPB
185
adultos, formulando a idéia-chav e de necessidad es básicas de ap rendizagem. Nesse sentido,
alfabetizar-se é um direito e uma necessidade básica p ara incluir-se na vida social como
cidadão pleno, etap a indisp ensável de um p rocesso que tem continuidade em outros níveis
de ensino, n ecessitando, também, p ara essa in clusão, garantir o direito ao emp rego /trabalho
e aos bens sociais. O direito fundamental à educação e em seu âmbito, os direitos
educativos de jovens e adultos, foi p ositivado p ela Constituição brasileira de 1988,
discip linando a educação co mo direito de todos e dever do Estado, elevando a educação ao
nível dos direitos fundamentais do homem. Assim, a Constituição Federal, no inciso I, do
artigo 108, garante a obrigatoriedad e do p oder p úblico de oferecer ensino fundamental,
incluindo sua oferta gratuita p ara “todos os que a ele não tiveram acesso na id ade p róp ria”.
Nesse contexto, são instituídas normas e diretrizes p ara a realização dos direitos
educativos de jovens e adultos, como é o caso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9394/96), qu e disp õe duas formas de atendimento aos jovens e adultos. Em
primeiro lu gar, conforme regulamentação dos arts. 4º, VII, e 37, p ela educação regular, e
em segundo, na discip lina do art. 38, por meio de cursos e exames sup letivos.
Na p ossibilidade d e atendimento a jovens e adultos p elo ensino regular, a oferta
deve ser organizada no sentido de resp eitar as características, necessidades e
disp onibilidades dos educandos. Co m vistas a esses asp ectos, no ensino noturno não é
exigido o cump rimento diário de 4 horas na esco la, facultando o cu mp rimento de 800 horas
mínimas anuais para o fech amento do ano letivo, p romovendo o atendimento diferenciado e
adequado a esse p úblico jovem e adulto.
Quanto à oferta de cursos e exames sup letivos, a discip lina do art. 38, da LDB,
estabelece “a base comum do currículo”, sem p revisão da p arte diversificada,
contemplando as idades mínimas p ara p restação de exames em 15 e 18 anos, p ara os
ensinos fundamental e médio, resp ectivamente.
Assim, em face da legislação em vigor (normas co mplementares, diretrizes
curriculares, p areceres, resoluçõ es), metas do Plano Nacional de Edu cação – PNE prop õem alfabetizar em cinco anos do is terços da p op ulação que ainda não sabe ler e
escrever, de modo a sup erar o analfabetismo em uma década. As Diretrizes Curriculares
Nacionais p ara EJA (Parecer CNE/CEB n º 11, 2000) ap resentam novas funçõ es p ara a
Educação de Jovens e adultos, viabilizando a imp ortância d e se investir em novos modelos
pedagó gicos voltados p ara o p úblico formado por jovens e adultos.
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186
Tais normas têm contribuído para a institucionalização da Educação d e Jovens e
Adultos enquanto modalidade, fortalecendo esse campo educacional, embora seja u m grup o
minoritário qu e consegue chegar aos programas de alfabetização, o que demonstra o p ouco
imp acto que tais p rogramas causaram nessas pop ulações não-escolarizadas. Ora, no Brasil,
existem cerca de 55 milhões de p essoas que não alcançaram as habilidade básicas de
leitura, escrita e cálculo, significando os não-alfabetizados somados com maiores de
catorze anos que não comp letaram quatro anos de escolarid ade.
Assim, esse enorme contin gente p opulacional en contra-se em desvantagem em
relação àqueles que vivenciaram a escolarização, sofrendo p reconceitos, sendo tratados
com inferioridade p elo fato de não domin arem a leitura e a escrita.
A situação do analfabetismo está muito associada à pobreza e às
desigualdades sociais. Boa parte das pessoas não-alfabetizadas
mora nas regiões mais pobres do País, nas periferias dos centros
urbanos, em algumas localidades do campo ou em estados e
municípios com baixo desenvolvimento econômico. Pertencem a
grupos sociais excluídos do acesso a outros direitos sociais básicos,
como saúde, moradia (CORTI; VÓVIO, 2007, p. 12).
Nesse sentido, a p obreza não é causada p elo analfabetismo, mas é a condição de ser
pobre que causa a exclusão social e educacion al. Daí ser imp ortante considerar, qu e o
reconhecimento do direito à educação no sistema jurídico internacional e nacion al é
condição necessária, mas n ão suficiente p ara a efetivação dos direitos educativos de jovens
e adultos.
Assim, é imp ortante a presença de um marco legal p ara EJA, mas sua efetivação
dep ende da instit uição de p olíticas p úblicas esp ecíficas e do engajamento e p articipação da
sociedade civil, para a transformação do p rincíp io geral “todos têm direito à educação”.
Conclusão
Os direitos educativos de jovens e adu ltos têm como fundamento o p rincíp io da
igu aldad e, mediante o qual se afirma a dign idade humana, e em conseqüên cia, o direito de
todos à educação.
Tal dignidad e n ão p ode ser conceb ida ap enas como conceito, mas como uma noção
construída historicamente e reconhecida p elos valores sup remos da iguald ade, da liberd ade
e da fraternidade cristalizados progressivamente em direitos efetivos, valendo salientar que
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HUMANOS DA UFPB
187
os direitos humanos têm vigência, indep endentemente de serem declarados em
constituições, normas ou tratados internacionais.
Para efetivação dos direitos educativos de jovens e adultos, vale p ensar EJA como
educação básica, transformar o discurso em prática, reconh ecendo a dimensão do “todos”
como aspecto central do direito à educação, o que p ossibilitará um salto de qualidad e p ara
essa modalidad e educativa. De fato, o reconhecimento da Educação de Jovens e adultos
como Edu cação Básica trará a dimensão da qualidade, o fortalecimento e a amp liação da
demanda p ara essa modalid ade edu cativa.
E aqui recorda-se a universalidade, indivisibilidad e e interdep endência dos direitos
humanos, destinados a garantir a dign idade human a, imp licando qu e a violação de um
imp licará na negação de todos. Assim, não é suficiente ter o direito à vid a, se não tem o
direito à edu cação, à saúde, ao trabalho, à moradia, etc., pois a negação de um d esses
direitos imp acta negativamente a realização de todos. Nesse sentido, pode ser
comp reendida a resp osta do adulto referida no início desse texto, “Só conheço um: o direito
de não ter direitos”. Ora, se lhe faltavam condições dignas de vida, como educação,
emp rego, entre outras, restavam violados todos os outros direitos. É no âmbito dessa visão
que se assegura: a afirmação dos direitos educativos de jovens e adultos são estratégias de
sobrevivência p ara esse contingente educativo na sociedad e contemporânea.
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HUMANOS DA UFPB
190
PROJETO ALFA: intercâmbio acadêmico em direitos humanos junto a Universidade
105
do Minho – Braga – Portugal
M aria de Nazaré Tavares Zenaide
106
1. O Projeto Alfa Human Rights Facing Security
O Projeto Alfa “ Human Rights Facing Security” é coordenado p elo Dep artamento
de Teoria e História do Direito da Univ ersidade de Florença, sob a resp onsabilidad e dos
professores Danilo Zolo e Emílio Santoro. É objetivo do Projeto Alfa ap oiar a p ublicação
de p roduções acadêmicas no camp o dos direitos humanos, a coop eração e o intercâmbio
acadêmico d e docentes e discentes universitários envo lvendo as Universidades d e:
Universidade d e Pisa e Firenze – Itália, Universidad e de ESSEX – Inglaterra, Universid ade
do M inho – Portugal, Univ ersidade Fed eral da Paraíba - UFPB – Brasil, Univ ersidade de
Palermo – Argentina e Univ ersidade Pan-american a do M éxico.
Na UFPB o p rojeto foi coordenado pelos professores Giusepp e Tosi Coordenador do Núcleo de Cidad ania e Direitos Humanos e Gustavo de M esquita –
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da UFPB em p arceria com o M estrado de
Direito do Centro de Ciências Jurídicas.
No caso da UFPB, o Projeto Alfa op ortunizou a realização d e três seminários
internacionais de direitos humanos na Paraíba e a realização de v árias visitas de
intercâmbios envo lvendo p rofessores e mestrandos do M estrado de Direito, área de Direitos
Humanos e membros e militantes da Comissão de Direitos Humanos, doutorandos em
Programas de Pós-Graduação de Educação e Serviço So cial com tese na área de seguran ça
pública e direitos humanos e educação em direitos humanos na educação superior.
Ressalto a imp ortância de o Convênio ter sido estabelecido com a Comissão de
Direitos Humanos da UFPB, considerando que esta Comissão d esde 1989 v em
coordenando ações de ensino, p esquisa e extensão, bem como p elo seu caráter
multidiscip linar, integrar várias áreas do conhecimento e sujeitos.(TOSI e DIAS, 1996,
p.85) Ressalta-se ainda, o p ap el institucional da CDH no sentido de protagonizar a inserção
dos direitos humanos na Universidad e, na sociedad e e no p oder p úblico, através de ações
105
Texto apresentado no III Seminário do P rojeto Alfa na UFP B no período de 4 a 6 de setembro de 2007 em João P essoa
– P B – Brasil referente ao intercâmbio realizado junto a Universidade do Minho – Braga – P T durante o período de 16 de
junho a 04 de agosto de 2007.
106
Doutoranda do P rograma de P ós-Graduação em Educação em Direitos Humanos do Centro de Educação da UFP B,
bolsista do Projeto ALFA“ Human Rights Facing Security” apoiado pela União Européia.
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HUMANOS DA UFPB
191
junto ao sistema educacional, de segurança e justiça e junto aos movimentos sociais e
entidades da socied ade civil.
2. A Universidade do Minho e os Direitos Humanos
Foi a p artir da Conferência de Viena em 1993 e posteriormente, com a Portaria
49/184 de 20 de outubro de 1997, que a Organização das Nações Unidas – ONU definiu a
Educação em Direitos Humanos como estratégia central para que os Países Membros
pudessem desenvolver políticas p úblicas em Educação em Direitos Humanos. Tal p ortaria
apresenta as “Diretrizes p ara a formulação de p lanos nacionais de ação p ara a educação em
direitos humanos”,
contendo recomendaçõ es
ao p rocesso de
implementação
e
monitoramento, tendo a sociedade civil e o poder público p ap el central na condução do
processo.(ONU, 1997)
A Década da Educação em Direitos Humanos (1995-2004) emerge nu ma
conjuntura em transformaçõ es sociais e políticas, consid erando que v ários p aíses
encontravam-se em fase de transição de regimes ditatoriais p ara regimes socialistas e
democráticos. Tal p rocesso favorecia a adoção de reformas constitucionais e edu cacionais
com ampla mobilização da socied ade civ il. Neste contexto, a Educação em Direitos
Humanos é entendida como parte do Direito à Educação e como Direitos Humanos, um
direito de todos ao conhecimento dos direitos e dev eres p ara poder exercer a titularidade e a
conquista de novos direitos.
Os princíp ios e objetivos da Educação em Direitos Humanos estão presentes
desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Conferência Mundial
Educação p ara Todos (1990), a Conferên cia de Viena (1993), o Protocolo Adicion al a
Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos em M atéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1996), a
Declaração M undial sobre a Educação Sup erior no Século XXI (1998), a Declaração do
México sobre Educação em Direitos Humanos (2001) e a Conferência de Durban (2001).
Dentre os grandes desafios p ostos a Educação em Direitos Humanos como
prática educativa e cultural encontram-se: afetar a naturalização d as p ráticas de violações
aos direitos humanos ainda p resentes e banalizadas; a errad icação do autoritarismo nas
cabeças e mentes dos Estados e da sociedad e; a criação de uma mentalidade de p revenção e
ao mesmo temp o de alerta e comb ate às p ráticas de discriminação e vio lências; a p romoção
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HUMANOS DA UFPB
192
de p ráticas educativas que fortaleçam o reconhecimento da dign idade de todos os povos; a
construção de uma cu ltura de justiça e defesa d a p az; a solidaried ade universal aos p ovos
em situação de injustiça e ameaça a p az; p otencializar o p rotagonismo social nos p rocessos
de transição e consolidação das demo cracias.
O Governo Socialista de M ário Soares en gajou-se na consecução de metas
relacionadas à educação em direitos humanos ap resentadas em Vien a e referend adas p ela
ONU com a Década da Educação em Direitos Humanos – 1995-2004, criando a Comissão
para Promoção dos Direitos Humanos e da Igu aldade n a Edu cação, que a p artir de 1989
promoveram congressos e seminários convocando educadores e gestores p ara o
comp romisso social com a construção de uma cultura d e resp eito aos direitos humanos e
sua inserção na educação formal. Registra-se a realização de um Colóqu io no camp o da
Educação ap oiado p elo Conselho de Coop eração Cultural do Conselho da Europ a tratando
da Educação d e Valores p ara uma So cied ade Demo crática.(R evista Inovação,1989), o
Congresso p ara Educação em Direitos Humanos em 1999 (Amnistia Internacional – Secção
Portuguesa, 1999) e o Encontro de Educação para os Direitos Humanos (AMARO, 2000).
A inserção dos Direitos Humanos n a Universid ade do Minho tem sua
centralidad e com a criação da Escola de Direito em 1993. A Universidade do M inho situase na região verde no Distrito de Braga ao norte de Portugal. O Distrito atualmente consta
de cerca d e 62 freguesias e conta com 800 mil habitantes. A cid ade tem mais de 2000 anos
de fundação, sendo considerada “uma das cid ades cristãs mais antigas do mundo”. Braga é
considerada uma das cidades com melhor qualidade de vid a no p aís. Sua criação deu-se já
no contexto da transição d emocrática do p aís ap ós 25 de abril de 1974, dep ois de um lon go
período de ditadura vivid a p or Portugal que durou de 1926 a 1974 (58 anos), tendo
atualmente além do camp us de Braga o de Guimarães.
Atualmente na Escola de Direito da Universidade do Minho encontram-se em
andamento três M estrados em funcionamento: Direito das Autarquias Locais; Direitos
Humanos e Direito Judiciário. O M estrado em Direitos Humanos, p or sua vez, foi criado
entre 2002 e 2003 a p artir da criação de uma Comissão formada p or docentes do
Dep artamento de Ciências Jurídicas Públicas e de Ciên cias Humanas da Universidad e do
Minho, coordenada p elo Professor Pedro Bacelar Vasconcelos, idealizador do mesmo,
apoiada financeiramente p elo Governo Português Socialista no contexto das co memorações
da Década da Edu cação em Direitos Humanos. Dentre os vários fatores que contribuíram
com a criação do M estrado de Direitos Humanos, ap ontadas p elo Prof. Dr. Pedro
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HUMANOS DA UFPB
193
Vasconcelos Bacelar, coord enador atual do Curso destacam-se: a exp eriência p olítica e
intelectual de docentes no campo dos direitos humanos, tais como: a p articipação no âmb ito
nacional co mo M embro da “Comissão p ara Promoção dos Direitos Humanos e da
Igualdade na Educação ” 107 criad a p elos M inistros da Justiça e d a Edu cação em 1989
108
;a
sua militância em direitos humanos representando Portugal junto a Comun idade Europ éia, a
ONU e Coop eração Internacional, sua p articip ação na gestão p ública junto ao Governo
Civil de Braga e sua experiência no âmb ito do Direito Humanitário.
Como membro da “Comissão p ara Promoção dos Direitos Humanos e da
Igualdade n a Educação ” que durou de 1989 a 2003, Professor Pedro Bacelar Vascon celos
protagonizou no campo do Ensino Sup erior a inserção dos Direitos Humanos com a
iniciativa do Mestrado em Direitos Humanos na Universidade do M inho, em Braga.
Associou-se a esta p articip ação sua particip ação junto ao Governo C ivil de Braga p elo
Partido Socialista Português, a militância em d ireitos humanos em defesa dos grup os
étnicos, de gênero e outros.
O Projeto Alfa “Human Rights Facin g Security ” ap oiado p ela União Europ éia
se ap resenta como um imp ortante instrumento de Intercâmbio Acadêmico Universitário
tanto p ara as Universidades Europ éias como para as Universidades Brasileiras, Argentinas
e do México. Nesse sentido, a inserção da Universidad e do M inho deveu-se ao
protagonismo dos seus criadores na criação de um Mestrado em Direitos Humanos e p or
outro lado, a política da União Europ éia em p romover e ap oiar ações de integração e
intercâmbio no Ensino Sup erior atendendo neste caso, uma demanda emergente no Ensino
Sup erior que é a formação em direitos humanos, conforme p reconiza os comp romissos
públicos com a Décad a da Edu cação em Direitos Humanos.
O Processo de Bolonha vivido na Europ a da década d e 80 a 90 imp licou num
conjunto de ações de reformas da política p ara o ensino sup erior em face da crise
institucional enfrentada p elas Universidades face às ameaças p roduzidas advindas do
modelo neolib eral e do processo de globalização econô mica, cultural e p olítica h egemôn ico
que colocou em risco a sustentabilidad e finan ceira e a vinculação das Universidades ao
107
Objetivos da Comissão segundo P atrício (1989, p. 89): a) proceder a divulgação e promoção dos Direitos Humanos na
escola, bem como do reforço da igualdade de todos os cidadãos perante o sistema educativo; b) a relevância da educação
cívica dos jovens no quadro de uma formação integral que contemple os valores fundamentais da liberdade e da
solidariedade; c) a premência da institucionalização de programas permanentes de actuação no domínio referenciado”.
108
A Comissão foi criada a partir da Década da Educação emDireitos Humanos – 1995-2004 quando foi acordado que os
países membros dariam centralidade na inserção dos direitos humanos na educação.
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194
Estado, com risco de
sub-finan ciamento,
além da
concorrên cia
internacion al,
princip almente com as Universidad es americanas.
Na concep ção de Kastrory ano (ap ud RODRIGUES, 2004), “a Europ a não p ode
abstrair-se da multip licidade de lín guas, da diversidad e de tradições, da p luralidade de
culturas que, em conjunto, colocam a questão da integração p olítica da Europ a e da sua
identidade”.
Com a Declaração de Bolonha em 1999 deu-se início a criação da “Área
Europ éia de Ensino Sup erior” como estratégia p ara fomentar no esp aço equ ivalente da
União Europ éia a livre circulação de educandos e educadores co mo cidadãos consumidores
e força de trabalho p rofissional gerando um mercado comum de ensino sup erior.(www.
Universidade aberta-p t)
Bolonha colocou um con junto de desafios a serem alcançados até 2010 em
relação ao ensino sup erior:
- a n ecessidad e de fomentar um mercado co mum do ensino sup erior harmonizado e
integrado de modo a enfrentar as grandes diferen ças entre os sistemas nacionais, de modo a
poder estimular a livre circu lação no contexto da comunidade européia implementando um
sistema de graus comp aráveis e intercomunicáveis;
- a inclusão do modelo d e mercado p ara dar maior co mp etitividade as Universidades
europ éias frente ao mercado globalizado;
- a inserção de concep ção da Universidade como p restadora de serviços de qualidade com
sistema de avaliação interna e externa através de agência única;
- fomento a coop eração européia como meio de assegurar a qualidad e e metodolo gias
comp aráveis, estimulando o intercâmbio d e docentes e d iscentes, incentivando ainda, a
mobilid ade entre p rogramas de estudo e de p esquisa integrados;
- o estabelecimento de parcerias p ara cap tar recursos de modo a d esconstruir a dep endência
do Estado em relação ao Ensino Sup erior frente aos cortes e ameaças do Estado em relação
ao financiamento do ensino superior;
- uniformização do ensino frente a div ersidade existente;
Com o p rocesso de Bolonha o Curso de M estrado em Direitos Humanos da
Universidade do M inho alterou seu plano de curso da segunda turma a ser realizada em
2007. Nesta segunda turma a p rogramação trabalha em três dimensões: a juríd ica, a p olítica
e a cu ltural, sendo o núcleo central fund ado nos fundamentos jurídicos. Segundo o Plano
Atual do Curso
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195
(...) o reconhecimento dos direitos humanos pelos Estados tem-se revelado como
um sério contributo para o reforço da democracia e para a construção de bases de
uma ‘Boa Governação’ na medida em que promove a mobilização contra fo rmas
de ex ercício não democrático de pod er, trans forma os con flitos em contestação
democrática, e fortalece, assim, a consciência de responsabilidade individual e
coletiva. (UMINHO, 2007)
O Plano de Curso dar significativa referên cia ao Direito Internacion al
(Internacional, Regional e Local) e aos fundamentos históricos e filosóficos no módulo
inicial, seguido do segundo módu lo com temas relacion ados as questões e desafios atuais
enfrentados p ela Comunidade Européia, como o Direito Internacional Humanitário; a
Prevenção de Conflitos e M anutenção da Paz; a questão dos Migrantes e Refugiados;
Democracia e Boa Governan ça; Direitos Humanos e Diferença Cultural. Prop õe o curso
resp onder a demandas acadêmicas, as demand as p úblicas de formação p ara o Estado, as
demandas de formação p ara atuação junto aos organismos internacionais e n acion ais de
proteção e defesa dos direitos humanos e dos organ ismos juridicionais. (UM INHO, 2007,
p.7)
3. Os Direitos Humanos na Educação S uperior
A Educação em Direitos Humanos no contexto da educação formal e no nível da
Educação Sup erior tem se constituído de modo multidisciplinar envolvendo as áreas das
Ciências Humanas (Filosofia, História, Ciência Política, Socio lo gia, Psicolo gia, Serv iço
Social), Ciências Jurídicas (Direito) e das Ciências da Educação (Pedagogia) e
transdiscip linar transversalizando as p ráticas de ensino, p esquisa e extensão que se afirmam
como funções e dimensões acadêmicas da Universidade.
Na relação da Universid ade e sociedade a extensão universitária em direitos
humanos tem contribuído p ara a formação de demandas de ensino e p esquisa criando uma
base de legitimidade social. Adotamos o conceito de extensão un iversitária definido p elo
Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras,
segundo a qual, a extensão enquanto função acadêmica reconhecida na Constituição
Federal Brasileira de 1988, consiste de “ações p rocessuais contínuas de caráter educativo,
social, cu ltural, científico e tecnoló gico” que p odem concretizarem-se em p rojetos e
programas, cursos, eventos, p restação e serviços, p roduções e p ublicações, assessorias e
consultorias.(FORPREX, 2001, p .51-55)
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
196
As práticas educativas em direitos humanos na educação superior articulam,
portanto, distintos modos de transversalização, nas funções de ensino, p esquisa e extensão,
nos p rojetos p olítico-p edagó gicos, na p rodução acadêmica, nas ações de intercâmbio e
coop eração, na p articip ação da Universidade no p rocesso de implementação e
monitoramento das p olíticas públicas, na inserção e p articip ação da Universidad e nas
esferas públicas de cidad ania, como conselhos, fóruns, comitês e outros mecanismos de
particip ação, entre outras.
Por outro lado, a Univ ersidade na implementação de p olítica d e direitos
humanos tem contribuído n ão só p ara formação e a p esquisa, como também p ara através de
ações extensionistas, contribuir com a transversalização dos direitos humanos na
imp lementação das ações acadêmicas e na imp lementação d as p olíticas públicas, sejam
estas em vários camp os da p olítica social, d a edu cação, segurança e justiça, d a saúde, da
cidadan ia entre outras.
Quando se aborda a inserção dos direitos humanos no ensino superior se coloca
de imediato a institucionalização co mo discip lina num determinado camp o de
conhecimento. A educação em e p ara os direitos humanos requer diálogos com vários
camp os do conhecimento e com os atores sociais, exigindo da Universidade olh ares inter e
transdiscip linares.
Uma abordagem multidiscip linar e p luridiscip linar dos d ireitos humanos não
dariam conta do objeto. O camp o de conh ecimento dos direitos humanos não se limita a
justap osição de saberes como Filosofia, Ciência Política e Direito sobre outros, nem se
restringe a um ajuntamento de saberes justap ostos desp rovidos de relações, tensões e
comp lementaridad e.
A amp liação da concep ção dos direitos humanos p ara além dos direitos
individuais contribui para que as dimensões sociais, culturais, econômicas e subjetivas
entrem em cena. A abordagem interdiscip linar avança na medida em que p rop õe um
diálo go entre duas ou mais discip linas numa relação de co mplementaridad e co mo colocaria
Morin quando aborda na teoria da comp lexidade a multidimension alidade do ato de
aprendizagem. Nesta visão, o ato educativo é essencialmente mu ltidimension al o que
imp lica em relações de comp lementaridade de sab eres e p ráticas.
A divisão da relação sujeito e objeto e a segmentação do objeto em distintos
olhares dissociados, geraram ao lon go da modernidade camp os de lutas e espaços de
hegemonia. No camp o dos direitos humanos essa divisão limitou a abord agem temática dos
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HUMANOS DA UFPB
197
direitos humanos aos camp os filosóficos e jurídicos, que são essenciais p ara a
fundamentação, embora n ão sejam suficientes. Com a crítica ao p aradigma cartesiano de
ciência, concep ções críticas apontam p ara a necessidade de se conceber a realidade de
modo comp lexo e mu ltidimension al.
Uma abordagem transdisciplinar dos direitos humanos se p ropõe a interagir e
integrar não só olh ares e d iálogos entre d isciplinas próximas do camp o de conhecimento,
como também, olhares e diálo gos entre sujeitos históricos de diferentes contextos sociais e
culturais, incorporando diferenças sociais, étnicas e culturais. Nesse sentido, a educação em
direitos humanos no nível da educação sup erior congrega diferentes p ráticas – extensão,
ensino e p esquisa – e diferentes diálo gos multi, inter e transdiscip linares e d iversos atores
sociais e institucionais.
A relação teoria e p rática no camp o dos direitos humanos é indissociável e
dinâmica, d aí p orque é indisp ensável: a) não d issociar n a formação em e para os direitos
humanos as ações de ensino, pesquisa e extensão, todas funções acad êmicas essenciais da
Universidade; b) n ão desarticular no p rocesso formativo a relação teoria e p rática nos níveis
da p romoção da p roteção e da defesa dos direitos humanos; c) não deslocar os atores
sociais e institucionais que tem um p ap el histórico na p romoção e defesa dos direitos
humanos; d) não deixar de considerar a abordagem dos direitos humanos na sua
multidimension al e transversalidad e; e) não d eslocar a missão histórica dos direitos
humanos no contexto da transição d emocrática, de contribuir com a construção de u ma
cultura de resp eito aos direitos humanos inserindo nestes a promoção da igualdade com o
resp eito à diversidade.
No caso brasileiro, as Universidades p úblicas brasileiras iniciaram suas
primeiras exp eriências de educação em direitos humanos no exercício p rático de resistência
frente ao Estado Ditatorial, entretanto, é a p artir do processo de transição democrática que
de modo institucional as Univ ersidades criam núcleos e comissões de d ireitos humanos. Só
após a criação dos direitos humanos como p olítica p ública através da criação da Secretaria
de Direitos Humanos e do Programa Nacion al de Direitos Humanos é que se amp liam a
atuação das Universidades p úblicas em p rojetos e p rogramas de enfrentamento a violência e
exp loração contra a mulh er, a crian ça e ao idoso, as vítimas de violência, a educação em
direitos humanos p ara rede de ensino e p ara as acad emias de p olícias, as educação p ara a
diversidade de gênero e sexual, a p revenção e o enfrentamento contra a tortura, a formação
das academias penitenciárias, entre outros.
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HUMANOS DA UFPB
198
5. Ativida des de Intercâmbio Aca dêmico
As atividades descritas abaixo fizeram parte da minha experiência como bolsista do
Projeto Alfa “ Human Rights Facing Security na Universidade do Minho – Braga – Portugal,
durante o período de 16 de junho a 04 de agosto de 2007.
5.1. A inserção e a identidade institucional
Fomos recebidos pelo tutor p rofessor João Rosas e p elo Coordenador do
Mestrado de Direitos Humanos, p rofessor Pedro Bacelar. A p rimeira atividade de cunho
institucional deu-se com a Assessoria Internacion al ond e nossos tutores nos ap resentaram e
solicitaram o encaminhamento da carteira de identidade institucional.
A Assessoria Internacional en caminhou a emissão da carteira estudantil com
número e senha para garantir nosso acesso as instalações acadêmicas – salas de informática,
bibliotecas, salas e aud itórios, restaurantes e bibliotecas de outras unidades da
Universidade.
A identificação co mo estudante-convênio foi essencial p ara garantir a nossa
inserção n as programações acad êmicas, nos espaços físicos da Universidade, no
intercâmbio co m outras Universidades, junto aos setores p úblicos, assim como bibliotecas,
salas e auditórios, restaurantes e p asse coletivo. Essa institucionalidad e é o que comp rova a
formalid ade do intercâmb io, pois com ela de fato e d e direito nos torna estudantes em
atividades de intercâmbio acad êmico.
O convênio financiado p ela União Européia exige uma conta em ban co o que
demandou do nosso tutor o uso do número do seu Imposto de Renda. Só o banco p úblico, a
Caixa de Dep ósitos, assegurou-nos uma conta p or dois meses, face um convênio co m a
Comunidade Europ éia com v istas assegurar o rep asse financeiro de bo lsas de estudo.
O atraso no Visto como Estudante imp licou também no atraso da bolsa de
estudo o que limitou nossas locomoções. Paratanto precisou de nossa ida a cidade de Vigo
na Esp anha, p róxima a Braga, p ara recebermos o Visto como Estudante a fim de
providenciarmos as etap as seguintes junto às instituições bancárias p ara poder receber a
bolsa de estudo. Paratanto tivemos que contactar a C asa da Cidad ania p ara assegurar nosso
direito de acesso a uma conta bancária que só foi possível devido a tutoria do professor
João Rosas que com sue número d e contribuinte resp onsabilizou-se por nós.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
199
Podemos nos deslocar p ara cidade de Vigo na Esp anha para receber o Visto de
Estudante através de comboio sem burocracia considerando que co m a Comunid ade
Europ éia o deslocamento interno ocorre normalmente desde que a pessoa se encontre legal
no p aís. A cidade esp anhola além de belíssima p ela sua tradição p ossibilitou contato com
livrarias e editoras espanholas, relevantes p ara área dos direitos humanos. Outro asp ecto
imp ortante da cidade de Vigo foi o seu acesso a Santiago de Comp ustela na Esp anha e
Vian a de Castelo em Portugal, do is centros culturais imp ortantes da região.
Quadro I – Relação de Contatos Estabelecidos em Braga - 2007
PERIODO
21 maio a 5
junho
LOCAL
Braga
CONTATOS
Contatos p or e-mail e telefone com a
CDH/UFPB e o Consulado de Portugal em
Recife para ap ós liberação do Visto como
Estudante enviar p ara Vigo na Esp anha
Residência
Universitária
Confirmado o recebimento em Vigo por email e Telefone d a CDH/UFPB e do
Consulado de Portugal em Recife
7 junho
Vigo - Esp anha
Viagem p ara Vigo/Espanha p ara inserir no
Passap orte o Visto de Estudante
11 junho
Casa da Cidad ania
Providencias da aquisição do Registro junto
a Fazenda p ara obter um Número de
Registro junto ao Setor na Casa do Cidad ão.
Cartão de Contribuinte
11 junho
Caixa Geral de
Depósitos
Residência
Universitária
Abertura de Contas
11 junho
21 junho
Universidade do Minho
01 julho
Caixa Geral de
Depósitos
Caixa Geral de
Depósitos
31 Julho
Enviar para Itália p or fax e p or correio os
documentos exigidos para obtenção da
bolsa.
OBS: o atraso ocorreu pelo temp o que o
Consulado de Portugal liberou o Visto como
Estudante e enviou p ara a cidade de
Vigo/Esp anha
Recebimento do Cartão de Contribuinte p elo
Prof. João Rosas
Chegada da Bo lsa
Fechamento da Conta junto a Caixa Geral d e
Dep ósitos
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HUMANOS DA UFPB
200
5.2. Eventos Acadêmicos
Considerando que quando chegamos a Braga a p rimeira turma do Curso de
Mestrado em Direitos Humanos já havia conclu ído a parte equivalente às discip linas. Foi
prop osto e indicado p elos tutores a nossa p articip ação em ev entos acadêmicos oferecidos
pela Escola de Direito e p elo Centro de Ciências Humanas, conforme quadro abaixo.
Quadro II – Particip ação em Eventos Acadêmicos
PERIODO
23.maio
LOCAL
M estrado em Direitos
Humanos
ATIVIDAD E
Colóquio – Que Novo Paradigma p ara Teoria
do estado?
1.Palestra –Dr. Viriato Soro menho
2ª José Joaquim Gome Canotilho
3ª Boaventura de Sousa Santos
4 e 6 de junho
Auditório do Instituto de
Educação e Psicolo gia
IV Ciclo de Conferencias Políticas Educativas
e Curriculares – Abordagens Críticas e PósEstruturais
Marxismo e Educação : Rep ensar a Educação
Pública – Demo cracia e Justiça Social
Dia 4 – Marxismo e Educação: Luzes e
Sombras Prof. Mariano En guita – U
Salaman ca
Dia 5 – A Educação e o Comp romisso com o
Reconhecimento, a Equ idade e a Demo cracia
Prof. Jurjo Torres Santomé – U de Coruña
Dia 6 – Por uma revisitação do Binômio
Infraestrutura e Sup erestrutura: o camp o
educacional
Prof. M anoel Carlos Silva U do Minho
21.junho.2007 Sala de Actos do
Instituto de Letras e
Ciências Humanas
Palestra – Política, Religião e Nacion alismo –
Prof. Angel Riv ero – Universidad e Autônoma
de M adrid
22.junho.2007 Sala de Reun ião do
M estrado no Instituto de
Letras e Ciências
Humanas
11 de julho
Auditório da
Universidade de
Coimbra
Palestra – Política, Religião e Nacion alismo –
Prof. Angel Riv ero – Universidad e Autônoma
de M adrid
Palestra Prof. José M anuel Pureza –
Globalização e Direitos Humanos
Palestra Prof. Vital M oreira – Fundamentos
Históricos dos Direitos Humanos.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
201
A p articip ação em tais eventos possibilitou-nos contato com os docentes do
Curso de M estrado em Direitos Humanos e co m docentes do Instituto de Educação e do
Centro de Ciências Human as de Braga e d a Esp anha. Possibilitou-nos ainda, a troca de
publicações. Além d e eventos na Universidade de Braga tive a op ortunidade de particip ar
de eventos na Universidade d e Coimbra, na abertura do Curso de Verão.
5.3. Pesquisa Bibliográfica e Documental
A p esquisa biblio gráfica e do cumental foi um ponto central do intercâmbio,
considerando o temp o limitado do intercâmbio. Com a temp orada curta foi necessário
priorizar a p esquisa biblio gráfica que fo i realizada na Univ ersidade do M inho, de Coimbra,
na Anistia Internacional, no Esp aço Noesis no M inistério da Educação, na Faculd ade de
Direito de Lisboa, B iblioteca Nacional de Lisboa, Livrarias e Feiras de Livros (Braga,
Porto, Coimbra e Lisboa em Portugal e Vigo na Esp anha).
Para orientar a p esquisa bibliográfica, utilizei como referência o roteiro de tese,
que tem como tema – A educação em direitos humanos na educação superior – no qual
prioriza as categorias: globalização, demo cracia, hegemonia e contra-hegemonia, visão
universal e multicu ltural dos direitos humanos, Universidade, educação em direitos
humanos, p edago gia crítica. Em anexo, encontra-se a relação dos livros e revistas
xero cadas e comp radas durante o intercâmb io voltado p ara a Tese de Doutorado.
Quadro III – Relação dos Esp aços onde se realizou a co mp ra de livros e rev istas.
PERIODO
21 maio até o final da v isita
30maio
6 junho
LOCAL
Livraria Almedina –
Uminho
Palácio do Cristal – Porto
Livraria do Livro – Porto
COMPRA D E LIVROS
Pesquisas e comp ra
Livraria Bertrand – Braga
Pesquisa de livro em DH e
Educação
Livraria do M inho – Braga
Feira do Livro
Pesquisa de livro em DH e
Educação
8 junho
Casa do Livro –
Casadellibro.com
Pesquisa de livro em DH e
Educação
Pesquisa de livro em DH e
Educação
13.junho
Livraria do Livro –
Vigo/Esp anha
Pesquisa de livro em DH e
Educação
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HUMANOS DA UFPB
202
11 julho
13 julho
13 julho
13 julho
13 julho
16 julho
16 julho
Biblioteca d a Faculd ade de
Direito de Coimbra
Biblioteca Nacional de
Lisboa
Livraria da Faculdade de
Direito da Universidade d e
Lisboa
Esp aço Noesis –
MEC/Lisboa
Pesquisa sobre EDH
Anistia Internacional –
Portugal – Lisboa
Livraria Almedina e
Livraria M inho
Aquisição de Livros em
EDH
Pesquisa de livro sobre
Currículo e EDH
Centro de Humanidades
Aquisição de livro em
Direitos Humanos
Pesquisa sobre EDH
Pesquisa de livros em DH,
Seguran ça e EDH
Pesquisa de livros e rev istas
em EDH
Na Universidade do M inho a p esquisa biblio gráfica fo i realizada nas bibliotecas
geral e esp ecializadas de Educação, Ciên cias Humanas, Biblioteca Geral, Direito e do
Instituto de Educação. Este último d isp onibilizou publicações p ara o Programa de PósGraduação em Educação d a UFPB, assim como a Bib lioteca de Ciên cias Human as.
Quadro IV – Relação d as Bibliotecas Pesquisadas com os temas investigados
PERIODO
LOCAL
TEMAS
22 junho a 30 BGUM
Universidades – História, Funções, Crise e Globalização
julho
Os Pensadores da Educação
Educação em Direitos Humanos
Direitos Humanos
Globalização
Cosmop olitismo
Pedago gia Crítica
Seguran ça Pública
15 a 29 junho BIEC
Globalização
EDH e Educação p ara a Cidad ania
Anais de Congresso
Pensadores da Educação
Levantamento de Cosmopolitismo
Levantamento de Desenho Animado
Revistas das áreas de: Edu cação, So ciologia e Filosofia
julho
CCCH
Globalização
Cosmop olitismo
Direitos Humanos
Revistas de Filosofia
27 e 28 julho Centro de Direitos Humanos
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HUMANOS DA UFPB
203
Direito
29 a 30 julho
IEP
Cosmop olitismo
Seguran ça Pública
Educação Pop ular
Novas Áreas Curriculares
Teoria Pós-Crítica do Currículo
Transdiscip linaridade
5.4. Ativida des à Distância e Grupo de Estudo
Durante o intercâmbio foi realizado através da rede informática contatos com o
Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB e o Programa de Pós-Graduação em
Educação.
Foram realizadas: ap oio na p rogramação do Seminário Final do Projeto Alfa,
elaboração d e texto p ara a impressão de um folder da UFPB sobre d ireitos humanos e a
realização de contatos com a Secretaria Esp ecial dos Direitos Humanos para en caminhar
demandas referentes ao seminário final do Projeto Alfa que seria realizado em p arceria com
a Associação Nacional de Direitos Humanos – Ensino e Pesquisa, o Ministério da Educação
e a Secretaria Esp ecial dos Direitos Humanos.
Quadro V – Atividades realizadas à Distância com a UFPB
PERIODO
LOCAL
TEMAS ABORDADOS
23 junho
Residência Universitária
Reuniões p or Skyp e com Prof. Giusepp e
Tosi sobre a p rogramação do Seminário do
Alfa e sobre a particip ação dos p rofessores
da Universidade do M inho no Seminário do
Projeto Alfa
28 junho
Telefone e e-mail com a
Solicitação d e Informações sobre
Profa. Adelaide Dias,
Intercâmbio e Endereços do PPGE p ara
Coordenadora do PPGE
solicitar o envio d e livros em nível de
doação.
30 julho
E-mail para Profa. Zuleide Envio da Prop osta de Tese discutida na
Universidade do M inho e do Projeto de Tese
do Programa de Pósda seleção p ara Professora Zuleide da
Graduação da UFPB
UFPB, resp onsável p ela articulação com o
Prof. Morgado da Universid ade do M inho,
esp ecialista na área de Currículo.
Julho
Residência Universitária
Elaboração de do is resumos sobre as
atividades em direitos humanos da Comissão
de Direitos Humanos e da Pró-Reitoria p ara
Assuntos Comunitários p ara elaboração de
folder para o Seminário Alfa
Julho
Residência Universitária
Elaboração de Su gestões p ara Programação
do Seminário do Projeto Alfa a ser realizado
em Setembro de 2007 na UFPB
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
204
Julho
Residência Universitária
Inscrição do Seminário do Projeto Alfa em
João Pessoa – Paraíba a realizar-se-á no
período de 3 a 6 de setembro de 2007.
Além das atividad es à distância, aind a consegu imos no curto período, realizar
grupos de estudos p ara leitura de textos comuns aos trabalhos de dissertação e de tese do
grup o de estudantes do Projeto Alfa.
Quadro VI – Textos estudados em grupo e atividad es realizadas à distância com a UFPB
PERIODO
LOCAL
TEXTOS
19 maio
Residência Universitária
Direitos Humanos
22 maio
Residência Universitária
Multiculturalismo e Direitos Humanos –
Boaventura de Sousa Santos
24 maio
Residência Universitária
Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem
Internacional – André d e Carvalho Ramos
25 junho
Residência Universitária
Elaboração de texto sobre a atuação d a PróReitoria de Extensão e Assuntos Comunitários
da UFPB p ara Folder a ser editado p ara o
Seminário Internacional do Alfa em João
Pessoa
27 junho
Residência Universitária
Elaboração de texto sobre a atuação d a CDH
da UFPB p ara Folder a ser editado p ara o
Seminário Internacional do Alfa em João
Pessoa
30 junho
Residência Universitária
Revisão do Programa do Seminário do Alfa
Para organização d a
bib lio grafia
p esquisada
(xerocada e
comp rada)
sistematizamos por tema conforme o objeto de tese (ver em anexo).
5.5. Diálogos sobre o Objeto de Tese
O contato com p esquisadores acerca do objeto de tese foi outro asp ecto
relevante do intercâmbio, p ois p ossibilitou amp liar o leque d e indicações bib liográficas
esp ecíficas p ara o objeto de tese. Os p rofessores que se disp onibilizaram a contribuir foram
imp ortantes p ara qualificar a pesquisa bibliográfica e organ izar o p lano de tese, amp liando
o olhar do tema.Obtive o ap oio do p rofessor Educardo Rabenhorst da UFPB que também
esteve em visita de intercâmb io na Universidad e do M inho. Considerando meu tema de
pesquisa situar no campo da Educação obtive o ap oio do tutor p ara entrar em contato com
docentes da área d a Educação.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
205
Destaco a contribuição de dois p esquisadores, que mesmo não sendo da equip e
de tutores do Projeto Alfa, se disp useram a contribuir com a discussão do objeto de tese, os
professores do Instituto de Educação e Psicologia, C arlos Estevão que em 2006 p articip ou
no Brasil do Con gresso Interamericano de Educação em Direitos Humanos e João Carlos
Morgado que é professor colaborador da UFPB da área de Currículo, ambos indicados p or
professores brasileiros, Aida Monteiro da UFPE e coordenadora do Comitê Nacional de
Educação em Direitos Humanos e Maria Zuleide do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFPB.
Quadro VII – Relação dos Professores Colaboradores com quem obteve ap oio p ara dialo gar
sobre o Projeto de Tese
PERIODO
LOCAL
CONTATOS
13 junho
Residência Universitária
Eduardo Rabenhorst –
UFPB
29 junho
Instituto de Educação e
Carlos Estevão – UMINHO
Psicologia
02 julho
Centro de Ciências
João Rosas – UM INHO
Humanas
09 julho
Centro de Ciências Jurídicas Pedro Bacelar Vasconcelos
– UM INHO
10 julho
Instituto de Educação e
Carlos Estevão
Psicologia
13 julho
Instituto de Educação e
João Carlos Morgado –
Psicologia
UM INHO
30 julho
Centro de Ciências
Carlos Estevão
Humanas
5.6. Visitas a Órgãos Públicos em Braga
As visitas aos órgãos p úblicos em Braga objetivaram o conhecimento de
exp eriên cias sobre segurança p ública e segurança social, conforme consta no plano de
trabalho. Paratanto visitou-se o Comando da Polícia de Segurança – PSP e junto ao
Governo Civil a Seguran ça Social, considerando a visão não d issociada entre seguran ça
pública e p olíticas p úblicas. A coordenação do M estrado disp onibilizou de declaração e
realizou contatos de modo a assegurar aud iências com gestores p úblicos.
Quadro VIII – Relação dos Órgãos Públicos Visitados
PERIODO
17 julho
LOCAL
PSP em Braga
TEMAS
Ações e Projetos em Segurança Pública
Policia de Ap roximação, Esco la Segura e
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
206
18 julho
Governo Civil de Braga
Política de Formação dos Op . de Segurança
e Justiça
Ações e Projetos Sociais
Política de Seguran ça Pública
Segurança Social
5.7. Levantamento de Práticas Educativas em Direitos Humanos em Portugal
Para a realização de p ráticas educativas em direitos humanos foi visitado Site do
Ministério da Educação e do Esp aço Noesis, da Anistia Internacional e da UNESCO e
ainda realizado conversas informais com docentes do M estrado em Direitos Humanos e do
Instituto de Psicologia e Educação.
Quadro IX – Relação dos Órgãos Visitados e Professores dialo gados
PERIODO
LOCAL
CONTATOS
29.junho
Instituto de Educação e
Carlos Estevão – Transversalizado no
Psicologia
Curso de Pedago gia
03 julho
Internet
Consulta on-line junto ao Site do
Instituto de Inovação Educacional do
Ministério da Educação de Portugal –
Manual sobre referências
biblio gráficas e de cursos em direitos
humanos
09 julho
Centro de Ciências Jurídicas
Pedro Bacelar Vasconcelos – Curso de
Mestrado em Direitos Humanos
13 julho
Instituto de Educação e
Psicologia
27 julho
M estrado em Direitos
Humanos
27 a 29
Residência Universitária
João Carlos M orgado –
Transversalizado na formação de
p rofessores nas áreas curriculares
abertas como conteúdos temáticos
Recebimento do Documento referente
ao Curso de M estrado em Direitos
Humanos da Universidade do Minho
Leitura e sistematização do p resente
texto p ara p articipação no Seminário
Final do Projeto Alfa
5.8. Contatos com Outras Instituições Superiores
Na Residência Universitária hav ia muita p resença de brasileiros e brasileiras
realizando intercâmbio, ou com bo lsa ou sem bolsas. Durante o p eríodo do intercâmb io tive
a op ortunidade de dialogar com uma professora da Universidade Estadual d e São Paulo –
UNESP onde a mesma desenvolv e ações de extensão universitária em d ireitos humanos.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
207
Durante a visita de intercâmb io foi p ossível identificar algu mas exp eriências em
Direitos Humanos na Educação Superior ao nível de Pós-Graduação em Portugal: a
Universidade do M inho em Braga, a Universid ade de Coimbra e a Univ ersidade Nova de
Lisboa, todos com nível d e p ós-graduação.
Quadro X – Contatos Institucionais com a UNESP
PERIODO LOCAL
CONTATOS REALIZADOS
14 junho
Residência
Exp eriên cia d e EDH e Extensão Universitária
Universitária
Profa. Tânia Suely Antonelli M arcelino Brabo –
UNESP
[email protected][email protected] .br
Núcleo de DH e Cidad ania d e Marília – NUDHUC
(1996)
Rua Cel. José Braz 1105 – M arília – São Paulo – SP
CEP 17.502 010
F: 14 3422 3645 ou 14 9743 5275 ou 14 3402 1313 –
Dep artamento de Administração e Sup ervisão Escolar
– Camp us de M arília
11 de julho Faculdade d e
Curso de Mestrado em Direitos Humanos
Direito de Coimbra
5.9. Serviços Visitados (Residência Universitária, Saúde, Informática, Empresa Aérea,
Em presa de Aluguel de Carrinha)
Os serviços visitados diz resp eito as necessidades básicas de morad ia,
comunicação, saúde e transp orte de Bagagens, este último p ara garantir o deslocamento da
biblio grafia obtida durante o p eríodo do intercâmbio.
Quadro XI – Serviços Utilizados
PERIODO
LOCAL
16 de junho a 31
Residência Universitária
de agosto
18junho
Farmácia
Centro da Cidade
31 junho
U M inho – Help Desk
Dias Variados
13 julho
Serviço de Informática
Municip al de Braga
Transp ortadora
17 e 18 julho
TAP
18 julho
Correios
PROVIDENCIAS
Alojamento durante o p eríodo do
intercâmbio
Comp ra de remédios
Procura de Serviços de Internet
Solicitar serviços de atualização d e
comp utador
Uso de Internet
Levantamento de preços p ara transp ortar
livros p ara o Brasil
Setor de Cargas – Consulta de p reço de
Cargas p ara enviar os livros adqu iridos
Envio de xero x d e textos de livros e
revistas p ara o Brasil
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
208
5.10. Trabalhos Acadêmicos realizados
A visita de dois meses foi realizada durante o meio de um semestre do Curso de
Pós-Graduação em Educação, d e modo que exigia, tamb ém, a realização de trabalhos
acadêmicos. Durante o período de intercâmbio realizei tanto trabalhos acad êmicos do Curso
de Doutorado, como textos p ara ap resentação de trabalhos no Brasil referente a experiência
do intercâmbio
Paratanto, o temp o foi administrado de modo a op ortunizar e p riorizar a pesquisa
biblio gráfica, o diálo go acerca do p lano de tese e os eventos científicos com o temp o p ara
elaboração dos trabalhos acadêmicos.
Quadro XII – Trabalhos Acadêmicos realizados durante o p eríodo de intercâmbio
PERIODO TRAB ALHO
PROFESSOR(A) DO
PPGE-UFPB
19 a 26
Multidimensionalidade dos Direitos Humanos e
Edna Brenand
maio
os Desafios p ara Educação
27 maio a
Educação Pop ular e Direitos Humanos –
José Francisco de M elo
10 junho
Diálo gos e Ap roximações
Neto
Crise da Modernidade e dos Paradigmas e a
Educação
Contribuições dos Pensadores p ara a História da
Pedago gia - Jan Amos Komensky – John Locke –
Jean-Jacques Rousseau – Georg Wilhelm
Friendrich Hegel – Antonio Gramsci – Joan
Afonso Celso Scocu glia
Friedrich Herbart - John Dewey – Jean Piaget –
Celestin Freinet
Convergências e Divergên cias entre os
Pensadores da História da Pedago gia
As contribuições de Demerval Savian i sobre as
Tendências Pedagó gicas da Edu cação no Brasil
13 junho a
A Educação Pós-Moderna
30 de julho
O Paradigma Educacional Emergente
Reflexões acerca dos Direitos Humanos a p artir
José Francisco de M elo
da categoria Totalidad e na Dialética M aterialista
Neto
Projeto Alfa: Intercâmbio Acadêmico em Direitos Seminário Fin al do
Humanos junto a Universidade do M inho – Braga Projeto Alfa
– Portugal
Globalização, Direitos Humanos e Educação
Colóquio Internacion al
de Globalização,
Currículo e Educação a
ser realizado em
novembro de 2007 na
UFPB.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
209
5.11. Ativida des Culturais
Através das atividades culturais foi p ossível cuidar do lazer e ao mesmo temp o
de conhecer a arte p op ular e a cultura de Portugal. Na residência un iversitária há
mensalmente a distribuição da p rogramação cultural de modo que garantem aos resid entes
informaçõ es do que acontece na cidade. O p eríodo equivalente ao intercâmbio foi um
período intenso de atividades culturais, conforme demonstra a tabela abaixo.
Quadro XIII – Relação das Atividades Culturais
PERIODO
LOCAL
18junho
Centro Antigo
27junho
Igreja Bom Jesus
30junho a 03 de
Centro Histórico
maio
03 junho
Catedral da Sé
16 e 17 junho
Vigo-Santiago de
Comp ustela - Espanha e
Vian a do Castelo - Portugal
23 junho
Centro de Braga
29 junho
Catedral da Sé
28 junho
Centro de Braga
29 junho
01 julho
Teatro do Circo
Catedral da Sé
03 julho
Theatro Circo
04 julho
Catedral da Sé
05 julho
Catedral da Sé
06 julho
Catedral da Sé
07 julho
Ruínas Romanas
08 julho
Ruínas Romanas
13 julho
29 julho
30 julho
Teatro de Lisboa
Braga
Braga
PROGRAMAÇÃO
Caminhad a
Visita a Igreja do Bom Jesus
Visita a Feira Roman a
Caminhad a do Samero
Livraria do Livro em Vigo
Santuário de Santiago de Compustela
Centro Histórico de Viana do Castelo
Festa de São João – desfile cultural
Museu da Catedral da Sé
Festa de Rua – Desfile do Dia de São
Pedro
Festival de Teatro – O anel Mágico
Festival de Teatro em Braga – Dr.
Fausto
Festival de Teatro em Braga – Terra
Firme
Festival de Teatro em Braga –
Sp lash, criação coletiva
Festival de Teatro em Braga –
Fantasmas Familiares, a magia dos
contos do Noroeste Peninsular
Festival de Teatro em Braga – Piratas
– o ministério de M aria la M uerte
Festival de Teatro em Braga –
Hécuba de Euríp edes
Festival de Teatro em Braga –
Agamêmnon, de Ésquilo
Show de M artinho da Vila
Visitas Museus
Santuário Jesus de Braga e Festival
Internacional do Folclore d e Braga
5.12. Seminário Final do Projeto Alfa
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
210
Na semana qu e anteced eu o Semin ário Fin al do Projeto Alfa fo i organizado co m o
professor Emílio Santoro na UFPB e os bolsistas do Alfa um Curso d e Extensão sobre a
temática da exclusão na instituição carcerária.
Durante o p eríodo de 3 a 6 de setembro foi realizado em João Pessoa – Paraíba –
Brasil o Seminário Final do Projeto Alfa em jun ção com o Semin ário d e Direitos Humanos
da UFPB e o III Encontro Nacional de Direitos Humanos da Associação Nacion al de
Direitos Humanos – Ensino e Pesquisa.
Os bolsistas do Projeto Alfa p articip aram no p rocesso de organização do
seminário, além d e p articip arem durante o seminário da ap resentação dos trabalhos
realizados durante as visitas de intercâmbio. A ap resentação deste trabalho foi feita no
Grup o de Educação e Cultura em Direitos Humanos, coordenado pelas professoras Rosa
Godoy e Adelaide Dias, com a p articipação do p rofessor Pedro Bacelar, coordenador do
Mestrado em Direitos Humanos da Universidade do Minho.
Durante o seminário foi realizado a cerimônia d e entrega do título honoris causa
ao p rofessor Danilo Zolo p ela p rodução no camp o dos direitos humanos e co laboração
acadêmica com o Curso de M estrado junto a UFPB.
Foi ainda realizado nesse p eríodo uma visita de camp o com os p rofessores Pedro
Bacelar e Acílio Roch a, rep resentantes da Universidade do M inho na aldeia indígena de
Monte-Mór em Rio Tinto e Três Rios em M arcação na Paraíba.
Participamos ainda, da reun ião co m os coordenadores do Projeto Alfa com a ViceReitoria e rep resentantes do Núcleo de Cidadan ia e Direitos Humanos, da Comissão de
Direitos Humanos e do M estrado em Direito da UFPB acerca do Projeto de Doutorado
Internacional em Teoria e História dos Direitos Humanos a fim de encaminh ar p rojetos de
apoio junto aos órgãos de financiamento brasileiros com vistas a p ossibilitar a p articip ação
de docentes e discentes da UFPB.
Conside rações Ge rais
O Projeto Alfa “Human Rights Facing Security tem sido um importante
mecan ismo de intercâmbio de do centes e discentes co m resultados d e imp actos p ara o
ensino sup erior em direitos humanos dos p aíses como Itália, In glaterra e Portugal e p ara os
países Latino-americanos, como Brasil, Argentina e México.
Dentre os asp ectos construtivos como bolsista do Projeto, destaco:
- Ter tido a op ortunidade de conhecer Portugal, sua cultura e a Univ ersidade do M inho;
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
211
- Poder discutir meu tema de tese com p esquisadores externos do PPGE e da Universidade
do M inho, com exp eriência no camp o dos direitos humanos;
- Adquirir ap oio financeiro p ara organizar u ma b iblio grafia esp ecializada p ara o tema da
tese, sem o qual não teria acesso;
- Conhecer exp eriên cias em educação em direitos humanos além da UFPB e do Brasil;
- Acesso à bolsa de estudo e ap oio com passagem p ara p articipar de um intercâmbio
internacional sem a qu al não teria condições de realizar o intercâmbio;
- Acesso às bibliotecas da Universid ade do M inho e de Coimbra;
- Recep tividade dos p esquisadores e apoio institucional da Universidade do Minho;
- Qualidade do alojamento e apoio da equ ip e da residência univ ersitária;
- Ter tido temp o p ara estudar e concluir os trabalhos acadêmicos;
- Conhecer estudantes brasileiros e d e outros paises de língua p ortuguesa;
- Recep tividade nas bibliotecas;
- Ap oio no encaminh amento de p roduções p ara o Núcleo de Cidad ania e Direitos Humanos
da UFPB e p ara o Programa de Pós-Graduação em Educação.
- Ter tido a op ortunidade de retribuir a v isita aos rep resentantes da Universidade do M inho
e dos Coordenadores do Projeto Alfa na vinda p ara o Seminário Final do Alfa em João
Pessoa.
- Ter receb ido conv ite p ara noutro momento p oder visitar a Univ ersidade do M inho p ara
elaborar cap ítulo da Tese p elo Professor Carlos Estevão do Centro de Educação da
Universidade do M inho, que p ossui p ublicações na área da Educação em Direitos
Humanos;
Dentre os aspectos críticos, ressalto:
- Temp o curto da visita de intercâmbio (dois meses e qu inze dias);
- Atraso no Visto de Estudante e p or isso da Bolsa;
- Custo de Vida alto, além do custo com Correios e d e Excesso de bagagens que limita a
remoção do material b iblio gráfico. Apesar da relação histórica entre Brasil e Portugal não
há mecanismos de ap oio p ara o intercâmbio de material científico em casos de v isitas
acadêmicas de estudos;
- Não ter p odido visitar M adrid e suas editoras que disp õem de vasto material no camp o dos
direitos humanos;
- Não ter a op ortunidade de ter contato com os alunos do curso e dos docentes do Mestrado
em Direitos Humanos para trocarmos exp eriências;
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
212
- Dificuldad es no atendimento junto aos Consulados de Portugal;
- Não ter tido o acesso aos p rogramas anteriores das discip linas do Curso de M estrado em
Direitos Humanos p ara conhecer a bib lio grafia utilizada.
Referências
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HUMANOS DA UFPB
213
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RODRIGUES, C. A coop eração em matéria europ éia – uma p olítica ao serviço da Europ a.
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UM INHO, 2007. (mimeo)
VASCONCELOS, Pedro Bacelar de. Entrevista realizada na Escola de Direito em 09 de
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VASCONCELOS, P. B. A conversa com Pedro B acelar In: Noesis. Lisboa: IIE, No. 47.
Julho – Setembro de 1998.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
214
DIREITOS HUMANOS E ED UCAÇÃO POPULAR: a efetividade do direito à
educação
Saulo M onteiro de Matos: [email protected] m ( UFPa)
Leonardo Takehiro Lop es Watanabe: leotakehiro@y ahoo.com.br (UFPa)
Mariana Monteiro de M atos: mariana09matos@y ahoo.com.br (UFPa)
Suzany Ellen Risuenho Brasil: suzanybrasil@y ahoo.com.br (UFPa)
Yurika Tokuhashi Ota: y [email protected] (UFPa)
Introdução
O p resente estudo é resultado de análises desenvolv idas no decorrer do Projeto
de Extensão “Juventude Cidadã: conquistando direitos, sensibilizando deveres” da
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, sob orientação da Prof.ª Sumay a
Saady Morhy Pereira. Trata-se de uma nova forma de p ensar e fazer Ciência, em que se
sup eram antigas tradições dogmático-metafísicas de distanciamento entre os bancos
acadêmicos e as p ráticas sociais p resentes no cotidiano da p op ulação – destinatários do
programa normativo constitucional.
Destaca-se, destarte, que a execu ção e p esquisa do referido p rojeto é coorden ada
e idealizada p elo Núcleo d e Assessoria Jurídica Universitária Pop ular Aldeia Kay ap ó
(NAJUP Aldeia Kay apó), que, malgrado a dificuld ade d e definição p resente em qualquer
análise rigorosa, p ode ser entendido como um grupo de acadêmicos insatisfeitos com o
afastamento entre a teoria ministrada nas Universid ades e a realid ade social de miséria da
pop ulação.
A diretriz fundamental da pesquisa é a análise da relação visceral entre Direitos
Humanos e Educação, esta entendida não ap enas como d ireito fundamental decorrente da
Constituição Federal e de Tratados Internacionais, mas, outrossim, como meio necessário
de p rop orcionar a efetivação dos demais direitos humanos, tais quais, a lib erdade de
escolha de p rofissão, direito à verdade e à esp erança, entre outros. O nível de
desenvolvimento de um p aís p ode ser certamente medido através do modo como este
Estado cuida de sua Educação e de suas crianças, p ropulsoras do p orvir.
Cumpre esclarecer que a pesquisa se realiza num constante diálo go entre os
universitários integrantes do NAJUP Aldeia Kayap ó, profissionais da educação e
estudantes adolescentes da Escola Estadual de Ensino Fundamental e M édio José Alves
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
215
Maia, localizada no bairro do Telégrafo, zona da p eriferia do M unicíp io de B elém do Pará.
Por meio d e oficinas, sob a metodolo gia da Educação Pop ular, busca-se uma sensibilização
mútua, a dizer, sensibilizar os adolescentes da escola referid a p ara os p roblemas sociais
vividos, sobretudo, as violações a direitos fundamentais presenciadas no cotidiano da
comunidad e, e prop orcionar aos div ersos acadêmicos dos cursos de Direito, Psicolo gia,
Serviço Social e Letras um contato direto com as p ráticas sociais concretizadoras das
prescrições constitucionais e os obstáculos institucionalizados de inclusão da maioria da
pop ulação brasileira.
A p esquisa é divida em dois momentos baluartes, a saber: a análise quantitativa
e a análise qualitativa da con cretização dos d ireitos humanos, sobretudo, do d ireito social à
educação.
Na análise qu antitativa, buscou-se, através de questionários p adrões de
perguntas e resp ostas diretas, traçar um panorama geral d as práticas p edagógicas e
interesses dos estudantes da referida escola. O resultado do cotejo dos questionários
possibilitou uma diretriz p ara a elaboração do p rojeto e dos temas a serem evidenciados
durante as oficinas.
No que concerne à análise qualitativa, esta ocorreu p or meio de p articip ações
em reuniões de professores e alunos, além de conv ersas com os p rofissionais da gestão da
escola acerca de assuntos relacionados ao cotidiano dos alunos e dos p rofissionais, tais
como, a violência na esco la, p articipação das famílias na formação dos alunos, infraestrutura da escola etc. Sobremais, este modo d e p esquisa e interp retação da realidade da
escola é desenvolv ido durante todas as oficinas, em esp ecial, p or meio de discussões que
envolvem as visões d e mundo dos estudantes exp ressas através de peças teatrais, desenhos,
redações e música
109
.
Os direitos humanos entendidos dessa forma imp licam tamb ém num d esafio
crítico p ara toda a sociedade. Nesse sentido, surgem inúmeros questionamentos a partir do
reconhecimento do direito fundamental à educação, em seu viés de direito a p restações, a
saber: até que ponto as diretrizes constitucionais do ensino público estão sendo observadas
nas p ráticas p edagó gicas no municíp io de Belém? Qual é a p articipação da sociedade, em
esp ecial, das famílias e da comunid ade no p rocesso de formação dos estudantes e na gestão
da escola? As práticas pedagó gicas e as teorias ministradas em sala de aula se relacion am
109
Acerca do papel privilegiado da arte como expressão autêntica da realidade, cf. NUNES, Benedito. Hermenêutica e
poesia: o pensamento poético. Maria José Campos (Org.). Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007.
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com o cotidiano do aluno ? Tais p ráticas p ossibilitam uma formação p lena do estudante
como cidadão e, sobretudo, como sujeito crítico d a realid ade? Há o resp eito efetivo p ela
op inião/vontade do estudante no momento de decisão acerca das diretrizes do currículo
escolar e d a gestão da escola?
I. Direitos Humanos e Direito à Educação: Aspectos Fundamentais do Problema
Há dez anos se encerrava o regime autoritário e inaugurav a-se o governo civil de
transição. Há sete, a Constituição de 1988 foi promulgada como a cart a de
direitos mais precisa e abrangente em toda a história política do país. Apesar das
garantias democráticas então vigentes, subsiste a violên cia sistêmica, em que o
arbítrio das instituições do Estado se combina com altos índices de criminalidade
violenta, crime o rganizado, grande intensid ade d e violên cia física nos con flitos
entre os cidadãos e impunidade generalizad a110 .
A exp ressão direitos humanos revela o caráter do p resente estudo, p orquanto
congrega em seu conteúdo os direitos básicos do homem reconhecidos e consagrados
nacional e internacion almente. Trata-se, na diretriz da teoria de Ch aïm Perelman (2005), de
direitos aceitos p or uma audiência univ ersal a p artir de uma argumentação racional do
problema, a saber: as condiçõ es de vida d e um p ovo.
É sabido, entretanto, que, no caso dos direitos humanos p ositivados na
Constituição Brasileira de 1988, a doutrina, de uma maneira geral, utiliza a exp ressão
“direitos fundamentais”. Nesse sentido, a diferença básica entre “direitos humanos” e
“direitos fundamentais” é a existência ou n ão de tais p rescrições no bojo do arcabouço
normativo constitucional de um determin ado Estado. Conforme Hesse (1998, p. 225),
“direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como direitos
fundamentais”.
Dever-se-ia utilizar, p ortanto, a exp ressão “direitos fundamentais”, dada à
análise do p roblema no p resente estudo se cin gir às p rescrições constitucionais sobre o
tema, em esp ecial, o Seção I do C ap ítulo III do Título VIII da Constituição Cidadã.
O que se observa, entretanto, é o maior apelo da exp ressão “direitos humanos”
nas p ráticas dos movimentos sociais e estudos das ciências sociais. Aliás, na região
110
DIMENSTEIN apud CANOTILHO, 2004, p. 119.
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metrop olitana de Belém/PA, a idéia de direitos humanos é reconhecida como de grande
111
interesse p elos jovens, como valor imp ortante a ser p reservado e discutido .
Nesse sentido, a diferenciação entre direitos fundamentais e d ireitos humanos,
baseada puramente no critério de concretização constitucional do d ireito, dev e ser utilizada
com p arcimôn ia, p orquanto o uso distinto de tais exp ressões p ode acarretar a perda da
efetividade e d iminuta contribuição p ara uma consciência crítica da pop ulação com relação
à não-observância dos preceitos constitucionais.
É necessário qu e a sociedad e se identifiqu e e con cretize no seu cotidiano os
princíp ios constitucionais de valorização do ser humano. Utilizar a exp ressão “direitos
fundamentais”, sem atentar p ara o uso corrente e expressivo do termo “direitos humanos”
por p arte crassa da sociedade, prejudica a ap roximação necessária do Direito com as demais
ciências sociais e, em esp ecial, co m a “realidade” da pop ulação nacional.
A teoria constitucional deve encarar seriamente a vin culação entre a
Constituição
e
a
realidad e
constitucional
(âmb ito
normativo
das
p rescrições
constitucionais). Utilizar-se-ão, destarte, as exp ressões “direitos humanos” e “direitos
fundamentais” co mo direitos básicos da p opulação brasileira, reconhecidos p or meio de
prescrições constitucionais ou decorrentes dos valores inerentes aos p rincíp ios do Estado
Democrático de Direito Brasileiro (art. 5º, §2 º da Constituição Federal – CF).
Na esteira d a p rop osta de HÄBERLE (2002), em seu “Hermen êutica
Constitucional: a sociedade aberta de intérp retes da Constituição” (2002), salienta-se que
não se confere maior destaque, no camp o da interp retação das normas constitucionais, p ara
o p roblema relativo aos destinatários do p rograma normativo constitucional, a saber, a
pop ulação de modo geral. É inócuo interp retar as p rescrições relativas aos direitos humanos
sem atentar p ara o modo de con cretização d e tais d ireitos na sociedad e, observando-se o
grau de inefetivid ade dos imp erativos constitucionais e a vin culação dos indivíduos com os
valores prop ostos p ela Carta Maior.
A observação acima aduzida se intensifica no que concern e aos direitos sociais,
entendidos como aqueles que exigem do Estado uma atuação positiva ou p restações
(Leistungsrechte)
112
, visto que as normas definidoras de tais direitos são marcadas p elo
111
Em pesquisa realizada pelo instituo IBASE, no bojo do projeto especial “ Juventude e Política”, nos anos de 2004 e
2005, constatou-se que 70% (setenta por cento) dos jovens da zona metropolitana de Belém/P A demonstram interesse por
assuntos relacionados a temas sociais. Mais importante é que o tema de maior interesse é os direitos humanos, com
preferência de 89,5% dentre os interessados (P EREIRA, 2007b, p. 5).
112
Embora a CF/88 não distinga entre o regime jurídico dos direitos individuais e sociais, em contraposição à
Constituição de P ortugal de 1976, adota-se, no presente estudo, tal classificação, em virtude da existência de diferenças
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caráter imp reciso e abstrato do seu conteúdo, como p ode ser claramente observado na
CF/88, a saber:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
seguran ça, a previd ência so cial, a proteção à maternidade e à infân cia, a
assistência aos desamparados, na form a desta Constituição.
Art. 205. A edu cação, direito de todos e dev er do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a col aboração da soci edad e, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercí cio da cidadania e sua
113
qualifi cação para o trabalho .
Cumpre acrescentar, ademais, que o Sup remo Tribunal Federal já reconheceu a
existência de direitos fundamentais fora do catálo go do art. 5º, 6º e 7º da CF/88, a teor da
decisão proferida em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939-7, p ublicada no
Diário de Justiça da União em 18 de março de 1994, sob a relatoria do Ministro Sy dney
Sanch es, em que o p rincíp io tributário da anteriorid ade, consagrado no art. 150, III, b da
CF/88, foi declarado expressamente como d ireito fundamental.
Conclui-se, por conseguinte, que o d isp osto no art. 205 e 206 da Constituição de
1988, acerca dos p rincíp ios relativos ao direito à educação, consagra in exoravelmente o
direito fundamental à educação, vin culando não apenas a Administração Pública, mas,
outrossim, a sociedade como um todo, visto que “a persp ectiva científico-cultural comb ina
as clássicas concep ções formal e material da Constituição e interp reta a Constituição não
somente como um arcabou ço juríd ico d e regras, mas, sim, co mo cond ição cultural de um
povo” (HÄBERLE, 1998, p . 24, tradução nossa)
114
.
Robustece o p ensamento acerca do reconhecimento do direito à educação como
direito básico do homem o art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU), transcrito abaixo :
T oda a pessoa tem direito à educação. A educação dev e ser gratuita, pelo menos
a correspondent e ao ensino elementar fund amental. O ensino el ementar é
obrigatório. O ensino técnico e profissional dever s er gen eralizado; o acesso aos
estudos superiores dev e est ar aberto a todos em plena igualdad e, em função do
seu mérito.
importantes entre tais categorias de direitos, como é o caso do grau de exigibilidade da tutela jurisdicional
(justiciabilidade) em caso de violação a direitos de defesa ou individuais. No mesmo sentido, cf. SARLET, Ingo
Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.
113
BRASIL, Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. In: Código de P rocesso Civil e
Constituição Federal. 37ª ed. São P aulo: Ed. Saraiva, 2007.
114
La perspectiva científico-cultural combina las clásicas concepciones formal y material de Constitución e interpreta la
Constitución no sólo como entramado jurídico de reglas sino como condición cultural de un pueblo.
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219
Num outro giro, seguindo a corrente constitucionalista da ép oca, a Constituição
de 1988 arrolou como direito social de todo brasileiro a educação, reiterando tal proteção
em seu artigo 205, ressaltado neste o dever solidário do Estado e da família de p rover sua
concretização. Ressalta-se que a educação p rotegida p or tal disp ositivo consiste na
formação integral do indivíduo, em suas nuances técnicas, cívicas, moral e humana,
coadunando-se com a orientação internacion al de que esta deve visar o p leno
desenvolvimento da pessoa humana, a p roteção dos direitos humanos e p romover
comp reensão, tolerância e amizade entre todos. Nesse aspecto, mui sábia se afigura a
máxima pop ular de que “só com educação p odemos ser algu ém na v ida”.
Esta formação integral, p ois, vai ao encontro dos p rincípios constitucionais do
Estado Brasileiro, tais como, a cid adania, a iguald ade, a lib erdade, a p articipação p op ular e,
princip almente, o vetor maior de todos estes p rincípios, a saber: a dign idade d a p essoa
humana
115
. Percebe-se facilmente, neste quesito, a coerência d a Carta Magna, que, ao
fundamentar a educação na lib erdade de ap render, ensinar, p esquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber; no p luralismo de id éias e d e concepções pedagó gicas; na
igu aldad e de condiçõ es p ara o acesso e p ermanência na escola e na gestão demo crática do
ensino público (art 206), reitera a importância d a efetivid ade do d ireito social à educação
para efetivação do p róprio Estado Democrático de Direito em nosso p aís, em esp ecial,
quando considerad as as p eculiaridades histórico-econômico-culturais de nossa nação em
desenvolvimento.
Daí decorre que educação é dever p rimordial do Estado, que d eve
obrigatoriamente assegurar a todas as crianças em idade escolar o ensino fundamental com
qualidad e. Não se p ode, então, admitir como viável a possibilidade prop agada p or alguns de
que tal direito deve ser restringido em virtude de circunstâncias n ão favoráveis, ausên cia de
recursos (teoria da reserv a do possível) ou falta regulamentação ad equada (teoria da norma
de eficácia limitada)
116
.
O direito à educação é garantia do mín imo social digno do ser hu mano e, em
última análise, corresp onde a um p ressup osto objetivo da efetivação do direito à liberd ade
do indivíduo, p orquanto a inefetivid ade do d ireito à edu cação irradia seus efeitos no sentido
115
A noção de dignidade do homem é assim identificada em Kant, in litteris: “ No reino dos fins, tudo tem ou umpreço ou
uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se
acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade” (KANT, 2005, p.
65).
116
Acerca do assunto, cf. QUEIROZ, Cristina. Direitos fundamentais sociais: funções, âmbito, conteúdo, questões
interpretativas e problemas de justiciabilidade. Coimbra/Portugal: Coimbra Editora, 2006.
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de obstar a p ossibilidade concreta de realização dos d ireitos humanos à lib erdade de
escolha de p rofissão, à p articip ação democrática, ao direito à informação adequada ao
consumidor, entre outros. Trata-se de um standard mínimo social do indivíduo, o qual não
pode ser sobrep ujado p or quaisquer interesses econômicos ou p redominantemente
patrimoniais.
Robustece o asseverado a opinião de Cristina Queiroz, a saber:
Com efeito, quem entenda o cont eúdo dos direitos fund amentais sociais como
integrando o conjunto de “ tarefas constitucionais objetivas” (objektive
Verfassungsaufträge) – que s e tradu zem, quanto ao Estado, na d eterminação d e
“deveres objetivos” de criação dos pressupostos de exercí cio de uma liberdade
que se pretend e efetiva e real – poderá aport ar numa solução de comp romisso
entre um amplo reconhecimento de p retensões a p restações positivas e a recusa
total de compreens ão dos direitos fund amentais como direitos de particip ação,
sustentando que estes últimos se mostram necessários à defes a e manutenção dos
direitos fund amentais de liberdad e. Estes não serão, então, interpretados a p artir
do postulado da sua “otimização ”, isto é, da defes a de uma justiça social, cuja
realização cai no domínio das compet ências do l egislador; ant es, a partir de um
“standard mínimo” decorrente d a necessidade d e proteção do Estado à luz do
princípio da liberdade fundament al. Esse “standard mínimo incondicional” –
que se encontra fix ado, na Alemanha, pela jurisprudência do T ribunal
Constitucional – não d eve, porém, ser interpretado como um conceito fechado;
antes; vem sendo progressivamente fix ado e des envolvido numa perspectiva
117
casuística .
Desse modo, tais direitos humanos, como o d ireito à edu cação, devem ser
efetivados de imediato (art. 5º, §1º da CF/88), p orque jamais dev eriam ser desrespeitados
ou ameaçados de tal improp riedade.
Contudo, em um p aís onde a maioria da pop ulação adulta é analfabeta, o índice
de evasão escolar é altíssimo e a maioria das crian ças tem d e se submeter a trabalhar desde
tenra idade p ara incrementar o orçamento diário (miserável) da numerosa família, n ão se
pode utop icamente acreditar que tais valores e ind icativos constitucionais estejam sendo
efetivamente concretizados. Esp ecularmente, diárias são as notícias e as ocorrências de
crimes de corrupção nas instituições demo cráticas do p aís, delineando um quadro de crise
das instituições, valores e p ráticas democráticas, imp elindo-nos a uma reflexão p rofunda de
nossas p ráticas sociais.
Dessa intrínseca correlação entre direito humano à edu cação e educação como
direito humano e das “crises” p or que p assa nossa democracia no p resente momento
histórico, coloca-se ante nossos olhos, de forma inesquivável, a an gustiante indagação
acerca da efetividade das p ráticas p edagó gicas utilizadas atualmente em nossas escolas
117
QUEIROZ, 2005. p. 172/173.
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221
regu lares e a concretização dos direitos humanos fundamentais e da construção da
cidadan ia.
II. Educação Popular: Crítica às Práticas Pedagógicas Tradicionais e o Papel Político
da Educação na Concretização dos Direitos Humanos.
Pensar certo implica a existên cia de sujeitos qu e p ensam m ediados por objetos
ou objetos sobre que incide o próprio pensar dos sujeitos. Pensar certo não é que
– fazer de que s e isola, de quem se “ aconchega” a si mesmo na solidão, mas um
ato comunicante. Não há por isso mesmo pesar sem entendimento e o
entendimento, do ponto de vista do pensar certo, não é trans ferido mas coparticipado. Se, do ângulo da gramática, o verbo ent ender é transitivo no que
concerne à sintaxe do p ensar certo el e é um v erbo cujo sujeito é sempre co 118
partícipe de outro .
As técnicas tradicionais de ensino utilizadas nas escolas (e também nas
Universidades) desde a R evolução Industrial - como a organização da sala d e au la em
fileira verticais de cad eiras d irecionadas p ara a p arede ond e está pendurada e lousa, lo go
atrás da mesa do p rofessor sobre um estrado - são reflexas de u ma ideologia de
desigu aldad e entre os sujeitos do processo ensino ap rendizagem, segundo a qual os
professores (mestres e doutores, na terminologia p opular) são detentores do conhecimento
da verdade absoluta e inquestionável sobre tudo o que há no mundo. Ao p asso que os
alunos, conforme a etimo lo gia da p alavra p ermite induzir, são desprovidos absolutamente
da luz deste conhecimento que os ensinadores irão dep ositar em suas mentes “vazias”(do
grego a lumen: “a” sem; “lúmen” luz).
Contudo, correntes filosóficas acerca do conhecimento
119
já exp licitaram
exaustivamente que nenhuma realidade p ercebida é eterna, absoluta e imutável, não sendo
mais, p ois, conceb ível a p ossibilidade de um saber absolutamente correto p or toda a
eternidade,
p assível
de
ser
monocraticamente determinado
120
contextualização histórica. Como ressalta Paulo Freire
alheio a
qualquer
, “ninguém educa nin guém, os
homens educam a si mesmos, mediatizados p elo mundo”, isto é, n ão há conhecimento
118
FREIRE, 1996. p. 37.
Acerca da teoria de Nietzsche sobre a verdade, comenta o filósofo paraense Benedito Nunes, in verbis: “ A lógica e os
métodos científicos são esquemas práticos que nos permitem interpretar a realidade, isto é, dominá-la por um certo
ângulo, favorável aos nossos interesses e necessidades. Dado que o real jamais pode ser contemplado em sua nudez, em
seu verdadeiro ser, toda verdade é somente uma aparência necessária – o que equivale a uma mentira, mas vital e
indispensável” (NUNES, 2004, p. 79).
120
P aulo Freire foi um bacharel em Direito que, após advogar sua primeira causa, desiludiu-se com a profissão e adotou
como modo de vida a educação de adultos camponeses do interior do Brasil. Foi deportado no período da ditadura militar
e, retornando em 1984, retomou seu trabalho pedagógico. Escreveu inúmeros livros sobre alfabetização e transformação
social, leituras obrigatórias a todos os interessados em Educação, entre eles P edagogia do Oprimido, P edagogia da
Esperança, Educação e Mudança, Medo e Ousadia, etc.
119
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222
verdadeiramente v álido além daqu ele cap az de p rovocar significativas mudanças em u ma
dada realidad e histórico-social em u m determinado temp o.
É certo que a Constituição Federal, em seu art. 206, III, obtempera a existência
no Estado Brasileiro d e uma lib erdade amp la de ensinar, consubstanciada no p rincíp io da
pluralidade d e concepções pedagó gicas. Todavia, tal liberdade p ositiva deve ser
subordinada aos p rincípios vetores da Carta Maior, a dizer, a valorização do ser humano e
da diminu ição das desigualdades através de sujeitos críticos e cap azes de modificar a sua
realid ade. Os Direitos Humanos não são ap enas interesses exigíveis judicialmente
(justiciabilidade), mas, ao revés, constituem diretrizes p ara todas as relações sociais entre
particulares e entre o Estado e o p articular
121
.
Destarte, a Educação Popular Freireana ressalta a necessidade de que todo
conhecimento teórico produzido (e não “repassado”, como d iz a p edagogia tradicion al)
deve estar co mp rometido com a comun idade que o p roduziu, a fim de construir um
presente e futuro melhor p ara seus membros. É uma teoria que não p rescinde da prática, e
uma p rática que não se legitima se d esvinculada da teoria, ao que d enominou práxis.
Educar em direitos significa exatamente isso. Não se p ode ensinar direitos
humanos a um humano tratando o tema como se alheio fosse ao seu sujeito. Não se ensina
direitos humanos. Os direitos humanos são construídos e reconhecidos na cotidiana
dialética da realid ade social humana. Tratar de educação em direitos humanos é edu car
sendo educado diariamente, construindo (ou não) a efetividade desses direitos humanos
fundamentais nas mais elementares p ráticas cotidianas.
Desse modo, os direitos humanos têm dimensão emin entemente p edagó gica,
devendo ser a sua p rática incorp orada aos bancos escolares em todas as discip linas
ministradas, mormente quando se busca desp ertar o ser humano p ara a necessidade de
reconhecimento do outro (alteridade do ser). Comp reender a dialética inerente aos direitos
humanos é conhecer a si mesmo através do reconhecimento do outro ou reconhecer a
“imp ossibilidade de minha ausência n a construção d a p róp ria p resença” (FREIRE, 2006, p.
53).
Isto é, a p ersp ectiva p edagógica ou objetiva dos direitos fundamentais ultrap assa
a questão acerca da legitimid ade de restrições à liberdade do indiv íduo, p revalecendo a
idéia de que os homens não ap enas “coexistem”, cada qual voltado à satisfação de seus
121
Cf. P EREIRA, Sumaya Saady Morhy. Direitos fundamentais e relações familiares. P orto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2007a.
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223
interesses individuais que esp eram ver assegurados pelo Estado, mas, sim, “convivem”, o
que imp orta em tarefas e finalidad e comuns
122
.
As atuais práticas p edagógicas não concretizam ou contribuem p ara a
concretização de nenhum direito fundamental, menos ainda o basilar direito à educação.
Tratando os estudantes como isentos de qualquer atuação histórica, não lhes estimula a
prática da cidadania. Prev ê a Lei d e Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que
esta cidadania seja refletida, em microesferas, na gestão demo crática d as escolas - com
particip ação todos os sujeitos diretamente interessados na questão, a saber, estudantes,
pais/responsáveis e corp o técnico e p edagógico -, mas se nem sequer nas pequenas
atividades em sala de aula a p articip ação dos estudantes é valorizada, não se p ode esp erar
que p articip em autonomamente na gestão da esco la. Esta acab a tornando-se um esp aço
antidemocrático, d e legitimação de um p oder estatal extrínseco à realidade em que está
inserida. Daí decorre a limitação do esp aço p ara p rodução e exp osição de tudo que seja
produzido naquele amb iente: n ão ap arece também nenhu ma liberd ade d e aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar o p ensamento, a arte e o saber, sufocando qualqu er p luralismo de
idéias e de concep ções pedagó gicas e criando grand es óbices à igualdade de cond ições p ara
o acesso e p ermanência na escola.
É contrap ondo-se a tudo isto que se ap resenta a alternativa da educação pop ular:
uma p ossibilidade de incentivo à p articip ação ativa de todos os sujeitos do processo
educacional, mesmo as cotidianas aulas, chamad as p or Freire oficinas, nas quais todos têm
a op ortunidade (decorrente da evidente necessidade) de exp or suas idéias, indagações,
dúvidas, p ercep ções, conhecimentos; é valorização do ativismo sócio-histórico-p olítico de
cada sujeito na gestão de todos os atos de sua vida: das aulas, das atividades extra-classe, da
estrutura da escola, da organ ização da comunid ade, do M unicíp io, da Unidade Federativa,
do Estado Nacional. É uma possibilidade de educação p ara a cidadan ia em cidadan ia,
ratificando o saber comum de que n ão se p ode ensinar a falar em silêncio, ou a nadar fora
d´águ a, ou a ser cidadão n egando atuação.
Dentro desse p anorama, comp reender a inefetividade do direito fundamental à
educação no Brasil é refletir acerca das p ráticas p edagó gicas caracterizadas por uma
postura acrítica dos p rofessores, os quais, amiúde, revelam-se impessoais e p reocup ados
apenas com conteúdos rígidos determinados p ela Secretaria de Educação do Estado.
122
Ibidem, p. 31.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
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224
O seguinte trecho de Paulo Freire ilustra de maneira interessante a p ostura
imp osta aos p rofessores p ela Constituição Federal e pelo Estado de Direitos Fundamentais
Brasileiro, a saber:
Recentement e num encontro público, um jovem recém-ent rado na Universidad e
me disse cortesmente:
“ Não entendo como o senhor defend e os sem-terra, no fundo, uns badernei ros,
criadores de problemas”.
“Pode haver badern eiros entre os sem-terra”, disse, “ mas sua luta é legítima e
ética”. “Baderneira” é a resistência reacionária d e quem se opõe a ferro e fogo à
reform a agrária. A imoralidade e a deso rdem estão n a manuten ção d e uma
“ordem” injusta.
A conv ersa ap arentem ente morreu aí. O moço apertou minha mão em silên cio.
Não sei como terá “ tratado” a questão d epois, mas foi importante que tivesse
dito o que pens ava e qu e tivesse ouvido de mim o qu e me p arece justo que
devesse ter dito (FREIRE, 1995, p. 71).
III. A Inefetividade do Direito Fundamental à Educação: Resultados e Discussões
Acerca das Práticas S ociais/Pedagógicas.
Falo sobre como o método educa enquanto se constrói e, portanto, falo de um
método como um processo, com as seqüências e etapas que ele repete a cad a
vez; como uma história coletiva de criar e fazer, que é a sua melho r idéia
(BRANDÂO, 1984, p. 15).
A frase de Carlos Brandão exp õe muito lucidamente a idéia do método (talvez
fosse melhor chamar de processo conforme essa explicação). A concep ção de um método
que é como u m adesivo: adere a sua sup erfície de modo qu e se confunda com esta. E é p or
isso que se faz necessária a p esquisa realizada. A dizer, p ara aderir a uma sup erfície, p ara
se misturar a aquela co munidad e e fazer um “método” realmente transgressor p orque
baseada nos limites desta, é imprescindível conhecê-la.
Dessa maneira, d e novembro a dezembro de 2006, realizou-se a p esquisa sócioeconômica co m a finalidad e de id entificar as temáticas mais relevantes p ara os estudantes
da escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Alves M aia, com o intuito de dar
sup orte às atividades de efetividad e dos direitos humanos a serem d esenvolvid as. Os
particip antes foram estudantes de 5ª a 8ª série do ensino fundamental, corresp ondentes aos
turnos da manhã e da tarde, na faixa etária de 11 a 17 anos.
Essa análise foi feita de forma quantitativa através de questionário contendo 20
perguntas e, simultaneamente, de forma qualitativa através de entrevistas semi-dirigidas aos
estudantes, p rofessores e funcionários, as qu ais foram grav adas em fitas cassetes. Dessarte,
a comunidade escolar ficou assim representada: 53,36% de ho mens e 43,63 de mulh eres;
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
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225
32,72% eram alunos da 7ª série, 30% da 8ª série, 23,63% da 5ª série e 13,63 da 6ª série;
37,27% tinham 13 anos, 23,63% tinham 14 anos, 19,09% tinham 15 anos, 6,36% tinham 16
anos, 8,18% tinham 12 anos, 4,54% tinham 11 anos e 0,90% 17 anos; 61,81% residiam no
bairro do Telégrafo (mesmo bairro do colégio p esquisado), 14,54% residiam o bairro da
Sacramenta, 11,81% na Pedreira e 11,81% em outros bairros.
A interp retação das falas dos p articip antes da escola J.A.M tem como balu arte a
práxis da edu cação popular, que é marcada pela reflexão e d iálo go dos p esquisadores na
ouvidoria sobre a realidad e local. Possibilitando uma p roblematização da eficácia dos
direitos fundamentais, onde se situa o direito à educação (art. 6º d a CF/88).
Assim, constatamos p reliminarmente que: 1. Cerca de 20% dos estudantes
desconhecem meios de prevenção à gravid ez e 50% à DST’s, embora h aja a constatação de
que a sexualidade entre os adolescentes é tema p ulsante em seus cotidianos; 2. 84% dos
jovens asseveram não ter nunca p resenciado nenhum tip o de violência doméstica, 31% não
presenciaram violência nas ruas e 60% não p resenciaram violência na escola. Todavia, são
constantes as violências morais e físicas sofridas p elos estudantes no p lano horizontal e
vertical, o que cu lmin a na idéia de qu e a maioria não considera violên cia d eterminados
asp ectos das violações a direitos morais e à integridade física; 3. A sala de au la é o local
menos ap reciado da escola por cerca de 80%. Grande p arte dos estudantes p ossui
dificuld ades de ap rendizagem e são amiúde inertes na defesa de seu direito à educação; 4.
Malgrado haja interesse na particip ação em atividades culturais, ap enas 21% afirmam
realizar algum tip o de atividad e cu ltural. A satisfação com relação às atividades
desenvolvidas pela escola é p lena, o que demonstra a ausência de crítica acerca da fun ção
da escola n a promoção de tais atividad es; 5. Há uma rigidez hierárquica n a relação
professor-funcionário-aluno; 6. No geral, a p articip ação familiar n a esco la é deficitária, não
havendo qualquer cooperação social nesse sentido, ao revés do disp osto no art. 205 da
CF/88.
Ap enas um contato diário com os p articip antes da pesquisa p ermitiu uma
melhor análise dos resultados obtidos. Deste modo, cabe eviden ciar algumas situaçõeslimites princip ais, as quais ev idenciam o descomp asso entre as p ráticas sociais e os v alores
alvejados p ela Lei Fundamental de 1988.
3.1.
Os reflexos do hiato entre a família e a escola.
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226
Há um nítido distanciamento entre a escola e a família, instituições estas
fundamentais na formação e desenvolvimento dos jovens enquanto cidadãos ap tos a exercer
sua cidadan ia. Na esteira d este entendimento, obtempera o art. 205 da CF/88, a saber:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho123 .
Observa-se que a família não p articip a do cotidiano escolar, d eixando a cargo da
escola boa p arte da educação de seus filhos. Em contrap artida, observa-se que a esco la não
prop orciona p olíticas públicas suficientes voltadas à ap roximação dos familiares de seus
alunos com a p róp ria instituição de ensino, não consegu indo dialo gar com a comunid ade
local sobre os problemas, co m os quais a esco la conv ive, e até mesmo as d ificu ldades
encontradas em transmitir o conteúdo min istrado na sala de aula.
Este distanciamento torna-se extremamente p rejudicial a estes jovens, uma v ez
que comp romete sua p róp ria formação enquanto estudantes, cidad ãos p lenamente
conscientes de seus d ireitos e deveres e sujeitos históricos cap azes de modificar a realid ade
em que estão inseridos.
A maioria dos p ais somente comp arece à esco la quando recebem algum
comunicado solicitando sua p resença e, nestes casos, semp re p ensando que o filho dev e ter
feito algo de errado ou se está reprovado. Não há o interesse em saber co mo anda
desemp enho do filho e se p ode fazer algo p ara ajud ar.
De fato, há de se destacar, mais uma vez, a ausência d e p olíticas p úblicas
voltadas p ara a inserção-p articip ativa da família e da socied ade em geral no cotidiano não
somente do filho, mas, também, d a escola como u ma instituição de formação p ara a v ida.
Percebe-se, p ortanto, que o disp ositivo constitucional do art. 205 não encontra sua p lena
efetividade, p ois a sociedade não está na escola e a escola não está p ara a sociedade,
tamp ouco o Estado fornece meios p ara que haja um verdadeiro diálo go p rofícuo entre
ambas as p artes.
Para tanto, é necessário que a escola esteja ab erta p ara os p ais e a comunid ade
local e incentive a discussão sobre a relev ância do direito fundamental a edu cação e seus
reflexos na vid a de cada p essoa, destacando a importância d a colaboração comun itária
123
BRASIL, Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. In: Código de P rocesso Civil e
Constituição Federal. 37ª ed. São P aulo: Ed. Saraiva, 2007.
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227
como chave p ara o desenvolv imento dos jovens que ali estudam. A responsabilidade da
escola na efetivação dos p receitos constitucionais é uma responsabilidade coletiva, a dizer,
resp onsabilidade da co munidade.
Conforme entendimento do autor da Pedago gia do Op rimido, é mister que a
sociedade se resp onsabilize p ela humanização do homem
124
ou do p ensamento humano
como p ressup osto p ara a concretização dos direitos fundamentais, in litteris:
Desde o começo mesmo da luta pel a humanização, pela sup eração d a
contradição opressor-oprimido, é preciso que eles se conv ençam de que esta luta
exige deles, a partir do momento em que a aceitam, a sua respons abilidade total.
É que esta luta não se justifica apenas em que passem a ter liberd ade para comer,
mas “ liberdade para criar e construir, para admirar e av enturar-se”. T al liberdade
requer que o indivíduo seja ativo e respons ável, não um es cravo nem uma peça
bem alimentada da máquina (FREIRE, 2005, p. 62).
Esta discussão se reveste de mais alto grau d e importância, p ois muitos p ais não
acomp anham o desempenho escolar do filho, sendo qu e alguns acred itam que seus filhos
estão p erdendo temp o indo p ara a escola e deveriam estar ajud ando-os a colocar co mida na
mesa, retirando-os do amb iente escolar.
Em um relato muito imp ortante de uma estudante da 7ª série da Esco la em
comento, esta narra que lia mu itos livros e rev istas quando era menor, mas, em um
determinado dia, sua mãe estava assistindo novela e disse que se ela continuasse lendo
daquele jeito, iria ficar doida. A p artir daquele momento, a estudante deixou os livros e
passou a “ver o mundo através da televisão”.
Desse modo, há uma alternativa através de uma postura ativa da Educação e do
Estado em incentivar a p articipação da comunid ade na escola, tanto p ara escola alcan çar
seu p ap el social, como p ara os p ais e a comunidade p assarem a ser conscientes da
imp ortância da escola e da educação na v ida de seus filhos.
3.2.
A problemática relação Professor-Aluno.
Uma breve conversa com estudantes e p rofessores é suficiente para constatar o
evidente o descontentamento que ambos sentem uns pelos outros. Sem a confian ça mútua e
o interesse de ambos, não é p ossível desenvolver qualqu er diálo go p rodutivo.
124
O termo humanização do homem é no sentido da ontologia proposta por Heidegger. Cf. HEIDEGGER, Martin. Sobre
o humanismo. 2ª ed. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.
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228
Ainda lon ge de consegu ir ap ontar justificativas p ara tal p roblema, vê-se na
desvalorização social enfrentada p elos p rofessores atualmente uma das causas para esta
difícil comun icação p rofessor-aluno.
Ao término de uma aula, o p rofessor sai imediatamente da sala de aula p ara
ministrar outra aula, algu mas vezes em outro colégio, alguns minutos dep ois. Tal fato
imp ede, amiúd e, que os p rofessores possam lidar com as dificu ldades ind ividuais de cada
um dos alunos (heterogen eidade), os quais muitas vezes trazem seus p roblemas familiares
para escola, já que a família é, outrossim, p arte da escola/formação.
A exaustiva carga horária, aliada à péssima remuneração recebida p ela
categoria, acaba p or culminar na falta de condições (e mu itas vezes também na falta de
temp o) para a p rep aração de uma au la, cu ja abordagem seja cap az de efetivamente alcan çar
todos os estudantes e, assim, instigá-los a ter uma maior p articip ação durante no processo
de educação. Sem a condição de adotar um novo método de ensino, o p rofessor se vê numa
situação onde os estudantes não conseguem manter a atenção na aula d evido à falta de
interesse ou até mesmo devido à não estarem comp reendendo o conteúdo ministrado.
Cabe, neste momento, mencion ar o caso dos alunos “cop istas”. Durante o
processo de p esquisa, foram eviden ciados casos em que alguns alunos estavam tendo
desemp enho muito abaixo do normal. Eram alunos que prestavam atenção nas aulas e
cop iavam tudo o que estava no qu adro, p orém, não conseguiam estudar em casa e recebiam
notas muito baixas nas av aliações.
Ap ós longas conv ersas com os estudantes, a coordenadora da Esco la em
comento constatou que tais estudantes não conseguiam ler o cop iado. Isto é, copiavam a
matéria co locad a no quadro como um p ap agaio rep ete o que escuta, mas não conseguiam
ler e interp retar o p osto no caderno.
O mais interessante é que a maioria dos professores tinha conhecimento de tais
dificuld ades e de outras de seus alunos, mas, com justificativa de falta de temp o e
incentivo, omitiam-se e d eixav am os estudantes p ermanecerem n a esco la até o desestímulo
comp leto e o abandono escolar.
Em que p ese a p ossibilidad e dos p rofessores p restarem maior atenção nestes
alunos, a p recariedade com que conseguem dirimir os p roblemas da formulação de u ma
nova abordagem metodoló gica impede que tenham u m cu idado específico com a
deficiência de cada um dos estudantes.
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229
Nesse contexto, a forma tradicional como o ensino é transmitido a eles torna-se
“inteiramente ineficaz”, visto que o p róp rio fato de estar na sala de aula é motivo de
desmotivação e d esinteresse p or p arte dos alunos. Isto decorre da ausência de correlação
entre as teorias ministradas em sala de aula e as relaçõ es sociais presentes na quadra de
esp ortes ou no âmbito familiar.
Não é sem razão que, nas oficin as de d esenvolvimento do p resente estudo, os
estudantes se exp ressam através de p eças teatrais, desenhos e músicas, p orquanto estas são
meio mais p róximos e dinâmicos de evid enciar a realid ade da comun idade
125
. Aliás, são
práticas de inclusão co mo estas que possibilitam a eles u m refletir acerca do mundo e de
suas relações sociais.
A sala de aula, na esteira do eviden ciado, é o local menos ap reciado p ela
maioria dos estudantes. Por outro lado, a escola é um local onde os estudantes gostam de
permanecer, afinal, a escola acab a p or ser um centro onde todos aqueles jovens podem se
reunir. O p aradoxo é reflexo da contradição entre o desejo de se exp ressar e de produzir
conhecimento e a decadên cia do ensino nacional.
Conclusão
A relação v isceral entre educação e d ireitos humanos no Brasil, sobretudo, ap ós
a Constituição de 1988, é uma realidade que precisa ser rep ensada e revista, devido ao seu
imp ortante p ap el de human ização do ensino e inclusão social, esp ecialmente p ara as
camad as da p opulação de rendas mais baixas e excluídas do sistema. Ao mesmo temp o, e
como que num p arado xo, não p arece ter seu p ap el valorizado p elo Estado, o qual, p elo
menos nos últimos 40 anos, tem sido omisso com relação às p olíticas p úblicas de
valorização dos direitos humanos na educação, cu ja maior conseqüência é o
desmantelamento estrutural e qualitativo e a dep reciação da imagem social da esco la.
Além disso, evidenciou-se um modelo arcaico de ensino, em que o sistema
conhecimento-avaliação-nota se constitui num verdadeiro trip é dogmático de u ma
pedago gia da discip lina, muito mais que da ap rendizagem. A escola p ública p assa p or
sérias dificuld ades de contextualizar seu conhecimento, de fomentar o p razer na
125
Uma das vantagens da utilização da arte no processo educacional é a característica de abertura da linguagem artística
para diversas interpretações, possibilitando maior expressão do aluno e relação com as práticas sociais. Sobre o assunto:
NUNES, 2007.
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230
aprendizagem e d e não se p erder no abstrato de conteúdos feitos p ara fins unicamente
vestibulares (in gresso na Universidad e).
Ainda hoje, o método de ensino majoritariamente utilizado em âmbito nacion al
é o expositivo-exp licativo, também conhecido co mo “educação b ancária”, em que o
educador, p osicionado de forma hierarquicamente sup erior como o detentor de todo o
saber, transfere e d ep osita valores e conhecimentos p ara o alunado, que p or sua vez
assimila e rep ete o que lh e foi transmitido sem p erceb er o seu real significado, de forma
acrítica e, p ortanto, ineficaz.
Daí surge à necessidade d e buscar outras formas de ensino, como a Educação
Pop ular, baseada na p edago gia lib ertadora de Paulo Freire - segundo a qual a educação
deve ser entendida como p rocesso de conscientização libertária, ou seja, efetivação da
cidadan ia p lena na con cretização do ser enquanto sujeito histórico atuante – visando, com
isso, o pleno desenvolvimento do educando e sua efetiva inserção no mundo co mo agente
de efetiva transformação.
Ao cabo, conclui-se que a educação se tornou um meio eficaz de manutenção do
status quo do sistema exclud ente brasileiro, culminando nu ma p rática violadora dos direitos
humanos, p orquanto não p roporciona a valorização do homem e, p or conseguinte, a
humanização do ho mem. Passo imp ortante é a revisão das práticas p edagógicas incap azes
de lid ar co m a heterogeneid ade dos estudantes e de p rop orcionar uma visão críticas de u ma
massa de descamisados.
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232
PARE, OLHE E ES CUTE: direitos humanos e educação quilombola
126
Elio Chav es Flores
127
Eduardo Fernandes de Araú jo
1. Compreendendo a questão e identificando desafios
A necessidade de uma introdução para comp reensão se faz necessária no momento em
que o titulo do texto busca discutir as relaçõ es entre direitos humanos e a educação
quilombola, através de u m aviso anterior: PARE, OLHE e ESCUTE. A resistência e
conquista de espaços p olíticos p elas comunidades quilombolas são de extrema importância
quando se desloca p ara além da historiografia as p esquisas e p ráticas levando-as para um
plano de discussões que envolv em direitos humanos e a qu estão educacional. Letícia
Osório ap onta a imp ortância da exp ressão quilombo, em sua co mposição como crítica às
instâncias e manifestações governamentais, ou seja, uma resistência real que traz consigo
um dos elementos fundadores do Estado brasileiro – o p eríodo da escravidão e diásp ora
african a – e o seu caráter atual a p artir da constituição identitária:
A p alavra “quilombo” é símbolo de resistência negra cuja origem
remonta a época escravista. No camp o político, essa categoria
manteve um sign ificado latente de crítica manifesta à lógica
ideoló gica de governo, sendo u m símbolo de identidade étnica
(2005, p .30).
O temp o frenético em que estamos inseridos e as resp ostas automáticas aos desafios que
são p ostos diariamente no camp o dos direitos humanos, seja em face da sua contínua
violação diária ou na p erspectiva da maior incidência da leitura p olítica, jurídica,
econômica e cultural da temática, p ossibilitam novos diálogos que não p odem ser
analisados gen ericamente.
A Universidade Pública através de p rogramas, projetos, seminários, cursos, debates e
outras atividades afins, vêm criando novos esp aços p ara constituição plural de temas
polêmicos: relaçõ es de gênero, religiosidade, sexualidade, discriminação racial, v aloração
126
P rofessor do Centro de Ciência Humanas, Letras e Artes (CCHLA) da Universidade Federal da P araíba (UFP B) –
correio eletrônico: [email protected]
127
Mestrando do P rograma de P ós-Graduação em Ciência Jurídicas (PP GCJ) da UFPB, Área de Concentração em
Direitos Humanos – correio eletrônico: eduardofernandes@ terra.com.br
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233
da cultura p opular, acesso à comunicação e terra. As questões ap ontadas geram a
necessidade de a Universidad e amp liar a sua próp ria reflexão enquanto centro de pesquisa,
ensino e extensão. Desta forma, a p ossibilidade de apresentação de um trabalho no camp o
acadêmico estimula a reflexão sobre esse esp aço p rivilegiado, visto que, ao discorrer sobre
o tema edu cação quilombola, muito mais p rofícuo seriam qu ilombo las deb atendo e
escrevendo sobre o assunto, o que infelizmente ainda é raro.
Ap esar do temp o decorrido entre 1824 e 2007, vale lembrar que a negação de direitos
remonta a p rópria construção e formação do Estado Brasileiro : os escravos eram
desp rovidos dos direitos sociais e p olíticos, uma vez que a Constituição de 1824 não lhes
garantia o exercício da cidad ania (DOMINGUES: 2007, p . 25). Toda engrenagem histórica,
econômica, social e racial que p erp etuaram desigualdades gigantescas na estrutura da
sociedade brasileira n ão serão enfrentadas nesse esp aço, p orém, não p odemos olvidar qu e o
esforço de compreender a questão da cultura e da edu cação p erp assa p or uma re-leitura
jurídica, p olítica e histórica d a nossa formação.
Para tais considerações, bastaria lembrar o diálogo traçado p or Paulo Freire, no livro
Pedagogia do Oprimido, no qual ele cond iciona tais construções subterrâneas e vivas até os
dias atuais em um p rocesso de b aixa auto-estima e da referência ao “Doutor” como o
conhecedor e exp licador da verdade. Nesse instante p olítico brasileiro, em que as
comunidad es quilombo las não querem mais a palavra do “Doutor”:
De tanto ouvirem de si mesmos que são incap azes, que não sabem
nada, que não p odem saber, que são enfermos, indolentes, que não
p roduzem em v irtude de tudo isto, terminam p or se conv encer de
sua “incap acidade”. Falam de si como os que não sabem e do
“doutor” como o que sabe e a quem d evem escutar (FREIRE:
2005, p. 56).
Nas décadas de 1980 e 1990 muito se discutiu sobre as características, conceitos,
metodologias e p ráxis de uma educação d iferen ciad a voltada p ara grupos socialmente
discriminados, esp ecialmente as co munidades indígenas e afro-brasileiras. Imp ortante
destacar que o movimento negro urbano na década de 1970 res gata o elo entre os
quilombos e as rep resentações sociais, p olíticas e culturais que irão nortear a d estacada
particip ação desse movimento na construção de p autas p olíticas no camp o da educação e da
cultura:
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HUMANOS DA UFPB
234
Para a militância negra – p elo menos a emergente nos anos 70 -, o
quilombo também ap areceria como símbolo a ser agenciado. E isso
não apenas sob influencia dos intelectuais acadêmicos. Podemos
p ensar de forma inversa. Poder-se-ia dizer que ela “resgatou”
muitos dos significados dos quilombos (heróis em luta, resistência
cultural, etc.) (GOM ES: 2005, p . 29).
O tema vem tomando novos contornos e surgem desafios contemp orâneos de extrema
relevân cia, que envolv em não ap enas uma constatação local, mas sua implicação em um
cenário global. Vários autores e autoras vêm alertando p ara a necessidade de concretizar
caminhos através de uma reflexão e ação que perp asse p ela construção de novos
paradigmas e análises entre igualdade e diferença. Entende Boaventura Santos que se faz
necessário a comp reensão e equ ivalência entre os p rincíp ios da igu aldad e e do
reconhecimento da diferença e, p or isso, a partir delas, far-se-á as p onderações entre as
articulações locais, regionais e globais p ela conquista d a dign idade humana e seu esp aço
privilegiado de construções autônomas e emancip atórias (SANTOS: 2006, p. 440).
O direito à diferença e à igualdade é semp re central p ara a razão que estabelece
quem é diferente ou igual? Afinal de contas, de que diferença e de qual igualdad e estamos
nos referindo? Qual o nosso referencial p ara igualdade? Quais são as v ariáv eis p ara
perceber a diferença?
Nas relações étnico-raciais no Brasil, tais p ersp ectivas são ap resentadas a partir de
múltip las ap roximações e d istanciamentos conceituais no camp o da próp ria reflexão do que
são ciência e racionalidad e nas relações do ensino, pesquisa e extensão nas Universidades
brasileiras. Não é surp resa que tais d iscussões ganhem imp ulso quando falamos n a atuação
e concepção de uma edu cação em direitos humanos. Assim como o p róprio conceito de
ciência, o direito humano à educação passa por uma transição p aradigmática, que sup era a
dimensão curricular e, nesse sentido, está p resente na construção de um direito étnico-racial
que restitui a voz sufocada dos grupos vulneráveis. Não p odemos definir a educação
quilombola ou diferenciada p ela avaliação de u m p rojeto p olítico-pedagó gico escolar e/ou
metodológico (PARE), mas conco mitantemente p or crivos p olíticos e jurídicos (OLHE),
potencializados a p artir dos desígn ios das p róprias comunidades sobre que tip o de educação
está sendo p ensada e executada no cotidiano (ESCUTE).
A constituição do PARE enquanto momento de reflexão sobre os marcos locais de
uma comp reensão histórica da sala de aula em uma comun idade quilombola, a constatação
do OLHE p elo prisma da legislação e normativas que tratam da questão e, pela p revalência
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do ESCUTE, enqu anto construção dialó gica entre as comunidades e as concep ções
construídas em p rol de uma solidificação de um direito étnico-racial que v islumbre um
paradigma p lural p olítico e jurídico.
2. Direitos Humanos e os projetos políticos pedagógicos em comunidades quilombolas
– PARE
A discussão sobre direitos humanos é u m p onto imprescindível p ara se pensar e
executar uma educação quilo mbola que asp ira a autonomia das comunidades em lidar com
sua relação esp acial no cotidiano das salas de aula. Ap enas a p artir de uma reflexão interna
surgida nas p róprias escolas localizadas em Comunidad es Quilombolas p oder-se-á alcan çar
e entender o momento p olítico social que cada uma delas atravessa. Imp ortante destacar
que mesmo em u m p lano p olítico p edagó gico geral ou constituição de modelos que sirva
para uma comunidade, poderá não ser eficaz em outra. O p lano p olítico p edagó gico de u ma
escola quilombola p oderá ser diferenciado em relação às outras comunidades, levando em
conta a peculiarid ade h istórica, a cu ltura regional e esp ecificidades locais, sem abrir mão de
um ensino geral que p ossibilite o diálo go com outras realidades.
Investigar o presente de u ma comunid ade quilombola, sem a fo lclorização do p assado e
com vistas a lançar construções em um futuro, no qual as vozes outrora sufocadas p ossam
prop ugnar p or novos direitos p rovenientes de tensões e regulações diárias:
O tempo p resente – o quilombo contemp orâneo – é um momento
histórico com um olhar no p assado – o aquilombamento de
escravizados(as) – e é neste trânsito temp oral (p assado, presente,
futuro) que a cultura africana ao ser retomada se ressignifica, se
redimension a, na conformidade de u m temp o que não é do
“cosmos”, é da existência de crian ças e jovens alijadas de um saber
que os p rojete, segundo seus desejos, a um futuro idealizado
(NUNES: 2005, p .155).
Nesse sentido colocado por Georgin a Nunes é que se p ode p artir p ara encarar a
realid ade na atuação e concepção de direitos humanos como um horizonte a ser semp re
disp utado e conquistado. Definir a educação quilombo la ou diferenciada p ela avaliação de
um p rojeto p olítico-p edagógico (PPP) esco lar e/ou metodoló gico (PARE), não é suficiente,
mas é imp ortante constatar e historiar como o PPP foi constituído. Viven ciar e retomar a
discussão dos modelos p ré-estabelecidos p or p olíticas municip ais, estadual e nacional de
educação, p oderá ajudar a romper com imp osições id eoló gicas e normativas qu e interferem
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no cotidiano. A consideração de que os direitos humanos e a edu cação quilombo la dev em
partir da contextualização e indagação, n ão p ode ser ap enas uma p remissa teórica, mas
fundamentalmente p rática. Nesse sentido algumas questões podem auxiliar o p ercurso:
Necessidade urgente de se fazer co m que as exp ressões culturais,
as análises e histórias negras, sejam levadas à sério nos círculos
acadêmicos, em lu gar de serem atribuídas, via a idéia de relações
raciais, à sociologia e, daí, abandon adas ao cemitério dos elefantes
no qual as questões p olíticas intratáveis vão aguardar seu
falecimento...É a luta p ara tornar os negros p ercebidos como
agentes, como p essoas com cap acidades cognitivas e mesmo com
uma história intelectual – atributos negados p elo racismo moderno
(GILROY: 2001, p .40).
Essas questões podem ser consideradas p ontes que p ossibilitam a contextualização e
a p roblematização d as relações locais, elevando do esp aço lo cal as p ossibilidad es de
interferência em d inâmicas qu e se estabelecem nas escolas em co munidad es quilombolas.
Obviamente que essa abordagem só poderá ser desenvolvida a p artir do momento que a
próp ria comunidad e quilo mbola esteja com sua auto-estima res gatada e consolid ada, p ara
que não seja mais uma vez suplantada em seus anseios e dúvidas em construção por outra
ideolo gização que, deixando de ser do Estado-Governo, p assa a ser imposta p or atores
particularistas,
tais
como
as
Organizações
Não-Governamentais
e
instituições
internacionais de finan ciamento.
3. Lutas jurídicas, curriculares e territoriais – OLHE
Além da criminalização do racismo, a Constituição de 1988 p roduziu importantes
elementos p ara reconsideraçõ es curriculares que tardaram a chegar ao universo esco lar.
Pesquisadores das questões raciais contemp orâneas na Rep ública consid eram que o p rojeto
de igualdade racial contido na Constituição de 1988 chega a ser imp onente. Entende-se
mesmo que houv e uma nova rep resentação da África n a concepção da n acionalid ade
brasileira. Passaram a ser considerados brasileiros, p or exemp lo, os naturalizados “que, na
forma da lei, adquiram a n acion alid ade brasileira, exigidas aos originários de países de
lín gua p ortuguesa” (Art. 12, II). Nos ordenamentos jurídicos anteriores, essa p rerro gativa
só cabia aos nascidos em Portugal. O Estado brasileiro, ao reconh ecer a lusofonia, garante
aos africanos nascidos em An gola, M oçambiqu e, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e
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Príncip e a mesma condição para a nacionalidade. Da mesma forma, o Estado p assa a
proteger “as manifestações culturais indígen as e afro-brasileiras”, tornando imp erativo que
em lei ord inária se fixem “as datas comemorativas de alta significação p ara os diferentes
segmentos nacionais” (Art. 215, § 1.° e 2.°). De modo que a Constituição Fed eral defin iu o
caráter pluriétnico da socied ade brasileira (SILVA JR.: 2000, p p . 374-6). Parece ser correto
postular, p ortanto, que é p elo ensino de História que as p essoas p odem saber “o que
aconteceu, p or que aconteceu e, conseqü entemente, como as p olíticas p úblicas qu e p rovêm
de acontecimentos históricos ou modelam esses acontecimentos p odem servir ao b em
comum” (FRANKLIN: 1999, p. 379).
No caso das datas nacionais, as efemérides de celebração, a lei ap enas referendav a
uma rup tura dos movimentos afro-brasileiros da década de 1970 que, rep udiando a história
oficial do Abolicionismo, p assaram a reconhecer o 20 de novembro como o dia da
libertação, elegendo Zumbi dos Palmares, co mo o negro de maior significação simbólica na
construção da liberdade. A v irada p ela instituição d e uma nova história torna-se
fundacional p ara o p rotagonismo negro no Brasil contemp orâneo. Uma idéia acabou
ganh ando força, lan çada nacionalmente em 1971 p elo Grup o Palmares, de Porto Alegre, no
Rio Grande do Sul. O seu mais ativo articulador, o p oeta Oliveira Silv eira, tem registrado o
início d esse p rocesso que consubstanciaria as lutas anti-racistas dos movimentos negros que
se unificaram no d ecorrer da mesma década. Esses ativistas do Grupo Palmares se reuniam
desde a décad a anterior e continuaram p ensando a questão negra, mesmo co m o fim da
democracia e dos golp es sucessivos de 1964 e 1968. Assim conta Oliveira Silveira: “Na
roda, tendência à unanimidad e. O treze não satisfazia, não havia p or que comemorá-lo. A
abolição só havia abolido no p ap el; a lei não determinara medidas concretas, p ráticas,
palp áveis em favor do negro. E sem o treze era p reciso buscar outras datas, era p reciso
retomar a história do Brasil. Nas conversas, a Rep ública, o Reino, o Estado, os quilombos
de Palmares (Ango la Jan ga) foi o que lo go desp ontou na vista d'olhos sobre os fatos
históricos” (SILVEIRA, 2003, pp 24-4).
Esse direito à h istória e, p ortanto, ao p assado e ao p resente, permitiu que se p udesse
resp eitar aquilo que Fernand Braudel chamou de “as Áfricas vivas no Novo Mundo”, p ois o
Art. 216 determina que “ficam tombados todos os documentos e sítios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quilombos”. O Estado p assou a ter a obrigação de
reconhecer e emitir títulos de p ropriedade da terra às comunidades remanescentes:
comunidad es rurais n egras e co munidad es quilo mbolas. Com efeito, seria no título das
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Disp osições Constitucionais Gerais que o legislador incorp orou as p ráticas e rep resentações
dos movimentos sociais ind igenistas e africanistas. Gravou-se na lei maior que “O ensino
de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias p ara a
formação do p ovo brasileiro” (Art. 242, § 1.°).
Além de se afirmar, co mo já salientamos, o caráter p luriétnico da sociedad e
brasileira, o sistema edu cacional (fundamental, médio e sup erior) deveria considerar as
matrizes culturais da formação histórica brasileira. A persistência do cânone da mestiçagem
não imp ediu que essas p equenas revoluções juríd icas ap ontassem para a história do Brasil
multirracial e se descobrisse a tessitura do Atlântico negro, p lasmado pelos africanos
diasp óricos. M uitos p esquisadores antecip aram os pressup ostos jurídicos, outros fizeram
avançar a idéia d e qu e sem a historicidad e d a África e dos afro-brasileiros, as
temp oralidades do Brasil ficariam incomp letas e, quiçá, in inteligív eis (COSTA E SILVA,
2000; VILHENA, 1997).
Na década de 1990, com a regu lamentação de muitos artigos da Constituição de
1988 e, esp ecialmente, com a entrada em vigor da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei N.° 9394/96), p assou-se à elaboração dos Parâmetros Curriculares
Nacionais p ara a Educação Básica, que elegeu a diversid ade cu ltural co mo um dos temas
transversais da educação p ara a cidadan ia (MEC, PCNs, 2001). Ao final do século 20, os
educadores se defrontaram co m a p rop alada diversidad e cultural n a estrutura curricu lar e
com os temas transversais no que concerne aos conteúdos das discip linas. Por isso que as
lutas culturais e jurídicas aind a estão na ordem do d ia dos p rotagonismos africanistas. A Lei
N.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003, foi um passo imp ortante p ara o ensino de História da
África.
O conteúdo p rogramático de História e Cultura Afro-Brasileira deve inclu ir,
conforme manda a lei, o estudo de História da África e dos africanos, a luta dos negros no
Brasil, a cu ltura negra brasileira e o negro na formação d a sociedade nacional. Assim, ela
ordena a reconfiguração curricular e tende a influ ir na cultura esco lar, n a medida em qu e se
desdobrou nas diretrizes culturais p ara esse novo século. Pode-se dizer que a determinação
legal tem estimulado projetos editoriais e que obras surgidas de exp eriências africanistas
começam a ficar acessíveis para p rofessores e alunos (LOPES, 2004; HERNANDEZ,
2005).
Nessa conjuntura em que p assam a ser imp lantadas algu mas exp eriências de açõ es
afirmativas, destaca-se a homolo gação da R esolução N.° 1, de 17 de junho de 2004, p elo
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Conselho Federal de Educação, que institui as Diretrizes Curricu lares Nacionais p ara a
Educação das Relações Étnico-Raciais e p ara o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e African a. Os relatores sustentaram “p olíticas de rep arações, de reconhecimento
e valorização d e açõ es afirmativas” e, no âmbito da educação d as relações étnico-raciais,
apontam p ara a ressign ificação do conceito raça no contexto das lutas anti-racistas.
Os valores da africanidade são continuamente destacados n as Diretrizes, mas não s e
pode dizer que isso é feito a p artir de argumentos essencialistas. Entendemos que a crítica
ao cânone socioló gico − Gilb erto Freyre semp re reiterou nos p refácios de seus livros que
fazia História Social − é consoante à forma com a qual historicamente o p ensamento social
brasileiro interp retou a nação, feita, construída e imaginada: “Ainda p ersiste em nosso p aís
um imagin ário étnico-racial que p rivilegia a brancura e valoriza p rincip almente as raízes
europ éias da sua cultura, ignorando ou p ouco valorizando as outras, que são a indígen a, a
african a e a asiática” (MEC: 2005, p . 14). O texto das Diretrizes sustenta que a p ragmática
para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana deve p artir dos seguintes
princíp ios: 1) consciência p olítica e histórica d a diversid ade; 2) fortalecimento de
identidades e de direitos; e 3) ações educativas de comb ate ao racismo e a discrimin ações.
Tudo isso chega lentamente p ara os protagonistas da educação e aind a é simp les começo
nos sup ortes p ara a sala de aula (FLORES, 2006, p p . 75-92).
No que concerne à História da África, destaca-se a su gestão p ara o estudo de
temáticas em torno da modernidade, privilegiando-se as grandes teses do Atlântico Negro:
a ocup ação colonial na p ersp ectiva dos africanos; a descolon ização e seus imp actos na
Europ a e América; as relações entre as culturas e as histórias dos p ovos do continente
africano e os da diáspora; vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus
descendentes na América; relaçõ es p olíticas, econômicas, culturais e educacionais entre a
África e o Brasil. O texto também encaminha p ara estudos de caso e p esquisas biográficas
sobre o p rotagonismo de p olíticos, cientistas, escritores e intelectuais africanos, na
persp ectiva de sup erar a rep resentação de uma África sem criação tecnoló gica, tradição
artística e luta social. Para o ensino de história afro-brasileira determin am-se, entre outros
conteúdos, ações, p rotagonismos e organizações n egras, co mo a h istória dos quilombos e
dos remanescentes dos quilombos “que têm contribuído p ara o desenvolvimento das
comunidad es, bairros, localidades, municíp ios e regiões” (MEC, 2005, p . 21). Sugere-se
que as Universidad es incluam d iscip linas em seus cursos, criem grup os de estudo e de
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pesquisa e que realizem av aliações sistemáticas sobre as exp eriências em p rocesso das
diretrizes p ara a educação étnico-racial.
Para que a africanidad e brasileira não seja mais uma ilusão da década seria p reciso,
então, reconstruir p elo menos duas tradições rep ublicanas: a juríd ica e a escolar. A
igu aldad e p rocedimental, essencialmente formalista, que, a rigor, seria assegurada p elas
políticas universalistas, é negada à p opulação afro-brasileira no momento mesmo em qu e se
insere no debate a concretude d as relações econômico-sociais, dos d ados judiciais, das
estatísticas dos homicídios e dos nív eis de morad ia e esco larização. Com efeito, desde p elo
menos a década de 1970, a p artir dos estudos p ioneiros de Carlos Hasenbalg e Nelson do
Valle Silva, as análises dos censos, amostras e estatísticas sobre as relações raciais no
Brasil demonstram as profundas disp aridades sócio-econômicas entre as matrizes culturais
brasileiras, sendo visíveis, à luz de realidades matemáticas e sociais, o p reconceito, a
discriminação e o racismo econô mico (HASENBALG, 1979; HASENBALG E SILVA,
1992; GUIM ARÃES, 2004).
Para que o direito não se situe como o muro intransp onível ao caminho da justiça e
para rep ublicanizar a demo cracia, muitos juristas e p esquisadores defend em a p romoção da
igu aldad e material, cujo p rincípio seria reconhecer juridicamente as enormes discrep âncias
de op ortunidades, p restígio e poder de grup os racialmente discriminados, como no caso de
pop ulações negras e indígenas. O p ap el ativo do Estado na p romoção da igu aldad e material,
com p osturas e p olíticas de fru ição de direitos, não fere a universalidad e d a lei, ao
contrário, antes assegura a materialid ade da justiça e a realização da cid adania (GOM ES,
2003; PIOVESAN, 2002). Seria aquilo que John R awls vem p ostulando, no p lano
internacional, como a “recon ciliação com o nosso mundo social” a partir da razão pública e
da “democracia decente”. Parece não restar dúvida de que o mito da d emocracia racial deunos o legado de uma “sociedade on erada” (RAWLS: 2004, p . 138). O problema, como
disse Rawls, reside nas tradições p olíticas, nas instituições de Direito e de Dever, nas
culturas escolares, nas formas exclusivistas de p rop riedade (p rivada e estatal), na estrutura
de classes e nas crenças étnico-raciais hierarquizadas.
Portanto, entendemos que, à luz dos direitos humanos, algumas exp eriências d e
educação quilombola qu e se
v em
p raticando nas co munidad es e
territórios
afrodescendentes são dignas de uma análise mais acurada. Os desafios p ara a
universalização com igualdad es e diferenças nos direitos humanos estão constituídos entre
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conceitos, p remissas e instâncias, todos relacionados através de construções e contradições
políticas históricas, como ap ontam M arcon e So gbossi:
Em temp os de discursos globalizantes, p or um lado, ou
etnicamente centrados p or outro, e da p roliferação de conquistas de
direitos p or diferentes grup os sociais h istoricamente oprimidos,
temos de ap reender a lidar com os diferentes discursos, as
diferentes concep ções de mundo e d as diferentes culturas, com
instrumentos pedagó gicos eficazes na p rodução do conh ecimento e
ao mesmo temp o cap azes de respeitar o desenvolvimento das
diferenças p ara que façamos da nossa prática pedagó gica um
exercício de mediação n a p rodução de conhecimento (2007, p .15).
Outro asp ecto é que todas essas nuances são p ermeadas p or marcos normativos e
legislativos que aco mp anham o desenvolvimento das relações sociais e econômicas. Olhar
a legislação que interfere diretamente na questão da educação quilombo la é um dos
imp erativos p ara comp reensão da formação do p róp rio Estado brasileiro, porém não basta
apenas lançar u m olh ar, mas investigar e p rop or alternativas viáveis p erante instrumentos
legais consolid ados, porém em muitos casos sem a devida eficácia cotidiana ou
desconhecimento p or p arte dos educadores. A comp reensão de que a Constituição de 1988
é a matriz norteadora das relações jurídicas e legislativas, assim como irradiadora de
princíp ios nas intervenções do Estado na socied ade também são co mp onentes estruturais da
próp ria educação quilo mbola. A base p olítica pluralista na qual foi concebida a
Constituição Brasileira não atin giu a mesma densid ade no p lano juríd ico e social. A
convivência do pluralismo p olítico com um pluralismo jurídico não tem uma boa recep ção
pelos
juristas brasileiros,
notavelmente influenciados p elo p ositivismo
europ eu,
esp ecificamente da escola alemã. Nesse sentido, as críticas a esse p ositivismo ap enas
consegu em avançar em outras áreas do conhecimento, como a antrop ologia, história,
sociolo gia e filosofia, como p ouca rep ercussão no camp o cotidiano do mundo juríd ico.
Alfredo Wagner Almeid a considera que o direito p lural começa a ser p ercebido p elo
Estado, nas construções p rovenientes das rep resentações sociais, p rincip almente a partir da
Constituição de 1988. Com efeito, se por um lado crescem as críticas ao positivismo, esse
mesmo absolve no ordenamento jurídico as exp ressões que se relacionam com as
diferenças, p luralidade p olítica e reconhecimento de direitos étnicos, p rincip almente nos
camp os indígen a e quilombola. As discussões sobre as identidades e a construção histórica
do “p ovo” brasileiro, p ossibilitaram o afloramento dessas lin guagens e as an álises
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assumidas a p artir de constatações locais, evid enciando que a historiografia oficial não
contemplou as diferenças (ALMEIDA: 2005, p . 15). A coalizão dessas análises no Estado
brasileiro, com discussões glob ais sobre modernismo e p ós-modernismo, coloca em
evidência novos atores sociais, refaz paradigmas que não eram questionáveis e p luraliza os
focos de resistências contra u ma glob alização cru el, prop orcionando reflexões legislativas e
jurídicas novas que necessitam de u ma co mp osição com outras áreas do conhecimento,
como ap onta M anuel Castells:
Não é difícil con cordar co m o fato de que, do p onto de vista
sociológico, toda e qualquer identidad e é construída. A princip al
questão, na verdade, diz resp eito a como, a partir de quê, p or quem,
e p ara quê isso acontece. A construção de identidades vale-se da
matéria-p rima forn ecid a pela h istória, geo grafia, biolo gia,
instituições p rodutivas e rep rodutivas, p ela memória coletiva e p or
fantasias p essoais, p elos ap aratos de p oder e rev elações de cunho
religioso (2005, p . 23).
Essas relações atribuídas ao con junto jurídico local, regional e nacional
prop orcionam mais de uma leitura satisfatória aos múltip los atores sociais. No caso das
comunidad es quilo mbolas, a reflexão jurídica também está intrinsecamente ligad a aos
avanços e retrocesso legislativos, co mo conseqü ência de lutas históricas p elo direito de
reconhecimento das suas diferen ças e conquista da igu aldad e p erante outros segmentos
sociais. Assim, as suas reivindicações, en contram legitimidad e em importantes
instrumentos de p roteção às identidad es racialmente discriminadas, entre outros, a
Conferência de Durban (2001), a Convenção 169 d a Organização Internacional do Trabalho
(ratificada p elo Estado Brasileiro em 2002), o Plano Nacional de Educação e o Plano
Nacional d e Educação em Direitos Humanos.
4. O que querem aqueles que falam – ES CUTE.
Quem, melhor que os op rimidos, se encontrará p rep arado p ara
entender o significado terrível de uma socied ade opressora? Quem
sentirá, melhor que eles, os efeitos da op ressão? Quem, mais que
eles, para ir compreendendo a necessidade de libertação?
Libertação que não chega p elo acaso, mas p ela p ráxis de sua busca;
p elo conhecimento e reconhecimento da necessidad e de lutar p or
ela (FREIRE: 2005, p. 34).
Paulo Freire nos chama ao debate, p ara que possamos ter mais atenção em escutar,
de p artir das p ráticas p ara uma concep ção na qual a alteridade seja resp eitada e exercida nas
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relaçõ es cotidianas. Nesse sentido, quando as falas são incorporadas às reflexões e ações, as
relaçõ es entre direitos humanos, educação qu ilombo la e os p rotagonismos dos movimentos
sociais não se situam apenas no temp o p resente, isto é, no lócus das disp utas jurídicas. Elas
também p ossuem suas p róp rias historicidades. Uma das p rincipais p reocup ações dos
movimentos negros semp re foi a defesa da educação como forma de combater o racismo
social e econô mico. No documento, “Frente Negra Brasileira − Suas finalidades e obras
realizadas”, escrito p or Raul Joviano do Amaral, em 1936, era defend ida uma educação
étnico-racial: “O escop o de nossa organização é cuidar da educação co letiva, quer entre
adultos, em vários graus e aspectos, como, e p rincip almente, entre as crianças, desde o
curso p rimário até as noções necessárias para as lutas quotidianas do trabalho” (In:
FERNANDES: 1978, p. 51).
A educação coletiva p ara o trabalho advém de um sentimento quilombista de que o
indivíduo n ão se salva sozinho. O forte sentimento de co munidade dos movimentos negros
das décadas seguintes tornou possível a p erspectiva de uma edu cação quilombista, que se
pode p erceber em v ários docu mentos da ép oca. No primeiro número do jornal Quilombo,
de dezembro d e 1948, Haroldo Costa publica o artigo “Queremos estudar”, em que termina
com esp erança de que a situação edu cacional dos negros iria melhorar: “não estará lon ge o
dia em que todos os negros do Brasil sejam admirados p ela sua natural lucidez e instrução
adquirida e n esse dia os nossos filhos não ap renderão como hoje em seu livro de geo grafia:
de todas as raças, a negra é a mais ignorante” (QUILOM BO, 1948, p . 4). Haroldo Costa
não dissociava a educação da cultura, da arte e da organização p olítica p regando a “união
da gente de cor”. Entre a esperança e as lutas p olíticas, as reivindicações p assam p or
elaborações conceituais e veremos nos escritos de Abdias Nascimento uma definição mais
precisa de educação quilombista.
Abdias do Nascimento, desde a década de 1940, já postulava os níveis elevados de
uma educação para a p op ulação de matriz cultural africana, então p redominantemente
afastada das excelentes escolas p úblicas dos brancos. In cansável negritudinista, lá já se vão
26 anos que Abdias Nascimento, em conferência na Câmara dos Dep utados dos Estados
Unidos, no dia 11 d e fevereiro de 1980, defenderia, mais u ma v ez, os p ressup ostos de uma
educação quilo mbista:
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O Quilombismo comp reende n ão ser suficiente obter pequenas
concessões de caráter empregatício ou de direitos civis, no
contexto da sociedade branca dominante no p aís. O nosso se
configura como u m p roblema de direitos humanos, d ireitos de
soberania, d e autodeterminação e de p rotagonismo histórico. (...) O
Quilombismo p õe sua p rimeira ênfase na crian ça: desde a
assistência p ré-natal às mulheres gráv idas, até à creche, à
distribuição de alimentos e serv iços de saúde, moradia d ecente, e o
ensino em todos os níveis ─ do p ré-escolar ao sup erior. (...) Outra
urgente p rioridad e do Quilo mbismo é a recup eração do nosso autoresp eito e da nossa história. Todos os níveis da educação dev em ser
gratuitos e abertos, sem distinção, a todos os membros da
sociedade quilombista. A história africana, a verd adeira imagem de
nossas civilizaçõ es, deve ter u m lugar eminente nos currículos
escolares, e as crian ças d evem ser alertadas p ara o fato de qu e essa
educação constitui uma resposta às distorções racistas inventadas
p ela
ciência
européia
para
assegurar
sua
dominação
(NASCIM ENTO: 1982, pp . 32-4).
Essa historicidade d e luta p ela edu cação quilo mbista demonstra que as comunid ades
territoriais quilombolas, em processo de reconhecimento, não são simplesmente uma
invenção dos temp os multiculturalistas. Elas têm raízes p rofundas na ancestralid ade
brasileira e, por isso mesmo, Abdias Nascimento p ode não somente rejeitar o
eurocentrismo, mas mencionar
a construção
da
p róp ria
sociedade
quilomb ista
contemporânea:
A sociedade quilombista não é uma sociedad e exclusivista de
negros; ela é d e todos os brasileiros, brancos, negros, índios e
orientais; uma sociedad e igualitária em todos os sentidos,
consciente de que, p ara p oder ser igualitária no sentido racial, uma
sociedade
necessita
p reviamente
rejeitar
os
fundamentos
inerentemente racistas da ch amada civ ilização ocidental-cristã
(1982, p . 34).
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Nesse sentido, a p osição de Givânia Silva, pertencente a Comunidade Conceição
das Crioulas, localizada no municíp io de Salgueiro, Pernambuco, torna-se imp ortante p ara
as nossas p rop osições: “Nossa educação não pode estar desvin culad a da luta p ela terra, que
é tão imp ortante p ara nós”. Portanto, p erceber que as relaçõ es entre territorialidad e e
educação dev em ser estimuladas e comp artilhadas com outros segmentos da socied ade,
assim como p elos que produzem teoricamente sobre os direitos humanos, exp ande o camp o
de atuação e conhecimento nas áreas distintas da produção acadêmica, assim como as
particularidades e desafios metodoló gicos do qu ilomb ismo para a teoria, pois o contrário
provou-se menos transformador.
Ao atores acadêmicos atuantes nas escolas rurais ou urban as, ap enas p odem
contribuir se estiverem disp ostos a trocar conhecimentos e transformar padrões, enfim,
assumirem o comp romisso com uma edu cação emancip atória, na qual o p rotagonismo
daqueles que fazem o esp aço da educação se torne uma constante p ersp ectiva de
enfretamento contra-hegemôn ico. Na Comunid ade Quilo mbola d e Conceição d as Crioulas
a p rioridade n a questão d a edu cação é uma referência nacional. Givân ia Silva, p rotagonista
quilombola, destaca em seu depoimento: “nosso esforço é no sentido d e deixar a esco la em
sintonia com a realidad e local. O calendário escolar, p or exemp lo, já é outro. O recesso do
meio do ano n ão é em julho, mas sim em agosto quando também ocorrem nossas festas”.
Em p esquisa de camp o realizada em Conceição das Crioulas entre os meses d e
junho e julho de 2007, as p ossibilidades de construção do direito (e os direitos) através da
persp ectiva onde a emancipação, a territorialidad e, a identidad e, a educação e a lei p odem
conviver, estabelecendo con ceitos de alteridade e dialo gicid ade, são p arte do cotidiano.
Assim, quando os quilombolas foram p rovocados a responder em que sentido essas
questões p oderiam ser colo cadas no cotidiano da sala de au la, consid eraram que:
É necessário o conhecimento p révio da Comunidade. Construção
de identidade (Histórico das co munidad es). Elaborar material
didático p ara essa questão. Escola como p eça de transmissão,
reconhecer que o aluno não chega v azio de conh ecimentos.
Preservação da id entidade. Desconstruir e reconstruir conceitos. O
território é local de inquietação e reivindicação de direitos
(Relatório Projeto Crescer co m Cidadania, 2007).
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Com efeito, as estruturas sociais quilombistas, em que p ese as duras realidades
econômicas dos p ovos racializados na era da globalização, indicam situações de coisas
novas. Nesse sentido, Milton Santos persiste na melhor colaboração da resistência negra
afirmando que são muitos os percursos, porém, tão variados quanto esses e, mais
amp liadas, p odem ser as realizações:
É lícito dizer que o futuro são muitos; e resultarão de arranjos
diferentes, segundo nosso grau de consciência, entre o reino das
p ossibilidades e o reino da vontade. É assim que iniciativas serão
articuladas e obstáculos serão sup erados, permitindo contrariar a
força das estruturas dominantes, sejam elas p resentes ou herdadas
(SANTOS: 2004, p .161).
REFERÊNCIAS
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HUMANOS DA UFPB
249
EDUC AÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: olhando a prática educativa a partir das
relações de gênero
Lígia Luís de Freitas
128
INTRODUÇÃO
1. Educação e Eqüidade de Gênero
Enxergar as d esigualdad es da cu ltura androcêntrica /machista (o ho mem e os
valores mascu linos no centro) e patriarca l (o homem como ser superior e a mulher como
alguém submissa ao homem) é sem dúvid a um dos grand es p assos que se p ode dar p ara
contribuir com a construção de uma educação p autada na eqüidade de gênero
129
e no
exercício da cidad ania ativa no contexto educacional.
A educação brasileira, ao lon go de sua história, vem rep roduzindo as desiguald ades
e discriminações cu ltuadas p elo racismo, p atriarcalismo, machismo, cap italismo e p elas
diferentes formas de fundamentalismo existentes na sociedade.
O imp acto das desigualdades e discrimin ações p atriarcais e mach istas na educação
do Brasil p erdurou p or muitos séculos, através de um fenômeno chamado de hiato de
130
gênero . Por mais de 400 anos a educação do país p romoveu e reforçou um ensino
desigu al qu e privilegiava o acesso e a escolarização masculina, em d etrimento a
escolarização feminina relegada a ap rendizagem rudimentar da leitura e da escrita, com
foco no domínio n as p rendas domésticas.
Esses valores que levaram a esco la brasileira a dificultar o acesso e a p ermanência
das mulheres no p rocesso educativo, foram caindo p or terra ao lon go dos anos e, a partir de
meados do século XX, a educação do país começav a a ap resentar um novo qu adro, no qu al
as mulheres ap areciam sup erando o hiato de gên ero que, ainda, conduziu a educação
brasileira até meados do século XX.
De acordo com BELTRÃO, Kaizô Iwakami e DINIZ, José Eustáquio (2006) a
busca da redução do hiato de gênero, b em como o maior acesso das mulheres à educação
aparecem exp licitamente em imp ortantes documentos internacionais, a exemp lo da IV
128
Coordenadoria de Políticas Públicas para as Mulheres/P MJP . Endereço: Rua João Galiza de Andrade, 349 AP 404, Ed.
Ouro Velho, Bancários, João P essoa/P B, Cep: 58051-180. [email protected].
129
É o sistema de relaçãoes interpessoais baseado na igualdade entre os sexos e na valorização equilibrada daquilo que é
considerado fe minino e masculino.
130
Segundo BELTRÃO, Kaizô Iwakami e DINIZ, José Eustáquio (2006) o hiato de gênero refere-se as diferenças entre os
níveis de escolaridade entre homens e mulheres.
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HUMANOS DA UFPB
250
Conferência da M ulher (1995), do Fórum Mundial de Educação (2000) e das Metas do
Milênio (2000). Segundo estes autores, todas as Conferências Internacionais p romovidas
pela Organização das Nações Unidas (ONU), nestes últimos dez anos, afirmam que um
mundo com mais justiça e prosp eridade só será p ossível, se elimin armos todas as
discriminações existentes contra o sexo feminino nos mais diferentes campos de atividade,
sendo a educação um dos espaços fundamentais p ara op ortunizar o emp oderamento das
mulheres.
Entretanto, as conquistas das mulheres na educação
131
brasileira n ão têm se refletido
em outros campos da sociedade, a exemp lo do mercado de trabalho
132
, do acesso à renda e
à p rop riedade, da representação p arlamentar, espaço onde as desigualdad es, ainda
permanecem expressivas 133. Um outro asp ecto imp ortante de destacar é que o acesso, a
permanência e o sucesso escolar das mu lheres, tamb ém, n ão garantiu a mudança total deste
esp aço de ensino e ap rendizagem. A esco la, ainda, configura-se como um dos espaços de
rep rodução e reforço do mod elo cultural h egemôn ico, imp edindo a conquista/con cretização
de uma edu cação p autada nos direitos humanos.
Para avançar no caminho d e uma educação em direitos humanos é fundamental
como p reconiza o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos “fomentar processos
de educação formal e não-formal, de modo a contribuir p ara a construção da cidadan ia, o
conhecimento dos direitos fundamentais, o resp eito à p luralidade e à diversidad e sexu al,
étnica, racial, cultural, de gênero e d e cren ças religiosas” (PNEDH, p. 07).
Neste sentido, a escola precisa estar atenta e disp osta a contribuir com a construção
de uma cultura não sexista, não racista, não homofóbica, que seja cap az de garantir que
todos e todas tenham conhecimentos, valores, cren ças, atitudes e ações cidadãs.
2. Marcos Legais Educacionais e Transversalidade de Gênero
A discussão sobre p olíticas p úblicas não é algo recente, mas a relação destas com as
questões de gênero é um debate, relativamente, novo.134 As ações da Coordenadoria das
Mulheres, da Prefeitura M unicip al de João Pessoa, instituição a qual sou vinculada têm
131
Trajetória da mulher na educação brasileira: 1996-2003. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e P esquisas
Educacionais Anísio Teixeira, 2006.
132
Ver Mulheres e Mercado Formal de Trabalho da Fundação. P esquisa Fundação Carlos Chagas. Disponível no site:
http://www.fcc.org.br/
133
ALVES, J.E.D. Mulheres em movimento: voto, educação e trabalho. Ouro P reto, REM, 2003.
134
Yannoulas (2001), registra que o marco conceitual – gênero e desenvolvimento – surge nos anos de 1980. Até então
usava-se a terminologia mulher e desenvolvimento. Com relação às agendas públicas e institucionais o conceito
institucionalidade do gênero é o termo usado para fazer referência a estruturas organizativas do Estado que incorporam a
problemática de gênero nas suas políticas.
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251
reafirmado a necessidad e de políticas de formação, co m foco nas questões de gênero,
étnico-raciais, geracionais, na diversid ade sexual, entre outros temas, co mo: ética,
cidadan ia, violência e suas vertentes, meio ambiente, fundamentais p ara afirmação de uma
educação p autada nos Direitos Humanos.
Antes de adentrar no que me prop onho, julgo n ecessário p ontuar a distinção entre
políticas públicas para as mulheres e políticas de gênero. Segundo Bandeira (2005), no
Brasil, de forma geral, as políticas destinadas às mulh eres não têm contemp lado a
persp ectiva de gênero. Ao contemp lar este aspecto o foco das p olíticas p assar a implicar e a
envolver
não só a diferenciação dos p rocessos de socialização entre o
feminino e o masculino, mas também a natureza dos conflitos e das
nego ciações que são produzidas nas relaçõ es interpessoais, que se
estabelecem entre ho mens e mulheres e internamente entre homens
ou entre mulheres. Também envolvem a d imensão da subjetivid ade
feminina que p assa p ela construção da condição de sujeito
(Bandeira, 2005, p .9).
Desta forma, a p artir das contribuições de Bandeira (2005), p ode-se dizer que o
reconhecimento de que as desigu aldad es de gên ero exp ressam relações de p oder entre
homens e mulheres e de que estas desigualdades são rep roduzidas em tudo o que acontece
nos diferentes esp aços sociais é o p rimeiro passo para superar a idéia já cristalizada, no
imagin ário social, de que as relações entre homens e mulheres seguem um modelo nato às
funções bioló gicas, cujo p adrão eterno, fixo e imutável é p róprio da condição humana.
A contribuição teórica da categoria gênero p ara a reflexão, crítica e formulação das
políticas p úblicas educacion ais brasileiras é algo, ainda, mu ito recentemente.
Viann a e Unbehaum (2004), ao analisarem o p eríodo de 1988 a 2002, afirmam que
nos documentos oficiais (Constituição Federal – CF/1988; Lei d e Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB/1996 ; Plano Nacional de Educação – PNE/2001 e Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, de 1997), as questões de gênero aparecem
abordadas, a p artir de três aspectos distintos. Um relativo a lin guagem dos documentos.
Outro referente aos direitos, no qual as discussões de gênero estão subtendidas e, um
terceiro, na qu al o tratamento é amb íguo, esp ecificamente, no Plano Nacional de Educação,
cuja temática aparece em tóp icos distintos.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
252
Para as autoras, à lin gu agem “como sistema de significação é, ela p róp ria, exp ressão
da cultura e das relaçõ es sociais de um determinado momento histórico” (Vianna e
Unbehaum, 2004, p .8). Afirmam que a linguagem desses documentos, com algumas
ressalvas p ara o texto dos PCN, da ênfase a forma masculina, p ortanto p rioriza o modelo
lin güístico androcêntrico que reforça e rep roduz a discriminação sexista. Registram que “o
uso do masculino genérico n as p remissas que discutem direitos e organização do sistema
educacional brasileiro dá margem para ocu ltar as desigualdades d e gênero” (p .8).
Concluem que, a ausência d e distinção lin gü ística nos documentos oficiais contribui p ara
reforçar condutas desfavoráveis as relaçõ es de gênero, contribuindo com sua invisibilid ade
no debate educacional.
Com relação à referência ao gênero introduzida na discussão dos direitos. (Viann a e
Unbehaum 2004, p .8) dizem que na CF/1988 o gên ero ap arece d e forma velad a e
subjacente, em vários momentos, do texto. Subjacência qu e, segundo as autoras, não fica
clara no texto da LDB. Neste fica exp lícito o “androcentrismo característico da forma como
se refere a alunos e professores, mantendo o genérico masculino indiscriminadamente,
soma-se à ausência do gên ero nas p remissas que discutem os direitos e a organização do
sistema educacional brasileiro”. Lembram que, no caso da CF/1988, a não referên cia à
palavra gênero se deve, também, ao seu contexto de elaboração. Naqu ele momento, mesmo
no âmbito do feminismo, a distinção dos conceitos de sexo e gênero estava sendo
construída. Ap esar da crítica ao documento, dizem que é p ossível identificar em suas
entrelinhas, p articularmente, na p arte relativa aos direitos em geral, p equenos avanços
relativos às questões de gên ero.
Ao analisarem o PNE/2001 afirmam o tratamento ambíguo que este documento dá
as questões de gênero. Criticam a ausência desta temática, esp ecialmente, no tópico que
trata da educação infantil. Consid eram o p onto que trata do acesso de meninas e meninos,
no ensino fundamental, o p rincip al deslize do PNE, p ois no diagnóstico o documento não
faz nenhuma menção as “conseqüências diferenciadas p ara meninas e men inos quanto à
permanência nesse ensino” (Vianna e Unbehaum, 2004, p .11). O texto só faz referência ao
equilíbrio de men inos e men inas, no in gresso ao ensino fund amental, ou seja, no acesso.
Não há discussão sobre as alterações, na distribuição, p or sexo, que ocorre ao longo dos
anos, o que, segundo as autoras, não p oderia ficar ausente nem no diagnóstico, nem nas
metas, nem nos objetivos do PNE.
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Ap esar da p arcialid ade e ambigüid ade com que o p lano trata às qu estões de gênero ,
registram um avanço no tratamento dado à edu cação, p rincip almente, se comp arando o
tratamento dado na Constituição e LDB.
No contexto local, a Coordenadoria da M ulher vem mantendo um diálo go com a
Secretaria d e Edu cação e Cu ltura, de João Pessoa, a fim de garantir a in clusão d as questões
de gênero nas ações desta secretaria.
Ao analisar o Plano M unicip al de Educação de João Pessoa identificamos a mesma
ausência que as autoras sup racitadas destacaram no documento nacion al, o que confirma a
influência das diretrizes nacionais sobre as diretrizes locais. Concordamos com as autoras
que desconsiderar os argumentos dos estudos que orientam a introdução destas questões,
desde a infân cia, é desconh ecer “que nessa fase de socialização os estereótip os de gênero
tendem a se instituir. Trata-se de uma fase fundamental da socialização das crianças,
momento p rivilegiado em que as diferen ças de sexo e gênero deveriam ser trabalhad as p or
educadoras e educadores” (Vianna e Unbehaum, 2004, p . 10). Neste sentido, a CPPM tem
buscado dialo gar com a Div isão d e Educação Infantil, da Secretaria d e Edu cação e Cultura
para que, no p rocesso de formação das educadoras e p rofissionais das crech es haja um
recorte de gênero.
Com relação aos PCN, p rincipalmente, os que tratam do ensino fundamental, as
autoras afirmam que as questões de gên ero “ap arecem, evidenciando zelo e cu idado com
muitos asp ectos relativos aos significados e às imp licaçõ es de gênero nas relações e nos
conteúdos escolares” (Viann a e Unbehaum, 2004, p .11). Além disso, destacam a in clusão
dos chamados temas transversais como uma in iciativa que sup era a visão tradicional de
conteúdos curriculares. M esmo assim, criticam o tratamento dado, afirmando que este
oscila entre timidez e desenvolvimento. Neste sentido, fazem men ção a alguns equívocos
de tratamento dado à temática: abordagem acanh ada nas áreas específicas e o uso quase
restrito ao tema transversal orientação sexual, quase sem referência nos demais temas.
Ap esar das críticas avaliam que os PCN, dentre os docu mentos analisados, são os únicos
que avançam na abordagem de gên ero.
Na análise dos docu mentos locais - Plano M unicip al de Educação ( PM E/2002) e
Prop osta Curricular da Rede Municipal de Ensino de João Pessoa (PCRM EJP/2004) –
percebemos, também, a p resença dos mesmos limites encontrados nos documentos
nacionais, quais sejam: lin gu agem sexista e ausên cia da abordagem de gên ero e as questões
relativas à div ersidade.
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254
A timidez com que é tratada a temática de gênero na Proposta Curricular local é
bem mais acentuada do que no docu mento nacional, p ois a mesma ap arece ap enas como
tóp ico do eixo pluralidade cultural, mas não aparece nos objetivos p rop ostos.
Um outro asp ecto que demonstra a falta de visão transversal p ara as relações de
gên ero é a sua men ção nos critérios de av aliação da educação física de 5ª a 8ª séries, mas
tratamento incipiente nos conteúdos e inexistência nos objetivos, ficando subtendida no
tóp ico de atitude discrimin atória no esporte e na dança.
Outro lapso do documento local é não explorar o tema transversal Orientação
Sexual, ele ap enas é referendado no texto de ap resentação. No momento de trabalhar
conteúdos e objetivos p rop ostos não ap arece. A ausência d e ob jetivos e conteúdos
referentes ao TT Orientação Sexu al indica os limites e as dificuldad es que formu ladores(as)
de p olíticas p úblicas têm p ara com determinados temas.
Em 2006, a Secretaria de Educação e Cultura, do municíp io de João Pessoa, p ara
atender as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação d as Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, d iscutiu e ap rovou
resolução local para tratar da temática. O documento local avan çou quando, p ara além das
áreas recomend adas p elo § 2º da lei 10.639/03, incluiu: Lín gu a Portuguesa, Geo grafia,
História, M atemática e Ciências. Entretanto, não foi possível inclu ir o recorte de gênero no
documento, p ois, naquele mo mento, o movimento que p articip ava do p rocesso de discussão
entendia que era necessário dar visib ilidade as questões étnico-raciais. Reconhecemos que o
documento teria ficado mais qualitativo se fizesse referên cia a tais questões, visto que as
desigu aldad es raciais têm um recorte marcado de gên ero.
Atualmente, o desafio p osto é garantir que as p olíticas p úblicas educacionais
contemplem essas questões que, embora não apareçam nos marcos legais, de forma clara ou
exp licita, vêm conduzindo e orientando a formulação e o finan ciamento de p rogramas e
projetos. Neste sentido, a transversalidade e a emergên cia das questões de gênero e
temáticas afins (raça/etnia, d iversidad e sexual...) têm sido um dos critérios observados p ara
aprovação e lib eração de recursos p úblicos ou p rivados.
3. Questões de Gênero e Prática Pedagógica
A exp eriência com formação p rofissional na educação infantil, na p rimeira e
segunda fase do ensino fundamental, na educação de jovens e adultos, no ensino médio,
bem co mo co m p rofissionais que atuam na área d e edu cação física, nestes níveis,
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op ortunizou-me um olhar mais sensível p ara as questões de gênero, no contexto da p rática
pedagó gica.
Por que somos orientadas a brincar co m bonecas? Por que quando crian ças
demonstram gostar brincad eiras e/ou objetos “não ap rop riados” para o seu sexo, ainda,
sofrem questionamentos do grup o e das p essoas adultas que as acompanham, seja na
família, seja na esco la?
A educação tem se mostrado durante toda sua história co mo um camp o que p rocura
resp onder às exp ectativas p ostas p ela sociedade na qual se insere. A ap resentação do
fenômeno do hiato de gên ero no p rimeiro tóp ico deste artigo trouxe elementos interessantes
para a reflexão d as desigualdades de acesso entre os sexos, que p or muito temp o
acomp anhou a história da esco la brasileira.
Entretanto, em pleno sexo XXI, ainda, educam-se men inos e men inas conforme as
exp ectativas sociais p ara cada sexo. Assim, a p artir de id éias foucaultianas, diria que a
escola, com seus métodos discip linares, seus mecanismos sutis de regulação do corp o e do
comp ortamento, p ermanece construindo sujeitos masculinos e femininos.
A escola continua sendo um dos sistemas simbólicos da sociedad e, cujos agentes, de
forma consciente ou inconscientemente, reproduzem os modelos de masculinidade e
feminilidad e e a violência existente no meio social e cultural. Felizmente, esta mesma
escola, também, p ode se configurar como um dos esp aços cap azes de contribuir com a
transformação social.
Dessa
maneira,
a
utilização
da
categoria
crítica
gên ero
co mo
eixo
norteador/balizador do p rocesso de ensino e ap rendizagem e das relações que se travam
neste espaço p ode servir p ara a efetivação de p ráticas p edagó gicas fundamentadas na
igu aldad e e no resp eito.
Sobre essa questão vários estudos vem se p reocup ando em contribuir com a
construção de novas p rop ostas que surgem do p róp rio chão da escola, a p artir de pesquisas
da p ós-graduação
135
e de p olíticas implementadas p or redes de ensino
136
preocupadas em
promover uma educação p ara a igu aldad e.
Com relação às p esquisas destaco o trabalho de Costa (2004) que estudando o
cotidiano de uma instituição de educação infantil identificou, em várias cenas do dia-a-dia,
situações reveladoras de como as expressões relacionad as à construção dos gêneros são
135
136
COSTA (2004); PEREIRA (2005); AUAD (2006); ALVARENGA (2007).
SHOLZE (2001); SILVEIRA & GODINHO (2004); CASTRO (2004); REVISTA LILÁS (2004).
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256
vivenciadas, reforçadas, ap rendidas, transgredidas ou recriadas, desde muito cedo. Entre
suas p reocup ações estavam circunstâncias relativas ao p rocesso de ensino e ap rendizagem,
mas, p rincip almente, situações vivenciad as nos momentos de brincadeiras livres, nas
conversas entre as crianças, sem interferência da p rofessora, nos jo gos de faz-de-conta, nas
brincadeiras de casinhas e escond e-esconde e, aind a, nas relaçõ es estabelecidas das crianças
com as professoras e funcionárias da instituição.
O olhar da p esquisadora sup racitada corrobora com as questões que levantei
137
sobre como as orientaçõ es p ara a aprendizagem das exp ressões de gênero p odem ser
identificad as na mais tenra idade. A instituição família, p rimeiro espaço de socialização da
criança, ap resenta uma formação discursiva e edu cativa p ara a ap rendizagem e aceitação de
padrões, estereótip os e modelos de feminilidade e masculinidad e de acordo com o sexo. A
escola cump rindo o seu “p ap el” de formadora e normatizadora das regras sociais aceita e,
na maioria d as vezes, rep roduz os modelos existentes que negam a div ersidade de
identidades existentes no esp aço educativo.
Os brinquedos e as brincadeiras ap rendidos e ensinados na infância, também,
também contribuem e são organizados conforme as exp ectativas de gênero da família e da
escola. Embora, ainda, en contremos, bebês e crianças nos dois p rimeiros anos da infância
brincando com os mesmos objetos e realizando atividades comuns, com o passar dos anos
podemos observar um ritual discursivo de separação que orienta o jeito de comp ortar-se, o
brinquedo e a brincad eira a ser viven ciad a.
Isolados no seu mundinho, meninas e meninos ap rendem que não p odem brincar
com determin ados brinquedos, n em gostar de determinadas brincad eiras, que alguns
objetos, cores são de um e não de outro. Ap rendem, também, que têm qualidades distintas.
Elas p recisam demonstrar fragilidade, d elicadeza, emoção (p odem chorar), carinho,
organ ização, comp ortamentos adequados (exemp lo: sentar de p ernas fechadas) e
reconhecerem que têm hab ilid ades p ara lín gua p ortuguesa e áreas humanas. Eles aprendem
que p recisam ser fortes (machões, por isso devem evitar o choro, p articularmente em
público), corajosos, durões, agressivos, inquietos, descuidados e reconhecerem que são
bons em esp orte, matemática, ou seja, nas ciências exatas.
Esta p olaridade que se inicia na família e é afirmada durante todo o processo
educativo formal estimula e reforça desigu aldad es sutis que, neste momento p odem não
137
FREITAS (2002).
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
257
chamar atenção. Assim, a escola no seu lon go p rocesso de formação vai dando u ma
“significativa” contribuição p ara afirmação e rep rodução de regras/valores/normas que
fundamentam as desigu aldad es sociais.
Mas, como a escola p ode se tornar um esp aço de educação p ara a iguald ade e p ara o
resp eito às diversidades?
Primeiro, é
fundamental
trabalh ar com qualidad es e
habilidades como
potencialid ades human as. Ou seja, existem men inas e meninos fortes, meninas e meninos
organ izados, sensíveis... Existem elementos da edu cação masculina e feminin a que são
imp ortantes e necessários p ara qualquer ser humano. É no seu cotidiano, nas situações e
esp aços mais “desinteressantes” que a esco la p ode p erceber contextos fundamentais de
educar p ara a igualdad e, p ara o resp eito e p ara a diversidade.
O avanço rumo a uma sociedade mais justa e igualitária requ er que a escola, no
exercício d e sua fun ção, estimule a cidadan ia ativa que deve estar ancorada nas relaçõ es de
gên ero, nas questões de raça/etnia e no reconh ecimento e inclusão das div ersidades
138
existentes no contexto educativo.
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aprendizagem, habilidades...
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HUMANOS DA UFPB
259
EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS : porque, para quem, para que, como ?
M aria Letícia Pu glisi Munhoz
Universidade de São Pau lo
I – INT RODUÇÃO
A comunidad e internacional de direitos humanos tem se desenvolv ido no âmbito d a
elaboração d e docu mentos que p ossuem a fin alid ade d e determinar as diretrizes p ara a
construção de uma sociedade que respeite a paz, os direitos fundamentais do ser humano e
a dign idade humana. Assiste, no entanto, a episódios cada vez mais violentos e sociedades
com grande dificuld ade de garantir a não violação dos direitos humanos ou p romover o
exercício desses direitos p or seus indivíduos.
A violência e as situações de conflitos ocasionad as p ela intolerância diante d a
diversidade étnica, cu ltural, racial tem sido um dos maiores focos de preocup ação dos
sistemas regionais de direitos humanos e da p róp ria Organização das Nações Unid as. Neste
contexto, a educação em direitos humanos tem sido referenciada em inúmeros documentos
como um dos p rincip ais instrumentos para a transformação desta realidade.
A efetivação da educação em direitos humanos, p or sua vez, enfrenta um grande
desafio que é o de elaborar conteúdos p rogramáticos sign ificativos p ara esses objetivos. A
discussão em torno do tema, internacional e nacion al, tem ap ontado p ara a adequação de
conteúdos multidiscip linares e abordagens sistêmicas, de forma que, na educação, possa se
vivenciar a experiência d a an álise não fragmentada da realidade. Não obstante, no que
concerne esp ecificamente aos p rogramas de edu cação em direitos humanos voltados à
diversidade étnica, cultural, racial, o deb ate sobre o conteúdo ap ropriado e a metodologia
adequada p ara este fim tem sido u ma constante.
O p resente trabalho p retende levantar os asp ectos do p reconceito, a discrimin ação
racial e a solidariedade p resentes nas relações entre brasileiros n egros e brancos, na
persp ectiva de criar elementos de referência aos p rogramas educacionais em direitos
humanos do ensino formal e informal vo ltados à diversidad e étnica e racial.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS DA UFPB
260
II – PRECONCEITO, DIS CRIMINAÇÃO E RACIS MO:
Fábio Konder Comp arato, (2005), ao argu mentar sobre o princíp io da dign idad e
humana, inerente ao comp lexo dos fundamentos dos Direitos Humanos, discorre sobre a
descoberta da estrutura do DNA p or Watson e Crick em 1953 que revelou que cada ser
humano possui um p atrimônio genético único, salvo no caso d e gêmeos homozigóticos. “A
ciência veio confirmar a visão filosófica”, d iz o autor, “de que o caráter único e
insubstituível de cada ser humano, p ortador de um valor próp rio, veio demonstrar que a
dign idade d a p essoa existe sin gularmente em todo o indiv íduo” (Comp arato, 2005, p. 30).
Ao lado disso, também já foi constatado pela ciência que a classificação d e
indivíduos p or raças não se justifica, uma vez que a estrutura gen ética dos integrantes do
gên ero humano n ão apresenta diversificação de esp écies, isto é, as características que
diferenciam fisiolo gicamente grup os de indivíduos como cor de p ele, de olhos, formato de
nariz e cabelo, p or exemp lo, são determinadas p or elementos que não fazem parte da
estrutura genética do ser hu mano. Dessa mesma an álise, conclu iu-se, inclusive, que existem
mais diferen ças gen éticas entre p essoas p ertencentes a mesmos grup os étnicos, povos de
mesmas culturas, e p aíses, do que de p essoas que vivem em locais, p ertencem a grup os
étnicos e/ou p ossuem cores de peles diferentes.
Não p or isso devemos entender que condutas racistas e as p ráticas de discrimin ação
racial basead as em característica fenotíp icas, étnicas e culturais, não ocorrem. Co m efeito, o
jurista Celso Lafer (2005, p .58-59), em p arecer dado em p rocesso judicial brasileiro que
versava sobre a p rática do crime de racismo, elucidou que “se o racismo não pode ser
justificado p or fundamentos bioló gicos, no entanto, persiste como fenômeno social e é este
fenômeno social, e não a “raça”, o destinatário jurídico d a rep ressão p revista p elo art. 5º,
XLII, da Constituição de 1988, e sua corresp ondente legislação infraconstitucional.”
Exp licando a ocorrência do fenômeno do racismo no Brasil, Kabengele Munanga
(1996), atenta para o fato de qu e a socied ade brasileira é u ma sociedade p lural e essa
pluralidade ou div ersidade h istoricamente construída não
é viv ida tranqüila e
harmoniosamente como deixou entender o mito da democracia racial brasileira. Pelo
contrário, deu origem aos p reconceitos raciais e étnicos que se conju gam para construir o
racismo à moda brasileira.
De acordo com Marilena Chauí (1993), de três formas p ode se definir o racismo: a
forma “histórica, que considera o racismo como um con ceito e uma ideolo gia que se
constituíram apenas no sécu lo XIX, quando a idéia d e raça, em sentido bioló gico e
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HUMANOS DA UFPB
261
gen ético, tornou-se critério social e político de diferenciação;” a forma “a-histórica, que
considera o racismo co mo uma forma milenar e difusa de estabelecer diferenças,
classificações e h ierarquias entre os seres humanos; e a forma qu e o considera como u ma
relação de ideologias temp orais e dinâmicas, sujeitas a transformações históricas, de modo
que o racismo difuso dos gregos e romanos, na Antigü idade, ou o racismo exp lícito do
século XIX, são momentos de uma história id eoló gica.” (Ch auí, 1993, p .1)
No entendimento de José Leon Croch ick (1995), ap esar de alguns intelectuais
acreditarem que quanto menos se falar sobre o p reconceito, melhor, p osto que o fenômeno
seria in evitável à constituição do indiv íduo e mu ito arraigado à cu ltura p ara p oder ser
enfrentado, e, assim, serem contrários ao esclarecimento como forma de comb ate ao
mesmo; “o p reconceito deve ser entendido e comb atido, quer nos seus asp ectos oriundos da
subjetividade, quer nos seus fatores objetivos” (Crochick, 1995, p .96) uma vez que, mesmo
que venha se p erp etuando na cultura, não sign ifica que seja inerente a ela. Ademais, a
“política do silêncio” - conforme diz - sobre o p reconceito, colabora p ara o esquecimento
das violências de viés racistas praticadas p elo mundo e imp ede a manifestação daqueles que
desejam se op or a elas.
Segundo esse autor, o p reconceito e a discriminação racial ,cultural ou étnica d e u m
indivíduo ou grup o acontece no âmbito das relações sociais, ou seja, nos ambientes
familiares, d e lazer e entretenimento, de trabalho, nas relações amorosas, sexuais, enfim,
em todos os lugares e circunstâncias em que a relação entre dois ou mais indivíduos se dá.
Por isso, p ara entender o p reconceito p recisamos recorrer a várias áreas do saber,
uma vez que as relações sociais estão p ermeadas pela cultura. Tudo que comp reende a
esfera da cu ltura, tem ligação co m o comp ortamento p reconceituoso e/ou discriminatório
do indivíduo ou de u m grup o.
Com efeito, dispõe José Leon Crochik (1995) que, o p reconceito ocorre como
conseqüência da combin ação de características indiv iduas do ser hu mano e das
características culturais da sociedade em que vive, e, além disso, do p rocesso de
socialização deste indivíduo com a sociedade co m que vai interagir. O p rocesso de
socialização de um indivíduo está relacionado com a cultura e co m a história d esta cultura.
No entanto, o processo de sua socialização, a forma co mo esse indiv íduo resp onderá aos
conflitos imp ostos p elo p rocesso de socialização é que acarretará o comp ortamento
preconceituoso ou não. E, neste sentido, a cultura contribui, funcionando como uma
estimuladora de criação d e p reconceituosos, ou ao contrário, como uma p romotora do
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262
desenvolvimento de indivíduos maduros, solidários e saudáveis. Nas p alavras do autor:
“Para enunciar o óbvio não existe indivíduo sem cultura, mas a cultura pode facilitar ou
dificultar o desenvo lvimento do indivíduo, o que n ão é tão óbvio.” (Cro chik, 1995, p.17).
Para Crochik, a exp eriência e a reflexão são as bases da constituição do ind ivíduo n a
sua relação com a cultura. Uma relação sadia entre o indiv íduo e a cultura é aquela em que
ele reconhece nela uma p ossibilidade de desenvolv imento de si mesmo e dos outros. Isso é
possível a p artir da p ossibilidad e do ind ivíduo se diferenciar da cultura em momentos de
reflexão decorridos de livres exp eriências. Em outras p alavras, o indivíduo é p roduto da
cultura e, p or sua sin gularidad e, diferencia-se dela. Esta singularid ade p ermite ao ind ivíduo
a autonomia de consciên cia e a esp ontaneidade da exp eriência, p ossibilitando uma visão
crítica sobre a mesma e a autonomia para fazer escolhas, dentro dela. Quando o indivíduo,
por outro lado, não consegue fazer essa diferenciação, será seu fiel rep rodutor ou estará
semp re a contrap ondo, sem, no entanto, reconhecer este processo. Nestes dois casos, o
desenvolvimento do p reconceito é p ropício.
É p or isso que Miriam Chnaiderman (1996) argumenta que, o racismo não tem a ver
com a diferença, mas com a transformação do diferente no mesmo. Segundo a autora, a
abordagem do racismo não deve ser analisada somente sobre o asp ecto da dificu ldade em se
lidar com as diferenças, uma vez que o que leva ao racismo não é a incap acidade do
indivíduo de suportar a diferença, mas, ao contrário, a ameaça de se ver semelhante àquele
a que se atribui características que n ão gosta em si mesmos.
Neste processo de socialização do indivíduo, a cu ltura contribui p ara o
comp ortamento p reconceituoso do indivíduo, da segu inte forma:
a) Fornece os elementos históricos e culturais p ara a justificativa racional dos
preconceitos, que são os estereótip os.
Segundo Croch ik (1995), o estereótip o é um elemento do fenômeno p reconceito; é
um p roduto cultural que se relaciona d iretamente co m os mecanismos p síquicos do
indivíduo. Com efeito, o indiv íduo que tende ao d esenvolvimento do p reconceito, manifesta
esta tendência em relação a vários objetos, ou p essoas ou grupos, seja o grup o dos
homossexuais, negros, jud eus, deficientes físicos, etc.; mostrando que o preconceito tem
mais relação com as características do indivíduo p reconceituoso do que com as
características do objeto. No entanto, as características que atribuirá a esses grup os, ou as
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reações qu e este indivíduo terá em relação a cada grup o, será diferente. Neste caso,
conforme exp lica o autor, a fixidez do conjunto de idéias e comp ortamentos diante de um
mesmo grup o, isto é, a rep etição da mesmas idéias atribuídas a um mesmo grupo e das
mesmas reações diante desse grup o p or p essoas distintas, acontecem p or que essas idéias e
reações são p roduzidas p ela cultura, sob a forma de estereótipos.
b) Fornece os elementos morais p ara o desenvolv imento dos tabus. O p reconceito
funciona ou é vivido como um tabu, como um fato que vivemos com angústia no passado,
ou desejos que temos, e que condenamos ou nos envergonhamos, e, de forma imaginária,
toda vez que algo nos remete a esta situação, ficamos em estado de defesa, e, como um
tabu, nossas reações diante desta situação são semp re a mesmas.
Conforme exp õe o referido p rofessor, baseando-se no conhecimento de Freud, a
cultura desvaloriza o processo de reflexão e de exp eriência genuín a, desencorajando a
diferenciação do indivíduo da cultura, e aind a estimula o p rocesso oposto de
indiferenciação do indiv íduo da cultura, a não reflexão p elo indiv íduo, a não
exp erimentação livre do indiv íduo, a não op ortunidade de conh ecer a si mesmo, por meio
da p rop agação de id éias tais como : só p ensa quem não tem o que fazer; aquele que
exp erimenta a vid a livremente é um ingênuo qu e não está prep arado e é infantil pois age
assim p or não conhecerem os p erigos da vida que podem lhe causar o mal; deve se dar
valor ao ser humano qu e sabe sobre tudo; mesmo qu e superficialmente, tenha decisões
ráp idas, e que não p ense mu ito. Enfim, dev e-se ev itar a reflexão, o auto conhecimento e
qualquer conflito.
“Os conflitos (...) entre os desejos e a possibilidade de sua realização n a
cultura são substituídos pela adesão imediata a uma realidad e colocada como
inexorável, na qual a não conformid ade exp ressa através da reflexão crítica e da
exp eriên cia in gênua é relegada a u m defeito do sistema co gnitivo ou como u ma
extravagância.” (Croch ik, 1995, p .101).
Desta forma, a cultura dificulta o desenvolvimento p síquico do indivíduo e
consequentemente o desenvolvimento do indivíduo no sentido de se relacionar de maneira
saudável consigo e com a coletividade. Isto é, cultua a não exp erimentação e reflexão p elo
indivíduo sobre a sua realidad e e sobre si mesmo; a desvalorização do p rocesso de
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socialização sadia do ind ivíduo em sua cultura em que as p essoas p ossam exp erimentar
formas de relação com outros indivíduos, refletir sobre as mesmas, reconhecer a si mesmo e
ao outro e a cultura como instrumentos p ara seu desenvolvimento.
A ocorrência disso na sociedade brasileira pode ser evid enciado pelos dados d a
pesquisa da Folha de São Paulo/Datafolha d e 1995 demonstram que quase 90% da
pop ulação reconh ecem a p resença da discriminação racial no Brasil, concordam qu e negros
sofrem mais do que os brancos. Entretanto, continuam a negar ter p reconceitos eles
próp rios. Dos p esquisados, 87% que se autoclassificaram como brancos e 91% dos que se
autodefinem como pardos dizem não ter p reconceitos contra negros, assim como 87% dos
negros entrevistados negam ter qualquer p reconceito contra brancos. E mais, 64% dos
negros e 84% dos p ardos negam ter, eles p róp rios, sofridos alguma forma d e p reconceito
racial (Fry , 2000, p .217-218). Para Peter Fry (2000), enquanto a maioria dos brasileiros
concorda qu e o racismo existe, eles p róp rios ou não discriminam, ou d iscriminam mas
negam; conclu indo que sofrem d iscriminação sem reconhecer.
Como diz Crochik,
“a cultura tem sua cota de resp onsabilidade na formação
de p reconceitos, não só p elo conteúdo que p ode fornecer, mas,
também, e, p rincip almente, pelas configurações psíquicas qu e
fortalece. Em outras p alavras, uma cultura que não favorece a
reflexão e a exp eriência, fortalece a existência d e indiv íduos que
não conseguem conv iver com a p róp ria fragilidade.” (Croch ik,
1995, p.107)
De acordo com Maria Ap arecida Silva Bento (2003):
“as característica humanas como medo, ressentimentos,
insegurança são rep rimidas p ela cultura e p rojetadas sobre o
outro desconhecido. A sociedades muito repressoras que p unem
ou censuram a exp ressão de asp ectos humanos fundamentais
considerados negativos, favorecem a p roliferação de p essoas
que p odem negar p artes de si p róp rias, p rojeta-las no outro e
dirigir sua agressividade contra o outro” (Bento, 2003, p .40)
Neste sentido, diz a autora, a cultura estimula a p roliferação de p essoas
preconceituosas e atitudes discriminatórias racistas.
SEMINARIO FINAL DO PROGRAMA ALFA Human Rights Facing Security / III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP / IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DIREITOS
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265
Assim, segundo Silva Bento, a “p olítica do silêncio ” pode ser ocasionada, em p arte,
por uma sensação de culp a, como um “recalcamento coletivo de um ato transgressivo
cometido em comum” (Bento, 2003, p .45) e, em outra p arte, p elo fato de que o
esclarecimento vem p roblematizar a noção d e p rivilégio co m a qual as p essoas não querem
se defrontar.
Edith Piza (2003) concorda que o silêncio a resp eito do racismo, a discriminação
racial e o p reconceito p resentes nas relações sociais brasileiras é uma característica
marcante e freqüente na forma como a sociedade brasileira se relacion a com o assunto. No
entanto, relaciona este fato com o fenômeno da “fronteira inv isível” que existe na relação
do branco com o negro, que prop orciona a inv isibilidade, p elo bran co, do negro, como
indivíduo, mas somente como grup o racializado; e a invisibilidad e do branco, p elo branco,
enquanto ser racializado, mas tão somente como u m ser único. Em suas p alavras:
“É essa excessiva visibilid ade grup al do outro e a intensa
individualização do branco qu e p odemos chamar de “lu gar” d e
raça. Um “lugar” de raça é o esp aço de visibilid ade do outro,
enquanto sujeito em uma relação, na qual a raça define os
termos desta relação. Assim, o lu gar do negro é o seu grup o
como um todo e o do branco é o de sua individualid ade. Um
negro rep resenta todos os negros. Um branco é uma unidad e
rep resentativa ap enas de si mesmo. Não se trata, p ortanto, da
invisibilidade da cor, mas da intensa visibilidad e da cor e d e
outros traços fenotíp icos aliados a estereótipos sociais e morais,
p ara uns, e a neutralidade racial, p ara outros. As conseqüências
dessa visibilidade p ara negros é bem conhecida, mas a d a
neutralidade do bran co é dada como “natural”, já qu e é ele o
modelo p aradigmático de aparência e de cond ição hu mana.”
(Piza, 2003, p .72).
c) O terceiro elemento que a cu ltura fornece é a estrutura de exclusão; a luta
individualista p ela sobrevivência e a alienação.
Com efeito, segundo Leon Crochik (1995), uma sociedad e extremamente
comp etitiva encontra na cultura o reforço do padrão ou você humilha ou é hu milh ado, ou é
op ressor ou op rimido, ou é rico ou é pobre, ou está por cima, está por baixo. Em todos os
casos, a mensagem é a d e que demonstrar força p ara imp or nossas vontades e limites é
necessário a nossa sobreviv ência e a natureza frágil deve ser vencida. A exposição de força
é incentivada p ela cultura, ao passo que a identificação com a fragilid ade é desvalorizada,
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desencorajada e rid icularizada. A fragilidad e é um p roblema a ser combatido. Não é a toa
que os preconceitos são desenvolvidos e as atitudes de discriminação ocorrem contra
grup os que rep resentam p ara o p reconceituoso a fragilidad e que não p odem exp ressar: as
mulheres, os homossexuais, os d eficientes mentais e físicos, as crianças, os idosos; ou
alguma característica que contrap õem esta cultura do p roduto, como a intelectualidade, p or
exemp lo, no caso dos judeus. Porém, observa o autor que: “Esquecer a nossa fragilid ade é
permitir que ataquemos a nós mesmos quando visamos ao outro como inimigo” (Cro chik,
1995, p .107)
Como desenvolvemos na cultura os estereótip os daqueles que p ossuem uma
condição econô mica favorável ou não, o acesso aos direitos, o exercício d a cidad ania p elos
indivíduos, ficam associados a esses estereótipos.
A cultura, no entanto, pode desemp enhar outro p ap el que o exp osto acima, como o
de au xiliar p ara que o ind ivíduo p ossa controlar as projeções, ter maior consciência sobre
este fenômeno, sobre si e sobre o outro. Contudo, a cultura também p ode estimular a
solidariedade.
III – EDUC AÇÃO EM DIREITOS HUMANOS
III.I - Definições e objetivos da Educação em Direitos Humanos.
A construção do conceito, objetivos, métodos da Educação em Direitos Humanos se
deu a p artir de um diálogo entre o p rocesso de formalização dos direitos humanos por meio
das declarações, convençõ es e tratados dos direitos humanos e a p rática de atividades
educacionais realizadas em várias regiõ es de todo o p laneta. Estas atividades formais e
princip almente não formais se identificaram com as intenções dos princíp ios e artigos dos
documentos internacionais e region ais dos direitos humanos. Esse diálo go vem, aos p oucos,
trazendo p arâmetros p ara as atividades e p roduções teóricas a resp eito da Educação em
Direitos Humanos. No entanto, é um campo ainda não claramente delimitado. M uitos
conceitos aind a estão em debate e exp erimentação. Ademais, a próp ria diversidade nos
objetivos e metodologias utilizadas nas ap licaçõ es da Educação em Direitos Humanos
mundiais, muitas vezes, relacionam-se co m a diversidade de circunstâncias e necessidades
regionais e locais, como também com a diversid ade de público a que a Educação em
Direitos Humanos se destina.
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DEFINIÇÕES
Seguindo a su gestão da Declaração d a Conferên cia Mundial de Direitos Humanos
de Vien a, a Assembléia Geral das Nações Unidas elegeu a década de 1995 a 2005 como a
Década da Educação em Direitos Humanos d as Nações Unidas, elaborando um documento
que ap resenta um p lano d e ação ; ch ama a todos os govern antes, agências esp ecializadas,
programas das Nações Unidas, organizações não-gov ernamentais de v árias regiões p ara
contribuir p ara a sua efetivação; e, requisita corp os de monitoramento que dêem ênfase à
obrigação d e implementação estabelecid a ente os estados membros.
Comp artilhando com este trabalho, o Alto Comissariado das Naçõ es Unidas adota o
seguinte:
•
“Educação em Direitos Humanos p ode ser definido como educação, treinamento
e informação que ob jetivam a construção de uma cultura universal de direitos
humanos através do compartilhamento de conhecimento, qualificações e atitudes
(...)
A Educação em Direitos Humanos envolve:
•
Conhecimento e habilidades – ap rendizado sobre direitos humanos e mecanismos
p ara sua p roteção, assim como habilid ades adquiridas p ara ap lica-los na v ida diária;
•
Valores, atitudes e comp ortamento – desenvolvimento de valores e reforço de
atitudes e comp ortamentos que confirmem os direitos humanos;
•
Ação – tomar decisões que d efendam e p romovam os direitos humanos.”
•
” (OHCHR, 2004. [tradução p róp ria])
Koïchiro M atsuura, na qualid ade d e Diretor-Geral da UNESCO, na ocasião do Dia
internacional dos Direitos Humanos, dia 10 de dezembro de 2004, em declaração p ública
exp õe a seguinte definição a resp eito de Educação em Direitos Humanos:
“Educação em Direitos Humanos envolve o aprendizado dos p róp rios direitos e dos
outros, mas além disso, inclui o ap rendizado de que os direitos humanos é o
comp artilhamento da resp onsabilidade, com conseqü ências práticas, p ela nossa vida juntos.
Assim, educação em d ireitos humanos trata não somente d e se adqu irir conhecimentos mas
também de qu alificações e h abilidade p ara ap licá-los: desenvolver valores, atitudes e
comp ortamentos que sustentam os direitos humanos e também ações p ara defendê-los e
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268
promovê-los. Isto envolve um ap rendizado sobre direitos humanos através da p rática de
direitos humanos.” (M atsuura, 2004. [tradução p róp ria]).
Como uma continuidade à Décad a da Educação em Direitos Humanos, as Nações
Unidas iniciou o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, focado na
educação p rimária e secundária, p ara ser realizado durante o p eríodo de 2005 a 2007. Este
programa retoma e amplia a definição, os p rincíp ios e objetivos exp ostos no documento da
Década de Educação em Direitos Humanos. Desta forma, adotam que:
• “Educação em Direitos Humanos busca o d esenvolvimento de u ma comp reensão
sobre nossa resp onsabilidade co mum de tornar os Direitos Humanos uma
realid ade em toda comunidade e na sociedade em geral. Neste sentido, ela
contribui, a longo p razo, p ara uma p revenção dos abusos e conflitos que violam
os direitos humanos, p ara a promoção da igualdade e do desenvolvimento
sustentável e pela intensificação d a p articip ação p op ular nos processos de
tomada de decisões em um sistema d emocrático.”
Para Silva (1995), a educação em direitos humanos significa a realização do ser
humano das p rerro gativas, aspirações e valores contidos nos documentos dos direitos
humanos, p or meio de um conjunto de ações e interações. Segundo o autor, hábito é uma
rep etição constante de comp ortamento consciente, ou não, e a educação co mo formação
busca o desenvolvimento do ser humano no sentido de que os hábitos e esquemas básicos
de comp ortamento tenham como núcleo organizador e meta a incorporação dos v alores dos
direitos humanos. A Educação em Direitos Humanos p ortanto deve se encarregar de
hábitos que reconheçam os valores dos direitos humanos.
OBJETIVOS
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial adotada em 1965, e m seu Artigo 7º, disp õe:
“Os Estados M embros comp rometem-se a tomar as medidas imediatas e eficazes,
principalmente no campo do ensino, educação, cultura, e informação, para lutar contra
preconceitos que levem à discriminação racial e promover o entendimento, a
tolerância e a amizade entre nações e grupos raciais e étnicos, assim como p ropagar os
prop ósitos e os p rincípios da Carta das Nações Unidas, da Declaração Universal dos
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Direitos Humanos, da Declaração das Nações Unidas Sobre a Elimina ção de todas as
Formas de Discriminação Racial e da presente Convenção.” (grifo meu)
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, em seu
artigo 13º, p arágrafo 1º, d isp õe que:
“Os Estados partes (...) concordam em qu e a educação d everá visar
o p leno desenvolvimento da p ersonalidade humana e o sentido de
sua dign idade e a fortalecer o respeito p elos direitos humanos e
liberdades fundamentais. Concordam aind a que a educação
deverá ca pacitar todas as pessoas a participar efetivamente de
uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a
amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais,
étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações
Unidas em prol da manutenção da paz.” (grifo meu)
Declaração de Montreal e Plano de Ação M undial de Educação em Direitos
Humanos e em Democracia, adotado em 11 de março de 1993 p ela UNESCO, que
historicamente teve importância na d efinição teórica do tema, diz:
“O Plano de Ação mund ial p ara a educação em direitos humanos e
em democracia deve imp licar um grande desafio, que consiste em
traduzir em regras e em comportamentos, admitidos pela
sociedade, as noções relacionadas com os direitos humanos,
com a democracia e com os conceitos de paz, de
desenvolvimento duradouro e de solidariedade internacional. Este
desafio é também o da humanidade: construir um mundo que viva
em p az, um mundo d emocrático p rósp ero e justo. Para fazer frente
a tal desafio, é p reciso co locar em marcha constantemente uma
educação e uma ap rendizagem ativas.” (grifo meu)
A Declaração e Programa de Ação da Conferên cia Mundial contra o Racismo, a
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias correlatas, ocorrida em Durban, África do
Sul, em 31 de agosto a 8 de setembro de 2001, em seu item 95, d isp õe:
“Reconhecemos que a educação em todos os níveis e em todas as
idades, in clusive dentro da família, em p articular, a edu cação em
direitos humanos é a ch ave p ara a mu dança de atitudes e
comportamentos baseados no racismo, discriminação racial,
xenofobia e intolerância correlata e para a promoção da
tolerância e do respeito à diversidade nas sociedades; ainda
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270
afirmamos que tal tipo de educação é um fator determinante na
p romoção, disseminação e proteção dos valores democráticos da
justiça e da igualdade, os quais são essenciais para p revenir e
combater a d ifusão do racismo, discriminação racial, xenofob ia e
intolerância correlata;” (grifo meu)
III.II – Igualdade e S olidariedade – princípios da educação para a diversidade.
Segundo Flávia Piovesan, (2006), a Declaração Universal de 1948 introduz a
concep ção contemp orânea de d ireitos humanos, marcada
pela universalidad e e
indivisibilidad e dos direitos, considerando universalidad e na concepção de que a condição
humana é o requisito único p ara a titularidade de direitos e o ser humano como um ser
essencialmente moral, dotado de unicidad e existencial e d ignidad e. A indivisibilidade dos
direitos humanos co mbina o discurso liberal e o discurso social da cidad ania, conjugando o
valor da liberdade ao valor d a igualdad e, na medida em qu e considera os direitos
econômicos, sociais e culturais em mesmo grau de imp ortância e urgên cia que d iretos civis
e p olíticos.
Fazendo uma análise sobre as fases dos direitos humanos, esta intelectual enfatiza
que a p rimeira fase dos direitos humanos foi marcada p elas conseqüências da Segunda
Guerra Mundial que seria “a tônica do temor da diferença (ou da diferenciação)” gerada
pelo Nazismo, o que levou a comunidade internacional de direitos humanos a uma atenção
esp ecial à p roteção geral com base n a igualdade formal.
No entanto, no decorrer da evolução dos direitos humanos nos anos, verificou-se a
insuficiência do tratamento do indivíduo de forma genérica e abstrata, quando constatada a
vulnerabilidad e de d eterminados grup os se não tratados p or p roteção especial e
particularizada. Ao contrário, determinadas violações de direitos exigem resp ostas
esp ecíficas e d iferen ciadas, como, p or exemplo, com relações a mulheres, as crianças e a
pop ulação afrodescend ente.
Neste mesmo sentido, exp õe Kabenguele M unanga (2006), que, depois da Segund a
Guerra, verificou-se que esse mod elo de Estado neutro p erante as questões provocadas p ela
diversidade dos grup os étnico-culturais, seria incap az de resolver as questões resultantes
das controvérsias concernentes ás minorias.
Flávia Piovesan (2006) considera que, diante deste contexto, no âmbito dos direitos
humanos, ao lado do d ireito à igualdade surge também, como direito fundamental, o direito
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à diferença. Assim, a diferen ciação não mais seria utilizada p ara a aniqu ilação de direitos,
mas, ao invés, p ara a p romoção de d ireitos.
A partir do séc. XIX, diante da extrema atenção dada às liberdades privadas e
ao individualismo próprio das sociedades burguesas, e da constatação da necessidade
de se atentar aos componentes sociais que ocasionam desigualdades e de se elaborar
diretrizes que compensassem essas desigualdades sociais para se garantir as
liberdades sociais, e, com base no conceito da justiça distributiva de Aristóteles,
desenvolveu-se o princípio da solidariedade e os chamados direitos sociais.
È nessa perspectiva que está inserida a Educação em Direitos Humanos com
foco na diversidade.
III.III – Educação em Direitos Humanos-S ujeitos e metodologia
SUJ EITOS
Diante de toda a refle xão nacional e internacional no âmbito da comunidade de
direitos humanos, e em contextos locais, sobre a Educação em Dire itos
Humanos, outra questão se coloca: Para quem deveriam ser direc ionadas as ações
de Educação em Direitos Humanos? Se tem como objetivo a participação política
da sociedade, aos cidadãos com dificuldade ao acesso à educação formal? Se te m
como objetivo o exercíc io da cidadania pelos cidadãos, às instituições e aos
carentes? Se tem como objetivo a transformação dos indivíduos em sujeitos mais
felizes e aptos a se desenvolverem, às crianças e aos jovens? E se tem como
objetivo a transformação de atitudes, ou valores, em condutas democráticas,
comunitárias, e pacíficas, a todos?
Assim como em outros documentos internacionais que versam sobre a Edu cação em
Direitos Humanos, entre eles o das Nações Unidas e de outros p aíses, o Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos, ao resp onder a p ergunta que ficou recorrente nos debates
internacionais a resp eito de p ara quem d everia ser direcionada a atividad e de Edu cação em
Direitos Humanos, também p laneja sua ação classificando a atividade em Educação em
Direitos Humanos na edu cação básica, fundamental, sup erior, p ara funcionários públicos,
profissionais do p oder judiciário e segurança, edu cação sup erior, não formal e p ara os
meios de co municação.
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272
Considerando em esp ecial os asp ectos ap ontados como relevantes à forma como se
constrói e se combate a discriminação étnica, cultural e racial, só faz sentido falar em
Educação em Direitos Humanos p ara todos.
COMO
José Sérgio de Carvalho (2004), nos mostra como se dá a formação ética de uma
pessoa, comp arando o ap rendizado dos valores com o ap rendizado da lin gu agem falad a. Da
mesma forma que ap rendemos a falar p ortuguês, por exemp lo, a p artir dos modelos de
vários adultos com quem convivemos em nosso grup o familiar, em nosso bairro,
professores, etc., da mesma forma vamos comp ondo o nosso arcabouço de v alores.
Segundo ele, a educação tem essencialmente, junto a outros valores da socied ade, a fun ção
de trabalhar os valores do indivíduo em formação.
Para Bhikhu Parekh ao exp or sobre educação mu lticultural “concerne à educação
não somente a socialização, mas também a humanização, que au xiliam os estudantes a se
tornarem não somente bons cidadãos, mas também p essoas integradas co m o bom
desenvolvimento intelectual, moral e de outras cap acid ades e sensibilidades qu e os
possibilitem se sentir em casa, no rico e diverso no mundo humano” (Parekh, 2000, p.
227[tradução p róp ria]). Argumenta, no entanto, que atenção esp ecial deve ser dada a
metodologia utilizada para esta formação uma vez que, para que essa exp eriência seja
vantajosa e não desastrosa; não é o bastante colocar no currículo d iferentes religiões,
culturas e sistemas de crença, mas deve-se levar os alunos a um frutífero diálo go sobre as
diferenças. Exemp lifica dizendo que os indivíduos envolvem-se nos fatos sociais por meio
de diferentes experiências que produzem diferentes julgamentos. Assim, “um dos objetivos
centrais da educação deveria ser equip ar os estudantes p ara p articip ar desta conversa e,
então, quebrar as fronteiras de suas simp atias e ap reciar a comp lexidad e da verdad e e da
irredutível div ersidade de interpretações.” (Parekh, 2000, p . 229 [tradução próp ria]).
Conforme disp õe Comparato, “a solidariedade p rende-se à id éia d e resp onsabilidad e
de todos p elas carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grup o social.”
(Comp arato, 2006, p . 538). De acordo com esse p rofessor, a solidariedad e é um sentimento
que leva os seres humanos a se au xiliarem mutuamente, p artilhando a dor com o outro ou
se p rop ondo a agir p ara atenuá-la a p artir da no ção d e que somos indivíduos co m vínculos,
em uma comunidade, estamos ligados a uma história e a nossos descendentes e
ascendentes. Estamos ligados e co mp rometidos com a socied ade em que vivemos.
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273
Segundo Lia Diskin (2002), a conduta solidária está vinculad a à cooperação ,
emp atia grup al, diálo go grup al, ap oio mútuo, confiança, disp osição p ara a solução de
problemas.
José Leon Crochik (1995) acrescenta que, no entanto, p ara a solidariedad e ocorrer
devemos atentar a alguns asp ectos: Em seu entendimento, a solidariedade está relacion ada
com a identificação com o outro. O conflito em ser solidário a alguém que está sendo
humilhado está relacion ado à nossa vontade, p or uma lado, d e ser solidário p or nos
identificarmos com a vítima, e p or outro, a nossa vontade de nos afastarmos e nos
diferenciarmos dela p elo medo de ser igualmente humilhado. Esta última conduta, também
ocorre p or que nos identificamos com a vítima. Assim, a solidaried ade só existe quando um
indivíduo p ode se identificar com o outro sem ter que ocu ltar esta identificação, p ode se ver
como o outro, sem ter que se anular ou anular o outro.
Contudo, a metodologia p articip ativa junto a atividades de simulação tem sid o
evidenciada co mo a forma mais p rop ícia a alcançar os objetivos e resultados esp erados da
Educação em Direitos Humanos com fo co na d iversidad e. Isto p or que: essa metodologia
estimule a p articip ação do indivíduo, não somente em sala de aula, mas p rincip almente em
sua sociedad e, atribuindo-lhe resp onsabilidades sobre a realid ade que se encontra em sua
volta e a sua comun idade; p ermite o exercício p elo indivíduo d e observar a si mesmo em
ação, isto é, observar suas condutas p adronizadas p ela cu ltura e testar outras p ossibilidades
para transformá-las; p ermite ao indiv íduo o desenvolvimento do exercício de observ ar as
condutas dos outros e as p róp rias reações diante dessas condutas que, também, p odem ser
transformadas se não forem construtivas; contudo, possibilita a reflexão e a comun icação
sobre o preconceito e a discriminação, sentidos e vividos.
É essencial observar qu e o ambiente em que se esteja p rop orcionando uma
exp eriên cia d e educação em d ireitos humanos, envolva-se de atitudes que estejam coerentes
com aquilo que se está pretendendo ensinar.
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EDUCAR PARA OS DIREITOS HUMANOS : desafio da extensão universitária
Simon e Cabral M arinho dos Santos
Introduç ão
A p ersp ectiva de educação em direitos humanos vem p aulatinamente ganhando
fôlego no debate nacional na atualid ade. Ações e atividades vêm sendo desenvolvidas, não
só p or organizações governamentais, mas p rincip almente não-gov ernamentais, vez que a
preocup ação com a edu cação em direitos humanos teve início co m os movimentos
pop ulares. É nesse viés que o Projeto Direitos Humanos em Tempos de Desumanização,
enquanto ação extensionista universitária destaca o p ap el estratégico da educação em
direitos humanos, tida como esp aço privilegiado p elos atores e atrizes sociais e agentes
institucionais que incorporam a p romoção dos direitos humanos como p rincíp io e diretriz.
Este texto, p ortanto, tem como objetivo d escrever as intenções do referido p rojeto,
suas atividades, metodolo gia e contribuições sociais. Para tanto, num p rimeiro momento,
serão descritas breves notas sobre a p ersp ectiva histórica dos direitos humanos,
esp ecialmente, no Brasil. Num segundo mo mento, o p ap el da Universidade e da extensão
universitária, e, por último, o cen ário de atuação do p rojeto e as ações p or ele p retendidas.
A favor da e ducação e m direitos humanos: pri meiras abor dagens
Para começo de conversa, quando falamos em Direitos Humanos, p ensamos os
direitos como garantia jurídica, social e política do indivíduo, contrapondo-se à sua
histórica restrição aos que são ap resentados como concessão estatal e vontade p essoal do
govern ante, servindo ap enas como instrumento de rep ressão e op ressão. Desde o
surgimento do discurso p olítico que ap onta o indivíduo como fonte de p oder e titular de
direitos no Estado moderno, sendo este o sujeito central da esfera p olítica, os direitos do
homem tornaram-se de d ireitos naturais, direitos positivos. Reconhecer os direitos do
homem imp licou, historicamente, em sua constitucionalização (BOBBIO; 2000).
Com a Declaração Univ ersal dos Direitos Humanos em 1948 observ a-se que os
direitos políticos, sociais, culturais, econômicos, civis e sociais declarados confrontam-se
com a ordem social estabelecida, o que se p ermite p ensar em uma nova dimensão
democrática dos direitos. Para isso, é necessária a existência de mecanismos e instrumentos
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favoráveis à garantia desses direitos. A garantia da p romoção dos direitos fundamentais
inerentes aos seres humanos está estreitamente relacion ada à existência d e uma socied ade
civil forte e articulad a. O p rocesso Constituinte é exemp lo disso, na medida em que se
constituiu, não ap enas num marco da p articip ação p op ular, mas também como grande
laboratório de articulação dos diferentes atores sociais em torno de um objetivo comum:
inserir um maior número de direitos na Carta Magna.
Contudo, os avanços na área dos d ireitos humanos exigem instrumentos eficientes
para transformar as leis e tratados em garantias con cretas no dia-a-dia das pessoas, vez que
a imp lementação desses direitos não acontece de imediato e são necessárias a articulação, a
pressão, acompanhada de um p rocesso de mud ança de mentalidade. Não temos u ma
tradição de p ráticas constitucionais coerentes com o que está p osto nas normas juríd icas.
Basta fazermos referência a Sérgio Buarqu e de Holanda (1997; 160) quando afirma que “a
democracia no Brasil semp re foi um mal-entendido”, referindo-se ao fato que a
indep endência foi p roclamad a p elo Imp erador e a Rep ública p or M ilitares. Percebe-se,
então, que o Direito p or si só não é suficiente para p roduzir as transformações necessárias à
efetivação dos direitos humanos. O Direito é produzido p oliticamente e, ao mesmo temp o, é
produtor de resultados p olíticos (LEONELLI; 2001). Assim como o Direito, a educação
também é p roduzida e p rodutora de resultados p olíticos (LEONELLI; 2001). Por isso, a
efetivação dos direitos mais elementares p assa, necessariamente, p ela educação. Associados
constituem-se em instrumentos de exercício democrático e realização da cidad ania. Edu car
em direitos humanos é essencialmente p olítico e socialmente construído.
Assim, uma educação em d ireitos humanos exige que a lei exista p ara p roduzir a
igu aldad e entre todos e resp eitar a diversidade e a liberdade co mo condiçõ es da cidadan ia.
Trata-se de uma educação p ara o respeito à dign idade de todo e qualquer cidadão. Nisso,
uma educação em direitos humanos reconhece: o outro como tendo os mesmos direitos, a
mesma legitimidad e e a mesma dign idade, seja ele quem for; a aceitação da p luralid ade
cultural, com a sup eração da intolerância e dos mais div ersos tipos de preconceitos e a
noção de que o primordial é “ser p essoa” e não “ter” ou “p oder”. Essa concep ção arraigada
em nossa sociedade faz com que a pessoa destituída de p osses também seja vista como
desp rovida de direitos.
A educação em direitos humanos é marcada p ela p roteção e defesa dos direitos, a
partir do reconhecimento da diversidad e e da p luralidad e cultural. Não se restringe à
denúncia, “mas anuncia e cria novos modos d e p ensar, agir e relacionar-se consigo, com os
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outros, com o coletivo e co m o que é p úblico” (ZENAIDE: 2005, p . 352). Tem como
princíp ios a incorp oração da v isão crítica e p olítica d a educação, a universalidade, a
indivisibilidad e, a interdep endência e a inviolabilidade dos direitos humanos, a criação e a
multip licação de p ossibilidad es e metodolo gias d e ação, o p otencial crítico e transformador
da realidade p edagó gica, social e institucional, a construção de novos hábitos, valores e
atitudes e, essencialmente, a formação de sujeitos de direitos (ZENAIDE; 2005).
A p articip ação e articulação pop ular são imprescindíveis à op eração de mudanças
sociais que garantam a conquista dos mais diversos direitos humanos. Do contrário,
prevalece a visão fragmentada desses direitos, vez que a articulação vem perdendo força e
muitas organ izações p assam a atuar isoladamente, cad a uma com sua área específica.
Torna-se imp rescindível compreender que p ara transformar a realidade é necessário
trabalhar o cotidiano em toda a sua comp lexidade, com o objetivo de formar cidadãos(ãs)
emp enhados(a) na sup eração das desigualdades sociais existentes. Esses instrumentos são
construídos mediante as p ráticas educativas formais e n ão-formais.
Nesse caso, articular direitos humanos e educação é formar p ara a cidadania, é
criar novas p ráticas sociais, é identificar novos desafios. A educação em direitos humanos
reúne edu cadores p opulares e militantes orientados p ela mudança estrutural e p elas
demandas dos setores pop ulares. Assim, os movimentos sociais e as organizações nãogovern amentais, p articularmente, têm ganhado visibilidad e quanto à p reocup ação no que
tange as açõ es em educação em direitos humanos. M as, cada um(a) a seu modo dão
resp ostas diferenciadas à d emand as específicas
Posto isso, temos dois desafios: (a) co mo fomentar o trabalho em rede e o
estabelecimento de um d iálo go mais amp lo com a socied ade, sup erando o isolamento e o
reconhecimento da importância de outras reivind icações que não as p róp rias? b)como
fomentar uma prática edu cativa inspirada nos p rincíp ios de liberd ade e nos ideais de
solidariedade humana, co m a finalidade do p leno desenvolvimento do educando, seu
prep aro para a cidadania e sua qualificação p ara o trabalho (LDBEN nº. 9.394/96)? De um
lado temos a necessidade de garantir e incentivar a articulação e o trabalho em red e dos
diferentes atores sociais envolvidos na luta dos direitos humanos; de outro, criar
mecan ismos que reconheçam que a educação em direitos humanos no sistema educacion al
vai além da criação de u ma discip lina, ou mesmo de aulas e momentos reservados ao
debate acerca dos d ireitos humanos. Trata-se, na verd ade, de p rincíp ios que devem permear
toda a p rática escolar.
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280
As exp eriências educativas em direitos humanos estão sendo ap erfeiçoadas
conforme o contexto histórico e a realid ade em que estão inserid as. Resultados mais
recentes têm sido a amp liação d a p articipação política e popular e o p rocesso de
qualificação de grup os sociais e comunid ades p ara intervir na definição d e políticas
garantidoras da cid adania. Portanto, a construção de uma cultura em d ireitos humanos é de
esp ecial imp ortância em
todos os esp aços sociais. Esco la,
organizações
não-
govern amentais e comun idade têm um p ap el fundamental na construção dessa cultura,
contribuindo na formação de sujeitos de direitos, mentalidades e identidad es individu ais e
coletivas. Iniciativas que estimulem a organização e a p rop osição de p olíticas e ações
resultantes das reivind icações sociais começam a se transformar em realidade. O Pro grama
Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte (Brasil), segundo do País, cujo
documento foi produzido a p artir da II Conferência Estadual de Direitos Humanos realizada
nos dias 17 e 18 de d ezembro de 1998, em Natal-RN, foi resultado do esforço co letivo dos
diferentes atores sociais envolvidos na sua elaboração. Esse documento reúne as
reivindicaçõ es e anseios de grup os sociais, p oder p úblico, entidades e instituições
potiguares comprometidos com a exp ansão e legitimação de suas ações em favor da
garantia dos d ireitos humanos sociais, econô micos, políticos e civis. Nele está inserido a
luta em prol da educação em direitos humanos.
Há que se destacar o p ap el da sociedade frente às diferentes reivindicações em
favor da defesa e p roteção da educação em direitos humanos, através da amp liação dos
esp aços de exercício da cidadan ia. Dessa forma, representação p olítica, liberdad e civil e
particip ação têm sido a tônica das reivind icações democráticas que amp liaram a questão da
cidadan ia, fazendo-a p assar do plano político institucional ao da sociedade co mo um todo.
Como é fun ção p recíp ua do Estado a p restação de atendimento jurisdicional, fundamento
básico do Estado de Direito. Entende-se que para o integral acesso à justiça, faz-se também
necessário o conh ecimento e informações sobre os direitos, dado que os deveres,
princip almente o de obediência às leis, semp re veio em todos os temp os antes dos direitos.
Para tanto, a questão que se coloca é como fazer com que a efetivação de um determinado
sistema jurídico esteja intimamente relacionado com a realização do direito que o
instrumentaliza, ou seja, o direito ao acesso à justiça, quando, na verdade, as diferenças
sociais pressup õem distâncias e p roximid ades. Se remetermo-nos à classe habitante da
periferia, p ercebemos o comp lexo p rocesso de segregação e discriminação que carregam
por meio de estigmas da susp eita, da culp a e da incriminação permanentes. Isso tem
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HUMANOS DA UFPB
281
favorecido n essas localidades o ap arecimento de novas formas de controle social que
permitem a obediência e disp õem de outras formas de resolução de conflitos que não o
Direito, já que este não ch ega até elas (LOCHE, 1999). É o chamado p luralismo juríd ico.
Esse pluralismo jurídico reconh ece outra instância de autoridade que, não
necessariamente, venha do direito oficial (LOCHE, 1999). Por isso, quando se fala em crise
do direito e da administração da justiça não se considera ap enas o caráter elitista e a
concep ção hierarquizada destes, mas a crescente insatisfação p opular com a tradicion al
ineficácia do ap arelho estatal juríd ico. Daí é que a luta p ela conquista dos direitos, levada a
cabo p or setores sociais organizados, tem representado mudanças efetivas indisp ensáveis à
eficácia do Estado na p restação de serviços jurisdicionais à sociedad e.
O papel da Universidade e o desafio à extensão universitária
O grande d esafio à criação de espaços de inclusão social e man ifestação da
realização democrática que abordem o tema d a Edu cação em Direitos Humanos, é a
amp liação do sentido de educação p ara além da escola e da educação formal, “p ara alcan çar
múltip las iniciativas sociais que estejam p autadas na ética do reconhecimento do outro, da
inclusão e da igualdad e, com valorização da diferen ça” (LEONELLI; 2001, p . 87). Nesse
caso, não há como negar o p apel das instituições sociais comp rometidas com as demandas
sociais. É o caso do p ap el da Universidade com seu entorno social. A Universidade ao se
preocup ar com o cumprimento da sua fun ção social, é u ma forma d e estar junto aos que
tiveram seus direitos negados.
O artigo 207 da Constituição do Brasil de 1988, exp licita os p rincíp ios da
indissociabilidade entre ensino, p esquisa e extensão n a Univ ersidade A extensão, em
particular, rep resenta um reconhecimento da sua função social e o seu sentido público,
envolvida com os p roblemas d a sociedade em sua totalidad e, articulando saberes
acadêmicos e saberes pop ulares. A extensão como p rática acadêmica deve dirigir seus
interesses p ara as grandes questões sociais do p aís e aquelas demandad as p elas
comunidad es regionais e lo cais, na forma d e relações com os setores da socied ade civil e
política e na contribuição p ara a construção de u m p rojeto de mudan ça social. Tal é o
prop ósito do Projeto de Extensão Direitos Humanos em Tempos de Desumanização, do
Dep artamento de Educação, do Campus Avançado Profª M aria Elisa de Albuqu erque
Maia(CAM EAM), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte(UERN), realizado
em p arceria com o Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos, Convênio Nº
027/2006- M EC/SECAD/UERN, sob o reconhecimento de que as instituições sup eriores
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têm uma resp onsabilidade com a formação de p ersonalidades e a construção de saberes,
valores, p ráticas e visões de mundo como um p rocesso p ermanente. O nome do p rojeto
identifica-se com a emergência e imp ortância do tratamento dos direitos humanos na
sociedade atual, marcada p or p rofundas desigualdades sociais e resistências à p romoção
desses direitos. Foram ações estratégicas do Projeto:
1. Formação de p rofessores(as) (ensino fundamental) em exercício e gestores(as) dos
sistemas municipal e estadual de ensino, esp ecificamente no Alto-Oeste Potiguar, baseada
na atuação cidad ã, eticamente co mprometida com o fortalecimento dos direitos e das
liberdad es fundamentais, tendo em vista a n ecessidade de amp liar os esp aços de acesso e
discussão em torno do debate em educação em direitos humanos no interior do Estado,
particularmente numa região onde a mobilização social é extremamente insipiente e
disp ersa;
2. Fortalecer e ap oiar o Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos do RN,
articulando-se com o Conselho Estadual d e Direitos Humanos, através da realização de um
programa de ações educativas em 06(seis) municíp ios com Camp i da UERN (Natal,
Mossoró, Pau dos Ferros, Assu, Patu e Caicó) e nas cidad es de Parnamirim e Santa Cruz);
3. Criar um Núcleo de Estudos e Práticas Extensionistas em Educação em Direitos
Humanos (NUEDH), vinculado ao Departamento de Educação, do Campus Avançado Profª
Maria Elisa de Albuquerque M aia(CAM AM /UERN), envolvendo alunos, docentes,
técnicos admin istrativos de distintas áreas e IES, e co munidade em geral;
4. Realizar Cad astro de Instituições Sociais que atuam ou têm interesse na área da educação
em direitos humanos no Estado do RN.
Percebe-se, então, o comp romisso da Instituição Superior em ouvir e p lanejar suas
ações a p artir das necessidades do seu entorno social, localizado numa região qu e, à
semelhança de outras regiões brasileiras, tem se caracterizado historicamente, p elas
desigu aldad es e p ela exclusão social e econô mica. Nesse entendimento, a educação ganha
maior imp ortância quando direcion ada às potencialidades e ao pleno desenvo lvimento
humano de valores, crenças e atitudes em favor dos direitos humanos.
O cenário de atuação do Projeto Direitos Humanos em Tempos de Desumanização: o
desenvolvimento das ações
O Estado do Rio Grande do Norte (RN), ou simp lesmente, Estado Potiguar,
mesmo co m uma área de mais d e 53.000 km², é um dos menores Estados nordestinos. O
Estado limita-se a leste e ao norte, co m o Oceano Atlântico, a oeste com o Estado do Ceará
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e ao sul co m o Estado da Paraíba. A maior p arte de seu território situa-se em áreas de clima
semi-árido sujeito a secas, embora, o clima tamb ém favoreça a exploração das atividades
turísticas no litoral. Além da tradicional atividad e salineira, é um dos maiores p rodutores de
petróleo do p aís. De acordo com os dados do IBGE (2000), a p opulação do Estado é de
2.771.538 habitantes, sendo que 73,3% representam a pop ulação urbana, enquanto a
pop ulação rural rep resenta apenas 26,7% (IBGE, 2000). A cultura p op ular p otiguar se
alimenta das mesmas fontes da cultura nord estina, embora, tenha suas p eculiaridades
trazidas p elo colonizador p ortuguês, negros africanos e ind ígenas potiguares. As
manifestações culturais que ainda sobreviv em e p recisam ser valorizadas estão: a literatura
de cordel, as danças e os folgu edos, as feiras livres, as festas religiosas, o artesanato, o
teatro p op ular e os museus.
Embora o Estado tenha ap resentado significativo desenvolvimento ao longo dos
anos, os índices de exclusão social em seus diferentes níveis, a saber: p obreza, juventude,
alfabetização, escolaridad e, emp rego formal, violência e desigualdade, demonstram que
apenas os municíp ios de Natal e Parnamirim p ossuem um índice entre 0,5 e 0,6 (quanto
maior o índice (0,0 a 1,0), melhor a situação social), enquanto os demais estão abaixo das
condições mínimas de sobrevivên cia hu mana (POCHM ANN, AMORIM ; 2003). No AltoOeste Potiguar (Pau Ferros e cidad es vizinhas), esp ecificamente, somente Pau dos Ferros
encontra-se entre 0,4 e 0,5, sendo que os demais municíp ios encontram-se entre 0,0 e 0,4,
ou seja, altos índices de exclusão social (POCHM ANN, AMORIM ; 2003).
Tomando p or referência a realidad e do Estado Potiguar e, esp ecialmente, a do
Alto-Oeste Potiguar, na qual se lo caliza o Campus Avançado, p odemos p erceber o b aixo
nível de acesso aos direitos fundamentais das p essoas, ap ontando imensos desafios com
vistas à necessária p roblematização e reflexão sobre a garantia dos direitos humanos. Desse
modo, os p rincíp ios que orientam as ações serão trabalhados de forma a considerar as
demandas da realidade, p ermitindo mudanças de atitudes, valores e p ráticas de valorização
aos direitos humanos.
Com a organização das atividad es nas cidades d e abran gência d a UERN (Natal,
Mossoró, Pau dos Ferros, Assu, Patu, Caicó) e n as cid ades de Parnamirim e Santa Cruz,
reunimos rep resentação de vários segmentos da sociedade civil organizada, p oder p úblico,
Universidades e comunidade em geral, em ações co letivas, tendo o exercício da cidadan ia
como p rincíp io norteador. Somando-se a essa estratégia, está a escola, lo cus p rivilegiado
desse debate, a p artir de iniciativas de formação de p rofessores(as) (ensino fundamental)
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em exercício e gestores(as) dos sistemas municip al e estadual d e ensino, esp ecificamente
no Alto-Oeste Potiguar, tendo em vista situações e asp ectos emergentes da realid ade
educacional dessa região. No caso, p rivilegiaremos o debate sobre os temas e p rincíp ios da
educação em direitos humanos e os temas transversais, na medida em que estes são
orientados p or princíp ios baseados nos direitos humanos.
O Projeto Direitos Humanos em Temp os de Desumanização foi conduzido em
todas as suas etap as p ela equip e de trabalho, formada p or docentes do Campus
Universitário de Pau dos Ferros, membros do Comitê Estadual de Educação em Direitos
Humanos
e
discentes
do
Curso
de
Ped ago gia
(Dep artamento
de
Educação/CAMEAM /UERN). O p rojeto contou com três ações distintas, embora,
relacionadas.
A p rimeira ação, a formação d e p rofessores/as da edu cação básica em exercício
e gestores/as dos sistemas municip al e estadual d e ensino, esp ecificamente no Alto-Oeste
Potiguar, teve as seguintes etapas:
1ª etap a: Organização e sistematização d as atividad es p rop ostas p ela coordenação geral e
bolsistas do p rojeto;
2ª etap a: Prep aração das oficinas p elos(as) facilitadores (as), com apresentação do plano de
trabalho. Estes foram acompanhados(as) pelas bolsistas em todos os momentos da
atividade;
3ª etap a: Divulgação da atividad e na rede p ública de ensino e sensibilização do públicoalvo (p rofessores/as e gestores/as dos sistemas municip al e estadual de ensino);
4ª etap a: Execução das atividades, com realização de oficinas e seminários;
5ª etap a: Acompanhamento e sistematização das atividades realizadas p elos cursistas nas
escolas e mun icíp ios, durante e ap ós o curso.
O conteúdo p rogramático do curso discutiu:
a) A educação em direitos humanos, considerando: a indivisibilidade, a universalidade e a
interdep endência dos Direitos Humanos;
b) A educação em direitos humanos como um d ireito fundamental e seus p rincíp ios;
c) A educação em direitos humanos nas d eclaraçõ es internacionais de p roteção dos direitos
humanos: fundamentos filosóficos, éticos e p olíticos;
d) A conjuntura internacional e a d écada da edu cação em d ireitos humanos (1995-2004);
e) A conjuntura n acional e a institucionalização do Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos;
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f) Eixos temáticos do Plano Nacion al de Educação em Direitos Humanos;
g)Ap resentação dos p rogramas governamentais (federal, estadual e municipal) em Direitos
Humanos
h) As diretrizes da LDBEN 9.394/96 em relação aos p rincíp ios da educação em direitos
humanos;
i) Fundamentos teórico-metodoló gicos em relação à educação em direitos humanos e o
projeto político pedagógico da escola
j) Literatura e Direitos Humanos
l) Estatuto da Criança e do Adolescente
1. Indiscip lina e vio lência na escola
2. Rebeldia e delinqüên cia juvenil: desmistificando o ECA
m) Preconceito e discriminação étnico-racial e de gênero
n) Sexualidad e e orientação sexual
o) Diversidade e p luralidade: a esco la do campo e a da cidade
1. Oficina de p rodução de textos a p artir da experiência desenvo lvida
O curso de formação contou com a particip ação de ap roximadamente 40
professores e gestores da educação b ásica de mun icípios do Alto-Oeste p otiguar (ao todo
13 municíp ios). Com uma carga horária de 80 horas/au la foi realizado em março de 2007.
Tivemos ainda a p articip ação de agentes sociais que atuam em organizações nãogovern amentais como : Pastoral da Criança e Sindicato dos Trabalhadores em Educação do
Estado (SINTE-RN). Uma das p rincip ais contribuiçõ es desse curso foi construir uma
agenda de debates e discussão nas escolas e municíp ios de atuação profissional dos
cursistas sobre a p rática dos direitos humanos na escola, na sala d e aula e em espaços da
esfera p ública. Os cursistas atuaram como multip licadores dos saberes mediados, através da
socialização das atividades realizadas durante ou ap ós a formação, destacam-se: 3ª M ostra
Municip al Sócio-Educativa de Sexualidade Humana n a p ersp ectiva dos direitos humanos,
em esp ecial, ao enfrentamento à vio lência de gênero -municíp io de Encanto-RN; Ações
sócio-educativas de comb ate à delinqüência infanto-juven il na escola em p arceria com o
Conselho Tutelar; R evitalização da Brinquedoteca em p arceria com a Pastoral d a Criança Pau dos Ferros-RN; Palestra sobre a M aioridade Penal, em p arceria com SINTE-RN,
Juizado, Promotoria Pública e UERN- Pau dos Ferros-RN.
Iniciad a em jan eiro de 2007, a segunda ação consistiu na realização de Jornad as
de Educação em Direitos Humanos, como o ob jetivo d e fortalecer o Comitê Estadual de
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Direitos Humanos nas cidad es com Camp i da UERN (Natal, M ossoró, Pau dos Ferros,
Assu, Patu e Caicó), e nas cidades de Parnamirim e Santa Cruz, reunindo os diferentes
atores sociais envolvidos em atividades de educação em direitos humanos co mo:
profissionais da justiça e segurança p ública, profissionais da mídia e d a edu cação básica,
ensino sup erior e educação não-formal. O objetivo dessa ação era divu lgar o Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) e construir estratégias de
construção do Plano Estadual de Edu cação em Direitos Humanos. Em cada mun icíp io foi
constituído grupos de trabalho que estão reunindo e articulando açõ es que agreguem outros
sujeitos sociais para construção do Plano Estadual d e Educação em Direitos Humanos. Essa
atividade está garantindo a continuidade do p rojeto e a tentativa de construir uma cultura da
prática e vivência da educação em d ireitos humanos. Constituíram-se etap as desta ação
1ª etap a: estratégias de divu lgação, mobilização e organização dos encontros;
2ª etap a: Sistematização dos encontros
3ª etap a: Visita aos mun icíp ios, co m o ob jetivo de formar os grup os de trabalho, com
rep resentantes do Comitê e demais atores da sociedade civil organizada, terceiro setor,
poder p úblico, Instituição de Ensino Sup erior, Esco las e Profissionais da Justiça e d a M ídia.
O conteúdo p rogramático das Jornad as de Direitos Humanos buscou p rivilegiar
o debate sobre:
a) A educação em direitos humanos, considerando: a ind ivisibilidade, a universalidad e e a
interdep endência dos Direitos Humanos;
b) A educação em direitos humanos como um d ireito fundamental e seus p rincíp ios;
c) A educação em direitos humanos nas d eclaraçõ es internacionais de p roteção dos direitos
humanos: fundamentos filosóficos, éticos e p olíticos;
d) A conjuntura internacional e a d écada da edu cação em d ireitos humanos (1995-2004);
e) A conjuntura nacion al e a institucionalização do PNEDH;
f) Eixos temáticos do PNEDH;
g) Ap resentação dos p rogramas governamentais (fed eral, estadual e mun icipal) em Direitos
Humanos;
h) Estratégias de Construção do Plano Estadual d e Educação em Direitos Humanos;
A terceira ação realizada foi o Cadastro Institucional no Rio Grande do Norte
(RN) de exp eriências em Educação em Direitos Humanos, consid erando os eixos temáticos
do PNEDHs:
1. Educação Básica: Secretaria Municipal de Educação (Natal-RN);
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2. Educação Superior: UERN;
3. Educação Não-formal: Centro de Ap oio à Criança e ao Adolescente-CACA; Centro
Direitos Humanos e M emória Popular-CDHM P; Pró-Cidadania; Centro de Estudo,
Pesquisa e Ação Cu ltural-CENARTE; Instituto de Assistência Técnica e Extensão
Rural/EMATER-Pau dos Ferros; CEPEAM-Pau dos Ferros(RN); FUNDAC-Pau dos
Ferros; APAE-Pau dos Ferros; CREAS-Pau dos Ferros; Pastoral da Criança-Pau dos
Ferros; Associação B eneficente Joana Mirim (ABJOM)– Grup o Voluntário ELOS VIDAS/
Pau dos Ferros;
4, Educação dos Profissionais dos Sistemas d e Justiça e Seguran ça: Ouvidoria de Polícia do
RN; Escola da M agistratura do Rio Grande do Norte(ESMARN); Comp lexo Penal
Regional d e Pau dos Ferros/RN
5. Educação e Mídia: Não houve cadastro.
Ainda como estratégias direcionad as p ara a estruturação e fortalecimento do
Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos do RN realizamos: Audiência de
lançamento do Plano Nacional de EDH na Assembléia Legislativa do Estado (04/05 /07);
Reuniões co m o Co mitê Estadual d e DHs do RN e elaboração d a Home-page do Comitê
Estadual de DHs do RN. E como forma de garantir a continuidade das açõ es em educação
em direitos humanos foi criado o Núcleo d e Práticas Extensionistas na Área da Educação
em
Direitos
Humanos
(NUEDH),
vinculado
ao
Dep artamento
de
Educação(CAMEAM /UERN), com a p articipação de do centes, discentes, fun cionários da
Universidade, profissionais da educação básica, rep resentantes do p oder p úblico e
organ izações não-governamentais.
O desenvolvimento dessas ações possibilitou significativo amadurecimento da
prática extensionista no interior da instituição universitária, além do ap rimoramento dos
instrumentos de valorização da extensão como comp onente acad êmico, p resente nas
discussões de reformulação do Projeto Político Pedagó gico do Curso de Pedago gia, o qual
o referido p rojeto é vinculado. Ap esar da p ercep tível mudança d e natureza, em qu e cada
vez mais a extensão deixa de ser simples transferência de conhecimento e p assa a ser um
processo de construção coletiva de melhoria da qualidade acadêmica, a mobilização social
para a defesa e p romoção dos direitos humanos, somada a situação marginal que
tradicionalmente a extensão viven cia na acad emia, foram os nossos grand es desafios.
Custou-nos a dificuldade de mobilização de sujeitos sociais p ara p articip ar, p lanejar e
construir as Jornadas de Educação em Direitos Humanos. Custou-nos também a dificuld ade
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de p articip ação de p rofessores em exercício que n ão conseguiam liberação p ara particip ar
das atividades.
No entanto, desenvolver u ma p olítica de extensão univ ersitária, d emand a a
continuidade das ações, a regu larid ade das atividades e amp liação das condições de
efetivação das açõ es p rop ostas. Essa atividade p retende ter caráter p ermanente e
institucional e não p ontual e residual. Para isso, a consolidação da extensão resulta da
articulação com a p esquisa e o ensino e de indicadores qualitativos da relação com a
sociedade. Se é p ossível medir o imp acto social desse p rojeto, remetemo-nos ao processo
de institucionalização da extensão como p rática acadêmica que p otencializa e p ossibilita o
acesso ao conhecimento que o ensino regu lar e a p esquisa ainda não realizam. Não há como
discutir a p roximidade da Universidade co m os sujeitos sociais envolvidos nas ações do
projeto. A troca entre o saber acadêmico e o saber p opular faz da extensão o viés
indisp ensável p ara a mudança e transformação do p ensamento. Partindo desses prop ostos
apontamos os seguintes resultados do projeto Direitos Humanos em Tempos de
Desumanização:
a) Divulgação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), através do
curso de formação p ara p rofessores(as) e gestores(as) e p articip antes da comunidade;
b) Audiência p ública na Assembléia Legislativa p ara lançar e discutir o PNEDH;
c) Fortalecimento do Comitê Estadual de Edu cação em Direitos Humanos;
d) Formação de, ap roximadamente 40, p rofessores/as (ensino fundamental) em exercício e
gestores/as dos sistemas municip al e estadual de ensino, esp ecificamente, no Alto-Oeste
Potiguar;
e) Contribuir p ara a formação continuada d e professores/as e gestores/as da red e p ública, no
desenvolvimento de abordagens teóricas e metodoló gicas em educação em direitos
humanos f) Persp ectiva de ampliação da p articip ação social, através dos grup os de trabalho
formados em cada municíp io de referência da UERN, com o objetivo de difundir as ações
do PNEDH e construir o Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos;
g) R ealização do cadastro de instituições sociais qu e atuam ou têm interesse na área dos
direitos humanos no RN;
h) Contribuição nas discussões de inserção na persp ectiva da educação em direitos
humanos como eixo norteador dos p rojetos p olíticos pedagó gicos das escolas;
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i) Fomento do debate dos temas transversais na esco la, já que estes são orientados p or
princíp ios baseados nos direitos humanos e, esp ecificamente, no Estatuto da Criança e do
Adolescente;
j) Promoção e p articipação de eventos acadêmicos que desp ertem os(as) gestores(as)
públicos, educadores(as) e os movimentos sociais para a construção de uma agenda de
discussão sobre educação em d ireitos humanos;
l) Criação do NUEDH
Tecendo conclusões para iniciar o debate
Na medida em que a extensão deixa de ter uma função comp lementar na
dinâmica d a vid a univ ersitária e p assa a ser u m elo significante d as demais funçõ es (ensino
e p esquisa), ela se insere como atividad e necessária à formação un iversitária. É na
articulação co m a sociedad e civil organizada e n a formação d e p rofissionais da educação
que a Universidade, através d este p rojeto, sinaliza para a necessidad e de construção de
novas p ráticas de educação em direitos humanos, tendo em vista que os espaços formais e
não-formais de educação rep resentam a transmissão e a construção do conhecimento em
educação p op ular, do processo de p articip ação e das açõ es coletivas, tendo o exercício
democrático como p rincíp io norteador.
A experiência d a construção co letiva, de gestão comp artilhada qu e p erp assa o
trabalho desenvolvido nas diversas etap as e processos organizativos, desde o p lanejamento
até a atividad e fin al p rop orcionou não só um diálo go entre o saber formal e informal acerca
dos direitos humanos, integrando agentes institucionais e sociais, como também, a
articulação de formas educativas diferenciadas, envo lvendo o contato e a p articip ação direta
dos atores e atrizes sociais e grup os p op ulares. A extensão, em articulada com o ensino e a
pesquisa, traduz-se como atividade necessária à formação universitária. No camp o dos
direitos humanos tem se revelado uma atividade de sign ificativa imp ortância para sua
promoção e d isseminação, qu ando articu la Univ ersidade e socied ade civil organ izada em
ações que valorizam a transmissão e construção do conhecimento através da p articip ação e
de ações co letivas, tanto em espaço de educação formal quanto não-formal.
O p rojeto de extensão Direitos Humanos em Temp os de Desumanização,
enquanto atividade p ioneira na área de educação em d ireitos humanos na Região Oeste do
Rio Grande do Norte, pode ser visto como a germinação d e uma semente que trará como
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fruto a construção de novas práticas de educação em direitos humanos, adotando como
princíp io norteador o exercício d a democracia.
Vivemos durante sua realização uma boa exp eriência de construção coletiva e de
gestão comp artilhada n as diversas etapas e p rocessos organizativos, desde o p lanejamento
até a concretização d as atividades. Sua realização prop orcionou o diálogo entre o saber
formal e informal acerca dos direitos humanos, integrando agentes institucionais e sociais,
como também, a articu lação de formas educativas diferenciadas, envolv endo o contato e a
particip ação direta dos atores e atrizes sociais e grupos p op ulares. Assim, avaliamos como
asp ectos p ositivos dessa atividade:
- A articulação com segmentos organizados e o reforço do p ap el social da Universidade;
- Excelente material p roduzido durante as oficinas: poemas, músicas, textos, p lanejamento
de aulas, desenhos etc;
- Articulação entre os municíp ios do Alto-Oeste Potiguar p articip antes do Projeto;
- Persp ectiva entre integrantes do p rojeto e particip antes do curso de dar continuidad e às
ações em Educação em Direitos Humanos.
M as também encontramos algu mas dificuldad es na execução do p rojeto:
- Burocracia no rep asse de recursos e pagamento de desp esas;
-Dificuldad e de contemp lar todos os municíp ios e garantir particip ação dos p rofessores no
curso. Ap esar de solicitarmos ap enas dois p rofessores/as e um gestor(a) p or municíp io às
secretarias municip ais de educação, em algumas delas, não houv e liberação, o que
ocasionou significativa desistência;
- Excesso d e ativid ade e ações p ara serem executadas em pouco temp o (referimo-nos ao
prazo do convênio que foi de seis meses, embora, p osteriormente p rorrogado).
Enfim, diante de tudo o que vivemos e conseguimos construir/realizar com esse
Projeto, sentimos que devemos dar continuid ade às ações, buscando fortalecer as iniciativas
que temos desenvolvido na área de educação em diretos humanos em nossa Universidade.
Daí a imp ortância do NUEDH (resultado do Projeto), assim como, d e novos ed itais e de
novos convênios na área que incentivem tais ações.
Referências
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de Janeiro: C ampus, 2000.
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HUMANOS DA UFPB
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A ASSESSORIA JURÍDICA UNIVERSI TÁRIA POPULAR NA
EFETIVAÇÃO DOS DIREI TOS HUMANOS
139
Bruna Junqueira Ribeiro
Lucas Carvalho de Oliv eira 140
Carla Miranda
Luana Renostro Heinen
Júlio César Andrade
1. Introdução
O Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Pop ular (NAJUP) é um coletivo d e
estudantes que desde o ano de 2004 se reúne com o ob jetivo de consolidar a extensão
universitária dentro da Universidade Federal de Goiás, mais esp ecificamente dentro da
Faculdade de Direito. Ao longo desses quatro anos, o NAJUP realizou diversas atividades
no âmbito da assessoria jurídica p op ular, ou seja, através da conscientização das pessoas a
fim de que se conceb am co mo sujeitos de direitos, numa p ersp ectiva emancip atória. Essas
atividades consistem na cap acitação dos p róp rios estudantes e de outros grupos organizados
na comunid ade. O NAJUP tem, p ortanto, um histórico de exp eriências “exitosas” e não
“exitosas”, mas, foram justamente estas que fizeram com que o NAJUP p ersistisse em seu
prop ósito e amadurecesse sua atuação em d efesa dos Direitos Humanos e da humanização
do ensino jurídico.
Assim, o Núcleo d e Assessoria Jurídica Universitária Pop ular é, antes de tudo, um
núcleo que se prop õe a discutir e comp reender o Direito dentro do contexto da socied ade
brasileira atual. Tem como objetivo a reflexão sobre a estruturação, atuação e comp osição
do Poder Judiciário, sobre o ensino juríd ico e d ireitos humanos, e p rincip almente sobre
como é pensado o Direito dentro da Universidad e a fim d e que não se restrinja a ela. O
NAJUP pensa, portanto, o Direito como instrumento de transformação da socied ade, e na
necessidade de provocar essa reflexão no esp aço da Universidade, a p artir da realidade que
nela se insere p or meio da p esquisa e da extensão.
Desta forma, o p resente trabalho insere-se na p rop osta do Direito Crítico, na sua
persp ectiva prática. Cump re esclarecer e justificar a inserção dessa p rop osta na linha do
pensamento crítico do Direito.
139
140
Universidade Federal de Goiás. [email protected]
Universidade Federal de Goiás. carvalho3005@ hotmail.com
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HUMANOS DA UFPB
293
Wolkmer (2002, p . XIV) define “p ensamento crítico” como sendo “(...) a
formulação ‘teórico p rática’ de se buscar, p edago gicamente, outra direção, outro referencial
epistemológico que atenda ás contradiçõ es estruturais da modernidade p resente. (...) u ma
forma de visualizar o mundo dos v alores hu manos e o mundo d a desmaterialização jurídica
(...)”.
Paulo Freire aponta que a crítica p ode significar: aqu ele conhecimento que não é
dogmático, nem p ermanente, (mas) que existe num contínuo p rocesso de fazer-se a si
próp rio. E, seguindo a posição de que não existe conhecimento sem práxis, o conhecimento
crítico seria aquele relacionado com certo tipo de ação que resulta na transformação da
realid ade. (WOLKM ER, 2002)
Portanto, o NAJUP filia-se ao p ensamento de Paulo Freire ao buscar refletir o
direito por meio d a pesquisa e p rincip almente da extensão. Não há que se falar em
conhecimento se não o vermos como resultado de ação-reflexão dentro de um contexto de
contradições a serem comp reendidas. Assim também o Direito. Para Filho (1982), Direito é
processo, dentro do p rocesso histórico: não é uma co isa feita, p erfeita e acabad a; “é aquele
vir a ser que se enriquece nos mov imentos de libertação das classes e grup os ascendentes e
que definha nas exp loraçõ es e op ressões que o contradizem, mas de cujas p róp rias
contradições brotarão as novas conquistas.” (FILHO, 1982).
A atuação do NAJUP insere-se, p ortanto, dentro da linha da crítica juríd ica p rática
na medida em que se prop õe a realizar e concretizar a extensão dentro da UFG, buscando
através da metodolo gia da Educação Pop ular, p romover a orientação em d ireitos, sobretudo
direitos humanos, p or meio da assessoria jurídica univ ersitária pop ular. É no processo
dialó gico estabelecido entre a Universid ade a co munidad e que os estudantes de Direito
enxergam a realidad e, as contradiçõ es, e compreendem melhor o Direito em sua p ersp ectiva
dinâmica, in acabada e transformadora.
2. O Diálogo com a Comunidade
Na sua maioria, os estudantes de Direito passam todo o p eríodo da graduação
envoltos em uma atmosfera individu alista, comp etitiva, furtando-se de refletir sobre ética,
moral, princíp ios, cultura; tudo isso ainda sob uma metodologia de ensino bancário. A
conseqüência p ercep tível hoje é u m p rocesso de desuman ização dos estudantes de direito, o
que contribui enormemente p ara o mau funcionamento do Judiciário. Sérgio Adorno, na
obra Os Aprendizes do Poder, assevera que “a criação e fundação dos cursos jurídicos no
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HUMANOS DA UFPB
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Brasil, na p rimeira metade do século XIX, nutriu-se da mesma mentalid ade que norteou a
trajetória dos princip ais movimentos sociais que resultaram na autonomização p olítica
dessa sociedade: o indiv idualismo p olítico e o liberalismo econô mico. A constituição do
Estado Nacional reclamou tanto a autonomização cultural quanto – e sobretudo – a
burocratização do ap arelho estatal” (ADORNO, 1988).
Os cursos jurídicos destinavam-se, e ainda d estinam-se, p ortanto, à comp osição do
aparelho estatal, de forma que se tem um ensino tecnicista, rep rodutor, alheio à realid ade
social e política, ou seja, n ada crítico. Isso não deixa de ser uma maneira de reiteração do
Direito na qualidade d e instrumento de manutenção do sta tus-quo e de d efesa d as minorias
ricas deste p aís.
Diante disso e do total isolamento d a Universid ade, o NAJUP tentou estabelecer o
diálo go com a comunid ade, inicialmente, com os movimentos sociais, a exemp lo do
próp rio histórico da Assessoria Jurídica Popular, que concretizou sua p ráxis através de
cursos, seminários e p alestras em sindicatos, comunidades de b ase e mov imentos p op ulares.
É daí que nasce também a p róp ria Assessoria Jurídica Pop ular, do diálo go entre os
movimentos p opulares, advogados e entidades defensoras dos Direitos Humanos.
Na Universidade, um exemp lo dessa metodologia é o Direito achado na Ru a, da
UnB, em Brasília. O direito achado na rua foi lançado in icialmente em 1987 como um
curso à distância d e extensão, através da p ublicação produzida p elo Núcleo de Estudos p ara
a Paz e Direitos Humanos e p elo Centro de Educação Aberta, Continuada à Distância, da
UnB. Sua origem remete à solicitação de advogados de assessorias jurídicas p op ulares, de
comissões de direitos humanos e de movimentos sociais e suas organizações urban as e
rurais, no sentido de que a Univ ersidade desenvolvesse u m p rograma cap az de atender às
exp ectativas de uma reflexão acerca d a p ráxis social constituída na sua exp eriência co mum
de luta por justiça social e p elos direitos humanos. (SOUSA JR., 2004)
Roberto Ly ra Filho, fundador do “Direto Achado na Rua”, lo go busca fazer a
ligação entre os Novos M ovimentos Sociais e o Direito, transcendendo o legalismo e
procurando encontrar o direito na "rua", nas p raças, nos becos, no esp aço p úblico, nas
reivindicaçõ es do p ovo, nas manifestações culturais pop ulares, na luta p op ular.
(FERREIRA, 2004).
Em Goiânia, foi com o movimento Hip Hop que o NAJUP estabeleceu seu
primeiro contato. Dep ois, com o M ovimento dos Trabalhadores rurais Sem Terra, e mais
recentemente com os Sem-Teto. Ao longo do processo, foram consolidad as parcerias com a
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295
Casa da Juventude Padre Burn ier, com o Ibrace (Instituto Brasil Central), com o Colcha de
Retalhos (coletivo de jovens em defesa da d iversidad e sexual), com a Comissão de Direitos
Humanos da Assembléia Legislativa, dentre outras entidades que serão citadas ao lon go
deste trabalho.
Consequentemente, o NAJUP foi estreitando seus laços com entidades também
voltadas p ara defesa e efetivação dos Direitos Humanos, ou p ara a p róp ria Educação, em
direitos, e assim tendo visibilidade fora do lócus acadêmico.
Cump re ressaltar, antecip adamente, a fundamental importância da p arceria
estabelecid a desde o início do p rojeto com o Cerrado, escritório de Assessoria Jurídica
Pop ular, que estimulou e orientou inicialmente as ativid ades do NAJUP, fazendo esse elo
entre o ensino jurídico tradicion al e o contexto das contradiçõ es estruturais de nossa
sociedade.
O diálogo co m a comunid ade teve assim o seu início e assim p ermanece sendo
vital p ara a existência dos p rojetos do NAJUP na UFG.
3. A Assessoria Jurídica Popular (AJP) e Assessoria Jurídica Universitária Popular
(AJUP)
Dentro do que foi descrito e defend ido até o p resente momento, no que se refere à
Universidade, ensino jurídico e p ráxis, insere-se a p rop osta mais ampla de ação do NAJUP
que consiste na efetivação dos Direitos Humanos através da assessoria jurídica universitária
pop ular. Porém, ao se falar em assessoria jurídica universitária p op ular, há que falar na
assessoria jurídica p op ular, p ropriamente dita.
HAHNEMANN afirma que :
(...) os ‘serviços jurídicos’ podem ser compreendidos em várias acepções e
amplitudes, daí dependendo do conceito adotado, a prestação da assistência
jurídica (sentido amplo) será maior ou menor, ressalvemos enquanto alerta, a
tênue linha que separa conceitos como assistência jurídica, assistência judiciária e
assessoria jurídica (contendo ai a assessoria jurídica popular). (2004, p.91).
Para tanto, Lia demonstra com clareza:
A Assistência Jurídica deve ser conceituada e praticada como um instrumento de
acesso à ordem jurídica justa, e não apenas de defesa técnica processual ou préprocessual, como mal tem caracterizado este serviço, assim, reduzida em sua
atuação, melhor seria se chamada de Assistência Judiciária, reconhecendo o seu
limitado papel, apenas no âmbito do Judiciário. (2001, p.19-20).
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HUMANOS DA UFPB
296
Entretanto, deveria ser também p ap el da Assistência Jurídica p restar a assessoria
jurídicaprop riamente dita, p ara um real acesso ao Direito e à Justiça, visto que, sua redu ção
ao mero direito de p rotocolar uma ação p erante órgão do Poder Judiciário, não contribui
para a concretização dos direitos fundamentais.
Celso Fernando Camp ilon go traça u ma diferenciação entre os serviços legais
tradicionais, d entro dos quais estaria a assistência judiciária, e os serv iços legais
denominados p or ele de inovadores, que viriam a ser a assessoria jurídica p opular. A
cultura juríd ica liberal tem como característica essencial o indiv idualismo. Já os serviços
legais inovadores estariam ocupados com os casos que envolvessem ‘interesses coletivos’.
“Trata-se de ser livre na comunidade e não ser livre da comunid ade”. À comp etição
contrap õe-se a idéia de solid aried ade e “a ética que orienta essas ações é mais comp atível
com as novas lutas sociais (...)” (CAMPILONGO, 1991)
Desta forma, os serviços legais inovadores, que constituem a Assessoria Jurídica
Pop ular, substituem a postura p aternalista p elo trabalho de conscientização e organ ização
comunitária, au xiliando os grupos organizados a se reconh ecerem como sujeitos de direitos
e de transformação h istórica.
“ A população pobre e desorganizada não tem condições de competir
eficientemente na disputa por direitos, serviços e benefícios públicos, quer
no jogo das relações de mercado, quer na arena institucional (...)”, ou seja
“ a falta de consciência a respeito dos próprios direitos e a incapacidade de
transformar suas demandas em políticas públicas são combatidas com
trabalho de esclarecimento e organização popular para a defesa de seus
interesses.”(CAMPILONGO, 1991).
O modelo tradicional dos serviços legais pressupõe uma relação hierarquizada
entre advogados e clientes, cuja p ostura é de p assividade. É um modelo indiv idualista e
assistencialista. Ao cliente cabe somente exp or o seu p roblema e assinar a p rocuração. E a
mora “natural” do Poder Judiciário brasileiro, somada à alienação ao andamento do
processo anestesiam o cliente com relação à lide. Em contrap artida, os serviços legais
inovadores p rocuram estabelecer u ma relação d iferen ciad a entre advo gado e clientes, a
começar p or estes a quem não competirá apenas a ap resentação d e um p roblema, mas
também p ressionar os órgãos p úblicos, fazer greve, chamar a atenção dos meios de
comunicação, ou seja, fazer uso de estratégias que mob ilizem a socied ade como um todo.
A efetivação dos direitos fundamentais requer, p ortanto uma abordagem
interdiscip linar, que transcenda os conhecimentos meramente juríd icos e envolva elementos
políticos, sociológicos, ambientais, artísticos, etc.
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A Assessoria Jurídica Universitária Pop ular bebe nas definições do que venha a ser
a p róp ria AJP. Por isso a AJUP acaba p or questionar de forma in cisiva o ensino juríd ico
posto, visto ser este mera reprodução e cultuação das formas tradicionais dos serviços
legais.
Há uma íntima relação entre direito e p edago gia, uma v ez que a abord agem
pedagó gica dos Direitos Humanos é um meio de conscientizar as pessoas de que elas são
sujeitos de direitos, de forma que p ossam exercer sua cid adania, e ter um real acesso à
justiça. Para tanto, o NAJUP elencou a Edu cação Pop ular como metodologia de trabalho
junto às comunidad es, uma vez que os conteúdos trabalhados com os grupos resultam da
problematização das suas falas, o que reflete elementos esp ecíficos do contexto em que se
inserem.
Sobre a relação do assessor jurídico p op ular com o sujeito cujos direito são
violados Jacques ALFONSIN (1998, p.95) revela que: “observado como vítima, vê-se que
ele é u m sujeito que sofre de três carên cias princip ais, cap azes de sacrificar a sua p róp ria
dign idade como p essoa e cidad ão: são as carências do ter, do poder e do ser”.
Estas carências da pop ulação margin alizada, exclu ída socialmente, continua
Alfonsin, mostra que o sujeito não está amp arado efetivamente p ela Constituição Federal
na ordem econômica - o ter (não p ossui recursos econômicos suficientes a sua
sobrevivência), nem na esfera p olítica - o p oder (limitações de mudar p oliticamente, até
institucionalmente sua situação), tamp ouco naqu ela social; lo go, p elas d ificu ldades
materiais econômicas, acaba sofrendo um terceiro p rocesso de marginalização - o
psicológico : não se sente no mesmo p atamar dos cid adãos, e acaba n ão sendo (o ser).
O assessor jurídico deve, portanto, atuar como um facilitador no processo
pedagó gico, viabilizando a intensa p articip ação dos membros da comun idade durante o
aprendizado, de forma a emancip á-la, e não alimentando uma p rática assistencialista. A
assessoria jurídica p opular objetiva mais do qu e a simp les informação a resp eito dos
direitos e dos meios p ara tutelá-los; ela v isa a formação de agentes transformadores, com
senso crítico ap urado, cientes dos direitos como frutos de lutas humanas, coletivas.
A assessoria jurídica universitária p op ular, assim, visa, sobretudo, que essa
prática se inicie na Universidade, e interfira diretamente na formação dos estudantes, de
forma a humanizá-los para qu e se construa uma nova cultura jurídica também dentro das
Universidades e em seus Núcleos (de Prática Juríd ica, d e p esquisa e de extensão).
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Dialeticamente realiza-se uma educação em Direitos Humanos nas comunidades e
na Universidade, e isso é de fundamental imp ortância p ara pautar a conduta dos
profissionais do meio jurídico.
O desapontamento com o p róp rio ensino nas faculd ades de Direito, e os p rimeiros
contatos com a p rop osta da Assessoria Jurídica Universitária Pop ular fazem co m que
jovens estudantes de direito, vindos de uma esfera distante da realidade dos marginalizados
e emp obrecidos, comecem a voltar seus olhos p ara uma outra esfera, tomando consciência
da insuficiência do direito p rocessual e da necessidade d e uma outra p rática jurídica que
venha a transformar a realidade social.
Através das p ráticas emancip atórias o estudante p assa a ver que as garantias do ter,
trazidas no texto da Constituição Federal, são in comp atíveis com as garantias do ser.
Assim, quando se tem a exp eriência das necessidades vitais do outro, busca-se compreender
a ap licabilidad e do curso de Direito, até então não visualizada d ada a forma enfadonha
como o Direito é ensin ado.
No Brasil há diversas exp eriências tanto de AJP’s quanto de AJUP’s. Dentre elas
podemos citar:
a) Instituto de Apoio Jurídico Popular- AJUP (Rio de Janeiro), fundado
pelo advogado p op ular T. Miguel Pressburguer, coord enador do Instituto, princip al
rep resentante da AJUP e criador do DIREITO INSURGENTE. É um dos p ercussores da
Assessoria e Advocacia Pop ular no Brasil.
b) Ga binete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOPOlinda/ Pernambuco): surgiu em Pernambuco, em 1977, através da Comissão Justiça e
Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife, co m objetivo de atender as áreas faveladas na
promoção de Direitos Humanos, insp irada p elo histórico Arcebisp o Dom Hélder Câmara e
vinculad a à Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CJP).
c) Associação dos Advogados de T rabalhadores Rurais da Bahia (AATRBA). O pap el inicial da AATR, enquanto entidade de classe era voltar-se às denún cias,
junto à Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, às autoridades e à op inião p ública através
da imp rensa, das ameaças de morte e outros atos coercitivos, feitos p rincip almente p or
prop rietários de terra na eterna luta pela reforma agrária. Atualmente, a AATR atua no
apoio e na defesa dos advo gados dos trabalhadores rurais, na p articip ação efetiva e no
apoio aos movimentos dos trabalhadores. Um dos p rogramas de d estaque é o estágio com
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HUMANOS DA UFPB
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estudantes de Direito, reconhecido p ela Ordem dos Advo gados do Brasil - Secção da Bah ia.
Merece destaque esp ecial p ela d iferen ça metodoló gica com os escritórios comuns,
comerciais, de advocacia. O estágio visa formar um futuro assessor e advogado p op ular, e,
para tanto, o estagiário p recisa ter contato com a p ráxis dos movimentos sociais. São
realizados seminários internos, cu jo público alvo além dos estagiários da Associação, são
outros estudantes de Direito. O bo m resultado do trabalho é comprovado p elos dados de
que cerca de 70% dos ex-estagiários estão advo gando p ara o movimento pop ular, sindical
ou social, e os outros 30% ingressaram no serviço p úblico como ju izes, p romotores ou
serventuários, mas não deixam de manter vinculo com a entidade.
d) Rede Nacional de Advoga dos e Advoga das Po pulares- RENAP. A R ede
Nacional d e Advo gados Pop ulares (RENAP) é uma articu lação nacional que reúne cerca de
500 p rofissionais de todo o p aís, p rincip almente advogados e advogad as, que se dedicam à
defesa e assessoria dos mov imentos pop ulares, bem como estudantes de Direito, além da
particip ação esporádica de p rocuradores, p romotores, juízes e desembargadores, que se
articulam em rede p ela internet e contam, aind a, com do is encontros nacionais durante o
ano p ara formação dos membros e entidades p articip antes. A RENAP tem destaque na
assistência jurídica e assessoria p op ular a grandes movimentos p op ulares brasileiros, como
o M ovimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos
Atingidos p or Barragens (M AB), M ovimentos dos Sem Teto e em Defesa da Moradia,
Movimentos de remanescentes de quilombos, Comissão Indigenista M issionária (CIM I),
ONG´s em defesa dos direitos da negritude e em combate a discriminação racial, em
combate ao machismo, a violência contra a mulher, ao sexismo, à homofobia, n a luta contra
o latifúndio dos meios de comunicação de massa (grande mídia televisiva), na luta p ela
legalização das rád ios comunitárias, entre outros movimentos.
Quanto às experiências de assessoria juríd ica univ ersitária p op ular temos, dentre
outras:
a) Serviço de Apoio Jurídico S AJU-BA. Foi u ma das p rimeiras exp eriências
de Assessoria Jurídica Pop ular Universitária do Brasil. Trata-se de uma associação civ il
sem fins lucrativos, criada e gerida p elos estudantes de Direito da Universidade Federal da
Bahia, que funciona na Faculdade de Direito, em Salvador, desde 1963. A entidade
desenvolve suas atividades n a forma de p rojetos acadêmicos de extensão relacionados ao
Direito, devidamente registrados na Pró-Reitoria d e Extensão d a UFBA. Um dos p rincip ais
objetivos do SAJU-BA é p roporcionar aos seus p articip antes, estudantes de Direito da
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Universidade Federal da Bahia (UFBA), uma visão crítica e socialmente comp rometida do
conteúdo acadêmico adqu irido
geralmente nas salas de aula. Logo, vemos o
comp rometimento de tal entidade na formação de profissionais cidadãos, comp rometidos
com a demo cratização d a justiça na p romoção de assistência e assessoria jurídica às
comunidad es assistidas
b) S erviço de Assistência Jurídica S AJU-RS . O SAJU-RS é a mais antiga d as
entidades de Assistência e Assessoria Jurídica Pop ular, surgida em 1950 na Universid ade
Federal do Rio Grande do Sul. Assim como o SAJU-BA, surgiu da necessidad e da p rática
jurídica-forense do alunato de Direito. Hoje p ossui uma revista p róp ria, que p ublica
anualmente, reunindo diversos artigos a resp eito da assessoria jurídica universitária
pop ular, as diversas exp eriências brasileiras, entre outros temas afins. Também realiza
diversos p rojetos, p rincip almente em âmb ito urbano, promovendo o debate sobre o direito á
moradia.
c) Rede Nacional de Assessoria Jurídica Universitária- RENAJ U. A Rede
surgiu da n ecessidad e de articu lar nacionalmente os p rojetos de Extensão de Assessoria
Jurídica Pop ular Univ ersitária, existentes em todo o Brasil com um trabalho b em maduro e
consolidado, almejando facilitar e potencializar o cump rimento de seus fins. Com a
persp ectiva de que os estudantes p articip antes desses p rojetos são sujeitos ativos do
processo histórico e do p otencial de mobilização e transformação da comunid ade
acadêmica, vislumbrou-se a RENAJU como uma contribuição ao acúmulo de forças p ara a
transformação social, a emancip ação humana, a solidariedade e o resp eito às diversidades
culturais e comportamentais
141
.
A RENAJU conta hoje organicamente com 10 (dez) grup os de assessoria:
CAJU/CE, CAJUINA/PI, NAJUC/CE, NAJUP NEGRO COSM E-MA, SAJU-BA, SAJUCE, SAJUP-PR, SAJU-RS, SAJU-SE e NAJUP/GO.
4. O Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Em Goiás
Entre as p rincip ais atividades realizadas pela RENAJU, p odemos destacar os
diversos e interativos ENAJU’s (Encontro Nacional de Assessoria Jurídica Univ ersitária),
realizados nos ENED´s (Encontro Nacional dos Estudantes de Direito). A troca de
141
Cartilha da RENAJU “ Como montar um Núcleo de Assessoria Jurídica P opular”, cf. e m www.ceut.com.br/mandacaru
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HUMANOS DA UFPB
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exp eriên cias acabou influenciando decididamente a criação do Núcleo d e Assessoria
Jurídica Universitária Pop ular (NAJUP) em Goiás, na UFG no final de 2003.
O Núcleo é comp osto eminentemente p or estudantes de direito da UFG, e em raros
momentos conta com o ap oio de p rofessores. Tem hoje registrado, como atividade de
extensão junto à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC), três dos seus p rojetos: I)
Curso de Introdução à Assessoria Jurídica Pop ular e Direitos Humanos; II) Projeto das
Promotoras Legais Populares e; III) Núcleo de Pesquisa e Extensão em Diversid ade
Sexual. Porém, outros trabalhos são d esenvolvidos, como o Curso d e Teatro do Oprimido e
o Grup o de Estudos em Ep istemologia – GEE.
O 1º Curso de Introdução à Assessoria Jurídica Popular e Direitos Humanos,
iniciou-se em Abril de 2004, e em 2007 acontece a sua qu arta edição. Particip am dele os
estudantes de direito do p rimeiro ano da graduação, na sua maioria. Através deste curso,
busca-se fomentar a criticid ade dos particip antes, abordando os Direitos Humanos como
fruto do confronto de interesses contraditórios, direitos ainda não efetivados. Também se
objetiva p romover um debate inicial sobre o que v em a ser a AJP, construindo assim a
crítica ao ensino juríd ico.
O segundo p rojeto desenvolvido p elo NAJUP foi o Projeto de Difusão em
Direitos Humanos, nomeado “Coletivo de Produção Marginal”. Os temas trabalhados
com os membros do Movimento Hip Hop refletiam os p roblemas cotidianos sofridos p or
eles, p or isso, o enfoque central foi a Violên cia Policial, o exercício d a Cid adania e a
Difusão dos Direitos Humanos.
O NAJUP ap rendeu muito com a realização deste projeto, p rincipalmente p or ter
tido a dimensão real do qu e vem a ser “dialo gar” com a comun idade. Compreendeu-se que
o diálo go p ressup õe convivência e exige do estudante que se p rop õe a realizar a assessoria
jurídica universitária o deslocamento até a realidade viv ida p ela comunidade, ou seja,
pressup õe dedicação. Comp reendeu-se ainda qu e o método da Educação Pop ular, p ara
efetivamente ser utilizado, exige um rigor em sua aplicação, p rincipalmente no que tan ge
ao exercício da escuta e à constante avaliação do trabalho desenvolvido. Comp reendeu-se,
portanto, que a Educação Pop ular exige um comp ortamento militante e p esquisador, e que
ela é condição fund amental p ara o bom desenvo lvimento dos trabalhos, se o que se busca
realmente é a emancip ação das p essoas.
Nos anos p osteriores o Núcleo foi ap rimorando os trabalhos desenvolvidos. Em
2006 p articip ou da camp anha “A Juventude quer viver com Direitos”, encab eçad a p ela
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Casa da Juventude. Neste ano o Núcleo realizou oficin as sobre direitos com jov ens na
periferia de Goiân ia.
No início de 2007, dep ois de conversas com estudantes de Direito da UnB que
particip avam do p rojeto das Promotoras Legais Pop ulares, do Núcleo de Prática Juríd ica, o
NAJUP decidiu realizar o p rojeto em Goiânia, com os sem-teto moradores do Grajaú.
Estes, eram v ítimas do desp ejo forçado ocorrido no Parqu e Oeste Industrial (b airro onde
residiam), p or esp eculação imobiliária. Várias p essoas morreram durante e dep ois do
desp ejo. Todas tiveram suas casas destruídas. A idéia inicial era a cap acitação jurídica das
mulheres, líderes no lo cal. Entretanto, dep ois da p roblematização das falas dos moradores
do acampamento, notou-se que era de interesse da comunidade que o curso de capacitação
ocorresse tanto com homens quanto com mulheres, dada a necessidade de organização e a
fragilid ade do mov imento.
O p rojeto ainda está em andamento, e o que se nota é que todo o ap rendizado tido
até agora, e toda a teoria acerca da assessoria juríd ica universitária pop ular vai se revelando
no p rocesso de execu ção da p rop osta. Os desafios são semp re de grande dimensão.
Também em 2007, surgiu a oportunidade de se construir um Núcleo de Pesquisa e
Extensão em Diversidade Sexual (NUPEDS) na UFG, p or meio do p rograma “Brasil sem
Homofobia”, d a Secretaria Especial de Direitos Humanos, do Governo Federal. Assim, o
Programa de Direitos Humanos da UFG, em parceria com o NAJUP, com o Grup o Colcha
de Retalhos – a UFG saindo do Armário; Associação de Travestis, Transexuais e
Transgêneros do Estado de Goiás (ASTRAL); Instituto Brasil Central (IBRACE); Casa da
Juventude Pe. Burnier (CAJU); Núcleo de Estudos Africanos e Afro-Descendentes
(NEAAD/UFG), Cerrado – Assessoria Jurídica Pop ular, e outros grup os dentro e fora da
Universidade, teve seu p rojeto ap rovado e foi contemp lado co m recursos p ara a
estruturação do NUPEDS.
Desta forma, as p esquisas e trabalhos de extensão relacionados à qu estão da
cidadan ia LGBTT (Lésbicas, Gay s, Bissexuais, Travestis e Transexuais) iniciaram-se na
Universidade, cabendo ao NAJUP a abordagem do tema no âmbito dos Direito Humanos,
desp ertando nas vítimas da homofobia, a consciência de serem sujeitos de Direitos, p ara
não se sujeitarem a nenhuma situação de op ressão.
No intuito de dialo gar co m outros movimentos sociais e grup os que atuam em
defesa dos direitos humanos, o NAJUP p articip a também do Curso de Cap acitação de
Jovens Militantes. Essa é uma p rop osta da Casa da Juventude que é construída e realizada
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em conjunto com os diversos grup os de jovens p articip antes. Durante todo o ano de 2007,
ocorreram reuniões p eriódicas e quatro grandes encontros que abord aram temas div ersos,
acerca da socied ade atual, do sistema econô mico vigente, da sustentabilidade e
organ icidade dos movimentos sociais p op ulares, do p luralismo cu ltural existente, da
diversidade sexual e relações de gênero. Esses temas foram discutidos sob a orientação de
assessores, de forma a qualificar a atuação desses jovens em defesa da demo cracia e da
igu aldad e, cad a um dentro da sua luta.
Ao longo desses quatro anos, o NAJUP também foi p erceb endo a real necessidade
da p esquisa p ara a realização da extensão e também a n ecessidad e do registro do que era
desenvolvido (elaboração de artigos, organ ização d e um arquivo histórico). Foi p or isso que
em fevereiro d e 2007, alguns de seus membros p articip aram do curso de Cap acitação em
Educação Pop ular, oferecido pela Rede de Edu cadores Pop ulares de Goiás. Outra med ida
tomada nesse sentido foi a criação do GEE – Grup o de Estudos em Ep istemologia, para que
os estudantes que se prop unham a realizar os trabalhos de extensão, passassem a ser
também p esquisadores, dentro de uma p ersp ectiva ep istemológica inovadora. Hoje, o
desafio é a construção de linhas de p esquisa vinculadas aos p rojetos desenvolvidos, dentro
da ló gica do p aradigma emergente do conhecimento (Santos, 1987).
5. Contribuições e Perspectivas
Dep ois de narrada toda exp eriência das Assessorias Jurídicas Universitárias
Pop ulares, e p rincip almente a exp eriência do NAJUP em Goiás, p ode-se dizer que há
diversas contribuiçõ es dessa p rop osta. Primeiramente, a reflexão d ireta da exp eriên cia da
assessoria jurídica universitária p op ular na formação do bacharel em d ireito. O estudante,
através do contato com as carências de inúmeras pessoas, op rimidas, agred idas, p assa a
refletir sobre o pap el do Direito na sociedade e a p ensar na forma como p autará o exercício
de sua p rofissão; se seu comp ortamento contribuirá p ara a transformação ou manutenção da
situação vigente, de desigu aldade e de injustiça.
O estudante p assa também a comp reender a necessidad e da organização social na
luta p or direitos, que ainda devem ser conqu istados. Para tanto, necessário que as p essoas
se vejam como sujeitos de direitos e sujeitos históricos comp rometidos com as mud anças
sociais. Esse/essa jov em p assa por um p rocesso de humanização, e consolidação de v alores.
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Ao questionar o ensino jurídico, esse estudante p assa a p erceber que “somente uma
teoria crítica pode resultar na libertação do ser humano, pois não existe transformação da
realidade sem a lib ertação do ser humano”. (WOLKMER, 2002, p .4).
A p rop osta da
AJUP também reflete diretamente na
emancipação
e
autodeterminação das comunidad es, na medida em que os trabalhos desenvolv idos, dentro
da ló gica da Educação Pop ular, p rop iciam a conscientização dessas pessoas de que somente
terão seus direitos efetivados se comp reenderem-se também como sujeitos históricos,
sujeitos de direitos, que p recisam se organizar na luta p or esses direitos. Somente dessa
maneira, haverá uma efetiva demo cratização do acesso à justiça e dos Direitos Humanos,
ou seja, a p artir do momento em que as p essoas estiverem organizadas e tiverem autonomia
na luta por seus direitos, livres da submissão aos doutos conhecedores da lei.
A AJUP contribui ainda para a efetivação d a extensão e da p esquisa na
Universidade, que p assa realmente a cump rir com sua função social.
Urge uma reformu lação estrutural da grade curricular das faculdades de Direito,
atendendo a essas necessidades, rompendo com o ensino positivista, e construindo uma
formação crítica do op erador jurídico, p ensada a p artir da realid ade social brasileira e da
necessidade que se tem da ap licação do conhecimento universitário na transformação dessa
sociedade. É n essa p ersp ectiva que o NAJUP se prop õe também a discutir o pap el do
Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da UFG e sua reformulação, a fim de
que se tenha uma outra p rática, uma p rática jurídica emancip atória, não rep rodutora dos
serviços legais tradicion ais, para que o diálogo com a comun idade não se restrinja ao
simulado atendimento individu al e assistencialista.
Deve-se analisar a carên cia social existente, deve-se ir além dos conflitos
estritamente individuais, dialogando com os novos movimentos e organizações sociais,
visto que o objeto de ação da Assessoria Jurídica Popular está no sujeito coletivo de direito.
Por isso, é tarefa imp rescindível dos diversos Núcleos d e Assessoria Jurídica Pop ular a luta
pela a democratização do Acesso à Justiça e melhoria do ensino jurídico; a luta p ela
Universidade Pública, gratuita, com qualidade e co mprometida com a sociedade; a luta p ela
consolidação da extensão e da p esquisa universitária; e, p rincip almente, o compromisso
com a defesa dos Direitos Humanos e do exercício da Cidad ania, n a construção de uma real
sociedade mais justa e igu alitária.
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WOLKMER, Antonio Carlos, Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. 4 ed. São Paulo
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Democracia e Direitos Humanos
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DIREITOS HUMANOS EM T EMPOS DIFÍCEIS : produzir rupturas subjetivas e
uma política sem partidos
Paulo Peixoto de Albuquerque - albuquerque.p aulo@ gmail.com
Prof. da Universidade Federal do Rio Grand e do sul – UFRGS –
Faculdade de Educação – Dep artamento Estudos Básicos:
Linha de Pesquisa: Trabalho, mov imentos sociais e Educação.
Introdução
Como é p ossível que a existência simultânea de muitas p essoas, sua vida em
comum, seus atos recíp rocos, a totalidad e d e suas relaçõ es mútuas dêem origem a algo que
nenhum dos indivíduos, consid erados isolad amente, tencionou ou p romoveu?
Como a v iolên cia e o desrespeito a dignidade p arecem ser “naturalizada” nas
relaçõ es sociais
concorrendo p ara que os
indivíduos
que não se
p erceb am
interdep endentes?
O trabalho que ap resentamos é p arte de uma p esquisa realizada junto a 250
estudantes de graduação das licenciaturas da UFRGS 2007 /1 e arranca com as p erguntas
acima. Na p rimeira p arte p roblematizamos o contexto da escola, p orque é lugar ou
disp ositivo p rivilegiado em que se constróem sujeitos. O modo como DH está sendo
promovido nos esp aços escolares decorre p rincip almente da forma como os p rofessores
entendem as questões de “resp onsabilidade coletiva”, “interdep endência” “dignidad e do
outro”, “sujeito de direitos” e, princip almente, que a comp reensão dos “Direitos Humanos”
esta condicionada p elo normativo ou regulad a p or um pragmatismo de mercado. Na
segunda p arte, ap resentamos a moldura analítica que utilizamos p ara comp reender e
organ izar a forma de como os futuros licenciados entendem as questões de Direitos
Humanos. Na terceira ap resentamos sinteticamente alguns dados a fim de ilustrar nossa
intenção e n a última fazemos algumas consideraçõ es de caráter não conclusivo, mas p ara
abrir p istas à reflexão.
1. Direitos Humanos e docência: que lugar é esse?
Nos últimos tempos, a escola vem assumindo encargos como edu cação sexu al,
religiosa, de saúd e, p ara o trânsito, p ara a p olítica, sem que tenha sido p reviamente
prep arada p ara isso.
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Compreende-se que, numa sociedad e em que a v iolência, a ausência de ética e a
irresp onsabilidade ganham visib ilid ade p ela freqüên cia com que ocorrem e nu m momento
em que o ensino conquista, como em n enhum outro momento da história, u m p ap el
fundamental no desenvolvimento da economia e da socied ade, a escola está num merecido
centro estratégico.
M uito mais do que qualidade do ensino, “o que” e “como” se constrói o conhecimento
passam a ser variáveis que p reocup am não ap enas as famílias, mas que a p róp ria sociedade
valoriza, fiscaliza e cobra. A emergência de outras formas de sociabilidade, as questões de
gên ero, o reconhecimento e a visibilidad e dos grupos minoritários, introduz uma outra
dimensão na relação professor-aluno, p rincipalmente p orque a escola continua sendo o
disp ositivo técnico de maior eficácia na construção do sujeito.
Entretanto, é p reciso ter p resente que a Escola n ão p ode tudo. Os p rocessos de formação
do ser humano como sujeito de direitos não disp ensam nem o p ap el da família restrita – p ai,
mãe, irmãos, - nem o das demais extensões familiares, da mesma man eira que necessita da
particip ação de outros agentes sociais, os grup os sociais, a escola e... em especial o
professor.
Este foi um dos fatores que nos levou a realizar esta p esquisa: o fato de vivermos
temp os de aumento significativo dos processos de exclusão social que resultam não só na
amp liação do fenô meno da v iolên cia urbana (material e simbólica), mas na dificuldad e dos
professores terem p resente que a escola é u m lu gar qu e reflete a violência do con junto
social e que dignid ade e sujeito de direitos não p ode ser construído a p artir de “imaginários
coletivos” de desresp onsabilização coletiva.
O termo responsabilidade coletiva remete a um conceito que, de tão amp lo, p arece não
dizer resp eito a nossa consciência e nossos sentimentos. É diante da p recariedad e e da
vulnerabilidad e social que comp ortamentos de des resp onsabilização social se manifestam,
princip almente na transferência p ara o Estado à resolução das questões sociais. Nestes
casos, o p aternalismo ou o assistencialismo p rop osto ora p elo Estado, ora p elas
organ izações não gov ernamentais, ao contrário do que p retendem, p arece naturalizar o
desresp eito, o não aceitar o outro na sua diferença.
O p rocesso de ap rendizagem também esta imp regnado d esta ló gica social. É p reciso ter
presente que o aluno ou jovem ap reendente incorp ora muito mais do que um conjunto de
postulados ou conceitos p ropostos pelo p rofessor, nesse p rocesso acontece um dup lo
movimento: d e um lado n a sala de aula – dimensão micro - se evid enciam conflitos e
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tensões da sociedade e de outro o p rofessor em sua atuação reforça um tip o de
entendimento de mundo.
Entretanto se o p ensamento dominante na sala de aula é - fazer p arte de um mundo, a
partir da comp etição e de buscar seu lu gar através da ap ropriação de d ireitos e dev eres –
fica mu ito difícil deslegitimizar uma leitura do mundo a p artir do ter e não do ser.
Este fato p ermite aos atores do processo de aprendizagem – professores e alunos –
dep arar-se com a imp ossibilidad e da realização d e pequenos atos de reconhecimento do
outro, de dignidade achando que é normal nos sentirmos inseguros ao andarmos nas ruas,
de nos engaiolarmos em nossas casas, de qu e a p romiscuidad e infantil que assola nosso p aís
é resp onsabilidade dos outros.
Tal contexto ap enas nos faz ver que sozinhos somos somente idéias, sem execução e
que p recisamos de atores resp onsáveis p ara mudança desse cen ário contraditório chamado
sociedade.
Percebe-se hoje que no interior das escolas esta cada vez mais difícil discutir ética ou
direitos humanos, p orque as transformações viv idas cotidianamente ao mesmo temp o em
que p roduziram um p rocesso de rupturas, onde ter p resente o outro na sua diferença não faz
sentido em uma sociedade qu e tudo homogeneiza.
Eqüivale dizer qu e, definitivamente, viv emos dentro de uma estrutura onde o
pragmatismo e o utilitarismo são as categorias básicas p ara o entendimento da vid a.
Entendemos que a fragilidad e e vulnerabilidade d e uma sociedade de d ireitos está
diretamente relacion ada a um aprendizado que começa cedo, também na Esco la e que a não
assunção de resp onsabilidades, onde todos somos sujeito de direitos ap onta para um
fechamento lógico que se caracteriza p or ser de uma suicid a e ignora que o fazer
pedagó gico é ao mesmo temp o um p rocesso e o resultado de um p rocesso.
2. Moldura analítica: O fazer pedagógico como processo e como resultado de um
processo.
Assim como homem algum consegue imagin ar a si mesmo sem o coração e a mente que
lhe foram dados, assim também nenhum homem de uma ép oca p osterior p oderá realmente
saber como é viver nos dias de hoje se n ão julgar aquilo que hoje conhecemos a partir de
outros critérios ou p arâmetros.
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Discutir Direitos Humanos na contemp oraneidade trata exatamente disso: conhecer
aquilo que tínhamos e não nos contentarmos com as exp licações valid adas p or uma lógica
gen eralizante e abstrata.
Pensar Direitos Humanos hoje imp lica em ter presente os pressup ostos de
reconhecimento do outro, diversidade e p luralidade são constitutivos de qualquer forma de
vida e produção de subjetividade e se ap resentam como eixos condutores do que é
dign idade e p essoa.
Pensar Direitos Humanos não se trata apenas de refletir sobre determin adas p ráticas
sociais localizadas e d atadas, mas como p rocesso determinado p or p edago gias e legitimadas
por instâncias rep resentativas de determinados modelos de sociedad e.
Direitos Humanos como esp aço de resp onsabilidade co letiva aponta p ara as
transformações da noção de sujeito e pessoa em relação aos mod elos da sociedad e mod erna
fundada no individualismo e na comp etição.
Por isso, a exp ressão de p ercep ções ou de uma visão global mediante os quais possamos
tornar comp reensível, no p ensamento aquilo que os acad êmicos vivenciam diariamente na
realid ade p ode ser interessante p ara que p ossamos comp reender d e que modo um grande
numero de ind ivíduos entende e p ensa Direitos Humanos.
Nossa hip ótese de trabalho, p artiu do p ensamento de Norbert Elias, que n a sua reflexão
insinua que os valores ou comp reensão de um grup o pode modificar-se de maneira
esp ecífica, ter uma história que segue u m curso não pretendido ou planejado p or qualquer
dos indivíduos que a co mp õem.
Dito de outro modo, a forma co mo os licenciados (futuros p rofessores) p ercebem DH
modifica-se na exp eriência entre o p rop osto pela Universidade e o que eles encontram no
cotidiano das suas p ráticas p edagógicas.
Divórcio p ercebido em du as instancias: a p rimeira, de natureza micro, ev idencia-se no
documento normativo que regula a comun idade escolar – Projeto Político Pedagó gico marco regulatório no qual estão estabelecidos os valores assumidos p or todos. Estes
valores, na maior p arte das vezes, estão p autados no resp eito a diferença, na p luralidad e e
na p ossibilidade do aluno v ir a ser sujeito da história.
A segunda, de caráter mais macro, diz resp eito ao “ap rendizado” do fenômeno social,
visto que a Escola como d isp ositivo técnico da eficiência do ap reender cria as cond ições
lógicas para entender quais são os elementos constitutivos da pessoa singular a que
chamamos de indiv íduo, bem como da p luralidade dos grup os.
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Fato que em nossos dias é cada vez menos é entendida em suas interfaces ou
comp lementaridad es.
Hoje, mais do que nunca as esco las estão confrontadas p or uma questão ambígua: de
cap acitar indivíduos p ara construírem formas diferenciadas de atendimento das
necessidades e inclinações p essoais dos indivíduos, de um lado e, p romover uma ordem
social que p ermita de outro, atender as exigências feitas a cad a indiv íduo p elo trabalho e
garantir a manutenção e eficiência do todo social.
A dificuldade p arece estar em que, nas ordens sociais que nos apresentam uma das duas
coisas semp re leva a pior. Entre as necessidades de direito individual e as exigências da
vida social, p arece haver semp re, nas sociedades modernas (capitalistas), um conflito
considerável, uma d iscrep ância entre o p ensar e o agir.
Esquizofrenia do p ensar que imp ede de relacionar qu e toda a maneira como o ind ivíduo
se vê e se conduz em suas relações com os outros depende do tip o de compreensão que ele
tem do “outros” e do “nós”.
O que molda e comp romete o indivíduo n ão é somente a sua v inculação entre seus
desejos e comportamentos e os das outras p essoas, mas como ele p ercebe a sua
dep endência aos outros e a dep endência que os outros têm dele. A isto chamamos de
resp onsabilidade social de viv er em sociedad e ou continuidade social.
É p or isso que o indiv íduo só p ode ser entendido em termos de sua vida em co mum
com os outros e qu e seu comp ortamento ou modo d e p ensar dep ende do modo como ele se
situa nas relações que estabelece com os outros indivíduos.
Parece-nos que Direitos Humanos não p ode ser entendido como um conjunto de noções
de tip o esp ecial em termos de indiv íduo isolado, mas quando os fatos a que eles remetem se
traduzirem na seguinte consigna: ca da pessoa só é capaz de dizer “eu” se e porque po de,
ao mesmo tempo, dizer “nós”.
O entrelaçamento das necessidades e intenções das p essoas remete a que as questões
fundantes dos Direitos Humanos estejam p resentes no fazer p edagó gico dos p rofessores,
princip almente p orque a escola não existe isolada ela tem v ínculos, está articu lada à
processos e códigos da modernid ade, cujos conteúdos ideo lógicos (de origem distantes ou
não) intermediam p rocessos, veiculando p rincíp ios de ordem e regu laçõ es à serviço dos
atores hegemônicos na sociedade
Entretanto é p reciso exp licitar que vínculos são estes. Conceitualmente, víncu lo é a
forma mais expressiva e visível de objetivar o sentido de p ertença a uma id entidade
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profissional e organizacion al, na qual o comp rometimento coletivo com u m p rojeto
coletivo, ap esar da sua racionalidade próp ria, se constrói a partir de uma forte consciência
de p articip ação.
São os vínculos que se constróem no temp o e em função de um p rojeto sócioeconômico, político e cultural; víncu los que n ão são necessariamente de consenso, mas que
são construídos no resp eito ao outro, na aceitação de um outro modo de pensar e,
princip almente, no entendimento de qu e educar não é tradução direta de indicadores
quantitativos e de um desemp enho técnico de fácil modelagem.
Quando estes vínculos existentes entre as p essoas que comp õem a comunidade esco lar
são desconsiderados ou relativizados, o fazer p edagó gico d ep ara-se com um dos seus
maiores dilemas: a soberba.
A escola quando p ensada ap enas a p artir de uma lógica técnico-gestionaria caem neste
pântano, p ois as saídas p ara a “sustentabilidade”, “excelência” não são ap enas técnico
gestionárias, elas são sócio-culturais.
Em função d esse viés, p ercebe-se, na maioria das escolas, um movimento que
provoca o desastre da inteligên cia e p aralisam a criativid ade, p ois de um lado,
desenvolvem-se p ráticas verticais que p rivilegiam o controle cujo resultado maior é a
"arquipelização" das áreas de conhecimento e, p or outro, este movimento multip lica e
rep lica no seu interior a d esresponsabilização coletiva ou uma ansiosa busca d e novidad e na
qual a intenção é: p rep arar indivíduos co m habilidad es p ara atender ao mercado.
Paradoxo de um movimento que traduz uma cegu eira p olítica que só se explicita n a
confusão entre ética e moral entre o justo é o legal.
Será qu e se trata ap enas de uma p ercep ção ind ividual? Ou estas praticas sociais
apontam p ara situações ambíguas, desresp eitosas na qual a busca de uma excelência do
trabalho não consegue esconder?
Parece que é no quotidiano do trabalho que a natureza contraditória do ser professor
exp rime um modelo de esco la, de sociedad e.
Os dados que seguem ap resentam como os acadêmicos de uma Universidad e
pública têm p resente as questões de Direitos Humanos.
3. O que está sendo emoldurado: o pensar Direitos Humanos nas licenciaturas.
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Os dados que seguem fazem p arte de uma p esquisa qualitativa feita com 25 0
acadêmicos da Universid ade Federal do Rio Grande do sul, estudantes de licenciatura
diferentes áreas do conhecimento.
As p erguntas de “arrancada” foram as que segu em dep ois de ap resentarmos alguns
casos de desrespeito a “negros”, “p obres” a “minorias sexuais” p romovia-se uma discussão
com os grup os (25 grupos) temp o de duração dos encontros 50 minutos e nestes encontros
selecion ava-se aqueles “consensos provisórios” no qual a grande maioria do grup o
acordava.
1. Como é p ossível que a existência simu ltânea d e mu itas p essoas, sua vida em
comum, seus atos recíprocos, a totalidade de suas relaçõ es mútuas dêem origem a
algo que nenhum dos indivíduos, considerados isolad amente, tencionou ou
promoveu?
Quadro I – Variável analisada: desrespeito ao indivíduo (violên cia policial) diante de uma
infração pequena
Grupos
Respostas
“As p essoas em questão mereceram, a lei
existe p ara ser cump rida e as autoridades
apenas exerceram o seu p ap el”
Curso 1
“pode ter havido um certo exagero na forma
como a polícia reagiu, mas houve razão p ara
isso, as pessoas são mal-educad as”
“A quebra de regras ou a infração n ão foi o
motivo do desresp eito, mas a cond ição
econômica das pessoas”
Curso 2
“o lugar em que cada u m está é o que
determina o modo como vai ser tratado p elas
autoridades”
“Não houve desrespeito,
mas sim um agir duro p ara
Curso 3
que servisse de modelo p ara
os demais”
“Por que não p ensaram
nisso antes de quebrar as
Curso 4
regras, violên cia se conserta
com violência”
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HUMANOS DA UFPB
314
Quadro II – variável analisada: desresponsabilização co letiva
Caso apresentado: violência contra migrantes estrangeiros (coreanos em São Paulo e
Bolivianos em Curitiba)
Grupos
Respostas
“os estrangeiros vem para cá p orque acham
que aqui as condições de v ida são melhores,
mas p ara isso tem que ter condições, eles vem
é um direito deles, mas eles av iltam o salário e
Curso 1
as condiçõ es de trabalho p ara nós, p orque
aceitam qu alquer coisa e a qualqu er p reço.”
“quem vai p ara outro lugar tem que se sujeitar
a certas coisas até ap render as regras do jogo”
.
“quem não tem competência que não se
estabeleça”
Curso 2
É duro quando não se conhece o outro e não se
considera os valores que regu lam a vida nos
outros lugares”
“quem pretende construir a vida em outros
Curso 3
lugares deve sab er quais são as regras”
“Em todos os países há discriminação, estes
fatos não existem só no Brasil, na Europa
Curso 4
acontece, nos USA também.”
Quadro III – variável analisada: interdep endência
Caso ap resentado: assalto com morte em bairro classe média de Porto Alegre
Grupos
Respostas
Curso 1
Curso 2
Curso 3
Curso 4
“E p or isso que se faz necessário maior
p oliciamento e controle nas prisões... deve
haver um endurecimento das p enas”
“Estas coisas só acontecem p orque há uma
legislação mu ito branda”
“talvez um dia, não existam cercas ou
p reocup ação, mas enquanto isto não
acontece é preciso que h aja mais
p oliciamento nas ruas
“Estas coisas acontecem p orque as pessoas
não tem emp rego e quando tem não
consegu em v iver com o que recebem, mas
mesmo assim precisamos que h aja mais
seguran ça”
Enquanto a sociedad e se dividir em bairros
com melhores condições e outros não...
semp re haverá gente que não resp eitará o
trabalho e o direito dos outros.
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315
Os discursos acima ap ontam p ara um tip o de violência que nos p arece no âmbito d a
pesquisa sobre comp reensão dos DH e deste congresso p ode ser imp ortante de ressaltar:
Há um fundamentalismo ló gico qu e con corre p ara que se p erca de v ista a questão
essencial dos Direitos Humanos - direito a ser p lural ou crítico. Esta ló gica de violência é
tanta que o dia a d ia d a sala de aula e nos colégios se corromp e (no sentido p rimeiro da
palavra), a p onto dos vínculos e das relaçõ es p assarem a serem modelados p or uma outra
ética: a do cap ital.
As resp ostas sinalizam um tipo de comp reensão social na qu al p arece ilusão ou
coisa de reacionário prop or outras alternativas ou saídas p orque em nome da deusa
“segurança” e do “nosso” sacrifica-se a lib erdade e a p ossibilidade de ser d iverso na
unidade.
Quadro IV – Variáv el analisad a: Sujeito de Direitos
Grupos
Curso 1
Curso 2
Curso 3
Curso 4
Respostas
Temos que saber qu e todos têm direitos, mas
que todos temos deveres, acontece que muitas
vezes p odem p ensar que os direitos não estão
sendo resp eitados, mas semp re que isso
acontece é porque deveres não foram
cump ridos.
Toda p essoa é um sujeito de direitos, p recisa
ser considerada e ouvida, desde que reconheça
que as coisas tem uma contrap artida.
Sujeito de d ireitos é p ertencer ao lu gar e
temp o em que se vive e adequar-se ao que
todos esperam de cada um.
É um sujeito que tem d ireito a ap oio
emocion al que não é v itima de injustiça social,
tem direito a instrução e a ser comp reendido.
É todo aquele que está incluído na sociedade e
tem p ossibilidade d e fazer escolh as, resp eitar e
ser resp eitado seguindo o que esta
estabelecid a p elas normas.
É interessante destacar nas resp ostas acima que estes estudantes estão fazendo os
seus estágios e como ação p reparatória tem (por dever de ofício) que ler os documentos da
escola em que estagiam e, entre estes documentos estão os Projetos Políticos Pedagó gicos
(documento marco que traz os valores p elo qual se pauta o p rocesso de aprendizagem na
Escola).
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316
As resp ostas se caracterizam p or uma “abstração ” e por uma generalização na qual
a sup erficialidade é o qu e mais caracteriza o conceito “sujeito de direitos”; o conceito se
constrói com um desp ojamento analítico. É como se existisse uma mágica do p oder que
tende a atrofiar v igilância crítica dos ind ivíduos, desviando as atenções do que realmente
deve ser discutido – a p rodução da vid a emb asada nos p rincípios de liberdad e, da
igu aldad e, da div ersidade que tem na Escola o esp aço privilegiado d e cap acitação e
construção do conhecimento –; ao assumir a ló gica do mercado os p rocessos de exclusão
social, de d esresp eito ao outro e a dign idade das pessoas p assam a ser cad a vez mais
“normais”.
Quadro V – Variáv el analisad a: Direitos Humanos
Grupos
Curso 1
Curso 2
Curso 3
Curso 4
Respostas
Garantia irrestrita de tornar-se sujeito cap az
de gerir-se nas suas necessidades físicas,
psicológicas e sociais e de estar p articip ando
de um todo social.
É levar em conta as diferenças, sem
discriminação,
sem
p ré-conceitos
é
instrumento de integração de todos como, p or
exemp lo, p ermitir acesso ao b em estar,
educação, saúde, lazer, família, esp ortes.
O direito a ter direitos, a cidadan ia, de ir e v ir,
direito à saúde, à escola, à segurança
Como o nome já diz são “direitos” e não
punições. São direitos inerentes a todos os
serem humanos sem exceção.
A normalid ade – ser incluído, ser aceito, ser integrado - enquanto categoria
princip al formativa das resp osta destaca uma certa violência velad a – os diferentes ou
sindrômicos são considerados ap enas na p ossibilidade d e serrem “integrados” ; interessante
que as resp ostas acima não ap ontam p ara a natureza paradoxal d a sociedade cap italista cujo
"progresso regressivo" há muito nos falava Adorno Horkheimer em 1945
142
.
Nesse sentido, p arece-nos que articular aquelas categorias analíticas integração e
inclusão que são coisas diferentes as questões de Direitos Humanos são p ertinentes.
Primeiro, p orque ter direitos acrescenta p oder analítico de con ceitos a desiguald ade,
142
T.W.Adorno, M. Horkheimer, La Dialectique de la raison, P aris, Gallimard, 1974, p.48 e T.W. Adorno, Minima
Moralia, P aris, P ayot, 1983, p.134
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317
marginalização não somente p orque descreve uma situação, mas também p or ap ontar que o
processo de exclusão social se insertou em nossa sociedad e.
Segundo, p orque a construção social de identidades em torno do atributo - "ser
sujeito de direitos " ou "ter direitos" semp re tiveram um impacto imenso nas exp eriên cias
de grup os socialmente reconh ecidos e, ao mesmo temp o, estão servindo p ara diferenciar e
excluir certos segmentos da sociedade.
O Fenômeno da exclusão do outro tal como se ap resenta não é novo, sua novid ade
deriva da con junção d e mudança tecnoló gica e reestruturação econômica e de seus efeitos
sobre a lógica social que p auta os comportamentos frente ao diferente. Desdobramentos que
atingem princip almente as classes médias - n ascidas nos anos d e estabilid ade e crescimento
econômicos do p ós-guerra - e acentua as desigu aldad es de uma sociedade extremamente
injusta como é a brasileira.
A p erda de p osições na estrutura p rodutiva e social, seja pela introdução maciça
de p rocessos automatizados de trabalho, seja p elas formas enxutas de organ ização e
gerenciamento, seja p ela p erda de p ostos de trabalho p ara indústrias mais comp etitivas em
outros p aíses (Singer, 1996:11) con corre p ara que direitos sociais pactuados anteriormente
tornem cada v ez mais difusos os limites e as fronteiras daquilo que entendemos p or
sociedade d e direito ou a "res pública".
Nesse sentido, a “xenofobia” frente ao outro ap enas ap onta p ara alguns sinais
inequívocos: de qu e as pessoas (os jovens) ainda não começaram a identificar qu e nos seus
“fazeres p rofissionais” ou identidade dep endem de uma rup tura da subjetividade do “eu/eu”
para a construção de um “grup o-nós” e de que neste grupo a importância dos DH aos
poucos precisa ser assumida muito mais como uma p raxis do que u ma p olítica normativa .
Talvez DH ainda não se tenha afirmado co m suficiente firmeza ou clareza
exatamente p orque seus p rincipais elementos constitutivos são entendidos de forma restrita:
incluem o direito à liberd ade individual.
Parece que servimo-nos de um mesmo conceito para falar dos indivíduos e das
pessoas, mas em nenhum dos casos estamos a falar da mesma coisa; são fenômenos que
parecem ap ontar não apenas diferenças, mas uma antítese.
4. Elementos não conclusivos
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318
A análise do discurso nos pareceu sign ificativa, porque ao ap ontar p ara alguns
asp ectos constituintes da compreensão dos DH p or determinados sujeitos sociais – futuros
professores que :
a) se p or um lado existem algumas transformações das condiçõ es gerais de p rodução que
agora in cluem a p articipação ativa dos sujeitos, p or outro estas p articip ação não implica em
um rep ensar as lógicas sociais de sujeição do sujeito a uma p raxis p olítica vinculad a única e
exclusivamente a rep resentação p olítico p artidária;
b) o caráter amb íguo e contraditório p elo qual Direitos Humanos são entendidos, na
persp ectiva individualista, abre esp aço p ara formas de deslegitimação d a ação p olítico
partidária, dos documentos normativos (legislação) e avanços conseguidos em algumas
políticas sociais.
c) a re-aprop riação da comunicação social amp la sobre d ireitos humanos são operações
necessárias, mas não são suficientes, se n ão atravessam novas formas de se fazer p olítica
públicas ou sociais. Pensar p olíticas de Direitos Humanos ap enas através de militantes é
“rep rop or” sobre novas vestes a velha forma de fazer política: co m rep resentantes.
M ais do que asp ectos formais de uma mud ança no p rocesso de ap rendizagem, nos
parece que a p esquisa ap onta p ara alguns pressup ostos epistemológicos de se pensar a
construção de uma ló gica de Direitos Humanos na sala de au la, a partir da construção de
conceitos que não se contentam com a “verdade” n a forma de tautologias, mas no interior
das p raxis que seja complementada n a grade curricu lar.
Ao ap resentar as diferenças específicas (nem tanto assim entre os grup os) buscou-se
fundamentalmente sinalizar que ao trabalhar com as questões de Direitos Humanos:
1) A compreensão dos sujeitos individuais (subjetividades) se constitui em formas
imediatamente co letivas e não existem p or assim dizer, sen ão sob a forma de rede e
fluxo que tende a se reproduzir e se caracterizar p ela sup erficialidade. A submissão
à ló gica de grup o p arece não tolher a autonomia e a ind ep endência d a sua
constituição e do seu sentido. Entretanto, ao contrário do qu e parece, ela não
permite rup turas p orque as contradições existente na sociedade ficam subsumidas
nos documentos e legislações que buscam harmonizar e normatizar aquelas formas
sociabilidade d iferentes.
2) O “p roduto ideológico” – segurança/insegurança - torna-se pra todos os efeitos, não
só um apelo emocional, mas uma mercadoria qu e p roduzem novas estratificações da
realid ade, novos modos de ver, d e sentir.
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319
O significativo deste texto derivado d a p esquisa é (nos p arece) sua p retensão: ele ap onta
para um debate naquilo que ele tem de difuso e confuso; ele se situa na linha da crítica do
modelo de sociedade legalista; quer ap ontar que as questões do outro, do diferente, da
injustiça social não só indica a barbárie do individualismo e da racionalid ade do capital que
imp regna um p rocesso social que p recisa ser resign ificado a p artir da ló gica dos Direitos
Humanos.
Nele fica exp ressa a consciência de que os p rocessos de modernidade favoreceram a
emergên cia de novos antagonismos sociais e, nesse sentido, ap onta para um
“desencantamento” do mundo e p ara um certo p essimismo que, se p oderia dizer,
weberiano, mas como já d izia o p oeta Friedrich Hölderlin: “ onde está o perigo, também
está a solução”.
Referências bibliográficas
SINGER, P. Desemprego e exclusão social, Fundação SEADE São Paulo em Persp ectiva,
São Paulo, vo l. 10, no.1, jan /mar 1996.
GORE, C. Market, citizenship and social exclusion, in Social Exclusion: Rhetoric,
Reality , Resp onses, G. Rodgers, C. Gore e J. Figueiredo, International Institute for Labour
Studies, Genebra, 1995.
TOURAINE, A. Poderemos viver juntos? Vozes. Petorp olis, 1997.
______, A. O que é a democracia? .Vozes. Petorp olis, 1996.
RAM ONET, I. Geopolítica do Caos. Ed. Vozes. Petrop olis.1998
ARENDT, H. Condição Humana 1958 - 9º edição Forense universitária,1999.
ELIAS, N. A sociedade dos Indivíduos – Jorge Zahar Editor: Rio d e Janeiro,1997 .
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320
PAULO FREIRE E NOVOS CONTORNOS PARA A DEMOCRACIA
José Humberto de Góes Junior
*
1. Introduç ão
A aparente exclusividade do tema edu cação na obra de Pau lo Freire dá lu gar,
através de uma observação atenta do p ensamento do autor, a uma p reocup ação evidente
com temas do cotidiano p olítico dos seres humanos, em que se esboçam as relações interindividuais nos esp aços coletivos e as necessidades de alteração dos cânones da sociedade.
Dito de outra forma, é possível p erceber, p or intermédio de uma interp retação contextual do
discurso, que a obra freireana é marcada p or conceitos que o p ensador deseja constituir e
prop agar em torno da democracia e dos direitos humanos.
Não obstante seja imp ossível sep arar, contemp oraneamente, um e outro tema, é
mister neste trabalho estabelecer como centro do estudo o modo como Pau lo Freire se
relaciona com a d emocracia, a noção em qu e se fund a e co mo ap resenta o termo, enqu anto
elabora seus escritos.
Com o objetivo de fazer sobressaírem estas construções teóricas, de p ronto,
erige-se o dev er de situá-las em um p anorama co mp leto do p ensamento freireano, constante
em três obras cap azes de demonstrar o contato com contextos p olíticos, em que o debate
sobre a democracia se disseminav a. A p rimeira delas é Pedagogia do oprimido, em que
constitui e esboça o seu método educativo e, elaborada em 1968, durante o período em que
o autor esteve exilado no Chile d evido à ditadura militar no Brasil, é considerada a obra
fundamental d e Paulo Freire; Pedagogia da esperança, escrita em 1992, portanto, ap ós a
redemocratização do País, co m elaboração da Constituição Federal de 1988, em que o autor
se reencontra e avalia as condições de p ermanência das disposições teóricas delineadas na
primeira obra referida; e, p or último, Pedagogia da autonomia, de 1996, p eríodo de
fortalecimento e instrumentalização da globalização econômica no Brasil, na qu al Freire, ao
*
Estudante do P rograma de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da P araíba -PPGCJ/UFP B,
área de concentração em Direitos Humanos, membro-fundador do Serviço de Auxílio Jurídico Universitário de Sergipe –
SAJU/UFS, atualmente Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária – NAJU/SE, membro fundador da Rede Nacional de
Assessoria Jurídica P opular Universitária – RENAJU, Advogado de Movimentos Sociais. E-mail:
[email protected]
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HUMANOS DA UFPB
321
exp or saberes necessários à p rática educativa, estabelece cond ições p ara a p romoção do
sujeito.
Para exp ressar a tonalidade qu e Paulo Freire dá ao tema, ainda, um primeiro
passo é exp lanar o con ceito de demo cracia em seu formato hegemônico e contrahegemônico.
Adotando-se uma nomenclatura utilizada por Sousa Santos (2002), chama-se de
hegemônico o sentido do termo democracia que se estabelece nos p aíses centrais (da
Europ a e Estados Unidos), impostos, por mecanis mos históricos de do minação, p ara outras
partes do mundo; e, de contra-hegemônico o sentido do termo democracia constituído nos
países do Sul, a p artir das lutas dos movimentos sociais p ara ocup ar e redefinir os rumos
dos p rocessos p olíticos de decisão e d e p romoção de direitos humanos.
São as p ráticas dos movimentos sociais, sobretudo, aquelas intensificadas, em
todo o mundo, esp ecialmente na América Latina e no Brasil, a p artir da segund a metade do
século XX, com fulcro nas idéias marxistas de emancip ação, libertação e rup tura com o
sistema de coisas vigente em favor do constructo de uma realidade sem op ressão, no
decorrer do p rocesso de tomada de consciência (FREIR E, 1998) e disp uta p ela hegemon ia
da sociedade (BERTINOTTI, 2005; SEM ERARO, 1999), que iniciam os câmb ios na
organ ização do Estado e no direito vigente. Estas, segundo Wo lkmer (2001, p . 107),
(...) definem, nos horizontes do que a ordem legal vigente chama d e ilegalidade,
novo espaço instituinte de cujas relações e rupturas, calcadas no binômio
legal/ilegal, emergem direitos igualmente reconhecidos que acab am não só
legitimando a ilegalidade, mas edificando outro Direito sob novas fo rmas de
legitimação (grifo do autor).
Em segu ida, deverão ser extraídas, das obras que se mencionou alhures, as
categorias de opressor/op rimido, de libertação, de formação/p articip ação, de sujeito e de
multiculturalismo, p ara elaborar-se o modo co mo se apresenta e como se valida a
comp reensão de demo cracia em Paulo Freire.
Estes conjuntos de significância, ademais d e sintetizarem o p ensamento
freireano em um camp o de interp retação mais amp lo que não ap enas o esp aço estritamente
pedagó gico, p ermitem a co mp reensão mais acurad a, mais comp leta, de noções, bem como
do envolvimento destas com uma p ráxis libertadora, na obra de Paulo Freire.
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2. As concepções de democracia
O conceito de democracia, ao lon go da h istória, tomou contornos diversos.
Modernamente, o discurso democrático adota como fundamento a liberdad e, p ara se
configurar como um regime p olítico instrumental, de orientação e organização do poder. O
sufrágio universal, a extensão da igualdade aos seres humanos de modo que cad a ind ivíduo
rep resente um voto, as eleições regulares, o direito de candidatura, a formação de maiorias,
a liberd ade de exp ressão e de p ensamento, a liberdad e de associação e de formação de
grup os políticos, são os institutos que garantem, segundo as concep ções hegemônicas, a
realização da democracia.
Ao analisar o p ensamento de Schu mp eter e de Bobbio, Sousa Santos (2002)
afirma que p ara o p rimeiro, a demo cracia era um procedimento, um mecan ismo p ara se
alcan çar a tomada de decisões no camp o p olítico e administrativo, enquanto que, p ara o
segundo, a democracia é um conjunto de regras p ara a formação de maiorias em que o voto
dos seres humanos seria igu almente considerado, sem que houvesse possibilidade de
distinções econômicas, sociais, religiosas e étnicas, n a consid eração de sua exp ressão
política, ou seja, a democracia se restringe, n este asp ecto, às regras do jo go eleitoral.
Com o ap rofundamento da exp loração em dimensões múltip las (social, p olítica,
econômica, cultural) dos p ovos mais p obres do p laneta, bem como com instauração e
fomento das ditaduras no terceiro mundo, durante a segunda metade do século XX, forma
diversa de observar o esp aço democrático é construída e outra fund amentação teórica se vê
formulada.
Um novo sign ificante do termo demo cracia se institui ao se ver a sociedade civ il
diante da necessidad e de interagir diretamente no esp aço público e, p or conseguinte, de
sobrep or-se às dicotomias p úblico x p rivado, econômico x p olítico.
Democracia n ão p ode se p erp etuar como “ditadura” da maioria e, a p articip ação
política dos cidadãos não deve se restringir ao direito de voto, de ocup ar cargos eletivos e
ao direito de livre expressão do p ensamento, ou seja, não dev e se ater aos institutos
rep resentativos da concep ção liberalista, meramente instrumental.
Questionam-se as concep ções eurocentristas, hegemônicas, de demo cracia,
inadequad as à realidade social vigente, p ara p ermitir que o esp aço p úblico em p aíses
“dep endentes” passe a ser ocupado com demandas sociais, p olíticas, econômicas e culturais
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HUMANOS DA UFPB
323
dos grupos humanos mais vulneráveis à violação d e direitos. Desse modo, democracia, do
ponto de vista contemporâneo, contra-hegemônico, estabelece contato inelutável com a
abertura do Estado à p articip ação p op ular e com o caráter de instrumento de inclusão social
e de afirmação de direitos.
Sobre este tema, afirmam Sousa Santos e Avritzer (2002, v. 1. p . 46):
A redu ção do pro cedimentalismo a um pro cesso d e el eições d e elites parece um postulado
ad hoc da teori a heg emônica da d emocraci a, postulado esse incap az d e dar uma solução
convincente p ara duas qu estões princip ais: a questão de sab er s e as eleiçõ es esgotam os
procedimentos de autori zação por part e dos cidadãos e a questão d e saber se os
procedimentos de representação esgotam a questão da rep resent ação da diferen ça.
Na contemporaneidade contra-hegemôn ica, foi introduzido no contexto do
discurso democrático a categoria aqui chamada de participação para-quê, cujo significado
se absorve da mescla entre o p rocedimentalismo e o fim a ser p erseguido p or seu
intermédio, a elimin ação da desigualdade entre as pessoas. Por este novo p aradigma, a
democracia p erde o caráter de regime, deixando de ser um fim em si mesma ou um
instrumento de organ ização político-formal, p ara assumir a conotação de cu ltura de
realização de direitos, de esp aço aberto à p articip ação cidadã p ara a construção e controle
de p olíticas p úblicas.
Sobre p rocessos p olíticos de reconfiguração da democracia no hemisfério sul,
afirma Boaventura:
Um traço comum que remet e à teoria contra-h egemônica da democraci a: os
atores que implantaram as experiênci as de democraci a participativa colocaram
em questão uma identidade que lh es fora atribuída extern amente po r um Estado
colonial ou por Estado autoritário e discriminador. Reivindicar direitos de
moradia (Portugal), direitos a bens públicos distribuídos localmente (Brasil),
direitos de p articipação e d e reivindicação do reconhecimento da di ferença
(Colômbia, Índia, Á frica do Sul e Moçambique) implica questionar uma
gramática soci al e estatal de exclusão e propor, como alternativa, uma outra mais
inclusiva (2002, v.1, p. 57).
Neste asp ecto, como p reconiza Habermas (2003), não pode faltar à noção de
democracia p remissa das condiçõ es semelh antes de fala no esp aço social, co m resp eito
recíp roco p or parte dos interlocutores p ara que, no p rocesso dialó gico d e interação
procedimental e deliberativa, a p róp ria solução de conflitos p ossa ocorrer. E mais, de
premissa, ou no dizer habermasiano, pressup osto, da democracia, a iguald ade d eve p assar a
construção dialética, cujo entendimento se faz enquanto se exerce, p ara, desse modo,
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constituir mecanismos de efetiva democracia, p orque, d e fato, as p essoas não são igu ais. A
igu aldad e se constrói.
De outra maneira, por mais que as p essoas tivessem op ortunidades igu ais de
fala, carregam em si a desigualdade p róp ria de um modelo de organização societária e
econômica como o cap italismo; os entendimentos, os “acordos” em torno de co mp reensões
político-sociais não são semp re debatidos socialmente – p or muitas vezes, são impostos e
absorvidos, à medida que se tornam regra, como n aturais –; em caso de recurso ao
Judiciário, os argumentos e as demandas não são encarad as da mesma forma, tendo em
vista p osições conservadoras, p lenas de p reconceitos, claramente comp rometidas com a
manutenção d e uma ordem de coisas, relativa a interesses descon ectados com o con junto
dos anseios de cidad ãos e cid adãs.
3. A democracia e m Paulo Freire
Partindo-se do p ressup osto de que uma obra ou p ensamento científico não se
aparta do contexto histórico em qu e se situa, p ara analisar o conjunto de id éias de um
pensador é devido estabelecer a relação de seu construir teórico com o esp aço e o temp o em
que se materializa.
Este exercício é p articularmente exigív el quando se ob jetiva estudar a filosofia
freirean a. Pois, Paulo Freire, um crente no condicionamento e na cap acid ade/d ever dos
seres humanos de atuarem politicamente sobre a realidad e em que se inserem p ara
transformá-la, não tem a p retensão de traçar uma p rodução filosófica e/ou científica
destacada dos p roblemas sócio-p olíticos de seu mundo, ou seja, d e suas p ercep ções esp açotemp orais. É o que se p ode p erceber nas p alavras que disp õe em Pedagogia da autonomia:
Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo
não é pred eterminad a, preestab elecid a. Que o meu “ destino” não é um dado mas
algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto
de ser gente po rque a História qu e me faço com os outros e de cuj a feitura tomo
parte é um tempo de possibilidades e de d eterminismos. Daí que insista tanto na
problematização do futuro e recuse sua inexo rabilidade. (...) Gosto de ser gen e
porque, inacabado, sei qu e sou um s er condicionado mas, conscient e do
inacab amento, sei que posso ir mais além dele (FREIRE, 2005, p. 52-53).
Assim é que Paulo Freire elabora um conceito de d emocracia que v ai além da
mera p articip ação em p rocessos eleitorais ou que credita ao Estado a assimilação de
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institutos democráticos. Sem p rescindir destes instrumentos, sua p reocup ação está em
delinear cânones democráticos que permitam a amp liação do poder p articip ativo dos
cidadãos e cidadãs, ademais de se verem legitimados p or sua capacid ade d e p romover
inclusão e de eliminar os modos de vuln erabilidad e social, construídos pela negação do
direito à d iferença. Ou seja, é baseado na análise d a realid ade qu e Freire se acopla a um
modelo contra-hegemônico de democracia.
Para se vislumbrar esta construção em sua obra, co mo se p roclamou acima, fazse mister trazer à guisa de análise o discurso do autor em torno das categorias de
op ressor/op rimido,
de
libertação,
de
formação/p articip ação,
de
sujeito
e
de
multiculturalismo. O d iálo go e o confronto dos termos, a p artir do momento histórico em
que foram empregados, p odem denotar o engajamento do discurso freireano com as
condições macro e micro-p olíticas d e seu temp o, mormente qu anto à p articip ação e ao
resp eito da dignidad e dos seres humanos, condição p ara realizar-se a democracia.
Para situar a filosofia no universo histórico de que p rovém, quando escreveu
Pedagogia do oprimido, obra em que elabora os marcos p rincip ais de seu p ensamento, o
contexto p essoal do p ensador estava afetado pela impossibilidad e de hab itar e d e p rofessar,
no Brasil, suas idéias, considerad as subversivas p elo regime ditatorial instaurado em 1964.
Foi no exílio que elaborou os p rimeiros registros de sua Pedagogia, quando
vivia no Chile, durante o p eríodo em que o país, governado p or Eduardo Frey , dep ois p or
Salv ador Allende, ensaiava, com todas as contradições observad as p or Paulo Freire
(FREIRE, 2005), instaurar uma democracia real, co m fulcro na inclusão e no
reconhecimento dos d ireitos dos cid adãos e cidadãs. Po is, no Brasil, o exercício de direitos
políticos, tais como liberdad e de manifestação, de reunião, o voto e a candidatura p ara
alguns cargos eletivos do Estado, liberdade d e opinião e/ou organ ização d e grup os e
partidos p olíticos, estava suspenso. O Legislativo e o Judiciário eram controlados p elo
Executivo e não havia mecanismo constitucional de defesa da liberdade de ir, vir e
permanecer, haja vista a susp ensão do habeas corpus.
Por outro lado, é p ossível afirmar que este contexto, aliado à convivência com
as injustiças sociais do nordeste brasileiro, região domin ada p ela desigualdad e e p elo
patriarcado, manifestados, p rincip almente, pelo mandonismo (CARVALHO, 1997), não
podia dar conotação diversa ao p ensamento de Pau lo Freire, senão a de obra en gajada ao
prop ósito de libertação.
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Libertar-se é, p ara Paulo Freire, através do desenvo lvimento da cap acidade de
análise crítica d a realid ade que manifesta injustiças, desiguald ade, negação d e direitos, que
desconsidera a cond ição d e ser humano e de cidad ania, insp irar-se p ara interferir nestas
circunstâncias e alterar as distorções sociais que as ensejam.
Para exemplificar esta comp reensão, é p ossível utilizar, analo gamente,
apreciação d e Demo (2002, p. 33-34) sobre as condições básicas p ara a formação da
cidadan ia elaborad as p or Paulo Freire:
a) (...) elaborar, de dentro p ara fora no oprimido e, de fora para dentro no
pro fessor, a capacidade de qu estionamento; implica flag rar-se subalterno e
deci frar as razões históricas p ara tanto, até ent ender qu e a op ressão é injusta,
fo rjada, imposta; (...) b) o oprimido descobre que pode reverter a situação, desde
que saiba entender-s e e organizar-se, principalmente atento para o carát er
imprescindível de su a participação; o agente central do con fronto com a
opressão só pod e s er o próprio op rimido, ainda que n ecessite sempre de apoios
externos; a participação mais competent e será a coletiva, o que induz o oprimido
a buscar fo rmas associ ativas, que poten cializam suas condiçõ es de con fronto;
(...) c) o oprimido assume estratégias de confronto, por meio das quais busca
reverter, na prática, a situação; sab er pensar reverte-s e em saber intervir, de
modo organizado; lê a realidad e de forma crítica e auto crítica, perceb e que é
massa de manobra, mas começa a d ar-s e conta d e que, se souber p ensar e
intervir, além de se organizar adequ adamente, pode mudar suas condi ções
históricas.
Portanto, o p rocesso de libertação se confunde com o reconhecimento de si
mesmo/a como sujeito, ou seja, como ser-no-mundo-e-para-o-mundo, para utilizar um
termo do p ensador, com limitaçõ es e cap acid ades, mas também detentor de dignid ade,
merecedor de resp eito, sup orte de direitos e deveres ind ividuais e co letivos, condicionado
pela relação que estabelece com o mundo sem deixar-se determin ar p elo modo como este
está ordenado ideoló gica e p oliticamente.
O ser-no-mundo-e-para-o-mundo (FREIRE, 2005), no p ensamento de Paulo
Freire, constrói-se a p artir da sup eração da categoria “indivíduo”, disseminad a a partir de
constructos filosóficos e científicos da modernidade, cujo atomismo revela o deslocamento
do ser humano do seu esp aço. Ao contrário, faz emergir a qualidade d e sujeito, que se
revela no ser em ação ou em processo de interatividade. Distante, p ortanto, da condição de
instrumento do discurso e da p rática de dominação e hegemonia p olítica (TOSI, 2002).
De outro modo, libertação é o p rocesso de tomada de consciência de si e do
mundo com vistas à atuação, à ocup ação dos esp aços democráticos e a conquista de novos
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camp os de interferência p ara a sup eração das injustiças e vulnerabilid ades sociais, ou seja,
libertação imp lica em p articip ação e, dialeticamente, particip ação enseja libertação.
Sobre a ampliação da d emocracia particip ativa nos p aíses do Sul, sobretudo p ara
a sup eração d as vulnerabilidades sociais, Sousa Santos e Avritzer (2002, v.1, p . 59)
procuram mostrar
que os processos de libertação e os processos de democratização parecem
partilhar um elemento comum: a percepção d a possibilidade d a inovação
entendida como participação ampliad a de atores sociais d e diversos tipos em
processo de tomada de decisão. Em geral, estes processos implicam a inclusão
de temáticas até então ignoradas pelo sistema político, a redefinição de
identidades e vínculos e o aumento da participação, especialmente no nível local.
Quanto à p articip ação como condição imbricada da liberdad e, tratando-se de
uma decorrência ló gica do modo freireano de comp reender material e teoricamente o termo
democracia,
é
p ossível
afirmar
que
“p articip ar”
traz
consigo
o
veio
de
resp onsabilidade/direito de fiscalizar, de intervir, d e p rop or, de transformar o esp aço da
sociedade e do Estado, bem co mo as açõ es que disp õem nestes ambientes em favor da
construção concreta do resp eito, da dign idade, da igu aldad e e da liberdad e dos seres
humanos (FREIRE, 1998, 2005; TAGIBA, 2002). Por isso, é resultado e mola p rop ulsora
da transformação da sociedad e.
Significa dizer que, além da dimensão p essoal-subjetiva, a liberd ade é o
resultado mesmo d a p ráxis, ação-reflexão, sobre si mesmo e sobre o mundo (FREIRE,
1998), ensejadas p ela a mudança das condições de dominação social.
(...) É preciso assumirmos a radicalidade democrática p ara a qual não basta
reconh ecer-s e, alegremente, qu e nesta ou n aquela socied ade, o homem e a
mulher são de tal modo livres que têm o direito até de morrer de fome ou de não
ter es cola p ara seus filhos e filhas ou de não ter casa para morar. O direito,
portanto, de morar na rua, o de não ter velhice amp arad a, o de simplesmente não
ser (FREIRE, 2005, p. 157).
Libertar-se, ao contrário da concepção liberal-iluminista, toma a conotação de
deixar de ser dominado, de ser op rimido, sem arvorar-se da necessidade de oprimir
143
(FREIRE, 1998), o que ensejaria florescer uma idéia de liberd ade que não se afasta da de
igu aldad e; u ma liberd ade que só se exerce numa relação de resp eito mútuo, de p reservação
143
P ara DEMO (2002, p.34), liberdade em P aulo Freire tem a ver com politicidade, ou seja, com “ capacidade de fazer
história própria, individual e principalmente coletiva, transformando objetos de opressão em sujeito de sua própria
libertação.”
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328
do direito do outro, como condição p ara a mantença de seu p róp rio exercício d e direitos,
que exige a alteração das condições sócio-econômico-p olíticas do sujeito, através do
cump rimento de direitos econômicos, sociais e culturais; qu e não vislumbra a p ossibilidade
de compreensão do eu acerca do outro sob o p risma d a do minação, mas imerso na igu al
condição d e autonomia, d e sujeito, de pessoa que intervém no mundo.
Não é outra a disjuntiva da autonomia. De uma parte, não nos tornamos
autônomos sem a colaboração de outrem. Mas o centro da autonomia é não
depender de outrem. E mais, se aguçarmos em excesso essa independ ência,
caímos em contradi ção perform ativa: fazemos nossa autonomia a expens as da
submissão de outrem. T eríamos que forjar dinâmica n ão linear dial ética, ao
mesmo tempo contrária e solidária (DEMO, 2002, p. 30).
Neste asp ecto, a democracia, segundo Paulo Freire se realiza, também, p ela
multiculturalid ade e p ela n ão-discriminação dos seres humanos p or qualquer fundamento.
Partindo da concepção dialó gica que sustenta o p ensamento freireano como
mecan ismo de construção do saber e da ação prática, o termo multiculturalidade n ão denota
existência, em um único esp aço, de uma diversidade de culturas que evitam dialo gar ou
coop erar entre si. A relação multicultural p ressup õe ações p ositivas e negativas entre as
culturas, quais sejam o resp eito, a solidariedade, a colaboração, a aceitação dos traços e dos
modos de ver o mundo, ao temp o em qu e se p ode debatê-los frente a situaçõ es concretas
e/ou hip otéticas que envolvam a coletividade.
É o que se p oderia resumir a p artir de Sousa Santos (2003, v.3, p . 458) no
pensamento de que “temos o direito a ser iguais quando a d iferença nos inferioriza; temos o
direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.”
Isso não significa que Paulo Freire não ad mita a existência de conflito no
diálo go mu lticultural. Ao contrário, como afirma Demo (2002, p . 33), não obstante em
contexto diverso,
(...) a idéia de confronto est á no centro da pedagogia do oprimido. Não precisa
seguir a violên cia física, mas s egue, inevitav elmente, um tipo de violên cia
implícita no saber pensar e intervir. O processo de “ conscientização” não implica
apenas tomar cons ciência crítica e autocrítica, mas igualmente saber partir para a
luta.
Confrontar-se, p orém, não assume o caráter de dominação, de tentativa de
sup erarem-se as discordân cias p ela vio lência, d e anulação d as diferenças e/ou de
exacerb ação d a desigu aldad e com base nos traços característicos de uma cultura. O conflito
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329
realiza-se, d emocraticamente, enquanto reconhece o direito de existirem outros modos de
pensar cultural e se d á na assunção do co mp romisso do diálo go e na possibilidade de
coop eração entre as culturas.
Embora em contexto diverso, p orém, não ap artado da discussão que se trava ao
se estabelecer a con exão entre a obra de Pau lo Freire e a demo cracia, acerca do modo como
se p ode configurar o diálo go intercultural, min imizar, senão, anular, qualquer meio de
dominação cultural exercido pelo universalismo da v isão ocid ental de direitos humanos,
Sousa Santos (2002, v.1, p . 441) afirma que,
contra o universalismo, há que propor diálogos interculturais sobre preocupações
isomórficas, isto é, sobre p reo cupações converg entes ainda qu e exp ressas em
linguagens distintas e a partir de universos culturais diferentes.
Estas p alavras p odem ser comp lementadas ou mesmo traduzidas no dizer de
Freire (2005, p . 156-157), segundo o qual,
A multiculturalidade não se constitui na justaposição de culturas, muito menos
no poder exacerbado de uma sobre as outras, mas n a liberd ade conquistada, no
direito assegurado de mover-se cada cultura no respeito uma da outra, correndo
o risco livrement e de s er di ferent e, sem medo d e ser di ferente, de s er cad a uma
“para si”, somente como se faz possível crescerem juntas e não na experiên cia da
tensão perm anente, provocad a pelo todo-pod eroso de um a sobre as d emais,
proibidas de ser.
Daí, mais uma vez, a necessidade de invenção da unidad e na diversidad e. Por
isso é que o fato mesmo da busca da unid ade n a di ferença, a luta por ela, como
processo, signifi ca já o começo da criação d a multiculturalidade. É preciso
reen fatizar qu e a multiculturalidade como fenômeno que implica a convivên cia
num mesmo espaço de diferentes culturas não é algo natural ou espontâneo. É
uma criação histórica que implica d ecisão, vontade política, mobilização,
organização de cad a grupo cultural com vistas a fins comuns. Que d emanda,
portanto, uma certa prática educativa coerente com esses objetivos. Que
demanda uma nova ética fundad a no respeito às diferen ças.
Destarte, a democracia em Paulo Freire não comp orta a discriminação de
culturas ou de contextos e condiçõ es culturais qu e se entranham nas questões de raça/etnia,
gên ero, exp ressão da sexualidad e, nas diferenças entre gerações, na condição física ou
mental, ou, ainda, na situação de classe (FREIRE, 2005). Este tip o de comp ortamento se
exp ressa como a negação da diferença e o exercício de controle de certos seres humanos e
de suas demandas individuais e/ou coletivas, e, com efeito, imp ede que se materialize no
ser a cond ição de sujeito, capaz de exercício da liberdade e d e direitos que ensejem a
realização fática d e seu acesso à justiça social.
No dizer de Pedro Demo (2005, p . 23):
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(...) A Arte maio r está em construir so ciedad es igualitárias, n as quais s eja
possível orquestrar em relativa iguald ade as di feren ças irredutíveis. De um lado,
não é viável tratar d e modo igual a gente muito desigual – apro fundari a ainda
mais as desigualdad es. De outro, é direito comum ser tratado de modo igual,
porque a par das diferenças, existe o patamar da igualdade comum.
Sociedade igualitária é, na prática, a proposta democrática. N esta não se
pretende extinguir as rel açõ es de poder, já que se imaginam histórico-estruturais.
T oda sociedade implica clivagens sociais, porque faz parte da dialética soci al, da
unidade de contrário, ou da unitas multiplex, como sugere Morin (2002). Acab ar
com o fenômeno do poder implicaria poder d esmedido, desvairado e que
redundaria em ditadura ainda mais drástica. A democracia quer disciplinar, gerir
o poder em nome do bem comum, colocando a este como referênci a maior, não a
apropriação privad a, privilégios, prepotência.
Havendo convergência com as palavras alhures, é p ossível afirmar que o
elemento p eculiar da democracia tal como comp reende Paulo Freire, é, p ois, a necessidade
de reorgan ização do p oder, de modo qu e, no Estado, seja imp ressa à condição factual de
esfera p ública, ou seja, de esp aço aberto aos sujeitos como atores sociais de transformação
e de realização de direitos.
Defino es fera pública como um campo de interação e d e deliberação em que
indivíduos, grupos e associaões, por intermédio de retórica dialógica e reg ras
procedimentais partilhadas, (1) estab elecem equivalên cias e hierarquias entre
interesses, reivindicações e identidades; (2 ) aceitam que tais regras sejam
contestadas ao longo do tempo, pelos mesmos indivíduos, grupos ou associações
ou por outros, em nome de interesses, reivindicações e identidad es que fo ram
anteriorment e excluídos, silenciados ou des acreditados (SOUSA SANT OS,
2003, v. 3, p. 432, nota de rodapé).
Por este caminho argumentativo, mais uma vez, o pensador se rep orta à
particip ação, sem, contudo, olvidar-se da qualidad e da democracia.
Esta qualidade, p or seu turno, dá-se p ela via da formação, qu e, co mo se p ode
dep reender da obra freireana é a ação dialética e d ialó gica, através de que, os indivíduos,
reconhecem sua condição d e sujeitos do p rocesso cognoscitivo, desenvolv em a consciência
e o resp eito quanto às diferenças, ao temp o em qu e constroem uma estrutura rigorosa de
pensamento capaz de estimular a análise crítica da realid ade em que está inserido, ou seja,
aproximam-se dos objetos cognoscíveis com o p ropósito de estudá-los, de co locá-los à
prova, teórica e p raticamente, e, p or conseguinte, fazerem-se atores de transformações
sociais (FREIRE, 1998, 2005a, 2005b).
É a formação que cria a aliança inelutável entre o ser livre e o ser p articip ativo,
estabelece as condições a priori p ara o exercício da liberd ade, e, vice-versa, co mo efeito da
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331
prática da lib erdade, forma-se para ser livre. Isto é, ap rende-se a ser livre interferindo no
esp aço coletivo para, com o uso da liberd ade, qualificar-se em sua p ossibilidade/capacid ade
de intervenção ; ap rende-se a ser livre libertando-se.
Neste asp ecto, o processo formador, p ara Paulo Freire, tem como condição
primordial o resp eito do direito à liberd ade de co gnição, timidamente divulgado na
atualidade. Pois, se seu p ressuposto é criar métodos de se p roduzir o conhecimento através
da avaliação crítica dos sujeitos sobre a realidade, de insp irar a discussão livre dos sujeitos
sobre os temas que se p rop õem conjuntamente, é ev idente que está fundado na
comp reensão de que os sujeitos se libertam aprendendo se ap rendem livremente.
Outrossim, se são livres no ato de ap render, atuam d e forma livre p ara transformar, fazendo
da liberdad e co gnitiva efeito e fator de fortalecimento e p romoção da democracia e dos
direitos humanos.
A liberdade co gnoscitiva atua em dupla cap acidade p orque a concep ção
freirean a de p ráxis não p ermite, à semelhança do que ensejam os esquemas simp lórios de
causa e conseqüên cia, a sep aração dos efeitos e dos fatores relacionados a u m fenô meno
social. Um fator de p romoção, quando se realiza, é, ao mesmo temp o, efeito de ação
anterior que o promove, fortalecimento desta ação e motivação p ara novas alterações da
realid ade. Por exemp lo, à medida que se p romove a constituição do sujeito, que só se faz no
exercício d a lib erdade de co gnição, efetiva-se a ampliação dos espaços de p articipação e,
com efeito, a d emocracia. Esta, p or sua vez, tem maior efetivid ade se contribui p ara formar
o sujeito, fortalecendo a liberd ade de cognição.
Tanto mais crítica é a formação dos indivíduos, maior é a p robabilidade de
estabelecer-se o contato de dada sociedade co m atuação p olítico-transformadora de seus
integrantes (FREIRE, 1997). Neste sentido, a dialética da formação é também cap az de
consolidar n ão um regime democrático, mas uma cu ltura demo crática, ou seja, democra cia
como cultura de um povo, como marca característica de sua organização e
sobrevivência.
A partir daí cristaliza-s e aqu ela situação procu rad a, na qual o cultivo de direitos
e deveres comuns se torna ingrediente típico de todas as relações sociais,
emergindo em todas as form as de convivên cias, em todas as formas d e
instituições, em todas as form as de produ zir e d e ser. A próp ria sociedade cuida
que tais direitos e deveres se cumpram (DEMO, 2003, p. 79).
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De outro modo, a democracia em sua forma contra-hegemônica se
institucionaliza, enraíza-se em tradições culturais e jurídicas, adquirindo fluidez social e
alcan ce dos indivíduos nos seus modos mais elementares de ser e de se relacionarem, bem
como nas instituições que intermedeiam a realização de d ireitos e deveres, destarte,
cump ridos naturalmente.
4. Considerações finais
Se tomado a p artir de uma simp licidade ind evida, cabível, todavia, em certas
condições, é p ossível afirmar que Paulo Freire tem como base d e sua estrutura filosófica a
construção de mecanismos p ara a sup eração das desigu aldades sociais, o que se resume na
promoção da dignidad e humana com todas as condições que a esta se acop lam para que
faça v aler o efetivo sign ificado do termo, através da educação. Problematizar o esp aço
pedagó gico seria, p ortanto, um mote p ara p ensar a modificação d e uma realid ade
prejudicial ao efetivo resp eito aos direitos humanos e à condição de humanidad e, que se
exp ressa na relação op ressor/oprimido elaborada p or Freire, p or conseguinte, p ara teorizar
sobre a democracia.
A formação crítica é essencial ao prep aro dos indivíduos p ara assunção factual
de sua cidadania. É de se dizer, há que disseminar-se, através da p rática educativa, a
cap acidade dos seres humanos de analisarem e intervirem criticamente no mundo de que
fazem p arte p ara que possam atuar nos espaços p úblicos, defender a criação d e outros
mecan ismos de participação social, fiscalizar a ação dos agentes da Admin istração Pública,
exigir o cump rimento de seus direitos e dos direitos de terceiros, ao p onto de elevarem-se
os direitos humanos e a d emocracia à condição essencial de axio ma p olítico, filosófico e
prático, no qual todos os indivíduos e o Estado deverão p autar-se.
5. Referências
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HUMANOS DA UFPB
334
DIREITOS HUMANOS, ACESSO À JUS TIÇA E MEDIAÇÃO POPULAR
Ana Lia Almeida
1. Introdução
A presente pesquisa aborda o tema da mediação p op ular como uma forma
alternativa de resolução d e conflitos, inserida no d ebate do acesso à justiça enquanto direito
humano fundamental. A p ersp ectiva da qual a mediação será analisada é a possibilidade de
sua p rática se desenvolver como u m exercício emancip atório em busca d a autonomia das
pessoas envolvidas no conflito, bem como a p ossibilidade da mediação trabalhar os
asp ectos subjetivos, sócio-culturais e político-ideoló gicos que estão p or trás dos conflitos
jurídicos.
Torna-se cada vez mais necessário o debate sobre acesso à justiça de u ma maneira
amp lamente consid erada, no qual está inserid a a med iação. O estímulo ao desenvo lvimento
de formas alternativas de resolução d e conflitos assume grande relevo na atualidad e p orque,
entre outras razões, o Poder Judiciário vem se mostrando in cap az de realizar uma prestação
jurisdicion al satisfatória p ara grande p arte da pop ulação.
É urgente p ensar formas não mecanizadas de lidar com o direito, sup erando o
paradigma técnico-analítico, em busca d e um novo olh ar sobre os conflitos: olhar que d eve
resgatar as dimensões subjetivas, culturais e p olíticas que estão p or trás de um problema
jurídico.
Nesse contexto, a mediação vem sendo abord ada, de modo geral, segundo duas
persp ectivas diferenciadas, que não se anu lam, mas se baseiam em p ressup ostos
ideoló gicos diferen ciados: a do Estado e a da pop ulação.
Pela visão do Estado, a med iação é u ma d as saídas p ara d esonerar o serviço p úblico
da p restação jurisdicional, contribuindo p ara mitigar o con gestionamento de demandas
submetidas à ap reciação do Judiciário.
Já p ela p ersp ectiva da p op ulação, esp ecialmente dos grup os vulneráveis, a med iação
pode ser, p or um lado, um instrumento emancip atório, baseado no resp eito ao outro e no
exercício da autonomia de resolver seus p róp rios conflitos, disp ensando a interferência
externa e autoritária do Judiciário. Por outro lado, pode contribuir p ara o surgimento de
uma cultura jurídica mais humanizada, na medid a em que confere um tratamento inovador
aos conflitos, considerando os asp ectos extra-jurídicos que estão por trás dos mesmos e
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HUMANOS DA UFPB
335
levando a uma reflexão ap rofundada sobre as suas causas e as melhores maneiras de
resolvê-los.
A análise d a mediação que será desenvolvida neste trabalho é a do p onto de vista da
pop ulação. A mediação p op ular, enquanto p rática emancip atória de lidar com os conflitos,
pela construção de um novo p aradigma jurídico que se p aute p elo resp eito à autonomia e à
alteridade.
De um modo geral, o objetivo da p resente pesquisa é sustentar que a med iação
pop ular, enquanto forma d e acesso à justiça, se configura co mo uma p rática emancip atória.
Isto p orque estimula as p essoas p ara que elas mesmas resolvam os seus conflitos sem a
necessidade da interven ção de uma autoridade alheia, além de trabalhar os asp ectos
subjetivos do conflito, estimulando a sup eração da dicotomia cu lp ada/inocente e o modelo
adversarial que vigora na via judicial de solução de conflitos.
Pretende-se, com este trabalho, contribuir p ara que se d iscuta no amb iente
acadêmico formas inovadoras de lidar com o direito, ap ontando a necessidade do direito
aliar-se a outros camp os do conhecimento, como a p sicologia, p ara melhor lidar co m a
problemática da solução dos conflitos. Por fim, a p esquisa tem, ainda, como objetivo,
discutir a p ossibilidade de a mediação p op ular contribuir p ara a humanização das relações
intersubjetivas e tamb ém p ara a eman cip ação p olítica das p essoas, no exercício d e resolver
seus conflitos. A metodologia utilizada p ara atingir tais objetivos foi a investigação teórica
dialó gica, p ondo em confronto marcos teóricos de diferentes contribuiçõ es no camp o
acadêmico.
2. Direitos humanos e acesso à justiça
Positivado nas Constituições dos Estados Democráticos de Direito com status de
direito fundamental, o acesso à justiça dev e ser compreendido como um dos mais básicos
dos direitos humanos. Isto p orque é um direito que antecede os outros, indisp ensável à
proteção dos demais, u ma v ez que se configura como o canal p or meio de qu e as violações
serão reparadas e as reivindicações serão atendidas. Assim o pensa Capp elletti e Garth:
O direito de acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como
sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais,
uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência
de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode,
portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos
direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que
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336
pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos. (GART H;
CAPPELLETTI, 1998, p.58).
A comp reensão da exp ressão “acesso à justiça”, variou ao lon go do temp o em fun ção
de elementos tais co mo a p olítica, a religião, a sociologia e a filosofia (CARNEIRO, 2000,
p.3). As concepções em torno de seu significado relaciona-se, em certa med ida, co m o
desenvolvimento histórico da doutrina dos direitos humanos, como veremos adiante.
A modernidade inau gurou uma mudança de p erspectiva fundamental p ara o
desenvolvimento do que se convencionou denominar de d ireitos humanos: p assou-se de
uma concep ção ex parte principis p ara um olhar ex parte populi do exercício do p oder
político, na dicotomia utilizada p or Celso Lafer (LAFER: 2006, p .126).
Surgiu, com esta transformação, a figura do cid adão a substituir a do súdito, ou seja: o
bem-estar das pessoas como finalidad e do Estado, em vez da mentalidade de que a
existência das pessoas tinha como fim a sustentação da co munidad e p olítica. Desta
concep ção individu alista da socied ade, de que o homem existe antes da existência do
Estado, nasce a idéia da democracia mod erna
144
(BOBBIO: 1996, p.119-121), na qual os
indivíduos se colo cam na condição de sujeitos de direito p erante o Estado.
A Revolução Americana de 1776 e a Revo lução Fran cesa d e 1789 são o marco da
modernidad e. Ap esar de suas diferentes motivações e alcan ces, ambas construíram a idéia
do homem como sujeito de direitos, introduziram a idéia d e igu aldad e formal entre as
pessoas, e se constituíram como modelo de formação do Estado de Direito.
Tais revoluções burguesas in au guram uma concep ção liberal e individualista do
ordenamento jurídico, tendo a limitação do p oder absoluto como centro p rioritário de suas
preocup ações. No que diz respeito ao Poder Judiciário, é p reciso destacar que a Revolução
Francesa demonstrou para com os magistrados uma p rofunda desconfian ça, fruto das
relaçõ es travadas entre o rei e os ju ízes. A magistratura era vista como braço forte da
monarquia absolutista, e rep resentava um dos asp ectos que a nov a ordem burguesa tinha de
sup erar o que se refletiu na soberania do Parlamento estabelecida na Revolução Francesa.
Nessa fase, devido a tais relaçõ es, foi gerada u ma intensa reação contra o Poder
Judiciário, p rocurando reduzir o p ap el dos juízes à declaração do conteúdo da lei, esta sim,
extremamente confiável, fruto da vontade do p ovo, rep resentado pelo Poder Legislativo.
144
Bobbio sustenta que a tal idéia se opõe radicalmente a concepção orgânica da sociedade, nesta estando as partes em
função do todo, sendo a sociedade anterior e mais relevante que seus indivíduos. P ara o autor, os regimes totalitários se
fundamentariam nestalógica.
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Lembremos a afirmação d e M ontesquieu, n´O Espírito das Leis: “Os juízes de uma nação
não são, co mo dissemos, mais do que a boca que p ronuncia as sentenças da lei, seres
inanimados que não p odem moderar sua força n em seu rigor” (in CARNEIRO: 2000, p .17).
Aqui se situa, historicamente, o nascimento dos denominados direitos humanos de
primeira geração ou dimensão
145
, típ icos do Estado liberal: d ireitos de lib erdade ou direitos
de defesa, que objetivam a limitação do p oder estatal diante dos ind ivíduos, p ara os quais é
necessária u ma p ostura de abstenção do Estado – não intervir, não desresp eitar. Esta
concep ção será p osteriormente comp lementada por direitos de liberdade exercidos
coletivamente (lib erdade de reunião, de manifestação, de associação, d e imp rensa, etc.) e
pelos direitos à p articip ação p olítica, estes últimos intimamente ligados à demo cracia
característica do Estado de Direito (direito de votar e de ser votado). Daí sua denominação
de direitos civis e p olíticos.
Pode-se sustentar com firmeza que o acesso à justiça n ão foi uma p reocup ação
central do Estado liberal. Era o bastante, p ara a burguesia, que o Judiciário garantisse os
direitos de liberdade, relativos p rincipalmente à p ropriedade, amp lamente assegurados p or
lei. Quanto às pessoas que estivessem exclu ídas destas p remissas, não lhes foi disp ensada
maior atenção neste p eríodo histórico, como analisado na p rimeira parte deste trabalho. O
acesso à justiça, p ortanto, resumia-se a uma garantia de assistência jud iciária no p lano
formal, de resto girando em torno da p roteção dos direitos de primeira dimensão, não
dizendo resp eito à maioria marginalizada da p op ulação.
O avanço do cap italismo após a Revolução Industrial fez com que os trabalhadores se
organ izassem em torno do co mbate à sup er-exp loração a que estavam sendo submetidos.
Surge o socialismo, que forçou a amp liação da concep ção de direitos humanos, mostrando
que os direitos civis e políticos não bastavam p ara garantir uma v ida digna. Para aquém do
horizonte da superação do cap italismo, restou evidente que a p roteção do trabalhador era a
única maneira de manter vivo o p róp rio sistema capitalista, p restes a sucumbir diante das
asp irações igu alitárias prop ostas p elo socialismo.
É p recisamente d esta p ercep ção da n ecessidad e de conciliar os interesses dos
trabalhadores com os interesses do capital – forjando a ideologia de que são conciliáveis que surge o Estado de Bem Estar So cial. Insere-se neste contexto o surgimento dos direitos
145
Ingo Sarlet, em sua obra “A eficácia dos Direitos fundamentais”, propõe a denominação “ dimensão” em vez de
“ geração”, já que esta última leva à compreensão de que uma geração de direitos sucederia à outra, ocultando seus
aspectos de“ expansão, cumulação e fortalecimento” (SARLET,2006).
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humanos de segund a geração. São os denominados direitos econômicos, sociais e culturais,
que visam a igualdad e material, típ icos do Estado Social do p ós-guerra. Direcionados à
classe trabalh adora – e hoje, p rincip almente, dos que não têm trabalho -, exigem do Estado
uma p restação, assumindo uma dimensão p ositiva, ao contrário da d imensão negativa qu e o
mesmo assume perante os direitos de liberdade. Nas p alavras de Ingo Sarlet, “não se cuida
mais, p ortanto, de liberdade do e p erante o Estado, e sim de liberdade p or interméd io do
Estado” (SARLET:2006, p .57).
A p reocup ação com o acesso à justiça p assa a ocup ar lugar de destaque a p artir dos
questionamentos socialistas, que reivindicam a p roteção dos trabalhadores, como sustenta
Paulo Cezar Pinheiro Carn eiro:
Podemos afirmar que o Direito do T rabalho foi o ponto de partida do
verdadeiro acesso à justiça – o seu significado, no que se refere aos
direitos individuais, pela facilidade do acesso, pela prevalência da
mediação e da conciliação, pela índole protetiva, em especial no que diz
respeito ao ônus da prova, do trabalhador, e mais do que isso, a visão da
defesa coletiva da massa trabalhadora (CARNEIRO: 2000, p.20-21).
É com o advento do Estado social que localizamos o surgimento da idéia de acesso
à justiça tal qual a conceb emos hoje, embora n a acep ção atual tenham se somado alguns
outros elementos, a serem adiante analisados. M as foi de extrema imp ortância a sup eração
do p ositivismo normativista, p or uma idéia de que o pap el do judiciário dev e ser
desemp enhado com certa dose de criativid ade qu e p ermita ad equar a norma ao caso
concreto, p erseguindo uma finalidad e social.
Quanto aos direitos humanos de terceira dimensão, estariam relacionados aos
direitos de solid aried ade, ou direitos difusos, cuja titularid ade é atribuíd a a toda a
humanidad e. São os direitos à p az, ao meio amb iente equilibrado, à autodetermin ação dos
povos, ao desenvolvimento, o direito à comun icação, etc. Sua distinção dos demais dá-se na
sua titularidade coletiva, mu itas vezes indefinida ou mesmo indetermin ável. Tais direitos
estão em fase de franca consagração em âmbito internacion al, mas passam por um processo
lento de reconhecimento no plano do direito interno constitucional. No âmbito destes
direitos p oderíamos localizar o atual debate do acesso à justiça: considerando-o como
formas amp las de busca p elo justo: da via judicial à p revenção, passando p ela educação
política e p ela mediação p op ular, tema p rop osto p or esta p esquisa.
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Podemos somar a esta análise a contribuição de M auro Cap eletti e Briant Garth,
considerados co mo marco teórico n este debate. Os autores colocam qu e a comp reensão e a
prática do acesso à justiça vem evo luindo, d e modo que p odem ser identificadas o qu e eles
denominaram de “ondas de acesso à justiça”, a p artir da década d e sessenta.
A p rimeira onda refere-se à necessidade de garantir assistência judiciária gratuita
para as pessoas economicamente desfavorecidas, minimizando um dos maiores obstáculos
em relação à efetivação dos d ireitos humanos. A segunda, diz resp eito à defesa dos
interesses difusos e coletivos, através de mecanismos sistemático-legais que superem a
concep ção individu alista das violaçõ es – é o caso, p or exemplo, do direito do consumidor,
das mulheres e dos grup os vulneráveis em geral, do meio ambiente e, em âmb ito
processual, da ação civil p ública, da ação p op ular e do mand ado de segurança coletivo. Já a
terceira onda, tamb ém design ada p elos autores como “enfoque de acesso à justiça”, abran ge
e sup era as duas p rimeiras, p rop ondo um novo olhar p ara a sup eração dos obstáculos. É
nesta última onda que o acesso à justiça p assou a ser co mp reendido para além do acesso ao
Poder Judiciário.
Analisemos sucintamente cad a uma dessas três ondas, comentando a realidad e
brasileira no que tan ge a cada uma delas.
A p rimeira onda diz resp eito à garantia d e assistência jurídica a quem não p ode
pagá-la. Este é um fator de extrema imp ortância, p ois o custo financeiro p ara sustentar um
processo é alto, seja em função das custas judiciais, seja em função da remun eração dos
procuradores. O custo do p rocesso se constitui em um obstáculo primordial do acesso à
justiça, sendo fator de desistência em inúmeras ocasiões. Em p rimeiro lugar, p orque em
ocasiões em que o valor financeiro da demanda é insign ificante diante dos gastos que o
processo imp õe. Em segundo lu gar, p orque eventuais desiguald ades de classe entre os
demandantes p ossibilita aos mais abastados sup ortar sem grandes dificuld ades os custos e a
demora da solu ção jud icial, o que n ão é p ossível aos economicamente desfavorecidos.
Além desta barreira financeira, a falta de informação tamb ém constitui um obstáculo
que anteced e ao acesso ao Judiciário: tanto a falta de informação acerca dos direitos quanto
acerca do funcionamento e comp etência das instituições. Forma-se, assim, um obstáculo
cultural, difícil de ser transp osto p or grande p arte da p op ulação, a quem o acesso à
educação formal semp re foi negado ou d eficientemente p restado p elo serviço p úblico.
Em se tratando do ordenamento jurídico brasileiro, esta concep ção inicial d e acesso
à justiça encontrou guarid a na Lei de Assistência Judiciária Gratuita, n°1.060, em 1950.
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Contudo, foi a Constituição de 1988 que se consolidou como um marco, n a medida em que
foi garantida a “assistência jurídica integral e gratuita”, no art.5°, LXXIV, como direito
fundamental. A integralidade d e que cuid a a norma amp lia a assistência p ara abarcar
também serviços de orientação extrajudiciais, na intenção de resolver a problemática em
torno da carência de informaçõ es.
Surge também, em sede constitucional, a p revisão da criação da Defensoria Pública
no art.134, o que se efetivou com a Lei Co mp lementar nº80 /94.
Pondere-se que, no Brasil, o p roblema p ersiste gravemente em relação à assistência
judiciária. O atendimento nas Defensorias Públicas do país beira o caos diante da
sup erlotação da instituição e do desp rep aro dos funcionários – in clusive de muitos
defensores p úblicos - p ara lidar co m as pessoas. Para conseguir um atendimento é
necessária a humilhação de uma lon ga esp era, às vezes p ara p erguntar uma informação
simp les. A gratuidade das custas, p or sua vez, não basta p ara eliminar as barreiras classistas
do Judiciário: às vezes o p róp rio deslocamento p ara comp arecer às aud iências é p or demais
custoso à p arte, que não disp õe de meios financeiros nem mesmo p ara o seu transp orte;
outras vezes as faltas no trabalho em virtude do andamento do processo são objeto de
pressão p ara o trabalhador; ou aind a, como analisamos em outro momento, a p róp ria
condição de classe desta p essoa influen cia negativamente contra ela, na análise subjetiva
que as p essoas que movem o Judiciário fazem dela.
A segunda ond a se refere à proteção dos interesses coletivos e d ifusos – sup raindividuais - em juízo. Decorre mu itas vezes do p rocesso de esp ecialização por que
passaram os direitos humanos, atribuindo direitos esp ecíficos às mulheres, aos p ortadores
de deficiên cia, ao consumidor, etc. Tais direitos costumam extrap olar a con cep ção classista
do séc. XIX, sendo atribuíveis a u ma amp la coletividad e n ão-homo gênea do p onto de vista
do p oder econômico, como é o caso do direito ao equ ilíbrio amb iental.
A p reocup ação central trazida por esta segund a onda de acesso à justiça, de garantir
a rep resentação destes interesses, se justifica p ela característica indiv idualista do processo
civil, que, p or não p ossuir instrumentos adequados à defesa de interesses coletivos, tornava
imp ossibilitada a ap reciação de várias violações a tais direitos. Além da inexistência de
instrumentos adequados à defesa d as coletivid ades, a representação destas também se
configurava como u m fator p roblemático, u ma vez que em muitos casos não era p ossível
que todas as p essoas ofendidas p articipassem do p rocesso.
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As p rop ostas para solucionar este entrave giraram em torno da adap tação de
institutos do direito p rocessual p ara defesa de d emand as coletivas e da amp liação da
legitimidade p ara p rop or a ação.
Em relação mais esp ecificamente ao Brasil, é de se destacar que já na Constituição
de 1934 foi p revista a ação p opular, aperfeiçoada p ela Constituição de 1988. Em 1985, foi
criada a ação civil pública (lei 7347 /85), também recep cionada em 1988. Com a
Constituição, veio o mandado de seguran ça coletivo, a substit uição p rocessual dos
sindicatos (art.8º, III) e a p ossibilidade da associação rep resentar em nome de seus
associados, judicial e extrajudicialmente (art. 5º, XXI).
Pondere-se que a defesa dos direitos coletivos e difusos, comp reendidos como a
terceira dimensão dos direitos humanos, en contra como op ositores interesses econômicos
poderosíssimos. Tem sido comum, especialmente na seara amb iental, a ocorrên cia de danos
irreversíveis ocasion ados p or grup os emp resariais cu ja sed e por lucros vai além do resp eito
à p róp ria humanidade – já que os dirigentes de tais grupos também sofrem os danos
causados p or suas emp resas. E tem sido igu almente comu m o Estado estar envolv ido com a
seguran ça jurídica destas emp resas, inclusive na inércia em puni-las.
A terceira onda p arte da constatação de que a via formal de acesso ao Judiciário
muitas vezes não consegue alcançar de maneira eficaz a p roteção do d ireito. Esta
incap acidad e decorre de muitos fatores, p or vezes ligados ao qu e foi abordado
anteriormente sobre a crise do Poder Judiciário. A abord agem da terceira ond a é tamb ém
denominad a de enfoque à justiça, significando que a p erspectiva para o acesso sup era o
formal direito de ação perante o Judiciário.
Há uma preocupação com o aspecto material do acesso à justiça, e não o seu sentido
formal que a identifica co m o Judiciário. Admite-se, neste enfoque, outras formas de
garantia dos direitos e de resolução de conflitos surgidas no seio da sociedade:
“vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar,
torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por
outros meios, desde que eficientes. Por outro lado, cresce também a
percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora,
que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das
formas do processo civil, penal ou trabalhista”(CINT RA, GRINOVE R e
DINAMARCO: 2004, p.25-26).
Os mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos estão inseridos na terceira
onda, tendo como tendências as características da rup tura com o formalismo p rocessual
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(fator que contribui p ara a celerid ade), a gratuidade ou cobran ça de menor valor p elo
serviço, e o amplo uso dos juízos de eqüidade, em vez dos juízos de direito (CINTRA,
GRINOVER e DINAMARCO: 2004, p.26-27).
É imp ortante ressaltar que tais mecanismos não exclu em nem se contrap õem aos
meios formais institucionalizados da via judicial, apenas consistem em uma alternativa à
disp osição das pessoas, de acordo com sua livre vontade. É o que p ondera Cappelletti e
Garth, esclarecendo que o enfoque à justiça “não consiste em abandonar as técnicas das
duas p rimeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como ap enas algu mas de u ma série de
possibilidades para melhorar o acesso” (GARTH e CAPPELLETTI: 1988, p .67). O que
está em questão é o “acesso a uma ordem jurídica justa”, exp ressão hoje consagrada na
doutrina.
A mediação p op ular insere-se na amp litude desta terceira onda descrita p or
Capp elletti e Garth, estando, assim, inclusa na temática do acesso à justiça enquanto direito
humano constitucionalmente p ositivado.
Pondere-se, contudo, que de nada adiantaria o desenvolvimento de formas
alternativas de resolução de conflitos se estas acabarem p or adquirir os mesmos vícios da
estrutura formal do Judiciário, ou seja, se não servirem a uma verdadeira simp lificação
procedimental acerca do modo de resolver os p roblemas e causarem uma profunda
alteração na maneira de lidar com o conflito, inau gurando u ma nov a cu ltura de convivência
entre as p essoas. Não se p restem tais inovações apenas a desafo gar o Poder Judiciário,
como se tem co mp reendido e pretendido em muitos esp aços, mas que tais medid as p ossam
servir p ara incentivar entre as p essoas a cultura do diálogo, do resp eito mútuo e da
autonomia.
3. As formas alternativas de resolução de conflitos
A exp ressão “formas alternativas de resolução de conflitos” é uma tradução do
termo Alternative Dispute Resolution (ADR), surgidos e largamente utilizado nos p aíses
onde vige o sistema d a Common Law. Tais métodos têm se exp andido p ara consolidar u ma
tendência tamb ém “nos p aíses de civil law, isto é, de sistema romano-canônico, tanto na
Europ a Continental quanto nas Américas Central e do Sul, e até mesmo no Brasil”
(CARVALHO: 2002, p.67).
As formas alternativas de solução de conflitos se inserem na terceira onda de acesso
à justiça, que amp liou o enfoque p ara a comp reensão do termo além da possibilidade de
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ajuizamento de ações perante o Judiciário. O acesso a uma ordem juríd ica justa p assa p ela
possibilidade d e solucionar os conflitos p ela via extrajudicial, se assim o for da vontade dos
interessados. Tais mecanismos, entre outros méritos, tendem a p reservar a relação entre as
partes, que p assam a ter uma relação diferenciada com a p rópria idéia d e conflito, diante do
crescimento que p odem exp erimentar lid ando co m uma forma mais co laborativa de
enfrentá-lo.
Definitivamente, no Brasil não h á tradição no desenvolvimento destas vias
alternativas ao Judiciário. Pode-se dizer, inclusiv e, que a matéria é vista com certo
preconceito p or p arte dos juristas, longe d e ser en carad a co mo uma forma d e acesso à
Justiça. Tal conduta “p ode derivar da imp ressão que a prática do litígio é u m meio
profissional de subsistência e que a cultura não adversarial irá enfraqu ecer a p rática da
advocacia p rofissional” (GARCEZ: 2003, p .9). Talvez este desinteresse explique a enorme
confusão feita entre as p rincipais modalidades alternativas ao Judiciário, quais sejam: a
mediação, a conciliação e a arbitragem.
Atualmente, contudo, frente às dificuldades do Poder Judiciário em d esemp enhar
uma tutela jurisdicional adequada, viven ciamos a tendência p ela intensificação destas
maneiras alternativas de solucionar os conflitos.
A utilização destes mecanismos ho je denominados alternativos, que são princip almente a
mediação, a conciliação e a arbitragem, já ocorria antes mesmo do surgimento do Estado.
Era comum que se recorresse a terceiros como os sacerdotes, os anciãos ou os chefes das
tribos p ara que estes auxiliassem na resolução ou mesmo resolvessem diretamente os
conflitos surgidos no seio da sociedade. À medida que o Estado se fortalece e se arvora do
monop ólio jurisdicion al, essas formas vão d eixando d e ser utilizadas.
O caráter de alternatividade destes mecanismos é conferido pela op ção que
conferem em relação à via oficial d e p restação jurisdicional do Estado. Contudo, ressalte-se
que no seio do Judiciário p odem se desenvolver tais mecan ismos, como é o caso da
conciliação. Em todo caso, tal p ossibilidade não invalida a utilid ade da deno minação de
alternativos a estes meios, assim consagrados na doutrina.
Em linhas gerais, as três formas – arb itragem, conciliação e mediação - se
desenvolvem com a p articip ação de um terceiro imparcial. O que vai diferenciá-las é a
maneira através d a qual este terceiro intervirá na solução do conflito: o med iador ap enas
auxilia a comunicação entre os envo lvidos, funcionando como u m facilitador d iante do
imp asse; o conciliador já desemp enha um p apel mais invasivo, intervindo mais
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enfaticamente e su gerindo soluções; já o árb itro é figura mais p róxima do juiz, p osto que
decidirá com base nos argu mentos das p artes, que se comp rometem a cumprir o que restar
decidido.
Vê-se, p ortanto, que a mediação e a conciliação p odem ser consideradas formas
autônomas de comp osição dos conflitos, enquanto a arbitragem e a atuação do Judiciário
são heterônomas.
4. As nuances da mediação
A mediação é um mecanismo de lidar com o conflito extremamente versátil, que
aparece em v ários âmbitos de atuação hu mana. É assim qu e podemos falar da mediação na
escola, na família, na saúde, no trabalho, no d ireito, enfim, ond e quer que exista
relacionamento humano, haverá camp o p ara mediar.
A crescente visibilid ade que a mediação vem adquirindo se dev e a uma
característica infeliz de nosso temp o: a dificuldade do diálo go. Viven ciamos uma ép oca de
culto ao individualismo, reforçada p ela crença de que o desenvolvimento tecnológico p ode
substituir o convívio entre as p essoas. Desse modo, nos encerramos em nosso mundo,
acomp anhados da televisão e, a dep ender da classe social, do comp utador. De qualquer
forma, por variados motivos, a conviv ência co m as outras p essoas têm se tornado
particularmente dificultosa na era da
comp etitividade e do individu alismo
da
contemporaneidade.
Existe, de fato, uma enorme dificuld ade de comunicação, o que p arece u m
paradoxo, diante da extraordinária valorização e desenvo lvimento da mídia atualmente.
Ocorre que a multip licação das mídias não corresponde a uma real “mediação” das
realid ades comunicadas (SIX: 2001, p.28), restando a incapacidade geral de dialogarmos
uns com os outros.
A mediação sobre a qual se p retende refletir neste trabalho é a que se dá no camp o
da resolução dos conflitos jurídicos. Mesmo neste univ erso bastante p articular, a matéria
assume facetas plurais. É uma alternativa ao acesso formal ao Judiciário, cuja teoria ainda
encontra-se em fase de desenvolvimento, acomp anhando a sua prática. No entanto, há
fortes p ossibilidades de não ser p ossível uma doutrina un íssona sobre a mediação, uma v ez
que a mesma p ode ser utilizada p artindo de diferentes p ressup ostos ideológicos, a fim de
satisfazer interesses os mais diversos.
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A mediação é a maneira alternativa mais autônoma de resolver os conflitos. É n a
esteira da p reocup ação com as relações inter-p essoais que a med iação ganha imp ortância,
pois através dela se cultiva uma p ersp ectiva de coop eração, de incentivo ao diálo go, de
substituição da cu ltura do litígio, em que u m dos pólos da relação sai necessariamente
insatisfeito, p ela cultura do respeito e do entendimento entre as p essoas. A prop osta trazida
pela mediação é a de que as p artes cheguem, a seu modo, a uma solução p ara seus próp rios
problemas, em verdadeiro cultivo à tolerância p ara com o outro, tão em falta em nossos
dias.
Inicia-se co m a med iação um p rocesso através do qual as p artes escolhem um
terceiro imp arcial p ara atuar como um facilitador do diálo go entre elas, na busca de u ma
solução para seu conflito. É uma autocomp osição assistida, p ois requer a p articipação de
um terceiro imp arcial, mas implicado, que ajude as p artes a assumir os riscos de sua p róp ria
decisão.
Nascida da necessidade de obter novos modos de relacionamento, a
Mediação surge como resposta a essa necessidade de não querermos mais
que decidam por nós, pois estamos preparados para sermos criativos e
procurarmos nossas próprias soluções para nossos problemas
(VEZZULA, in LORENTZ: 2002, p.34).
O mediador funcion a como um facilitador diante do imp asse, um catalisador das
convergências indicadas p elas p artes. Estabelece diretrizes de comp ortamento, controla a
conduta e o flu xo d e co municação dos litigantes. É indisp ensável, p ortanto, que o mediador
possua técnicas necessárias e uma certa dose de sensibilidade p ara conduzir o
procedimento, de forma que não p ossa se investir de nenhum autoritarismo p erante o seu
desenrolar, p osto que sua p osição não é a de julgador, nem mesmo de p rop ositor p ara o
acordo.
4.1. Mediação como instrumento a serviço de interesses diversos
A discussão da mediação como forma de p ossibilitar o acesso a uma ordem jurídica
justa diz resp eito, esp ecialmente, aos marginalizados do sistema social. Isso p orque os
obstáculos do acesso à justiça formal se fazem sentir mais p enosamente ap enas a quem não
tem meios econômicos p ara desfrutar da p acificação do Judiciário, que imp lica, co mo já
analisado, n a transp osição de barreiras econômicas e sócio-culturais.
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No entanto, a mediação v em sendo crescentemente utilizada p ela elite econô mica,
esp ecialmente no que diz respeito a controvérsias em sede de direito contratual e em
conflitos familiares. O mecanismo tem se mostrado vantajoso esp ecialmente em função da
rap idez com que soluciona os imp asses e da economia qu e rep resenta em relação à v ia
judicial.
Mas não é este o enfoque do p resente trabalho. Aqui se p retende analisar a
mediação como u m instrumento emancip atório a serviço dos excluídos. A mediação
enquanto um meio d e realização d a justiça mais ad equado até do que o Judiciário, por todos
os p roblemas já analisados referentes à p restação jurisdicional quando se trata das p essoas
que não têm dinheiro.
Ainda dentro deste recorte, a mediação vem sendo p ensada segundo duas
persp ectivas p rincip ais, que não se anulam, mas se b aseiam em ideolo gias diferentes.
Diante desses olhares, poderíamos utilizar mais uma vez a dicotomia utilizada p or Celso
Lafer: ex parte prin cipis e ex parte popu li (LAFER: 2006, p .106).
Pela visão do Estado, a med iação é u ma d as saídas p ara d esonerar o serviço p úblico
da p restação jurisdicional, contribuindo p ara mitigar o con gestionamento de demandas
submetidas à apreciação do Judiciário. Esta concep ção, embora se limite a observar um
asp ecto secundário diante da grand eza da p rop osta trazida pela mediação, tem sido a mais
comumente adotada no meio juríd ico, como demonstra a seguinte p onderação: “Faz sentido
pensar que a utilização d e formas alternativas de resolução de disp utas p rovocaria
significativa melhoria no Poder Judiciário, que, co m a econo mia daí advinda, deixaria de
gastar verdad eira fortuna da União” (CARVALHO: 2002, p .70)
Já p ela p ersp ectiva da p op ulação, esp ecialmente dos grup os vulneráveis, a med iação
pode ser, p or um lado, um instrumento emancip atório, baseado no resp eito ao outro e no
exercício da autonomia de resolver seus p róp rios conflitos, disp ensando a interferência
externa e autoritária do Judiciário. Este estímulo à autonomia dá-se na med ida do resp eito à
alteridade, de modo que as p essoas se p ercebam enquanto sujeitos políticos no desenvo lver
de sua relação com o outro na mediação.
Por outro lado, a mediação pode contribuir p ara o surgimento de uma cultura
jurídica mais humanizada. Isto ocorre na medida em qu e se confere um tratamento inovador
aos conflitos, considerando os asp ectos extrajuríd icos que estão por trás dos mesmos e
levando a uma reflexão ap rofundada sobre as suas causas e sobre as melhores maneiras de
resolvê-los.
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Percebendo estas duas p ersp ectivas dicotômicas, o teórico Jean- François Six,
considerado u ma grande referên cia para esta discussão, entendeu haver dois tip os de
mediação: a med iação institucional e a mediação cidadã. A mediação institucional teria
sido elaborad a e implementada dentro do Judiciário, tendo uma forte tendência à
burocratização, sendo desemp enhada p or mediadores cu ja atividade tem caráter
eminentemente técnico.
Já a med iação cid adã teria op tado p ela autonomia da mediação, sendo
desemp enhada por mediadores que nascem nos grupos sociais (SIX: 2001, p .28-32). Tais
pessoas são destituídas do p oder da autoridade, mas conservam uma autoridade moral a elas
atribuída naturalmente por quem as p rocura p ara auxiliar na solu ção de u m conflito.
É interessante a associação que tanto Jean-François Six como Luís Alb erto Warat
fazem desta mediação não-institucionalizada com a força femin ina. A cultura da disp uta
pelo p oder é comumente relacion ada ao mundo masculino, em contrap osição a uma cultura
da sensibilidade e do cuidado qu e seria a p ersegu ição da prop osta de uma mediação que
busque a autonomia e o resp eito ao outro, atribuída à esfera feminina. É p rovavelmente esta
associação que permite a Warat p erceber a med iação co mo “a realização do femin ino no
Direito” (2004, p.8), e a Six id entificar, n esta seara, duas abordagens:
“ De uma parte, a mediação “ homem”: uma mediação emitida por um
poder, vinda de cima, proveniente de algum organismo constituído
qualquer – a mediação instit ucional. De outra parte, a mediação
“mulher”: uma mediação independente, suscitada pela vida cotidiana, na
base, em livre associação – a mediação cidadã” (SIX: 2001, p.2).
É imp ortante reconhecer que a mediação é u m instrumento que p ode ser utilizado de
modo a prop iciar uma transformação na cultura de solução de conflitos. Contudo, deve ser
encarad a como u m mecanismo em desenvolv imento, e ter todo o cuidado co m a sua
aplicação p ara evitar que os mediadores rep roduzam o que há de mais criticável no mundo
jurídico, como, por exemp lo, pressionar as p essoas para que cheguem, a qualquer custo, a
uma solução conciliatória.
A mediação n ão p ode simp lesmente ser comp reendida nem p rop agada co mo
“panacéia un iversal”, como bem alerta Six (2001, p .166), servindo esta concepção de
pretexto p ara que ela seja utilizada irrefletidamente, p ois esta atitude p ode comprometer
toda a nobreza de sua construção.
Six p reocup a-se com os perigos do incentivo irrefletido a esta técnica,
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esp ecialmente no meio judicial, diante da lei francesa que d iscip linou a mediação em 1995:
“Os tribunais, estando sobrecarregados, p ensaram então que seria bo m aliviar os ju ízes,
permitindo a estes recorrer a ‘med iadores’; ‘mediação’ qu e o ju iz deve colo car em op eração
antes de p roceder a um julgamento” (SIX: 2001, p .158). O tom p erceptivelmente irritado se
deve p rovavelmente às p reocup ações de que a técnica da mediação seja desvirtuada,
inserida na cu ltura conservadora e autoritária do Judiciário, que, na op inião do autor,
facilmente a conv erteria em simp les conciliação.
Nesse mesmo sentido, finalizemos co m a reflexão d e Warat:
A mediação, ainda que a consideremos com um recurso alternativo ao
judiciário, não pode ser concebida com as crenças e os pressupostos do
imaginário comum dos juristas. A mentalidade jurídica termina
convertendo a mediação em uma conciliação (WARAT: 2004, p. entre a
61 e a 139).
4.2. Os princípios da mediação
Os autores costumam variar quanto à classificação dos p rincíp ios que regem a
mediação. Contudo, um ap anhado geral indica que h á um certo consenso em torno dos
princíp ios da informalidad e, da autonomia das p artes, da não-adversariedade ou
coop eração, da confidencialidade, e da co mp etência do med iador.
O p rincípio da informalid ade indica que dev e o p rocedimento ser simp lificado ao
máximo possível.
O p rincípio da autonomia das partes tem um amp lo alcance, assumindo a sua faceta
mais relevante na mediação no que diz respeito à gerência sobre as decisões acordadas
pelas p artes.
O p rincíp io da cooperação ou da não-adversariedad e, ou ainda da n ãocomp etitividade traduz-se na maneira inov adora de lidar com o conflito: não há qu e se falar
em derrotados nem ven cedores na mediação, posto que a solução encontrada p ara o conflito
mediado é fruto de uma transformação nas relações, ben éfica a ambas as p artes.
O p rincípio da confidencialidade é essencial para que as p artes se sintam à vontade
na mediação. A sua importância se deve ao fato de que a origem real de muitos conflitos é
da ordem da intimidade das p essoas, não sendo fácil p ara elas exp or a situação na qual se
encontram, seus sentimentos, etc.
Por fim, o p rincíp io da co mp etência do mediador, que indica que a mediação é
tarefa cuja condução exige uma formação cuidadosa. O mediador deve estar ap ropriado da
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técnica adequ ada, mas também deve ser dotado de uma aguçad a sensibilid ade p ara lidar
com os imp asses que surgem durante a med iação, o que exige exp eriência de vid a e
habilid ade p ara lid ar com as p essoas.
5. A mediação po pular
Este enfoque da med iação ainda carece d e atenção p ela academia, sendo escassa a
literatura referente a ele. Contudo, as referidas experiên cias vêm sendo cada vez mais
sistematizadas, o que já ind ica o surgimento de u m campo diferen ciado de atuação da
mediação.
Luís Alberto Warat, p or exemplo, vem escrevendo sobre tais exp eriências a p artir
da sua p articip ação nos Balcões de Direito do Rio de Janeiro. Warat denomina d e Mediação
do op rimido “as formas de diálogo que tentam resolv er, no Brasil, os conflitos comunitários
e individuais nos esp aços urbanos e rurais de exclusão social” (2004, p .203).
Outra definição imp ortante é a de Vera Leonelli e Jerônimo M esquita, a partir de
suas experiências co m os Balcões de Justiça e Cidad ania e os Escritórios Pop ulares de
Mediação, que conceituam a Mediação Pop ular, a p artir da figura do mediador, enquanto:
(...) aquela realizada por mediadores que representam comunidades
pobres e periféricas, conhecendo suas características, necessidade,
valores, aspirações e reconhecendo seus interesses como sujeitos de
direitos, de saberes e de desejos (LEONELLI e MESQUIT A: 2004,
p.83).
Preocup adas com o acesso à justiça das camadas p obres e marginalizadas (desiguais
e excluídos) da p op ulação, as exp eriências de mediação pop ular se inserem como “um
mecan ismo de acesso ao direito e à justiça, entendida aqui em dimensão que p ode
anteceder, coincidir, ou mesmo p rescindir do acesso ao Poder Judiciário” (LEONELLI e
MESQUITA: 2004, p .79).
Trazem em comu m o seu caráter gratuito p ara os que dela se utilizam, além d a
localização esp acial onde se d esenvolve a mediação – nos p róp rios bairros periféricos onde
vive a pop ulação p obre -, amenizando os efeitos da crise do Poder Judiciário p ara estes
grup os vulneráveis, que desse modo p odem transpor as barreiras econômicas e sócioculturais do acesso à justiça.
Podemos conceber a mediação p op ular, a p artir destas exp eriências, como a
mediação voltada p ara a p op ulação exclu ída e exercida na p róp ria localidade p eriférica em
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350
que vivem estas p essoas, que pretende estimular o seu d esenvolvimento p olítico a partir do
reconhecimento delas enquanto agentes sociais através de mecanismos p edago gicamente
inovadores de lidar co m os conflitos, desenvolvidos p or mediadores que se situam neste
mesmo contexto social e estão com ele comp rometidos.
Através da mediação pop ular, p ode ser iniciada u ma nova cultura no camp o das
relaçõ es interp essoais, uma mudança paradigmática que co loque o diálo go e o respeito no
centro de uma nova p olítica, aqui comp reendid a como viv ência cotidiana em socied ade.
Contudo, p ara que a p rática da mediação p op ular p ossa ser encarada como um instrumento
a serviço da p opulação op rimida e excluída, é p reciso gerar uma nova ética, distinta da que
vigora em nossa sociedade cap italista.
Romp endo com a cultura da negação do outro e do domín io sobre ele, a med iação
prop õe a realização da autonomia a p artir do respeito à alteridad e, da construção de
vínculos com o outro. “A mediação co mo ética da alteridad e (...) é radicalmente não
invasora, não domin adora, não aceitando dominação nem sequer nos mín imos gestos”
(WARAT: 2004, p . 54).
A p rática emancip atória da mediação pop ular se desenvolve, p ortanto, com base na
autonomia e na alteridad e, radicalmente contra o autoritarismo e o p aternalismo. Não se
admite que nossos destinos sejam determinados p or alguém além d e nós, que somos
cap azes de superar as contradições de nossos interesses com base no diálo go e na
construção da horizontalidade.
E somos cap azes também, p ara além da solução de nossos conflitos individuais, de
nos p ercebermos enquanto op rimidos através da identificação dos conflitos enfrentados, e
nos organ izarmos em direção a u ma transformação estrutural da sociedade, em p rol do
igu alitarismo.
É p reciso conceber a mediação p op ular como um dos instrumentos a serviço d a
construção de uma sociedade igualitária. Não é que a mediação p ossa, sozinha, mudar o
mundo, mas p ode ser parte de um p rocesso de transformação radical d a socied ade. Isto
porque a mediação p ropõe a horizontalidade das relaçõ es, o que se baseia em uma p artilha
igu alitária do p oder, e esta é a antítese da exp eriência humana contemp orânea.
Nossas sociedades exp erimentam formas cru éis de d esigualdade em no me d e uma
cultura classista, machista, racista, homófoba, e tantas outras perversões. Cultivar a
horizontalidade, aind a que se trate de um p equeno gérmen, contribui p ara construir as bases
sobre as quais se p oderá construir uma sociedad e justa e igualitária.
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351
O que imp orta destacar é que a con cep ção da mediação p opular enquanto
instrumento de eman cipação está ligada à substituição dos valores p elos qu ais se p auta a
sociedade cap italista contemp orânea, do que decorre a substituição desta próp ria estrutura
sócio-econômico-cu ltural. É em nome de novos tempos, temp os de igualdade, que se torna
urgente a construção de uma nov a ética: a ética da autonomia e da alteridade.
6. Considerações finais
A mediação popular, da maneira que fo i encarada n este trabalho, se prop õe a
solidificar uma cu ltura de direitos humanos em p rol da rad ical mud ança nas estruturas
sociais, econô micas e culturais d a socied ade contemp orânea. Isto p orque não há que se
falar em direitos humanos em uma sociedad e estruturalmente desigual e excludente, co mo é
a cap italista. Sendo assim, falar em horizontalidad e, em socied ade igu alitária, é sup erar o
cap italismo.
A mediação p opular, na esteira desta discussão, p retende cultivar o gérmen desta
contra-hegemonia de sup eração da ordem. Em verd ade, a prop osta da mediação é, em si,
uma contestação a elementos basilares da ordem capitalista: o autoritarismo hierárquico, a
coisificação do outro, o normativismo juríd ico e a ap atia p olítica. É p or isso que nela se vê
uma p ersp ectiva emancip atória: uma p ossibilidade de lib ertação das amarras qu e nos
imp edem de seguir em direção a uma sociedade horizontal, justa e igualitária.
A mediação pop ular busca rep ensar o conflito a p artir do diálogo, do
reconhecimento e ap roximação da p ersp ectiva do outro, assim, desconstruindo a idéia
reinante no p aradigma juríd ico tradicional do outro enquanto um mero adv ersário, contra o
qual se assume uma p ostura intolerante. Busca-se, p elo contrário, construir a visão do outro
que é único, com qu em se p ode id entificar sob tantos asp ectos, e com quem se vai tentar
alcan çar a sup eração do conflito.
E somente neste respeito ao outro, neste diálogo com o outro a partir da
consideração de sua autonomia, é que se p ode construir nossa p róp ria autonomia, p artindo
para a construção de outros p aradigmas de relacionamentos sociais. Esta atitude de
reconhecimento do outro é o caminho para um novo paradigma jurídico, cultural e social.
Assim, a mediação p op ular é uma maneira inovadora de tratamento dos conflitos, a
partir da humanização das relaçõ es intersubjetivas no momento em qu e reflete sobre a
solução e também as causas dos p roblemas. Estimula-se, desta man eira, o desenvo lvimento
político das p essoas envolvidas no conflito in clusive no âmb ito coletivo, conseqüentemente
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HUMANOS DA UFPB
352
desenvolvendo a autonomia coletiva e individu al através do tratamento de seus próp rios
problemas.
REFERÊNCIAS
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WARAT, Luís. Surfando na Pororoca: o ofício do mediador. Brasília: Ed. UNB, 2004.
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HUMANOS DA UFPB
353
DIREITOS HUMANOS : a perspectiva das lutas sociais, uma visão biopolitica e
imanentista
Telma Lilia M ariasch
146
INTRODUÇÃO
Diferentes autores coincidem na observação de qu e o p rocesso p olítico de formação
da Democracia e da cid adania no contexto do Estado liberal moderno se apoia nas
revoluções qu e inscreveram conjuntos de d ireitos emanados das lutas dos p ovos,
exp ressando em sua historicidade aspirações, desejos e necessidades fundamentalmente
atrelados às questões da economia que contamina cada v ez mais claramente a p olítica
147
ou,
em colocando em outros termos, atrelados à p rodução da vida material como qu estão
eminentemente política
148
. Estas lutas articulam os estratos de dominação e de resistência e
reforçam a p ressão p op ular sobre o p oder para a instauração de formas de governo e
institucionais mais democráticas.
Sua h istória nos séculos XIX e XX refere-se às revo luções liberais democráticas, os
movimentos e revoluções socialistas, os p rocessos de reforma civ il e p olítica e as lutas p ela
descolonização, contra os totalitarismos, as ditaduras e imp erialismos
149
.
Contemporaneamente, no contexto do imp ério150 do cap ital global, que opera p ela
desterritorialização e desregulação como uma globalização “pelo alto”
avassaladora tendência à mercantilização
152
151
, com
dos direitos e p rerrogativas conquistados p elas
classes pop ulares ao longo de mais de um século de lutas, vemos, p or todo canto do
146
Doutoranda ESS/CFCH/UFRJ, tlmariasch@ gmail.com
POLANYI, Karl (2000) A Grande Transformação. As origens da nossa época. Rio de Janeiro: Elsevier Editora;
TILLY, Charles (1996). Coerção, Capital e Estados Europeus. São P aulo: EDUSP.
148
ALTAMIRA, César (2006) Los marxismos del nuevo siglo. Buenos Aires:Biblos. Desde a perspectiva da autonomia
operária, os ciclos internacionais de lutas foram os motores que impulsionaram o desenvolvimento das instituições do
capital, levando-o a um processo de reforma e reestruturação, afirmando a primazia da resistência que, através da
inovação social produz a transformação do capital, atrelado aos aparelhos jurídico políticos dos Estados e por eles
garantido.
149
BOBBIO, Norberto (1992) A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus.
150
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio (2002) Imperio. Buenos Aires: P aidós. Este panorama global descrito como uma
fase pos imperialista do capitalismo como uma economia sem fronteiras, desencadeada principalmente pela liberalização
dos intercâmbios de bens e serviços e a mobilidade ilimitada do capital.
151
GÓMEZ, José María (1997). “ Globalização da política. Mitos, realidades e dilemas” Revista Praia Vermelha, n. 1, Rio
e Janeiro.
152
NEGRI, Antonio (1993) A anomalia selvagem. Rio de Janeiro: Editora 34. O mercado vai se estruturando a partir do
Renascimento como espontaneidade das forças produtivas, como sua imediata e rigorosa socialização e como
determinação de valor através de tal processo. Pode-se ver o mercado como apropriação da força de trabalho, apropriação
das relações de produção, apropriação da natureza com suas conseqüências de que naturalização da miséria e de crescente
exclusão.
147
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354
planeta, se multip licarem as insurreições, lutas e reivindicações p or direitos do conjunto dos
excluídos que exp ressam sua forma básica de ação p olítica.
Diferentemente daqueles dos atores dos ciclos anteriores de lutas sociais, não são
mais os burgueses contra as monarquias, nem o op erário-massa contra o capital; as
resistências ao neoliberalismo são novas subjetividades p olíticas: mulh eres, mães, filhos,
homossexuais, discap acitados, vizinhos, desocup ados, precários, negros, indígenas,
migrantes, p roduzidas nas conjunturas dos acontecimentos, no nomadismo un iversal, na
mestiçagem, na metamorfose tecnológica da maquinaria imperial. Eles exp ressam um jogo
aberto de
relações, heterogen eidade,
insubordinação e p rodução
153
multip licidad e, novos p otenciais
de vida,
, como uma p olítica de mundialização “por baixo”
154
que,
mais do que reivindicar a normatividade, tende a p roduzir materialmente seus direitos.
Procuramos aqui subsídios p ara falar de um mundo que não é ap enas juríd ico, mas
um mundo de lutas, de relações latejantes, de sangue que aind a não secou nos Códigos;
para destacar a luta da codificação dialética que assegura a constituição d e um sujeito
universal, de u ma verd ade reconciliad a, de um d ireito ordenador
155
.
Para compreender as condições de p ossibilidade de surgimento destas lutas,
recorremos à persp ectiva da analise genealógica do p oder que, ao revelar brech as de
liberdad e no camp o imanente do neoliberalismo ap roximam de uma d iferente conceituação
dos direitos e, p ortanto, de um novo sujeito de direitos.
1- OS DIREITOS E AS MUITAS FAC ES DO PODER
Os direitos como resistência aos abusos do p oder, adotam, desde a genealo gia
foucaultiana, b asicamente duas formas referidas aos asp ectos de substração e de produção
do p oder, cada um dos quais se referira uma ideia de ho mem e de sociedade.
1.1- PODER E SUBTRAÇÃO: a soberania
A op eração de subtração do p oder é que d á emb asamento ao conceito de sujeito
jurídico, objeto da critica foucaultiana, e a conotação de resistência dos direitos como
156
liberdad e negativa. Tal crítica
é feita a p artir da instituição p olítica, - sistema de
rep resentação, formulação e análise do p oder sob a forma do sistema de direito e da lei -,
153
HARDT e NEGRI, 2002
D. HELD in GOMEZ, 1997.
155
FOUCAULT, Michel (2002) Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976). São P aulo: Martins
Fontes.
156
ibidem
154
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355
herdado p elo Ocidente do jusnaturalismo ou teoria do direito natural
157
, sustentada p elos
filósofos do século XVIII co mo concepção jurídica do p oder p olítico. Ap onta
essencialmente para a questão no contratualismo, da delegação de p otência da multitudo ao
soberano e d ep ois ao Estado, como u ma d erivação jurídica do antigo p oder ou direito de
“fazer morrer ou deixar viv er”, característico das antigas sociedades d e soberania. Tais
sociedades estão ap oiadas na obrigação legal da obediên cia, dentro de um sistema que
funciona n a modalidad e de lei e p unição e n a qual o p oder é exercido como instância de
dedução, mecanismo de subtração, direito de ap ropriar-se da capacidade p rodutiva dos
súbditos e, em caso de risco do soberano, até da p róp ria vida dos indivíduos, p erfilando já o
“estado de exceção”.
A arquitetura racional de direitos e deveres na qual o Estado absoluto ergue-se como
Leviathan (Hobbes, 1588-1679), no intuito de conduzir os homens (que a ele delegaram sua
potência) do suposto estado natural de gu erra de todos contra todos ao estado p acífico da
sociedade civil regulamentada, tem como fin alid ade última a seguran ça dos ind ivíduos na
vida em socied ade e seu p apel é o de fixar a legitimidade do poder. A delegação da
potência ao Um se torna p ossível através do medo e a obed iência e é um p rocedimento que
op era uma abstração, a redução da co mp lexidade social à unidade do p oder contra e sobre a
multidão das p otências, resultando na fragmentação do tecido social e o afastamento da
sociedade do p oder dos governantes
158
. O sujeito jurídico torna-se a-histórico e seus v alores
universais e absolutos, formais, individu ais e ideais: a iguald ade e a lib erdade juríd icoformais, ligados ao dever ser, associados à M oral, à serviço da do minação.
Sua constância, formalização e abstração p odem ser encontradas nas Constituições,
Pactos e Declarações, legitimadores dos p oderes que ao longo da história tem se voltado
quase que sistematicamente contra os cidadãos, revelando uma tensão constitutiva dos
direitos formais que adotam a persp ectiva dos de baixo, dos que são governados, devido à
aceitação da forma d e democracia rep resentativa como cond ição do cap italismo e do
159
Estado .
1.2- PODER E PRODUÇÃO: o biopoder
157
ISRAEL, Nicolas (2006) Genealogie du droit moderne- L’etat de necessite. P aris: P ayot & Rivages.
NEGRI, Antonio (2002) O Poder Constituinte – ensaio sobre as alternativas da modernidade. Rio de Janeiro: DP &A.
159
JANINE RIBEIRO, Renato (2001). “ A Democracia”. Folha Explica. São P aulo: P ublifolha.
158
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HUMANOS DA UFPB
356
A p artir do século XIX, co meça a se infiltrar nas sociedades com p arlamentos,
legislações, códigos, tribunais e a lei, u ma outra forma de poder e um novo direito: p oder
de “fazer viver e de deixar morrer”. Novos mecanismos do p oder centrados no corp oesp écie, tendem a invadir a v ida integralmente, visando à valorização e gestão distributiva
dos corpos viventes, um p oder destinado a p roduzir forças, fazê-las crescer e ord ená-las no
próp rio sentido do p rocesso econômico, mais eficaz que o descontínuo e oneroso do antigo
poder arrecadador e p redatório das socied ades de soberan ia
160
.
A vida faz sua entrada na história e torna-se o objeto das tecnolo gias p olíticas que
fazem do homem u m ser p olítico cuja vida está em questão. O biopoder, ao tomar o corp o e
a vida como seu objeto, tornou-se um poder materialista e deixou de ser meramente
jurídico 161.
Em resp osta à questão da constituição d a cidade como território de liberd ade, emerge
a sociedade de segurança
162
e o biopoder inaugura a id éia e p rática de u ma
governamentalidade como um esquema regu lador, (Foucault 1978b, in: 2001) qu e funciona
em rede através de microp oderes (Foucault, 1995) inseridos no quotidiano da v ida,
utilizando técnicas de sujeição, de captura das subjetividades através da norma, como uma
moral homo geneizante e individualizadora que conju ga p rocedimentos disciplinares,
regu lação biop olítica e técn icas de si, herdeiras da p astoral cristã163.
O biopoder foi um elemento indisp ensável p ara o d esenvolvimento do cap italismo,
como um exercício de gov erno que ultrap assa a dicotomia Estado/Socied ade e se alimenta
da p otência da liberdade, p ois p roduz efeitos nas relações dos indivíduos livres através de
164
múltip los controles .
2- RES ISTÊNCIA: LIBERDAD E E GOVERNO
Ao abandonar a imagem do Leviathan hobbesiano, da centralid ade de um p oder,
Foucault ap resenta o modelo de um p oder reticu lar, uma estratégia de relações qu e sup õe a
160
FOUCAULT, Michel (1978) Historia de la sexualidad I. La voluntad de saber. Madrid: Siglo XXI Editores S.A; e
(1978a) Securite, territoire et population In ( 2001) Dits et écrits II (1980-1988) P aris: Gallimard.
161
Foucault, 2002.
162
DELEUZE, Gilles (1992). Post-scriptum sobre a sociedade de controle. In: Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34.
No debate contemporâneo sobre a passagem da sociedade disciplinar para a de segurança, Deleuze proclama o fi m das
instituições de confinamento estudadas por Foucault e o aparecimento de novos dispositivos que fazem a sociedade “ de
controle” emredes a céu aberto .
163
Felix Guattari (1993) participa deste debate e desenvolve a idéia de três tipos de poder não como diferentes sociedades,
mas como fatores simultâneos de um poder cada vez mais aperfeiçoado em seus métodos de controlesocial. Retomando o
pensamento de Foucault e de Deleuze, define três “ vias/vozes” simultâneas dos “ Equipamentos Coletivos de
Subjetivação”: as vozes do poder, as vozes do saber e as vozes da auto-referência.
164
FOUCAULT, M. (1978b). La «governamentalita» . In: (2001) Dits et écrits II (1980-1988). P aris: Gallimard.
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357
liberdad e como condição de resp osta e p erp etuação do jogo do p oder, como um agonismo,
uma p rovocação p ermanente que p recipita as resistências, tanto mais reais e eficazes quanto
se formam no lugar exato em que se exercem as relações
de p oder165. Onde há p oder há resistência, o que supõe a liberdade do ind ivíduo, pois sem
ela não há interação, só dominação e obediên cia.
Em termos de afrontamento de estratégias (Foucault, 1981), considerando o p oder
como relação, como efeito de ações sobre ações p ossíveis, ele circula e é da ord em do
governo que comp orta também as resistências, como uma microfísica em op osição às
relaçõ es de p oder estratificadas
166
, uma biopo litica ou p olítica n a favor d a p otência da v ida.
Os corp os que resistem p arecem p ovoar um área de tensão no “entre” a soberania e a
norma, que referem a diferentes tip os de sociedades e a diferentes estágios do capitalismo
que, contudo coexistem, no entre o que nos é tirado e aquilo a que somos emp urrados.
Os exclu ídos teriam, no jo go aberto de relações livres, no “p lano imanente” do
mercado, a p ossibilidade de lutar contra a normatização, sem com isso precisar retomar
167
uma concep ção soberana binária do poder . Pensar o indiv íduo desde a liberdad e e a
cap acidade d e transformação qu e sugere a governamentalidad e, colo ca a favor da
construção do “sujeito ético e político”; p ois é a p artir da relação consigo e com os outros,
como exercício de liberdade p ara govern ar a si e aos outros que se revela o ponto de junção
das p ráticas constituintes e a p ossibilidade de resistência que p ermite escapar aos
biop oderes.
A proliferação de lutas p or direitos no cenário neoliberal, à margem das instituições e
das cap turas p artidárias, da conta d esta dinâmica qu e vai se enraizando no conjunto da rede
social, de forma global e cria, p aradoxalmente, a subjetivação, como p ráticas de liberd ade
dentro do diagrama de poder. Embora o hoje generalizado “estado de exceção”
168
seja um
disp ositivo contínuo e co erente que intervém do interior mesmo do sistema p ara b loquear a
esp ontaneidade e a força dos movimentos democráticos, ele se vê constantemente
interrompido p ela vida social, pelas lutas e exigên cias das singularidad es e não alcança p ara
169
dissip ar a vitalidade das resistências . A vida como ob jeto p olítico é que resiste a ser
165
________ (1981) Subjetivite et verite In (2001) Dits et écrits II (1980-1988) P aris: Gallimard.
FOUCAULT, Michel (1981) Un diálogo sobre el poder . Madrid: Alianza Editorial.
REVEL, Judith (2005) Foucault, conceitos essenciais. São Carlos, Br: ClaraLuz Editora.
167
_________(1982) L’ herméneutique du sujet In (2001) Dits et écrits II ( 1980-1988) P aris: Gallimard.
168
AGAMBEN, Giorgio (2003) Estado de exceção. São P aulo: Boitempo Editorial.
166
169
NEGRI, Antonio (2006) Fabrique de Porcelaine. Pour une nouvelle grammaire du politique. France:Editions Stock.
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HUMANOS DA UFPB
358
enclausurad a dentro das fronteiras jurídicas p ara realizar sua existência d e forma
afirmativa
170
.
3- DO SUJEITO JURÍDICO À MULT IDÃO: CONSTITUIÇÃO POLÍT ICA DA
SUBJETIVID ADE
Ao desviar o foco d a rep resentação, da esfera jurídica p ara a resistência, p ara a
potência coletiva dos homens, p osiciona-se o coletivo, o p oder dos indivíduos unidos, o
poder da multitudo, como fonte de criação de direitos.
As lutas revelam a “lib erdade” como constituição p olítica da subjetivid ade, que s e
faz no coletivo, nas afecçõ es e d estacam a centralidade do p olítico como afirmação da
positividade do ser e mostram que sim “... é possível fazer da multidão uma co letividade de
homens livres, em vez de um ajuntamento de escravos”
171
.
Esta ontologia política tem, em Sp inoza (Amsterdã, 1632-1677), ap oio na su a
concep ção do homem como “ser de desejo” – cona tus – que é a potência do homem p or
perseverar em seu ser, produção imediata de si e do mundo. Desejo qu e cobra relevância
política como a força com que ele se manifesta encarn ando a razão – cupiditas –, como
necessidade e “direito” de ser, lo grando a identidade entre produção e constituição. Deste
modo, se imp ossibilita toda dialética do p oder, abrindo a persp ectiva da p otência como
prefácio de um antagonismo absoluto, ético e prático.
O p onto de vista ontológico d e uma produção imediata é marcada p ela Ética e s e
op õe radicalmente a u m “dever-ser”. A multiplicidade não estaria mediatizada p elo Direito
nas suas variantes institucionais, senão p or outra coisa, algo que Sp inoza vai denominar
“processo constit uinte”.
A relação constituição/produção é a chav e da articulação do ser, um p onto de vista
que afirma a indep endência da força p rodutiva p ronta p ara se organizar historicamente e
tentar resgatar os sonhos originários d a socied ade d emocrática, esvaziad a hoje de seus mais
caros p rincíp ios constitutivos, a solidariedade
172
com a p róp ria humanidade p ara alcançar o
objetivo da organização social: a liberdade e, a p artir dela, a igu aldade nas diferen ças.
Os novos p rotagonistas das lutas p or direitos hoje, liberados a força p elo mercad o
neoliberal da relação de p rodução, que define a ló gica dos direitos formais, se afirmam
170
DELEUZE, Gilles (2005) Foucault. Sao P aulo: Editora Brasiliense.
SP INOZA, Baruch (1979) “ Ética” In Os Pensadores. São Paulo: Abril S.A
172
MARIASCH, Telma L. Solidariedade, subjetividade coletiva e filosofia do desejo In Lugar Comum. Estudos de Mídia,
Cultura e Democracia, N0 21-22:163-184. Rede Universidadenômade. Rio de Janeiro.
171
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HUMANOS DA UFPB
359
como imediatamente constituintes e abrem portas para p ensar que a força p rodutiva da
subjetividade comp orta a p ossibilidade de uma explicação, de uma análise e de u ma
transformação do mundo segundo a lógica do desejo. Em suas ações evidenciam que “... a
crise é sinal daquele limite qu e o ser existen te, de maneira cada vez mais pesada e
material, rompe no sentido construtivo”
173
. O limite torna-se aqui, a medida essencial da
relação com o existente, uma idéia ontolo gicamente consubstancial à de sup eração, como
indicativa de tensão constitutiva. Se desejo –conatus- é o direito natural, este é definido
assim p ela “livre n ecessidad e”, qu e é a liberdad e ontoló gica p ara afastar e redefinir os
limites, materializando-se no agir. O direito natural seria o desejo do homem de se auto
governar e não ser tutelado p or mentores da Sab edoria. De sua múltipla comp osição emerge
um novo ser múltip lo e comp lexo, um novo sujeito de p otências e de direitos: a multitudo,
174
cujo direito p olítico é uma continuação do direito natural
.
Não se trata aqui de uma visão d elegativa e rep resentativa como fundamento da
teoria da soberania, mas do p oder imanente dos indivíduos, da multidão, que ap arece como
potência de construção social e p olítica ativa. Ap onta-se assim, p ara o p oder constituinte
como base p ara a Democracia, onde o individual torna-se político através da práxis e as
necessidades deixam de ser carência para converter-se em p rojeto coletivo, realizando o
“desejo” da multitudo de estar junto, desejo de p roduzir seu ser coletivo, p ois os homens se
libertam juntos, o que produzem na afecção e através da razão p assional é a liberd ade como
“valor”.
4- DIREITOS E PRAXIS DEMOCRÁTIC A
Por esta via, Spinoza alude à Democracia como a união de todos os homens que
têm, em conjunto, p leno d ireito a tudo o que está em seu p oder. Uma concep ção radical de
Democracia co mo avesso de soberania entanto exigência burguesa; uma forma de
govern abilidade, segundo Foucault, um p rocesso que lib era poder constituinte, identificado
como movimento das classes pop ulares, da multidão co mo a nov a classe, sujeito ativo de
produção, fonte de inovação e coop eração na p rodução de novos direitos. Trata-se da
próp ria força democrática imanente à condição p opular, da força democrática cap az de
revolucion ar o status quo.
173
174
NEGRI, Antonio (1993) A anomalia selvagem. Rio de Janeiro: Editora 34: pág. 235.
CHAUÍ, Marilena (2003). Política em Espinosa. São P aulo: Companhia das Letras.
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360
O tradicional sujeito jurídico p assivo e vitimizado, base d as democracias
rep resentativas, confronta-se com um novo sujeito ético, co letivo e ativo, que co mbate e se
põe contra a “ordem natural” a que estavam submetidos. Encarnam brech as de liberd ade e
de resistência que, como bem ap ontou Sp inoza (1965), nunca se entregam nem se rendem.
Trata-se de um novo sujeito coletivo, que se constitui no interior mesmo da h istória p elas
suas p ráticas sociais, que lembra aos governos os limites de sua autoridade e do seu p oder,
175
pois este lhe é delegado p elo conjunto da sociedade , num p acto democrático assinado
pelo afeto e a duração no camp o da instituição p olítica
176
e p ela lib erdade de pensar e
op inar.
A biopolitica entanto as resistências, constróem o “comum” como esp aço p ublico não
estatal que redefine a Democracia. É a “constituição material” pressionando e
transformando a “constituição formal”, a práxis democrática em antagonismo p rodutivo
com a gestão de governo, p rop ondo uma nova forma de tratar dos conflitos além do arbítrio
177
do direito comp rometido com estruturas institucionais .
O que as lutas revelam é que a defesa dos direitos humanos deve necessariamente
passar p ela crítica interna de toda Demo cracia, p ois são elas que, através de suas p róp rias
polícias e ap arelhos rep ressivos, contêm a ferro e fogo o u ltrapassamento da miséria,
controlam os fluxos e imp edem sua desterritorializacao na direção do auto-governo e da
particip ação
178
.
Se o p oder não é dedutível e inteligível ap enas a p artir da categoria jurídico-política,
embora o direito, a lei e a soberania rep resentem uma codificação do mesmo, também a
resistência vai além do âmb ito jurídico, do “direito de resistência”
179
.
CONCLUS ÕES
Da noção de direitos como resistência n egativa aos abusos do p oder, temos
arribado, p ela mão de Foucault, aos asp ectos p rodutivos do p oder/resistência que se
localizam exatamente onde o p oder opera p ara substrair: nas relaçõ es, nas uniões.
Uma lição imp ortante emerge da dinâmica biop olítica e as lutas p elos direitos
humanos o evidenciam: o p oder está p or toda p arte em todos os corp os e só tem uma
175
SP INOZA, Baruch (1965) Traite theologuique-politique. Paris: Editions Flammarion.
ISRAEL, Nicolas (2001) Les temps dela vigilance. P aris: Payot.
177
NEGRI, 2006
178
DELEUZE, Gilles et GUATTARI, Felix (2005) Qu’ est-ce que la philosophie. P aris: Les Editions de Minuit.
179
FONTANA, Alessandro In ZANCARINI, Jean-Claude (comp) (1999) Le Droit de resistance XII-XX siecle. Paris: ENS
Editions.
176
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361
tendência, a p rodução de si e do mundo num jogo iman ente de forças. Converge aqui a
persp ectiva da constituição p olítica da subjetividade que identifica os direitos como a livre
necessidade do ser que se constitui de forma coletiva nas afecções. Os direitos como
potência democrática d e realização em ato dos desejos, do cona tus coletivo, é da ord em da
imanên cia, da produção ativa da realidade, da ord em do auto gov erno, da resistência, do
poder constituinte da multidão. E a p otência só é p otente se for atual, p ois só existe o que é
atual; p or isso, um direito que não se exerce é um p oder que não existe
180
.
Temos tentado uma diferente caracterização do sujeito de direitos, não só como
objeto de exp loração – construído como sujeito p assivo p elos dispositivos de dominação
cap italista – e sim como sujeito ético histórico de resistência ativa, que se constitui a si
mesmo e p rojeta uma nova sociedad e a p artir de suas necessidades e d esejos (Hardt, s/d),
organ izando os en contros em torno do qu e é co mum como a nova luta p ela produção
constituinte de um novo direito, antidiscip linar, lib erto do p rincíp io de soberania. Colabora
para tanto o recuo nas funções dos Estados dentro do p rocesso de globalização o que
também p rop icia a criação de red es de excluídos constituintes através das fronteiras das
nações, como uma globalização por baixo, que p ode abrir caminhos p ara a construção de
uma cid adania plena e glob al, de p articip ação efetiva numa Democracia direta.
Nossa intenção “não é rejeitar o que nomeamos de direitos humanos, mas sim
aquilo que imp ossibilita de d izer, de denunciar que a lib erdade ou os direitos do homem
devem, co mo condição, se circunscrev er ao interior d e determin adas fronteiras”
181
.
180
CHAUI, 2003.
FOUCAULT, Michel (1988) Verité, pouvoir et soi In (2001) Dits et écrits II ( 1980-1988) P aris: Gallimard. (traducao
nossa).
181
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362
A S UBORDINAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DE LIB ERT AÇÃO DOS (AS )
OPRIMIDOS (AS ) PELA RES ERVA DO POSS ÍVEL ECONÔMICO: uma crítica à
teoria hegemônica acerca da eficácia dos direitos humanos sociais
Roberto Cordoville Efrem de Lima Filho
182
1. Introduç ão: a afirmação histórica dos direitos humanos e a construção da
identi dade dos movi mentos sociais de libertação dos(as) oprimi dos(as)183 .
“ Nós vos pedimos com insistência
não digam nunca:
isso é natural!
diante dos acontecimentos de cada dia
numa época em que reina a con fus ão
em que corre o sangue
em que o arbítrio tem força de lei
em que a humanidade se desumaniza
não digam nunca:
isso é natural!
para que nad a possa ser imutável!”
Bertolt Brecht
Poderia defender – sem medo de parecer p iegas – que a p oesia é um direito
humano. Poderia e, visto que p oderia, fá-lo-ei. Isso p orque tal afirmação, lon ge d e ser
solitariamente minh a, é de gerações e geraçõ es de gentes que, com palavras e sentimentos,
têm exercido a criação. Sim, o ato de criar. Justamente aquilo que faz dos homens e das
mulheres sujeitos históricos (FREIRE, 1987), p artícipes do mundo, fazedores dele.
A p oesia e todas as formas d e arte, sendo maneiras de exercer a criação, são
modos de reconhecimento. Quem cria, criando, interfere no mundo. Quem interfere no
mundo, entende-se n ele. Quem se entende no mundo, nota que n ão está sozinho(a) e qu e as
pessoas, de uma forma ou de outra, estão ali fazendo história(s).
Acontece que a consciên cia histórica advinda do reconhecimento e da criatividade
ao gerar a idéia de que os homens e as mulheres constróem o mundo e a si p róp rios como
sujeitos, desmascara o discurso naturalizante. Este discurso, segundo o qual a realidade é
um dado e n ão um construto, é exatamente aqu ele sobre o qual Brecht fala nos v ersos
acima transcritos. E também é exatamente aquele legitimador n a história da escravização de
povos considerados biológica e intelectualmente inferiores; e aquele que respaldou a
182
183
Universidade Federal de P ernambuco – UFPE, robertoefremfilho@ yahoo.com.br
Em re ferência aos princípios epistemológicos feministas, durante este texto respeitarei as diferenças de gênero.
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363
subordinação mach ista das mulh eres p or serem elas tidas como seres “mais frágeis” e,
portanto, “incapazes p ara a realização de certas atividades”. É o mesmo d iscurso que tem
permitido a homofobia p orque, afinal de contas, é “natural que ap enas homens e mulheres
mantenham relaçõ es sexuais e afetivas, afinal a natureza – ou deus, ou, seja lá quem – fez o
homem para a mu lher e a mulh er p ara o homem”.
Há um cap ítulo no livro “As Veias Abertas da América Latina”, de Eduardo
Galeano, chamado “O derramamento de sangue e lágrimas: entretanto o p ap a decidira que
os índios tinham alma”. Trago ab aixo u ma parte desse capítulo para ilustrar o discurso
naturalizante até agora d ebatido. Diz Galeano acerca da escravização indígena d ecorrente
da colonização econô mico-cultural-religiosa europ éia na América Latina:
Não falt avam as justificativas ideológicas. A sangria do Novo Mundo se
convertia em um ato de caridade ou uma razão de fé. Junto com a culpa
nasceu um sistema de álibis para as consciências culpáveis.
Transformava-se os índios em bestas de carga, porque resistiam a um
peso maior do que o que suportava o débil lombo das lhama, e de
passagem comprovava-se que, na realidade, os índios eram bestas de
carga. O vice-rei do México considerava que não havia melhor remédio
que o trabalho nas minas para curar a “maldade natural” dos indígenas.
Juan Ginés de Sepúlveda, o humanista, sustentava que os índios
mereciam o trato que recebiam porque seus pecados e idolatrias
constituíam uma ofensa a Deus. O conde de Buffon afirmava que não se
registrava nos índios, animais frígidos e débeis, “ nenhuma atividade da
alma”. De Paw inventava uma América onde os índios degenerados eram
como cachorros que não sabiam latir, vacas incomestíveis e camelos
impotentes. A América de Voltaire, habitada por índios preguiçosos e
estúpidos, tinha porcos com umbigos nas costas e leões carecas e
covardes. Bacon, De Maistre, Montesquieu, Hume e Bodin negaram-se a
reconhecer como semelhantes os “ homens degradados” no Novo Mundo.
Hegel falou da impotência física e espir itual da América e disse que os
índios tinham perecido ao sopro da Europa. (GALEANO, 2005).
Trocando em miúdos: o d iscurso naturalizante é um d iscurso de op ressão. Ele nega
que as pessoas foram escravizadas p or conta de certos interesses de certas pessoas; que as
mulheres cu mp rem os deveres que lhes cab em na cultura p atriarcal, porque isso diz resp eito
também a interesses de sistemas estruturados sobre o domín io da p rop riedade, da produção
e da reprodução; e que a sexualidad e é uma qu estão política, afinal, a rep rodução,
fundamental aos sistemas sup racitados, demanda um tip o de sexualidade – a
heterossoxualid ade – em nome do aumento da mão de obra, por exemp lo.
Daí a afirmação inicial de que a p oesia é um direito humano. É sim. Como o é
tudo que diz resp eito à criatividade – a criação na idade, no temp o – condizente ao
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364
reconhecimento do ser humano co mo um sujeito histórico-transformador. Não é à toa que
Boaventura Santos aloca a arte no p ilar d a emancip ação e n ão naqu ele da regu lação, p ilares
estes considerados como as b ases estruturais da sociedade, segundo o militante e sociólo go
português. A arte e a poesia, prop õe Santos (2002), devem servir ao “reencantamen to do
mundo” (SANTOS, 2002, p . 115). M as p ara tanto não p odem ser consideradas em si. A arte
não é eman cip atória em si. A p oesia não é lib ertadora em si. Bem critica Santos(2002) a
forma como a arte n a Modernidade terminou serv indo à ló gica instrumental e indiv idualista
do cap ital. Criar p rop aganda mercadoló gica, criar lu cro, criar relações desigu ais: criar
também não é libertador em si. A criatividade, sendo uma exp eriência histórica, é exercida
por sujeitos históricos. É p reciso conhecer os sujeitos que criam e os interesses que os
levam a criar.
Os movimentos sociais de lib ertação dos homens op rimidos e d as mu lheres
op rimidas criam direitos. O Movimento Feminista afirma que as mulh eres têm direito à
autonomia com relação ao p róp rio corp o, ao sexo e à rep rodução. O M ovimento Negro
defende que as pessoas negras têm direito a vivenciar sua raça livres de discrimin ações
negativas. O M ovimento LGBT – de Lésbicas, Gay s, Bissexuais e Transgêneros – diz que a
diversidade d e formas de exercício da sexu alidade deve ser resp eitada em nome do direito à
felicidade, a amar e ser amado(a). O M ovimento dos(as) Trabalhadores(as) Rurais SemTerra ergu e band eiras vermelhas em no me do d ireito à terra qu e, ap esar de afirmações
contrárias de alguns setores da sociedad e brasileira, não se confunde com o direito à
prop riedade de cunho liberal-burguês.
Esses direitos criados pelos mov imentos ao serem afirmados combatem o discurso
naturalizante. Eles significam que o machismo não é natural. Assim co mo o racismo e a
homofobia não são naturais. Do mesmo modo que o latifúndio, a concentração de terras, a
fome, a miséria, a desiguald ade, o fato de uns terem muito e a grande maioria bem p ouco,
não são naturais. Esse processo de afirmação de direitos e combate ao d iscurso do natural é
um p rocesso identitário p ara esses movimentos, ou seja, cria as identidades dos sujeitos
coletivos.
A criação identitária tem a ver com comp artilhamento. Os sujeitos op rimidos se
unem e, unindo-se, organizam-se. Essa união está envolta em p rincípios. Mas não são eles
quaisquer p rincíp ios. São, nad a mais, nada menos, que a sua libertação. Não é p ossível –
nem desejáv el – estabelecer causas e conseqüên cias nesse processo, como se as p essoas
pudessem ser encaixad as numa equação. Primeiro o camp onês João conhece o M ovimento
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Sem-Terra, num segundo p asso entra em contato com os ideais do M ovimento,
posteriormente se interessa p ela organização interna do M ovimento, a p artir daí conhece as
pessoas, p assa a morar num assentamento e p ronto: está libertado! Não. Isso seria tratar
gente como co isa, o contrário d a lib ertação. A libertação, como já dito, é u m processo
(FREIRE, 1987). M as é um p rocesso histórico, dialético e dialó gico. É h istórico p or tudo o
que já foi dito. Porque os homens e as mulheres estão sendo no mundo, criam com ele,
transformando-se, transformam-no e transformam-no, transformando-se. É dialético
também p or isso, p orque uma coisa não acontece antes e a outra dep ois. A descoberta do
mundo, seu p ronunciamento através da p alavra – que é práxis, ação e reflexão – seu
reconhecimento como sujeito op rimido, o reconhecimento dos outros homens e das outras
mulheres como igu ais e diferentes (não desiguais), vão acontecendo con comitantemente,
uma ação d ep ende da outra, uma reflexão depende da outra e ação e reflexão dep endem-se,
mutuamente.
A libertação é um p rocesso dialó gico p orque não se dá em solid ão, mas sim, em
comunicação (FREIRE, 1997). A alterid ade é um p rincíp io indissociáv el da libertação. É
preciso considerar o/a outro(a), exercer o comp artilhamento, a generosidad e, a ternura,
perceber que o mundo se constrói com o/a outro e não alheio a ele(a). Que se o/a outro
trabalha, o faz interferindo nu ma realidade da qu al tamb ém sou p artícip e. Que se ele ou ela
está feliz, assim está num mundo que p assa a conhecer mais felicid ade, felicidad e esta que
pode – por que não? – ser democratizada. M as que se o/a outro(a) sofre, é op rimido, algo
deve ser mudado, p orque o sofrimento não é natural, a op ressão não é natural.
Os movimentos sociais de libertação dos homens e mulheres op rimidos(as) são,
desse modo, homens e mulheres que, reconhecendo-se op rimidos(as) através de uma
reflexão, qu e é também ação, sobre eles, elas e o mundo, mov imentam-se, agem, tamb ém
refletindo, no p rocesso de sua (de todos e todas) libertação.
A afirmação dos direitos humanos é p arte desse p rocesso. João afirma o direito à
terra ao temp o em que, em comunh ão com outras p essoas, liberta-se. É de se notar que a
palavra “humanos”, na exp ressão “direitos humanos”, tem uma resp onsabilidade grande
nisso tudo. A libertação, colo cando-se op osta à dominação, à op ressão e à co isificação é,
sem dúvida, uma humanização. Por isso afirmar os direitos à terra, à sexu alidade, às
diversidades sexual e racial, à igu aldade entre os gêneros como humanos é algo que ganha
tanta relevância. Porque os direitos se tornam humanos na medida em qu e os homens e as
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mulheres se human izam e os ho mens e as mulh eres se hu manizam na medida em que os
direitos se tornam humanos.
Para que isso aconteça não é necessário que o Estado venha ou não a reconh ecer
que esse ou aqu ele direito é fundamental. Não é necessário também que a elite domin ante e
dirigente aceite qualquer coisa. A libertação não demanda homo lo gação exterior,
consentimento do sujeito opressor. Pelo contrário, nela, como diria Wo lkmer, a
“necessidade
184
é fator de validad e” (WOLKMER, 2001, p . 91).
2. Direitos Humanos e Estado Moderno.
Ratifico a idéia: os direitos humanos, sua criação, sua afirmação, estão ligados às
lutas sociais levadas a cabo p elos homens oprimidos e p elas mu lheres op rimid as em seus
processos de libertação. Acontece, no entanto, que essa concep ção p luralista dos direitos
humanos está longe de ser a h egemônica. Pelo contrário. É ela defendid a p or uma pequena
parcela dos(as) teóricos(as), dos(as) intelectuais e dos setores sociais. Aqueles(as) que a
defendem, de costume, identificam-se como organicamente vinculados aos interesses das
classes subalternas e dos grup os sociais op rimidos. Essas p essoas são militantes de
esquerda, co mo é o meu caso, o que afirmo porque julgo metodologicamente importante,
por sinceridade metodoló gica, pela p edago gia d a p resença. A p artir de agora quem qu er que
leia este texto não p oderá dizer que desconhece um olhar da contra-hegemonia.
De qualquer modo, a teoria hegemônica dos direitos humanos, largamente
defendida e aceita mundo afora, é outra. É justamente aquela resultante do ap risionamento
dos direitos humanos pelo Estado M oderno. Segundo essa teoria, é o Estado quem diz o
que são os direitos humanos, do mesmo modo que é ele o único ator social que se dá à
feitura da p olítica, do direito e da violência, p or ele considerada legítima.
A p olítica, para o Estado M oderno, realiza-se através do exercício da
rep resentação numa lógica de particip ação formal numa democracia liberal. Ela é exercida
pelo Estado, em suas manifestações legislativas e executivas. O direito, p or sua vez, é
criado através d a lei e é semp re correspondente à norma. Ap esar de ser formulado por meio
de decisões p olíticas majoritárias que p rivilegiam alguns interesses em d etrimento de
outros, pretende-se válido p lenamente p ara todos aqueles sujeitos que, através do sufrágio,
184
“ Necessidade”, neste caso, é entendida em suas dinâmicas objetivas (materiais) e subjetivas. As necessidades dos
sujeitos são dialeticamente formadas, não estando condicionadas à mecânica do meio simplesmente ou apenas ao
subjetivismo individualista.
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legitimaram a organização estatal. Quando é ap licado p elo Poder Judiciário, tal ap licação é
vista como livre de interesses políticos, neutra. A violência, a seu turno, é legítima ap enas
quando exercida p elo Estado, p orque apenas essa instituição p ossui legitimid ade
(contratual) suficiente para seu exercício.
Ap risionando, ao menos em tese, a p olítica, o direito e a violência, o Estado
Moderno ap risionou também os direitos humanos. Porque monop oliza a p olítica e o direito
não reconhece outras formas legítimas de afirmação do qu e é socialmente imp ortante que
não aquelas desenvolvidas em seu seio, ou melhor, nos can ais de rep resentação que, mais
uma vez, em tese, legitimam-no. Assim, diante do Estado M oderno, não h á que se falar em
criação identitária dos direitos humanos p or p arte dos movimentos sociais de libertação
dos(as) op rimidos(as). As p essoas que comp õem esses movimentos votam, p articip am do
Estado. Fazendo-o, legitimam-no e dev em, como quaisquer outras p essoas, brancas ou
negras, heterossexuais ou homossexuais, ricas ou p obres, latifundiárias ou sem-terra, buscar
a rep resentação de seus interesses do mesmo modo, no Estado.
O discurso acima p arece, num p rimeiro olhar, ser bastante igualitário. Afinal, se o
Estado trabalha com a idéia de rep resentação e se há meios democráticos de alcançar essa
rep resentação, não existe um porquê para considerar diferenciadamente quaisquer sujeitos
organ izados “exteriormente” ao Estado. Afinal, p or que uma associação de latifundiários
não p oderia dizer que isso ou aquilo é direito humano e o M ovimento dos(as)
Trabalhadores(as) Rurais Sem-Terra p oderia?
É de se questionar, no entanto, o que é interior e o qu e é exterior ao Estado. O
Estado (Moderno) Liberal
185
nasce como resultado das lutas burguesas p or rep resentação
política e domínio econômico-político. Essas lutas burguesas se fecharam em torno daqu ilo
que Santos (2005) chama de “consenso do Estado fraco”. Diz o educador p ortuguês: “Na
sua base (do consenso) está a idéia de que o Estado é o op osto da sociedade civ il e
potencialmente o seu inimigo” (2005, p . 43). Segundo o discurso p ertinente ao Estado
Liberal, o Estado deve ser fraco e seu op osto, a sociedade civil, forte.
Ora, o Estado é aquele que monop oliza o direito, a p olítica e a v iolên cia e, ainda
assim, é fraco? A sociedad e civil não p ode dizer o que são o direito e a p olítica, a não ser
através da rep resentação estatal, mas ainda assim deve ser forte? Parece haver aí uma
185
O Estado Liberal é apenas uma das formas de manifestação do Estado Moderno, assim como o Estado Social e o
Estado Monarquista. O Estado Moderno é aquele que pretende monopolizar o poder e, daí, a política, o direito e a
violência, em contraposição ao Estado Feudal, no qual o poder era descentralizado.
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contradição. Talvez, no discurso, haja. M as no que diz resp eito à conquista de interesses da
classe burguesa esse é um esquema bastante coerente. O Estado deve ser fraco, segundo
esses interesses, p ara resp eitar a liberdade. Esta é a d e ir e vir, a de se exp ressar, a de
pensar, a de escolher rep resentantes, mas é p rioritariamente a liberd ade de p ropriedade,
portanto, do mercado. A sociedade civil d eve ser forte sim, mas essa é a socied ade civ il
mercado ló gica, não são os grupos margin alizados, oprimidos. A socied ade civil (a elite, em
outras palavras) deve ser forte p ara conduzir as relaçõ es econômicas. E, p ara isso, não
precisa de intervenções estatais. Precisa da tal liberd ade de p rop riedade, de mercado.
Diz Boaventura Santos:
Assim, como referi atrás, desregular implica uma intensa atividade
regulatória do Estado para pôr fim à regulação estatal anterior e criar as
normas e as instituições que presidirão ao novo modelo de regulação
social. Ora tal atividade só pode ser levada a cabo por um Estado eficaz e
relativamente forte. Tal como o Estado tem de intervir para deixar de
intervir, também só um Estado forte pode produzir com eficácia a sua
fraqueza. ( SANTOS, 2005, p. 43).
O modo de produção cap italista, na realidade, demanda um Estado juríd ica e
politicamente forte e u ma burgu esia (chamada d e sociedad e civil) econo micamente forte.
Fracos devem ser os interesses p op ulares, seja no Estado, seja na sociedad e civ il. Co mo é a
classe dominante quem detém o exercício da lib erdade advindo da prop riedade (um direito
humano!), é ela quem ocup a e hegemoniza o Estado. É ela, p ortanto, quem monop oliza o
poder econômico e que, p or isso, p ode dizer o que são o direito, a política e a violência. É
ela quem d iz, da mesma forma, quais são os direitos humanos. É ela quem elege que a
prop riedade é um direito humano. Prop riedade esta que, inexoravelmente, ap risiona os
direitos humanos.
Enquanto ap risionam os direitos humanos, o mercado e a prop riedade ap risionam
também as lutas sociais p or esses direitos. Em um primeiro p lano, o Estado a serviço da
burguesia não nega essas lutas. Pelo contrário, afirma qu e a d iversidad e, a p luralidade de
op iniões e p leitos é essencial à democracia. Não o afirmasse seria flagrantemente
contraditório, tanto no discurso da liberdade, já discutido, como em sua p róp ria história de
classe, visto que foi também a p artir do discurso das lutas sociais pela liberdade (contra o
Antigo Regime) que a classe atualmente dominante tornou-se dominante.
O ap risionamento das lutas pelos direitos humanos conduzidas p elos movimentos
sociais de libertação dos homens op rimidos e das mulheres op rimidas se dá p or caminhos
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mais comp lexos do que aquele da simp les negação dessas lutas p or parte da classe
dominante. Um desses caminhos é o do Estado Social.
O Estado Social é, assim como o Estado Liberal, uma manifestação estatal a
serviço do modo d e p rodução cap italista. Apresenta-se como um Estado interventor em
nome da garantia de certos direitos, mas não passa de uma prop osta de domesticação. Dizse ter nascido como medida necessária frente às d esiguald ades e op ressões sociais, geradas
pela ação arbitrária do mercado. M as surgiu em verdad e segundo outro interesse: o da
contenção dos imp ulsos revolucionários dos setores op rimidos da sociedade que não
sup ortavam o sofrimento conseqüente do cap italismo. Para isso, o Estado Social, ou seja, a
classe economicamente dominante, fez p romessas que nunca p ôde – nem realmente quis –
cump rir. Nesse sentido, diz Fredric Jameson:
E o mesmo acontece, como veremos, com esses dois aspectos bastante
contraditórios do sistema de mercado, a liberdade e a igualdade: todo o
mundo precisa querê-las, mas elas não podem realizar-se. A única coisa
que lhes pode acontecer é que o sistema que as gerou desapareça, assim
abolindo os “ ideais” juntamente com a própria realidade ( JAMESON,
1997, p. 281).
O Estado Social p romete saúde, edu cação, moradia e alimentação. Promete. Sim,
como p rogramas a serem cu mpridos num horizonte indeterminado a d ep ender da existência
de condições orçamentárias, isto é, da “medida do possível econô mico ”. Aqui, mais u ma
vez, a p rop riedade ap risiona os direitos humanos. Mas o faz de acordo com uma ló gica(?)
muito bem elaborad a que, n a comun idade jurídica é conh ecida como “teoria d a eficácia dos
direitos fundamentais”
186
.
O Estado, até então apto a dizer quais eram os direitos humanos, p assa a se dedicar
a uma teoria acerca da eficácia jurídico-social desses direitos que justifique o nãocump rimento das p romessas realizadas.
3. A teoria hegemônica acerca da eficácia dos direitos humanos.
Lembro bem dos famosos manuais de Direito Constitucional da graduação do
curso de direito. M anuais jurídicos são aqu eles livros grossos e pesados que p retendem
186
“ Direitos Fundamentais” foi a expressão historicamente escolhida por boa parte dos Estados para reduzir, num ato
conhecido como de “ positivação”, os “Direitos Humanos” à legislação. As duas expressões (“ Direitos Humanos” e
“ Direitos Fundamentais”) serão utilizadas neste texto numa relação de gênero (Direitos Humanos) e espécie (Direitos
Fundamentais) com fins didáticos.
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370
abordar todo o assunto p ertinente a uma área do conhecimento jurídico. Seus autores
combinam quantidad e de informações com o máximo de aprofundamento teórico cabív el
no número de páginas reservadas p ara cad a assunto. No final das contas, os temas são
abordados sup erficialmente, sem margem para grandes discussões, o que é bastante
coerente com a p rop osta do bacharelismo que os cursos de direito vivenciam. Dizem-se
rap idamente coisas que demandariam horas – quem sabe vidas, livros?! – p ara que se
alcan çasse criticamente uma p osição.
Ap esar das insistências em contrário do docente à época resp onsável p ela
discip lina de “Direito Constitucional 1”, da Faculdade de Direito, da Universidade Federal
de Pernambu co, “minha” turma estudou basicamente p or manuais. Dentre eles, o mais
procurado era o tradicional “Curso de Direito Constit ucional Positivo”, de José Afonso da
Silv a. Foi através dele que conheci – assim como “minha” turma e geraçõ es e gerações de
turmas de centenas de faculd ades de direito por todo o p aís conheceram – a “Teoria dos
Direitos Fundamentais do Homem”, disp osta em p ouco mais de d ez p áginas, estando em
duas dessas p áginas um tóp ico chamado “Natureza e eficácia das normas sobre direitos
fundamentais”. Trago abaixo o p arágrafo que fin aliza e sintetiza tal tóp ico.
A eficácia e aplicabilidade das normas que contêm os direitos
fundamentais dependem muito de seu enunciado, pois se trata de assunto
que e stá em função do Direito positivo. A Constituição é expressa sobre
o assunto, quando estatui que as normas definidoras dos direitos e
garantias fundam entais têm aplicação imediata. Mas certo é que isso não
resolve todas as questões, porque a Constituição mesma faz depender de
legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de
direitos sociais, enquadrados dentre os fundamentais. Por regra, as
normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e
individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as
que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também na
Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam
uma lei integradora, são de eficácia limit ada, de princípios programáticos
e de aplicabilidade indireta, mas são tão jurídicas como as outras e
exercem relevante função, porque, quanto mais se aperfeiçoam e
adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam garantias da democracia e
do efetivo exercício dos demais direitos fundamentais”. (SILVA, 2003, p.
180).
A tradicional classificação d a eficácia dos direitos fundamentais, rep roduzida p or
boa p arte dos manuais jurídicos, op ta pela existência de uma hierarquia de eficácias. São as
normas de direitos fundamentais classificad as como de eficácias p lena, contida e limitada.
Sua ap licabilidade – já qu e considerada imediata p elo texto constitucional p átrio (CF, art.
5º, §1 º) – é, p or sua vez, subdividida em d ireta e indireta (SILVA, 2003, p . 180). De acordo
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com a classificação tradicional e com sua interp retação, o direito à p rop riedade, p or
exemp lo, seria tido como uma norma d e eficácia plena e ap licabilidade imed iata direta,
visto que demandante ap enas, em tese, de uma abstenção estatal. Por sua vez, o direito
fundamental à morad ia, direito este que necessita de intervenção estatal em razão das
reformas agrária e urbana, interferindo nas p rioridades econômicas do Estado, nas
prop riedades dos latifundiários, seria conceb ido co mo uma norma d e eficácia limitada e de
aplicabilidade indireta.
O que, em muitas voltas conceituais, a teoria em questão diz é que há normas que
podem ser efetivadas de p ronto e há outras normas que não p odem sê-lo. Nessa discussão,
duas questões são relevantes. São elas: a) a p rogramaticidad e das normas de direitos
fundamentais e b) a reserva do possível.
Normas p rogramáticas, segundo Teixeira (1991, p . 316-317) são aquelas que
versam sobre matéria de caráter ético e social. São p rogramas de tarefas destinados ao
legislador ord inário. São normas de eficácia limitada. Uma norma é p rogramática, de
acordo com a teoria hierarquizante em qu estão, a dep ender daquilo que In go Wo lfgan g
Sarlet chama d e densidad e normativa:
Em face do exposto, pode falar-se em normas constit ucionais de alta
densidade normativa, que, dotadas de suficiente normatividade, se
encontram aptas a, diretamente e sem a intervenção do legislador
ordinário, gerar os seus efeitos essenciais (independentemente de uma
ulterior restringibilidade), bem como em normas constitucionais de baixa
densidade normativa, que não possuem normatividade suficiente para –
de forma direta e sem uma interpositio legislatoris - gerar seus efeitos
principais, ressaltando-se que, em virtude de uma normatividade mínima
(presente em todas as normas constitucionais), sempre apresentam certo
grau de eficiência jurídica. (2006, p. 262)187
Programática seria a norma de direito fundamental que v isa a u ma meta do Estado.
“Erradicar a p obreza e a margin alização e reduzir as desigu aldad es sociais e region ais”
(CF.ART.3º, III) é, nesse sentido, uma norma p rogramática, um p rincíp io do Estado
brasileiro. Não disp õe dos meios p ara se tornar efetiva; demanda legislações
infraconstitucionais, ações do Legislativo e do Executivo etc. e, p or isso, é tida como uma
187
A proposta de Sarlet de considerar a existência de densidades normativas representa historicamente uma mudança nas
discussões acerca da eficácia dos direitos fundamentais. Ao dizer que as normas todas possuem densidade normativa, por
mais que seja a de uma normatividade mínima, Sarlet nega a inexistência de normatividade nas normas programáticas até
então tratadas apenas como ideais, floreios constitucionais e não como normas. De qualquer modo, apesar de eu
reconhecer a mudança em questão, não posso deixar de fazer as críticas necessárias. Isso porque, no final das contas, a tal
mudança não aconteceu no mundo dos fatos. Os anteriores ideais desprovidos de normatividade passaram a ser
considerados normas programáticas de baixa densidade normativa, continuando sem efetivação.
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norma de b aixa densidad e normativa. A seu turno, “é garantido o direito à propriedad e”
(CF.ART.5º, XXII) não seria uma norma p rogramática visto que sua eficácia não
demandaria instrumentos legais e admin istrativos, mas ap enas a abstenção de atos que
atentem contra a p rop riedade: é auto-aplicável, é de alta densidade normativa.
Faço aqui então um questionamento. Por que a erradicação da p obreza é
considerada co mo uma meta estatal, um ideal, mas a defesa da p rop riedade não o é? A
defesa da p rop riedade (da concentração dos meios de p rodução, do mercado, do cap ital
etc.) tem sido função política p rimordial do Estado desde a ascensão da burgu esia. No
tóp ico anterior deste texto realizei u m ráp ido rascunho sobre a que e a quem serviram
(servem?) os modelos Liberal e So cial do Estado. A erradicação da p obreza é bem mais
nova no cenário constitucional do que a defesa da prop riedade. Esta d efesa é o cerne do
modo de p rodução cap italista, aquela é ap enas mais uma d as p romessas que a M odernidade
fez e não cump riu.
É de se notar, ap esar de eu já estar sendo rep etitivo, que embora defender a
prop riedade
tenha
sido
historicamente
a função,
o real objetivo,
do Estado
instrumentalizado p ela classe econo micamente dominante, é uma p romessa que nasceu p ara
não ser cump rida que ganh a o título de p rograma, fim, meta, objetivo.
Daí é fácil entender o p orquê da defesa d a p rop riedade ser considerada norma
auto-ap licável e de alta densidade normativa. Ela já acontece, já é real, as forças sociais
hegemônicas já a levam a cabo. O modo de p rodução cap italista é dominante, estrutural, e a
prop riedade lhe é fundamental. O discurso da comunid ade jurídica acerca da
programaticid ade ou da d ensidade d as normas é a justificativa jurídica (no camp o da
sup erestrutura) para que o cap italismo se p erpetue sob o manto da “lógica jurídica”.
Fica então também fácil entender o p orquê de a errad icação da p obreza ser
chamad a de norma programática de baixa densidad e normativa. Onde quer qu e a
prop riedade e o mercado sejam defend idos com o vigor que o capitalismo os defende, a
miserabilidad e não terá fim. Apresento, mais uma vez, p alavras d e Boav entura Santos p ara
ilustrar a discussão.
É hoje evidente que a iniqüidade da distribuição da riqueza mundial se
agravou nas duas últimas décadas: 54 dos 84 países menos desenvolvidos
viram o seu PIB per capita decrescer nos anos 80; em 14 deles a
diminuição rondou os 35%; segundo as estimativas das Nações Unidas,
cerca de 1 bilhão e meio de pessoas (1/4 da população mundial) vivem na
pobreza absoluta, ou seja, com um rendimento inferior a um dólar por dia
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e outros 2 bilhões vivem apenas com o dobro desse rendimento. Segundo
Relatório do Desenvolvimento do Banco Mundial de 1995, o conjunto
dos países pobres, onde vive 82,2% da população mundial, detém apenas
21,1% do rendimento mundial, enquanto o conjunto dos países ricos,
com 14,8% da população mundial, detém 78,5% do rendimento mundial.
Uma família africana média consome hoje 20% menos do que consumia
há 25 anos. O aumento das desigualdades tem sido tão acelerado e tão
grande que é adequando ver as últimas décadas como uma revolta das
elites contra a redistribuição da riqueza com a qual se põe fim ao período
de uma certa democratização da riqueza iniciado no final da Segunda
Guerra Mundial. Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano do
PNUD relativo a 1999, os 20% da população mundial a viver nos países
mais ricos detinham, em 1997, 86% do produto bruto mundial, enquanto
os 20% mais pobres detinham apenas 1%. Neste mesmo quinto mais rico
concentravam-se 93,3% dos utilizadores da internet. Nos últimos trinta
anos a desigualdade na distribuição dos rendimentos entre países
aumentou drasticamente. A diferença de rendimento entre o quinto mais
rico e o quinto mais pobre era, em 1960, de 30 para 1, em 1990, de 60
para 1 e, em 1997, de 74 para 1. As 200 pessoas mais ricas do mundo
aumentaram para mais do dobro a sua riqueza entre 1994 e 1998. Os
valores dos três mais ricos bilionários do mundo excedem a soma do
produto interno bruto de todos os países menos desenvolvidos do mundo
onde viv em 600 milhões de pessoas. ( SANTOS, 2005, p. 33).
Todo o debate sobre as normas p rogramáticas costuma degrin golar sobre outro,
qual seja, o da reserva do p ossível econômico. Não há como fu gir dele. Dá-se que semp re
que as críticas que acima fiz – às sustentações teóricas da programaticidad e das normas –
entram em cena, surge a segu inte afirmação: mas é imp ossível efetivar essas normas todas,
não há verba suficiente ou orçamento, há limites p ara o Estado.
Esses limites, segundo In go Sarlet, dizem resp eito à “efetiva disp onibilidade fática
dos recursos p ara a efetivação dos direitos fundamentais”, à “disp onibilidade jurídica dos
recursos materiais e humanos” e à “prop orcionalidade d a prestação”, sua “razoabilidad e”
(2006, p. 301). Em outras palavras: são limites fático-jurídicos – econômicos – que
imp edem a efetivação dos direitos, seja p orque não hav eria de onde tirar a verba p ara tanto,
seja p orque o p róp rio ordenamento jurídico imp ede que o dinheiro saia de um lugar p ara o
outro.
Tais limites foram reunidos sobre o título de “reserva do p ossível”, exp ressão com
a qual, inclusive, gosto muito de trabalhar p or ser ela, como procurarei demonstrar,
flagrante das desculp as que a comunidade jurídica costuma dar a si mesma p or suas ações
indesculpáveis. Para essa demonstração usarei argumentos simp les que, longe d e fugirem à
comp lexidade d a discussão, buscam clarear as contradições do discurso hegemônico.
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Não é à toa que os direitos fundamentais são chamados de “fundamentais”.
Fundamental é aqu ilo que serve de fundamento. Fundamento é base, alicerce. Sem b ase a
casa cai. Sem alicerce a p onte desaba. Os direitos fundamentais são fundamentais p ara as
pessoas na qualidade de sujeitos individu ais e co letivos e o são também p ara o p róp rio
Estado nas justificativas dele mesmo. A iguald ade não é fundamental ap enas p ara M aria
considerada em si. É fundamental p ara M aria nas suas relações com João, Pedro, Antônia
etc. e também para M aria em suas relaçõ es com o Estado. Pois bem: o Estado diz que os
“direitos fundamentais” lhe são fundamentais. Coerentemente com essa afirmação, d iz
também que eles – de tão fundamentais que são! – têm “aplicação imediata” (CF.ART5º,
§1º). Digo “coerentemente” p orque seria minimamente estranho se alguém garantisse que
algo lh e é fundamental, mas dissesse, con comitantemente, que esse mesmo algo não é u ma
necessidade imediata. Se os direitos fundamentais são fundamentais p ara certa p rop osta de
Estado, sem esses direitos a certa p rop osta de Estado não existe, nem por um instante
sequer.
Como disse anteriormente, são argumentos simp les. M as não são eles simp listas.
Vejamos. A teoria hegemônica da eficácia dos d ireitos fundamentais faz
da
“ap licabilidad e” a mesma leitura que fiz no parágrafo anterior. Busca, no entanto, outros
caminhos: d istingue “aplicabilidade” de “eficácia”. Aqui está seu cerne. É bem v erdade que
as normas são ap licáveis, afinal disse isso o texto constitucional, mas essas normas não
necessariamente são eficazes. Sua eficácia dep ende da reserv a do p ossível, ou seja, das
condições d e “possibilidade” que d etenha o Estado em determinado momento p ara efetivar
as normas. Aqui está a flagrância. Por que afin al de contas alguém d iria qu e algo é
fundamental, que dev e ser ap licado imediatamente, mas qu e não precisa ser eficaz? Esse
“algo” só p ode não ser “tão fundamental” assim.
A teoria de qu e a efetivid ade das normas d eve ser pautada pelos limites da reserva
transfere p ara a reserva o p oder de ditar o que é e o que não é fundamental p ara o Estado.
Como a reserva é a “do p ossível”, resta-me questionar o que é p ossível, de acordo com
quem – e que interesses – ela é ou n ão é p ossível. Ap roveito as p alavras de Krell:
No Brasil, como em outros países periféricos, é justamente a questão
analisar quem possui da legitimidade para definir o que seja “ o possível”
na área das prestações sociais básicas face à composição distorcida dos
orçamentos dos diferentes entes federativos. Os problemas de exclusão
social no Brasil de hoje se apresentam numa intensidade tão grave que
não podem ser comparados à situação de países membros da União
Européia.
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Pensando bem, o condicionamento da realização de direitos econômicos,
sociais e culturais à existências de “ caixas cheios” do Estado significa
reduzir a sua eficácia a zero; a subordinação aos “ condicionantes
econômicos” relativiza sua universalidade, condenando-os a serem
considerados “direitos de segunda categoria”. Num país com um dos
piores quadros de distribuição de renda do mundo, o conceito de
“ redistribuição” de recursos ganha uma dimensão completamente
diferente. (KRELL, 2002, p. 53).
Krell (2002) chama a reserva do p ossível de falácia. Também o faço. Os
“condicionantes econômicos” são os resultados dos atos de condicionamento da economia.
Quem condiciona a economia? A classe economicamente domin ante, o mercado, o modo
de p rodução capitalista. O mesmo “quem” que condiciona o Estado em seus fins de defesa
da p rop riedade e que se justifica p rometendo a erradicação da p obreza, como se a defesa de
uma e a erradicação da outra não estivessem umb ilicalmente ligadas de modo op osto.
Volto à p ergunta anteriormente feita e que restou sem resposta: p or que, afinal de
contas, algu ém diria que algo é fundamental, que dev e ser ap licado imed iatamente, mas que
não p recisa ser eficaz? Para criar desculp as para o indesculpável, para domesticar o p ovo,
para garantir nos campos do direito e do Estado o resp aldo p ara as relações econômicas
op ressoras, ao temp o em que realimenta essas relações resp aldando-as. É isso que a teoria
hegemônica acerca d a eficácia dos direitos fundamentais faz: serve à hegemonia da classe
dominante.
Não é p ossível, no entanto, olhar para a relação entre a teoria hegemônica em
questão e a classe do minante como se fosse tal relação meramente de causa e conseqü ência:
visto que a classe dominante assim o quer, a teoria (e n ela, seus teóricos) mecanicamente
assim o diz. Não. Embora p or diversas vezes neste texto eu tenha, co m vigor, tentado
constatar o quanto os modelos do Estado M oderno têm sido imp ostos p ela classe
economicamente dominante; embora eu realmente d efenda a p osição marxiana d e que “o
modo de p rodução da vida material condiciona o p rocesso geral da v ida social, política e
esp iritual” (M ARX, 1991, p . 129), ou seja, que a estrutura condiciona a superestrutura, não
estou cego p ara a importância da sup erestrutura e, nela, do d iscurso jurídico, p ara o
fortalecimento e a legitimação da p rópria estrutura econômica.
Estivesse eu de vendas nos o lhos p ara essa imp ortância, haveria p ouco sentido em
desenvolver u m texto co mo este, disp osto ao estudo da teoria hegemôn ica acerca da
eficácia dos direitos fundamentais, que nada mais é do que uma faceta d a sup erestrutura. O
modo como essa faceta retro-alimenta a estrutura, como ela p retende naturalizar as id éias
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de p rogramaticidad e e de limitaçõ es fáticas, como se elas fossem p ressup ostas, dados e não
construtos históricos, fica exp lícito diante das contradiçõ es presentes no discurso
hegemônico até este momento ap resentadas neste texto. A desmistificação do discurso
hegemônico é a qu e se prop õe este trabalho e, sinceramente, talvez seja a que me prop onha
eu mesmo co mo sujeito comp rometido com os processos de libertação dos homens
op rimidos e das mulheres op rimidas.
Uma teoria é hegemônica n ão p orque é simplesmente majoritária, porque soma um
maior número de adeptos(as). É hegemôn ica p orque se traduz numa comb inação b emsucedida entre “forças e consensos” (MENDEZ, 2007).
Quando p ela primeira vez li o que dizia José Afonso da Silv a sobre a “natureza”
das normas de direitos fundamentais, não achei que aquela era uma em meio a diversas
concep ções sobre esses direitos. Acreditei, acostumado com o ensino dep ositório e a
educação bancária, que aqu ela era a (única, verd adeira) con cep ção. Quando os/as
constitucionalistas tratam da reserva do p ossível econômico como um dado, algo com o
qual realística e p ragmaticamente é p reciso lidar, sem d iscutir as forças que a construíram
socialmente e suas implicações, quando não se é radical, não se vai à raiz dos debates e se
naturaliza os p orquês das coisas, há aí um rastro da hegemonia op ressora. Acontece que ela
– essa forma de hegemonia – alcançou o consenso através da n aturalização e, por isso
mesmo, op rime, desp olitiza, desumaniza e aliena
188
.
4. Conclusão: a marginalização dos movimentos e o direito a horizontes.
Das lógicas mais cruéis do mundo que vivenciamos é aquela da concorrên cia. M as
ela é aind a p ior quando se fantasia de liberd ade. É justamente isso que faz a teoria
hegemônica acerca da eficácia dos direitos humanos. Ela fala em direitos e garantias. Faz
promessas e diz que os sujeitos estão livres para escolher na medida – ou na reserva – do
possível. Exatamente aqu i está a cru eldad e do mercado e d e sua ideo lo gia: no “p ossível”.
Porque o que o Estado considera “imp ossível” é aquilo que, no p rocesso dialético de
afirmação de direitos e construção de id entidades, é humano, fund amental, p ara os
movimentos e para os próp rios homens e as p róp rias mulheres em lib ertação. Classificar
188
Não quero dizer com isso que toda hegemonia é opressora. Quero dizer que a hegemonia que naturaliza as relações de
opressão o é.
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como ineficazes esses direitos é inexoravelmente marginalizar esses homens e essas
mulheres, transformar suas diferenças em desigualdades
189
.
Como o Estado p arte do p ressup osto de que o fundamental dep ende do “possível”
dessa reserva, os movimentos ficam à margem desse Estado, em sua p eriferia, mas não
excluídos dele. Pelo contrário, nele se incluem, p orém subordinadamente (SANTOS, 2006).
E, subordinadamente inclusos, legitimam o modo d e p rodução cap italista através da
ideolo gia do mercado.
A ideolo gia do mercado p ossui a estratégia, discutida p or Jameson (1996), de focar
o consumo em detrimento da p rodução. Já que é tão óbvio que a concentração dos meios de
produção existe e que uns/umas p oucos(as) possuem muito e a grande maioria p ossui bem
pouco, algo p recisa justificar essas relações de desigualdade. O consumo, de acordo com o
mercado, é o camp o da liberd ade, das escolhas. Co mp rar o p roduto A e não o B, decidir
sobre o que lhe d ará p razer e conforto etc. Sem dúv ida isso é também uma falácia
sustentada p ela hegemonia.
Assim como as pessoas não conseguem p articip ar igualitariamente do
procedimento “democrático”, não dispõem dos meios materiais p ara usufruir do consumo.
De todo modo, a hegemonia é tamanh a que a “difusão da ideo lo gia cultural do
consumismo” triunfa “mesmo em classes e p aíses onde essa ideolo gia d ificilmente pode ser
traduzida numa prática de consumo” (SANTOS, 2002, p . 156). A “reserva do p ossível” traz
isso justamente para a relação do Estado com os movimentos sociais quando diz que há um
orçamento limitado e que será necessário escolher que direitos fundamentais irá, neste
orçamento, efetivar. Para isso, ou decide p or si só que açõ es julga p rioritárias ou abre
editais e esp aços denominados de “democracia p articip ativa”. No fundo, os movimentos
sociais são lev ados a entrar no jo go dessa relação, que não d eixa d e ser de comp ra e venda.
O movimento negro p recisa p rovar junto ao Estado o quanto a efetivação da
igu aldad e racial carece de p olíticas p úblicas. O movimento de p essoas com deficiência se
mobiliza p ara mostrar o contexto de op ressão em que vivem essas pessoas. O M ovimento
dos(as) Trabalhadores(as) Sem-Terra p ressiona o Governo p ela reforma agrária. Como a
reserva é “do possível” e é “imp ossível” responder a todas essas demandas, o Estado se
prop õe a comp rar a p rop osta que melhor lhe é ap resentada. A crueldad e sup racitada está
189
Ao contrário do que muito se pensa, “diferença” não é o antônimo de “ igualdade”. “ Desigualdade” é esse antônimo.
Numa sociedade democrática, a diferença precisa ser respeitada, mas a desigualdade deve ser erradicada. (SANTOS,
2006)
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mais uma vez aqui, nesse “comp rar”, p ois o que está sendo vendido nesses p rojetos é a
condição de op rimidos daqueles sujeitos. Não é de esp antar que seja corrente nas relações
entre os movimentos a disp uta p elo “ser mais op rimido(a)”. As mulheres dizem que são as
mais op rimidas, as p essoas negras discordam e d izem que são as mais op rimidas, a classe
trabalhadora do mesmo jeito discord a e afirma-se como o grup o social mais op rimido. O
provar “ser mais op rimido(a)” é o p rovar que merece ter seus direitos efetivados
prioritariamente em detrimento de outros direitos.
Há aí a p rop agação d e uma cultura de concorrência entre os movimentos sociais
nos quais deveria – em nome da libertação – p revalecer a solidariedad e. Mas isso
definitivamente não é culp a dos mov imentos. Os sujeitos op rimidos são du ais, n eles
hosp eda-se o sujeito op ressor, sua luta p or libertação é uma luta inclusive contra aquilo que
carregam em si e qu e neles foi p lantado p ela hegemon ia. A teoria hegemônica da eficácia
dos direitos humanos, através do discurso da reserva do p ossível, e a democracia
rep resentativa liberal, através do discurso da liberd ade p ara p ressões p olíticas e para uma
mínima particip ação, comb inadas co m a ideologia do mercado, fragmentam os movimentos
sociais, divid em a luta social, crescentemente ap risionando-a.
Isso acontece também junto ao Poder Judiciário quando o Legislativo e o
Executivo se negam à efetivação d e direitos. No Judiciário, os movimentos entram na roleta
russa da distribuição dos p rocessos. Tudo depende de com que magistrado(a) cai o p leito.
Do lugar de mundo do(a) juiz, de seus p osicionamentos políticos. No gabinete de um
membro conservador do Judiciário, os p leitos são comumente negados. No gabin ete de um
membro progressista, os p leitos são comumente aceitos. Como h á bem mais conservadores
do que progressistas, há analogamente uma “reserva do possível” institucional. Assim
como existe uma “mão inv isível” que orienta o mercado, há uma “mão invisível” que
orienta os p rocessos. Assim como a “mão invisív el” do mercado atende aos interesses de
alguns p oucos e nega os da grande maioria, a “mão inv isível” da d istribuição dos p rocessos
relega à “sorte” a concessão judicial dos p leitos dos movimentos. Normalmente conced em
esses p leitos juízes(as) enquadrados nu ma p ostura aberta à efetivação judicial de direitos
fundamentais sociais que demand am ações positivas estatais e mudanças nos p rojetos de
aplicação do orçamento. M as é de se ter cuidados. Não se p ode imaginar que u ma conqu ista
aqui e outra ali no Judiciário constituam a via d e transformação d a sociedade. Essas
conquistas estão normalmente p resentes numa certa “discordância prevista”. Para que elas
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sirvam à contra-hegemonia, fazem-se necessários horizontes que vão além, muito além, do
Poder Judiciário.
Digo de antemão que as conquistas da “discordância p revista” (ou da “reserva do
possível do d ivergente”) através d e uma ou outra decisão “juríd ica” não estão baseadas em
nenhuma p osição elevada do(a) magistrado(a) cap az de dizer o que é e o que n ão é
princíp io constitucional ou direito fundamental. Também não é exercício de “p onderação
de p rincíp ios”, “racionalidade argumentativa” ou qualquer co isa que o valh a e que v em
substituir a neutralidade, quando ela mesma já se torna indesculp ável. A decisão “jurídica”
é uma decisão política. Se essa decisão p retende-se fiel aos interesses da libertação dos(as)
op rimidos(as), deve escancarar as contradições da ord em estabelecid a, do discurso
hegemônico.
Esta função de escancarar as contradiçõ es da hegemonia e suas tensões é dever
pedagó gico da contra-hegemonia. Que haja sujeitos no Estado e no Poder Judiciário
disp ostos a isso, é imp ortante p ara os movimentos sociais de lib ertação dos homens
op rimidos e mulheres op rimidas. Esses sujeitos não libertarão os movimentos, não
transformarão o mundo efetivamente, mas rep resentam focos de resistência e solid ariedad e.
É certo que há nesse posicionamento um risco mu ito grand e de que os movimentos
sociais, através dessas pequenas conquistas, passem a legitimar o Poder Judiciário, como o
fazem alguns setores que julgam estar no Poder Judiciário o gu ardião da demo cracia, da
efetivação dos d ireitos e da lib erdade. Entra aqui então um sentimento – sim, um
sentimento – que me faz correr esse risco, qual seja, o da construção do direito a vivenciar
horizontes que nascem durante o p rocesso de libertação.
Os horizontes não são dados. Os homens e as mulheres dão-se à sua feitura e
fazem-se nela. Os horizontes são suas exp ectativas, o que está além do que se vê, seus
sonhos, suas esperanças. O Poder Judiciário, por mais que nele haja uma contra-hegemon ia
que venha a aplicar a legislação, não dará fim ao racismo. Também não en cerrará a
homofobia, o machismo ou qu aisquer op ressões. O Poder Judiciário é limitado demais p ara
conter horizontes. O Poder Judiciário é estruturalmente mantido p ara servir à hegemon ia e
não à lib ertação. Diz Pierre Bourdieu:
Se gue-se daqui que as escolhas que o corpo (jurídico) deve fazer, em
cada momento, entre interesses, valores e visões de mundo diferentes ou
antagonistas têm poucas probabilidade s de desfavorecer os dominantes,
de tal modo o etos dos agentes jurídicos que está na sua origem e a lógica
imanente dos textos jurídicos que são invocados tanto para os justificar
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como para os inspirar estão adequados aos interesses, aos valores e à
visão do mundo dos dominantes. (BOURDIEU, 2007, p. 242).
Poderia defender – sem medo de p arecer p iegas – qu e os horizontes são direitos
humanos. Poderia e, v isto que p oderia, fá-lo-ei. Isso p orque tal afirmação, lon ge de ser
solitariamente minh a, é de gerações e geraçõ es de gentes que, com palavras e sentimentos,
têm exercido a criação. Sim, o ato de criar. Justamente aquilo que faz dos homens e das
mulheres sujeitos históricos, p artícip es do mundo, fazedores dele.
Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o
significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor
que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir
compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não
chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e
reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade
que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão
ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta
se revista da falsa generosidade referida (FREIRE, 1987, p. 31).
5. Referências bibliográficas.
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SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desp erdício da
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TEIXEIRA, João Horácio M eirelles. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro:
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ed. São Paulo: Editora Alfa-homega, 2001.
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PENS AR A CIDAD ANIA: entre o direito de todos e a responsabilidade de cada um
Joana D’Arc de Souza Cavalcanti. PPGS/UFPE
cavalcanti.joan a@ gmail.co m
O p resente estudo traz uma análise acerca da tríade: democracia, esfera pública e
cidadan ia. No cerne d a questão de direitos e conqu istas de cidad ania, se encontra em jo go a
construção democrática de uma no ção d e bem p úblico que tenha como imp erativo o
“direito de todos”. A construção de uma cultura pública igualitária ap artada da p esada
herança dos p rivilégios, trazendo como medida o ideal d e eqü idade p autado p or critérios
práticos acordados e mutuamente legitimados dá o tom da reinvenção democrática cujos
desafios atuais se alojam no interior d a socied ade.
O p rocesso de amp liação de novos canais de comunicação entre a sociedade civ il
e o p oder p olítico através do comp artilhamento da resp onsabilidade acerca dos destinos da
cidade seria um vigoroso instrumento de racionalização da gestão p ública, tendo na
particip ação cidadã, sem dúv ida, um dos fatores responsáveis p elos resultados relativos à
eficácia social.
Assim, busca-se analisar questões pertinentes à imp lantação e as condiçõ es de
viabilidade e eficácia de um novo modo de govern ar, governar em parceria co m a
sociedade. Ou seja, o qu e se pretende discutir é como os canais d e p articip ação que têm
surgido a p artir da cap ilarização do p oder do Estado, têm contribuído p ara uma nova p rática
de intervenção no qu e se refere às p olíticas p úblicas, esp ecialmente aquelas consideradas de
promoção social. A p artir da p ersp ectiva dos munícip es, este trabalho discorre sobre a
possibilidade d esses novos canais de participação transformar a natureza das relações dos
agentes sociais, constituindo um novo ethos citadino alicerçado numa p ráxis fundada no
direito de todos e na resp onsabilidade de cada u m.
Passadas quase duas décadas da p romulgação da nov a Constituição que trouxe à
tona a discussão sobre a consolidação d e canais de interlocução entre Estado e socied ade
ainda verifica-se uma inquietação acerca do imp acto da p articip ação no desempenho da
gestão pública. Em busca de comp reender a p ossibilidade dessa consolidação, faremos
introdutoriamente uma in cursão sobre as cidades p or ser nelas que, a p artir desse momento,
a questão da p articip ação ter se tornado mais p resente nas reivindicações pop ulares, como
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também serem as cidad es esp aços, que têm sido comumente identificados como espaços de
desigu aldad e.
A imagem do urbano: a opacida de do sujeito
Antes de ser p ensado como conseqüên cia das transformaçõ es econô micas, o
surgimento das cid ades, d eve ser p ensado como uma necessidade intrínseca do ser hu mano
de estar perto, de comunicar-se e de comp artilhar com o outro. De acordo com Fani C arlos:
O esp aço urbano se rep roduz na contradição/luta. De um lado estão
necessidades do p rocesso de valorização do capital- enqu anto
condições gerais da p rodução- em que o indivíduo se p erde, cria-se
o estranhamento, o distanciamento e o desencantamento do mundo,
a cidade div idida é vend ida aos p edaços, esp elha a segregação do
habitante, expulsando-o p ara a p eriferia da mancha urb ana. De
outro, ocorre a rep rodução da vida humana em todas as suas
dimensões, enquanto retomada dos lugares, recriação de p ontos de
encontro, e da busca de identidade com o outro”. (1992: 34)
M anifestação concreta do esp aço, as cidades transformaram-se defin itivamente
na sup eração da op acidade. A imagem do urbano, seja p or seus contrastes, inversões ou
poesia, nos chega semp re carregada de rep resentações. No século XIX, o p oeta Baudelaire,
190
em seu majestoso p oema “À Une Passante”
, nos revela uma imagem fervilhante e
aturdida da cidade. Palco das mais infin itas p ossibilidades e também de desilusões, as
cidades têm se tornado o esp aço p rivilegiado das ações p olíticas.
Assim, a cid ade rev ela-se como cen ário de lutas e conflitos de interesses. Por esse
motivo, também tem sido o lócus p or excelência de d emanda p or uma maior p articip ação
na tentativa da resolu ção d e seus p roblemas. Mas, é ela, a cidade, que p rimeiro dá os sinais
das conseqüências de um d esenvolvimento concentrador de riqueza e disseminador de
miséria. A cid ade é v itrine da bonança, mas também é vitrine d e carências. Diante da
transformação do esp aço, da sua ap rop riação desigual e da diversid ade de sua utilização
cabe ao p oder público oferecer soluções p ara as urgências da vida urbana e, sobretudo,
fazer um p lanejamento que p ossibilite sua ocup ação mais harmon iosa.
De fato, tem se tornado comum na literatura esp ecializada em urban ização
destinar um espaço considerável d e suas p áginas ao tratamento da questão da pobreza .
1
Charles Baudelaire, “ À Une P assante”, em Les Fleurs du Mal (Tableaux Parisienens), Oeuvres Complètes, P aris,
Gallimard,1954.
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Disso, muitas vezes, resulta a interp retação de que as cidades, ao se estenderem,
necessariamente estende-se também a p obreza. Em nossa sociedade isso, tem sido a
realid ade, mas não é e n em se deve tomar como verd ade que o agigantamento ou o
desenvolvimento das cid ades traga n ecessariamente consigo o alastramento da pobreza,
apesar de que esse seja o único lado d a moed a que nos é conh ecido. Assim, um breve
resgate da literatura existente sobre o tema não d eixa de ser pertinente. Entre tantos autores
que tratam desta questão, começaremos por Telles (1994), que analisa o nível de
crescimento da pobreza urbana no Brasil, ressaltando suas raízes seculares como marcas de
uma tradição oligárquica e autoritária, que segundo ela, vem se consolidando de forma
multifacetada e extremamente desigual.
De acordo com a autora, o p roblema da p obreza remete a uma questão de direitos
e conquistas de cid adania, em que se encontra em jogo a construção democrática de u ma
noção de bem público que tenha como medida o “direito de todos”. Os desafios atuais se
alojam no interior da sociedad e e o p roblema está na ordem da invenção d emocrática, isto
é, na reinvenção de u ma nova lei cuja referência seja uma cultura p ública igualitária e
desp rovida de privilégios, trazendo como medida o ideal de eqüid ade p autado p or critérios
práticos acordados e mutuamente legitimados.
Assim, Telles (op . cit.) fala da construção de uma nova forma de sociedade,
movida pela descoberta de uma arte de negociação convergindo p ara o reconhecimento de
uma cid adania universalizada, que v enha construir o sentido de uma ordem p ossível de
vida. Essa p ersp ectiva nos fornece elementos de reflexão quanto à desigu aldad e de
op ortunidades em relação ao acesso às p olíticas sociais, observ ada n a relação Estado e
sociedade, em que os sujeitos na busca p ela construção de estratégias de sobrevivência, se
descobrem como sujeitos p ortadores de direitos, assumindo assim sua condição de
cidadãos.
Giddens (1992) exp lora outro asp ecto de imp ortância sobre o tema, uma vez que,
ao tratar a relação homem-n atureza, cai imp reterivelmente na discussão em torno de como
são buscadas “soluções” p ara a p roblemática da urbanização. Em seu estudo, ele mostra
como o relacionamento do homem com a n atureza, ligado particularmente ao impacto da
ciência e tecnologia -, marca do mundo moderno - vem criando formas de reordenação de
vida coletiva e ind ividual, ao mesmo temp o em que vem p roduzindo p rofundas
desigu aldad es e formas de exclusão.
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Nesse sentido, o autor entra em uma concep ção de risco distante daquela
exp licada exclusiv amente p elos fenômenos de natureza geofísica. Ela fundamenta-se numa
colocação sócio-p olítico-econômica, na qu al, a interven ção incontrolada do homem sobre a
natureza e socied ade (em decorrência do avan ço científico /tecnoló gico) traz como
conseqüência a abran gência dos “riscos artificiais”. Segundo ele, estes seriam resultantes
das circunstâncias impostas pelo p rogresso que vem p enalizando amp los segmentos da
pop ulação urbana, lev ando-a a p rocurar esp aços nas fran jas periféricas d esprovidas de total
infra-estrutura, tornando-se muitas vezes vítimas dessas ocup ações inadequadas. É nesse
sentido que o autor se refere a construção social dos riscos como decorrência d a ação
involuntária dos homens.
Analisando essa questão, o autor coloca que a intervenção estatal, tida como
mediadora da igualdad e, torna-se falh a p orque o seu sistema de seguridad e foi criado p ara o
enfrentamento dos riscos naturais, bem mais do que os artificiais, aqu eles que, como
falamos, não d ecorrem das condições naturais em qu e vivem os sujeitos.
Esta colocação de Gidd ens (1992) aproxima-se da de Telles (1994), n a med ida em
que ele também exp õe a questão do esp aço social e a insuficiência da demo cracia liberal
como geradores da iniqüid ade social. E assim como ela, repensando a questão da p obreza
urbana, argumenta o modelo de u ma “p olítica gerativa de igualdades”, qu e de forma
vigilante venh a p reocupar-se com a reconstrução da solidariedade social e com a abertura
de novos esp aços como p ossibilidade de enfrentamento das incertezas artificiais,
viabilizando, assim, a abordagem com eficiência dos p roblemas da p obreza e a exclusão
social nos dias de ho je.
Através de uma trajetória histórica da rep resentação que a p obreza urbana vem
suscitando no Brasil ao lon go dos últimos 100 anos, Valadares (1991) concebe e defin e a
exp ansão da p obreza em desco mp asso com o ideário da construção do p aís, enquanto nação
moderna e urbana, no contexto das mudanças econômicas e sociais qu e vêm marcando a
sociedade urb ana brasileira.
A autora analisa o fenômeno da p obreza interligando as transformações que vêm
ocorrendo no mercado de trabalho, imp ulsionadas p ela industrialização e terceirização,
resgatando o p apel de ator social e p olítico que vem sendo atribuído às camadas pop ulares
ao longo do temp o. Para ela, cada p eríodo de nossa história corresponde a uma concep ção
particular e distinta da pobreza urbana. Assim, nada mais lógico, então, do que conceber a
sua evolução em estreita relação com a p róp ria trajetória do processo de urbanização e com
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as conseqüências decorrentes das transformações no mercado, ou seja, do modelo de
desenvolvimento adotado p ela Nova Rep ública até a década p resente (p adrão da grande
industrialização e monop ólio dos mercados), cu ja din âmica do desenvo lvimento que vem se
consolidando, vem gerando, junto com ele, novas formas de desiguald ades.
A Gestão Participativa em discussão
A exp eriên cia da ú ltima d écad a mostra que, ap esar da incip iência d e algumas
prop ostas e dos inúmeros obstáculos político-institucionais, existe esp aço de manobra p ara
criação e consolidação de um esp aço de p articip ação pop ular.
(DOWBOR, 1987), em sua obra, busca enfatizar a imp ortância do p lanejamento
no mundo contemp orâneo não só p elo Estado, como também p ela esfera p rivada, e –
princip almente – nos esp aços mun icip ais, co mo instrumento racional que p ode também ser
aberto p ara a p articip ação nas decisões, ou seja, n a formulação das p olíticas p úblicas. Faz
ainda u ma relativização do mercado, atestando sua insuficiência crescente como
mecan ismo regulador, visto que ele n ão é regido ap enas p ela “livre con corrência”, nem p ela
simp les relação p reço e qu alid ade dos p rodutos circulantes. Há toda uma tendência
centralizadora, monop olizadora, p or p arte dos grandes grup os/emp resas econômicos.
Relativiza também a rad icalização da p lanificação centralizada tomada, h istoricamente,
como modelo p or p aíses estatizados. É p reciso reconhecer que o p lanejamento p ode servir
aos mais variados interesses, e o que o autor prega é a utilização do planejamento racional e
transp arente sobre a elaboração das p olíticas p úblicas de modo a facilitar o acesso
democrático à informação p ara, co m isso, p ermitir um p rocesso p articip ativo p or p arte da
sociedade civil organizada.
No texto de Soares (In: Villas-Boas, 1996), intitulado “Legitimidade Política e
Reconhecimentos Sociais nas Gestões Municipa is Inovadoras”, são discutidos conceitos
teóricos bem como p ráticas p olíticas no universo das transformações no ambiente sóciopolítico atual, tomando p or base o processo de descentralização brasileiro p ós-regime
militar, em geral, e, em p articular, contexto social e político na cid ade do Recife, como as
ações govern amentais/admin istrativas na formu lação das p olíticas p úblicas dos div ersos
níveis de rep resentação p olítica no sentido de legitimar ou p ressionar tais ações.
No citado texto encontram-se categorias co mo rep resentação x p articip ação,
atores e interesses sociais, grau de legitimidade dos diferentes níveis d e rep resentação, além
da crise do Estado de Bem-estar. Uma afirmação p ertinente é o reconhecimento de que,
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com o crescimento das grandes corp orações políticas e com a diversificação das formas de
organ ização social, as decisões p olíticas se afastam das instâncias de representação dos
Estados Nacionais, abrindo espaço p ara uma maior atuação das instâncias locais, com as
políticas inovadoras p ara p articip ação da socied ade civil, p rincip almente pela p ressão dos
movimentos sociais organ izados.
No texto de Arretche (1996) são discutidos os “mitos da descentralização”,
partindo-se do fato das reformas descentralizadoras que ocorreram nos últimos 15 anos, em
vários p aíses, como no Brasil. A autora alerta, contudo, qu e é preciso abord ar o tema
analítica, conceitual e emp iricamente. Com este objetivo, ela levanta três consensos em
torno das “tendências descentralizadoras”, nas quais os analisa para, depois, refutá-los,
levando em consideração o p rocesso recente de descentralização no Brasil, e os exemp los
históricos da França e da Esp anha. Os consensos são, de forma resumid a: 1) a
descentralização corresponde, automática e p ositivamente, à democracia e, p or extensão, a
centralização estaria relacion ada com autoritarismo; 2) a descentralização implica em
esvaziamento das funções federais-centrais; p or último 3) ela é cap az de reduzir ou eliminar
as formas de clientelismo e ap rop riação p rivada de recursos e p oderes p úblicos.
Quanto ao p rimeiro consenso, o que imp orta, p ara Arretche, num p rocesso que se
prop õe democrático, é a existência de instituições concretas que efetivem princíp ios a que
se p retende, e não a escala do âmbito das decisões; o deslocamento de recursos do centro
para subsistemas locais n ão é garantia de democratização; a cultura p olítica e o contexto
histórico influenciam e até condicionam a ação e a natureza das instituições p olíticas e suas
metas.
Quanto ao segundo consenso, a autora faz uma análise do processo de
descentralização no Brasil, a p artir dos anos 30, e conclu i que, co m o reordenamento das
políticas p úblicas, o Estado central acaba sendo fortalecido.
Por fim, no terceiro consenso, segundo o qual a d escentralização eliminaria o
clientelismo, a autora contrap õe-se afirmando qu e formas descentralizadas não garantirão a
eliminação deste, nem este está p resente obrigatoriamente nas formas de administração
centralizadas (ver o exemp lo da Esp anha e da Fran ça). O clientelismo está mais ligado à
ação d as instituições concretas que transp areçam esse p rocesso e menos p ela forma de
governo.
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Em Fischer (1996) é discutida a noção d e “local” em dois níveis que são
comp lementares: o geo gráfico – delimitado esp ecialmente – e o local, socialmente
construído, o local das relaçõ es sociais, dos interesses p olíticos e valores sociais
identificáv eis, formando u ma rede d e relações dos grup os locais. O mesmo local pode ser
estudado como forma esp ecífica de p oder, com resistências, legitimaçõ es, conflitos, etc., ou
seja, com uma história p róp ria, não desconectada da história global (veja-se a importância
do esp aço local nessa fase globalizante). Além disso, o local p ode ser alvo de investigação
mais p lural p ossível, pelas escolas e teorias sociológicas e p olíticas, seja no seu nível
institucional, seja no univ erso cotidiano.
A democratização da esfera pública: a reinvenção da política do sujeito
Finalizamos focalizando os preceitos democráticos, ap elando em esp ecial p ara a
reflexão h abermasiana de democracia d eliberativa, com a finalidad e de eleger uma
concep ção que possa atuar como modelo teórico p ara fundamentar reflexõ es sobre a tríade:
solidariedade, co municação e eman cip ação social. Ap onta-se para a mudança e o
aprofundamento em graus mais altos e formas mais intensas da p articip ação dos cidadãos,
possibilitando a constituição de mecanismos de amp liação da esfera p ública p ara além da
rep resentação p arlamentar.
Nosso objetivo é refletir sobre algumas concepções de democracia com a
finalid ade de eleger uma concepção que p ossa atuar como modelo teórico p ara fundamentar
reflexões sobre o p ap el do p rocesso de emancip ação social como via de mud ança, que
possibilite a constituição de mecanismos de democratização da esfera p ública. Inicialmente,
o foco se dirige p ara esclarecermos a comp reensão d a necessária p articip ação da socied ade
no p oder, mostrando que a ap roximação entre rep resentantes e rep resentados é o resultado
de uma comb inação de dois fatores: a crise da demo cracia rep resentativa e a
inap licabilidad e da demo cracia d ireta. Serão ap resentadas a seguir algu mas d iscussões com
autores clássicos e contemp orâneos que têm tratado desta questão, ap elando em esp ecial
para as reflexões habermasian as.
Para Pierre Rosanvalon, estudioso das p olíticas sociais dos p aíses do Primeiro
Mundo, o modelo de financiamento do clássico “Estado Providência” não resiste às
vicissitudes da atual fase d a economia mundial. “O ritmo de crescimento das desp esas
públicas ligadas às p olíticas sociais e aos mecanismos d e redistribuição está atualmente
evoluindo mais ráp ido do que o crescimento da p rodução/acumulação” (1981, p . 13). Esse
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389
primeiro fenômeno tem influído negativamente na cap acid ade de intervenção do Estado,
fazendo aumentar as distâncias sociais, com rebatimento sobre os instrumentos de coesão e
solidariedade sociais.
Uma segund a tendência desta crise do Estado contemp orâneo situa-se no camp o
das decisões p olíticas e econômicas. A democracia ainda não resolv eu a contradição entre a
vontade p olítica dos cidadãos, manifestada nos p rocessos eleitorais, e o p oder real de
decisão nas questões fundamentais da esfera p ública e p rivada. (TOURAINE, 1994). Em
outros termos, significa d iscutir como contrabalançar a força de decisão do p oder
econômico com a legitimidad e construída p ela vontade da maioria.
Uma terceira questão, vinculada d iretamente à anterior, diz resp eito, de um lado, à
crise de legitimid ade das rep resentações p olíticas tradicionais (p arlamentos e p artidos); de
outro, à p ressão dos grup os sociais ou dos cidadãos individu almente, visando exercer
influência direta nos mecanismos de d ecisão do p oder do Estado, o que quer dizer colocar a
descentralização como núcleo do debate (DOWBOR, 1987). A descentralização é
comp reendida não co mo uma simp les desconcentração dos serviços, mas como o controle
das coletivid ades sobre as instâncias d e governo, ou seja, tomar a descentralização pela sua
natureza democrática. Em termos efetivos, os três elementos acima destacados
(financiamento do Estado-Providência, efetividad e da vontade da maioria e o deslo camento
da rep resentação) se relacionam entre si e se comp lementam.
Ao p retender discorrer sobre as p ossibilidades/v ias de uma (re)valorização do
caráter moral do Estado, estamos p retendendo tratar esp ecialmente do terceiro modelo, que
possibilita a ind agação sobre os limites e o alcance dos sistemas de rep resentações políticas
em uma situação de Estados democráticos, movidos p or uma lógica de reconh ecimentos
sociais que p assa p or uma amp liação dos esp aços de representação e particip ação em
instâncias descentralizadas, sujeitas a um jogo de forças que incidam sobre p arcelas
efetivas de p oder.
Na busca das raízes teóricas que marcaram as discussões sobre a identidade entre
rep resentantes e rep resentados, vamos encontrar, na segunda década do sécu lo 20 um
grand e acervo de críticas de autores de tendências ideoló gicas diametralmente op ostas.
191
191
O período compreendido entre a última década do século 19 e as duas primeiras do século 20 é extremamente rico na
elaboração de idéias que vão orientar as principais correntes políticas socialistas ou democratas que atuarão até os dias de
hoje, sem falar nas matrizes do totalitarismo. Este é o período em que o marxismo clássico se consolida e se universaliza
como doutrina, ao mesmo tempo em que se esboçam as correntes revisionistas e reformistas que vão possibilitar, do
mesmo modo, a consolidação do “ socialismo social-democrata”. Ver, e m especial, ARENDT (1989); P RZEWORSKI
(1989); OFFE (1988); DOWBOR (1987).
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Ao tomar como referência os acontecimentos sociais e p olíticos do início do
século 20, Weber, p or exemp lo, vaticinava que o p artido p olítico burocrático seria semp re
um imp ortante contrap onto p ara conter a fúria reformadora das massas. Seguindo a clássica
tradição lib eral, Weber considerav a altamente negativo a “p articipação da p op ulação no
cotidiano da ad ministração p ública”. Para o autor, o partido seria, então, um mal necessário,
pois, se de um lado ele inibe a ação anárquica d as massas, de outro, termina criando um
fosso entre rep resentantes e rep resentados, o que p ode inviabilizar a p rópria natureza do
sistema rep resentativo. Rosa Luxemburgo, p or sua vez, p artindo de uma visão id eoló gica
absolutamente op osta a de Weber, também conclu iu que as organ izações p artidárias tendem
a sup ervalorizar as estruturas burocráticas, transformando a ação política em assunto de
esp ecialistas. Isto fazia que as formas de rep resentação p artidária e p arlamentar
terminassem servindo muito mais p ara do minar do que p ara servir as classes p op ulares. Na
mesma direção, Robert M ichels, teórico liberal considerado p oliticamente conservador,
adverte que a representação das massas p or meio de grandes organ izações partidárias acaba
criando uma espécie d e “lei de ferro das oligarquias”, na qual os interesses sociais passam a
ser ditados não em função dos interessados, mas de acordo com o mercado p olítico das
organ izações p artidárias.
O que existe de comum nos três p ensadores estudados é a desconfiança quanto à
possibilidade d e integração da vontade p op ular através de p artidos comp etitivos, os quais,
para os autores mencionados, acabam filtrando a manifestação direta d a pop ulação sob o
imp erativo dos interesses dos grup os com acesso direto às cúpulas das organizações
192
partidárias (OFFE, 1988, pp . 72-90).
Ainda sob o imp acto das exp eriências traumáticas do totalitarismo e diante das
perp lexidades das p ráticas p olíticas do n azismo e do stalinismo, muitos p ensadores
demonstraram uma esp écie de ceticismo p latônico quanto à demo cracia das massas. M erece
destaque a p osição de Ralf Darendorf que, por exemp lo, considera a p articip ação como
incomp atível com a govern abilidade dos Estados M odernos. Para ele, “as sociedades
tornam-se ingovern áveis se os setores que a comp õem rejeitam o governo em nome dos
direitos de p articip ação” (DARENDORF, 1981, p . 46). Entretanto, a concep ção
192
As advertências de Weber, Luxemburgo e Michels ocorreram entre 1917 e 1925, período marcado pelo crescimento
dos movimentos corporativos e anti-semitas assim como a ascensão dos grandes partidos de massa na Europa. Um
comentário interessante sobre esta questão pode ser encontrado em: SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O Século de
Michels: competição oligopólica, lógica autoritária e transição na América Latina. In: SANTOS, W. G. dos Paradoxos do
liberalismo. São P aulo: Vértice; Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988.
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democrática vincu lada aos estreitos limites do Liberalismo nunca se coadunou com
tradições mais rep ublicanas.
193
M ais recentemente, ao contestar tais assertivas, Adam Przeworski lembra que o
apego às formas exclusiv amente p arlamentares de rep resentação não resiste às objeções
sobre o desvirtuamento deste sistema que tende, na p rática, a beneficiar as oligarquias
partidárias ou econômicas. Essa p ostura cética em relação à Democracia não resp onde nem
mesmo aos críticos que atribuem ao “liberalismo parlamentar” a resp onsabilidad e p elo
distanciamento e
ap atia das
massas diante dos p rocessos p olíticos decisórios
(PRZEWORSKI, 1989). Em outras p alavras, aqueles que criticam as formas tradicionais de
democracia representativa p erguntam como contrabalançar a legitimidad e dada p ela
vontade da maioria com a força de decisão do poder econômico sobre as questões
estruturais das políticas de Estado, que terminam não sendo decididas realmente nas casas
parlamentares.
Quase findo o século 20, Noberto Bobbio, um dos princip ais teóricos dos direitos
humanos, adverte qu e a rep resentação p olítica nos Estados democráticos está em crise,
princip almente por três razões: o p arlamento na sociedade industrial avan çada não é mais o
centro do p oder real, mas quase somente uma câmara de ressonância d e decisões tomadas
em outro lu gar; os mecan ismos institucionais de esco lha fazem com qu e a p articip ação
pop ular se limite a legitimar, em intervalos mais ou menos longos, uma classe p olítica que
tende à autop reservação e qu e é cada v ez menos rep resentativa; e dev ido ao poder de
manip ulação p or p arte de p oderosas organizações p rivadas e públicas (BOBBIO, 1992).
Outro autor contemporâneo, Alain Touraine, cuja p reocup ação central seria a
identidade dos sujeitos, tece considerações sobre a demo cracia como fulcro p rincip al do
fator identitário. Assim, a teoria da d emocracia é, segundo Touraine, a teoria das cond ições
políticas de existência de um Sujeito, isto é, a constituição do indivíduo (ou grupo como
ator social), “como criador de si mesmo, de sua vida intelectual e coletiva”. Trata-se de
aprender a viver juntos com nossas diferenças, associando semp re discussão, compreensão
e resp eito p elo outro – combinando a lei da maioria com o resp eito p ela minoria. Enfim, o
193
Mesmo estando longe de uma posição radical, George Burdeau criticou os que queriam resumir a Democracia aos
limites do liberalismo político e das leis econômicas do mercado. Em seu trabalho clássico La Democratie (1956), o autor
introduz o conceito de “ democracia social” para caracterizar as exigências do mundo contemporâneo. Ao fazer a distinção
entre ao que denomina “ democracia política e democracia social”, Burdeau procura mostrar os fundamentos da diferença
que se estabelece não na legitimidade dos decisores, mas, principalmente, nos resultados obtidos de mais igualdade para a
maioria do corpo social.
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esp aço que combina o resp eito p ela “liberdade negativa”, ou seja, a defesa das garantias
institucionais que sustente a cap acidade de resistência aos abusos do p oder e, de outro, o
apoio a luta dos sujeitos, no contexto de sua cultura e de sua liberdade, contra a ló gica
dominadora dos sistemas. A p rop osta é construir uma sociedade com b ase nessa dupla idéia
– a ênfase na unidade da cidadania, da lei e da ação racional e o favorecimento de uma
política do sujeito.
Alain Touraine afirma qu e a sociedade modern a defin e-se pela sep aração
crescente entre racionalização e afirmação do sujeito, isto é, criatividade do ator social que
ele designou p or subjetivação. O sujeito afirma-se através de duas man eiras
comp lementares e op ostas. Por um lado é liberdade, derrubad a de determinismos sociais e
criação pessoal e coletiva da sociedade; p or outro, é resistência do ser natural e cultural ao
poder que dirige a racion alização. É indiv idualidade e sexu alid ade, família e grup o social,
memória nacional ou cultural, filiação religiosa, moral ou étnica. Ele enfatiza que a maior
ameaça que p esa sobre o mundo atual é seu dilaceramento entre o mundo da
instrumentalidade e o mundo d as identidades, no qu ais fica vazio o esp aço da liberdade. No
entanto, é p reciso agora reverter essa visão pessimista e lembrar que a mod ernidad e foi
constantemente marcada p ela busca da comp lementarid ade, ou seja, a associação da
racionalização com a liberd ade e identidade (TOURAINE, 1994).
Neste sentido, a Democracia
é p recisamente a
exp ressão p olítica do
reencantamento do mundo. Pois se a modernidade foi rep ressiva e autoritária, p or sua vez
ela abriu uma lacuna p ara que se instalasse uma cultura democrática, como o autor fala: “é
com o antigo que se faz o novo e co m lib erdade que se cria organ ização e eficácia”. Parece
evidente que todo o p ensamento do autor está alicerçado n a discussão desse novo momento
permeado de conflitos e contradições, ao qual ele ch ama d e modernid ade e p elo
reconhecimento que novos atores estavam emergindo e romp endo com os determinantes
estruturais - que não p ode ser resumido a p osição marxista que p rivilegia o p roletariado
como único sujeito histórico cap az de transformar o con junto da ordem social, criando
novas contradições em outros níveis das socied ades modern as. Sua mais importante
contribuição reside na introdução dos movimentos sociais como categoria teórica
fundamental p ara a co mp reensão da sociedad e contemporânea. Enfatizando aqueles
“possuidores de níveis de organização e com cap acidade d e p ressão institucional, qu e os
levam a influir sobre a tomad a de decisões imp ortantes” (TOURAINE, 1994, pp . 32-40).
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Desse modo, reconhece esses movimentos sociais como agentes de uma nova cultura de
poder.
O conceito de “cidadan ia ativa” do autor está vincu lado a “construção de um
esp aço prop riamente p olítico, que n ão seja estatal n em p rivado” que p ossibilite os atores
sociais se auto-organizarem na defesa das liberdad es públicas e p rivadas, além de
interagirem nos p rocessos de decisão das p olíticas no âmbito das rep resentações
institucionais. Ou seja, essa ação cidad ã está imp regnada de uma recip rocidade de
reconhecimentos: atores sociais e instituições se reconh ecem e legitimam as regras do jo go
político que p ara ser notadamente p autado numa democracia moderna devem estar
fundadas sobre o Direito.
Desse modo, Alain Touraine p arece não estar distante da concepção de
democracia d efendid a por Norberto Bobbio, a qual rep ousa numa concep ção lib eral e que
embora triunfante no mundo, tem sido muito criticada p elos estreitos e evid entes laços com
o cap italismo. Bobbio, por exemp lo, não p ensou a Democracia fora dos limites da tradição
letrada e ilumin ista do Estado rep resentativo. O universalismo bobbiano, em que pese sua
notável erudição e dív ida p ara com os clássicos do humanismo, n ão aventou a construção
teórica de que a democracia se fundasse numa cultura p olítica em que os meios culturais e
os bens culturais seriam os p róprios artefatos do fazer p olítico.
Nesse caso, seria interessante p ara nossa reflexão introduzirmos Anthony Giddens
nessa discussão, p recisamente quando ele nos p rop õe p ensar a análise da Demo cracia em
termos da temporalidade cultural da qual somos agentes e p rotagonistas, ao que ele
designou d e “democracia dialógica”. Com efeito, p ara Giddens a Democracia de nossos
temp os “cria formas de intercambio social que p odem contribuir substancialmente, talv ez
até decisiv amente, p ara a reconstrução da solidariedade social”. Ainda segundo o autor, ela
promove o cosmop olitismo cultural, fazendo a ligação entre autonomia e solid aried ade,
bem como, incentivando a demo cratização da democracia (1996, p. 130). O conceito de
democracia dialó gica de Giddens p ermite que se pense numa ordem democrática mais
amp la, que n ão está centrada no Estado, mas sobre ele incid e de man eira significativa, e
que está situada num contexto de globalização e de difusão d a reflexidad e social, aqui
entendida, grosso modo, como a expansão da capacidade de indivíduos ou grup os de
fazerem escolh as no movimento contínuo da vida cotidiana. Assim ap resentada, a
“democracia dialó gica” teria no cosmop olitismo cultural o sup orte mais democrático da
glob alização econô mica e fin anceira.
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Ao valorizar o cosmop olitismo cultural o autor se insere na reflexão sobre a
modernidad e tardia e da modernização reflexiva. Por aí se entende a sua crítica virulenta ao
estruturalismo e ao p ós-estruturalismo, tradições de p ensamento qu e, p ara ele, estariam
mortas. Ele sustenta que o fracasso dessas tradições da teoria social está na p rop orção que
não exp licam a atuação humana, bem co mo os p rocessos p elas quais essa atuação p roduz,
rep roduz e modifica a estrutura ou as estruturas. Para Giddens, a noção de ação, ausente no
estruturalismo e no p ós-estruturalismo, reside na cap acidade de reestruturar o universo
social, p elo que neutraliza as leis científicas que d escrevem os universos natural e social.
Imp ortante na teoria social giddensian a seria, portanto, a noção de Práxis e, afirmamos nós,
de Práxis Democrática. As ações p olíticas seriam, p ortanto, estruturadoras e estruturantes
de democracia dialó gica.
Pode-se dizer que Giddens p ostula uma “dualidade de estrutura” em que a
estrutura fornece as regras e os recursos envolv idos na atuação, que também rep roduz as
prop riedades estruturais das instituições sociais. De modo que a estrutura pode ser
considerada tanto o meio quanto o fim da conduta cotidiana dos agentes sociais. Aqui
vislumbramos claramente a teoria da estruturação onde os agentes, a ação e a interação são
coagidos p ela dimensão estrutural da realid ade social, n ão se descartando o entendimento
de que também a en gendrem. A teoria da estruturação visa, p ois, interp retar os eventos
históricos e empíricos concretos. Desse modo, a p ráxis social n ão p oderia ser vista ou estar
descolada d as injunçõ es ontológicas da p rodução da vid a social, ou seja, das coisas públicas
e amp lamente democráticas (GIDDENS, 1997; 1999).
Esta nova configuração d a Práxis Democrática nos remete aos p ostulados
habermasianos acerca da imp ortância da construção de uma esfera pública amp liada, como
lócus do surgimento de novas formas de “solidariedad e”. Com efeito, Jürgen Habermas se
ocup a da questão da solidariedade afirmando que na atualid ade as relações que estruturam
o Estado e o mercado são fundamentalmente calcadas nu ma racion alid ade instrumental (ou
técnica), regidas p or um p rocesso de efetivação (funcionalidade). As ações, nessas duas
esferas, são en gendradas hegemonicamente visando o dinheiro e o p oder. Enqu anto isso, no
mundo da v ida, as relações são comunicativas ou d ialéticas, num p rocesso de legitimação e
se constituem num elemento fundamental à manutenção do tecido social (HABERM AS,
1980; 2002).
Assim, ao se defin irem a p artir de uma racionalidade substantiva, essas relações
são, ao mesmo temp o, definidoras de formas diferenciadas de solidariedad e e de um novo
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esp aço de ação, que p oderíamos identificar como sendo espaço p róp rio às novas formas
associativas (ONGs, associações de moradores, conselhos, fóruns, etc). Seria a “nova”
esfera p ública, não estatal cap az de articular uma multip licidade d e novas demandas além
das classes sociais (etnicidad e, ecologia, gênero, sexu alidade, etariedade) nunca antes
levadas em conta p ela esfera estatal e, ao mesmo temp o, incomp atíveis com a lógica de
mercado,
mas
que
agora
figuram
inclusiv e
como
ind ispensáveis
p ara
uma
“sustentabilidade” dos p ossíveis p rojetos de desenvolvimento que se ap resentam. Lo go,
esta nova esfera, consistiria nu ma saíd a para os imp asses surgidos com a crise de
legitimidade do Estado moderno.
Nesta p ersp ectiva, Habermas nos faz um imp ortante alerta sobre o p erigo que
reside em sup rimir a força socializadora do agir comun icativo, sufocando assim a fagu lha
da liberdad e comunicativa nos domínios da vida econô mica, o que tornaria mais fácil
formar uma massa de atores isolados e alienados entre si, o qu e irresolutamente lev aria a
destruição da racionalidad e comun icativa da sociedade civ il, tanto nos contextos públicos
de entendimento, como nos p rivados (HABERMAS, 1997, p . 102).
Na p rop osta habermasian a, está p resente a questão da liberdade d a p essoa humana
e de sua resp onsabilidade social, do exercício da cidadan ia. Habermas nos ap resenta duas
formas distintas de ser cidadão : a da concepção liberal, ond e o cid adão é definido em
função dos direitos subjetivos que ele tem diante do Estado e dos demais cidadãos, “em
prol de seus interesses p rivados dentro dos limites estabelecidos p elas leis”; e a da
persp ectiva rep ublicana, onde o cid adão n ão é aquele que usa a liberdade só p ara o
desemp enho como p essoa p rivada; ele tem n a p articip ação uma p rática co mum “cujo
exercício é o que p ermite aos cidadãos se converterem no que querem ser: atores políticos
resp onsáveis de uma comun idade de pessoas livres e iguais”, já que se esp era dos cidadãos
“ muito mais do que meramente orientarem-se p or seus interesses p rivados”. Dessa forma o
Estado não p ode p retender um fim em si mesmo, p recisa ser v isto como um meio p ara a
concretização dos interesses públicos. Pois de nada adianta a autoridade sup rema sem
legitimidade que, p or sua vez, se exp ressa nas lib erdades fática e argumentativa
(HABERM AS, 1980, pp. 61-72).
A p artir dessa análise co mp arativa entre os dois sujeitos de direitos, o liberal e o
rep ublicano, Habermas defende a agregação de mais uma p rop osta do significado de cidadão
traduzida p elo “modelo de deliberação”. Essa nova concep ção apóia-se na ação
comunicativa e “renova-se n a rememoração ritual do ato de fundação rep ublicana”. Esta
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prop osta de cid adania está assentada no significado de racionalid ade comunicativa, coerente
com uma ação gerencial voltada p ara o entendimento, ou seja, com uma autêntica gestão
social. Conforme essa concep ção [cidad ania d elib erativa] a razão p rática se afastaria dos
direitos universais do homem (liberalismo) ou da eticidad e concreta de uma determinada
comunidad e (comunitarismo) p ara se situar naquelas normas de discurso e formas de
argu mentação que retiram seu conteúdo normativo do fundamento da validade da ação
orientada p ara o entendimento.
Com efeito, acreditamos que a sustentabilidade demo crática, bem como seu
aprofundamento, imp lica em graus mais altos e formas mais intensas de particip ação dos
cidadãos n a formulação, implementação, av aliação e gestão das p olíticas públicas.
Acreditamos que a legitimidade demo crática en contra-se na conscientização da sua
imp ortância, na negociação semp re tensa de esp aços p ara o seu exercício e a realização do
seu p rocesso normativo, que o p róp rio Habermas considerou como sendo “o fardo da
gên ese democrática do direito”. Evidentemente que as nossas considerações h abermasianas
semp re podem desp ertar, como sentiu Habermas, o faro cético do cientista social e do
jurista. Uma atitude intelectual p ouco variável do cientista social é aqu ela de primeiro
emp irista, “esclarcendo-nos sobre o vazio das idéias que semp re são suplantadas p elos
interesses”; enquanto que do jurista é exigido o seu pragmatismo que “nos ensina sobre os
conflitos que só p odem ser enfrentados, se tivermos como resp aldo um Estado substancial”.
Entretanto, os grandes desafios sobre a defesa dos direitos humanos nas sociedades
comp lexas e pluralistas do século 21, p assam necessariamente p ela dimensão dos
“processos
democráticos
e
arranjos
comunicativos”
de
delib eração,
ou
mais
esp ecificamente p ela solidariedad e, comunicação e emancip ação social inscritas nos
fundamentos da “cidadania delib erativa” constitutiva da legitima esfera p ública
(HABERM AS, 1997, pp. 307-25).
Pois se assim não fosse, teríamos por acaso como único destino p ossível “uma
democracia de demônios”? Ou melhor, situando: “o demôn io de Todos não seria o Deus
mesmo de cada Um”?
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DIREITOS HUMANOS E SOBERANIA POPULAR: por uma dialética
do consenso livre
Vitor Souza Lima Blotta*
Introdução
Este artigo busca estruturar-se metodologicamente a satisfazer a p retensão de Jürgen
Habermas de identificar o Direito como médium p ragmático-lin gü ístico de administração
da tensão entre realidade normativa e realidade fática.
194
Para tanto, p rocurar-se-á trabalhar
a temática p rop osta em um bloco conceitual e outro histórico, havendo, p orém, intersecções
necessárias entre ambos.
No p rimeiro bloco, será elaborado u m esforço de defin ição das noções-ch ave deste
trabalho, tais quais a tensão entre d ireitos humanos e soberania popular, elaborada p or
Habermas a p artir de Kant e Rousseau, destacada a partir de um breve p anorama da crítica
contemporânea à mod erna filosofia do direito; e a relação entre consenso e dissenso, que
trará também as contribuições de M arcelo Nev es ao deb ate Luhmann-Hab ermas na teoria
do direito, esp ecialmente na questão do dissenso.
No segundo b loco, a p artir das definiçõ es e de relações entre essas no ções-chav e,
serão levantadas hip óteses p ara p ossivelmente servirem co mo pressupostos de análise da
percepção dos limites e possibilidades dos chamados “consensos mínimos”, tanto numa
195
crescente esfera p ública
internacional, qu anto nas nacionais.
Como forma d e testar a viabilidade dessas hip óteses, buscar-se-á analisar alguns
traços de quatro distintos p anoramas históricos a p artir da tensão entre direitos humanos e
soberania p op ular: Antigüidade, Idade M édia e Pós-Modernidade, sendo a análise da
Modernidade p ossível já na p róp ria elaboração conceitual do p rimeiro b loco.
*
Mestrando pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, bolsista da FAPESP (06-52182-5), e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP ).
194
Serão utilizadas e devidamente citadas as traduções inglesa e portuguesa da obra que trata da teoria discursiva do
direito e da democracia de Habermas: HABERMAS, J. Between Facts and Norms: Contributions to a Discourse Theory
of Law and Democracy. trad. William Rehg. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1996.; HABERMAS, J, Direito e
Democracia: Entre Facticidade e Validade. trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
195
O conceito de esfera pública, elaborado por Habermas, aqui tomado em sentido amplo como espaço social onde há a
intersecção de fluxos comunicativos anônimos e caóticos que reagem aos problemas públicos formando discursos de
relevância política (HABERMAS, J. 1996:300), não será devidamente aprofundado neste trabalho. Serão apenas relatadas
algumas d