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LDVCA CARPEDIEM! Viuvez já foi uma palavra carregada de significados negativos. Hoje, pode ter um novo sentido. Conheça a história de viúvas que têm rotinas de tirar o fôlego e disposição de sobra para viver a vida intensamente. Aos 79, Zalmy mantém uma rotina agitada. Na página ao lado, registros das viagens dela pelo mundo problemas como todo mundo, mas se eu vou para uma reunião ou viajo, eu esqueço o problema e coloco um sorriso no rosto. Quando volto para casa, procuro a solução”. E o segredo de tanta jovialidade? Uma pequena dose diária de vinho, ela recomenda. Por Letícia Santana Zalmy já conheceu diversas cidades no litoral brasileiro. No exterior, entre tantos locais visitados, os destinos preferidos são Áustria e Las Vegas, nos Estados Unidos. Para a Argentina, já perdeu as contas de quantas vezes foi, mas a visita tem um motivo especial: o tango! A cada retorno, ela seleciona as melhores fotos, usa uma música referente ao país e faz um DVD que apresenta, toda orgulhosa, para quem a visita. Mas Zalmy não para. A próxima viagem já está marcada e será para Montreal, em visita à neta. Viúva há dois anos, ela diz que o próprio marido dizia que não era para ela parar a vida depois que ele morresse. “Ele sempre falava que era para eu seguir com minha vida e minhas viagens”, comenta Santina, que é toda vaidosa e diz se gostar muito. SEMPRE CANTANDO Beatriz Stella,73, é mulher guerreira. Já passou por maus bocados, mas jamais se deixou abater. Ela ficou viúva aos 45 anos, com quatro filhos para criar. Sem medo de encarar a nova fase, ela arregaçou as mangas e começou a trabalhar. Viúva há 15 anos, mãe de quatro filhos, com 11 netos e um bisneto, Zalmy revela que o lema da vida é não entregar os pontos e viver o momento. “Tem que levantar a cabeça sempre. Eu tenho A vida só foi se ajustando financeiramente após conseguir a pensão do cônjuge e os filhos crescerem e começarem a trabalhar. Emocionalmente, 66 Foto: Michelle Barzotto e arquivo pessoal ROTINA DE TIRAR O FÔLEGO Santina Maria, de 74 anos, faz parte do grupo daquelas que adoram viajar. O próximo destino será Fortaleza. Exemplo de vitalidade, ela faz duas horas de musculação e ergometria, adora pesquisas na internet, conversas por mensagens no celular, participa de grupos de ajuda, ministra cursos de gestantes na igreja, tem reuniões de costura, organiza as festas de cada mês. “O dia é uma correria”. Dançar e viajar são os passatempos preferidos de Zalmy de Souza Neas. Quem a vê não acredita na idade que tem. Cheia de energia, aos 79 anos, a rotina de Zalmy é bem intensa. São compromissos com amigos do clube de voluntariado, momentos para massagem, aulas de informática, viagens, hora marcada com o personal trainer e, duas vezes por semana, aulas da dança de salão. “Danço uma hora sem parar.” MAIS VIÚVAS QUE VIÚVOS Já parou para pensar se na sua rede de conhecidos há mais viúvas do que viúvos? As pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) comprovam que a expectativa de vida das mulheres é mais alta que a dos homens. Eles são mais vítimas da violência e doenças crônicas. A gerente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), Maria Lúcia Vieira, informa que elas, no Brasil, vivem em média 78,8 anos, enquanto eles, 71,6. “Em 2014, entre as mulheres de 70 anos ou mais, 55,2% eram viúvas. Já entre os homens desta mesma faixa etária, os percentuais eram de 19,6% “, diz. Além de elas viverem mais, há o fato de a maioria dos homens voltar a se casar, o que reduz a quantidade de viúvos nos números da pesquisa. LDVCA A SUPERAÇÃO DO LUTO Dona Beatriz, já na terceira idade, divide seu tempo entre atividades físicas, consultas médicas, ficar com a família e fazer novas amizades. Mas sabe do que ela gosta muito? De dançar! E assim a vida segue: em alto astral, com uma boa música na ponta da língua para ensaiar os passos da dança. Cada mulher tem uma maneira de encarar o luto e, anos depois da perda, segue a vida de um jeito próprio. O que de fato se percebe no dia a dia é que muitas estão agora buscando se readaptar às novas formas de viver e tentando retomar o que traz felicidade, mesmo sem os parceiros. Fotos: Michelle Barzotto ela diz que sempre encarou a vida com olhos de otimismo. Mesmo quando está com um problema, ela tem um sorriso no rosto e uma música para cantarolar. SIGA EM FRENTE A psicóloga e coordenadora de Carreira & Desenvolvimento na Fundação Getúlio Vargas Goiás, Glaucia Ribeiro, comenta que para as mulheres da terceira idade, a música, dança, caminhadas e a convivência com amigos são estratégias para melhorar a qualidade de vida. Para a psicóloga Glaucia Ribeiro, é necessário buscar o autoconhecimento, autocuidado, se perdoar nas falhas e fazer atividades prazerosas. A reação de cada mulher vai depender da história de vida, perfil emocional, crenças e condições profissionais e materiais. “A mulher terá melhores condições de superação quanto mais estiver estruturada em seu ego maduro, que significa ter a capacidade de olhar para a perda, sentir, compreender racionalmente e, por fim, ficar mais forte para outras situações similares. Todo este processo pode acontecer em um piscar de olhos ou pode demorar anos ou talvez nunca ocorra. Vai depender da saúde emocional”, explica Glaucia. “Nosso corpo está mais saudável quanto mais fluida for nossa energia. Isto tem impacto direto no estado emocional, desenvolvendo a autoestima, o prazer pela vida, a vontade de viver, a produtividade e a expansão social”. A psicóloga acrescenta: “Algumas encontram um novo amor, vivem alguns romances e aventuras e outras apenas acham formas de serem felizes sozinhas.” Beatriz Stella fez novos amigos com a ajuda da dança VIAGENS NA MELHOR IDADE A proprietária de uma agência de viagens em Goiânia, Janete Bernardes, tem como público-alvo a terceira idade. Segundo ela, 90% dos seus clientes são mulheres e a média de idade das viajantes é de 70 anos. Paris, Roma, Buenos Aires e algumas cidades de Portugal estão entre os destinos internacionais mais procurados. No Brasil, Gramado, Fortaleza, Natal e João Pessoa. com idosos, a localização e acessibilidade do hotel e se os passeios nas cidades são seguros”. Janete é categórica ao falar da disposição dessas mulheres. “Não tenho a menor dúvida de que elas têm energia de sobra. Têm muito pique. Aproveitam todas as atividades de manhã, tarde e noite e, se tiver música e dança, melhor ainda”, diz. Dados do Ministério do Turismo mostram que a população acima de 60 anos já responde por quase 18 milhões de viagens ao ano no Brasil, o que representa uma fatia de 9% do mercado nacional. A tendência é que esse público aumente a cada ano devido ao envelhecimento da população. O roteiro montado para os turistas da terceira idade é diferenciado. Janete explica que dá preferência por voos com menos escalas, ida pela manhã e retorno à tarde. “Verificamos também o tipo de transporte, se o guia gosta de trabalhar 68 COMPORTAMENTO O investimento numa vida pessoal, profissional e produtiva é uma boa saída. “É preciso reconhecer a própria situação, aceitar a fragilidade como sendo natural, dar-se este tempo para se recuperar. Trabalho com desenvolvimento profissional e tenho visto muitas mulheres que, depois da perda do companheiro, despertam para a formação, o estudo, para o trabalho fora de casa. Algumas por necessidade, outras por puro movimento de vida”, diz. SEMPRE JUNTOS O escritor, palestrante e blogueiro Dado Moura lembra que a viuvez será sempre uma surpresa. “Para aquela pessoa que ficou, restará a readaptação. Certamente não será fácil, pois por muito tempo, como casal, foram divididas as alegrias, dores, medos e inseguranças. Mas esse estado de vida não significa que a pessoa viúva esteja condenada à tristeza eterna”. Muitas mulheres são criadas para depositar no companheiro o bem-estar. “Nossa identidade acaba ‘colando’ no papel de mãe, esposa, rainha do lar... Quando o par se vai, temos que desvestir esta roupa. Frente à perda, talvez seja a hora de buscar a própria evolução e amadurecimento”, reforça Glaucia Ribeiro.