a geometria enraizada na obra: ponto de partida - sinpro-sp
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A GEOMETRIA ENRAIZADA NA OBRA: PONTO DE PARTIDA, ORDENAMENTO DO PENSAMENTO E CRIAÇÃO. Cínthya Maria Rodrigues Álvares Isquierdo - mestranda Orientação: Profª. Drª. Kátia Azevedo Teixeira Universidade São Judas Tadeu Comunicação científica: Resumo Vários campos de atuação, de um modo geral, se beneficiam da ciência da geometria em seus sistemas de representação. Intimamente ligados aos aspectos dessa ciência, estão o desenvolvimento da visão e do raciocínio espacial e também a idéia de disciplina e de processo na elaboração e construção da forma. No decorrer de vinte anos de atividade acadêmica como docente em cursos superiores de graduação, foi possível observar o crescente número de ingressantes aos cursos de Arquitetura, Design e Engenharias (Civil, Mecânica, Produção, Elétrica e Computação) sem qualquer conhecimento básico de geometria e, consequentemente, com dificuldades - quando não impossibilidade – em utilizar e desenvolver a percepção espacial e em compreender e acompanhar tal estudo e, mais ainda, em aplicá-lo com alguma autonomia nas soluções de projeto. Os problemas detectados resultam, muitas vezes, da quase inexistência do conteúdo de geometria na fase escolar básica – segundo relatos dos próprios alunos das graduações citadas – comprometendo seriamente a formação integral do próprio estudante. Essa idéia, naturalmente, não é individual e exclusiva e compartilha da visão de outros pesquisadores como Pavanello, Maia e Davis, dentre outros, os quais apontam principalmente a perda da capacidade de abstrair, de generalizar, de projetar. A pesquisa tem como principal objetivo, investigar a contribuição do conhecimento da geometria no que concerne às relações entre concepção e resolução, examinando tal contribuição para o desenvolvimento do raciocínio hipotético-dedutivo, da capacidade de abstrair e de projetar em áreas diversas, para finalmente, dar atenção especial às áreas de Arquitetura e Design. Palavras Chaves: Geometria. Projeto. Forma. A geometria enraizada na obra: ponto de partida, ordenamento do pensamento e criação. Considerada um ramo antiqüíssimo da matemática que estuda as figuras e os corpos geométricos – definição mais comum a esta ciência – o conhecimento de geometria permite a apreensão e utilização de problemas gerais espaciais em áreas diversas. Intimamente ligados aos aspectos da ciência da geometria estão o desenvolvimento da visão e do raciocínio espacial e também a idéia de disciplina e de processo na elaboração e construção da forma. A geometria é, pois, responsável por “atitudes mentais próximas do pensamento imagético” (RODRIGUES, 2000, p. 100), indispensável ao raciocínio exigido em qualquer área, mas, principalmente, naquelas que desenvolvem e utilizam o desenho como instrumento de criação e de projeto, e como sistema de representação, a exemplo da Arquitetura, do Design, e das Artes de um modo geral. No entanto, essa realidade vem sendo gradual e constantemente confrontada com uma constatação: no decorrer de vinte anos de atividade acadêmica como docente, ministrando aulas das disciplinas de Desenho Geométrico, Desenho Técnico e Geometria Descritiva, em cursos superiores de graduação, foi possível observar o crescente número de ingressantes aos cursos de Arquitetura, Design e Engenharias (Civil, Mecânica, Produção, Elétrica e Computação) sem qualquer conhecimento básico de geometria e, consequentemente, com dificuldades em utilizar e desenvolver a percepção espacial. Por serem os cursos de Engenharia bastante embasados no raciocínio lógico-matemático e menos dependente do uso constante das representações gráficas destinadas ao projeto, a inquietação se ameniza, em parte, pelo fato dos estudantes nele desenvolverem o raciocínio abstrato através de outras abordagens matemáticas - como o cálculo e a álgebra. Mas tal feito não ocorre, com a mesma ênfase, nos cursos superiores de Arquitetura e de Design. Essa percepção, naturalmente, não é individual e exclusiva. Pavanello (1989), por exemplo, em trabalho que investiga o ensino de geometria ao longo dos anos, no Brasil, aponta as dificuldades que os alunos apresentam - nos diversos níveis de ensino, incluindo os cursos superiores1 - relativamente à compreensão de processos de demonstração, ao emprego de representações geométricas para visualização de conceitos, à percepção espacial necessária às diversas profissões. Enfatiza, principalmente, as perdas decorrentes em relação ao desenvolvimento do raciocínio hipotético-dedutivo, da capacidade de abstrair, de generalizar, de projetar. Como tudo, essa circunstância não se desvincula de um conjunto de escolhas e critérios internos a um contexto mais amplo. Uma das constatações importantes é que Esta problemática se desenrola quando a escola pública se expande no Brasil, permitindo o ingresso de uma quantidade muito maior de alunos. Propõe-se, desta forma, aos professores um novo desafio: trabalhar com uma população muito diferente daquela com a qual estavam acostumados a lidar, sob novas (e piores) condições de trabalho – e de 1 Pavanello (1989) constata a quase inexistência de um trabalho com geometria nas escolas públicas de 1º e 2º graus, o que compromete, de maneira extremamente grave, o prosseguimento desse aprendizado nos cursos de 3º grau em que ele é diretamente necessário. remuneração - e sob a pressão do Estado, que a toda hora lhes lembra o custo econômico de manter, anualmente, cada aluno na escola. (PAVANELLO,1989, p.165-166). Outra, ainda segundo a autora, e imbricada com a anterior, é a defesa do caráter prático e intuitivo do ensino nos primeiros níveis, privilegiando aquele que é considerado mais utilitário. Raciocínio que é corroborado por Maia2 (1997): “(...) a funcionalidade buscada pelos professores brasileiros se dirige, quase que exclusivamente, para a utilização da matemática na resolução de problemas da vida quotidiana” e comparado, pela autora, com os procedimentos dos professores franceses quando relata que, para eles, a “(...) funcionalidade se exprime ainda, pela eficiência do pensamento matemático, no sentido de formação da mente”, questão que costuma ser considerada pelos professores brasileiros como sendo específica da matemática abstrata. A situação agrava-se ainda mais, pois há casos de alunos relatando (e demonstrando) que esse conteúdo inexistiu na fase escolar básica3, condição que compromete seriamente a formação integral do próprio estudante. A ausência dos conteúdos de geometria ou ainda de conteúdos mal elaborados e/ou mal apresentados nos níveis de ensino anteriores implica que, ao ingressarem em cursos superiores que contemplam em seus currículos disciplinas que abordam a geometria, estudantes de Arquitetura e Design encontrem enormes dificuldades - quando não impossibilidade - em compreender e acompanhar tal estudo e, mais ainda, em aplicá-lo com alguma autonomia nas soluções de projeto, fato que se estende e se reflete muitas vezes à sua vida profissional 4. E, no entanto, como sabemos, quando se trata do processo criativo de projeto, os conhecimentos geométricos são imprescindíveis à elaboração da idéia. Desenho e pensamento instruído, portanto, estão inevitavelmente imbricados. A geometria é a ciência fundamental na construção do pensamento formal, estando presente de maneira mais explicita no que se refere à configuração gráfica da mesma, cujos elementos primordiais são o ponto, a linha e o plano. A morfologia geométrica permite o estudo e a compreensão das formas gerais da natureza, a partir de analogias às formas classificáveis de distintos grupos, conhecidas como formas geométricas ‘padrões’. (CARVALHO, 2001, p.11). A apreensão dessa ciência possibilita, através da linguagem do desenho, a comunicação de idéias elementares - mas perfeitamente estruturadas e organizadas - ainda que não se apresente graficamente neste momento elaboradas sob o rigor obtido através do uso de um ferramental de precisão, por 2 MAIA, Lícia de Souza Leão. Artigo: Analisando a aula de matemática: um estudo a partir das representações sociais da geometria. Disponível em: < www.anped.org.br/reunioes/25/licialeaomaiat19.rtf > Acesso: 27/02/2011. 3 No artigo Por que ensinar/aprender geometria?, Pavanello relata o problema do abandono do conteúdo de geometria nas aulas de matemática no Estado de São Paulo desde o início da década de 80. Disponível em:< http://www.sbempaulista.org.br/epem/anais/mesas_redondas/mr21-Regina.doc > Acesso: 24/02/2011. 4 Curiosamente, Martino (2001) discorre sobre o completo abandono do ensino de geometria nas academias militares do Exército Brasileiro – onde o currículo era destinado à formação de engenheiros – afirmando que disciplinas como Topografia e Geometria Descritiva (ambas extintas do currículo) poderiam contribuir à formação cultural e preparação técnica dos oficiais do Exército, se devidamente conduzidas por professores adequadamente preparados. exemplo. A idéia pode ser anotada, lida e interpretada desde o momento que surge, mesmo que ainda esteja numa fase de especulação e longe de ser considerada finalizada. Pode-se dizer que se trata de um sistema construtivo onde, segundo Kandinsky (1997, [prefácio] p. XXIII), a “lógica do aparecimento das formas estaria ligada à capacidade de estabelecer formas simples. Tudo se dá entre a horizontal, a vertical, a diagonal e o círculo”. O sistema construtivo, nesse caso, é a combinação racional dos elementos onde as diferentes partes se tornam vivas pelo conjunto e, portanto, é a organização que estabelece conjuntos coerentes, compreensíveis e passíveis de reprodução e recepção, constituindo portanto, efetivamente, o objetivo definitivo. O processo de comunicação viabilizado pela linguagem5 do desenho – e esta linguagem amparada pelo conhecimento consciente da geometria – é “(...) menos um fim do que um meio.” (CARVALHO, 2001, p.1), uma vez que no processo de criação é possível reconhecer os problemas específicos a serem tratados, tal como explica Wong: Quando definimos as metas e os limites, analisamos as situações, consideramos todas as opções disponíveis, escolhemos os elementos para síntese e tentamos propor as soluções mais apropriadas – esta é a abordagem intelectual. Ela requer um raciocínio sistemático com alto grau de objetividade, ainda que a sensibilidade e o julgamento individual quanto à beleza, à harmonia e ao interesse devam estar presentes em todas as decisões visuais. (WONG, 1998, p. 13). O raciocínio sistemático estabelece então a organização necessária à construção da forma elaborada a partir de uma abordagem intelectual, processo este que pressupõe a ação (mesmo que subjetiva) da ciência da geometria. Focillon (2001, p. 21) também alega não haver “nada mais tentador – e, em certos casos, mais razoável – do que apresentar as formas submetidas a uma lógica interna que as organiza.” Complementa, ao mencionar o ornamento – mas a idéia se aplica perfeitamente a outros exemplos - que a sua “essência (do ornamento) consiste em poder reduzir-se às formas mais puras da inteligibilidade, e que o raciocínio geométrico se aplica sem defeito à análise das relações entre as partes.” (op. cit., 2001, p. 21). Ainda que aconteça de forma subjetiva, há evidencias de que o raciocínio geométrico - enquanto fundamento de um sistema ordenador - esteja presente desde as mais corriqueiras atividades até as consideradas especiais e superiores. Na publicação intitulada O escuro labirinto da crise6, cuja abordagem se dirige aos problemas e oscilações que envolvem o mundo empresarial, Moraes defende o papel estruturador que determinados conhecimentos exercem sobre o homem 5 Segundo Sainz (2009, p. 26), “para os lingüistas e os semiólogos seguidores de Saussure (...) o desenho de arquitetura não pode ser considerado uma ‘linguagem’, senão mais um sistema de signo de caráter não lingüístico; poderia chegar a constituir-se num sistema de comunicação, mas, por enquanto, devemos falar dele como um simples meio de comunicação (...) (pois) das seis condições exigidas para a existência de uma estrutura lingüística, o desenho de arquitetura só cumpre com segurança uma delas.” Porém, vários outros autores ainda utilizam o termo “linguagem” para o desenho, o que ocorrerá também neste texto. 6 Entrevista realizada pela revista Psique Ciência & Vida ao psicanalista, economista e consultor de empresas José Augusto de Moraes. Publicado por Roberto Lopes no portal Ciência & Vida. Disponível em: < http://portalcienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/44/artigo152456-1.asp > Acesso em: 01/05/2010. mente e psique: “(...) ao contrário do que se poderia pensar, equações matemáticas e figuras geométricas são invocadas há séculos para explicar a alma humana.”7 Atesta esse pensamento informando que utiliza como ferramental softwares sofisticados por serem a evolução direta dos modelos da Álgebra e da Geometria de Galileu - para aliviar gestores e líderes das tensões que acompanham as crises que o setor frequentemente atravessa. Mas o mais interessante é a associação estabelecida entre questões empresariais e o pensamento de Galileu Galilei: A Filosofia está escrita neste grande livro - quero dizer o universo - que fica permanentemente aberto à nossa contemplação, mas não pode ser entendido a menos que alguém primeiro aprenda a compreender a linguagem e a interpretar os caracteres em que está escrito. (Este livro) É escrito na linguagem da matemática e seus caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas sem as quais é humanamente impossível compreender uma única palavra dele; sem isso, é uma caminhada em um labirinto escuro. (Galileu Galilei (1564-1642) apud MORAES, Revista Psique, Edições/44/artigo152456-1). Outros teóricos também ilustram e evidenciam a questão da compreensão a partir da ordenação do pensamento. Recorrendo a Descartes (2006, p. 13), este enfatiza: “(...) aqueles cujo raciocínio é mais ativo e que melhor ordenam seus pensamentos, a fim de torná-los claros e inteligíveis, sempre podem convencer melhor os outros daquilo que propõem, mesmo que falem apenas o baixo bretão e nunca tenham aprendido retórica”, e Mondolfo (1967, p.18-19) também ilustra, com os procedimentos de Leonardo da Vinci, aludindo à vinculação entre arte e ciência, a necessidade de reconhecer não somente os elementos e formas da realidade natural, mas de identificar as leis matemáticas que lhe são intrínsecas: “Leonardo reserva ao desenho uma parte importante nos seus manuscritos científicos, pois nele vê tanto a linguagem da ciência geométrica e a condição necessária de seu desenvolvimento, como o meio indispensável para fixar e transformar de momentâneas em permanentes as conquistas das observações anatômicas realizadas (...)”. Um outro exemplo interessante vinculando arte e ciência ocorreu com o químico alemão Friedrich August Kekulé, em 1865, quando sonhou – experiência, aliás, que não é inusual e tampouco considerada entre pesquisadores - com a solução de um problema sobre a estrutura dos compostos do carbono. Ao acordar, o químico fez registros utilizando ambas as linguagens, em um conjunto “(...) que dá origem a uma configuração, que se apresenta como modelo visivo capaz de informar sobre a composição qualitativa e quantitativa de um composto químico.” (MASSIRONI, 2010, p. 134). Nesse caso, o demonstrado através da imagem não foi a forma de um objeto, mas a representação do “(...) aspecto formal que o conhecimento amadurecido até aquele momento consegue atribuir às condições tomadas em exame” (op. cit., p. 134), um modelo hipotético, portanto, de um fenômeno. Dentre as inúmeras possibilidades de representar um objeto, as mais utilizadas são as que estão convencionadas e/ou sujeitas às normas. A perspectiva e o sistema de projeção ortogonal são bons exemplos, sendo que, 7 MORAES, Revista Psique, Edições/44/artigo152456-1 este último, definitivamente codificado por Gaspar Monge8 teve um desenvolvimento bastante significativo associado ao momento histórico da Revolução Industrial. Já a perspectiva representou, para o Renascimento, o meio de conexão entre os significados dos objetos isolados e o desejo de estabelecer um discurso visual contínuo e fluído, com o extraordinário recurso que permitiria a graduação do espaço. Nesse sentido, A tradução da profundidade não é só um novo modo de representar o mundo tridimensional, sobre uma superfície bidimensional, mas um novo modo de observar – o enfatismo dos significados simbólicos, tendentes à deformação formal é submetido à regularização imposta pela necessidade de obedecer a uma hierarquia espacial. A observação dos dados naturais torna-se mais precisa, mais curiosa, mais maravilhada e sobretudo o observável, o perceptível adquirem maior credibilidade, um maior grau de realidade no que respeita ao enunciado descrito nos textos.(MASSIRONI, 2010, p. 56-57). Verifica-se, portanto, que a linguagem do desenho foi ferramenta fundamental no desenvolvimento da ciência por possibilitar a demonstração da anatomia humana, das paisagens naturais, onde neste caso “a representação era feita com rigor e por isso a objetividade estava próxima do cientificismo. (...) Numa sociedade (brasileira) que convivia a séculos com o analfabetismo, as imagens eram o meio eficaz e poderoso de construção das representações da nação, onde a natureza emergia do passado glorioso da conquista”, como alega Assunção (2006, p. 59-60). Procurava-se demonstrar também as espécies relacionadas à zoologia e à botânica, principalmente nos períodos das grandes navegações, na descoberta dos Novos Mundos, por exemplo, onde foram encontradas outras terras repletas de novidades. É o início do paradigma olhar-ver, “(...) porque as características da natureza inesperada e da escala diferente requisitavam vários desafios, foi notória a exigência de uma série de adaptações culturais, oculares no imediato e sempre difíceis de descrever.” (JANEIRA, 2006, p. 140). Sendo assim, a importância do desenho se dá justamente por ser visual a modalidade de análise em questão, enfatizada em particular na área da botânica, “(...) tornando-se prioritária na epistemologia dos séculos XVII e XVIII (...) (onde) toma então forma, tácita mas concordemente, um modo de representar os objetos da natureza e particularmente as plantas, que segue percursos constantes e estáveis, o que é tanto verdade que ainda hoje são usados para fins análogos, sem variações de relevo.” (MASSIRONI, 2010, p. 59). Uma vez que importam o registro e a investigação dos traços significativos das estruturas vegetais, dos animais, das aves e dos insetos, a representação com função taxonômica orienta-se por um conjunto de regras onde prepondera o uso do plano frontal, o ponto de vista fixo e a retirada do fundo – para evitar a visão perturbada do desenho “(...) onde se evidenciam todas as características e traços pertinentes; é por esta razão que ainda hoje se prefere usar o desenho em vez da fotografia; porque a fotografia ao registrar um indivíduo, não poderia 8 O uso instrumental da representação gráfica exigia certo grau de convenção para que todos que conhecessem suas regras pudessem compreender perfeitamente a representação. Deste modo, Monge apresentou as instruções necessárias para realizar desenhos plenamente descritivos e de significado inequívoco. (SAINZ, 2009, p. 115 – tradução do autor). prescindir dos traços singulares e extravagantes, enquanto o desenho o pode fazer de maneira elegante e convincente.” (MASSIRONI, 2010, p.62). Na imensa produção gráfica que acompanha os textos sobre história natural, as imagens assumem uma função substitutiva dos objetos que representam, demandando por isso observação aguda e precisa, capaz de condensar no exemplar individual registrado, as características de seu coletivo, da espécie. Essa função e necessidade (...) determinava metodologias e uma disciplina mental fortemente servidas pela competência para o desenho, (...) que poderia ser usada para o estabelecimento de diferenças e semelhanças, fundamentais para o método comparativo, nomeadamente na determinação cuidada dos especímenes.(...) (JANEIRA, 2006, p. 144145. - grifos do autor). Nota-se, portanto, com considerável clareza, que inclusive nesses momentos e nesse tipo de representação, o raciocínio geométrico esteve presente organizando e disciplinando a mente daquele que possuía uma “habilidade invejável” para desenhar, desenvolvendo a necessária capacidade de precisão e rigor na observação, de análise e de síntese. Em relação à área de educação matemática, ilustram as questões vinculadas ao desenho a experiência relatada por Dreyfus e Hadas9, na analise das dificuldades de alunos americanos de uma high school10. No artigo, dentre as estratégias para superar as dificuldades dos estudantes, dois princípios merecem atenção particular. O primeiro - Mesmo afirmações óbvias têm de ser provadas – enfatiza a importância formadora do raciocínio dedutivo: A visualização e a medição são estratégias vitais para a descoberta de propriedades geométricas. Porém, num sistema dedutivo, cada afirmação tem de se basear em afirmações provadas anteriormente, e não se pode provar uma afirmação com base em figuras. Para a maioria dos alunos, a passagem da geometria informal (na qual se deduzem propriedades a partir de figuras ou objetos específicos) é uma fonte de muita confusão. É necessário, portanto, ensinar e enfatizar o princípio ora introduzido de que toda afirmação tem de ser provada. (DREYFUS e HADAS apud LINDQUIST e SHULTE, 1994, p. 63). O segundo - Figuras complexas são constituídas por componentes básicos- aponta a dificuldade, bastante generalizada entre estudantes, de reconhecimento dos elementos básicos, quando os mesmos ou aparecem de modo menos usual ou integram uma composição mais sofisticada, como a visualização de triângulos isósceles, quando suas bases não se encontram na posição horizontal, ou de triângulos congruentes, quando os lados correspondentes não estão paralelos. Os exemplos retirados de pesquisas da área de educação em matemática mostram claramente o grau de dificuldade enfrentado para a abordagem das questões associadas à geometria de um modo geral. Em um de seus desdobramentos, minimizar ou “abolir Euclides” da vida acadêmica, nos níveis 9 Tommy Dreyfus e Nurit Hadas, autores do artigo “Euclides deve permanecer – e até ser ensinado”, in: LINDQUIST, Mary M.; SHULTE, Albert P. (organizadores) Aprendendo e ensinando geometria. São Paulo: Editora Atual, 1994. 10 Equivalente, no Brasil, ao ensino fundamental II. intermediários de ensino, compromete de modo grave e perverso a formação, nos cursos superiores em que tal conhecimento alicerça a atividade profissional. Nas áreas de Arquitetura, Design e áreas avizinhadas, certamente deve haver uma redução considerável no potencial criativo, interferindo, portanto, nas possibilidades de um trabalho de qualidade e inovador. Um exemplo que tange as áreas de Arquitetura e Design é o uso da malha gráfica em desenhos de projetos. Tal organização proporcionada pela combinação da demonstração da geometria associada a uma malha certamente estipula uma ordem ao projeto garantindo precisão não só na documentação, mas também na leitura do mesmo. Além disso, como expressou Davis, a constituição do raciocínio é privilegiada, pois possibilita argumentações lógicas. A facilidade ou dificuldade em lidar com tais argumentações dependerá do grau de conhecimento de cada indivíduo. Em se tratando dessa prática de demonstração e documentação com maior precisão – nem tão usual na área de Design - supõe-se que este profissional domine conceitos da geometria euclidiana e possa justificar, se necessário, a concepção e o registro de qualquer forma, ainda que seja apenas um objeto de estudo. O importante é que o raciocínio geométrico esteja presente, mesmo que subjetivamente, no desenvolvimento do processo criativo, inventivo e investigativo; porém, a discussão se estende quando se trata do uso efetivo da geometria no aperfeiçoamento desse tipo de documentação. A ausência de um paradigma acaba por sustentar uma inquietude e uma preocupação com a forma criada, sobre como preservá-la com suas próprias características, autênticas e exclusivas, denunciando uma constante apreensão com a personalidade e identidade visual de uma forma. Supõe-se (ou espera-se) dessa maneira, que as noções de proporcionalidade, por exemplo, apresentadas por um designer ou por um arquiteto – por suas formações - sejam mais aguçadas que a do resto da população, propiciando a esses profissionais trabalhos de maior qualidade, o que justificaria – até certo ponto – uma produção criativa dentro dos padrões de entendimento e aceitação de leitores ou expectadores, mesmo que estes desconheçam informações mais profundas do assunto. Davis afirma parecer claro o fato de que (...) histórica e psicologicamente as intuições da geometria são mais primitivas do que as da aritmética. Em algumas culturas primitivas, não há palavras para números, exceto um, dois e muitos. Mas em qualquer cultura humana que jamais descobriremos, é importante ir de um lugar a outro, apanhar água ou arrancar raízes. Assim, os homens foram forçados a descobrir – não uma, mas muitas e muitas vezes, em cada nova vida humana – o conceito da reta, de menor distância entre aqui e ali, da atividade de dirigir-se diretamente a algo. (DAVIS, 1986, p. 189). O discernimento entre o aceitável ou não aceitável estaria então arrazoado pelo conhecimento empírico ou arquetípico do público envolvido na apreciação e leitura da obra em questão. Parafraseando novamente Davis (1986, p.180) “o que parece inicialmente não intuitivo, dúbio e algo misterioso termina, após um certo tipo de processo mental, gloriosamente verdadeiro (...) (e) uma vez que uma afirmativa foi demonstrada, devemos entender que a afirmativa é verdadeira sem nenhuma sombra de dúvida.” Todos esses fatores, em conjunto, colaboram para que esta pesquisa esteja direcionada justamente à Arquitetura e ao Design - indiscutivelmente áreas mais vulneráveis à ausência do ensino adequado de geometria - e a investigação tem, como principal objetivo, examinar a contribuição do conhecimento da geometria no que concerne às relações entre concepção e resolução, averiguando tal contribuição para o desenvolvimento do raciocínio hipotéticodedutivo, da capacidade de abstrair e de projetar. Bibliografia BATTISTI, César Augusto. O método de análise em Descartes: da resolução de problemas à constituição do sistema do conhecimento. Cascavel: EDUNIOESTE, 2002. BOYER, Carl B. História da matemática. Revista por Uta C. Merzbach; tradução Elza F. Gomide – 2ª ed. São Paulo: Edgard Blucher, 1996. CARVALHO, Benjamim. Desenho geométrico. 26ª edição. 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