Extrema Pobreza no Brasil | a situação do direito à
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Extrema Pobreza no Brasil | a situação do direito à
Introdução Jayme Bevenuto Lima Júnior Raízes da Miséria no Brasil Marcos Costa Lima O Direito à Alimentação Flávio Luiz Schieck Valente O Direito à Moradia Nelson Saule Júnior Maria Elena Rodriguez Propostas Casos Entidades Associadas Home E-mail A todos os brasileiros que, na violação diária e silenciosa dos seus direitos à moradia e alimentação, abrigam e alimentam a esperança. 1 Introdução Jayme Benvenuto Lima Jr. 1 Pelo segundo ano consecutivo, a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais – DhESC Brasil se mobiliza para a inserção, no plano internacional, em torno da situação dos direitos humanos no país. Enquanto que no ano de 2001 a intervenção foi a respeito das execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais, com o lançamento de um relatório sobre o tema durante a reunião anual da Comissão de Direitos Humanos da ONU, em 2002 a atenção é voltada para o tema da extrema pobreza, com foco no direito à alimentação e à moradia. O relatório-livro Extrema pobreza no Brasil: a situação do direito à alimentação e à moradia adequada é o resultado do esforço conjunto de diversos especialistas do tema, articulados pela Plataforma DhESC Brasil, no âmbito de sua atuação internacional, que conta com o apoio da Catholic Relief Services (CRS) e da Fundação Ford – Brasil, no marco do programa dhINTERNACIONAL, coordenado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP). A essa iniciativa, que denominamos Projeto Genebra 2002, se associam Franciscans International e Domenicans for Justice and Peace. Formada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), Federação de Órgãos de Assistência Social e Educacional, Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, Centro de Justiça Global e Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar (FIAN – Brasil), a Plataforma DhESC Brasil2 tem a finalidade, com este projeto, de chamar a atenção da sociedade e do governo brasileiros, e da comunidade internacional, para a situação crônica da pobreza no país. A Plataforma DhESC Brasil denuncia o problema no Brasil e no exterior, através de uma apresentação simultânea – constante do conteúdo do presente relatório-livro – em diversas cidades brasileiras e em Genebra (Suíça), no espaço paralelo da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, durante a sua 58a. Sessão, em abril de 2002. Ao mesmo tempo em que chama a atenção da comunidade internacional para a situação da alimentação e da moradia no Brasil, apresentando casos de violação a tais direitos, a publicação apresenta diversas recomendações de como superarmos o problema. Ao chamar a atenção em particular da ONU para a grave situação da pobreza no Brasil, a Plataforma DhESC Brasil pretende reforçar as diversas iniciativas nacionais no sentido de provocar uma reação em termos de investimentos dos diversos mecanismos de proteção dos direitos humanos das Nações Unidas no monitoramento do Estado brasileiro em relação aos compromissos internacionais assumidos. Afinal, não basta que o Brasil, desde a sua (re)democratização, venha ratificando instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos; é fundamental que o país estabeleça medidas claras e eficazes para a superação dos problemas relacionados a direitos humanos. Ao mesmo tempo em que saúda o convite do governo brasileiro à visita do Relator Especial das Nações Unidas sobre o Direito à Alimentação, Sr. Jean Ziegler, ocorrida no último mês de março de 2002, para o que a Plataforma DhESC Brasil teve a oportunidade de contribuir com a organização de contatos com a sociedade organizada, a articulação de entidades de direitos humanos aguarda a visita do Relator Especial das Nações Unidas sobre o Direito à Moradia Adequada, Sr. Miloon Khotari, com vistas ao cumprimento das obrigações constantes do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, que estabelece em seu Artigo 11 - 1: “Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida (...)”. Que esta iniciativa da Plataforma DhESC Brasil ajude para que os governos federal e estaduais, no Brasil, estabeleçam a adoção efetiva dos instrumentos internacionais e das leis nacionais de proteção e dos direitos humanos. • 1 Coordenador do Projeto Genebra 2002 para a Plataforma DhESC Brasil voltar • 2 A Plataforma DhESC Brasil possui as seguintes esferas de atuação: 1) Atividades de Lobbying e Articulação em Âmbito Internacional; 2) Realização de Campanhas Anuais no Brasil em torno de temas que não sejam normalmente associados à temática dos DHESC; 3) Monitoramento da Implementação dos Direitos Humanos no Brasil (a) Acompanhamento do Processo de Revisão e Aplicação dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no Plano Nacional de Direitos Humanos; b) Criação da figura dos Relatores (ou Relatoras) Nacionais, com a finalidade desenvolverem processos de consulta ao nível nacional sobre a situação destes direitos no Brasil; 4) Formação em Direitos Humanos; 5) Seleção de “casos de exigibilidade” ao nível jurídico nacional e internacional (ONU e OEA); 6) Publicações especializadas sobre Direitos Humanos. voltar 2 Raízes da miséria no Brasil: da senzala à favela Marcos Costa Lima 1 1. Introdução Abordar a questão das Raízes da Miséria no Brasil exige, necessariamente, todo um esforço de pesquisa, de leitura e re-leitura de certas obras clássicas brasileiras, seja da Sociologia, da Economia ou de nossa literatura, que tornam este esforço uma tarefa quase impossível numa vintena de páginas. Este é o primeiro desafio. O segundo desafio, vem do sábio conselho de Machado de Assis: “se não tens força nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires”. Há muita gente que já escreveu, ao menos tangencialmente, sobre a matéria, muito embora permaneça uma temática de extrema atualidade, para não dizer de urgência, quando sabemos que o nosso País, verdadeiro campeão de crescimento econômico em termos mundiais, no Século XX, não pode caminhar de forma tranqüila e gradual para o futuro, com o aprofundamento da pobreza e das disparidades regionais e de renda: somos também recordistas em termos de injustiças sociais. A estrutura deste trabalho tem 3 momentos articulados: no primeiro deles, apresento elementos centrais da reflexão do economista indiano Amartya Sen, que tem toda uma obra dedicada ao fenômeno da fome e da pobreza, e um conceito-chave, do entitlement ou da habilitação 2 que permite articular , por exemplo, a escravidão com a pobreza. Ainda, algumas conceituações que nos ajudam a identificam a pobreza de uma forma mais abrangente, que não apenas identificando-a com uma restrição de ordem econômica. Em segundo lugar, busco identificar as origens da miséria no Brasil, relacionando-a com o período Colonial – mais especificamente com o tratamento dado aos índios e negros, que vão formar, no processo de miscigenação, as classes despossuídas e pobres entre nós – articulado com um sistema patrimonialista e conservador, baseado no latifúndio, que impregna o imaginário e a cultura do País até os dias de hoje. O terceiro momento, da permanência e aprofundamento da miséria brasileira, já num contexto de economia mundializada, onde as tensões entre o nacional e o internacional são, não apenas mais visíveis, mas talvez, mais difíceis de serem superadas. A divisão internacional do trabalho e o controle acrescido das grandes corporações internacionais sobre o mercado mundial, têm operado no sentido da manutenção do papel dos países periféricos enquanto exportadores de commodities, por um lado, e receptores de empresas multinacionais modernas, com escala de produção limitada aos mercados internos destes países, por outro, resultando numa inclusão perversa, que reproduz as desigualdades sociais, obstaculiza avanços tecnológicos, fragiliza opções de bem estar social. 2. A Superação da Pobreza O economista indiano e Prêmio Nobel da economia em 1998, Amartya Sen (1989;1999,2000) , construiu uma obra fundamental para o entendimento da pobreza mundial e indicou alternativas para sua superação. Dentre as definições de pobreza, talvez a mais contundente e consistente esteja ancorada em suas reflexões ético-filosóficas. Ao entender que a economia teve duas origens diferentes, uma vinculada à ética e a outra vinculada à engenharia, a primeira vinculada ao pensamento Aristotélico. Em a Ética de Nicômaco, o filósofo grego associa o tema da economia a aos fins humanos. Sendo para ele a Política a “arte mestra”, ela teria que utilizar-se das demais ciências, incluindo aí a economia e, como a Política legisla sobre o que devemos ou não fazer, a sua finalidade seria o bem para o homem:” A vida empenhada no ganho é uma vida imposta, e evidentemente a riqueza não é o bem que buscamos, sendo ela apenas útil e no interesse de outra coisa “. Mas diz ainda o pensador grego que “ainda que valha a pena atingir esse fim para um homem apenas, é mais admirável e mais divino atingi-lo para uma nação ou para cidades-Estados (Sen,1999;:19:20). A segunda vertente, a da engenharia, caracteriza-se pelas questões sobretudo logísticas em vez dos fins supremos, sendo pragmática, instrumental. Para Amartya Sen, a primeira vertente perdeu terreno e examinando-se “as proporções das ênfases nas publicações da economia moderna, é difícil não notar a aversão às análises normativas profundas e o descaso pela influência das considerações éticas sobre a caracterização do comportamento humano real (idem,p.23). Além de considerar que a maioria dos economistas apresentava uma visão estreita da obra Smithiana, fundamental como fundamentação da teoria econômica, Sen argumenta que justamente a sobrevalorização do autointeresse na concepção do autor de Teoria dos Sentimentos Morais evidencia uma das principais deficiências da Econômica contemporânea. Um outro filósofo importante na construção da arquitetura do economista indiano foi Kant, que em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes, considerava e afirmava que o ser humano representava um fim em si mesmo, e que não deveria ser tido como meio para outros fins. Este princípio, torna-se fundamental em diversos contextos, seja na análise da pobreza, seja na formulação das políticas públicas e do planejamento governamental. Amartya Sen aponta uma contradição no fato de serem os homens ao mesmo tempo agentes, beneficiários e juizes do progresso ou do desenvolvimento e, da mesma forma serem direta ou indiretamente os meios primários de toda produção (SEN, 1997,: 311). Este duplo lugar dos seres humanos gera confusão entre fins e meios, seja no desenho de políticas públicas, seja na orquestração do planejamento. O progresso, em geral, passa a ser atribuído à produção e à prosperidade; a equação invertese com as pessoas tornando-se meios e a eficiência econômica passando a finalidade última, tudo isto baseado na falsa premissa de que, tendo-se a primeira, ou seja, a prosperidade, então dar-se-ia a segunda, o bem estar das pessoas. A história econômica tentou demonstrar, e o Brasil é um triste laboratório desta experiência, que um amplo aumento da produção e o crescimento econômico como critérios de progresso e desenvolvimento, terse-ia o bem estar das pessoas (Costa Lima; Britto Leite, 2000). “O problema talvez carecesse de interesse prático se a prosperidade econômica se relacionasse estreitamente – numa correspondência aproximada de um para um – ao enriquecimento de vida das pessoas. Se tal fosse o caso, a busca da prosperidade econômica como um fim em si , embora errada no plano dos princípios, seria inseparável da busca da prosperidade como meio para enriquecimento da vida das pessoas. Mas aquela correspondência estreita não se verifica. Países com alto PIBs per capita podem apresentar índices espantosamente baixos de qualidade de vida, como mortalidade prematura para a maioria da população, alta morbidade evitável, alta taxa de analfabetismo e assim por diante” (SEN,1997,:314). O conceito da efetivação ou habilitação (entitlement) criado por Sen, tem alta relevância 3 . Os elementos constitutivos da vida são entendidos como combinações de varias habilitações. A relação destas habilitações é tanto maior quanto maiores forem as possibilidades de um sistema social. Existem habilitações tidas como elementares, como por exemplo: evitar a morte precoce, alimentar-se adequadamente, ter direito de transitar, ou até efetivações mais complexas, como desenvolver o auto respeito, a autoestima, participar da vida comunitária, de forma ampla, entre outras. O fenômeno da fome relaciona-se não só à produção de alimentos e a expansão agrícola, mas também ao funcionamento de toda uma economia – e até mesmo mais amplamente, com a ação das disposições políticas e sociais que podem influenciar, direta ou indiretamente, o potencial das pessoas para adquirir alimentos e obter saúde e nutrição. Houve ocasiões na Índia onde morreram milhares de pessoas de fome, quando havia uma safra e estoques de alimentos capazes de evitar a tragédia (Sen, 2000 p.190). As pessoas passam fome quando não conseguem estabelecer sua habilitação sobre uma quantidade adequada de alimentos. Mas o que determina, em última instância a habilitação de uma família? Isto depende de várias influências distintas: 1º Dotação: A propriedade de recursos produtivos e de riqueza que têm um preço no mercado. Para boa parte da humanidade, a única dotação significativa é a força de trabalho, que por sua vez apresenta um grau variado de qualificação e experiência; 2º Possibilidades de produção e seu uso: As possibilidades de produção são determinadas pela tecnologia disponível e são influenciadas pelo conhecimento disponível, pelo potencial das pessoas para organizar seus conhecimentos e dar-lhes uso efetivo; 3º Terra: (uso direto); 4º Forma salário: (depende do emprego e das taxas salariais praticadas); 5º Condições de troca: (podem mudar dramaticamente): tornando-se fundamental atentar para a operação dos mercados de trabalho. As fomes coletivas muitas vezes são decorrentes de drásticas alterações nos preços relativos de produtos, provocados por: Seca, inundação, déficit geral de empregos, etc. Para Amartya Sen, o sistema de avaliação do bem-estar baseado apenas em posse de mercadorias, necessidades básicas de alimento, roupa, moradia, ou em critérios de utilidade são imperfeitos em diversos sentidos. A noção utilitarista de valor percebe o valor apenas enquanto utilidade individual, de prazer, satisfação dos desejos, em suma, em valores apenas subjetivos que podem enganar, ao se tornarem incapazes de refletir a real privação de uma pessoa. Um mendigo, criança ou adulto, por exemplo, habituado à pobreza, pode não se dar conta de estar mal, pois há tantos em situação mais precária. É freqüente que a privação continuada faz reduzir os desejos pessoais, a ambição, gerando apatia, acomodação, resignação. É neste sentido que o pesquisador do IPEA, Marcelo Néri, registra um “núcleo duro” da pobreza que não mais reage e só pode ser beneficiado por transferência de renda pura e simples. As medidas usuais de renda e de riqueza não refletem as flagrantes desigualdades existentes no interior da pobreza, não capta as efetivações. Um exemplo claro é o nível de escolaridade das mulheres em áreas de pobreza. Sabe-se que estas mulheres não apenas têm mais habilidades para enfrentar dificuldades como a de criar seus filhos, pois estão na maior parte do tempo em contato com eles e têm maior responsabilidade na educação dos mesmos. Pesquisas sobre pobreza no meio urbano têm indicado que os trabalhadores do setor informal mais qualificados, e portanto de melhores condições, são oriundos de famílias onde a mãe tinha maior escolaridade. Uma família pobre X pode ter renda familiar per capita mais alta que uma família Y, mas a qualidade ambiental da moradia da família Y pode ser melhor, reduzindo o efeito diferencial de renda da família X. O desenvolvimento do setor educação deve ter uma relação basilar com o enfoque da capacidade. A pobreza mundial se concentra hoje, de forma acentuada, em duas regiões do mundo: Sul da Ásia e África Sub-Saariana. Aí se encontram os mais baixos níveis de renda per capita mundial, mas, segundo Sen essa perspectiva “não nos dá uma idéia adequada da natureza e do teor de suas respectivas privações, e tampouco de sua pobreza comparativa” (ibidem, p.122). No ano de 1991, em cinqüenta e dois (52) países mundiais, a expectativa de vida ao nascer era inferior a 60 anos e esses países conjugavam uma população de 1,69 bilhão de pessoas. Só a Índia possui mais da metade da população desses 52 países. Há prevalência da subnutrição na Índia em comparação com a África. Mas isto acontece apesar do fato de a Índia ser auto-suficiente em alimentos e a África, não. Na África, por sua vez, a mortalidade infantil e a expectativa de vida são maiores do que na Índia, o que se explica quando levamos em consideração: 1) as guerras intestinas prolongadas; 2) as Fomes Coletivas; 3) a desordem política; 4) as crises econômicas freqüentes; 5) a persistência do analfabetismo endêmico. Se incluirmos no exemplo comparativo o caso dos Estados Unidos da América 4 , Sen argumenta que um problema racial-étnico, pode ter conseqüências dramáticas na vida de um país. Quando compara a situação dos afro-americanos com os habitantes de Kerala, na Índia, os primeiros podem ser considerados ricos, mas se a medida comparativa for a expectativa de vida ao nascer, os indianos podem dizer que têm maior qualidade de vida que os primeiros, pois vivem mais, sobretudo porque nos EUA, em face da violência que acomete os jovens entre os 15 e 25 anos faz infletir a curva de longevidade média. E perguntamos: Há indicador social mais relevante que a própria vida humana? Ou ainda, como indaga o economista: “Renda é o espaço certo para fazer tais comparações? E quanto à capacidade básica de viver até uma idade madura, sem sucumbir à morte prematura?” (ibidem p.11) Em seu famoso estudo sobre pobreza, em York, no Reino Unido, Rowtree 5 (1901) definiu o estado de “pobreza primária” como aquela que atinge as famílias com ganhos insuficientes para obter as necessidades mínimas para a manutenção da eficiência física mínima. Não estranha que as considerações biológicas relatadas como requisitos básicos à sobrevivência ou para a eficiência do trabalho, vieram a se tornar os elementos mais freqüentes na definição da pobreza. Este critério passou a ser dominante nas pesquisas realizadas pelo Banco Mundial, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, entre outras agências internacionais, foi finalmente substituído, em 1990, pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que inclui um maior número de variáveis 6 , como uma tentativa de agregar dimensões sociais às classificações de países que levavam em conta apenas o crescimento econômico, aumento da renda per capita e produto nacional bruto. Pela nova equivalência, países com renda per capita semelhante ou a mesma podem ter classificações bastante diferenciadas se avaliadas pelo IDH , a exemplo do Vietnã e da Guiné , com renda per capita em torno de US$ 1.600. Quando confrontados aos demais indicadores, a colocação do Vietnã em termos de IDH fica na 108ª posição mundial, enquanto a Guiné cai para 162ª posição. Isto se justifica porque a taxa de analfabetismo do Vietnã é quase nula e a expectativa de vida do país é de 65 anos de idade, quando a Guiné tem 60% da população analfabeta e a expectativa de vida não passa dos 50 anos. Foi estudando os diversos processo de combate a pobreza e a fome e mesmo de fome coletiva ao longo da história da humanidade, que Amartya Sen foi construindo sua teoria, refinando seus instrumentos, apreendendo a profunda diversidade dos casos., a exemplo dos estados da Índia de Kerala e Punjab: o primeiro, em que pesem os baixos níveis de crescimento econômico, teve um ritmo de redução da pobreza mais acentuado do que qualquer outro Estado da Índia, por ter baseado suas políticas públicas na expansão da educação básica, serviços de saúde e distribuição eqüitativa das terras, que resultaram em êxito na redução da miséria. Já o Punjab, reduziram a pobreza de renda por meio de elevado crescimento econômico, mas nada comparável aos resultados do primeiro. O economista indiano argumenta que a redução da pobreza de renda não pode, em si, ser a motivação suprema das políticas de combate à pobreza. Os economistas, para ele, em sua grande maioria dão excessiva importância à desigualdade em uma esfera muito restrita: o fator renda; em detrimento das privações relacionadas às variáveis como desemprego, doença, baixo nível de instrução e alto nível de exclusão social (ibidem p.131). E introduz três questões importantes para o conjunto das habilitações: • A Desigualdade entre os Sexos. O fenômeno da “missing women”, quer dizer, a excessiva mortalidade e as taxas de sobrevivência artificialmente mais baixas para mulheres em muitas partes do mundo, ocasionadas por fatores de ordem cultural, onde as mulheres se vêem privadas de um conjunto de direitos. • A importância da democracia. A primeira vista, a fome, claramente é o mais tocante aspecto da pobreza e portanto, como está sempre correlacionada a renda, a força da necessidade econômica em países do 3º Mundo aparece mais forte do que as liberdades políticas e os direitos civis. A pobreza e a fome impelem os seres humanos a correrem riscos terríveis. Não é difícil pensar que concentrar-se na democracia e na liberdade política pode parecer um luxo que um país pobre não pode se dar, tendo tantas outras prioridades (ibidem ,p.174). Aqui também é de grande descortino a interpretação do Prêmio Nobel, quando considera fundamental a observação das amplas interelações que têm lugar entre as liberdades políticas e a compreensão e satisfação de necessidades econômicas. Estas relações não são apenas instrumentais. As liberdades políticas podem ter o papel decisivo de fornecer incentivos e informações na solução de necessidades econômicas acentuadas, mas, além disso, têm um valor construtivo, na medida em que a conceituação de necessidades econômicas depende crucialmente de discussões e debates públicos abertos, cuja garantia requer que se faça questão, que se ressalte a liberdade política e os direitos civis básicos (ibidem,175). A preeminência geral dos direitos políticos e civis básicos, exerceriam assim três papéis essenciais: 1. importância direta para a vida humana; 2. papel instrumental: aumenta o grau em que as pessoas são ouvidas quando expressam ou defendem suas reivindicações de atenção e necessidade políticas; 3. papel construtivo na conceituação de “necessidades”. Os direitos políticos, incluindo a liberdade de expressão e discussão, são não apenas centrais na indução de respostas sociais às necessidades econômicas, mas também para a conceituação e definição das próprias necessidades econômicas. “A resposta do governo ao sofrimento intenso do povo freqüentemente depende da pressão exercida sobre esse governo, e é nisso que o exercício dos direitos políticos importa (votar, criticar, protestar, etc” (ibidem, 181) O desafio maior aqui, é fazer a democracia funcionar para as pessoas comuns; é desenvolver e fortalecer um sistema democrático sem o qual o processo de desenvolvimento e de ampliação das oportunidades estará, necessariamente, comprometido. “Uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Nacional Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda. Sem desconsiderar a importância do crescimento econômico, precisamos enxergar muito além dele” (SEN, 2000). Concluo aqui a primeira parte deste trabalho, informando sobre um artigo da socióloga brasileira Elisa Reis, que em um amplo projeto de pesquisa comparativa recente – Brasil, Bangladesh e África do Sul, aponta para um elemento de grande relevância para os estudos sobre a pobreza e as desigualdades, no caso, a percepção que têm as elites sobre o assunto. A questão se destaca quando sabemos que tanto a formulação quanto a implementação de políticas sociais é, insofismavelmente, uma atribuição das elites (Reis, 2000). Sem entrar em maiores detalhes, a pesquisadora da UFRJ conclui que as elites brasileiras identificam a crise social do país como derivada fortemente das desigualdades sociais, que se constituem, para eles, no mais sério desafio para a ordem democrática brasileira. Se a identificação dos maiores problemas nacionais é comum, uma das formas de resolvê-los seria através dos investimentos públicos em educação. A escola criaria oportunidades de mobilidade social. As elites brasileiras também não fazem alusão às políticas explícitas de distribuição de renda e riqueza e tampouco estão favoráveis a políticas de discriminação positivas em favor de determinadas minorias. Quando questionados sobre as políticas prioritárias no combate às desigualdades, os quatro segmentos selecionados – políticos, burocráticos, empresariais e sindicais, a reforma agrária aparece em primeiro lugar, sendo pouco representativa apenas entre os empresários. A segunda prioridade estaria na eficiência dos serviços públicos e, em terceiro, o controle do crescimento populacional. Sobre as razões que atribuem as explicações para o fracasso das Políticas Sociais, alegam principalmente o mau planejamento e execução, a falta de vontade política e o uso político dessas políticas. É no mínimo curioso que consideram possível transformar a realidade através da ação política, não obstante, se eximem da responsabilidade coletiva e atribuem a origem e formação das “mazelas” ao Estado, num mecanismo de transferência quase absoluto de responsabilidades. A conclusão da autora aponta um aparente paradoxo na percepção das elites brasileiras. Alegam uma forte sensibilidade para as desigualdades, mas ao mesmo tempo resistem a qualquer proposta distributivista. Defendem a Reforma Agrária muito mais como mecanismo de esvaziamento das pressões urbanas e dilaceramento do tecido social. Temem as ameaças à ordem e à segurança individual. “Diferentemente das elites européias”, que perceberam vantagens na coletivização de soluções a problemas sociais- “nossas elites não incluem a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades entre os seus interesses de fato (Reis,idem,p.149). 2. A Violência do Sistema Colonial 2.1. Os Índios “Pontos de vista sentimentais, que consideram injustas e imorais as caçadas movidas aos bugres, são inoportunos” Trecho do jornal Der Urwaldsbote, de Blumenau – Santa Catarina7 Ao tratar da crise do antigo sistema colonial no Brasil, Fernando Novais, nos fala também sobre a gama variada de situações de colonizações européias, das suas atipicidades, reconhecendo os “mecanismos profundos do processo” (1995:; 57:116). A riqueza, no receituário mercantilista estava identificada com o montante de metal nobre capaz de se tornar moeda e os lucros, por sua vez, eram gerados no processo de circulação de mercadorias. A partir deste entendimento decorria a formulação da doutrina da balança comercial favorável, a ser realizada através das barreiras tarifárias, estímulo a exportação de manufaturados, por um lado, e à importação de produtos primários, por outro. O mercantilismo visava o desenvolvimento nacional como um todo e nisso as colônias representavam uma retaguarda econômica para as metrópoles, garantia a auto-suficiência metropolitana, objetivo maior do sistema. Neste sentido é lapidar a expressão de Marx, na Miséria da Filosofia, quando afirma em 1846: “Foi a escravatura que deu o seu valor às colônias. Foram as colônias que criaram o comércio mundial, e é o comércio mundial a condição da grande indústria. É sabido que a implantação do sistema colonial fazia-se concomitante a um radical processo de expropriação camponesa, que levou à indagação de Karl Polanyi: “Que moinho satânico foi esse, que triturou os homens transformando-os em massa? (...) O tecido social estava sendo destruído; aldeias abandonadas e ruínas de moradias humanas testemunhavam a ferocidade da revolução (...) depredando suas cidades, dizimando sua população, transformando seu solo sobrecarregado em poeira, atormentando seu povo e transformando-o de homens e mulheres decentes numa malta de mendigos e ladrões“ (2000; 51:53). O veículo da Revolução Industrial, a indústria lanígera e têxtil, esteve diretamente articulada, imbrincada com as políticas dos “cercamientos” no interior da Inglaterra e, com o processo colonial, no exterior, que em sua dinâmica conformam o “sistema”. Nesse sentido é importante nunca esquecer que as duas figuras são partes complementares do mesmo processo de acumulação primitiva de capital que originou o capitalismo moderno. Em a “Grande Transformação”, obra magistral de Karl Polanyi, e um dos livros mais fecundos sobre a formação do capitalismo mais exatamente no capítulo intitulado Speenhamland, 1795 8, Karl Polanyi analisa a resistência inconsciente da sociedade inglesa do Século XVIII às tentativas de transformá-la em mero apêndice de mercado. No período mais ativo da revolução Industrial – 1795/1834 – o mercado de trabalho estava impedido, bloqueado pela chamada Lei Speenhamland. Na Inglaterra, desde 1662 já havia sido estabelecido o Decreto de Domicílio ou – Act of Settlement – que estabelecia a servidão paroquial, que impedia a livre movimentação do trabalhador, que ficava confinado ao seu lugar de origem, inviabilizando desta forma a constituição de um mercado de trabalho nacional. Quando em 1795 o Decreto de Domicílio começou a ser flexibilizado, surgiu justamente no lugar o “sistema de abonos” ou de aditamento aos salários, acrescentando-lhes um valor que flutuava segundo ao preço do pão, o que garantia aos pobres, independente de seus proventos, uma renda mínima. Esta lei introduziu uma inovação social e econômica que nada mais representava do que o ‘direito de viver’, que perdurou até 1834, quando foi abolida e substituída pela Poor Law Amendment Act. Esta mudança foi assim entendida por Polanyi: “Se durante a vigência da Speehamland cuidava-se do povo como de animais não muito preciosos, agora esperava-se que ele se cuidasse sozinho, com todas as desvantagens para ele” (op.cit:105). Esta foi, em resumo, a luta pela consolidação do proletariado e do laissezfaire na Inglaterra, enquanto nas Colônias mantinha-se o sistema escravista. A violência da expropriação camponesa, que deu lugar ao proletariado urbano futuro, foi tamanha, que grandes massas trabalhadoras mais pareciam “espectros de um pesadelo, do que seres humanos” (op.cit:126). Este empobrecimento também deu lugar às políticas de emigração, que foram povoar as Américas, a Austrália e a Nova Zelândia. Existe na historiografia brasileira um livro pouco conhecido, um livro magnífico, sobre a História Social nos Sertões do Brasil, que explicita, como poucos trabalhos, a violência e a desrazão perpetrada pelos colonizadores, desfazendo equívocos da historiografia oficial, que buscou pintar um quadro harmonioso de nosso passado colonial, de “congraçamento de raças”; da existência de um suposto “temperamento conciliador”, que teria forjado no brasileiro, um espírito pacífico, igualitário, não racista. Entre Árvores e esquecimentos, de Victor Leonardi (1996), demonstra as diversas tonalidades dos preconceitos e imagens negativas de nossos primeiros historiadores com relação aos indígenas: Varnhagen (1854); Affonso Taunay; Rocha Pombo; Oliveira Viana (1920)9 entre outros, que justificaram e defenderam a violência e o tratamento dado aos indígenas. Capistrano de Abreu foi lúcida distinção, ao criticar a violência do sistema: a cobiça dos colonos, governadores venais, legisladores incoerentes que fundaram os alicerces da sociedade brasileira que foram assentados “sobre sangue, com sangue se foi amassando e ligando o edifício” (Leonardi,p.32). Analisando a influência positivista no Brasil, já no final do século, XIX, com relação aos indígenas, Victor Leonardi entende que estes pensadores, ao alimentar uma filosofia do progresso, reforçavam a idéia de que os índios representavam um anacronismo, no que foram imitados posteriormente por Gilberto Freyre, que ao defender a construção da Transamazônica, propõe a nacionalização dos indígenas (op.cit.p 34). A questão indígena não aparece na Constituição de 1891, a primeira constituição republicana do País; repetindo, Constituição de 1824, sequer menciona a questão dos direitos indígenas. Victor Leonardi introduz em nossa historiografia um outro elemento fundamental, qual seja, o de que não tivemos, no Brasil, relatos equivalentes aos dos Quéchuas do Peru do séc.XVI, que expuseram a violência e truculência de Pizarro e Almagro, nas cidades de Cuzco, Quito entre outras. Para o historiador da UNB, os livros didáticos brasileiros falseiam nosso passado colonial, quando os índios aparecem a princípio como exóticos ou hostis e logo desaparecem de cena. O autor passa a recompor a colonização no Nordeste brasileiro, trazendo evidências das verdadeiras chacinas que foram perpetradas pelos colonizadores. A oligarquia rural nordestina foi se constituindo, em larga medida, pela usurpação de terras indígenas10 . A ocupação dos territórios da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará foi lenta, muito em razão da resistência dos índios, o estabelecimento das fazendas de gado neste último Estado só se concretizando a partir de 1690. Relatos de Frei Vicente do Salvador contam da matança de 2.400 indígenas em três combates sucessivos para a ocupação do território de Sergipe entre o Rio São Francisco e o Rio Real. Deste conflito foram aprisionados 4.000 índios. Aí viviam, sobretudo, os Tupinambá e os Kiriri. Das “Bandeiras”, no território paulista, resultou a escravização de 100.000 índios, que foram exportados para as demais capitanias do Brasil. Este genocídio cometido ao longo de nossa história também lança seus efeitos sobre a cultura, quando no dizer do etnólogo Antonio Houaiss, “à época do descobrimento tínhamos no Brasil cerca de mil culturas lingüisticamente relevantes. Restam 140”. (idem, p. 55). Um traço distintivo da política de apresamento dos índios para o trabalho forçado, no período colonial e imperial se dá no Século XX, quando foi acalmada a “sede” de braços para a lavoura, ocasionada pela vinda dos emigrantes europeus, à exceção do Centro-Oeste e do Amazonas, onde o aquele trabalho ainda era fundamental: a questão indígena converteu-se, essencialmente, numa questão de terras. Num belo capítulo intitulado As últimas fronteiras do planeta, Leonardi expõe a continuidade do processo de extermínio e ocupação de terras indígenas, já em pleno século XXI, agora não mais como ação colonial, mas como políticas públicas e projetos estatais, promovidos pelo governo nacional autoritário: i) o extermínio dos Nambikwara, entre 1968 e 1971, quando estes índios perdem a posse de sua reserva do Guaporé – entregue a enormes projetos agropecuários – e são forçosamente deslocados para uma imensa área inóspita nos Parecis. Em 1908, as estimativas de Rondon indicavam uma população de 20.000 Nambikwara. Em 1980, restaram 650; ii) outro episódio de extrema violência oficial, a história da construção da Hidroelétrica de Balbina, que inundaria as terras dos Waimiri/Atroari em 1988. No início daquele século, esta tribo indígena representava 6.000 índios. Após sucessivos massacres, ao longo do século XX, a população caíra para 3.000 pessoas em 1968 e, quando a BR-174 cortou as suas terras, não eram mais que 1.000 (idem, 99:117). O Presidente Médice criara a reserva Waimiri/Atroari em 1971 com cerca de um milhão e seiscentos mil hectares (1,6 milhão ha), o que já representava uma redução de 75% do território tradicional desses índios, tendo em vista a construção da BR-174. Em seguida, descobriu-se ricas jazidas de cassiterita , justamente na área onde os índios haviam se agregado. O presidente Figueiredo, finalmente, desmembrou 526 mil hectares para permitir a mineração do poderoso grupo Paranapanema e a implantação da hidrelétrica de Balbina. O resultado é que hoje, restam não mais que 600 Waimiri/Atroari. Há um significativo número de episódios terríveis quanto estes, que permanecem no esquecimento. A violência que durante séculos foi praticada contra os índios e ainda se pratica, ampliou-se para o conjunto das populações pobres da Amazônia e do Pantanal: ribeirinhos, pescadores, seringueiros, castanheiros11, pequenos proprietários, posseiros, constantemente assassinados por “capangas” de ricos latifundiários, políticos de expressão, com expressiva conivência dos poderes municipais, estaduais e federais. Essa história pregressa é atual, revela a força do Mito Fundador em nosso País-paraíso, solução imaginária para a superação de conflitos e contradições que não conseguem ser resolvidos na vida real. O país de gente sensual, alegre, não violenta e abençoada por Deus é a imagem que cisma em permanecer, mas que já não cabe, por ser desmentida a todo instante. “Isso explica um dos componentes principais de nosso mito-fundador, qual seja, a afirmação de que a história do Brasil foi e é feita sem sangue, pois todos os acontecimentos políticos não parecem provir da sociedade e de suas lutas, mas diretamente do Estado, por decretos: capitanias hereditárias, governos gerais, Independência, Abolição, República. Donde também uma outra curiosa conseqüência: os momentos sangrentos dessa história são considerados meras conspirações (“inconfidências”) ou fanatismo popular atrasado (Praieira, Canudos, Contestado, Pedra Bonita, Farroupilhas, MST). Chauí, 2000,:11). 2.2. A Escravidão12 “Dizem que em 1970 negro vai virar macaco” Marchinha de carnaval do final dos anos sessenta Embora Lúcio de Azevedo13 afirmasse que “ao açúcar se deve o desenvolvimento da escravatura no seio da civilização moderna”, bem como o senador Silveira Martins14 disse no Senado – “O Brasil é o café e o “café é o negro” o que não deixam de apontar parte da verdade, é muito mais ao comércio colonial, ao sistema triangular de trocas que enriqueceu a Inglaterra – manufaturas, escravos, produtos tropicais, que se deve atribuir o fenômeno. Infelizmente, no escopo desse trabalho não há espaço, nem tempo, para que me detenha na obra-prima da literatura brasileira que é O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco, escrita em 1883. Há nela passagens admiráveis de entendimento sociológico, histórico, político e econômico da formação brasileira. Inclusive onde ancorar boa parte do esforço de estabelecimento das raízes da miséria no Brasil.15 Mesmo assim, me inclino a salientar algumas passagens por demais importantes. Em um capítulo da mais frutífera Sociologia, sobre as conseqüências da escravidão no País e sua influência sobre o território e a população do interior, Joaquim Nabuco, argumenta, a princípio, que enquanto durou a idade do ouro do açúcar, já em decadência às vésperas da Revolução Francesa, o Norte apresentava um espetáculo que iludia a muitos. As casas, os chamados palacetes da aristocracia territorial na Bahia e no Recife, as librés dos lacaios, as liteiras, as cadeirinhas, e as carruagens nobres marcam o monopólio florescente da cana (Nabuco; p.108). Esse luxo, segundo ele, contrastava com “as vastas regiões exploradas pela escravidão colonial” que tinham um aspecto “único de tristeza e abandono: não há nelas o consórcio do homem com a terra, as feições da habitação permanente, os sinais do crescimento natural. O passado está aí visível, não há porém, prenúncio de futuro (...) (idem,p.106). Uma excessiva concentração da vida provincial nas capitais estabelecia uma civilização de caranguejos, no sentido de não se afastar do litoral, ou quando o fazendo, sob uma forma predatória e improvisada. A fazenda ou o engenho serviam para “cavar o dinheiro que se vai gastar na cidade”. As classes médias, que segundo Nabuco, faziam a força das Nações, não existiam no País; a pequena propriedade só existia por tolerância dos senhores e, aprofundada a crise açucareira, bem como das Minas Gerais, há um fechamento do latifúndio, que passa a buscar auto-suficiência. Os senhores passam a receber mão-de-obra livre como agregados, como arrendatários ou posseiros, que irão se transmudar naquilo que Victor Nunes Leal estudou e esclareceu como sendo o fenômeno do clientelismo em Coronelismo, Enxada e Voto, ainda tão vivos neste Brasil. Mas a pobreza e o desalento não tomavam conta só do interior e dos sertões: “A população vive em choças onde o vento e a chuva penetram, sem soalho nem vidraças, sem móveis nem conforto algum, com a rede do índio ou o estrado do negro por leito, a vasilha d’água e a panela por utensílios, e a viola suspensa ao lado da imagem. Isso é no campo; nas pequenas cidades e vilas do interior, as habitações dos pobres, dos que não têm emprego nem negócio, são pouco mais que essas miseráveis palhoças do agregado ou morador. Nas capitais de ruas elegantes e subúrbios aristocráticos, entende-se, como nos Afogados de Recife, às portas da cidade, o bairro da pobreza, com sua linha de cabanas que parecem, no século XIX, residências de animais, como nas calçadas mais freqüentadas da Bahia, e nas praças do Rio, ao lado da velha casa nobre, que fora de algum antigo morgado ou de algum traficante enobrecido, Vê-se o miserável e esquálido antro do africano, como a sombra grotesca dessa riqueza efêmera e do abismo que a atrai (ibidem,:112). Esse relato é extremamente atual, é um quadro muito fiel da condição de vida de milhões de brasileiros que vivem nas favelas espalhadas hoje, não apenas nas grandes metrópoles, mas em cidades médias, nos quatro quadrantes do País. Mas não pára aí a lucidez de Joaquim Nabuco, pois antecipa elementos de interpretação sócio-econômica da realidade que prenunciam o atualíssimo conceito de “sustentabilidade do desenvolvimento”. Ao resumir os efeitos nocivos da escravidão sobre as mentalidades e a cultura, Nabuco nos aponta enquanto traços: “a improvidência, a rotina, a indiferença pela máquina, o mais completo desprezo pelos interesses do futuro, a ambição de tirar o maior lucro imediato com o menor trabalho possível, qualquer que seja o prejuízo das gerações futuras” (ibidem;p.114). Em todas as dimensões morais e intelectuais em que atuou no Brasil, não há, para o autor de Minha Formação, fator social que exerça a mesma extensa e profunda ação psicológica que a escravidão, que criou “um ideal de pátria grosseiro, mercenário, egoísta, retrógrado, e nesse molde fundiu durante séculos as três raças homogêneas que hoje constituem a nacionalidade brasileira” (ibidem: 103). Tudo isto “num país onde a justiça não tem meios contra os potentados”, fenômeno atualíssimo no Brasil contemporâneo, onde a impunidade das classes dominantes está acima da lei (ibidem,p.108). Numa coletânea organizada por Celso Furtado em 1968 e hoje considerada livro clássico das Ciências Sociais brasileiras, Florestan Fernandes atualiza, em muitos de seus aspectos, a obra de Nabuco, ao tratar das relações de Raça no Brasil (Fernandes, 1968), considerando a princípio que o País vive em várias “idades histórico-sociais”, embora esse trabalho trate, principalmente, da situação do negro e do mulato na cidade de São Paulo, cidade que não se singularizava pela alta proporção de negros, ou de mestiços em sua população total, e onde a emigração européia e o início da expansão econômica do Estado estão fortemente articulados. Para Florestan, a inclusão tardia da cidade de São Paulo no núcleo da economia brasileira representou uma “desvantagem para a população negra e mestiça da mesma, tanto escrava, quanto liberta” (Fernandes; 114). Para Florestan, o fenômeno da Abolição (1888) encontrava os negros ocupando trabalhos inferiores e indesejáveis; por outro lado, embora assumisse um caráter fortemente humanitário, o Movimento Abolicionista fazia dos negros muito mais objetos, que sujeitos, massa de manobra do movimento. “Assim, o que poderia se chamar de uma “consciência abolicionista” era antes um patrimônio dos próprios brancos” (idem;p.115). Nesse sentido, deixaram de lado medidas estruturais, como a reforma agrária, ou mesmo medidas compensatórias, que garantissem minimamente uma proteção aos escravos, forçados a trabalhar na terra, ou no serviço doméstico, sem instrução, sem previdência, sem auto-estima. “A escravidão despojou o negro de quase toda sua herança cultural e socializou-o tão somente para papéis sociais confinados, nos quais se realiza o desenvolvimento da personalidade do escravo e do liberto. Como conseqüência, a Abolição projetou-o na “esfera dos homens livres”sem que ele dispusesse de recursos psicossociais e institucionais para ajustar-se à nova posição na sociedade” (Fernandes, p.117). Florestan Fernandes nos fala, ainda, de um levantamento que havia sido realizado em São Paulo em 1893, portanto 5 anos após a Abolição; nele, verifica que as oportunidades de inserção social eram quase todas ocupadas, por brancos, sejam oriundos das antigas classes dominantes, sejam dos imigrantes. Entre 170 capitalistas recenseados, 137 eram nacionais e 33 estrangeiros; entre os proprietários, 509 eram nacionais e 231 estrangeiros. Entre as profissões técnicas, engenheiros, arquitetos, agrimensores, havia 274 nacionais contra 129 estrangeiros, mas, sobretudo, entre o pessoal da indústria, o imigrante era o agente privilegiado (ibidem,:122). Essa forte manutenção do ex-liberto em profunda desvantagem, seja psicosocial, seja econômica, resultou em fortes preconceitos e discriminação. Estabelecia-se um paralelismo direto entre cor e posição social e essa situação foi perpetuada ao longo do tempo, cristalizando-se enquanto elemento cotidiano de nossa cultura – o “sabe com quem está falando?”; “ponha-se no seu lugar!” – e para os poucos que conseguiam ascender socialmente, o “mulato de talento” ou o “negro notável” ou ainda, o “negro de alma branca”. Em outro livro, tratando da Universidade Brasileira, o brilhante sociólogo, ao abordar a questão das oportunidades educacionais no ensino superior, demonstra quanto os elementos do passado, mesmo com as modernizações havidas, podem permanecer exercendo suas influências negativas para a cultura e a sociedade: Usando dados do Censo de 1950, Fernandes (1979,:138), indicava a teia da persistência ou o “dilema racial brasileiro”: Tabela 1 Composição Racial da População e do Diplomados – Brasil: Bahia e São Paulo (Censo de 1950) Grupos Étnicos Percentual da População Percentagem dos Diplomados Ensino Elementar Ensino Médio Ensino Superior Brancos Brasil 61,6 84,1 94,2 96,8 Bahia 30,0 54,4 84,5 88,2 São Paulo 86,0 90,2 96,3 97,8 Brasil 11,0 4,2 0,6 0,2 Bahia 19,0 8,3 2,1 1,5 São Paulo 8,0 4,3 0,6 0,2 Brasil 26,6 10,2 4,2 2,2 Bahia 51,0 37,1 15,2 10,1 São Paulo 3,0 1,8 0,5 0,1 Negros Mulatos Fonte: Florestan Fernandes (1979), Universidade Brasileira: Reforma ou Revoluçao? São Paulo: Alfa Omega, p.138 O objetivo aqui é menos de traçar a evolução histórica dos negros brasileiros com relação à inserção no sistema educacional do País que, sem sombra de dúvidas, correlaciona, na maioria dos casos, a posição social dos indivíduos, mas, sobretudo, sublinhar o padrão de exclusão, a manutenção do negro na escala inferior da sociedade. Esta questão, inclusive, está sendo retomada hoje, quando há projetos encaminhados ao Congresso Nacional propondo “quotas” para os negros, tanto nas universidades, quanto nos serviços públicos. A tabela anterior evidencia, de forma clamorosa, a quase inexistência de negros e mulatos como diplomados do ensino médio e universitário. Os brancos, que em 1950 representavam 61,6 % da população brasileira, representavam 84,1% dos diplomados no ensino básico, 94,2% no ensino médio e 96,8% no ensino superior. Dos negros, que por sua vez representavam 11% da população brasileira, apenas 4,2% de seu total concluía o ensino elementar, 0,6% o médio e 0,2 o universitário. Ou ainda, dos universitários brasileiros com diploma, em 1950, 96,8% eram brancos, 0,2% negros e 2,2% mulatos. Em 1997, uma síntese dos indicadores sociais dá conta da manutenção das desigualdades raciais no País e, ainda mais, aponta o trabalho da miscigenação, pois os negros, que representam 11% pelo Censo de 1950, representam no final dos 90 apenas 5,2%, enquanto os brancos 54,4% e os denominados “pardos”, passaram a compor 39,9% dos brasileiros. Enquanto a taxa de analfabetismo para os brancos de 15 anos ou mais era de 9,0%, para os negros atingia 22,2% e , entre os pardos, 22,2%. Já com relação aos anos de estudo de pessoas com 10 anos ou mais de idade, os brancos tinham 6,3 anos de estudo em média, os negros 4,3 anos e os pardos 4,3 anos. Considerando que os anos de estudo são fortes definidores de salário e renda, os negros e pardos permanecem com os piores indicadores sociais do país (IBGE, 1998; pp: 157:182).. 2.3 O Latifúndio Tratar direta ou indiretamente da questão do latifúndio no Brasil exige a retomada de leituras clássicas sobre a matéria, como Caio Prado Júnior (1953), Celso Furtado (1968), Francisco de Oliveira (1977), Antonio Barros Castro(1975), Moacir Palmeira(1971), Fernando Novaes (1995), Octávio Ianni (1971), Maria Sylvia de Carvalho Franco (1969), José Sérgio Leite Lopes (1976), Alberto Passos Guimarães (1981), José de Souza Martins (1982), Raymundo Faoro (2000), para ficar apenas em alguns dos mais percucientes. Ao abordar o regime de terras no Brasil durante o Segundo Reinado, Faoro (2000) estabelece 3 sistemas legais de propriedade fundiária: a sesmaria, que perdurou até 1822; a posse, até 1850 e a venda e a concessão, após 1850. A cana-de-açúcar, a mineração e grande parte da pecuária se desenvolvem sob o regime de sesmarias, diferentemente do café que, com a sua súbita valoração, fez com que a rubiácea penetrasse em latifúndios quase inexplorados. O posseiro, o pequeno proprietário que plantava para subsistência, foi esmagado pelo novo empresário, que precisa do credor para implantar a safra e comprar escravos e suportar o investimento que só responde em cinco anos. Para se ter uma idéia desse movimento, no decênio de 1831-1840, os cafezais sobrepujaram o açúcar, no valor das exportações, respectivamente 43,8% e 24,0% do total exportado. E daí em diante jamais perdeu a liderança e, quando alcançado o ano de 1881, essa relação respondia por 61,5 para o café e apenas 9,9% para o açúcar. (Faoro,v.2;12). Em seu clássico Quatro Séculos de Latifúndio, Alberto Passos Guimarães (1981) estabelece três momentos que dariam conta, pelo menos, do latifúndio até 1964: a) o período colonial, analisando os engenhos e as fazendas de gado; b) a pós-independência do País, com o latifúndio cafeeiro e c) a usina de açúcar. Para o autor, a desintegração da estrutura latifundiária teve início poucos anos depois da extinção da escravatura, sendo a sua segunda inflexão, ocasionada pela crise cafeeira entre 1929 e 1933. A partir daquele momento, teve início a sistemática substituição da lavoura pela pastagem, o que funcionou como uma tábua de salvação para o sistema da grande propriedade rural. No Estado da Bahia, por exemplo, de 1947 a 1956 a renda gerada pela pecuária se elevou de 20% para 35%. É o período da crescente presença dos frigoríficos estrangeiros, que passaram a dominar grandes extensões de terra, como o Anglo, Armour, Swift, Wilson (idem;p.188). Entre 1950 e 1960, inicia-se lentamente a produção capitalista, com a incorporação gradual de tecnologias, aumentando o número de tratores e o uso de adubos químicos. Nesse período, o número de tratores nos estabelecimentos agropecuários passa de 8.372 para 63.493, na verdade muito pouco para a extensão agricultável do País, mas, de qualquer modo, um aumento de 7 vezes o existente, aumento esse localizado sobretudo em São Paulo e no Rio Grande do Sul, perfazendo 75% do total (ibidem:189). Entre 1947 e 1968, a participação da agricultura brasileira no total da renda interna é decrescente, passando de 31,7% para 22,7% (Oliveira1977;p.43). Por volta dos anos 70 acirra-se o processo de desruralização da população brasileira. Em 1950 o País contava com 50 milhões de habitantes, 64% vivendo no campo; em 1980, a população atinge 119 milhões, com apenas 32% residindo no campo. Com relação à distribuição de renda no meio rural, em 1970, os 20% mais pobres da população economicamente ativa apropriava-se de 5% da renda agrícola, e os 50% mais pobres, de pouco mais de 22%. Nos anos 80, aqueles primeiros 20% receberam menos de 4% da renda agrícola e os 50% mais pobres, 15%. Enquanto isso, em 1970 os 5% mais ricos do campo detinham 24% da renda, saltando em 1980, para 44%. Estes números expõem as profundas injustiças do campo, no Brasil. Em 1992, o Incra revelou um total de cinco milhões de imóveis rurais no Brasil, perfazendo um total de 639 milhões de hectares. Destes, 1.219.167 imóveis com 424 milhões de hectares foram classificados como latifúndios. Tomaram-se apenas os latifúndios acima de 1.500 hectares na região Norte; de um mil hectares na região Centro-Oeste; e de 500 nas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, ou seja, 24,3% das propriedades rurais no Brasil são classificadas como latifúndios, e estes monopolizam 66,3% do total das terras disponíveis. O Censo Agrícola de 1986 revela que entre 1985 e 1996 o pessoal ocupado na agricultura teve uma redução de 23%, ao passo que o produto agregado do setor, um incremento de 30%, no mesmo período (Dias,G.L.S e Amaral, CM, 1999). Como se sabe hoje, a segunda fase de industrialização do campo tem início nos anos 80, que novamente acelerou o movimento migratório, fazendo com que chegássemos ao fim do século XX com 80% da população brasileira vivendo no meio urbano, com implicações sociais das mais graves, ampliando-se as favelas e a violência urbana, com forte incremento do desemprego formal e explosão dos serviços informais. Esta radical e veloz expulsão camponesa deu lugar à retomada da questão da reforma agrária e ao Movimento dos Sem Terra. A desigualdade social amplia-se no campo e na cidade, mas, diferentemente dos anos 60 e 70, agora com redução do ritmo de crescimento econômico, com aumento do desemprego e sem governo “populista”. Recentemente, Celso Furtado (1998: 29), colocou o Movimento dos Sem Terra no mesmo nível da luta dos escravos. Para o economista, o Brasil é um País que deve ser felicitado por ter um movimento como este, “que suscita no povo, nos mais pobres, o desejo de ficar na agricultura. Em nenhuma parte do mundo existe um movimento igual. É sempre o inverso: todos querem deixar a agricultura, emigrar do campo. E o MST educa o povo para mostrar que, num país onde não há criação de emprego urbano, onde se passa fome nas cidades, existe a chance de ficar no campo, trabalhando. Portanto, é um movimento que merece respeito (...) A consciência pública brasileira evoluiu no sentido de compreendera importância de resolver o problema da estrutura agrária, graças aos Sem Terra”. 3. Permanência e Aprofundamento da Miséria no Brasil Reprodução e estigma A Pobreza, em grande medida, é um fenômeno herdado, na qual os pobres vão reproduzindo os problemas e a pobreza dos outros. Portanto, a pobreza se reproduz, pela falta de mecanismos efetivos de mobilidade social e por uma concentração extrema da renda, que juntos têm consolidado um determinado tipo de círculo vicioso. Há muito que Celso Furtado ensina que o crescimento econômico é inepto para enfrentar o problema. Nos países europeus, onde os Estados de Bem-Estar Social implementaram políticas compensatórias sistemáticas, possibilitando que as camadas pobres viessem a alcançar progresso, ascensão social, esta situação regrediu substantivamente ao longo do século XIX. A educação sobretudo, foi o instrumento cultural que contribuiu, por excelência para desenvolver o potencial intelectual, técnico, profissional, cidadão e de sociabilidade das pessoas (Hernandez,1999). Isto não ocorreu em países da América Latina e, ainda menos no Brasil, onde os setores populares se mantêm à margem da reprodução mínima, enquanto mão-de-obra barata. Neste estudo, ficará evidenciado que no Nordeste do país, um conjunto de fatores históricos provocaram a consolidação de uma pobreza estrutural com densidade ao longo do século. É difícil descrever com precisão qual a percepção que tem a pobreza dela mesma. Não se trata apenas do estado de carência dos meios necessários à subsistência. Muito mais que isto, os pobres se percebem muitas vezes, e suas metáforas expressam o sentido, de “doença”, de “chaga social”, de estigma. Como afirmam os próprios pobres em seu imaginário: “a pobreza se confunde com sujeira, com desânimo, com impotência, com falta de interesse”. O sentimento de impotência se revela na expressão: “quando se chega ao fundo da pobreza, se tem a sensação de se estar afogando e que se precisa de alguém para sair disto”. O pobre vê-se como alguém que , reconhecendo suas carências básicas, não está, quase sempre, em condições de superar a sua privação. Neste sentido, vale salientar, ao nível do simbólico, uma imagem que se cristaliza no Brasil, sobre a região Nordeste, muito difundida nos meios de comunicação e trabalhada no imaginário do brasileiro: uma região não rentável, onde cidades e cidadãos são em geral pobres, ignorantes, “atrasados”. Esta imagem–preconceito tem repercussões na vida social. O estigma opera como um mecanismo de discriminação social. Reproduz a pobreza na consciência daquele que é pobre, ao gerar culpa sobre a sua condição de pobre. Ser pobre numa sociedade que valoriza o êxito econômico e a ostentação conspícua, é o pior que pode suceder a alguém. No passado, valores como a solidariedade, a decência, a honestidade, outorgavam prestígio social, mas, com o advento do mercado, perderam todo valor, porque não são susceptíveis de nenhum tipo de intercâmbio (Sennet, 1999). Portanto, ser pobre significa algo mais que uma mera condição social (Hernández, 2000,:138). A feminização da pobreza Entre os setores sociais mais duramente afetados pela pobreza se encontram, sem sombra de dúvidas, as mulheres. Com razão se fala hoje de “feminização da pobreza”. A mulher não só está mais próxima que o homem, da pobreza, mas a ela corresponde enfrentar diariamente as situações de precariedade em que vive a família, sobretudo quando são chefes-de-família. Segundo testemunhas de mulheres em lugar de pobreza, verifica-se o lidar constante com a insalubridade e os riscos ambientais do local de moradia, os conflitos de vizinhança, a preocupação com os filhos entrarem no caminho sem volta da marginalidade, a carência alimentar, o alcoolismo do marido, a traição do marido que constitui uma segunda residência, reduzindo o já insatisfatório rendimento. O Homem chefe de família em geral se desloca muito mais em busca da sobrevivência, passa a maior parte do tempo fora de casa e da comunidade. Um padrão de mudanças nas relações de gênero, contudo, tem sido identificado em áreas pobres e favelas, na medida em que têm aumentado suas responsabilidades. O processo chave que estrutura a mudança nas relações de gênero tem a ver com as transformações no mercado de trabalho (WORLD BANK, 1999). As mulheres têm sido crescentemente incorporadas ao mercado de trabalho informal e em ocupações de baixa qualificação e remuneração. As mulheres pobres jogam um papel mais significativo do que os homens nas decisões das comunidades pobres, haja vista o número de mulheres que estão à frente das associações de moradores. Também em razão da família, a mulher pobre tende a realizar sua função econômica no espaço da comunidade, o que lhe permite, a uma só vez, trabalhar e cuidar dos filhos. Em pesquisas realizadas sobre o setor informal da economia (RANDS e LIMA, 1997) verificou-se que há uma correlação positiva nas áreas de baixa renda entre mãe mais educada e êxito profissional do filho, que no setor informal, ocupa profissões que exigem maior nível de educação formal e conhecimento técnico especializado, a exemplo dos eletricistas, mecânicos, mestres de obras. O Aprendizado da Pobreza Como afirma Jorge Henández (op.cit.: 139), se aprende a ser pobre. Em sociedades sem mobilidade nem eqüidade social, estas pessoas se socializam e se acostumam a viver em estado de pobreza. Os pobres em geral são filhos de pobres. Os condicionamentos sociais, econômicos e culturais do meio são tão fortes e marcantes que deixam poucas “brechas” aos indivíduos para escaparem de suas redes (a droga; a prostituição de luxo; o furto; são os mecanismos mais usuais de escape). Atualmente, o trabalho mal remunerado, precário e instável constitui o fator mais importante como causador e mantenedor da pobreza, o que tem inclusive afetado segmentos importantes das chamadas classes médias no Brasil. Como pode ser tido como responsável um pobre, se lhe são negadas, cotidianamente, as possibilidades de realização pessoal? Em pesquisa aqui já referenciada, muitos trabalhadores respondiam que não se sujeitariam a um emprego de carteira assinada para ganhar o mínimo, uma vez que, mesmo na informalidade e intermitência do trabalho, além de atingirem melhores rendimentos, não deviam obediência a um patrão (Rands e Costa Lima, 1997),. O conformismo é outra das expressões da institucionalização da pobreza: “de que adianta fazer esforço se vou permanecer na mesma situação?” O alcoolismo é freqüentemente citado, e na maioria dos casos, um sintoma, hoje não apenas presente entre homens, mas crescente entre mulheres pobres, como resposta ao fracasso e às humilhações inerentes à condição. É assinalado em grande parte das ocorrências de violência entre vizinhos, e no seio da família. Evidencia-se ainda a falta de amor próprio e a baixa estima na pobreza. É também forte limitadora das expectativas. Ensina a viver com pouco, a multiplicar os escassos recursos, a viver em um permanente estado de “necessidades insatisfeitas auto-controladas ou auto-reguladas (Hernández, 2000,: 140). A condição mesma de pobre, ensina culturalmente a ser pobre, a aceitar de forma quase natural o mundo em que vive, ainda que a custo do desespero e da resignação. Neste aspecto, a vinculação a um grupo religioso torna-se indispensável, muito embora as associações de Moradores sejam freqüentemente mais apontadas que as Instituições religiosas enquanto instituição onde buscam apoio. Mudança no papel do Estado Na década de 70, os brasileiros em geral, pobres, de classe-média e ricos, colocaram suas esperanças no progresso e na mudança social, que por sua vez dependia dos programas reformistas, dos partidos políticos e da correlação de forças existente no país. As expressões “país abençoado por Deus” e “país do futuro” são exemplares neste sentido. Atualmente, muito embora a consolidação do regime democrático, a política oficial e os políticos são visto com bastante descrédito por parte das populações mais frágeis, ressaltando-se nitidamente uma relação pragmática de “troca de favores ou de interesses”. Não que isto não ocorresse antes, pois são tradicionais no Brasil os “currais eleitorais”, sejam rurais ou urbanos”. No entanto, fatos como o baixo nível de institucionalização dos partidos, as instabilidades político-econômicas no país, a intensa migração campo-cidade do período, são elementos que cristalizaram e associaram relações de alto pragmatismo entre eleitores pobres e políticos ou partidos. O Estado, nos níveis federal, estadual e municipal continua atuando ao nível das políticas sociais. Subsidia projetos específicos e pontuais de combate a pobreza, visando sua integração à sociedade de mercado. O subsídio pode consistir em ajudar a população carente a erguer casas16 de 30m2; em programas de pavimentação com mão-de-obra comunitária; algumas obras de drenagem e urbanização mínimas; um posto de saúde, aqui, um telefone público ali; um ponto d’água alhures; ou ainda com cursos de capacitação ou cestas alimentares. O universo de políticas compensatórias é inesgotável. Mesmo em situação de incremento do gasto social, o que não caracteriza um Estado Social, o Estado não distribui a renda. Os Programas mais arrojados para o setor são intermitentes, portanto, a função social do Estado, no Brasil, como de resto em todo o sub-continente, em matéria social se mantém ainda dentro dos marcos das definições de inspiração neoliberal, quer dizer, sem responsabilidade social integral, não caracterizado enquanto Estado de Bem-Estar Social de fato. Atualmente, em decorrência desta substantiva mudança na forma de atuação do Estado, a ação política tem se subordinado aos ditames da economia, assumindo suas diretrizes e mensagens, o que influencia na relação política-clientela. À política já não se coloca a necessidade de transformar a realidade, mas sim a de assegurar e legitimar institucionalmente o funcionamento da economia. O novo papel hegemônico na política tem consistido em cuidar para que na sociedade exista compreensão e aceitação das diretrizes de mercado. Os pobres pouco esperam dos partidos e dos políticos. Pesquisas em áreas faveladas (FIDEM, 1996a), têm demonstrado a descrença com os partidos, os políticos e o poder público, que representa menos de 1% das instituições consideradas como canais de reivindicação, como instituições que freqüentavam ou ainda como organizações que ajudam a comunidade. Entre as Instituições freqüentadas a participação das Associações de Moradores se destaca, vindo a seguir as instituições religiosas. Quanto ao entendimento sobre instituições que ajudam a comunidade, sobressai-se a Associação de Moradores. Portanto, as associações de moradores e de vizinhança são instituições cruciais para as camadas mais pobres, representam canais de expressão de demandas comunitárias e instrumentos de apoio, tanto nos períodos de crise quanto no seu dia a dia. Ocupação e Trabalho da Pobreza A pobreza das décadas dos 80 e 90 no Brasil está diretamente vinculada à qualidade do emprego, e entre os pobres o sentimento de segurança está associado ao trabalho regular e estável. Muito embora a violência tenha explodido nas regiões metropolitanas do país e passe a ser assinalada, pelos favelados, como o principal problema nestas áreas, com muito maior visibilidade que o desemprego, o fenômeno pode ser explicado pelo fato de que, quando entrevistados por pesquisas, os comunitários identificam a figura do agente de governo e, sabendo não ter o governo condições de resolver, no imediato, a questão do emprego, apontam problemas que estão na alçada das políticas públicas: policiamento, iluminação-pública, posto de policial. O problema básico do mercado de trabalho, não está no desemprego aberto mas reside principalmente no sub-emprego, na sub-utilização e subremuneração da mão-de-obra. A grande dimensão do setor informal, associado aos baixos salários praticados no setor formal da economia, está na raiz da grande profusão de pobres e indigentes. No caso do Brasil, a OIT indica que a proporção de assalariados sem registro, que estão excluídos da segurança social subiu de 33,6% para 43,8 % entre 1989 e 1996 (RuizTagle, 2000). Quando se aprofunda a análise às abordagens micro-localizadas, estas questões são confirmadas. Em primeiro lugar, o baixo-nível de escolaridade tem rebatimento direto no quadro profissional e ocupacional destas populações, que apresentam níveis muito baixos de qualificação, o que vem reforçar as teses sobre a reprodução da força de trabalho para populações marginais e pobres, de que falavam Bordieu e Passeron. Tanto os homens quanto as mulheres nas áreas de pobreza estão ocupadas em atividades de muito baixa qualificação. A Centralidade da Violência Uma questão que tem alcançado, na sociedade brasileira dos últimos dez anos, uma quase unanimidade, em termos de necessidade de enfrentamento, é a manifestação da violência. Autores os mais diversos têm destacado que o Brasil tem uma das taxas de homicídio mais altas do mundo e que a criminalidade violenta, principalmente nas grandes cidades brasileiras, apresenta uma tendência ascendente nos últimos anos (ADORNO, 1993). É necessário chamar a atenção para a complexidade da questão, quando o problema da criminalidade e sua vinculação direta e retórica com a pobreza tem significado “uma armadilha para o cientista social” (ZALUAR, 1997,:38)17. A antropóloga sublinha a necessidade de se examinar com cuidado os padrões alterados da sociabilidade e de negociação de conflitos nas favelas, onde as identidades parecem estar agora montadas rigidamente na lógica da guerra. Não é por menos que o senso comum afirma estar vivendo o país “uma guerra civil disfarçada”, quando compara-se o número de mortes violentas em homicídios aqui e em guerras como a Bósnia ou na Tchechênia. Uma tipologia das áreas de pobreza por nível de criminalidade ainda está por ser estabelecida. Evidentemente a criminalidade extrapola as fronteiras da moradia dos grupos e lideranças criminosas, no entanto, a convivência, seja de grupos de extermínio, seja de traficantes, interfere diretamente na vida da comunidade: o medo e o terror se instauram em alguns bairros populares onde algum tipo de poder militar se consolida; em geral as instituições encarregadas de manter a ordem e a lei estão ausentas, por receio, conivência ou associação; as organizações de vizinhança sofrem desagregação ou se esvaziam, pressionados seja por gangues, seja por grupos religiosos excludentes; as figuras paternas e maternas não mais oferecem modelos e são incapazes de controlar seus filhos. As redes de solidariedade são desfeitas. Neste contexto, trabalham para a desagregação do tecido social, elementos tão díspares como: a falta de permeabilidade urbana da área, onde um sistema de ruelas e becos estreitos, que muitas vezes mal permitem o acesso a pé; casas sem numeração, facilitam os esconderijos dos contraventores; ao promiscuidade urbana, a partir de casa exíguas, sem mínimas iluminação e ventilação, obrigando seus habitantes a estarem constantemente na rua; o nível de ruído que impede atividades de concentração e intelectivas; a ruptura das famílias e o crescente número de mulheres chefes-de-família, com as mães, numa estrutura patriarcal, sem autoridade sobre seus filhos jovens; o desemprego, o emprego de “viração” e o alcoolismo; as escolas com ensino distanciado da “vida real” destes jovens; a mídia ofertista e o imaginário da “Lei de Gérson”. Este é o “caldo de cultura”, que alicia jovens para a “fortuna fácil”, através de expedientes associados ao crime. Contudo, cabe sublinhar o caráter diferenciado introduzido pela globalização e destacada por Alba Zaluar: “No plano mundial, o crime organizado, que tem estruturas complexas e movimenta um grande volume de dinheiro, não pode mais ser desconsiderado como uma força importante, ao lado dos Estados nacionais, igrejas, partidos políticos, empresas multinacionais (...) No Brasil, com o sistema de justiça ainda voltado para os crimes individuais e desaparelhado para investigar os meandros e grupos mais importantes do crime organizado, não temos idéia do impacto que ele hoje tem nas instituições e na sociedade” (ZALUAR, 1997,:39)18 O argumento é importante pois, não havendo modificação na compreensão do fenômeno, diz ainda a antropóloga que o “aumento do salário mínimo ou a implementação de políticas públicas que não contemplem a nova a especificidade da nova criminalidade não serão suficientes nem eficazes. Até porque frisar os altos ganhos daquilo que os favelados chamam “dinheiro fácil”é decretar o fracasso de qualquer política social, pois são raríssimos os empregos, mesmo os de classe média”, que oferecem os níveis de renda supostamente existentes no tráfico ilegal de drogas” (ZALUAR, op.cit:44). Educação e Pobreza Uma das estratégias centrais, hoje, no combate à pobreza, tem sido via o aperfeiçoamento do ensino fundamental, seja através da ampliação de cobertura, seja pela melhor qualificação do professorado, pela aproximação da escola com a comunidade, ou ainda pelo melhor equipamento da rede escolar. A educação assume uma prerrogativa essencial na realização da condição dos alunos pobres, funciona como um elemento poderoso na formação da identidade do sujeito. O atual processo de globalização, através de uma radical transformação técnico-produtiva, tem tido efeitos drásticos, no aprofundamento do gap , já bastante dilatado, entre os países centrais e aqueles da periferia. A gradual substituição do modelo fordista de produção por um sistema de flexibilização especializada, encontra no Brasil, e sobretudo nas regiões Norte-Nordeste, um profundo desequilíbrio estrutural no tocante ao nível da educação formal e da qualificacação da mão-de-obra, que penaliza de forma indelével as camadas mais pobres da população. São elas que sofrem, principalmente dos fenômenos da evasão, repetência e o absenteísmo, que constituem o mais grave problema da escola pública no Brasil. A observação dos baixos indicadores de educação prevalecentes nos bairros e áreas pobres do país, revela o muito que se tem a fazer, sociedade e poder público, se se quiser atacar este “calcanhar de Aquiles” da realidade brasileira. Sabe-se que os investimentos neste setor são de lenta maturação e não apresentam resultados no curto prazo. A visibilidade dos bons programas educacionais são de longo ciclo, ultrapassando a dimensão de um período ou dois de governo (5 a 10 anos), o que torna as políticas públicas no país tão mais urgentes, uma vez que a educação replica diretamente na economia, no processo de consolidação democrática, no futuro das pessoas. Se existem diagnósticos acertados, é ainda retórica a atuação dos governos, que proclamam prioridade aos investimentos em educação, tendo em vista a dimensão do problema. Sabe-se que a média nacional do salário do professor da rede pública era da ordem de R$ 78,00 em 1996, quando o estado de São Paulo pagava R$ 238,00. Seria fundamental elevar os gastos anuais por aluno do ensino fundamental da rede pública, R$ 260, 00 reais contra US$ 4.000 despendidos nos Estados Unidos da América em 1996. Concluindo, pode-se afirmar que em termos de políticas públicas de combate à pobreza, os recursos são minguantes e, o que é mais grave, com o descaso ao nível da educação e da saúde e o aumento do emprego informal. Precariza-se ainda mais a mão-de-obra, cristaliza-se uma pobreza urbana que, as margens da sociedade, nos guetos das favelas, faz crescer o nível de violência e a busca por alternativas vinculadas à contravenção da droga, da venda de armamentos e dos assaltos, vitimizando principalmente menores e adolescentes, os excluídos do futuro. Em relação aos projetos urbanos para baixa-renda, existe a necessidade de se avaliar com maior eficácia, o montante dos recursos alocados para estes fins e a baixa eficácia do que foi efetivamente realizado: a qualidade dos projetos; o viés autoritário da tecnocracia que os elabora; os aspectos tão fundamentais da manutenção; os mecanismos de controle adotados. Há, sem sombra de dúvidas, grande soma de recursos desviados; projetos equivocados; projetos sem continuidade; obras sem qualidade; falta de controle público e social dos projetos, o que se conhece hoje na literatura especializada como necessidade de accountability, de responsabilização. São indicadores de falta de uma política convincente para a pobreza; de uso político dos recursos; da falta de mecanismos transparentes de alocação dos mesmos. Muitas vezes , mesmo encontrando espírito público em quadros de governo, vontade e compromisso com a realização dos projetos, o excesso de burocracia, as inteferências de natureza político-partidária; os momentos eleitorais, o tamanho do desafio, fazem com que os resultados sejam, em grande medida, muito pouco estruturadores. Para além da corrupção ou do uso político dos recursos públicos, dos erros de concepção dos projetos , sobretudo a natureza “lampedusiana” das iniciativas – “mudar para permanecer no mesmo“. Por isto mesmo, uma verdadeira profusão de projetos de combate a pobreza, tratando com teorizações sofisticadas sobre a diversidade dos aspectos que a envolvem. Não falta capacidade técnica, percebe-se; falta interesse político em acabar com a mazela, quando verificamos o montante irrisório dos recursos que são alocados para o enfrentamento deste que permanece o maior problema do país. Bibliografia BARROS CASTRO, Antonio (1975), Sete Ensaios sobre Economia Brasileira. Rio de janeiro: Forense. CHAUÍ, Marilena (2000), “Brasil: o mito fundador”. Mais, nº424. Folha de São Paulo, 26 de marçopp.4:11. COSTA LIMA, Marcos ; BRITTO LEITE, Mª de Jesus (2001) “O conceito de pobreza e a sua mensuração: uma pluralidade de abordagens”. Política Hoje, v. 12. Recife: PPGCP/UFPE. FAORO, Raymundo (2000), Os Donos do Poder. Formação do Patronato Político no Brasil. v.1. São Paulo: Publifolha/ Editora Globo. FARIA, Vilmar E. 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São Paulo: Anpocs. • 1 Professor Dr. do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política; coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos NEST- da UFPE/Recife- Brasil. volta • 2 Alguns autores preferem na tradução portuguesa, o termo entitulação ou ainda direito volta • 3 Também conhecido como enfoque da intitulação ou dos direitos. Para participar da distribuição da renda social é necessário estar habilitado por títulos de propriedade, pela inserção qualificada no sistema produtivo, pelo comércio, trabalho conta-própria, herança. Cada elo na cadeia das relações de efetivação legitima um conjunto de propriedades(títulos), em relação a outros. volta • 4 “Mais de 40 milhões de pessoas não dispõem de nenhum tipo de cobertura médica ou seguro de saúde nos Estados Unidos” (ibidem, p.120). volta • 5 Poverty: A Study of Town Life. London: Mamillan volta • 6 Os indicadores de pobreza que compõem o IDH: Renda+Educação +Expectativa de Vida volta • 7 In: Emílio Willens (1980), A aculturação dos alemães no Brasil. São Paulo: Cia Editora nacional, p.83 volta • 8 Sistema de Abonos volta • 9 Oliveira Vianna em Populações Meridionais do Brasil chegou a dizer que: “ ( o índio) cuja inteligência não parece superior à do negro, embora ambos pertençam a um tipo inferior, não se civiliza porque desdenha e, mesmo, repugna nossa civilização”.(p.285). volta • 10 Choco, Pankararú,Cariri, Sukurú , Fulnió, Caripó, Jaicó, Tupiná, Massacará, Pimenteira, Amoipira, fizeram resist6encia prolongoda para não cederem suas terras. volta • 11 Cf. José Sávio Maia (2001) A atuação das ONGs na construção de novos modos de vida dos seringueiros de brasiléia e xapuri (1975-1995). volta • 12 “A escravidão trouxe da África ao Brasil mais de dois milhões de africanos, que , pelo interesse do senhor na produção do ventre escrava, elas favoreceu quanto pôde a fecundidade das mulheres negras; que os descendentes: que os descendentes dessa população formam pelo menos dois terços de nosso povo atual”( Nabuco;p. 102). volta • 13 In: Fernando Novais, p. 104 volta • 14 Joaquim Nabuco , O Abolicionismo, p, 113 volta • 15 A importância das reflexões lançadas por este livro, deveria torná-lo texto básico nos cursos de História do Brasil, desde o ensino fundamental, mas também leitura obrigatória dos professores das escolas públicas em todo o país. volta • 16 Moradia: A falta de moradias no Brasil atinge diretamente 20,2 milhões de pessoas, quase 12% dos habitantes no país, e aumenta em um ritmo mais acelerado do que o do crescimento da população. O déficit habitacional é de 6,6 milhões de unidades, o que representa quase 15 % do total de domicílios existentes, 44,9 milhões. “Déficit Habitacional no Brasil 2000 ”Fundação João Pinheiro, encomenda do BID e Presidência da República. A maior carência é registrada nas regiões urbanas ( Ranier Bragon; Folha de São Paulo, Folha Cotidiano, C1 , 20 Janeiro 2002). volta • 17 Alba Zaluar, antropóloga e Prof. titular do Deptº de Ciências Sociais e do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, é uma das maiores autoridades brasileiras em estudos sobre a violência e a criminalidade, e tem desenvolvido pesquisas originais há mais de 15 anos que colocam o crime organizado relacionado ao tráfico de drogas como o epicentro da desestruturação das redes de solidariedade em áreas de favela no Rio de Janeiro. volta • 18 Ver confirmação a partir da CPI das Drogas (Congresso Nacional) e o envolvimento de parlamentares, inclusive em Pernambuco, com o crime organizado. volta 3 O Direito à Alimentaçâo Flávio Luiz Schiecki Valente 1 1. Introdução A história de fome e desnutrição, no Brasil, começa com a ocupação da nova colônia em 1500. O primeiro relato refere-se aos nativos escravizados que morriam de fome ao recusar-se a comer em cativeiro. Prossegue no Brasil colonial e o Império com os negros escravos e agregados às grandes propriedades rurais. Estende-se por todo o período da Velha República e do Estado Novo, no Nordeste, nas áreas rurais e nas periferias de todas as maiores cidades do país. Agrava-se, em termos numéricos, com a intensa migração urbana associada à industrialização acelerada, o processo de modernização conservadora da agricultura, de ajuste estrutural e de inserção desordenada em um mercado globalizado. E chegamos aos dias de hoje com cerca de 57 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar2, espalhados por todo o país, mesmo que ainda concentrados no Nordeste, nas áreas rurais e nas grandes metrópoles. São 500 anos de história de fome e de carências nutricionais específicas, tais como as deficiências de iodo, ferro e vitamina A, que ainda afetam a dezenas de milhões de brasileiros. Hoje, agrega-se, ou mesmo superpõe-se, a esta população portadora de carências um conjunto de dezenas de milhões de brasileiros que são portadores de sobrepeso e obesidade e de complicações decorrentes de alimentação inadequada, como hipertensão arterial, osteoartroses, intolerância à glicose e Diabetes Mellitus Tipo II, dislipidemias, diferentes tipos de câncer e doenças cardiovasculares. A partir do início da década de 90, as doenças cardiovasculares assumiram o primeiro lugar como causa mortis proporcional3. Ao mesmo tempo, surgem novos problemas e desafios aliados às mudanças de práticas alimentares, à redução do aleitamento materno exclusivo, à introdução precoce de alimentos de desmame inadequados, ao aumento inusitado de refeições fora de casa e à introdução crescente de alimentos industrializados e, mais recentemente, geneticamente modificados, os transgênicos. Ou seja, incorpora-se definitivamente na questão alimentar e nutricional os direitos do consumidor e o controle de qualidade. Historicamente, o enfrentamento da questão da fome, da miséria e da desnutrição na sociedade brasileira nunca foi considerado um problema estratégico, na medida em que estas mazelas sempre afetaram e afetam os setores com menos poder e excluídos do processo econômico e político hegemônico. Desta forma, sempre foi tratada de forma pontual, emergencial e assistencial, mesmo quando abordada por políticas e programas públicos, que sempre se caracterizaram por sua marginalidade e fragmentação. Josué de Castro, na primeira metade do século XX, já denunciava que a fome no Brasil era um tabu, que não podia ser discutida publicamente. Ao mesmo tempo, dizia que não era verdade que o Brasil não tinha uma política de alimentação e nutrição. Esta existia, mas traduzida em uma “política de fome”. Tal afirmação continua a verificar-se efetivamente. Uma política que promova a segurança alimentar e o direito humano à alimentação não pode se limitar ao combate à fome e à desnutrição. O direito de estar livre da fome é o patamar mínimo da dignidade humana, mas não pode ser dissociado do direito a uma alimentação de qualidade, do direito de obter este alimento com dignidade, através do seu próprio esforço. A modernidade exige que o tema da alimentação seja tratado de uma forma holística e integrada, abrangendo os direitos de todos os cidadãos, excluídos ou não. É impossível tratar a questão dos transgênicos hoje, por exemplo, sem articular os aspectos relacionados à saúde dos consumidores, à saúde dos produtores, à questão dos riscos ambientais e à questão dos riscos sociais e econômicos para os pequenos produtores familiares derivados do controle monopolístico de sementes estéreis. O mesmo poderia ser dito dos temas da vaca-louca, da McDonaldização, etc. Assim, a questão da alimentação e nutrição, na perspectiva da segurança alimentar e dos direitos humanos, tem que ser uma política articuladora de ações setoriais integradas em um eixo do desenvolvimento humano sustentável, envolvendo políticas tradicionalmente consideradas econômicas e financeiras com as da área social. Adotar esta abordagem e este contexto para uma proposta de combate à fome exige ousadia e, sinceramente, entendemos que é disto que estamos precisando para romper com a reprodução estrutural da fome e da desnutrição. Este texto se propõe a apresentar, de forma sucinta e crítica, a evolução da luta contra a fome no Brasil, concentrando-se na avaliação das últimas décadas e apontando possíveis alternativas de incorporação do combate à fome e de promoção de uma alimentação como um dos eixos centrais e estratégicos de uma proposta de desenvolvimento humano sustentável para o Brasil. 2. Construindo uma Política de Promoção da Alimentação e Nutrição Adequada – o desafio 2.1 A Evolução do Conceito de Segurança Alimentar em Nível Internacional O conceito de segurança alimentar foi introduzido na Europa a partir da 1ª guerra mundial. Sua origem esteve profundamente ligada à idéia de segurança nacional e à capacidade de cada país produzir sua própria alimentação de forma a não ficar vulnerável a possíveis cercos, embargos ou boicotes de motivação política ou militar. Tal conceito, no entanto, irrompe com força no cenário mundial a partir da crise de escassez de alimentos de 1972-74 e dos acordos estabelecidos na Conferência Mundial de Alimentação de 1974. A segurança alimentar era entendida como uma política de armazenamento estratégico e de oferta segura e adequada de alimentos, e não como um direito de todo ser humano a ter acesso a uma alimentação saudável. O enfoque estava no alimento e não no ser humano. O final da década de 70, diferentemente de seu início, caracterizou-se por um clima de otimismo. Aumentou a produção de alimentos no mundo e caíram os preços mundiais dos alimentos, abaixo dos níveis da década de 50. Neste contexto, perderam força os argumentos de que o mundo não teria condições de aumentar a produção de alimentos em ritmo igual ou maior que o aumento da população, e de que esta seria a causa principal dos problemas alimentares. Reforçou-se o entendimento de que a fome e a desnutrição eram decorrentes mais de problemas de acesso, do que de produção. Assim, em 1983, a Organização de Comida e Agricultura (FAO) da Organização das Nações Unidas apresentou um novo conceito de segurança alimentar que se baseava em três objetivos: • oferta adequada de alimentos; • estabilidade da oferta e dos mercados de alimentos; • segurança no acesso aos alimentos ofertados. Nesse sentido, em 1986, o Banco Mundial definiu segurança alimentar como: “o acesso por parte de todos, todo o tempo, a quantidades suficientes de alimentos para levar uma vida ativa e saudável”. A partir de então, os debates e as discussões passaram a considerar que a segurança alimentar não pode ser vista como uma decorrência exclusiva de auto-suficiência em termos alimentares. Ela pressupõe, também, garantia de poder aquisitivo da população, crescimento econômico, redistribuição de renda e redução da pobreza. No final da década de 80 e início dos anos 90, observou-se mais uma modificação no conceito de segurança alimentar: incorporam-se as noções de alimento seguro (não contaminado biológica ou quimicamente); de qualidade do alimento (nutricional, biológica, sanitária e tecnológica); do balanceamento da dieta, da informação e das opções culturais (hábitos alimentares) dos seres humanos. Ao mesmo tempo, entrou em cena a questão da equidade e da justiça, especialmente no que tange as relações éticas entre a geração atual e as futuras gerações, o uso adequado e sustentável dos recursos naturais, do meio ambiente e do tipo de desenvolvimento adotado. Entrou em pauta a discussão dos modos-de-vida sustentáveis. O direito à alimentação passou a se inserir no contexto do direito à vida, à dignidade, à autodeterminação e à satisfação de outras necessidades básicas. A Conferência Internacional de Nutrição, promovida conjuntamente pela FAO e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1992, consolidou esta conceituação nos compromissos assumidos, dando uma face humana ao conceito de segurança alimentar. Fortaleceu-se o conceito de segurança alimentar domiciliar, incorporando a assistência básica à saúde (abastecimento de água, saneamento, saúde pública) e o cuidado promovido no lar aos membros da família (carinho, atenção, preparo do alimento, aleitamento materno, estimulação psico-social, informação, educação, etc)4. Mais recentemente, emergiu um movimento internacional em defesa da segurança alimentar como direito humano básico, ligando a alimentação e nutrição à cidadania5 . Os defensores desse novo e ampliado conceito chamam a atenção para cinco grandes aspectos: a) Que a questão da segurança alimentar deve ser entendida como um direito humano básico (entitlement) à alimentação e nutrição. b) Este direito deve ser garantido por políticas públicas, estando o Público entendido aqui por uma esfera onde agem tanto agentes públicos como privados. c) O papel do Estado é o de proteger estes direitos (durante quebras de produção, calamidades naturais, desemprego, quedas de salários reais, piora das relações de troca, etc) e o de promoção da cidadania. d) A fundamentalidade da participação ativa e parceira da sociedade civil através de suas organizações próprias neste esforço público, especialmente nas áreas onde o estado é incapaz de agir, por sua falta de flexibilidade e capilaridade. e) Romper com a tendência maniqueísta de se opor o mercado ao estado. O importante é entender que cada setor tem o seu papel e cabe à sociedade civil mediar estes papéis, que podem ser mutuamente complementares e, em muitos casos, sinérgicos. Vale destacar que este conceito ampliado de segurança alimentar não é consensual. Existem correntes que ainda defendem uma concepção restrita à produção e disponibilidade de alimentos. 2.2 O Conceito de Segurança Alimentar no Brasil As primeiras referências à segurança alimentar, em nível documental, surgem no Ministério da Agricultura, no final de 1985. Àquela época foi elaborada uma proposta de “Política Nacional de Segurança Alimentar”, com os objetivos centrais de atender as necessidades alimentares da população e atingir a auto-suficiência nacional na produção de alimentos. A proposta também contemplava a criação de um Conselho Nacional de Segurança Alimentar, presidido pelo Presidente da República e composto por Ministros de Estado e representantes da Sociedade Civil. Apesar dessa proposta ter tido pouca repercussão na época em que foi feita, a semente estava plantada. No ano seguinte, o tema foi retomado na I Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição, um desdobramento da 8ª Conferência Nacional de Saúde. A alimentação era vista como um direito básico e foi proposta a criação de um Conselho Nacional de Alimentação e Nutrição (CNAN) e de um Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN), estando o primeiro sob a égide do INAN e o segundo ligado ao Ministério do Planejamento. Ambos, no entanto, contariam com participação de setores da sociedade civil. Propunha-se também a reprodução desta estrutura nos estados, para garantir “o acesso aos alimentos em quantidade e qualidade suficientes”. O conceito de segurança alimentar ampliava-se incorporando, às esferas da produção agrícola e do abastecimento, as dimensões do acesso aos alimentos, das carências nutricionais e da qualidade dos alimentos. Começava-se a falar então de segurança alimentar e nutricional. Em 1991, o governo paralelo, coordenado pelo Partido dos Trabalhadores, elaborou proposta de Política Nacional de Segurança Alimentar, incorporando as discussões anteriores. Esta foi apresentada ao governo Collor, que não se mostrou sensibilizado. Sendo reapresentada ao novo presidente, em fevereiro de 1993, acabou subsidiando a elaboração do Plano Nacional de Combate à Fome e à Miséria e a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), em maio de 1993. O CONSEA era vinculado diretamente à Presidência da República, e o enfrentamento da fome e da miséria passava a ser uma questão a ser discutida no bojo das políticas econômicas e sociais e da segurança alimentar, com o debate continuado entre sociedade civil e governo. Assim eram resgatadas as propostas da I Conferencia Nacional de Alimentação e Nutrição, realizada em julho de 1994. Convocada pela Ação da Cidadania e pelo CONSEA, a Conferência reunia mais de 2000 delegados de todo o país, com forte predominância da sociedade civil. O relatório final refletiu a preocupação da população brasileira com a concentração de renda e de terra como um dos principais determinantes da fome e da miséria no país6. A partir destas resoluções, também foram discutidas questões relativas a uma Política Nacional de Alimentação e Nutrição, sendo definidas algumas diretrizes básicas para a mesma, incluindo três eixos e dez prioridades7. A partir da I Conferência Nacional consolidou-se o entendimento de que a garantia da segurança alimentar e nutricional de todos deve ser um dos eixos de uma estratégia de desenvolvimento social para o Brasil e que exige, para sua implementação, uma parceria efetiva entre governo e sociedade civil, na qual prevaleça o respeito mútuo e complementaridade de ações ao invés de subordinação. Com base em todo o debate desenvolvido neste período construiu-se o conceito brasileiro, que foi adotado no documento brasileiro para a Cúpula Mundial da Alimentação, segundo o qual: “Segurança Alimentar e Nutricional consiste em garantir a todos condições de acesso a alimentos básicos seguros e de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo assim para uma existência digna em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana.” 2.3 O Direito Humano à Alimentação O Direito à Alimentação Adequada é um direito humano básico, reconhecido no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Sem ele, não podemos discutir os outros. Sem uma alimentação adequada, tanto do ponto de vista de quantidade como de qualidade, não há o direito à vida. Sem uma alimentação adequada, não há o direito à humanidade, entendido aqui como direito de acesso à vida e à riqueza material, cultural, científica e espiritual produzida pela espécie humana. O Direito à Alimentação começa pela luta contra a fome, ou seja, pela garantia a todos os cidadãos do direito de acesso diário a alimentos em quantidade e qualidade suficiente para atender as necessidades nutricionais básicas essenciais à manutenção da saúde. Mas não pode parar por aí. O ser humano precisa de muito mais do que uma ração básica nutricionalmente balanceada. A alimentação humana tem que ser entendida enquanto processo de transformação de natureza - no seu sentido mais amplo - em gente, em seres humanos, ou seja, em humanidade. Tal processo extrapola sua faceta meramente química, de absorção de nutrientes, e física, de simples apropriação da natureza sob a forma de alimentos. O ser humano, ao longo de sua evolução, desenvolveu uma intricada relação com o processo alimentar, transformando-o em um rico ritual de criatividade, de partilha, de carinho, de amor, de solidariedade e de comunhão entre seres humanos e com a própria natureza, permeado pelas características culturais de cada agrupamento humano.8 O ato de alimentar-se é, para o ser humano, um ato ligado à sua cultura, à sua família, a seus amigos e a festividades coletivas. Ao alimentar-se junto de amigos, de sua família, comendo pratos característicos de sua infância, de sua cultura, o indivíduo se renova em outros níveis além do físico, fortalecendo sua saúde física e mental e também sua dignidade humana. Assim, o Direito à Alimentação passa pelo direito de acesso aos recursos e meios para produzir ou adquirir alimentos seguros e saudáveis, que possibilitem uma alimentação de acordo com os hábitos e práticas alimentares de sua cultura, de sua região ou de sua origem étnica. Ao comer, portanto, não só satisfazemos nossas necessidades nutricionais, como também nos refazemos, nos construímos e nos potencializamos uns aos outros como seres humanos em nossas dimensões orgânicas, intelectuais, psicológicas e espirituais. Não é sem razão que muitos rituais religiosos envolvem atos de preparo e comunhão de alimentos. Direitos Humanos são todos aqueles que os seres humanos têm, única e exclusivamente por terem nascido e serem parte da espécie humana. Estes direitos são inalienáveis e independem de legislação nacional, estadual ou municipal específica. Eles foram firmados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada, em 1948, pela Assembléia Geral da ONU. A declaração foi elaborada e assinada em um momento em que a humanidade tomou consciência da barbárie que representou o Holocausto. Este pacto universal, baseado em princípios éticos e morais, reconhece que a diversidade é a única coisa que todos os seres humanos têm em comum, e que esta deve ser respeitada e tratada com equidade. A declaração representou um avanço para um novo patamar no tortuoso caminho percorrido pela humanidade em seu processo evolutivo. De acordo com este conjunto de normas legais universais, cabe às sociedades humanas, sob a responsabilidade do Estado, cumprir as obrigações de respeitar, proteger e realizar os direitos humanos de cidadãos e grupos populacionais que residem em seu território. Quando os direitos não são respeitados, protegidos ou realizados, podemos falar de uma violação destes direitos, recaindo a responsabilidade maior pelas mesmas sobre o Estado, a quem cabe, em nome da sociedade, velar pela realização dos direitos humanos. 2.4 A Cúpula Mundial de Alimentação e o Quadro de Refêrencia da Promoção do Direito Humano à Alimentação Um dos grandes avanços conseguidos pela sociedade civil organizada e por alguns governos foi a retomada da discussão sobre a implementação do direito humano à alimentação para todos, como o quadro de referencia e meta final do plano de ação da cúpula. Por solicitação da cúpula, o Alto Comissariado de Direitos Humanos encaminhou a produção de um documento que esclarece como a promoção da segurança alimentar deve ser conduzida pelas nações, dentro da perspectiva dos direitos humanos. Neste documento, o Comentário Geral no. 12 9, estão explicitadas as bases para a construção de uma estratégia nacional de combate à fome e promoção da segurança alimentar para todos, que resumimos a seguir. 2.4.1 O Comentário Geral no 12 Partindo do conceito ampliado de alimentação, já apresentado, o documento define o conteúdo normativo do direito, ou seja, o que a sociedade, sob a coordenação do Estado, deve propiciar a todo cidadão: “O direito à alimentação adequada é realizado quando todo homem, mulher e criança, individualmente ou em comunidade com outros, tem acesso físico e econômico, a todo momento, a uma alimentação adequada ou aos meios necessários para a sua aquisição” 10 Ao fazer isto, explicita que esta alimentação não pode ser equacionada a um pacote mínimo de calorias, proteínas e outros nutrientes, e detalha quais são os aspectos essenciais desta alimentação: • Adequação (social, econômica, cultural, climática, ecológica, entre outras); • Sustentabilidade (disponibilidade e acesso continuado e a longo prazo); • Disponibilidade em quantidade e qualidade suficiente para satisfazer as necessidades alimentares dos indivíduos, livres de substâncias tóxicas e culturalmente aceitáveis. • Essencialmente ligada a) ao acesso aos meios produtivos que garantam a possibilidade dos indivíduos e comunidades em alimentar-se a si próprios; e b) a uma estrutura de abastecimento que garanta a existência de alimentos em preço razoável em todas as localidades. • O acesso não pode interferir com a satisfação de outros direitos e necessidades; • aspectos econômicos (possibilidade de produzir ou adquirir alimentos em quantidade e qualidade suficiente) • acesso físico garantido àqueles grupos vulneráveis da sociedade que não podem garantir por si próprios sua alimentação (crianças, idosos, portadores de direitos especiais, enfermos, e vítimas de catástrofes, entre outros). O Comentário define que são obrigações do Estado, enquanto representante da sociedade organizada; respeitar, proteger, promover ou facilitar e realizar este direito. Podemos tornar estas obrigações mais claras, por meio da exemplificação: Respeitar: A sociedade, organizada em estado, deve respeitar a capacidade de indivíduos, famílias e comunidades de produzir sua própria alimentação e/ou de obter a renda monetária suficiente para adquirir os alimentos adequados. Assim, constituem-se em violações do direito humano à alimentação iniciativas estatais e/ou governamentais, tais como: políticas que provoquem ou facilitem a expulsão de pequenos produtores familiares da terra onde produzem seu sustento, sem que lhes seja garantido o direito a um novo pedaço de terra (construção de barragens para hidroelétricas, por exemplo), política de abertura do mercado nacional a produtos alimentícios importados mais baratos, redução do crédito para produção agrícola, políticas ou programas governamentais que geram desemprego, derrame de petróleo na Baía da Guanabara pela empresa estatal Petrobrás, com a eliminação da possibilidade de sobrevivência de milhares de pescadores artesanais e familiares; eliminação de programas sociais e/ou alimentares dirigidos a populações e/ou grupos vulneráveis, sem a criação de mecanismos alternativos de realização do direito, etc. Proteger: A sociedade, organizada em estado, deve proteger, contra a ação de terceiros, a capacidade dos seres humanos de produzir e/ou ter condições monetárias para adquirir sua alimentação. A falta de mecanismos estatais de proteção ativa contra ações de empresas ou outros atores sociais e econômicos que impeçam a realização do direito constitui uma violação (a ausência de mecanismos de proteção contra a ação de grileiros, contra fusões empresariais com demissão em massa, contra vazamentos de óleo de responsabilidade de empresas privadas, etc.) Promover: A sociedade, organizada em estado, tem a obrigação de elaborar e implementar políticas, programas e ações, que promovam a progressiva realização do direito para todos, definindo claramente metas, indicadores, e recursos alocados para este fim. A não criação destas políticas e/ou o não cumprimento das metas ou a não alocação dos recursos configuram-se como violações (promoção e cumprimento das metas previstas para a Reforma Agrária, política de melhoria do salário mínimo e de seu poder de compra, micro-crédito, promoção da inclusão da população excluída, programas de renda mínima, promoção do aleitamento materno, etc.) Realizar: Nas situações de emergência decorrentes de desastres naturais, frente à situação de grupos com necessidades especiais, ou de populações submetidas à deprivação crônica, o Estado deve realizar o direito destes grupos mediante o aporte de recursos financeiros e/ou alimentares, garantindo, sempre que possível, a recuperação da capacidade das famílias e/ou comunidades de alimentar-se a si próprias, dentro do prazo mais breve possível de tempo. Assim, pode-se verificar que a abordagem de direito humanos exige que todos os setores do governo e da sociedade tenham em conta estes quatro níveis de obrigações, a todo momento. Tradicionalmente, as políticas de combate à fome, ou mesmo de alimentação e nutrição, limitam-se às obrigações de realizar e de, no máximo, promover, mas mesmo assim de forma extremamente limitada e marginal, em relação às permanentes violações dos níveis de respeito e proteção. Como proposta de implementação, o documento sugere a construção de uma estratégia nacional, intersetorial, com articulação entre os níveis nacional, estadual e local, que: “...deveria dar atenção a temas e medidas relevantes a todos os aspectos do sistema alimentar, incluindo produção, processamento, distribuição, comercialização e consumo de alimentos seguros, bem como medidas paralelas nas áreas de saúde, educação, emprego e seguridade social...” Tal estratégia deverá ser montada com ampla participação popular e total transparência, com a criação de mecanismos institucionais de governabilidade, que garantam a participação de todos os setores sociais relevantes, em parceria com representantes do governo. Em uma última fase, propõe-se a elaboração de uma Lei Nacional de Referência que regulamente as definições adotadas pela estratégia, com a proposição de indicadores, metas, prazos a serem cumpridos e a fonte e a magnitude dos recursos a serem alocados para a implantação da estratégia. 2.5 O Desafio da Fome, da Desnutrição e outros Problemas Relacionados à Alimentação Como vimos, o termo insegurança alimentar engloba tanto distúrbios alimentares ligados a carências (fome, desnutrição, deficiências de micronutrientes, etc.), como outros ligados praticas alimentares inadequadas à saúde (doenças crônicas não transmissíveis), bem como problemas decorrentes de um alimento inseguro (contaminação biológica, problemas de conservação, modificações genéticas, água contaminada, resíduos de produtos químicos, etc.) É um tema abrangente, que exige uma abordagem integrada e sistemática por parte dos governos federal, estaduais e municipais. Tal abordagem é reforçada por relatório recente do Sub Comitê de Nutrição da ONU 11, bem como pelo já mencionado Comentário Geral 12. Cada vez existem mais evidências científicas que carências nutricionais in utero e na infância precoce (até 36 meses de idade) têm implicações sérias para toda a vida deste ser humano. Estas crianças serão escolares com menor aproveitamento escolar, adultos com menor capacidade intelectual e produtiva e mães que terão problemas no parto e darão a luz a crianças de baixo peso. Mais recentemente, documentou-se a íntima correlação entre desnutrição precoce e uma propensão ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis na idade adulta (obesidade, diabetes, hipertensão, câncer e doenças cardiovasculares). Com base nesta constatação, está sendo proposta a adoção da abordagem do Ciclo de Vida à promoção da nutrição. Reconhecendo que a desnutrição, e suas conseqüências para toda a vida, começam in utero e se consolidam ao longo de uma vida de privações e exclusão, tendo inclusive influências sobre a vida das gerações seguintes, a abordagem prioriza ações no período prénatal e nos seis primeiros anos de vida, sem deixar de lado ações nos outros períodos. Os desafios encontrados a partir daí são: 1. Baixo peso ao nascer; 2. Desnutrição pré-escolar; 3. Desnutrição materna (período da gravidez e aleitamento); 4. Anemia ferropriva (deficiência de ferro) materna e na infância (aumento de mortalidade, redução de aprendizado e produtividade); 5. Deficiência de Vitamina A (distúrbios de crescimento, morbidade e mortalidade aumentada); 6. Associação entre desnutrição materna e desnutrição infantil precoce, levando a aumento de incidência de doenças crônicas não transmissíveis na idade adulta; 7. Obesidade e sobrepeso; 8. Deficiência de Iodo (levando a malformações congênitas – cretinismo, bócio, apatia, e distúrbios do crescimento); 9. A nutrição de populações deslocadas ou afetadas por catástrofes; 10. A integração da promoção da atividade física a programas de nutrição; 11. Mudança de práticas alimentares; 12. Deficiência de zinco; 13. Redução das desigualdades; e 14. Desnutrição em idosos. A desnutrição, e todos os problemas relacionados a carências nutricionais, tem também uma determinação multicausal e complexa, que não passa única e exclusivamente pela falta absoluta de alimentos. O Fundo da ONU para a Infância (UNICEF) adota, há mais de uma década, um modelo explicativo da promoção da saúde e da nutrição infantil, que trabalha com determinantes básicos, mediatos e imediatos. (ver quadro 1). Nesta visão, a sobrevivência/boa nutrição da criança é o resultado imediato de uma relação dinâmica entre sua dieta e suas condições de saúde (causas imediatas), a cada momento. Esta relação, por sua vez, é o resultado dinâmico da interação entre a segurança alimentar domiciliar (disponibilidade de uma alimentação variada de qualidade, continuamente), os cuidados oferecidos pela unidade familiar à criança e à mulher (aleitamento, preparo de alimentos, estimulação psico-motora, carinho, higiene, etc.), ambiente saudável e disponibilidade de serviços de saúde (determinantes mediatos). Tais condições dependem de uma série de determinantes básicos: acesso e controle familiar e comunitário sobre recursos econômicos e organizacionais, estrutura e contexto social, cultural e econômico e recursos potenciais. Qualquer tentativa de agir sobre este complexo de determinantes tem que ser desenvolvida de forma articulada para ter sucesso. Assim, o combate à fome e à desnutrição tem que articular as ações que ocorrem nestas áreas, conforme proposto pela I Conferencia Nacional de Segurança Alimentar, adequando-as à realidade atual12 Quadro I I Garantia do direito à alimentação adequada para todos os habitantes como um direito humano básico. a) reconhecimento do direito na constituição; b) regulamentação em legislação específica; e c) promulgação de um Código Brasileiro de Conduta sobre o Direito à Alimentação adequada aplicável a todos os atores sociais. II Ampliar as condições de acesso à alimentação e reduzir o seu peso no orçamento familiar. a) Promoção do Desenvolvimento Rural Integrado e Sustentável: · o acesso à terra e condições para nela produzir; · consolidação e apoio à agricultura familiar; · melhoria da qualidade de vida na área rural; · o estímulo à produção de alimentos básicos; e · promoção da agricultura ecológica sustentável. b) Desenvolvimento de modelos alternativos de geração de renda e ocupações produtivas: · estímulo a criação de fortalecimento de pequenas empresas urbanas e rurais; · estímulo ao associativismo e ao cooperativismo; · a capacitação profissional, gerencial e administrativa de trabalhadores e micro empresários; e · apoio a iniciativas de Crédito Popular. c) Promoção de Política de abastecimento alimentar popular em áreas urbanas: · iniciativas de Garantia da Renda Mínima (Campinas - renda mínima; Brasília - Bolsa Escola; Feira de Santana, Brasília - Cesta da Cidadania, etc.) · agricultura urbana; · abastecimento alimentar a preços justos para áreas de baixa renda, articulando o produtor, pequenos varejistas e consumidor. III Assegurar saúde, nutrição e alimentação a grupos populacionais determinados a) Programa alimentares e Nutricionais dirigidos a grupos populacionais social e nutricionalmente vulneráveis: · Descentralização do Programa de recuperação de crianças e gestantes desnutridas; · Programa Nacional de Distribuição de Alimentos (PRODEA); · Programa Nacional de Alimentação Escolar; · Programas especiais de erradicação de distúrbios nutricionais causados por carências de micronutrientes; e · Outros programas dirigidos a trabalhadores, desempregados, idosos, enfermos e pessoas institucionalizadas. b) Desenvolvimento de parceria entre sociedade civil e poder publico, visando a implementação de iniciativas de contrapartida social por parte de todos os beneficiários em situação de exclusão e em condições de desenvolver atividades produtivas, como um mecanismo de construção de cidadania e alavancamento de desenvolvimento humano local. IV Assegurar a qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos e seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis: · Vigilância e controle de qualidade dos alimentos em todos os pontos da cadeia alimentar, desde a roça até os locais de consumo (domicílio, restaurantes, bares, ambulantes, etc.), passando pelos locais de produção e comercialização; · Direito de acesso à informação sobre a composição dos alimentos, prazos de validade, etc; · Fornecimento regular de informações sobre hábitos alimentares e estilos de vida saudáveis; e · Estímulo e criação de oportunidades de acesso a programas supervisionados de atividades física a todos os cidadãos. 3. Abordagem Crítica das Principais Ações na Área de Combate à Fome e Promoção da Segurança Alimentar, em Nível Federal, na Década de 1990 3.1 O Governo Collor O único trabalho que procurou analisar os acontecimentos na área de alimentação e nutrição no período de 1990 a 1992 relata a dificuldade em fazê-lo na medida em que grande parte dos documentos oficiais do período e mesmo de administrações anteriores foram destruídos.13 Informações similares foram obtidas em relação ao Instituto de Alimentação e Nutrição (INAN) e ao processo de fusão da CFP, a Companhia Brasileira de Alimentos (COBAL) e Companhia Brasileira de Armazenagem (CIBRAZEM) para a criação da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Todo o material que foi salvo neste último caso o foi devido à iniciativa pessoal de funcionários interessados. O início do Governo Collor foi caracterizado por demissões de dezenas de técnicos, desestruturação de equipes e de programas na área. São muitos os relatos de arquivos inteiros que foram jogados fora. De acordo com Peliano et alii, em 1989, havia doze programas de alimentação e nutrição em desenvolvimento no país, com um custo total aproximado de 1 bilhão de dólares. Mesmo reconhecendo que o aumento de recursos para a área não havia sido acompanhado de um melhor desempenho dos programas e que havia a superposição de pelo menos quatro programas para crianças menores de sete anos, que usavam 2/3 dos recursos gastos, os grupos técnicos não concordavam com a política de mera extinção dos programas existentes. As propostas técnicas de eliminação das superposições e paralelismos, de priorização do grupo de 0 a 36 meses, de maior articulação com o setor saúde e priorização do Nordeste caíram no vazio. Em primeiro lugar, foram extintos o PROAB e o PROCAB Até 1992, foram extintos todos os programas de suplementação alimentar dirigidos a crianças menores de sete anos, grupo alvo tecnicamente considerado mais vulnerável (PNLCC, PSA, PCA/PAN, PAIE). Os programas de combate a carências específicas foram colocados em hibernação, assim como o Programa de Incentivo ao Aleitamento Materno. O único programa mantido, mas com sua intensidade reduzida, foi o Programa de Combate ao Bócio Endêmico. O Programa Nacional de Alimentação Escolar foi desarticulado e, em 1992, a merenda só funcionou 38 dias no ano de 200 dias letivos, representando o pior resultado em toda a sua história. O Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) teve sua equipe reduzida a um técnico, como muitos dos outros programas, passando três anos sem a capacidade de produzir dados relativos ao seu desempenho. No âmbito do INAN, todos os programas em andamento foram praticamente desativados, à exceção de algumas atividades de incentivo ao aleitamento materno e da área de informação e pesquisa. Cabe ressaltar que esta última só teve continuidade graças ao enorme banco de dados gerados pela Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, realizada pelo INAN/IBGE/IPEA em 1989, que pode ser explorado por técnicos do INAN e pesquisadores de algumas universidades brasileiras, com o apoio da Organização PanAmericana de Saúde (OPS), gerando algumas das mais importantes publicações sobre o estado nutricional da população brasileira já produzidas no país. Grande parte do pensamento e conhecimento sobre nutrição no país, inclusive toda a informação nacional hoje utilizada para o mapeamento da fome e da desnutrição, é resultado da análise de dados deste estudo realizado pelo INAN. A estratégia de enfraquecimento da área social no Governo Collor, que incluiu o INAN, foi a de retirar todas as condições de trabalho mas manter atribuições. O INAN chegou a ficar sem presidente titular de outubro de 1991 a junho de 1992. Perante a opinião pública, ressaltava-se a inoperância das instituições, sem que estas tivessem o menor possibilidade de defesa e esclarecimento sobre a total falta de condição de trabalho e apoio político oferecidos pelo estado. A extinção do INAN foi, então, incluída nas propostas de reforma administrativa do Ministério da Saúde. A única novidade positiva no período foi a iniciativa de utilização de estoques públicos de alimentos para programas de alimentação, uma reivindicação antiga de técnicos e que permitia, ao mesmo tempo, uma renovação dos estoques, evitava que houvesse perdas de alimentos estocados há mais tempo e reduzia o custo dos programas. O primeiro programa utilizando estoques, denominado Gente da Gente I, foi desenvolvido de novembro de 1990 a maio de 1991 para atender as populações do nordeste atingidas pela seca, beneficiando nove estados e 579 municípios, com a distribuição de 407.665 toneladas de alimentos. O segundo, Gente da Gente II, desenvolvido de fevereiro a junho de 1992, beneficiou dez estados e 739 municípios com a distribuição de cestas básicas de 16 kg/família/mês, cobrindo aproximadamente 20% das necessidades nutricionais. 3.2 O Governo de Itamar Franco - O Enfrentamento da Fome e da Miséria definido como Prioridade de Governo A década de 90 poderia ter sido certamente reconhecida como um marco em relação à mudança do enfoque no tratamento da questão do combate à fome e da desnutrição e da promoção da Segurança Alimentar no Brasil. Imediatamente após o impeachment do Presidente Collor, ainda em 1992, o Movimento Pela Ética na Política definiu-se pelo combate prioritário a outro tipo de corrupção e lançou as primeiras sementes da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida. Tal decisão encontrou respaldo técnico e político na proposta de Política Nacional de Segurança Alimentar produzida, em 1991, pelo Governo Paralelo14, que previa uma abordagem estrutural da questão da fome e da miséria, com propostas de ação a curto, médio e longo prazo. Em 1993, em sintonia com as demandas da sociedade civil, o governo federal, de forma absolutamente inédita na história do país, reconheceu o círculo vicioso formado pela fome, a miséria e a violência e definiu o seu enfrentamento como prioridade de governo. O grave quadro de insegurança alimentar demonstrado pelos mapas da fome15, elaborados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), documentando a existência de 32 de milhões de brasileiros vivendo em condições de indigência, em todos os recantos do país, mobilizou governo e sociedade em busca de soluções para o problema. O governo federal, em parceria com a Ação da Cidadania contra a Fome e à Miséria e pela Vida, criou em maio de 1993 o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), integrado por oito ministros e 21 representantes da sociedade civil, em grande parte indicados pelo Movimento pela Ética na Política, para coordenar a elaboração e implantação do Plano Nacional de Combate à Fome e à Miséria dentro dos princípios da solidariedade, parceria e descentralização.16 Mesmo com limitações, que serão discutidas a seguir, a experiência do CONSEA, enquanto mecanismo inovador de parceria e governabilidade, apresentou resultados extremamente positivos em seus dois anos de existência. A maior limitação da experiência do CONSEA não foi dele em si, mas da orientação política hegemônica do Governo Itamar, devido à sua composição de forças, que era incompatível com a adoção de uma política Econômica que efetivamente colocasse em primeiro lugar a promoção da inclusão social e da qualidade de vida. A Política econômica continuou a ser pensada e implementada sem levar em conta o seu impacto sobre o agravamento da fome da miséria, totalmente atrelada ao receituário do FMI que, neste momento, impunha: a estabilidade da moeda acima de tudo, a redução dos gastos sociais e a abertura desenfreada da economia brasileira ao mercado internacional globalizado. O CONSEA, tendo como pano de fundo o Plano de Combate à Fome e à Miséria, definiu como prioridades a geração de emprego e renda, a democratização da terra e o assentamento de produtores rurais; o combate à desnutrição Materno Infantil, o fortalecimento, ampliação e descentralização do Programa Nacional de Alimentação Escolar, a continuidade da utilização de estoques públicos para programas de alimentação social (Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos - PRODEA) e a revisão do Programa de Alimentação do Trabalhador. Dois grandes avanços estão ligados à criação do CONSEA: 1. O combate à fome e a miséria passa a ser visto como um problema de Governo e uma questão estratégica, sua coordenação ficando diretamente vinculada ao gabinete do presidente; e 2. O objetivo de coordenar as ações governamentais de forma intersetorial, entre os diferentes níveis de governo, e com as da sociedade civil no sentido de reduzir duplicidades, superposições e de atingir os objetivos propostos. A atuação vigilante do CONSEA garantiu os recursos para os programas prioritários, impedindo que sofressem cortes em decorrência de medidas de contenção, ao mesmo tempo em que transformou-se em um espaço privilegiado de debate entre o governo e a sociedade civil, colaborando para a mobilização da opinião pública sobre o tema e aprofundando a participação do sociedade civil na formulação e controle das políticas públicas. Além disto, o CONSEA conseguiu incluir de forma efetiva a segurança alimentar na agenda política brasileira. Ao mesmo tempo, o CONSEA representou uma novidade em termos de mecanismos de governabilidade. Em parceria, representantes do primeiro escalão do governo federal e da sociedade civil discutiam propostas que poderiam acelerar o processo de erradicação da pobreza e da miséria. No CONSEA, foram gestadas e/ou viabilizadas propostas de políticas públicas inovadoras: a descentralização do Programa Nacional de Alimentação Escolar, Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda, Reforma Agrária e a busca de transparência na gestão de recursos públicos, como foi o caso da criação do PRODEA, como mecanismo de aproveitamento de estoques públicos de alimentos a ponto de serem perdidos. Mais inovadora ainda, no entanto, foi a forma de gestão implementada no processo, com a criação de múltiplos grupos de trabalho mistos (sociedade civil/governo) que acabaram por consolidar uma nova prática e cultura de gestão compartilhada de políticas públicas. Uma das grandes limitações do CONSEA, no entanto, foi que, por definição governamental, as decisões referentes à Política Econômica continuaram a passar a margem das discussões sobre o impacto das mesmas sobre a segurança alimentar, a fome e a miséria da população. Ou seja, a articulação limitava-se aos ministérios da área social e, muitas vezes, o CONSEA transformou-se em um mecanismo de pressão sobre o setor econômico para garantir recursos para políticas e programas sociais. A decisão presidencial de transformar o combate a fome e a miséria em uma prioridade não foi adotada pela área econômica, que continuou a aceitar as prescrições dos organismos financeiros internacionais, independentemente do impacto imediato e mediato que pudessem ter sobre o agravamento da exclusão social, da fome e da desnutrição. Esta nova forma de gestão de políticas públicas na área de alimentação e nutrição representou um enorme avanço em relação a iniciativas anteriores. A coordenação do Programa Nacional de Alimentação (PRONAN), que incluía ações de vários Ministérios, nunca se efetivou realmente, devido às disputas entre os Ministérios. Um dos fatores principais para o fracasso da articulação era o fato da coordenação estar localizada no Instituto de Alimentação e Nutrição (INAN), órgão do segundo escalão do Ministério da Saúde. Em relação aos programas desenvolvidos pelo INAN, o Plano de Combate à Fome e a Miséria estabeleceu, em julho 1993, como prioritário em sua estratégia de combate à desnutrição materna e infantil, o programa “Atendimento ao Desnutrido e à Gestante em Risco Nutricional - Leite é Saúde”, a ser executado pelo Ministério da Saúde através do INAN. Neste novo contexto político, o INAN passaria a ter um papel de coordenação da área técnica mais diretamente vinculada ao tema da alimentação e nutrição no contexto das ações de Saúde. No entanto, a resposta institucional do INAN foi lenta. Apenas em outubro de 1993, a implantação do Programa Leite é Saúde e a retomada dos demais programas e projetos tradicionais do INAN, que encontravam-se total ou parcialmente desativados, teve início. A situação encontrada pela nova administração do INAN, em 1993, foi desalentadora. Todo o trabalho técnico estava praticamente desativado, com muito pouca memória institucional organizada. O quadro extremamente reduzido de técnicos atuando na área fim não conseguiu sequer manter as tradicionais articulações inter-institucionais do INAN, essenciais para o desenvolvimento do trabalho. Os programas desenvolvidos pelo INAN que não foram reforçados e acompanhados pelo CONSEA, tais como os programas de Combate a Deficiência de Micronutrientes e o PNIAM, continuaram fragilizados. No contexto da prioridade absoluta ao combate à fome e à miséria, o caminho adotado pelo INAN foi o de busca de um modelo de atuação mais robusto técnica e politicamente, mais ágil, flexível e que, buscando se inserir nos objetivos e propostas do Plano de Combate à Fome e à Miséria contribuísse para a municipalização das ações de saúde, na direção da consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). 3.3 O Primeiro Mandato FHC: A Contradição entre Estratégia Macroeconômica e Combate à Fome e Miséria A política de estabilização da moeda, articulada ao ajuste da economia brasileira à liberalização do comércio internacional, foi definida como o eixo central da política governamental em 1995, tendo a consolidação do Plano Real como meta principal. É interessante ressaltar que, como uma de suas primeiras medidas, o novo governo extinguiu o CONSEA criando um outro Conselho com estrutura semelhante, mas com caráter e objetivos totalmente diferentes. A extinção do CONSEA se insere na nova correlação política de forças estabelecida na eleição do novo Governo. A vitória expressiva da aliança entre setores conservadores e de centro, alicerçada sobre o sucesso do plano de estabilização da moeda, deu-se mediante a exclusão de uma parcela importante da sociedade civil organizada, profundamente comprometida com a Ação da Cidadania, e parceira do Governo no CONSEA. O novo Conselho, aparentemente com a mesma composição, dentro da nova correlação de forças, passa a ser efetivamente um organismo governamental de consulta, tendo sua Presidência exercida por pessoa de escolha do Presidente da República, no caso a Dra. Ruth Cardoso. Ao mesmo tempo, perde-se o foco no tema da Segurança Alimentar, diluindo-se o tema entre outros da maior importância, relacionados ao processo de exclusão econômica e social; e fragmenta-se uma vez mais a discussão da questão da segurança alimentar em vários de seus componentes (alimentação e nutrição, questão agrária, geração de emprego e renda, criança, etc.) Ou seja, mantém-se a forma e altera-se o conteúdo. Deixa de haver o esforço de parceria entre atores com interesses claramente diferentes e constitui-se um organismo de consulta à sociedade civil, com parceiros cuidadosamente escolhidos. O começo do governo FHC marcou a extinção ou o enfraquecimento de uma série de instituições formais ou informais que vinham, cada uma com seus limites, buscando dar respostas à grave situação social vivida por grande parcela da população brasileira. Entre elas, podemos citar a LBA, que foi extinta, e o INAN que foi ainda mais enfraquecido. Colocou-se, nesta conjuntura, uma enorme expectativa sobre o Comunidade Solidária (CS), de quem se esperava a coordenação dos esforços no Combate à Fome e a Miséria. Já em meados de 1996, com o agravamento da crise social, ficavam claros os limites do Comunidade Solidária. De um lado, o Conselho da Comunidade Solidária, sob a liderança de Dona Ruth, se recusava a avaliar, debater e propor políticas de Governo. Sua missão definiase como a de propor iniciativas inovadoras de parceria entre governo e sociedade civil. De outro, a Secretaria Executiva promovia a articulação e a extensão de um conjunto de programas federais, já existentes, para os municípios considerados carentes segundo critérios técnicos baseados em indicadores econômicos e de saúde infantil. Tarefa relevante, mas que de forma alguma tinha envergadura suficiente para enfrentar os problemas sociais existentes, especialmente em um contexto de redução progressiva de recursos para a área social. 3.3.1 A Extinção do CONSEA não foi um Fato Isolado A postura do governo Fernando Henrique em relação à temática da segurança alimentar está baseada em uma série de premissas, algumas de caráter político partidário, outras, derivadas de uma visão economicista e estruturalista para a resolução do problema da fome e da pobreza; e ainda outras, derivadas de sua decisão estratégica de priorizar a busca da abertura dos mercados internacionais como forma de garantir a inserção do Brasil na econômica globalizada, relegando a um segundo plano a prioridade de resgatar a enorme dívida social interna. As análises iniciais das razões para a extinção do CONSEA apontavam basicamente para o fato do CONSEA estar identificado político partidariamente com a candidatura de Lula, e que sua manutenção no novo governo poderia criar problemas para o mesmo. Na minha opinião, este fato pode ter sido levado em conta, mas a decisão foi claramente estratégica. Havia e há uma contradição básica entre a proposta do Governo FHC e a da Ação da Cidadania, do CONSEA e da I Conferencia Nacional de Segurança Alimentar. O governo FHC prioriza a estabilização da econômica brasileira a partir da inserção acriteriosa da economia brasileira na economia globalizada, relegando a um segundo plano o enfrentamento imediato das precárias condições de vida de uma grande maioria da população brasileira. Eventualmente, a estabilização e o mercado resolveriam o problema da miséria e da fome, limitando-se a ação atual a meros paliativos, responsabilidade pela qual foi delegada ao programa da Comunidade Solidária. Mesmo a Reforma Agrária, que está sendo duramente arrancada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e que poderia ser um forte instrumento de inserção social e de fortalecimento econômico do Brasil, é vista pelo governo atual e pelo próprio Presidente como uma mera medida de caráter exclusivamente social e “atrasada”. Joga-se na lata de lixo a experiência histórica de muitos países que conseguiram alavancar sua retomada de crescimento econômico e social a partir da Reforma Agrária, quando transformada em uma das peças centrais da estratégia de desenvolvimento social e econômico, com ênfase na inserção das populações excluídas. Por outro lado, a proposta do CONSEA e da Ação era e é centrada na melhoria da qualidade de vida das populações humanas, e entende que toda a articulação das políticas públicas deve estar centrada na obtenção destes resultados. Infelizmente, a experiência nacional não pôde avançar, mas o processo está sendo retomado em nível estadual, com todas as suas dificuldades, como será descrito adiante. 3.3.2 Conselho e Secretaria Executiva do Comunidade Solidária 19941998 - o Eixo da Política Social no Primeiro Mandato No primeiro ano de governo, o saldo positivo da implantação e consolidação do plano Real obscureceu parcialmente a ausência de uma Política social articulada. No entanto, os efeitos negativos desta política sobre setores importantes da sociedade brasileira, tais como os pequenos e médios produtores rurais e urbanos, começaram a ser sentidos sem que políticas ativas compensatórias com a devida magnitude tenham sido desenvolvidas. No início de 1996, começam a haver sérios questionamentos quanto a inexistência de uma política social, seja em termos de seus eixos centrais e mesmo em alguns dos eixos setoriais, frente ao agravamento da situação social. 3.3.3 A luta pela Reconquista do Espaço de Discussão sobre Segurança Alimentar Imediatamente após a extinção do CONSEA, a sociedade civil, por meio do Fórum Nacional da Ação da Cidadania e sua Secretaria Executiva Nacional (INESC, ÁGORA e CARITAS) manteve uma pressão continuada sobre a Secretaria Executiva do Comunidade Solidária no sentido de que a discussão sobre a questão da segurança alimentar e nutricional fosse retomada. Algumas iniciativas permitiram que um novo nível de articulação entre o governo e a sociedade civil fosse retomado: 1. a criação do Orçamento de Segurança Alimentar pelo Conselho e pela Secretaria Executiva da Comunidade Solidária, em iniciativa conjunta com a sociedade civil. Este orçamento incluía todos os programas governamentais relevantes para a promoção da segurança alimentar e nutricional, e permitia uma ação política no sentido de defender a alocação de recursos orçamentários para os mesmos. 2. a constituição, por iniciativa da Secretaria Executiva da Ação da Cidadania, com o apoio da Secretaria Executiva da CS, de um Comitê Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional. Este Comitê, composto por representantes dos vários ministérios envolvidos em ações de segurança alimentar e nutricional, com a facilitação da ÁGORA, posteriormente, com o apoio da FAO, elaborou um diagnostico das atividades de segurança alimentar e nutricional então desenvolvidas pelos vários organismos governamentais. Este comitê se manteve em funcionamento durante os anos de 1995 e 1996 e serviu de base para a constituição do Comitê Nacional de preparação para a Cúpula Mundial de Alimentação, no ano de 1996. O ano de 1996 marcou uma intensificação do debate sobre o tema do enfrentamento institucional da fome e da miséria no Brasil. Isto ocorreu devido a uma série de fatores: a) O agravamento da crise social, com o aumento da violência na cidade e no campo, associado à inexistência de uma Política Social articulada e ao impacto da política de estabilização; b) A incapacidade e a falta de mandato político do Comunidade Solidária em discutir a elaboração de uma Política Social conseqüente, que inclusive levou Betinho a sair do Conselho; c) O próprio processo de preparação da Cúpula Mundial da Alimentação que teve início ainda no ano de 1995; d) A extinção e enfraquecimento institucional das áreas anteriormente responsáveis pelo enfrentamento, mesmo que parcial (LBA, INAN, CONAB, etc.). 3.3.4 Preparação para A Cúpula Mundial da Alimentação O processo de preparação foi bastante intenso e se respaldou no trabalho interativo entre o Governo, sob a coordenação da Secretaria Executiva do Comunidade Solidária e do Ministério de Relações Exteriores, e a sociedade civil. Do lado da sociedade civil, foi constituído um grupo de trabalho a partir do Fórum Nacional da Ação da Cidadania com a inclusão de uma série de ONGs e movimentos sociais com atividade em temas relacionados. Foi constituído um Comitê Nacional de preparação para a Cúpula , composto de forma tripartite paritária entre governo, sociedade civil organizada e setor empresarial. Entre os representantes da sociedade civil estavam a Secretaria Nacional Executiva do Fórum da Ação da Cidadania (ÁGORA), o IBASE, a CONTAG, o MST, NEPA, IDEC, entre outras. O relator do processo de elaboração do documento foi sugerido pela sociedade civil e aprovado pelo Comitê, ficando a tarefa com o Professor Renato Maluf, do CPDA/URRJ. O documento foi elaborado em várias etapas, em uma das quais foi submetido, em um seminário, ao crivo de cerca de 80 organismos governamentais, entidades da sociedade civil e do setor empresarial. Este documento representa um marco histórico na discussão sobre o tema no Brasil, tanto em termos de processo, como de produto. Em termos de processo, foi acatado por todos que o documento deveria refletir não só os consensos existentes entre os vários setores, como também os conflitos de opinião, devendo ambos estar expressos no documento final e o estiveram. Em termos de produto, o documento representa um enorme avanço no entendimento do conceito de segurança alimentar e nutricional no Brasil, defendendo uma abordagem integrada ao mesmo, no contexto da promoção do direito humano à alimentação. Consideramos de fundamental importância que o documento seja lido por todos. O grande conflito na elaboração do documento se deu em relação ao tema do papel do comércio internacional e da auto-suficiência na promoção da segurança alimentar e nutricional do povo brasileiro. O governo brasileiro, com o apoio de setores empresariais, acabou por valer prevalecer a proposta de abertura da economia brasileira, em especial da agricultura, ao comércio exterior como a estratégia central. Tal estratégia vinha associada ao desmonte da política de estoques reguladores e de incentivos a produção nacional. A participação da delegação governamental brasileira no processo de preparação do documentos aprovados pela Cúpula (Declaração e Plano de Ação) foi intensa, tendo o embaixador brasileiro cumprido um importante papel na negociação do texto final referente à promoção do direito humano à alimentação. A participação do representante do governo brasileiro no evento, no entanto, foi irrelevante, e sequer se baseou no documento preparado. É importante ressaltar, no entanto, que o Brasil, juntamente com os outros mais de 120 países presentes na Cúpula, comprometeu-se a implementar políticas públicas segundo as orientações contidas nos sete compromissos do plano de ação, com o objetivo de reduzir em 50% o número de desnutridos até o ano 2015. Por outro lado, a delegação da sociedade civil presente em Roma, por ocasião da Cúpula, teve uma atuação vibrante no Fórum Global das ONGs sobre Segurança Alimentar, e também no processo de construção da Via Campesina. Em uma de suas reuniões, o conjunto de mais de 40 entidades resolveu constituir um Grupo de Trabalho de Segurança Alimentar que daria continuidade ao processo de articulação que precedeu a Cúpula. Tal grupo trabalhou em conjunto com o Fórum Nacional da Ação da Cidadania e serviu de base para a construção do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, que se constituiu formalmente em novembro de 1998. Em paralelo, a participação brasileira acabou por catalisar o processo de construção do Fórum Global de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, sediando o encontro de constituição do mesmo, em agosto de 1997, em Brasília. 3.3.5 Interlocução sobre Segurança Alimentar Em paralelo à preparação da Cúpula, o Conselho da Comunidade Solidária, levou a cabo um processo de interlocução sobre o tema da segurança alimentar e nutricional, que definiu um conjunto de consensos e de propostas que deveriam ser encaminhadas pelas organizações presentes no debate. O documento elaborado é muito interessante.17 No entanto, as propostas ali incorporadas, mesmo tendo sido divulgadas em Roma, nunca foram efetivamente implementadas pelo governo, apesar de múltiplas tentativas e cobranças da sociedade civil neste sentido. Ao mesmo tempo, o Conselho levou a cabo uma série de outros processos de interlocução que abordaram temas como Reforma Agrária, micro-crédito e iniciativas de geração de emprego e renda, que também tiraram resoluções relevantes ao enfrentamento da fome e da miséria. 3.3.6 Período Pós-Cúpula Mundial da Alimentação (1996-1998) O período de 1997 e 1998 foi caracterizado por uma ainda maior crise na área da política social, e, em especial, no que tange a questão da fome e da pobreza. Basicamente foi mantido o esforço de coordenação, em nível municipal dos programas que compunham a agenda básica do Comunidade Solidária, mas sem a expansão orçamentária necessária para atender os municípios mais carentes. O INAN foi extinto, em julho de 1997, por quase oito meses, sem que nenhuma estrutura de articulação da área de alimentação e nutrição fosse colocada no seu lugar, o que demonstra a falta de prioridade dedicada ao tema. O Programa de Distribuição de Alimentos (PRODEA) passa por novas e sucessivas crises com a redução da disponibilidade de estoques de alimentos. Várias alternativas são propostas pela sociedade civil, especialmente no sentido de articular o programa a ações estruturantes, buscando reduzir o componente gerador de dependência. O Programa é, mais uma vez, reativado com a seca do nordeste, sem que nenhuma das modificações propostas tenham sido introduzidas e, no ano de 1998, um número recorde de cestas é distribuído nestes contexto. Cada vez fica mais clara a total ausência de uma política social articulada e, dentro dela, de uma política nacional de combate à fome e à desnutrição, em articulação com a redução da pobreza. 3.3.7 A contribuição da sociedade civil - O Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional e os Processos Estaduais O Fórum Brasileiro, criado em 1998, desafiou os governadores eleitos naquele ano a aceitarem o desafio de construírem uma política Pública de enfrentamento da fome e da exclusão social aproveitando a experiência do CONSEA Nacional, em parceria com a sociedade civil. Alguns destes governadores aceitaram o desafio e temos processos em andamento, em várias fases de amadurecimento, nos Estados de Minas Gerais, Alagoas, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Amapá, Acre e São Paulo, que serão brevemente apresentados mais a frente. São iniciativas que podem ajudar na busca de alternativas de caráter nacional, estadual e municipal. 4 O Segundo Mandato de FHC A Crise Social e os Elementos de uma “Nova” Política Social O ano de 1999 marca uma inflexão na condução das políticas da área social em nível federal. Após uma longa luta política interna, a Secretaria Executiva do Comunidade Solidária abandona sua estratégia de articulação e focalização dos programas federais em nível municipal. A responsabilidade de fazer as eventuais articulações necessárias volta a ser dos ministérios setoriais ou mesmo dos governos estaduais e municipais. A secretaria passa a concentrar-se exclusivamente no Programa Comunidade Ativa, uma iniciativa de desenvolvimento local sustentável vista agora como a estratégia exclusiva de enfrentamento da pobreza, e mesmo da fome. A concentração das atividades da Secretaria Executiva no Comunidade Ativa deixou à deriva uma série de programas que compunham a Agenda Básica, inclusive o PRODEA, que passou por várias crises. Em várias destas, a sociedade civil foi de novo chamada a apresentar sugestões, que uma vez mais foram engavetadas. No final de 1999, volta à tona a discussão da fome e da pobreza, com o agravamento das condições sociais em decorrência da aplicação do pacote de medidas imposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no ajuste fiscal. Neste período, o Congresso assume a liderança na discussão do tema e, no bojo de um amplo debate sobre alternativas, encaminha a proposta de criação do Fundo Constitucional de Erradicação da Pobreza. É em um clima de aprofundamento da crise econômica e social e também de uma crise de legitimidade do plano Real e do próprio Presidente que o Governo se define por articular um conjunto de iniciativas incluídas no Avança Brasil em uma “Política Social”. Ao mesmo tempo, lança as bases para alguns novos programas que se impõem pela pressão da sociedade como, por exemplo, a Bolsa Escola, que é testada sob a égide do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). A partir de junho de 1999, as possibilidades de parceria entre a sociedade civil e a Secretaria Executiva do CS, no que se relaciona ao tema de segurança alimentar e nutricional, reduzem-se progressivamente. O Comitê de Seguimento da Cúpula Mundial da Alimentação nunca mais foi convocado e todas as negociações em relação à revisão do PRODEA foram suspensas, sem apresentação de justificativa. Por outro lado, foram reforçadas algumas parcerias setoriais específicas que levaram a construção participativa de uma política nacional de alimentação e nutrição, embasada no quadro de referencia do direito humano à alimentação. Esta foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, no final de 1999, e promulgada pelo Ministro, em 2000. Até o momento, no entanto, não houve uma adequação das ações de área técnica de alimentação e nutrição às novas diretrizes políticas. Mais recentemente foi lançada a discussão sobre a proposta de um programa de redução de perdas e desperdícios de alimentos no contexto do Programa Brasileiro de Aproveitamento de Resíduos, coordenado pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O agravamento da situação social e a falta de coordenação das ações sociais, observada com o afastamento do Comunidade Solidária desta função, colocaram mais pressão sobre a área social , exigindo novas iniciativas. Neste contexto, fica clara a necessidade de articular os programas sociais de forma a melhorar sua eficiência e favorecer a obtenção de resultados a mais curto prazo. De um lado, a exclusão social, expressa em fome, pobreza e doença, e, de outro, a crescente violência urbana, alimentada pelas condições sociais existentes assustam a classe média, o congresso e o próprio governos, transformando-se em prioridades da agenda política nacional. O ano de 2000, marca a definição de uma série de “novos” programas que buscam dar uma resposta às críticas quanto à insensibilidade social do Governo Federal. A maior parte destes novos programas são rearranjos de iniciativas já existentes, algumas delas reforçadas por recursos adicionais tanto de origem internacional, como nacional. Em março de 2001, o governo anunciou suas metas sociais para os dois últimos anos do mandato. Na realidade não houve grandes novidades, a não ser : • uma reafirmação do rearranjo dos programas em sua nova roupagem do Projeto Alvorada, • a incorporação dos recursos do Fundo de Erradicação da Pobreza e da Rede de proteção social no mesmo; e • o lançamento do novo programa da área da saúde, o Bolsa Alimentação, nos mesmo moldes da bolsa escola, para gestantes e crianças menores de 6 anos, substituindo o antigo “Leite é Saúde”. 4.1 Os Programas de Combate à Fome e à Pobreza O que marca o início do novo mandato de FHC, em termos da área social, é a ainda inexistência de uma Política Social consistente que articule os vários programas e iniciativas da Presidência da República, de Secretarias de Estado e de Ministérios Setoriais. O Avança Brasil consiste de uma listagem de programas, cada um com seu próprio gerenciamento. 4.1.1 Comunidade Ativa O programa parte da premissa que enfrentar os problemas sociais exclusivamente por meio de políticas assistenciais e compensatórias não obteve resultado. Afirma também que, muitas vezes, estas políticas e programas acabaram por contribuir para a manutenção e reprodução dos níveis de pobreza, ao desestimular iniciativas locais. Com base na experiência global, propõe uma estratégia de promoção do desenvolvimento local sustentável, por meio de esforços de planejamento local participativo envolvendo todos os setores da comunidade. O resultado disso seria a elaboração de uma Agenda Local (próxima a da Agenda 21) que seria negociada com o governo estadual e Federal por Agencias Locais de Desenvolvimento. Esta seria a proposta do governo de superação da fome e da pobreza, a médio e longo prazo. As ações de enfrentamento imediato seriam deixadas para os programas setoriais já existentes. A proposta do programa era bastante ambiciosa: atingir 157 municípios no ano de 1999 e 1000 no ano 2000. A meta de 157 só foi atingida no final de 2000. O programa conta com a coordenação nacional Executiva da Secretaria Executiva do Comunidade Solidária, com uma Equipe interlocutora estadual e propõe não só a criação de Conselhos ou Fóruns de Desenvolvimento Local, mas também a capacitação de equipes gestoras locais, que eventualmente possam criar Agencias Locais de Desenvolvimento. O projeto tem contado com o apoio nacional do SEBRAE/MPO e UNESCO. Durante o ano de 2000, foram mobilizadas mais de 4000 pessoas em 157 localidades dentro do processo de sensibilização e capacitação para o DLIS. Em cada uma das localidades, foi estabelecido o Fórum de Desenvolvimento Local que elaborou uma Agenda Local a partir de diagnóstico e planejamento participativo. As ações identificadas mais citadas como prioritárias se distribuíram da seguinte forma: agricultura e organização agrária (reforma agrária) 27,51%; trabalho 9,27%; educação 9,27%; saúde 7,48% e saneamento 6.05%.18 A partir de abril de 2000, foi iniciado o processo de negociação das Agendas Locais, com a participação de representantes dos governos Federal, estaduais e Municipais, de coordenações de programas setoriais e dos Fóruns de Desenvolvimento Local. Foram realizadas 26 mesas de negociação das Agendas Locais de 135 municípios. Segundo a Secretaria Executiva do Comunidade Solidária, 69% das demandas já tem respostas concretas, enquanto que 27% ainda se encontram sem resposta efetiva, apesar da existência de propostas. A partir destes acordos e iniciativas, foram assinados 68 Pactos de Desenvolvimento Local, que deverão implantar a Agenda no prazo de 18 meses. 4.1.2 Projeto Alvorada O projeto Alvorada resultou de uma iniciativa inicial da Casa Civil da presidência da República, que visava promover a articulação, a integração, a convergência e o fortalecimento de ações sociais setoriais nos 14 estados cujo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH/PNUD) se apresenta mais baixo. O IDH leva em consideração três dimensões básicas: a renda, a longevidade e a educação. Posteriormente, foram incorporadas as microregiões mais carentes de nove (9) Estados com índices mais altos. Este programa acaba por ser dirigido, em grande parte, a municípios com população inferior a 50.000, considerados em sua grande maioria como predominantemente rurais. O programa começou a ser discutido em meio ao debate no congresso sobre fome e pobreza no final de 1999 e foi lançado, em meados do ano 2000, com o nome de Projeto Alvorada, já incluído no orçamento de 2001 e contando com recursos do Fundo de Erradicação da Pobreza. Sua Coordenação Executiva se encontra na Secretaria de Estado de Ação Social. A previsão de alocação de recursos no período de 2000 a 2002 é de R$ 11,6 bilhões, de várias fontes: 4,1 bilhões do PPA; 2,3 bilhões de recursos federais adicionais; 1 bilhão de recursos externos e 4,2 bilhões do Fundo de Combate à Pobreza.19 As ações são articuladas em torno de três grandes eixos, com o claro objetivo de ter impacto nos componentes do IDH: a) Propiciar as condições necessárias para que crianças e adolescentes possam freqüentar e concluir o ensino fundamental e médio; b) Assegurar assistência médica, em especial de caráter preventivo, e melhorar as condições de saneamento básico; e c) Ampliar as oportunidades de trabalho e renda. No projeto, estão incluídos os seguintes programas federais, com as seguintes metas preliminares: Programas Metas Organismos Responsáveis Alfabetização solidária Ministério da Educação, Conselho da Comunidade 1.050.000 pessoas de 15 a Solidária, Associação de 29 anos Apoio ao programa Alfabetização Solidária, prefeituras Municipais. Educação de Jovens e Adultos Promover a universalização do ensino fundamental incorporando 525.000 estudantes Ministério da Educação, Prefeituras Municipais Apoio ao Ensino Médio Garantir atendimento integral dos egressos do Ensino Fundamental, a pelo menos 1.000.000 de novos alunos Ministério da Educação e Governos Estaduais. Garantir renda mínima Garantia de Renda para todas as famílias Mínima carentes com crianças em idade de 7 a 14 anos Ministério da Educação e Prefeituras Municipais Erradicação do Trabalho Infantil Atender 627.000 crianças e adolescentes que trabalham em condições desfavoráveis (100%) Ministério da Previdência e Assistência Social, Governos Estaduais e Prefeituras Municipais Água na Escola Atender todas as Escolas com mais de 20 alunos, num total de 16.508 escolas Ministério da Integração Nacional, SUDENE, Governos Estaduais e Prefeituras Municipais. Saneamento e redução da mortalidade Infantil Atender 1.350.000 famílias com abastecimento de Ministério da Saúde e água, esgoto e melhorias prefeituras Municipais sanitárias Programa de Saúde na Família Atender todos os municípios com equipes de Ministério da Saúde, Saúde na Família, num Governos Estaduais e total de 5865 novas prefeituras Municipais. equipes para 31.000.000 de pessoas Redução da Mortalidade Materna e Neonatal Prestar assist6encia a 2.340.000 de gestantes e recém-nascidos Ministério da Saúde, Governos Estaduais e prefeituras Municipais PRODETUR II Turismo Complementar a infraestrutura turística dos Estados do Nordeste Governos Estaduais Combate à pobreza rural nos Estados do Nordeste Atender as áreas mais pobres do Nordeste com programas desenvolvidos pelos Estados com apoio do Banco Mundial Governos Estaduais PRONAF Infraestrutura Agricultura Familiar Atingir todos os municípios que atendam aos critérios MDA, prefeituras do programa, num total de municipais. 376, elevando o total para 897. PRONAGER Organizacionais de Curso; formar 150 técnicos, 250 laboratórios de organizacionais de Terreno, para a capacitação de 100.000 pessoas Ministério da Integração, Governos Estaduais, Prefeituras Municipais e FAO Energia das Pequenas Comunidades Instalar eletrificação em escolas e postos de saúde Ministérios de Minas e Energia, Prefeituras Municipais Desenvolvimento do Estado de Tocantins Melhoria de infraestrutura Diversos ministérios e Governo do Estado Em uma primeira fase estão sendo criados os Portais do Alvorada em municípios selecionados em todos os Estados. O portal localizar-se-á em instalações já existentes (centros comunitários, escolas, Agências Federais, etc.). A equipe básica será responsável por fazer o cadastramento das famílias carentes do município, desenvolvendo uma série de atividades (informação, orientação, encaminhamento, reuniões socio-educativas, etc.) que possibilitem seu acesso ao conjunto de programas oferecidos pelo Projeto Alvorada, pelos governos estaduais e municipais. Já existem gestões preliminares no sentido de que o Portal se articule aos Fóruns Locais de Desenvolvimento já existentes. 4.1.3 Plano Nacional de Segurança Pública Este é um plano, também de iniciativa da Casa Civil da presidência da República, envolvendo diversos Ministérios e sob a coordenação executiva do Ministério da Justiça. Originalmente, o Plano tinha por objetivo central a redução e o controle da violência e da criminalidade em centros urbanos, em decorrência do aumento da pressão da sociedade neste sentido. Partindo do entendimento de que não existem soluções milagrosas para enfrentar a violência e do diagnóstico que a violência e a criminalidade estão intimamente relacionadas às péssimas condições sociais em que vive parte significativa das populações urbanas, o Plano passou a incorporar ações de combate à fome e à pobreza. Entre as medidas adotadas, fora as ações de caráter legislativo, jurídico e policial, estão: Programas Metas Organismos Responsáveis Paz na Escola Prevenção da violência nas Ministério da Justiça periferias urbanas Pelotões Mirins Formação cidadã de jovens Ministério da Defesa adolescentes Programa de Erradicação do Trabalho Infantil Atender 627.000 crianças e adolescentes que trabalham em condições desfavoráveis (100%) Ministério da previdência e Assistência Social Agente Jovem do Desenvolvimento Social e Humano Capacitar Jovens de 15 a 17 anos favorecendo seu ingresso no mundo do trabalho, e sua inserção comunitária SEAS Serviço Social Voluntário Expandir programa para todo o país. Capacitação de jovens de 18 anos em áreas carentes e de risco MJ/MTb/Governos Estaduais Programa de prevenção de uso de narcóticos Capacitar multiplicadores em ações preventivas visando a redução da demanda de narcóticos MJ/ONGs Capacitação de lideranças Centro nacional de comunitárias jovens em Formação programas de gestão e Comunitária empreendedorismo SEAS 4.1.4 Programas Relacionados Diretamente à Questão Alimentar e Nutricional A extinção do INAN, em 1997, levou a uma profunda revisão das ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde na área de alimentação e nutrição, com um enfraquecimento da capacidade de coordenação e implementação das mesmas. Foi feito institucional durante os anos de 1998 e 1999 no sentido da elaboração de uma política nacional de alimentação e nutrição, que contou com a participação de setores da sociedade civil. A área técnica de alimentação e nutrição, no entanto, continuou a passar por múltiplas revisões de seu papel e inserção institucional, tendo finalmente, em 2000, sido transferida para a Coordenação de Desenvolvimento de Práticas da Atenção Básica. Por um lado, esta situação a coloca estrategicamente em sintonia com os programas de Atenção Básica, tal como o Programa de Saúde da Família. Por outro, coloca sérios impedimento à capacidade de normalização e coordenação da área em nível nacional. Há um movimento da sociedade civil, em parceria com setores governamentais, no sentido do fortalecimento da Comissão Interinstitucional de Alimentação e Nutrição do Conselho Nacional de Saúde, como base para o fortalecimento institucional da área. Os outros programas que compunham o programa nacional de alimentação e nutrição, do qual o INAN era a secretaria executiva, continuam a ser executivamente implementados pelos ministérios setoriais, mas perderam em grande parte o apoio governamental e a coordenação interinstitucional. Tal situação se agravou com a mudança de estratégia da Secretaria Executiva do Comunidade Solidária. Os programas ora em funcionamento são brevemente analisados abaixo. 4.1.4.1 Programas coordenados pela Área Técnica de Alimentação e Nutrição/Ministério da Saúde20 a) Bolsa Alimentação Este programa substitui o Incentivo ao Combate Nutricionais (antigo programa Leite é Saúde), desde julho de 2001. As famílias beneficiárias são aquelas em situação de insegurança alimentar, não se limitando às que apresentem crianças desnutridas, evitando o reforço negativo do programa atual. É um programa de renda mínima, no qual as famílias beneficiadas recebem uma complementação monetária de R$ 15,00 por nutriz, gestante ou criança até seis anos, com no máximo três beneficiários por família. b) Compromisso Social para Redução da Anemia Ferropriva no Brasil Assinado em 1999, o Pacto foi firmado por um conjunto de organismos governamentais e não governamentais com o objetivo de enfrentar o mais grave problema nutricional atual da população brasileira. Do ponto de vista governamental, está sendo desenvolvido um novo programa de complementação de ferro mediante uma dose semanal de sulfato ferroso. Estudos demonstram que esta suplementação tem efeito superior a doses diárias. Em 2000, foram distribuídos 1.260.000 frascos de sulfato ferroso para utilização nos estados. O setor empresarial de alimentos está desenvolvendo um programa visando o fortalecimento de alimentos com ferro como ação complementar. c) Ações para a redução da Hipovitaminose A A hipovitaminose A continua a ser um problema de saúde pública no nordeste, com sérias conseqüências em termos de morbidade, mortalidade e distúrbios do crescimento. Em 2000, oito (8) milhões de cápsulas de Vitamina A foram distribuídas por ocasião da campanha de vacinação. d) Ações para Controle dos Distúrbios por Deficiência de Iodo Um amplo estudo no sentido de verificar a verdadeira dimensão dos problemas está sendo desenvolvido, incluindo a distribuição de kits para verificação dos níveis de iodo no sal por parte dos Agentes de Saúde. e) Inserção do componente de nutrição no contexto do novo modelo de assistência (Programa de Saúde da Família/PACS) f) Informações epidemiológicas e de consumo alimentar • Sistema de acompanhamento de crescimento e desenvolvimento infantil (Sistema de Vigilância Nutricional – SISVAN) • Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição da Mulher, Criança e Adolescente g) Promoção da Alimentação Adequada e do peso saudável h) Cooperação para a consolidação dos Centros Colaboradores 4.4.1.2 Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) O Programa sofreu uma reestruturação, em 2000, após múltiplas denúncias de malversação de recursos. Esta revisão das normas programáticas enfatiza o papel central dos Conselhos Municipais e Estaduais de Alimentação Escolar, tanto como pré-requisito para o repasse dos recursos como organismo de fiscalização da execução do programa. A nova regulamentação estabeleceu também metas claras quanto à obrigatoriedade de compras de alimentos in natura e, preferencialmente, da região onde se implementa o programa. Tal componente visa fazer com o que o programa seja um estímulo a economia à agricultura familiar local, tendo um efeito secundário na promoção da segurança alimentar. O programa vem funcionando com maior eficiência nos últimos anos, havendo uma regularização dos repasses do governo federal aos municípios e aos estados. O programa atende cerca de 32 milhões de escolares do Ensino fundamental, com recursos próximo a 1 bilhão de reais/ano repassados diretamente ao Estado e ao Município. O componente do PNAE, desenvolvido junto às Escolas Estaduais, foi quase integralmente escolarizado pelos Estados, com raríssimas exceções. Por outro lado, o provimento da merenda pelos municípios continua a ser feito via compras centralizadas em nível municipal. Uma experiência interessante de implantação de Ata de Registro de Preço Estadual está em andamento no Estado de Minas Gerais. Tal iniciativa poderá ser uma resposta interessante aos problemas encontrados com a escolarização. Alguns problemas ainda são muito sérios no processo de implementação do PNAE , de forma descentralizada: a) Centenas de municípios tiveram o repasse suspenso no início de 2001 por não ter apresentado prestação de contas; b) A implantação dos conselhos municipais continua a ser feita de forma inadequada, muitas vezes por falta de capacidade local de fazê-lo a curto prazo. Isto pode levar também à suspensão do repasse, segundo as normas atuais; c) O valor per capita não foi alterado nos últimos 6 anos, estando muito abaixo do necessário para garantir a cobertura dos 15% das necessidades nutricionais diárias dos escolares; d) Os municípios continuam a ter dificuldades em fazer as compras de alimentos junto aos agricultores familiares da localidade e da região devido a limitações legais impostas pelos Tribunais de Conta dos Estados, apesar de já haver sido identificados mecanismos que poderiam facilitar este processo em benefício dos escolares e da economia local. Existem experiências interessantes de envolvimento do Ministério Público na fiscalização da implementação do Programa e de apoio à capacitação da sociedade civil. 4.4.1.3 Programa de Alimentação do Trabalhador O programa de Alimentação do Trabalhador encontra-se estagnado nos últimos anos, não havendo informações mais concretas sobre as perspectivas futuras do mesmo. 4.4.1.4 Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos (PRODEA) Sem dúvida alguma, o PRODEA tem sido o alvo mais freqüente de críticas e de controvérsias dentre os programas de alimentação desenvolvidos pelo Governo Federal. Programa que foi originalmente desenvolvido pelo governo Collor, sob o nome de Gente da Gente, foi ampliado no Governo Collor como um Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos. Tal programa se apoiava na utilização de estoque público de alimentos em risco de se deteriorar. Desde sua implantação, em 93, foram sugeridas modificações no Programa que diferenciassem o seu componente assistencial fundamental , em situações de emergência (seca, enchentes, etc.), de sua possibilidade enquanto alavancador de desenvolvimento em localidades tradicionalmente carentes. Tais propostas nunca foram levadas em consideração de forma séria institucional pelo Governo. Na ausência de uma Política Social coerente e de uma maior articulação de programas sociais visando reduzir a pobreza e a fome, ao mesmo tempo em que promovessem a inserção social produtiva das famílias excluídas, o programa virou uma panacéia geral, ao mesmo tempo em que se transformou na justificativa institucional para a existência da CONAB, em fase de enfraquecimento de sua missão institucional como gerenciadora dos Estoques. De uma certa forma, o PRODEA foi defendido por diferentes razões (por ser a única fonte de alimento de populações em risco, por se interessante para a CONAB, por não haver alternativa, etc.) e utilizado como mitigador de contradições pelos próprios críticos do programa. O programa foi atacado e enfraquecido nos períodos onde não havia uma crise social mais séria e fortalecido em momentos onde a crise se aprofundava (desemprego, seca, enchentes, etc.) ou outros interesses se manifestavam, como por exemplo períodos eleitorais. Durante o ano de 1998, por exemplo, foram distribuídas mais de 20 milhões de cestas, em parte devido à seca, e, em parte, devido à dificuldade de se rever um programa como este durante um ano eleitoral. É fundamental que qualquer discussão sobre Assistência Alimentar in natura se dê no contexto da discussão de uma Política Social articulada, e não no contexto de um falso dilema sobre a validade ou não do PRODEA , em tese, como o programa de combate à fome. Não existe um programa capaz de cumprir este papel de bala mágica, seja ele de distribuição de alimentos ou de renda. Ao mesmo tempo, há situações onde só a distribuição de alimentos in natura consegue dar uma resposta efetiva ao problema enfrentado. 4.4.1.5 Fóruns Estaduais de Segurança Alimentar e a Criação dos CONSEAs Estaduais – uma alternativa de gerenciamento das políticas A construção dos Fóruns Estaduais de Segurança Alimentar e a implantação dos primeiros CONSEAs (Conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional), com a missão de elaborar políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, a partir da articulação de ações governamentais e da sociedade civil, coloca-se como uma alternativa estratégica ao modelo adotado pelo Governo Federal. O esforço de pensar e planejar estrategicamente, em parceria, formas de coordenação, articulação e fortalecimento das ações, programas e políticas públicas de forma a que haja uma potencialização do processo de inserção social e de redução da fome e da desnutrição, tem tido resultados interessantes nos diferentes estados. Em Minas Gerais, onde o processo se encontra mais avançado, o CONSEAMG, criado ainda em 1999, em parceria com a sociedade civil, tem levado o debate sobre a questão para as diferentes regiões do Estado, estimulando ações e iniciativas em nível regional e micro-regional. Ao mesmo tempo, o CONSEA, em nível estadual tem promovido uma maior articulação nas ações relacionadas à saúde e nutrição da criança, à promoção da Reforma Agrária, e ao fortalecimento da merenda escolar. Em Mato Grosso do Sul, o governo, com o apoio do CONSEA-MS, lançou um programa de promoção social que incorpora componentes de segurança alimentar e nutricional relacionados ao acesso à terra, ao fortalecimento da agricultura familiar e de garantia de acesso a alimentos para famílias em situação de carência absoluta. No Rio Grande do Sul, o Fórum e o governo tem desenvolvido um intenso debate sobre o tema, que, inclusive, já passou por um processo de regionalização e de discussões visando a elaboração de um programa estadual de segurança alimentar, sem que, no entanto, tenha se constituído um Conselho de parceria. No entanto, mesmo nos estados onde o processo de implantação dos CONSEAs está avançando, os desafios são enormes na esfera governamental, na esfera da sociedade civil e na da própria relação entre as duas, ou seja, no espaço da parceria. No governo, destacam-se: • a profunda fragmentação da ação pública, afetada por questões políticopartidárias, setoriais e pessoais que se sobrepõem ao interesse público; • o sucateamento e a lentidão da máquina pública; • a dispersão dos recursos; • a crise fiscal do estado, entre outras. Pelo lado da sociedade civil, destacam-se: • número reduzido de quadros qualificados existentes; • a baixa qualificação dos quadros que participam do processo; • a falta de recursos financeiros para apoiar suas atividades; e muitas vezes • a dificuldade de desencadear uma ação efetivamente articulada no campo da própria sociedade civil , entre outras. Em nível da parceria, destacam-se problemas de ambos os lados: • desconfiança mútua; • dificuldade da sociedade civil em superar a postura tradicionalmente reivindicatória , passando a adotar uma atitude mais pró-ativa; • dificuldade dos quadros governamentais em partilhar o “poder” que lhes é atribuído pelos cargos públicos; • a lentidão dos processos burocráticos; • a falta de confiança no processo político que ainda se encontra em fase muito embrionária em nossa jovem democracia. Estas são constatações e, ao mesmo tempo, desafios que se colocam para o nosso trabalho de buscar construir uma política pública, capaz de promover e facilitar a inclusão social. Problemas ainda mais graves se colocam no nível municipal, onde a limitação mais grave acaba por ser a limitada capacidade de gestão da política pública. 5 Conclusões Preliminares Uma análise preliminar das iniciativas variadas de programas sociais, recentemente adotadas pelo Governo Federal, apontam para algumas considerações: a) Apesar de extremamente relevantes, e de buscarem adotar quadro de referência holísticos e abrangentes, as iniciativas continuam a representar colchas de retalho construídas a partir de iniciativas pré-existentes, sob a coordenação executiva de uma variedade de organismos governamentais. b) Estes programas novos, na maior parte das vezes, são construídos jogando-se fora anos de trabalho e acúmulos obtidos por seus antecessores. Este é o caso do Projeto Alvorada. A Agenda Básica do Comunidade Solidária era um experiência semelhante que poderia ter sido fortalecida. No entanto, foi totalmente desativada por disputas políticas internas no início de 1999, com a desarticulação dos mecanismos de acompanhamentos e de bases de dados acumulados de 1994 a 1998. c) Os vários programas nacionais propostos ainda apresentam dificuldades de coordenação entre si, na medida em que não há uma Política Nacional Social que os integre, nem um mecanismo de governabilidade nacional que seja capaz e tenha a legitimidade política para coordenar de forma eficiente os esforços. d) A Área Social, apesar de alguns avanços, continua sendo vista como independente da área econômica, não fazendo parte do modelo hegemônico atual colocar a economia a serviço da inclusão social. e) Um problema mais grave ainda se observa no nível estadual e municipal: • Os programas federais se impõem aos níveis estadual e municipal, com seus ritmos diferentes e sem levar em conta as dinâmicas próprias de cada localidade; • Não há mecanismos de governabilidade locais capazes de fazer a integração dos programas federais com as iniciativas estaduais e municipais; • Se há dificuldades de gestão no nível federal, existem obstáculos ainda maiores a uma gestão eficiente dos programas em nível estadual e municipal por uma falta de capacidade instalada para absorver e gerir de forma coordenada as iniciativas propostas. f) Um alerta importante é feito pelo INESC, uma ONG que se especializou no acompanhamento da execução do Orçamento Federal, é o fato de estarem incluídos na lei orçamentária não garante que os programas efetivamente recebam os recursos. Segundo o INESC, de 1995 a 1998, por exemplo, houve uma redução de 31% nos gastos sociais, devido a cortes, e um aumento de 336,91% nos recursos alocados para o pagamento da dívida Pública, o que espelha bem a opção política do atual governo federal em seu primeiro mandato. g) É importante ressaltar, também segundo o INESC, que nos últimos dois anos tanto a área de saúde como de educação executaram a quase integralidade do seu orçamento, refletindo a importância política garantida para as duas áreas por ministros politicamente fortes. Ao mesmo tempo, áreas essenciais à saúde executaram parcelas menores do seu orçamento, tais como: saneamento básico (51%), habitação (36,6%), entre outros. h) Finalmente, as Políticas Econômicas em nível federal, os acordos para o pagamento da dívida interna e a própria Lei de Responsabilidade Fiscal estabelecem limites estritos para a viabilização das propostas da área social, muitas vezes de forma totalmente antagônica, na medida em que limitam o desenvolvimento da capacidade local. É possível que vejamos, durante este ano eleitoral, uma maior ênfase na implementação dos programas da área social, inclusive do ponto de vista da efetiva execução de seus orçamentos, tendo em vista a proximidade da sucessão presidencial. Os programas ora em execução apresentam aspectos positivos que são inegáveis, especialmente no que tange à proposta de maior articulação entre si e com as ações dos governos estaduais e municipais. No entanto, alguns riscos centrais se colocam no caminho de sua implementação efetiva: • A hegemonia da área econômica sobre a social. Qualquer situação de crise, interna ou externa, pode levar, conforme a história comprova, a cortes profundos nos recursos alocados para a área social, inviabilizando alguns componentes dos programas ou sua totalidade; • A falta de uma política de desenvolvimento social ordenadora em nível federal e de seus respectivos mecanismos de governabilidade. Em um clima de acirramento do processo político, as disputas internas podem levar a dificuldades crescentes de articulação; • A inadequação de mecanismos estaduais e municipais de gestão que possam garantir que a população mais carente seja efetivamente atendida pelos programas em andamento. Assim, corremos o risco de ver grande parte dos recursos alocados para as ações serem desperdiçados durante os próximos anos por falta de capacidade de gestão, seja do ponto de vista administrativo, técnico ou político. Com base neste diagnóstico preliminar, sugerimos que busquemos começar nosso esforço de discussão de uma política pública de inclusão social e de combate à fome e à pobreza, pela discussão de uma proposta de construção de uma Política de Desenvolvimento Sustentável Nacional, que incorpore aspectos econômicos e sociais macro-econômicos essenciais para a promoção do desenvolvimento do espaço local, com ampla participação da sociedade civil, em todos os níveis. Esta é a iniciativa prioritária. Somente assim poderemos superar a dicotomia entre o econômico e o social imposta pelo modelo de pensamento neoliberal. A partir deste horizonte e pano de fundo poderemos discutir uma política social, uma política de segurança alimentar e nutricional e uma política setorial de alimentação e nutrição coerentes. Tais políticas terão que ser o resultado da articulação e coordenação de diferentes temas e políticas setoriais para ser bem sucedidas, alguns dos quais são citados no quadro 2 abaixo. Isto implica na discussão de claros mecanismos de governabilidade e controle social, com responsabilidade compartilhada entre os vários atores, e de capacitação dos recursos humanos. A adoção de mecanismos unificados de coordenação da política de desenvolvimento em nível nacional, estadual e municipal é fundamental para que a execução da mesma se de dentro das prioridades e das capacidades locais. A experiência de Conselhos, nestes vários níveis, inclusive dos CONSEAS, deveria ser utilizada para a escolha de mecanismos mais adequados para esta fase, onde estaremos discutindo desenvolvimento humano como um todo, buscando articular todas as iniciativas existentes em cada nível, sem limitar sua autonomia de ação. Quadro II a. Implementação de políticas macro-econômicas coerentes com a promoção do desenvolvimento humano sustentável e da inserção social e econômica, no contexto dos direitos humanos). b. Acesso aos recursos produtivos e naturais (reforma agrária, apoio técnico e financeiro, ambiente institucional favorável, etc.) c. Agricultura Sustentável e Desenvolvimento Rural (agricultura familiar, verticalização da produção, acesso a mercados, agroecologia, agricultura orgânica, etc.). d. Segurança alimentar e Nutricional no contexto da promoção do desenvolvimento local e de modos de vida sustentáveis (empoderamento da comunidade, PRONAGER, Comunidade Ativa, Projeto Alvorada, etc). e. Recursos genéticos, direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio e biotecnologia (inclusive a questão dos alimentos transgênicos). f. Operacionalização do Direito Humano à Alimentação no contexto da promoção do desenvolvimento. g. Acesso à alimentação (geração de emprego e renda, programas de renda mínima, crédito e microcrédito, apoia pequeno e microempreendimentos, empreendedorismo, abastecimento alimentar, programas de assist6encia alimentar para populações vulneráveis, ajuda alimentar emergencial, etc.). h. Qualidade e Segurança dos alimentos. i. Proteção dos direitos dos consumidores. j. Articulação e focalização das políticas e programas de assistência e promoção da inclusão social (PRONAGER, Comunidade Ativa, Projeto Alvorada, Plano Nacional de Segurança Pública; outras políticas setoriais relevantes). k. Política de Alimentação e Nutrição (Educação Nutricional, promoção de práticas alimentares e estilos de vida saudáveis, programas de combate às carências nutricionais, programas dirigidos a populações vulneráveis, etc.). l. Relações entre Política de Comércio Internacional e Segurança Alimentar e Nutricional. m. Mecanismos de governabilidade e controle social da Política Nacional e Internacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Monitoramento crítico dos fóruns internacionais e intergovernamentais relevantes ao tema da Segurança Alimentar (Organização Mundial de Comércio (OMC), FMI, CGIAR, CSD, FAO, Banco Mundial, UNICEF, OMS, entre outros). • 1 Médico, USP, 1972; Mestre em Saúde Pública, Harvard School of Public Health, 1976; Coordenador Geral da ÁGORA – Segurança Alimentar e Cidadania; Secretaria Executiva Nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional; Secretaria Executiva Internacional do Fórum Global de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável. volta • 2 Este termo indica que a pessoa não tem garantido o seu direito humano a uma alimentação adequada. Pode se manifestar de diferentes formas, em diferentes momentos: alimentos em quantidade insuficiente, redução do número de refeições, acesso irregular a alimentos; baixa qualidade nutricional dos alimentos, etc. volta • 3 Ver VALENTE, F.L.S: Inserção de componentes de alimentação e nutrição nas políticas governamentais e na estratégia nacional de desenvolvimento. Relatório Final TCP/BRA/4453. FAO, Brasília, 1996. volta • 4 Ver: FAO/OMS Informe Final de la Conferencia Internacional sobre Nutricion., Rome, 1992. volta • 5 Ver: Kracht,U;Huq,M (1996).Realizing the right to food and nutrition through public and private action. in:Food Policy. Volume 21, No 1 March. p 73-83. volta • 6 Ver: CONSEA (1994) I Conferência Nacional de Segurança Alimentar - Relatório Final CONSEA & Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, Brasília, julho. volta • 7 Ver: CONSEA (1994) Diretrizes para uma Política Nacional de Segurança Alimentar: as dez prioridades. CONSEA, Brasília. volta • 8 Ver: Valente, FLS 1997 volta • 9 in: EIDE, A. The right to adequate Food and to be free from hunger. E/CN.4/Sub.2/1999/12. Geneva: Commission on Human Rights, June 1999. volta • 10 Ver Comentário Geral, item 6. volta • 11 James, P. et alli, Ending Malnutrition by 2020: and Agenda for change in the Millenium, ACC/SCN – UN, February 2000. volta • 12 Ver Valente, 1997 volta • 13 PELIANO, A.M.T.; BEGHIN,N. “Brasil: os programas federais de alimentação e nutrição no início da década de 90”, Brasília, 1994. (mimeo) volta • 14 Ver: LULA DA SILVA, L.I; GOMES, J.; Política Nacional de Segurança Alimentar. São Paulo, Governo Paralelo, 1991. volta • 15 Ver : Peliano, A.M (coord) (1993) O Mapa da Fome: Subsídios à Formulação de uma Política de Segurança Alimentar. Documento de Política n 14. IPEA, Brasília.; Peliano, A.M (coord) (!993) O Mapa da Fome II: Informações sobre a indigência por Municípios da Federação. Documento de Política n 15. IPEA, Brasília; Peliano, A.M (coord) (1993) O Mapa da Fome III: Indicadores sobre a Indigência no Brasil (classificação absoluta e relativa por municípios). Documento de Política n 17. IPEA, Brasília. volta • 16 Ver : Crusius, Y.R. (Coord.) (1993)Plano de Combate à Fome e à Miséria. Princípios, Prioridades e Mapa das Ações de Governo. IPEA, Brasília. volta • 17 Ver: IPEA, “Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil” .Cadernos Comunidade Solidária, v.2, nov.1996, Brasília, IPEA, 1996. volta • 18 Secretaria Executiva do Comunidade Solidária. “O programa Comunidade Ativa”,. Brasília,. 2001. (mimeo) volta • 19 Casa Civil da Presidência da República. “Projeto Alvorada”, Brasília, Setembro 2000. volta • 20 Plano de Gestão das Áreas Técnicas da Coordenação de Desenvolvimento de Práticas da Atenção Básica. Brasília, 2000. volta 4 O Direito à Moradia Nelson Saule Júnior1 Maria Elena Rodriguez2 1. Introdução A Emenda 26, de 14 de fevereiro de 2000, que alterou a Constituição Federal de 88, trouxe à categoria de direitos sociais a moradia, junto com a educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Ou seja, após 12 anos de sua edição original, a Constituição finalmente consagra o direito à moradia como dentre aqueles que conferem dignidade aos cidadãos. Isto mostra uma verdadeira alteração na relação que se estabelece entre o Poder Público e os administrados. A moradia no Brasil nunca antes foi percebida como um Direito Humano, mas como um problema social que deveria ser solucionado através de instituições e programas estatais de financiamento e construção. O reconhecimento desse direito é fruto de toda uma construção de entendimento principalmente pelo árduo trabalho desenvolvido pelas inúmeras organizações populares voltadas à discussão da moradia popular. Quantas caravanas foram realizadas, nos Estados e em Brasília; quantas manifestações contra os despejos violentos, as reintegrações sem processo, ou a própria violência do Poder Judiciário e da Polícia Militar para cumprimento de uma determinação judicial. Foram necessárias para que figurasse no texto constitucional um direito elementar para o cidadão. Mas o que nos preocupa, e este é o objeto deste texto, é a aplicação do direito. Quais os instrumentos legais disponíveis para a concretização do direito à moradia? O Estado estaria preparado para adequar-se ao cumprimento da norma constitucional? O Poder Judiciário tem como fazer valer esta norma programática de modo a impedir que o poder econômico venha a interferir nesta questão? É inegável que o texto constitucional na forma como está, e mais recentemente a edição do Estatuto da Cidade (2001), veio a trazer novos elementos para a construção de uma nova ordem jurídica no país, no que diz respeito às questões urbanísticas e voltadas para o direito à moradia. No entanto, é preciso aprofundar mais e mais a discussão sobre os problemas hoje existentes na estrutura dos Poderes constituídos de modo a evitar uma não aplicação da legislação e novos casos de violência sejam observados. 2. Fundamentos Legais da proteção do Direito à Moradia no Brasil 2.1 A Proteção do Direito à Moradia na Constituição Brasileira e nos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos O direito à moradia é reconhecido como um direito humano em diversas declarações e tratados internacionais de direitos humanos do qual o Estado Brasileiro é parte, em especial na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 (artigo XXV, item 1), no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (artigo 11)3 , na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 (artigo V), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1979 (artigo 14.2, item h), a Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989 (artigo 21, item 1), na Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver, de 1976 (Seção III (8) e Capítulo II (A.3)), na Agenda 21 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (Capítulo 7, item 6). Por meio da emenda constitucional n° 26, o direito à moradia está previsto expressamente no artigo 6° da Constituição que dispõe sobre os direitos sociais. O direito à moradia como integrante da categoria dos sociais, para ter eficácia jurídica e social, pressupõe a ação positiva do Estado por meio de execução de políticas públicas, no caso, em especial, da promoção da política urbana e habitacional. Essa obrigação, na verdade, tem dois aspectos. Um de caráter imediato de impedir a regressividade do direito à moradia, de impedir medidas e ações que dificulte ou impossibilite o exercício do direito à moradia. Por exemplo, de impedir a existência de um sistema e uma política habitacional que acarrete a exclusão e medidas discriminatórias de impedimento de acesso ao direito à moradia para uma grande parcela da população, como de fato tem sido, infelizmente, o papel do sistema financeiro da habitação brasileiro, sendo obrigatório, portanto a reformulação desse sistema. O outro aspecto da obrigação do Estado Brasileiro de promover e proteger o direito à moradia é de intervir e regulamentar as atividades do setor privado referente à política habitacional, como a regulamentação do uso e acesso a propriedade imobiliária, em especial, a urbana, de modo que atenda sua função social, regulamentar o mercado de terra, dispor sobre sistemas de financiamento de habitação de interesse social, promover programas de urbanização e regularização fundiária nos assentamentos informais de modo a promover a integração social e territorial das comunidades carentes que vivem nestes assentamentos. O Estado Brasileiro tem a obrigação de adotar as políticas, ações e demais medida compreendidas e extraídas do texto constitucional para assegurar e tornar efetivo esse direito, em especial aos que se encontram no estado de pobreza e miséria nas cidades brasileiras. Uma das medidas necessárias é criar uma nova ordem legal urbana que promova uma proteção legal e segurança jurídica para as pessoas e comunidades que vivem em assentamentos precários mediante a eliminação e não aplicação de normas que acarretem algum tipo de restrição e discriminação sobre o exercício do direito à moradia. No Brasil, uma nova ordem legal urbana vem sendo construída a partir dos anos 90, contendo instrumentos de política urbana voltados a proteger o direito à moradia, combater a exclusão territorial e social. Esta nova ordem legal passou a ser construída com base na Constituição Brasileira de 1988, que reconheceu o direito à moradia como um direito fundamental, adotou como instrumentos da política urbana a lei federal de desenvolvimento urbano (Estatuto da Cidade), o plano diretor, o parcelamento e a edificação compulsórios, o imposto sobre a propriedade urbana progressivo no tempo e a desapropriação para fins de reforma urbana que devem ser aplicados pelos Municípios para garantir que a propriedade urbana tenha uma função social. Para fins de proteção do direito à moradia de grupos sociais que vivem em assentamentos urbanos precários a Constituição Brasileira adotou os institutos do usucapião urbano e da concessão especial de uso para fins de moradia que foram regulamentados pelo Estatuto da Cidade. 2.2 Obrigações e Responsabilidades do Estado Brasileiro A Federação Brasileira tem como característica fundamental a definição dos deveres e obrigações da União, Estados e Municípios, para assegurar os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana através da implementação de políticas públicas que atendam os objetivos fundamentais de promover a justiça social, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, assegurar a cidadania e a dignidade da pessoa humana. A União pelo artigo 21, inciso XX, da Constituição tem a competência privativa para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. Essas diretrizes são necessárias para a definição da política urbana que deve ser desenvolvida de forma integrada e ordenada entre os organismos governamentais responsáveis pelo setor no âmbito das entidades federativas. A União no estabelecimento dessas diretrizes na área de habitação deve, por exemplo, definir os critérios objetivos para a aplicação e destinação dos recursos do sistema financeiro de habitação (Sistema de Poupança, Fundo de Garantia FGTS e recursos orçamentários), compreendendo os critérios para a utilização desses recursos pelos Estados, Municípios, agentes privados e agentes sociais, em programas e projetos de habitação de interesse social. No campo legislativo, a União, por ter a competência privativa para legislar sobre direito civil (art.22, inciso I), tem a competência para disciplinar as relações privadas sobre o direito à moradia e o direito de propriedade, em especial o regime da locação de imóveis, de posse, uso, usufruto, e dos instrumentos de transferência da propriedade como o contrato de compra e venda. A União cabe também instituir diretrizes gerais sobre a política fundiária. No Brasil tem o grave problema do acesso a terra, demonstrado pelos vários conflitos de posse seja na área urbana e rural causando muitas vezes violência física e morte dos posseiros e famílias envolvidas no conflito. Diante do elevado número de grandes propriedades ociosas sem função social deve ser reformado tanto o código civil e de processo civil sobre os institutos da posse e da propriedade, como a de estabelecer juizados especiais para julgar estes conflitos, estabelecer a obrigatoriedade de procedimentos e audiências públicas de negociação e conciliação, com a participação do Poder Público, bem como a obrigatoriedade da inspeção judicial, isto é da presença física do juiz no local do litígio como requisito para ser proferida a decisão judicial, de modo a aprimorar o procedimento das audiências de justificação de posse e substituindo o instrumento das medidas liminares que tem gerado mais o agravamento do conflito social do que sua solução. A União com base na competência concorrente de legislar sobre direito urbanístico estabeleceu as normas gerais de direito urbanístico através do Estatuto da Cidade (lei federal de desenvolvimento urbano) que instituiu as diretrizes e objetivos da política urbana nacional, regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição, instituiu os instrumentos urbanísticos e o sistema de gestão desta política. De acordo com o parágrafo 4 do art. 182. O Estatuto da Cidade regulamentou o usucapião urbano e a concessão especial de uso para fins de moradia instrumentos de garantia do direito à moradia que devem ser aplicados para garantir o cumprimento da função social da propriedade urbana. Quanto aos Estados com base na competência legislativa concorrente, podem editar tanto uma lei estadual de política habitacional como urbana de modo a aplicar essas políticas de forma integrada com seus Municípios. Aos Estados cabe instituir um sistema de política estadual com organismos e instrumentos próprios, cuja política deve ser destinada em especial para as áreas metropolitanas. Com relação à política habitacional, nos termos do artigo 23, inciso IX, a União, Estados e Municípios devem promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico 4 . Essa norma emite a obrigação para as entidades federativas de atender os grupos sociais marginalizados e excluídos do mercado habitacional mediante a realização de programas de habitação de interesse social, como por exemplo o de regularização fundiária e urbanização de favelas. O Município, em razão de ser o principal ente federativo responsável pela execução da política urbana, tem que desenvolver uma política habitacional de âmbito local. O Município para atender as necessidades e enfrentar o problema habitacional pode constituir órgãos governamentais e instituições municipais de habitação, pode instituir um sistema municipal de habitação que compreenda o sistema de gestão da política habitacional com participação popular como por exemplo conselhos, estabelecer mecanismos financeiros como fundos públicos, constituir programas de habitação de interesse social e instrumentos urbanísticos. O Município para desenvolver a política urbana e habitacional municipal, deve instituir o plano diretor como o instrumento básico destas políticas, de modo que sejam estabelecidos as diretrizes e os instrumentos sobre o uso e ocupação do solo urbano, formas de cooperação entre o setor público e privado, e disciplina os critérios para o uso social da propriedade urbana. O Município também pode adotar como instrumentos leis específicas de habitação de interesse social e de planos de urbanização para assentamentos em condições precárias de habitabilidade, operações de interesse social, transferência do direito de construir, solo criado, zonas especiais de interesse social e a concessão de direito real uso para fins de regularização fundiária. 2.3 Direito a Cidades Sustentáveis Fundamento da Proteção do Direito à Moradia e Questão de Justiça Social As cidades informais caracterizadas pelas áreas onde se localizam as favelas, os loteamentos populares irregulares e clandestinos nas periferias urbanas, nas áreas declaradas de proteção ambiental, as ocupações coletivas de área urbana, conjuntos habitacionais em condições precárias ou abandonados, os cortiços e habitações coletivas em condições precárias nas regiões centrais da cidade, são situações concretas que evidenciam a necessidade de constituir uma política urbana contendo um novo marco legal para as cidades com o objetivo de promover a integração social e territorial da população que vive nestes assentamentos urbanos. O direito à moradia e o direito a cidades sustentáveis reconhecidos como direitos humanos pelo sistema internacional e nacional de proteção dos direitos humanos são os fundamentos para a promoção de uma política urbana que tenha como meta e prioridade a urbanização e regularização dos assentamentos precários visando a melhorar as condições de vida, tanto no aspecto da moradia como ambiental (implantação de rede de esgoto e tratamento dos resíduos, canalização dos córregos, educação ambiental, recuperação e reposição de áreas verdes), bem como a regularização fundiária visando a conferir uma segurança jurídica à população moradora dos assentamentos. Os pressupostos para a constituição de uma nova ordem legal urbana, destinada a legalizar e urbanizas as áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda, tendo o direito à moradia como elemento essencial são os seguintes: • o direito a cidades sustentáveis - entendido como o direito aos meios de subsistência, à moradia, ao saneamento, à saúde, à educação, ao transporte público, à alimentação, ao trabalho, ao lazer e à informação. Inclui também o direito à liberdade de organização, o respeito às minorias e a pluralidade étnica, sexual e cultural, o respeito aos imigrantes e o reconhecimento de sua plena cidadania; a preservação da herança histórica e cultural e ao usufruto de um espaço culturalmente rico e diversificado, sem distinções de gênero, nação, raça, linguagem e crenças; e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; • o desenvolvimento urbano ambientalmente sustentável, voltado a garantir a articulação das dimensões ambiental e social, e a sua integração ao conjunto das políticas e planos para a cidade, assegurando o acesso democrático aos recursos ambientais e paisagísticos e promovendo uma efetiva melhoria da qualidade de vida; • gestão democrática da cidade, entendida como a forma de planejar, produzir, operar e governar as cidades e povoados, que garantam o acesso a informação, participação e controle social sobre os processos decisórios nos vários níveis, e o fortalecimento do poder local; e • garantia das funções sociais da cidade e da propriedade, entendida como a prevalência do interesse comum sobre o direito individual de propriedade, como o uso socialmente justo do espaço urbano para que os cidadão se apropriem do território, democratizando seus espaços de poder, de produção e de cultura dentro dos parâmetros de justiça social e da criação de condições ambientalmente sustentáveis. 3. Breve Histórico da Habitação no Brasil 3.1 A Questão da Moradia vira Política Antes de 1930 a produção e a distribuição de unidades habitacionais eram deixadas a cargo da iniciativa privada. Só durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, o líder populista que representou os setores industriais urbanos, a área começou a ser percebida como um problema que precisa ser resolvido através de intervenção estatal. Através dos novos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) foram construídos conjuntos habitacionais para certas categorias de profissionais (bancários, ferroviários, etc.) As demandas de moradia para a classes mais necessitadas cresceram e, em 1946, foi criada outra agência de financiamento e construção para os pobres, independente dos IAPs: a Fundação da Casa Popular. Seus objetivos eram ambiciosos: construir habitações para venda e locação, apoiar a indústria de materiais de construção, implementar projetos de saneamento e definir regras para construções habitacionais. A moradia tornou-se uma das preocupações principais do governo nos anos 1961-2 por causa da “Aliança do Progresso”, um programa incentivado pelo governo norte-americano em toda América Latina, para evitar que mais países seguiriam o exemplo da revolução cubana. Na época, o Banco Interamericano propôs o financiamento de um Plano de Assistência Habitacional e a substituição da Fundação da Casa Popular pelo Instituto Brasileiro de Habitação. A ênfase para a casa própria particular fazia parte da política de limitações às rebeliões da classe trabalhadora e apoio à mobilidade social individual. 3.2 O Sistema Financeiro de Habitação O estabelecimento do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) logo após a tomada do poder pelos militares, em 1964, seguiu a estratégia do estado autoritário, procurando encontrar na habitação um instrumento de autolegitimação, espalhando “o sonho da casa própria” para toda a sociedade brasileira. Acima de tudo, foi uma forma de garantir emprego à mão-de-obra desqualificada, tornando a construção civil atraente ao capital doméstico e atuando como um anteparo à recessão econômica. O crescimento dos empregos na construção civil durante os anos 60 foi de 8,2%, e durante os anos 70, 6,2% ao ano, comparado com 5,2 e 7,7% ao ano para a indústria em geral.5 O Banco Nacional de Habitação foi criado com autoridade para “guiar, disciplinar e controlar” o SFH e promover a construção e aquisição de casas, especialmente aos grupos de baixa renda. Com dinheiro do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), fundos governamentais e poupança voluntária, o sistema financiou 4,4 milhões de unidades habitacionais entre 1964 e 1985. Mas, segundo a arquiteta Ermínia Maricato, o sucesso do SFH se deveu exatamente por tratar a habitação como uma mercadoria a ser produzida e comercializada em moldes estritamente capitalistas e o fato de ignorar os setores de menores rendimentos: os aproximadamente 77% da população que ganha de cinco salários para baixo6 . A ilegalidade das ocupações de terra, a irregularidade de loteamentos e construções chegaram a índices tão altos nas cidades brasileiras (à exceção de Brasília) que superaram, na maior parte dos casos, as ocupações regulares. Se o Estado fez “vistas grossas” a esse universo de clandestinidade, era porque era a forma que encontrou de oferecer uma válvula de escape para as necessidades objetivas e concretas que a massa de trabalhadores urbanos, e a massa pobre recentemente chegada do campo, tinham de habitação. Era uma forma ainda de viabilizar a produção barata de força de trabalho. Desde o início dos anos 70, o BNH passou sistematicamente a orientar seus recursos para o financiamento de governos estaduais e municipais na produção de obras de infra-estrutura urbana, tais como implantação e melhoria de abastecimento de água e esgoto sanitário, do sistema viário e pavimentação, da rede de distribuição de energia elétrica, de transporte, de drenagem de águas pluviais e outras. O financiamento da habitação diminuiu até apenas a metade (53,7%) dos investimentos em 1976.7 3.3 O Plano Nacional de Habitação Popular Reconhecendo o fracasso do BNH para alcançar moradia para os setores mais pobres da população, o governo, em 1973, lançou o Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP) com o correspondente Sistema de Financiamento de Habitação Popular (SIFHAP). A partir de 1976 começaram a surgir alguns resultados palpáveis com o revigoramento das Companhias Habitacionais (COHABs). Até então, essa forma de construção, voltada para a população com renda mais baixa, estava marcada com casos de obras paralizadas, ineficácia, burocracia e inadimplência de até 90%.8 O primeiro grande engano da proposta era não reconhecer a fragilidade, enquanto mercado, da população à qual as COHABs se dirigiam inicialmente. Mas, até 1982 foram desenvolvidos cada vez mais projetos “de interesse social”, como são chamadas no jargão do BNP. Os índices de inadimplência diminuíram sensivelmente. O BNP tinha descoberto a classe média baixa (35 salários mínimos). Persistiu o desafio da população com renda mais baixa (0-3 salários). Os vários programas dirigidos especialmente a esse segmento em 1977-80 nem sequer conseguem atenuar o intenso processo de favelização e queda na qualidade habitacional nesse mesmo período9 . Várias tentativas fracassadas de “remover” os habitantes das favelas nos centros das grandes metrópoles para novos assentamentos nas periferias finalmente levaram o BNH a reconhecer que a “cidade ilegal” veio para ficar. O discurso oficial mudou, sob pressão dos novos movimentos populares, urbanos e camponeses, e associações de favelados, que emergiam com reivindicações sobre a posse da terra e infra-estrutura. 3.4 Período Pós Regime Militar Uma nova política habitacional a cada governo – baseada sempre nos mesmos diagnósticos e diretrizes e referendada por seminários, grupos de trabalho, consultores e audiências públicas – acaba resultando, na prática, num tímido conjunto de ações pontuais, com objetivos tão similares que não justificam ser denominadas programas diferentes. As griffes são as grande novidades. Aliás, já esgotamos o dicionário e estamos repetindo griffes do passado10 . Uma novidade são os Conselhos Estaduais, instrumentos de descentralização e “gestão social” de uma parte dos recursos do FGTS nas áreas de habitação e saneamento. Mas, com autonomia limitada, e tendo que aplicar basicamente as regras preestabelecidas pelo governo federal, os conselhos têm pouco espaço para adapta-las às peculiaridades regionais e reais. Criados por decreto do Executivo estadual, os conselhos raramente representam a sociedade de forma democrática11 . Habitação e equipamento urbano encontram-se hoje vinculados ao Ministério do Planejamento e Orçamento. O setor tem nível de secretaria e conta com uma estrutura técnica e política muito mais fraca que seu operador – a Caixa Econômica Federal. A Caixa é, na prática, o único agente financeiro do atual sistema de habitação. O carro-chefe do sistema é o programa Carta de Crédito, a nova griffe do Programa que na época do BNH chamava-se Financiamento para Construção, Aquisição, Conclusão e Melhoria da Unidade Habitacional (FICAM). É um instrumento para aquisição de imóveis para habitação, novos e usados, uma excelente alternativa para quem tem um terreno legalizado ou para o candidato à compra de uma habitação pronta. Mas, como os seus antecessores, não atinge a população mais carente. 4 Situação Atual da Moradia no Brasil 4.1 A Carência de Moradias Adequadas Enquanto o Governo vai realizando políticas fragmentadas e inexpressivas, o déficit habitacional por novas moradias, chamado de déficit quantitativo, indica a necessidade de produzir. Neste déficit, 85% está situado entre famílias que ganham até cinco salários mínimos, sendo que as famílias com renda até dois salários mínimos correspondem a 55% do déficit. Somente 6% correspondem a famílias com renda acima de dez salários mínimos. O número oficial para o déficit habitacional quantitativa é de 5,6 milhões de novas unidades (quatro milhões de novas habitações nas áreas urbanas e mais 1,6 milhão nas áreas rurais), causado principalmente pela coabitação familiar (63%), e concentrando-se nas áreas urbanas (70,7%), na região nordeste (44,7%) e na população cujo rendimento familiar oficial é inferior a cinco salários mínimos (85%). Existem, ainda, cinco milhões de moradias com infra-estrutura inadequada que possuem água, mas ela não é tratada; com solução de esgoto, mas inapropriada. Constam também 2,4 milhões de domicílios inadequados por adensamento excessivo ou pelo uso de materiais precários na sua construção. O déficit habitacional qualitativo é elevado por abranger os assentamentos urbanos informais ocupados por população de baixa renda. Para o conjunto das cidades brasileiras havia 1.336.675 domicílios particulares permanentes localizados em áreas de assentamentos informais (IBGE 1998), dos quais 79,8% se localizavam nas principais regiões metropolitanas do país. A região metropolitana de Recife tinha o percentual de 26,2% de domicílios localizados em favelas, a região metropolitana de Belém tinha 22,1%. A maior concentração de moradias em favelas estão concentradas nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro (24,9%), São Paulo (17,0%) e Recife (15,5%). Com relação ao saneamento básico adequado existem cerca de 13 milhões de moradias urbanas com condições de saneamento precárias. Os maiores déficits de serviços de saneamento básico estão concentrados nos domicílios com rendimentos de até meio salário mínimo, onde 67,2% dos domicílios com este patamar de renda encontram-se em condições de precariedade. Na região nordeste a proporção de domicílios sem condições de saneamento básico adequado alcança 81,7%. Com relação aos serviços de coleta direta e indireta de lixo, 2,6 milhões de domicílios ainda não são atendidos por este tipo de serviços. No Brasil apenas 29% do lixo coletado tem destino final adequado. São coletados no país 44,7% de lixo produzido pelas classes de rendimento menor que dois salários mínimos e 95,3% das famílias com rendimentos superiores a dez salários mínimos. 4.2 Casos de Despejos Forçados Tipos de Conflitos Urbanos Com base no levantamento efetuado através do Instituto de Políticas Sociais e Universidade Ibirapuera de São Paulo (Polis) sobre os casos de conflitos ambientais urbanos existentes na cidade de São Paulo (dez milhões de habitantes) que foram objeto de ações e decisões judiciais no Judiciário do Estado de São Paulo nos anos de 1996-98, foi possível identificar os seguintes tipos de conflitos relacionados com os despejos forçados: • Ocupações individuais e coletivas de terras públicas – favelas; • Ocupações individuais e coletivas de terras privadas por Grupos Sociais; • Ocupações coletivas de prédios públicos na região central da cidade por grupos e movimentos de moradores de cortiços; • Ocupações individuais e coletivas de espaços vazios embaixo de pontes e viadutos; • Implantação de loteamentos populares irregulares ou clandestinos em áreas de proteção aos mananciais, por empresas e imobiliárias, por associações comunitárias ou cooperativas habitacionais; • Implantação irregular de conjunto habitacional e loteamento urbano pelo Poder Público; e • Implantação irregular de conjunto habitacional por associações comunitárias pelo Sistema de Mutirões. Esses tipos de conflitos ocorrem em diversas cidades brasileiras devido o aumento dos assentamentos informais que estão organizados fora do campo da legalidade urbana tais como favelas, ocupações coletivas de terra, loteamentos clandestinos e irregulares nos bairros de periferia, e do aumento dos cortiços e habitações coletivas, ocupações de conjuntos habitacionais e de prédios públicos abandonados nas regiões centrais da cidade de São Paulo. Essa realidade tem gerado o agravamento do quadro de degradação ambiental e das desigualdades sociais e territoriais nas cidades brasileiras, devido à existência de duas cidades num mesmo território: a cidade legal onde vivem os incluídos e a cidade informal – real onde vive a maioria da população na condição de excluídos e marginalizados. As mudanças da ordem legal urbana feitas através do Estatuto da Cidade são direcionadas para a constituição de leis locais que contenham instrumentos legais que os Governos Locais possam utilizar contra os proprietários de terra e imóveis que não cumprem a função social, em especial os especuladores urbanos, tais como o imposto progressivo sobre a propriedade, a edificação e o parcelamento compulsório e a desapropriação para fins de reforma urbana, com o objetivo de democratizar o acesso de todos que vivem na cidade à uma moradia digna. As mudanças na ordem legal urbanas promovidas pelo Estatuto da Cidade implicam no estabelecimento de medidas que reconheçam a legalidade dos assentamentos informais consolidados como as favelas, cortiços, loteamentos populares nas periferias urbanas, com o objetivo de: a) impedir a continuidade da violação dos direitos humanos através dos despejos forçados contra a população que vive nos assentamentos informais, por estes serem considerados ilegais no campo da legislação urbana; b) reconhecer o direito de todos aqueles que vivem num assentamento informal consolidado de ter um titulo formal da área urbana em que vivem, de obter uma moradia digna com infra-estrutura urbana e prestação de serviços públicos (saneamento básico, transporte, iluminação pública, saúde, educação, etc.); e c) gerar obrigações para o Poder Público de melhorar as condições urbanas e ambientais, através de planos de urbanização, destinados à implantação da infra-estrutura urbana e prestação dos serviços públicos. 4.3 Falta de Acesso à Justiça A maioria da população que vive nos assentamentos urbanos informais tem grandes dificuldades para proteger e promover a defesa de seus direitos, em muitas situações pelo próprio desconhecimento sobre os seus direitos como cidadão. No caso dos despejos forçados a população atingida com raras exceções não tem profissionais do direito (advogados, defensores públicos, procuradores) para promover a defesa dos seus direitos, por falta de assistência jurídica que de acordo com a Constituição Brasileira deve ser prestada pelo Estado de forma integral e gratuita às pessoas carentes. A instituição responsável pela prestação deste serviço é a Defensoria Pública que deve ser organizada pela União e pelos Estados. Devido a poucos Estados terem criado as Defensorias Públicas, a prestação deste serviço é muito precária no Brasil. Os órgãos de assistência jurídica existentes são insuficientes para atender as necessidades da população carente. Uma das formas de suprir esta deficiência é através da criação de serviços de prestação de assistência jurídica pelos municípios para prestar orientação jurídica e promover a proteção dos direitos dos grupos sociais carentes. O Município pode também estabelecer parcerias com organizações não governamentais de direitos humanos para a realização do serviço. 4.4 Sistema de Justiça inadequado para solução dos conflitos de despejos forçados O Poder Judiciário brasileiro não contém em sua estrutura organizacional, esferas judiciais que tenham a capacidade e a eficiência para lidar com os conflitos coletivos e ambientais urbanos que resultam em situações de despejos forçados. Na justiça de primeira instância, os casos que resultam em despejos forçados são julgados, na maioria das vezes, numa vara de assuntos cíveis onde o juiz lida basicamente com interesses individuais como casos de família (casamentos, inventários), e de cumprimento ou não de obrigações entre particulares. Essa situação também se verifica nos Tribunais dos Estados que são responsáveis por julgar, ao mesmo tempo, os conflitos ambientais urbanos resultados da remoção de mil famílias de um loteamento que foi declarado ilegal e um conflito sobre divisão de bens de um casal de classe média, por exemplo. Apesar da Constituição Brasileira possibilitar a criação de juizados especiais, essa medida, até o momento, não foi adotada em nenhum Estado da Federação brasileira, visando criar uma instância judicial especializada na solução de conflitos urbanos de grande impacto social na cidade. Outro problema no sistema da justiça brasileira é dos municípios de grande porte populacional e dos municípios situados nas regiões metropolitanas não terem competência para poder organizar uma Justiça Municipal para resolver assuntos de interesse urbano, pois somente a União e os Estados federados podem ter uma justiça própria. Em muitos casos de despejos forçados, o governo local tem sido o papel de promover o processo de mediação e negociação entre a população atingida, os responsáveis pelo pedido de remoção na Justiça, os órgãos governamentais, o Poder Judiciário e os demais atores da sociedade envolvidos e interessados na solução do conflito. Em muitos desses casos a intervenção do governo local tem sido muito mais eficaz que a do Judiciário para estabelecer acordos entre as partes, evitando o despejo forçado. Essas experiências reforçam a proposta de serem criadas esferas públicas especializadas pelo próprio Poder Judiciário no âmbito das cidades para a solução de conflitos ambientais urbanos, com a participação obrigatória do governo local no processo de mediação e negociação. 5 Estatuto da Cidade Instrumento Legal de Proteção do Direito à Moradia 5.1 Significado e Diretrizes do Estatuto da Cidade Desde o início da década de 90 o projeto de lei federal de desenvolvimento urbano denominado “Estatuto da Cidade”12 , tem sido o marco referencial para a instituição da lei que regulamenta o capítulo da política urbana da Constituição Brasileira. Durante este período ocorreram vários processos de negociação para a instituição desta lei, tendo por base o Estatuto da Cidade, com a participação de diversos atores sociais como o Fórum Nacional de Reforma Urbana, os Governos Municipais e os agentes privados representantes do setor imobiliário e da construção civil como a Câmara Brasileira da Construção Civil (Cebic). No dia 18 de junho de 2001, o Congresso Brasileiro aprovou o Estatuto da Cidade (lei federal n°10.527/01) que no dia 10 de julho foi sancionada pelo Presidente da República, com um veto significativo com relação ao instrumento de regularização fundiária da concessão especial de uso para fins de moradia. Apesar do veto o Governo Brasileiro no dia 5 de setembro editou a medida provisória n° 2.220/2001 reintroduzindo no Estatuto da Cidade a concessão especial de uso para fins de moradia como um direito à moradia subjetivo, e criando o Conselho Nacional de Política Urbana. Resultado significativo deste processo é o fato das diretrizes e os instrumentos de política urbana terem sido regulamentados com base nas experiências de política urbana, habitacional e de regularização fundiária e de participação popular vivenciadas em diversas cidades brasileiras na década de 90. O Estatuto da Cidade é uma lei inovadora que abre possibilidades para o desenvolvimento de uma política urbana com a aplicação de instrumentos de reforma urbana voltados a promover a inclusão social e territorial nas cidades brasileiras e que considere os aspectos urbanos e sociais e políticos de nossas cidades. O fato de ter levado mais de uma década para ser instituída não significa que seja uma lei antiga ou desatualizada. Pelo contrário, é uma lei madura que contempla um conjunto de medidas legais e urbanísticas essenciais para a implementação da reforma urbana em nossas cidades. O Estatuto define quais são as ferramentas que o Poder Público, especialmente o Município deve utilizar para enfrentar os problemas de desigualdade social e territorial nas cidades, mediante a aplicação das seguintes diretrizes e instrumentos de política urbana: • diretrizes gerais da política urbana, cabendo destacar a garantia do direito a cidades sustentáveis, a gestão democrática da cidade, a ordenação e controle do uso do solo visando evitar a retenção especulativa de imóvel urbano, e a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda; • instrumentos destinados a assegurar que a propriedade urbana atenda a sua função social tais como o plano diretor, o parcelamento e edificação compulsória de áreas e imóveis urbanos, IPTU - imposto sobre a propriedade urbana progressivo no tempo, desapropriação para fins de reforma urbana, o direito de preempção, a outorga onerosa do direito de construir (solo criado); • instrumentos de regularização fundiária: usucapião urbano, concessão de direito real de uso, zonas especiais de interesse social; e • instrumentos de gestão democrática da cidade: Conselhos de Política Urbana, Conferências da Cidade, orçamento participativo, audiências públicas, iniciativa popular de projetos de lei e estudo de impacto de vizinhança. A primeira diretriz do Estatuto reconhece e qualifica o direito às cidades sustentáveis, que passa a ter vigência como um dos direitos fundamentais da pessoa humana que fazem parte do conjunto dos direitos humanos. A Constituição brasileira pelo § 2° do artigo 5° estabelece que os direitos e garantias expressos na Constituição, não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O direito a cidades sustentáveis como um direito humano é um direito interligado, interdependente e inter-relacionado com os demais direitos humanos, em especial os direitos econômicos, sociais e culturais. Este direito é o paradigma para a observância das funções sociais da cidade, que estarão sendo respeitadas quando as políticas públicas forem voltadas para assegurar as pessoas que vivem nas cidades o acesso à terra urbana, moradia, saneamento ambiental, infra-estrutura urbana, transporte e serviços públicos, trabalho e lazer para as presentes e futuras gerações. A promoção das políticas públicas pelo Poder Público e demais atores sociais deve ser realizada mediante a integração das políticas setoriais tendo como diretriz dessa integração a efetivação do direito a cidades sustentáveis. O direito a cidades sustentáveis tem como fonte de origem os princípios constitucionais das funções sociais da cidade e da propriedade, norteadores da política urbana. Pertencente à categoria dos direitos difusos como o direito ao meio ambiente, o direito a cidades sustentáveis preconiza a meta fundamental da república brasileira para o desenvolvimento urbano de tornar as cidades brasileiras mais justas, humanas, democráticas e sustentáveis. O direito a cidades sustentáveis é um novo direito fundamental positivado, oriundo da fonte legitimadora das normas constitucionais da política urbana, emenda popular de reforma urbana apresentada na Assembléia Nacional Constituinte que já apontava a necessidade do reconhecimento constitucional dos direitos urbanos. Assegurar o pleno exercício do direito a cidades sustentáveis é a diretriz chave da política urbana que deve ser implantada nas cidades brasileiras tendo as pessoas humanas como a prioridade desta política. O pleno exercício do direito a cidades sustentáveis compreende condições dignas de vida, de exercitar plenamente a cidadania e os direitos humanos (direitos civis e políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais), de participar da gestão da cidade, de viver numa cidade com qualidade de vida, sob os aspectos social e ambiental. Com base no direito a cidades sustentáveis, o Estatuto da Cidade adota como uma diretriz da política urbana, nos termos do inciso XIV do artigo 2°, a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, considerada a situação socioeconômica da população e as normas ambientais, visando assegurar direito à moradia de modo a conferir a segurança jurídica da posse para esta população. Normas ambientais, neste caso, devem ser compreendidas no aspecto de qualidade de vida das pessoas que vivem nos assentamentos precários, de modo que a urbanização seja realizada conjugando a moradia e o saneamento básico tanto com relação ao lixo e ao tratamento dos esgotos, canalização dos córregos, construir muros de arrimos. As normas ambientais são aplicáveis para legalizar e urbanizar as favelas e não para manter a ilegalidade e a precariedade do assentamento. A aplicação de uma legislação totalmente inadequada como a do código florestal para impedir a legalização e a urbanização de uma área urbana de uma cidade que deixou de ser floresta contraria o mandamento constitucional de proteção do direito à moradia. As normas jurídicas devem ser aplicadas para atender uma situação fática e não fictícia. As normas de preservação ambiental do Código Florestal devem ser aplicadas na cidade se de fato existir em seu território uma floresta como é o caso da Floresta da Tijuca na cidade do Rio de Janeiro. No caso de um assentamento urbano de população de baixa renda consolidado, devem ser constituídas normas jurídicas especiais sobre o uso e parcelamento do solo pelo Município que tem a competência constitucional para dispor sobre uso e ocupação do solo urbano. Com esse entendimento a Lei Federal n° 9.788 de 29/01/99, que alterou a lei n° 6.766/79 que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, estabelece em seu artigo 3°, pelo qual somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. O reconhecimento do direito à moradia das populações que vivem em favelas e cortiços é um legado pendente da forma segregadora de ocupação do território brasileiro desde o regime formal da abolição da escravidão do fim do século XIX e do disciplinamento do regime de propriedade fundiária pela Lei de Terras de 1850, que precisa ser resolvido neste início do século XXI. Somente a partir de medidas efetivas de legalização e urbanização destes territórios, será possível iniciar o processo tardio de justiça social em nosso país. A aplicação dos instrumentos jurídicos da política urbana, criados pelo artigo 183 da Constituição Federal para regularização fundiária13 , aliados aos de urbanização, permitirão aos municípios brasileiros que revertam o quadro comum da ocupação do solo urbano. Somente desta forma será eliminada a exclusão espacial e social vivida nas cidades brasileiras. Para tornar efetiva a proteção ao direito à moradia que faz parte dos direitos humanos, o Estatuto da Cidade, arrola com instrumentos da política de regularização fundiária nos termos do inciso V do artigo 4°, as zonas especiais de interesse social(“f”), concessão de direito real de uso (“g”), concessão de uso especial para fins de moradia (“h”), usucapião especial de imóvel urbano (“j”), assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos (“r”)14 . 5.2 Usucapião Especial de Imóvel Urbano 5.2.1 Finalidade e Requisitos Constitucionais O usucapião urbano, na verdade, cumpre simultaneamente duas finalidades diante da realidade de milhões de famílias brasileiras pobres, que por estado de necessidade social, encontrarem-se vivendo em favelas, cortiços, conjuntos habitacionais invadidos e loteamentos irregulares na chamada cidade clandestina. A primeira, como um instrumento de regularização fundiária para assegurar o direito à moradia desses segmentos sociais. A segunda finalidade é garantir o cumprimento da função social da propriedade através da promoção de uma política de regularização fundiária. O usucapião é a forma originária de aquisição do direito de propriedade, que é legalmente dada ao possuidor que ocupa como sua área de terras, sem oposição pelo prazo fixado em lei. 5.2.2 Os Requisitos do Usucapião Urbano Individual Nos termos do artigo 9º, o reconhecimento do usucapião urbano é possível se a área ou a edificação de até 250m² for ocupada exclusivamente para fins de moradia, pelo prazo ininterrupto e sem oposição de 5 anos. Como já estava estabelecido na Constituição Federal, o direito será reconhecido ao homem ou mulher, ou a ambos, independentemente de seu estado civil, para aquele/a que não for proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Inovou ao reconhecer este direito ao herdeiro legítimo a continuidade do prazo de 5 anos, desde que já estivesse morando no local. 5.2.3 Usucapião Urbano Coletivo O artigo 10 do Estatuto possibilitou o usucapião coletivo de áreas acima de 250m², ocupadas em regime de composse, pela população de baixa renda para moradia, durante o prazo ininterrupto e sem oposição de 5 anos. Para reconhecimento deste direito, a ser declarado por sentença pelo juiz, faz necessária a composse, ou seja, “onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor” e que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Neste caso, o possuidor poderá, para contar o prazo de 5 anos, “acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas”. A regularização fundiária das áreas urbanas ocupadas por populações de baixa renda visando a incorporação destas áreas na cidade legal foi a razão da previsão no Estatuto da Cidade do usucapião urbano coletivo como instrumento de regularização fundiária. Somente as áreas urbanas particulares, com mais de duzentos cinqüenta metros ocupadas por população de baixa renda, são passíveis de serem adquiridas pelo usucapião urbano coletivo. Se for uma área urbana ocupada pro população de renda média ou alta não é cabível o usucapião urbano coletivo. O tipo de posse existente nessas áreas urbanas, como a favela, onde a comunidade tem a posse comum ou coletiva, configura a composse prevista no artigo 448 do Código Civil, no qual cada possuidor tem a posse sobre partes ideais da coisa, exercendo-a de modo que não se exclua igual direito por parte de cada um dos compossuidores. O principal é caracterizar a composse existente nesses espaços físicos onde a comunidade através de regras de uso do solos informais convenciona as áreas destinadas para cada morador e a as áreas comuns a todos como, a igreja, escola, centro comunitário, creche, sede da Associação dos Moradores, as vielas, locais para lavagem de roupa, depósitos de lixo, etc. A caracterização da posse coletiva e o preenchimento dos demais requisitos constitucionais são os elementos suficientes para a aplicação do usucapião urbano coletivo com base no artigo 10. Esta modalidade de usucapião será um instrumento muito importante para a regularização fundiária através da aquisição do domínio pleno pelos moradores dos núcleos de favelas ou de lotes populares adquiridos pela população de baixa renda em áreas urbanas que se caracterizam como loteamentos urbanos irregulares ou clandestinos. Desta forma, sempre que for impossível individuar os lotes ocupados por cada um dos moradores, em área particular, deve ser requerido o reconhecimento do domínio através do usucapião coletivo. De acordo com o §1º do artigo 10, o possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. Vamos supor que o morador de um imóvel na favela esteve na posse deste imóvel por dois anos e o atual possuidor está na posse do imóvel há três anos, não tendo ocorrido nenhuma interrupção de posse. O atual possuidor poderá computar o prazo de posse de dois anos do antigo possuidor para fins de comprovar o tempo de cinco anos de posse para fins do usucapião urbano. 5.2.4 A Sentença de Usucapião Coletivo Nos termos do § 2º do artigo 10, a usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. O Estatuto através do § 3º do artigo 10, possibilita duas hipóteses para o juiz proferir a sentença. Na primeira, o juiz na sentença atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe. Na outra hipótese o juiz na sentença com base em acordo escrito entre os condôminos, atribuirá frações ideais diferenciadas. Nos termos do § 4º do artigo 10, o condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio. Com base nesta norma a urbanização também poderá ocorrer após a constituição do condomínio pela sentença do usucapião urbano, acarretando neste caso a possibilidade da extinção do condomínio. 5.2.5 As Partes Legítimas para Requerer e o Papel das Associações De acordo com o artigo 12 do Estatuto da Cidade, são partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana: I - o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; II - os possuidores, em estado de composse; ou III - como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. Sobre o caminho a ser perseguido para concretizar esse direito coletivo com base no artigo 5º, XXI da Constituição Federal, que confere legitimidade para as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, representar seus filiados judiciais e extrajudicialmente, é possível fundamentar que as associações comunitárias representativas dos moradores das áreas ocupadas de forma coletiva para fins de moradia tenham legitimidade para promover a ação de usucapião urbano coletivo. Na verdade, a associação comunitária atua, com base nas atribuições estatutárias, como representante dos moradores da comunidade para a obtenção do direito de moradia através do usucapião. 5.2.6 A Assistência Técnica e Jurídica Gratuita - Papel do Município De acordo com o §2º do Artigo 12 do Estatuto da Cidade, o autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis. De acordo com o inciso LXXIV do artigo 5° da Constituição Federal, o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. De acordo com o artigo 134 da Constituição Federal, a Defensoria Pública é reconhecida com a instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus dos necessitados. Cabe ao Poder Público assegurar o serviço de assistência jurídica gratuita a população de baixa renda para a promoção das ações de usucapião urbano nos termos do parágrafo segundo do artigo 12. Com base nesta norma o autor da ação de usucapião urbano tem o direito ao benefício da justiça gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis. A assistência jurídica gratuita e os benefícios da justiça gratuita devem ser assegurados tanto para o indivíduo ou grupo de indivíduos necessitados, como também para a associação de moradores de uma comunidade carente. O benefício da justiça gratuita, porém, não significa que o Poder Público arcará com quaisquer custos processuais, tais como as diligências dos Oficiais de Justiça, Certidões dos Cartórios Judiciais ou de Registro de Imóveis, honorários periciais, etc. O benefício perante o cartório de registro de imóveis significa que as pessoas beneficiadas pela sentença judicial não terão que arcar com as custas para fins de registro do seu titulo de domínio nos termos da sentença. Portanto não deve pagar pela nova matricula e escritura do imóvel urbano usucapido. Sem esta garantia para a associação de moradores de uma comunidade carente propor a ação de usucapião coletiva, esta comunidade não terá condições de promover esta ação, pois esta modalidade de usucapião é somente admitida para áreas urbanas ocupadas por população de baixa renda. 5.2.7 Prestação do Serviço pelo Município Cabe ao Município prestar a assistência técnica e jurídica gratuita para a promoção do usucapião urbano pelas comunidades de baixa renda. O serviço de assistência técnica deve ser prestado para demonstrar e comprovar os requisitos constitucionais no aspecto físico e urbanístico, através dos instrumentais necessários que serão exigidos pelo Poder Judiciário. 5.2.8 Instrumento de Defesa contra Despejos Forçados De acordo com o artigo 13 do estatuto da cidade, a usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis. Se houver alguma ação judicial visando a remoção da população moradora na favela, por exemplo, a associação dos moradores poderá se defender através do direito ao usucapião urbano coletivo. 5.3 A Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia 5.3.1 Criação e Definição § 1° do Artigo 183 da Constituição Final: O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. O direito à concessão de direito especial de uso foi reconhecido pela Constituição Federal, nos termos do parágrafo primeiro do artigo 183. Na medida em que é vetada a aquisição através de usucapião do domínio pleno sobre as terras públicas, conforme o parágrafo terceiro daquele artigo, é a concessão de direito especial de uso para fins de moradia o instrumento hábil para a regularização fundiária das terras públicas informalmente ocupadas pela população de baixa-renda. Tendo em vista que o usucapião urbano serve para garantir uma destinação social para os imóveis urbanos privados, visando atender a função social da propriedade, a concessão de uso deve ser utilizada para atingir esse objetivo com relação aos imóveis públicos urbanos. Quando se fala em função social da propriedade urbana esse princípio é norteador como condição de garantia tanto para o exercício da propriedade urbana privada como pública. Diante da revolução conceitual que sua definição impõe, ou seja, o reconhecimento pelo Poder Público do direito subjetivo do ocupante de áreas públicas de obter a declaração do domínio útil sobre o imóvel que ocupa, até mesmo sua regulamentação foi mais difícil. De fato, os artigos 15 a 20 que regulamentavam no Estatuto a concessão de uso especial foram integralmente vetados pela Presidência da República nos termos do veto n.º 730. Finalmente, sua regulamentação foi objeto da Medida Provisória (MP) n.º 2.220, publicada em 05 de setembro, em vigor desde então, para regulamentar a concessão especial de uso mencionada no artigo 183, parágrafo 1º da Constituição Federal. Garantiu o direito à concessão de uso especial, de forma individual ou coletiva de áreas públicas federais, estaduais, municipais ou do Distrito Federal, de até 250m², localizados em área urbana. 5.3.2. Os Requisitos da Concessão Individual de Uso Especial Para Fins de Moradia Art. 1º Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. § 1º A concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma gratuita ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo concessionário mais de uma vez. § 3º Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão. De acordo com o artigo 1° da MP o direito a concessão de uso especial para fins de moradia é reconhecido para as pessoas que atenderem os seguintes requisitos: a) Até 30 de junho de 2001 possuírem como seu por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição imóvel público de até duzentos e cinqüenta metros quadrados situado em área urbana; b) Estiverem utilizando o imóvel público para sua moradia ou de sua família; e c) Não serem proprietários ou concessionários, a qualquer título de outro imóvel urbano ou rural. Este direito será outorgado de forma gratuita e reconhecido ao homem, à mulher ou a ambos, independentemente de seu estado civil. O direito à concessão especial de uso para fins de moradia e não será reconhecido ao mesmo possuidor por mais de uma vez. Pelo § 3º do artigo 1 º o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão. Desta forma é reconhecido o direito ao herdeiro legítimo que já morasse no local, acrescer o prazo de posse de seu antecessor. 5.3.3. Os Requisitos da Concessão Coletiva de Uso Especial Para Fins de Moradia Art. 2º Nos imóveis de que trata o art. 1º, com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, que, até 30 de junho de 2001, estavam ocupados por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por possuidor, à concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva, desde que os possuidores não sejam proprietários ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. § 2º Na concessão de uso especial de que trata este artigo, será atribuída igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os ocupantes, estabelecendo frações ideais diferenciadas. § 3º A fração ideal atribuída a cada possuidor não poderá ser superior a duzentos e cinqüenta metros quadrados. Nos termos do artigo 2º fica reconhecido o direito a concessão de uso especial para fins de moradia de forma coletiva nos imóveis públicos com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados ocupados por população de baixa renda até 30 de junho de 2001que os possuam como seus por cinco anos, onde não for possível identificar os lotes de terreno ocupados por cada possuidor. A concessão especial de uso será outorgada coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários ou concessionários de outro imóvel urbano ou rural, conforme o artigo 2º. O comando constitucional da concessão de uso especial ser um instituto destinado a reconhecer o direito à moradia das populações pobres que vivem nas favelas situadas em áreas públicas é respeitado na medida provisória em razão da concessão de uso coletiva ser admitida somente para as áreas públicas ocupadas por população de baixa renda. Não é admissível a concessão de uso especial para fins de moradia para áreas públicas ocupadas por população de renda média ou alta. Não se configura neste caso um direito subjetivo para os ocupantes de áreas públicas que tenham um padrão de renda elevado e apresentem uma ocupação e edificação de alto padrão. Sempre que for impossível individuar os lotes ocupados por cada um dos moradores, em área pública, deve ser requerido o reconhecimento do direito da concessão especial de uso para fins de moradia através de forma coletiva. Para computar o período de posse de cinco anos para ter direito a concessão coletiva, é permitido ao possuidor acrescer ao seu prazo o de seu antecessor desde que ambas sejam continuas de acordo com o § 1º do artigo 2º. 5.3.4. Da Forma de Divisão dos Terrenos Ocupados Coletivamente Para o reconhecimento do direito à concessão de uso especial coletiva por via administrativa ou via judicial, é preciso delimitar a fração ideal de terreno de cada possuidor, considerando que na área urbana ocupada coletivamente não é possível identificar os terrenos para cada possuidor. A Medida Provisória através do § 2º do artigo 2º, possibilita duas hipóteses para o ser atribuída a fração ideal do terreno. Na primeira a Administração Pública por termo administrativo pela via administrativa ou o juiz na sentença pela via judicial atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe. Na outra hipótese, a Administração Pública pela via administrativa ou o juiz na sentença pela via judicial com base em acordo escrito entre os ocupantes, atribuirá frações ideais diferenciadas. Em razão da finalidade da concessão especial ser a mesma do usucapião urbano coletivo de modo a legalizar uma área urbana consolidada para uso de moradia de população de baixa renda, por analogia poderão ser aplicadas as regras do artigo 10 do Estatuto da cidade que dispõem sobre a constituição de um condomínio especial através da sentença judicial. 5.3.5 O Direito Subjetivo à Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia Art. 6º O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial. § 1º A Administração Pública terá o prazo máximo de doze meses para decidir o pedido, contado da data de seu protocolo. § 2º Na hipótese de bem imóvel da União ou dos Estados, o interessado deverá instruir o requerimento de concessão de uso especial para fins de moradia com certidão expedida pelo Poder Público municipal, que ateste a localização do imóvel em área urbana e a sua destinação para moradia do ocupante ou de sua família. § 3º Em caso de ação judicial, a concessão de uso especial para fins de moradia será declarada pelo juiz, mediante sentença. § 4º O título conferido por via administrativa ou por sentença judicial servirá para efeito de registro no cartório de registro de imóveis. A concessão de uso deixa de ser uma faculdade do Poder Público para efeito de promover a regularização fundiária das áreas ocupadas pela população de baixa renda. Essa norma constitucional, de forma idêntica ao usucapião urbano, caracteriza a concessão de uso como direito subjetivo, que deve ser declarado por via administrativa ou pela via judicial mediante provocação dos interessados nos termos do 6° da MP. De acordo com este artigo o título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtida pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste pela via judicial. Uma característica específica da concessão de uso especial que diferencia das demais modalidades de concessão de uso, principalmente da concessão de direito real de uso é da justiciabilidade do direito à moradia como componente deste instituto constitucional. Isso é a pessoa que atender os requisitos constitucionais estabelecidos na MP, tem direito de ter o seu direito à moradia reconhecido mediante uma decisão do Judiciário, onde o juiz declarará mediante sentença o direito a concessão especial de uso para fins de moradia, que poderá ser registrada como título no cartório de registro de imóveis nos termos dos parágrafos 3° e 4° do artigo 6°. Esta previsão demonstra claramente que existe um tratamento especial conferido pela Constituição para o uso dos bens públicos ocupados por populações de baixa renda até a data de 30 de junho de 2001 que atendam os requisitos do artigo 183 da Constituição Federal regulamentados no artigo 1° da MP. Na aplicação das demais modalidades de concessão de uso para fins de moradia em especial a concessão de direito real de uso, não é admissível que a outorga do título possa ser exigida por via administrativa ou via judicial como um direito subjetivo. Em caso de ação judicial, a concessão de uso especial para fins de moradia será declarada pelo juiz mediante sentença. Para a ação judicial da concessão de uso especial para fins de moradia devem ser aplicados as normas previstas nos artigos 11, 12, 13 e 14 do Estatuto da Cidade para o processo do usucapião urbano tais como: • Serem partes legítimas para a propositura da ação de concessão de uso especial para fins de moradia os possuidores, em estado de composse; e como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. • Da concessão de uso especial para fins de moradia poder ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como termo para registro no cartório de registro de imóveis. 5.3.6 A Faculdade do Poder Público em Situações Especiais A MP estabelece um tratamento diferenciado para determinadas situações em exista a ocupação de áreas públicas para o exercício do direito à moradia. Pelo artigo 4° da MP se a ocupação for numa área pública considerado como de risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder Público deve assegurar ao possuído o exercício direito em outro local. Isto significa que a regra é de não conferir a concessão de uso especial em áreas de risco. Com relação a ocupação de imóvel de uso comum do povo, destinado a projeto de urbanização, de interesse da defesa nacional, de preservação ambiental, de proteção de ecossistemas naturais, reservada à construção de represas e obras congêneres, situado em vias de comunicação; fica facultado ao Poder Público assegurar o exercício do direito a concessão de uso em outro local. Isto significa claramente que, em todas estas hipóteses, o Poder Público deverá reconhecer o direito subjetivo do morador à ocupação e deverá oferecer alternativas para reassentá-lo dignamente na hipótese de o local ser totalmente inadequado à moradia, ou seja, necessário dar-lhe outra destinação por razões urbanísticas. O direito a concessão de uso especial poderá nestes casos ser exercido no local da ocupação ou em outro local. É conferida uma discricionariedade ao Poder Público reconhecer o direito à moradia das pessoas que atendem as exigências constitucionais nas áreas públicas já consolidadas como assentamentos urbanos, ou devido a necessidade do suo para uma construção de represa por exemplo de remover as pessoas do local e destinar uma outra moradia para estas pessoas em outro local. Cabe ressaltar que a finalidade da concessão de suo constitucional é de reconhecer o direito à moradia nas áreas ocupadas pela população de baixa renda, sendo que para estas situações que poder ser assegurado o exercício do direito em outro local. Cabe enfatizar que nestas situações excepcionadas o direito também pode ser exercido no próprio local em razão da discricionariedade conferido ao Poder Público. Ainda, é nosso entendimento que, mesmo para as ocupações em áreas públicas contestadas, diante dos princípios que norteiam o Estatuto da Cidade, a desocupação daquelas áreas só é possível quando houver local apropriado para re-assentamento das famílias. 6 Zonas Especiais de Interesse Social Instrumento de Combate aos Despejos Forçados Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são áreas urbanas destinadas primordialmente para habitações de interesse social. As áreas que podem ser definidas como zonas especiais de interesse social são as áreas urbanas ocupadas por favelas, cortiços - habitações coletivas, loteamentos populares, bem como áreas urbanas vazias e subutilizadas. As ZEISs tem sido o instrumento mais eficaz adotado no para evitar os despejos forçados. As zonas urbanas onde existem um número elevado de conflitos de posse da terra e moradia, podem ser definidas por lei municipal como zonas especiais de interesse social com a finalidade de garantir legalmente a permanência dos grupos sociais que vivem nos cortiços, favelas e outros tipos de assentamentos informais na área. Com base neste instrumento, o Judiciário pode julgar os pedidos de remoção das famílias que ocupam áreas públicas ou privadas, favoravelmente aos grupos sociais, bem como estabelecer um processo de negociação entre o proprietário da áreas, os moradores e o Poder Público para regularizar a situação legal da população e promover a urbanização e melhoria das condições urbanas destas áreas através de programas de urbanização. Este instrumento tem sido utilizado para evitar despejos forçados em vários municípios do país, entre eles: Recife, Diadema, Porto Alegre, Santos e Santo André. 7 A Nova Lei de Parcelamento do Solo Urbano e a Proteção da Segurança da Posse No final da década de 70, na periferia dos grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro, era emergente a implantação de loteamentos urbanos sem infra-estrutura urbana e autorização do Poder Público, o que resultou numa ocupação sem padrões mínimos de qualidade ambiental de grande parte do território destas cidades. Com o objetivo de reverter esta situação de deterioração das áreas urbanas, foi instituída a Lei 6.766/79 que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano; estabelece os padrões urbanísticos mínimos para implantação de loteamento urbano, tais como sistema viário, equipamentos urbanos e comunitários, áreas públicas, bem como as responsabilidades dos agentes privados (proprietários, loteadores, empreendedores) e do Poder Público; e tipifica os crimes urbanísticos. A nova lei do parcelamento do solo urbano (Lei 9.785 de 29/01/99) que altera a Lei 6.766/79 atende o objetivo de constituir instrumentos voltados a proteção do direito à moradia mediante a proteção da segurança da posse da população moradora de assentamentos urbanos informais (conjuntos habitacionais e loteamentos populares destinados à população de baixa renda). A primeira medida diz respeito a legalização das moradias dos parcelamentos populares implantados em áreas desapropriadas pelo Poder Público destinados a população de baixa renda mediante o instrumento da cessão de posse e do registro público desta posse. (Além da Lei 6.766/79, também foram alteradas a lei de registros públicos e a lei sobre desapropriações de interesse público). De acordo com o artigo 1° da nova lei, que altera o §3° artigo 5° do DecretoLei n° 3.365 que dispõe sobre desapropriação para implantação de parcelamento popular destinado as classes de menor renda, ao imóvel desapropriado para este fim não se dará outra utilização e nem haverá retrocessão. Esta norma tem por objetivo manter a destinação de áreas urbanas para loteamentos populares. O artigo 2° da nova lei altera o artigo 167 da lei de registros públicos com o objetivo de tornar legal o registro da imissão provisória na posse e respectiva cessão e promessa de cessão, quando concedido a União, Estados, Municípios ou suas entidades delegadas para a execução de parcelamento popular, com finalidade urbana, destinado às classes de menor renda. Esta alteração permite a dispensa do titulo de propriedade para fins de registro do parcelamento popular de área desapropriada, sendo necessário que o Poder Pública já tenha judicialmente a posse do imóvel. Tendo em vista o alcance social desta norma deve ser também objeto de registro a imissão provisória de posse nos casos de desapropriação por interesse social previstos no artigo 2° da lei n ° 4.132/62, referentes a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habitação, formando núcleos residenciais de mais de dez famílias (inciso IV); ou para a construção de casas populares (inciso V). Outra mudança significativa é da lei permitir nos parcelamentos populares a cessão da posse para as pessoas que adquiriram os lotes do Poder Público por instrumento particular tendo caráter de escritura pública. A cessão de posse deve ser obrigatoriamente aceita como garantia nos contratos de financiamentos habitacionais. De acordo com o §3° do artigo 26 admite-se nos parcelamentos populares a cessão da posse em que estiverem provisoriamente imitidas a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas entidades delegadas, o que poderá ocorrer por instrumento particular ao qual se atribui, para todos os fins de direito, caráter de escritura pública. Esta regra deve ser aplicada também nos casos de desapropriação previstos no artigo 2° da lei de desapropriação por interesse social (lei n° 4.132/62), referentes a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habitação, formando núcleos residenciais de mais de dez famílias (inciso IV); ou para a construção de casas populares (inciso V). O grande benefício trazido por esta lei foi a poder atribuído aos municípios para regularizarem os parcelamentos do solo feitos ilegalmente dentro de seus territórios. E, ainda trouxe a possibilidade de parcelamentos especiais para a população de baixa renda. A nova lei de parcelamento do solo urbano representa um avanço na medida em que possibilitou a regularização pelo Município de casas populares construídas em parcelamentos informais. A nova lei determina que a regularização só será permitida para parcelamentos em zona urbana ou de expansão urbana e, ressalvados os índices urbanísticos estabelecidos pela legislação municipal para a zona. Portanto, a localização do parcelamento em zona urbana ou de expansão urbana que deve ser entendido como primeiro critério para a aprovação de novo loteamento ou para a regularização daqueles implantados irregularmente. A nova lei, através do artigo 3° acrescenta o § 6° no artigo 2°, institui os zonas habitacionais de interesse social (ZHIS) como instrumento de regularização fundiária. Estas zonas devem ser declaradas por lei municipal. Outro instrumento estabelecido é a zona de urbanização específica para fins de parcelamento do solo urbano. Esta zona deve ser definida pelo plano diretor ou por lei municipal. Outra medida importante é o reconhecimento das regularizações de parcelamento e de assentamentos como de interesse público. De acordo com o artigo 53 são considerados de interesse público os parcelamentos vinculados a planos e programas habitacionais de iniciativa das Prefeituras Municipais e do Distrito Federal, ou entidades autorizadas por lei, em especial as regularizações de parcelamentos e de assentamentos. Como os Municípios tem a atribuição constitucional de promover a política urbana, aumenta mais ainda a sua responsabilidade de utilizar estes instrumentos de regularização fundiária dos assentamentos informais de modo a reduzir a desigualdade e a exclusão social nas cidades. 8 Aplicabilidade da Lei de Locação de Imóveis Urbanos Formas de Proteção do Direito à Moradia da População Moradora dos Cortiços A Lei 8.245/93, que dispõe sobre a locação de imóveis urbanos, contém normas específicas para a locação nos cortiços, especialmente no que diz respeito a intervenção do Poder Público para promover reforma nos imóveis urbanos declarados como cortiços visando a melhoria das condições habitacionais deste imóvel. A lei de locações reconhece aos moradores de cortiços o direito de serem considerados legalmente locatários ou sublocatários de habitações coletivas. De acordo com o parágrafo único do artigo 2°: “Os ocupantes de habitações coletivas multifamiliares presumem-se locatários ou sublocatários”. Considerando a existência de um número relevante de imóveis na condição de cortiços na região central da cidade de São Paulo, essa norma tem um grande alcance social, pois permite uma proteção legal do direito à moradia aos moradores de cortiços, especialmente com relação aos seus direitos como locatários ou sublocatários. Devido à inexistência de uma relação direta do proprietário com os moradores do imóvel, esta relação de fato é exercida por uma terceira pessoa, que é com quem o proprietário celebra o contrato de locação, sendo portanto o locatário do imóvel. Nos cortiços o locatário também conhecido como intermediário subloca os cômodos existentes no imóvel para os moradores, sem que exista uma autorização por escrito do proprietário para a sublocação, bem como sem a existência de um contrato de locação entre o locatário (intermediário) e os moradores do cortiço. Esta condição resultou em diversas lesões e prejuízos aos direitos fundamentais, especialmente o direito à moradia dos moradores de cortiços, face as decisões judiciais nas ações de despejo por falta de pagamento ou de reintegração de posse determinando a remoção dos moradores, em razão de atos ilícitos ou ilegais praticados de fato pelo locatário (intermediário) como o de não efetuar o pagamento do aluguel para o proprietário (locador), apesar de receber mensalmente os valores dos aluguéis dos moradores do cortiço. A exigência da melhoria das condições habitacionais por parte dos moradores por não serem reconhecidos como locatários, era praticamente impossível, pois pela inexistência da relação locatícia, não havia meios legais de obrigar o proprietário a promover as reformas necessárias. Ficando este isento de responsabilidade de eliminar as condições precárias do imóvel como as instalações elétricas, hidráulicas, de ventilação e de segurança, existentes na maioria dos cortiços. Com base no parágrafo único do artigo 2°, os ocupantes de cortiços são considerados titulares de direitos como locatários ou sublocatários de habitações coletivas multifamiliares. A lei de locação assegura a defesa jurídica dos interesses das pessoas ou famílias de baixa renda que moram nos cortiços mediante o pagamento de aluguel, portanto reconhece uma relação fática informal que configura a locação. Isto é mesmo que não exista um contrato escrito de locação entre o proprietário e os moradores, uma autorização escrita ao locatário para efetuar a sublocação, ou da existência de contrato escrito de sublocação com o locatário (intermediário), a caracterização do imóvel como habitação coletiva multifamiliar15 , no qual se enquadra o cortiço, gera aos moradores desta habitação, o direito de serem tratados legalmente como locatários ou sublocatários. Como titulares do direito de locatários ou sublocatários do imóvel, os moradores dos cortiços podem legalmente exigir do locador (proprietário ou intermediário) a melhoria das condições habitacionais do imóvel. A lei de locações estabeleceu pelo artigo 24, um tratamento especial para garantir que as habitações coletivas tenham condições habitacionais adequadas. O caput do artigo 24 dispõe que: “nos imóveis utilizados como habitação coletiva multifamiliar, os locatários ou sublocatários poderão depositar judicialmente o aluguel e os encargos se a construção for considerada em condições precárias pelo Poder Público”. Com base nesta norma, os moradores de cortiço têm condições de exigir diretamente do proprietário as obras e reformas necessárias para o imóvel ter condições adequadas de habitabilidade, através do depósito judicial dos aluguéis, como dos encargos locatícios devidos, que não poderá ser levantando até que esta obrigação seja cumprida pelo locador. A condição estabelecida é do imóvel ser considerado, em condições precárias pelo Poder Público competente, no caso o Poder Público Municipal que tem a competência constitucional para legislar sobre uso, parcelamento e edificação do solo urbano, sendo responsável pela fiscalização e o controle das condições da habitação e de uso dos imóveis urbanos. Para esta norma ser aplicada compete a Administração Municipal, vistoriar os imóveis identificados como cortiços nesta áreas, e declarar quais os cortiços que estão em condições precárias que podem ser objeto de obras ou reforma de modo a conferir condições adequadas de moradia. O objetivo é possibilitar que a obrigação determinada ao proprietário ou locador do imóvel de promover as obras necessárias para tornar o imóvel com condições adequadas de habitação tenha condições de ser cumprida. Para tornar efetiva esta obrigação, devem ser aplicadas as medidas previstas nos parágrafos do artigo 24. O §1° dispõe o seguinte: ”o levantamento dos depósitos somente será deferido com a comunicação, pela autoridade pública, da regularização do imóvel”. O locador que terá o dever de realizar as obras e reformas necessárias determinadas pela autoridade pública, só poderá então, levantar aqueles depósitos mediante comunicação, feita pelo Poder Público, da regularização do imóvel, que passou a ter condições de habitabilidade (art. 22. I e II). O §2° do artigo 24, estabelece o seguinte: “os locatários ou sublocatários que deixarem o imóvel estarão desobrigados do aluguel durante a execução das obras necessárias à regularização”. No caso da necessidade dos moradores desocuparem o imóvel para a realização das obras e reformas necessárias à regularização, esta norma assegura o direito ao não pagamento do aluguel durante o período da execução das obras. Para esta norma ser aplicada é necessário que os moradores do cortiço como locatários ou sublocatários expressem o seu consentimento na realização da obras determinadas pelo Poder Público sob o risco da locação ser desfeita pelo locador. De acordo com o inciso IV do artigo 9°, a locação poderá ser desfeita para a realização de obras urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou podendo, ele se recuse a consenti-las. No caso das habitações coletivas não é possível desfazer a locação quando não haja condições dos moradores permanecerem no imóvel, somente no caso de recusa destes de permitir que as obras sejam realizadas. O § 3° do artigo 24, possibilita o uso do valor dos depósitos para a execução das obras e reformas no imóvel da seguinte forma: “os depósitos efetuados em juízo pelos locatários e sublocatários poderão ser levantados, mediante ordem judicial, para realização das obras ou serviços necessários à regularização do imóvel”. Esta regra também deve ser aplicada para viabilizar a obra ou reforma do imóvel exigida pelo Poder Público. Considerando situações em que o proprietário ou locador não cumpra com a obrigação de realizar as obras necessárias, ou de demonstrar que não tem condições econômicas para promover as obras. A lei confere a possibilidade do uso dos aluguéis depositados em juízo serem utilizados por ordem judicial para a realização da obra ou serviços necessários a regularização do imóvel. Outro aspecto importante diz respeito ao valor do aluguel que poderá ser estabelecido nas habitações coletivas. De acordo com o artigo 21, o aluguel da sublocação não poderá exceder o da locação, e nas habitações multifamiliares, a soma dos alugueis não poderá ser superior ao dobro do valor da locação. A determinação do aluguel da sublocação não poder ser superior ao da locação, visa evitar no caso dos cortiços a exploração que é feita pelo locatário (intermediário) com os moradores ao estipular o aluguel dos cômodos que na maioria dos casos na soma total são superiores em mais de cinco vezes o valor da locação. De modo a impedir esta exploração econômica que lesa os direito dos moradores de cortiço, é extremamente benéfica a medida que proíbe a soma dos aluguéis nas habitações multifamiliares serem superiores ao dobro do valor da locação. Podemos sintetizar a aplicação destas normas da seguinte forma: • Considerar os moradores de cortiço como sujeitos de direitos no uso para fins de moradia dos imóveis urbanos destinados a locação residencial, portanto como locatários ou sublocatários das locações existentes nas habitações coletivas multifamiliares. • Identificação dos cortiços que devem ser declarados pela administração municipal em condições precárias de habitação. • Obrigação do proprietário, locador realizar as obras e reformas necessárias para tornar o imóvel em condições habitacionais adequadas. • Consentimento dos moradores do cortiço para a realização das obras e reformas necessária para regularizar as condições habitacionais do imóvel. • Uso dos aluguéis depositados em juízo para a realização das obras e reformas necessárias no imóvel. • Utilização dos recursos do Poder Público, de forma complementar ao recurso oriundo dos aluguéis dos moradores, para a realização das obras e reformas necessárias. • Celebração de um contrato entre o proprietário e moradores dos cortiços que assegure o direito de uso para fins de moradia do imóvel, eliminando a pessoa do intermediário. 9. Ações e Propostas do Fórum Nacional de Reforma Urbana No Brasil, o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) é uma importante articulação nacional da sociedade civil que promove ações e lutas em defesa do direito à moradia e do direito à cidade tendo como marco referencial a reforma urbana como política estratégica de combate a desigualdade social e territorial nas cidades brasileiras. Participam do Fórum Nacional de Reforma Urbana diversas organizações e movimentos como a Central de Movimentos Populares, a União Nacional de Moradia Popular, o Movimento Nacional de Luta por Moradia, a Federação de Órgãos para a Assistência Social (FASE), o Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais (Pólis), a Federação Nacional dos Arquitetos (FNA), o Federação dos Sindicatos dos Engenheiros (FINSENGE), e a Federação Nacional dos Servidores do Banco Social “Caixa Econômica Federal” (FENAE). Participam também das atividades e ações do Fórum a Confederação Nacional de Associação de Moradores (CONAM), ONGs, movimentos populares, sindicatos e associações de classe locais, técnicos, pesquisadores, e políticos que atuam com questões urbanas. O Fórum tem desempenhado um importante papel nos processos de formulação e execução das políticas urbanas e habitacional no Brasil. A atuação tem sido fundamental perante o Congresso Nacional e o governo brasileiro nos processos de elaboração da lei nacional de desenvolvimento urbano que resultou na aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, na defesa da aprovação da lei que visa criar o Fundo Nacional de Moradia Popular e na criação do Conselho Nacional de Política Urbana. 9.1 Proposta de Iniciativa Popular – Conselho e Fundo Nacional de Moradia com Participação Popular No início dos anos 90, os movimentos populares de moradia que atuam no Fórum Nacional de Reforma Urbana apresentaram no Congresso Brasileiro uma iniciativa popular subscrita por 1 milhão de eleitores16 visando criar o Fundo Nacional de Moradia Popular e o Conselho Nacional de Moradia Popular para a implantação de uma política habitacional para a população de baixa renda. A proposta de iniciativa popular tem como eixo principal assegurar recursos através do instrumento do Fundo Nacional de Moradia Popular para financiar e implementar programas habitacionais de interesse social para a população de baixa renda. Essa população é entendida como aquela moradora em precárias condições de habitabilidade, favelas, palafitas, habitações coletivas de aluguel, cortiços, áreas de risco, ou como aquela que tem renda igual ou inferior a dez (10) salários mínimos. Os recursos principais deste Fundo seriam constituídos por dotação orçamentária da União e da aplicação de 60% dos recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Os recursos seriam aplicados em programas de interesse social tais como produção de lotes urbanizados dotados de infra-estrutura, urbanização de favelas, intervenções em cortiços e habitações coletivas de aluguel, construção e reforma de equipamentos comunitários e/ou institucionais vinculados a projetos habitacionais, regularização fundiária, e aquisição de material de construção. O Conselho Nacional de Moradia Popular teria o poder para estabelecer as diretrizes e os programas de alocação dos recursos do Fundo, realizar a gestão econômica dos recursos, fixar critérios objetivos de distribuição dos recursos para os Estados e Municípios. A Composição do Conselho seria através de representantes do Governo Federal, centrais sindicais, e de organizações populares de moradia legalmente constituídas. O projeto contém uma concepção de um sistema descentralizado e democrático para a implementação da política habitacional ao dispor como critério para os Estados e Municípios obterem recursos do Fundo a constituição de fundos com dotação orçamentária específica e Conselhos de Habitação com participação popular. Os Estados e Municípios para utilizar os recursos do Fundo teriam que desenvolver programas de habitação de interesse social tendo como agentes promotores as organizações comunitárias, associações de moradores, cooperativas habitacionais populares ou de sindicatos. Em razão do objetivo do Fundo, o projeto estabelecia uma política de subsídio visando assegurar que os investimentos realizados tivessem retorno para o Fundo; a proporcionalidade entre renda per capita e subsídio, subvenção dos juros e correção monetária as famílias com renda igual ou inferior a cinco (05) salários mínimos; o subsídio ser concedido à família. De modo a priorizar o atendimento as camadas da população excluídas do mercado habitacional os recursos seriam aplicados na proporção de 70% para as pessoas/ou famílias com renda até cinco (05) salários mínimos, e de 30% na faixa de cinco até dez salários mínimos. O projeto de lei foi aprovado por todas as comissões da Câmara dos Deputados, e ainda precisa ser aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados, para ser posteriormente analisado e aprovado pelo Senado Federal. 10 Conclusões O Brasil tem o grave problema do acesso a terra, demonstrado pelos vários conflitos de posse, seja na área urbana e rural causando muitas vezes violência física e morte dos posseiros e famílias envolvidas no conflito. Diante do elevado número de grandes propriedades ociosas sem função social devem ser aplicados os instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade que contem uma regulação pública e democrática da propriedade urbana. Os municípios brasileiros devem constituir uma política urbana que permita a aplicação dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade voltados a proteger o direito à moradia como o usucapião urbano, a concessão especial de uso para fins de moradia, as zonas especiais de interesse social e o plano diretor. Também é necessário um sistema de gestão democrática das cidades, através da constituição de esferas públicas municipais, setoriais e regionais com participação popular, com poder de decisão sobre a aplicação dos recursos públicos, implementação de políticas públicas, de mediação e negociação dos conflitos ambientais urbanos. A gestão democrática da cidade é um sistema político que atende o preceito constitucional da democracia direta (artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal), visando assegurar a participação da população, especialmente das populações marginalizadas, no processo de tomada de decisões sobre os assuntos de interesse da cidade. O direito de participar dos processos de tomada de decisão possibilita a criação de canais institucionais como Conselhos e Fóruns que podem servir como instâncias de mediação e negociação dos conflitos ambientais urbanos identificados na pesquisa, entre os setores da sociedade envolvidos no conflito. As esferas públicas de participação popular devem ser constituídas com base nas experiências do orçamento participativo, de Conselhos de Políticas Públicas (meio ambiente, direitos humanos, saúde, criança e adolescente), dos programas e projetos de parcerias de coleta seletiva de lixo e reciclagem, Comitês de Gestão de Bacias Hidrográficas, comissões e fóruns de urbanização e regularização de assentamentos urbanos precários. Visando a proteção jurídica do direito à moradia é importante realizar reformas no Poder Judiciário visando democratizar o acesso à justiça. A constituição de Juizados Especiais de Mediação e Conciliação de Conflitos Ambientais Urbanos pode ser um caminho para viabilizar a justiça e a proteção do direito à moradia. Esta proposta se justifica em razão dos casos de conflitos ambientais e urbanos que estão sendo apreciados no Judiciário, sem uma solução adequada para resolver os conflitos identificados na pesquisa. Muitas vezes as decisões proferidas no Judiciário agravam a situação da desigualdade social e territorial, como as decisões que simplesmente determinam o desfazimento de assentamentos informais consolidados, ou a simples remoção da favela já consolidada, situada numa área pública, que formalmente é declarada como uma área verde, mas na realidade sempre foi uma área destinada para fins de moradia de grupos sociais marginalizados. É preciso resgatar a função do Judiciário de promover a justiça social, o que significa tomar iniciativa na solução do conflito, através da interlocução, discussão e negociação com todos os agentes sociais envolvidos no conflito, agentes públicos, privados e sociais. Diante da complexidade dos conflitos ambientais urbanos é preciso criar instâncias especializadas de mediação e conciliação no Judiciário, visando estabelecer uma interlocução entre os diversos setores da sociedade envolvidos; os setores governamentais na esfera estadual, municipal e metropolitana, as instituições da administração da justiça (Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradorias), os agentes privados (empreendedores imobiliários, loteadores, empresas da construção civil, empreiteiras, proprietários de glebas de terras) e os agentes sociais de moradores de bairros, movimentos populares, organizações não governamentais, associações de classe e sindicatos. Os juizados especiais para julgar estes conflitos devem conter procedimentos especiais que estabeleça a obrigatoriedade de audiências públicas de negociação e conciliação, com a participação obrigatória do Poder Público (órgãos federais, estaduais e municipais) como instância judicial para a solução dos conflitos, bem como a obrigatoriedade da inspeção judicial, isto é da presença física do juizes e promotores no local do litígio como requisito para ser proferida a decisão judicial, e substituir o instrumento das medidas liminares, que tem gerado mais o agravamento do conflito social do que sua solução. Os juizados especiais sobre conflitos ambientais urbanos devem ser constituídos nas áreas metropolitanas, em especial nos municípios com população acima de 1 milhão de habitantes. Outro critério para constituir é dos juizados especiais serem constituídos nos municípios com elevado índice de densidade de conflitos ambientais urbanos situados em áreas metropolitanas. Outro aspecto importante voltado a proteção do direito à moradia é a necessidade dos operadores do direito (juizes, promotores, procuradores, defensores públicos, advogados, estagiários de direito) terem vocação e qualificação cultural e social para promoverem a justiça social na solução dos conflitos ambientais urbanos. É fundamental que os operadores do direito sejam capacitados na área dos direitos humanos, em especial sobre o sistema internacional de proteção dos direitos humanos (tratados e convenções, organismos internacionais de direitos humanos). Nesse sentido é fundamental no Brasil a aplicação das normas do sistema internacional e do sistema nacional de proteção dos direitos humanos, e dos princípios e objetivos constitucionais norteadores do Estado brasileiro tais como a cidadania e a dignidade da pessoa humana, a democracia direta, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais, o princípio da igualdade, os princípios das funções sociais da cidade e da propriedade, a proteção ao meio ambiente como critérios para a solução dos conflitos ambientais urbanos. O Brasil através de diversos atores sociais vem buscando alternativas para o estabelecimento de políticas nas cidades que respeitem o direito à moradia. A concepção do novo marco legal urbano que encontramos no Estatuto da Cidade, é inovadora e contribui para as experiências já existentes de integração social e territorial em várias cidades brasileiras possa se tornar um marco referencial para o governo brasileiro, os governos locais e a sociedade civil . As lutas sociais nas cidades brasileiras pelo direito à cidade e reforma urbana por organizações e movimentos populares, movimentos culturais ONGS, intelectuais, políticos, estudantes, traz esperança para que ocorram mudanças no quadro de desigualdade social e de exclusão da maioria da nossa população urbana, bem como para a transformação de nossas cidades em cidades mais belas justas, humanas e democráticas, como exemplo concreto que um mundo melhor não é somente possível, mas também necessário. • 1 Advogado, Professor de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Presidente do Pólis - Instituto de Estudos Formação e Assessoria em Políticas Sociais. Membro da Coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana. Colaborador na elaboração do Estatuto da Cidade. SP. volta • 2 Advogada. Técnica da FASE do projeto de direitos econômicos, sociais e culturais. volta • 3 O artigo 11 deste Pacto contém o principal fundamento do reconhecimento do direito à moradia como um direito humano, do qual gera para os Estados Partes signatários a obrigação legal de promover e proteger esse direito, sendo este o principal fundamento para o Estado Brasileiro ter essa obrigação e responsabilidade, uma vez que o Brasil ratificou não somente esse Pacto, como também o de Direitos Civis e Políticos no ano de 1992. O artigo 11 estabelece o seguinte: 1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os EstadosPartes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. volta • 4 No âmbito da repartição de competências entre a União, Estados e Municípios, a competência comum confere as entidades federativas a função de promover políticas e ações no mesmo patamar de igualdade, sem que o exercício dessa competência por parte de uma dessas entidades venha a excluir a competência de outra, podendo ser exercida cumulativamente. volta • 5 Sachs, Celine; Taschner, Suzana- Brazil in: Van Vliet – The International Handbook of Housing Policies and Practices, Greenwood, 1990 volta • 6 Maricato, Ermínia: A Política Habitacional do Regime Militar: do milagre brasileiro à crise econômica, Vozes, 1988, p. 31 volta • 7 BNH Notícias, 1981 in: Maricato, 1987. volta • 8 Maricato, Ermínia: A Política Habitacional do Regime Militar: do milagre brasileiro à crise econômica, Vozes, 1988, p.42 volta • 9 Idem, p.54 volta • 10 Cherkezian, Henry e Bolaffi, Gabriel - A construção do mal-estar social: habitação e urbanismo no Brasil, Novos Estudos Cebrap, nº 50, 1998, pág.126 volta • 11 Idem. volta • 12 O projeto de lei era de autoria do falecido Senador Pompeu de Souza, tendo sido aprovado inicialmente no Senado no ano de 1990, e depois de 12 anos tramitando no Congresso Nacional foi aprovado no dia 18 de junho na votação final realizada no Senado Federal. volta • 13 A regularização fundiária é entendida pela lei como a regularização dominial, já que separada dos instrumentos de urbanização. volta • 14 Alguns autores apontam que a palavra “usucapião” é do gênero feminino. Assim, o Estatuto fala em “a” usucapião. No entanto, o uso consagrado é do gênero masculino que adotamos. volta • 15 As habitações coletivas multifamiliares também abrangem as casas de cômodos, pensões e repúblicas. volta • 16 De acordo com a Constituição Brasileira os cidadão tem o direito de apresentar projetos de leis mediante o instrumentos da iniciativa popular sendo necessário 1% do eleitorado nacional para projetos de leis de âmbito nacional volta 5 Propostas A seguir apresentamos algumas das propostas dos movimentos sociais e de estudiosos do direito à alimentação e à moradia adequada para a aquisição de um padrão de pleno respeito a tais direitos: 1. Propostas relacionadas aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais em geral: 1. Implementar políticas públicas sociais, de maneira integrada e complementar, na perspectiva da erradicação da extrema pobreza. 2. Discutir, elaborar e implementar programas e políticas públicas, inclusive as relacionadas a moradia e alimentação, com recortes de gênero, raça/etnia. 3. Desenvolver políticas, projetos e ações que apontem para a integração entre os diferentes grupos vulneráveis (mulheres, negros, idosos, deficientes de qualquer natureza, homossexuais, etc.). 4. Criar um banco de dados permanente (mapa da vulnerabilidade social) sobre as áreas de vulnerabilidade a direitos econômicos, sociais e culturais, que venham a orientar a definição de políticas destinadas à inclusão social (para além da definição de “pobreza material”). 5. Aumentar gradativamente os recursos orçamentários nas áreas sociais, preservados de cortes contingenciais. 6. Implantar mecanismos que democratizem a informação, prestação de serviços, orientação sobre direitos e deveres, transparência na tomada de decisões, através de meios de comunicação, programas educacionais, criação de núcleos descentralizados de informação para cidadania, acesso a bancos de dados públicos com indicadores sociais e econômicos. 7. Implementar mecanismos para que o Estado informe sobre a efetividade, a equidade e a oportunidade dos recursos utilizados na implementação dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais, em conformidade com os padrões internacionais sobre a aplicação destes direitos. 8. Estabelecer políticas integradas de planejamento e desenvolvimento, de modo a atenuar as diferenças regionais e eliminar bolsões de pobreza, fortalecendo as cidades de médio e pequeno porte. 9. Apoiar projetos referentes à renda mínima, no sentido de mínimo necessário à existência, como direito fundamental da pessoa humana, decorrente do direito à vida e do princípio da dignidade humana. 10. Articular programas habitacionais e implantar infra-estrutura com uma política de geração de emprego e renda. 11. Criar programa de reestruturação familiar no campo e cidade – programa profundo de orientação que envolva política agrícola, ocupação para toda a família (emprego, creche, escola, moradia, profissionalização dos adolescentes, saúde, lazer). 12. Criar um sistema de combate à corrupção, com mecanismos que impeçam a proliferação da corrupção e combatam a impunidade. 13. Adotar em todas as esferas federativas o mecanismo de orçamento participativo, como forma de aprimorar os mecanismos de participação democrática, de discussão dos problemas e definição de prioridades. 14. Propugnar pela regulamentação da Constituição Federal na que diz respeito a autorização de proposição de leis de iniciativa popular e criação de emendas populares a projetos de lei em tramitação na Legislativo, particularmente aos projetos de planos plurianuais, Leis de Diretrizes Orçamentárias e Leis Orçamentárias Anuais. 15. Recomendar a participação da sociedade civil nos conselhos mistos de políticas sociais. 16. Aprimorar estratégias de advocacia para a tutela dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais. 17. Encorajar a acionabilidade dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais, afastando os obstáculos jurídicos decorrentes da interpretação do princípio da separação de poderes e da discricionariedade da Administração Pública. 18. Nomear, com o controle da sociedade civil brasileira, relatores nacionais de direitos humanos econômicos, sociais e culturais, com o mandato de investigar situações de violação a tais direitos (incluindo os direitos à alimentação e à moradia) e apresentar propostas para a plena realização dos direitos. 2. Propostas relacionadas ao direito à moradia adequada (incluindo a terra): 1. Efetivar uma política habitacional que garanta a todos o direito à moradia adequada (dotada de infra-estrutura, abastecimento de água, tratamento de esgoto, fornecimento de energia elétrica, transporte, postos de saúde, escolas, urbanização e regularização fundiária). 2. Regulamentar as atividades do setor privado referentes à política habitacional, a exemplo do uso e acesso à propriedade imobiliária rural e urbana, de modo a atender a sua função social. 3. Garantir a todos o direito à água potável de qualidade. 4. Integrar os três níveis de poder, na regularização fundiária e regularização urbanística das áreas de assentamentos precários. 5. Instituir juizados especiais para julgar conflitos de posse da terra, com a obrigatoriedade de procedimentos e Audiências públicas de negociação e conciliação, com a presença física do Poder Judiciário e do Ministério Público no local do litígio como requisito para a execução da decisão judicial. 6. Garantir a efetiva participação popular na elaboração, execução e acompanhamento de programas e projetos de habitação popular. 7. Reconhecer a mulher como chefe de família nos programas habitacionais. 8. Priorizar o atendimento às famílias, que recebam até 5 salários mínimos, na produção de novas unidades habitacionais, na regularização fundiária e em área de preservação ambiental. Redefinir o Fundo de Habitação para famílias de baixa renda. 9. Articular os programas habitacionais e de implantação de infra-estrutura com uma política de geração de emprego e renda. 10. Implementar a reforma agrária de forma ampla e ágil, de modo a democratizar o acesso à terra, trabalho e à produção de alimentos. 11. Implementar o “Estatuto da Cidade” nos termos aprovados pelo Congresso Nacional. 12. Estabelecer a alta taxação das grandes fortunas e do latifúndio improdutivo, na perspectiva do investimento em programas de inclusão social. 13. Incentivar a criação de cooperativas habitacionais, com a garantia de respaldo técnico e material. 14. Assegurar a simplificação dos processos cartoriais para regularização de imóveis populares. 15. Regulamentar o usucapião coletivo. 16. Criar, manter e apoiar programas de proteção à população em situação de rua, incluindo abrigo, qualificação e requalificação profissional, orientação educativa, com o objetivo de garantir a sua dignidade e desenvolvimento. 17. Estimular a recuperação de edificações para moradia popular em áreas centrais, recuperando as áreas degradadas para atendimento da população moradora em cortiços, quintais e pensões populares. 18. Incentivar mutirões para construção de habitações para famílias carentes, com participação de entes públicos e privados, apoiando com doação de lotes de terras, urbanização das áreas e criação de centros comunitários e logradouros públicos voltados ao desenvolvimento da comunidade. 19. Fortalecer a titularização da terra dos remanescentes de quilombos. 20. Dar solução satisfatória a todos os casos particulares de violação ao direito à moradia constantes deste relatório. 3. Propostas relacionadas ao direito à alimentação: 1. Divulgar a compreensão do Direito Humano à Alimentação enquanto parte integrante e indispensável do Direito Humano de todo cidadão. 2. Realizar uma ampla reforma agrária, de forma a assentar as famílias semterra brasileiras e garantir seu direito à alimentação; esta reforma agrária não deve se limitar à distribuição de terras, mas incluir uma política agrícola consistente que garanta a viabilidade da agricultura familiar. 3. Implantar programas sociais destinados a reduzir drasticamente a desnutrição e mortalidade infantil. 4. Possibilitar a melhoria do abastecimento alimentar, quantitativa e qualitativamente, com maior autonomia e fortalecimento da economia local, associada a programas de capacitação e geração de ocupações produtivas e renda. 5. Criar e implementar programas de apoio alimentar às famílias carentes, fiscalizados e coordenados pela associação de bairros em todos os Estados. 6. Criar e difundir programas de educação alimentar que visem a um melhor aproveitamento dos recursos alimentares, reduzindo desperdícios e ganhando em qualidade. 7. Encaminhar projeto de lei proibindo a incineração de alimentos estocados para fins de manutenção de preços, com previsão de destinação dos estoques não utilizados para alimentação da população carente. 8. Promover o barateamento dos produtos básicos para as áreas mais carentes. 9. Incentivar o desenvolvimento de programas de horta comunitária. 10. Garantir programas de combate à mortalidade materna e infantil. 11. Dar solução satisfatória a todos os casos particulares de violação ao direito à alimentação constantes deste relatório. 6 Casos de violações dos Direitos à Alimentação e Moradia Caso 01 FRANCISCA RODRIGUES DA COSTA, 62 anos, brasileira, solteira, residente na rua Rio Verde, 409, na Comunidade do Capim, no bairro do Parque Genibaú, na periferia sul da cidade de Fortaleza, Ceará, habita à margem do Rio Maranguapinho que corta o lado oeste da cidade. Mora com uma filha doente. D. Francisca possui a 3ª série fundamental e, como renda familiar, recebe a aposentadoria da filha deficiente física e mental; e ainda pede esmolas em porta-a-porta para complementar essa renda que fica em torno de um salário mínimo mensal (R$ 180,00). Reside em uma área de risco numa casa de barro, madeira e coberta por lona. Na rua, o esgoto corre a céu aberto, pois não existe nenhum serviço de esgotamento sanitário; em período chuvoso, sofre constantes alagamentos que provocam várias doenças e intensificam seus problemas cardíacos e de hipertensão. Relata que, com dificuldades, consegue consulta médica pelo SUS1 . Dona Francisca vive em um bairro onde o desemprego é muito alto, resultando na situação de pobreza e fome por que passam. Sobre violências sofridas, confessa que a maior violência é, sem dúvida, a pobreza e que nenhuma medida governamental foi tomada até agora para eliminar essa dura realidade. O que é positivo para ela é ter em casa água potável distribuída pelo serviço público; assim, não precisa utilizar água que poderia ser contaminada. Testemunha essa violação: Maria das Graças dos Santos Pereira Responsável pelas informações: Centro de Promoção da Vida Helder Câmara – CPVHC, Fortaleza, em 04 de março de 2002 • 1 Sistema Único de Saúde, do Governo Federal Caso 02 ANÍBAL FERNANDES DOS SANTOS2 , sexo masculino, 56 anos, está inválido em função de acidente de trabalho. Apresenta amnésia, hipertensão arterial, nervosismo, dores nos braços e na coluna, verminose, perda parcial de visão e audição. Vive em uma casa sem água encanada e sem esgotamento sanitário. O poço é diretamente na terra, sem manilhamento3 . Aníbal estudou até a quinta série fundamental, tem visão política limitada, admitindo votar em quem lhe oferecer alguma vantagem atual ou futura. Seu patrimônio pessoal consiste em roupa, um rádio gravador e uma caixa de som. Não exerce nenhuma atividade, é dependente de um irmão que recebe 180 reais mensais. Não recebe nenhum benefício social/governamental. Seu último emprego como varredor de rua (gari) foi em 1995. A última vez que teve acesso a um consulta médica foi há um ano. Não há registro de violência praticada contra a vítima pela sua condição de pobreza. Assim como não há processo judicial ou ação política no sentido de melhorar a sua condição sócio-econômica. Segundo a Fundação IBGE, o número de desempregados em Curitiba é da ordem de 160.000 (pessoas que um dia tiveram carteira assinada). No entanto, considerando números do DIEESE, a este número se agregam pessoas que já estão no mercado de trabalho; porém que nunca tiveram carteira assinada, o que resulta em um universo de aproximadamente 480.000 trabalhadores sem emprego. Considerando que a faixa etária mais atingida pelo desemprego é dos 18 aos 25 anos, que são os recémingressos no mercado de trabalho e nunca tiveram carteira assinada. Quanto à questão das favelas, segundo índices oficiais da Prefeitura Municipal, existem em Curitiba cerca de 301 loteamentos e assentamentos irregulares (favelas), num total de 57333 domicílios (dados de 1999). Sabese que de lá para cá novos assentamentos e ocupações ocorreram, cujos números não estamos em condições de avaliar. Percebe-se que os governos não têm planos eficazes de manter a população rural no campo. São testemunhas desta violação os senhores Isaque G. de Lima e Mariana T. de Lima. Responsável pelas informações: CDH Guarituba/Piraquara. Piraquara, Paraná, Brasil. 25 de Novembro de 2001. Isaque G. de Lima, CDH Guarituba. • 2 RG 2.098.541-0 PR • 3 Rua Tereza Priscin, n° 21, Vila Mariana, Guarituba, Piraquara - PR Caso 03 JOSÉ NOGUEIRA SOBRINHO4, sexo masculino, 67 anos, trabalha como Operador de máquina. Mora em condições precárias, em área de invasão servida de energia elétrica e água potável pelas companhias estatais, porém sem tubulação sanitária. O barraco de madeira (meia água), tem dois cômodos, medindo 3 x 4 metros (12 metros quadrados)5 . A vítima não usufrui de eletricidade nem de serviço de água, atualmente, pois não tem condições de pagar as contas. José foi lavrador e migrou para Curitiba na década de 70. Sua escolarização é baixa, aproximadamente quatro anos. Sua visão política é estreita. Não é sindicalizado. Seus bens de uso pessoal se resumem a uma cama, uma mesa e uma cadeira. Os antigos objetos que guarneciam a morada foram vendidos pelo seu filho mais novo, de 25 anos, viciado em crack e responsável por agressões e furto de dinheiro do pai. Exerce atualmente a atividade de vendedor de sorvetes e catador de lixo reciclável no bairro onde reside adjacências. A sua renda pessoal é variável de 60 a 100 reais mensais. Não recebe qualquer benefício social/governamental. Seu último emprego regular (com carteira assinada) aconteceu em 1997. Goza de boa saúde, não dependendo de serviço de saúde público ou privado. Não há registro de violência praticada contra a vítima pela sua condição de pobreza. A vítima busca (administrativamente) perante o Instituto Nacional de Seguro Social, o benefício denominado de Renda Mensal Continuada, pois já tem 67 anos completos. São testemunhas de sua condição de violação aos direitos de moradia adequada e alimentação os senhores Henrique Ehlers Silva e Antônio Pereira de Santana. Responsável pela informação: Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná. Curitiba, estado do Paraná, Brasil. 25 de Novembro de 2001. Henrique Ehlers Silva - Secretário do Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná. • 4 CI/RG 1.800.158-2 PR • 5 Rua Luíz Leopoldo Landau, n° 552, Capão Raso, PR, CEP 81050-120 Caso 04 ISALTINO LADIN BRASILEIRO6 , viúvo, bóia-fria (roçada de plantação de Pinos), mora no Rio Fria à margem da BR que liga o município de Marmeleiro-PR a Barracão - Paraná. Sua casa está construída no terreno do Sr. Benirto, de sobrenome ignorado. A higiene é precária, pois o mesmo não tem orientação a respeito. Encontra-se em situação de extrema pobreza e cria três netos, N.L., 11 anos e sete meses, V.L., 8 anos e três meses, e G.R.L., 6 anos, que está no pré-escolar. A mãe das crianças é Cleci Landin, que reside em Flor da Serra, a 20 Km dali. A mãe vive com outro homem e não levou as crianças para morar junto com o companheiro. Um irmão bate no outro por revolta e falta de orientação. Sua renda mensal varia de R$ 100,00 a R$ 180,00, podendo às vezes não ter renda. Não recebe nenhum tipo de beneficio social. Está desempregado desde 1991, quando trabalhava na fábrica de fogões Petricoski. Utilizou os serviços do SUS há dois anos. Na visão do Sr. Isaltino, as causas da situação precária em que vivem está relacionada ao abandono da mãe das crianças, à morte da avó e à própria situação de desemprego no país. Há processos de encaminhamento do Conselho Tutelar, pois às vezes o avô fica bêbado. Testemunha esta situação Maria Benildes Domingues de Oliveira. Responsável pelas informações: Centro de Direitos Humanos de Pato Branco-PR Maria Benildes Domingues de Oliveira (Coordenadora) Pato Branco, 11 de novembro de 2001 • 6 RG 4.973.204-0 Caso 05 JANETE DE LIRA DOS SANTOS7 , doméstica, 20 anos, e CINTIA DE LIRA DOS SANTOS, doméstica, 21 anos, são irmãs e dividem um barraco com seus filhos pequenos8 . São quatro crianças, A.L.S., 5 anos, P.L.S., 4 anos de idade, B. S. S., 1 Parte interna da casa. ano e 7 meses, e A.L.S., de 5 meses de idade Janete e a equipe da (não possui sequer registro de nascimento). Fundação IDH O barraco é feito de madeirite9 e coberto com telha de eternite10 . Não há qualquer ventilação, e a eternite provoca um calor insuportável no ambiente. Não há sistema de esgoto nem banheiro na casa. A casa fica localizada em uma ocupação conhecida como Jaguaripe II. A região da ocupação é de barranco, ou seja, a casa fica localizada em área de deslizamento. Dentre os poucos utensílios domésticos da casa, há uma geladeira e um fogão desgastados, doados pela patroa de Cíntia. A família não consegue fazer todas as refeições diárias e, às vezes, não há nada para comer, por isso as crianças sofrem de desnutrição. Janete sente fraqueza, devido à alimentação precária. Janete está desempregada há mais de dois anos. Também não pode procurar emprego porque precisa tomar contar dos seus filhos e dos de sua Parte externa da casa. irmã. Cíntia trabalha como doméstica no bairro de Stella Maris (região nobre de Salvador). A renda da família é o salário que Cíntia recebe, ou seja, R$ 180,00. Não recebem nenhum benefício de caráter permanente. Há um posto de saúde no bairro, mas o atendimento não é satisfatório, visto que o mesmo atende quatro comunidades11 . Testemunha esta violação Ana Lúcia Venira de Jesus Costa – líder comunitária. Responsável pela informação: Fundação Instituto de Direitos Humanos – Ainah Angelini Neta • 7 Identidade nº 0816527202 SSP-BA • 8 Caminho 34, fundo, Jaguaripe II, Salvador – Bahia – Brasil. • 9 Espécie de placas finas feitas de pó de madeira. • 10 Espécie de telha feita de cimento que retém calor, provocando uma temperatura elevada no ambiente que protege • 11 Jaguaripe II, Nova Brasília, Vila Mar e 2 de Julho. A população total dessa comunidade está em torno de 60.000 pessoas, só em Jaguaripe II são 5.500 famílias. Caso 06 ALBERTINA NERIS DOS SANTOS, doméstica, e ARMANDO DOS SANTOS12 , aposentado, 69 anos, vivem maritalmente há mais de 20 anos com cinco crianças13 . SHEILA NERIS DOS SANTOS14 , doméstica, 22 anos, é neta dos dois e convive Parte interna da casa, onde maritalmente com ALBERTO DOS SANTOS estão D. Albertina e Seu SOUZA, 18 anos. As crianças A.S.R., 5 anos, Armando L.S.R., 2 anos, S. S.R., 6 meses, são filhos de Sheila e Alberto. A.J., 13 anos, V.S., 10 anos, T. J. M., 7 anos, são netos de Albertina e irmãos de Sheila. A casa possui três cômodos: um banheiro, um pequeno corredor com cerca de 2,5m X 1,5m que foi improvisado como quarto de Sheila e Alberto e dos três filhos do casal, e um terceiro cômodo onde dormem Dona Albertina, o marido e os três netos. Este último cômodo também serve como sala e cozinha da família. Na casa há um fogão, uma televisão quebrada, uma cama de casal (onde dormem Dona Albertina e o marido), uma cama de solteiro (onde dormem Sheila, o marido e as três crianças), um sofá velho. Não há geladeira. A alimentação da família é precária, sendo comum apenas uma refeição por dia, quando há comida para tanto. Há sintomas de fraqueza e desnutrição. Seu Armando não consegue levantar da cama, acusa sintomas de artrose, mas não há um acompanhamento médico satisfatório. Sheila apresenta um caroço no seio. Dona Albertina é analfabeta. Sheila concluiu o ensino fundamental. Todos estão desempregados e dependem da aposentadoria de Seu Armando para sobreviver, no valor de R$ 180,00 O último emprego de Sheila foi em agosto de 2001, como doméstica. O último benefício que receberam foi uma cesta básica da campanha do Natal Sem Fome, em dezembro de 2001. Há um posto de saúde no bairro, mas o atendimento não é satisfatório, visto que o mesmo atende quatro comunidades15 . Dessa forma, o acesso a um médico é difícil. A situação de Seu Armando é preocupante, ele reclama de dores nos ossos, não consegue levantar da cama e tem dificuldades com a audição. Testemunha esta violação Ana Lúcia Venira de Jesus Costa – líder comunitária. Responsável pela informação: Fundação Instituto de Direitos Humanos – Ainah Angelini Neta • 12 Identidade nº 4.509.259 SSP-BA • 13 Caminho 31, casa 15, Jaguaripe II, Salvador – Bahia – Brasil. • 14 Identidade nº 07914599 80 SSP-BA • 15 Jaguaripe II, Nova Brasília, Vila Mar e 2 de Julho. A população total dessa comunidades está em torno de 60.000 pessoas, só em Jaguaripe II são 5.500 famílias. Caso 07 GUIOMAR MARIA DE JESUS16 , viúva, aposentada, 82 anos, reside na Travessa São Cerqueira, Nova Brasília, Estrada Velha do Aeroporto, Salvador – Bahia, juntamente com seu neto, CARLOS ALBERTO BISPO DOS SANTOS, 26 Parte externa da casa anos, e sua companheira, ROSA MARINA DA VISITAÇÃO DA SILVA, 26 anos. O casal tem dois filhos, A.S.S., 5 anos, e A.S.S., 1 ano. K.B.S., 14 anos, neta de Guiomar e irmã de Carlos, mora com eles também. A casa fica localizada em uma ocupação no bairro de Nova Brasília, em Salvador. A região é de barranco. A casa é feita de taipa17 e a cobertura é de telha de eternite18 . O piso é de terra batida. Só há um cômodo pequeno. Não há banheiro. Os móveis da família são uma cama, uma velha geladeira e uma televisão. As condições de higiene são as piores possíveis, devido à falta de sistema de esgoto e de banheiro. Na parte externa da casa, há uma torneira que fornece água para o consumo da família. A alimentação também é precária, pois nem sempre há comida para todos dias. Por isso, há problemas ligados à desnutrição, como fraqueza. Dona Guiomar é diabética e tem problemas de coração e colesterol, precisa de medicamentos regulares, mas não tem acesso aos mesmos com regularidade, pois não são fornecidos no posto de Parte interna da casa onde estão D. Guiomar, Rosa e a saúde. equipe IDH Todos estão desempregados e dependem da aposentadoria de Dona Guiomar para sobreviver, no valor de R$ 180,00, além de uma bolsa-escola no valor de R$ 15,00 por mês. Há um posto de saúde no bairro, mas o atendimento não é satisfatório, visto que o Parte externa da casa. É mesmo atende quatro comunidades19 . Dessa interessante observar que forma, o acesso a um médico é difícil. apesar da falta total de infra-estrutura da moradia, Testemunha esta violação Ana Lúcia Venira de Jesus Costa – líder comunitária. a empresa concessionária de energia elétrica instalou os medidores de consumo de energia para cobrança. Neta Responsável pela informação: Fundação Instituto de Direitos Humanos – Ainah Angelini • 16 CPF nº 502.677.955-72 • 17 Construção feita de barro batido. • 18 Espécie de telha feita de cimento que retém calor, provocando uma temperatura elevada no ambiente que protege. • 19 Jaguaripe II, Nova Brasília, Vila Mar e 2 de Julho. A população total dessas comunidades está em torno de 60.000 pessoas, só em Jaguaripe II são 5.500 famílias. Caso 08 AURISTELA CABRAL OLIVEIRA FILHA20 , doméstica, 29 anos, e CARLOS ALBERTO SALES ALVES21 , vendedor ambulante, convivem maritalmente e têm cinco filhos, D.O.A., 8 anos, D.O.A.2, 6 anos, D.O.A., 5 anos, D.O.A., 4 anos, e Parte interna da “casa”, D.O.A., 2 anos. onde estão Auristela, um A família reside em um barraco de apenas um dos seus filhos e a equipe cômodo feito de pedaços de madeira velha, IDH. papelão e cobertor22 . O teto é improvisado com telhas de eternite23 e placas de madeira velha. O piso é feito de terra batida. Na parte da frente (que serve como entrada), não há qualquer forma de proteção, ficando completamente aberto. A família possui um fogão e duas camas de solteiro sem colchão. Não há água encanada, nem sistema de esgoto. O uso de energia elétrica (uma lâmpada) é feito através de ligação clandestina. Conseguem ter acesso à água através da ajuda de alguns vizinhos que cedem o uso de suas torneiras. Como o barraco foi “erguido” em um local onde antes existia um chiqueiro, o mau cheiro no lugar é latente e as condições de higiene são precárias. As crianças vivem descalças e quase desnudas em meio à sujeira. Auristela está desempregada há mais de dez anos, e Carlos Alberto trabalha na feira das Sete Portas como vendedor ambulante de plantas medicinais que colhe em terrenos baldios e abandonados nas proximidades do local onde mora, conseguindo ganhar cerca de R$ 80,00 por mês. Além disso, recebem uma bolsa-escola no Vista externa da “casa”. valor de R$ 15,00 por mês. A família não consegue fazer todas as refeições diárias, o que acarreta problemas ligados à desnutrição, como fraqueza. Há um posto de saúde no bairro, mas o atendimento não é satisfatório, visto que o mesmo atende quatro comunidades24 . O maior problema de saúde está relacionado com a alimentação insuficiente, como fraqueza e cansaço. Testemunha esta violação Ana Lúcia Venira de Jesus Costa – líder comunitária. Responsável pela informação: Fundação Instituto de Direitos Humanos – Ainah Angelini Neta • 20 Identidade nº 05640485 93 SSP-BA • 21 Identidade nº 09242224 17 SSP-BA • 22 Rua Jailson de Souza, s/n, fundo, Nova Brasília da Estrada Velha do Aeroporto, Salvador – Bahia – Brasil. • 23 Espécie de telha feita de cimento que retém calor, provocando uma temperatura elevada no ambiente que protege. • 24 Jaguaripe II, Nova Brasília, Vila Mar e 2 de Julho. A população total dessas comunidades está em torno de 60.000 pessoas, só em Jaguaripe II são 5.500 famílias Caso 09 REGINA SILVA BARBOSA25 , doméstica, 22 anos, e EDVALDO RÔMULO MOURA DOS SANTOS26 , mecânico de bicicleta, convivem maritalmente. Têm uma filha, R.R.B.S., de 4 meses. R.B.O., de 3 anos, E.B.O., de 2 anos, filhos de Regina também Vista parcial da comunidade moram com eles27. da Baixa do Petróleo – A casa fica situada em uma região da periferia da Novos Alagados cidade, nas margens da maré28 . É feita de madeirite29 e coberta com telha de eternite30 , mas quando chove fica tudo alagado porque há vários buracos no teto. O piso é feito de terra batida. Há muito lixo por todos os lados, o que provoca a proliferação de ratos e um grande mau cheiro. Não há banheiro nem sistema de esgoto. Há uma torneira que fornece água. Na casa há um fogão e duas camas. A família não consegue fazer todas as refeições diárias. Edvaldo concluiu o ensino fundamental e Regina só foi até a 5ª série. Ele trabalha como mecânico em uma oficina de bicicletas no bairro do Lobato (bairro próximo a Massaranduba), ganha cerca de R$ 120,00 por mês. Recebem esporadicamente cesta básica da Igreja Batista. Regina está desempregada desde abril de 2000. Regina reclama de cansaço, devido à alimentação insuficiente. O atendimento médico é precário, pois o posto de saúde não consegue atender bem a toda a comunidade. Vista de algumas “casas” Testemunha esta violação Maurícia Moreira Vital da região. da Silva – líder comunitária dos Novos Alagados. Segundo a associação dos moradores, a região está prestes a sofrer desapropriação pelo CONDER – Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia. Geralmente, o valor das indenizações é irrisório e as famílias acabam indo parar na rua. Vista da área onde está localizada a casa de Regina. Responsável pela informação: Fundação Instituto de Direitos Humanos – Ainah Angelini Neta • 25 Certidão de nascimento nº 85298 • 26 CPF sob o nº 806.121.135-15 • 27 Rua São Francisco, s/n, Palafitas, Baixa do Petróleo - Massaranduba, Salvador – Bahia • 28 Espécie de canal marítimo. • 29 Espécie de placas finas feitas de pó de madeira. • 30 Espécie de telha feita de cimento que retém calor, provocando uma temperatura elevada no ambiente que protege Caso 10 J OVELICE SANTANA31 , doméstica, 59 anos, é viúva e tem dois filhos; ROSEMEIRE SANTANA, doméstica, 25 anos, e RENATO SANTANA DE OLIVEIRA, estudante, 19 anos. Rosemeire convive maritalmente com ÁLVARO DIAS DE SOUZA, pescador, 60 anos, com quem tem quatro filhos, A.S.S., 8 anos, A.S.S., 6 anos, A.S.S., 4 anos, E.S.S., 3 anos, A.S.S., 1 ano e 04 meses. Todos moram em uma mesma habitação32 . A casa fica situada em uma região da periferia da cidade, nas margens da maré33 . É feita de madeirite34 e coberta com telha de eternite35 . Há buracos no telhado, o que provoca alagamento quando chove. O piso é de terra batida. Há um banheiro improvisado, mas não há nenhuma divisória entre este e o resto da casa (somente uma espécie de cortina improvisada). Só há um cômodo, onde todos dormem (três adultos e cinco crianças). Na casa há um fogão, uma geladeira, uma televisão e uma única cama. A alimentação é precária, baseada nos peixes que Álvaro consegue pescar, mas nem sempre fazem todas as refeições. Dona Jovelice é analfabeta. Renato freqüenta a escola, está na 3ª série do ensino fundamental. Somente Álvaro trabalha como pescador, mas só consegue o suficiente para a casa, quando muito. A renda fixa da família é uma pensão que Dona Jovelice recebe como viúva, de cerca de R$ 300,00 por mês. Segundo a associação dos moradores, a região está prestes a sofrer desapropriação pelo CONDER – Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia. Geralmente o valor das indenizações é irrisório e as famílias acabam indo parar na rua. Testemunha esta violação Maurícia Moreira Vital da Silva – líder comunitária dos Novos Alagados. Responsável pela informação: Fundação Instituto de Direitos Humanos – Ainah Angelini Neta • 31 Identidade nº 08266602 40 SSP-BA • 32 Rua São Francisco, nº 86, Baixa do Petróleo - Massaranduba, Salvador – Bahia – Brasil. • 33 Espécie de canal marítimo. • 34 Espécie de placas finas feitas de pó de madeira. • 35 Espécie de telha feita de cimento que retém calor, provocando uma temperatura elevada no ambiente que protege Caso 11 MARIA FERREIRA DE ARAÚJO36 , 40 anos, “casquela” (catadora de materiais encontrados nos lixos, que poderão ser reaproveitados e/ou reciclados), é casada com FRANCISCO PIO PAIXÃO, e os dois têm quatro filhos, J.C.F. A., 2 Vista do exterior da casa anos, K.F.A., 12 anos (a única que estuda), A.R.F.P.P., 5 anos, J.F.A., 3 anos, F.J.P.P., 1 ano. A casa em que moram é composta por dois compartimentos de taipa (barro e madeira)37 . As paredes estão rachadas, inclinadas, ameaçando cair. O piso é de terra batida. Não há instalação sanitária. As ligações de água e energia elétrica são clandestinas. No interior do domicílio há apenas um guarda-roupa (três portas), uma mesa, um berço, duas camas (solteiro) e um rádio. Tudo bastante desgastado. Os alimentos são preparados na área externa da casa, sobre trempes (fogareiro improvisado com tijolo). No dia da visita havia apenas uma pequena quantidade de feijão “para colocar no fogo”. A higiene do ambiente é bastante precária, devido à própria estrutura da moradia. O chão estava bastante úmido e com lama. Os utensílios domésticos são poucos e confundem-se com os utensílios encontrados no lixo, tamanho é o desgaste das peças. O Sr. Francisco tem problema cardíaco, freqüentemente fica com os membros inferiores edemaciados. Soubemos que o mesmo não faz tratamento médico e, que seu último emprego com vínculo empregatício foi no ano de 1994. D. Maria está tentando conseguir algum benefício social, a fim de garantir alguma renda, mas ela não tem instrução escolar. Está no quinto mês de gestação e tem acompanhamento pré-natal no Posto de Saúde, próximo a sua casa. A renda mensal é totalmente incerta e insuficiente para o sustento da família. Quanto ao acesso a saúde, D. Maria não considera muito fácil conseguir uma “ficha” para atendimento no Posto de Saúde. Percebemos que a mesma preocupa-se apenas com os filhos e não inclui nem a si nem ao companheiro beneficiários do direito à saúde. A família tem seus direitos sociais negados cotidianamente, necessitando, urgentemente, de apoio em programas sociais existentes em no município. Responsável pela informação: IPREDE – Andréa Lacerda 27 de fevereiro de 2002 Interior da casa • 36 Identidade 96002321496 SSP-CE • 37 Rua Três Corações, 81 - Castelão – Fortaleza – Ceará – Brasil Caso 12 MARIA LUIZA FREITAS RIBEIRO38 , 35 anos, manicura (não está exercendo a profissão devido à prole numerosa para cuidar, incompreensão do companheiro e falta de material), tem seis filhos, S.R.S., 12 anos, R.R.S., 9 anos, I.R.S., 7 anos, H.R.S., 3 anos, Y.R.R., 1 ano, e M.R.R., 3 meses. Interior da casa A casa tem estrutura de taipa (barro e madeira). Não há instalação sanitária. A água e energia elétrica têm registro próprio39 . O chão é de terra batida e, com as chuvas, estava brejado e com poças de lama, o que não difere da rua. Ao chover, a água invade as casas, trazendo fezes e lixo em geral, sendo propício à proliferação de ratos. O chão não é apropriado para as crianças andarem e brincarem. No interior do domicílio há uma mesa, guarda-roupas, uma estante, uma cama (casal), um berço, um fogão, um aparelho de som, uma geladeira, tudo desgastado, mas perfeitamente organizado. Somente quatro filhos possuem registro civil de nascimento. Há dois filhos estudando e recebendo R$ 15,00 (quinze reais) cada, referentes à bolsaescola. Há duas crianças com problemas de saúde e que não estão recebendo tratamento especializado. Maria Luiza tem mais 4 (quatro) filhos de seu primeiro relacionamento, e que residem com o ex-marido (ainda estão civilmente casados). Atualmente, ela convive maritalmente com o Sr. Francisco da Conceição Silva, que está há três anos desempregado. Ela concluiu a 7.ª série. O alimento disponível, quando existe, é somente arroz e feijão. A higiene do ambiente é boa, embora a estrutura da casa não colabore com a limpeza. Horleandro não apresenta evolução satisfatória no tratamento nutricional. Além de encontrar dificuldades de acesso aos serviços de saúde, Maria Luiza encontra dificuldade de sair de casa devido ao ciúme exacerbado do companheiro. Responsável pela informação: IPREDE, Andréa Lacerda - Fortaleza, 27 de fevereiro de 2002 Exterior da casa de Maria Ribeiro • 38 Identidade 714910-83 SSP-CE • 39 Rua Edson Brasil, 165 – Conjunto Rosalina – Passaré – Fortaleza – Ceará – Brasil Caso 13 JANAILZA DE ARAÚJO AMARO40 , doméstica, 29 anos, é casada com JOSÉ ALMIN SILVEIRA AMARO41 , feirante, 36 anos, e eles têm 9 filhos, E. A A., 11 anos, A.A.A., 9 anos, R.A.A., 7 anos, J.A.A.A., 6 anos, I.A.A., 5 anos, M. A.A., 4 anos, Vista das “passarelas” de G.A.A., 2 anos, I.A.A., 1 ano e 4 meses, e R.A.A., acesso e das casas da 1 mês. comunidade de Novos A casa em que a família mora é uma palafita42 e Alagados. fica localizada em uma região da periferia de Salvador conhecida como Novos Alagados43 . O acesso às palafitas é através de pontes estreitas que ficam sobre a maré44 . As crianças têm algumas cicatrizes porque já caíram diversas vezes na maré. Há muito lixo por todos os lados e o mau cheiro é insuportável. Não há água encanada nem banheiro. A água que a família consome é obtida por meio de uma mangueira O lixo se espalha por todos que traz a água da casa de um parente de os lados. Janailza que fica fora das palafitas. Na casa só há um cômodo onde todos dormem. Entre os poucos móveis da casa, há um fogão, uma televisão, uma cama e um sofá. Apesar da extrema pobreza, pode-se observar que dentro da casa tudo é limpo e organizado. A família consegue fazer as refeições diárias porque José traz as sobras de verduras e frutas da feira. José e Janailza são analfabetos. Ele trabalha na feira do Jardim Cruzeiro. A renda da família é em torno de dois salários mínimos por mês, ou seja, Vista da área onde está localizada a casa de cerca de R$ 360,00. Além disso, recebem três bolsas-escola por mês no valor de R$ 15,00 cada, Janailza. perfazendo um total de R$ 45,00 por mês. Testemunha esta violação Maurícia Moreira Vital da Silva – líder comunitária dos Novos Alagados. Responsável pela informação: Fundação Instituto de Direitos Humanos – Ainah Angelini Neta É interessante observar que apesar da falta total de infra-estrutura das moradias, a empresa concessionária de energia elétrica instalou os medidores de consumo de energia para cobrança. • 40 Identidade nº 06561184 58 SSP-BA • 41 Identidade nº 054281151 25 SSP-BA • 42 Espécie de habitação feita de estacas e pedaços de madeira construída sobre a água • 43 Baixa do Petróleo, Palafitas, - Massaranduba, Salvador – Bahia – Brasil • 44 Espécie de canal marítimo Caso 14 NEIDE DA SILVA VIEIRA, brasileira, solteira, Rg. 5.164.681 residente e domiciliada na Comunidade de Lagoa Seca, Valente, Bahia, Brasil, convive maritalmente com RENATO SIMÕES CUNHA, brasileiro, solteiro, RG.12.586.605-47. A família vive em situação de extrema pobreza, mora em um casebre de taipa localizado na comunidade de Lagoa Seca no município de Valente, Bahia, sem acesso à assistência médica adequada. O casal possui três filhos, dentre eles uma adolescente de 15 anos, compelida a buscar oportunidades de trabalho na Capital do Estado, para contribuir com o sustento da família, uma vez que a renda familiar não alcança R$ 100,00 (cem reais) mensais. A família sobrevive catando papelão e demais objetos no depósito de lixo da cidade, tendo que levar uma criança de três anos de idade por não ter creches para acolhê-la nem com quem deixá-la. O filho caçula sofre de constantes crises epilépticas e tem problemas renais, sem contar com qualquer tipo de assistência médica, sendo que até os remédios são adquiridos, quando muito, através de campanhas entre os vizinhos. Quanto à escolarização, ninguém da família teve acesso digno à escola. Estão sem receber qualquer assistência ou benefício governamental. Há seis meses atrás, trabalharam como varredores das ruas da cidade, mas foram demitidos pelo prefeito. Na avaliação da família, a situação precária envolve toda a comunidade e provém da falta de interesse político de âmbito nacional, estadual e municipal, resultando numa cabal ausência de políticas públicas capazes de promover o combate à pobreza e ao desemprego, afastando qualquer justificativa por conta de existência de “força maior”. Neide da Silva se encontra indignada com a situação política do país, principalmente com o seu município, pois, enquanto as camadas mais privilegiadas da região são beneficiadas, aquelas que mais precisam passam por dificuldades extremas, como é o caso dela. Responsável pela informação: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Valente e AATR - Associação dos Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia Caso 15 DORILDA RODRIGUES45 , sexo feminino, 55 anos, do lar, é casada com JOÃO MARIA RODRIGUES46 , 65 anos, faxineiro da praça do bairro Canudos, em Novo Hamburgo – Rio Grande do Sul. Os dois têm um filho, M.R.47 , sexo masculino, com 13 anos de idade. A família mora em uma área verde no bairro São Jorge, Novo Hamburgo – RS48 , ocupada há mais ou menos 20 anos, que está em processo judicial. A sua casa é de madeira (precária), com tamanho mais ou menos de 6 por 4 metros, coberta por telhas de barro (francesa) sem forro. Possuem refrigerador, fogão a gás, televisão (preto e branco), energia elétrica, água (cortada por falta de pagamento; o filho fez ligação clandestina). João estudou muito pouco, só participou do Mobral, apenas sabe escrever o nome. Dorilda é analfabeta, e M.R. está cursando a 5º série (fundamental), mas está reprovado. Recebe bolsa-escola no valor de R$15,00 (quinze reais). A renda mensal da família é de R$ 80,00 (oitenta reais). O casal veio de Rodeio Bonito – RS, teve 13 filhos, dos quais dois morreram. Quando vieram para Novo Hamburgo, os filhos (alguns) “se perderam” e entraram para a marginalidade. Ao chegar de Rodeiro Bonito, João trabalhou no Curtume Ir. Marquini em Canudos, Novo Hamburgo. Depois, esteve empregado na Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo, saindo em 8/05/1995. Na Prefeitura, ele foi dispensado depois de seis meses com problema de saúde. Buscaram aposentadoria, mas Dorilda nunca contribuiu (trabalhou na agricultura na terra do primo do seu João em Rodeio Bonito – RS). João tentou aposentadoria por invalidez (INSS) e não conseguiu. Não foi concedido parecer positivo na perícia. O médico deu alta, mesmo sem condições. Naquele período, João fez tratamento para a tuberculose, no Posto de Saúde do centro de Novo Hamburgo, e obteve sucesso. Depois do afastamento da Prefeitura, buscou vários empregos, mas não conseguiu por questão de idade (razões apresentadas pelas empresas). Agora está mais difícil por causa da cegueira em um dos olhos. João teve tuberculose (conseguiu superar com tratamento médico), tem problemas na bexiga, pressão alta, úlcera, e é cego de uma vista. Dorilda tem muita dor no peito, nas pernas, e precisa ser levada com freqüência para o hospital. Marciano tem problemas de asma. Buscam consultas junto ao Hospital Municipal. No Posto de Saúde da Vila Kraemer não conseguem atendimento satisfatório. Disseram que o atendimento no Hosp. Municipal agora está bom. Segundo as vítimas, a situação penosa em que vivem está relacionada à dificuldade econômica, idade, saúde. Eles sobrevivem com ajuda de alguns dos filhos (os que têm alguma condição). Tem também ajuda eventual de uma Irmã Religiosa, que ajuda com alimentos, quando consegue. Responsável pelas informações: Lourenço Bernardo Dasenbrock. Rua Araçatuba, nº 264, Bairro São Jorge – NH, RS Novo Hamburgo, 17/12/2001 • 45 CI nº 7070041814 SSP-RS • 46 Título de Eleitor nº 295.259.804/50 • 47 CI 1089055411 SSP-RS • 48 Rua Taubaté nº 173 (beco) Vila Kraemer, Bairro São Jorge, Novo Hamburgo, RS Caso 16 NATALINA DA SILVA49 , sexo feminino, 27 anos, do lar, vive maritalmente com ALCIDES PINHEIRO, pedreiro, 37 anos, no bairro Santo Antônio, em Lajeado – Rio Grande do Sul50 . Vivem com os filhos: S.S., 12 anos, G.S., 8 anos, J.S., 7 anos, A.S., 5 anos, e G.S., de 1 ano e 6 meses. A casa em que vivem é escura, as condições de higiene são péssimas. Só há divisão de um quarto. A casa exala péssimo cheiro, e as crianças estão geralmente sujas; apesar disso a família não aparentava problemas de saúde. Possuem utensílios domésticos básicos e alguns móveis. Tanto Natalina quanto Alcides são semi-alfabetizados, sabem ler e escrever, freqüentaram até a 2.ª série do ensino fundamental. Não têm leitura crítica da situação em que vivem. Ambos não têm carteira de trabalho assinada. Alcides trabalha em construção, informalmente. Sua renda mensal é de aproximadamente R$ 150,00. Não recebem quaisquer benefícios sociais ou governamentais. Recebem visitas de agentes de saúde do bairro e são atendidos no Posto de Saúde local, somente no horário de atendimento. Tiveram acesso a médico pela última vez em outubro de 2001, para realizar exames. G. S. já teve bronquite; as crianças sofrem geralmente de gripes e infecções. Sua situação é atribuída à realidade sócio-econômica do país, e à falta de políticas públicas de inclusão social e de geração de trabalho e renda no município. Experimentam discriminação e dificuldade de acesso aos serviços públicos. Responsável pelas informações: Movimento de Direitos Humanos de Lajeado/RS Lajeado/RS, 30/11/2001 Renata Maria Gonzatti • 49 Identidade: 5083800952 • 50 Rua Bom Jesus, 384, Bairro Santo Antônio, Lajeado/RS Caso 17 GENECI SALETE DA SILVA51 , sexo feminino, 29 anos, faz trabalhos domésticos e courinhos (serviços terceirizados de empresas de calçados). Vive maritalmente com MOACIR ELÁRIO DE BARROS, 40 anos, servente de pedreiro, no bairro Santo Antônio, em Lajeado – Rio Grande do Sul. O casal tem três filhos, C.B., 11 anos, J.B., 5 anos, e L.B., 3 anos A família apresenta boas condições de saúde, mas as condições de habitabilidade são precárias e não favorecem a higiene. A casa em que vivem é própria: quarto, cozinha, pouco iluminada e ventilada, o banheiro é fora da casa52 . O cheiro exalado é horrível. As crianças são mal cuidadas. Não há rede de esgoto adequada. Possuem alguns móveis e eletrodomésticos. Geneci e Moacir são semi-analfabetos, sabem ler e escrever. Sua visão política é mínima, o grau cultural é baixo e têm pouca escolaridade. A renda mensal da família fica em torno de R$ 80,00. Geneci nunca teve emprego formal. Moacir já teve, mas não foi possível precisar a data; hoje faz biscates esporádicos como servente de pedreiro em construções. Não recebem qualquer tipo de benefício social ou governamental. São atendidos pelo Posto de Saúde do bairro, recebem visitas de agentes de saúde. A última vez que tiveram acesso a médico foi há três meses, para verificar a pressão arterial. As crianças freqüentemente apresentam gripes e infecções. A miséria em que vivem é devido às dificuldades econômicas pelo descaso do poder público; falta de políticas públicas de inclusão e geração de trabalho e renda. São discriminados e têm dificuldade de acesso aos serviços públicos. Responsável pelas informações: Movimento de Direitos Humanos de Lajeado/RS Lajeado/RS, 30/11/2001 Renata Maria Gonzatti • 51 Identidade: 85082562157 • 52 Rua Simon Bolívar, 308, Bairro Santo Antônio, Lajeado/RS Caso 18 MARIA BEATRIZ DOS SANTOS53 , sexo feminino, 41 anos, do lar, vive maritalmente com PAULO DE BEM54 , 34 anos, industriário, trabalha num curtume. Os dois têm cinco filhos, A.F.S., de 16 anos, V.C.S., 13 anos, E.M.S., 10 anos, E.A.M.B., 8 anos, e A.L.M.B., 7 anos. A.F.S. já tem um filho, G. A.S., de 1 ano e 5 meses. A casa da família é extremamente pobre, sem divisões55 . A falta de cuidados fundamentais para a saúde, como a limpeza do ambiente, é visível. As crianças apresentam-se sujas, de pés descalços, as roupas imundas. Os alimentos são descuidados. Possuem poucos móveis. As condições de higiene e de habitabilidade são péssimas. Não existe qualquer rede de esgoto, nem iluminação elétrica. No centro da comunidade em que moram existe uma torneira comunitária, com lavanderia e banheiro. G.A.S., sofre de desnutrição, encontrando-se bastante doente por ocasião da visita, com muita febre. Sua mãe, A.F.S., é portadora de deficiência mental. Maria e Paulo são semi-analfabetos. Apenas sabem ler e escrever. Não possuem qualquer visão crítica na leitura que fazem do mundo. Não refletem sobre sua situação de miserabilidade. Maria nunca teve emprego formal. A renda mensal da família gira em torno de R$ 180,00. Recebem ainda três bolsas-escola, no valor de R$ 45,00 (R$ 15,00 cada). São atendidos pelo posto de saúde do bairro. Há um médico que atende duas vezes por semana. A última vez que tiveram acesso a médico foi no dia 12/11/2001. G.A.S. recebeu leite, visto que a criança encontrava-se desnutrida. Os principais problemas de saúde verificados no grupo familiar são febre, infecções, desnutrição, especialmente de G.A.S.. Para a família, as razões da sua miséria são: a situação sócio-econômica do país, a falta de políticas públicas de inclusão social e de desenvolvimento de trabalho e renda no município, e a baixa escolaridade. São discriminados e têm dificuldade de acesso aos serviços públicos. Responsável pelas informações: Movimento de Direitos Humanos de Lajeado/RS Lajeado/RS, 30/11/2001 Renata Maria Gonzatti • 53 Identidade: 3047904341 • 54 Identidade: 6070752099 • 55 Loteamento 17, Bairro Morro 25, Lajeado/RS Caso 19 MARIA ISOLETE DA SILVA56 , sexo feminino, 35 anos, do lar, vive maritalmente com VANDERLEI PAULO DA SILVA, 33 anos, trabalha no lixão como separador de lixo. O casal tem 5 filhas, D.C.S., 14 anos, M.J.S., 12 anos, T.B.S., 9 anos, D.C.S.2, 5 anos, e A.C.S., 1 ano e 8 meses. As condições de higiene em que vivem são péssimas, não há água encanada, somente uma torneira e uma lavanderia coletivas. O banheiro também é coletivo. As crianças estavam sujas e andando de pés descalços. O esgoto corre entre as casas da comunidade em que vivem. A casa cheira muito mal, não tem iluminação. Os alimentos são mal conservados. Existem muitos cachorros soltos no pátio, junto com as crianças. Ao lado da casa possuem outros animais, que são para consumo. Possuem ainda alguns móveis, a casa é própria, mas não há escritura57 . Aparentemente, estão todos bem de saúde. Maria Isolete relatou que apenas A.C.S. deve ter problemas em conseqüência de uma convulsão, visto que já tem quase dois anos de idade e ainda não caminha (sequer engatinha). O casal é analfabeto e não tem uma reflexão crítica do mundo, nem da situação de miserabilidade em que vivem. Baixo nível de cultura e sem escolaridade. Sua renda mensal é em torno de R$ 180,00. Além disso, recebem bolsa-escola (3), no valor de R$ 45,00 (R$ 15,00 cada). Maria Isolete nunca teve emprego formal. Vanderlei registra seu último emprego este ano. São atendidos no Posto de Saúde do bairro. A última vez que tiveram acesso a médico foi em setembro de 2001, quando Arlete sofreu uma gripe. D.C.S. e Arlete sofreram convulsões quando menores. A pobreza e a fome são conseqüência da situação sócio-econômica pela qual passa o país, a falta de políticas públicas de inclusão e geração de trabalho e renda; analfabetismo. São discriminados e têm dificuldade de acesso aos serviços públicos. Responsável pelas informações: Movimento de Direitos Humanos de Lajeado/RS Lajeado/RS, 30/11/2001 Renata Maria Gonzatti • 56 Identidade: 6065565183 • 57 Loteamento 17, Bairro Morro 25, Lajeado/RS Caso 20 MARIA BERNARDETE DA SILVA58 , sexo feminino, 36 anos, do lar, vive maritalmente com ADROALDO DA ROSA59 , 59 anos, beneficiário do INSS. O casal tem 6 filhos, A.G.S., 20 anos, industriário (trabalha em um curtume), C.M.S.R., 11 anos, D.S.R., 9 anos, A.S.R., 7 anos, A.S.R.2, 4 anos, e A.S.R., 1 ano e 3 meses. As condições de habitabilidade da família são precárias. Possuem alguns móveis, a casa é própria, mas não possui escritura60 . O esgoto corre entre as casas. A limpeza da casa é péssima. A família tem pouco cuidado com os alimentos. As crianças andam de pés descalços no esgoto. Existe uma lavanderia comunitária. A casa não possui água encanada, nem banheiro próprio, que é coletivo. Adroaldo está com problemas de saúde, foi vítima de dois derrames. Maria Bernadete e Adroaldo são semi-analfabetos, não têm reflexão crítica sobre a situação em que vivem. O nível cultural é muito baixo. A renda mensal é em torno de R$ 180,00, que é o benefício recebido por Adroaldo, além da bolsa-escola (3), no valor de R$ 45,00 (R$ 15,00 cada). Maria nunca teve emprego formal; Adroaldo é empregado da Mesacom S/A, mas devido o derrame sofrido está afastado das suas atividades, recebendo auxílio-doença. São atendidos no posto de saúde do bairro. A última vez que tiveram acesso a médico foi há aproximadamente 5 meses, quando Adriel foi consultado, recebendo tratamento para vermes. A.S.R. sofre de desnutrição; Adroaldo (companheiro) é vítima de derrames. A situação sócio-econômica pela qual atravessa o país, a falta de políticas públicas permanentes de inclusão social e de geração de trabalho e renda, e a baixa escolaridade, são causas da miséria em que vive a família. São ainda discriminados e têm dificuldade de acesso aos serviços públicos. Responsável pelas informações: Movimento de Direitos Humanos de Lajeado/RS Lajeado/RS, 30/11/2001 Renata Maria Gonzatti • 58 Identidade: 4085664706 • 59 Identidade: 1013285364 • 60 Loteamento 17, Bairro Morro 25, Lajeado/RS Caso 21 ADRIANO LENHARDT61 , sexo masculino, 32 anos, desempregado, é casado com ELMIRENE LENHARDT62 , 40 anos, do lar. O casal tem três filhos, A.P.L., 12 anos, J.G.L., 09 anos, I.G.L., 05 anos. Vivem em uma casa com coisas muito simples63 . Há um banheiro para três casas. Usam uma capunga. O casal cursou o ensino fundamental, mas incompleto. Os filhos estudam. Acham que o país nunca esteve tão ruim como está agora, como a situação do desemprego. Acham os políticos desonestos e reclamam de muita violência. A renda é de R$ 180,00 mensais, que a esposa recebe de benefício e alguns biscates. O ultimo emprego formal que tiveram foi em fevereiro de 2001. São atendidos em posto de saúde, mas às vezes é muito difícil ter acesso ao atendimento. Elmirene fez ligamento e vários exames e tem que fazer tratamento para inflamação. Elmirene apresenta problemas de inflamação e os demais sofrem freqüentemente de gripes. A fome é causada pela situação econômica do país, falta de empregos no município; inexistência de políticas sociais de inclusão e de geração de emprego e renda. Sofrem discriminação social. Responsável pelas informações: Movimento de Direitos Humanos de Lajeado/RS Lajeado/RS, 30/11/2001 Renata Maria Gonzatti • 61 Identidade: 3047900001 • 62 Identidade: 5044521762 • 63 Rua Júlio Bohrer, 69, Fundos, Bairro Carneiros, Lajeado/RS Caso 22 NATALÍCIO DE SOUZA, sexo masculino, 36 anos, vive maritalmente com ILDA SALETE DOS SANTOS64 , 31 anos. Ambos são catadores de papel, e moram em Linha Santa Bárbara (próximo ao perímetro urbano), Paraná. Têm 5 filhos, V.S., 17 anos, J.S., 14 anos, J.S., 9 anos, F.S., 6 anos, e A. S., 3 anos. Sua renda mensal é mais ou menos R$ 60,00, além de duas bolsas-escola para dois filhos, no valor total de R$ 30,00. Nunca tiveram emprego fixo. Na sua residência falta luz, água encanada e saneamento básico. A água para o consumo da família é tirada de um poço que fica a poucos metros de fossas sépticas. Duas crianças freqüentam a escola. A família não tem acesso a nenhum tipo de atendimento social (Dona Ilda disse que esteve na Secretaria de Ação Social no dia 10/12/01 solicitando cesta básica para sua família, mas a resposta que ela obteve foi que eles não podem ajudar todas as pessoas que fazem o pedido). Fora as pessoas da família, moram ainda mais dois parentes, um dos quais é deficiente físico e não possui nenhum tipo de renda (pensão ou aposentadoria) por falta de documentação. Natalício sempre está com problemas de ouvido. Ilda não se queixou de doenças com ela, mas as crianças estão sempre resfriadas. A higiene é precária. A visão política do casal é marcada pela desesperança com os políticos, pois todos só os visitam em época de eleições; quando estas terminam, os mesmos nunca mais aparecem. O acesso à saúde é difícil (questão de remédios). Quando conseguem consulta, não há remédios no posto e não conseguem comprar, pois falta dinheiro até mesmo para a alimentação. Há mais ou menos um mês o marido teve uma crise de ouvido e não conseguiu condições de tratamento (remédio). Os principais problemas de saúde são freqüentes resfriados nas crianças. Culpam o descaso das autoridades da situação em que vivem. Responsável pelas informações: ASSESOAR Linha Santa Bárbara – Francisco Beltrão – PR. 11 de Dezembro de 2001 • 64 Título eleitoral nº 0765806606-04 Caso 23 IVO MAULI65 , e NADIR OLIVEIRA ROSA MAULI66 são casados, ele aposentado, e moram em Linha Santa Bárbara – Francisco Beltrão – Paraná. A situação geral do casal é de extrema pobreza, saúde e higiene precárias. Na residência há apenas luz, a água para o consumo do casal é retirada de um poço. Possuem apenas uma geladeira velha. O casal não tem acesso a nenhum tipo de atendimento social (Dona Nadir disse que tem um filho que está com envolvimento com drogas, e se emociona ao dizer que não pode visitá-lo com freqüência devido ao seu problema de saúde que a impede de caminhar e diz também que não sobra dinheiro para comprar algo para levar ao seu filho na cadeia). A visão política da família é comprometida pela perda da esperança, não acreditam em mais nada e ninguém. Sua renda mensal é a aposentadoria de Ivo, no valor de R$ 180,00. Têm dificuldades quanto à questão de remédios. Ivo precisou de médico há mais ou menos quatro meses (cirurgia para retirar um tumor na perna). Nadir tem problemas com pulmão. Responsável pelas informações: ASSESOAR Linha Santa Bárbara – Francisco Beltrão – PR. 11 de Dezembro de 2001 • 65 RG nº 3.666.898 • 66 RG nº 3.666.898 Caso 24 BERENICE SALVADOR, sexo feminino, 22 anos, vive maritalmente com EDUARDO RIBEIRO, 30 anos. Eles moram na RS 130, próximo à Rodoviária, em Lajeado – Rio Grande do Sul. Ambos têm origem indígena. O casal confecciona artesanato indígena para vender no centro da cidade. Têm dois filhos: D. R., 2 anos, e I.R., 6 anos. Somente freqüentaram o ensino fundamental em suas séries iniciais, sabendo apenas ler e escrever. Nunca tiveram emprego formal. A sua única fonte de renda é a venda de artesanatos, cuja renda mensal é muito variável. As condições de habitabilidade são péssimas; o casebre onde moram é de lona, com piso de chão batido, não possuem utensílios domésticos, cozinham em fogareiro de chão. Não possuem água tratada, nem luz elétrica. O lixo acumula-se ao redor da moradia. A roupa suja fica amontoada próximo à moradia. Não possuem problemas sérios de saúde, os mais comuns são gripes e infecções, especialmente nas crianças. Encontram-se há pouco tempo no município e até o momento não procuraram serviços de saúde, mas também não receberam visitas de agentes de saúde, ou profissionais da área. A última vez que tiveram acesso a médico foi na reserva indígena. Possuem visão de organização social, mas consideram o Estado em sua função paternalista. Esperam auxílio do governo para terem melhores condições de vida. Não possuem bens de consumo próprios. Recebem auxílio do governo brasileiro quando se encontram na reserva indígena da qual são egressos, tais como serviços de saúde e alimentação, mas que são insuficientes para a sobrevivência digna. Atribuem a falta de condições dignas de vida à situação econômica que atravessa o país e pela miséria que os povos indígenas vivem sem assistência governamental adequada. Sofrem com a discriminação pela origem (indígenas). Testemunha essa violação a Central única dos Trabalhadores CUT/Regional Responsável pelas informações: Movimento de Direitos Humanos de Lajeado/RS Lajeado/RS, 30/11/2001 Renata Maria Gonzatti Caso 25 RENILDE IRACEMA DA SILVA67 , sexo feminino, 51 anos, é solteira e vive na Rua Eugênio Christ, 420, Bairro Santo Antônio, Lajeado/Rio Grande do Sul. Faz trabalhos domésticos e terceirização de trabalhos com couros para empresas de calçados. Vive com sua neta, C.P., 9 anos. Renilde possui casa própria, além de alguns móveis, como cozinha, camas, máquina de lavar roupa e televisão. Vivem em condições de higiene regulares. Renilde sabe ler e escrever, e tem consciência de que é preciso se organizar para melhorar suas condições de vida. Integra o Movimento de Trabalhadores Desempregados. Sua última atividade formal foi em 1984. Sua renda advém das atividades informais com courinho (serviço prestado à empresas de calçados), chegando a receber em torno de R$ 25,00, por mês. Recebe auxílio de sua mãe, que é aposentada. Ainda recebe bolsaescola para Cleomara, no valor de R$ 15,00. Renilde sofre de pressão alta. É atendida no posto de saúde do bairro onde reside. Recebe visitas de agentes de saúde. O acesso ao posto é fácil. Consultou com médico em setembro de 2001, quando recebeu tratamento para aliviar dores no peito, fez exames para identificar a causa. Culpa as dificuldades econômicas pelas quais atravessa o país; a falta de política de desenvolvimento econômico e geração de trabalho e renda no município; e a pouca escolaridade da entrevistada pelas dificuldades porque passa. A vida de toda a sua família registra dificuldades econômicas. Sente discriminação e dificuldade de acesso aos serviços públicos. Responsável pelas informações: Movimento de Direitos Humanos de Lajeado/RS. Lajeado/RS, 30/11/2001 Renata Maria Gonzatti • 67 Identidade: 5065602673 Caso 26 ROGÉRIO AURI SIQUEIRA68 , sexo masculino, 42 anos, operário, é casado com IRENE TERESINHA SIQUEIRA69 , faxineira. O casal mora na Rua Júlio Bohrer, 69, Fundos, Bairro Carneiros, Lajeado/Rio Grande do Sul, e tem um filho, A.A.S., 10 anos. Possuem uma casa muito simples, num local onde há mal cheiro, má organização, usam um banheiro para três famílias, chegando a escalonarse para o banho, que não pode ser tomado todos os dias. Ganham aproximadamente dois salários mínimos por mês. Ambos estudaram até a 6ª série do ensino fundamental, mas têm pouca visão crítica sobre a situação em que vivem. Acham que o país já foi melhor de viver, agora é muito violento. Os filhos estão estudando. Irene tem problemas nos ouvidos e problemas no colo do útero, geralmente necessita de tratamentos médicos, e é difícil o acesso aos serviços de saúde no município. Para ser atendido no Pronto-Socorro, tem que estar quase morrendo para ser atendido, e nos postos de saúde tem que ir de madrugada e quase nunca há fichas para atendimento pelos especialistas. Há aproximadamente 15 dias Rogério fez uma biópsia e está em tratamento. As causas da sua situação miserável são as dificuldades sócio-econômicas pelas quais passa o país, e a falta de políticas públicas de inclusão social e de geração de trabalho e renda no município. Sofrem com a discriminação social e a dificuldade de acesso aos serviços públicos. Responsável pelas informações: Movimento de Direitos Humanos de Lajeado/RS 30/11/2001 Lajeado/RS Renata Maria Gonzatti • 68 Identidade: 4035547531 • 69 Identidade: 6047885816 Caso 27 NELINDA GRASEL70 , 38 anos, sexo feminino, agricultora, atualmente exercendo funções de doméstica, vive maritalmente com JOSÉ ALTAIR DA CRUZ71 , agricultor, atualmente exercendo a função de pedreiro/jardineiro. O casal tem seis filhos, L.V.S., 17 anos, auxiliar de padaria, M.G.C., 14 anos, M.A.G.C., 11 anos, pedinte no centro da cidade, M.D.G.C., 5 anos, M.T.G.C., 4 anos, M.T.G.C., 1 ano de idade. A família é natural de Santa Cruz do Sul. Viviam da agricultura e na busca por melhores condições de vida vieram para São Leopoldo. A família reside em uma pequena casa de três cômodos, em terreno irregular, sem água potável, higiene precária e em condições de miséria absoluta72 . A fome ronda a família constantemente. José Altair trabalha “fazendo bico” como jardineiro e o filho mais velho como auxiliar de padaria, mas o trabalho (quando há) é informal. As meninas M.G.C. e M.ªG.C. vão para a rua ganhar alguns trocados, quando falta comida, como pedintes ou guardadoras de carro nas proximidades da universidade. A mais velha está grávida, e apenas a segunda freqüenta a escola. Nelinda tem distúrbios neurológicos e é completamente confusa no cuidado com os filhos. Já perdeu um filho por problemas de desnutrição e anemia crônica. A última filha também passou pelo mesmo processo de desnutrição, revertido graças à intervenção do Centro de Defesa, mas, de uma maneira geral todas as crianças listadas alimentam-se de forma bastante precária. Em 2000, a filha mais nova foi acometida por meningite, ficando com sérias seqüelas de ordem neurológica. O pai tem envolvimento em situação de violência por tentativa de abuso sexual das próprias filhas, em razão do uso de álcool e do abuso de poder. A renda mensal da família é de aproximadamente um salário mínimo (R$ 180,00). Não recebem quaisquer benefícios sociais ou governamentais. Os problemas mais freqüentes de saúde da família são os que envolvem as vias respiratórias (dado o nosso inverno frio e as poucas condições de abrigo e agasalho), problemas de pele (decorrentes da falta de higiene), anemia, diarréia, desnutrição (pela falta de alimentação adequada). O acesso aos serviços de saúde é precário, mas ainda mais difícil é o acesso à medicação e tratamento recomendado. Os vizinhos, o médico, e a equipe do Centro de Defesa da Criança e Adolescente (CEDECA) testemunham esta situação de fome, que está relacionada às dificuldades decorrentes da falta de políticas públicas de atendimento à miséria, baixa escolaridade, desemprego. Ações políticas foram tomadas pelo Centro de Defesa no sentido de afastar as crianças do trabalho degradante, buscar tratamento médico e fisioterapêutico para elas, incluir a família em programa de renda mínima e de apoio sóciofamiliar. No período da inclusão no projeto, os resultados foram visíveis. Contudo, quando o programa passou a ser desenvolvido pelo município (com recursos do Governo do Estado), a família não foi incluída, retornando os antigos problemas. Responsável pelas informações: CEDECA BERTHOLDO WEBER – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – PROAME. Rua São Pedro, 968, Centro - São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil Dia 30 de Novembro de 2001 • 70 CTPS n.º 17193 série 00019-RS • 71 RG 6025072452 • 72 Rua 24, 170, Vila Brás, São Leopoldo, RS Caso 28 HILDA SILVEIRA DOS SANTOS, 46 anos, viúva, doméstica, aposentada, trabalha como diarista, realizando lavagem de roupa, limpeza, passando roupa etc. Não trabalha fichada ou com carteira assinada, somente como autônoma. Nunca estudou. Vive em uma casa de 60 metros quadrados, mista73 . Possui bens de consumo comum como geladeira, televisão, ventilador, fogão etc. Suas condições de higiene são boas, a pessoa que preza muito o que tem. A saúde é muito instável, sendo que depois de viúva ela se juntou com uma pessoa que lhe transmitiu o vírus do HIV/AIDS, vírus este que apareceu em sua filha nascida desta união. Não consta que tenha nenhum envolvimento com qualquer tipo de crime ou contravenção, e sua visão política é limitada, dentro da medida de ajuda e doação; porém aponta para alguma clareza referente às políticas públicas e posturas de nossos governantes. Hilda possui cinco filhos, MARCELO DOS SANTOS, solteiro, deficiente, 24 anos, não possui aposentadoria ou ajuda, cursou até a 4º série do ensino fundamental; JULIANO DOS SANTOS, solteiro, deficiente, 19 anos, não possui aposentadoria ou ajuda, cursou a 1º série do ensino fundamental; C.P.C., 6 anos, cursando pré escolar, portadora do vírus HIV. A renda da família é R$ 180,00 mensais. Recebe um sacolão da Igreja Católica local e algumas ajudas de pessoas que se comovem. A família tem acesso ao posto de saúde que fica próximo da casa, apesar de haver limite no atendimento médico periódico. Existe a distribuição de alguns medicamentos grátis, especialmente os coquetéis para HIV. Quanto aos meninos, faz alguns anos que não recebem acompanhamento médico, apenas fisioterapia pela universidade local que entra de férias durante três meses ao ano. Esta situação é conseqüência da pouca educação e sua baixa qualidade, além da falta de emprego e indústrias na cidade, assim como da falta de oportunidades. Os dois garotos iniciaram o processo de atrofiamento raro, sem acesso a uma avaliação médica até hoje. Eles já tinham 8 anos quando esse processo se iniciou e com 13 anos foram para a cadeira de rodas. Não se consegue que eles trabalhem em lugar algum. Não conseguiram aposentadoria até então. A mãe e a irmã que adquiriram o vírus do HIV e hoje vivem com a sombra da morte. Recebem ajuda de pessoas da comunidade que se compadecem com a situação. Responsável pelas informações: Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Itajaí – SC Pessoa que realizou o levantamento - Eugenio Sachuck Itajaí - SC 29/11/2001 • 73 Rua Santo Agostinho 809 – bairro de cordeiros, Itajaí – SC Caso 29 A família é composta por CLEUSA RODRIGUES74 , sexo feminino, 40 anos, casada, do lar, seu marido GEOVANE VICENTE NEVES, 43 anos, brasileiro, casado, montador de calçados, e seus dois filhos D.R.N., sexo masculino, com 15 anos, e F.A.N., sexo feminino, com 11 anos. O imóvel no qual reside o casal com seus filhos mede 4,30X5 metros e é de alvenaria sem reboco75 . Eles lá se encontram há 17 anos, porém a propriedade da área ainda está sendo discutida em processo judicial. Os bens de consumo que possuem são: televisão, aparelho de som, fogão a gás e refrigerador. O filho D. está cursando a 6ª série do ensino fundamental e a filha F. a 3ª série do ensino fundamental. As condições de higiene do local são razoáveis e o acesso ao posto de saúde e ao hospital local não apresenta grandes dificuldades. Contudo, a família padece de diversas doenças: Cleusa tem problemas nas pernas, pressão alta e gastrite; D. é alérgico, tem problemas na garganta e no ouvido, teve hepatite simples e três vezes pontada. O casal já perdeu um filho aos quatro meses (1985). A renda mensal da família é de R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais). Não recebem nenhum benefício social ou governamental. Responsável pela informação: Lorenço Dasenbrock. Rua Araçatuba. Nº 264, Bairro São Jorge, N. Hamburgo, RS • 74 Portadora do RG nº 15º/B 1.533.093 • 75 Endereço: Rua Taubaté, nº 174, Vila Kraemer, Bairro São Jorge, Novo Hamburgo – RS Caso 30 A família residente no município de Alvorada, RS, é chefiada por MARIA DE LOURDES ALVES DE ARRUDA76 , sexo feminino, 38 anos, auxiliar de limpeza. Maria declara possuir cinco filhos, sendo os dois mais velhos com o primeiro marido e os três últimos, com o segundo: J.A.S.77 , sexo feminino, 15 anos, estuda na 7ª série do Ensino Fundamental em Escola Pública Estadual, pela manhã e à tarde cuida dos irmãos; C.A.S., sexo masculino, com 13 anos, estuda na 6ª série do Ensino Fundamental em Escola Pública Estadual; S.C.A.S.78 , sexo feminino, 4 anos, freqüenta uma creche comunitária; W.A.A.79 , sexo masculino, 2 anos, não freqüenta creche, fica durante o dia com os padrinhos. A família reside num casebre que mede aproximadamente 10 m², com dois cômodos: um quarto e uma cozinha. A área é uma ocupação em terreno de propriedade da Prefeitura. A família não conta com esgoto, luz ou água. É necessário procurar vizinhos à cerca de 100m para pedir água para cozinhar ou lavar roupas. Na frente da residência há um lixão que acumula bichos peçonhentos e perigosos chegam a entrar na casa, que possui buracos, colocando em risco a saúde e integridade física da família. • 76 A vítima é residente na rua Silveira Martins, nº 10, Bairro São Lourenço, Alvorada, RS, Brasil • 77 É portadora do RG n.º 5091692011 • 78 Registro de nascimento: nº44458, livro A 137 fls. 027 • 79 Registro de Nascimento: 52988, fls. 157, livro A n.º 165 Caso 31 Maria de Lurdes Arruda trabalha como auxiliar de limpeza, ganhando em torno de R$ 200,00 (duzentos reais) por mês. Não recebe ajuda dos pais de seus filhos, pois seu primeiro marido está desempregado e, o segundo, quando aparece, faz ameaças contra sua vida. Uma das suas filhas, de 5 anos, é deficiente física. Quando contava com 10 meses de idade apresentou problemas neurológicos (paralisia cerebral), tendo seu desenvolvimento físico prejudicado. Nunca caminhou. Atualmente usa um aparelho ortopédico conseguido com ajuda de voluntários. Faz tratamento na AACD, Centro de Reabilitação (Teleton), em Porto Alegre, mas como mora muito longe, tem que usar dois ônibus para tal deslocamento, não conseguindo realizar o tratamento adequado. Possui tem laudo médico comprovando a possibilidade de recuperação, caso o referido tratamento seja realizado como indicado. Relata que o local onde reside é empecilho para realização do tratamento da filha. Não recebe qualquer tipo de benefício de entidade pública, cesta básica, bolsa-escola. A situação desta família está relacionada com a disparidade econômica e social do país, onde a questão da moradia adequada está longe do mínimo exigível, para a pessoa ter direito a uma casa decente. Responsável pela informação: Vera Maria Iob SE AME - Movimento Pela Livre Expressão Sexual de Alvorada. Travessa Chicago, 240, Vila Mª. Regina, Alvorada/RS – Brasil CEP: 94.800 – 000 E-mail: [email protected] Caso 32 ETELVINA SANTANA DE CARVALHO80 , sexo feminino, 69 anos, solteira, encanadora aposentada, analfabeta, vive da caridade alheia. A vítima mora sem condições nenhuma de higiene na Cidade de Pato Branco, Paraná, não tem visão política apropriada e seus bens de consumo são precários. Exerce suas atividades no Bairro Vila Nova, Rua Gonçalves Dias, s/n, na cidade de Pato Branco-PR, Brasil. Vive com o seu neto R., de 5 anos, pois a mãe do neto foi morta por razões relacionadas a violência doméstica. Não tem renda mensal nenhuma, e não recebe nenhum benefício governamental. Etelvina Carvalho teve seu último emprego em 1977, como encanadora no posto Tigrão. Tem acesso fácil e freqüente à saúde. Quando sofreu derrame foi atendida pelo posto de saúde local. A situação de ausência de moradia e miserabilidade está relacionada à situação econômica de nosso país. Na localidade, existem umas 30 ou 40 famílias que vivem como esta senhora. O terreno pertencia ao Srº. Edi Siliprandi, ex-deputado, mas ele negociou com o Dr. Alceni Angelo Guerra, ex-ministro da Saúde do governo Fernando Collor de Mello, quando era prefeito em Pato Branco-PR. Este responde a uma ação na justiça que ainda não foi julgada. A audiência está marcada para o ano que vem, segundo nos informou a juíza. Sua vizinha Rosane Galvão é testemunha da violação. Responsável pelas informações: Centro de Direitos Humanos de Pato Branco-PR Rua Alexandre Gusmão, Bairro Vila Nova, Pato Branco-PR Terezinha de Carvalho • 80 Portadora do título de eleitor n.º 260606065-20 Caso 33 PEDRO NUNES 81 , sexo masculino, casado, 41 anos, sem documentos, convive em união estável com Terezinha de Carvalho. Trabalham recolhendo e vendendo sucatas. Moram na cidade de Pato Branco, no Bairro de Vila Nova - Paraná. As vítimas sobrevivem sem condições básicas de subsistência, e com precárias condições de higiene. No barraco aonde residem não água ou luz. Não têm escolarização, nem visão política. Seus bens de consumo são os piores possíveis. Há três crianças envolvidas. R (11 anos), R (8 anos) e P (2 anos). Um deles tem problema de audição. A renda mensal familiar gira em torno de R$ 80,00, e, no entanto, não recebem nenhum benefício governamental. Pedro Nunes teve seu último emprego, como catador de lixo, em 1988. Esta situação esta relacionada à dificuldade econômica. O principal problema de saúde relatado é a audição de um dos filhos. Ele já foi operado, porém não ouve e não toma remédios. Consta que Pedro Nunes é alcoólatra e que eventualmente envolve-se em brigas com vizinhos. O terreno em que mora a família Nunes pertencia ao Srº. Edi Siliprandi, exdeputado, mas ele negociou com o Dr. Alceni Angelo Guerra, ex-ministro da Saúde do governo Fernando Collor de Mello, quando prefeito em Pato Branco-PR. Este responde a uma ação na justiça ainda não julgada. A audiência está marcada para o ano que vem, segundo nos informou a juíza. São testemunhas da violação: Nilda dos Santos e Fernando Domingues de Oliveira. Responsável pelas informações: Terezinha de Carvalho Centro de Direitos Humanos de Pato Branco-PR • 81 Domiciliado no Bairro Vila Nova, Rua Alexandre Gusmão, s/n, na cidade de Pato Branco-PR, Brasil. O município de Pato Branco possui uma população de 62.000 habitantes e é situado no sudoeste do Paraná. O Bairro Vila Nova era conhecido como Rasga Diabo até o ano passado, pois havia tanta violência e fome que se brigava por qualquer coisa. Caso 34 Este caso situa-se na cidade de Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Estiveram envolvidas 500 famílias no ano de 1993. Hoje o número de famílias está em torno de 800. Citamos a situação de uma família, representativa das demais. ZENAIDE DA SILVA82 , sexo feminino, separada, 57 anos, pensionista, não trabalha, não possui documentos, sua escolaridade é 3º série, recebe um salário mínimo, mora no local há 8 anos. Sua família é composta por seu filho Alexandre da Silva, sexo masculino, 21 anos, 4º série, operário, recebe um salário mínimo; a filha Nelva da S. Santo, sexo feminino, 18 anos, 3º série, do lar; o filho D.S., de 14 anos, filho, 5º série; N.S.S., 13 anos, filha, 5º série, estudante; A.S.S., 3 anos, neto e K.S.S., 7 meses. A situação da moradia de Z.enaide da Silva é representativa da maioria dos moradores da localidade. A casa é feita de sucata (telha e zinco), não há banheiro, a cobertura é feita de fibrocimento, o contrapiso é de madeira ruim, não há divisórias, não há forro e o telhado é de madeira ruim. A dimensão é de 4x8 metros. A casa tem água e luz. As condições de moradia são irregulares. Há famílias que têm suas casas construídas a uma distância de dois metros do trilho. Há uma grande semelhança na situação geral das famílias. A maioria delas não tem acesso à água e luz. Estes dados foram colhidos em 18/02/98 (dados do processo). Hoje a situação está um pouco pior, tendo em vista que aumentaram em mais de 50% o número de famílias na área. A situação geral das famílias é de sobrevivência com um salário mínimo de R$ 180,00 proveniente de biscates e auxílios. Algumas famílias recebem pensões e bolsa-escola. O acesso à saúde é precário, tendo em vista que nem todos os bairros têm posto de saúde. Os bairros que têm posto de saúde são lotados e as pessoas precisam ficar muito tempo em filas para serem atendidas. A situação da inadequação das moradias é decorrente de falta de política social, econômica e habitacional. Há um processo de reintegração de posse número 21193003486, de 1993, tramita na 4º vara cível da Comarca de Passo Fundo-RS. O processo está julgado e a sentença determinou que a empresa América Latina Logística (proprietária da área) fique impedida de retirar as famílias do local sem que o Estado as realoje em lugar seguro e sejam indenizadas pelo que construíram. A América Latina Logística (autora da ação de reintegração de posse) recorreu da decisão e hoje o caso está sendo avaliado pelo Tribunal de Justiça do Estado. A autora será extinta em dezembro de 2002, e possivelmente o sucessor vai tentar levar o caso adiante. A postura da Prefeitura Municipal de Passo Fundo foi de descaso com a situação. Responsável pela informação: Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo/RS Jussara Colet Fone(54)313.2305 Email: [email protected] • 82 Residente e domiciliada na rua Epitácio Pessoa,12, Bairro São Luiz Gonzaga, Passo Fundo, RS Caso 35 GENI SILVEIRA83 , sexo feminino, viúva, dona de casa, 51 anos. A vítima sofreu três enfartes e derrames, não domina a lateralidade, por isso não anda sozinha. O acesso aos serviços de saúde é fácil e freqüente: usufrui de Pronto-Socorro. Teve acesso a um médico pela última vez há aproximadamente 15 dias, devido a problemas de pressão alta pelo qual recebeu medicamentos. Sofre de retenção de líquidos e dores de cabeça. Suas condições de higiene são regulares. atualmente freqüenta o MOVA (Movimento de Alfabetização de Adulto), já conseguindo escrever e ler bem. Opina e faz a leitura do mundo, não se conformando com a pobreza e a dívida que o Brasil tem que pagar. Usa os utensílios domésticos da casa do filho que mora em frente a sua residência. Recebe um salário mínimo de pensão. Nunca teve emprego formal. Não recebe benefícios sociais ou governamentais. A situação de moradia inadequada se deve à situação sócio-econômica do município, do estado e do país, agravada pelo fato de ter sido atingida duas vezes neste ano pelas enchentes. A vítima relata problemas de discriminação e difícil acesso aos serviços públicos. Responsável pelas informações: Movimento de Direitos Humanos de Lajeado/RS Renata Maria Gonzatti • 83 Residente e domiciliada na Rua Raimundo Schmidt, 150, Bairro Hidráulica, Lajeado/RS Caso 36 SILVINO POTTEMAIER84 , sexo masculino, viúvo, 58 anos, pedreiro inativo, há mais de 15 anos sem exercer a profissão, reside na Cidade de Barragem, Rio do Sul – SC. Há dois filhos na mesma situação: R.S.O., sexo masculino, 11 anos, estudante da 5ª série e F.P.N., sexo masculino, 19 anos, desempregado, 5ª série de escolarização. A família reside há 10 anos neste local, ocupa dois cômodos que ficam nos fundos de uma outra pequena residência. Os cômodos não possuem banheiro, geladeira, apenas dois camas, um fogão e uma mesa. Esta moradia é feita em área da antiga estrada de ferro que pertence à União. Silvino não trabalha há mais de 15 anos e está aposentado há nove anos, enquanto o jovem de 19 anos está desempregado há mais de dois meses anteriormente trabalhava numa empresa de reciclagem de papel. A família recebe um salário mínimo por mês (R$ 180,00); no entanto, não recebe auxílio governamental. A vítima tem um câncer na mão esquerda, cursou o primário incompleto, não possui visão política sobre a realidade. A família não tem recursos para higiene pessoal nem para higiene da moradia. O atendimento médico é feito pelo SUS, quando necessário. A ausência de moradia adequada não esta relacionada à catástrofe, mas sim à dificuldade econômica. Há relatos de discriminação de toda ordem sofrida pela vítima. Responsável pelas informações: Paula Eleuterio de Britto • 84 Certidão de Nascimento n.º 911, folhas 35- livro 16. Reside em Beco do Sossego, s/n, Barragem, Rio do Sul - SC Caso 37 JOÃO LOPES DA SILVA85 , sexo masculino, 57 anos, brasileiro, casado, jardineiro, morador de Chapecó, Santa Catarina. Apresenta condições de saúde baixa, poucos cuidados com a higiene, completou a 4º série, não demonstra se tem ou não visão política ampla, mas tenta relacionar a situação por que passa com o modelo sócio-econômico em que vivemos. Não tem envolvimentos com crimes. Tem dois filhos, E.L.S., sexo feminino, 8 anos e I.L.S., sexo masculino, 6 anos. A renda mensal familiar está em torno de R$ 110,00, além de uma bolsa-escola que recebe do governo, no valor de R$15,00. A família relata passar fome em razão do desemprego. O último emprego com carteira assinada foi em 1982. Recebe atendimento médico na Unidade de Saúde Pública Santa Maria. A última vez que recebeu tratamento foi no início de outubro de 2001, por pneumonia. Os problemas de saúde mais freqüentes são resfriados. São testemunhas desta situação, Nilton de Oliveira, RG 4.934.675-1, e José Gildon Rocha da Silva, RG 12r-824.269. Responsáveis pela informação: Edenilson do Nascimento Petter CDH Chapecó • 85 Portador do RG de n. 12r-1.616- 189. Residente na Rua Jardim Europa, bairro Esplanada, nº7, Chapecó, Santa Catarina Caso 38 ROSELI FAGUNDES DA SILVA86 , brasileira, possui relação estável, escolaridade de 2ª série do 1º grau. Profissão: diarista desempregada, atuando na economia informal. Não possui registro de nascimento, RG ou CPF. O marido é deficiente de uma mão e é alcoólatra. Roseli possui seis filhos e um neto de 3 meses (filho da sua filha adolescente de 16 anos), está sendo acompanhado pela Pastoral da Criança. Quatro crianças têm idade escolar, mas somente três estão na escola (a adolescente teve o bebê). Exerce suas atividades na cidade de Pato Branco, sudoeste do Paraná, na região sul do Brasil. A renda mensal é de R$ 160,00, incluindo o trabalho de diarista e de seu esposo. Recebe auxilio bolsa-escola. Nunca teve emprego com carteira assinada. Faz uso do SUS com todas as crianças, um de seus filhos teve adenóide, mas não foi atendido e morreu. Quando está embriagado o marido é violento, espanca a todos. Muitas vezes, a família tem que sair de casa, e às vezes o Conselho Tutelar os socorre. Testemunha esta situação Gerri de Lima Franco. Responsável pelas informações: Centro de Direitos Humanos de Pato Branco Pato Branco, 11 de novembro de 2001 • 86 Residente à margem da BR 158, próximo ao Parque das Indústrias, no município de Pato Branco Caso 39 DELFINA MARQUES DOS SANTOS87 , brasileira, separada, residente à margem da BR 158 que liga Pato Branco a Coronel Vivida, próximo ao Parque das Indústrias, Pato Branco – PR. Profissão: doméstica. Não tem carteira assinada. Há 12 anos trabalha na informalidade como diarista. Estudou até a 1º série do primário. Não tem envolvimento em crime. Mora com um filho de 39 anos, José Batista, que está desempregado e sustentado pela mãe. Eles moram na casa que seu filho construiu no terreno da prefeitura. A moradia não tem água, razão pela qual é necessário recolher água potável de um lugar a 400 metros do barraco, que não tem luz elétrica. Não tem higiene e o barraco fica a 30 metros da ponte sobre o Rio Ligeiro. Exerce suas atividades na cidade de Pato Branco, sudoeste do Paraná, na região sul do Brasil. Sua renda mensal é de R$ 120,00. Não recebe nenhum benefício governamental, e está desempregada desde 1993. Tem acesso ao SUS e faz tratamento da tiróide e do estômago. O principal problema de saúde que os afeta é o alto grau de desnutrição. O filho sofre de depressão e já foi internado cinco vezes em Cascavel, encaminhado pela assistência social da cidade. Responsável pela informação: Centro de Direitos Humanos de Pato Branco. Pato Branco, 15 de novembro 2001 • 87 Registro de nascimento n.º 14.893, registrada em Pato Branco, RG 8.809.100-0, CIC 881.539.679/91. Caso 40 DJALMA LOPES DE SOUZA88 , sexo masculino, 45 anos, casado, aposentado, pescador, Carlos Marcelino de Souza e Edelzuita Lopes de Souza. Há duas crianças envolvidas: J.S.B. 3 anos, e J.C. 10 anos. A escolaridade da família é no máximo até a 5ª série do ensino fundamental. Dois são analfabetos. A renda da família está em torno de R$ 385,00, sendo duas aposentadorias (Edelzuita e Carlos) de 180,00 cada uma e uma bolsa escola para J.C. (R$ 15,00 mensais). O último emprego da família foi em 1970. Não há envolvimento com o crime. Essa família é representativa de uma comunidade de aproximadamente 300 famílias sofrendo ação de despejo, por parte da Cia. União Progresso, São João do Cabrito, Bahia. As famílias residem em casas que foram construídas com um quarto, uma sala e corredor de circulação. A construção das casas se deu entre o final do séc. XIX e inicio do séc. XX. As famílias pagavam um aluguel no valor de R$ 70,00, em média. As condições de higiene são prejudicadas pela falta de sistema de esgoto sanitário. As vítimas nesse caso possuem os seguintes equipamentos domésticos: televisão, geladeira, móveis de sala e quarto. Os moradores são trabalhadores da Cia. União Progresso e seus descendentes. Com as dificuldades sociais e a extorsão da família Catarino, os moradores deixaram de pagar o aluguel no ano de 1996. A partir de 1999, a família Catarino passou a pressionar os moradores, fazendo visitas, por intermédio de prepostos, e enviando cartas ameaçadoras. Em setembro de 2001, a família Catarino deu entrada junto ao Tribunal de Justiça da Bahia em uma Ação de Despejo de um conjunto de moradores do local. Em 1999, os moradores procuraram a Defensoria Pública e a Comissão dos Direitos do Cidadão. A vitima foi intimada em relação à ação de despejo que se encontra em tramitação perante o Tribunal de Justiça da Bahia. Há um advogado contratado para fazer a defesa de todas as famílias que se encontram nesta mesma situação. O acesso ao serviço de saúde é distante, a cerca de cinco quilômetros. Os primeiros socorros estão a cerca de 30 quilômetros. A família da vítima do caso apresenta os seguintes problemas de saúde: paralisia em virtude de derrame (Carlos), problemas cardíacos, problemas respiratórios e úlcera. Outro problema apresentado é a demora na prestação do atendimento no posto de saúde, sendo necessário longa espera para a obtenção do tratamento. São testemunhas das violações sofridas pela vitima a Sra. Maria das Graças Ivonete Bispo de Jesus e o Sr. João Pereira Oliveira Júnior. Responsável pelas informações: São João do Cabrito – Plataforma, Bahia 20/02/2002 • 88 Morador de São João do Cabrito- Plataforma (BA), Rua Sá Oliveira, no. 06. Portador do RG de n.º 595176 SSP. Caso 41 Um coletivo de 41 famílias de Passo Fundo (RS) ocupou, nos dias 13 e 17 de Dezembro de 2001, três diferentes terrenos no Bairro Bom Jesus, por motivo de falta de condições de moradia. Nominamos alguns representantes de famílias: Rafael dos Santos, Leonel Grosseli, Juliana de Paula, Jackson de Paula, Indiara Mello, Evani da Luz, Lindemar Ortiz, Elis Sampaio Lui, Daniel Assis Sampaio, Ezequiel Sampaio, Luciana Rodrigues, Maiquel de Paulo Mendes, Carlos Alexandre da Silva, Paula P. Sampaio Lui, Nelson Escobar, Luciana Elisabete Rodrigues, Cleusa Sampaio, Ernani Maciel. As pessoas que compõem as famílias são de nacionalidade brasileira, a grande maioria casada e com filhos, algumas possuem documentos como carteira de identidade, CPF e carteira de trabalho. A idade dos moradores não ultrapassa 34 anos. Algumas famílias são cadastradas na Secretaria Municipal de Habitação, aguardando que o governo tome iniciativa para resolver o problema da falta de moradia. A intenção das famílias é pressionar o governo para que possam receber suas casas. Para algumas pessoas, a situação da falta de moradia é revoltante, uma vez que elas estavam morando há algum tempo de favor na casa de amigos e familiares. No momento, a situação nos terrenos ocupados é irregular em todos os sentidos: há somente uma torneira para o acesso a água, não há luz, os terrenos estão localizados próximo a um esgoto que corre a céu aberto, há muitos insetos e cobras. As condições de higiene são precárias. As casas são de aproximadamente 3 x 4 metros, de madeira, sem divisórias. Há barracos de lona preta e ainda casas feitas com madeira, zinco e lona. A maior parte do material usado nas construções é doação de parentes ou amigos. O território ocupado pelos moradores é um exdepósito de lixo. 17 famílias ficaram no final da Rua Albino Lazaretti, oito famílias na Rua Brigada Militar, atrás da Igreja; e 16 famílias no fim da rua São Roque, próximo à Ponte, em Passo Fundo, RS. Os proprietários das áreas são a Prefeitura Municipal de Passo Fundo e a Fundação Lucas Araújo. As condições de saúde são precárias, tendo em vista que há grande número de crianças com pneumonia e bronquite asmática. Há um posto de saúde no bairro, mas a prefeitura está querendo fechar. Os moradores estão organizando um abaixo-assinado para evitar que isto aconteça. A maioria das crianças tem acesso à escola. Há uma creche no bairro. Entre os adultos, há os que concluíram o 2º grau, mas a maioria nem concluiu o primeiro grau. Há uma certa visão social e política (não partidária) da realidade por parte da maioria. Muitos votos foram comprados na localidade em troca de promessas de casas novas. Praticamente não há envolvimento em crimes. Todas as famílias enfrentam o problema do desemprego e sobrevivem com doações de alimentos. Há algumas pessoas que fazem biscates como serventes de pedreiro, chapas, rapa peças de gesso, papeleiros etc. Algumas famílias recebem bolsaescola de R$ 15,00. A violação ao direito à moradia adequada está relacionada à falta de uma política habitacional para o município. Há cerca de 2.500 famílias sem habitação no município de Passo Fundo (dados da Secretaria da Habitação). Há, na 1º e na 4º varas cíveis da Comarca de Passo Fundo, processos judiciais de reintegração de posse movidos pela Prefeitura Municipal de Passo Fundo e pela Fundação Lucas Araújo contra os moradores. No dia 27/12/2001, foi realizada a primeira audiência de conciliação em que se definiu que as famílias ficarão nos terrenos até dia o 6 de fevereiro/2002. Após esta data deverá ter sido dada uma solução para o problema. Responsável pelas informações: Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo/RS Jussara Colet Fone: (54) 313 2305 E-mail:[email protected] Caso 42 MARIA MADELENA RODRIGUES,89 sexo feminino, 52 anos, analfabeta, viúva, aposentada, do lar, residente na cidade de Passo Fundo - Bairro Rodrigues. Há três crianças envolvidas na situação: os netos entre 4 e 7 anos de idade. A vítima mora em um barraco que mede 3 x 4 metros, nos fundos da casa da filha, sem forro, sem divisórias. Constata-se que um lado da parede é de zinco (furado), que chove dentro, e que há espaços grandes entre as tábuas da parede. Há alguns móveis no barraco. A moradia não é abastecida com água, luz ou esgoto. Não possui banheiro. A família não tem visão política, social ou partidária. Não tem envolvimento com crimes. A vítima foi agricultora na área rural, veio para a cidade de Passo Fundo em 1996 e não desde então não teve mais trabalho. Subsiste com uma pensão de R$180,00. Há um mês foi ao médico para consulta e está com sintomas de pneumonia, além de apresentar problemas cardíacos, pulmonares e de pressão alta. Responsável pelas informações: Comissão de Direitos Humanos- Passo Fundo/RS. Jussara Colet/Luciane Inês Zanella Fone: (54) 313 2305. E-mail: [email protected] 06 de dezembro 2001. • 89 Portadora do CI nº 13R-2647860 e residente na Rua Bento de Menezes nº 113, fundos- Bairro Rodrigues- Passo Fundo- RS. Caso 43 MARIA CATARINA BAIRROS90 , solteira, desempregada, sem documentação, 72 anos de idade, analfabeta, mora na Vila Arco Íris, Cruz Alta, RS. Vive sozinha. A vítima nunca estudou, jamais teve algum documento pessoal. Inicialmente, trabalhava no meio rural, depois veio tentar a sorte na cidade como empregada doméstica em algumas residências. Seu barraco não possui luz, nem água, vive da caridade de pessoas que conhecem o seu sofrimento, tanto para alimentar-se como para vestir-se. Não possui bens de consumo próprio. Não é eleitora e não tem nenhuma visão política. Está totalmente desatualizada de tudo o que ocorre no mundo, em termos de política e demais assuntos. Jamais envolveu-se em crimes. Não trabalha devido à idade avançada. Vive de esmolas que adquire em casas, bares etc. Não possui renda, sobrevive com muita dificuldade, está doente e em péssimas condições de habitação e saúde. Seu último emprego foi de doméstica (não sabe precisar a data). A Sra. Maria Catarina não tem acesso fácil à saúde, pois mora em local distante dos postos de atendimento. Muitas vezes necessita de remédio e auxílio e não encontra ninguém para lhe ajudar. Não lembra a última vez que teve acesso à saúde. Sofre de muita dor de cabeça. Já sofreu várias discriminações e humilhações, porém nunca sofreu violência física. Possui idade suficiente para se aposentar, mas não dispõe dos documentos necessários para tal. Necessita de ajuda financeira urgente. Responsável pelas informações: Comissão de Direitos Humanos, Justiça e Fraternidade de Cruz Alta/RS. Simone Vargas, Cruz-Alta/RS 30 de novembro 2001 • 90 Residente e domiciliada na Vila Arco Íris na Cidade de Cruz Alta/RS Caso 44 VALDEMAR BAIRROS DA CRUZ91 , solteiro, deficiente físico da perna esquerda, desempregado, residente na Vila Arco Íris, Cruz Alta, RS. A vítima mora sozinha, contando somente com o auxílio de uma senhora de 72 anos de idade, que é encarregada de esmolar para conseguir alimentos e roupas. A vítima é, desde a adolescência, deficiente físico, fato que o impede de trabalhar, pois não consegue se locomover sem o auxílio de pessoas sensibilizadas com seu estado de saúde. Seu último emprego foi rural, há vários anos, não sabendo precisar a data certa (cerca de cinco anos atrás). Mora em um barraco cujo terreno foi herdado de seu pai, desaparecido há vários anos. Nunca teve chance de estudar, pois sua mãe faleceu quando ainda era bebê, sendo desta forma criado por seu pai, que fazia lides rurais e não possuía a mínima condição de auxiliar o filho e de lhe dar uma vida digna. O barraco não possui luz e nem água. Seu Valdemar vive da caridade de pessoas que conhecem o seu sofrimento, tanto para alimentarse como para vestir-se. Não é eleitor, e demonstra não ter nenhuma preocupação com a política. Jamais se envolveu em crimes. Não possui bens de consumo próprio. No dia 22 de junho de 2001, o escritório de advocacia Vargas ingressou judicialmente com pedido judicial de assistência ao portador de deficiência, com o pedido de tutela antecipada a fim de que o mesmo recebesse o valor de um salário mínimo mensal para manter-se e comprar medicação, sendo deferido o pedido de tutela antecipada, fato que levou Seu Valdemar a receber o auxílio por um período de três meses. Atualmente, embora os advogados continuem a lutar pelo caso, a vítima encontra-se na mais absoluta miséria, pois o Tribunal Regional Federal decidiu pela incompetência absoluta da Justiça Estadual para julgar o caso, devendo tal processo ter seqüência na cidade de Santo Ângelo (Justiça Federal). Seu Valdemar não tem acesso fácil à saúde, pois não possui condições de se locomover, dependendo exclusivamente de caridade. A última vez que teve acesso à saúde foi para fazer perícia médica para conseguir benefício previdenciário. Sofreu duas cirurgias e necessita de outra para amenizar seu sofrimento. Ele sofre fortes dores e não toma medicamentos devido à dificuldade de consultar um médico e de conseguir medicação. Responsável pelas informações: Comissão de Direitos Humanos, Justiça e Fraternidade de Cruz Alta/RS. Simone Vargas • 91 Inscrito no CPF sob nº 00555985016, CTPS nº 1450641, série001-0/RS, residente e domiciliada na Vila Arco Íris na cidade de Cruz Alta/RS Caso 45 Este caso é sobre um assentamento, localizado em Guarapuava (PR), oriundo de uma reivindicação dos moradores que tiveram conhecimento da doação realizada pela antiga proprietária do terreno. Ela havia destinado parte do imóvel aos pobres do bairro, mas o terreno foi vendido para uma companhia agrária. Ao tomar conhecimento do fato, as famílias invadiram a área. O INCRA, tentando minimizar o conflito, financiou outra propriedade para as vitimas, que não têm como pagar o financiamento e terminaram retornando à área e lá estabelecem há dois anos. As vitimas da violação são: Luíza Pereira de Lima, Maria Clara G.de Oliveira, Júlio César Rocha Viana, João Maria Soares, Maria Norma dos Santos, Feri Gonçalves de Oliveira, Ovídeo da Silva, Erondina S. Nunes da Silva, Luiz Carlos Soares da Cruz, Luís Carlos Alves de Lima, José Soares da Cruz, Valdir Alves de Lima, Adiar José dos Santos, João Trindade, Marques, Valer Gonçalves Soares, Ivonzis Manoel dos Santos, Jorge Oliveira, Leus Ribeiro, Nelson José de Oliveira, João Ribeiro, Dair da Silva, Francisco Ribeiro, Milton de Jesus, Sebastião Damásio, Erondi José Marques, Romeu da Luz, Junir Dias de Campos, João Varellero, Tereza Santos da Cruz, Ari Fernandez Marquês, Fátima Marquês. A maioria das vitimas veio de favelas e está ocupando a área em moradias improvisadas: casas pré-moldadas, sem banheiro, que medem 6 x 7 metros. No local, não há água encanada, nem esgoto sanitário, todo o lixo é queimado. Existem diversas crianças no local, cada família possui no mínimo dois filhos. O nível de escolaridade é baixo, a maioria das vitimas desistiu da educação na busca por empregos. A renda das famílias não supera o valor de R$ 50,00 por mês, algumas se mantém apenas com os R$ 15,00 provenientes da bolsa-escola. A maioria das famílias possui algum familiar doente. O acesso à saúde é difícil. Não há postos de saúde ou hospitais próximos ao assentamento. Onde existente, o atendimento é demorado e os medicamentos caros. Responsável pelas informações: Gilson Ribas de Campos, Rua Jesuíno Marcondes nº 52 Guarapuava/PR, CEP:85015 390. Dezembro de 2001. Caso 46 A família residente no município de Pato Branco (PR), é composta por ANA MARIA CAVALHEIRO MULLER1, sexo feminino, 57 anos, viúva, catadora de papéis, seus três filhos, sendo um deles menor, e dois netos (R.R.O., 8 anos, deficiente auditivo e E.P.S., 5 anos). Dois de seus filhos encontramse desempregados e têm registros de envolvimento com drogas e prisão. A higiene do local é precária e a escolaridade é baixa. A vitima tem problemas de pressão baixa e seu neto de 5 anos sofre de bronquite. Ambos são assistidos pelo sistema de saúde pública, mas não tem dinheiro para comprar medicamentos. O neto portador de deficiência auditiva é atendido pela Associação de Pais e Amigos de Excepcionais – APAE. A renda mensal da família é de R$ 150,00. Não há registro de nenhum processo judicial. Responsável pelas informações: Centro de Direitos Humanos de Pato Branco, Paraná. Terezinha de Carvalho Fone: (46) 225 3885 E-mail: [email protected] Rua Vinícius de Morais, B. Frarom, cidade de Pato Branco, Paraná, Brasil. 27 de dezembro de 2001 Caso 47 HUMBELINA VALOTTO PIRES, sexo feminino, 28 anos, casada, do lar, vive com seu marido e o filho do casal, de apenas um ano de idade, no assentamento Maria Cecília,.em Londrina (PR). A vitima não possui nenhum tipo de documentação. As condições de higiene do local são regulares. Não foi verificado nenhum problema de saúde. A família utiliza-se do sistema de saúde pública. A escolaridade é baixa, os adultos cursaram no máximo o quarto ano do ensino básico. A renda mensal é inferior ao salário mínimo, completada algumas vezes por uma cesta básica doada pela Igreja. Responsável pelas informações: Pastoral da Saúde, Londrina/PR Antônio Carlos de Jesus Dezembro de 2001 Caso 48 INÊS DE JESUS92 , sexo feminino, 32 anos, casada, do lar, reside no assentamento Maria Cecília, Londrina (PR), com seu marido e um filho menor de idade. As condições de higiene do local são regulares. Não há registro de nenhum problema de saúde. A família é assistida pelo sistema de saúde pública. O ultimo atendimento ocorreu há dois meses. Os adultos são semianalfabetos. A renda mensal familiar é de um salário mínimo e meio proveniente da atividade de pedreiro exercida pelo marido da Sra. Inês. Não possuem visão política em torno da situação de pobreza que enfrentam. Responsável pelas informações: Pastoral da Saúde, Londrina/PR Antônio Carlos de Jesus Não Dezembro de 2001 • 92 CPF: 611744459172 Caso 49 NILDA PEREIRA DA SILVA93 , 27 anos, casada, do lar, moradora do Conjunto Maria Cecília, Londrina, Paraná. A saúde da vítima, bem como as suas condições de higiene, são regulares. Sua educação interrompeu-se durante a 1º série. Seus eletrodomésticos resumem-se a um fogão e uma geladeira. Sua renda mensal é inferior ao salário mínimo. O acesso á saúde é feito em Posto de Saúde de forma periódica. A última especialidade consultada foi um clínico geral. Tem asma e bronquite Atribui a violação às dificuldades econômicas. Responsável pelas informações: Pastoral da Saúde Antônio Carlos de Jesus Dezembro de 2001 • 93 CPF:037123099-37 Caso 50 ROQUE LOPES94 , sexo masculino, 46 anos, brasileiro, soldador, convive em relação estável com Aparecida Paulina Pereira José95 , 54 anos, do lar, analfabeta. Roque Lopes cursou até a 3º série primária. As atividades habituais do casal são exercidas no assentamento Nossa Senhora Aparecida, ao lado do São Jorge, Londrina, Paraná. As condições de saúde são péssimas, mas a higiene é boa. A situação seria melhor se as vítimas tivessem o acesso à água garantido. A renda mensal está em torno de R$ 180,00 e é recebida a título de pensão. O último emprego com carteira assinada foi em 1998. As vítimas não tem fácil acesso a serviços de saúde, que se localiza a 1,5 quilômetro da sua moradia. Roque faz tratamento de assepsia na pele. Aparecida faz tratamento de pressão alta e dores musculares. A violação é atribuída à catástrofe da situação econômica e da ausência de política habitacional. As testemunhas da violação são: Luiz Lopes, Antônio Francisco José e Márcia Benedito José. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Londrina e Região Centro de Direitos Humanos de Londrina- Divina Maria Ferreira, José Ricardo da Silva, fone (43)347.6643. Fone: (43)328 6910. Dezembro 2001 • 94 Endereço: Assentamento Nossa Senhora Aparecida Q 5 D16 ( invasão); portador do RG 35285431. • 95 RG 5583882-0. Caso 51 LÚCIA DE FÁTIMA XAVIER CRUZ96 , sexo feminino, 36 anos, separada, auxiliar de serviços gerais, reside no assentamento Nossa Senhora Aparecida, Londrina, Paraná, com seus três filhos, F.W.G.97 , 14 anos, F.X.S.98 , 10 anos, e É.F.X.S., 8 anos. As condições de saúde e higiene são boas, apesar de não haver água encanada e do acesso ao atendimento médico ser distante. A escolaridade é baixa. A vítima cursou até o quarto ano do ensino básico. Dois de seus filhos encontram-se matriculados na escola, cursando a 1ª e 2ª série do ensino básico. A renda familiar mensal é de R$ 60,00, sendo R$ 30,00 provenientes do auxilio bolsa escola doado pelo governo e R$ 30,00 através de serviços prestados pela vítima. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Londrina e Região Centro de Direitos Humanos de Londrina - Divina Maria Ferreira José Ricardo da Silva Londrina/PR - Dezembro 2001 • 96 CPF 88010902934 Endereço: Assentamento Nossa Senhora Aparecida Q 5 D4 (invasão) • 97 Portador do Registro Geral de Nascimento n.º 68712 • 98 Portador do Registro Geral de Nascimento n.º 085184 Caso 52 A família é composta por V.L.S.99 , sexo feminino, 16 anos, do lar, grávida, e seu companheiro LUÍS CARLOS GOMES DA CRUZ100 , 19 anos, auxiliar de serviços gerais, atualmente desempregado. A família mora no assentamento Nossa Senhora Aparecida, Londrina, Paraná101 . As condições de saúde e higiene são regulares, embora na localidade não haja água encanada. O atendimento médico, porém, é precário por ser muito distante. A vitima não tem feito o acompanhamento pré-natal regularmente V. cursou até a 7a. série e Luís Carlos até a 5a. série do ensino fundamental. A família afirma ter visão política a respeito de sua situação, mas não partidária. A renda mensal familiar é R$ 130,00. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de sem tetos de Londrina e Região Centro de Direitos Humanos de Londrina - Divina Maria Ferreira José Ricardo da Silva Londrina/PR - Dezembro 2001 • 99 Registro Geral de Nascimento nº 40370 • 100 Registro Geral de Nascimento nº 1284 • 101 Endereço Assentamento nossa senhora Aparecida Q 7 D7 (invasão), Londrina, Paraná. Caso 53 MAURO CÉSAR COSTA102 , sexo masculino, 28 anos, auxiliar de serviços gerais, atualmente desempregado, e Leliane Ferreira Faustino103 , 29 anos, do lar; juntamente com seus cinco filhos, moram no assentamento Nossa Senhora Aparecida, Londrina, Paraná104 . As condições de higiene são boas, mas Mauro tem bronquite e o atendimento médico é distante do assentamento. A escolaridade é baixa. Mauro cursou apenas o primeiro ano do ensino fundamental e Leliane até a quinta série do ensino fundamental. A última vez que o casal esteve regularmente empregado foi em 1991. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região e Centro de Direitos Humanos (Divina Maria Ferreira) José Ricardo da Silva Londrina/PR - Dezembro 2001 • 102 Portador do RG n.º 6613677-9 • 103 RG 81654425 • 104 Endereço: Assentamento Nossa Senhora Aparecida Q 5 D 19, Londrina, Paraná Caso 54 A família é composta por FRANCISCA DAS CHAGAS BEZERRA105 , sexo feminino, 37 anos, casada, do lar, e Santo Bispo de Oliveira106, sexo masculino, com 49 anos, casado, pedreiro, e o filho F.B.O. com 02 anos, moram no Assentamento Nossa Senhora Aparecida, Londrina, Paraná.107 As condições de saúde e higiene são boas, mas não há água encanada e o atendimento médico fica muito distante do assentamento. A escolarização é baixa. Francisca cursou até a primeira série e Santo até a 4º série do ensino fundamental. A renda mensal familiar é de R$ 250 mensais. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos - Divina Maria Ferreira fone: (43) 328 6910 Londrina/PR José Ricardo da Silva Dezembro de 2001 • 105 Portadora do RG n.º 1479967 • 106 Portador do RG n.º 57386045 • 107 Endereço: Assentamento Nossa Senhora Aparecida Q 5 D 25 (Invasão), Londrina, Paraná. Caso 55 MARIA APARECIDA SATOGAVA108 , sexo feminino, 42 anos, viúva, do lar, reside com o filho, M.R.S., sexo masculino, 14 anos, brasileiro, solteiro, estudante e duas filhas, no assentamento Nossa Senhora Aparecida, Londrina, Paraná.109 As condições de saúde e higiene são boas, apesar de não ter água encanada. O atendimento médico fica a 1,5 km do assentamento. A Escolaridade é baixa. Maria cursou até a 4a. série do ensino fundamental, o filho está matriculado na 4º série e a filha na 3º série do ensino fundamental. A filha mais nova, de 6 anos, não estuda ainda. A renda mensal é de R$ 211,00, sendo R$ 181,00 recebidos a titulo de pensão e R$ 30,00 relativos ao programa bolsa escola das duas crianças regulamente matriculados no ensino fundamental. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos - Divina Maria Ferreira José Ricardo da Silva Londrina/PR - Dezembro de 2001 • 108 Portador do RG n.º 21573143 • 109 Endereço Assentamento Nossa Senhora Aparecida Q5D 17 (invasão), Londrina, Paraná. Caso 56 A família é composta por SIDNEI ROBERTO LOPES110 , sexo masculino, 18 anos, vendedor; e sua companheira, F.V.C.111 , 16 anos, além do filho do casal, V.H.C.L.112 , sexo masculino, com um ano de idade. Moram no assentamento Nossa Senhora Aparecida, Londrina, Paraná.113 As condições de saúde e higiene são boas, apesar de não haver água encanada e do acesso ao atendimento médico ser distante. A escolaridade é baixa. Sidnei só cursou o primeiro ano e Fernanda até a sétima série do ensino fundamental. Não possuem visão política. A renda mensal da família é de R$ 254,00 (duzentos e cinqüenta e quatro reais). Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos - Divina Maria Ferreira José Ricardo da Silva Londrina/PR – Dezembro de 2001 • 110 Portador do RG n.º 81167460 • 111 Portadora do RG n.º 91404206 • 112 Portador do Registro Geral de Nascimento n.º 119996 • 113 Endereço Assentamento nossa Senhora Aparecida Q6 D 13 (invasão), Londrina, Paraná. Caso 57 A família de GENIVALDO PINHEIRO114 , sexo masculino, 31 anos, vendedor, sua esposa Isaura Vicentin Pinheiro115 , sexo feminino, 35 anos, doméstica e dos dois filhos do casal, R.V.P., sexo feminino, 4 anos, e J.V.P., sexo masculino, idade não fornecida, mora no assentamento Nossa Senhora Aparecida, Londrina, Paraná116 . As condições de saúde e higiene são boas, apesar de não haver água encanada e do acesso ao atendimento médico ser distante. Genivaldo cursou o ensino médio, mas não concluiu; e Isaura não concluiu o ensino fundamental. A renda familiar mensal é de R$165,00. As organizações responsáveis são: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos - Divina Maria Ferreira fone: (43) 328 6910 Londrina/PR José Ricardo da Silva Dezembro de 2001 • 114 Portador do RG n.º 497955221 • 115 Portador do RG n.º 86703696 • 116 Endereço: Assentamento Nossa Senhora Aparecida Q6 D32 (Invasão) Londrina, Paraná. Caso 58 EURIDES AUGUSTINHO GONÇALVES117 , sexo masculino, 37 anos, separado, vive no assentamento Nossa Senhora Aparecida, Londrina, Paraná118 . As condições de saúde e higiene são boas, apesar de não haver água encanada e do acesso ao atendimento médico ser distante. A vitima cursou apenas até o segundo ano do ensino fundamental. Não tem visão política em torno da situação de pobreza em que vive. Seu último emprego regular foi em 2001. A renda mensal é de R$ 100,00. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos - Divina Maria Ferreira fone: (43) 328 6910 Londrina/PR José Ricardo da Silva Dezembro de 2001 • 117Portador do RG n.º 233393018. • 118 Endereço Assentamento Nossa Senhora Aparecida Q 6 D 12 Invasão, Londrina, Paraná Caso 59 MATILDE DE ALMEIDA119 , sexo feminino, com 45 anos, divorciada, vive no Assentamento Nossa Senhora Aparecida, Londrina, Paraná. As condições higiene são boas, apesar de não haver água encanada. A vitima possui infeção no útero e alergia constante, não dispondo do tratamento adequado pela dificuldade de acesso ao atendimento médico que é distante. Ela cursou até a sétima série do ensino fundamental. A renda média mensal fixa é de R$ 45,00 proveniente do bolsa escola pago pelo governo. Seu último emprego regular foi em 1988. Sua renda mensal é de R$ 100,00. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos - Divina Maria Ferreira Londrina/PR José Ricardo da Silva Dezembro de 2001 • 119 Portadora do RG n.º 46871120 Caso 60 A família é composta por NAIR DE SANTANA ALMEIDA120 , sexo feminino, 38 anos, casada, do lar (cuida de sua casa, seus filhos e dos filhos dos vizinhos), seu marido, José Carlos Ferraz de Almeida121 , sexo masculino, 36 anos, casado, catador de papel e furador de fossa, os dois filhos do casal, R.F.A., sexo feminino, 14 anos, estudante e catadora de papéis, W.F.A, sexo masculino, 15 anos, estudante e catador de papéis, e J.L.M., sexo masculino, 14 anos, brasileiro, solteiro, estudante e catador de papéis. Eles moram no assentamento Nossa Senhora Aparecida, Londrina, Paraná122 . As condições de saúde e higiene são boas, apesar de não haver água encanada e do acesso ao atendimento médico ser distante. O último atendimento médico da família foi há 20 dias, quando José Carlos foi tratarse de um tumor na perna. O nível de escolaridade é baixo. Nair é analfabeta. José Carlos cursou apenas o primeiro ano do ensino fundamental. W. está cursando a sétima série, R. está na quinta série e J.L. está na terceira série do ensino fundamental. A família demonstrou ter uma visão política e social, mas não partidária. O último emprego regular de José Carlos foi em 1987. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos de Londrina - Divina Maria Ferreira fone: (43) 328 6910 Londrina/PR José Ricardo da Silva Dezembro 2001 • 120 Portadora do RG n.º 93036565 • 121 Portador do RG n.º 43422120, • 122 Endereço: Assentamento Nossa Senhora Aparecida Q5 D 22 (Invasão), Londrina, Paraná Caso 61 ZORAIDE DE SOUZA DAVID123 , 28 anos, doméstica, L.S.S., sexo masculino, 10 anos, estudante, cursando a 4º série primária; L.S., 7 anos, sexo masculino, estudante, cursando a pré-escola; L.S.S., sexo feminino, 1 ano de idade. Todos são moradores do assentamento Nossa Senhora da Paz Q3D10, ocupação de Londrina, PR. Zoraide estudou até o 2º grau completo, Lucas está na 4º série e Luan na pré-escola. Possuem visão política e social, mas não partidária. Não possuem envolvimento com crimes. As condições de saúde e higiene são boas. Seus bens de consumo se resumem a um rádio à pilha. A principal dificuldade da família é a falta de uma creche perto da residência, razão pela qual L.S., e L.S.S. Zoraide são obrigadas a uma caminhada de quarenta minutos todas as manhãs e tardes. A renda da família gira em torno de R$ 300,00, compostos de um salário mínimo no valor de R$ 180,00 e R$ 120,00 a título de pensão. O acesso a serviços de saúde não é disponível com facilidade, devido à distância e à falta de vagas para consultas para crianças ou adultos. O último atendimento foi feito em dezembro, em função de crise de febre e choro intenso. Havia duas crianças com bronquite, sendo uma delas com bronquite asmática. A violação é atribuída à dificuldade econômica, pois na região nunca foi criado um projeto de moradia popular para os que sobrevivem com um salário mínimo. Não há relatos de violência física, mas a pior das violências é a discriminação por parte das pessoas em melhores condições que as nossas. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos de Londrina - Divina Maria Ferreira fone: (43) 328 6910 José Ricardo da Silva Dezembro de 2001 • 123 RG 81626413 Caso 62 JULIA DA SILVA DAVID124 , casada (separada, não judicialmente), 48 anos, do lar, e SEBASTIÃO GONÇALVES DAVID FILHO125 , 21 anos, auxiliar de escritório e V.S.D.126 , menor de 18 anos, aprendiz de marceneiro, residem na Q 3 D, no assentamento Nossa Senhora Aparecida (invasão), em Londrina/Paraná. As condições de saúde são boas. V.S.D. terminou o 2º ano colegial. Julia é analfabeta, e Sebastião tem o colegial completo. Possuem visão política social, e não partidária. Nenhum envolvimento com crimes. Não possuem nenhum bem de consumo próprio. A renda mensal da família é de R$ 300,00, e não recebem nenhum benefício governamental. V.S.D. e Sebastião estão empregados, Julia está desempregada desde 1989. O acesso à saúde é dificultado pela distância da residência e pelo mau atendimento. Julia precisa de cuidados, mensalmente, para controle de diabete e hipertensão. A dificuldade econômica e os baixos salários das categorias são as causas da situação de miséria em que vivem. Responsável pelas informações: A Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos de Londrina - Divina Maria Ferreira fone: (43) 328 6910 Londrina/PR José Ricardo da Silva Dezembro 2001 • 124 RG 54015232 SSP/PR • 125 RG 75014155 SSP/PR • 126 RG 88225759- SSP/PR Caso 63 ROBERTO CARLOS CORDEIRO127 , sexo masculino, 27 anos, brasileiro, solteiro, profissão, serviços gerais, desempregado, catador de papel e Maria Bispo Cordeiro128 , sexo feminino, 60 anos, brasileira, viúva, do lar, exercem suas atividades no assentamento Nossa Senhora Aparecida e São Jorge, Londrina, PR. O último emprego de Roberto foi em 25/07/2000. Recebem uma pensão. A renda mensal está em torno de R$ 180,00. Seu único bem é uma televisão. Roberto e Maria apenas concluíram a 1º série primária. Não há envolvimento com crimes. As condições de higiene são boas, mas poderiam ser melhores, se houvesse água encanada. As condições de saúde, porém, são péssimas. O acesso a serviços de saúde é muito distante. Dona Maria faz tratamento de chagas, entrose, reumatismo e cabeça no Hospital das Clínicas. São testemunhas da violação Lurdes Marcelino Cordeiro e Dejanira M. Cordeiro Aparecida M. C. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos de Londrina - Divina Maria Ferreira fone: (43) 328 6910 José Ricardo da Silva Dezembro de 2001 • 127 Portador do RG 63187615, residente no Assentamento Nossa Senhora Aparecida Q 5 D14 (invasão) • 128 RG 20088117 Caso 64 SANDRA MARIA NUNES DA SILVA129 , sexo feminino, 43 anos, brasileira, do lar, convive em relação estável com Natal Bispo dos Santos130 , sexo masculino, 29 anos, brasileiro, profissão: serviços gerais. A família também integra Sherom Weslei Nunes da Rocha131 , sexo masculino, 22 anos, brasileiro, solteiro, profissão, pintor/mecânico e D.N.S.132 , sexo feminino, 16 anos, brasileira, solteira, profissão: serviços gerais. As atividades da família são exercidas no assentamento Nossa Senhora Aparecida ao Lado do São Jorge, em Londrina, PR. Sandra concluiu o 2º grau, Natal é analfabeto, Sheron concluiu o 1º grau e D.N.S. concluiu a 7º série. Não há envolvimento com crimes. As condições de saúde são boas, seriam melhores se houvesse água encanada. A família não possui acesso fácil à saúde em função da distância. O último tratamento foi feito em função de desidratação. A violação é atribuída à dificuldade econômica, bem como à falta de política de habitação. São testemunhas da violação: Hélio Domingos da Silva, Hélio Celso Nunes e Durvalina Nunes. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos de Londrina - Divina Maria Ferreira fone: (43)328 6910 - José Ricardo da Silva • 129 Portadora do título 0424088206-20, residente no Assentamento Nossa Senhora Aparecida Q 4 D10 (invasão). • 130 RG 61436294. • 131 RG 88406443 • 132 RG nascimento 038888 Caso 65 A família de ROSALINA SILVA DOS SANTOS133 , sexo feminino, 32 anos, casada, do lar, Antônio Ledo dos Santos134 , sexo masculino, com 39 anos, casado, profissão tapeceiro (no momento trabalha furando fossas); A.S., sexo feminino, 12 anos, solteira, estudante e W. S., sexo masculino, 7 anos, solteiro. Rosalina concluiu os estudos até a 3º série, Antônio é analfabeto, A. estuda na 5º serie e W. é analfabeto. A escola fica distante da residência (2,5 km). As pessoas possuem visão de política e social, mas não partidária. Seus bens de consumo próprio se resumem a uma televisão. A renda da família está em torno de R$ 150,00, sendo que recebem uma bolsa escola no valor de R$ 15,00. O último emprego formal de Antônio Ledo dos Santos foi em 1996. As condições de saúde e higiene são boas, mas seriam melhores se houvesse um cavalete de água para facilitar. O acesso à saúde é fácil e está localizado há aproximadamente 1,5 quilômetros de distância. Atribui-se a violação à “catástrofe da política”, pois não há políticas de habitação para as famílias carentes. São testemunhas da violação: Geni Cândido dos Santos, Célia Maria dos Santos e Sônia dos Santos. Responsável pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos de Londrina Divina Maria Ferreira, fone: (43)328 6910 José Ricardo da Silva • 133 Portadora do RG de n.º 91339692, residente no Assentamento nossa Senhora Aparecida Q7 D08. • 134 Portador do RG de n.º 91339692, residente no Assentamento nossa Senhora Aparecida Q7 D08. Caso 66 ADELAIDE DE SOUZA DAVID135 , sexo feminino, 30 anos, brasileira, do lar, está casada com Jadival Gomes Santana136 , sexo masculino, 31 anos, servente de pedreiro e os filhos D.S.S., sexo masculino, 9 anos, cursando 3º série primária, Ti.S.S., sexo masculino, 6 anos, brasileiro, cursando a pré-escola e T.S.S., 2 anos, sexo feminino. Adelaide cursou o 1º grau completo, enquanto que Jadival não possui escolaridade; D. está na 3º série, e Ti. na pré-escola. Possuem visão política social, mas não partidária. Seus bens de consumo se resumem somente a um rádio à bateria. Jadival encontra-se desempregado desde 1o. de agosto de 2001. A família só recebe uma bolsa escola no valor de R$ 15,00. O acesso à saúde é feito no Posto de Saúde. Quando há necessidade de levar as crianças ao posto, é necessário sair de casa às 5h de manhã. As crianças fazem tratamento médico otorrino e fonoaudiólogo (Ti.S.S.) e nutricionista, endocrinologista, neurologista e psicólogo (T.S.S.). Adelaide faz tratamento com neurologista e psicólogo. Ela relata que, no momento da entrevista, todas as crianças estão com bronquite e rinite alérgica. Atribui as violações relatadas à dificuldade econômica, “afinal o povo não tem condições para moradia ou sequer um copo de leite para dar para os filhos”. Não há relatos de violência física, mas sim de discriminação em face da pobreza. Responsáveis pelas informações: Federação de Assentamento de Sem Tetos de Rondinha e Região Centro de Direitos Humanos de Londrina - Divina Maria Ferreira José Ricardo da Silva • 135 Residente na Invasão Nossa Senhora Aparecida Q 7 D, portadora do RG de n.º 48997732. • 136 RG de n.º 247368441. 7 Entidades Associadas Nesta Publicação Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais - DhESC Brasil - A Plataforma Interamericana de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais, que integra a Plataforma DhESC Brasil, existe desde o início dos anos 90, e vem promovendo uma troca de experiências e soma de esforços na luta pela implementação dos direitos humanos com organizações da sociedade civil oriundas de diversos países do continente americano, destacadamente o Peru, Equador, Argentina, Chile, Bolívia, Colômbia, Cuba, Paraguai, Venezuela, entre outros. No Brasil, a articulação da Plataforma DhESC Brasil vem sendo coordenada nos últimos anos pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH). Num momento em que a temática dos direitos humanos vem ganhando importância estratégica crescente no Brasil, especialmente no que diz respeito à dimensão dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DHESC), o MNDH tomou a iniciativa de ampliar esta articulação, a partir da qual foi formada uma articulação provisória da Plataforma composta por MNDH, FIAN-Brasil, Centro de Justiça Global, GAJOP, Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e FASE. A Plataforma conta com um Secretariado sediado junto ao MNDH. A Plataforma DhESC Brasil possui as seguintes esferas de atuação: 1) Atividades de Lobbyiing e Articulação em Âmbito Internacional; 2) Realização de Campanhas Anuais no Brasil em torno de temas que não sejam normalmente associados à temática dos DHESC; 3) Monitoramento da Implementação dos Direitos Humanos no Brasil (a) Acompanhamento do Processo de Revisão e Aplicação dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no Plano Nacional de Direitos Humanos; b) Criação da figura dos Relatores (ou Relatoras) Nacionais, com a finalidade desenvolverem processos de consulta ao nível nacional sobre a situação destes direitos no Brasil); 4) Formação em Direitos Humanos; 5) Seleção de “casos de exigibilidade” ao nível jurídico nacional e internacional (ONU e OEA); 6) Publicações especializadas sobre Direitos Humanos. Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares - GAJOP - O GAJOP é uma entidade de promoção e defesa dos direitos humanos, criada em 1981, no Estado de Pernambuco, Nordeste do Brasil, com a missão de contribuir para a democratização do Estado e da Sociedade brasileiros na perspectiva do fortalecimento da cidadania. Sem vinculação com partidos ou fins lucrativos, o GAJOP possui os seguintes objetivos principais, que constituem seu mandato e missão institucional: a) contribuir para o respeito do direito à segurança e justiça, como condição essencial para a plena validade da democracia e da cidadania; b) contribuir para a garantia e a preservação da vida, da integridade física e psicológica e da liberdade; c) defender e promover com absoluta prioridade os direitos das crianças e adolescentes; d) contribuir para consolidar um novo pensamento jurídico, a partir da prática alternativa do Direito. Filiado ao Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e à Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG), o GAJOP tem a atuação pautada por meio da defesa jurídica (em casos de homicídios cometidos por policiais, grupos de extermínio e agentes do crime organizado); do apoio e proteção a testemunhas e vítimas da violência; do monitoramento permanente do sistema de justiça e segurança em Pernambuco; da educação em direitos humanos (para policiais, agentes penitenciários, estudantes e agentes de defesa da criança e do adolescente); e do acesso aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos. Em parceria com o Movimento Nacional de Direitos Humanos – Regional Nordeste, o GAJOP desenvolve o programa dhINTERNACIONAL, destinado a capacitar militantes para o uso dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos (sistemas das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos); e ao encaminhamento de casos de violações aos direitos humanos para ambos os sistemas. Nessa perspectiva, inscreve-se também a ação política no sentido de sensibilizar a sociedade nacional e a comunidade internacional, através da presença qualificada nos espaços internacionais de direitos humanos, para o efetivo respeito a esses direitos. Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH - O MNDH é um movimento organizado da Sociedade Civil, sem fins lucrativos, democrático, ecumênico, supra partidário, que atua em todo o território brasileiro, através de uma rede de mais de 300 entidades filiadas. Foi fundado em 1982, constituindo-se hoje na principal articulação nacional de luta e promoção dos direitos humanos no Brasil. O MNDH tem sua ação programática fundada no eixo LUTA PELA VIDA, CONTRA A VIOLÊNCIA, atua na promoção dos Direitos Humanos em sua universalidade, interdependência e indivisibilidade; fundado nos princípios estabelecidos pela Carta de Olinda, de 1986. Tem como principal objetivo a construção de uma cultura de direitos humanos onde prevaleçam os valores de dignificação, promoção e respeito à integridade física, moral e intelectual do ser humano, independente de sua opção preferencial de natureza política, religiosa, sexual etc., de sua condição sócio/econômica ou de etnia pertencente. Atua com os seguintes focos: a) Formação de agentes sociais que tenham capacidade de organização, fortalecimento e articulação das organizações da sociedade civil; b) Formulação e proposição de políticas públicas que afirmem a cidadania nos mais diversos campos; c) Participação ativa nas lutas históricas dos excluídos como mobilizador, articulador, propositor e interlocutor; d) Presença ativa nos espaços de ação da sociedade civil nacional e internacional fazendo lobby; Centro de Justiça Global O Centro de Justiça Global tem como objetivos a) capacitar organizações de direitos humanos no Brasil para atuar em nível internacional; b) documentar violações de direitos humanos em áreas de conflito e apresentar denúncias através dos meios de comunicação e de organizações intergovernamentais de direitos humanos; c) promover o cumprimento das normas internacionais de direitos humanos; d) assessorar as ONGs brasileiras no acesso à mídia nacional e internacional; e) fortalecer redes internacionais de organizações de direitos humanos em apoio a organizações brasileiras; f) garantir a representação de vítimas em casos individuais de violações de direitos humanos no âmbito internacional. O trabalho de assessoria e documentação do Centro de Justiça Global é realizado através da atuação direta de sua equipe em áreas de conflito e, mais indiretamente, na distribuição de informação e documentação fornecidas por grupos locais de direitos humanos. O Centro de Justiça Global realiza oficinas de capacitação na área de direitos humanos, enfocando os mecanismos jurídicos internacionais. Nossa prioridade é a realização de oficinas em parceria com universidades e organizações não-governamentais, com o objetivo de capacitar pessoas que trabalhem principalmente com movimentos sociais. Comissão Justiça e Paz de São Paulo A Comissão de Justiça e Paz de São Paulo deu início aos seus trabalhos em 1972, sob a égide e inspiração do então arcebispo da cidade de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, como uma reação à violência do regime militar instalado desde 1964, reunindo, num primeiro momento, advogados, sociólogos, jornalistas, estudantes e operários. Graças à sua atuação e à atuação pessoal do Cardeal Arns muitas vidas foram salvas, torturas foram apuradas e denunciadas, medidas foram exigidas junto às instâncias governamentais. Em 1975, a morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DoiCodi, como conseqüência de milhares de prisões em todo o país naquele ano, e seguida da morte do operário Manuel Fiel Filho, três meses depois, incluiu-se entre os casos em que a vida não podia ser mais resgatada, envolvendo ativamente a Comissão, em especial os advogados que a integram. A evidência da responsabilidade do governo na morte de Herzog levou à queda do Comandante do II Exército e a demonstrações populares, a partir do ato ecumênico na Catedral da Sé, que levaram à chamada abertura democrática do país. Nesta mesma época, a Comissão começou a ocupar-se dos refugiados latino-americanos e, a partir de 1977, passou a trabalhar em conjunto com o Alto Comissariado das Nações Unidas – ACNUR e com a Cáritas Brasileira no atendimento aos refugiados. Em 1975, a Comissões encomendou ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP, uma pesquisa da qual resultou a publicação do livro São Paulo 1975 – Crescimento e Pobreza, que deu origem a um atentado a bomba contra as dependências do CEBRAP. Em 1989, a pesquisa foi atualizada, dando origem ao livro São Paulo – Trabalhar e Viver. Em 1976, com o apoio da Comissão, o jurista Hélio Bicudo, apesar da Polícia Federal entender a obra como subversiva, conseguiu publicar seu livro de denúncia Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte. Em 1980, a Comissão publicou o livro Meninos de Rua, fruto da primeira pesquisa sobre menores marginalizados efetuada pelo Centro de Estudos de Cultura Contemporânea – CEDEC. Muitos outros livros a Comissão tem publicado nestes anos, todos referentes aos direitos humanos. Em 1983, organizou o Tribunal Tiradentes, nos moldes do Tribunal Bertrand Russel, para julgar a Lei de Segurança Nacional. No mesmo ano participou da criação da Associação Paulista de Solidariedade no Desemprego, com o objetivo de desenvolver formas de solidariedade entre os desempregados. Em 1984, juntamente com outras entidades, a Comissão convocou a população para o primeiro comício pelas “Diretas Já”, ao qual milhões de pessoas compareceram. Frustrado o movimento pelas alianças entre os políticos tradicionais, denunciou o Colégio Eleitoral através do II Tribunal Tiradentes. Nos anos seguintes, a Comissão esteve profundamente envolvida com todas as atividades que visam a redemocratização do país, entre as quais destaca-se a formação do Plenário Pró-Participação na Constituinte e a participação de diversos de seus membros na elaboração da nova Constituição Federal, promulgada em 1988. Participou também, junto com a Associação Brasileira de Juristas Democratas, da I Conferência Internacional sobre a Dívida Externa, na qual juristas de toda a América Latina analisaram os aspectos jurídicos da dívida. Em 1987, com a formação de inúmeros outros movimentos pelos direitos humanos, a Comissão deixou de Ter papel emergencial e, para que as violações aos direitos não ocorram nunca mais, optou por desenvolver o Projeto Educação em Direitos Humanos ao nível das redes particular e estadual de ensino. Quando Paulo Freire assumiu a Secretaria Municipal da Educação, em 1989, a Comissão coordenou o Projeto junto àquela secretaria até 1992, e também junto a Secretaria de Justiça do Estado do Paraná, trabalhos que efetua até hoje, com cursos, publicações e participando de seminários, congressos, etc. Em 1990, a Comissão participou do lançamento da Frente Nacional pela Democracia e contra a Recessão, face à política econômica arbitrária de Fernando Collor, então Presidente da República, tendo participado das ações que resultaram em seu impeachment. Participou ativamente das averiguações sobre as 1.500 ossadas encontradas no cemitério clandestino de Perus, inclusive efetuando a oitiva dos familiares dos desaparecidos políticos para as possíveis identificações dos corpos. Com o apoio decidido do Cardeal Dom Cláudio Hummes, Arcebispo de São Paulo, a Comissão estabeleceu como prioridade de suas próximas atividades o projeto “Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais: Diagnóstico e Análise da Realidade na Região Metropolitana de São Paulo – Brasil”, que tem como objetivo principal a criação e implantação de políticas, programas, documentos, publicações sobre o tema e documentação de casos exemplares, além da capacitação dirigida para militantes de direitos humanos, ONG’SESC, lideranças de organizações populares e comunitárias, dentre outros. A CJPSP é uma das entidades coordenadoras da DhESC Brasil - Seção Brasileira da Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento. Muitas outras atividades têm exercido a Comissão, sempre em prol dos direitos humanos e das virtudes republicanas e democráticas, que o espaço deste texto não permite enumerar. Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional - FASE - A FASE é uma organização não governamental sem fins lucrativos com 40 anos de atuação no Brasil. É reconhecida por sua participação junto aos movimentos sociais nas lutas da sociedade brasileira e seu trabalho se desenvolve a partir de três programas nacionais: Amazônia Sustentável e Democrática, Direito a Cidade em Regiões Metropolitanas, Trabalho e Sócioeconomia Solidária. Tem como missão contribuir para a ampliação da esfera pública, apoiar a constituição, o fortalecimento e a articulação dos sujeitos coletivos do desenvolvimento. A FASE é integrante da coordenação da Seção Brasileira da Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento e de inúmeras redes e fóruns de luta por políticas públicas, reformas sociais e pelo desenvolvimento sustentável, além de participar de redes nacionais e internacionais que buscam uma alternativa para os rumos atuais dos processos de globalização e integração internacional. Com seis escritórios no Brasil, a FASE atua no campo dos direitos humanos, na luta pelo direito à moradia, em favor do manejo florestal adequado, apóia e assessora pequenos projetos, desenvolve projetos no campo do trabalho e renda, sempre na compreensão de que estes são temas de direitos humanos. Assim, nada mais natural que a Fase desenvolvesse um projeto específico sobre o tema dos direitos de forma a gerar interfaces com as várias áreas temáticas em que ela atua. Foi pensando nisso que surgiu o “Projeto Desc - Todos os direitos para todos e todas”, com o apoio da União Européia, Terre des Hommes da França e o Ministério das Relações Exteriores do Governo Francês. Este projeto visa capacitar atores buscando que se tornem defensores de direitos humanos, plenos conhecedores dos mecanismos nacionais, interamericanos e internacionais (Sistema ONU) de proteção e defesa dos direitos humanos. Para alcançar este objetivo o projeto se propõe a realizar capacitações em várias regiões do país, em relação estreita com os vários escritórios regionais da instituição de forma que, ao término de três anos 400 pessoas, de distintas organizações estejam plenamente capacitadas. Além disso, é objetivo do projeto gerar contenciosos jurídicos tanto na Corte Interamericana da OEA, quanto denúncias no Sistema ONU, para alertar o mundo para as flagrantes violações dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no Brasil. Dentro desta linha dois temas nos são caros: a precarização das relações de trabalho e as desigualdades raciais. FoodFirsi lnformation and Action Network - FIAN - A FIAN procura denunciar as violações do direito a se alimentar e pressionar governos bem como a comunidade internacional na busca de efetivas soluções para o problema da fome. A sigla FIAN vem do inglês FoodFirsi lnformation and Action Network, que significa Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar. Como a própria sigla já diz, a FIAN é uma organização internacional de direitos humanos que trabalha pelo direito das pessoas a se alimentar. Ela é independente de governos, partidos políticos e filiação religiosa. A criação da FIAN ocorreu em 1986 por um grupo de pessoas indignadas com o quadro cada vez mais estarrecedor de fome e desnutrição no mundo, visando contribuir para a superação desta situação. Ela conta hoje com uma rede de apoio (seções, coordenações, grupos e pessoas) atuante em diversos países das Américas, Ásia, África e Europa. A FIAN já atua no Brasil há mais de 10 anos, trabalhando com diversos casos concretos de violações do direito a se alimentar. Com a intensificação destas atividades nos últimos anos, foi criada em 2000, uma seção nacional, a FIAN BRASIL. Em conformidade com o modo de agir da FIAN, a FIAN BRASIL pretende através de suas atividades contribuir para: • a divulgação e articulação da solidariedade ao nível internacional com relação às lutas no Brasil contra as violações do direito a se alimentar, a partir do levantamento e acompanhamento de casos concretos; • o fomento do exercício da solidariedade internacional no Brasil com relação às violações do direito a se alimentar em outras partes do mundo, principalmente através da participação nas ações de cartas e suporte às campanhas internacionais; • o aprofundamento do debate sobre o direito a se alimentar como direito humano fundamental através de atividades de formação, partindo sempre da análise de situações concretas. A FIAN Brasil é membro da coordenação da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (DhESC-Brasil) e partici- pa do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável. O Projeto Genebra 2002 conta com o apoio das seguintes entidades: Catholic Relief Services - CRS A Catholic Relief Services (CRS) é uma agência internacional de ajuda humanitária e desenvolvimento sustentável da Conferencia Episcopal dos Estados Unidos. Foi fundada em 1943 pelos bispos católicos dos Estados Unidos para ajudar os pobres e grupos desfavorecidos em outros países. As políticas e os programas da CRS refletem e expressam os ensinamentos sociais da Igreja Católica. A CRS considera a solidariedade e a parceria como dois dos motivos mais importantes de sua presença em mais de 80 países onde trabalha. Busca valorizar e defender a dignidade humana; comprometer-se com a paz, justiça e reconciliação; e celebrar e proteger a integridade da toda a criação. No Brasil, a CRS apóia parceiros locais no nordeste, que promovem a convivência com o semi-árido e os direitos humanos, visando a participação de comunidades em seu próprio desenvolvimento. A CRS Brasil tem três abordagens que orientam sua estratégia de programação: • Fortalecer e unificar as forças que lutam para combater a exclusão social; • Fortalecer a sociedade civil para influenciar políticas e estruturas de acesso aos recursos, especialmente ao nível local; • Apoiar relações entre comunidades aos níveis local, regional/nacional e internacional, a fim de promover solidariedade. A sede do CRS fica em Baltimore, Maryland, E.U.A. Fundação Ford A Fundação Ford é uma organização privada, sem fins lucrativos, criada nos Estados Unidos para ser uma fonte de apoio a pessoas e instituições inovadoras em todo o mundo. Nossos objetivos são: fortalecer os valores democráticos, reduzir a pobreza e a injustiça, fomentar a cooperação internacional e promover o progresso humano. A Fundação Ford é uma das fontes de recursos para essas iniciativas. Nosso trabalho consiste principalmente em fazer doações e empréstimos que constróem e divulgam o conhecimento, apoiam a experimentação e promovem o desenvolvimento de indivíduos e organizações. Como nossos recursos financeiros são modestos se comparados às necessidades de cada sociedade, concentramos nosso apoio em um determinado número de problemas e estratégias programáticas segundo nossos objetivos gerais. Fundada em 1936 nos Estados Unidos, a Fundação funcionou como organização filantrópica local no estado de Michigan até expandir-se, em 1950, para se tornar uma fundação de alcance nacional e internacional. Desde sua criação, a Fundação já desembolsou mais de US$8 bilhões em doações e empréstimos. Coordenação da Plataforma DhESC Brasil Luciano Wolf – FIAN - Brasil James Louis Cavallaro – Centro de Justiça Global Jayme Benvenuto Lima Jr. – GAJOP Magali Godoi – Comissão de Justiça e Paz de São Paulo Márcio Alexandre Gualberto - FASE Paulo Carbonari – Secretário Técnico Pierre Roy – Movimento Nacional de Direitos Humanos O Projeto Genebra 2002 é executado para a Plataforma DhESC Brasil pelo Programa dhINTERNACIONAL, de responsabilidade do Movimento Nacional de Direitos Humanos e do GAJOP: Movimento Nacional de Direitos Humanos Coordenadores Nacionais Marcelo Freitas Oscar Gatica Romeu Olmar Klich Paulo César Carbonari Pierre Roy Valéria Getúlio Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares Coordenação Colegiada Fernando Matos – Coordenador Geral Valdênia Brito Jayme Benvenuto Lima Jr. Célia Rique Programa dhINTERNACIONAL Jayme Benvenuto Lima Jr. – Coordenador Rosiana Queiroz – Articuladora Fabiana Gorenstein – Advogada Leonardo Hidaka – Advogado Lena Zetterström – Assessora de Comunicação Sistematização dos casos Leonardo Hidaka Fabiana Gorenstein Agradecimentos Às entidades e pessoas que enviaram relatos de casos de violação aos direito à alimentação ou à moradia adequada Ao Prof. Cândido Malta e sua equipe pela inestimável contribuição prestada com o levantamento de referências bibliográficas sobre o direito à moradia no Brasil. Caso você conheça outros casos de violação ao direito à alimentação e à moradia adequada, relatar aos Relatores Especiais da ONU: Sr. Jean Ziegler E-mail: [email protected] [email protected] [email protected] Relator Especial sobre o Direito à Alimentação Sr. Miloon Kotari E-mail: [email protected] [email protected] Relator Especial sobre o Direito à Moradia Adequada Sobre os autores e organizadores Flavio Luiz Schieck Valente Médico, USP, 1972; Mestre em Saúde Pública, Harvard School of Public Health, 1976; Coordenador Geral da ÁGORA – Segurança Alimentar e Cidadania; Secretaria Executiva Nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional; Secretaria Executiva Internacional do Fórum Global de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável. Irio Luiz Conti Nasceu aos 12/09/61, em Horizontina, RS. É filho e irmão de agricultores familiares que lutam incansavelmente para garantir o pão diário sobre a mesa. É formado em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo e em Teologia pelo Instituto Missioneiro de Teologia, de Santo Ângelo - RS. Tornou-se irmão religioso Missionário da Sagrada Família para gastar sua vida na defesa de vida em plenitude para todos os povos. Irio foi secretário executivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Rio Grande do Sul e, posteriormente, da CPT Nacional. Ao longo dos anos foi acumulando larga experiência na assessoria e articulação de processos de luta pela terra e na terra. Atualmente é Diretor Presidente da FIAN Brasil, Presidente do Centro de Educação e Assessoramento Popular - CEAP, com atuação em educação popular nos estados do sul do Brasil, Diretor Administrativo do Instituto Superior de Filosofia, de Passo Fundo e Secretário Geral da Província do Brasil Meridional dos Missionários da Sagrada Família. Seu trabalho é reconhecido, sobretudo, pelas vítimas deste sistema que favorece a concentração da riqueza nas mãos de poucos e exclui muitos. E sua vida é um testemunho eloqüente em favor da promoção e defesa dos direitos humanos. Jayme Benvenuto Lima Jr. Advogado, coordena o programa dhINTERNACIONAL, do Movimento Nacional de Direitos Humanos e do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, com a dissertação “Os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais como Direitos Humanos”. Doutorando em Direito Internacional Público pela Universidade de São Paulo. É autor do livro “Os Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais” (Editora Renovar, 2001) e de diversos artigos no campo dos direitos humanos, entre os quais “A Eficácia dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais na Constituição Federal de 1988”, “O Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos” e “O Caráter Expansivo dos Direitos Humanos na Afirmação de sua Indivisibilidade e Exigibilidade”. Organizou a presente publicação. Lena Zetterström Jornalista sueca, residente no Brasil desde 1997. Ex-cooperante no GAJOP, atualmente assessora de comunicação ligada ao programa dhINTERNACIONAL da mesma entidade. Ajudou organizar e traduzir a presente publicação. Marcos Costa Lima Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFPE, do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e atualmente exerce a coordenação do Núcleo de Estudos Estratégicos NEST, vinculado à Reitoria da UFPE. Doutor em Economia pela UNICAMP, vem desenvolvendo, desde 1990, estudos relacionados a Mundialização, tendo como campo específico a inserção dos países latino-americanos neste processo. Organizou recentemente o livro “O Lugar da América Latina na Nova Ordem Mundial”, e em 2000, “O Mercosul no Limiar do Século XXI”, ambos pela Cortez Editora-São Paulo. Tem coordenado, para as Nações Unidas, Banco Mundial, Banco Interamericano do Desenvolvimento projetos e pesquisas na área da Pobreza Urbana. Maria Elena Rodriguez Advogada, mestre em direito internacional. Técnica da FASE do projeto de direitos econômicos, sociais e culturais. Foi coordenadora do Projeto Apoio aos Deslocados internos na Colômbia da OXFAM/Grã-Bretanha e coordenadora do Projeto Direitos Humanos e Negociação de conflitos do Centro de pesquisas e Educação Popular da Colômbia. Ponto focal das ONG´s da América Latina perante o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Autora de diversos artigos sobre direitos humanos internacionais Nelson Saule Júnior Advogado, Professor de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, doutorando e mestre em direito urbanístico, especialista em políticas públicas pela LBJ, Universidade do Texas, Coordenador do Escritório Modelo de Assistência Jurídica da Universidade Católica de São Paulo. Presidente do Pólis - Instituto de Estudos Formação e urbanístico, política urbana, habitacional e de regularização fundiária. Membro da Coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana. Colaborador na elaboração do Estatuto da Cidade - lei federal de desenvolvimento urbano representando o Fórum Nacional de Reforma Urbana. Membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - SP. Publicações: Coordenador Jurídico do Guia Estatuto da Cidade - Guia para implementação pelos municípios e cidadãos, Polis, Caixa Econômica Federal, Câmara dos Deputados, 2001. Co-autor do livro Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: Novas Perspectivas para as Cidades Brasileiras, Sergio Antonio (2002), Coordenador do Livro Direito à Cidade - Trilhas Legais para o Direito a Cidades Sustentáveis, Editora Max Limonad (2000); Autor dos Livros Novas Perspectivas do Direito Urbanístico. Ordenamento constitucional da Política Urbana (1997).