Aspectos da ornitologia marinha nos Açores Aspects of Marine

Transcrição

Aspectos da ornitologia marinha nos Açores Aspects of Marine
Aspectos da ornitologia marinha nos açores
Joël Bried, Maria Magalhães & Verónica Neves
Bried, J. ; Magalhães, M. & Neves, V. (2009), Aspectos da Ornitologia
Marinha nos Açores. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 18: 61-83.
Sumário: Este artigo é composto por três secções e tem por objectivo ilustrar diferentes
aspectos da ornitologia marinha nos Açores. A primeira parte realça a importância das crónicas
de Gaspar Frutuoso para o conhecimento da comunidade de aves marinhas nos primórdios
do povoamento das ilhas e faz referência aos principais naturalistas açorianos, expedições
científicas e ornitólogos estrangeiros, que ao longo dos séculos contribuíram para o estudo e
conhecimento das aves marinhas dos Açores. A segunda parte do artigo centra-se na descrição das 10 espécies de aves marinhas que nidificam regularmente no Arquipélago dos Açores
demonstrando que este constitui uma importante zona para a conservação de algumas dessas
espécies, uma vez que nestas ilhas se concentram, por exemplo, mais de 65% da população
mundial da cagarra e cerca de 50% da população europeia de garajau-rosado. A recente
descoberta e descrição do paínho-de-Monteiro, uma pequena ave marinha endémica dos Açores
e provavelmente todo o ano aqui residente, vem dar particular relevo à importância dos Açores.
A terceira parte do artigo constitui um caso de estudo particular que põe em evidência alguns
dos aspectos avançados da investigação em curso nos Açores, e com particular relevância para
a conservação de uma das espécies, a cagarra. Recentemente, com o objectivo de determinar
as áreas de distribuição no mar e alimentação das cagarras, seguiram-se com transmissores de
satélite aves adultas das colónias do Corvo, Graciosa e Santa Maria, e entre outros resultados
surpreendentes ficámos a saber que as cagarras viajam até locais situados a mais de 1800 km a
norte dos Açores em busca de alimento para a sua cria.
Bried J. ; Magalhães, M. & Neves, V. (2009), Aspects of Marine Ornithology
in the Azores. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 18: 61-83.
Summary: This article consists of three different interconnected parts in order to illustrate
different aspects of the ornithology in the Azores. The first part emphasizes the importance
of Gaspar Frutuoso’s chronicles to the knowledge of the seabird community in the early
days of the islands colonisation and refers to the main Azorean naturalists, ornithologists and
foreign scientific expeditions, which over the centuries contributed to the study and knowledge
of the seabirds of the Azores. The second part of the article focuses on the description of the
10 seabird species that regularly breed in the Azores archipelago, showing that this locality is
an important area for the conservation of some of these species, since it holds more than 65%
of the world population of Cory’s shearwaters and about 50% of the European population of
roseate terns. The newly described Monteiro’s storm petrel, a species endemic to the Azores,
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Boletim do Núcleo Cultural da Horta
concentrates here all the known world population and remains in the Azorean waters all year
round, enhancing the importance of the Azores for seabird assemblages. The third part of the
article is a particular case study which highlights some of the advanced research taking place in
the Azores, and with particular relevance to the conservation of the important species, Cory’s
shearwater. Recently, with the aim of identifying Cory’s shearwater’s distribution and feeding
areas, adult birds from the colonies of Corvo, Graciosa and Santa Maria, were tracked using
satellite transmitters. Among other results, it was surprising to learn that these birds forage at
locations as far as 1800 km north of the Azores during the chick-rearing period.
Joël Bried – Bolseiro de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, IMARAçores, Cais de Santa Cruz, 9901-862 Horta, Açores.
Email: [email protected] ou [email protected]
Maria C. Magalhães – Bolseira de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia,
IMAR-Açores, Cais de Santa Cruz, 9901-862 Horta, Açores.
Email: [email protected]
Verónica Neves – Bolseira de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia
(FCT), IMAR-Açores, Cais de Santa Cruz, 9901-862 Horta, Açores.
Email: [email protected]
Palavras-chave: Aves marinhas, Açores, Gaspar Frutuoso, povoamento das ilhas, expedições
ornitológicas, naturalistas Açoreanos.
Key-words: Seabirds, Azores, Gaspar Frutuoso, first settlers, ornithological expeditions,
Azorean naturalists.
Parte A
OS PIONEIROS DA ORNITOLOGIA MARINHA NOS AÇORES
Verónica Neves
As crónicas de Gaspar Frutuoso (1522-1591)
Foi por volta de 1431 e com um
objectivo bem definido que o Infante
D. Henrique ordenou uma viagem
à recém-descoberta ilha de Santa
Maria: lançar animais domésticos que
dessem sustento aos povoadores que
haveriam de chegar (Costa, 2008).
De barco vieram as ovelhas, os
porcos, as cabras, as vacas, as galinhas, os coelhos e as rolas, e com
eles, enfim, os homens e as mulheres
que povoaram as ilhas. Ao longo dos
séculos o homem continuou a trazer
novas espécies para as ilhas. Uma das
Joël Bried, Maria Magalhães & Verónica Neves
introduções mais recentes foi o pardal
(Passer domesticus) que chegou já
no século XX à Terceira (Le Grand,
1977) e rapidamente se estendeu a
todas as ilhas do arquipélago (Equipa
Atlas, 2008).
As primeiras referências às aves marinhas dos Açores datam de meados
do século XVI e foram publicadas nas
célebres crónicas de Gaspar Frutuoso,
Saudades da Terra. Aquando do povoamento das ilhas, que se estendeu
de 1443 (Santa Maria) a 1508 (grupo
ocidental) (Costa, 2008), as aves
marinhas eram muito abundantes e
distribuíam-se não só pelas falésias
costeiras e ilhéus, mas também pelo
interior das ilhas. Ainda hoje na ilha
do Corvo se encontram alguns ninhos
da cagarra isolados no meio de pastagens. É o caso do ninho abrigado
sob uma pequena furna de pedra na
pastagem das terras do pico, propriedade de Pedro Domingos, a cerca de
650 m de distância da costa e a mais
de 250 m de altitude (ver figura 1).
A cagarra fossilizada que nos finais
da década de 60 foi encontrada no
interior do Algar do Carvão, muito
próximo do centro geográfico da ilha
Terceira (a cerca de 7 km da linha de
costa e a 550 m de altitude), constitui
outra prova da distribuição generalizada das aves marinhas (ver figuras
2A e 2B). Nessa altura as aves marinhas eram capturadas em grande
quantidade e utilizadas para diversos
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fins (Frutuoso, 1978, 1981, 1983). As
penas foram utilizadas para encher almofadas (“cabeçais”, Frutuoso, 1983
– p. 89) e colchões (“a pena delas
é tão boa como a das patas, e ainda
melhor”, Frutuoso, 1981 – p. 192), a
carne serviu para a alimentação e a
graxa foi utilizada não só para alumiar as candeias, como também para
engraxar a lã com que se faziam os
panos da terra (Frutuoso, 1978, 1981
e 1983). No caso dos garajaus, aves
diurnas e ágeis, a apanha resumia-se
aos ovos por serem aves difíceis de
apanhar. Às páginas 77 e 78 do livro
terceiro das Saudades da Terra, Gaspar Frutuoso (1983), numa referência
ao ilhéu da Vila (Santa Maria), dá-nos
uma ideia da escala desse consumo:
“… criam tantos garajaus que se apanham, quando da terra lá vão folgar,
por vezes, trezentos, quatrocentos e
quinhentos ovos pelo chão…”.
Não nos pode, portanto, causar espanto que ao chegar a estas ilhas o homem
tenha causado reduções drásticas nas
populações de aves marinhas e que
algumas espécies tenham mesmo sido
extintas. Quando os primeiros homens chegaram aos Açores, as ilhas
estavam cobertas de vegetação densa
até ao nível do mar e nos primeiros
anos a desflorestação foi intensiva.
A vegetação natural foi destruída e deu
lugar a campos de cultivo e a espécies
estranhas que em alguns casos se vieram a tornar infestantes; nem mesmo
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Boletim do Núcleo Cultural da Horta
Figura 1: Mapa da ilha do Corvo com a localização do ninho da cagarra na pastagem das terras do pico,
propriedade de Pedro Domingos. © Ricardo Medeiros.
Figura 2A
Figura 2B
Figura 2: Cagarra fossilizada encontrada junto à Lagoa no interior do Algar do Carvão e actualmente
presente nas colecções do Museu Vulcanoespeleológico da Associação «Os Montanheiros». (A) aspecto
geral, (B) pormenor da cabeça. © «Os Montanheiros»
Joël Bried, Maria Magalhães & Verónica Neves
os ilhéus escaparam a esta azáfama
humanizadora. O ilhéu do Topo, por
exemplo, serviu desde muito cedo e
ainda de acordo com Gaspar Frutuoso,
para semear trigo e apascentar gado,
referindo o mesmo autor que nesse
ilhéu se criavam muitos estapagados
e pardelas e outras aves do mar (Frutuoso, 1978 – p. 234). Hoje em dia o
ilhéu do Topo possui uma das maiores colónias de gaivotas do arquipélago. Esta espécie raramente é mencionada por Gaspar Frutuoso nas suas
crónicas e é provável que aquando do
povoamento não fosse ainda uma ave
muito abundante. Nas últimas décadas, porém, tem visto o seu número
aumentar, beneficiando de abundante
alimento disponível nas lixeiras criadas pelo homem (Neves et al., 2006).
No livro sexto das Saudades da Terra
(p. 324), Gaspar Frutuoso (1978) refere-se também ao ilhéu de Baixo que
na altura era conhecido como ilhéu
dos Homiziados e enumera as espécies de aves que por lá existiam entre
as quais se incluíam os “calca-mares,
pássaros que não andam de dia,
senão de noite”. Calca-mar é o nome
comum que hoje em dia se dá à espécie Pelagodroma marina que nidifica
nos arquipélagos da Madeira (mais de
60 mil casais; Campos & Granadeiro,
1999; Oliveira & Menezes, 2004),
das Canárias (24-30 casais; Martín
& Lorenzo, 2001) e de Cabo Verde
(5‑10 mil casais; Hazevoet, 1995).
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Esta espécie não procria actualmente
nos Açores mas, através das crónicas
de Gaspar Frutuoso, podemos inferir
que em tempos idos também nidificou nestas ilhas. Ao contrário de
outras aves marinhas, como é o caso
das cagarras e dos paínhos, o calca‑mar não nidifica em buracos rochosos, mas antes escava os seus ninhos
no solo e encontraria no ilhéu da
Praia, habitat adequado uma vez que
este ilhéu possui uma vasta área de
terra arável onde é possível escavar
buracos. Os restantes ilhéus dos Açores são bastante rochosos e, por isso,
o calca-mar deveria existir apenas nos
ilhéus da Graciosa, tanto no de Baixo
como no da Praia.
Ainda no livro sexto das Saudades
da Terra (p. 347), Gaspar Frutuoso
(1978) refere-se à ilha do Corvo e ao
seu Caldeirão situado na zona mais
alta da ilha. No centro do Caldeirão
há uma lagoa com várias pequenas
ilhas onde nidificavam várias espécies de aves marinhas. Hoje em dia
apenas os garajaus nidificam e em
número muito reduzido nesses ilhéus.
É também possível encontrar alguns
ninhos da cagarra, mas as outras espécies referidas por Gaspar Frutuoso,
tais como estapagados, frulhos e angelitos estão limitadas às zonas mais
abruptas e inacessíveis das falésias.
Antes do povoamento das ilhas as aves
marinhas não tinham praticamente predadores, nem ratos, nem gatos, nem
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Boletim do Núcleo Cultural da Horta
cães, nem furões, nem homens. Durante muitos milhares de anos apenas
os milhafres (Buteo buteo rothschildi),
ou queimados como também são
conhecidos nos Açores, e eventualmente as gaivotas, incluíram na sua
dieta a carne da cagarra e outras aves
marinhas.
Alguns naturalistas locais com interesse pela ornitologia
Ernesto Ferreira (1880-1943)
José Agostinho (1888-1978)
Ernesto Ferreira nasceu em Vila Franca do Campo e aos 23 anos tornou-se
padre. Foi professor e ao longo da
vida coleccionou diversas aves que
embalsamou. A sua colecção está hoje
integrada nas colecções de história
natural do Museu Carlos Machado.
Em 1938 publicou um trabalho sobre
as aves marinhas do género Puffinus
nos Açores (Ferreira 1938).
O tenente-coronel José Agostinho,
nascido na ilha Terceira, tinha diversos interesses científicos – meteorologia, sismologia, vulcanologia e biologia – e um especial interesse pela
ornitologia. Em 1926 tornou-se director do então Serviço Meteorológico
dos Açores, sucedendo ao coronel
Afonso Chaves aquando da sua morte.
A sua profissão levou-o por diversas
vezes a todas as ilhas do arquipélago
e soube aproveitar as oportunidades.
Fez diversas observações sobre as
aves açorianas, quer as nidificantes,
quer as ocasionais e trocou correspondência com observadores de outras
ilhas que lhe enviavam, também, informações sobre as suas observações.
Interessava-se sobretudo em recolher
novidades sobre as aves de passagem
ou extraviadas com indicação da data
e lugar onde as mesmas eram vistas.
Em relação às espécies nidificantes,
como as cagarras e os garajaus, tinha
especial interesse em saber as datas
exactas em que estas voltavam aos
Açores para se reproduzir. Correspondeu-se também com naturalistas
Francisco Afonso Chaves (1857-1926)
Francisco Afonso Chaves nasceu
em Lisboa mas viveu a maior parte
da sua vida nos Açores. O coronel
Afonso Chaves foi um meteorologista de renome e dedicou-se também à
astronomia e ciências zoológicas. Foi
amigo do rei D. Carlos I e do Príncipe Alberto do Mónaco em cujas
campanhas oceanográficas colaborou.
Durante largos anos foi director do
Museu Carlos Machado. Projectou
a instalação de um observatório no
topo da montanha do Pico parcialmente concretizada com a instalação
em 2001 do Observatório Pico-Nare
(Honrath & Fialho, 2001).
Joël Bried, Maria Magalhães & Verónica Neves
estrangeiros a quem por vezes enviava exemplares da fauna e flora dos
Açores. Foi um ponto de contacto
importantíssimo para naturalistas que
no passado visitaram as nossas ilhas,
acolhendo-os, facultando-lhes as suas
observações pessoais e ajudando-os
com todo o tipo de logísticas relacionadas com aspectos da preparação da
viagem, alojamento, estadia, etc. José
Agostinho era assim uma espécie
de anfitrião dos naturalistas que nos
visitavam e a quem sempre ajudava.
É o caso do casal Bannerman que
visitou os Açores no início da década
de 60, e a quem deu uma ajuda in situ
preciosa. Contribuiu também para o
livro que aqueles publicaram com um
capítulo sobre a topografia das ilhas.
Para além da sua actividade científica, José Agostinho teve também
um papel precursor na divulgação do
conhecimento através das então célebres palestras radiofónicas do Rádio
Clube de Angra. O Instituto Açoriano
de Cultura teve em tempos um projecto de recolha e edição deste material radiofónico e ainda hoje se pode
ler na sua página da internet que um
CD com uma selecção das palestras
do tenente-coronel José Agostinho tem
“lançamento ao público previsto para
o início de Verão do próximo ano de
2002”. É uma pena que afinal estas
palestras não tenham ainda sido partilhadas com as novas gerações. Um
projecto importante que se aguarda
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com anseio e se espera vivamente não
fique na gaveta.
José G. Correia (?-?)
José Correia nasceu no Faial, em data
que não foi possível apurar, mas cedo
emigrou para os Estados Unidos.
Trabalhou para o Museu Americano
de História Natural como colector de
espécimes e taxidermista e realizou
diversas expedições científicas, duas
das quais ao Arquipélago dos Açores.
A primeira realizou-se entre 1921 e
1922 e permitiu-lhe recolher centenas de aves nas ilhas do Faial e Pico.
A segunda expedição decorreu poucos
anos mais tarde, entre 1927 e 1928,
realçando o interesse internacional
que existia na altura pelas aves dos
Açores. Esta viagem permitiu-lhe
fazer recolhas não só no Faial e Pico,
como também nas ilhas Terceira e
São Miguel. Nessa altura capturou
com grande dificuldade cinco priôlos
(Pyrrhula murina). Seriam dos últimos recolhidos durante várias décadas uma vez que nessa altura o priôlo
era perseguido e estava no limiar da
extinção (Aubrecht, 2000).
José Maria Álvares Cabral
(1911-1988)
José Maria Álvares Cabral foi outro
Açoreano ligado à ornitologia. Este
engenheiro agrónomo, formado na
Universidade de Louvain, trabalhava
no Museu Carlos Machado (MCM)
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Boletim do Núcleo Cultural da Horta
aquando da visita dos Bannerman e
contribuiu, tal como José Agostinho,
para o livro que estes publicaram
redigindo uma descrição da ilha de
São Miguel. Em 1959 realizou a primeira lista das aves presentes nas
colecções do MCM, agrupando-as em
residentes, migradoras e migradoras
ocasionais. Foi Presidente da Direcção
da Secção de Ciências do MCM e
Director das Secções de Aves e Botânica entre 1961 e 1974.
As expedições estrangeiras
Para além das observações pontuais
dos poucos naturalistas açoreanos,
até aos inícios da década de sessenta do século passado, a ornitologia
açoriana resumiu-se a actividades de
coleccionadores ao serviço de vários
museus de história natural que visitaram o arquipélago para enriquecer
as colecções dos respectivos museus.
Pierre Marie Arthur Morelet
(1809-1892)
O naturalista francês Pierre Marie
Morelet publica em Paris em 1860
uma notícia sobre a história Natural dos Açores onde são descritas 30
espécies de aves presentes nas ilhas.
Frederick du Cane Godman
(1834-1919)
O entomologista e ornitologista inglês realizou, em 1865, a primeira
expedição ornitológica britânica aos
Açores, acompanhado pelo irmão,
Captain Godman, e por um taxidermista. Visitaram todas as ilhas do
arquipélago com excepção de Santa
Maria e recolheram uma vasta colecção de exemplares de fauna e flora ao
serviço do então denominado Museu
Britânico (British Museum), actualmente Museu de História Natural
(Natural History Museum), onde hoje
se encontram depositadas as suas
colecções. Com base nessa colecção,
Godman publica em 1870 o livro
A história natural dos Açores (Natural History of the Azores or Western
Islands), onde são descritas 53 espécies de aves capturadas nos Açores.
Foi Godman quem pela primeira vez
classificou o priôlo, a única espécie
endémica dos Açores. Foi um dos
fundadores da Associação Britânica
de Ornitologistas (British Ornithologists’ Union) e seu presidente de 1896
até 1913.
William Robert Ogilvie-Grant
(1863-1924)
Em 1903 uma expedição científica
do Museu Britânico, liderada por
Ogilvie-Grant, visitou os Açores e
recolheu uma grande quantidade de
aves da qual resultou um artigo na
Joël Bried, Maria Magalhães & Verónica Neves
revista Novitates Zoologicae (Hartert
& Ogilvie-Grant, 1905). O Dr. Ernst
Hartert, um alemão naturalizado
inglês, curador do museu de Lorde
Rothschild em Tring, Inglaterra, trabalhou com essa colecção e classificou como sub-espécies distintas
algumas aves dos Açores, tais como
o pombo-torcaz (Columba palumbus
azorica), o melro (Turdus merula
azorensis) e o estorninho (Sturnus
vulgaris granti).
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Jacques de Chavigny (?-?)
Em 1931 Manuel Dionísio e Pacheco
de Castro fizeram uma considerável
colecção de aves ao serviço do Museu
de História Natural de Paris. Essa
colecção foi estudada pelo francês
Jacques de Chavigny que publicou
na revista Alauda um trabalho com
descrições detalhadas dos ovos e
das dimensões das aves dos Açores
(Chavigny & Mayaud, 1932).
Os ornitólogos estrangeiros
Nas últimas décadas do século XX
visitaram e trabalharam nos Açores
alguns ornitólogos estrangeiros, que
foram além da simples inventariação
e descrição das aves e se dedicaram
ao estudo de diversos aspectos da
ecologia das aves marinhas.
David Armitage Bannerman
(1886-1979)
Em 1963 e 1964 o casal de ornitólogos escoceses David e Mary Bannerman visitou todas as ilhas do
arquipélago e tomou contacto com
as colecções depositadas no Museu
Carlos Machado e com naturalistas
locais. Desse trabalho de investigação resultou em 1966 a publicação da História das aves dos Açores
(A History of the birds of the Azores)
(Bannerman & Bannerman, 1966) um
volume integrado na colecção Aves
das Ilhas Atlânticas (Birds of the
Atlantic Islands) que compila todo
o conhecimento ornitológico obtido
até então nos arquipélagos da Macaronésia: Açores, Madeira, Canárias e
Cabo Verde. Para além de detalhar o
conhecimento existente sobre a distribuição e comportamento das aves,
tanto as reprodutoras, como as migradoras e acidentais, esta colecção
descreve também a paisagem, o clima
a flora e as principais alterações produzidas pelo homem nos diferentes
grupos de ilhas.
Gérald Le Grand (?)
Este ornitólogo francês trabalhou
nos Açores do final da década de 70
ao início da década de 80 e realizou
a sua tese de doutoramento sobre as
aves dos Açores (Le Grand, 1993).
Estudou sobretudo as aves terrestres,
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Boletim do Núcleo Cultural da Horta
mas também se debruçou sobre as
marinhas tendo estudado a colónia
de gaivotas da Lagoa do Fogo na ilha
de São Miguel. No início da década
de oitenta publicou uma check-list
actualizada das aves dos Açores (Le
Grand, 1983).
Adrian del Nevo (1954-?)
O ornitólogo inglês, actualmente a
trabalhar nos EUA, estudou as aves
marinhas dos Açores entre 1989 e
1994 ao serviço da Sociedade Real
para a Protecção das Aves (RSPB).
As suas investigações incluíram uma
inventariação sistemática das colónias
de garajau-rosado e garajau-comum
(del Nevo et al., 1993), bem como
os primeiros estudos da biologia reprodutora e ecologia de diversas aves
marinhas dos Açores. A distribuição
geográfica dos garajaus não tinha sido
até então estudada e apenas existiam
estimativas muito grosseiras do tama-
nho da população reprodutora. Del
Nevo conduziu estudos detalhados da
fenologia reprodutora e da ecologia
dos garajaus nas ilhas Graciosa, Flores, Faial, Pico e São Jorge (Ramos &
del Nevo, 1995). Iniciou um programa
de anilhagem de garajaus e de outras
aves marinhas que levou mais tarde
à descoberta de que os garajaus que
nidificam nos Açores migram para a
costa ocidental Africana (Gana, Costa
do Marfim, Senegal, etc.) e para a
costa oriental sul-americana, nomeadamente para o Brasil (garajau-rosado
e garajau-comum; Hays et al., 1999
e 2002) e para a Argentina (garajaucomum; Neves et al., 2002). Estudou
também a ecologia reprodutora da
alma-negra (Bulweria bulwerii) e do
paínho-da‑Madeira (Oceanodroma
castro) e capturou com Colin Bibby o
primeiro gon-gon (Pterodroma feae)
detectado numa colónia açoriana
(Bibby & del Nevo, 1991).
Agradecimentos
À D. Maria de Jesus Viveiros pela
informação relativa às datas de nascimento e morte do Engenheiro Álvares
Cabral e ao Paulo Barcelos, Presi-
dente da Associação Ecológica “Os
Montanheiros”, pelas informações e
fotografias da cagarra fossilizada.
Joël Bried, Maria Magalhães & Verónica Neves
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Parte B
A INVESTIGAÇÃO E AS ESPÉCIES NIDIFICANTES
Joël Bried
As espécies nidificantes
O arquipélago dos Açores alberga dez
espécies de aves marinhas nidificantes
regulares, das quais seis pertencem à
ordem dos Procellariiformes: cagarra
Calonectris diomedea borealis, alma‑negra Bulweria bulwerii, estapagado
Puffinus puffinus, frulho Puffinus baroli baroli, paínho-da-Madeira Oceanodroma castro, paínho-de-Monteiro
Oceanodroma monteiroi; e quatro
pertencentes à dos Charadriiformes:
gaivota-de-patas-amarelas Larus michahellis atlantis, garajau-comum
Sterna hirundo hirundo, Garajau‑rosado Sterna dougallii dougallii,
garajau-de-dorso-preto Onychoprion
fuscatus fuscatus (Monteiro et al.,
1996a, Monteiro et al., 1999, Bolton
et al., 2008). Para além destas espécies, nidificam ocasionalmente duas
espécies de aves marinhas: o rabo-
‑de-palha-de-bico-vermelho Phaethon
aethereus mesonauta (Ordem Pelecaniformes) e o garajau-de-dorso‑castanho Onychoprion anaethetus
melanoptera (Monteiro, 1996, Bried,
Bolton e Geraldes obs. pessoais).
Os Açores são uma região de nidificação de importância notável para
algumas dessas espécies. De acordo
com BirdLife International (2004), a
população açoriana das cagarras representa cerca de 65% da população
mundial da espécie e cerca de 75%
da população mundial da subespécie
borealis (raça Atlântica), enquanto a
população açoriana de garajau-rosado representa mais da metade da população europeia da espécie.
Foi recentemente descrita a espécie
paínho-de-Monteiro que nidifica
exclusivamente no arquipélago dos
Figura 2: cagarra, frulho e estapagado (ilustrações de Les Gallagher fishpics & ImagDOP)
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Boletim do Núcleo Cultural da Horta
Figura 3: alma-negra, paínho-da-Madeira e paínho-de-Monteiro.
(ilustrações de Les Gallagher fishpics & ImagDOP)
Açores onde é endémica e onde provavelmente permanece durante todo
o ano (Bolton et al. 2008). Estes autores basearam-se em resultados de
estudos anteriores, que mostraram
que os paínhos da população da estação quente (paínho-de-Monteiro) são
distintos dos da população de estação
fria (paínho-da-Madeira) no que diz
respeito às biometrias (Monteiro &
Furness, 1998), vocalizações (Bolton,
2007), ecologia alimentar (Monteiro
et al., 1998), ao teor de mercúrio nas
penas (Monteiro et al., 1999b) e estrutura genética (Smith et al., 2007).
Bolton et al. (2008) mostraram também que, para além de não haver
troca de indivíduos de acordo com os
dados de captura-marcação-recaptura
desde 1990, as duas populações sazonais apresentavam um comportamento de migração diferente e mudavam
as penas em épocas distintas.
A alma-negra e o garajau-de-dorso‑preto encontram nos Açores o limite norte da sua área de distribuição
mundial. A alma-negra, que era muito
abundante no arquipélago quando os
Portugueses se estabeleceram no fim
do século XV, é actualmente uma
Figura 4: garajau comum, rosado e de-dorso-preto (ilustrações de Les Gallagher fishpics & ImagDOP)
Joël Bried, Maria Magalhães & Verónica Neves
população relíquia, com apenas cerca
de 50 casais reprodutores, e circunscrita ao ilhéu da Vila em Santa Maria
(Monteiro et al., 1996b, 1999a; Bried
& Bourgeois, 2005).
A presença do garajau-de-dorso-preto
nos Açores é conhecida desde 1902
(Hartert & Ogilvie-Grant, 1905). Contudo, a população manteve-se muito
reduzida, com apenas um ou dois
casais reprodutores em todo o arqui-
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pélago, sendo o ilhéu da Vila (Santa
Maria) e, desde 2004, o ilhéu da Praia
(Graciosa), os únicos sítios de nidificação conhecidos para a espécie
(Bried, 2008). Finalmente, o garajau-comum, apesar de não ser uma espécie ameaçada, encontra no arquipélago dos Açores a localidade de
reprodução mais oceânica do mundo
(Gochfeld & Burger, 1996).
A investigação
Os primeiros estudos realizados por
Luís Monteiro, então investigador
do Departamento de Oceanografia e
Pescas (DOP) da Universidade dos
Açores, foram a descrição da distribuição dos habitats de nidificação das
diferentes espécies e a descrição da
fenologia de reprodução das diferentes
espécies nidificantes no arquipélago
(Monteiro et al., 1996a, b; Ramos &
del Nevo, 1995, Ramos et al., 1997,
Monteiro & Furness, 1998, Monteiro
et al., 1999). Simultaneamente, Luís
Monteiro realizou o seu doutoramen-
to sobre os níveis de mercúrio nas
aves marinhas dos Açores (Monteiro
1996, Monteiro et al. 1998, 1999), e
desenvolveu vários projectos de conservação. De entre estes, salientam‑se a reabilitação do ilhéu da Praia
(ao largo da ilha Graciosa, incluindo a
erradicação dos coelhos introduzidos
e a introdução de plantas endémicas)
e a campanha de salvação das cagarras juvenis (SOS Cagarro).
Em 2000 e 2001, instalaram-se 150
ninhos artificiais para os paínhos no
ilhéu (Bolton et al., 2004) permitin-
Figura 5: Instalação de ninhos artificiais para paínhos no ilhéu da Praia. Fotos: Mark Bolton
74
Boletim do Núcleo Cultural da Horta
do um aumento notável do tamanho
populacional das duas espécies de paínhos, especialmente do paínho-de‑Monteiro, para o qual o ilhéu da Praia
se tornou a maior colónia de nidificação, com mais de 50% da população
reprodutora conhecida (Bolton et al.,
2004, Bried et al., 2009).
Actualmente, vários projectos estão
a decorrer no Departamento de Oce-
anografia e Pescas da Universidade
dos Açores que incluem as diversas
espécies nidificantes e diferentes
objectivos (e.g. a monitorização dos
garajaus e conservação do garajaurosado, a demografia, dinâmica, genética populacional e ecologia comportamental dos Procellariiformes ou
a distribuição no mar das cagarras,
entre outros).
Parte C
E SE TIVESSE QUE PERCORRER MAIS DE 3000 KM
PARA OBTER ALIMENTO?
UM CASO DE ESTUDO SOBRE A ESTRATÉGIA DAS CAGARRAS NOS AÇORES
Maria C. Magalhães
As aves marinhas têm uma estratégia
de vida extrema. De entre elas, os
membros da ordem Procellariiformes
(albatrozes, pardelas, paínhos, etc.)
são aves de vida particularmente
longa e têm uma taxa reprodutiva
anual muito baixa, caracterizando-se
por pôr um único ovo, resultando que
espécies como os grandes albatrozes
só se reproduzem a cada dois anos.
Muitas pardelas têm uma estratégia
pelágica, na qual um ou os dois adultos alternam viagens curtas, em águas
costeiras perto da colónia, que servem
essencialmente para alimentar a cria,
com viagens longas em águas pelágicas onde os adultos se alimentam
para recuperar a condição corporal.
Esta estratégia foi primeiramente des-
crita por Chaurand e Weimerskirch
(1994) para a pardela-azul (Halobaena caerulea) das ilhas sub-antárcticas e continua a ser particularmente
associada a espécies nidificantes no
Oceano Austral, embora mais recentemente também tenha sido descrita
em outras regiões oceanográficas
(Granadeiro et al., 1998; Fernandez
et al., 2001; Peck & Congdon, 2005;
Magalhães et al., 2008). A cagarra
(Calonectris diomedea, Figura 6) faz
parte da família das pardelas, nidifica
em buracos nas rochas ou em tocas
por ela escavadas, formando colónias
muito numerosas podendo por vezes
atingir várias dezenas de milhar de
casais, e.g. Selvagens (Granadeiro
et al., 2006).
Joël Bried, Maria Magalhães & Verónica Neves
Figura 6: Cagarra adulta a sul de São Jorge. Foto: Ricardo Guerreiro
Figura 7: Cria da cagarra na colónia do Castelete, Pico. Foto: Ricardo Guerreiro
75
76
Boletim do Núcleo Cultural da Horta
As cagarras permanecem nas ilhas
dos Açores durante nove meses, de
Fevereiro a Outubro (Monteiro et al.,
1996a), onde começam por reencontrar o parceiro, normalmente de uma
vida, e reconquistar e limpar o ninho
de anos anteriores. Segue-se o acasalamento e a formação do único ovo
que a fêmea porá por volta do fim do
mês de Maio. A incubação, que dura
cerca de 55 dias, é uma das fases mais
difíceis, apesar de partilhada pelo
casal, é feita por turnos sendo que
um turno pode durar 14 dias consecutivos. É já no Verão, entre o fim do
mês de Julho e a primeira semana de
Agosto, que a cria (Figura 7) nasce e
é alimentada pelos dois progenitores
durante cerca de 90 dias (Ramos et
al., 2003).
Entre Junho e Setembro de 2004 a
2006, no âmbito dos projectos Marmac I e II, estudou-se a distribuição e
o comportamento destas aves no mar
durante a fase de alimentação das
crias. Colocaram-se transmissores
de rádio e de satélite em 82 cagarras
adultas permitindo conhecer a distribuição no mar e a estratégia de procura de alimento destas aves. Registaram-se 1040 viagens (134 viagens
feitas por 18 cagarras no Corvo em
2004; 855 viagens realizadas por 54
cagarras no Ilhéu da Vila (Santa
Maria) em 2004 e 2005; 51 viagens
realizadas por 10 cagarras no Ilhéu
da Praia (Graciosa) em 2006). As via-
gens duraram até 20 dias, no entanto
a sua maioria, cerca de dois terços
das viagens foi de apenas 1 dia. A frequência da distribuição das viagens
foi bimodal, ou seja com dois picos
de abundância de viagens de 1 e 10
dias, indicando uma clara separação
entre viagens “curtas” e “longas”. De
acordo com a classificação anterior,
as cagarras passaram cerca de 35% e
65% do seu tempo em viagens curtas
e longas respectivamente; em média
cada ave realizou três viagens curtas
entre cada viagem longa. Nas viagens
longas, todas as aves sem excepção,
rumaram a Norte até uma distância
máxima de 1315 km da colónia do
grupo ocidental, 1528 km do Ilhéu da
Praia no grupo central e finalmente a
1819 km do Ilhéu da Vila no grupo
oriental (Figura 8).
As aves a nidificar no grupo central
viajaram ao longo da Crista Médio‑Atlântica (MAR do inglês Mid‑Atlantic Ridge) até 48° N, (Figura 8,
linhas laranja) no entanto em algumas
viagens as aves atingiram a zona da
fractura de Charlie Gibbs que fica
a 52° N. As cagarras a nidificar no
Corvo rumaram a Nordeste da Ilha,
alimentando-se a oeste da MAR (Figura 8, linhas grená). A estratégia utilizada pelas aves a nidificar em Santa
Maria, foi bastante variável, uma vez
que se registaram aves a procurar alimento a leste e oeste da MAR, distribuindo-se entre 15 a 44° W de longi-
Joël Bried, Maria Magalhães & Verónica Neves
tude (Figura 8, linhas amarelas). Em
pelo menos uma viagem longa de cada
ilha as cagarras alimentaram-se perto
da plataforma continental americana
a leste da Terra Nova (Figura 8). Durante as viagens longas, usou-se a distância percorrida nos dois primeiros
e dois últimos dias para estimar a
velocidade durante a secção de ida
e retorno da viagem. As cagarras
partem e retornam à colónia a velocidades semelhantes (24 e 26 km/h,
respectivamente), velocidade cerca de
50% mais rápida do que na secção
referente à área de alimentação (17.5
km/h), indicando um voo muito menos sinuoso durante a ida e volta do
que nas áreas de alimentação.
77
As viagens curtas distaram até 588 km
da colónia do Corvo, 214 km do Ilhéu
da Praia e 107 km do Ilhéu da Vila.
As aves a nidificar na Ilha da Corvo
realizam viagens “curtas” cerca de
50% mais longas do que nas outras
colónias, quer em duração, quer em
distância total, quer em distância máxima à colónia. Durante as viagens
curtas as aves usaram toda a área
em redor da ilha, apresentando uma
frequência semelhante entre viagens
para Norte e Sul da colónia em todas
as ilhas analisadas (Figura 9).
Nos grupos central e oriental a duração, distância máxima à colónia e
distância total foi semelhante para
as viagens a norte ou sul da colónia.
Figura 8: Viagens “longas” das cagarras adultas a nidificar no Corvo (linhas grená), em Santa Maria
(linhas amarelas) e na Graciosa (linhas laranja) durante a fase de alimentação das crias (Junho a Setembro).
78
Boletim do Núcleo Cultural da Horta
Figura 9: Viagens “curtas” das cagarras adultas a nidificar no Corvo (linhas grená), em Santa Maria (linhas
amarelas) e na Graciosa (linhas laranja) durante a fase de alimentação das crias (Junho a Setembro).
No entanto, no grupo ocidental as
viagens para norte da colónia foram
muito mais longas do que as viagens
para sul (2 e 1 dias, respectivamente),
distância máxima da colónia (270 e
39 km, respectivamente) e distância
percorrida (711 e 187 km, respectivamente). Este resultado deve-se ao
facto de que nas viagens para sul as
aves ficam na costa do Corvo e das
Flores enquanto nas viagens para
norte as aves vão para águas mais
profundas, a oeste da MAR.
Durante a fase de crescimento das
crias de 10 a 50 dias de idade, ou
seja quando o crescimento destas é
independente da idade (Ramos et al.,
2003), as crias foram alimentadas em
cerca de 60% das noites; o intervalo
entre refeições variou de 1 a 9 dias,
com um intervalo médio de 2 dias.
Quando alimentadas, as crias receberam em média 127g durante a noite
e cresceram, em média 14 g/dia.
Curiosamente, as crias receberam
mais alimento quando os pais voltaram de uma viagem longa (média =
155 g) do que quando voltaram de
uma viagem curta (média = 114 g).
Dos 40 até aos 70 dias de idade as
crias são alimentadas com menor frequência. A partir de então começam a
perder peso e usam as suas reservas
para completar a formação das penas.
Saem finalmente do ninho movidas
pela fome e aptas para uma longa
Joël Bried, Maria Magalhães & Verónica Neves
viagem que as levará até à costa do
Brasil (Monteiro et al., 1996a; Lambardi unpub) onde permanecem durante os primeiros anos de vida até
regressar à colónia onde nasceram e
aí iniciar um novo ciclo.
Este trabalho demonstrou que na
época reprodutiva as cagarras utilizam áreas nas proximidades das ilhas
(provavelmente incluindo montes
submarinos, Figura 10), durante as
viagens curtas. Morato et al. (2008a
e b) mostrou que existe uma grande
abundância de montes submarinos
na ZEE dos Açores, oferecendo uma
variedade de condições ambientais
que podem servir diferentes comuni-
79
dades biológicas. Associações entre
golfinhos, atuns e cagarras a alimentarem-se de chicharro (Clua &
Grosvalet, 2001; Martin, 1986), são
muito comuns em torno dos Açores,
no Verão, onde se observam agregações das cagarras principalmente nas
proximidades dos montes submarinos
(Morato et al., 2008b).
Apesar da crescente disponibilidade
de dados espaciais sobre a distribuição das aves no mar, o conhecimento
dos factores que afectam a distribuição é ainda bastante limitado, nomeadamente no que concerne ao desenvolvimento de modelos preditivos
de resposta a alterações ambientais e
Figura 10: Cagarras em alimentação a sul do Faial. Na zona estavam também várias toninhas que encurralavam o chicharro junto da superfície, auxiliando desta forma as aves. Foto: Ricardo Guerreiro
80
Boletim do Núcleo Cultural da Horta
climáticas (Jonsen et al., 2003). Para
compreender plenamente o papel funcional da zona costeira das ilhas e dos
montes submarinos, bem como associar as aves a outros predadores marinhos (e.g. baleias, tartarugas, etc,),
será necessário investigar a variação
espacial e temporal da distribuição
destes animais nas áreas de alimentação utilizando uma metodologia mais
precisa (e.g. GPS; Hamer et al., 2007,
Pinaud & Weimerskirch, 2007). Ao
identificar comportamentos comuns
na estratégia pelágica de grandes predadores, será possível analisar com
maior detalhe a ecologia alimentar
e começar a compreender a relação
entre padrões de procura e sucesso de
captura de alimento (Robinson et al.,
2007). Conhecer a distribuição das
espécies marinhas e os factores que
influenciam a sua distribuição no mar
são questões essenciais para compreender, a influência do ambiente na
estratégia da vida marinha e, em que
medida é que a previsibilidade dos
recursos afecta o sucesso de busca de
alimento e, consequentemente, o sucesso reprodutivo e a sobrevivência
das espécies (Weimerskirch, 2007).
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