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CENTRO UNIVERSITÁRIO BARÃO DE MAUÁ CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA, CULTURA E SOCIEDADE Rodrigo Fontanari Crédito e negócios na cafeicultura e em atividades complementares na sociedade de Santa Cruz das Palmeiras (1892-1914). Ribeirão Preto 2008 RODRIGO FONTANARI Crédito e negócios na cafeicultura e em atividades complementares na sociedade de Santa Cruz das Palmeiras (1892-1914). Monografia apresentada como trabalho de conclusão de curso na Especialização em História, cultura e sociedade do Centro Universitário Barão de Mauá Orientador: Prof. Dr. Pedro Geraldo Tosi Ribeirão Preto 2008 Fontanari, Rodrigo Crédito e negócios na cafeicultura e em atividades complementares na sociedade de Santa Cruz das Palmeiras (1892-1914)./ Rodrigo Fontanari. 2008. 64 f. : il. Monografia — Centro Universitário Barão de Mauá, 2008. 1. Cafeicultura 2. Crédito 3. Acumulação. RODRIGO FONTANARI Crédito e negócios na cafeicultura e em atividades complementares na sociedade de Santa Cruz das Palmeiras (1892-1914). Monografia apresentada como trabalho de conclusão de curso na Especialização em História, cultura e sociedade do Centro Universitário Barão de Mauá Aprovado em ___/___/___. Especialista em História Banca Examinadora: _____________________ _____________________ ___________ Assinatura A todos que fazem da História seu ofício. Agradecimentos Um trabalho, por mais simples que possa ser, nunca é tarefa solitária, fruto de uma só pessoa. Há que se listar e agradecer os nomes daqueles que, de forma direta e indireta, ajudaram na realização deste trabalho. Vale destacar que os erros e incompetência contidos no trabalho são de única responsabilidade do autor. Gostaria de agradecer: ● Primeiramente, meu orientador Professor Dr. Pedro Geraldo Tosi, amplo conhecedor da história, que sempre se mostrou prestativo e atento às minhas dúvidas e indagações, e que com seus conselhos possibilitou essa realização, fazendo jus a sua função de orientador. Sem suas observações dificilmente teria nascido esse trabalho; ● a todos os professores da Pós-Graduação do Centro Universitário Barão de Mauá, em especial Jurandir Malerba, que sempre se preocupou em demonstrar a importância da reflexão historiográfica, e Lélio Luis de Oliveira por demonstrar a importância dos estudos históricos de cunho regional; ● aos professores e amigos da graduação da Faculdade Euclides da Cunha, de São José do Rio Pardo, especialmente o Professor Ms. Marcos De Martini e o Professor Ms. Fábio Augusto Missura, os amigos Maicon, Coelho e Ricardo, e os funcionários da biblioteca, sempre presentes e prestativos; ● aos companheiros da Pós- Graduação na Mauá, principalmente Jéferson e meu irmão Gilberto; ● à Adolpho Legnaro Filho, curador do Museu Histórico e Pedagógico Alfredo e Afonso de Taunay de Casa Branca, grande conhecedor da história da região e companheiro de pesquisa, pela atenção e estima que dispensou em minhas idas ao arquivo; ● ao amigo “Ju” do jornal A Tribuna, grande cultivador da história palmeirense. ● aos funcionários e amigos do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Santa Cruz das Palmeiras, Sônia, Valéria, Vanessa e Gustavo, que disponibilizaram o acesso as fontes de pesquisa; ● à Priscila, minha grande amiga e companheira, que com seu carinho e compreensão me fortaleceu e incentivou a seguir sempre em frente, independente da situação; ● agradecimento especial a toda minha família, principalmente meus pais, Gilberto e Maria Aparecida, que sempre estiveram presentes e apoiando meus estudos, e ainda meus avós João e Terezinha, que vieram a falecer na fase final desse trabalho, minhas desculpas por não ter estado mais próximo; ● e por último, mas não menos importante, à Deus. Defendo vigorosamente a opinião de que aquilo que os historiadores investigam é real. (...) o relativismo não fará na História nada além do que faz nos tribunais. Se o acusado em um processo por assassinato é ou não culpado, depende da velha evidência positivista, desde que se disponha de tal evidência. Qualquer leitor inocente que se encontrar no banco dos réus fará bem em recorrer a ela. São os advogados dos culpados que recorrem à linha pós-moderna de defesa. (Eric Hobsbawm, Sobre História) RESUMO: Este estudo tem como propósito analisar as formas de financiamento da cafeicultura – e das demais atividades complementares a ela – no município de Palmeiras entre o período de 1892 e 1914. Todavia, verificamos o quanto importante foi da atividade creditícia voltada especialmente à cafeicultura e às suas atividades complementares, e seus reflexos sociais. Podemos perceber que existia uma certa hierarquia na cadeia creditícia, onde os grandes cafeicultores tinham possibilidades de tomar empréstimos maiores, principalmente nos momentos de piores preços do café no mercado, em agências especializadas – muitas internacionais – pagando juros mais baixos e com prazo mais flexível, enquanto os pequenos cafeicultores e comerciantes ficaram reféns de empréstimos com taxas de juros mais altas e com prazos menos flexível, promovida pelos financiadores locais. Desenvolvemos nossa análise histórica privilegiando sub-períodos de expansão e crise da cafeicultura, decorrentes dos movimentos da economia mundial, e também marcados pelas políticas monetárias nacionais. Como forma de esboçar um painel mais abrangente e capaz de melhor situar cada agente social na cadeia do crédito, os dividimos por ocupação e em alguns casos propomos um estudo mais verticalizado de alguns personagens. Nos guiamos por recentes pesquisas na área da história econômica, que tem por base a dinâmica da economia e o manuseio de fontes documentais ainda pouco privilegiadas, dentre as quais os Livros Cartoriais, onde nos ateremos principalmente dívidas hipotecárias e penhoras, procurando desta forma, verificar a dinâmica econômica desta região, tangida pelo desenvolvimento do capitalismo, e expandir os conhecimentos relativos ao crédito na economia cafeeira paulista. PALAVRAS-CHAVE: cafeicultura; crédito; acumulação. ABSTRACT: This study has the aim to examine ways of financing the coffee plantation and its other complementary activities - in Palmeiras city between 1892 and 1914. However, we realized how important the activity was the credit business specially for the coffee plantation credit and their complementary activities, and its social consequences. We could see that there was some hierarchy in the credit chain, where the big coffee plantation owners had chances to take larger loans, mainly in the worst moments of the coffee price in the market, in specialized agencies - many international - paying lower interest rates and more flexible deadlines, while the small coffee plantation owners and traders got stuck on loans with higher interest rates and less flexible deadlines, promoted by local financial agents. We developed our historical analysis focusing sub-periods of expansion and the coffee crisis, stemming from the movements of the world economy, and also marked by national monetary policies. As a way to get a more comprehensive view and to be able to better locate each social agent in the credit chain, we divided it by the occupation and in some cases by proposing a more vertical study of some characters. We were guided by recent research in economic history area, which builds on the momentum of the economy and the handling of documentary sources still somewhat privileged, among them the Notary Books, in which we focus mainly on mortgage debt and seizures, meaning this way, to check the economic dynamic in this region, due to the development of capitalism, and expanding knowledge related to credit in Sao Paulo’s coffee plantation economy. KEY WORDS: coffee plantation; credit; accumulation. INTRODUÇÃO________________________P.1 CAPÍTULO 1_________________________P.18 CAPÍTULO 2_________________________P.37 CAPÍTULO 3_________________________P.48 CONCLUSÃO________________________P.60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_______P.61 Introdução Antes de adentrarmos realmente no assunto que se propõe este trabalho, torna-se necessário, mesmo que de forma sintética, procurar seguir os ainda atuais conselhos de Henri Berr e tentar desviar-se de um mal comum ao ofício do historiador: a negligência de reflexão sobre a própria natureza de sua ciência. 1 Essa tarefa é ainda mais cabível diante dos atuais ataques e deméritos que a ciência histórica vem sofrendo das tendências de pensamento pós-modernas. A pós-modernidade, de acordo com Eagleton: “...é uma linha de pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a idéia de progresso ou emancipação universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de explicação. Contrariando essas normas do iluminismo, vê o mundo como um contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas e interpretações desunificadas gerando um certo grau de ceticismo em relação à objetividade da verdade, da história e das normas, em relação às idiossincrasias e a coerência de identidade”. 2 Essa forma de pensamento, que decolou entre os anos de 1960 e 1970, trouxe consigo uma visão que nega o próprio sentido da história e sua capacidade de gerar uma explicação que priorize a totalidade, apregoando que até mesmo o mundo não existe, e portanto fica impossível conhecê-lo de forma científica. 3 A abordagem seguida por este trabalho, vale frisar, vai à direção oposta desta tendência, e portanto disponibilizaremos algumas linhas para melhor elucidar esta tomada de posição. Partindo do pressuposto de que o historiador parte de seu tempo para questionar e analisar o passado, perceber-se atualmente que existe a busca por uma identidade ou podemos dizer até mesmo por uma filiação, por parte dos historiadores para realizar seu ofício, frente a questionamentos do próprio pensamento Ocidental contemporâneo e da própria historiografia, o que de certa forma estabelece uma relativização sobre qual é exatamente a função do historiador, bem como do objeto que ele trata. 1 Henri Berr diagnóstica o seguinte: “A crise da História [...] o estado inorgânico dos estudos históricos [...] provém do fato de que um número excessivo de historiadores jamais refletiu sobre a natureza de sua ciência.” Citado por ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru, SP: Edusc, 2006. p.23. 2 Eagleton, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1998. p.7 3 Idem. p.38-39 Este contexto foi gerado em grande parte no contexto pós-1945, pelo movimento multidisciplinar e difícil de balizar que é o pós-modernismo, ou seja, um segmento intelectual intensificado, segundo Aróstegui a partir de 1970, e que contestava a modernidade – fazendo críticas aos valores da sociedade ocidental proveniente do Iluminismo, do racionalismo e da Revolução Industrial – e seus paradigmas dentro das ciências sociais, e mais especificamente dentro da história, levando essa ciência a uma crise de identidade, pois dentre alguns historiadores, filósofos e antropólogos, que na tentativa de fazerem vanguarda, utilizaram tal crise para aprofundar as críticas acerca de tudo aquilo que já havia sido produzido e reverenciado como paradigmas explicativos de caráter holístico, numa tentativa de por abaixo todo o arcabouço teórico-metodológico dessa ciência. 4 Contudo, os diversos agressores da história muito destruíram, empunhando armas forjadas “pelo pós-estruturalismo – e seus sucedâneos, como o pósmodernismo – [...] e pouco colocaram no lugar dos ídolos destruídos”. 5 A pós-modernidade, segundo Lyotard, “significaria [...] o abandono do discurso ideológico e de todas as formas de representação do mundo construídas pela modernidade européia, pelo projeto global intelectual e cultural que nasce nos séculos 18 e 19”. Ou ainda em um sentido mais amplo o pós-modernismo representa “a ‘morte da teoria’, ao mesmo tempo em que morriam as grandes concepções de mundo e da história baseadas nas ‘meta-teoria’ ou nas ‘meta-narrativas’. “ 6 Todo esse vendaval pós-moderno, acabou por criar uma crise não só na história – sem contar a mudança do enfoque social para o cultural –, mas em todas as ciências sociais, questionando nessas suas possibilidades de inteligibilidade, de racionalidade e objetividade na explicação dos fenômenos sociais. De acordo com Malerba, a “...negação da racionalidade moderna se manifesta, no conhecimento histórico, na crença e na prática fácil de que o mundo não seria mais que um campo de manifestação de discursos em conflito. Assim, cada um pode criar o seu, sem que haja parâmetro de crítica entre um e outro...”. 7 4 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru, SP: Edusc, 2006. p. 175-208. MALERBA, Jurandir. Nuevas perspectivas y problemas. In: MARTINS, Estevão de Rezende. BRIGNOLI, Héctor Perez (Org.). Teoria y metodología em la historia de la América Latina. Paris: UNESCO; Madri: Trotta, 2006. (Volume 9 da Historia General de América Latina). p. 28. 6 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru, SP: Edusc, 2006. p. 180-181. 7 MALERBA, Jurandir. Nuevas perspectivas y problemas. In: MARTINS, Estevão de Rezende. BRIGNOLI, Héctor Perez (Org.). Teoria y metodología em la historia de la América Latina. Paris: UNESCO; Madri: Trotta, 2006. (Volume 9 da Historia General de América Latina). p.4. 5 Para Aróstegui, o giro lingüístico dos anos de 1970, interrompeu uma certa trajetória da historiografia, mas proporcionou o nascimento de muitas direções novas. A crise ocorreu simultaneamente a uma notável renovação, das quais são efeitos: à volta do sujeito, a erupção de modelos como a micro-história e a Nova História Cultural. Porém, afirma que “uma mudança de modelo historiográfico não é necessariamente uma mudança paradigmática, mas é muito mais que uma mudança de caráter temático”. 8 Não queremos aqui minimizar ou aumentar os efeitos dessa denominada crise, mesmo percebendo visões dicotômicas. Temos que levar em conta que a propagada crise muito mais dinamizou e até mesmo reabilitou a história frente a um período conturbado, onde parecia que a mesma não resistiria aos ataques deferidos pela pós-modernidade. Pelo contrário, podemos dizer “que as posições pós-modernas a respeito são, no fundo, bastante débeis”. 9 O descrédito promovido pelas correntes pós-modernas quanto às análises holísticas e o “zelo” pelo enfoque do micro e carregado pelas novas abordagens antropológicas trazidas pela Nova História Cultural, não têm tanta novidade e relevância naquilo que propagandeiam a ponto de se abandonar à teoria e sua capacidade de conhecer o real. Assim afirma Hobsbawm: “Não há nada de novo em preferir olhar o mundo por meio de um microscópio em lugar de um telescópio. Na medida em que aceitemos que estamos estudando o mesmo cosmo, a escolha entre o micro e o macrocosmo é uma questão de selecionar a técnica apropriada.” 10 E ainda reforça que não é devido o estudo da parte que necessariamente temos que abandonar a visão do todo. Diante desse quadro, tentaremos nesse trabalho, seguir um caminho totalmente alheio àquele que propõe à história um lugar idêntico ao relato literário de ficção, e que tudo, desde fontes históricas, verificação e a construção da análise histórica não passariam de uma simples estória, fruto do ingênuo trabalho do historiador. Sendo assim, lançaremos mão de uma abordagem que se situa além do pósmodernismo e procuraremos não levar a cabo àquelas correntes que afirmaram que é possível estar depois da teoria. Seguiremos um caminho onde, de acordo com Aróstegui: “A verdade deve ser restaurada como uma das especificidades do discurso histórico, 8 9 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru, SP: Edusc, 2006. p. 175-247. CARDOSO, Ciro Flamarion. Um historiador fala de teoria e metodologia. Bauru, SP: Edusc, 2005. p.72. 10 HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.206. frente à História-ficção”. 11 Ainda seguindo a visão de Aróstegui sobre a posteridade do pós-modernismo na atualidade, vemos que: “A ciência histórica [...] tem sido obrigada pela teoria pós-moderna a uma maior circunspeção. Mas não deve renunciar seu direito de afirmar que reconstrói [...] a vida real”. 12 E ainda continua: “O pós-modernismo foi uma cultura de época mais do que a princípio pode parecer. Mas fez, para historiografia, com que não fosse possível manter a ‘desatenção com a teoria’”. 13 E é essa desatenção e desdém com a teoria que pode(ria) ser extremamente prejudicial para o futuro da “ciência histórica”, pois se corre o risco de transformar o produto final da análise do historiador em um mero relato, sem poder de explicação e racionalidade. Na mesma linha de Teodoro usaremos “teoria não para designar uma teoria da história enquanto teoria de todo o devir humano, mas das teorias criadas pelas ciências sociais para explicar fenômenos específicos”. 14 Para fecharmos essa discussão a respeito do pós-modernismo e seus impactos na história, cabe ressaltar as palavras de Eagleton: “Não podemos nunca estar ‘depois da teoria’, no sentido em que não pode haver vida humana reflexiva sem ela. Podemos simplesmente ir esgotando estilos de pensamento particulares à medida que muda nossa situação. Com o deslanchar de uma nova narrativa global do capitalismo, junto com a chamada guerra do terror, pode muito bem ser que o estilo de pensamento conhecido como pós-modernismo esteja agora se aproximando do fim. Foi, afinal, a teoria que nos assegurava que as grandes narrativas eram coisa do passado. Talvez sejamos capazes de vê-lo, em retrospectiva, como uma das pequenas 15 narrativas que ele próprio tanto apreciava”. Nesse primeiro problema proposto tentamos elucidar alguns pontos de conflito entre as correntes de pensamento pós-modernas e a história, de modo a concluir que não podemos abrir mão de uma história “teorizada” e “raciocinada”, aos moldes daquela proposta por Villar e Braudel, com poder de análise e explicação. As linhas pós-modernas tentaram se fortalecer às custas de ataques deferidos contra a história e sua capacidade 11 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: Teoria e método. Bauru, SP: Edusc, 2006. p.235. Idem. p.236. 13 Idem. p.237. 14 TEODORO, Rodrigo da Silva. O crédito no mundo dos senhores do café. Franca 1885-1914. Campinas, 2006. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Economia, UNICAMP. 15 EAGLETON, Terry. Depois da teoria: um olhar sobre os estudos culturais e o pós-modernismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p.297. 12 holística, mas como vimos e podemos concluir, mesmo de forma apresada, é que a história parece ter saído fortalecida desse embates, rechaçando o lugar de relato-ficção que a queriam relegar. Uma outra discussão que se impõe a nosso trabalho é quanto à relação entre a história e as ciências sociais, uma vez que nos guiaremos pelos caminhos da história econômica – fundindo duas “áreas” distintas: história e uma ciência social, a economia – para analisar algumas questões a respeito da economia cafeeira em Palmeiras. Cabe ressaltar, desde já, que teremos a plena idéia – mesmo sabendo das diversidades de métodos, conceitos e linguagens que especificam a sociologia da história – que ambas ciências também tem muito em comum, pois como ciências humanas, possuem o mesmo objeto de estudo, ou seja, as ações do homem em sociedade. Portanto “suponhamos, para ser breve, que as ciências humanas se interessam todas por uma mesma e única paisagem: a das ações passadas, presentes e futuras do homem”. 16 Todavia, temos algumas especificidades que marcam os campos de atuação do historiador e do cientista social. “As ciências sociais (economia, sociologia, antropologia, ciência política, lingüística, demografia etc) reconstituem para explicar; o historiador explica para reconstituir (...) as ciências sociais sacrificam a totalidade para conceituar, a história sacrifica a conceituação para preservar a totalidade” 17 Ainda, na visão de Aróstegui, “não há possibilidade de pesquisa sócio-histórica, nem nenhum outro tipo, que não faça uso de generalizações . O fato do curso da história ser ‘único’ não quer dizer que os ‘tipos’ de fenômenos históricos conhecidos sejam irrepetíveis ou que, sob uma tipologia suficientemente generalizadora, não possam ser explicados muitos fenômenos particulares”. 18 É fato portanto, que o historiador estuda “fenômenos sociais”. Mas há, contudo, uma particularidade que possibilita ao método historiográfico uma certa especificidade, pois o historiador estuda os fenômenos sociais sempre em relação ao comportamento temporal. E para finalizar as discussões entre história e sociologia vale frisar mais uma vez as palavras de Braudel: “Na verdade, há sempre uma história que pode concordar com uma sociologia – ou ao inverso, evidentemente, entredevorar-se com ela”. 16 19 BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva. 2005. p.80. Afirmação do historiador Fernando Novais, apud, TEODORO, Rodrigo da Silva. O crédito no mundo dos senhores do café. Franca 1885-1914. Campinas, 2006. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Economia, UNICAMP. p. 2. 18 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru, SP: Edusc, 2006. p.81. 19 BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva. 2005. p.93. 17 Quanto à teoria, nesse sentido, recorreremos às visões de Villar e Braudel 20 . Tendo em vista que essa será uma pesquisa pautada na história econômica, vale lembrar que para Vilar “apesar de desejar a quantificação máxima dos fatores de crescimento, (...) tinha plena consciência de seus limites. Considerava indispensável à análise de fatores não quantificáveis, como os políticos, sociais e mentais”. 21 Sendo assim, tentaremos utilizar o conceito de história total, presentes em ambos historiador. A história econômica, em relação aos outros ramos da historiografia, tem sua principal característica no fato de privilegiar e enfatizar determinados fatores em relação a outros, como demonstrou Braudel, em sua tentativa de escrever uma história econômica de âmbito mundial: “A história econômica do mundo é, portanto, toda história do mundo, mas vista de um certo observatório, o da economia. Ora, escolher esse observatório e não outro é privilegiar de antemão uma forma de explicação unilateral (e também, por isso mesmo, perigosa), da qual sei de antemão que não me libertei inteiramente. Não se privilegia impunemente a série de fatos chamados econômicos. Por mais que nos empenhemos em dominá-los, reordená-los e sobretudo superá-los, poderemos evitar um ‘economismo’ insinuante e o problema do materialismo histórico? É o mesmo que atravessar areias movediças.” 22 Nosso estudo será então enviesado pelos caminhos da história econômica, e não pretendemos fazer aqui um simples exercício de econometria, onde os homens e seus atos seriam “esquecidos” , muito pelo contrário, nossa ênfase é na análise histórica, e recorreremos às “técnicas” econômicas, como a quantificação, para tentar melhor circunscrever nossas hipóteses e teorizar nosso objeto de estudo, nos moldes propostos por Villar, uma vez que “essa história quantitativa não é sem homens: o social inscreve-se no prolongamento direto do econômico.” 23 Ainda sobre a forma de se capturar a história proposta por Villar, cabe dizer que há “a necessidade de um confronto da teoria com a realidade histórica, e vice-versa. ‘Racionalizar’, ‘construir’ a história: Pierre Villar vê a 20 BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva. 2005. e Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996. T.1, 2 e 3; VILLAR, Pierre. Desenvolvimento Econômico e Análise Histórica. Lisboa: Editorial Presença, 1996. 21 COHEN, Arón;CONGOST, Rosa; LUNA, Pablo F. (Orgs.). Pierre Villar: uma história total, uma história em construção. Bauru, SP: Edusc, 2007. p.232. 22 BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996. vol. 3. p. 9. 23 COHEN, Arón;CONGOST, Rosa; LUNA, Pablo F. (Orgs.). Pierre Villar: uma história total, uma história em construção. Bauru, SP: Edusc, 2007. p.38. história como um ir-e-vir incessante, do episódio a teoria e da teoria ao episódio.” 24 Tentaremos, pelo menos, pensar historicamente e fazer uma história “raciocinada”. Outra visão de história que vai orientar esta pesquisa é aquela derivada da escola francesa dos Annales. Iremos utilizar, dentro desse movimento, principalmente o modelo de história econômica proposta por Fernand Braudel. Também teremos como base os modelos temporais adotados por Braudel – a dialética dos tempos: a longa duração, a conjuntura e o evento – atentando principalmente para a Longa Duração. Mas o que entendemos por Longa Duração? Podemos citar, o próprio Braudel que menciona: “Ultrapassar o evento, era ultrapassar o tempo curto que o contém [...]. Equivale a perguntar se, além dos eventos, não há uma história inconsciente dessa vez, ou melhor, mais ou menos consciente, que, em grande parte, escapa à lucidez dos atores, os responsáveis ou as vítimas: eles fazem a história, mas a história os transporta”. 25 Antes de tudo a Longa Duração tenta suplantar uma história factual, embasada e emaranhada nos eventos de curta duração. A história dos eventos, sugere Braudel, embora “rica em interesse humano”, é também a mais superficial. “Recordo-me de uma noite, perto da Bahia, quando assistia absorto ao espetáculo pirotécnico de fosforescentes vaga-lumes; sua pálida luz brilha, desaparece, volta a brilhar, sem penetrar na noite com uma verdadeira luz. O mesmo acontece com os eventos, para além do seu brilho, a escuridão predomina”. Na mesma linha de pensamento e “em outra imagem poética, Braudel, descreve os acontecimentos como perturbações superficiais, espumas de ondas que a maré da história carrega em suas fortes espáduas”. ”Devemos aprender a desconfiar deles”. Para compreender a história é necessário saber mergulhar sob as ondas”. 26 Outro elemento do pensamento de Braudel que será levado a cabo neste trabalho é a sua clássica divisão da economia em três partes ou andares: o primeiro, situado na esfera da produção, é o mais difícil de se avaliar, pois fica no nível do mercado, do consumo de subsistência, a vida material. O segundo é o campo da circulação, da economia, o mais “barulhento”, e por sua vez o mais fácil de ser aprendido. 24 Idem, p. 58. BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva. 2005. p. 96. 26 BURKE, Peter. A escola dos Annales (1929 – 1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997. P. 47 - 48 25 O terceiro é de domínio da economia-mundo, o do capitalismo global que rege as hierarquias entre as nações do mundo. 27 O nome escola dos Annales deriva da fundação da revista Annales d’Histoire Économique et Sociale, por Lucien Febvre e Marc Bloch em 1929. A influência dos Annales foi, sem dúvida, extensa e profunda e contribuiu de forma significativa para uma renovação da historiografia. Recusavam toda forma de história superficial, simplista e factual que não ia além da superfície dos acontecimentos. Propunham uma “históriaproblema” frente a uma “história-relato”. Isso aproximou o trabalho, o ofício, do historiador de outros cientistas sociais no objetivo não de narrar episódios, mas de resolver problemas. Toda hipótese de trabalho estaria ancorada em questões do presente, que seriam solucionadas na incursão do passado. A proposta de uma historiografia aberta a todos os conhecimentos do homem é, definitivamente outra grande contribuição dessa escola, bem como a formulação de uma história total. 28 Finda as discussões propostas a respeito das relações entre a história e o pósmodernismo e as ciências sociais, pedimos desculpas ao leitor por tal “desvio” quanto à definição do tema, mas julgamos necessária essa inflexão para o debate historiográfico, uma vez que a noção de história, e própria noção de história econômica 29 , foram posta em dúvida por alguns ramos da historiografia e do pensamento pós-moderno. Contudo afirmamos ser de fundamental importância percorrer o caminho da história-problema, do diálogo com a teoria, principalmente aquelas que prezem pela visão do social enquanto uma totalidade, e que possibilite uma história com poder explicativo, e como bem observou Arórtegui na sua análise da situação das ciências sociais depois do pósmodernismo: “A ciência social mais seguida e adotada é a que parte sempre da dialética entre sujeitos e estruturas e a que presta atenção à ação e suas condicionantes”. 30 Passemos, então, para o estudo do tema que é objeto desse trabalho. Enquanto a industrialização e a urbanização se desenvolviam a passos largos em alguns países da Europa e nos Estados Unidos da América, na metade do XIX, no Brasil o que se alastrava era a lavoura cafeeira, principalmente no Estado de São Paulo. A lavoura cafeeira, inicialmente estruturada sobre heranças coloniais, aos poucos 27 BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Vol.1, 2 e 3. 28 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru, SP: Edusc, 2006. p.141-149. 29 Ver o capítulo: “História Econômica”, in CARDOSO, Ciro Flamarion. VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, que aponta a derrocada da história econômica e seus possíveis caminhos, principalmente no meio acadêmico nacional. 30 Idem. p. 236. foi mesclando elementos capitalistas, possibilitando grandes acúmulos de capitais nas mãos dos cafeicultores, empresários e comerciantes, dando início a inúmeras transformações nos planos da economia, política e sociedade brasileira em fins do XIX e início do XX. Contudo, apesar da destacada importância da acumulação de capitais no complexo cafeeiro 31 , são raros ainda os estudos que dispensaram maior atenção às formas de financiamento da cafeicultura e das atividades complementares a ela, como pequenas lavouras de subsistência e o comércio local, que estão em amplo desenvolvimento e transformação nessas cidades situadas no roteiro do café 32 , principalmente quando se tornam locais de atração à ferrovia e à imigração estrangeira. Cabe, antes de tudo, uma simples pergunta: de que forma a historiografia econômica tratou ou vem tratando o tema do crédito na cafeicultura e em suas atividades complementares? Se a pergunta parece simples, sua resposta não é. Tentaremos aqui, de forma breve, contemplar uma visão geral do assunto e ainda abordar outros estudos que de certa forma se mostraram fundamentais para a efetuação de tal pesquisa. A historiografia clássica sobre a economia cafeeira parece não ter dado atenção específica às formas de financiamento que possibilitaram a própria formação do capital cafeeiro 33 . A maior parte desta bibliografia sobre o período de 1830 e 1930, em que o café foi o principal sustentáculo da economia de São Paulo 34 , e por sua vez do Brasil, destaca o amplo processo de modernização encetado pelo crescimento econômico decorrente das divisas auferidas pela exportação cafeeira, e ainda acabaram por abordar uma outra vertente específica dessa realidade: a industrialização. Visam compreender em que circunstâncias e momentos se davam às inversões do capital cafeeiro para a atividade industrial. 35 31 Conceito emprestado de CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. Rio de Janeiro: Difel, 1977. 32 MILLIET, Sérgio. Roteiro do café e outros ensaios: contribuição para o estudo da história econômica e social do Brasil. 4.ed. São Paulo: Hucitec, 1982. 33 Conceito emprestado de SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. 7°edição. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. 34 HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo, 1886-1934. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p.22-25. 35 MELLO, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio: Contribuição à revisão crítica da formação e desenvolvimento da economia brasileira. 2 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982; CANO, Wilson. Raízes Contudo, estes estudos tidos como clássicos, apesar de não investigarem mais detalhadamente o crédito na economia cafeeira, não desconsideraram a importância dele para a acumulação de capitais no complexo cafeeiro. De acordo com Prado Junior, o desenvolvimento da lavoura cafeeira foi possível no Brasil, a partir do século XIX e até meados do XX, devido a uma confluência de fatores, tais como: mercado consumidor internacional, disponibilidade de terras de boa qualidade, bom clima, mão de obra abundante, entre outros itens, mas chamou atenção em especial para uma dificuldade dessa lavoura, a da demora de produção dos cafezais, que levam de quatro a cinco anos para começarem a frutificar, e exigem assim maior inversão de capitais para suportar esses anos que não produzem 36 . O exame que Netto realiza a respeito flutuação da economia cafeeira, devido tanto as vicissitudes do mercado nacional e internacional, quanto da própria “característica cíclica” da planta, ressalta as dificuldades sentidas pelos cafeicultores, pois estes são obrigados a investirem numerários considerais nas plantações de café, que irão estar formados somente depois do quarto ano, e ainda neste espaço de tempo correm todo tipo de riscos, principalmente o das instabilidades financeiras. Vale frisar ainda nesta análise, a minúcia dos “ciclos financeiros do café”, onde ele tenta correlacionar os momentos de expansão e crise da cafeicultura, bem como os ajustes governamentais ou de produção para se elevar ou manter as taxas de lucro na atividade cafeeira 37 . Assim, fica evidente a dependência que o cafeicultor tinha do crédito. Um importante agente financiador da cafeicultura, principalmente em sua fase inicial, foi, sem dúvida, o comissário – intermediário entre o fazendeiro e os exportadores. Segundo as observações de Cano, o comissário assumiu, em tempos de escassez monetária, o papel de “banqueiro”, onde arcavam, junto aos fazendeiros, com os gastos necessários até que os cafeeiros começassem a produzir. E ainda, mais do que um financiador, o comissário também assumia um papel conselheiro do fazendeiro, quanto às aplicações dos lucros conseguidos com a venda do café. 38 Dentro dessa mesma óptica, temos a visão de Franco, que ao avaliar o intrincado mundo dos negócios do café, chama a atenção para o como foram acumulados os capitais necessários às primeiras plantações, que em sua abordagem vieram dos da Concentração Industrial em São Paulo. Rio de Janeiro: Difel, 1977; SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. 7°edição. São Paulo: Alfa-Omega, 1986, para citar alguns dentre os trabalhos considerados clássicos. 36 PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense,1969. p.159. 37 NETTO, Antonio Delfin. O Problema do Café no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas; Ministério da Agricultura/SUPLAN, 1979. 38 CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. Rio de Janeiro: Difel, 1977. p.71. negócios de tropas, casas comerciais e trafico de escravos. Mas aponta par uma peculiaridade decorrente do alargamento desses negócios, que possibilitaram até mesmo os donos de terras com parcos recursos obterem somas para “constituir” uma lavoura de café. Esse mesmo mundo de negócios que envolviam os fazendeiros de café fez surgir à figura do comissário, não como simples comprador de café, mas também como “banqueiro”, que facilitava a obtenção de capitais para manter a fazenda em pleno funcionamento. 39 No que se refere aos bancos nacionais como fomentadores de crédito a cafeicultura, somente com “o abandono da política deflacionista, por volta de 1908-1910, e com o advento da primeira guerra mundial, que se dá um maior desenvolvimento dos bancos paulistas: até 1911, eles instalaram 11 agências no Estado” 40 . Cria-se assim, a “necessidade” do aparecimento e o oportunismo de outros agentes para suprir as demandas de crédito no complexo cafeeiro. Um outro estudo recente que demonstrou a importância e a complexidade da atividade creditícia no circuito mercantil do complexo cafeeiro foi o de Teodoro. Em sua obra de história econômica regional, sem perder a ligação com a economia mundo, ressaltou a influência dos agentes locais – capitalistas, comerciantes, negociantes e fazendeiros – no financiamento da cafeicultura e de outras atividades complementares, como os pequenos negócios urbanos e pequenas lavouras, tanto de café como de gêneros alimentícios. Elucidou, também, as hierarquias dentro desses jogos mercantis, favoráveis ao grande capital, mas onde a própria acumulação e dinamização local – inserida no todo – era também capaz de ensejar outras atividades. Seguindo essa linha, podemos perceber que diversas forças conjunturais e estruturais, de âmbitos mais gerais e locais, favoráveis e desfavoráveis atuaram na ampliação do complexo cafeeiro e por sua vez na economia paulista, promovendo a dinamização e a modernização das relações capitalistas. E o crédito, dentro desse contexto, é um fator fundamental nesse espaço-tempo para a acumulação de capitais. Vale ressaltar que no campo da história econômica, vem se destacando o estudo das dívidas hipotecárias, dos contratos de trabalho e das escrituras de compra e venda – fontes que, em maior ou menor grau, serão privilegiadas nessa pesquisa –, na tentativa de observar mais de perto a dinâmica da acumulação dentro do complexo cafeeiro 39 FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. 4 ed. São Paulo: Fundação Editora da UNESP,1997. 40 CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. Rio de Janeiro: Difel, 1977. p.74. capitalista, pois estas abrem diversas possibilidades de se examinar a produção em estreita relação com a conjuntura econômica. E também, essas fontes, devidamente interrogadas, dão espaço para que se esclareçam as formas de financiamento que “ajudavam” no estabelecimento e na produção das grandes, das médias e das pequenas lavouras de café – tipos de propriedades que estiveram, muitas vezes “correlatas” na estrutura fundiária do complexo cafeeiro. 41 O artigo conjunto de Tosi, Faleiors e Teodoro foi crucial para o desenvolvimento desta pesquisa. O artigo é intitulado: Fragmentos de um modelo: pequenas lavouras de café e acumulação de capitais. Franca/ São Paulo (1890-1914). Este artigo é fruto de recentes e sistemáticas pesquisas em fontes históricas pouco trabalhadas, como: contratos de trabalho e dívidas hipotecárias. Eles se debruçam sobre o complexo cafeeiro para fornecerem um quadro explicativo, onde a dinâmica econômica envolve a pequena lavoura cafeeira e o crédito que a financia, bem como avaliam o papel e a importância das relações de trabalho e dos contratos de trabalho nos períodos de crise do café, conseguindo elucidar assim, através da redução dos custos da produção e acesso ao crédito o aumento dos cafezais em Franca na crise de 1898-1905. 42 Este artigo busca ainda apresentar uma outra visão da cafeicultura paulista enfocando principalmente a originalidade da pequena lavoura cafeeira para suplantar os períodos de retração dos preços internacionais, contrária a dos “grandes clássicos”, que foi tratada somente como campo privilegiado das grandes e ricas fazendas produtoras de café 43 . Cabe ainda fazer uma observação. Como as relações de produção ultrapassam o caráter eminentemente econômico, fez-se necessário compreender de forma lúcida alguns mecanismos sociais que regiam, e ainda regem, a sociedade brasileira. E ainda como os trabalhos analisados acima demonstram uma forte ligação entre o crédito e os arranjos familiares, faz-se necessário o entendimento das relações familiares e de poder. Samara, tem estudos recentes sobre as relações entre as famílias fundadas pelo “ideal” patriarcal, os ditos “homens bons”, e estruturação do poder local. Ela demonstra que o jogo de poder de determinadas famílias e determinadas idéias elitistas de sociedade 41 TOSI, Pedro Geraldo; FALEIROS, Rogério Naques; TEODORO, Rodrigo da Silva. Fragmentos de um modelo: pequenas lavouras de café e acumulação de capitais. Franca/ São Paulo, 1890-1914. In: História. São Paulo, v.24, n.2, p.291-327, 2005. 42 Idem. 43 Como exemplo ver: CANABRAVA, Alice P. A grande lavoura. In. HOLANDA, Sergio Buarque (coord.). História Geral da Civilização Brasileira. 6.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p.103-163. acabam por pesar na formação e manutenção do poder local, influenciando assim, todas as esferas de relações entre os homens. 44 A região selecionada para o estudo tinha que abarcar uma região profundamente marcada pelas transformações da cafeicultura, por isso escolhemos o Estado de São Paulo, e mais especificamente a região do município de Santa Cruz das Palmeiras 45 , no interior desse Estado, no chamado “Oeste paulista” – pois um estudo de “todo” Estado torna-se irrivalizável para as proporções desse trabalho – que esteve ligada a esse processo complexo de transformações e modernização provocadas pelo avanço da cafeicultura e do capitalismo na economia mundo. O recorte espacial de nossa pesquisa se justifica principalmente por ser essa localidade um importante centro da cultura cafeeira a partir do segundo quartel do século XIX e início do XX, e desta maneira oferece ao historiador a possibilidade de se compreender melhor a lógica de acumulação de capitais nos quadros do capitalismo tardio. A cidade de Palmeiras tem como data de fundação 1876, mas como veremos, é por volta de 1860 que se iniciam a instalação das primeiras fazendas cafeeiras, e é na década de 1890 que sua economia adquire “tons” capitalistas. Quanto ao período histórico à que nos debruçaremos (1892-1914) é aquele marcado, em escala internacional, pelo vigoroso crescimento do capitalismo, e em escala nacional pelos desdobramentos do capitalismo tardio e pela expansão da cafeicultura pelo “oeste paulista”, atingindo a região de Palmeiras por volta de 1860. A produção cafeeira neste município, por volta da década de 1860, era ainda incipiente, se elevando em meados de 1886 e tendo seu apogeu na década de 1920, para daí em diante declinar até quase desaparecer 46 . 44 SAMARA, Eni de Mesquita. Família, mulheres e povoamento: São Paulo, século XVII-XVIII. Bauru: Edusc, 2003. 45 A partir de agora, quando nos referirmos ao município de Santa Cruz das Palmeiras diremos somente Palmeiras. O Município de Santa Cruz das Palmeiras está localizado na Bacia do Rio Mogi-Guaçu, situandose na mesopotâmia Pardo-Mogi-Guaçu, a 30Km da Rodovia Anhanguera, à nordeste do Estado e distante 201 Km da capital paulista. Latitude: S.21º49’36” ; Longitude: Wgr.47º15’03” .Tem uma área de 312 Km², com altitude 644m. Sua temperatura média máxima é de aproximadamente 32°C, média mínima 12°C, sendo sua temperatura compensada em torno de 19,6°C. De clima subtropical, sua topografia é plana com suaves ondulações e amplos vales pluviais, com solo tipo latossolo roxo. ( http://www.scpalmeiras.sp.gov.br/caracteristicas.htm) 46 MILLIET, Sérgio. Roteiro do café e outros ensaios: contribuição para o estudo da história econômica e social do Brasil. 4.ed. São Paulo: Hucitec, 1982. p.20. Sabemos que foi entre o período de 1889 e 1933 que houve uma maior dinamização e modernização da economia brasileira 47 . Será então, entre esses momentos que nos ateremos. Contudo, como o principal objetivo da análise é explicar as formas de financiamento da cafeicultura e seus desdobramentos, em momentos de expansão e crise de preço, nos limitaremos ao ano de 1914, pois julgamos que até esse momento será possível perceber a dinâmica dessa economia principalmente na fase de piores preços que foi entre 1898 e o Convênio de Taubaté em 1906, e ainda, a partir de 1914 com o impacto da 1° Guerra Mundial, há profundas mudanças nos padrões da economia nacional e mundial que não cabe a esse trabalho avaliar. É nessa faixa temporal que veremos como se procederam as formas de financiamento dentro da dinâmica da economia cafeeira paulista. Contudo, se nossa data “limite” será 1914, cabe fazer uma ressalva quanto à data inicial. Então, para melhor balizarmos as teorias econômicas que darão suporte a essa pesquisa – aquelas que tentam explicar o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a acumulação do capital cafeeiro no complexo cafeeiro e seu vazamento para outras áreas, principalmente à industrialização 48 - e nosso recorte temporal, fez-se necessário adotarmos a data “inicial” de 1892, pois é em de 1892 que ocorre a chegada dos trilhos da Paulista em Palmeiras, integrando-a decisivamente ao complexo cafeeiro – a Mogiana já havia atingido o município em 1881. Contudo, isso não quer dizer que não faremos recuos a 1892 quando esses forem necessários. Ainda é quanto às fontes de pesquisa que ajustamos nossa periodização, uma vez que elas se tornam mais “significativas” a partir do início da década de 1890. Este estudo tem, portanto, como principal propósito analisar as formas de financiamento da cafeicultura – e das demais atividades complementares a ela – no município de Palmeiras entre o período de 1892 e 1914, e tentar compreender como a lavoura cafeeira se expandiu mesmo com a falta de instrumentos de crédito apropriados?. Não faremos o estudo da região pela região, mas sim tentaremos entender e explicar uma faceta fundamental da história de São Paulo, que é a acumulação de capitais em sua “periferia”. Como vimos é fato que houve grande acumulação de capitais no complexo cafeeiro paulista nesse período, e esse capital cafeeiro, como também 47 MELLO, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio: Contribuição à revisão crítica da formação e desenvolvimento da economia brasileira. 2 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. 48 MELLO, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio: Contribuição à revisão crítica da formação e desenvolvimento da economia brasileira. 2 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982; CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. Rio de Janeiro: Difel, 1977; SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. 7°edição. São Paulo: Alfa-Omega, 1986, para citar alguns dentre os trabalhos considerados clássicos. sustentam as exposições feitas acima, foi à base da modernização e industrialização de São Paulo. Porém, carecem os estudos que dêem uma visão mais nítida das formas de financiamento das atividades do complexo cafeeiro, geradoras do próprio capital cafeeiro. A problemática central reside na tentativa de se responder ao como e por que Palmeiras – cidade ligada ao complexo cafeeiro pelas ferrovias Paulista e Mogiana – chegou a contar com 8.000.000 de pés de café em 1906, tornando-se o segundo maior produtor de café do Estado 49 , em um período de crise na cafeicultura? Uma das possíveis hipóteses para tal fato estaria nas formas de financiamento dessa localidade Como era articulado o crédito "ali"?. Tendo em vista que é nas fontes que o historiador se reconhece como tal, esta pesquisa terá como principal fonte de análise documental as fontes cartoriais, principalmente dívidas hipotecárias e penhores agrícolas. E quando necessário uma verticalização recorremos a outras fontes como: inventários e divisão de fazendas. Estes materiais estão em poder do Museu Histórico-Pedagógico Alfredo e Afonso de Taunay em Casa Branca. Para entendermos melhor essa realidade buscamos investigar e quantificar os livros cartoriais da cidade de Palmeiras, principalmente os que dizem respeito ao penhor agrícola e as hipotecas. Essas fontes contêm importantes dados, pois apresentam: a data que foi efetivada a hipoteca ou penhor, o valor da transação, o nome, a profissão e a residência tanto de credores quanto dos devedores, o prazo para quitação, o imóvel ou bem hipotecado ou penhorado descritos às vezes com minúcia. Possuímos para o período analisado (1892-1914), 287 inscrições de hipoteca presentes em dois livros cartoriais denominados Livro de Inscripção Especial, sob o número 2 e 2A; e 59 contratos de penhores agrícolas, presentes no Livro de transcripção de penhor agrícola, sob número 5. Todos esses documentos se encontram no Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Santa Cruz das Palmeiras. Outra importante fonte documental foi o Almanach de Santa Cruz das Palmeiras, para os anos de 1905 e 1906, que consta com uma vasta gama de informações sobre os aspectos econômicos, culturais, políticos e sociais da cidade, contribuindo assim para um melhor entendimento de características particulares dessa povoação. 50 49 MENDES, Luiz Affonso. Santa Cruz das Palmeiras: de 1765 à Revolução Constitucionalista de 1932. Santa Cruz das Palmeiras, SP: Editora A Cidade, 2000. p.105. 50 SIMONI, João De. Almanach Illustrado de Santa Cruz das Palmeiras: 1905-1906. Santa Cruz das Palmeiras: Typ. do Correio Palmeirense, 1906. Utilizaremos também vasto estudo bibliográfico referente ao assunto em questão, na tentativa de avaliar o que já foi escrito, fundamentar a pesquisa e contribuir para o avanço das pesquisas na área da história econômica e regional. Desenvolvemos nossa análise histórica privilegiando sub-períodos de expansão e crise da cafeicultura, decorrentes dos movimentos da economia mundial, e também marcados pelas políticas monetárias nacionais. Como forma de esboçar um painel mais abrangente e capaz de melhor situar cada agente social na cadeia do crédito, os dividiremos por ocupação e em alguns casos proporemos um estudo mais verticalizado de alguns personagens. Ainda assim, como o leitor mais atento já deve ter percebido, outro importante ponto de contato com a teoria econômica se dá quanto à utilização das interpretações que visam analisar a industrialização da América Latina sob a ótica do “capitalismo tardio”, onde o desenvolvimento do capitalismo seria derivado primeiramente por fatores internos e secundariamente por fatores externos. 51 Dentro dessa interpretação utilizaremos principalmente os estudos dos economistas João Manuel Cardoso de Mello, Wilson Cano e Sérgio Silva, que apesar do viés econômico não perderam a perspectiva histórica. Quanto às técnicas recorremos às quantitativas e qualitativas, pois tendo em vista o objeto de estudo pesquisado, ambas técnicas se complementam. Os dados quantificados deram origem a estatísticas e gráficos (gerados no Microsoft Excel), passíveis de serem analisados, em seus âmbitos econômicos e sociais. Desta maneira, esse trabalho torna-se relevante, na medida que pode trazer novas contribuições à compreensão das realidades da acumulação e do desenvolvimento do capitalismo na América do Sul, problema atinente à economia cafeeira, dentro do âmbito da História Econômica e Regional, e ainda buscamos aprofundar o estudo de fontes históricas – livros cartoriais onde constam contratos de trabalho e dívidas hipotecárias ainda pouco sistematizadas pela História Econômica, principalmente para dar novas luzes e contribuições aos estudos relativos à complexa trama do passado de regiões marcadas pela expansão da cafeicultura. Outro ponto de importância da pesquisa é corroborar uma perspectiva econômica mais dinâmica e documentalmente menos “estática” que as baseadas somente nos 51 SUZIGAN, Wilson. Indústria Brasileira: Origens e desenvolvimento. São Paulo: Hucitec/ Editora da Unicamp, 2000. p.35. 52 TOSI, Pedro Geraldo; FALEIROS, Rogério Naques; TEODORO, Rodrigo da Silva. Fragmentos de um modelo: pequenas lavouras de café e acumulação de capitais. Franca/ São Paulo, 1890-1914. In: História. São Paulo, v.24, n.2, p.291-327, 2005. inventários post-morten. 52 Vale ainda justificar mais um ponto de relevância para o trabalho: o trato de fontes históricas inéditas, arquivadas no Museu Histórico-Pedagógico Alfredo e Afonso de Taunay de Casa Branca, no Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Santa Cruz das Palmeiras e na Fazenda Aurora. O trabalho que segue está dividido em três capítulos. O primeiro, intitulado “Palmeiras: lócus da grande lavoura cafeeira”, busca traçar um retrospecto da região, de forma a delinear o desenvolvimento histórico do município, bem como apresentar as principais fazendas e os principais agentes sociais que compunham a sociabilidade nos primeiros tempos da cidade. O segundo capítulo, intitulado "As teias da modernização: as ferrovias, Palmeiras e a órbita do complexo cafeeiro", atenta para um painel fundamental à acumulação dentro do complexo cafeeiro: a chegada da ferrovia e seu impacto na economia e na sociedade que permeia. Esboçamos as linhas gerais do processo de inserção da região no complexo cafeeiro e a capitalização da economia local, bem como seus desdobramentos para a produção cafeeira e dinamização das atividades complementares ao café. O terceiro capítulo, denominado “Crédito e cafeicultura: dinâmicas mutuamente associadas”, apresenta de forma mais detalhada o tema ao qual a pesquisa se debruçou: o crédito no complexo cafeeiro. Busca analisar as formas e os agentes envolvidos nessa atividade em Palmeiras, e como se davam essas negociações e suas implicâncias para a economia cafeeira e demais atividades complementares. Quem eram os agentes do crédito? Quais atividades eram mais lucrativas? Quais as taxas de juros e prazos praticados? Nos momentos de crise da economia cafeeira como eram as condições da atividade creditícia? Essas são algumas das questões que nos propomos a responder neste capítulo. Capítulo I Palmeiras: lócus da grande lavoura cafeeira Como chamou a atenção Perissinotto, todo trabalho que se voltar ao estudo da economia cafeeira paulista no período compreendido por esta pesquisa corre o riso de se tornar redundante e sem originalidade devido ao grande número de obras que abordam tal assunto 53 . Para fugir de tal armadilha, pouco nos ateremos nas linhas gerais do desenvolvimento histórico do café no Brasil e em São Paulo, pois esse não é o foco principal do nosso trabalho, e como dito, já existe numerosa bibliografia sobre o assunto 54 . Faremos assim, uma mediação rápida entre esses estudos existentes e as características locais da produção cafeeira de Palmeiras. O que pretendemos aqui é situar o leitor quanto ao desenvolvimento histórico do município de Palmeiras, destacando essencialmente como foi estruturada a cafeicultura nesta localidade, bem como suas balizas temporais e os atores que participaram de tais desdobramentos, uma vez que, em nossa visão, a própria cidade “nasceu” em decorrência da expansão dos cafezais e dos imigrantes que chegavam para fornecer os braços para o café. O café permaneceu como um dos principais produtos da pauta de exportações brasileiras entre os séculos XIX e XX. Mesmo tendo amplas variações na porcentagem produzida ao longo desses anos, o café foi o “sustentáculo” da economia nacional de 1840 a 1960 (ver Tabela 1). A princípio, no início do XIX, a produção cafeeira de maiores proporções se deu no Vale do Paraíba, onde ali deixou de ser cultivado em escala de subsistência e atingiu escala comercial, devido à generalização do consumo nos grandes centros internacionais. Com a escassez do solo na região do Vale do Paraíba, a abundância de terras virgens e a característica nômade própria da cafeicultura, houve a necessidade de se buscar novas áreas de cultivo. É por volta da segunda metade do 53 PERISSINOTTO, Renato Monseff. Estado e capital cafeeiro em São Paulo: 1889-1930. Campinas, SP: UNICAMP,1999. p.59. 54 Para uma visão geral da cafeicultura em São Paulo ver, dentre outros: HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo, 1886-1934. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. LAPA, José Roberto do Amaral. A economia cafeeira. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1996. MILLIET, Sérgio. Roteiro do café e outros ensaios: contribuição para o estudo da história econômica e social do Brasil. 4.ed. São Paulo: Hucitec, 1982. CANABRAVA, Alice P. A grande lavoura. In. HOLANDA, Sergio Buarque (coord.). História Geral da Civilização Brasileira. 6.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p.103-163. século XIX que a marcha do café irá se dirigir rumo as terras roxas do denominado “oeste paulista”. 55 Tabela 1 – Porcentagem do café na exportação nacional. Retirado de: LAPA, José Roberto do Amaral. A economia cafeeira. 6 ed. São Paulo: Brasiliense, 1996. p.14. A denominação “oeste paulista”, que está consolidada na bibliografia sobre o tema, e será utilizada aqui, merece algumas considerações, afim de melhor situá-la. Segundo Holloway: “Se a linha corresse do norte para o sul, tal nomenclatura estaria de acordo com os verdadeiros pontos cardeais. A costa de São Paulo, no entanto, corre de nordeste para sudoeste, e assim o planalto que estende num ângulo reto para o litoral fica na realidade mais ao norte que a oeste da capital”. 56 O município de Palmeiras se encontra encravado na linha de expansão da cafeicultura rumo ao “oeste paulista”, que atinge a região por volta de 1860. Em um relatório da Cia. Paulista de 1876 , assim é descrita a região: 55 CANABRAVA, Alice P. A grande lavoura. In. HOLANDA, Sergio Buarque (coord.). História Geral da Civilização Brasileira. 6.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p.103-163. 56 HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo, 1886-1934. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p.31. “Qualidade das terras – os terrenos que se estendem entre o Mogy-Guassú e o Pardo constituindo os municípios de Santa Rita, São Simão e Ribeirão Preto, são em quase sua totalidade terra roxa de excellente qualidade para café. Não nos referimos, porém senão a zona que percorremos neste reconecimento sem falar em Santa Rita, por serem inteiramente livres das mais fortes geadas. Especializaremos a parte do Ribeirão Preto que vai das cabeceiras do ribeirão da Onça pela cordilheira do Cascavel até a confluência desse ribeirão com o Mogy-Guassú, e dahi, Mogy acima, até Avassununga. É verdadeiramente deslumbrante esta parte da Província. A terra roxa é à base de toda essa formação orographica. As matas indicam a maior fertilidade conhecida nesta Província pela abundancia do jaracatiá, do pau d’alho, da jangada brava, da ortiga e de 57 outros indicadores infalliveis”. Um ponto fundamental da expansão cafeeira para essa região de São Paulo – lembrando sempre da escassez do solo da região fluminense e de problemas peculiares à cafeicultura dessa “primeira” frente pioneira, como a falta de trabalho escravo e o baixo nível técnico empregado na produção - se encontra nos artigos de Luis Pereira Barreto publicados na imprensa fluminense, exaltando a qualidade da terra roxa para a plantação do café e sua abundância no “oeste paulista”, promovendo assim uma considerável migração dos capitais da decadente região do Vale do Paraíba para essa nova área. 58 O território onde se daria a instalação da cidade de Palmeiras (ver área destacada em vermelho no Mapa 1) aparece assim, por volta das décadas de 1860 e 1870, como uma frente pioneira atraindo tanto fazendeiros ávidos por novas plantações de café como os imigrantes europeus dispostos a trabalhar e ansiosos para ascenderem à condição de proprietários. Assim, dentro do recorte temporal que efetuamos, entre 1890 e 1914, para analisarmos o papel do crédito na cafeicultura no complexo cafeeiro capitalista, objetivamos nos desviar de duas possíveis problemáticas que poderiam interferir nas relações creditícia. Nos referimos ao caráter de “frente pioneira” ou de “área decadente”. No período destacado, entre 1890 e 1914, Palmeiras não se enquadra em nenhuma dessas condições, não é nenhuma “frente pioneira”, o que poderia facilitar e disponibilizar mais crédito, e nem decadente, o que poderia rarear e dificultar o crédito. Enfim, essa é 57 Villas e Povoações, J.S. de Castro Barboza, Relatório da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, apoud GIESBRECHT, Ralph Mennucci. Caminhos para Santa Veridiana: as ferrovias em Santa Cruz das Palmeiras. Santa Cruz das Palmeiras: A Cidade, 2003. p.10. MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4 ed. Campinas, SP: Pontes, 1990. p.97. 58 uma região que oferece condições propícias para este tipo de estudo, e ali poderemos estudar o crédito na cafeicultura de forma mais nítida. Mapa 1 – São Paulo: aspectos físicos, principais cidades e rede ferroviária (1930). Destaque para a região de Palmeiras. Adaptado de: HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo, 1886-1934. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p.35. Feita esta primeira apreciação de alguns aspectos gerais atinentes à economia cafeeira, podemos nos voltar mais incisivamente para a própria história de Palmeiras. Alguns fatos que saltam aos olhos quando o assunto diz respeito à “história” de Palmeiras. Aquilo que se tem escrito compreende, por um lado, explicações simplistas que até ao momento tenderam as visões a um reducionismo mesquinho e, por outro lado, remetem a ingênua esperança de que é possível escrever a “história definitiva” dessa sociedade. Há ainda as deturpadas narrativas ligadas a feitos heróicos, fatos sem nexos e subjetivos e até mesmo fictícios, que um dia lançaram mão os que se aventuraram por esses caminhos, salvos raras exceções. 59 Um agravante para tal quadro é, sem dúvida alguma, a falta de fontes primárias para estruturar e ancorar as interpretações dos historiadores de Palmeiras – e a desorganização daquelas poucas que ainda existem. Essa foi uma das principais barreiras superadas por essa pesquisa, que de certa forma, conseguiu trazer á tona e ao conhecimento da sociedade muitas fontes inéditas. Os problemas decorrentes da carência de fontes documentais podem, de forma drástica, inviabilizar a pesquisa, uma vez que é nas fontes e nos documento que o historiador se reconhece como tal e ancora sua análise. Sem seu principal combustível, o documento, o historiador tende a ficar no meio do caminho, contribuindo de certa forma, para a amnésia social. Portanto, faz-se necessário o aprofundamento da história dessa localidade, o que irá contribuir de forma singular para o enriquecimento da história de São Paulo, uma vez que esse município foi importante centro produtor de café no passado e reduto de famílias importantes da elite paulista, ou como Perissinotto as denominou, como sendo as de “tipo ideal” do capital cafeeiro 60 - só para mencionarmos algumas famílias da “elite paulista” possuidoras de terras em Palmeiras: Silva Prado, Leite Penteado, Monteiro de Barros, Paes de Barro, Queiros Telles, Queiros Ferreira, Nogueira de Carvalho, Leão Velloso – , na medida que pode contribuir também para a memória local, pois sem memória coletiva dificilmente haverá cidadania plena. Vale deixar claro que não estamos fazendo a “supra” história de Palmeiras, vamos sim com objetividade tentar renovar e desenvolver, como muitos, algumas visões tradicionais dentro da bibliografia geral sobre o tema, e já enraizadas na memória de parte da população, e as indagações propostas são “uma” possibilidade de abordar o assunto e não a única, nem mesmo a “infalível”. Do ponto de vista histórico o engano mais grave relativo a “origem” de Palmeiras é quanto ao mito fundador Manoel Valério do Sacramento. Lógico que esse personagem não tem nenhuma “culpa”, e sim aqueles interpretadores que o “fizeram parecer assim”, 59 As obras históricas sobre Palmeiras que julgamos relevantes para nossa pesquisa, mesmo sendo de caráter memorialista, são: GIESBRECHT, Ralph Mennucci. Caminhos para Santa Veridiana: as ferrovias em Santa Cruz das Palmeiras. Santa Cruz das Palmeiras: A Cidade, 2003. MENDES, Luiz Affonso. Santa Cruz das Palmeiras: de 1765 à Revolução Constitucionalista de 1932. Santa Cruz das Palmeiras, SP: Editora A Cidade, 2000. 60 PERISSINOTTO, Renato Monseff. Estado e capital cafeeiro em São Paulo: 1889-1930. Campinas, SP: UNICAMP,1999. p.89. como portador de um poder supremo capaz de, ao seu comando, fazer surgir uma cidade do meio do nada. O erro está contido não na resposta, que conduziu os olhares para figura de Manoel Valério do Sacramento, mas sim na pergunta, que foi elaborada tentando achar um fundador para a cidade. A questão parece ter sido encarada e colocada dessa maneira: Quem foi o fundador de Palmeiras? Neste trabalho tentaremos refazer a pergunta de outra forma: É possível, através da vontade única e exclusiva de um homem, gerar uma cidade em pleno sertão paulista do século XIX? Humanamente (quase) impossível, a não ser em raros casos onde o sujeito histórico é portador de enormes fortunas. E esse não é o caso de Manoel Valério do Sacramento, como pode ser visto na Tabela 2 (referente à lista de votantes da região de Casa Branca, onde Palmeiras era denominada Bairro do Serrado), possuía uma renda de 500$000, figurando bem abaixo de outros atores locais, como Baptista Nogueira de Carvalho, proprietário da Fazenda Santa Iria, com renda de 10:000$000; Francisco Benedicto Ferreira, proprietário da Fazenda Santa Escolástica, com renda de 10:000$000 e Ignácio Gabriel Monteiro de Barros, proprietário da Fazenda Santa Eugenia, com renda de 12:000$000 – essa é a maior renda da região administrativa de Casa Branca. Manoel Valério do Sacramento estaria não mais no centro das coisas, e nem por isso menos importante, mas agora encarado como mais um sujeito histórico dentre outros que se arriscaram nesses rincões paulistas, e também influenciados por “estruturas e condicionantes maiores”. Frisando que o homem faz história, mas a história também os faz. O problema colocado dessa forma amplia o leque de possibilidades de objetivarmos respostas inovadoras e coerentes para a “a origem” da cidade. Seguindo esse rumo, a pergunta que exige atenção é a seguinte: quais elementos condicionaram o povoamento que resultou nesta cidade? De forma breve tentaremos dar conta de alguns desses aspectos, tentando desde já salientar que foram vários os condicionantes dessa ação. O passo inicial é remontarmos até Casa Branca, e entender um pouco de sua história, uma vez que esse município é o mais antigo da nossa região e é dele que Palmeiras se desmembra em 1885 61 . 61 Santa Cruz das Palmeiras elevada a: Freguesia, pela Lei n° 146 de 10 de Agosto de 1881; Município, pela Lei n° 48 de 20 de Março de 1885; Installação, 13 de Maio de 1886. In: SIMONI, João De. Almanach Illustrado de Santa Cruz das Palmeiras: 1905-1906. Santa Cruz das Palmeiras: Typ. do Correio Palmeirense, 1906. p.73. Tabela 2 - Votantes da Paróquia de Casa Branca - Quarteirão do Serrado -1876. Renda Nome Idade Profissão Domicílio (em réis) Antonio Valério do Sacramento 40 lavrador Santa Cruz 500$000 Antonio de Queiros Ferreira 22 administrador Sta Escolastica 300$000 Antonio Carlos de Arantes 25 lavrador Barreiro 500$000 Albino Antonio de Almeida 64 lavrador Sant'Anna 200$000 Adriano Moreira da Silva 40 lavrador S.Vicente 600$000 Baptista Nogueira de Carvalho 44 lavrador Sta. Iria 10:000$000 Francisco Benedicto Ferreira 60 lavrador Sta. Escolastica 10:000$000 Francisco Vieira Gonçalves 37 lavrador Prata 500$000 Francisco Cezario de Souza 37 lavrador Serrado 200$000 Francisco Carlos de Arantes 44 lavrador Barreiro 1:000$000 Francisco Arantes de Moura 30 lavrador Morro Alto 1:000$000 Francisco Ferreira de Araujo 25 lavrador Morro Alto 1:000$000 Felisbino da Costa e Oliveira 47 lavrador Serrado 200$000 Gedeão Rodrigues de Oliveira 64 lavrador Barreiro 500$000 Joaquim Pereira da Silva 54 lavrador Serrado 200$000 José Julio de Araujo Macedo 43 lavrador Boa Vista 8:000$000 Joaquim Barrozo da Silva 55 lavrador Serrado 200$000 José Carlos de Arantes 30 lavrador Morro Alto 1:000$000 José de Magalhães Passos 40 lavrador Palmeiras 1:000$000 José Alves de Moraes 37 lavrador Sertãozinho 200$000 José Franco 37 lavrador Sertãozinho 200$000 José Roque 42 lavrador Sertãozinho 200$000 José Frazão 37 lavrador Sertãozinho 200$000 José Barrozo da Silva 37 lavrador Sertãozinho 200$000 José Fernandes de Aguiar 37 lavrador Sertãozinho 200$000 José Joaquim Barbello 36 lavrador Sertãozinho 200$000 João Carlos de Arantes 58 lavrador Morro Alto 6:000$000 João Carlos de Arantes Junior 29 negociante Morro Alto 2:000$000 João Carlos Penteado 31 lavrador Aurora 10:000$000 João Vieira da Costa 32 lavrador Serrado 600$000 Ignácio Gabriel Monteiro de Barros 34 lavrador Sta. Eugenia 12:000$000 Ignácio Gomes de Moraes 37 lavrador Serrado 200$000 Justino Rodrigues de Oliveira 34 lavrador Serrado 200$000 Jesuino Fransisco de Oliveira 51 lavrador Serrado 200$000 Inocencio Antonio de Almeida 38 lavrador Serrado 200$000 Izac Dias de Mouza 36 lavrador Palmeiras 500$000 Manoel Pires da Silva 52 lavrador Palmeiras 200$000 Manoel Luis Pires 35 lavrador Palmeiras 200$000 Manoel Valério do Sacramento 64 lavrador Santa Cruz 500$000 Miguel Dias de Moura 65 lavrador Lagoão 600$000 Narcizo Vieira Gonçalves 64 lavrador Tijuco Preto 200$000 Fonte: Museu Histórico-Pedagógico Alfredo e Afonso de Taunay de Casa Branca. A região selecionada para o estudo, localizada a 20Km da cidade de Casa Branca, no interior de São Paulo, esteve ligada a um amplo e complexo processo de transformação e modernização, assunto que retomaremos depois, provocado, em escala mundial, pelo avanço do capitalismo, no âmbito da denominada Segunda Revolução Industrial, e se refletindo aqui nos moldes de um capitalismo tardio mesclando racionalidade com aspectos tipicamente nacionais como o coronelismo e o patriarcalismo. Antes do estabelecimento da cafeicultura na região, em meados de 1860, e da chegada dos trilhos da Mogiana em 1878, fato que explicita sua ligação com o complexo cafeeiro, a formação de Casa Branca guardava intimas relações com três momentos relevantes da história de São Paulo. O primeiro esteve ligado às bandeiras paulistas, que entre os séculos XVII e XVIII rumavam para o sertão, via estrada do Anhanguera ou caminho de Goiás, para o sertão em busca de índios e riquezas minerais. Esse acréscimo populacional se intensificou ainda mais com a descoberta de ouro e pedras preciosas nas regiões de Goiás e Minas Gerais, pois a partir de então o tráfego de viajantes e tropeiros tornou-se mais volumoso. Casa Branca era um importante pouso da mencionada estrada do Anhanguera, que ligava grosso modo a cidade de São Paulo ao sertão de Goiás – passando pelo o que é hoje as cidades de Jundiaí, Campinas, Mogi-Mirim, Casa Branca, Tambaú, Cajuru, Batatais e Franca. 62 Esse processo histórico com seus ritmos e fluxos particulares foram de extrema importância para a formação, configuração e desenvolvimento inicial da cidade de Casa Branca. Segundo Matos, esse caminho que ligava, grosso modo, a cidade de São Paulo a Franca, entre os sete mais antigos da Província , é o mais extenso com cerca de 500 km. 63 Esse era portanto um das principais rotas de comércio da Província, e seu posterior desdobramento, onde ainda de forma hipotética, do qual Palmeiras teria sua incipiente gênese em função da instalação de um pouso para tropeiros, seria derivado da ampliação das atividades econômicas da “outra” margem do Rio Mogi-Guaçu, em busca de uma ligação com a estrada do Anhanguera, possibilitando a abertura de um “novo” caminho para “ligar” as regiões de São Carlos e Descalvado a essa estrada. Pouso esse, portanto, que serviu de pólo ao ainda incipiente povoamento da região. 62 BRIOSCHI, L. R. Caminhos do ouro. In: BACELLAR, C. A. P. & BRIOSCHI, L R. (org.) Na Estrada do Anhanguera. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 1999, p. 35-54. 63 MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4 ed. Campinas, SP: Pontes, 1990. p.40. Mapa 2 – Estrada do Anhanguera. BRIOSCHI, L. R. Caminhos do ouro. In: BACELLAR, C. A. P. & BRIOSCHI, L R. (org.) Na Estrada do Anhanguera. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 1999. p.45 O segundo foi a aquele promovido pelos entrantes mineiros no início do século XIX. Após o “declínio” da mineração, esses entrantes vindos de Minas Gerais buscam reinvestir seus capitais e promovem o deslocamento para novas áreas, com o intuito de povoar e reproduzir um modelo de economia baseado na agricultura de abastecimento e na pecuária. A região de Casa Branca situada entre o Rio Pardo e Mogi-Guaçu e nas franjas da serra da Mantiqueira recebe inúmeras dessas famílias de origem mineira ou paulistas que estão retornando. 64 Dentro dessa realidade histórica, Casa Branca passa a participar de uma teia de relações que promovem sua economia e sociedade para níveis espaciais mais amplos. O terceiro, com relação mais íntima a questão de Manoel Valério do Sacramento, marca a fundação da freguesia de Casa Branca em 1814, e guarda significativa peculiaridade. Peculiaridade essa que foi analisada pela historiadora Amélia Trevisan: “... Casa Branca teve fundação peculiar, toda própria, fugindo ao esquema geral de capela, patrimônio e depois freguesia. A freguesia foi criada por resolução e alvará régios, em local determinado unicamente por ser o centro da região, com vista à agricultura e povoamento; tanto assim que foram ali planejadas e construídas casas e capela para o governo alojar um grupo de imigrantes açorianos destinados a agricultura. Formou-se, assim, Casa Branca, a povoação dos ilhéus”. 65 Podemos concluir, que mais do que um pouso, a importância da fundação de Casa Branca esteve ligada às pretensões da corte de D. João VI em promover o povoamento do interior, ao longo da estrada do Anhanguera, desenvolver a lavoura e fortalecer os limites territoriais frente à América Espanhola. Em 1814, a região já contava com 166 “fogos” e cerca de 900 habitantes, entre livres e escravos. No final desse ano, o Conde de Palma, governador da Capitania de São Paulo, estabelece terras nessa região para cerca de 20 famílias de açorianos, que chegariam em 1815. Segundo Trevisan, esses açorianos requereram uma sesmaria junto ao governo, que acabou atendendo a esse desejo, pois também tinha intenções de povoar a região. 66 64 LAGES, J. A. Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro. Ribeirão Preto: VGA, 1996. p.5-14. TREVISAN, Amélia. F. Casa Branca, a povoação dos ilhéus. Tese de mestrado, FFLCH da USP, São Paulo,1979. p.41. 65 66 Idem. p. 42-60. Vejamos alguns trechos da carta de doação da Sesmaria do Ribeirão Claro, anexada ao trabalho de Trevisan, que lançam luzes às indagações propostas: Sesmaria do Ribeirão Claro concedida aos vinte casais de Ilhéus: Antonio de Souza Pacheco, Manoel Lourenço, João Lourenço Borba, Manoel Correia, Manoel Antonio, José Valério do Sacramento (...), como representantes das vinte famílias de Ilhéos que em data de 3 de dezembro de 1814, foram remetidos (...), para serem estabelecidos nesta capitania, que tendo-se levantado a sua povoação na nova freguesia de Casa Branca, termo da Vila de Mogy-Mirim, nas cabeceiras do Ribeirão Claro, por detrás das serras, e por isso em conformidade da real promessa de S.A., com uma légua de testada e duas de fundo rumo do mencionado ribeirão (...) principiando a medição onde terminam as terras cultivadas do último morador que ali existir, compreendendo a esta sesmaria todas as matas virgens, campestres e vertentes que se encontrarem no mesmo lugar (...) ficando pertencendo aos suplicantes e aos seus herdeiros as mesmas terras afim de cuidarem de promover a agricultura. 67 5 de agosto de 1815. Podemos perceber, portanto que é a partir desse fato, correlacionado aos planos do Governo Real, que encontramos os primeiros indícios da família Valério do Sacramento, estabelecida em meio a populações paulistas e mineiras que por esses confins produziam gêneros para abastecer os centros maiores, principalmente Minas Gerais, a Província mais populosa, e o Rio de Janeiro, em vias de modernização decorrente da vinda da Família Real em 1808. Contudo, o momento histórico que merece mais atenção – em grande parte influenciado pelo passado, mas dono de uma dinamismo próprio e amplamente transformador – é aquele marcado, em escala internacional, pelo vigoroso crescimento do capitalismo, e em escala nacional pela expansão da cafeicultura no “oeste paulista”, atingindo a região de Casa Branca por volta de 1860. Dentro deste contexto temos os principais condicionantes que motivaram o aparecimento e a fundação de Palmeiras. Normalmente remonta-se a origem de Palmeiras a um fato simbólico, que é a construção da capela em louvor a Santa Cruz por Manuel Valério do Sacramento, concluída no dia 3 de maio de 1876. Vale lembrar que era pré-requisito para se “iniciar” um povoamento a construção de um marco religioso, tanto para fins administrativos, pois 67 Idem. p.64. a Igreja e o Estado caminhavam juntas até ao nascimento da República em 1889, quanto para acolher os habitantes nas graças do catolicismo. Porém, é necessário algo mais além do que uma capela, um pouso de tropeiros e a boa vontade de um homem para o desenvolvimento de uma cidade. E esse algo mais, como demonstra Mendes, já estava germinando em terras palmeirenses desde meados de 1860: o café. Graças a esse pilar econômico o número de municípios de São Paulo cresceu de 46 em 1850, para 261 em 1934. 68 Ainda hoje, não é difícil encontrar relatos afirmando que a cidade se fez a partir do heroísmo de Manoel Valério do Sacramento. Para confirmar tal visão, vejamos o que diz o IBGE sobre a fundação da cidade: “Segundo crônica local, Manoel Valério do Sacramento construiu em sua fazenda em 1876, uma pequena capela dedicada a Santa Cruz dos Valérios que mais tarde passou a ser denominada Santa Cruz das Palmeiras, em virtude das palmeiras abundantes na região. A doação, pelo fundador, dos terrenos necessários à constituição do patrimônio, possibilitou o rápido povoamento da região, surgindo um núcleo urbano em torno da capela, onde foi criado em 1881, a freguesia, elevada à categoria de Município quatro anos depois.” 69 Tal relato, quando comparado com as fontes documentais, parecem estar em descompasso com o que realmente ocorreu. Mendes, demonstra que outras famílias participaram do processo de formação da capela e patrimônio de Santa Cruz, seja através de doações em dinheiro ou em terras. Lança nomes como: João Baptista de Barros Leite, João de Carvalho Barros, José dos Santos Correia, Raimundo de Araújo Macedo, mais tarde também doaram terras Antonio Aranha de Albuquerque, Aureliano Bento de Araújo, Francisco de Araújo Gouvêa, João Carlos Arantes, Ignácio Gomes de Moraes, Manoel da Costa Carneiro, José Carlos de Arantes, Francisco José da Silva Pinto e Maria Eugenia Monteiro de Barros. 70 O inventário de Antonio Valério do Sacramento de 1878, que tinha como inventariante Manoel Valério do Sacramento, demonstra um fato importante e interessante: a capela de Santa Cruz aparece como um bem da família Valério do 68 HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo, 1886-1934. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p.33 69 70 http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 MENDES, Luiz Affonso. Santa Cruz das Palmeiras: de 1765 à Revolução Constitucionalista de 1932. Santa Cruz das Palmeiras, SP: Editora A Cidade, 2000. p.21. Sacramento. Tal episódio causou a revolta de alguns moradores, doadores de terras e rendas e até mesmo das autoridades religiosas, pois a capela não era um bem particular, mas obra de uma comunidade. E após julgamento ocorrido em 1878, a capela foi dada como bem público pertencente aos moradores do Bairro de Santa Cruz. O que sabemos mais de Manoel Valério do Sacramento? Podemos dizer que ele foi casado com Theodora ngelo de Jesus com quem teve um único filho chamado Antonio Valério do Sacramento, que por sua vez foi casado com Paulina dos Anjos. Possuía, em 1878, uma casa na Rua do Comércio de Casa Branca e a Fazenda das Palmeiras, que continha um engenho de cana com todos seus acessórios, plantações de cana, de café (cerca de 50.000 pés) e de banana; pastos, cerca de 15 bois de carro, 6 garrotes, 8 vacas, 7 bezerros, 10 porcos e 16 leitões; possuía ainda 3 escravos: Benedito com 60 anos, casado Francisca com 60 anos e os filho do casal Emmiliano com 18 anos; como parte dos bens, o que desperta mais a atenção, são um rancho coberto de telhas o Bairro de Santa Cruz, avaliado em noventa mil réis (90$000) e instalações anexas para receber tropeiros, e uma capela com invocação de Santa Cruz, nesta mesma fazenda Palmeiras, forrada e assoalhada, propriedade do inventariante, altar e seus utensílios e ferragens, avaliada em três contos de réis (3:000$000), todos esses dados estão no inventário do filho de Manoel Valério de 1878. 71 Quanto à importância do pouso e da capela para a fixação de povoamento não há dúvidas, porém a obra não é só de Manoel Valério como apontam as crônicas, ele, como já mencionado, seria mais um personagem em meio a outros e frente uma sociabilidade existente na região desde o século XVIII e XIX, dinamizada pela chegada de grandes fazendeiros de café, dos imigrantes europeus e das ferrovias, que ligam a região ao complexo cafeeiro e ao mundo capitalista. No inventário consta mais, para reforçar nossa visão: “Em vista dos acontecimentos apresentados pelos suplicantes, mando que se exclua do inventário a capella, ficando as partes sobre o direito de um ngel (...). Diz Antonio Aranha de Albuquerque, residente no Bairro de Santa Cruz, deste município, que no inventário a Que V.sa procede no espolio de Antonio Valério do Sacramento e sua mulher, e em que é inventariante Manoel Valério do Sacramento, foi descripta como pertencente ao acervo, uma capelinha alli existente, denominada de Santa Cruz, quando é que tal capella é uma obra formada a custa de esmolas e dos trabalhos do povo daquelles lugares, como (...) demonstra a attestado jurado do R.mo Vigário de Casa Branca, a mais provão 71 Inventário de Theodora Cândida de Jesus, Antonio Valério do Sacramento e Paulina dos Anjos. Caixa: Gerais(1). Museu Histórico-Pedagógico Alfredo e Afonso de Taunay de Casa Branca. os documentos anexos, que ocorreram a justificar as diversas doações o patrimônio em que esta hoje edificada aquela capella, (...), em vista da prova exibida, mande excluir a capella e o terreno do seu patrimônio do inventário , cumprindo assim o que preceitua 72 a ordem ... Casa Branca 5 de Março de 1878”. Enfim, tentamos demonstrar até aqui, que não podemos tratar a história de Palmeira apenas ligada à figura de um único homem, pois assim não conseguiremos as respostas e explicações para entendermos a realidade sobre importantes aspectos da história econômica do Estado de São Paulo. Feitas essas primeiras observações podemos agora adentrar na estrutura da produção cafeeira de Palmeiras. Se Palmeiras tem como data de fundação o ano de 1876, algumas fazendas de café já estavam por aqui instaladas a cerca de uma década antes, como a Fazenda “Santa Veridiana” de 1868, propriedade de Antonio da Silva Prado; a Fazenda “Aurora” de 1869, propriedade de João Carlos Leite Penteado; e a Fazenda “Maracaju” de 1872, propriedade de Antonio Martiniano de Albuquerque. A expansão das áreas de café plantadas nessa região desenvolveu-se no momento marcado pela passagem do trabalho escravo para o livre, acelerada pela decretação da lei de 1850 que visava o fim do trafico de escravos no Atlântico. Os primeiros cafezais sem dúvidas foram plantados exclusivamente pela mão de obra escrava ou até mesmo em comunhão com o imigrante europeu. A Fazenda Santa Escolástica, de propriedade de Francisco Benedicto Ferreira e Escolástica Queirós Ferreira, filha do barão de Jundiaí, mesmo contando “modernas” instalações como máquina de beneficiar café com acessórios, casa de máquina e tulha própria para café, possuía ainda em 1887, 22 escravos. 73 Contudo, como observou Mello, “a estrada de ferro e a maquinização do beneficiamento não somente reforçam a economia mercantilescravista cafeeira nacional. Ao mesmo tempo, se opõem a ela, criando condições para a emergência do trabalho assalariado”. 74 Mesmo tendo sido “iniciada” por escravos, foi em decorrência do aumento da imigração européia e de braços livres para o café que a economia cafeeira em Palmeiras mais se desenvolveu, propriamente antes da abolição de 1888. 72 73 Idem, p.20. Inventário de Escolástica Queirós Ferreira. Caixa-15-Inventários. Museu Histórico-Pedagógico Alfredo e Afonso de Taunay de Casa Branca. 74 MELLO, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio: Contribuição à revisão crítica da formação e desenvolvimento da economia brasileira. 2 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. p.82. Um bom exemplo disso é a fazenda “Santa Veridiana”, de Antonio Prado, que em 1883, possuía um terço de sua mão de obra composta por trabalhadores livres europeus. Foi eleita nesse mesmo ano como a sétima mais produtiva do país e a terceira do Estado de São Paulo, pelo jornalista holandês C.F. Van Delden Laerne. Segundo esse jornalista “os imigrantes recebiam 600$000 por 45 litros de café colhido, adicionando-se mais ao salário de 200$000 anuais, vantagens da moradia de graça, plantio de feijão na lavoura de café, área gratuita para plantios de subsistência, adiantamento salarial, com juros cobrados a meio por cento, além de dois animais com pasto livre”. 75 De acordo com Mello: “Não é difícil compreender que os custos da indústria escravista deveriam ser marcadamente superiores ao da industria capitalista.[...] o pagamento da força de trabalho é inteiramente adiantado quando há escravos, enquanto a remuneração do trabalho assalariado é realizada após seu consumo no processo produtivo. Ademais, a rotação do capital variável é mais rápida que o capital fixo representado pelo escravo, quês e se distende por toda sua ‘vida útil’.” 76 A produção cafeeira em Palmeiras, pode dizer então, esteve montada em cima da indústria capitalista, o que favoreceu grandes acúmulos de capitais para seus produtores. Esse fato se evidencia, quando analisamos os dados sobre as propriedades produtoras de café do município, dispostos no Almanach Illustrado de Santa Cruz das Palmeiras, para os anos de 1905 e 1906. Percebe-se que a maioria das fazendas da região aumentaram e irão continuar aumentado suas plantações até a década de 1920, e nas maiores fazendas todas contêm amplas instalações e maquinários para o beneficiamento de café. Analisando a média de pés de café por propriedade no município, podemos concluir que Palmeiras foi lócus da grande lavoura cafeeira, em termos de produção. Esse fato deve-se sobretudo pelas qualidades naturais da região e pela excelente qualidade do solo, conhecido como terra roxa, considerados ideais à cultura do café. A média de cafeeiros por propriedade era de 93.458 (ver Tabela 3). Em Ribeirão Preto essa média 75 MENDES, Luiz Affonso. Santa Cruz das Palmeiras: de 1765 à Revolução Constitucionalista de 1932. Santa Cruz das Palmeiras, SP: Editora A Cidade, 2000. p.25. 76 MELLO, João Manuel Cardoso de. O Capitalismo Tardio: Contribuição à revisão crítica da formação e desenvolvimento da economia brasileira. 2 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. p.75. era de 84.324; em São Carlos 80.029; em Campinas 44.490; em Jaú 29.973 e em Franca 18.276. 77 Tabela 3 – Propriedades Agrícolas de Palmeiras -1906. Propriedade 1-Fazenda Palmares 2-Fazenda S. Escolastica 3-Fazenda Brejão 4-Fazenda Santo Antonio 5-Fazenda São Carlos 6-Fazenda São Vicente 7-Fazenda S. Cecilia 8-Fazenda S. Maria 9-Fazenda Campo Alegre 10-Fazenda S. Maria 11-Fazenda S. Maria 12-Fazenda S. Maria 13-Fazenda Sertãozinho 14-Fazenda S. Rita 15-Fazenda Campo Alegre 16-Fazenda Campo Alegre 17-Fazenda Sertãozinho 18-Fazenda S. Maria 19-Fazenda S. Eulalia 20-Fazenda S. José 21-Fazenda Tijuco Preto 22-Fazenda S. Eugenia 23-Fazenda São João 24-Fazenda S. Veridiana 25-Fazenda Nossa Senhora 26-Fazenda Morro Alto 27-Fazenda Aurora 28-Fazenda Mattão 29-Faz. Rio das Pedras 30-Fazenda Santa Clara 31-Fazenda S. Iria Pequenas Propriedades Mil Pés de café 806.148 290.000 737.487 130.000 335.000 112.000 166.000 32.000 20.000 323.677 38.000 60.000 60.000 29.000 42.000 18.000 35.000 40.000 50.000 306.829 25.000 385.000 107.000 550.000 Área em alqueires indeterminada 437 800 113 340 98 240 150 40 275 45 80 60 35 44 53 60 100 35 270 35 500 194 600 Proprietário Antonio ngelo Leite Penteado José Vicente de Queiroz Ferreira Eduardo Prado Waldimiro Augusto do Amaral Condessa Monteiro de Barros Brasilio de Syllos Condessa Monteiro de Barros José ngelo o de Carvalho Theotonio ngelo de Carvalho Baroneza do Japy & Filho Francisco Ventura de Mello Francisco Carlos de Oliveira Arantes Jonas Jacintho Alves de Moraes João Roque Pereira Carlos Teches Carlos Link José Ramos S. Sobrinho ngelo o Pedrozo de Moraes José ngelo o Junior José Julio de ngelo Macedo Jose dos Santos Correa ngelo Monteiro de Barros Alcides Ferreira de Camargo Antonio Prado 39.000 410.000 310.000 240.000 40.000 503.000 300.000 26 indeterminada indeterminada indeterminada indeterminada 445 400 José Ferreira de Rezende Sobrinho Anna Maria de Jesus Dias João Carlos Leite Penteado João Carlos Leite Penteado José Ramos dos Santos Sobrinho Anna Miquelina Lacerda Godofredo Leão Velloso 77 CAMARGO, José Francisco. Crescimento da população no estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. São Paulo: IPE/USP, 1981, p.92-133. Apoud: TOSI, Pedro Geraldo; FALEIROS, Rogério Naques; TEODORO, Rodrigo da Silva. Fragmentos de um modelo: pequenas lavouras de café e acumulação de capitais. Franca/ São Paulo, 1890-1914. In: História. São Paulo, v.24, n.2, p.291327, 2005. p.325. 32-Palmeiras 33-Fazenda Campo Alegre 34-Sitio Tijuco Preto 35-Campo Alegre 36-Morale Angelo 37-Barreirinho 38-São Francisco 39-Sitio 40-Sitio 41-Campo Alegre 42-Barreirinho 43-Sertãozinho 44-Sertãozinho 45-Barreirinho 46-Barreirinho 47-Monjolinho 48-Prata 49-Chacara S. Cruz 50-Chacara Bortone 51-Campo Alegre 52-Campo Alegre 53-Campo Alegre 54Campo Alegre 55-Fazenda Borges 56-Chacara do Tijuco Preto 8.000 0 6.000 0 0 8.000 25.000 0 0 0 13.000 6.000 4.000 9.000 100 0 0 500 0 1.000 0 0 0 0 12 30 9 3 4 13 14 5 1 13 13 18 2 14 5 12 25 12 15 30 5 3 13 30 0 1,5 José Avesani nge Virki & Cia Firmino dos Santos Demetrio Fuso Morale Angelo José Valério do Sacramento Francisco Rodrigues de Oliveira Julio Paulino Ferreira Antonio Siqueira José Cypriano de Moraes Antonio Maximiano da Cunha Bento José de araujo Vicente Delucca José ngelo o da Cunha Izidoro Chusaia Francisco Jacintho Antonio Scaraboto & Comp. Manoel Fernandes Pedroza Philomeno Bortone Godofredo Vike ngel Antonio Franco Petroniere José Aleixo de Napolis João Borges Fiorini Edmondo & Comp. Rando santo, Rando Paulo, Caobianco 57-Sitio do Rando 3.000 20 Sebastião 58-Chacara Bisoque 0 1 Bisoque Augusto 59-Campo Alegre 1.200 6 ngel Antonio José Monteiro 60-Antas 9.000 7 João Gomes & Comp. 61-Campo Alegre 2.500 10 Joaquim Bueno de Godoy 62-Sitio Bonamine 2.000 3 Domingos Bonamine 63-Campo Alegre 1.200 indeterminada João Alves do ngelo o Santo 64-Chacara do Barro Preto 100 5 Luis Salles & Comp. 65-Chacara do Preto 0 0,5 Abra Joanne 66-Monjolinho 0 11 José Cezario & comp. 67-Chacara S. Cruz 0 2 José Vicente Ferreira 68-Chacara Barro Preto 0 2,5 Lotto Luiz 69-Fazenda Cerradinho 2.500 168 José Ortiz & Comp. 70-Sitio do Nascimento 0 6 Jose Cypriano do Nascimento 71-Sitio Campo Alegre 1.500 15 ngelo Justo Fonte: SIMONI, João De. Almanach Illustrado de Santa Cruz das Palmeiras: 1905-1906. Santa Cruz das Palmeiras: Typ. Do Correio Palmeirense, 1906. Alguns dados acrescidos dos Livro de Inscripção Especial, sob o número 2 e 2ª, do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Santa Cruz das Palmeiras. Os números que obtemos, são decorrentes da soma de todos os cafeeiros (6.635.541) divididos pelo número de propriedades (71), dá-se a média de 93.458 cafeeiros por propriedade. Essa média mesmo sendo bastante elevada, superando até mesmo a média de Ribeirão Preto, tido como o “maior centro cafeeiro” de São Paulo, ainda é inferior a apontada por Mendes, que revela a existência de 70 propriedades possuidoras de 8.000.000 de pés de café em 1906, atingindo a média de 114.285 cafeeiros por propriedade. 78 Claramente que existiam pequenas propriedades agrícolas em Palmeiras, mas as grandes fazendas produtoras de café “puxam” a média de cafeeiros por estabelecimento para cima. O número de pés de café que o município produz é bem inferior aos 28.518.100 que Ribeirão Preto produziu em 1905 79 , mas “conforme se evidencia [...] Santa Cruz das Palmeiras, embora pequeno, é um dos municípios importantes do Estado de S. Paulo”. 80 Simoni enfatiza que “a principal lavoura do município é a do café, que se acha extraordinariamente desenvolvida, constituindo a sua principal riqueza”. 81 Conforme Silva, os membros do capital cafeeiro “estão também [...] à frente do aparelho de Estado, seja ao nível regional [...] seja a nível federal”. 82 E diante desses fatos podemos evidenciar em Palmeiras a força da “elite cafeeira”, que sem dúvidas era a grande detentora do poder local. É só analisarmos novamente a Tabela – 2, onde dos 41 votantes que aparecem somente 2 não são lavradores, o restante, como Ignácio Gabriel Monteiro de Barros, João Carlos Leite Penteado e José Vicente de Queirós Ferreira, são grandes fazendeiros de café e aparecem como possuidores das maiores rendas de toda região de Casa Branca, e estarão sempre nos assuntos da política local, sem falar de figuras como Eduardo Prado, Antonio Prado e Antonio Álvares Leite Penteado, “fazendeiros” em Palmeiras, e figuras expressivas no cenário político estadual e federal. 78 MENDES, Luiz Affonso. Santa Cruz das Palmeiras: de 1765 à Revolução Constitucionalista de 1932. Santa Cruz das Palmeiras, SP: Editora A Cidade, 2000. p.105. 79 CAMARGO, José Francisco. Crescimento da população no estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. São Paulo: IPE/USP, 1981, p.92-133. Apoud: TOSI, Pedro Geraldo; FALEIROS, Rogério Naques; TEODORO, Rodrigo da Silva. Fragmentos de um modelo: pequenas lavouras de café e acumulação de capitais. Franca/ São Paulo, 1890-1914. In: História. São Paulo, v.24, n.2, p.291327, 2005. p.325. 80 SIMONI, João De. Almanach Illustrado de Santa Cruz das Palmeiras: 1905-1906. Santa Cruz das Palmeiras: Typ. do Correio Palmeirense, 1906. p.78. 81 Idem. p.76. 82 SILVA, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil. 7°edição. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. p.53. Desta maneira não podemos descartar a importância desses agentes históricos na fundação da cidade de Palmeiras pois, por um lado, estariam mantendo o “poder nas mãos”, evidenciando o coronelismo, e de outro estariam contribuindo para seus empreendimentos econômicos, as fazendas de café, pois como é sabido foi uma necessidade constante a busca de braços para o café se se quisesse expandir as lavouras cafeeiras, e a cidade representava um atrativo a mais para atrair novos imigrantes europeus, que viam ali a possibilidade de escoar seus produtos e acumularem capitais. Exemplo dessa mistura entre café e poder local temos em Ignácio Gabriel Monteiro de Barros, que segundo Simoni “naquelle tempo já suas vistas voltavam para Santa Cruz das Palmeiras, para cuja creação da comarca muito concorreu”. 83 O fato que se destaca então, nesse primeiro capitulo, é que em Palmeiras a produção cafeeira esteve organizada em grandes plantações, devido principalmente à riqueza do solo, e foi um “reduto” importante dos investimentos diretos “da elite paulista”, como os Silva Prado, Leite Penteado e Monteiro de Barros. Palmeiras foi portanto uma cidade criada pelo café. Tanto os estabelecidos como os outsiders 84 dessa sociedade estão intimamente ligados à atividade econômica nuclear (o café), em maior ou em menor grau. 83 SIMONI, João De. Almanach Illustrado de Santa Cruz das Palmeiras: 1905-1906. Santa Cruz das Palmeiras: Typ. do Correio Palmeirense, 1906. p.195. 84 Estabelecidos e outsiders,são conceitos presentes na obra: ELIAS, Norbert. SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. E se referem respectivamente, a “minoria dos melhores, membros da boa sociedade que impõem sua moral aos outros”; e a “maioria dos excluídos, dos não pertencentes aos estabelecidos”. Capítulo II “As teias da modernização: as ferrovias, Palmeiras e a órbita do complexo cafeeiro” A expansão das ferrovias foi de fundamental importância para o desenvolvimento da economia cafeeira paulista e de suas atividades complementares, e, em muitos casos esses caminhos de ferro eram verdadeiros caminhos do café, passando “obrigatoriamente e especialmente” pelas regiões onde os embarques de café, alimentos e mercadorias eram ou se tornariam fontes de receitas garantidas. O desenvolvimento das estradas de ferro no Brasil, tornou-se uma realidade após 1852, quando o Império aprovou uma série de medidas, através da Lei n° 641, que garantia os lucros daqueles que arriscavam seus capitais em tal investimento: “A Lei n° 641, que estabelecia o regime geral de concessões de estradas de ferro no Brasil, incluiu a garantia de juros entre os privilégios a serem usufruídos pelas empresas concessionárias. O Governo Imperial garantia juros de 5% sobre o capital empregado na construção da estrada de ferro aos quais se somavam, quase sempre, adicionais de 2% pagos pelos Governos Provinciais. Os outros privilégios incluíam, por exemplo, a isenção de impostos na importação de materiais para a estrada de ferro e o privilégio de zona (pelo qual nenhuma outra estrada de ferro poderia ser estabelecida na área compreendida por 30 km de cada lado da linha).” 85 As ferrovias passaram, desta forma, a ser um investimento “seguro”, atraindo os vultuosos capitais dos homens ligados principalmente ao café, sejam os envolvidos na produção ou na comercialização do produto. Desse modo, por volta de 1870, foram formadas as primeiras empresas ferroviárias com capital nacional – nos ateremos rapidamente nos casos da “São Paulo Railway”, da “Paulista” e da “Mogiana” –, 85 SAES, Flávio Azevedo Marques. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1900. In: SZMRECSÁNYI, Tamás (Org). LAPA, José Roberto do Amaral (Org). História Econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec/ ABPHE/ Edusp/ Imprensa Oficial, 2002. p.178. responsáveis por fazerem a ligação entre o porto de Santos e o Planalto, possibilitando maior eficiência do ponto de vista da produção e circulação do escoamento do café, pois o antigo sistema de transportes realizado por tropas de mulas mostrava-se oneroso de mais para acompanhar a interiorização da cafeicultura. 86 A primeira linha férrea tipicamente paulista foi a que ligou o porto de Santos a cidade de Jundiaí. Pelo Decreto 2.601, de 6 de junho de 1860, o governo imperial aprovou o estatuto da Companhia de Estrada de Ferro de Santos a Jundiaí (conhecida como sistema São Paulo-Santos da chamada “São Paulo Railway”), dando origem à primeira linha férrea paulista, que atingiu a cidade de São Paulo em 1866 e Jundiaí em 1877, num trajeto de cerca de 140 Km, apoderando-se até a década de 1930 do monopólio da única estrada que liga o porto de Santos ao interior do Estado. 87 Segundo Matos esse fato teve reflexos: “Uma vez que a companhia inglesa que construirá a ligação do litoral ao planalto não se interessou pelo prolongamento de suas linhas além de Jundiaí, pois um privilégio de quase um século assegurou-lhe o monopólio no funil de São Paulo-Santos, de modo que toda estrada que se construísse no interior acabaria sua tributaria...”. 88 Essa estratégia de monopolizar o único caminho que serviria de escoadouro de toda produção cafeeira paulista e não estender as linhas férreas rumo ao interior, exigiu a organização dos homens ligados a economia cafeeira para realizar tal projeto. Surgiu assim, na cidade de Campinas, em 1868, a primeira ferrovia que estenderá os trilhos rumo ao planalto: a Companhia Paulista de Estrada de Ferro, constituída como sociedade anônima com 25.000 ações distribuídas entre 654 acionistas. De acordo com Saes, apesar de nenhum dos acionistas possuírem mais do que “1.000 ações (4% do total), alguns grupos familiares tinham presença destacada: Silva Prado, Souza Queiroz, Vergueiro e Pais de Barros eram algumas destas famílias. A origem de seus capitais estava associada a plantações de café, com algumas incursões na área comercial”. 89 Era, 86 SAES, Flávio Azevedo Marques. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1900. In: SZMRECSÁNYI, Tamás (Org). LAPA, José Roberto do Amaral (Org). História Econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec/ ABPHE/ Edusp/ Imprensa Oficial, 2002. p.181. 87 MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4 ed. Campinas, SP: Pontes, 1990. p.74. 88 89 Idem, p.77. SAES, Flávio Azevedo Marques. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1900. In: SZMRECSÁNYI, Tamás (Org). LAPA, José Roberto do Amaral (Org). História Econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec/ ABPHE/ Edusp/ Imprensa Oficial, 2002. p.181. portanto, a primeira ferrovia organizada exclusivamente com capitais provinciais, tendo privilégio de zona e garantia de juros. 90 A segunda empresa ferroviária criada no período foi a Mogiana, fundada em 1872 na região de Campinas por homens também ligados ao café. 91 Ela “teve entre seus principais acionistas a mesma família Silva Prado (já referida em relação à Companhia Paulista), Antonio Queiroz Teles e José Estanislau do Amaral (grandes proprietários de plantações de café) e o Barão de Tietê”. 92 Conforme Matos: “O plano inicial de levar a estrada até Mogimirim foi, de pronto superado, e a lei que aprovou e incorporou a companhia previu o seu prolongamento até a margem do rio Grande passando pelas cidades de Casa Branca e Franca. [...] E, em janeiro de 1878, os trilhos da nova ferrovia atingiam Casa Branca. Pelo contrato celebrado para a construção da linha de Casa Branca, fora a Mogiana autorizada também a construir um ramal que, partindo do ponto julgado mais conveniente, fosse ter aos municípios de São Simão e Ribeirão Preto. Todavia, como esses municípios encontravam-se fora da zona privilegiada da Mogiana, entendeu a Companhia Paulista que eles poderiam, com mais vantagens, ser servidos pelos prolongamentos de suas linhas então paradas em Porto 93 Ferreira...”. Podemos perceber, portanto, a existência de interesses convergentes entre a expansão das ferrovias e os recursos dos grandes plantadores de café e também de outros personagens ligados à atividade comercial, e ainda vemos, no caso da Mogiana, que sua tentativa de propagar os trilhos para o planalto envolvia a região de Palmeiras. A chegada dos trilhos em Palmeiras é um assunto que merece maior atenção, não só pela importância de sua ligação ao complexo cafeeiro – tópico que nas linhas abaixo também será analisado – mas por ser essa localidade um dos raros municípios que receberam a ligação ferroviária de duas companhias distintas: a Mogiana e a Paulista. Esse fato só ocorreu em Ribeirão Preto e em Pontal. 90 MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4 ed. Campinas, SP: Pontes, 1990. p.80. 91 92 Idem. p.90. SAES, Flávio Azevedo Marques. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1900. In: SZMRECSÁNYI, Tamás (Org). LAPA, José Roberto do Amaral (Org). História Econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec/ ABPHE/ Edusp/ Imprensa Oficial, 2002. p.182. 93 MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4 ed. Campinas, SP: Pontes, 1990. p.91. Isso explicita a importância do município dentro da economia cafeeira paulista, e também demonstra que a expansão da malha ferroviária pelo planalto esteve sujeita aos interesses particulares. Se levarmos em conta que as primeiras fazendas de café se instalaram na região em fins de 1860 e início de 1870 – fazendas como “Aurora” e “Palmares”, da família Leite Penteado, “Santa Veridiana” e “Brejão”, dos Silva Prado, “Santa Maria”, dos Queirós Teles e “Santa Eugênia” e “São Carlos”, dos Monteiro de Barros – e as ferrovias atingiram o município posteriormente – a Mogiana em 1881, através da estação da “Lage”, e a Paulista em 1892, através do Ramal Santa Veridiana, com as estações de “Santa Cruz”, “Santa Silvéria” e “Santa Veridiana” – podemos concluir que em Palmeiras foi o café que de certa forma precedeu e chamou os trilhos. Em um ofício da Câmara Municipal de Casa Branca ao Presidente da Cia. Mogiana Doutor Antonio de Queirós Telles, datado de 1874, dois anos antes da fundação de Palmeiras, percebe-se claramente o interesse do município e cidades vizinhas para fazer parte das linhas ferroviárias dessa companhia, mas destaca-se também, que seria vantajoso para a ferrovia ter a traçado passando por Casa Branca rumo a Ribeirão Preto: “A Câmara Municipal desta cidade, resolveu dirigirse a VS afim de promover todos os meios para trazer até aqui o prolongamento da Estrada de Ferro Mogyana. Não se demorará em demonstração das vantagens que por certo tem de auferir a Companhia, por isso que V.S. illustrado e conhecedor da importância do município mais que ninguém saberá dar-lhes o devido valor. Os recursos de que dispõe o município serão suficientes para sustentar o custeio da Estrada de Ferro. [...] parece que uma vez demonstrada a vantagem e convniencia, pouco ou quase nenhuma dificuldade encontrará a Companhia, mesmo porque em tal sentido não vai somente aos interesses de Casa Branca. Mogymirim diretamente participará dos nossos lucros, e todos fazendo principal mensão – São João da Boa Vista, Cajurú, S. Sebastião da Boa Vista, Batataes, Franca, Uberaba, Caconde, Espírito Santo do Rio do Peixe, Santa Rita do Passa Quatro, S. Simão, Ribeirão Preto, e o Sul de Minas, que como nós tem a necessidade dessa estrada, não só para remessa de sua exportação, como ainda para receberem aquelle justo valor a quem tem incontestável direito pelas terras de superior qualidade, e pelo aumento da 94 população”. 94 Museu Histórico-Pedagógico Alfredo e Afonso de Taunay de Casa Branca. O fato é que, se por um lado, o município de Palmeiras se beneficiava de ter dois entroncamentos ferroviários, por outro, essa “vantagem” motivou desentendimentos, pois a chegada da Paulista posteriormente a Mogyana, promoveu uma disputa acirrada entre as duas companhias e entre os fazendeiros locais. A briga entre as companhias se dá pelo privilégio de zona nas margens do rio Mogi-Guaçu. A Paulista seria a real possuidora dos direitos para explorar a margem esquerda do rio Mogi-Guaçu, e a Mogiana, teria sob sua concessão o direito de explorar a margem direita do mesmo rio. Segundo este mapa de 1889, feito pela Mogiana, a Paulista estaria invadindo a sua zona privilegiada a partir do norte de Pirassununga. Partes mais escuras, à esquerda e em cima, são as supostas áreas da Mogiana. Adaptado de: GIESBRECHT, Ralph Mennucci. Caminhos para Santa Veridiana: as ferrovias em Santa Cruz das Palmeiras. Santa Cruz das Palmeiras: A Cidade, 2003. Localmente esse conflito se refletiu entre João Carlos Leite Penteado, proprietário da fazenda “Aurora”, e a Companhia Paulista. Leite Penteado entra com um processo de Restituição de Posse contra a Cia. Paulista, visando embargar as obras do Ramal da Paulista, que tinha como objetivo atingir a fazenda “Santa Veridiana”, de Antonio da Silva Prado, conhecido como Conselheiro Prado e um dos principais nomes da Cia. Paulista. Contudo, João Carlos Leite Penteado não obteve êxito, ou seja, a estrada de ferro autorizada por lei e contratada pelo governo, passou por sua propriedade e atingiu a vizinha “Santa Veridiana”. Sobre a expansão da malha ferroviária no período de 1890-1900, e sobre a briga entre a companhia Paulista e Mogyana, Matos aponta que foi a Mogiana que, desrespeitando a zona da Paulista, tratou de invadir área alheia a sua: “De São Carlos, tirou a Paulista dois ramais (Ribeirão Bonito e Areia Vermelha) e a grande Fazenda Santa Veridiana, dos Prados, foi atingida pelos trilhos até as linhas da Mogyana, nas proximidades de Casa Branca. Tratava-se aqui de uma ‘linha de combate’ [...] visando servir a uma zona já ocupada por outra estrada, pois a Mogiana, no seu prolongamento de Casa Branca a Ribeirão Preto, invadira zona privilegiada da Paulista.” 95 Pierre Monbeig, coloca a discussão de outro modo, apontando a Paulista como suposta invasora: “A Paulista assegurou para si, dessa forma, o domínio de toda a faixa à margem esquerda do Moji-Guaçu; mas não hesitou em atravessar o rio, penetrando no domínio que parecia ser privilégio da Mojiana. Uma linha atingiu a grande fazenda Santa Veridiana, outra a zona de Santa Rita do Passa Quatro, outra ainda a fazenda Guatapará, aproximando-se de Ribeirão Preto”. 96 Enfim, em 1898 as duas companhias, cansadas das discussões criam um tramway, para interligar as estações de “Lage” e “Santa Veridiana”, distantes quinhentos 95 MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4 ed. Campinas, SP: Pontes, 1990. p.117. 96 MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo: Hucitec, 1984. p.175. metros uma da outra, visando facilitar o transporte de passageiros e mercadorias entre as duas estações concorrentes. 97 Com os episódios descritos acima, podemos avaliar que o conceito de zona privilegiada era confuso e dava margem a diversas interpretações, motivando desentendimentos entre as partes envolvidas. Outro ponto que merece atenção é quanto à força dos fazendeiros para trazerem os trilhos até suas fazendas. Os Prados, mesmo com a linha da Mogiana cruzando suas propriedades, são os principais articuladores da extensão da linha férrea da Paulista para Palmeiras. Para Monbeig o “desenvolvimento das estradas de ferro não obedecia, portanto, a um plano sistemático, antes foi conduzido pelos interesses dos administradores, dos produtores e dos comerciantes de café”. 98 Para Matos, “construída [...] atendendo aos interesses e as conveniências dos fazendeiros, a rede ferroviária paulista, no seu aspecto arboricular, dá-nos hoje a impressão de total ausência de plano...”. 99 Podemos ainda, sobre o mesmo fato, avaliar que o interesse entre a elite cafeeira local, apesar de convergirem na maioria dos casos, não eram alheios a desentendimentos. Dois dos maiores nomes da elite local, e nacional, os Prado e os Leite Penteado, até mesmo com ligações familiares, não deixaram de entrar em conflito quando se colocavam com visões opostas. O Coronel João Carlos Leite Penteado, era o típico fazendeiro de café, pois morava em sua fazenda “Aurora” e tinha na produção cafeeira sua principal fonte de renda, moveu embargo contra a Paulista e o Ramal de Santa Veridiana, de total interesse da família Prado, que além de cafeicultores tinham diversos negócios dentro desse complexo, ampliando a área de atuação do capital cafeeiro, principalmente em bancos, casa comissárias e ferrovias. Segundo Saes: “Este capital cafeeiro, embora mantendo interesses significativos na agricultura, estava longe de sua origem essencialmente agrícola.[...] na estruturação do grande capital cafeeiro prevaleceram os interesses de sua face urbana (e não os de sua face agrícola- 97 GIESBRECHT, Ralph Mennucci. Caminhos para Santa Veridiana: as ferrovias em Santa Cruz das Palmeiras. Santa Cruz das Palmeiras: A Cidade, 2003. p.28. 98 MONBEIG, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo: Hucitec, 1984. p.175. MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4 ed. Campinas, SP: Pontes, 1990. p.167. 100 SAES, Flávio Azevedo Marques. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1900. In: SZMRECSÁNYI, Tamás (Org). LAPA, José Roberto do Amaral (Org). História Econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec/ ABPHE/ Edusp/ Imprensa Oficial, 2002. p.190. 99 cafeeira).” 100 Assim, entendemos que mesmo dentro dos estratos da elite cafeeira, muitas pendências eram motivadas, tendo como interesses salvaguardarem os investimentos do capital cafeeiro, que mesmo tendo origem agrícola, já estavam arraigados nos setores urbanos e de infra-estrutura, por exemplo, e conquanto “a riqueza do café estivesse na origem desse conjunto de empresas, a sua dinâmica as afastava dos interesses específicos dos plantadores de café.” 101 Percorrido esse caminho, onde procuramos expor um pouco sobre as ferrovias em Palmeiras, chegamos, portanto, a um ponto crucial do capítulo em questão e do trabalho em si, que é tentar avaliar o impacto da ferrovia para economia local, e sua importância para a configuração do complexo cafeeiro capitalista em São Paulo. Tentaremos contemplar, assim, dois dos mais importantes processo de transformação da economia cafeeira do Oeste paulista em sua expansão: a mudança do meio de transporte das tropas de animais para a ferrovia, e do trabalho escravo para o trabalho livre. Usaremos aqui a noção de complexo cafeeiro exposto por Cano, e assim entendido: “Entendemos o complexo cafeeiro como um conjunto de atividades integradas entre si, tais como: comércio de exportação e importação, transporte ferroviário, produção de alimentos, ensacamento, beneficiamento, constituição de uma infra-estrutura urbana, financiamento, enfim, todas as atividades necessárias à produção e a comercialização do café, nucleadas pela produção cafeeira e que se incrementaram mutuamente, reforçando o ritmo da acumulação”. 102 A cidade de Palmeiras, como podemos perceber no capítulo anterior, se caracterizou pela grande lavoura cafeeira em termos de produção, tendo a frente de suas fazendas nomes importantes dentro da elite cafeeira paulista. Contudo, foi de fundamental importância à chegada da ferrovia na região. Palmeiras, quando de sua fundação em 1876, já possuía ao seu redor grandes fazendas de café, mas seu meio urbano não passava de simples conjunto de casas, e antes disso era anexada a Casa Branca como um bairro, chamado de “Serrado”. 101 Idem. p.184. TOSI, Pedro Geraldo; FALEIROS, Rogério Naques; TEODORO, Rodrigo da Silva. Fragmentos de um modelo: pequenas lavouras de café e acumulação de capitais. Franca/ São Paulo, 1890-1914. In: História. São Paulo, v.24, n.2, p.291-327, 2005. p.324. 102 Com a chegada dos trilhos da Mogiana em 1881, ainda sob o signo da sociedade escravista, e da Paulista em 1892, após a abolição e a República, temos a inserção completa da região dentro do complexo cafeeiro, promovendo sem dúvidas importantes transformações locais, dentre as quais podemos destacar: diminuição dos custos com o transporte; aumento das áreas plantadas; crescimento da população e da urbanização; maior difusão do trabalho assalariado; expansão do mercado consumidor; diversificação e especialização das atividades urbanas, principalmente com a vinda de imigrantes europeus etc. Para Saes: “A estrada de ferro é uma expressão definitiva do capitalismo: técnica moderna, trabalho assalariado, grandes volumes de capital representam um ‘corpo estranho’ à economia e à sociedade escravistas.” 103 Ainda segundo Saes: “É claro que não podemos atribuir tais transformações apenas às estradas de ferro, mas devemos lembrar que as ferrovias fazem parte de processo mais geral que envolve o crescimento da produção e exportação de café (que amplia o excedente aí gerado) e da população (que dá a dimensão crescente aos mercados, principalmente pela transição do trabalho escravo para o livre.) Alguns dos resultados, no entanto, relacionam-se de modo direto com a implantação das estradas de ferro”. 104 Uma breve olhada nos dados apresentados pelo Almanach Illustrado de Santa Cruz das Palmeiras, para os anos de 1905-1906, e veremos o quanto à cidade mudou e se modernizou, num período relativamente curto, cerca de trinta anos desde sua fundação. O município conta, por volta de 1905, com uma população cerca de 21.000 habitantes na sua maioria colonos italianos, dos quais 4.000 residem na cidade. Possui sistema de água encanada, ruas largas, bem alinhadas e providas de bom passeio. Suas casas obedecem à construção moderna, notando-se bons prédios. Têm importante praça comercial, destacando-se negócios de fazenda, secos e molhados, farmácias, açougues, agência de loterias, bilhares, lojas de ferragens, dentista, hotéis, alfaiates, barbeiros, ferreiros, médicos, funileiros, relojoeiros, padarias, restaurantes, selaria, sapataria, chapelaria, advogados, e algumas pequenas indústrias, como de cerveja, sabão e 103 SAES, Flávio Azevedo Marques. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1900. In: SZMRECSÁNYI, Tamás (Org). LAPA, José Roberto do Amaral (Org). História Econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec/ ABPHE/ Edusp/ Imprensa Oficial, 2002. p.193. 104 Idem. p.185. macarrão. Possui ainda imprensa local, com dois jornais, e diversas associações como: Loja Maçônica “Obreiros de Santa Cruz”, Sociedade Italiana “Regina Margherita” e Sociedade Italiana “Veneta S. Marco”. 105 Na visão de Cano: “À medida que a atividade nuclear se ampliava, passou a induzir, crescentemente, o surgimento de uma série de atividades tipicamente urbanas, como a industrial, a bancária, escritórios, armazéns e oficinas de estrada de ferro, comércio atacadista, comércio de importação e exportação e outros requerendo e facultando, ainda, a expansão do aparelho do Estado. No momento em que estas crescessem, uma série de outras, mais vinculadas ao processo de urbanização, também se desenvolveriam: o comércio varejista, os transportes urbanos, comunicações, energia elétrica, construção civil, equipamentos urbanos etc. Quanto mais avançava esse processo, mais interdependentes se tornavam todas essas atividades, gerando uma intrincada rede de conexões econômicas, 106 financeiras e de serviços”.” Vimos através das exposições acima alguns exemplos para afirmar a lógica do complexo cafeeiro desenvolvido nos quadros do capitalismo tardio, onde expansão da atividade nuclear (o café) e seu decorrente acúmulo de capitais, gerou uma diversificação das atividades complementares. E afirmando tal visão, conclui Saes: “...parece-nos que as empresas ferroviárias em São Paulo tiveram importante participação no processo de destruição do escravismo e na constituição de uma economia capitalista. Por um lado, ao garantir condições para a expansão cafeeira, a estrada de ferro colocou em xeque a manutenção do trabalho escravo, induzindo a introdução mais rápida do trabalho livre do imigrante europeu. Pelo outro, a estrada de ferro viabilizou a ‘urbanização’ dos fazendeiros de café e de seus investimentos, sendo, pois, elemento essencial na 107 constituição do espaço urbano...”. 105 SIMONI, João De. Almanach Illustrado de Santa Cruz das Palmeiras: 1905-1906. Santa Cruz das Palmeiras: Typ. do Correio Palmeirense, 1906.p.75-89. 106 CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. Rio de Janeiro: Difel, 1977. p.69. SAES, Flávio Azevedo Marques. Estradas de ferro e diversificação da atividade econômica na expansão cafeeira em São Paulo, 1870-1900. In: SZMRECSÁNYI, Tamás (Org). LAPA, José Roberto do Amaral (Org). História Econômica da Independência e do Império. São Paulo: Hucitec/ ABPHE/ Edusp/ Imprensa Oficial, 2002. p.196. 107 Tentamos, de forma sintética, apreender a dinâmica do complexo cafeeiro capitalista e sua materialização no município de Palmeiras, apontando principalmente para a importante relação existente entre aumento da produção cafeeira, expansão da malha ferroviária e crescimento da população, principalmente nas décadas de 1870 e 1880, estruturando-se então, as bases do capitalismo, suprimindo a sociedade escravista através da acumulação de capitais, que atingiu cifras exorbitantes no oeste paulista, decorrentes de avanços técnicos como a utilização das ferrovias e máquinas de beneficiar café, do incentivo à imigração européia para servir braços à lavoura cafeeira com regime assalariado, e tendo como palco a cidade. Segundo Tosi, esse foi um processo de modernização que não atingiu a todos de forma idêntica, pelo contrário, foi amplamente hierarquizado, beneficiando os agentes locais possuidores de maiores fortunas, e dificilmente dando espaço de inserção as camadas menos favorecidas participarem do poder local, desnudando uma sociabilidade marcada pelo paternalismo e pelo personalismo. Nas palavras de Tosi: “O grande feito na constituição de um poderio local dos plantadores de café e na consolidação de uma infra-estrutura urbana para a cidade, que fizesse consolidar minimamente sua posição mercantil, residia na capacidade de seus homens articularem influências junto às famílias locais e estabelecerem contatos com homens mais poderosos da Província.” E isso, fica explicito na sociedade do café de Palmeiras, onde os principais mandatários políticos e coronéis tinham ramificação nos negócios do café. Todo esses aspectos foram elencados, tendo em vista suas implicâncias para as relações creditícia travadas no município, assunto do próximo capítulo. Capítulo III Crédito e cafeicultura: dinâmicas mutuamente associadas Este terceiro capítulo é o mais econômico e “original” do trabalho. Vale ressaltar que em muitos casos a pesquisa não ultrapassou o caráter morfológico das fontes, ou seja, não promovemos uma análise profunda das implicações possíveis referentes aos resultados obtidos, uma vez que isso extrapolaria as dimensões e os prazos da pesquisa. Outra observação a ser feita situa-se quanto os ensinamentos de Vilar, pois, não é porque recorremos aos dados econômicos, que deixaremos de analisar seus desdobramentos sociais. Assim, será exposto o resultado das pesquisas realizadas nos livros cartoriais, envolvendo principalmente as dívidas hipotecárias e penhores agrícolas. Apesar da destacada importância da acumulação de capitais no complexo cafeeiro, são raros ainda os estudos que dispensaram maior atenção às formas de financiamento da cafeicultura e das atividades complementares a ela, como pequenas lavouras de subsistência e o comércio local, que estão em amplo desenvolvimento e transformação nessas cidades situadas na expansão do café em fins do XIX e início do XX, principalmente quando recebem as ferrovias e grandes massas de imigrantes europeus. Outro ponto a ser verificado, é quanto aos períodos de crise da cafeicultura – decorrentes principalmente dos baixos preços praticados no mercado internacional, da alta produção nacional e de políticas econômicas “desastrosas” levadas a cabo pelo governo republicano – e sua relação com as práticas de financiamento adotadas no município. Nosso recorte temporal se situa entre 1892 e 1914, mas o subdividimos em três fases, para melhor acompanhar esses momentos “delicado” para os plantadores de café e para a sociedade de forma geral: analisaremos os sub-períodos de 1892-1898; de 1899-1906 e de 1907-1914. Como já mencionado, Prado Jr. chamou atenção especial para uma dificuldade da lavoura cafeeira: a da demora de produção dos cafezais, que levam de quatro a cinco anos para começarem a frutificar, e exigem assim maior inversão de capitais para suportar esses anos que não produzem 108 . 108 PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense,1969. p.159. O estudo realizado por Netto a respeito flutuação da economia cafeeira, devido tanto às vicissitudes do mercado nacional e internacional, quanto da própria “característica cíclica” da planta, ressalta as dificuldades sentidas pelos cafeicultores, pois estes são obrigados a investirem numerários considerais nas plantações de café, que irão estar formados somente depois do quarto ano, e ainda neste espaço de tempo correm todo tipo de riscos, principalmente o das instabilidades financeiras. Vale frisar ainda nesta análise, a minúcia dos “ciclos financeiros do café”, onde ele tenta correlacionar os momentos de expansão e crise da cafeicultura, bem como os ajustes governamentais ou de produção para se elevar ou manter as taxas de lucro na atividade cafeeira 109 . Assim, fica evidente a dependência que o cafeicultor tinha do crédito. Vejamos as palavras de Cano sobre a conjuntura econômica e financeira para o período estudado: Da vigorosa expansão monetária, que surge com o nascimento da república, se passaria, a partir de 1896, no governo de Prudente de Morais, a uma política de contenção que, associada à crise do café e a crise cambial, faria com que os rumos da política econômica se mantivessem francamente deflacionistas, tanto no governo Campo Salles (1898-1902) quanto no quadriênio seguinte, de Rodrigues Alves. Cassado o privilégio de emissão, aos bancos, em 1896, e desencadeada a deflação, o sistema atingiria seu ponto crítico em 1900, com a crise bancária, quando vão à falência, nada menos de 17 bancos nacionais. Nesse período (aproximadamente 1896 a 1906) são inúmeras as transformações bancárias que ocorrem, como falências, novos bancos, fusões etc., e a interpretação desse fenômeno, bem como o papel desempenhado por essas instituições, na acumulação de capital, está por merecer 110 uma investigação mais profunda”. Duas observações devem ser feitas. A primeira, é quanto à severa crise financeira que assola o mercado nacional por volta de 1896 e 1906, num momento em que os preços do café no mercado internacional estão em queda. Isso com certeza representou um obstáculo aos plantadores de café e as cidades do complexo cafeeiro, uma vez que os negócios do café sempre exigiram “adiantamentos” de crédito para se efetivarem ou ainda não descapitalizarem seus agentes. A segunda observação se refere à colocação 109 NETTO, Antonio Delfin. O Problema do Café no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas; Ministério da Agricultura/SUPLAN, 1979. 110 CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. Rio de Janeiro: Difel, 1977. p.73. de Cano apontando à necessidade de estudos sobre o período e as práticas de financiamento realizadas nesse contexto, sendo relevantes para a acumulação de capital no complexo cafeeiro. Quando nos referimos aos credores ou aos fornecedores de crédito no complexo cafeeiro, umas séries de perguntas surgem: quem eram? Como captavam seus recursos? Quais eram suas áreas de atuação? Que bens mais valorizavam? Procurando responder tais indagações, procuramos definir os agentes do crédito de acordo com suas ocupações, numa tentativa de melhor definir a atuação de cada um na intrincada cadeia do crédito, relacionando as “áreas de maior concentração” desses negociantes de dinheiro em relação aos sub-períodos analisados. Gráfico 1 - Natureza do Credor (1894-1898) negociante/comerciante capitalista proprietário comissário lavrador banco nacional banco internacional outros indeterminado Gráfico 2 - Natureza do Credor (1899-1906) negociante/comerciante capitalista proprietário comissário lavrador banco nacional banco internacional outros indeterminado Gráfico 3 - Natureza do Credor (1907-1914) negociante/comerciante capitalista proprietário comissário lavrador banco nacional banco internacional outros indeterminado Os três gráficos acima, nos oferecem alguns dados que merecem maior atenção. Antes, devemos fazer algumas ressalvas quanto à classificação dos diversos grupos de credores. Cabe dizer que seguimos as linhas gerais dessa classificação e análise segundo o proposto por Teodoro, em seu trabalho intitulado O crédito no mundo dos senhores do café: Franca 1885-1914. 111 Nos livros cartoriais do Oficial de Registros de Palmeiras, muitas vezes um mesmo personagem aparecia com ocupações diferentes, variando ao longo do tempo. Priorizamos aquelas denominações que mais se repetiram, salvo no caso dos tidos como “capitalistas”, que uma vez denominados assim fizemos uso dessa classificação. A designação “capitalista”, não pressupunha empréstimos eventuais mas sim, enquadram aqueles sujeitos que praticavam a atividade creditícia com certa constância. Os negociantes e comerciantes correspondem àqueles sujeitos que vivem ou mantém negócios de compra e venda de mercadorias, seja em escala local ou não, salvo os fazendeiros que possuíam vendas, que foram classificados como “lavradores”. Optamos por designar os fazendeiros de “lavradores”, pois é assim que mais são mencionados nas escrituras, referindo-se tanto aos grandes proprietários quanto aos tidos como pequenos, que cuidavam da terra com a própria força de trabalho, e, não sendo lavrador aqui o trabalhador rural assalariado. Reservamos a classificação de “comissários” a todas empresas ou elementos que atuassem a partir de Santos ou São Paulo, e que se ocupavam com a compra e venda exclusiva do café. A figura do “proprietário” é a mais difícil de se avaliar, pois não especifica realmente sua ocupação, mas pressupõe algum rentista ou proprietário urbano. Colocamos as várias profissões liberais, que de alguma forma escapam das denominações acima, como “outros”. Quanto aos bancos, optamos pela classificação entre nacionais, tanto os estaduais quanto os locais, e as agencias internacionais. Quanto ao Gráfico 1, podemos perceber uma “divisão” dos empréstimos entre comissários, lavradores e bancos nacionais. Segundo Cano, os comissários desempenharam um papel importante na atividade cafeeira, principalmente em sua fase inicial e até a Primeira Guerra Mundial, atuando como “banqueiros” dentro de um sistema financeiro ainda em vias de constituição. Contudo, também aponta para a situação crítica que passaram alguns comissários nos 111 TEODORO, Rodrigo da Silva. O crédito no mundo dos senhores do café. Franca 1885-1914. Campinas, 2006. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Economia, UNICAMP. mementos de crise de preços e da política deflacionista dos primeiros anos do século XX. 112 A principal casa comissária que atuou em Palmeiras foi a Prado, Chaves & Cia, estabelecida na cidade de São Paulo. Vejamos alguns exemplos de como ela atuava na região. No ano de 1895, essa casa comissária emprestou uma considerável quantia de 1:145:000$000, com juros de 12% ao ano, aos proprietários da fazenda Brejão, Dona Veridiana Valéria da Silva Prado e Doutor Eduardo Paulo da Silva Prado, com a garantia hipotecária da fazenda e de todas suas benfeitorias, como cafezal com 700.000 pés de café, máquinas de beneficiar, casas de moradia e de colonos. O prazo do contrato era de 1 ano e os devedores deveriam entregar todo o café ao estabelecimento comercial da firma credora. Devido às cifras envolvidas no contrato, podemos perceber que não era um crédito “ruim” para os devedores e nem para os credores, mas estes ainda sim tinham que se sujeitar a entregar sua produção a casa comissária, perdendo às vezes, na comercialização do produto. Em outro crédito fornecido pela casa comissária Prado, Chaves & Cia, no ano de 1904, ao Coronel Ignácio Augusto Monteiro de Barros, proprietário da fazenda Santa Eugenia, no valor de 50:000$000, a juros de 12% ao ano, vemos outra estratégia da empresa, que ao conceder o crédito ao fazendeiro através de um penhor agrícola de 12.000@ de café, impôs ao devedor severas cláusulas contratuais, como, entregar a fazenda a um administrador, da confiança do devedor, mas indicado pelo credor, “ficando esse administrador com poderes desde já conferidos na actual escriptura para agir com interna liberdade na dita fazenda Santa Eugenia”. 113 Vemos portanto, nesses dois exemplos de épocas diferentes, uma no período que antecedeu a efetiva crise e outra no momento da crise, que as relações de crédito eram intimamente marcadas pelo contexto nacional e internacional. Outro ponto importante a ser considerado, é que em ambos exemplos há uma conotação de parentesco entre devedores e credores, pois os proprietários da casa comissária em questão eram tinham ligações familiares com seus devedores, e mesmo com severas imposições feitas no empréstimo com penhor do Coronel Monteiro de Barros, ainda sim, este não ficou sem acesso a fonte de crédito no auge da crise. No Gráfico 2, que abarca o período da crise, podemos perceber uma importante mudança: os bancos nacionais perderam espaço. Com certeza devido ao delicado 112 CANO, Wilson. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. Rio de Janeiro: Difel, 1977. p.71. trecho retirado do livro de penhor agrícola do Oficila de Registro e Imóveis de Santa Crus das Palmeiras, sob o número 11. 113 momento da economia nacional e dos péssimos preços do café no mercado internacional, retiraram os capitais dessas instituições, que já estavam em dificuldade, de investimentos que apresentassem riscos elevados, como a cafeicultura. O espaço “vago” deixado pelos bancos nacionais, parece ter sido ocupado pelos comissários, que dependiam das vendas de café para obterem lucros, e pelos lavradores, que possivelmente estavam buscando diversificar suas fontes de renda. Pelo Gráfico 3, que envolve o período posterior ao Convênio de Taubaté que buscou manter a estabilidade e a alta dos preços do café, podemos perceber que há a volta dos empréstimos promovidos pelos bancos nacionais, pois com certeza esse investimento estaria com lucros garantidos. Vale ressaltar, também que nesse período , de maior estabilidade e organização financeira, a cidade passou a contar com um banco: o Banco de Custeio Rural de Palmeiras, que fornecia empréstimos com juros de até 6% ao ano. Outro agente do crédito que vê suas atividades crescer no período, são os capitalistas, em sua maioria atores locais, mas também residentes em São Paulo, pois tem maiores garantias de lucros com a organização financeira, e com a garantia de bons preços do café. Quanto os comerciantes e negociantes, principalmente os locais, percebemos que atuaram de forma decisiva dentro da cadeia do crédito, sendo fundamental sua atuação nos pequenos empréstimos, principalmente para diversificação das atividades urbanas e para pequena lavoura, seja de café ou alimentos. Duas figuras que se destacam nesse segmento são: José Avesani e Ambrózio Margutti, ambos possuidores de casa comercial na cidade Palmeiras. Com certeza eles ocuparam um espaço dentro da expansão das atividades urbanas e da hierarquia local, geradas pelo avanço da atividade nuclear, o café. Vejamos alguns exemplos da atuação desses agentes. Em um empréstimo para o ano de 1899, com garantia hipotecária do valor de 3:000$000 promovido por José Avesani a favor de Luiz Pollini, proprietário, vemos que os juros são mais elevados, atingindo a cifra de 24% ao ano e com a garantia de uma casa de morada na área urbana. Percebemos a mesma atuação na figura do comerciante Ambrózio Margutti, que empresta em 1911, 3:000$000 para Perin Gerolanio, com juros de 12% e tendo como garantia hipotecária uma casa de morada na área urbana do município. Podemos perceber, de forma sintética, que havia uma hierarquia na cadeia mercantil do crédito, onde o topo da cadeia era ocupado pelo grande capital, nacional ou mesmo estrangeiro, tendo como fonte os grandes centros financeiros onde a diversificação dos investimentos é realidade, como por exemplo Londres e São Paulo, o primeiro hierarquizando o segundo, até chegar à órbita do complexo cafeeiro, as cidades especializadas na produção do café, como por exemplo Palmeiras. E no próprio município mantém-se as hierarquias, pois o grande capital, acessível aos grandes fazendeiros locais, ativam as transformações e a expansão das atividades, inserindo outros agentes que participam de forma mais modesta, mas não menos importante, na reprodução e na acumulação do capital cafeeiro. Essa estruturação fica mais evidente quando observamos, as hipotecas e penhores agrícolas, pois na grande maioria eram realizadas tendo como garantias a propriedade rural ou o café. Vejamos os Gráficos 4 e 5: Gráfico 4 - Proporção por Tipo de Bem Hipotecado no município de Palmeiras (1894-1914) 14000 12000 contos de reis 10000 8000 IMÓVEIS RURAIS IMÓVEIS URBANOS 6000 4000 2000 0 1894-1898 1899-1906 1907-1914 período Podemos observar no Gráfico 4 a importância dos imóveis rurais nas garantias de hipotecas em todos os períodos, pois como vimos nos capítulos acima, Palmeiras se caracterizou por ser um município onde houve excelentes terras para o cultivo do café, sendo a cafeicultura a principal atividade desenvolvida ali, ou seja, era o café a atividade nuclear da economia local. Fica evidente o reflexo da crise para o período de 1899-1906, acarretando na diminuição das hipotecas. No Gráfico 5, que revela os bens penhorados, também percebemos que o café era a atividade central do município. Dentre todas as penhoras somente uma não tinha café como objeto de penhor agrícola. Gráfico 5 - Tipos de bens penhorados no municipio de Palmeiras no período de 1894-1914 2500 Contos de réis 2000 1500 CAFÉ IMÓVEL URBANO IMÓVEL RURAL OUTROS 1000 500 0 1894-1898 1899-1906 1907-1914 Período Os dados verificados apresentam também a intima relação entre café e crédito, evidenciando que eram atividades intimamente relacionadas. Fica claro também, que os cafeicultores eram muitas vezes “reféns” dos agentes do crédito, pois necessitavam de capital de giro para poderem expandir suas plantações e aumentar os lucros. Há, assim, para o caso de Palmeiras alguns elementos específicos, que merecem atenção. O primeiro é que boa parte dos créditos tomados se referem à atividade agrícola do café, como aponta os Gráficos 6, 7 e 8. Gráfico 6- Natureza dos devedores (1894-1898) negociante/comerciante capitalista e industrial proprietário lavrador outros indeterminado Gráfico 7- Natureza dos devedores (1899-1906) negociante/comerciante capitalista e industrial proprietário lavrador outros indeterminado Gráfico 8 - Natureza dos devedores (1907-1914) negociante/comerciante capitalista e industrial proprietário lavrador outros indeterminado Somente no Gráfico 8, há uma importante modificação, devido a um empréstimo tomado pelo Conde Sílvio Álvares Penteado, importante industrial de São Paulo, em 1914, da Condessa Álvares Penteado, ambos moradores de São Paulo, da quantia de 5:318:560$057, com juros de 6% ao ano, e tendo como garantia a hipoteca da fazenda cafeeira “Palmares”, uma das maiores propriedades de Palmeiras. Outro ponto que podemos analisar foi quanto aos prazos e taxas de juros praticadas nos períodos selecionados no município. Vejamos os Gráficos 9 e 10: Gráfico 9 - Prazos praticados nos empréstimos registrados em Palmeiras (1894-1914) 14000 12000 10000 8000 Até 12 meses 6000 De 13 a 24 meses De 25 a 36 meses Mais de 3 anos 4000 Indeterminado 2000 0 1894-1898 1899-1906 1907-1914 Gráfico 10 - Taxas de juros praticadas nos empréstimos registrados em Palmeiras (1894-1914) 14000 12000 10000 8000 Sem Juros Até 12% ao ano De 13% a 24% ao ano Mais de 24% 6000 4000 2000 0 1894-1998 1899-1906 1907-1914 Contudo, apesar das dificuldades geradas pelo meio econômico e financeiro, com altas taxas de juros e prazos curtos para pagamento dos empréstimos, podemos perceber que em Palmeiras, a cafeicultura se desenvolveu, mesmo nos períodos de crise e conseguiu suportar as adversidades. A nosso ver principalmente devido à região ser possuidora de grandes lavouras de café, que na crise conseguiam melhores condições de financiamento, através da “verticalização” do mercado, indo buscar o crédito direto na fonte, não passando por intermediários, e ainda devido às relações familiares que se teciam entre os plantadores de café e a elite cafeeira paulista, muitas vezes sendo os membros da elite cafeeira paulista, com negócios diversificados, denominados de “elite modernizante” , proprietárias de fazendas de café no município, fato que pode ter contribuído para suportar a crise e ainda sim aumentar as plantações. No Gráfico 11 fica mais evidente o impacto da crise na cafeicultura, tendo uma queda drástica nos volumes de capital circulante a partir de 1898, e só indo reagir após 1910, em decorrência das medidas adotada pelo Convênio de Taubaté de 1906. Gráfico 11- Volume de empréstimos efetivamente tomados no município de Palmeiras 1894-1914 7.000,000 6.000,000 4.000,000 CONTOS DE RÉIS 3.000,000 2.000,000 1.000,000 14 13 19 12 19 11 19 19 09 10 19 08 19 07 19 06 19 05 19 04 ano 19 03 19 02 19 01 19 00 19 99 19 98 18 97 18 96 18 95 18 94 18 93 18 18 92 0,000 18 contos de réis 5.000,000 Conclusão Podemos concluir que o crédito e o acesso a suas fontes eram de vital importância para a expansão do complexo cafeeiro paulista. Percebemos em Palmeiras, no período de crise que vai de 1898 a 1906, transformações nas relações craditícias, mostrando a forte relação entre o mercado internacional, o nacional e o regional. Outro ponto a ser destacado é que mesmo com as adversidades derivadas da crise, houve relativo aumento na produção cafeeira, e não há indícios de uma fragmentação relevante das propriedades produtoras, isso, a nosso ver, devido à boa produtividade das fazendas decorrentes dos bons solos para o café; devido à “modernização” da produção, desde o uso de mão de obra assalariada até a racionalização administrativa, passando pelos incrementos técnicos; e devido principalmente ao acesso às fontes de crédito, facilitada pelo alto grau de parentesco entre os fazendeiros da região e as elites paulistas, possuidoras de grande e diversificado capital cafeeiro. Percebemos também, que a força dos cafeicultores locais foram de fundamental importância para a criação e modernização do município, evidenciando uma hierarquia social excludente imposta pelos possuidores de maiores fortunas, estendendo o poder econômico a esfera política. Outra importante observação é que a grande concentração de capital cafeeiro no município não gerou o desenvolvimento industrial local. Não podemos deixar de frisar que foi de extrema importância a economia cafeeira para o processo de modernização do município, mas os capitais gerados no município não ficaram ou foram reinvestidos localmente, pelo contrário, foi subordinado aos interesses da elite paulista que atuava na região, mas que diversificava seus negócios nos grandes centros urbanos, ou seja, no topo da cadeia mercantil. Afirma-se, portanto, que na economia-mundo, os centros dinâmicos possuidores de atividades diversificadas hierarquizam as bases, onde a produção tende a ser especializada. Bibliografia e fontes de pesquisa. ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru, SP: Edusc, 2006. BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva. 2005. ________. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. 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