Capítulo I - romances.com.br

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Capítulo I
—E
le não vai aparecer.
Russ Evans e seu companheiro, o detetive Jerry
Anders, tinham a atenção voltada para a cafeteria e para a
mulher que estava sentada lá, sozinha.
— Vamos esperar só mais dez minutos.
Jerry não protestou, porém Russ sentiu que ele havia ficado agitado, os sapatos esmagando a neve acumulada no chão.
Na verdade, ambos estavam com frio.
Diabos, frio era um eufemismo. Ele já não sentia mais
as mãos, e os pés estavam dormentes. Os ventos de janeiro
entravam furtivamente sob sua jaqueta de náilon, e os dedos
estavam rijos em volta do binóculo que utilizava para observar a porta de entrada da cafeteria.
O desconforto fazia parte do trabalho, e ele não pretendia
aposentar o distintivo tão cedo. Na verdade, adorava fazer
parte do grupo de Operações Especiais. Tinha satisfação em
observar, aguardar e analisar, congelado ou não, porque, no
final das contas, nada se comparava à sensação de algemar
um bandido.
— Não acredito que ele tenha marcado e não tenha
aparecido.
Pensativo, Russ examinou o estacionamento deserto que
ficava ao lado. Nada. Seu alvo, o vigarista e malandro de
primeira classe, Trevor Dean, não estava em lugar algum, e
isso não fazia sentido. Dean não tinha como saber que a polícia estaria de tocaia, mas não era típico dele deixar passar a
Erin McCarthy
chance de conhecer uma mulher.
Mulheres eram sua fonte de renda.
— Ela não faz o tipo dele, não é?
Russ olhou novamente para a moça sentada com um copo
de café nas mãos e um cachecol cor-de-rosa em volta do pescoço. Tinha o rosto escondido atrás dos óculos, do vapor do
café e dos cabelos dourados.
Sentiu um frio na espinha. Algo ali não se encaixava.
— Você quer dizer que ela não é feia? — Jerry soprou as
mãos para tentar aquecê-las.
Russ soltou uma gargalhada.
— Não. Veja você mesmo. — Passou o binóculo ao colega.
— As mulheres de Dean não são feias, são apenas... simples.
— Simples e feias, talvez. — Jerry observou a loira através das lentes. — Essa não é nada mal. Cabelo bonito, blusa
justa, gosto disso.
— Que bom que você está gostando. — Russ agitou as
pernas para que o sangue circulasse melhor.
— Seja como for, minhas calças estão mais aquecidas...
— Não acha estranho o fato de essa mulher ser tão diferente? Não gosto quando um vigarista altera o padrão sem
motivo. O alvo dele tem sido mulheres simples, assim ganha
a confiança delas com maior facilidade. Faz com que acreditem que ele está apaixonado, em seguida, rouba tudo que elas
têm. E a estratégia tem dado certo. Até onde sabemos, ele já
roubou cem mil dólares. Provavelmente mais. Então, por que
mudaria alguma coisa?
— Talvez isso não seja um negócio; quem sabe apenas prazer — murmurou Jerry, ainda por trás das lentes do binóculo.
Russ arremessou o cigarro em um monte de neve. Estava
fumando para parecer menos suspeito, caso fossem avistados. Agia como se tivesse saído da livraria para fumar. Em
seguida pegou uma pastilha de canela do bolso, removeu o
papel da embalagem e colocou na boca.
— Quer dizer, uma namorada? Uma namorada de verdade?
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— Inclinou-se para recolher a guimba do cigarro e jogá-la em
um lixo próximo. — Pode ser.
— Viu? Sou um pensador.
Russ arrancou os binóculos do rosto do parceiro.
— Recolha sua língua antes que congele.
— Se Dean arranjou uma namorada, por que não apareceu?
— Porque isso seria normal, de certa forma. Mas não
se pode fazer isso com uma mulher em quem se pretende
aplicar um golpe. Não se joga fora um vale-refeição.
— É possível dar uma mancada dessas e ser perdoado. No
meu caso, Pam me mataria. Já você... não tem namorada porque ninguém aguenta essa sua cara feia.
— Não tenho ninguém porque não quero. Prefiro a amizade colorida. Assim evito, no mínimo, as discussões de
relacionamento.
Russ não tinha tempo para nada daquilo. Entre seu trabalho e cuidar do irmão mais novo, Sean, ele mal tinha tempo para ir ao banheiro. E ainda não havia encontrado uma
mulher que não complicasse ainda mais sua vida.
— Você é um homem frio, Evans. Mas algum dia vai se
apaixonar, e eu estarei presente, tirando fotografias.
Russ mal prestou atenção na zombaria enquanto tentava
decifrar o mistério da loira que aguardava Dean. Se ela fosse namorada dele, estaria envolvida no golpe? O que sabia?
Poderia ser forçada a confessar?
Enfiando o binóculo dentro do bolso, ele atravessou
a rua.
— Aonde você vai?
— Fique aqui, Anders. Vou dar uma olhada nessa garota.
Estou com um pressentimento.
O ar quente do estabelecimento atingiu o rosto de Russ
quando ele abriu a porta, envolvendo-o com a essência dos
grãos de café e chocolate. O sino da entrada anunciou sua
chegada.
O sujeito de cabelo espetado, trabalhando atrás do balcão,
Erin McCarthy
encarou-o e cumprimentou-o com um movimento de cabeça.
Russ esperou que a loira olhasse para ele, mas foi em vão.
Ela lia uma revista, enrolando uma mecha de cabelo com
o dedo.
Não parecia capaz de roubar. Tinha uma aparência doce
e inocente, e o cachecol de lã fazia parecer uma funcionária zelosa da Marinha em intervalo no meio do expediente.
No entanto, ele sabia que as aparências enganavam. Já havia
visto os corações mais cruéis escondidos atrás dos rostos
mais bonitos.
Seus dedos ainda estavam congelados, por isso pediu
um café. Em seguida, verificaria a moça a fim de descobrir
onde ela se encaixava naquele quebra-cabeça para chegar
até Dean.
O cardápio escrito com giz estava complicado demais,
repleto de sabores e misturas, geladas e quentes, cafés de
Java ou com leite; ele desistiu de ler tudo.
— Quero um café preto.
O atendente limpou as mãos no avental verde.
— Que tipo de grão? Você pode escolher qualquer um
destes. — Apontou para o quadro com dezessete sabores de
grãos diferentes.
— Quero um café simples. Que tenha gosto de café — Russ
pediu, sem perder mais tempo.
— Há outra cafeteria no fim da rua — informou o balconista com uma postura arrogante. — Eles servem café
simples.
Espertinho.
Russ considerava mostrar seu distintivo, quando ouviu
alguém chamar seu nome.
— Russ?
Espantado, virou-se e viu a loira se levantando com um
sorriso convidativo no rosto.
— Fico feliz por você ter vindo. Estava ansiosa para
encontrá-lo.
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Ele ficou atônito. Como ela sabia seu nome?
No minuto seguinte já estavam apertando as mãos. A
moça não só demonstrava conhecê-lo, como também parecia
feliz em vê-lo. Já ele estava cumprimentando a namorada
de Dean e não fazia ideia do que estava acontecendo.
— Olá.
— Talvez ela possa escolher um grão para você — sugeriu o atendente.
Russ virou-se e encarou o rapaz, que simplesmente deu
de ombros.
— Escolha seu café, Russ, vou ficar sentada ali. — Ela
apontou para a mesa e apertou sua mão novamente, sorrindo.
Que mistério é esse?, ele pensou enquanto a observava
andar. Tentou decifrá-lo, mas distraiu-se ao observar o corpo curvilíneo da moça. Talvez a função dela fosse atraí-lo,
confundi-lo e distraí-lo, a começar por sua aparência.
Não iria funcionar. Ao menos não completamente.
Consciente da possibilidade, ele se deixaria distrair apenas
parcialmente.
— Sirva-me qualquer coisa — disse ao atendente.
Se a mulher era namorada de Dean e sabia que ele era um
policial, por que o cumprimentaria? Para surpreendê-lo?
O atendente deu a ele uma xícara e um guardanapo e
bateu nas teclas da máquina registradora.
— Três dólares e vinte e seis centavos.
— Por uma xícara de café? — Aquilo interrompeu a miscelânea de pensamentos em sua cabeça. — Isso é um roubo!
— Vá à cafeteria no fim da rua, então.
Russ pagou, relutante, calculando que cada gole da bebida valia em torno de vinte e cinco centavos.
A loira estava dobrando a revista e guardando-a na enorme bolsa. Para ganhar tempo, já que ele não sabia o que dizer
a ela, caminhou lentamente e colocou a xícara na mesa.
Ela colocou o cabelo atrás da orelha.
— Tenho memória fraca, mas achei que tínhamos marcado às sete.
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Erin McCarthy
Russ lembrou-se de repente de algo que se encaixava
perfeitamente naquele cenário. Aquela moça só poderia ser
Laurel. Eles não sabiam nada sobre ela, apenas que era um
dos alvos de Dean. Haviam encontrado um bilhete em meio
ao lixo que o bandido abandonara antes de escapar com dez
mil dólares roubados de sua última vítima. Até o aparecimento daquela última mulher, o departamento que investigava Dean estava sem sorte, pois a maioria delas se mostrava
constrangida em admitir uma fragilidade. Aquela que dera
acesso até a seu lixo estava disposta a revelar tudo o que
sabia, incluindo o bilhete escrito por Dean:
Laurel
Quarta-feira, 7h, Starbucks, 117ª.
Com base naquilo, armou-se uma vigília, na esperança de
que o bandido aparecesse e pudessem levá-lo até a delegacia
para interrogatório.
Mas Dean não estava lá. E quem era aquela mulher?
Russ decidiu se fazer de bobo e ver que informação poderia obter através da conversa, embora sua intuição estivesse
gritando que algo não fazia sentido.
Observando a pintura cubista em vermelho atrás dela,
ele esfregou o queixo e prosseguiu, cauteloso.
— Você está certa. Combinamos às sete. Desculpe-me pelo
atraso.
Ela tocou a mão dele sobre a mesa e apertou-a levemente antes de soltar.
— Poderia olhar para mim enquanto fala? Sou surda,
lembra-se?
Surda? Não, ele não se lembrava disso. Aliás, nunca soubera. Durante uma fração de segundo, perguntou-se se ela
estaria mentindo, mas então percebeu que ela tinha a voz
nasalada que caracterizava a fala de um deficiente auditivo.
Laurel fez um gesto ao lado do rosto, em uma linguagem
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de sinais que ele não compreendia.
— Não consigo ler seus lábios se não puder ver o seu
rosto.
Ele ficou sentado ali, perplexo, durante uns vinte segundos. Apesar de sentir-se perdido, forçou um sorriso.
— Desculpe, eu não estava raciocinando direito. E sinto
muito por ter chegado atrasado. — Soltou uma gargalhada
que pareceu mais insana do que charmosa, porém estava se
esforçando, apesar de sentir-se abatido. — Esta não é uma
boa primeira impressão, não é, Laurel?
Lançou o nome dela apenas para confirmar o que já sabia.
A maneira casual como ela agia deu-lhe a certeza de que
realmente era a moça do recado.
Observá-la de perto deixou óbvio que ela não era simples como as outras vítimas de Dean, longe disso. E, até onde
sabia, nenhuma das outras mulheres era surda. Não tinha
certeza se aquilo era relevante, mas era bom prestar atenção
a todos os detalhes.
— Você é mais alto do que imaginei — observou ela, gesticulando com as mãos enquanto falava. — E mais bonito.
De algum modo, ela não fazia soar como um elogio. Ainda
assim, sorria timidamente, por trás dos longos cílios. Havia
algo nela... uma inocência que o incomodava. O que era
ridículo.
Em princípio, acreditara que ela fosse tão vigarista quanto Dean. Bandidos mais experientes conseguiam fingir
inocência.
— Obrigado. E você é muito mais atraente do que eu
esperava.
Era verdade, embora ele tivesse dito aquilo para avaliar
sua reação.
Laurel não enrubesceu ou gaguejou ou sorriu galantemente; apenas aparentou satisfação. Com isso, ele teve noventa e nove por cento de certeza de que a moça era a fantasia
de um golpista, não sua namorada.
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A situação era pior do que havia previsto. Laurel não
era nem um pouco feia. Na verdade, era muito sensual e
provocante.
Russ esforçou-se para resolver aquele novo conflito sem
distrações. Contudo, estava completamente distraído pela
perna macia que esbarrava constantemente na sua.
Havia mulheres que ostentavam beleza, outras que pareciam modelos. Havia tipos diferentes, como Laurel. Doce,
suave e sexy, dona de uma sensualidade inocente, e simplesmente linda.
Seus cabelos eram mechados com diferentes tonalidades
de dourado. Tinha olhos azuis como a água de um lago límpido e lábios vermelho-cereja. A blusa branca abraçava um
par de belos seios e, apesar do aroma de café que pairava no
ar, ele podia jurar que sentia um perfume adocicado como
algodão-doce.
Se ela fosse o novo alvo de Dean, seria seguida até que
ele completasse o golpe, extorquindo-a emocional, física e
financeiramente, e desfrutando cada segundo.
— Eu queria enviar uma foto minha por e-mail, mas estava com medo. O que não foi justo, já que eu conhecia sua
aparência e você não tinha ideia de como eu era. Procurei
em seu anuário escolar.
Russ ergueu uma sobrancelha. Aquilo estava cada vez
mais estranho.
— Como teve acesso a tanta informação a meu respeito?
— E qual seria mesmo sua aparência naquela época? Cabelo
ruim e acne, provavelmente. Braços finos e esguios como
os do irmão, Sean.
— Michelle Ganosky. Lembra-se dela? Ela viu seu nome
numa sala de bate-papo de ex-alunos, pela internet, e sugeriu
que eu me apresentasse.
— Michelle?
Russ não se lembrava nem das mulheres com quem havia
saído duas semanas antes, muito menos de uma colega da
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escola. A não ser que tivesse dormido com ela, mas não
podia fazer esse tipo de averiguação naquele momento. Foi
então que teve um estalo.
— Michelle Ganosky. Não era aquela... — a voz dele tornou-se fraca ao perceber que estava prestes dizer “garota
surda”. Assim, limpou a garganta e abriu o zíper da jaqueta, incomodado.
— Surda? Sim, Michelle é surda. Por isso nos conhecemos. Estudamos juntas na faculdade durante um ano antes
de eu voltar para casa. Mas eu não queria que você soubesse que eu a conhecia, para não parecer que comecei a falar
com você intencionalmente. Agora você já sabe. — Ela riu
e jogou o cabelo para trás dos ombros.
Russ começou a compreender o que estava acontecendo. Na certa, Laurel conhecera alguém em uma sala de batepapo de sua antiga escola, e essa pessoa entrara com o nome
“Russ Evans”.
Aquele canalha!
— Você sabia que eu era policial, Laurel?
Tenso, ele aguardou a resposta. Até agora não havia motivos para suspeitar que Dean soubesse que estava sendo
investigado.
— Sim, você me disse.
A resposta dela descartou qualquer suspeita, deixandoo com raiva. Dean estava brincando com o departamento,
fazendo-os perder tempo, e arrastando aquela moça junto.
— Você contou várias coisas, Russ. — Ela sorriu de maneira insinuante.
Ele podia imaginar. Enraivecido com o trapaceiro,
endireitou-se na cadeira e esbarrou na perna dela de novo.
— Laurel, não sou o homem com quem você tem conversado online. Eu nem tenho um computador.
Se tivesse, provavelmente jogaria pela janela. Não conseguia ficar muito tempo parado e não tinha paciência com
a tecnologia.
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Laurel franziu o cenho.
— Por acaso conhece Trevor Dean? — ele indagou, com
cuidado.
— Quem? — Seus dedos moviam-se na linguagem de
sinais enquanto falava. — Não conheço ninguém com esse
nome e não compreendo o que está havendo.
Russ já tinha descoberto tudo. Laurel não era a namorada de um vigarista sofisticado, e sim uma diversão extra para
Dean flertar online. Ou era, de fato, seu próximo alvo.
Mas ele não deixaria que isso acontecesse. Não debaixo
do seu nariz, tampouco com aquela mulher.
E talvez Laurel pudesse ajudá-lo a pegar o vigarista.
Laurel Wilkins bebericou o café e tentou compreender o
que Russ dizia. Não estava tendo muita sorte, por isso contentou-se em admirar a beleza dele enquanto aguardava
uma explicação.
E havia muito que observar. Ele era um homem de beleza rústica. O maxilar anguloso completava as linhas fortes
do rosto. Os cabelos fartos e castanhos estavam escondidos
por um boné de beisebol. Os olhos da mesma cor dos cabelos e a boca bem desenhada finalizavam o conjunto atraente.
Os ombros largos eram visíveis mesmo por trás do casaco de inverno. Músculos fortes apareciam sob a camiseta
cinza. E havia observado as pernas musculosas, cobertas pela
calça jeans quando ele caminhara em direção à mesa.
Pela maneira como seu corpo reagira, soube o quanto
aquele homem a atraía. Não era sempre que ficava naquele
estado de torpor em um primeiro encontro.
— Sinto muito, mas você tem trocado e-mails com um
homem que está usando meu nome. Trevor Dean é um golpista, que arranca dinheiro de mulheres. Primeiro ele as
encontra; algumas online, outras na cidade, depois ganha a
confiança delas. Não demora para levá-las para a cama, mora
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com elas e, depois, rouba tudo o que têm. O Departamento
de Polícia o está investigando por roubo e fraude.
Roubo e fraude? Será que ela lera direito os lábios dele?
— Como?
— Roubo e fraude.
Laurel bebeu um gole do seu terceiro café com leite. Já
bastava de planos rebeldes e libertinos.
— Como sabe que eu conversei com ele na sala de batepapo? — E compartilhei informações pessoais; e o mais
constrangedor, um flerte sensual?
E pensar que havia confessado a um estranho que não
ia para cama com ninguém havia seis anos! Ele provavelmente marcara o seu endereço de e-mail como “loira burra,
com grande possibilidade de lucro”.
— Encontramos um pedaço de papel com seu nome e os
detalhes desse encontro nas coisas pessoais que ele deixou
na casa de sua última vítima.
Laurel não conseguia decidir se estava constrangida ou
decepcionada. Até aquele momento, a parte ruim ganhava em disparado. Mas não admitiria aquilo para aquele
homem maravilhoso.
— Isso é muito constrangedor.
— Não fique sem-graça. Foi melhor que tenha descoberto a tempo.
Fácil falar, pensou ela. Não foi você quem vestiu lingerie
rendada e se encheu de expectativa para o encontro de hoje.
E o pior de tudo: ela havia gostado do “Russ virtual”.
Ele era engraçado e atencioso, sempre colocava um rostinho
sorridente nos e-mails. Laurel sentiu as bochechas quentes.
Na certa estavam da cor do seu cachecol. Sua mãe sempre
dissera que ela confiava demais nas pessoas e que provavelmente ajudaria um assassino em série. E ela nem havia
questionado se Russ Evans era realmente quem dizia ser.
De qualquer forma, um serial killer era bem diferente daquele que estava à sua frente, tratando-a de um jeito
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formal e paternalista.
— E você não deveria dar informações pessoais online.
O mundo está cheio de trapaceiros. E nunca mais concorde
em se encontrar com alguém pessoalmente.
Apesar de ela ter chegado à mesma conclusão sozinha,
ouvir aquilo dele fez com que se sentisse uma criança desobediente. Não suportava quando as pessoas a tratavam com
condescendência.
— Estou em um local público. Nada de mal teria acontecido comigo.
Russ deu uma risada seca.
— Existe apenas um homem trabalhando aqui e ele provavelmente tem mais cabelo do que cérebro. Alguém poderia
apontar uma arma para você, mostrá-la ao atendente e arrastála para fora daqui em trinta segundos, e ninguém o deteria.
Que ideia reconfortante, ironizou Laurel em pensamento.
— Não seja tão confiante, Laurel. Você nem pediu para
ver a minha identificação. Talvez eu nem seja um policial.
Deus, ele estava certo! Errara pela segunda vez em um
mesmo encontro. Talvez ele fosse o vigarista tentando convencê-la de que era policial. Confusa, ela estendeu a mão.
— Identificação, por favor.
Russ fez sinal de aprovação, tirou a carteira do bolso da
calça e deu a ela.
— Jamais confie nas pessoas sem antes conhecê-las bem.
Laurel pensou que aquele era um modo triste de encarar as coisas, mas observou o distintivo do Departamento de
Polícia de Cleveland. Olhou para o endereço na carteira
de motorista e para a foto do documento, que não lhe fazia
justiça.
Os avisos da própria mãe e os dele soaram em sua
cabeça.
— Como posso saber se está dizendo a verdade? — indagou, passando o dedo pela superfície saliente do distintivo.
Russ ficou boquiaberto, então riu.
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— Não tem como saber. Você poderia ligar para o
Departamento de Polícia e perguntar por mim para confirmar
que sou um detetive, ou poderia pressionar meu chefe.
— O único problema é que eu não conseguiria ouvir a
resposta dele.
Russ ficou sem-graça.
— Desculpe-me, eu não pensei...
Ele ficou tão constrangido, que ela se apressou a tranquilizá-lo com um sorriso. Sentiu-se perturbada com o fato de
sua surdez incomodar as outras pessoas.
— Não estava criticando você ou tentando fazer com que
se sentisse mal. Prefiro sempre colocar a sinceridade em
primeiro lugar.
Ele não sorriu de volta. Limitou-se a observá-la, sentada
na cadeira, os dedos longos brincando com o guardanapo em
cima da mesa. Laurel parou de sorrir, e assumiu sua decepção. Aquele homem, atraente e atencioso, não era a pessoa
com quem conversara online.
Tinha ficado tão animada ao vê-lo, tão ansiosa pelo
encontro, tão grata por não ter sido esquecida. No entanto, sequer considerara qualquer eventualidade ruim. Quanta
imaturidade.
Pior ainda, Russ Evans não era mais seu segredo, o motivo para que verificasse os e-mails, aguardando ansiosa por
uma mensagem. O homem com quem tinha conversado na
sala de bate-papo tinha sido doce e galanteador, e interessado. E nada tinha sido real. O sujeito era um vigarista, e provavelmente roubaria seu dinheiro. Enquanto isso, o verdadeiro
Russ Evans nem sequer parecia interessado nela.
Droga. Queria ir para casa e comer um brownie.
— Bem, eu vou indo, então — avisou, abruptamente. —
Obrigada pela preocupação. Espero que você pegue esse
sujeito. — Inclinou-se para pegar a bolsa, sem querer ouvir
nenhuma resposta.
Era um truque que usava desde criança: fechava os olhos
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Erin McCarthy
quando estava sendo castigada para que não pudesse ver o
sermão. Por fim, sua mãe começava a lhe bater para forçála a abrir os olhos. Porém, Russ Evans não a conhecia, nem
sabia se o que ela fazia era intencional. Laurel queria apenas
sair dali sem mais repreensões.
Quando virou-se para pegar o casaco preto pendurado na
cadeira, Russ a segurou pelo braço. Cautelosa, ela levantou
o olhar.
— Dean lhe deu alguma pista sobre quem é ou onde mora?
Quais são os interesses dele?
Laurel arrancou o braço da mão dele e vestiu o casaco,
sem querer pensar sobre as coisas que Dean lhe dissera, porque isso significava que precisaria lembrar-se de todas as
coisas sentimentais, ingênuas e pessoais que escrevera em
resposta.
— Não sei de nada além do que já descobrimos. Ele era
um policial, estudou no colégio em Lakewood, gosta de
barcos...
— Eu não gosto de barcos. Gosto mais de acampar. — Russ
alegou, intenso. — Pode haver pistas nos e-mails dele. Você
os salvou? Há quanto tempo estão se comunicando?
— Cerca de dois meses. Mas não salvei nenhum e-mail.
Ele disse que mora em Tremont, mas nunca me deu o endereço completo.
— Sobre o que vocês conversavam?
— Qualquer coisa. Tudo. — Sexo. Ainda bem que tinha
apagado os e-mails.
Laurel terminou de vestir o casaco e pegou as chaves
dentro da bolsa. Tinha de sair dali, afastar-se de Russ Evans
e do lembrete de que estava enganando a si própria. Sua vida
nunca seria excitante. Estava destinada a murchar como frutas secas, a virar um fóssil, sem nunca mais ser tocada por
mãos masculinas.
Russ Evans queria apenas capturar o bandido, e ela precisava mais era se trancar no quarto e escrever poemas de
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segunda categoria.
— Pode ser mais específica? — Russ parecia ter se esquecido seu desconforto. Pegou a xícara de café que não lhe
pertencia, bebeu um gole e, claro, nem percebeu o erro.
Ver a boca dele em sua xícara, bem onde seus lábios
tinham tocado, fez com que ela estremecesse. Queria sacudi-lo, fazer com que olhasse para ela de fato e visse mais do
que apenas uma garota surda que caíra na lábia de um vigarista. Seria muito difícil vê-la como mulher? Apenas uma vez,
queria que aquele sujeito maravilhoso olhasse para ela e a
visse de verdade.
— Sexo. Falávamos sobre sexo.
Russ engasgou-se com o café espumante e doce, sentindo-o passar pelo nariz e queimar muito. Não esperava uma
resposta tão direta. A imagem que surgiu em sua mente foi a
de Laurel sussurrando em seu ouvido o que gostaria que ele
fizesse e como. Bastou imaginar a cena para ficar excitado.
Que belo exemplo de profissionalismo!
Ele se recompôs. Ao menos a parte acima da mesa.
— Acho que não existem pistas se seguirmos nessa linha.
— Não, a menos que você queira saber as fantasias
sexuais dele.
Oh, Deus, teria sido melhor levar um tiro.
— Eu passo. — A menos que queira me contar os seus
sonhos.
Ambos ficaram em silêncio por um instante, os pensamentos dele se confundindo com ideias pervertidas e
dúvidas sobre os planos de Dean.
— Tem certeza de que ele é um vigarista? — Laurel quis
acabar de vez com as esperanças.
Como ela parecia tristonha, a resposta de Russ foi ríspida.
Era preciso ter a certeza de que Laurel não ficaria com um
bandido depois de tudo o que soubera.
— Sim. Até onde sabemos, ele roubou mais de cem mil
dólares de quatro mulheres, antes mesmo de a cama esfriar.
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Erin McCarthy
Você tem dinheiro, Laurel?
— Mais ou menos. Tenho um fundo de investimento e,
apesar de morar com minha mãe, a casa é minha.
— Onde fica?
— Na Edgewater Drive.
— Deve ser em frente ao lago.
Ótimo. Ela era mesmo uma presa para Dean.
— Sim. — Laurel colocou o cachecol em volta do pescoço.
— Bem, existem outros peixes no mar, eu acho. Ou online.
Russ não gostou do que acabara de ouvir.
— O que quer dizer com isso?
Laurel estava com a cabeça baixa, abotoando o casaco.
Ele a cutucou, impaciente, fazendo-a encará-lo.
— Não saia com homens que conheceu pela internet,
Laurel. Não é seguro. Eles podem ser qualquer pessoa, dizer
qualquer coisa a você.
— Isso também pode acontecer com quem conhecemos
pessoalmente.
Droga, ela estava certa. Porém, não podia permitir que
Laurel fosse embora sem antes compreender a importância do que ele dizia. Deixar que ela navegasse sozinha pelo
mundo virtual seria o mesmo que fazer um coelho atravessar
uma estrada com oito pistas.
Laurel abriu um sorriso que o encantou e fez suspirar. Não
queria se envolver com ela ou com o que quer que estivesse procurando. Já era difícil manter Sean longe de problemas.
Não poderia tomar conta de uma moça também, porém precisava que ela prometesse que seria mais esperta. Gostaria
de evitar ler o nome dela em um futuro relatório policial.
— Deve haver outro jeito de encontrar pessoas. No trabalho, alguém que seus amigos conheçam, na igreja... Há muitos homens decentes à procura de um relacionamento. Seja
esperta, cerque-se de informações. — Ele parecia um pai
preocupado dando as chaves do carro ao filho adolescente.
Laurel não conseguiu abrir a boca, e sentiu o rosto corar.
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Não saberia dizer se pelo calor, já que vestira o casaco, ou
por estar irritada com Russ.
Talvez, se o chocasse, pudesse sair dali.
— Não quero um relacionamento. Só quero fazer sexo.
— Laurel! — repreendeu ele sem pensar, surpreso pela
própria reação.
— Essa é a pura verdade. Sempre fiz o que os outros mandavam. Tenho sido boa, educada, atenciosa e, na maioria das
vezes, isso não me incomodou. Quero dizer, não quero ser
mal-educada ou pouco atenciosa, mas, por uma vez, queria
ser egoísta. Rebelde.
A última coisa que ela parecia era rebelde. Era, sim, uma
mulher graciosa, do tipo que se apresentava à família, se
colocava em um pedestal e se admirava de longe, como um
ícone da perfeição feminina. Laurel não era mulher para coisas obscenas.
O que também não explicava sua ereção, concluiu Russ.
— Bem — ele mudou de assunto —, quantos anos você
tem? Vinte?
Laurel observou os lábios benfeitos atentamente.
Russ achava fantástico o fato de ela poder ler seus lábios.
Mas isso também significava que, na maioria das vezes, seus
olhares não se cruzariam. Com isso, ele poderia observála melhor, sem demonstrar um interesse exagerado.
Na verdade, gostava de olhar para ela. Laurel era muito
diferente das moças com quem já tinha saído. Estava acostumado com mulheres audaciosas e atrevidas porque aceitavam o que ele tinha a oferecer. Compreendiam o conceito de
aproveitar o momento sem compromissos.