Magistério: profissão esperança?
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Magistério: profissão esperança?
Magistério: profissão esperança? Prof. Mauro Passos ∗ Resumo A presente comunicação tem como propósito discutir questões relacionadas com a história da profissão docente em Minas Gerais. Faz parte de uma pesquisa mais ampla. Propõe estudar este tema na “Revista do Ensino” que circulou do final do século XIX até 1965. Os diversos artigos revelam as perspectivas, os propósitos que os professores devem introjetar. Assim, devem construir formas próprias de ver, sentir, pensar, estar na escola, na cidade e no mundo. Palavras-chave: profissão docente, identidade, trabalho Abstract This article aims to discuss questions related to the history of the teaching profession in Minas Gerais. It represents are parts of larger body of research. It attempts to study this theme as discussed in the “Revista de Ensino” (Teacher’s magazine) which was published form the end of the 19th in the century until 1965. The various articles reveal the perspectives and the objectives which teachers should include in their teaching method. Therefore, they should construct their own forms of seeing, feeling, thinking, and the way of being in school, in the city and in the world. Key words: teaching profession, identity, work ∗ Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) [email protected] Um contexto de várias vozes começa a se delinear na segunda metade do século XIX. Os pressupostos da modernidade já vinham sendo vividos, de modo fragmentário, no cotidiano social. É um fenômeno de longa duração que se foi definindo e provocando alterações, por um lado. Por outro, várias resistências se fizeram sentir no campo político, social e religioso. O historiador A. J. Mayer estuda esse fenômeno no período de 1848 a 1914 e mostra a força da resistência do antimoderno, na vida político-social e religiosa até à 1ª. Grande Guerra 1. A interpretação do mundo pela experimentação, pelas fórmulas matemáticas é uma característica, marcadamente, moderna. Assim, ocorre um distanciamento dos princípios religiosos que tem como conseqüência o poder político centralizado no Estado. A Igreja Católica, que tinha grande liderança no plano cultural e educacional, vai perdendo espaço. Com a modernidade, novas balizas foram sendo geradas, alterando o universo simbólico, com novas epistemologias, metodologias, novos discursos e novos códigos. Intimamente associada à mutabilidade social, está a mutabilidade do próprio homem, o sentido histórico do humano, a compreensão do ser como sujeito da história. No entanto os princípios da educação cristã continuavam postulando as verdades cristãs. O objetivo era garantir a formação cristã e religiosa. De acordo com a concepção agostiniana da educação, a missão educativa da Igreja é um direito divino e natural. À sua missão educadora, segue o papel e o dever da família e depois do Estado. A escola tem um papel complementar e intermediário entre o estado e a família. Por isso, a escola deve continuar a missão da família e da Igreja, formando intelectual, moral e religiosamente as crianças, os jovens e os professores. O pensamento educacional católico teve dificuldades para dialogar com o ideário modernizante por que passava a sociedade e a cultura. No final do século XIX, diversas mudanças foram-se operando no cenário brasileiro. Uma série de questões objetivas e subjetivas relevantes acenava para as instituições republicanas. Despedidas e inaugurações assinalaram o primeiro ano da república. Baseados na concepção de “república modernizadora” a escola começou a ser organizar interna e externamente. As reformas de ensino, a escola primária e a formação dos professores estavam articulados. Vários estudos contribuem para a compreensão do processo que se desencadeou 2 . Em Minas Gerais, a cultura escolar encontra nos Grupos Escolares um novo jeito de educar e formar o cidadão republicano: O processo de racionalização pelo qual vinha passando o “sistema público de instrução primária”, que atingia desde a maior definição, divisão e controle dos espaços e tempos escolares, passando pela afirmação e controle dos espaços escolares, passando pela afirmação das classes e disciplinas escolares até atingir os processos e os métodos de ensino, significava, naquele momento, um movimento de expansão da abrangência escolarizada, que passava a ocupar-se de tarefas cada vez mais amplas e complexas. (MENDES FILHO, 2000, p. 179-180) 2 É importante destacar o deslocamento que vai ocorrendo no campo educacional. Das mãos da instituição religiosa, vai passando para o domínio do Estado. A laicidade do ensino não era uma questão isolada do cenário político. Compunha com outras mudanças, o ideário positivista de modificar a sociedade brasileira. Dessa forma, os princípios educacionais emanados por essa corrente identificavam a liberdade de ensino com a prosperidade da nação. Com isto, opunhase ao ideário católico e tinha o propósito de superar a tradição clássica das humanidades, mediante a inclusão de disciplinas científicas no currículo. No entanto, é importante registrar que o regime republicano não promoveu uma perseguição religiosa, nem confiscou os bens eclesiásticos, como também não impediu a organização do ensino privado e católico. Pelo contrário, muitos aspectos foram inaugurados com representações religiosas. Nesse sentido, merece destaque a formação docente. A situação histórica anterior influenciou grandemente na sua constituição. As famílias tradicionais mineiras continuavam a educar seus filhos em colégios católicos, pois a escassez de escolas públicas era grande em Minas Gerais (e em todo o Brasil!). Isso favorecia a formação religiosa, ainda mais que os estudantes ficavam, em sua grande maioria, em regime de internato. A educação nesses colégios pautava-se pelos rígidos padrões morais, com uma visão espiritualizante do mundo e da vida e uma exigente disciplina. Em diversos aspectos o programa católico estava em sintonia com o republicano, particularmente nos aspectos moralizantes, disciplinadores e de respeito à ordem estabelecida. Em Minas gerais foram abertos diversos colégios católicos e no período de 1930 a 1960 formavam um significativo número de normalistas que atuavam em Minas Gerais. Com o objetivo de formar professoras, o apostolado educativo das escolas normais católicas tinha um efeito multiplicador, através do exercício do magistério, por um lado. Por outro, as diversas formas de representação, símbolos e práticas contribuíram para a manutenção dos princípios cristãos. 1. A Revista do Ensino: momento de origem A escolha de “A Revista do Ensino” para este estudo foi feita pela temática religiosa presente em seus artigos e pela concepção que traz da profissão docente. A leitura cuidadosa dos temas que compõem o corpo da revista nos ajuda a desvendar o discurso político sobre o magistério, como também as imagens que projetam sobre os(as) professores(as) em Minas Gerais. A importância de uma revista indica o lugar onde se realiza a dinâmica da produção de sentidos. Trata-se de um texto que tem sentido instituído como reconhecem diversos autores – Barthes, Derrida, Deleuze. Com ele, compartilham diversas contribuições, práticas, saberes e formas de 3 constituição da gramática docente. Os discursos não estão soltos, nem são apenas um conjunto de enunciados. Mais do que isso, funcionam como condições de possibilidades para que seu significado seja assimilado e praticado numa determinada época. Neste sentido: É preciso admitir um jogo complexo e instável em que o discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito de poder, e também obstáculo, escora, ponto de resistência e ponto de partida de uma estratégia oposta. O discurso veicula e produz poder; reforça-o mas também o mina, expõe, debilita e permite barrá-lo. Da mesma forma, o silêncio e o segredo dão guarida ao poder, fixam suas interdições; mas também afrouxam seus laços e dão margens a tolerâncias mais ou menos obscuras. (FOUCAULT, 1993, p. 96) Meu interesse está situado no tratamento dado às questões educativas e ao papel do(a) professor(a). A Revista do Ensino não é apenas um texto para ser lido. Comporta um sentido plural, uma rede de significações que justificam e orquestram a prática educativa. Em 1932, publicou um artigo do jornal “A defesa”: É a educação “a ação de uma alma sobre almas”. E esta alma que age, que atua, que influi sobre milhares de outras ainda puras, ainda expurgadas dos males que infelicitam a humanidade, é a do educador. Qual não deve ser, então, a perfeição desta alma em que se miram tantas outras?!... Como um espelho, deve a alma do educador ser límpida, polida, cristalina e, se o espelho reflete a imagem dos objetos, a alma do educador deve refletir qualidades que o tornem digno da missão que a lei e a confiança publica lhe conferiram. O mestre não pode jamais esquecer-se de que ele é um exemplo vivo para os seus alunos e que, fora da classe, a opinião publica lhe é severa. Ele deve ter sempre presente a idéia de que a sua vida não é somente sua, e é aí que se revelam o seu altruísmo, a sua abnegação, quando ele vê em cada um dos seus alunos uma parte de sua vida, quando, pelo amor deles, sacrifica os seus desejos,sufoca as paixões, os seus ímpetos de cólera e de vingança, temendo que a sua ação, impulsionada por um desses sentimentos, seja percebida e imitada por seus alunos. (VALE, 1932, p. 38-39) A intencionalidade faz emergir uma série de significações, a partir de uma cadeia de imagens e metáforas presentes no texto. O jogo do ser e do dever ser, através das metáforas e das representações, apontam e direcionam para a idéia do(a) professor(a) como modelo para os alunos – espelho, alma (cristalina, límpida, polida). Essas imagens marcam a profissão docente, como veremos em outros artigos. Através de um discurso ideológico, vai sendo tecida a profissão docente nas entrelinhas dos textos, nos diversos artigos. 4 A Revista do Ensino começa a circular em Minas Gerais em 1891. Em 1965 deixa de existir. No entanto, sua publicação é muito irregular, pois há períodos que deixou de ser editada. É um órgão Técnico da Secretaria da Educação, publicado pela Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. Na última folha vem escrito: Vida escolar em Minas Geraes Pedimos aos srs. Directotes de estabelecimentos de ensino publico e particular (escolas isoladas, grupos escolares, escolas normaes e gymnasios) que nos forneçam, para serem publicados, photografia (instantaneos, de preferencia) documentarios da vida escolar em nosso Estado 3. 2. A Revista do Ensino: um instrumento mediador Não tenho a pretensão de examinar todos os detalhes da revista neste trabalho. Como já afirmei, este estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla, ainda, em andamento. No entanto, algumas informações permitem situar determinadas questões importantes sobre os artigos que veiculam e seus sentidos. A Revista do Ensino propõe-se a publicar uma rede de textos para atualização e formação dos professores. Seu corpo apresenta diversos artigos sobre pedagogia e ensino escolar: 1. Estudos sobre temas pedagógicos / formação do professorado 2. Aspectos práticos: leitura e composição dos alunos 3. Exercícios escolares 4. Exames escolares 5. Noticiário Para este trabalho estarei priorizando os artigos que dizem respeito à Profissão docente – a forma de entendimento e o tratamento que os textos dão a este tema. A lógica que rege a sala de aula, o material usado, a atualização do professor e, por último o fortalecimento dado a essa questão pela analogia com a representação religiosa e a organização da sociedade. Evidentemente que há outras abordagens possíveis e a Revista de Ensino é um rico material para o entendimento da relação Professor – Educação – Estado – Profissão. Como se trata de uma pesquisa em andamento, estarei dando ênfase a essa abordagem. Nota-se nas diversas publicações uma rede de significações, no entanto, com a pertinência de um aspecto – a missão do professor. Uma retórica que envolve o ser e 5 o vir-a-ser do(a) professor(a). Por isso, há uma insistência para que essa atividade apresente os seguintes aspectos sobre o ser do professor – relevância do magistério em comparação com outras profissões, o significado do magistério na formação do caráter do estudante, o aspecto sacerdotal desse exercício. As abordagens, portanto, recaem no discurso ideológico que conta, modela, controla e regula. Os/As professores(as) devem se tornar sujeitos, a partir do que esses discursos circunscrevem. Na perspectiva “foucaultiana”, a palavra / o discurso tem um valor representativo. As práticas discursivas moldam as maneiras de construir o mundo (mundo da educação). Os artigos publicados são práticas discursivas, pois expressam interesses, demandas, moldam maneiras de constituir a profissão docente e de compreendê-la. Segundo Foucault:: “Os discursos formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato de fala”. (FOUCAULT, 1987, p. 56) Não são, portanto, apenas um ato de fala, traçam um desenho para as ações e se relacionam com outras ações e outros discursos. Isso é o que poderemos perceber no conjunto dos artigos. Em 1929, o editorial da Revista chama a atenção dos professores para diversos aspectos: Que tendes feito para que a vossa escola seja estimada e comprehendida pelos alumnos e, sobretudo, pelas famílias dos alumnos? [...] Faz-se mister, portanto, que a escola extenda a sua influencia até a família e até a rua, modificando-as de accordo com os seus objectivos, tornando-as, assim, em vez de forças contrarias, forças que com ella se harmonizem e com ella concorram para a realização de suas idéas.[...] Cumpre ver o que se tem feito, nos grandes paizes a esse respeito, meditar sobre os expedientes de que têm lançado mão e pol-os em pratica, entre nós, sem mais demora. Tal professor aventa as visitas aos Paes de família, fazendo-os interessar no trabalho escolar, elucidando-os sobre o papel imprtantissimo que exerxe a família sobre a educação das creanças e pedindo-lhes a cooperação nos trabalhos infantis. Outro pensa que o devotamento dos mestres, bem como o seu procedimento sem macula, é a melhor propaganda da escola. Este procura informar os Paes, amiúde, por semana ou por quinzena, de tudo o que se passa na vida dos alumnos, através de um systema de correspondecia fácil e expedito. Aquelle trabalha pela caixa escolar e allicia as famílias, com os benefícios prodigalizados ás creanças 4. Os editoriais anunciam sempre um tema que aborde a questão do exercício do magistério – seu papel formativo, o empenho no ensino, a dedicação e o amor às crianças, bem como o compromisso de formar o bom cidadão. As outras secções abordam diversos aspectos do ensino escolar – o ensino da geografia, a arte na sala de aula, a educação do corpo e do espírito 5. Leit-motiv na rede de significações, destaco a pertinência da matriz professor(a) – educação – dedicação. Isso está sempre presente na maioria dos textos, reforçando o 6 papel do(a) professor(a) – mediador entre o Estado e a Sociedade. Ele deve persuadir, seduzir, penetrar no espírito dos estudantes, fazendo-os aderir aos códigos, comportamentos e hábitos que lhes são passados. Eles devem também perceber a missão de amor, dedicação e interesse que os(as) mestres(as) lhes passam através de uma prática discursiva, conforme análise de Foucault. Dessa formas será possível moldar as maneiras de construir o mundo, a sociedade, a cultura e as novas gerações. 2. A educação: recomendações e reflexões A exortação, o aconselhamento e motivação, para que os professores tenham determinada conduta, predominam em diversos artigos. A escola é um rico espaço para dar forma à criança e ao jovem. Deve criar hábitos e atitudes nos alunos, a partir dos (hábitos e atitudes) dos professores. Assim, há uma insistência no comportamento pessoal dos/das professores(as). Nesse período, o movimento da renovação pedagógica traz a marca de renovação e reconstrução da nação. A unidade nacional está além dos aspectos geográficos, históricos e raciais. Pautam-se pelo caráter modernizante e urbanístico. Daí a importância de uma educação integral, através de uma cultura moral, cívica e literária. Essa causa empolgaria os líderes do Movimento Renovador Educacional. A causa é nobre e justa – educar o Brasil. Por isso, os símbolos nacionais serão referenciados – hinos, bandeira nacional, os heróis da pátria. A data de 1922 será celebrada com grande festividade – centenário da independência. Empenhada por esse ideário, a campanha educacional empenha-se também pela ordem, moral; enfim, por toda uma cultura de renovação da mentalidade do brasileiro. o lado disso, o interesse em desenvolver uma educação integral e científica 6. A fim de ligar as propostas que se desencadeiam neste período, a Revista publica vários artigos direcionados para a experiência pedagógiico-escolar. Vários números tratam dos problemas da educação escolar e dos novos métodos de ensino: Nenhuma voz se levanta para dizer que applicou os novos methodos de ensino e que nelles encontrou este e aquelle defeito ou esta e aquella vantagem. É realmente para lastimar que entre milhares de professores, haja apenas um punhado de almas inteiramente de seu dever, cogitando de receber as lições dos novos tempos e de pôr a sua escola ao corrente de sua época. É necessário que o professorado se submetta a rigoroso exame de consciência, para ver claramente os seus processos e a necessidade inadiavel de os corrigir. Aquelles que o mundo ensina sabem deveras o que aprendem. É de grande verdade o asserto do sr. Francisco Campos, na exposição de motivos do Regulamento do Ensino Primário: “O ensino puramente passivo e recptivo, o ensino monologo do professor comsigo mesmo, será, portanto, não somente inútil como ensino, 7 senão deseducativo como processo escolar, sendo, talvez, preferível deixar a criança prosseguir nas suas experiências fora da escola a coagi-la á escola, em que taes processos continuam a ser applicados 7. A esta altura da exposição, poderíamos perguntar: e a questão profissional? Como esse tema é tratado pela Revista? A profissão docente, segundo a concepção dos vários artigos está sendo contemplada. No entanto, a abordagem prioriza os aspectos endógenos – formação do professor, a valorização dos novos métodos. Em 1929, o editorial publica um artigo comparando a profissão do professor com outras profissões. Trata-se de um argumento que exemplifica essa observação. Portanto, a citação será grande para que se possa ter uma idéia do conceito de magistério e profissão naquele período: A profissão do professor Não ha, infelizmente, entre nós a profissão de professor. Quando se tem necessidade de um professor, quer primário, quer secundario, basta estender a mão e tomar a primeira pessoa medianamente ou minimamente letrada e essa servirá de professor. [...] Não temos, por conseguinte, uma profissão e tanto menos uma carreira de professor, e nem mesmo no ensino primário, porque ao lado do normalista, pode concorrer qualquer individuo de poucas ou muitas letras. Porque? E porque em todas as carreiras, como por exemplo a do medico e do jurista, se pedem especiaes, certificados especiaes, curso regular e não se exige para a tarefa do professor? Simplesmente porque o professorado não soube ainda, pelo estudo das matérias que constituem o fundamento de todo o verdadeiro magistério, fazer com que a sua profissão se tronasse uma verdadeira especialidade, de modo que nella naufragassem todos aquelles que a emprehendessem, sem preparação larga e demorada. Da maneira com actualemte está constituída, a tarefa de professor, entre nós, pode ser igualmente exercida por um normalista como por um pharmaceutico, por uma padre como por um jornalista. E exercem, com o mesmo brilho e, talvez, como mesmo resultado... É que não há generalidade de nosso (sic) mestres, uma preoccupação pedagógica, isto é, a preocupação de cada dia empregar novos processos de ensino, de melhoral-os cada vez mais, acompanhando, quanto possível, os avanços da sciencia e adaptando-se cada vez mais ás necessidades e condições de nossas escolas. Ao passo que os nossos médicos vivem ás voltas com os seus livros de revistas especiaes, os juristas com os seus tratados e publicações, os sacerdotes, os comerciantes, os engenheiros, até as donas de casa lêem a “Vida domestica”, todos os ramos de trabalho, emfim (sic), o nosso professorado cuida de todas as matérias e de todos os assumptos, busca por vezes instruir-se e elevar-se, mas sempre num sentido geral, e nunca no sentido de sua profissão. [...] Faz-se mister uma renovação radical de atitude e que o professorado procure estudar as matérias básicas da sua profissão, elevando-a e modificando de tal maneira e a tal ponto que logo se veja a diferença que vae entre o pratico obtuso e sem rumo – e o verdadeiro professor, forrado de bons estudos, seguro 8 nos seus processos e ambicioso de perfeição, tendo um fim determinado a attingir e caminhando para elle, sem vacillação. Só no dia em que tivermos professores de verdade, conhecedores dos princípios fundamentaes de seu trabalho, é que haverá, entre nós, o direito de pugnar por uma situação melhor do professorado e de protestar contra possíveis preterições e esbulhos. Nesse dia, não haverá protestos nem lamurias, porque a sociedade saberá ver o que representam taes professores, nos destinos de nossa terra, tão claros e abundantes serão os fructos produzidos 8. A concepção que se tem de profissão está situada na qualificação do professor. Por esta citação, percebe-se que ser profissional é sinônimo de uma boa preparação acadêmica. Requer estudo e especialização. A marca profissional está centrada nas dimensões acadêmicas (formação, especialização, estudo). A questão salarial e a categoria profissional não são enfatizadas. As condições para o exercício profissional nem são sinalizadas. Com isso, o sucesso ou o insucesso da educação e do ensino escolar depende do professor. Nele está a chave do processo pedagógico. Como situar a relação do professor com o Estado? E com os órgãos governamentais? Esta é uma singularidade da profissão docente, se a compararmos com as demais profissões. O texto não aborda essa questão. No entanto, o(a) professor(a) é o elemento chave para a mediação entre estudante e cultura, estudante e valores, estudante e moral. Nisso está o seu poder, sua responsabilidade, seu dever. Num estado liberal, é atribuído ao professor essa qualidade do exercício do poder, o que interessa aos governantes. Há uma extensão do poder político aos professores, naquilo que lhe interessa. Segundo a contribuição da filosofia política de Hobbes, esse direito é concedido como instrumento para instaurar uma gramática de obediência. O Estado torna possível a cooperação dos indivíduos, neste caso específico – os professores, com um fim comum – manter a ordem, a disciplina a norma 11. Outras questões são também abordadas. Entre 1930 e 1940 há ênfase nos novos métodos e na articulação com o conhecimento científico. Quando retrata a questão da escrita, por exemplo, enfatiza a importância da leitura para o seu desenvolvimento: Dias após a realização do trabalho sobre a Primavera, a classe achava-se satisfeita, enthusiasmada com os sucessos das composições apresentadas nas festinhas do dia 21 de setembro. A professora valeu-se então da boa disposição dos alumnos, para continuar a experiência sobre a influencia das leituras nas composições. Aproveitando a leitura “Uma noite com a onça” do livro “Meninos na rua e na escola” (pág. 90) fez observar as bôas idéas, encontradas alli, para a descrição de uma tempestade. Foram commentadas essas expressões, empregadas em novassentenças, colhidos synonimos, etc. Em conversa com ios meninos, pediu que, aquelles que tivessem algum escripto sobre a tempestade, lhe trouxessem emprestado. O objectivo era levar os meninos a lerem nessa procura. [...] A idéa de descrever a tempestade surgiu naturalmente da classe como conseqüência da situação tão opportunamente creada e aproveitada 9. 9 O artigo é um relato de experiência de uma professora – Irene Lustosa. Experiência que realizou no Grupo Escolar “João Pessoa”, em Belo Horizonte. No final do texto, ela inclui uma nota e afirma: Além das novas expressões adquiridas, imagens bonitas, observação da natureza, este exercício offereceu opportunidade para o conhecimento de factos de scienia, taes como: a chuva como conseqüência do calor, as nuvens portadoras da chuva, etc. Analysando esse pequeno trabalho podemos tirar algumas suggestões para o ensino de composição ou linguagem escripta. O pensamento e a linguagem estão intimamente ligados. Assim sendo, desenvolvendo o pensamento estaremos ampliando a linguagem ao passo que restringindo esta estaremos tolhendo o pensamento. Ha um princípio de Coolei que diz: “O pensamento tem duas partes, a idea e o impulso da comunicação” 10. Essa pequena experiência enuncia um dado significativo naquele período- a possibilidade de relatar experiências e divulgá-las. Enuncia uma questão que estava na ordem do dia – o direcionamento para o ensino das ciências. A linguagem está articulada com esse tema. Diversos artigos tratam da disciplina e da formação de hábitos nos estudantes. É importante considerar que estamos no período do Estado Novo. Era importante fornecer, aos diversos setores da sociedade, a imagem de harmonia entre povo e governo. Daí o bem da pátria estar em primeiro lugar. Em 1930, surgem alguns artigos que têm como tema a disciplina. Mas esta disciplina tem a ver com a condução dada pelo(a) professor(a). Isto vem comprovar o que eu havia afirmado – o professor é o protagonista da educação. A disciplina e a indisciplina são consqüências do exercício do(a) mestre(a) em sala de aula: A disciplina é para a escola o que o thermometro é para o doente. Ella indica se a lição é bem ou mal conduzida, se a professora tem ou não aptidão didactica, da mesma forma que o thermometro marca ao medico o estado febril do doente. Aos desavisados, entretanto, diante de uma classe quieta, calma, apparentemente attenta, revela notas: 1º.) – se a disciplina é imposta: e 2º.) – se a disciplina decorre do interesse pela aula. Em ambos os casos, poucos minutos da aula que se assita dão a explicação e a origem do facto 11. 10 Em alguns números, A Revista do Ensino constata a dificuldade de matérial em diversas escolas. No entanto, também esta situação deve ser resolvida pelo(a) professor(a). Esse problema tem na criatividade e no interesse do(a) mestre(a) a solução: Uma das desculpas mais communs do mau professor é a falta de material. – Não temos material nenhum, dizem-nos elles; carteiras, quadro negro, giz e só. Não sabemos como dar aulas de geographia, de historia, de linguagem, de arithmetica, de noções de coisas. Faltam-nos mappas, contadores machanicos, museus, quadros de linguagem, históricos e scientificos. Não temos livros para as creanças. Tudo isso, que apparentemente é razoável, não tem, na verdade, razão de ser. O bom mestre, o que sabe ensinar e quer ensinar de facto, encontra a todo momento excellentes e numerosas opportunidades para iniciar os seus alumnos no conhecimento do programma. A pedagogia já deu, pelos seus maiores mestres, a palavra definitiva quanto ao material fabricado e forjado pelas industrias. O material que se deve exigir numa boa escola é o feito, colhido, elaborado e collecionado pelos alumnos ou pelos professores, em vista das necessidades de sua escola. Qualquer matéria escolar poderá ser ensinada e desenvolvida com os recursos communs de um logarejo. [...] Professores ha que têm conseguido formar opulenta e variada collecção de gravuras geographicas, através de vários annos de trabalho. Apparentemente sem importância, tal material, na sua pobreza, é um attestado de dedicação e intelligencia. [...] Ponto é que o professor saiba servir-se, com carinho, dos recursos que tem á sua mão e não se ponha a esperar o material do Governo. O bom ensino não está no material: está no professor. Um rico material nas mãos do mau professor é um fino instrumento nas mãos de um selvagem. Ao passo que o bom professor, com os simples elementos naturaes que o cercam, poderá fazer o bom ensino, muito melhormente por vezes do que se faz nas escolas mais bem installadas...12. Mais uma vez, pode-se constatar a importância do papel político-pedagógico do professor. O texto aponta e direciona para o problema da falta de material. Na realidade, isso nem chega a ser problema se o professor é bom. Nesse sentido, em 1933, há outro editorial que responde à seguinte questão: “Que fazer das situações difíceis”: Em certos centros populosos, o mestre é o unico homem de estudos. Em razão de seu ofício, presume-se que sela ele o amigo dos livros, o oreintador da opinião publica, aquêle que detém o verdadeiro prestígio, que é o prestígio intelectual. [...] Para conseguir o ideal da escola é necessário que o professor seja também, digno de sua missão: forte na vontade, claro na inteligência, infatigável no trabalho. “A moralidade, bem como a cultura e a religião – diz Spalding – não se desenvolve, mas se propaga. O homem fervoroso espalha fervor; a inteligência lúcida forma inteligências lúcidas. O 11 caráter forma caráter. [...] O mestre, onde quer que esteja, deve ser o grande transformador dos homens. [...} Que o mestre, pois, seja além de uma grande força social, operante e viva, um alegre formador de vontades, para quem a dificuldade será um estimulo, e a derrota, novo motivo de lutas 13. Este mesmo número da Revista do Ensino, aprofunda essa temática indicando as qualidades de uma bom professor. O Prof. Oscar Arthur Guimarães proferiu uma palestra no Grupo Escolar “Bernardo Monteiro”. Retoma as questões abordadas acima, demonstra como resolver as questões difíceis. Depois de aprofundar os elementos necessários para as qualidades de um bom professor, elabora um decálogo: 1. Tacto; 1. Aparencia geral; 3. Otimismo; 4. Reserva ou dignidade; 5. Entusiasmo; 6. Beleza; 7. Sinceridade; 8. Simpatia; 9. Vitalidade; 10. Cultura. [O comentador da palestra conclui, fazendo a seguinte observação]: “E assim, contrapondo qualidades e defeitos, virtudes e pecados, ia [o palestrante] focalizando e pintando em cores vivas os benefícios e malefícios que se produziam em efeitos na obra da educação 14. Diversos temas atravessam a Revista do Ensino e pontuam diretrizes, normas e preceitos. Mudam as palavras, no entanto preservam o conteúdo. As malhas do discurso normatizador pontuam as situações – amor como princípio, ordem como base, qualificação como progresso intelectual. Outro tema que perpassa em muitos artigos é a comparação da profissão docente com o sacerdócio. O/A Mestre(a) é como o sacerdote. A ênfase nesse lugar do profissional da educação, desconstrói o aspecto profissional do magistério. Com a feminização do magistério, são atribuídas também as qualificações de mãe, amor, dedicação, etc. A importância atribuída à educação, em nível de discurso, faz com o Estado difunda essa imagem no tratamento dado a essa categorai. Além do mais, o(a) professor(a) é uma peça fundamental na reconstrução da nação. Tudo isso faz com o (a) professor(a) seja um peregrino da esperança, com um diferencial, evidentemente. A metáfora do peregrino será constituída pela metade, pois um peregrino sabe de onde sai e o lugar onde quer chegar. A profissão docente tem, no entanto, seu ponto de origem, mas lhe falta o percurso profissional. Como constituir a carreira docente? Os textos e documentos demonstram um caminho de representações que os professores devem assimilar para a constituição desse exercício, mas fogem das questões da profissão, enquanto atividade profissional. São-lhes fechados, seus direitos, enquanto cidadãos, trabalhadores e profissionais. Esse mesmo número da Revista do Ensino publica um polêmico artigo sobre “O celibato pedagógico”. É uma transcrição de um artigo de jornal da cidade de Natal. 12 Nele há uma condenação ao celibato das professoras, pois, diferente das freiras que são preparadas e educadas para esse tipo de vida. O texto realça as qualidades da mãe no exercício educativo do lar. A escola é o lar do saber. Na década de 1930, está em pauta a reforma do Ensino do Estado. Dialogando com a idéia de infância, há uma ressignificação da figura da criança-aluno que legitima a escola como espaço de educação, higienização e formação. Esse movimento, que compõe o escolanovismo, está direcionado também para a família e a sociedade. A idéia de cultura escolar ultrapassa os muros da escola. Deve estar direcionado para o vir-a-ser desta criança, aquilo que a sociedade espera deste ser no futuro. O artigo publicado se intitula “O celibato pedagógico”: 1. Tendo a escola primária por missão mais educar do que instruir (ao contrário das escolas secundária e superior), segue-se que o melhor professor primário é aquele que possui mais apuradas as qualidades de educador; 2. Ninguém melhor do que a mulher exerce esse mister na escola primária e nas instituições pré-escolares; 3. Entre uma professora solteira e outra casada, esta, regra geral, é melhor educadora do que aquela, em virtude do tirocínio materno no lar; 4. Para que a escola seja efetivamente a “continuação do lar” é preciso que entre ambos haja o equilíbrio de vasos comunicantes, levando a professora para a escola as qualidades educadores de mãe de família; 8. A professora solteira, no interior do Estado, longe da família, é obrigada a viver pelas casa de estranhos ou em pensões promíscuas. [ Ao concluir o artigo, em escrito em negrito e com destaque]: É ABSOLUTAMENTE CONDENÁVEL O CELIBATO PEDAGÓGICO 15. Como assinalei, anteriormente, vários artigos destacam a relação magistério – sacerdócio do saber. Sua inspiração profunda é o amor, a dedicação, a abnegação. Os textos procuram ressaltar a visão cristã e associá-la ao magistério – amor, exemplo e dedicação. Vários artigos destacam esse aspecto pelo próprio título: “A personalidade em formação e a responsabilidade do Educador”; “A atitude do mestre”; “Mestra e amor”; “Dignidade, austeridade, firmeza e doçura do mestre”; “Oração da Mestra”, “O apostolado do professor”; “Dentre as profissões, o Magistério; “Mandamentos do educador cristão”, dentre outros. Merecem destaque alguns artigos que transcrevo abaixo: O elogio do mestre no esplendor de uma phrases 13 Quando um verdadeiro professor pimario sente a completa e clara responsabilidade de seu cargo, a sua alma é invadida de uma anagogia extática, como o arrebatamento de espírito, que, nos primeiros tempos da vida monástica, transfigura o asceta. Na sua cadeira de educador, o mestre recebe a visita de um Deus – é a Pátria, que se installa no seu espírito. O professor, quando professa, já não é um homem; a sua individualidade annulla-se: elle é a Pátria. Visível e palpável, raciocinando em seu cérebro e falando pela sua bocca. A palavra, que elle da ao discípulo é como a hóstia, que, no templo, o sacerdote dá ao commungante. É a Eucharistia cívica. Na lição, há a transubstanciação do corpo, do sangue, da alma de toda a ncionalidade. Olavo Bilac 16. O seguinte texto ilustra o trabalho da professora com o abecedário de sua missão. É o alfabeto para professores: A revista americana “Popular educator” publicou recentemente uma serie de máximas ou de conselhos, em numero egual ao numero de letras do alphabeto. São phrases, especialmente traçadas para professores, e que merecem, portanto, uma transcrição nesta revista: A – A pessoa educadora deve ter bom coração, coragem serena e vontade inabalável. [...] C – Caráter é uma das principaes qualidades para um professor. [...] Y – Ypiranga deu a independência política, a educação dará a independência moral 17. Nesse mesmo caminho, a Revista publica o “Decálogo do Professor”. A santificação dessa profissão faz o seu diferencial. Educação, formação e religião caminham juntas nessa visão pedagógica. O diretor do Grupo Escolar de Bambuí, Mario Rebelo é seu autor: Decálogo do Professor I Amarei a criança acima de tudo e mais que a mim mesmo. II 14 Não a humilharei nem com palavras nem com atos. III Serei solícito, prestando-lhe a assistência do meu amor e de minha fé. IV Honrarei a minha profissão e, pelo estudo, identificar-me-ei com ela. V Não guardarei ressentimento para não me tornar criminoso pelo coração. VI Respeitarei na criança a personalidade, deixando-a ser criança, como deve. VII Com a esperança do semeador, farei de minha escola a sementeira, como deve. VIII Cultuarei a verdade e, com o meu exemplo, incutirei essa virtude de minha Pátria. IX O interesse da criança, sua felicidade, sua vida serão meu ideal, minha alegria e minha razão de existência. X Jamais serei um mercenário, e pontificarei na escola como num altar, - por que o magistério é um sacerdócio 18. Em 1964, a Revista do Ensino, transcreve do jornal português “O Lutador”, “Os dez mandamentos do educador cristão”. O Brasil está nesse momento sofrendo a dureza da Ditadura militar; Transcrevo, alguns trechos pela abundância de metáforas e, ainda, pela época que se está vivendo. Por um lado, o regime de exceção política e, por outro, a mudança nos métodos de ensino: A educação é, essencialmente, obra do amor. Trabalho educativo que não brote dessa fonte, que não esteja empregnado (sic) de amor, leva em si próprio o germe da sua esterilidade ou, o que será pior ainda, da corrupção. E por que? Porque educar é de algum modo criar e redimir, é ajudar o homem a realizar-se e a completar em si mesmo o trabalho da redenção de Cristo. [...} O educador tem que ser, usando a imagem de um poeta, “como as velas do altar, que dão luz e vão morrendo”. A sua missão é ...dar asas ao educando....para este voar. Deverá – até para seu conforto moral – estar possuído do espírito do 15 Precursor que o leve a exclamar como João Batista: - “é preciso que ele cresça....mesmo que eu tenha que diminuir” 19. Num espírito construtivo esses textos procuram realçar a visão cristã do magistério. Trata-se de considerar a significação do ensino e da formação no plano divino. Dois elementos se convergem nesta analogia – um idealizador, conduzindo o(a) professor(a) a se projetar na imagem do Divino Mestre (Jesus); outro sacralizador da ordem, com o intuito de preservar e garantir a paz e a harmonia na sociedade. Catolicismo e patriotismo são, nesse momento, duas formas ideológicas que atenderiam às necessidades de ordem e harmonia na sociedade brasileira. Há implicitamente um convite à ação cívica e religiosa, ao mesmo tempo. Nesse percurso, merecem destaque dois artigos que se referem à questão salarial dos professores: Vencimento dos professores Embora não haja sido completo, na primeira tentativa realizada quanto ao anno de 1932, o êxito das pesquizas complementares das estatísticas educacionais conforme o previsto na clasula décima do Convenio Interadministrativo de 1931, conseguiu o Ministério da Educação colligir dados bastante interessantes, que já foram parcialmente divulgados em anteriores communicados desta repartição, sobre aspectos da organização do ensino primário nas varias unidades da Federação. Uma contribuição ainda inédita, entretanto, para a exata apreciação das condições da vida educacional brasileira, é a que se refere aos vencimentos do professorado no ensino publico elementar 20. Tratando da questão salarial, a Revista publica em 1935 um artigo sobre a situação do magistério. No entanto, o artigo não analisa com maior profundidade a situação em Minas Gerais: Em sua recente conferencia por occasião da Semana da Educação, o professor Lourenço Filho frisou o contraste doloroso entre a grandeza da missão do professor primário no Brasil e a mesquinhez de sua remuneração. Não se chega, realmente, a compreender como em muitos dos nossos Estados ainda se remunere uma funcção, qual a do mestre primário, a funcção quase sacerdotal, a que a Nação pede a modelação mental e espiritual das suas novas gerações, com um estipêndio, ás vezes, inferior ao dos famulos e muito commummente equivalente ao dos serventes e contínuos das repartições. Nem 16 é tudo. [...} Insta, por conseguinte, que nesta hora em que por toda a parte se debatem planos para uma política de desenvolvimento orgânico da educação nacional, seja ventilado com feição também nacional este ponto básico – o da majoração dos vencimentos do professorado, tendo em vista um razoável limite mínimo, combinadamente com a adopção de uma escala apropriada de augmentos automáticos em função do tempo de serviço e de merecimento 21. Há vários argumentos que apresentam questões significativas referentes à profissão docente. A construção de uma escala salarial que contemple tempo e qualificação de serviço. Algumas dificuldades aparecem, com relação a este ponto: como estava esta situação em Minas Gerais? Quais os critérios usados para estabelecer o salário do professorado mineiro. 17 3. À guisa de conclusão Ao final deste trabalho, podemos perceber que as questões que dizem respeito à profissão docente ficaram na sombra. Os diversos artigos evidenciavam os temas relativos à formação, conteúdo, métodos, qualidades e deveres do(a) professor(a). Um ponto que me parece importante neste aspecto é a necessidade de reconstituir com relevância o cotidiano do magistério. Esse trabalho será o resultado de nossa pesquisa. Sabemos, no entanto, que isso é difícil. Segundo Nóvoa: É preciso conjugar a lógica da procura (definida pelos professores e pelas escolas) com a lógica da oferta (definida pelas instituições de formação), não esquecendo nunca que a formação é indissociável dos projetos profissionais e organizacionais (NÓVOA, 1997, p. 10). Os vários trabalhos, em linhas gerais, demonstram que a Revista do Ensino faz parte de um contexto educacional mais amplo. Um conjunto que reside na perspectiva de um projeto. Isso nos ajuda a entender a representação que se tem do(a) professor(a) e seu papel na sociedade brasileira, no período contemplado. Os diversos argumentos desvelam as perspectivas, propósitos e práticas que os(as) professores(as) devem introjetar. Os pressupostos da educação católica, ainda, se faziam presentes. A identidade do(a) professor(a) era muito mais uma construção exógena, se essa afirmação for possível. As tensões e conflitos daquele período inviabilizaram uma movimentação do magistério com o objetivo de construir seu desenho profissional. No entanto, em 1959 ocorre em Minas Gerais uma greve das professoras primárias em vista de conquistas salariais 21. A pesquisa “Magistério e profissionalização: um estudo a partir da ação governamental. Minas Gerais – período republicano”, em parceria com a Profa. Dra. Ana Maria Casasanta Peixoto, em andamento, vai nos permitir um entendimento maior dessa questão. Sua significação está articulada com o contexto social, cultural e político. O magistério é uma profissão esperança? Num trabalho de modelagem, como a “mão do oleiro na argila do vaso”, expressão de Walter Benjamim, a pesquisa pretende organizar o desenho profissional do magistério mineiro no período republicano. Este estudo, como outros, tem o papel à procura da escrita, para assim ganhar os contornos de texto, projeto e história. 18 NOTAS 1. Cf. MAYER A. J. A força da tradição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 2. Dentre outros estudos, faço menção à pesquisa de FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos pardieiros aos palácios: cultura escolar e urbana em Belo Horizonte na Primeira República. Passo Fundo: UPF, 2000, por analisar a criação dos Grupos Escolares em Minas Gerais. 3. Vida Escolar em Minas Geraes. Revista do Ensino, anno IX, n. 110, jan. 1935, p.99. 4. Que tendes feito? Revista do Ensino, anno IV, n.36, ag. 1929, p. 1-2. 5. A esse respeito, faço referência ao seguinte exemplar: REVISTA DO ENSINO, anno IX, n. 110, jan. 1935. Há alguns artigos sobre educação física, intitulados “Educação do corpo e educação do espírito”, “Para a gymnastica historiada”. 6. A propósito, lembro o estudo organizado por XAVIER, Maria do Carmo (org.). Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: FGV, 2004. É um trabalho que aborda o “Manifesto dos Pioneiros da Educação” por diferentes ângulos e por pesquisadores de renome nacional 7. LUSTOSA, Irene. Influencias das leituras sobre as composições das creanças, Revista do Ensino, anno IX, n. 110, jan. 1935, p. 26. 8. BOBBIO, Norberto. Prefacio. In: HOBBES, Thomas. Elementi filosofi sul cittadino.Turim: UTET, 1948. (Edição preparada e prefaciada por Norberto Bobbio). 9. Exame de cosnciência, Revista do Ensino, anno IV, n. 32, abr. 1929, p. 1-2. 10. Ibid., p. 29 11. LAMBERT, Levindo. A disciplina na escola, Revista do ensino, anno V, n. 47, jul. 1930, p. 58. 12. FALTA DE MATERIAL. Revista do ensino, anno V, n. 47, jul.1930, p. 2-3. 13. QUE FAZE DAS SITUAÇÕES DIFÍCEIS? Revista do Ensino, anno VII, n. 92, 15 jul. 1933, p. 1, 5. 14. Ibid., p. 32-33. 15. Ibid., p. 58. 16. BILAC, Olavo. O elogio do mestre no esplendor de uma phrases. Revista do Ensino, anno II, n. II, fev. 1926, p. 5. 17. Ibid., p. 245. 18. REBÊLO, Mario. Decálogo do professor. Id., p. 2. 19. RODRIGUES, José Francisco. Os dez mandamentos do educador cristão. Revista do ensino, 08 ag. 1964, p. 6-7.d 20. VENCIMENTOS DOS PROFESSORES. Revista do ensino, anno IV, n. 32, 1932, p. 87. 19 21. Sobre essa greve, lembro a pesquisa de NUNES, Maria Therezinha. Gestos, imagens e ação das professoras primárias mineiras: uma leitura do jornal “O Diário” na greve de 1959. Belo Horizonte: PUC Minas, Mestrado em Educação, 2000. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1993. NÓVOA, Antônio (org.). Formação e profissão docente. In: NÒVOA, Antônio. Os professores e a sua formação. 3.ed. Lisboa: Nova Enciclopédia, 1997. VALE, Rosa do. Aos que educam. Revista do ensino, ano VIII, n. 84, p. 38-39. 20