Visualizar/Abrir - Portal Barcos do Brasil
Transcrição
Visualizar/Abrir - Portal Barcos do Brasil
P. E. RUSSELL Galés portugueSas ao serviço de Ricardo 11 de Inglaterra . (1385-89) LISBOA 1 9 5 3 • Galés · portuguesas ao serviço de Ricardo 11 de Inglaterra (1385-89) P. E. RUSSELL Galés portuguesas ao serviço de Ricardo 11 de Inglaterra (1385-89) LISBOA 1 9 5 3 GALES PORTUGUESAS AO SERVIÇO DE RICARDO 11 DE INGLATERRA (1385-89) artigo foi sugerido pela descoberta no Arquivo O presente Público de Londres (Publtc Record Office) de dois docu- (Separolo do Revista da Faculdade de Le/r{Js, de Lisboa -Tomo XVIII, 2.• série, n.os I e 3). mentos 1 datados de Southampton, 27 de junho de 1389, que contêm algumas informações precisas sobre a acção, no Canal Inglês, da esquadra de galés portuguesas postas à disposição de Ricardo II por ocasião da assinatura do tratado de Windsor. Estes documentos também vêm ampliar os escassos conhecimentos de que dispúnhamos, provenientes de outras fontes, sobre a tripulação, o armamento e a organização da frota mantida pela coroa portuguesa nos primeiros anos do reinado de O. João I. Ambos têm a forma de contratos entre os representantes do tesouro inglês por um lado, e o capitão de mar português e seus oficiais subordinados por outro, apresentando uma relação aprovada das qu:.tntias pagas pelo rei inglês aos marinheiros portugueses, como salários e para abastecimento de aprestos, víveres e munições. Em conjunto, esses documentos abrangem o período de tempo que vai desde 1 de Novembro de 1388 até à data em que os contratos foram redigidos. Ao que parece, esta foi imediatamente anterior à partida d'l esquadra portuguesa de Southampton, no seu regresso à pátria. Depois do golpe de Estado de Dezembro de 1383, João de Avis- corno se sabe- apressou-se em pedir a Ricardo 11, que mandasse a Portugal tropas que o auxiliassem na defesa do reino contra os invasores castelhanos. Estava certamente bem t e 1691. Tip, ~ Miuerva ~. de Oaspar Pinto de Sousa, Suc.re•, Ltd.• Vila Nova de Famal!cão Public Record Office: Exchequer ( Diplomatic Document.v), n. 01 1690 P . E. RUSSELL informado a respeito dos saques infligidos nas regiões costeiras ingleses desde 1372 pelas galés aliadas da França e de Castela e acerca da estranha ineficácia das medidas tomadas pelo governo inglês- que não possuía galés- para combater estes ataques. Por isso, quando Fernão Afonso de Albuquerque e Lourenço Annes Fogaça partiram para Inglaterra em Março de 1384 1, D. João ordenou-lhes que apoiassem o pedido de tropas inglesas, com a oferta ao governo inglês do que ele sabia ser um quid pro quo tentador. Se tropas inglesas fossem mandadas para Portugal, o Regente, apesar de duramente atacado no mar como em terra, mandaria uma esquadra de galés portuguesas para tomar parte na defesa naval da Inglaterra. Quando os enviados portugueses chegaram à corte inglesa, já estavam em curso negociações de paz com a França e durante alguns meses nada se fez. Contudo, nos meados de Outubro, estas negociações tinham-se interrompido. Ricardo 11 então escreveu a D. João, anunciando-lhe que a Inglaterra consentiria que tropas inglesas servissem . em Portugal. Acrescentava que também tinha concluído um acordo com Fogaça, a fim de que o auxílio naval português fosse posto à disposição do governo inglês 2. Podemos estar certos de que este acordo obrigava D. João a mandar as suas galés para Inglaterra a tempo de participarem na campanha que devia começar nos fins da Primavera de 1385. Que D. João cumpriu a sua promessa, prova-o um registo de entrada nos ,Jssue RoiJs, do tesouro inglês, que descreve pagamentos feitos em Londres, durante o Verão, a seis galés · portuguesas que lá se encontravam para tomar parte nas operações da frota inglesa s. Além de fornecimentos de víveres e roupa, e da renovação de remos e de pólvora para a artilharia, o registo acrescenta que o rei inglês, como era costume, gratifi- GALtS PORTUGUESAS AO SERVIÇO DE RICARDO 11 cou os oficiais e homens embarcados nos navios portugueses. A sua chegada ao estuário do Tamisa deu pelo meno~ u~ triunfo naval muito necessário à Inglaterra, quando os marmhel· ros portugueses atacaram uma grande frota de na~ios ~ercan~es inimigos- provàvelmente no Scheldt- e consegurram mcend1ar vinte e quatro deles t. Quando os temporais do Outono fizeram acabar o período normal das campanhas de galés nos mares do . Norte, a esquadra portuguesa deve ter v~ltado à pátria. . Esta primeira experiência da capacidade dos mannheuos do seu novo aliado tinha evidentemente impressionado de maneira favorável o governo inglês, já que, a 12 de janeiro de 1386, quando Ricardo 11 designou Sir William Par para ir a Portugal informar D. João I da decisão de mandar João de Lencastre à Península durante o Verão 2, Par também foi encarregado da missão de pedir ao rei português que preparasse uma escolta de galés para a grande armada inglesa que ia ser .necessária para transportar o exército de Lencastre ao seu destino em Castela. D. João, muito satisfeito com a decisão do governo inglês, acedeu em enviar uma escolta de seis galés e nomeou o seu melhor capitão naval, Afonso Furtado, para as comandar s. Entretanto em Inglaterra, Albuquerque e Fogaça, estavam negociando um acordo naval anglo-português,. de carácter ma~s regular. Concluiu-se em Windsor, a 9 de Maro,. no ~es~o d1a em que foi assinada a aliança geral entre os do1s parses . Os enviados de D. João, comprometeram-se a que dez galés do seu senhor serviriam em águas inglesas, durante o Verão, a cargo do tesouro português, apenas os abastecendo Ricardo, 11 de tri~o para pão no valor aproximado de f: 4. 9s. por gale e por ~es. Como modelo do acordo, tomaram-se os acordos pelos qua1s as galés castelhanas serviam a coroa francesa, até no próprio facto Nicholas Brember, por conta de dinheiro pago por ele aos c patronis, magistris et marinariis sex galearum de Portugalie veniencium usque London, in auxilium et fortificacionem flotte nostre ordinate supra mare '"· 1 lbid. Regista um pagamento feito ao piloto responsável por conduzir as galés portuguesas a uma posição onde podiam fazer est~ ataque. 0 s Public Record Office: Chancery Warrants, fila 1031, n. 1_3, d~t~do de 12 de Janeiro de 1386, ordena a entrega de salvo-condu!os para S1r W1Iham Par e Hugo Haywoode, escudeiro, dos quais se diz que vao •ad partes Portugalie•. Ambos pertenciam ao séquito pessoal de Lencastre. 3 Fernão Lopes, Dorn João I, vol. 11, Porto (1949), P· 167. 4 Rymer, Foede1·a, t. 111, pars 3, Hagae comitis, 1740, p. 203. 6 7 1 Fernão Lopes, Dom Jo{Jo I, vol. 1, Porto (1945), p. 95. Ibid. p. 97. V. também E. Perroy, The Diplomatic Gorrespondence of Richard Il, (Camden Third Series, vol. XLVIII), London, 1933, n, 0 44 A. 3 Public Record Office: Issue Roll 510, m. 6, Aqui se registam, em 31 de Outubro, 1385, os reembolsos feitos ao Presidente da Câmara de Londres, 2 P. E. RUSSELL de se mencionar em francos o custo total da manutenção de uma galé em operações durante um mês. A soma estipulada, 1.200 francos (f: 200), era idêntica àquelas que se citam em documentos similares franco-castelhanos, por volta de 1380. O tratado de Windsor esclarece-nos um pouco sobre a organização de uma galé portuguesa desta época. Observa-se que cada embarcação devia levar 180 remadores- por então número normal a bordo das galés peninsulares de tamanho corrente, pertencentes às frotas reais de Aragão, Castela e Portugal1. Contudo, sob certos aspectos, a organização a bordo das galés portuguesas, diferia evidentemente da dos seus vizinhos. O capitão (patrão), por exemplo, parece ter sido uma figura mais importante do que nas galés equipadas na Catalunha, onde o seu lugar tinha sido, em parte, usurpado pelo comlt z. Por outro lado, nas galés castelhanas, o costume era levar três contramestres (comitres), que estavam colocados abaixo do patrón e eram responsáveis pela disciplina dos remadores e por tudo que dissesse respeito ao manobrar da galé, sob as ordens do patrón s. O documento inglês de que estamos falando, parece mostrar que esta era também a situação a bordo das galés portuguesas, nesta época, embora o termo usado para designar estes muito impor-. tantes oficiais subordinados fosse- alcaide- uma palavra que não era empregada noutros países •. Segundo o mesmo doeu- GALES PORTUGUESAS AO SERVIÇO DE RICARDO 11 menta, um terço da presa em dinheiro ganha por uma galé em operações, revertia a favor do rei; o resto era dividido proporcionalmente pela tripulação 1. É interessante também notar que quinze dias eram considerados como um tempo razoável para permitir às galés realizar a viagem de Portugal até um porto inglês. Apesar da promesSl de enviar dez galés a Inglaterra no Verão de 1386, as fontes inglesas, assim como o comentário de Fernão Lopes, apenas nos asseguram que a esquadra de Furtado se compunha de seis navios. Estes chegaram no dia 30 de Junho a Plymouth onde encontraram uma frota de quase 90 na vi os de transporte ingleses que esperavam o momento do embarque do exército de Lencastre 2• O capitão do mar português escoltou sem novidade a esquadra até à Corunha, apesar da presença de uma pequena esquadra de galés castelhanas na Baía de Biscaia. Mas ainda não encontrei nenhum indício que leve a supor que os navlos de Furtado tivessem voltado para Inglaterra depois do desembarque inglês na Galiza e é possível que, em vez disso, tivessem sido ali empregados como apoio da armada de Lencastre. No fim do ano, o governo inglês decidiu pedir ao rei português o auxílio de uma nova esquadra que tomasse parte nas campanhas navais do Verão seguinte. No dia 10 de Janeiro de 1387, Sir William faryngdon foi por isso designado para fazer O número de remadores levado por uma galé era, é claro, a única maneira de indicar o seu tamanho. Urna galé que levava 180 remadores, tinha aproximadamente 22 bancos de cada lado e calculou-se que apenas 132 remadores se encontravam a remar nos bancos simultâneamente, em qualquer ocasião. Para uma discussão destes problemas e de outros da mesma natureza, ainda obscuros, v. A. Jal, Glossaire nautique, Paris, 1848, p. 34 e La Ronciere, Histoire de la Marine française, 1, Paris, 1899, passim. 2 Os documentos catalães publicados por A. Rubió i Lluch em Diplomatari de l' Orien.f, Català (1301-1409), Barcelona, 19!7, pp. 262-269, mostram que era costume as galés aragonesas serem identificadas pela indicação do nome dos comits. 3 Parece, por outro lado, que as galés francesas levavam só um comite. • Também parece indicar que todos os alcaides recebiam salários iguais. Isto sugere-nos que tinham todos a mesma categoria. Sobre a determinação das suas iunções, ver Jal, op. cit. O pacto naval anglo-português de 9 de Maio de 1386 estipula que cada galé portuguesa leve seis arraizes. jal era de opinião que estes não eram o ficiais sub1lternos mas marítimos com deveres especiais. Isto parece ser apoiado pelas referências aos arraizes nos estatutos navais respeitantes à divisão das presas, promulgados por D. João I, em 1387 (Fernão Lopes, op. cit. 11, pp. 282-83). Não são mencionados nos documentos ingleses redigidos em Southampton em 1389. 1 Era costume nesta época as galés leiloarem as presas em qualquer porto de escala onde o mercado parecesse favorável. 2 Chronicon Henrici Knighton, 11, London, 1895, p. 207. V. também Perroy, L' Angleterre et le Grand Schisme d'Occident, p. 238 . O cronista inglês refere-se com entusiasmo ao tamanho das galés de furtado e à força dos seus remadores. Exagera certamente quando afirma que um1 destas embarca· ções levava 300 remadores. Há indícios de que a esquadra de furtado tinha operado em águas inglesas antes da sua chegada a Plymouth. Pode, por conseguinte, ter voltado à pátria por pouco tempo, no fim de Maio ou princípio de Junho para escoltar os doze navios de transporte portugueses que o rei português tinha enviado para auxiliar a passagem do exército de Lencastre para Castela. Estes também chegaram a Plymouth a 30 de junho. 8 9 1 P . E. GALt:S PORTUGUESAS AO SERVIÇO DE RUSSELL a viagem a Portugal e obter de O. João I, o seu consentimento para esta proposta 1. N3da pôde ser feito no entanto antes que a malograda Invasão anglo-portuguesa de Leão tivesse acabado em junho i quando ela terminou, Lencastre obteve a promessa do rei português, de que furtado e as suas galés fossem empregados no transporte para a Oasconha do que restava do seu exército. Este transporte não se fez antes do fim de Setembro ou princípio de Outubro e, assim, o governo inglês deve afinal ter ficado privado do apoio naval português durante o Verão de 1387 2• No entanto, faryngdon não tinha perdido o seu tempo porque, depois do capitão de mar ter desembarcado Lencastre e os seus partidários em Bayonne, cinco galés partiram para Inglaterra sob. o comando do próprio furtado 3, Esta viagem, emp~eend1da no Inverno, mostra que o enviado inglês tinha conseguido obter o assentimento do rei português para uma nova teoria sobre a função que as galés podiam desempenhar nas águas do norte. No início da íntima aliança naval entre a França e Castela as galés castelhanas tinham sempre voltado à sua base em Sevi~ lha para :eparação, logo que o Verão acabava. Contudo, por 1380, tmha-se tornado habitual, para algumas delas, passar o Inverno em á~uas francesas. O Cios des galées, em Ruão, apresentava a mawr parte das facilidades para reparar e equipar, 1 Public Record Office: Exchequer Accounts, maço 319, n. o 27 contém a co_n~a de. faryngdon por a sua missão que é descrita como: c in nuncium do~um Reg1s versus _partes Portugalie ad prosequendum versus Regem Portugahe ~r~ c_ert1s gal~Js ~ersus p~r~es Anglie habendis ad custus ipsius Regis ~o.rtu.,ahe ll1 guems d1c!J domm1 Regis per certum tem pus ..••• Faryngdon eJxon Plymot~th a 28 ~e Janeiro e não voltou de Portugal antrs de 12 de Novembro .. V. lamb em Pubhc Record. Office, Issue Roll 515, m. 18 e Perroy Diplomatw Corresponden ce, p. 203, n.o 73. ' 2 A . - d mlssao : Faryngd on a Portugal é tratada em pormenor no trabalho d 0 Autor deste art1go acerca da intervenção inglesa em Espanha e Portugal no tehmpo de Edu~rdo_ lil e Ricardo li (agora no prelo). Por conseguinte absten o-me de a d1scut1r aqui. 3 ~ I or . Fernão. Lopes • D . · ·]:oao · H, p. 283 conta que a esquadra era constituída RICARDO I! que se encontravam em Sevilha, bem como ancoradouros cobertos onde as galés castelhanas podiam estar ao abrigo do tempo. Isto poupava despesas e, do ponto de vista francês, tinha a vantagem de algumas galés castelhanas estarem sempre disponíveis em águas francesas. foi sem dúvida para contrabalançar esta política que o governo inglês pediu aos seus aliados portugueses que as suas galés também experimentassem hibernar em Inglaterra. De facto, a experiência provou ser mais arriscada do que a que fizera João I de Castela i a Inglaterra não possuía frota de galés e portanto não tinha estaleiros devidamente equipados para satisfazer as necessidades especiais de tais navios. Não tinha também artífices peritos como os que se encontravam em Ruão habituados a levar a cabo trabalhos de reparação em galés. A esquadra de Afonso furtado certamente passou o Inverno de 1387-88 e o seguinte em Southampton e sem dúvida os hábeis construtores navais do porto de H1mpshire fizeram quanto lhes foi possível. Mas há indícios de que a experiência de reter as galés portuguesas e suas tripulações num porto inglês durante o Inverno, não resultou inteiramente satisfatória, tanto do ponto de vista da conservação dos navios como no aspecto moral. Nada se sabe sobre as actividades da esquadra aliada em águas inglesas durante o Verão de 1388, mas, quanto ao que se passou no Inverno d~sse ano vêm esclarecê-lo os dois doeu· mentos de que se fala nJ princípio deste artigo. A esquadra inteira, então constituída por seis galés, ficou certamente no porto de Southampton desde o dia 1 de Novembro de 1388 até 2 de Abril de 1389 e, durante esse tempo, teve de sofrer as importantes reparações necessárias depois da campanha de Verão. Por este motivo ou porque os seus barcos não eram uma residência de Inverno satisfatória, uma grande parte dos homens do mar português foram alojados durante este período em Southampton por conta do tesouro inglês 1• Ricardo 11 também fez P Cinco ga les e que ficou em Inglaterra durante quinze meses (isto é até Abr 1'1 de 1389) • Is t o e• um pequeno erro, porque, ele facto, a esquadra não ' voltou até Julho. Nessa alt ura era formada por seis navios. Public Record Office : Exchequer ( Diplomatic Documents), n. 0 1690 : c Item: les ditz capiteyn et escryueyn confessent qe le capitayn et les autres patrons et autres de lour compaignie et partie de lour gentz furent herbergez et loggez en la ville de Suthampton a coustages de Roy en tresze hostels », 10 11 1 P. E . RUSSELL o possível por outros modos para que os portugueses sentissem que eram aliados estimados. Pelo Natai mandou valiosos presentes em roupas e pano para todos, desde Afonso Furtado até aos grumetes mais jovens 1• Além disso o próprio capitão do mar com quatro dos seus patrões, o escrivão da esquadra e dezasseis homens de armas foram convidados a ir a Londres passar a quadra festiva na companhia do rei. Ficaram quinze dias na capital inglesa 2• Apesar desta prova dos cuidados que com eles teve o rei, sabe-se por outras fontes que a moral das tripulações portuguesas durante o segundo Inverno sucessivo passado em Inglaterra tinha baixado muito porque, quando, a 10 de Fevereiro de 1389, Ricardo II enviou ordens a Afonso Furtado para que preparasse os seus barcos, para um cruzeiro de operações, foi forçado a acrescentar uma cláusula em que ordenava a todos os membros das tripulações ausentes de Southampton que voltassem sem demora. Explicava que tinha sido informado de que alguns tinham tentado deixar clandestinamente o país em navios mercantes para portos de além mar, enquanto outros tinham procurado empregar-se como lavradores ou noutros trabalhos na própria Inglaterra 3, O resultado destas deserções observa-se no relatório dos efectivos da esquadra durante o Inverno. Eram ao todo 1039 homens. Pormenores destes números revelam que, ao passo que as tripulações estavam completas ou quase, quando a alcaides, homens de armas, besteiras e marinheiros, o número da galeotes -720- estava bastante abaixo do requerido para guarnecer os bancos eficazmente 4. Talvez fosse este problema que levou I Tbid. 2 Ibid. Os homens de armas que tomaram parte nestas visitas são descritos como •esquiers•. Et Victorial, Crónica de Don Fero Nino, Madrid, 1940, p. 100, mostra-nos que jovens • hidalgos » aspiravam a servir nesta categoria a bordo das galés castelhanas. A conta a que nos referimos sugere que o mesmo pode ter acontecido em Portugal. 3 Calender of Glose Rolls (1385-89), p. 655-56. 4 Public Record Offi:e: Exchequer ( Diplomatic Documents), n. 0 1690 indica-nos as tripulações totais das seis galés durante o Inverno, como se segue: •le dit capitayn et v. autres patrons de lcs dites galeres oue mille xxxiij persones de dins esteantcs en mesme les galeres, des queux furent un escryueyn, xviij. 12 GALÉS PORTUGUESAS AO SERVIÇO DE RICARDO 11 Ricardo II e o seu conselho a chamar por esta altura alguns oficiais portugueses para discutir o assunto. Em todo o caso, quando Afonso Furtado finalmente se pôs ao largo em 2 de Abril foi forçado a deixar duas das suas galés em Southampton, porq~e esta era a única maneira de obter remador.es suficientes para habilitar até mesmo quatro galés a operar eficazmente no mar 1• No dia I de Maio, Furtado voltou outra vez a Southampton. Dois dias depois, partiu de novo 2• Desta vez uma galéa Santa Maria de Oraça- ficou para trás mas os dois navios que não tinham tomado parte no primeiro cruzeiro receberam ordem para acompanhar a esquadra. Entretanto, numa nova perda de galeotes se tinha dado e o número actual era só de 699 3• Apealkades lxvij homes d'armes, lxxv. mariners et carpenters, clij. balisters, Dccxx. galiots.'. ·"'· Recordaremos que nesta época os remadores eram, é claro, voluntários e não criminosos condenados. 1 As quatro galés que tomaram parte no primeiro cruzeiro, «del susdit seconde iour de April tanqel primer iour de May proschein ensuant», foram.~i) a Santa Maria de Elmira, comandada pelo próprio Afonso furtado, (u) a Santa Maria de Graça, comandada por Lopo Afonso, (iii) a São J_orge, comandada por João Álvares e (i v) a Santa Catarina, comandada. por Nic?Jau Domingues. Além dos seus capitães e do escrivão da esquadra, a hsta da t~Ipu lação mostra que a força destes quatro navios era nesta altura de: 13 alcazdes, 49 homens de armas, 162 marinheiros, besteiras e carpinteiros e 720. remadore~, e serventes. Havia também um meirinho (un appelle meryn), CUJ~ catego~a era intermediária entre a do escrivão e a dos alcaides. As duas gales que nao tomaram parte neste cruzeiro foram Santa Ma1'ia de .. Cassella •, comandante: João Vasques e Santa Anna, comandante: Gonçalvo Peres (Public Record Office: ibid.). 1 Public Record Office: ibid.: n. 0 1691 trata das despesas da esquadra portuguesa: •sur le meer el seruice nostre dit seign~r le Roy ~'Engleterre deJ tierce iour de May l'an desuzdit tanqe ai quinszeme 10ur du d1t moys de Juyn . . proschein ensuant, pur sys semaignes entiers,. •'"· a A lista da tripulação e dos pagamentos referentes a este cru~e1ro d1~: c,,. pur le dit capitaine, qi est patron de !e galere appelle S~mte Marte de Elmere, xx li., et pu r Johan Alueres, patron de le galee appelle Semt George, Gonsall Peres, patron de le gallee appelle Seint Anne, Jo?an Vasqes • • • • ., patron de le galere appelle Seint Marie de ~assella et N1chola~ Domynge, patron de la galee appelle Seint Kateryne, xxx h.; a chescun de~ dites patrons, vij li. x s. pur xvij alkades, lvij homes d'armes esteantes en les dttes. v. galeres, XX • lv li, x. s. ; a chescun de eux, xv s. pur CiiiJiX mariners, carpenters, calfttters 13 GALÉS PORTUGUESAS AO SERVIÇO DE RICARDO li P. E. RUSSELL sar disso, Furtado considerou certamente que com a chegada do Verão seria capaz de manobrar com apenas 140 homens noa bancos de cada barco, especialmente atendendo a que o governo inglês fazia pressão sobre ele para que saísse com a esquadra para o mar na sua maior força possível. Não se pode determinar a área exacta que as galés portuguesas percorreram durante este segundo cruzeiro que durou até 15 de Junho 1• Contudo sabemos que, durante as suas últimas jornadas, a esquadra navegou para o Oriente através do estreito de Dover 2 e que o cruzeiro terminou no porto de Londres onde as tripulações receberam os seus salários e as cinco galés foram reabastecidas 3• Os serviços de Afonso Furtado em defesa da coroa inglesa, tinham atingido o seu fim. Soube-se, por alturas de 15 de Junho, que as negociações de tréguas entre os beligerantes em Leulinghem estavam a terminar com êxito'· Ricardo 11 já não tinha motivos para reter ao seu serviço a esquadra portuguesa. Por isso, ela partiu para Southampton, para fechar as contas com os funcionários cto tesouro e provàvelmente para recolher a única galé que tinha sido deixada para trás no princípio de Maio. Novas provisões foram levadas para bordo e a 27 de Junho ou muito pouco tempo depois as seis galés largaram para a sua viagem de retorno à pátria rs. Era o • XX X X et bahsters en ycelles, iiiJ xiiij li. x s.; a chescun x s. pur ociiiJXX galiotters, settanes, trumpetters et seruantes en ycelles, cclxij li. ij s. vj d.; a chescun vij s. vj d. pur le dit escriueyn, vj li. et pur un appelle merine, c. s. pur le temps desuzdit. Et pu r le reward des dites capitaine et escryueyn, patrons et lour dites XX gentes en pris de O. frankes, iiiJ iij li. vj s. viij d. (Public Record Office; ibia.). 1 Segundo nos indica o importante empréstimo pessoal obtido por furtado de um mercador de Dartmouth, a esquadra deve ter visitado o porto de Devon nesta altura. 5 Public Record Office: Issue Roll 527, m. 2 regista o pagamento de f: 8.8.0. a Thomas Elys of Sandwich pelas despesas de três pilotos postos por ele a bordo das •galeis de Portugalia nuper in seruicio Regis existentibus supra mare •. 3 Public Record Office: Exchequer (Diplomatic Documents), n.• 1691. • Umas tréguas de três anos foram de facto concluídas a 19 de Junho. 5 O caso é posto fora de dúvida por uma frase que se refere à porção de bolacha colocada nas galés em Southampton: cpur le vitailler de lour galeres en retournant deuers lour parties•. 14 fim de um período de co o per ação na vai anglo~ portuguesa. qu~, apesar de curto, tinha trazido um ref~rço mUlto necessáno as defesas maritimas dolorosamente expenmentadas da Inglaterra. Os dois documentos que nos deram a maior parte do mate· ria! para este artigo são essencialmente de carácter. financeiro .. Pelo pacto naval de 9 de Maio de 1386, D. João I tmha-se responsabilizado pela manutenção das galés_ emprestadas _ao seu aliado nos seis primeiros meses de servtços na frota mglesa. Quando este período terminasse, todas as despesas posteriores deveriam ser pagas pela coroa inglesa. Sir William Faryngdon, em 1387, tinha sido especificamente encarregado de tentar con· vencer 0 rei português a assumir o encargo de manter a esquadra que lhe tinham rogado de envi:lr a Inglaterra naquele ano. Os dois documetos aqui analisados não contêm contudo nenhuma alusão a que, por 1388, algum parte do custo da manutenção da esquadra de furtado, em águas inglesas, estivessem ainda a cargo de D. João. Pode ser no entanto que não deixe de ter int~resse para os historiadores navais portugueses saber pormenorizadamente quais eram neste tempo as despesas que acarretava a manutenção das galés portuguesas, apesar dessas despesas terem necessàriamente de ser expressas em termos ingleses contemporâneos 1• O capitão do mar recebia um salário semanal. ~e f: 3.6.8. quando estava no mar, juntamente com uma gratificação que devia elevar os seus ganhos a f: 5.0.0. aproximadamente. Não tinha que pagar nem o seu alojamento nem a sua alimentação. Em conjunto, isto representava, para a época, uma alta remun~ ração 2. No entanto era com certeza insuficiente p~ra as necessidades de Furtado, visto que, durante o seu serviÇO em Inglaterra, pediu emprestado a um mercador inglês f: 133, dando 1 Não possuo os dados necessários para tentar transformar estas quantias na moeda portuguesa contemporânea. 2 O salário médio pago pelo Tesouro a um cavaleiro inglês .man~ado ao estrangeiro em missão di{Jlomática era de E 1 per di~m ma~ com tsto tt~ha de providenciar pelo seu próprio sustento. Pelo servtço acttvo ultramann~, o tesouro tinha pago, em 1370, 8 s. por dia aos baronetes e 4 s. aos cavaletros ordinários. 15 P. E. RUSSELL como fiança o crédito de O. João I, e obteve também um adiantamento de paga de john Thorpe, um escrivão que era responsável pelos negócios financeiros da esquadra durante a sua estadia em Southampton. Cada patrão recebia f: 1.5.0. por semana, não contando com a sua parte da gratificação. Esta quantia pode ser comparada com os escassos 3s. 6d., que eram o salário habi· tual pago pelo tesouro inglês aos patrões dos barcos mercantes, temporàriamente obrigados ao serviço do governo. A importância do escrivão da esquadra é acentuada pelo seu salário de f: 1.0.0. por semana. Por estranho que pareça, os dois documentos a que nos referimos não dão o seu nome, embora indiquem tanto a sua importância como a sua responsabilidade como funcionário responsável pelas contas. Há alusões a que os três funcionários ingleses responsáveis pelo registo das quantidades fornecidas aos portugueses, especialmente na forma de víveres e aprestos, consideravam a sua escrituração muito deficiente, mas neste caso as nossas simpatias recaem sobre o infeliz escrivão que tinha de lidar com uma nova e complicada moeda, estranhos sistemas de pesos, medidas e contabilidade- tudo numa língua estrangeira. O salário semanal de 16s. 8d. pago ao mertno da esquadra acentua a importância de um oficial cujas funções precisas, nesta época, são mal conhecidas. Atentando nos postos inferiores, vemos que os alcaides estavam para efeito de pagamento, classificados no mesmo pé que os homens de armas, recebendo cada um 2s. 2d. A marinheiros, carpinteiros, calafates e besteiras, pagava-se ls.Sd. por semana, enquanto que os homens de salário mais baixo da tripulação, remadores, clarins, settanes e serventes recebiam só 1s. 3d. 1. A despesa total do tesouro inglês em salários pagos às tripulações de cada galé portuguesa ascendia a f: 21 por semana. Esta quantia, somada com a despesa dos alimentos consumidos a bordo de cada na vi o era, é claro, muito maior do que aquela 1 Dois carpinteiros eram normalmente levados a bordo das galés nesta época. Um deles, conhecido nos navios castelhanos pelo nome de remolar era um especialista na conservação dos remos. Os clarins eram uma parte essencial da tripulação e tinham deveres a cumprir relacionados com o manobrar da galé. 16 GALt'S PORTUGUE ~ '<:; AO SERVIÇO DE RICARDO li que era paga a cada caravela de tamanho médio, ao serviço do governo. As listas de víveres levados para bordo das galés de furtado mostram que os portugueses consumiam a mesma alimentação do que todos os outros marinheiros desta época- pão, bolacha, carne de vaca, carneiro, peixe salgado, vinagre e azeite, constituíam os principais géneros alimentícios. Também não se encontram quaisquer materiais inesperados entre os aprestos levados para bordo das galés em Londres, apesar do importante desgaste de remos durante as operações ser demonstrado pelo facto de os funcionários de Ricardo li terem tido de fornecer 120 remos, quando furtado acabou o seu cruzeiro de seis semanas no Canal. Não há referência a pólvora nestes documentos, mas outros testemunhos provam-nos que as munições para a artilharia levadas para bordo das galés de Afonso furtado foram também fornecidas pelos funcionários ingleses 1• Oxford. I Public Record Office, Issue Roll, 527, m. 14. 17 f ""- ' C"' ( c""' )("• __,íl c .3