Estudo da recristalização da superliga PM 1000
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Estudo da recristalização da superliga PM 1000
III Workshop sobre Textura São Paulo, 2006, pág. 22 a 32 Estudo da recristalização da superliga PM 1000 H. R. Z. Sandim*, A. O. F. Hayama*, A. F. Padilha**, D. Raabe*** * Departamento de Engenharia de Materiais, Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo, 12600-970, Lorena – SP ** Departamento de Engenharia metalúrgica e de Materiais, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, 05508-900, São Paulo – SP *** Max-Planck-Institut für Eisenforschung, D-40237, Düsseldorf, Alemanha Resumo Superligas endurecidas por dispersão de óxidos são bastante resistentes à recristalização. A recristalização da superliga à base de níquel PM 1000 1 num grão grosseiro com orientação próxima a [001] foi investigada em detalhes com o auxílio de difração de elétrons retroespalhados de alta resolução. A microestrutura inicial desta liga é composta por grãos grosseiros bastante alongados e com forte textura de fibra <100>. O comportamento desta liga durante o recozimento é bastante complexo. Mesmo em altas temperaturas (por exemplo, 1200oC), a recristalização não é completa. A recristalização ocorre pela nucleação e crescimento de grãos grosseiros com tamanhos variando de 10-20 μm nas regiões dos contornos de grão pré-existentes e também pela nucleação de grãos finos com tamanhos inferiores a 1 μm na matriz recuperada. Estes pequenos grãos são alongados e apresentam crescimento anisotrópico. O presente trabalho propõe uma explicação para o surgimento deste tipo de microestrutura. Palavras-chave: PM 1000, dispersão de óxidos, EBSD, recristalização. Introdução Ligas endurecidas por dispersão de óxidos (ODS) são comumente usadas em aplicações para uso em altas temperaturas. As superligas geralmente são utilizadas em componentes de turbinas a gás que operam a temperaturas entre 540 e 1000°C, como por exemplo, as pás de turbinas estacionárias a gás para geração de energia elétrica. [1]. 1 22 A liga PM 1000 é produzida pela empresa Plansee AG (Reutte, Áustria). A liga PM 1000, uma superliga a base de níquel, é obtida pelo processo de metalurgia do pó, preferencialmente pelo processo de moagem em moinho de alta energia. Apresenta alta resistência à fluência e à oxidação mesmo em temperaturas próximas ao seu ponto de fusão [2]. A microestrutura da liga PM 1000 consiste de grãos grosseiros alongados paralelos à direção longitudinal, o que possibilita melhor resistência à fluência quando comparada com ligas com uma estrutura de grãos equiaxiais [3]. Uma forte textura de fibra <001> resultante da recristalização secundária também está presente nesta liga [4]. Partículas finas e uniformemente distribuídas da ordem de nm exercem apreciável força de aprisionamento nos contornos, retardando ou mesmo impedindo a recristalização. Neste trabalho são apresentados os resultados da investigação do comportamento de recristalização da liga PM 1000. A técnica de EBSD de alta resolução foi utilizada para caracterizar detalhes da microestrutura recozida. A combinação de uma estrutura de grãos grosseiros com uma forte textura de fibra <100>, além da presença de partículas finas, faz desta liga um material muito interessante para estudos de recristalização. Atenção especial é dada à origem dos pequenos e alongados grãos que crescem na matriz recuperada. É importante ressaltar que não é possível visualizar estes grãos utilizando microscopia eletrônica convencional (microscópios eletrônicos de varredura com filamentos de tungstênio). É proposta uma explicação para a origem desses pequenos grãos durante o recozimento de um grão com orientação próxima a [100] baseada em três suposições: (i) a distribuição não uniforme da energia armazenada; (ii) distribuição não uniforme das partículas; (iii) crescimento seletivo de grãos com orientações <111> e <211> que podem ter sido formados por maclação mecânica. Materiais e métodos A superliga PM 1000 utilizada no presente trabalho possui a seguinte composição química: Ni-20Cr-3Fe-0,5Ti-0,3Al-0,6Y2O3 (%peso), com uma fração de volume de partículas de aproximadamente VP ≈ 0,01 [2]. O material de partida consiste de barras cilíndricas de 5,5 mm de diâmetro, que foram deformadas por forjamento rotativo a frio até as deformações de 24% e 44% de redução em área. As amostras foram encapsuladas em quartzo sob vácuo e recozidas nas temperaturas de 800 a 1300°C em tempos variando de 1 a 120 min. A preparação metalográfica das amostras 23 foi realizada de acordo com técnicas convencionais. A caracterização microestrutural foi feita utilizando microscopia ótica (MO) e EBSD convencional, sendo utilizado um microscópio eletrônico de varredura Philips XL-30. Um microscópio eletrônico de varredura de alta resolução operando a 15 kV (JEOL-6500F) foi utilizado para a caracterização microestrutural de uma amostra deformada até 44% de redução em área e recozida a 1200°C por 10 min. As varreduras de EBSD foram realizadas em seções longitudinais, preferencialmente nas regiões dos contornos de grão. Resultados e discussão Caracterização do material no estado inicial O material de partida apresenta uma microestrutura formada por grãos alongados com alta relação de aspecto (≈ 10). A Figura 1 mostra a seção longitudinal de uma amostra da liga PM 1000 na condição inicial. Nota-se o aspecto serrilhado dos contornos de grão. Este serrilhamento resulta da interação contorno-partícula durante o tratamento térmico de recristalização secundária. Grãos com esta morfologia são adequados para operação em temperaturas elevadas. A microtextura da liga PM 1000 na condição inicial foi determinada com o auxílio da técnica de EBSD convencional (Figura 2a). Por meio da figura de pólo (Figura 2b) pode-se verificar que o material inicial apresenta forte textura de fibra do tipo <100> (paralela à direção longitudinal). Figura 1 – Seção longitudinal da liga PM 1000 na condição inicial (MO – Nomarski). A seta indica a direção longitudinal. 24 (a) (b) Figura 2 – Seção longitudinal da liga PM 1000 na condição inicial: (a) mapeamento de orientações junto ao triângulo de referência de orientações; (b) figura de pólo (001). DF é a direção de forjamento (longitudinal). Caracterização do material no estado encruado As amostras da liga PM 1000 deformadas apresentaram heterogeneidades de deformação (bandas). Essas regiões bandeadas estão restritas a alguns grãos. Um exemplo desse comportamento é mostrado na Figura 3, onde pode ser observada a presença de uma estrutura bandeada no grão localizado na parte central da micrografia. A Figura 4 mostra a curva de encruamento da liga PM 1000 deformada por forjamento rotativo a frio. Uma análise da curva apresentada permite verificar que a taxa de encruamento do material é bastante alta até 24% de redução em área, tendendo á saturação para reduções superiores a 44%. Figura 3 – Seção longitudinal de uma amostra deformada até 24% de redução em área, apresentando bandas (MO – Nomarski). A seta indica a direção longitudinal. 25 440 420 400 VHN - 100g 380 360 340 320 300 280 0 10 20 30 40 50 Redução em Área (%) Figura 4 – Curva de encruamento da liga PM 1000 deformada via forjamento rotativo a frio. Caracterização do material no estado recozido As curvas que descrevem a cinética de amolecimento da superliga PM 1000, que foi deformada por forjamento rotativo a frio até deformações de 24 e 44% de redução em área e recozida em temperaturas variando de 800 a 1300°C são mostradas nas Figuras 5a e 5b, respectivamente. De uma maneira geral, a taxa de amolecimento é mais acentuada nos primeiros 15 min, entretanto, após 15-20 min a dureza do material decai e praticamente não se altera para longos tempos de recozimento. A cinética de amolecimento depende da temperatura de recozimento, sendo que as taxas de amolecimento aumentam com o aumento da temperatura de recozimento. De uma maneira geral, a liga PM 1000 mostra-se muito resistente à recristalização. A recuperação prevalece em relação à recristalização nas duas reduções investigadas (24 e 44% de redução em área). Uns poucos grãos superam o efeito de aprisionamento imposto pela dispersão das partículas de Y2O3 e crescem na microestrutura, resultando numa fração de volume de grãos recristalizados de aproximadamente 10%. Os poucos grãos que surgem encontram-se preferencialmente localizados próximos aos contornos de grão e nas heterogeneidades de deformação (bandas). Esse comportamento pode ser atribuído a presença de grandes curvaturas e também pelo fato de que nesses locais a energia armazenada é maior quando comparada com outras regiões da microestrutura. As Figuras 6a e 6b são exemplos representativos do papel dos contornos de grão e das heterogeneidades de deformação na recristalização. 26 440 o 900 C o 1000 C o 1100 C o 1200 C o 1300 C 420 VHN - 100 g 400 380 360 340 320 0 20 40 60 80 100 120 Tempo (min) a) 440 o 800 C o 900 C o 1000 C o 1100 C o 1200 C o 1300 C 420 VHN - 100g 400 380 360 340 320 0 20 40 60 80 100 120 Tempo (min) b) Figura 5 – Curvas de amolecimento de amostras da liga PM 1000: (a) com 24% de redução em área; (b) com 44% de redução em área. 27 (a) (b) Figura 6 – Microestruturas de amostras da liga PM 1000 mostrando: (a) grãos recristalizados próximos a um contorno de grão em uma amostra com 24% de redução em área e recozida a 1000°C por 1 min (MO – Nomarski); (b) grãos recristalizados em uma banda de cisalhamento em uma amostra deformada até 44% de redução em área e recozida a 1200°C por 10 min (MO – Nomarski). A seta indica a direção longitudinal. Com a técnica de EBSD convencional foi possível mapear uma região parcialmente recristalizada em uma amostra que sofreu 44% de redução em área e foi recozida a 1300°C por 30 min (Figura 7a). Deve-se ressaltar que os padrões de Kikuchi são bastante prejudicados nas regiões recuperadas da amostra devido à grande quantidade de defeitos cristalinos (distorção elástica do reticulado). O índice de qualidade é baixo nessas regiões, impossibilitando a indexação das linhas de Kikuchi pelo software utilizado. Por outro lado, esses padrões de difração são bastante claros quando o mapeamento é realizado nos grãos recristalizados. Uma amostra deformada até 44% de redução em área e recozida a 1200°C por 10 min foi mapeada utilizando EBSD de alta resolução. Na Figura 8a verifica-se a presença de grãos recristalizados ao longo de um contorno de grão. Maclas de recozimento também podem ser vistas em alguns desses grãos recristalizados. O mapeamento de orientações utilizando EBSD de alta resolução possibilitou visualizar detalhes importantes da microestrutura e da mesotextura. A subestrutura desenvolvida após o recozimento a 1200°C por 10 min é caracterizada por uma estrutura de subgrãos razoavelmente organizada. Os contornos marcados em branco na Figura 8b referem-se aos contornos de baixo ângulo. 28 (a) (b) Figura 7 – Mapeamento de orientações em uma amostra deformada até 44% de redução em área e recozida a 1300°C por 30 min: (a) OIM evidenciando os grãos recristalizados e heterogeneidades de deformação; (b) figura de pólo invertida referente apenas aos grãos recristalizados mostrados no mapeamento. (EBSD convencional). 10 μm (a) (b) Figura 8 – Seção longitudinal de uma amostra da liga PM 1000 deformada até 44% de redução em área e recozida a 1200°C por 10 min: (a) micrografia mostrando grãos recristalizados da ordem de 10-20 μm na região do contorno de grão; (b) mapeamento de orientações correspondente à região mostrada em (a), junto ao triângulo de referência de orientações. A seta indica a direção longitudinal. 29 A região em destaque na Figura 8b é mostrada na Figura 9. Os contornos em branco marcam os contornos de baixo ângulo no mapeamento de orientações. Nota-se a presença de pequenos grãos finos e alongados distribuídos em grupos de orientações similares que crescem principalmente ao longo dos contornos de baixo ângulo. Os contornos de baixo ângulo encontrados apresentam diferença de orientação variando de 2° a 6°. A diferença de orientação entre os novos contornos de alto ângulo dos grãos alongados e a matriz deformada varia de 55° a 60°. A fração de volume desses pequenos grãos é de cerca de 15% e possuem uma razão de aspecto variando de 3 a 10, o que sugere que o crescimento desses grãos é anisotrópico. Figura 9 – Mapeamento de orientações referente à região em destaque na Figura 8b. Os contornos marcados em branco referem-se a contornos de baixo ângulo. A seta indica a direção longitudinal. A dispersão de partículas finas com tamanho médio variando de 10 a 15 nm [5] tem um papel decisivo retardando ou mesmo impedindo a recristalização nesta liga. Entretanto, esta explicação não é suficiente para compreender o pronunciado amolecimento mostrado por esta liga durante o recozimento isotérmico. Por meio das medidas de EBSD de alta resolução foi possível verificar a presença de pequenos grãos alongados após o recozimento. Devido ao seu pequeno tamanho não é possível visualizá-los utilizando microscopia ótica e eletrônica de varredura convencional. 30 Compreender como esses pequenos grãos alongados se originam pode explicar o motivo do amolecimento ser tão pronunciado nesta liga após o recozimento, visto que a recristalização é somente parcial mesmo em temperaturas elevadas, como por exemplo, 1200°C (Figura 8a). Há três possíveis hipóteses que podem explicar o crescimento anisotrópico desses pequenos grãos: (i) distribuição não uniforme da energia armazenada; (ii) a presença de partículas distribuídas não homogeneamente; (iii) crescimento anisotrópico associado à alta mobilidade dos contornos de grão. A primeira hipótese está associada com a natureza do estado deformado, que depende do escorregamento das discordâncias durante a deformação. Aparentemente somente poucos grãos desenvolvem diferenças de orientação suficientemente grandes para crescer. O processo de recuperação concorre com o de recristalização reduzindo a força motriz para a migração dos contornos, inibindo o crescimento dos núcleos. A segunda hipótese depende da homogeneidade da dispersão das partículas. Apesar da alta eficiência do processo de moagem de alta energia durante a preparação das ligas ODS, as partículas podem estar distribuídas de modo não uniforme. A terceira hipótese está relacionada à natureza dos contornos durante o crescimento destes pequenos grãos. Maclas de deformação podem ser um mecanismo plausível para explicar a origem dos núcleos de recristalização. Maclas poder atuar fornecendo os contornos de alto ângulo necessários aos estágios iniciais da recristalização, especialmente em ligas de média e baixa energia de defeito de empilhamento [6]. Neste trabalho sugere-se que tais regiões macladas podem agir como potenciais locais de nucleação para a recristalização primária durante o subseqüente tratamento térmico. Com o progresso do recozimento, estes contornos de alto ângulo induzidos por deformação podem se movimentar pela energia armazenada. Isto pode explicar a presença de contornos do tipo Σ3 circundando estes pequenos grãos e seu crescimento anisotrópico. A resposta sobre a natureza destes contornos (coerentes ou incoerentes) depende de outros experimentos, uma vez que uma única seção analisada por EBSD não define o plano de macla. Grãos com orientação <211> e <111> são predominantes na microestrutura, que podem validar a hipótese de crescimento de grãos com orientação [100] durante o processo de recristalização. 31 Conclusões A recristalização da liga PM 1000 ocorre pela nucleação e crescimento de grãos com tamanho variando de 10 a 20 μm nas regiões dos contornos de grão pré-existentes e também pela nucleação de pequenos grãos finos e alongados localizados no interior da maioria dos grãos. Esses pequenos grãos tendem a crescer consumindo a energia armazenada nos contornos de baixo ângulo presentes na subestrutura. Maclação mecânica é uma explicação plausível para o surgimento destes grãos. A recuperação estática é a responsável pela diminuição da força motriz para manter o crescimento destes pequenos grãos, resultando em uma estrutura parcialmente recristalizada. Agradecimentos Os autores agradecem à FAPESP (Processo n° 01-06400-3), ao CNPq e ao convênio CAPES-DAAD pelo suporte financeiro. Referências [1] E. F. Bradley, Superalloys – A technical guide, ASM International, 1988. [2] Plansee AG, ODS Superlegierung, Technical Catalogue, Austria, 2001. [3] J. J. Stephens, W. D. Nix, Metall. Trans. 16A (1985) 1307. [4] M. Heilmaier, F. E. H. Müller, J. Met. 51 (1999) 23. [5] A.O.F Hayama, H.R.Z. Sandim, J.F.C. Lins, M.F. Hupalo A.F. Padilha, Mater. Sci. Eng. 371A (2004)198. [6] Humphreys FJ, Hatherly M. Recrystallization and Related Annealing Phenomena, Pergamon Press, Oxford, 1996. 32
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