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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São
Pedro - CEP 30330-080
Belo Horizonte - MG - Brasil
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GOVERNO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
Governador: Antonio Augusto Junho Anastasia
SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E ENSINO SUPERIOR
Secretário: Narcio Rodrigues
Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais
Presidente: Mario Neto Borges
Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José
Policarpo G. de Abreu
Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo
Kleber Duarte Pereira
Conselho Curador
Presidente: João Francisco de Abreu
Membros: Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon
Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, Giana Marcellini,
José Luiz Resende Pereira, Magno Antônio Patto
Ramalho, Paulo César Gonçalves de Almeida, Paulo
Sérgio Lacerda Beirão, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva,
Rodrigo Corrêa de Oliveira
Este número da MINAS FAZ CIÊNCIA que você, leitor, acaba de receber tem
um significado especial para a FAPEMIG. Com ele, completamos 50 edições já
lançadas, um volume expressivo para uma publicação financiada com recursos
públicos e destinada à cobertura jornalística de temas da Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I). Ao longo dessa trajetória, a revista cresceu, amadureceu e, hoje, é
reconhecida como importante veículo de divulgação científica, inspirando projetos
semelhantes em todo o Brasil.
A primeira edição da MINAS FAZ CIÊNCIA foi lançada em dezembro de 1999,
com 24 páginas, uma tiragem de cinco mil exemplares e distribuição gratuita. Já
naquela época, chamou atenção por apresentar pesquisas desenvolvidas em Minas
Gerais e estimular a discussão de temas científicos, aproximando-os do cotidiano
das pessoas. Hoje, a revista está maior: são 52 páginas e uma tiragem de 20 mil
exemplares, distribuída gratuitamente a leitores de todos os estados brasileiros e
também do exterior. A proposta original se mantém: levar informações, fomentar o
debate e propiciar o envolvimento dos cidadãos em questões relacionadas à C,T&I.
E nada melhor para celebrar esse marco que uma edição recheada de temas
interessantes e relevantes. A começar pela reportagem de capa, que explora os
parques tecnológicos, ambientes destinados à produção de conhecimento e locais
onde ideias, saberes e tecnologias de ponta se encontram. Em Minas Gerais, o
mais recente empreendimento é o Parque Tecnológico de Belo Horizonte – BH-TEC,
inaugurado em maio deste ano. Nele, já estão instaladas 16 empresas cujo negócio está fortemente relacionado ao conhecimento e à inovação. Essas empresas
já colhem os frutos de sua participação na experiência e a expectativa é que isto
aconteça também no Parque Tecnológico de Viçosa, já em funcionamento, e nos
outros quatro parques que ainda serão instalados no Estado.
Na área da saúde, um projeto conduzido por equipe de pesquisadores da
Universidade Federal de Uberlândia busca desenvolver uma técnica baseada em
biossensores para o diagnóstico rápido e preciso do infarto do miocárdio. Hoje,
esse mal está entre as principais causas de óbitos no Brasil e no mundo e sua
identificação precoce é fundamental para a sobrevivência do paciente. A pesquisa
mostrou que é possível realizar o diagnóstico por meio de marcadores específicos
que identificam enzimas cardíacas liberadas na corrente sanguínea quando as células do miocárdio começam a morrer. De menor custo e fácil de utilizar, a técnica
está sendo avaliada para aplicação no Sistema Único de Saúde.
Memória é o tema de outras duas reportagens desta edição. A primeira, escrita
pela jornalista Virgínia Fonseca, apresenta uma pesquisa da Escola de Belas Artes
da UFMG, que aborda a relação entre memória e arte a partir de monumentos ou
manifestações visuais que remetem a catástrofes. Entre os casos estudados, estão
o Memorial do Holocausto, na Alemanha, e o Parque de la Memoria, na Argentina.
A jornalista Juliana Saragá, por sua vez, aborda um projeto da PUC Minas que tem
como objetivo resgatar e valorizar a tradição da “vida de bairro”. Entre os desafios
da equipe formada por pesquisadores das áreas de Sociologia, Arquitetura e História, estão proteger o patrimônio cultural dos bairros situados no anel pericentral
da cidade e articular as dimensões material (patrimônio construído) e imaterial, ou
seja, o modo de vida dos moradores.
Desejamos a todos uma ótima leitura, ressaltando que é uma alegria para
a equipe que participa do projeto chegar à quinquagésima edição. Agradecemos
àqueles que participaram de sua concepção, há mais de 10 anos, e aos profissionais que desde então passaram pela redação; aos pesquisadores, dispostos a
compartilhar conosco e com a sociedade os resultados de seu trabalho; e a vocês,
leitores, que com a audiência, as críticas e as sugestões dão sentido ao nosso
projeto de divulgação da ciência.
Vanessa Fagundes
Diretora de Redação
AO LEI TO R
EX P ED I EN T E
MINAS FAZ CIÊNCIA
Diretora de redação: Vanessa Fagundes
Editor-chefe: Fabrício Marques
Redação: Ana Flávia de Oliveira, Diogo Brito, Juliana
Saragá, Marcus Vinícius dos Santos, Maurício
Guilherme Silva Jr., Virgínia Fonseca e William Ferraz
Diagramação: Beto Paixão
Revisão: Sílvia Brina
Projeto gráfico: Hely Costa Jr.
Editoração: Fazenda Comunicação & Marketing
Montagem e impressão: Lastro Editora
Tiragem: 20.000 exemplares
Capa: Hely Costa Jr, sobre foto de Marcelo Focado
Í N D I CE
12
SAÚDE
16
ENTREVISTA
20
TECNOLOGIA
DE ALIMENTOS
6
Pesquisadores desenvolvem
técnica baseada em biossensores,
mais rápida e precisa para
diagnóstico de infarto agudo do
miocárdio
33
MUSEU ITINERANTE
A MEMÓRIA
NAS RUAS
36
SOCIOLOGIA
40
ÍNDIOS EM MINAS
47
LEMBRA DESSA?
Monumentos construídos em
espaços públicos, como o Parque
de La Memoria, em Buenos
Aires, não deixam feridas serem
esquecidas
28
30
Parques tecnológicos,
como o BH-TEC, se
destacam ao unir, em
um único espaço,
pesquisadores,
empresários e setor
público
O empreendedorismo entre
jovens é o tema da conversa com
o diretor do Future Centre da
Telecom Itália, Roberto Saracco
O que acontece quando se
adiciona dióxido de carbono ao
leite durante processo produtivo
do queijo Minas?
24
ESPECIAL
GEOCIÊNCIAS
Intervenção humana e
maneiras de ocupar o solo
propiciam a formação de ilhas
de calor em pontos diferentes
da mesma cidade
ENGENHARIA
ESPACIAL
Estudantes mineiros se
preparam para construir banco
de testes para inédito foguete
universitário nacional
49
Projeto da UFMG, caminhão
especialmente equipado levará
a Ciência a escolas públicas de
todas as cidades do Estado
Mapa dos Conflitos Ambientais
de Minas procura identificar
tensões decorrentes das relações
dos homens entre si e com o
ambiente
Um tema pouco conhecido a
respeito da história de Minas
Gerais: a população indígena
integrada ao sistema colonial
Núcleo é capaz de investigar a física
de formação da descarga, estudo
sem precedentes que permite
examinar o que gera um raio
5 PERGUNTAS PARA...
Ministro da Ciência, Tecnologia
e Inovação, Raul Antônio Raupp,
comenta integração entre
academia e setor privado
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VIDA DE BAIRROS
Avaliar como proteger o
patrimônio cultural desses
locais, situados no anel
pericentral de BH, é o
objetivo de pesquisadores
da PUC Minas
@
O programa Ondas da Ciência que
aborda o trabalho com a Prescrição
Eletrônica pode ser ouvido em
fapemig.wordpress.com
Gostaria de objetivamente agradecer e elogiar
o brilhante trabalho dos responsáveis pela
MINAS FAZ CIÊNCIA, que, junto à FAPEMIG,
estão divulgando os projetos e os cientistas do
nosso estado. Difundir a tecnologia e a ciência
das nossas universidades é, sem dúvida, uma
grande contribuição para o crescimento científico do nosso país.
Fico realmente muito feliz por ter tido a oportunidade de apresentar um pouco do meu trabalho
científico junto a esse meio de comunicação tão
importante. Não tenho dúvidas de que terá grande contribuição e repercussão para a nossa sociedade na área de saúde e poderá servir como
início de uma grande transformação para futuras
melhorias desse setor.
A Prescrição Eletrônica é um tema importantíssimo, discutido atualmente tanto em nível
nacional como internacional, o qual aborda
principalmente a segurança do paciente. Motivo de grandes preocupações da Organização
Mundial de Saúde, o tema está sendo votado no
Brasil em projeto de lei de número 3344. Fiquei
muito impressionada com a rapidez da equipe
de comunicação, que demonstrou estar atenta
aos acontecimentos políticos e científicos mais
importantes e imediatamente abraçou a causa,
com a preocupação de demonstrar e divulgar o
tema de interesse de todos e que envolve qualquer profissional da área de saúde.
Esta semana, em Muriaé, recebi das mãos de um
aluno esta revista, para ser mais preciso a edição
nº 47. Junto com a revista, um sorriso de satisfação, pelo fato de ele ter lido a matéria “Gotas de
Energia”, felicidade por ter visto na matéria publicada assuntos discutidos em sala (poder das
pontas, densidade superficial de cargas, campo
elétrico, indução...). Sua felicidade residia no fato
de que ele havia entendido todo o funcionamento
do equipamento e a minha foi de que ele realmente havia aprendido e conseguido relacionar
informações de sala com a matéria publicada. De
posse da publicação, pude ler todo o conteúdo:
linguagem direta, agradável, acessível, mas sem
prejudicar o caráter de divulgação científica da
revista. Ensinar é estar sempre aprendendo. Parabéns pela revista.
Carmelino Moraes
Professor
Muriaé/MG Minha filha Tamires recebe a revista MINAS FAZ
CIÊNCIA. Gosto muito da publicação: assuntos
atuais, tudo de muito bom gosto, a diagramação, nem se fala. Parabéns pelo conteúdo.
Minha filha está fazendo Engenharia Civil. Ela
também faz estágio e quase não sobra tempo
para ler. Eu aproveito e leio frequentemente.
Agradeço por me enviar sempre a revista. Agradeço de todo coração, peço que Deus abençoe o
trabalho de toda a equipe que publica a revista,
estão de parabéns pelo trabalho.
Arlete Gomes
(via e-mail)
Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/
empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte
endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080
MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e
tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é
permitida, desde que citada a fonte.
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CARTAS
Parabenizo, especialmente, o jornalista Marcus Vinícius, por ter sido o grande apoiador e
orientador desta matéria. Finalmente, não tenho
outra coisa a dizer, senão, muito obrigada!
Wania Cristina da Silva
Mestranda
Universidade Federal de Ouro Preto
Ouro Preto/MG
Maurício Guilherme Silva Jr.
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especial
Num de seus fantásticos contos, o
escritor argentino Jorge Luis Borges descreve, em detalhes, a natureza do “Aleph”,
uma espécie de ponto visual capaz de
concentrar, nele próprio, todos os outros
pontos do universo. Se, no relato literário, pouquíssimos tiveram o privilégio de
contemplar o misterioso “objeto”, na realidade cotidiana, muitos são os indivíduos
a participar de ambiente também bastante
propício – como na metáfora borgiana – à
múltipla “convergência”. Desde meados
do século XX, os parques tecnológicos
transformaram-se em ambiente promissor não apenas à construção de projetos
e planejamentos de ponta – desenvolvidos
por homens e mulheres fascinados pelos
desafios da inovação –, mas também, e
principalmente, à confluência de sonhos,
experiências e ideais.
Atualmente, há mais de 2 mil estabelecimentos de estímulo à inovação no
planeta. Modernos “Aleph’s” a congregar
empresas de inovação e centros de pesquisa, tais espaços, com o passar do tempo,
tornaram-se grandes aliados às aspirações
de desenvolvimento das soberanias. No
Brasil, estima-se que, hoje, existam 75
experiências dessa natureza, sendo 25
em efetivo funcionamento. Em Minas Gerais, até o momento, estão em atividade os
parques tecnológicos de Viçosa, na Zona
da Mata, e de Belo Horizonte, o BH-TEC.
Outras quatro propostas, com sede nos
municípios de Juiz de Fora, Lavras, Itajubá
e Uberaba, estão em andamento.
Foto: Marcelo Focado
Nos últimos meses, o governo do
Estado, por meio de sua Secretaria de
Ciência,Tecnologia e Ensino Superior,
ampliou as negociações com a União,
em busca de recursos federais capazes
de auxiliar o programa estadual para
implantação de parques tecnológicos.
Justamente de tais prospecções nasceram os estudos – em desenvolvimento
– para ainda outros três novos espaços
aptos a receber empresas de tecnologia e
desenvolvimento de produtos – sempre,
obviamente, em parceria com universidades e centros de pesquisa. Trata-se de
projetos destinados às cidades de Brumadinho, Três Pontas e Uberlândia.
Financiadora de todos os parques
tecnológicos já articulados em Minas
Gerais, com investimentos na ordem de
R$ 40 milhões, a FAPEMIG auxilia todo o
processo de concepção e desenvolvimento das iniciativas de inovação – assim
como, após implementados os polos de
tecnologia, passa a prestar auxílio de natureza diversa, por meio de seus editais,
às empresas e centros de pesquisa. Tal
apoio é fundamental aos “atores” envolvidos, cuja rotina de trabalho diz respeito,
como se sabe, às complexas exigências
da produção e da transmissão de conhecimento. “Todos os nossos projetos têm
fortíssima participação da FAPEMIG, que
muito tem apoiado o parque e seus protagonistas”, ressalta o professor Ronaldo
Tadêu Pena, ex-reitor da UFMG e atual
diretor-presidente do BH-TEC.
A administração do Parque Tecnológico de Belo Horizonte ocorre por meio
da ação de uma série de instâncias.
A Assembleia Geral reúne o reitor da
UFMG, Clélio Campolina Diniz; o governador do Estado de Minas Gerais,
Antonio Augusto Anastasia; o prefeito
de Belo Horizonte, Marcio Lacerda; o
presidente da Fiemg, Olavo Machado
Júnior; e o presidente do Conselho
Deliberativo do Sebrae-MG, Lázaro Luiz Gonzaga. Já o Conselho de
Administração é formado por quatro
representantes da UFMG, indicados
pelo reitor; dois do Governo do Estado, fruto de indicação do governador;
dois da Prefeitura, recomendados
pelo prefeito; um da Fiemg e um do
Sebrae-MG, sugeridos pelos respectivos presidentes. Por fim, há o Conselho Técnico-Científico, o Conselho
Fiscal e a Diretoria Executiva.
Atualmente, além do apoio financeiro
da FAPEMIG, o BH-TEC conta com
recursos da Financiadora de Estudos
e Projetos (Finep), do Governo do Estado, da Fiemg e do Sebrae.
Professor Ronaldo Tadêu Pena,
diretor presidente do BH-TEC
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Trata-se de Ecovec, Embraer, Labtest,
Instituto EBT, Way Carbon, Neocontrol, Zunnit, Siteware, Labfar, Enacom, ATI, Invent Vision, Samba Tech,
Omnimed, Take.net e STA. Também o
Centro de Pesquisas René Rachou,
da ­Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
deverá construir sua sede em área já
destinada do parque.
Bancado pelo Governo de Minas, o
primeiro prédio do BH-TEC é fruto
de investimento no valor de R$ 28
milhões. Para além das empresas selecionadas, o edifício abriga, em seus
7,5 mil metros quadrados, miniauditório, quatro salas de reuniões, cafeteria e 88 vagas de estacionamento.
“Optamos por
seguir o modelo de
desenvolvimento
econômico baseado em
projetos de inovação,
elemento que se acelera
bastante no interior de um
parque tecnológico”
Ronaldo Tadêu Pena
diretor presidente do BH-Tec
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Associação que reúne Governo
do Estado, Prefeitura de Belo Horizonte,
Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), Federação das Indústrias de
Minas Gerais (Fiemg) e Serviço de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas de Minas
Gerais (Sebrae-MG), o parque tecnológico instalado na capital mineira iniciou
suas atividades com 16 empresas, selecionadas por meio de chamada pública.
Enquanto algumas companhias realizam
todas as suas atividades no parque, outras trouxeram para a atual sede do BH-TEC – inaugurada em maio de 2012,
bastante próxima ao campus Pampulha
– apenas as atividades de pesquisa e
desenvolvimento de novos produtos. Na
sede funciona, além das 16 empresas, a
diretoria executiva do BH-TEC.
Ao abrigar empreendedores das áreas do saber nas quais a UFMG apresenta
tradição de pesquisa – Ciências da Vida;
Biotecnologia, Saúde Humana e Animal;
Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs); Tecnologias para Entretenimento e Cultura; Energias Alternativas; e
Meio Ambiente –, o BH-TEC acaba por revelar sua vocação produtiva, caso se pense
que o principal “artefato” desenvolvido pelas empresas ali instaladas é, no final das
contas, “conhecimento” – o qual, por sua
vez, carece, justamente, do profícuo convívio entre empresários e pesquisadores
para que se desenvolva de modo pleno.
Propostas coletivas
Os desafios da confluência de
ideias, expectativas e planos nascem
junto à própria idealização de um parque
tecnológico. O advento do BH-TEC, por
exemplo, remonta a discussões iniciadas
em 1992, à época da gestão do prefeito
Patrus Ananias, que solicitara ao Centro
de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), ligado à Faculdade de
Ciências Econômicas da UFMG, uma série
de propostas para Belo Horizonte. Como
resultado da ação governamental, surge
o primeiro documento – assinado pelos
professores Clélio Campolina Diniz, hoje
reitor da Universidade, e Mauro Borges Lemos, presidente do Conselho de Administração do BH-TEC e, atualmente, também
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presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) – com vistas
ao desenvolvimento de polos de inovação
na capital mineira.
“A proposta do parque foi estabelecida por meio de metas. O projeto andou
devagar devido a desafios naturais ao processo”, explica Ronaldo Pena, ao relatar
que, após a proposta inicial da prefeitura,
seguiu-se à busca de um local adequado
para implantação do BH-TEC. No fim do
ano 2000, à época do mandato do prefeito
Célio de Castro, foi o professor Maurício
Borges Lemos – então secretário de Planejamento da Prefeitura de Belo Horizonte
– o autor da sugestão do terreno, pertencente à UFMG, como lugar ideal para o
empreendimento. “Outros espaços haviam
sido cogitados, mas todos os envolvidos
no projeto sabiam que o parque deveria
ficar perto da universidade”, ressalta Pena.
Naquele momento, afinal, revelavam-se as inúmeras vantagens da construção
do parque em região próxima à maior
instituição de ensino e pesquisa de Minas
Gerais. Dentre tais fatores, destaque para
a almejada natureza acadêmico-científica
– identificada nas melhores experiências ao redor do mundo – de um polo
tecnológico. Em 2001, o professor Francisco César de Sá Barreto, então reitor
da UFMG, nomearia comissão especial
com a missão de realizar, exatamente, os
necessários estudos de viabilidade para
instalação do futuro BH-TEC no terreno
pertencente à universidade.
Formado pelos professores Clélio
Campolina, Mauro Borges, José Aurélio
Garcia Bergmann e Ronaldo Pena, tal grupo
redigiu, à época, o documento responsável
por indicar a conveniência do desenvolvimento do parque no quarteirão 15 do campus Pampulha. “Optamos, daquele modo,
por seguir o mesmo caminho de desenvolvimento econômico aceito mundialmente.
Trata-se de modelo de desenvolvimento
econômico baseado em projetos de inovação, elemento que se acelera bastante no interior de um parque tecnológico”, comenta o
atual diretor-presidente do BH-TEC.
Ao final do mandato do reitor Francisco
César de Sá Barreto, é assinado o convênio
de intenções que oficializa o desenvolvimen-
Foto: Marcelo Focado
Em 2011, o Conselho Universitário
modificou a cláusula do prazo de
cessão, estendendo seu limite de
duração a 1º de julho de 2041, sem
possibilidade de renovação. A partir
daí, todos os prédios integrarão o
patrimônio da UFMG.
to do projeto. Em seguida, já na gestão da reitora Ana Lúcia Almeida Gazzola, o professor
Mauro Borges Lemos é encarregado de dar
sequência à concretização do parque, que,
a partir dali, seria formalizado como associação – já com os cinco parceiros que hoje
constituem o BH-TEC. Em 2005, firma-se o
acordo por meio do qual se estabelece que
a UFMG haveria de ceder seu terreno ao
empreendimento, pelo período de 30 anos,
com possibilidade de renovação, enquanto
a prefeitura se encarregaria das obras de infraestrutura e o Governo construiria a sede
do polo de inovação.
com o objetivo de absorver novos conceitos e aprimorar processos. “Além disso,
buscaremos criar parcerias que possibilitem mais agilidade e redução nos custos
de desenvolvimento de nossos produtos e
soluções tecnológicas”, afirma.
Para Breno Rates, sócio-diretor da
WayCarbon – que presta serviços de assessoria sobre mudanças climáticas, gestão de ativos ambientais, desenvolvimento
de estratégias e estruturação de negócios
com vista à ecoeficiência e à economia de
baixo carbono –, fazer parte da iniciativa
é um modo de “abrir novas possibilidades
de negócios” e de se aproximar não apenas
da UFMG, mas também de outros tantos
grupos focados em pesquisa, desenvolvimento e inovação: “Já estamos colhendo
As empresas que ora desenvolvem
trabalhos no BH-TEC foram selecionadas
– pelo Conselho Técnico-Científico – por
meio da chamada pública finalizada em
fevereiro de 2011. Conforme previa o regulamento da concorrência, as empresas
interessadas eram livres para, de acordo
com suas necessidades, demandar espaço físico com dimensões entre 30 e 400
metros quadrados. Hoje, como bons “moradores”, os grupos de base tecnológica
acertam seus condomínios mensalmente,
assim como pagam aluguéis conforme a
área ocupada no prédio.
O interessante a ressaltar é que,
mesmo com ocupações físicas, ramos do
conhecimento e interesses absolutamente
diversos, tais empresas de base tecnológica fazem do convívio o grande trunfo para
o crescimento. Segundo Marcelo Henrique
Pereira, da gerência de negócios da ATI –
que está há apenas um mês no prédio do
BH-TEC e atua nos setores de Telecomunicações e Energia, com ênfase no desenvolvimento de softwares e hardwares para
supervisão remota de plantas e segurança
corporativa – todos esperam aproveitar ao
máximo o ambiente voltado à inovação,
Breno Rates, sócio-diretor
da Way Carbon
Foto: Marcelo Focado
“Papo” de corredor
Tiago Delboni, diretor executivo
da Zunnit Technologies
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Foto: Foca Lisboa
A área ocupada
pela BH-TEC, em plano aberto
bons frutos por meio de parcerias, em projetos de P&D, com outras duas empresas
das quais nos aproximamos ao chegar, em
abril deste ano, ao BH-TEC”.
Diretor executivo da Zunnit Technologies – especializada em Tecnologia
da Informação, centrada na pesquisa e
no desenvolvimento de sistemas de recomendação, sobretudo para comércio
eletrônico e provedores de conteúdo,
Tiago Delboni lembra que a empresa
– em processo de instalação no parque
– nasceu dentro do Laboratório para Tratamento de Informação (Latin), ligado ao
Departamento de Ciência da Computação
da UFMG, e, aliás, agora é sócia dos empreendedores por meio “de um formato
de transferência de tecnologia inovador
no mercado brasileiro”, ressalta Delboni,
ao lembrar que, além do crescente estreitamento de laços com a instituição de
ensino e do ambiente propício à inovação,
o BH-TEC será importantíssimo devido à
repercussão permanente. “A exposição na
mídia facilita a abertura de negócios e a
contratação de novos talentos. Queremos
ser reconhecidos como referência em
tecnologia de recomendação na América
Latina, com atuação global”, destaca.
Já Rodrigo Monteiro de Mota, gerente de Pesquisa, Desenvolvimento &
Inovação da Ecovec – empresa de Biotecnologia nascida na UFMG e especializada
na detecção e monitoramento de vetores
de doenças urbanas (principalmente, do
Aedes aegypti) –, a decisão de participar
do parque tecnológico também envolveu,
principalmente, a oportunidade de interação com outros empreendedores. “Tanto é
que a Ecovec – a primeira a efetivamente
instalar-se no BH-TEC – já ‘encaixou’ importante parceria com a empresa Invent
Vision. Nesse processo de interação, fruto,
literalmente, de ‘conversas de corredor’,
pretendemos construir uma armadilha
automática de detecção do Aedes, projeto
que, inclusive, foi objeto de contemplação
no edital ‘Mestres e Doutores’ da FAPEMIG
em 2012”, conta.
Mercado ímpar
Parque de Viçosa se destaca
na indução do desenvolvimento
Instalado em uma área de cerca de seis mil metros quadrados, o
Parque Tecnológico de Viçosa (Tecnoparq) também já está em funcionamento. Assim como no BH-Tec, sua proposta é criar um ambiente propício à inovação e atuar como um vetor de indução do desenvolvimento
local. Atualmente, três empresas de base tecnológica estão instaladas
no local: Dinni Soluções em Sistemas, Laborural Serviços e Empreendimentos e Nexa Contact Center. Elas foram selecionadas a partir de
um edital público, que funciona em fluxo contínuo – ou seja, qualquer
empresa que se encaixe nas exigências do edital pode apresentar sua
proposta, a qualquer momento.
As primeiras iniciativas para implantar um parque tecnológico na
cidade da Zona da Mata mineira datam da década de 1990. Na época,
uma pesquisa constatou haver grande interesse de empresas que trabalham com inovação tecnológica de se instalar em Viçosa. O Tecnoparq é
uma das unidades do Centro Tecnológico de Desenvolvimento Regional
de Viçosa (Centev), que também abriga uma incubadora de empresas,
uma central de empresas juniores e um núcleo de desenvolvimento social e educacional. O projeto é uma parceria entre a Universidade Federal
de Viçosa, a Prefeitura Municipal e o Governo do Estado, por meio da
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da FAPEMIG.
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Além de ambientes para elaboração
dos mais sofisticados produtos e serviços,
parques tecnológicos configuram-se como
polos capazes de estimular – nas regiões
onde se instalam – uma série de novas
lógicas e parcerias de mercado. Nesse
cenário, duas “instâncias” de ação caracterizam-se como inerentes ao desenvolvimento de tais iniciativas. Trata-se, de modo
direto, dos empreendimentos imobiliários
públicos e privados. No BH-TEC, as duas
vertentes revelam-se vitais à sobrevivência
e à ampliação do projeto: “Por um lado,
o empreendimento público torna-se responsável por sustentar o parque. Se aqui
construirmos mais um prédio, por exemplo, poderemos garantir sua subsistência
para sempre”, diz Ronaldo Pena.
Nesse sentido, já com vistas às
(grandes) possibilidades futuras, Pena
encomendou, junto ao escritório UJMN
Architects & Designers – com sede na
Filadélfia, nos Estados Unidos, e sob o
comando de Robert W. McCauley –, o anteprojeto arquitetônico da nova edificação.
Trata-se do passo inicial de uma das duas
vertentes da “etapa 2” do desenvolvimento
do BH-TEC. O outro ramo de tal fase refere-se ao delicado processo de concessão a
empreendedores imobiliários privados das
demais áreas do parque.
Trata-se, pois, dos primeiros movimentos em direção à outra imprescindível
vertente de ação para desenvolvimento de
um parque tecnológico: os empreendimentos imobiliários privados. Nesse ponto, que
o leitor, ao menos por um segundo, imagine-se na pele do empresário imobiliário
que, decidido a investir tempo e recurso em
novas possibilidades de negócio, busque
construir algo no BH-TEC. Após a conclusão de suas obras, você não só lutaria por
ter de volta o que gastou, como gostaria de
ampliar suas margens de lucro, não é verdade? Antes, contudo, é preciso ter em mente
que, por ser patrimônio público, o terreno
onde se localiza o BH-TEC necessitará de
cauteloso estudo de viabilidade econômica,
levando em consideração os aspectos jurídicos para uso por corporações imobiliárias
A chamada “modelagem” do plano de
negócios ficou a cargo das empresas
Accenture, Athié Wonrath e Junqueira
& Ferraz Advogados, sob coordenação e responsabilidade do BDMG.
de capital particular. Note-se que, em 1º de
agosto de 2041, todos os imóveis construídos passarão à propriedade da UFMG, que
receberá, em seu orçamento de recursos
próprios, o produto dos aluguéis pagos pelas empresas residentes no parque.
O Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) foi a instituição escolhida para elaboração do plano de negócios
capaz de nortear o processo de autorização
do uso de áreas do BH-TEC pela iniciativa
privada. Num futuro próximo, possivelmente,
caberá a tais parceiros o investimento para a
construção de edificações, que poderão ser
exploradas, junto às empresas de base tecnológica, ao longo do período da concessão.
No que diz respeito às grandes corporações,
conhecidas como “âncoras”, deverá haver,
no parque tecnológico, a possibilidade de
construção de sedes próprias, sempre com o
compromisso de transferência da propriedade construída à UFMG em 2041.
Artefatos, não!
Nos idos de 1924, o estudioso Frederick Terman, natural da Califórnia – região dos Estados Unidos, à época, ainda essencialmente agrícola –, partira rumo
ao Massachusetts Institute of Technology (MIT) com o intuito de realizar doutorado em Engenharia Elétrica. Devido a problemas de saúde, porém, já em 1925, o
pesquisador seria obrigado a retornar ao solo californiano, onde se integraria, de
vez, ao corpo docente da Universidade de Stanford.
Na instituição de ensino, Terman resolve, de modo nada habitual ao período, “abrir as portas” do laboratório, que coordenava estudantes, professores e
empresários interessados em desenvolver produtos, ideias e serviços inovadores
(principalmente, no campo da microeletrônica). Ao longo das décadas seguintes,
o visionário professor receberia, em seu “QG” acadêmico, alunos assaz criativos,
a exemplo de Bill Hewlett e David Packard – hoje bastante conhecidos como fundadores da HP, grande empresa de computação, impressão, tratamento de imagem, equipamentos eletrônicos e venda de softwares e serviços.
Com o sucesso dos projetos desenvolvidos em seu laboratório, Frederick
Terman via-se permanentemente sondado por empresas de natureza diversa, sempre ansiosas por montar ali, sob sua orientação, “fábricas” para desenvolvimento
de produtos tecnológicos. Apesar de aparentemente tentadoras, aquelas propostas eram sempre recusadas pelo professor. Sabia ele, afinal, que seu laboratório
em Stanford não deveria prestar-se à mera serialização de artefatos. Para ele, naquele ambiente, seria muito mais relevante a possibilidade de investimento em
elaboração e disseminação do conhecimento. Após a Segunda Guerra Mundial,
tais princípios de Terman seriam fundamentais ao surgimento – e à consolidação
– de marcas e invenções que, cada uma a seu modo, modificariam o planeta.
Em breves linhas, eis o relato dos primórdios de nascimento do cultuado
Vale do Silício, região da Califórnia onde ficam cidades como Palo Alto e Santa
Clara, estendendo-se até os subúrbios de San José. Nessas áreas, nasceram e/ou
se localizam não menos do que as mais cultuadas empresas de base tecnológica
da atualidade. Apenas de modo ilustrativo, que o leitor se lembre, para além da já
citada Hewlett-Packard (HP), de “gigantes” como Apple Inc., Google, Facebook,
Symantec, eBay, Yahoo!, Intel e Microsoft.
Fotos: Foca Lisboa
A incrível história do visionário criador
da mais importante área de inovação tecnológica do mundo
Nas duas fotos, fachada de um dos edifícios que
farão parte da estrutura do BH-TEC
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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Imunossensor desenvolvido em Uberlândia aprimora
diagnóstico de infarto agudo do miocárdio
Virgínia Fonseca
“Pane” no sistema
Quando a obstrução de uma artéria impede que
o sangue chegue ao coração, ocorre o infarto
do miocárdio, que é a morte do tecido cardíaco
no local não irrigado. A área necrosada deixa,
então, de exercer sua função. “Se pensarmos o
órgão como um sistema de ‘bombeamento’, ao
perder 30%, 40% de sua capacidade, ele gera
limitações no organismo, como cansaço, falta
de ar, entre outros sintomas”, explica o médico cardiologista Almir Fontes, chefe do Setor
de Ecocardiografia do Hospital das Clínicas da
UFU. A arritmia, que é o descontrole no ritmo
dos batimentos cardíacos, é uma das principais
consequências da doença e pode levar à morte.
A intensidade do infarto varia de acordo com
fatores como maior área atingida ou região específica do órgão. Segundo o cardiologista, em
cerca de 30% dos casos, o doente não apresenta
sintomas típicos, como dor no peito e, às vezes,
ocorrem quadros atípicos, como cansaço súbito
e mal-estar, daí a importância de se fazer check-ups e procurar sempre o médico, diante de qualquer suspeita, para um diagnóstico preciso.
Foto: Cetes/Faculdade de Medicina/UFMG
saúde
Quando
tempo é vida
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
O coração é um órgão oco composto de tecido muscular que, em um adulto,
tem o tamanho aproximado de um punho
fechado e pesa cerca de 400 gramas. Sua
função é bombear o sangue para que percorra todo o corpo, transportando o oxigênio e os nutrientes de que o organismo
precisa para manter suas atividades vitais. O fato de o coração ser constituído
por um músculo, o miocárdio, é o que
possibilita ao órgão desempenhar esse
papel, por meio do movimento de contração que, nesse caso específico, recebe o
nome de sístole.
Por sua vez, o músculo cardíaco é
altamente vascularizado e precisa receber
um suprimento de oxigênio para seguir
trabalhando. Como em um mecanismo
de auto-alimentação, ao bater, o coração
também leva sangue para os seus próprios
vasos. Quando esse processo falha – devido à obstrução das artérias, por exemplo
– pode ocorrer o temido infarto do miocárdio, que é a “morte” de parte do tecido
cardíaco, causada pela ausência de irrigação sanguínea que transporta oxigênio
para o órgão. Ao lado de outras doenças
cardiovasculares, esse mal está entre as
principais causas de óbitos hoje no Brasil
e no mundo. A relevância social do tema
motiva estudos em centros de pesquisa
de todo o planeta e levou uma equipe da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
a desenvolver uma técnica, baseada em
biossensores, mais rápida e precisa para
diagnóstico da enfermidade.
A identificação precoce e segura de
um quadro de infarto é fundamental para
a sobrevivência do paciente, devido ao caráter progressivo da doença. “A demora no
diagnóstico pode afetar de forma intensa
o funcionamento do coração, vasos sanguíneos e linfáticos que formam o sistema
cardiovascular, levando à morte”, detalha
a coordenadora da pesquisa, professora
Ana Graci Brito Madurro, do Instituto de
Genética e Bioquímica (Ingeb) da UFU. Em
contrapartida, a detecção precoce pode
aumentar as chances de recuperação e
reduzir o tempo de internação, colaborando para a diminuição do impacto social e
econômico na família do paciente. A pesquisadora aponta reflexos significativos
também nos custos para o Sistema de
Saúde, com a queda nos gastos hospitalares, inclusive em unidades de terapia intensiva, pois, de acordo com a Sociedade
Brasileira de Cardiologia, mais de 320 mil
pessoas morrem por ano no País, tendo
como causa doenças do coração.
Hoje, o diagnóstico do infarto agudo do miocárdio em salas de emergência
é baseado em sintomas, eletrocardiograma, exame de sangue para detecção de
substâncias indicativas (marcadores específicos) e angiografia ou angiograma,
uma espécie de radiografia da anatomia
do coração e vasos sanguíneos que utiliza
contraste iodado (tintura). Embora existam
vários testes disponíveis, nenhum é altamente sensível e específico, particularmente nos momentos iniciais do infarto. “Se
por um lado o tempo é fator fundamental
para o tratamento do paciente, por outro
está também relacionado com os sintomas,
a dosagem dos marcadores e os estudos
eletrocardiográficos e angiográficos”, comenta Ana Graci. Segundo a professora,
as técnicas utilizadas atualmente são relativamente eficazes para monitorar o quadro
clínico do paciente, entretanto, demandam
mão de obra qualificada, custo elevado e
longo tempo de análise.
Tendo em mente a importância de
reduzir o período necessário para detecção
dos marcadores específicos e proporcionar
mais agilidade ao diagnóstico, foi que os
pesquisadores do Laboratório de Biomateriais (Ingeb) e do Laboratório de Filmes
Poliméricos e Nanotecnologia (Instituto de
Química) da UFU propuseram um método
que utiliza biossensores. Além de diminuir
o tempo do exame, o objetivo é proporcionar menor custo e mais facilidade de utilização da técnica, características que são
de grande interesse tanto para o paciente,
quanto para o Sistema de Saúde.
Rastros de um problema
Quando as células do miocárdio começam a morrer, há a liberação de uma
grande quantidade de enzimas cardíacas na
corrente sanguínea. Assim, o diagnóstico
do infarto do coração por meio de marcadores específicos é feito pela dosagem dessas
enzimas. Muitas vezes, são realizadas várias
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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Fotos: André Carnero
Os professores Ana Graci e João Marcos estão
à frente dos trabalhos nos laboratórios da UFU
Equipe conta com profissionais de diferentes
formações, nas áreas de Ciências Biológicas e Exatas
medições no decorrer do dia, para melhor
avaliação e acompanhamento do quadro clínico. Os marcadores mais pesquisados são
a creatina fosfoquinase (CPK), transaminase glutâmico oxaloacética (TGO), lactato
desidrogenase (LDH), creatinina kinase-MB
(CK-MB) e troponina T, sendo os dois últimos considerados os mais relevantes.
Normalmente encontrados em baixos níveis
no plasma sanguíneo de pessoas saudáveis, eles são elementos indispensáveis
para o diagnóstico definitivo do infarto, pois
a elevação dos valores indica lesão do tecido ou órgão específico. Da mesma forma,
a normalização dos seus índices costuma
ser um dos critérios para alta do paciente da
unidade de terapia intensiva.
A CK-MB é um bom marcador para
a lesão cardíaca aguda, devido à sua excelente especificidade, sendo que seu aumento no plasma se dá dentro de duas a
oito horas após o infarto. Essa enzima também é útil no diagnóstico de reincidência
ou extensão da doença, pois sua concentração começa a decair em 24 horas, desaparecendo de um a três dias. Elevações
subsequentes são indicativas de um novo
evento de infarto do miocárdio.
Já as troponinas permanecem elevadas por muito mais tempo que a CK-MB: de
cinco a nove dias para a troponina I cardíaca
(cTnI) e até duas semanas para a troponina T
cardíaca (cTnT), o que constitui uma vantagem na identificação do infarto, caso algum
tempo já tenha se passado depois da ocorrência. As cTnT e cTnI tornam-se mensuráveis de três a quatro horas após o início do
infarto agudo do miocárdio. Ambas podem
ser utilizadas para o diagnóstico, porém a
sensibilidade da cTnT é superior à de todos
os outros marcadores, sendo considerada o
padrão-ouro entre os marcadores bioquímicos da necrose do tecido miocárdico.
Passos para a solução
O projeto pautou-se no desenvolvimento de um biossensor para diagnóstico
do marcador específico troponina T cardíaca. O biossensor é um sistema que usa reações bioquímicas que ocorrem a partir de
DNA, enzimas, tecidos, organelas, células,
antígenos ou anticorpos para detectar um
determinado componente. Eles podem ser
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
classificados em genossensores, quando
empregam DNA; sensores enzimáticos, à
base de enzimas; ou imunossensores, se
utilizam antígenos ou anticorpos – este último, escolhido pelos pesquisadores da UFU.
Enquanto os exames convencionais
de dosagem de enzimas levam cerca de 2
horas, com o imunossensor para a troponina T cardíaca a resposta é obtida em até
cinco minutos e a análise poderia ser realizada fora do ambiente hospitalar, por meio
de um equipamento portátil. Normalmente,
os biossensores funcionam por meio de
contato com fluidos corpóreos como sangue, saliva ou suor, que são retirados do
paciente. “A aplicação desse tipo de método
é uma área de grande interesse atualmente,
pois facilita o diagnóstico à distância”, explica Ana Graci. Ela acrescenta que o sistema proposto é semelhante ao kit para a
avaliação de glicose, disponível no mercado
e de amplo acesso da população. Nele, uma
pequena amostra de sangue é adicionada ao
aparelho, gerando um sinal proporcional à
concentração de glicose no sangue.
A metodologia baseia-se em uma
tecnologia bastante utilizada para fins de
diagnóstico: a produção de eletrodos impressos. O eletrodo é formado por um suporte, normalmente de PVC ou cerâmica,
sobre o qual é depositada uma fina película
de material condutor. Sobre esta é aplicada
outra camada, de material isolante, conectada ao aparelho de medição e, por fim, é
afixada a biomolécula que será usada para
reconhecer o “alvo”. No caso do diagnóstico de infarto do miocárdio, trata-se de
um anticorpo específico para a troponina
T que, em contato com a amostra de sangue a ser analisada, provoca uma reação
capaz de gerar um sinal elétrico indicativo
da presença desse biomarcador.
Para a otimização do sistema, o
grupo propôs a modificação da superfície
desses eletrodos com polímeros funcionalizados, que permitem melhor imobilização
da anti-troponina. “Os polímeros tornam o
sistema mais seletivo e sensível, além de
aumentar a eficiência da fixação e estabilização das biomoléculas durante a produção,
o que contribui para fazer crescer o tempo
de estocagem dos biossensores, facilitando
sua comercialização”, adianta a professora.
Esses são alguns dos passos iniciais para a utilização médica em grande escala. E, enquanto caminha nesse
sentido, a equipe segue aprimorando as
pesquisas. Para complementar o diagnóstico, um novo biossensor está em
fase de desenvolvimento, visando à detecção da proteína C-reativa (PCR), um
marcador considerado referência para
inflamação, contribuindo para predizer
com maior exatidão o risco cardiovascular. Nesse caso, seria possível realizar o
acompanhamento preventivo de pessoas
com predisposição, resultando em melhor qualidade de vida para os pacientes
e auxiliando os profissionais de saúde no
diagnóstico precoce de lesões cardíacas.
Ana Graci explica que este é apenas um dos desdobramentos dos estudos. Devido ao caráter multidisciplinar,
o projeto envolve profissionais com
diferentes formações nas áreas de Ciências Biológicas e Ciências Exatas,
propiciando a integração de grupos
que atuam em atividades de pesquisa e
inovação tecnológica na UFU. Além de
professores do Instituto de Genética e
Bioquímica e do Instituto de Química,
alunos de pós-graduação investigam
aspectos diversos relacionados ao
tema. “Ele colabora para a formação de
recursos humanos de alto nível em biotecnologia e nanotecnologia”, corrobora
a coordenadora. Até o momento foram
produzidas duas teses de doutorado,
cinco dissertações de mestrado e um
projeto de iniciação científica, voltados
para a criação de novas plataformas
para a concepção de dois genossensores (diagnóstico de hepatite e de câncer
de próstata), um biossensor enzimático
para detecção de lesão do tecido hepático e dois imunossensores (diagnóstico da leishmaniose e infarto agudo do
miocárdio). Com o apoio da FAPEMIG
e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
foi possível também o depósito de duas
patentes: “Metodologia para construção
e utilização de genossensor eletroquímico para diagnóstico da hepatite B”
e “Dispositivo óptico para detecção de
marcador específico de lesão cardíaca”.
Pesquisadores buscam viabilizar produção, em
grande escala, de biossensores com polímeros
funcionalizados
Foto: André Carnero
De acordo com a pesquisadora,
atualmente existe um interesse crescente
quanto à aplicação desses sistemas para
a produção em grande escala de sensores
para análise clínica de doenças. Sensores
de tamanho reduzido, baixo custo, elevada
sensibilidade e detecção em tempo-real são
desejados, particularmente em diagnósticos que possam ser realizados fora do
ambiente hospitalar, como em residências,
consultórios e até mesmo se o paciente
estiver em viagem – situações em que o
resultado deve ser rápido e pequeno volume de amostras é requerido.
A produção dos eletrodos impressos
está em fase de desenvolvimento, coordenada pelo professor João Marcos Madurro, do Laboratório de Filmes Poliméricos
e Nanotecnologia, sendo que a equipe
criou uma tinta com elevada condutividade e estabilidade para a aplicação sobre o
substrato de cerâmica. Os novos polímeros
utilizados como plataformas para a imobilização do anticorpo específico para a troponina T cardíaca mostraram-se eficientes
na detecção. “Além do tempo de resposta rápido e do fácil manuseio, o material
apresenta grande potencial para miniaturização e produção em massa”, destaca a
professora. Os imunossensores poderão
ser incorporados em exames laboratoriais
em larga escala ou em testes individuais,
além do atendimento à demanda governamental brasileira e de outros países quanto
à detecção de doenças humanas.
Outra vantagem apontada é o baixo custo e a possibilidade de produção a
partir de material disponível no país. Segundo Ana Graci, atualmente, somente as
biomoléculas utilizadas são importadas.
O projeto para desenvolvimento do imunossensor para marcador cardíaco está em
andamento, sob patente, visando à produção independente dos eletrodos impressos
funcionalizados com polímeros. Além da
produção da plataforma, encontra-se em
andamento uma etapa importante para
a sua utilização, que são os testes com
amostras reais de pacientes infartados
e a determinação do limite de detecção,
que aponta a quantidade mínima a partir
da qual o sistema consegue reconhecer a
presença do marcador específico.
Principal causa
de morte
As doenças cardiovasculares,
com aproximadamente 320 mil óbitos
anuais, aparecem em primeiro lugar
entre as causas de morte no Brasil, representando quase um terço dos óbitos totais e percentual significativo das
mortes na faixa etária de 30 a 69 anos
de idade, atingindo a população adulta
em plena fase produtiva.
Projeto: Desenvolvimento de imunossensor para diagnóstico do infarto
agudo do miocárdio
Coordenador: Ana Graci Brito Madurro
MODALIDADE: Programa Pesquisador
Mineiro – PPM III
Valor: R$ 48.000
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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entrevista
Mundo de
oportunidades
Para Roberto Saracco, novas tecnologias e
baixo custo das transações ajudam jovens a
se transformar em empreendedores
A história é bem conhecida, já deu origem a vários livros e virou filme vencedor de
três estatuetas do Oscar. Em 2004, com 19
anos e ainda estudante na Universidade de
Harvard, Mark Zuckerberg criou com alguns
amigos o Facebook, hoje conhecido como
a maior rede social do mundo. Para se ter
uma ideia, estima-se que, a cada minuto, o
Facebook receba 451 novos usuários que,
até agosto deste ano, chegarão à casa do 1
bilhão de assinantes. O jovem empresário,
dono de uma das maiores fortunas do planeta, foi eleito em 2010 a personalidade do
ano pela revista norte-americana Time, por
ter “mudado a forma como os seres humanos se relacionam”.
O exemplo é emblemático, mas não
o único quando se trata de empreendedorismo entre jovens. Para Roberto Saracco,
cientista da computação, professor e diretor do Future Centre da Telecom Itália,
sediado em Veneza, as novas tecnologias
de informação e comunicação tornaram o
mercado propício a iniciativas empreendedoras. “Uma das coisas mais espantosas
que temos hoje - e as pessoas ainda não
perceberam isso - é que tudo é muito barato. Tudo custa nada”, defende ele, nesta
entrevista à MINAS FAZ CIÊNCIA.
Saracco atualmente leciona na Politécnica de Turim (Itália) disciplinas sobre
multimídia e telecomunicações. Ele esteve
no Brasil para uma série de compromissos, entre eles uma palestra em Belo Horizonte, na sede da FAPEMIG, que abordou
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
Vanessa Fagundes
a importância de se transformar estudantes em empreendedores. Esse também é
o foco de seu trabalho na Itália. O Future
Centre é um centro de pesquisa focado no
impacto econômico das inovações na área
de telecomunicações. Sua missão é identificar e desenvolver novas oportunidades de
negócios relacionados à área.
Ele está ligado ao projeto do European Institute of Inovation & Technology
(EIT) e coordena um dos seis centros de
excelência europeus na área de tecnologias da informação e comunicação (EIT
ICT Labs - http://eit.ictlabs.eu). Lá, estudantes de todos os países – inclusive do
Brasil – trabalham no desenvolvimento de
projetos em linhas como cloud computing e cidades digitais. Com base em sua
experiência, Saracco afirma: a cultura da
inovação deve ser estimulada cedo, e não
apenas dentro das escolas. O ambiente
familiar, por exemplo, é decisivo na formação de novos empreendedores.
O senhor irá proferir uma palestra sobre as formas de estimular o empreendedorismo entre os jovens. Por que
esse tema é importante?
Bem, o mundo mudou muito nestes últimos dez anos. O que temos visto é que
tecnologias de informação e comunicação
tornaram possível diminuir o custo de
entrar no mercado. Uma das coisas mais
espantosas que temos hoje – e as pessoas
ainda não percebem isso – é que tudo é
Foto: Diogo Brito
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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muito barato. Tudo custa nada. E toda vez que
eu digo isso, as pessoas duvidam e respondem:
“não, tudo é caro”. Não é verdade, tudo é muito
barato, é impressionante. Podemos comprar bananas na Europa por 20 centavos. Aqui, no Brasil, vocês provavelmente conseguem comprar
por menos. Como algo tão tecnológico como a
banana pode custar tão pouco? Porque é preciso
lembrar que existe um agricultor que vai até a árvore colher a fruta, um caminhão que transporta
as bananas para o porto e um navio que, de lá, as
transporta para qualquer outro lugar do mundo.
Quando o navio aporta você tem outro caminhão
que transporta as bananas para a loja, um funcionário que as coloca nas prateleiras e, no fim,
elas vão te custar 20 centavos. É incrível, não é?
Mas é diferente quando você pensa em produto de alta tecnologia, não?
Aí é que está. A banana só é tão barata porque
ela carrega alta tecnologia. Há uma confusão
hoje entre o que é alta tecnologia e o que não é.
Eu usei a banana como exemplo porque essa é
uma reação comum: as pessoas não acham que
a banana é um produto tecnológico. Mas ela é
extremamente hi-tech. Se não fosse, não seria
possível vendê-la por 20 centavos. Anteriores
à banana, você tem pesquisas sobre processos
de conservação, reações químicas, sistemas de
irrigação, além de uma grande logística para garantir que o custo de transporte para uma distância de milhares de quilômetros não influencie no
preço do produto e a fruta continue acessível. E
toda essa logística está relacionada a novas tecnologias de comunicação e informação (TICs).
Existe uma grande quantidade de tecnologia
por trás disso. As pessoas tendem a associar
as TICs com computadores, laboratórios, equipamentos avançados... Mas elas estão em todo
lugar. Se não, não seria possível ir ao supermercado e comprar uma banana por 20 centavos.
Esse é o ponto.
Essas novas tecnologias estão associadas a
novas oportunidades de negócios, correto?
Sim. O mais espetacular sobre nossa sociedade
atual é que conseguimos diminuir os custos das
transações. Esses custos costumavam ser muito
maiores. E se os custos são altos, isso significa
que você precisaria ter um grande capital para
iniciar qualquer empreendimento. Hoje, os custos são tão pequenos que cada pessoa pode ser
um empreendedor, pode começar um negócio
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
próprio. Por exemplo, você pode vender
coisas no eBay (empresa americana de comércio eletrônico – www.ebay.com) e isso
não te custará nada. Mas o eBay é um sistema tremendamente complexo, existe uma
grande quantidade de tecnologia por trás
do site que permite seu funcionamento.
Você também pode anunciar seus produtos no Youtube e, novamente, não custará
nada para você. Mas há muita coisa por
trás daquilo. Resumindo, é possível gerenciar e comunicar um negócio pela internet
sem custos.
E atingir mais pessoas também...
Hoje o mercado é todo o mundo. Pensando em um negócio tradicional, é necessário um mercado para qualquer coisa que
se esteja vendendo. Você tem um mercado
potencial, mas nem todas as pessoas para
quem você fala irão comprar seu produto.
Para alcançar um pequeno grupo, formado por seus clientes reais, você precisava
anunciar para todo um grande mercado.
Isso significa gastar muito dinheiro para
passar a mensagem. E com o custo do
transporte, seus clientes não poderiam
estar muito longe, senão o produto final
seria inacessível. Hoje, o mercado é todo
o planeta e você consegue alcançar a todos gastando muito pouco dinheiro. Nesse
grande mercado, você identifica nichos,
que podem ser compostos por poucas
pessoas e estar em países diferentes. As
grandes empresas não conseguem se dirigir a nichos tão pequenos como esses,
pois custariam muito para a organização.
Mas uma única pessoa pode fazer isso.
Por isso, hoje, qualquer estudante pode se
tornar um empreendedor.
No Brasil, também existem tentativas
no sentido de estimular o empreendedorismo entre estudantes. O senhor
acredita que quanto mais cedo essa
cultura da inovação for ensinada, melhor? Por exemplo, as escolas deveriam investir nisso?
Muita coisa é ensinada na escola, mas
estimular a cultura da inovação vai além
disso e envolve todo o ambiente. Até
mesmo dentro de casa essa cultura pode
ser ensinada. Claro que a escola tem um
enorme potencial para estimular o empreendedorismo, mas não é preciso esperar os professores para começar esse
tipo de lição. Claro, você não vai ensinar
uma criança de dez anos o que significa
se tornar um empreendedor. Mas você
pode ensiná-la a aprender história de um
modo em que ela seja participante. Em
vez de ensiná-la a procurar as informações no livro, vamos dizer: “OK, havia
um imperador romano neste local. Vá à
internet, procure e leia sobre isso, tire
suas conclusões”. Vamos mostrar como
ser um agente ativo nesse processo. Ser
pró-ativo é o primeiro passo para ser empreendedor. Se você estuda de uma forma
em que todo dia te dizem o que ler, o que
aprender, o que fazer... Isso não cria um
espírito empreendedor. E é preciso entender que, o que quer que você faça, será
melhor se usar algo que já testaram antes. Isso costumava ser chamado de cópia e era algo condenável. Mas não: você
pode copiar desde que acrescente algo.
Essa é a parte crucial: acrescentar algo. A
contribuição pode ser na etapa inicial ou
no topo, e quanto mais alto ela começou,
mais alto ela irá. Precisamos entender
isso, pois, para muitos professores, isso
é errado. Muitos dizem “você deve aprender pelo livro e não deve copiar”. A vida é
aprender com os outros – e acrescentar.
Empreendedorismo, então, é acrescentar
alguma coisa. Isto é algo que pode começar bem cedo. E empreendedorismo não
se resume a copiar e acrescentar. Também é parceria. Se nós dois trabalhamos
juntos, chegamos a algo maior. Esses
são os pontos cruciais que a escola pode
trabalhar. E aí, claro, a universidade deve
ir além de sua grade curricular e abordar
questões como gerenciamento de pessoas, comunicação, entre outros.
O senhor dirige um centro de pesquisa
na Itália que busca transformar pesquisas em inovações para o mercado.
Isso é um desafio em seu país?
É um desafio em qualquer lugar. Transformar pesquisas em inovação é, primeiro, uma questão de foco, de descobrir as áreas em que você quer investir.
Existem muitas áreas e não é possível
trabalhar com todas, precisamos focar em
algumas. No Future Centre, focamos em
dados: como obtê-los, como visualizá-los,
como levá-los para as pessoas, como incentivar o empreendedorismo, como gerar
novos negócios nesse campo.
Que lições poderiam ser aproveitadas aqui
no Brasil?
Nós tivemos uma boa experiência com estudantes brasileiros que passaram pelo EIT ICT
Lab. Lá, exploramos o potencial da inovação.
E, ao observá-la, é preciso pensar na economia – isso vale para qualquer país. Para fazer
dinheiro, você deve vender seu produto em
algum lugar. Então, nós incentivamos: pense
no Brasil. Onde seu produto faria a diferença?
Como você deve adaptar a ideia desenvolvida
aqui para ter sucesso no Brasil?
Vocês recebem estudantes de todo o mundo no laboratório italiano do EIT. Qual a importância dessa experiência internacional?
Como o senhor vê o Programa Ciência sem
Fronteiras, do governo brasileiro?
Eu acho que é um programa muito bom, que
basicamente acabou de começar. Fizemos a
primeira seleção para a Itália em dezembro,
estamos esperando a chegada desse grupo.
Assinamos com o Brasil uma participação
pelo período de cinco anos. No centro que
eu dirijo, teremos três estudantes brasileiros. Se pensarmos em toda a Itália, devemos
ter milhares. Eles estão chegando não para
aprender, mas para fazer projetos conosco.
Esse é um programa muito importante, que
abre oportunidades. Normalmente, os estudantes permanecem de seis meses a um ano
em nosso laboratório e esse período é sempre
muito bom para nós e para eles. Depois disso, alguns até permanecem na Itália, mas a
maioria volta.
Há semelhanças entre Brasil e Itália na área
de Ciência e Tecnologia?
Bem, ambos estamos correndo atrás dos Estados Unidos. Isso é comum. Vejo muito potencial também, especialmente no Brasil – vocês
estão crescendo muito rápido. A pirâmide social está ficando achatada, mais e mais pessoas estão tendo acesso à educação e a novas
oportunidades. Resumindo, há um grande potencial a ser explorado.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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TECNOLOGIA DE ALIMENTOS
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
r.
Silva J
Sem ele, definitivamente, a “hora do
café” não seria a mesma. Alimento tradicional à mesa de milhões e milhões de brasileiros, o queijo Minas tornou-se popular
em função dos muitos predicados que o
definem. Poucos sabem, contudo, que,
além de saudável, prático e saboroso, este
clássico derivado do leite enfrenta uma série de desafios em seu processo de fabricação. Se, hoje, o chamado “mercado lácteo”
mundial passa por significativas mudanças
de paradigma – fruto, em grande medida,
das pressões econômicas sobre as indústrias do setor –, a busca por inovação tecnológica surge como eficiente alternativa
para que, ao mesmo tempo, seja possível
aprimorar a qualidade dos produtos e ampliar a competitividade das empresas.
Dentre tais inovadoras estratégias
para desenvolvimento de laticínios, o uso
de dióxido de carbono (CO2) tem despertado vasto interesse dos especialistas. Trata-se, afinal, de composto químico seguro,
de aplicação simples e baixo custo. Estudos em “países economicamente estáveis”
demonstram que o emprego do CO2 na
indústria de queijos proporciona, ao processo de produção, benefícios como diminuição do tempo de coagulação e aumento
da firmeza da coalhada. “Além disso, há
maior liberação de soro, redução da dose
de coalho, alterações no rendimento e melhor controle do processo”, ressalta Junio
Cesar Jacinto de Paula, doutor em Ciência
e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e professor
do Instituto de Laticínios Cândido Tostes,
ligado à Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig).
Com apoio financeiro da FAPEMIG,
o pesquisador realizou experimentos,
em escala industrial, nas dependências do
Laticínio Ita, na cidade de Itabirito (MG).
À frente dos equipamentos da empresa,
coordenou a fabricação de queijos Minas
(frescal e padrão) com adição de dióxido
de carbono ao leite pasteurizado. “Pretendíamos usar o CO2, ‘in loco’, numa indústria tradicional – o que, aliás, remete à
vivência da produção de queijos Minas no
Estado –, para que chegássemos a resultados condizentes com a realidade”, explica
Junio de Paula. Ao longo do estudo, além
A alta popularidade dos queijos Minas (frescal e padrão) no mercado
brasileiro diz respeito não apenas às
singulares propriedades gastronômicas do alimento, mas também à natureza de seu processo de feitura. Além
do alto rendimento e do baixo custo
final, o produto se destaca pela fabricação simplificada – o que, no fim das
contas, acaba por resultar em preços
acessíveis a todas as classes sociais.
das etapas de produção, realizaram-se
análises físico-químicas, microbiológicas
e sensoriais no Instituto “Cândido Tostes”,
e investigações do perfil de textura e das
propriedades microestruturais e reológicas
– relativas à “mecânica dos fluidos” – nos
laboratórios da UFV.
Os resultados da pesquisa corroboram
a ideia de que os benefícios tecnológicos e
econômicos gerados são suficientes para
ampliar o estudo acerca do uso de dióxido de
carbono para a fabricação de queijos. “Não
havia, na literatura, trabalhos que avaliassem,
industrialmente, os efeitos da incorporação
do CO2 ao leite para a produção dos tipos
Minas frescal e padrão”, conta, ao esclarecer que o principal objetivo do trabalho foi,
justamente, a avaliação, em escala industrial,
dos múltiplos impactos, no produto final, do
referido composto químico.
Como propósitos específicos, a pesquisa buscou qualificar distintos processos
de incorporação de CO2 e verificar seus efeitos quanto aos aspectos tecnológicos e às
características físico-químicas e microbiológicas dos dois tipos de queijos elaborados no Laticínio Ita. “Verificamos, ainda, as
mudanças de rendimento, a evolução dos
Apesar de coordenada pela Epamig, a
pesquisa se desenvolveu, na verdade,
com a tese de doutorado de Junio de
Paula, sob orientação do professor
Antônio Fernandes de Carvalho, da
UFV. As empresas Laticínio Ita (onde
ocorreu a fabricação dos queijos, com
adição de CO2) e Air Liquide do Brasil (que forneceu o gás CO2) também
apoiaram o projeto.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
21
Fotos: Junio de Paula
índices de maturação durante o armazenamento, a ‘aceitabilidade’ sensorial, a microestrutura e a capacidade de acidificação
do fermento lático na fabricação do Minas
padrão e nas propriedades mecânicas e reológicas do Minas frescal”, conclui.
Economia
Aparelho usado para medir pH
do tanque de fabricação de queijos
Equipamentos para análise microestrutural
do dióxido de carbono no leite
Diversas pesquisas hoje realizadas
no Brasil – bastante similares ao projeto
coordenado por Junio de Paula – revelam
a tendência, no atual cenário do setor de
alimentos, pela substituição dos métodos
de prevenção – que alteram química e fisicamente os alimentos – por métodos
menos severos. “Grande atenção tem sido
dada a novas tecnologias de processamento e acondicionamento, tais como atmosfera modificada, embalagens ativas e adição
de CO2”, explica o professor, que há mais
de dez anos investiga o uso de dióxido de
carbono em produtos derivados do leite.
Já em seu mestrado, defendido em
2004, na UFV, o pesquisador da Epamig
buscava avaliar a estabilidade de bebida
carbonatada – o mesmo gás encontrado
nos refrigerantes, fruto da adição de CO2 – à
base do soro de queijo. Ao longo da pesquisa, Junio de Paula pôde perceber que a
Minas em dois sabores
A pesquisa desenvolvida sob coordenação da Epamig investigou dois dos mais
conhecidos queijos oferecidos ao consumidor brasileiro. Conforme revelam as principais características de ambos, contudo, trata-se de produtos categoricamente distintos. Obtido por coagulação enzimática do leite, com ação de bactérias láticas específicas, o “frescal” destaca-se – segundo revela seu próprio nome – como produto fresco,
semigordo e de alta umidade. Também chamado de “queijo de massa branda, mole ou
macia”, possui formato cilíndrico, peso entre 0,3 kg e 5,0 kg, cor esbranquiçada, odor
suave, baixa acidez e curta durabilidade – o que, aliás, exige consumo rápido.
Por outro lado, o “padrão” – também conhecido como curado, padronizado ou
prensado –, apesar da origem em Minas Gerais, também é produzido em diversos outros
estados brasileiros. Queijo de massa prensada – à qual se adiciona fermento lático mesofílico –, possui período de maturação relativamente curto (de 20 a 30 dias), entre 10°C
e 12°C. Além disso, apresenta formato cilíndrico, com faces planas, bordas retas, peso
de 0,8 kg a 1 kg, crosta lisa e amarelada, consistência semidura e sabor levemente ácido.
Entre aqueles de massa crua, os queijos Minas destacam-se, significativamente,
como os mais populares do País. Juntos, representam cerca de 8% do mercado brasileiro. Em 2010, o “Frescal” foi o quinto mais fabricado no Brasil, com volume total
de 40.070 toneladas. No que diz respeito ao “Padrão”, no mesmo período, verificou-se
produção de 8.855 toneladas.
22
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
própria literatura corroborava os princípios
de seu trabalho: os benefícios tecnológicos
e econômicos gerados pelo uso do dióxido
de carbono justificariam a aplicabilidade da
técnica. Além disso, serviriam de incentivo a
outras tantas pesquisas acerca do tema.
Somem-se, a tal constatação, os relatos informais, surgidos nas próprias indústrias do setor, sobre a enorme diminuição de
gastos resultante do uso de leite acidificado,
durante a fabricação de queijos, por meio da
injeção de CO2. “A economia gerada e a diminuição de uso de coagulantes revelavam-se suficientes para garantir, em apenas dois
meses e meio, total retorno do investimento
feito na implantação do sistema”, diz.
Barreiras legais
No Brasil, um dos principais entraves
ao uso de CO2 durante o processo de produção de queijos diz respeito à legislação
do País. Considerado inócuo ao consumo
humano – já que se trata de “Produto Reconhecido como Seguro” ou Generally Recognized as Safe (GRAS), conforme a expressão
em inglês –, não carece de ser declarado no
rótulo dos alimentos oferecidos, nas gôndolas, à população. Apesar disso, o Serviço de
Inspeção Federal proibiu a adição de dióxido de carbono ao leite.
“Como justificativa, infere-se que os
possíveis efeitos microbiológicos, relatados na literatura, possam gerar negligência
no que refere às boas práticas de produção
do leite e seus derivados”, afirma Junio de
Paula, ao declarar, porém, que os principais efeitos benéficos da iniciativa, em
relação ao queijo Minas, têm caráter estritamente tecnológico. “Sendo assim, acreditamos que a legislação sobre o assunto
poderia avançar, tendo por subsídio, inclusive, a nossa pesquisa”, diz o professor.
Importante ressaltar que o próprio
projeto coordenado por Junio precisou de
autorização especial do Serviço de Inspeção
Federal, para que pudesse se realizar numa
fábrica de queijos. Os resultados da pesquisa, já publicados em revistas nacionais, têm
sido usados por indústrias do setor, que, no
momento, mobilizam-se – juntamente à Associação Brasileira das Indústrias de Queijos (Abiq) – em defesa da liberação do uso
da inovadora tecnologia no Brasil.
Lácteas toneladas de saúde
Nova tecnologia pode também auxiliar combate à contaminação dos laticínios
60% da comercialização total, pode-se concluir que a fabricação, na verdade, ultrapassou 1,3 milhão de toneladas há dois anos.
Em meio a tal gigantesca produção,
diversas pesquisas já identificaram “pontos críticos” durante o processamento dos
queijos, com destaque para problemas relativos à matéria-prima, ao tanque de coagulação e à salmoura. “As bactérias do
grupo coliformes são indicativas de condições higiênico-sanitárias inadequadas”,
afirma o pesquisador. Microrganismos
psicrotróficos têm destaque especial, por
alterarem os produtos sob refrigeração,
devido à produção de enzimas (lipases e
proteases) que degradam os lipídeos e as
proteínas, resultando em alterações sensoriais e de textura do alimento.
Ao longo dos anos, diversos surtos
de doenças foram associados à ingestão de
queijos, devido, principalmente, à presença,
nos produtos, de Staphylococcus aureus,
de E. coli, B. cereus, Listeria monocytoge-
nes e de Salmonella sp. Falhas ocorridas ao
longo de todo o processamento, aliadas a
temperaturas inadequadas de conservação
durante a comercialização, são fatores que
contribuem para a venda dos alimentos fora
dos padrões regulamentares.
“A dificuldade de exportação e os
principais problemas com a produção de
queijos no Brasil relacionam-se, principalmente, à baixa qualidade do leite produzido, às péssimas condições de fabricação e à falta ou ineficiência da cadeia de
frio”, explica Junio de Paula. Muitas vezes, portanto, os processos de fabricação
e armazenamento são responsáveis pela
contaminação, o que, em certos casos,
pode, até mesmo, transformar-se em problema de saúde pública. “Neste sentido, o
estudo da aplicação do CO2 nos queijos
Minas é também um modo de avaliar os
efeitos de tal estratégia tecnológica contra
uma série de contaminações microbiológicas”, completa.
Fotos: Junio de Paula
Quinta maior nação em volume de
litros, o Brasil responde por 5,3% da
produção mundial de leite. Neste cenário
– e como fruto da tríade “tradição, clima
e topografia” –, Minas Gerais revela-se o
principal estado brasileiro a produzir o
“ouro líquido branco” e a fabricar queijos,
sendo responsável por mais da metade
da produção nacional. Segundo dados da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a indústria queijeira é o
principal destino (33%) do leite do País.
“Nos últimos anos, a produção de
queijos tem aumentado expressivamente. Os maiores aumentos ocorreram no
período em que a população apresentou
maior poder aquisitivo. Ou seja, após a
implantação do Plano Real”, explica Junio
de Paula. Em 2010, conforme estatística da
Abiq, foram produzidas – sob inspeção formal – 801.440 toneladas do alimento, com
aumento de 11% em relação a 2009. Ao se
considerar que o mercado formal equivale a
Técnicos trabalham na
embalagem dos queijos
Análise da textura, importante para o
estudo da fabricação de queijo Minas
Projeto: Influência da adição de dióxido de
carbono (CO2) na fabricação de queijo Minas
Coordenador: Junio Cesar Jacinto de Paula
modalidade: Demanda Universal
Valor: R$ 23.961
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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Foto: Maria Melendi
história
A arte
de lembrar
Virgínia Fonseca
Monumentos construídos em espaços públicos
perpetuam a memória de fatos contemporâneos
Altar popular no local da boate
Cromañón, em que 194 pessoas
morreram e centenas ficaram feridas,
durante um incêndio, em dezembro
de 2004 - Buenos Aires, Argentina
24
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
“Uma ferida aberta”: esse é o simbolismo do Parque de la Memoria, monumento às vítimas do terrorismo de estado construído em
Buenos Aires, Argentina. Inaugurado em 2007, o parque é composto
por quatro trilhas de concreto em que estão afixadas 30 mil placas de
pedra, nas quais são gravados os nomes de homens, mulheres e crianças mortos ou desaparecidos sob ação do governo durante o regime
ditatorial que tomou conta do país nas décadas de 1970 e 1980.
O local é tido como um espaço de reflexão e lembrança para cada
uma das pessoas ali incluídas – até o momento foram gravados 9 mil
nomes e o trabalho segue em andamento, pois estima-se em 30 mil o número de vítimas. A própria forma de construção do monumento, como um
“corte” na terra, é alusiva à cicatriz deixada
na sociedade argentina pela repressão. Toda
essa representatividade torna o parque um
dos mais emblemáticos objetos de estudos
sobre a relação entre memória e arte, campo
de pesquisa da professora Maria Angélica
Melendi, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Em meados dos anos 1990, Maria
Angélica iniciou um trabalho de análise de
arquivos contemporâneos, focado em obras
de arte que apontavam para a memória de
catástrofes como o holocausto, genocídios,
ditaduras. A partir desta pesquisa, a professora começou a investigar também monumentos que estavam sendo feitos – sobretudo na América Latina, que é o seu campo de
estudos – em homenagem a desaparecidos
e mortos pelo terrorismo do estado, vítimas
de ditaduras. Na época, havia iniciativas de
memoriais na Argentina, Uruguai e Chile.
“Eu os relacionei com os monumentos feitos depois da II Guerra Mundial para identificar as diferenças. E fui notando que havia
alguns grupos, sobretudo na Alemanha, de
artistas que faziam antimonumentos, contramonumentos, que tendiam à horizontalidade e, às vezes, à desaparição”, conta a
professora. A percepção levou a um projeto
de pesquisa intitulado “Monumentos horizontais; a memória nas ruas”.
A expressão refere-se mesmo à posição horizontal dos monumentos, em
contraponto à verticalidade que costumava predominar nestas obras.
Uma mudança de posição da arte
quanto aos monumentos pode ser constatada nas últimas décadas. A relação negativa estabelecida após a II Guerra Mundial,
quando a arte se afasta do monumental e da
representação, inverte-se nos anos 1980.
“Começa uma demanda de monumentalização, ou pelo menos de se fazer recordatórios, memoriais, há uma reaproximação”,
comenta a professora. Entretanto, esse novo
contato com o artista não se dá de modo automático, ele encontra-se com esta demanda, mas a forma clássica da monumentalidade já não funciona. Então, o desafio é criar
novas maneiras de representar a lembrança.
A maior transformação se dá, porém,
quanto ao objeto da representação. Enquanto os monumentos clássicos eram de vitórias, os contemporâneos em geral são relativos à derrota. Um dos principais exemplos
neste sentido é o memorial aos veteranos da
Guerra do Vietnã. “Ele lembra os soldados
que morreram e não os generais que comandavam”, valida a pesquisadora.
Maria Angélica percebeu também que,
apesar de ter havido essa reaproximação
com a arte, os monumentos estão cada vez
mais independentes dos artistas. O próprio
Parque de la Memoria, na Argentina, foi
uma iniciativa de associações de direitos
humanos e de parentes das vítimas.“Eles se
tornam cada vez mais populares, às vezes
partem não do poder público, mas dos próprios moradores”, infere.
O monumental e o memorial
Como maneiras de resgate da memória, os monumentos assumem diversos
formatos, nem sempre grandiosos. Na Alemanha, a pesquisadora cita placas de bronze colocadas no passeio em frente às casas
e que informam situações ocorridas com
seus antigos moradores, como assassinatos, prisões. Outros optam pela realização
de performances ou formas diferenciadas
de memorial. No Peru, um grupo se reuniu
em frente à casa de governo para lavar e
dependurar bandeiras em protesto contra o
ex-presidente Alberto Fujimori. O que era a
ação isolada acabou se espalhando, atraiu
pessoas que se juntaram espontaneamente,
tomou o país e motivou manifestações similares mesmo em outras nações – inclusive
no Brasil, onde por vezes se presenciou a
lavagem de bandeiras de partidos políticos
e até times de futebol. Às vezes, o ato sai do
campo artístico e conclama multidões.
No Brasil não há, ainda, modelos de
grandes monumentos horizontais construídos. Existem exemplos que podem
ser considerados no sentido de resgate e
manutenção das lembranças, mas que não
costumam estar no espaço público. Maria
Angélica cita obras da artista mineira Rosângela Rennó, como Imemorial e Cicatriz,
que apontam para essas memórias reprimidas. O paulista Nuno Ramos também é
mencionado por sua instalação 111, sobre
o massacre do Carandiru. Mas esses trabalhos ficam em galerias de arte e não nas
ruas ou permanentemente expostos.
A pesquisadora acredita que o fato
de as manifestações, neste sentido, serem
menos usuais no País esteja ligado à forma
algo “mediada” como aqui se deu a passagem do processo ditatorial para a democraFoto: Martin Blanke, Berlin e Gerz Studio
Jochen Gerz, Monumento contra o racismo /
Monumento invisível,
1993 - Saarbruck,Alemanha
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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O artista e o ativista
Manifestações visuais como as que
ocorreram nos últimos anos, em que foram
colocadas centenas de cruzes nas areias da
Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro,
em protestos pelas vítimas da violência,
pela tragédia na região serrana do Estado,
entre outras, são consideradas pela pesquisadora como uma apropriação estética
de grupos ativistas. “São ativistas, não
são artistas, mas usam formas que vêm da
arte, porque causa mais impacto”, analisa.
Embora, acrescenta, de alguma maneira se
aproximem do campo da arte, já que se utilizam desse formato para chamar atenção.
Outro movimento que começou a
acontecer no Brasil está relacionado à ideia
de se colocar flores, fotos e outros objetos
que lembrem as vítimas em espaços onde
tragédias tiveram lugar. Para a pesquisadora,
esta postura é reflexo de uma conduta comum nos Estados Unidos. Porém, não se trata apenas de “importar” um comportamento.
Em certa medida, ela ressalva, há anos isso já
ocorre no interior do país – representado, por
exemplo, pelas cruzes afixadas em rodovias,
que marcam locais de acidentes – embora a
cidade tenha perdido esta cultura.
Ao construir o seu próprio “altar”
nos pontos que indicam tragédias e fatos
marcantes, os indivíduos tomam em suas
mãos o poder da rememoração. Esta ação
26
também tem um forte significado para a
professora. É como se as pessoas, muitas vezes pertencentes a classes menos
favorecidas, soubessem que estão tão desamparadas que só podem contar consigo
mesmas para preservar aquilo que precisa
ser lembrado, ninguém fará isto por elas.
Todas essas ações têm em comum
seu objetivo e sua contribuição para a preservação da memória de uma comunidade.
Memoriais, representados seja por grandes monumentos ou por fotos, objetos,
funcionam como testemunhas dos fatos e
quase como documentos. “Não tem que
ser aceito cem por cento, mas também não
é questionado. Fica preservado neste sentido, da memória”, reforça Maria Angélica.
O poético e o político
No Brasil, desde o final do século
XX, existem jovens artistas que se unem
em grupos e têm se apropriado da cidade
para realizar intervenções. Eles fazem ações
ativistas nos espaços públicos, chamando
para a recuperação da cidade, denunciando
situações insustentáveis. Porém, têm um
caráter mais voltado para o tempo presente.
De acordo com a professora, esses
projetos de memória são mais poéticos
do que políticos. Ela acredita que isso
ocorre porque os conflitos são menores e
novamente vê nisso uma herança cultural
clara. “Eles não vivem em uma lembrança
do passado, estão visualizando problemas
de hoje, enquanto os artistas do resto da
América Hispânica ainda reivindicam alguma solução para questões passadas que
não se resolveram completamente”, diz.
O mito e o rito
As conclusões dos estudos levaram a
pesquisadora a refletir o quanto de religioso
há nos procedimentos de rememoração: não
da religião convencional, mas em um sentido
mais amplo, da repetição de rituais. Tal como
uma procissão lembrando os mortos, colocam-se flores, velas e determinados atos que
são ritualísticos. Para Maria Angélica, é uma
espécie de “mito sem rito”, formas de relação com o espaço e o tempo que vêm de um
passado longínquo. Uma questão que, para
a maioria das pessoas, chega pela religião
católica, mas que remonta a épocas arcaicas.
“Há uma transposição do sagrado, que vem
de eras bem antigas, do que seria uma espécie de culto aos mortos”, pondera. E como
uma descoberta leva a outras, a professora já
se dedica, a partir dessa constatação, ao seu
próximo desafio: estudar os rastros do sagrado na arte contemporânea.
Foto: Maria Melendi
cia. “No Brasil, a ditadura termina já com a
anistia, com as pessoas voltando do exílio.
As coisas tendem, então, mais à celebração
dos que voltaram do que à lembrança dos
que se foram”, considera. Ela explica que
na Argentina, por exemplo, a ferida de fato
permanece aberta. As juntas ditatoriais foram julgadas e condenadas, mas receberam
indulto de um governo constitucional que
veio em seguida. “A coisa não está fechada
e vai ser difícil fechar, eu acredito”, reflete.
Parque de la Memoria: nomes de vítimas da
ditadura gravados nas pedras e na lembrança –
Buenos Aires, Argentina
Projeto: Monumentos horizontais;
A memória nas ruas
Coordenador: Maria Angélica
Melendi de Biasizzo
Modalidade: Demanda Universal
Valor: R$ 35.161
Monumentos clássicos
Monumentos contemporâneos
Monumento equestre do Imperador Marco Aurélio, Roma. 176 d C
Monumento aos veteranos da guerra
do Vietnã (1982) – Washington D.C., Estados Unidos
Obelisco da Vitória (1873) – Berlim, Alemanha
Memorial do Holocausto (2005) – Berlim, Alemanha
Monumento ao Duque de Caxias, (1960) autor Vitor Brecheret.
Praça Princessa Isabel, São Paulo.
Parque da la Memoria (2007) – Buenos Aires, Argentina
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
NOVA IDENTIDADE
Mais moderna
e dinâmica
Nova logo da FAPEMIG.
Dinamismo e contemporaneidade foram os
conceitos utilizados
Dinâmica, contemporânea, moderna: assim pode ser definida a nova logo
da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de Minas Gerais (FAPEMIG),
apresentada no último dia 22 de junho.
“O objetivo principal dessa criação foi
revitalizar a identidade visual da FAPEMIG, de forma a deixá-la mais atual e
em sintonia com os valores e missão da
Fundação”, explica o presidente da Fundação, Mario Neto Borges.
“A logo original era muito estática
e rígida. Com a de 25 anos criamos uma
identidade contemporânea e conceitual. A
partir dela foi concebida a nova logo, que
apresenta linhas mais dinâmicas. Ela foi
conceituada a partir dos três eixos de atuação da FAPEMIG – Ciência, Tecnologia e
Inovação – com o triângulo, símbolo da
bandeira de Minas Gerais, representando
cada um desses eixos”, explica Hely Costa Jr. , designer responsável pela criação.
A nova identidade visual já pode
ser vista no portal (www.fapemig.br) e
começou a ser utilizada na papelaria, documentos e peças gráficas da instituição.
Pesquisadores e bolsistas deverão
utilizar a nova logo nos documentos enviados à Fundação. Peças gráficas, como
banners de eventos e projetos apoiados
pela FAPEMIG, também deverão ter a aplicação da nova marca. O download do arquivo pode ser feito no portal, através do
link http://migre.me/9LP1r
Inovação e modernização
A FAPEMIG é a agência de fomento
à pesquisa e à inovação científica e tecnológica do Estado. Hoje, ela é também
uma das principais agências de fomento
do País. Com orçamento que ultrapassa
os R$ 300 milhões, seus recursos são
investidos no financiamento de projetos,
concessão de bolsas, intercâmbio de pesquisadores, divulgação científica, interação com empresas, dentre outros. Os 25
anos da FAPEMIG, celebrados em 2011,
foram marcados não só pelo reconhe-
cimento, mas também por importantes
parcerias firmadas. Grandes mudanças
também marcaram o Jubileu de Prata:
uma nova estrutura institucional começou
a funcionar e uma nova sede a ser construída. Com espaço adaptado para atender às necessidades de uma agência de
fomento, primando pela sustentabilidade,
as obras do complexo devem ser finalizadas no início de 2013. O objetivo é tornar
a Fundação mais moderna e ágil.
O lançamento do livro “FAPEMIG 25
anos – História em Pesquisa”, no final de
maio deste ano, encerrou as comemorações
de 25 anos da Fundação. No encontro, foi
assinada uma importante parceria entre a
FAPEMIG e a Fiemg/Sebrae na área de inovação, foco de atuação da FAPEMIG para
2012. “Não vamos deixar de atuar no eixo
da ciência pura apoiando a atividade acadêmica, mas atualmente temos dois fortes
objetivos: a internacionalização da ciência
mineira e a inovação da indústria no Estado”, afirma o presidente da FAPEMIG.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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Geociências
Ilhas
de calor
Pesquisa mostra como a intervenção do homem pode
ser responsável pela variação de temperatura em pontos
diferentes de uma mesma cidade
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
Diogo Brito
O termo ilha de calor é um conceito que
foi desenvolvido na América do Norte e nada
mais é do que o aumento e a permanência de
temperaturas elevadas em uma ou mais regiões de uma cidade. Um exemplo simples e fácil de ser percebido: a sensação de calor ao caminhar durante a noite por uma avenida como
a Afonso Pena, uma das mais movimentadas
de Belo Horizonte, é maior que a percebida durante uma caminhada no mesmo horário pelo
Parque Municipal. Isso acontece por haver no
parque um grande espaço verde, com árvores
e lagos, diferente do restante do Centro da cidade, caracterizado por várias alterações em
decorrência da urbanização.
Um estudo feito por pesquisadores
da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) analisou diversos pontos da capital
mineira para mapear as regiões que possuem as ilhas de calor. A pesquisa constatou que a intervenção do homem e a maneira como é ocupado o solo são algumas das
grandes responsáveis pela formação dessas
ilhas. Os resultados chamam a atenção para
a necessidade de arborização da cidade e de
preservação das áreas verdes já existentes,
como o Parque Municipal.
A pesquisa teve início em 2008 e utilizou 20 termo-higrômetros, aparelhos que
medem a umidade do ar. Eles foram distribuídos em várias regiões de Belo Horizonte, desde Venda Nova, no extremo norte
da capital, até o Belvedere, no extremo sul.
Quatro estações climáticas oficiais e dois
aeroportos também auxiliaram na pesquisa
com o envio de dados sobre o clima. A coordenadora do projeto, Magda Luzimar, do
Instituto de Geociências da UFMG, explica
que as medições foram realizadas durante
todo o ano, mas os dados avaliados foram
aqueles colhidos nos meses de inverno, à
noite. “Nessa época, não temos chuvas e a
noite é o momento em que a energia do sol
absorvida está sendo liberada”, diz.
Magda afirma que muitos fatores contribuem para a formação das ilhas de calor,
como a topografia da região, a densidade
urbana e também o tipo de material usado na
urbanização. “Uma região como a Serra do
Curral, com boa parte de sua vegetação preservada e nenhuma intervenção do homem,
não é uma ilha de calor, pois toda a energia
do sol é absorvida pelas árvores e usada nos
processos naturais das plantas. Como exemplo oposto, temos a região central de Belo
Horizonte, com muitos edifícios, avenidas asfaltadas e poucas árvores. Isso retém o calor
e dificulta a dispersão de energia”.
A forma como as cidades foram construídas contribui para agravar o problema.
Prédios muito próximos dificultam a dispersão de energia e também são causa do aumento da temperatura. “O calor que deveria
ser liberado no período noturno fica retido
nessas áreas. Ao invés de ir para a atmosfera, permanece numa espécie de “bate e
rebate” entre o concreto”, completa.
Climas variados
Como já era esperado, a maior concentração de calor na capital mineira foi
identificada no Centro da cidade. De acordo com Magda, mesmo com o conforto
térmico causado pelas sombras dos prédios durante o dia e os corredores de ar, no
período da noite toda a energia absorvida
não é devolvida para atmosfera. Isso provoca a sensação de calor e transforma a
região em um núcleo de aquecimento.
Uma curiosidade fica por conta da região de Venda Nova. Mesmo com as altas
temperaturas registradas e a forte sensação
de desconforto térmico durante o dia, a região
é considerada um núcleo de resfriamento.
Contribui para isso a grande presença de casas ao invés de edifícios. Com isso, no período noturno, a energia do sol é liberada para
a atmosfera. O mapa produzido a partir dos
dados coletados (abaixo) mostra que o bairro
Mangabeiras, Centro-Sul de BH, é uma das
áreas com menor média de temperatura, fato
que, em parte, também pode ser explicado
pela predominância de casas ao invés de prédios e pela grande presença de árvores.
A formação de ilhas de calor tem consequências diversas. Uma delas é a mudança do próprio clima da capital. De acordo
com a pesquisadora, a literatura científica
mostra que Belo Horizonte possui duas estações bem definidas: uma seca e uma chuvosa. A primeira tem início no final do mês
de março, marcando o começo do outono,
e permanece até o final de setembro, finalizando o inverno. A segunda, caracterizada
por elevadas temperaturas e pancadas de
chuva, inicia-se no final de setembro, com a
primavera, e permanece até meados de março, com o final do verão. Mas, a partir dos
dados coletados, a equipe percebeu que a
intervenção humana está criando climas locais ou microclimas. Esse é um ponto que,
de acordo com a pesquisadora, ainda pode
ser explorado em estudos futuros.
A pesquisa mostra não apenas a localização das ilhas de calor, ou dos pontos
que são considerados áreas de resfriamento, como o Parque Municipal, mas também
indica que o planejamento detalhado sobre
o clima e os efeitos da intervenção humana
auxilia em uma melhor estrutura climática.
Com o conhecimento de como são formadas as ilhas de calor, é possível planejar
como será feita qualquer modificação no
uso do solo e, dessa maneira, a urbanização
pode ser feita de forma prática e funcional,
observando cada característica da região.
PROJETO: Mapeamento das unidades
climáticas urbanas e ilhas de calor
do município de Belo Horizonte
COORDENADOR: Magda Luzimar de Abreu
MODALIDADE: Demanda Universal
VALOR: R$ 46.331
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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engenharia espacial
O céu (não)
é o limite
Estudantes mineiros
se preparam para
construir banco de
testes para foguete
universitário
Virgínia Fonseca
Meio século se passou desde que o
homem foi, pela primeira vez, ao espaço. O
ano era 1961 e o mundo vivia a Guerra Fria
quando o soviético Yuri Gagarin deu a volta
em órbita ao redor do planeta e anunciou,
fascinado, que “a Terra é azul”. Ao longo
desse tempo, o Brasil tem ouvido, sempre
em outros idiomas, as frases célebres que
acompanham cada conquista espacial. Com
o objetivo de contribuir para o fomento de
pesquisas nacionais na área, estudantes de
Engenharia Mecatrônica da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) trabalham no projeto de uma bancada
de teste para motores de foguetes.
O equipamento, primeiro a ser
construído no país a partir de trabalhos
acadêmicos, contribui para uma proposta que reúne outros grupos em torno da
ideia de montar o também inédito foguete
universitário nacional. Cada instituição
colaboraria com uma parte da construção
do foguete, de acordo com a sua especialidade acadêmica. “Nós não temos um
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
curso na área de aeroespacial, mas temos
o de mecatrônica, que envolve mecânica
e eletrônica, então, percebemos que éramos capazes de projetar e desenvolver a
bancada de testes para o motor”, conta o
professor do Instituto de Ciências Exatas
e Informática da PUC-MG, Welerson Romaniello Freitas, que coordena os alunos.
A iniciativa de participar dessa “empreitada” aeroespacial veio dos próprios
estudantes, idealizada pelo aluno Bruno
Garkauskas Neto. Hoje, sete graduandos se
dedicam ao projeto, sob orientação do professor Romaniello, que foi convidado para
coordenar a equipe. Trata-se de um banco
para medir a potência (empuxo) do motor. O
objetivo é proporcionar testes que permitam
averiguar se o motor é capaz de um empuxo suficiente para erguer uma determinada
carga. No caso do trabalho em andamento,
o grupo planejou um banco capaz de testar
motores pequenos, com o empuxo de 10
quiloNewtons – o que, a título de ilustração,
seria o suficiente para levantar um carro popular com massa de uma tonelada. As projeções estão de acordo com a proposta do
protótipo de foguete universitário, que deve
ter dimensões reduzidas. “Não podemos
comparar, por exemplo, com os foguetes
norte-americanos, estamos falando de coisas distintas”, lembra o coordenador.
De acordo com o projeto, a plataforma será constituída por uma estrutura
similar a uma balança, com dois braços de
aço. Para permitir o equilíbrio, é colocado
de um lado um contrapeso móvel e, de outro, uma armação rígida de concreto sobre
uma célula de carga – um tipo de sensor
para medição de força em tração (ou peso
em compressão). O motor é, então, conectado na parte inferior da célula de carga e,
ao ser acionado, exerce pressão sobre este
dispositivo, provocando sua deformação.
Quanto maior a alteração provocada na célula, maior o empuxo do motor.
O banco deve ser construído na Fazenda da PUC-MG, em Esmeraldas, região
Metropolitana de Belo Horizonte, mas
montado sobre chassis, para que seja possível deslocá-lo, caso necessário, até algum lugar onde se queira realizar os testes.
Isto facilitaria a utilização do equipamento
por outras instituições, como a Universida-
de Federal de Minas Gerais (UFMG), que
trabalha no projeto de um motor para o
foguete universitário.
Segundo o professor, inicialmente o
grupo havia previsto construir o projeto
para a parte estrutural, porém, logo perceberam que já tinham isso pronto e que
dispunham, inclusive, do material para sua
execução. Os alunos levantaram uma série
de informações, fizeram visitas ao Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), em São
José dos Campos (SP), para conhecer a
única bancada de testes que há no país.
“Visualizamos que seríamos capazes de
construir também o projeto hidráulico, um
conjunto de válvulas de controle que vai
monitorar o combustível e todos os fluidos
que passam pelo foguete, além das temperaturas das câmaras e da chama”, conta
Romaniello. Ele explica que será possível
avaliar o rendimento do motor, seu consumo em determinado espaço de tempo,
contribuindo para as adequações necessárias. Também faz parte do desafio da
equipe criar uma alternativa para a coleta
de dados, ou seja, interfaciar todos os instrumentos com um computador, possibilitando operar o controle de maneira remota.
Os alunos já se dedicam à construção da parte estrutural e, paralelamente, à
busca de recursos junto a entidades financiadoras, visando aporte para aquisição de
equipamentos necessários na execução do
projeto hidráulico. Obtidos os recursos,
Romaniello calcula que sejam necessários de seis a nove meses para apresentar
o banco pronto, montado sobre chassis,
conforme planejado.
“A partir de bancadas
de foguetes como essa
podem surgir trabalhos
de conclusão de curso,
dissertações, teses,
tudo já evoluindo para
essa área”
Welerson Romaniello Freitas
professor do Instituto de Ciências
Exatas e Informática da PUC-MG
Um grande passo para o País
A construção da plataforma de testes
e de um foguete universitário tem, sobretudo, o aspecto de desenvolver a cultura
aeroespacial no Brasil, incentivando que
se exercitem esses estudos acadêmicos.
“A partir de bancadas de foguetes como
essa podem surgir trabalhos de conclusão
de curso, dissertações, teses, tudo já evoluindo para essa área”, antevê Romaniello.
O pesquisador faz uma comparação com
a indústria automotiva, que no passado
recebeu estímulos por meio de projetos
que investiam na construção de um veículo
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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Foto: Marta Carneiro
A equipe da PUC Minas, Bruno ao centro e professor Romaniello à direita (sentado),
apresenta protótipo da bancada de testes
universitário. “Hoje, por exemplo, já temos
instalada no país uma boa indústria automotiva. E não temos pesquisadores e nem
atividades numa massa significativa ligados ao setor aeroespacial”, pondera.
Além disso, o lançamento de um
satélite ou foguete abrange aspectos tecnológicos das diversas engenharias disponíveis no mundo. Desde a Engenharia
Civil, para construção da base, até a parte
mecânica, eletrônica, de controle e automação, metalúrgica e de materiais, ambiental e de informática. Trata-se, segundo
o professor, de um exercício de ponta para
todos os ramos envolvidos e com amplos
desdobramentos possíveis. Ele cita como
exemplo a utilização do cristal líquido, hoje
existente em variados componentes, desde
relógios de pulso a celulares, e que deriva
do projeto Apollo nos Estados Unidos.
“As coisas nunca são estanques ou ficam
restritas àquilo que estamos pesquisando.
Há sempre desdobramentos e, às vezes,
eles são maiores que o objeto em que estava a atenção inicial”, afirma.
Resultados práticos de longo prazo, claro, também são apontados pelos
pesquisadores. A capacidade do país de
construir foguetes e lançar satélites traz
reflexos positivos em questões ligadas a
monitoramentos climáticos, ambientais,
de segurança, entre outros.
Para o infinito e além...
O professor Romaniello conta que a
iniciativa de unir esforços na construção do
foguete universitário partiu do engenheiro e
empresário mineiro Rene Nardi, proprietário
de uma empresa de engenharia de projetos
para o setor aeroespacial. Ele divulgou a
ideia de incentivar a construção de um protótipo de veículo espacial a partir do conhecimento gerado nas próprias universidades.
Cada instituição assumiria uma parte distinta do processo, de acordo com a sua expertise - a uma caberia propósito de desenvolver,
por exemplo, o motor; outra projetaria a fuselagem; e assim sucessivamente. “Através
da Inotech, empresa de inovação sem fins
lucrativos, estamos tentando agrupar algumas universidades para esse desafio. Temos
a participação da PUC-MG e da UFMG,
outras interessadas estão se organizando”,
relata o engenheiro Rene Nardi.
Nardi adianta que o projeto do motor
já foi desenvolvido pela UFMG e algumas
O programa de exploração espacial Apollo foi idealizado pelo presidente John F. Kennedy no
início da década de 1960 e desenvolvido pela agência espacial norte-americana Nasa (National Aeronautic and Space Administration) com o objetivo de levar o homem à Lua. Uma
trágica estreia, em 1967, resultou na morte dos três astronautas da Apollo 1 devido a um
incêndio provocado por curto circuito. Após intensos estudos – algumas missões tripuladas
chegaram a ser adiadas –, em 1968 foi feita uma excursão pela órbita da Terra com a Apollo
7. E, em 1969, Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins finalmente comprovaram que
o ser humano era capaz de chegar à Lua. A última missão do projeto foi realizada em 1972.
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
partes estão sendo construídas. Com o
intuito de desenvolver tecnologia nacional
no setor, a empresa prospecta recursos
para execução das propostas. “Tanto neste
quanto em outros trabalhos que realizamos, tudo o que projetamos foi criado no
país, por brasileiros, segundo processos
nacionais. O Brasil tem tudo o que é necessário para fazer o foguete”, garante.
Esta perspectiva é compartilhada com
o estudante Bruno Neto, da PUC-MG, que
desde os 17 anos (hoje está com 25) alimenta o sonho – e tentativas – de construir
um foguete. “Sempre fui muito voltado para
o setor de Aeronáutica, fiz curso técnico na
área e quando iniciei a graduação em Mecatrônica fiquei especialmente encantado
com a parte de propulsão”, conta. O aluno já
fazia experimentos com pequenos foguetes
e, quando começou a encontrar problemas
nos resultados dos seus ensaios, resolveu ir
mais fundo na parte teórica. As experiências
se transformaram, assim, em um projeto,
que acabou envolvendo outros colegas. Em
busca de bibliografia para a proposta inicial,
que era a construção de um minifoguete, Bruno viajou a São José dos Campos,
onde conheceu o engenheiro Rene Nardi.
Foi então que o conhecimento encontrou-se
com a “vontade de fazer” e o jovem cientista
organizou o grupo em Belo Horizonte. Ele
acredita que as expectativas para o setor no
país são boas. “Baseado no que tenho visto,
este campo está se expandindo em uma velocidade grande no Brasil”, considera.
Para o professor Welerson Romaniello,
a proposta de construção do foguete está no
contexto de uma mudança que precisa acontecer no Brasil e que está em andamento.
“Vem de uma cultura do setor produtivo, que
quer incentivar essa postura no país, e a universidade tem que passar também a produzir
mais inovação”, analisa. O pesquisador observa que ainda há uma grande discrepância
entre o volume de produção científica nacional e o processo de inovação. E, segundo ele,
a atitude de transformar algo que não fique
restrito ao papel é um passo importante para
alterar esse quadro, gerando patentes, riqueza, e não apenas mão de obra. “É louvável a
proposta de criar o espírito de inovação tecnológica e louvável a iniciativa dos alunos
que se organizaram para construir”.
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Maurício Guilh
Quando surgiam ao longe, em seu
colorido caminhão, não havia quem permanecesse alheio. Bastavam os primeiros “rugidos” do motor para que a alegria tomasse
conta da população, prontamente à espera
daqueles intrépidos visitantes, sempre dispostos a distribuir sonho, sorriso e arte.
Caso o leitor se reconheça na breve descrição dos sentimentos ligados à chegada
das trupes de circo a pequenos municípios
mineiros, prepare-se para surpresa ainda
maior. Substitua a alegria dos picadeiros
pela magia da ciência e, se for capaz, responda rapidamente: “Que reação teria diante
da bela e misteriosa carreta ali estacionada,
em cuja boleia exibe-se, vasto e inquieto,
nada menos do que ‘o conhecimento’ – e
sua fascinante miríade de possibilidades?”
Pois não pense tratar-se, meu caro,
de ficção científica: tal fabuloso veículo já
existe e está mais próximo do que se possa imaginar. Em julho último, foi oficialmente inaugurado, na Praça de Serviços
da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), o Museu Itinerante Ponto UFMG,
caminhão especialmente equipado com o
objetivo de desenvolver uma de série de
“ações articuladoras”, capazes de estreitar
os laços entre o conhecimento científico
– produzido nas instituições de ensino
superior e nos centros de pesquisa – e a
sociedade. “Nosso intuito é chegar a alunos e professores da educação básica de
cidades mineiras e promover momentos
de contato com experimentos e objetos de
aprendizagem preparados especialmente
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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Foto: Foca Lisboa
No Museu Itinerante, há cinco salas para exposições interativas e uma para projeção em 3D; na foto, a Sala dos Sentidos, que permite interação dos visitantes
O Museu sobre rodas, pronto para partir
34
para esse público, que, muitas vezes, não
tem acesso a essa oportunidade”, explica
a professora Tânia Margarida Lima Costa,
coordenadora geral do projeto.
Iniciativa que conta com o apoio da
FAPEMIG, da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Fundação
de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep),
o Ponto UFMG não se destacará, apenas,
como espaço físico. Trata-se, também, da
possibilidade de registrar a presença da
universidade nos locais onde o veículo se
instalar. “A ideia não é apenas oferecer visitas à população. Desejamos criar relações
com as cidades, de maneira a identificar
suas demandas e incorporá-las aos projetos
apresentados. Buscaremos interação diferente, ao instigar discussões e estimular a
emoção, o impacto e a surpresa. Após cada
viagem, o Museu retornará diferente. Vamos
trocar e socializar experiências, de modo a
agregar um pouco da cultura de cada localidade”, destaca Tânia Costa, que também é
diretora do Centro Pedagógico UFMG.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
Por meio do Museu Itinerante, para
além da divulgação e debate da rotina
de produção dos centros de pesquisa,
pretende-se a criação de comunidades de
cultura científica e o estímulo ao trabalho
em rede. Somem-se a tais intuitos o compartilhamento de experiências e desafios e
a possibilidade de fazer com que os alunos tenham ideias originais e ponham em
prática tudo o que absorverem. “A alfabetização científica passa a ser compreendida
como necessidade para a formação de uma
‘cultura’ fundamental ao exercício da cidadania”, comenta Jessica Norberto Rocha,
coordenadora pedagógica do projeto.
Compreenda-se “cultura científica”,
conceito a amparar o Museu Itinerante Ponto
UFMG, segundo discussão elaborada pelo
professor Carlos Vogt, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). De acordo
com tal princípio, para ampliar a relação entre
ciência e sociedade, é fundamental buscar
estratégias que superem a mera “divulgação”
ou a simples “inserção”, no cotidiano das
pessoas, de temas relativos à produção do
Fora de sala
O Ponto UFMG permanecerá no Centro Pedagógico da Universidade. Assim que
se “entregar” às estradas mineiras, passará
a atender às escolas públicas de todas as
cidades do Estado. Nos intervalos entre
as viagens, o Museu Itinerante ficará no
campus Pampulha, onde será visitado por
estudantes e professores de Belo Horizonte.
Segundo os idealizadores do projeto, contudo, isso não basta: “Buscamos repensar
os espaços de aprendizagem e levar os professores a fazer o mesmo. Não se trata, pois,
de apenas levar o museu aos alunos, para
que eles o visitem e, na semana seguinte,
voltem para a escola sob a mesma rotina de
aprendizado”, destaca Tânia Costa.
Ao invés disso, espera-se que toda a
comunidade escolar seja influenciada pela
experiência de “pensar” a Ciência para fora
da sala de aula. “Os professores precisam
refletir sobre como isso pode ser feito com
suas turmas e comunidades”. Já os pesqui-
sadores do Ponto UFMG precisam superar
a singela questão: como, efetivamente, estimular os profissionais da educação fundamental? “Como forma de contribuir para a
manutenção do Museu Itinerante, ofereceremos cursos de aperfeiçoamento de educação científica. Além disso, serão desenvolvidos materiais didáticos para fundamentar
pedagogicamente as ações e as atividades”,
explica a coordenadora geral.
Também a história por trás da elaboração do projeto guarda elementos importantes à compreensão da natureza humanista
do Ponto UFMG. Amadurecida desde 2006,
a iniciativa mobilizou não apenas pesquisadores, mas também estudantes de graduação de diversas áreas do saber, como letras,
biologia, pedagogia, matemática, sociologia, computação, direito, enfermagem, engenharias e comunicação social. Ao longo
do tempo, os estudantes puderam encontrar
– ou redefinir– sua área de atuação profissional, a partir, justamente, da experiência
e do envolvimento junto à iniciativa. Tal
constatação é reveladora dos efeitos proporcionados, até mesmo internamente, pelo
“espírito” da iniciativa, sempre em busca de
inovadoras estratégias para disseminação
da “cultura científica”.
Fotos: Foca Lisboa
saber: “Para nós, investir em cultura científica
significa ampliar o conhecimento e, ao mesmo tempo, fomentar discussões em torno de
ciência, tecnologia, cultura e inovação”, ressalta a professora Tânia Costa.
De cima para baixo, a Sala Útero e a Sala Biomas
Projeto: Museu Itinerante Ponto UFMG
Coordenadora Geral: Tânia
Margarida Lima Costa
modalidade: Edital de Popularização
da Ciência e Tecnologia
Valor: R$ 494.000
Por dentro da máquina
Ambientes do Museu Itinerante ensinam
e divertem ao mesmo tempo
Juntas, as áreas – interna e externa
– do caminhão a abrigar o Museu Itinerante ocupam área aproximada de 800
metros quadrados. Na veículo, há cinco
salas de exposições interativas e uma
para projeção em 3D. “Já no ambiente externo, que compreende um palco e o entorno da carreta, são oferecidas dezenas
de experimentos, práticas responsáveis
pela articulação entre diferentes áreas do
conhecimento”, explica Jessica Norberto.
Por fim, o Ponto UFMG conta com área
para realização de diversas oficinas, todas
coordenadas por professores da Universidade. Confira, pois, o que os visitantes
poderão “saborear” em cada ambiente:
Sala Útero – Nela, as pessoas têm sensações similares às vividas durante a “estada”
na barriga materna. Enquanto uma televisão
reproduz vídeos do desenvolvimento embrionário, outra captura a imagem do visitante.
Além disso, uma cadeira vibratória imita os
movimentos sentidos pelo bebê.
Sala dos Sentidos – Os visitantes podem interagir com o ambiente, descobrindo
diversas formas de perceber o mundo (quais
sejam: audição, tato e visão). Projeções e objetos reproduzem os órgãos que permitem ao
homem ter contato com o ambiente.
Sala Biomas – O público assiste a imagens sobre como o homem interfere no meio
ambiente. A experiência busca conscientizar as
pessoas a mudar de atitude e melhorar a condição do ser humano no planeta.
Sala Projeção 3D – No espaço de cinema, vídeos em 3D apresentam fascinantes
viagens por ambientes da Terra, para que –
com óculos especiais – todos compreendam
a grandeza e diversidade do planeta.
Sala Submarino – Cinco telas compõem o ambiente, que simula a sala controle
de um “submarino especial” submerso em
águas profundas. Através de escotilhas, os
visitantes podem ver seres abissais e as condições de vida na região.
Sala Cidades – Eis a oportunidade de
visitar diversas cidades do mundo, por meio
de telas especiais. Os visitantes têm a possibilidade de perceber que, hoje, a tecnologia é
capaz de lhes “transportar” a lugares distantes.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
35
sociologia
Estudo mapeia tensões
ambientais do Norte de
Minas e busca proposta de
desenvolvimento sustentável
Virgínia Fonseca
36
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
A definição de povos tradicionais
adotada pelos pesquisadores abrange
os grupos étnicos que apresentam as
seguintes particularidades: serem politicamente minoritários, terem identidade distinta da “homogênea” nacional, residirem há um longo período
em determinada área e subsistirem
dos recursos naturais do ambiente.
“O sertão está em toda a parte”, dizia
Guimarães Rosa em seu Grande Sertão:
Veredas. Na interpretação dos estudiosos,
mais que um espaço geográfico, o sertão
representa, para o escritor, a referência a
uma realidade política, social, psicológica: o
reflexo de muitos conflitos vivenciados pelo
homem, alguns morais, outros concretos.
Já em 1956, ano em que foi publicado o romance, Riobaldo, o narrador, adverte seu interlocutor a respeito de um tema não apenas
palpável, mas atual: se ele (o entrevistador)
tinha ido conhecer as potencialidades naturais e culturais do lugar, havia chegado tarde, pois tudo estava já degradado. O pensamento do personagem tem sua razão de ser.
Não apenas o ambiente físico, mas o próprio
modo de vida sertanejo, que por quase 200
anos foi o cenário predominante no Norte de
Minas Gerais, passaram, nas últimas décadas, por profundas modificações. O que o
protagonista “vivencia” é apenas o começo
de uma série de mudanças nos processos
produtivos que provocaram uma alteração
nas relações dos homens entre si e com o
meio ambiente na região.
As tensões decorrentes desta reorganização estão identificadas no Mapa dos
Conflitos Ambientais de Minas Gerais – Mesorregião Norte de Minas. O trabalho integra
um projeto extenso, que mapeou conflitos
por todo o Estado (veja box). A palavra
“ambiental”, no caso, é conceitual e envolve também as relações sociais, partindo da
ideia de que o ambiente existe em interação
com os seres humanos, seus processos e
relações. Mais do que identificar as situações que originam conflitos, os pesquisadores pretendem que o estudo viabilize ações
e políticas públicas capazes de proporcionar
visibilidade e fortalecimento participativo de
populações afetadas por modelos excludentes de exploração da natureza.
No norte de Minas, a resistência de
grupos considerados como povos tradicionais é um dos fatores de relevância nas
relações mapeadas pela equipe de pesquisadores da Universidade Estadual de
Montes Claros (Unimontes), coordenada
pelo professor Rômulo Soares Barbosa.
Em um território que abrange 89 municípios, foram identificados cerca de 60
conflitos, relacionados a infraestrutura (20
ocorrências); atividade agrícola, pecuária e
florestal (15); atividade industrial (8); áreas
protegidas (7); atividades agroindustriais
(3); demanda territorial (3); uso e ocupação
do solo (1) e dinâmicas urbanas (1). Não
obstante a classificação, a maior parte dos
focos de tensão tem como pano de fundo
o fato de que o modelo de vida dessas populações locais, muitas vezes, não é considerado na elaboração das políticas públicas
propostas para o manejo e conservação do
ecossistema, o que evidencia conflitos entre
as comunidades, os ambientalistas e o Estado, além de diminuir a eficiência das ações
de preservação propostas. As Matas Secas,
bioma que traduz a paisagem característica
da região, tornaram-se foco de disputa entre
atores sociais, políticos e econômicos.
A ocupação histórica da região indica a presença de comunidades indígenas
e quilombolas autônomas que viviam em
interação. Posteriormente, os bandeirantes
introduziram a pecuária extensiva, com a
criação de gado solto às margens do Rio
São Francisco, por meio de grandes fazendas ao redor das quais surgiram núcleos
camponeses que desenvolveram o modo de
vivência social chamado “cultura sertaneja”.
As fazendas, que se estabeleceram com o
uso da mão de obra escrava negra e indígena, tinham na pecuária extensiva sua matriz
econômica e destinavam sua produção ao
mercado baiano e núcleos de mineração.
Ao mesmo tempo, pequenos proprietários,
posseiros e agregados que viviam no sertão
constituíram seu modelo econômico próprio, baseado nas relações de parentesco,
vizinhança e compadrio, caracterizado por
uma agricultura diversificada e extrativista, associada à criação de gado “na solta”,
atividades que proporcionavam sua subsistência. As ligações entre as famílias dos
fazendeiros e desses camponeses eram de
interdependência. Estudos indicam que entre 1750 e 1947 a região vivia praticamente
dos seus próprios recursos.
Foi em meio a esse sistema de produção que se constituíram os primeiros agrupamentos que originaram algumas cidades
da região, como Januária, Matias Cardoso,
Itacarambi e São João das Missões. A partir
do final da década de 1960 até meados dos
anos 1980, porém, políticas voltadas para a
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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industrialização alteraram a lógica existente.
Os programas adotados giravam em torno
de quatro eixos: agricultura irrigada, monocultura de eucalipto, pecuária extensiva e
monocultura de algodão. “Como a implantação não se deu de forma homogênea, esta
nova forma de produção trouxe consequências, como expropriação dos agricultores,
degradação ambiental e concentração fundiária, acentuando as desigualdades sociais e
desestruturando o modo de vida sertanejo”,
analisa Rômulo Barbosa.
A região, que um dia foi palco de típicas cenas sertanejas, é hoje fronteira de
forte expansão da agroindústria. Somada a
esse fator, teve início a implementação da
segunda etapa do Projeto Jaíba, programa
de irrigação que entrou em operação no final
da década de 1980, a partir de uma parceria entre os governos federal e estadual. A
permissão de desmate para irrigação está
vinculada ao cumprimento de condicionantes ambientais. “E essa compensação se dá
principalmente com a criação de unidades
de conservação”, detalha Rômulo Barbosa.
Paradoxo da preservação
O problema que dá origem aos conflitos na região é claro e reside em um paradoxo: os levantamentos identificaram que
as unidades de conservação da Mata Seca a
serem criadas, para as quais são escolhidas
as regiões de maior biodiversidade, coincidem com as áreas de intensa presença da
população tradicional. “Isto leva à luta política de povos que são ‘encurralados pelos
parques’ e que foram historicamente expropriados pelo processo de modernização das
fazendas”, esclarece o professor.
São representantes dessas populações os indígenas, remanescentes quilombolas e vazanteiros – estes últimos constituíram sua subsistência a partir do manejo
do ecossistema do rio, cujas vazantes permitem o acesso a terras periodicamente
fertilizadas por matéria orgânica, bem como
um farto suprimento de peixes nas lagoas
marginais: povos que dependem da pesca,
criação animal, extrativismo e plantio, cujo
modo de vida permite a manutenção e a perfeita interação com o meio ambiente.
Quando são delimitados os territórios
dos parques, estas pessoas são diretamente
afetadas, pois não são proprietários: detêm
apenas o usufruto da terra, por ocupação tradicional. Assim, ao serem estabelecidos os
espaços de preservação nas regiões de maior
biodiversidade, essa população passa a não
poder mais utilizar as terras e as matas. Porém, o fato de as áreas de maior biodiversidade
coincidirem com a ocupação desses povos
fala por si. Para os pesquisadores, isso é prova
de que o modo de vida por eles adotado possibilita a convivência em harmonia com o ambiente, sem danos ao ecossistema da região.
“E eles têm consciência disso. ‘Estamos sendo
punidos por termos cuidado bem da terra’,
esse é o sentimento deles”, conta Rômulo.
Em movimento
Diante da constatação de que é viável o uso dos recursos naturais pela po-
pulação local sem que haja degradação,
o grupo está avaliando a reconversão de
algumas áreas. “Parte dessas terras que
passaram por desapropriação poderia ser
convertida em unidades de uso sustentável”, pondera Rômulo. Neste sentido, ele
destaca a importância dos esforços que
vêm sendo empreendidos por mediadores
como a Pastoral da Terra e o Centro de
Agricultura Alternativa do Norte de Minas
(CAA-NM). O professor ressalta que a ação
dessas entidades é muito importante para a
transformação dos estudos em resultados.
Promover a discussão, junto às instâncias responsáveis, para construção de
uma contraproposta com estratégias de
melhoria da qualidade de vida destes povos:
esse é o papel exercido pelos mediadores.
Por meio desta conscientização e articulação política local, a população tradicional
sai do estado de “encurralados pelos parques” para a posição de “vazanteiros em
movimento”. O pesquisador do CAA-NM
Carlos Dayrell reafirma que a parceria com
os trabalhos da Unimontes proporciona a
visibilidade das comunidades impactadas
pelos grandes projetos econômicos, o intercâmbio de iniciativas de resistência e de
proposição e o diálogo com a academia.
“O estudo coloca em cena a existência de
sujeitos sociais que vivem nessas regiões.
Sujeitos que se apresentam não apenas para
denunciar, mas e principalmente, para colocar suas propostas”, relata.
Os estudos indicam que não há dúvidas quanto à necessidade de promover
Fotos: Rômulo Barbosa/2008
Agricultores conduzem carroça de melancia em
região de Mata Seca, no entorno do Projeto Jaíba
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
Faixa afixada na Ilha da Ressaca, território reivindicado
pela comunidade quilombola da Lapinha, município de Matias Cardoso
políticas de conservação da região, pois
ela está ligada à preservação do Rio São
Francisco, de nascentes e lagoas, e ao
processo de sobrevivência da população.
Mas também está claro para os pesquisadores que as comunidades locais são
compromissadas com essa conservação.
“É preciso revelar e valorizar as estratégias
culturais, produtivas, usadas por esses povos, que são de inclusão econômica e que
foram invisibilizadas ao longo do tempo”,
argumenta o professor.
Dessa forma, as pesquisas no
Norte de Minas estão diretamente associadas a um processo de mudança
nas estratégias de preservação. Rômulo
avalia que o caminho seja a construção
de propostas conjuntas, sem imposição,
considerando os conhecimentos e processos sociais da comunidade. “É possível proporcionar a conservação das Matas Secas com esses povos e por esses
povos, aliada a políticas para qualidade
de vida”, ressalta.
Matas Secas: muito importantes, pouco preservadas
O termo “Mata Seca” é utilizado no
Brasil para caracterizar as Florestas Estacionais Deciduais (FED), um tipo de vegetação
que perde mais de 50% das folhas na estação seca. Ocorre geralmente em regiões
que passam por pelo menos três meses
secos no ano e cuja temperatura média fica
acima de 25º C. No País, este ecossistema
é encontrado predominantemente no Nordeste e no Centro-Oeste e cobre 3% do
território nacional. Essas matas são naturalmente fragmentadas e localizadas em diferentes biomas, como cerrado e caatinga, ou
entremeadas às formações sempre verdes
da Amazônia e Mata Atlântica. Comumente convertidas em áreas de pastagem e
agricultura, elas têm sido historicamente
negligenciadas em termos de pesquisas e
esforços conservacionais, se comparadas a
outras formações.
No Norte de Minas Gerais, as Matas Secas estão predominantemente em
zonas de transição entre o cerrado e a
caatinga. Como existem poucos levantamentos sobre a fauna e a flora dessas
áreas, elas são consideradas de grande
importância botânica e foram classificadas como área prioritária para conservação e pesquisa. Além disso, trata-se de
uma das regiões mais pobres do Estado e
possui presença marcante de populações
tradicionais, como indígenas, quilombolas e outros habitantes que utilizam
recursos naturais para sua subsistência.
Entre dois domínios
Mata Atlântica ou caatinga? Devido à ocorrência diversificada, do ponto
de vista ecológico, existe um debate sobre a qual desses domínios pertencem
as Florestas Extensionistas Direcionais.
Em 2008, a inclusão, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
deste ecossistema na área de aplicação
da Lei da Mata Atlântica, limitando seu
corte, ocasionou uma reação por parte
dos ruralistas, no sentido de passar a
considerar as Matas Secas como caatinga. As discussões resultaram, em 2010,
na criação da Lei Estadual 19.096/2010,
que retirou esse domínio da área de proteção da Mata Atlântica. No mesmo ano,
porém, a lei foi “derrubada” por uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade
(Adin) movida pelo Ministério Público
Estadual. A Adin já reflete resultados
dos estudos realizados pelo grupo da
Unimontes, pois baseou-se em subsídio
técnico da rede Tropi-dry, que articula
pesquisadores.
Conflitos Ambientais em Minas
O Mapa dos Conflitos Ambientais é
resultado de uma parceria entre o Grupo de
Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (Gesta/
UFMG), o Núcleo de Investigação em Justiça Ambiental da Universidade Federal de
São João del-Rei (Ninja/UFSJ) e pesquisadores do Programa de Pós-graduação
em Desenvolvimento Social (PPGDS) da
Unimontes. Entre 2007 e 2010, o projeto
buscou identificar, caracterizar e classificar
casos de violação do direito ao meio ambiente evidenciados na primeira década do
século XXI nas 12 mesorregiões do Estado:
Metropolitana de Belo Horizonte, Vale do
Jequitinhonha, Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Central Mineira, Oeste de Minas, Vale
do Rio Doce, Vale do Mucuri, Norte de Minas, Noroeste de Minas, Campo das Vertentes, Sul/Sudoeste de Minas e Zona da Mata.
Com vistas a um levantamento qualitativo, os trabalhos envolveram uma pesquisa documental e a consulta a órgãos
oficiais para prospecção de situações de
conflito, além de entrevistas com integrantes de associações, sindicatos, movimentos sociais envolvidos. Também foram realizadas oficinas com representantes desses
grupos, visando a articulação e a troca de
experiências. A ideia é que o mapeamento
possa ser utilizado como base para políticas públicas focadas na sustentabilidade
e na democratização da apropriação dos
territórios.
Embora o mapa tenha sido concluído, ele segue sendo utilizado como um
“observatório” dos conflitos e como base
para outros projetos em execução. Em
nível estadual, os trabalhos foram coordenados pela professora Andréa Luisa M.
Zhouri, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG. Os resultados estão disponíveis no site: http://
conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/
Projeto: Mapa dos Conflitos Ambientais
do Estado de Minas Gerais - Etapa:
Mesorregião Norte de Minas
Coordenador: Rômulo Soares Barbosa
modalidade: Demanda Universal
Valor: R$ 20.311
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
39
história
A Minas
Gerais
indígena
A partir de
documentos
eclesiásticos
do século XVIII,
pesquisa revela
cotidiano dos índios
em solo mineiro
e interpreta sua
importância para a
formação do Estado
Maurício Guilherme Silva Jr.
40
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
De sol a sol, para além do árduo
trabalho compulsório, eles ousaram viver.
Mesmo sob intenso sofrimento, souberam
sonhar, amar, e, a seu modo, subverter
ordens estabelecidas. Tais peculiaridades
do modo de vida dos milhares de índios
a habitar as Minas Gerais do século XVIII
podem hoje ser investigadas em meio ao
vasto volume de documentos, guardados
por instituições de natureza diversa, acerca
do chamado Ciclo do Ouro. Como exemplo, tomem-se os arquivos das igrejas – e
outros tantos estabelecimentos religiosos
–, onde “repousam” inventários e relatos
capazes de, neste novo milênio, auxiliar
significativamente a pesquisa sobre a história dos indígenas em solo mineiro.
Que o diga o Arquivo da Cúria do
município de Mariana (MG), onde, em 56
volumes de devassas eclesiásticas, encontram-se nada menos do que 768 registros de delitos cometidos por índios e/ou
seus descendentes. Para não falar, no mesmo “fundo”, das 135 ocorrências, também
ligadas à população indígena, encontradas
junto a 8.019 processos matrimoniais.
Justamente com o objetivo de interpretar a
extensa documentação sobre o assunto, a
professora Maria Leônia Chaves de Resende, do Departamento de Ciências Sociais
da Universidade Federal de São João del-Rei (Decis/UFSJ), desenvolveu o projeto
de pesquisa responsável por apurar e investigar, de modo sistemático, o cotidiano
de tais povos, então residentes no Estado.
Em seu estudo, conforme ressaltado, a pesquisadora recorreu, entre outros, a “suportes documentais de cunho
eclesiástico” – denúncias e processos de
“banho” (casamento) –, lavrados ao longo de todo o século XVIII. “A investigação
buscou recuperar a experiência vivida por
populações indígenas ou descendentes,
de diversas procedências étnicas, desterrados de suas aldeias, expulsos de suas
terras ou aprisionados pelas bandeiras
A investigação resulta do aprofundamento da tese de doutorado da
pesquisadora, defendida, em 2003,
junto à Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp).
Trata-se, em síntese, dos processos
de justiça e inquisição desenvolvidos,
nas Minas Gerais setecentistas, pela
alta cúpula da Igreja Católica.
nos sertões, e que passaram a viver nas
vilas e lugarejos das Minas Gerais”, explica Leônia Chaves, ao ressaltar que, por
“cobrir” todo o território no período, a
documentação se revela admirável e ilustrativa: “Por meio dela, podemos acompanhar os dilemas culturais dos indígenas, impostos pelo contato interétnico no
mundo colonial”.
Trata-se, em suma, de vestígios do
passado capazes de remontar à trajetória
dos índios no cotidiano setecentista de
Minas Gerais. Em outros termos, a leitura
dos documentos permite o resgate da história das populações indígenas por meio
dos mais frugais “causos” do dia a dia,
assim como de “registros de fragmentos
dos indivíduos, de seu tempo, de suas
práticas e vivências”, segundo expressão
da professora, que, em seguida, define
geograficamente a problematização de
seu estudo. “A pesquisa levanta a presença e a experiência cotidiana dos índios e
seus descendentes em vilas e lugarejos
da Minas Gerais colonial, como Ouro Preto, Mariana, São João del-Rei, Tiradentes
ou Diamantina”.
Força identitária
Os povos indígenas investigados
pelo projeto coordenado pela professora
Leônia Chaves detinham múltipla procedência étnica. Dessa forma, a diversidade de costumes dos botocudos, caiapós,
puris ou coroados diluía-se, com facilidade, por meio de sua rotina nas vilas
coloniais. “Ali, todos viviam sob a condição de ‘índios’ e ‘carijós’; de mestiços,
‘caboclos’, ‘curibocas’, ‘cabras’, ‘bastardos’, ‘mamelucos’ ou, simplesmente,
como ‘gentios ou negros da terra’”, esclarece a pesquisadora, ao lembrar que,
por essa razão, foram designados como
“índios coloniais’”.
Destribalizados por diversas razões,
os povos indígenas – muitos dos quais
nascidos “dentro” da sociedade coloMINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
41
nial – foram integrados à sociedade, “a
mais das vezes, na condição de mestiços”, apesar das múltiplas procedências
e origens étnicas. “Tais indivíduos foram
incorporados à vida sociocultural das
vilas e povoações da Minas Gerais setecentista. Apesar da adscrição nitidamente
indígena, posto que assim eles se identificavam e eram também reconhecidos
como tal pelos outros, experimentaram
intenso contato com os colonos”, conta Lêonia Chaves. Nas vilas coloniais,
os índios criaram um grupo específico,
que demarcou diferenças com relação a
outros componentes da sociedade, tais
como brancos, negros e mulatos. A ascendência indígena, afinal, é que definiria
a inserção desses indivíduos no contexto
das Minas colonial. “Tributários de um
legado comum – o de ser ou ter origem
no ‘gentio da terra’ –, também se distinguiram de outros índios, isto é, daqueles
que não haviam sido ‘domesticados’”,
explica a pesquisadora. Trata-se, neste
caso, dos “índios bravos”, que viviam nos
sertões. “Integrados ao mundo colonial,
eles construíram uma ‘distintividade’.
Ainda que destribalizados dos grupos de
origem, reconheciam-se como herdeiros
de uma origem indígena”.
Protagonismo
A partir dos dados recolhidos e
interpretados junto a fontes eclesiásticas – trabalho que contou com o auxílio
dos estudantes Lidiane Santos e Carlos
Henrique Cruz, bolsistas de Iniciação
Científica –, Maria Leônia Chaves de Resende demonstrou o relevante papel dos
índios, e seus descendentes, para a consolidação – política, cultural, econômica
etc. – das Minas Gerais: “Se muitos dos
aspectos de formação da sociedade mineira, durante o século XVIII, ilustram de
modo cristalino o processo de exclusão,
42
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
exploração e destruição das populações
indígenas, ele também é expressão do
quanto esses grupos contribuíram para
a constituição do Estado”.
Neste cenário, buscou-se demonstrar que, para além da chacina a
que estiveram expostos ao longo do período setecentista, os índios participaram da vida social e cultural da região.
“Trata-se não da retomada da história
de uma etnia ou de um grupo indígena
em especial, mas das muitas histórias
daqueles que sobreviveram ao desenraizamento de seu povo e souberam
capitanear o seu lugar na sociedade mineira. Por isso mesmo, elegi o período
colonial como marco, pois é o momento
consagrado como o de grandes reveses
e de impacto sobre as populações nativas, lugar da espoliação, que colocou
as sociedades indígenas como ‘vítimas’
das iniquidades dos brancos”.
A “consequência natural” de tal
processo teria sido o extermínio das populações indígenas à época do “mundo
colonial” (leia box), de modo a sacralizar “as máximas de que os índios foram
exterminados ou reduzidos, nas matas, à
condição de ‘perigosos e bestiais’, para
lançar mão dos próprios termos da época”, ressalta Leônia Chaves. Ao contrário
disso, em seu estudo, a pesquisadora
buscou “encontrar” os índios e seus descendentes no próprio convívio cotidiano
das Minas: “Procurei recuperar os fragmentos da trajetória de índios de diversas
origens, que foram destribalizados e passaram a viver nas vilas e arredores”.
À margem da História?
A despeito de a “Minas do ouro” ter recebido a alcunha de “terra dos cataguás”, em
reconhecimento aos indígenas como “senhores
de todas as Gerais” – e ainda que a presença
dos índios tenha se transformado, inúmeras vezes, em tema das “discussões administrativas e
eclesiásticas” –, tais povos foram literalmente
ignorados “por parte expressiva da historiografia mineira”, conforme ressalta Leônia Chaves,
em texto desenvolvido para a Revista do Arquivo Público Mineiro.
Segundo a pesquisadora, mesmo que “uns
poucos historiadores” admitissem a presença de
índios no Estado ao longo do século XVIII, “antecipavam ressalvas, ao reduzirem sua atuação aos
primeiros contatos, sem os tomar sequer como
agentes da história e da formação sociocultural
de Minas”. Na aferição de certos especialistas,
os povos indígenas não passariam de “apêndices” em seus estudos, “prestando-se, quase
sempre, de penduricalhos à ação colonizadora e
ao protagonismo português, como testemunham
as obras clássicas da historiografia, que apenas
tangenciaram a questão”.
Daí, aliás, o “silêncio avassalador” a que
foram sujeitados os milhares de índios coloniais
de Minas. “Objeto de raríssimas pesquisas, a
etno-história indígena mineira deixou esparsas
contribuições, situação ainda mais agravada
quando se percebe a desproporção entre a produção acadêmica e a riqueza qualitativa e quantitativa das fontes depositadas nos arquivos”. Se
extensa é a documentação acerca do cotidiano
dos povos indígenas – material categoricamente
propício ao desenvolvimento de “investigações
de grande fôlego e de diversos matizes” –, resta
a pergunta fundamental. “Como entender essa
indigência bibliográfica sobre a trajetória dos
índios em Minas Gerais?”
A resposta, segundo a professora Leônia
Chaves, está ligada tanto ao “‘tratamento’ dado à
questão indígena, pelas políticas coloniais de sucessivos governos, quanto à própria genealogia
da historiografia mineira”. Dentre as justificativas
para a ausência dos índios nos relatos históricos,
há vertentes, por exemplo, que a aproximam da
ação das “expedições de conquista” – também
conhecidas por “entradas e bandeiras” –, em fins
do século XVII e início do XVIII. “Penetrando os
sertões, essas campanhas teriam avançado indiscriminadamente sobre o território, devastando aldeias e dizimando toda a população nativa.
Chacinados pela violência e crueldade dos colonos, os índios teriam desaparecido da história”.
Tal discurso “vitimizador”, como se pode
perceber, realça a crueldade dos colonizadores,
tomados como responsáveis pelos atos atrozes
contra os nativos. “O mais significativo é que,
considerados exterminados por essas investidas devastadoras, os índios foram excluídos da
história de Minas, não tendo participado de sua
construção e, por extensão, abandonados como
tema de estudo pelos historiadores”, interpreta a
pesquisadora, ao destacar, porém, que as particularidades da política indigenista em solo mineiro, também devem ser ponderadas.
“A Coroa Portuguesa proibiu o acesso às
Minas, decretando certas ‘áreas proibidas’, temendo os descaminhos do ouro levado a cabo
por ávidos contrabandistas. Essa deliberação
também recaiu sobre as ordens religiosas,
que nutriam grande autonomia e foram, por
isso, proibidas de pastorear na capitania”, afirma Leônia, para quem “a decisão acabou por
comprometer os estudos sobre as estratégias
de ‘civilização’ dos índios, tema tão caro às investigações sobre o papel de cristianização da
Igreja na colônia”.
Apesar disso, a “ausência formal das ordens religiosas” não encerrou, completamente,
as relações entre Igreja e grupos indígenas. Ao
contrário, e por isso mesmo, transformou-se
em prática singular do clero secular – o que, na
acepção da pesquisadora, merece análise profunda. Que o diga o exemplo de atuação do padre
Pedro Mota, “índio cropó educado com o propósito de arrebatar sua gente para o seio da Igreja”.
Por fim, importante ressaltar que o fato
de Minas Gerais ter acolhido ampla mistura de
grupos – com distintas e diversas procedências
e origens –, “numa mescla de brancos, negros,
índios”, fez com que o Estado apresentasse
complexa configuração étnica e social. Sobre
tal assunto, muito ainda há de ser desvendado:
“Ao adotar a perspectiva dos povos indígenas, a
historiografia transforma o próprio curso da história de Minas, dando a conhecer uma narrativa
inédita e ainda tão pouco difundida”.
Projeto: Gentios
Brasílicos: Índios
Coloniais na Minas
Gerais Setecentista
Coordenadora: Maria
Leônia Chaves Resende
modalidade: Demanda
Universal
Valor: R$ 28.900
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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Patrimônio
Juliana Saragá
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
“Seu” Adelson de Oliveira passou
cada um dos seus 72 anos de vida no Lagoinha, bairro tradicional de Belo Horizonte. Se
perguntarem por Adelson no bairro, talvez
pouca gente conheça, já que o aposentado é
conhecido como “Saveia” desde a infância.
O apelido ele herdou do pai, que nos carnavais se fantasiava de “mulher velha” no
extinto Bloco Leão da Lagoinha. “Saveia” é
figura popular e escreve para uma coluna no
jornal no bairro. Nela, ele dá dicas culturais,
opina sobre os acontecimentos locais e
ainda procura amigos e moradores antigos
na seção “Cadê Você”. Além disso, joga
bola em um time do bairro, formado por
jogadores acima dos 60. Atualmente, ele
está organizando mais uma edição da festa
“Amigos da Lagoinha”, exclusiva também
para pessoas acima de 60 anos nascidas e
criadas no bairro. “Fazemos comida, batemos papo, dançamos. É muito divertido!”,
Um pouco de história...
anima-se. Resgatar e valorizar a tradição
desta “vida de bairro” faz parte da missão
do aposentado e também é objeto de estudo
para pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC
Minas. Em função da natureza do tema, sua
equipe tem formação multidisciplinar, nas
áreas da sociologia, arquitetura e história.
São dois os seus principais desafios. Pensar como proteger o patrimônio cultural dos
bairros situados no anel pericentral da cidade e como articular as dimensões materiais
– patrimônio construído – com a dimensão
chamada imaterial, ou seja, os modos de
vida dos moradores.
rios do Governo e aos que tinham posses
para adquirir lotes. “Contrariando os planos
de Aarão Reis, que imaginava o crescimento da cidade partindo da zona urbana, as
ocupações se deram mais intensamente na
chamada zona suburbana. Dentro do anel
da Avenida do Contorno ficaram os grupos
de maior poder aquisitivo. Os imigrantes,
trabalhadores que vieram para construir a
cidade, não podiam pagar os preços altos
dos lotes e foram para a região pericentral”,
explica Luciana Teixeira, coordenadora do
Programa de Pós-graduação em Ciências
Sociais da PUC Minas e pesquisadora responsável pelo projeto.
Inspirada no modelo das mais modernas cidades do mundo, como Paris
e Washington, Belo Horizonte foi projetada pelo engenheiro Aarão Reis entre
1894 e 1897. O projeto dividiu a cidade
em três principais zonas: a área central
urbana, a área suburbana e a área rural.
No centro, o traçado geométrico e regular
estabelecia um padrão de ruas retas, formando uma espécie de quadriculado. Mais
largas, as avenidas seriam dispostas em
sentido diagonal. Essa área receberia toda
a estrutura urbana de transportes, educação, saneamento, comércio e assistência
médica, e abrigaria os edifícios públicos
dos funcionários estaduais. Seu limite era
a Avenida do Contorno, que naquela época se chamava 17 de Dezembro. A capital
traçada era um lugar elitista. Seus espaços
estavam reservados somente aos funcioná-
Patrimônio social
Pode ser considerado patrimônio todo
bem que recebe algum tipo de valor por um
determinado grupo de pessoas. “O patrimônio não precisa ser necessariamente material, pode ser uma prática cultural, um lugar,
enfim, algo que recebeu uma atribuição de
valor pela sociedade. Esta atribuição nem
sempre é consensual e geralmente há uma
disputa para isso. Com o tempo, as pessoas
vão incorporando este valor, apesar da resistência inicial”, explica a pesquisadora.
O primeiro objeto de proteção da capital mineira foi a área no interior da Avenida do Contorno. Os primeiros conjuntos
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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tombados se localizam nessa região, como
a Praça da Liberdade, o bairro Funcionários
e o Centro da cidade. Mas os bairros localizados no entorno da Avenida do Contorno,
objeto do estudo, são tão antigos quanto os
do interior. “Eles foram ocupados e formados na mesma época e também merecem
atenção quanto à proteção de seu patrimônio. Nosso desafio foi pensar a relação entre
a arquitetura das casas e os modos de vida
e as relações de vizinhança. Como preservar
os dois patrimônios e que tipos de proteção
que eles devem ter para que estas relações
permaneçam”, esclarece.
Os bairros selecionados para o estudo foram os tradicionais Bonfim, Lagoinha,
Floresta, Santa Tereza, Carlos Prates e Padre
Eustáquio, com foco para os quatro primeiros. Eles são chamados de “bairros históricos” e suas histórias de origem estão muito
vinculadas à própria formação e construção
da nova capital. Mas, diferentemente do que
ocorreu na zona urbana, não sofreram um
intenso processo de substituição de casas
por prédios e, principalmente, de função
residencial para comercial. Tudo isso contribuiu para a manutenção de um patrimônio
tanto arquitetônico, quanto cultural, representado por modos de apropriação do espaço e por relações de vizinhança de caráter
mais tradicional.
Charme de bairro
Foto: arquivo pessoal
Casas singelas, compras no mercadinho da esquina, uma conversa na praça, a
observação da janela: o charme da vida de
bairro atraiu grandes escritores como Pe-
dro Nava e Carlos Drummond de Andrade,
que já foram moradores do Floresta. E nem
só de famílias antigas e tradicionais vivem
estes bairros, cujo encanto tem atraído também os jovens. É o caso da publicitária Paula Seabra, que há dois anos mora no Santa
Teresa. “Lá eu me sinto em uma cidade do
interior dentro da cidade grande”, conta. A
zona boêmia e as atividades culturais, características principais do bairro, encantam
a juventude e atribuem ao Santa Teresa uma
mistura de modernidade e tradição. “O antigo me atrai”, explica a publicitária.
Como parte do projeto, foi realizado um
roteiro de entrevistas que investigou as percepções que os moradores têm pelos bairros
e algumas características foram observadas.
“O Floresta e o Santa Teresa têm uma relação
de proximidade muito forte. Quando perguntávamos a um morador do Floresta qual outro
bairro ele escolheria para morar, eles respondiam Santa Teresa, e vice-versa. São bairros
irmãos que têm uma relação de vizinhança e
modos de vida muito parecidos. A diferença é
que o Floresta é um bairro mais familiar, católico, enquanto no SantaTeresa a tradição se
renova com a juventude nos bares e eventos
culturais”, detalha a pesquisadora.
Quando se fala em Bonfim, a primeira
palavra associada foi o cemitério, que é patrimônio tombado do bairro. “Percebemos
nas entrevistas que o Bonfim e o Lagoinha
ainda enfrentam um estigma negativo da relação com drogas , prostituição e presença da
polícia. Mas “Seu” Adelson, morador nato do
Lagoinha, não concorda com essa fama “de
jeito nenhum”. Para ele, a vivência no bairro
Time do Pitangui, bairro Lagoinha, na década de 80
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MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
é “maravilhosa” e ele o considera um local
tranquilo e charmoso. O aposentado ressalta
a importância das políticas de conservação
do patrimônio. Recentemente, um programa
da prefeitura possibilitou que os moradores
votassem em um bem que gostariam que
fosse revitalizado. “O conjunto IAPI ganhou
na primeira edição. Agora votamos pela revitalização da Rua Itapecerica para melhorar o
problema das drogas”. Para “Seu” Adelson,
a revitalização vai transformar o local em um
“dos melhores bairros para se viver” e ainda
trazer gente nova. “Nosso filhos vão querer
voltar com a Lagoinha bonita”, antecipa-se.
Desafios
Uma das hipóteses do grupo de pesquisadores é que, apesar dos avanços na
concepção e nas práticas de proteção ao patrimônio urbano municipal e de todo um movimento de descentralização e democratização
da política cultural, a proteção aos bairros
situados fora da zona urbana encontra uma
série de dificuldades, entre elas a de reconhecer, como patrimônio da cidade, as áreas fora
do seu espaço central e com características
de ocupação e maneiras de percepção distintas. “Identificamos a necessidade de os
patrimônios materiais e sociais serem pensados conjuntamente. É preciso pensar que
um patrimônio não deve ser necessariamente
monumental e produzido por uma elite. Casas
que não levam nomes de arquitetos famosos,
que não têm um estilo arquitetônico definido,
mas que possuem grande valor social devem
ser protegidas”, alerta. Para a pesquisadora,
a população e as políticas públicas devem
reconhecer essa arquitetura popular como
patrimônio passível de proteção. “São retratos
de diferentes ocupações sociais. A identidade
e riqueza de uma cidade estão diretamente ligadas à sua diversidade”, conclui.
O projeto rendeu diversos artigos e,
como produto final, um livro será publicado em breve.
Projeto: Bairros Históricos de
Belo Horizonte: Patrimônio Cultural e
Modos de Vida
Coordenador: Luciana Teixeira de
Andrade
Modalidade: Demanda Universal
Valor: R$ 20.541
Referência na área, núcleo de estudos registra dados
de descarga elétrica em milionésimos de segundos
Em todo o mundo, mais da metade das
interrupções em linhas de transmissão e distribuição de energia são causadas por descargas
elétricas, que provocam sobrecarga em pontos
das redes. Minas Gerais concentra os raios
mais potentes e uma das maiores incidências
de descargas do planeta, o que faz com que a
região necessite de dispositivos de proteção
mais resistentes e de maior eficácia. O estudo
dessas descargas tem uma vertente econômica
muito importante, como explica o professor da
Escola de Engenharia Elétrica da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG) Silvério Visacro Filho, coordenador do Lightning Research
Center (LRC), ou Núcleo de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico em Descargas Atmosféricas. Os projetos desenvolvidos pelo LRC têm
hoje abrangência global e resultaram em mais de
duzentas publicações sobre o assunto.
Em 2001, a MINAS FAZ CIÊNCIA anunciava em sua edição n° 7 a criação do LRC, fruto
de uma parceria entre a UFMG e a Companhia
Energética de Minas Gerais (Cemig). Naquele
ano, o LRC foi considerado o único centro de
excelência em descargas atmosféricas da América Latina. Hoje, o centro se consolida como um
dos três mais importantes do mundo. Visacro
Filho relata: “desde o início, nossa meta foi buscar excelência científica e tecnológica em nível
internacional, visando impactar comunidades
científicas de todo o planeta com um aprofundamento inédito nas pesquisas”.
Criado para ser autossustentável e proporcionar desenvolvimento científico e tecnológico em interação com o mercado, o LRC adotou
a estratégia de converter os fundos arrecadados
nos projetos em recursos para o próprio centro, programando-se assim para não sofrer interrupções por falta de verba. Isso possibilitou
ampliar a estação do Morro do Cachimbo – que,
em princípio, media apenas correntes de raio –,
transformando-a no maior complexo de pesquisas de descargas atmosféricas a céu aberto do
mundo, com cinco ambientes de estudos distintos. “Os medidores foram digitalizados e hoje
possibilitam a aferição integral da onda de raio,
com resoluções de tempo muito maiores, o que
oferece uma visão mais detalhada sobre o fenômeno e sua formação”, diz.
Com a tecnologia modernizada, o LRC
foi o primeiro núcleo de estudos de descargas
atmosféricas a registrar dados de uma onda de
raio em um espaço de milionésimos de segundos. “Esta detecção permite extrair informações
sobre a física de formação da descarga, um estudo sem precedentes que nos permite investigar o
que gera um raio”, explica Visacro. Câmeras ultrarrápidas foram integradas a sistemas de detecção de descargas, tornando possível a captura de
imagens dos estágios iniciais de sua formação.
O complexo possui duas redes de transmissão
experimentais de diferentes configurações, para
abstração das tensões e interferências induzidas
em cada uma delas ao receber uma descarga e
aparatos que receptam e distinguem efeitos dos
campos elétricos gerados por descargas diretas
ou em uma área de até 100 m².
Os softwares que possibilitam a interatividade de todos os aparelhos são desenvolvidos pelo Lightning Research Center. Para isso,
o núcleo possui um edifício-sede, construído
no campus da UFMG, ao qual estão integrados
seis laboratórios especializados com equipamentos de alta tecnologia. Neles, são realizados testes a partir dos dados coletados. “O
Complexo do Cachimbo e a unidade da UFMG
estão articulados de forma complementar. Dependo do Cachimbo para coletar dados e do
laboratório para apurá-los”, explica Visacro.
Os eventos são reproduzidos nos laboratórios
para que suas particularidades possam ser examinadas pela equipe, sob a supervisão de sete
LEMBRA DESSA?
Caçadores
de raios
William Ferraz
docentes de formação acadêmica multidisciplinar. “Nós viemos da Engenharia, mas tivemos
de caminhar para o campo da Física. A convergência de conhecimentos possibilita extrair o
máximo de cada pesquisa e compreendermos
o fenômeno integralmente, para então projetarmos ferramentas de proteção muito mais sofisticadas e eficazes que as convencionais”.
Antes da criação do LRC, toda a medição
de raios realizada no mundo tinha por referência
os dados coletados a partir de medições realizadas na Suíça. Entretanto, esses valores são
pouco representativos para Minas, onde a intensidade média da corrente de um raio é de 45 mil
amperes, contra 30 mil da média europeia. Além
disso, as condições climáticas distintas também
influenciam na forma das descargas. Hoje, devido à precisão das medições realizadas pelo LRC,
as estatísticas obtidas pelo centro mineiro tornaram-se referência em todo o Brasil e em muitos
países de clima tropical, já que a similaridade
climática é maior do que a da Suíça.
Um projeto do LRC em fase experimental
promete incorporar ainda mais acuidade aos resultados de suas aferições. Os testes estão sendo realizados em dez pontos distintos nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro
e consistem na instalação de um equipamento
de captura de correntes de raios junto a torres de
telecomunicação construídas em grandes altitudes. Quando um raio ocorre próximo ao local,
os aparelhos coletam e armazenam propriedades
da descarga. A precisão das mensurações feitas
pelos receptores ainda está em análise. “Quando a exatidão das medições dos equipamentos
for constatada, validaremos as pesquisas. A
proposta é que, em um futuro próximo, esse
aparelho esteja espalhado por todo o território
brasileiro. Teremos amostras de correntes de
todas as regiões do país e pesquisas ainda mais
significativas”, ressalta o professor.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
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LEITURAS
História da Cartografia
A Idade Média marca o retrocesso da Cartografia. Os ‘cartógrafos’ medievais foram dominados pelo
sentido cristão, com fortes expressões simbólicas e artísticas. Utilizaram a Orbis Terrarum dos romanos, para
fins cristãos, tendo Jerusalém como centro. Produziram os mapas T-O – harmonia divina (Isidoro, 570636, bispo de Sevilha) – nos quais a Ásia ocupava a
metade superior do O, com a Europa e África ocupando,
cada uma, a metade da parte inferior
Uma abordagem histórica da cartografia, uma das formas mais antigas de representação da superfície da Terra, é o tema
de História da Cartografia e Cartografia Sistemática, voltado para alunos de graduação
e pós-graduação em Geografia e áreas afins.
Escrito pelo pesquisador mineiro José Flávio
Morais Castro, pós-doutor em Cartografia
Histórica pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, de Portugal, e contando
com apoio da FAPEMIG, o livro mostra como
o mapa sempre esteve presente nos grandes
momentos da história da humanidade como
elemento de orientação dos mais variados
povos, como importante instrumento de planejamento e gerenciamento do espaço.
Morais Castro ressalta que, com a
introdução dos recursos computacionais
na cartografia, o processo de análise de
informação tornou-se interativo, principalmente com o uso da cartografia digital, dos
sistemas de informações geográficas e da
internet. “Entretanto, métodos e técnicas
desenvolvidos na cartografia convencional
(ou analógica) não devem ser negligenciados nas aplicações ligadas a essas tecnologias”, adverte o autor.
Rico em ilustrações coloridas, o volume é dividido em três partes. Na primeira, a ênfase é na história da cartografia, começando dos povos primitivos e chegando
até o século XX. Na segunda, o foco recai
sobre as concepções em torno do tema. Finalmente, a terceira parte elege a cartografia sistemática como assunto, destacando
a carta topográfica e os métodos analógico
e digital da Morfometria.
LIVRO: História da Cartografia
e Cartografia Sistemática
AUTOR: José Flávio Morais Castro
EDITORA: Editora PUC Minas
PÁGINAS: 104
ANO: 2012
O sonho de Einstein
Chegamos, então, a 1905. É um dos anos mais
criativos de Albert Einstein. E de toda a física. Nesse
ano realmente admirável, o jovem, que conseguiu
finalmente um emprego fixo no Departamento de Patentes de Berna, lança três foguetes flamejantes que,
segundo as palavras de Louis de Broglie, de repente
iluminam o céu escuro da física. Trata-se dos três
famosos trabalhos sobre o movimento browniano, o
efeito fotoelétrico e a relatividade restrita
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Ao ler a extensa bibliografia sobre
Albert Einstein (1879-1955), algo incomodava Pietro Greco: todos os autores falam
com profunda admiração do gênio científico do alemão. Mas quase todos, quando
falam dessa forma de um dos mais famosos
cientistas de todos os tempos, referem-se à
atividade que realizou em pouco mais de dez
anos, entre 1905 e 1917, quando contribuiu,
por exemplo, para o surgimento da Teoria
Quântica, a redefinição dos conceitos de
espaço e tempo e a consolidação da Teoria
Atômica da Matéria, e deixam de lado quase
toda a atividade científica que Einstein desenvolveu nos 40 anos seguintes.
Nessa perspectiva, a tese de Greco,
em O sonho de Einstein, é que os últimos
40 anos de vida científica de Einstein não
devem ser envoltos no “silêncio piedoso e,
ao mesmo tempo, embaraçoso, com que
familiares costumam proteger o parente
que, de repente, perdeu o juízo”.
MINAS FAZ CIÊNCIA • JUN/AGO 2012
O ponto de partida é a carta mais longa do cientista para seu melhor amigo, Michele Besso, a última de um epistolário que
é o mais “completo, articulado e complexo” da história científica contemporânea.
O autor, Pietro Greco, é formado em
Química, jornalista científico do diário
L’Unitá e consultor científico e coautor do
programa de TV Pulsar. Storia della scienza
e della tecnologia Del ‘900, transmitido pela
emissora italiana RAI. O livro integra a coleção Meio de Cultura, que procura apresentar textos em linguagem acessível a todos os
leitores, e não apenas aos iniciados.
LIVRO: O sonho de Einstein – Em busca da Teoria do Todo
AUTOR: Pietro Greco
TRADUÇÃO: Letizia Zini
EDITORA: Editora Unicamp
TÍTULO ORIGINAL: Il sogno di Eistein
PÁGINAS: 152
ANO: 2011/2012
Gaúcho de Cachoeira do Sul, o dirigente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) assumiu a
pasta aos 73 anos. Somente nessa área são mais de 40 anos de experiência ativa. Físico, PhD em matemática,
ex-professor da Universidade de Brasília (UnB), dentre outros destaques, foi fundador e diretor geral do
Parque Tecnológico de São José dos Campos, presidente das sociedades brasileiras Para o Progresso da Ciência (SBPC) e de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC). No ano passado, presidiu a Agência Espacial
Brasileira. Na função de ministro desde janeiro de 2012, Raupp conversou com MINAS FAZ CIÊNCIA durante
sua visita à FAPEMIG, no final de maio. “Gostei do que vi aqui”, afirmou ele.
Por Marcus Vinicius dos Santos
Como o senhor avalia a integração
entre o meio acadêmico e as empresas
privadas?
Como um desafio. E a obrigação nossa
— sistema nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação (CT&I) — é superar desafios. As políticas públicas voltadas para o desenvolvimento
do Brasil, em todas as áreas, trazem inseridas
a estratégia nacional de CT&I. Como a base de
produção de conhecimento cresceu, precisamos
levá-la, agora, a contribuir para o aumento da
competitividade das empresas. A tendência é
esse movimento de inovação se propagar por
todo o setor produtivo. Se na liderança das cadeias produtivas estão as grandes organizações,
seus fornecedores podem ser empresas bastante
pequenas. Quando uma empresa maior adota a
inovação, ela exige que seus fornecedores inovem também. As empresas pequenas, por sua
vez, podem fazer parcerias com as universidades ou buscar mecanismos de apoio à inovação
do governo, como a subvenção econômica da
agência de fomento do MCTI, a Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep) . A Ciência e a Inovação trazem benefícios para toda a sociedade, em
todas as áreas do conhecimento.
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A Estratégia Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação para o período de
2012-2015 prevê investimento de recursos públicos da ordem de R$ 75 bilhões.
Esse valor é suficiente para financiar o
que se planeja?
Temos uma boa possibilidade de investir
em tudo aquilo que estamos propondo, mas o
valor ainda não é suficiente para toda a demanda.
Além do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Cientifico e Tecnológico, temos tido reforços
orçamentários. Por exemplo, fazendo associações com o Banco Nacional de Desenvolvimento
2
Econômico e Social (BNDES), que nos permite
financiar diretamente as empresas para o processo de inovação. Só no ano passado e neste,
foram mais de R$10 bilhões de reforço.
O Brasil tem experiências muito bem
sucedidas em setores como petróleo, agronegócios e aeroespacial. Como levar esse
sucesso a outras áreas?
Mais uma vez, com a participação das empresas, especialmente das empresas privadas.
Indicadores de países desenvolvidos, como os
asiáticos, por exemplo — onde o desenvolvimento é mais recente —, mostram que os investimentos empresariais são bem mais altos do que
os governamentais. Aqui, não é assim. Note que
os exemplos citados, todos, estão muito ligados
a iniciativas dos governos. Mas o desenvolvimento é uma responsabilidade de toda a sociedade. MCTI, FAP’s e secretarias estaduais devem
trabalhar juntos para que as empresas, estimuladas pelo Estado, invistam mais. Os instrumentos
para isso podem ser a oferta de crédito, isenção
tributária e estímulo à cooperação entre os vários
agentes, ou a criação de parques tecnológicos,
onde atuam empresas e academia com objetivos
comuns. E também a cooperação internacional,
dentre outros.
3
Por falar em internacionalização, o
Ciência sem Fronteiras é um programa —
realizado pela sua pasta, junto com o Ministério da Educação e órgãos de fomento
— que deve enviar milhares de estudantes
de graduação e pós-graduação do Brasil
para intercâmbio com o exterior. Existe um
plano para absorver esses jovens depois?
A internacionalização da Ciência é muito
importante. Precisamos estar conectados com
4
o que acontece no mundo. E o valor da Ciência é universal. Quando a gente compara nossa
produção com a de outros países podemos perceber mais rapidamente a qualidade do nosso
trabalho. Mandar estudar fora, além de promover a internacionalização, permite direcionar o
estudo em áreas estratégicas para o país, como
Engenharia e Ciências Naturais, focos do programa. O ministério está empenhado em criar
uma estrutura para recepcionar esses jovens
de volta, encaminhá-los para empregos adequados e permitir seu pleno desenvolvimento
profissional. Vi com muita satisfação que a FAPEMIG tem programas, semelhantes, de fixação
de pesquisadores e de internacionalização, que
são duas áreas estratégicas para a CT&I. Minas
Gerais tem um destaque em relação aos outros
estados por seu dinamismo na promoção do
crescimento, fundamental, e da divulgação das
políticas públicas. E a FAPEMIG exerce um papel muito importante nesse cenário. Queremos
fazer parcerias e aproveitar essa contribuição.
5
E, com relação aos centros de pesquisa, como o senhor avalia os INCT’s ?
O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
é o maior sucesso, uma configuração voltada para
estimular o desenvolvimento científico nacional,
que estimula a conjugação de esforços a fim de
atingirmos objetivos de maior nível de complexidade da pesquisa. Junta forças de vários grupos
menores e permite melhores resultados, elevando
escala e qualidade da produção científica. O ministério vai continuar apoiando os INCT’s.
@
Você pode ouvir essa entrevista no podcast Ondas da Ciência e no videocast Ciência no Ar:
fapemig.wordpress.com
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5 PERGUNTAS PARA...
Marco Antônio Raupp
A MINAS FAZ CIÊNCIA se volta para sua própria história: para marcar as 50
primeiras edições da revista, uma imagem formada com as capas desses números
VARAL
Criação: Hely Costa Jr.
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