o exercício da jurisdição nos direitos notarial e
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o exercício da jurisdição nos direitos notarial e
1 O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO NOS DIREITOS NOTARIAL E REGISTRAL Marcelo Guimarães Rodrigues Des. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS SUMÁRIO 1- INTRODUÇÃO. 2 – FIRMANDO A COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. 3ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. 4 - DA EMANCIPAÇÃO, INTERDIÇÃO E AUSÊNCIA. 5 – RETIFICAÇÃO JUDICIAL DE ESCRITURA PÚBLICA ?. 6 DO NOME CIVIL. Inicialmente, gostaria de expressar meu entusiasmo pelo honroso convite gentilmente formulado pelo Exmo. Corregedor Geral de Justiça, Des. Roney Oliveira, para participar de evento histórico organizado com a inestimável participação da Escola Judicial deste Tribunal de Justiça, cunhado com o objetivo de não só promover a integração entre todos os juízes Diretores de Foros, mas sobretudo com o intuito de propiciar o aprofundamento do estudo dos direitos notarial e registral, renovando os canais de comunicação com os demais protagonistas deste ramo do direito que se insere, na prática, no cerne da prestação de serviços da maior utilidade e interesse público. Tenho a convicção de que, não só pelo ineditismo desta iniciativa, como também pelos salutares efeitos que dela advirão ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, este evento estará fadado ao sucesso e a renovar-se por muitos e muitos anos. 1 2 1- INTRODUÇÃO Em sentido técnico, registro1 público é o repositório de certos atos ou fatos, lavrado por oficial público em assentos especiais, seja à vista dos títulos comuns que lhe são apresentados, seja em razão de declarações escritas ou verbais das partes interessadas. Serve como meio de prova especial, como instrumento de conservação de documento e, principalmente, como meio de publicidade. Pode ser tanto um meio de defesa, como elemento de garantia e instrumento de publicidade para que não se alegue desconhecimento ou ignorância de sua existência. Sua importância é de tamanha ordem, posto que a disciplina permeia os mais importantes e significativos atos praticados na órbita civil, seja na vida de pessoas naturais, seja na existência de pessoas jurídicas. Vejase que quando se nasce, registra-se em cartório. O último suspiro também é perpetuado nos livros e registros do cartório. Entre eles, a autenticação do diploma para matrícula na faculdade, o contrato de financiamento do primeiro carro, o casamento, a compra da casa própria, o registro dos filhos, a abertura de uma empresa, seja ela civil ou comercial, o registro dos direitos decorrentes da produção literária, artística e científica, a separação, o divórcio, o novo casamento, os novos filhos, a casa nova, a constituição da hipoteca, o testamento para evitar a briga dos herdeiros, etc; em suma, as grandes conquistas da vida se fazem diante de um notário e um registrador. Assim, o cartório pode ser tomado, sem favor algum, palco por excelência para o grande teatro da vida civil. 1 Registro, conforme assinala De Plácido e Silva, vem do latim regesta, plural neutro de regestus (copiado, trasladado), entendendo-se o assento ou a cópia, em livro próprio, de ato que se tenha praticado, ou de documento que se tenha passado. Dizse, igualmente, registo. (Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 11ª ed., 1989, vol. IV, p. 69). 2 3 A rigor, registro público é o único serviço estatal inteiramente comprometido com a consecução da garantia da publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (CR, art. 236; LRP, art. 1º; Lei n. 8.935, de 1994, art. 1º). Com efeito, o registro público nasceu para servir à pessoa, espelhando os fatos jurídicos relativos à vida em sua dinâmica. O registro público não é mero repositório de fatos engessados nas linhas de leis escritas; ao contrário, sempre será o retrato fiel da vida, notável laboratório humano de mudanças sucessivas e infinitas, a serviço do qual o direito justifica a sua existência, como insubstituível elemento edificante e pacificador. Interessante notar, curiosamente, que passamos nossa vida inteira nos relacionando diretamente com as atividades notarial e registral e, ainda assim, permanecem essas sendo um mundo quase que desconhecido não só da população, como até mesmo das pessoas mais informadas. Não sem freqüência, tal desconhecimento pode ser sentido mesmo entre alguns operadores do direito, fato que se explica em parte, salvo honrosas exceções, pela ausência da disciplina específica na grade curricular dos cursos de graduação em Direito. Apenas para ilustrar, posso mencionar o estudo de direitos reais, versado no Livro dedicado ao Direito das Coisas, mas cujo conteúdo quase sempre ali se esgota, mesmo sabendo-se que o direito real de bens imóveis somente é constituído efetivamente a partir do seu registro, registro este, por si só, informado por princípios e regras específicos, não da lei civil, posto que suas regras se aplicam também, todavia apenas como fonte subsidiária, mas sobretudo da legislação concernente aos registros públicos, legislação esta de natureza cogente, de ordem pública, geradora de efeito, via de regra, constitutivo. Lamentavelmente, isto tem sido ignorado, embora a importância da disciplina no ordenamento jurídico. Neste cenário – e para dizer o menos -, não é tão incomum quanto se imagina a produção de petições e decisões ora referindo-se à averbação quando o ato exigido seria o registro, ora designando oficial 3 4 registrador de notário e vice-versa ou mesmo tabelião. E acreditem, tais distinções ultrapassam em muito o campo puramente teórico. Os registros públicos são regulamentados por um conjunto de leis, entre as quais se insere a de n. 6.015, de 31.12.1973, que trata também dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária para a correção, alteração, suprimento ou restauração desses registros, bem como resolução das dúvidas oriundas de requerimento de registro de títulos e documentos capazes de criar, modificar ou extinguir direitos no âmbito dos registros públicos. A competência jurisdicional atribuída aos juízes de direito para a apreciação da matéria concernente a registros públicos é definida pela Lei de Organização e Divisão Judiciárias de cada Estado, cabendo à Corregedoria Geral de Justiça o desempenho das funções administrativas de orientação, fiscalização e disciplinares dos titulares e seus prepostos nos Serviços Notariais e de Registro. Assentadas tais premissas nesta ligeira digressão, proponho tecer rápidos comentários sobre alguns temas relevantes a propósito do exercício da função judicante concernente à legislação de Registros Públicos, o fazendo com o compromisso tão somente de conclamar a reflexão. 2 – FIRMANDO A COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA Segundo estabelece a Lei de Organização e Divisão Judiciárias do Estado de Minas Gerais (Lei Complementar Estadual n. 59, de 18.01.01), tal como se acha em vigor, em seu art. 57, incisos I e II, compete a juiz de Registros Públicos: I- exercer as atribuições jurisdicionais conferidas aos Juízes de Direito pela legislação concernente aos serviços notariais e de registro; 4 5 II- exercer a incumbência prevista no art. 2º da Lei Federal n. 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Logo em seu art. 1º, a Lei de Registros Públicos diz que os registros ali disciplinados – todos eles estabelecidos para garantir a autenticidade2, segurança3 e eficácia4 dos atos jurídicos – são o civil de pessoas naturais (SRCPN) e jurídicas (SRCPJ), de títulos e documentos (SRTD) e de imóveis (SRI). Os demais registros públicos, tais como, por exemplo, de protestos de títulos de dívida, os mercantis, de propriedade intelectual, artística e científica, de propriedade industrial, etc., são regidos por leis próprias, avisa o parágrafo 2º, do art. 1º da Lei n. 6.015, de 31.12.73. Em Minas Gerais, por sua vez, existe em Belo Horizonte Vara Judicial única e especializada, com competência privativa para julgar, exclusivamente, qualquer matéria concernente à legislação dos registros públicos, ao passo que as Comarcas de Contagem, Juiz de Fora, Santos Dumont e Uberaba, possuem Varas de Registros Públicos, porém cumulativamente Execuções com Fiscais, Fazenda Família, Pública, Sucessões, Falências Infância e e Concordatas, Juventude e Precatórios, conforme o caso. Nas demais Comarcas do Estado, toda e qualquer matéria jurisdicional concernente à legislação dos registros públicos recai na competência residual do Juiz de Vara Cível – de qualquer uma Vara Cível, anote-se -, e não na Direção do Foro. Onde 2 O registro cria presunção relativa de verdade. Não dá autenticidade ao negócio causal ou ao fato jurídico de que se origina. Autenticidade é a qualidade daquilo que é confirmado por ato de autoridade e deriva do poder certificante que a esta é inerente. 3 É um dos objetivos dos registros públicos proporcionar segurança às relações jurídicas, a partir do aprimoramento de seus sistemas de controle, especialmente com a obrigatoriedade das remissões recíprocas, criando uma rede fina, atualizada e completa de dados e informações. 4 Vem a ser a aptidão de produzir efeitos jurídicos, baseada na segurança dos registros públicos, na autenticidade dos negócios e nas declarações neles contidas. É por meio da publicidade que a todos os terceiros atinge, que os registros públicos podem afirmar a boa-fé daqueles que praticam atos jurídicos, amparados na presunção de certeza que a partir dos registros públicos se irradia. 5 6 houver mais de uma Vara Cível, caberá à distribuição o papel de firmar a competência (art. 56 da Lei de Organização e Divisão Judiciárias do Estado de Minas Gerais).5 Tal distinção adquire especial relevo nas comarcas dotadas de Vara Judicial especializada de Registros Públicos, diante da regra de ordem pública e natureza cogente prevista no art. 113, parágrafo 2º do Código de Processo Civil, segundo a qual todo e qualquer ato decisório praticado por juiz incompetente é nulo de pleno direito. E como se sabe, a competência jurisdicional quando firmada em razão da matéria, é de ordem pública, devendo ser alegada até mesmo de ofício, em qualquer fase ou instância do julgamento (art.113, caput do CPC). Quanto aos recursos aviados a respeito de decisões de primeiro grau de jurisdição envolvendo matéria concernente à legislação de registros públicos, serão distribuídos a Desembargador integrante de uma das Câmaras Cíveis do Tribunal. Diferentemente acontecerá em se tratando de recurso aviado em face ato ou decisão do Corregedor ou ainda de pena disciplinar imposta, pois nestes casos o órgão do Tribunal de Justiça competente será o Conselho da Magistratura, conforme indica o Regimento Interno do Tribunal de Justiça (Resolução n. 420, de 2003, art. 24, I). Em se tratando de competência do juiz de Registros Públicos firmada em razão da matéria, conforme orienta a jurisprudência a respeito, deve-se ter em conta que: 5 Já o juiz Diretor do Foro exerce, no que diz respeito aos serviços auxiliares da Justiça e nos serviços notariais e de registro de sua comarca, as funções administrativas de orientação, fiscalização e disciplinar, inclusive no tocante aos titulares e prepostos não optantes dos serviços notariais e de registro da comarca (art. 65, I e VI da Lei de Organização e Divisão Judiciárias do Estado de Minas Gerais, c.c. arts. 33,37 e 38 da Lei n.8.935, de 18.11.1994). Não conhece e julga matéria jurisdicional, como o processo de Dúvida, em que pese tal necessária distinção nem sempre esteja sendo observada. 6 7 “Se se ataca única e exclusivamente o registro, em seus requisitos formais ou substanciais, a competência é do Juízo da Vara de Registros Públicos (art. 73, II, da Res. n. 61/75, com a redação dada pela LC n. 7.655/79 (CComp. n. 22.068/1, desta Capital, relator Desembargador Hugo Bengtsson). No mesmo sentido: “Somente é competente a Vara de Registros Públicos para conhecer das demandas que versem sobre conflitos de interesses decorrentes do próprio ato registrário (TJSP - CComp. 34.201-0/1 - Câm. Especial - RT 741/246-7)”. Dada a especialidade das Varas de Registros Públicos, as demandas a serem por elas conhecidas devem versar a respeito de conflitos de interesses decorrentes do próprio ato registrário e não da causa determinadora do registro. Isto é, compete a este juízo especializado dirimir os conflitos, quer na esfera administrativa e então exercendo o Magistrado a extrajudiciais, função quer na de corregedor jurisdicional, permanente em processos das de serventias jurisdição contenciosa ou voluntária, quando o ponto controvertido residir na regularidade formal do ato notarial atacado. Outrossim, quando a alteração ou cancelamento do registro surge como decorrência lógica da invalidação ou desconstituição do título que o determinou, o conhecimento da respectiva ação foge da esfera de competência da vara especializada e é determinada pelas regras normais fixadoras de competência jurisdicional. Pensar-se de modo diverso significaria admitir ser competente a Vara de Registros Públicos para o conhecimento, por exemplo, de todas as ações que visassem a invalidação de negócio jurídico que implicasse a transmissão de bem imóvel, posto que, para a efetiva transferência de propriedade de bem imóvel, necessário o registro do título no serviço de registro de imóveis da circunscrição 7 8 imobiliária competente. Isto, por óbvio, desvirtuaria a intenção do legislador em proporcionar uma melhor distribuição da justiça. Nesta linha de argumentação, infere-se, por exemplo, que em se tratando de ação erroneamente denominada como retificação de registro civil, mas cujo objetivo verdadeiro seja a própria investigação de paternidade, por se tratar de ação de estado, a competência para seu julgamento será do juiz de Família, já que o registro civil de nascimento que contiver falsa declaração de vontade, emanada de erro substancial, pode ser anulado, como se anulam os atos jurídicos em geral, sendo a retificação do assento mera conseqüência, desdobramento lógico e natural do eventual acolhimento do pedido de perfilhamento, sendo ambos os pedidos perfeitamente cumuláveis. Isto porque, conforme bem define SERPA LOPES, em seu Tratado de Registros Públicos (Brasília: ed. Brasília Jurídica, 6a. ed., páginas 408, 424 e 425, 1997), “O erro justificativo da retificação é o cuja correção não implica em alterar ou mudar o estado civil, ou quando tal alteração ou mudança objetive tão somente reajustar o ato aos princípios legais inequivocamente preteridos, v. g., se a composição do nome do filho, processou-se com preterição dos apelidos paternos, ou se foi dado como simplesmente natural um filho decorrente de justas núpcias. Com especial cuidado, o Legislador procurou, ainda em uma vez, fixar com bastante nitidez a situação jurídica do processo de retificação rosto a rosto da ação de estado civil. No art. 121 determinou que as questões de filiação legítima ou ilegítima serão decididas em processo contencioso para anulação ou reforma do assento. Portanto, como estamos vendo, a questão de filiação legítima ou ilegítima é típica de estado. Não pode ser objeto de retificação” 3- ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA Outro aspecto inerente ao exercício da jurisdição no tema em exame e que reputo da maior importância, diz respeito ao exame dos títulos judiciais pelo registrador. 8 9 Como se sabe, o título, ainda que de origem judicial não está isento do exame qualificativo dos requisitos registrários, cabendo ao registrador apontar eventuais hipóteses de incompetência absoluta da autoridade judiciária, outras nulidades absolutas e mesmo relativas, desde que ostensivas, aferir a congruência do que se ordena, apurando a presença de formalidades documentais, tais como, ilustrativamente, a autenticidade do instrumento, identidade das partes e do imóvel, seu relacionamento e correspondência com o registro e, finalmente, analisar a existência de eventuais obstáculos registrários. É preciso convir que para ingresso de qualquer título, inclusive o judicial, ao fólio real tem-se por imprescindível a presença de alguns requisitos, como o atendimento dos princípios da especialidade, que exige a plena e perfeita identificação do imóvel (art. 176, § 1º, II, n. 3, c.c. art. 225; LRP); legalidade, impondo o prévio e obrigatório exame e qualificação de títulos inválidos, ineficazes ou imperfeitos, concorrendo para a concordância entre os mundos real e registral, como fator decisivo a assegurar a confiança da própria população no sistema (art. 167, I e II, c.c. arts. 156,169 e 198; LRP); disponibilidade, segundo o qual, vedado é a qualquer um transferir mais direitos do que aqueles constituídos pelo registro imobiliário, compreendendo o exame das disponibilidades física (área do imóvel) e jurídica (vinculação do ato de disposição à situação do imóvel e das pessoas envolvidas no ato), segundo previsto no art. 176, § 1º, III, da LRP; e também o da continuidade, o qual assegura o perfeito encadeamento da cadeia dominial do imóvel, assim impedindo o lançamento de qualquer ato de registro sem o registro anterior, tornando obrigatório o lançamento de referências originárias, derivadas e sucessivas (art. 195, c.c. arts. 196, 197, 222, 228, 229, 236, 237; LRP). Neste passo, determinações judiciais com cominação de pena pecuniária por dia de atraso no cumprimento de ordens e até mesmo comandos de prisão em flagrante por crime de desobediência, dirigidas a oficiais registradores, principalmente quando desprovidas do devido processo 9 10 legal, não serão o melhor caminho para solução de eventual desinteligência entre a autoridade judiciária e os delegatários de tais serviços públicos, profissionais do direito que igualmente são e que por prerrogativa legal gozam de independência no exercício da função (art. 28, da Lei n. 8.935, de 1994). Dentre as situações que com mais freqüência geram impasse, cito o registro da penhora de bem imóvel. No mais das vezes, e por se tratar de registro e não de simples averbação, há necessidade de abertura de matrícula, ato obrigatório por ocasião do primeiro registro (art. 236 LRP), impondo ao registrador seguir rigorosamente todo o roteiro traçado nos incisos I, II e III do § 1º do art. 176, c.c. o disposto no art. 197 da Lei dos Registros Públicos, cujo cumprimento é ônus da parte interessada, ao passo que o mandado de registro, conforme previsto no art. 239 e seu § único da mesma lei, deverá também indicar os nomes do juiz, do depositário (instruído com o auto ou termo de penhora por ele assinado), das partes e a natureza do processo. E caso o imóvel não esteja registrado perante o fólio real em nome do executado, haverá quebra do princípio da continuidade do registro, impedindo sua consumação o comando expresso e taxativo do art. 237 do referido diploma legal. Em outras situações alguns atos são simplesmente insuscetíveis de serem registrados, por não se referirem a direitos reais reconhecidos em lei (art. 172 LRP), capazes tão somente de gerarem simples expectativa de direito, tal como as penhoras no rosto dos autos e sobre direito e ação (arts. 673 e 674 CPC), cessão de direitos hereditários, etc. É preciso convir, sem deixar de lado a autoridade da coisa julgada, que tais princípios cumprem sua elevada função social de proteger a segurança do sistema, base sobre a qual repousa a confiança nele depositada pelos usuários, evitando-se que ali se aninhem germes de futuras demandas. Assim, e talvez seja este o mais importante aprendizado auferido à frente da Vara de Registros Públicos, segundo o 10 11 qual me vi conduzido à percepção, clara e inequívoca, de que compete não apenas ao próprio juiz de Registros Públicos, mas sobretudo, a todo e qualquer juiz, independentemente de sua jurisdição, seja ela estadual, federal ou trabalhista, a incumbência de zelar pela fiel observância dos princípios que informam o sistema registral. 4 - DA EMANCIPAÇÃO, INTERDIÇÃO E AUSÊNCIA Determina a Lei n. 6.015 de 1973 que a sentença de emancipação6, bem como os atos dos pais que a concederam, em relação aos menores, serão registrados em livro especial, perante o Serviço do 1º Ofício do RCPN ou do 1º Subdistrito (subdivisão judiciária) de cada Comarca (art. 89). Será competente para a ação respectiva, que se subsume ao processo de jurisdição voluntária, o foro do domicílio7 do menor, mesmo que eventualmente diferente de seus pais. A mesma disposição é repetida no art. 92, no que se refere às interdições, mantendo-se a disciplina no que concerne ao registro das sentenças declaratórias de ausência em que conste a nomeação de curador (art. 94 LRP). Por livro especial entenda-se aquele previsto no art. 33, parágrafo único, da Lei de Registros: Trata-se do denominado Livro “E” 8 , de existência obrigatória nos Serviços do 1º Ofício do RCPN ou da 1ª subdivisão judiciária de cada comarca - excepcionalmente, acaso inexistentes Serviços hierarquizados na comarca, será tal livro aberto no mais antigo Serviço do local -, contendo 150 folhas e destinados à inscrição dos demais atos relativos ao estado civil, facultando-se, dentro 6 A emancipação legal não depende de assentamento específico, produzindo efeitos imediatos, desde o ato ou fato que a tenha gerado. 7 O conceito legal do domicílio da pessoa natural “é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo”, ao passo que “O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente” (art. 70 e art. 76, parágrafo único, ambos do Código Civil de 2002). 8 O mesmo livro é ainda repositório de emancipações voluntárias. 11 12 do prudente arbítrio do juiz-corregedor, seu desdobramento nas comarcas de maior movimento. A lei exige indistintamente o registro de tais títulos judiciais, seja na emancipação, interdição e ausência e que sem a providência do registro não se constitui o direito inerente ao título, deixando a emancipação, em qualquer caso, de produzir efeito. Nesse sentido determina o parágrafo único do art. 91 da Lei n. 6.015 de 1973. De outra parte, manda o parágrafo único do art. 93 do mencionado texto legal que antes de registrada a sentença de interdição não poderá o curador sequer assinar o respectivo termo. Esclarece WALTER CENEVIVA que a formalidade “serve para dar produtividade de efeitos para que o curador possa assinar termos de curatela, iniciando sua atividade, depois de proferida sentença que a conceda. Decretada a curatela pelo juiz, o curador nomeado deve formalizar a assunção de suas funções, mediante a assinatura de termo lavrado nos autos. A assinatura, porém, é submetida à formalidade do registro prévio, que lhe dá publicidade, sob pena de não valer”.9 A regra é também textualmente estendida e aplicada no que se refere ao registro das sentenças declaratórias de ausência que nomearam curador, relativamente às quais serão obrigatoriamente observados “as mesmas cautelas e efeitos do registro de interdição”, nos termos do artigo 94, caput, da Lei n. 6.015 de 1973. Ao lado da publicação de editais10, o registro da sentença de emancipação, interdição e ausência com a nomeação de curador é imperativo de ordem pública para assegurar sua eficácia erga omnes. 9 Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Saraiva, 15ª ed., 2002, p. 24 e Excluído: J. M. DE 161. Desse entendimento diverge, contudo, CARVALHO SANTOS, quando afirma que “a produção dos efeitos da interdição não depende da sentença nem da sua inscrição Excluído: em ob. cit., no registro competente...” “Mesmo sem publicidade a interdição existe” (Comentários Excluído: , 11ª ed., Freitas Bastos ao Código Civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 11ª ed., v. VI, p. 403). Todavia, há Excluído: Ouso, no entanto, dissentir do Mestre, atualmente expressa disposição legal em direção oposta, da Lei n. 6.015 de 1973. Excluído: diante da 10 Duas vezes pela imprensa local e uma vez pelo órgão oficial, com intervalo de dez Excluído: de ordem pública, d dias, contendo o edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição e os Excluído: º 12 13 Na hipótese de não se consumar o registro no prazo de 8 (oito) dias, deverá o juiz providenciá-lo de ofício, nos termos do disposto no art. 91, c.c. os artigos 93 e 94, ainda do mencionado texto legal. Vê-se, portanto, que o registro da sentença é ato indispensável para o aperfeiçoamento de qualquer um dos três institutos mencionados, na medida em que impede até mesmo assuma o curador o múnus para o qual foi nomeado, reputando-se ineficaz a prática de qualquer ato do emancipado ou da curatela antes do ingresso da sentença no registro público pertinente. O interesse público é preponderante no sentido de que tais assentamentos civis sejam efetivamente consumados. Seguindo tal linha de raciocínio, a Lei de Registros Públicos apresenta exceção à regra do princípio dispositivo, a partir do qual, na generalidade dos casos, se veda ao juiz proceder de ofício (art. 2º, CPC). É taxativo o diploma legal que disciplina os registros públicos no País, quando determina - art. 91, caput - que, inexistindo providência do promovente ou curador no sentido de se efetuar o colimado registro no prazo de 8 (oito) dias, caberá ao próprio juiz, de ofício, remeter ao Serviço a limites da curatela (art. 1.184 do CPC). A propósito, ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS entende que “A ausência de publicação não nulifica os efeitos da interdição” fazendo “apenas presumir, com possibilidade de prova contrária, a boa-fé de terceiros. Se o terceiro, por exemplo, adquire bem do interditado, não tendo conhecimento da interdição, poderá ter seu negócio rescindindo, mas não o indenizará pelos frutos Excluído: (em percebidos (CC, art. 510)”. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 3ª Excluído: , ed., v. 3, p. 385; ponto em que diverge EDSON PRATA, esclarecendo “que começam a Excluído: , viger os efeitos após a primeira publicação da sentença pela imprensa, com o que se Excluído: 3ª ed., 1994, Saraiva), torna conhecida de todos”. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Excluído: (em Forense, 1ª ed., 1978, v. VII, p. 316, orientação essa mais afinada com a disciplina da Excluído: , Lei n. 6.015 de 19773. No âmbito dos registros públicos, o princípio da publicidade Excluído: , 1ª ed., 1978, Forense) ativa não é simples ato acessório, mas sim requisito essencial, com força e natureza Excluído: º constitutiva, destinado a “dar produtividade de efeitos a diversos atos”; segundo Excluído: / salienta WALTER CENEVIVA. Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Excluído: , Saraiva, 15ª ed., 2002, p. 24. Excluído: (em ob. cit., Excluído: ) 13 14 certidão da sentença de interdição, devidamente instruída com a comunicação contendo os dados previstos no seu art. 92. Conforme já anotado, referida regra se cultiva ainda nos artigos 93 e 94 (neste último quando determina que no registro da sentença declaratória de ausência serão adotadas as mesmas cautelas e efeitos do registro de interdição) da lei em tela. Nesse sentido, doutrina PONTES DE MIRANDA que a sentença tem força constitutiva, mas depende, no caso de interdição, de publicidade ativa consistente na inscrição e divulgação em edital, como complementos impostos pela lei, salientando que, em hipótese de provimento de recurso aviado contra tal sentença, a imediata produtividade dos efeitos da decisão judicial provoca o cancelamento do registro e a publicação de editais. O registro, dessarte, tem efeito imediato, mandamental da sentença. 11 O registro da sentença de emancipação, interdição ou declaração de ausência é realizado necessariamente no Serviço do 1º Ofício12 ou do 1º Subdistrito (se for o caso) do Registro Civil local do domicílio do emancipado, interdito ou ausente (neste caso, no local de seu último domicílio ou de onde tenha deixado bens), da comarca onde foi proferida a sentença respectiva. É a conclusão que resulta da interpretação conjugada dos artigos 89, 92, 94 e 106, todos da Lei n. 6.015 de 1973. Feito o registro, o procedimento seguinte compete exclusivamente ao oficial do Registro Civil local, a quem a lei determina imperativamente, no prazo de cinco dias, proceder de duas formas alternativas, dependendo da situação específica: a) se os atos anteriores do emancipado, interdito ou ausente estavam já registrados em seu 11 Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. 16, p. 391. Excluído: Cartório do 12 Ou no Serviço Registro Civil de Pessoas Naturais mais antigo do lugar. Excluído: 14 15 Serviço, o novo registro deverá ser anotado13 nos assentos primitivos eventualmente existentes, com a cautela de se lançarem remissões recíprocas; b) caso os registros anteriores do emancipado, interdito ou ausente estiverem em outro Serviço do Registro Civil, fará o oficial local comunicação14, com resumo do novo assento, ao oficial destinatário, observada sempre a forma prescrita no art. 98 da Lei n. 6.015 de 1973.15 Sobrevindo sentença que ponha termo à interdição, que determina a substituição dos curadores de interditos ou ausentes, que altere os limites da curatela, ou que decrete a cessação ou mudança de internação, assim como o término da ausência pelo aparecimento do ausente, proceder-se-á à averbação de tal título judicial no mesmo livro “E”16 do Serviço do Registro Civil do 1º Ofício ou do 1º Subdistrito (se for o caso) do local e comarca onde foi proferida a sentença. Segue-se a mesma rotina pelo oficial respectivo: existindo assentos anteriores da 13 Anotar vem de notas. São lançamentos de responsabilidade do Oficial, independentemente de qualquer intervenção dos interessados, já que não atinge o direito da parte. A finalidade da anotação é exatamente facilitar as buscas do Oficial, mediante remissões recíprocas. 14 Comunicar, segundo o magistério de WALTER CENEVIVA, “é aviso escrito obrigatório, de um oficial a outro, de assento que altere o registro feito no cartório de Excluído: ( segundo”. Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Saraiva, 15ª ed. 2002, p. 180). 15 Faz-se a averbação da comunicação à margem do assento, normalmente na coluna da direita (o livro de registro é devido em três partes). Inexistindo espaço livre, poderá o Oficial valer-se de outro livro da mesma espécie para continuá-la, cuidando de efetuar notas e remissões recíprocas para a segurança e facilidade da busca. A averbação deve ser redigida de forma clara e sem deixar margem a dúvidas, com a indicação precisa do fim a que se destina e de qual documento teve origem. 16 Inexiste, a rigor, livro denominado “emancipação, interdições e ausências”, no Registro Civil das pessoas Naturais, tal como consta do enunciado do caput do art. 104 da Lei n. 6.015 de 1973. Na verdade, ali se refere ao livro especial “E”, previsto no parágrafo único do art. 33 do mencionado diploma legal. 15 16 parte em seu Serviço, fará a devida anotação, com remissões recíprocas. Caso os assentos anteriores tenham sido efetivados em outro Serviço do Registro civil, a nova sentença será primeiramente averbada, providenciando após o oficial a devida comunicação, com resumo do assento, ao oficial destinatário, segundo se infere pela conjugação do disposto no artigo 104, c.c. artigo 106, ambos da Lei n. 6.015 de 1973. 5 – RETIFICAÇÃO JUDICIAL DE ESCRITURA PÚBLICA ? Não é raro a distribuição de ações que visam retificar escrituras públicas, para tanto requerendo até mesmo a expedição de alvará judicial. Todavia, não se retifica escritura pública senão por meio de outra escritura pública. Não existe no ordenamento jurídico processo ou ação judicial de retificação de escritura pública. Sequer espaço para eventual averbação de retificação existe nos livros de notas dos tabelionatos, e nem poderia mesmo e, de sorte que tabelionato de notas e serviço de registros públicos são coisas diferentes, não se misturam. A própria Lei de Registros Públicos, como não poderia deixar de ser, não se aplica aos tabelionatos de notas, pois não desempenham atividade típica de registro. PONTES DE MIRANDA, já advertia que falta qualquer competência aos juízes para decretar sanações e, até, para retificar erros das escrituras públicas; escritura somente se retifica por outra escritura pública, e não por mandamento judicial (Tratado de Direito Privado, São Paulo: ed. RT, tomo III, p. 361, 1993). Não há possibilidade de retificação de escritura sem que dela participem as mesmas pessoas que estiverem presentes no ato da celebração do negócio instrumentalizado. A escritura nada mais é do que documento, o instrumento escrito de um negócio jurídico; prova pré-constituída da 16 17 manifestação de vontade de pessoas, explicitada de acordo com a lei. Não se retifica manifestação de vontade alheia. Em outras palavras, uma escritura só pode ser retificada por outra escritura, com o comparecimento das mesmas partes que, na primeira, manifestaram sua vontade e participaram do negócio jurídico instrumentalizado. Neste sentido, NARCISO ORLANDI NETO esclarece se aquele que deve participar da escritura de retificação faleceu, cumpre pedir ao juízo do inventário que, ouvidos todos os interessados, autorize, por alvará, o inventariante ou outra pessoa a comparecer à escritura de retificação e, em nome do espólio, manifestar sua vontade para ratificar o negócio feito pelo de cujus e retificar o erro que contaminou o registro (Aspectos da Escritura Pública, Sebastião Amorim e José Celso de Mello Filho, in Revista de Direito Imobiliário, n. 1/27). Se a parte está desaparecida ou se se recusa a comparecer à escritura de re-ratificação, tem o interessado direito de ação para suprir o consentimento de quem não é encontrado ou, injustamente, o recusa. Em ambos os casos será o réu citado (por editais ou pessoalmente, na forma da lei processual) para comparecer em dia e hora previamente designados, em determinado tabelião, para participar da escritura de re-ratificação. Se não comparecerem, o juiz declarará suprida a falta da declaração de vontade e expedirá alvará que será transcrito na escritura de reratificação. Se o réu é a única pessoa que deve comparecer à escritura, além do interessado na retificação, pode o juiz simplesmente declarar suprido o consentimento para a re-ratificação. Nesta hipótese, a carta de sentença será o documento hábil para a ratificação do registro. Descumpre as obrigações assumidas quem, tendo participado de um negócio jurídico, recusa-se a praticar atos necessários para que esse negócio produza os efeitos necessários. Ora, o erro da escritura, que contaminou o registro, impede ou prejudica a eficácia plena do negócio, em detrimento da outra parte. Está justificado o direito de ação que tem a parte prejudicada (Retificação do registro de imóveis, São Paulo:ed. Del Rey/Oliveira Mendes p. 90-91, 1997). 17 18 6 - DO NOME CIVIL Toda pessoa tem direito ao nome. Tal direito decorre do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Dentre os elementos obrigatórios do assento de nascimento, o nome civil do registrando parece ser o que suscita as maiores controvérsias. O nome possibilita a identificação da pessoa e nele estão contidos o prenome (simples: Helena, Marta, Rodrigo, etc; ou composto: Maria Clara, João Pedro, etc) e o sobrenome (Silva, Souza, Oliveira, etc). Aqui, deve ser colocado, de início, que prenome e sobrenome têm atributos distintos, possuindo diversa natureza jurídica, posto que nem sempre a regra de um é aplicável a outro17. Ainda que ambos – sobrenome e prenome – identifiquem o portador, fazem-no de maneira diversa. Se ao sobrenome cabe a exteriorização da família a que pertence a pessoa, ao prenome cumpre a tarefa de individualizar cada um dos membros que a família integram. Porém, alguns julgados sobre a matéria confundem a terminologia, a função e características próprias de cada um desses elementos obrigatórios do nome civil.18 17 Segundo aviso de SERPA LOPES: “Saliente-se, antes de tudo, que quando a lei se refere a nome, consigna-o num sentido restrito, sem incluir o prenome, pois este é objeto de uma regulamentação à parte”. Tratado dos Registros Públicos. Brasília: editora Brasília Jurídica, 6ª ed., 1997, p. 208. 18 Acórdão do STJ, por exemplo, à guisa de fundamentação, num caso em que se discutia a possibilidade de a viúva suprimir o sobrenome do falecido marido, invocou o parágrafo único do artigo 58 da Lei dos Registros Públicos, dispositivo esse, todavia, que disciplina exclusivamente o prenome (REsp. 363.794 – DF, Terceira Turma, j. em 27.6.02). Do mesmo Tribunal surge outro caso emblemático no qual para fundamentar decisão que provimento deu ao recurso especial e determinou “a retificação do registro do requerente, excluindo do seu nome civil o patronímico “Batelli”, de origem paterna” (sic), buscaram os membros da Turma julgadora apoio no mesmo artigo 58 da Lei dos Registros Públicos, transcrevendo-se ainda no acórdão comentários doutrinários dirigidos exclusivamente à questão do prenome (REsp. 66.643-SP, Quarta Turma, j. em 21.10.97), incidindo, data venia, em quatro equívocos: a) não se trata de 18 19 Assim, por exemplo, quando a Lei dos Registros Públicos veda o registro de prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores (art. 55, § único) não inclui nessa possibilidade o sobrenome. Também quando refere que o prenome é definitivo (até 1998 dizia que era imutável), admitindo, todavia, sua substituição por apelido (rectius: alcunha) público notório (art. 58), o faz em caráter estrito, excluindo dessa hipótese o sobrenome. Lado outro, ao falar a mesma lei do nome nos seus artigos 56 e 57, permitindo-lhe alteração mediante acréscimo ao sobrenome que não será prejudicado, não está estendendo tal faculdade ao prenome. Daí porque, conforme adverte WALTER 19 CENEVIVA, o intérprete deve estar atento. Tratando-se de recém-nascido, o prenome é atribuído pelo pai, na sua falta, pela mãe, ou ainda por aqueles obrigados a fazer a declaração perante o oficial do Registro Civil20, incluindo desde administradores de “retificação”, pois erro algum havia no registro, mas sim de alteração; b) sob o pretexto, ainda que em tese filosoficamente louvável, de valorar a vida em detrimento da lei, ignorou que o sobrenome pertence a todo grupo familiar, como entidade, direito inato transmitido por herança, dele não podendo dispor o indivíduo que integra tal grupo familiar, que não se exaure, por óbvio, seja perante a família, seja perante o meio social, apenas na figura do pai, mas abrangendo igualmente todos os parentes consanguíneos do mesmo ramo, nas linhas reta e colateral; c) ridicularia é causa legal, imposta em caráter excepcional, daí porque deve ser interpretada restritamente, para indeferimento de prenomes e não para autorizar a supressão de sobrenome ostentado pelo filho desgostoso com o pai; d) solapou dois dos mais importantes princípios que informam o sistema de registros públicos e fomentam a base sobre a qual recai a segurança de todo o sistema, e por conseguinte, a confiança que os cidadãos nele depositam, o da continuidade e o da especialidade. O primeiro assegurando um ininterrupto encadeamento numa concatenação causal sucessiva das estirpes familiares, de forma que cada assento deve apoiar-se no anterior. O segundo exigindo perfeita e completa identificação daqueles que no assento constam, notadamente de seu titular. 19 Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Saraiva, 15ª ed., 2002, p. 131. 20 A Lei dos Registros Públicos permite, quanto ao assento de nascimento, que seja lavrado, alternativamente, no lugar do parto ou no lugar da residência dos pais da criança (art. 50, caput). A opção e conveniência são cometidas àqueles pela própria lei 19 20 hospitais até médicos e parteiras que tenham assistido ao parto, em ordem sucessiva (artigo 52 e seus parágrafos, da Lei dos Registros Públicos). No caso da atribuição do prenome, o peso da norma faz-se sentir gravemente. Para que qualquer indivíduo adquira e usufrua do seu próprio nome é necessário que o Estado explicite, por meio de um processo de registro civil, a sua anuência não só com o nome escolhido, mas também com a forma como esse nome é grafado e pronunciado. Esse fato suscita imediatamente interrogações que em parte podem também ser respondidas pelos linguistas. São questões como: "Porque não têm os pais total liberdade de dar aos filhos o nome que entenderem, com a forma que lhes apetecer?", "Deve a invenção de nomes novos ser permitida e estimulada?", "Deve a escolha do nome limitar-se ao patrimônio onomástico nacional?", "Deve liberalizar-se o uso de nomes estrangeiros?", "Deve permitir-se apenas a adoção de nomes vindos da área lusófona?", e por aí vai. Não são, infelizmente, questões freqüentemente colocadas, nem convenientemente debatidas. Mas, seja a quem for recaia o direito de escolher o prenome da criança a ser registrada, que fique claro que o exercício desse direito não é absoluto, pois veda a Lei dos Registros Públicos o registro de prenomes suscetíveis de expor a ridículo os seus portadores, devendo obrigatoriamente o oficial recusá-los, recomendando-se, não obstante, que ao fazê-lo, atue o registrador com moderação, ou seja, apenas se diante de situação induvidosamente fora da normalidade cabendo-lhe exercer a recusa. Isso ocorre geralmente quando o prenome escolhido autorizados a declarar o nascimento (art. 52, 1º a 6º). Uma vez porém já acionado um desses dois Serviços de Registro Civil de Pessoas Naturais com atribuição concorrente para tanto, defeso é posteriormente procurar a segunda alternativa, mormente quando o declarante, em evidente má-fé, tomou ciência da recusa do Oficial em consumar o registro diante do impedimento do prenome à criança escolhido e que tal recusa fora confirmada pelo Juiz de Registros Públicos ao dirimir o processo de dúvida. 20 21 não existir na onomástica21 (mas não apenas por isso seria desrespeitador da dignidade da criança a nomear) do idioma nacional ou for incapaz, por sua eventual ambigüidade, de designar com precisão o sexo biológico do indivíduo. Não se conformando os pais ou representantes legais com a recusa; o caso será submetido, por escrito, independentemente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do juiz competente, em processo de dúvida (Lei n. 6.015, de 31.12.73, artigo 55, parágrafo único, c.c. 296 e 198 e seguintes). Portanto, se num primeiro momento a decisão da escolha recaia sobre o pai, a mãe, a família ou o indivíduo legitimado a declarar o nascimento da criança, na esfera particular não se exaure, posto que o Estado nela interfere, seja através do oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais encarregado de lavrar o assento, seja através do juiz de Registros Públicos, para impedir o registro de prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores, circunstância que virá à tona, em alguns casos logo nos primeiros momentos de vida, acarretando traumas e transtornos psicossomáticos os mais diversos, com repercussão na vida social, afetiva e profissional dos indivíduos que os portam. Na tabela abaixo, seguem alguns exemplos de prenomes indeferidos nos últimos anos na Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, fruto da inesgotável criatividade dos pais: 21 A onomástica é a explicação dos nomes. Pode dividir-se em apelidologia e apodologia. Apelidologia, estudo do apelido, debruça-se sobre os nomes de família. Estes nomes identificam as pessoas por grupos de consangüinidade ou clã. Apodologia, estudo do apodo, tem a ver com os nomes postos por comparação ridícula, zombaria ou motejo. Toponímia, estudo histórico ou lingüístico sobre a origem dos nomes próprios dos lugares; designação de lugares, pelos seus nomes, nomenclatura das regiões anatômicas. 21 22 Dairenkon Majime Edu (fem) Heavenly Serena Filadelfe Gliciam (masc) Delane (masc) Yatssa (fem) Wyttichan Rayph Jacksiara (fem) Yukan Gabrielle (fem) Sidihelen Jandriane (fem) Thesphaye Votan Seteprometeus e/ou Ludacris Thaironne Michely Priscily Shavanne Anne Maria Érich Alpado* *(junção do Thancley nome Estefferson Palhares Donato) Zandora Cristiane Láisa Tchélisy Claudenice (masc.) Wivini Winckelm Guacy Kailaine Asthar Dábila Chirley (masc) Wellingda Adrielly Heros Diware Diulle Ariel (fem) Diamul Naminy Kligia (fem) Narboni (masc) Cauli Bié Michabida Ketelly Ladiene (masc) Iaú Schinaider Carol (masc) Pillerronn Hanrella Sebastha Lohayne Kethellen do pai Alcir Lynic Tayric Dione (masc) Alinny (masc) Lo-Ruhama Cassilande (masc) Uncas Remilly Wendrek Sigryd Williery Querflim Rychard Shinnaydr Josuenes Miranda (fem) Evair (fem) Claudinete (masc) 22 23 Com o advento da Lei n. 9.708, de 18.11.98, que tratou de modificar a redação do artigo 58 e parágrafo único, da Lei n. 6.015, de 31.12.73, permite-se expressamente a substituição do prenome por apelidos públicos notórios. Desde então, o prenome deixou de ser imutável para se tornar definitivo, vedando-se ainda, de acordo com a nova redação do parágrafo único, “a adoção de apelidos proibidos em Lei”, o que permite concluir que não será admitida a substituição ou alteração do prenome por apelido suscetível de expor ao ridículo seu portador. O Estatuto da Criança do Adolescente (Lei n. 8.069 de 1990), dispõe em seu artigo 47, parágrafo 5º, “que a sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação do prenome”. Penso que tal regra deverá ser aplicada com a máxima prudência e cautela por parte do julgador. No mais das vezes, segundo a observação do que ordinariamente acontece, ministrada pelo senso comum, o (a) adotado (a) não tem interesse algum em ter o prenome substituído, especialmente aqueles que no convívio social já o incorporaram á própria personalidade. Assim, embora não previsto pela Lei, entendo que será de todo conveniente em casos tais uma audiência na qual o adotado possa, sem constrangimentos, manifestar-se sobre seu interesse a propósito de eventual pedido neste sentido formulado pelo adotante. Tal solução, com certeza, é a que mais se aproxima do sentido do Estatuto, voltado sempre à integral proteção dos superiores interesses da criança e do adolescente (art. 1º). A substituição do prenome será possível, também, em razão de ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, conforme a lei que estabelece normas para a organização de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas. A alteração de nome completo poderá estender-se ao cônjuge ou companheiro, ascendentes, descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a 23 24 vítima ou testemunha (Lei 9.807 de 1999). No que andou bem o legislador, pois não adiantaria de nada o esforço de mudar o nome do colaborador sem que os seus possuíssem mesmo benefício. É, portanto, distinto o tratamento legislativo dispensado ao prenome e ao sobrenome, conforme acima exposto. A regra do artigo 56, da Lei dos Registros Públicos, limita-se a “alteração” do “nome” no primeiro ano após o interessado ter atingido a maioridade civil, mas desde que referida “alteração” não prejudique os apelidos de família. O dispositivo em apreço não se refere ao “prenome”, mas tão somente ao sobrenome em sentido estrito (nome de família). Cuida-se de regra restritiva de direito, e como tal, não admite da parte do intérprete sua ampliação para aplicação em outras hipóteses não previstas expressamente pelo legislador, sob pena de desvirtuar o alcance natural de preceito dessa natureza, o qual segundo regra de hermenêutica, só abrange os casos que especifica; nem mais, nem menos. A propósito, adverte MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES que ao referir-se a lei a nome, “consigna-o num sentido restrito, sem incluir o prenome, pois este é objeto de uma regulamentação à parte”. Partindo-se dessa premissa, faz-se necessário distinguir : a) o prenome não é mais imutável; tornou-se (em regra) definitivo ao editar-se a Lei n. 9.708, que mudou a redação do artigo 58, da Lei dos Registros Públicos, para permitir sua substituição por apelidos públicos notórios. Excepcionalmente, contudo, admite o prenome, por construção doutrinária e jurisprudencial, alteração ou mudança, sem qualquer restrição temporal, inclusive por fatos supervenientes ao registro, em todos os casos sendo vedado o emprego de prenome imoral ou suscetível de expor ao ridículo o seu portador (art. 55; § único LRP); b) diferentemente é o tratamento dispensado ao sobrenome (nome de família). Durante o primeiro ano após atingir o indivíduo a completa maioridade civil, poderá alterá-lo, imotivadamente, desde que mantida a incolumidade dos sobrenomes já existentes do registro e 24 25 que reflitam a relação familiar. Essa é a regra (art. 56, da LRP). Em caráter excepcional, permite-se que após esse período inicie o interessado ação judicial para alterar (e apenas alterar) seu nome, porém sendo tal pretensão condicionada à devida e prévia motivação, sob pena de inépcia da inicial, (art. 57, caput, da LRP, c.c. artigos 267, VI e 295, I, § 1º, segunda parte, ambos do CPC). Nesse sentido, mostra-se jurídico o aresto do TJSP que indeferiu postulação de supressão do sobrenome paterno na composição do nome do indivíduo, sob o fundamento de que o nome de família paterno é elemento fundamental do nome, atuando como sinal revelador da procedência da pessoa, ao indicar sua filiação, sua estirpe. Versou-se ali hipótese em que o interessado, tomado por profundo desgosto e aversão à figura do pai, que lhe abandonou em tenra idade, nunca mais voltou a procurá-lo, nem lhe deu assistência alguma, formulou o pedido de suprimir de seu nome o sobrenome paterno. Em que pese, não seja este o entendimento atual de precedentes do STJ, é preciso convir, no entanto, que o nome de família não pertence exclusivamente ao indivíduo, mas sim a todo o grupo familiar ao qual pertence, como entidade, relativamente o qual, sobrepõe-se o interesse público ao do particular em preservá-lo como elemento mais típico do nome e indispensável fator de segurança das relações sociais, não lhe sendo defeso, por outro lado, o uso abreviado. Muito Obrigado! Belo Horizonte, 1º de abril de 2005. Marcelo Guimarães Rodrigues 25