o exercício da jurisdição nos direitos notarial e

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o exercício da jurisdição nos direitos notarial e
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O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO NOS DIREITOS
NOTARIAL E REGISTRAL
Marcelo Guimarães Rodrigues
Des. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO. 2 – FIRMANDO A COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. 3ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA. 4 - DA EMANCIPAÇÃO,
INTERDIÇÃO E AUSÊNCIA. 5 – RETIFICAÇÃO JUDICIAL DE ESCRITURA PÚBLICA ?. 6 DO NOME CIVIL.
Inicialmente, gostaria de expressar meu entusiasmo pelo honroso
convite gentilmente formulado pelo Exmo. Corregedor Geral de Justiça,
Des. Roney Oliveira, para participar de evento histórico organizado com
a inestimável participação da Escola Judicial deste Tribunal de Justiça,
cunhado com o objetivo de não só promover a integração entre todos os
juízes Diretores de Foros, mas sobretudo com o intuito de propiciar o
aprofundamento do estudo dos direitos notarial e registral, renovando
os canais de comunicação com os demais protagonistas deste ramo do
direito que se insere, na prática, no cerne da prestação de serviços da
maior utilidade e interesse público. Tenho a convicção de que, não só
pelo ineditismo desta iniciativa, como também pelos salutares efeitos
que dela advirão ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, este
evento estará fadado ao sucesso e a renovar-se por muitos e muitos
anos.
1
2
1- INTRODUÇÃO
Em sentido técnico, registro1 público é o repositório de certos atos ou
fatos, lavrado por oficial público em assentos especiais, seja à vista dos
títulos comuns que lhe são apresentados, seja em razão de declarações
escritas ou verbais das partes interessadas. Serve como meio de prova
especial,
como
instrumento
de
conservação
de
documento
e,
principalmente, como meio de publicidade. Pode ser tanto um meio de
defesa, como elemento de garantia e instrumento de publicidade para
que não se alegue desconhecimento ou ignorância de sua existência.
Sua importância é de tamanha ordem, posto que a disciplina permeia os
mais importantes e significativos atos praticados na órbita civil, seja na
vida de pessoas naturais, seja na existência de pessoas jurídicas. Vejase que quando se nasce, registra-se em cartório. O último suspiro
também é perpetuado nos livros e registros do cartório. Entre eles, a
autenticação do diploma para matrícula na faculdade, o contrato de
financiamento do primeiro carro, o casamento, a compra da casa
própria, o registro dos filhos, a abertura de uma empresa, seja ela civil
ou comercial, o registro dos direitos decorrentes da produção literária,
artística e científica, a separação, o divórcio, o novo casamento, os
novos filhos, a casa nova, a constituição da hipoteca, o testamento para
evitar a briga dos herdeiros, etc; em suma, as grandes conquistas da
vida se fazem diante de um notário e um registrador. Assim, o cartório
pode ser tomado, sem favor algum, palco por excelência para o grande
teatro da vida civil.
1
Registro, conforme assinala De Plácido e Silva, vem do latim regesta, plural neutro
de regestus (copiado, trasladado), entendendo-se o assento ou a cópia, em livro
próprio, de ato que se tenha praticado, ou de documento que se tenha passado. Dizse, igualmente, registo. (Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 11ª ed., 1989,
vol. IV, p. 69).
2
3
A rigor, registro público é o único serviço estatal inteiramente
comprometido
com
a
consecução
da
garantia
da
publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (CR, art. 236;
LRP, art. 1º; Lei n. 8.935, de 1994, art. 1º). Com efeito, o registro
público nasceu para servir à pessoa, espelhando os fatos jurídicos
relativos à vida em sua dinâmica. O registro público não é mero
repositório de fatos engessados nas linhas de leis escritas; ao contrário,
sempre será o retrato fiel da vida, notável laboratório humano de
mudanças sucessivas e infinitas, a serviço do qual o direito justifica a
sua existência, como insubstituível elemento edificante e pacificador.
Interessante notar, curiosamente, que passamos nossa vida inteira nos
relacionando diretamente com as atividades notarial e registral e, ainda
assim,
permanecem essas sendo um mundo quase que desconhecido
não só da população, como até mesmo das pessoas mais informadas.
Não sem freqüência, tal desconhecimento pode ser sentido mesmo
entre alguns operadores do direito, fato que se explica em parte, salvo
honrosas exceções, pela ausência da disciplina específica na grade
curricular dos cursos de graduação em Direito. Apenas para ilustrar,
posso mencionar o estudo de direitos reais, versado no Livro dedicado
ao Direito das Coisas, mas cujo conteúdo quase sempre ali se esgota,
mesmo sabendo-se que o direito real de bens imóveis somente é
constituído efetivamente a partir do seu registro, registro este, por si
só, informado por princípios e regras específicos, não da lei civil, posto
que suas regras se aplicam também, todavia apenas como fonte
subsidiária, mas sobretudo da legislação concernente aos registros
públicos, legislação esta de natureza cogente, de ordem pública,
geradora de efeito, via de regra, constitutivo. Lamentavelmente, isto
tem sido ignorado, embora a importância da disciplina no ordenamento
jurídico. Neste cenário – e para dizer o menos -, não é tão incomum
quanto se imagina a produção de petições e decisões ora referindo-se à
averbação quando o ato exigido seria o registro, ora designando oficial
3
4
registrador de notário e vice-versa ou mesmo tabelião. E acreditem, tais
distinções ultrapassam em muito o campo puramente teórico.
Os registros públicos são regulamentados por um conjunto de leis, entre
as quais se insere a de n. 6.015, de 31.12.1973, que trata também dos
procedimentos especiais de jurisdição voluntária para a correção,
alteração, suprimento ou restauração desses registros, bem como
resolução das dúvidas oriundas de requerimento de registro de títulos e
documentos capazes de criar, modificar ou extinguir direitos no âmbito
dos registros públicos. A competência jurisdicional atribuída aos juízes
de direito para a apreciação da matéria concernente a registros públicos
é definida pela Lei de Organização e Divisão Judiciárias de cada Estado,
cabendo à Corregedoria Geral de Justiça o desempenho das funções
administrativas de orientação, fiscalização e disciplinares dos titulares e
seus prepostos nos Serviços Notariais e de Registro.
Assentadas tais premissas nesta ligeira digressão, proponho tecer
rápidos comentários sobre alguns temas relevantes a propósito do
exercício da função judicante concernente à legislação de Registros
Públicos, o fazendo com o compromisso tão somente de conclamar a
reflexão.
2 – FIRMANDO A COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Segundo estabelece a Lei de Organização e Divisão Judiciárias do Estado
de Minas Gerais (Lei Complementar Estadual n. 59, de 18.01.01), tal
como se acha em vigor, em seu art. 57, incisos I e II, compete a juiz de
Registros Públicos:
I-
exercer as atribuições jurisdicionais conferidas aos Juízes de
Direito pela legislação concernente aos serviços notariais e de
registro;
4
5
II-
exercer a incumbência prevista no art. 2º da Lei Federal n.
8.560, de 29 de dezembro de 1992.
Logo em seu art. 1º, a Lei de Registros Públicos diz que os registros ali
disciplinados – todos eles estabelecidos para garantir a autenticidade2,
segurança3 e eficácia4 dos atos jurídicos – são o civil de pessoas
naturais (SRCPN) e jurídicas (SRCPJ), de títulos e documentos (SRTD) e
de imóveis (SRI). Os demais registros públicos, tais como, por exemplo,
de protestos de títulos de dívida, os mercantis, de propriedade
intelectual, artística e científica, de propriedade industrial, etc., são
regidos por leis próprias, avisa o parágrafo 2º, do art. 1º da Lei n.
6.015, de 31.12.73.
Em Minas Gerais, por sua vez, existe em Belo Horizonte Vara Judicial
única
e
especializada,
com
competência
privativa
para
julgar,
exclusivamente, qualquer matéria concernente à legislação dos registros
públicos, ao passo que as Comarcas de Contagem, Juiz de Fora, Santos
Dumont e Uberaba, possuem Varas de Registros Públicos, porém
cumulativamente
Execuções
com
Fiscais,
Fazenda
Família,
Pública,
Sucessões,
Falências
Infância
e
e
Concordatas,
Juventude
e
Precatórios, conforme o caso. Nas demais Comarcas do Estado, toda e
qualquer matéria jurisdicional concernente à legislação dos registros
públicos recai na competência residual do Juiz de Vara Cível – de
qualquer uma Vara Cível, anote-se -, e não na Direção do Foro. Onde
2
O registro cria presunção relativa de verdade. Não dá autenticidade ao negócio
causal ou ao fato jurídico de que se origina. Autenticidade é a qualidade daquilo que é
confirmado por ato de autoridade e deriva do poder certificante que a esta é inerente.
3
É um dos objetivos dos registros públicos proporcionar segurança às relações
jurídicas, a partir do aprimoramento de seus sistemas de controle, especialmente com
a obrigatoriedade das remissões recíprocas, criando uma rede fina, atualizada e
completa de dados e informações.
4
Vem a ser a aptidão de produzir efeitos jurídicos, baseada na segurança dos registros
públicos, na autenticidade dos negócios e nas declarações neles contidas. É por meio
da publicidade que a todos os terceiros atinge, que os registros públicos podem
afirmar a boa-fé daqueles que praticam atos jurídicos, amparados na presunção de
certeza que a partir dos registros públicos se irradia.
5
6
houver mais de uma Vara Cível, caberá à distribuição o papel de firmar
a competência (art. 56 da Lei de Organização e Divisão Judiciárias do
Estado de Minas Gerais).5
Tal distinção adquire especial relevo nas comarcas dotadas de Vara
Judicial especializada de Registros Públicos, diante da regra de ordem
pública e natureza cogente prevista no art. 113, parágrafo 2º do Código
de Processo Civil, segundo a qual todo e qualquer ato decisório
praticado por juiz incompetente é nulo de pleno direito. E como se sabe,
a competência jurisdicional quando firmada em razão da matéria, é de
ordem pública, devendo ser alegada até mesmo de ofício, em qualquer
fase ou instância do julgamento (art.113, caput do CPC).
Quanto aos recursos aviados a respeito de decisões de primeiro grau de
jurisdição envolvendo matéria concernente à legislação de registros
públicos, serão distribuídos a Desembargador integrante de uma das
Câmaras Cíveis do Tribunal. Diferentemente acontecerá em se tratando
de recurso aviado em face ato ou decisão do Corregedor ou ainda de
pena disciplinar imposta, pois nestes casos o órgão do Tribunal de
Justiça competente será o Conselho da Magistratura, conforme indica o
Regimento Interno do Tribunal de Justiça (Resolução n. 420, de 2003,
art. 24, I).
Em se tratando de competência do juiz de Registros Públicos firmada
em razão da matéria, conforme
orienta a jurisprudência a respeito,
deve-se ter em conta que:
5
Já o juiz Diretor do Foro exerce, no que diz respeito aos serviços auxiliares da Justiça
e nos serviços notariais e de registro de sua comarca, as funções administrativas de
orientação, fiscalização e disciplinar, inclusive no tocante aos titulares e prepostos não
optantes dos serviços notariais e de registro da comarca (art. 65, I e VI da Lei de
Organização e Divisão Judiciárias do Estado de Minas Gerais, c.c. arts. 33,37 e 38 da
Lei n.8.935, de 18.11.1994). Não conhece e julga matéria jurisdicional, como o
processo de Dúvida, em que pese tal necessária distinção nem sempre esteja sendo
observada.
6
7
“Se se ataca única e exclusivamente o registro, em seus requisitos
formais ou substanciais, a competência é do Juízo da Vara de Registros
Públicos (art. 73, II, da Res. n. 61/75, com a redação dada pela LC n.
7.655/79 (CComp. n. 22.068/1, desta Capital, relator Desembargador
Hugo Bengtsson).
No mesmo sentido:
“Somente é competente a Vara de Registros Públicos para conhecer
das demandas que versem sobre conflitos de interesses decorrentes do
próprio ato registrário (TJSP - CComp. 34.201-0/1 - Câm. Especial - RT
741/246-7)”.
Dada a especialidade das Varas de Registros Públicos, as demandas a
serem por elas conhecidas devem versar a respeito de conflitos de
interesses decorrentes do próprio ato registrário e não da causa
determinadora do registro. Isto é, compete a este juízo especializado
dirimir os conflitos, quer na esfera administrativa e então exercendo o
Magistrado
a
extrajudiciais,
função
quer
na
de
corregedor
jurisdicional,
permanente
em
processos
das
de
serventias
jurisdição
contenciosa ou voluntária, quando o ponto controvertido residir na
regularidade formal do ato notarial atacado. Outrossim, quando a
alteração ou cancelamento do registro surge como decorrência lógica da
invalidação
ou
desconstituição
do
título
que
o
determinou,
o
conhecimento da respectiva ação foge da esfera de competência da vara
especializada e é determinada pelas regras normais fixadoras de
competência jurisdicional. Pensar-se de modo diverso significaria admitir
ser competente a Vara de Registros Públicos para o conhecimento, por
exemplo, de todas as ações que visassem a invalidação de negócio
jurídico que implicasse a transmissão de bem imóvel, posto que, para a
efetiva transferência de propriedade de bem imóvel, necessário o
registro do título no serviço de registro de imóveis da circunscrição
7
8
imobiliária competente. Isto, por óbvio, desvirtuaria a intenção do
legislador em proporcionar uma melhor distribuição da justiça.
Nesta linha de argumentação, infere-se, por exemplo, que em se tratando
de ação erroneamente denominada como retificação de registro civil, mas
cujo objetivo verdadeiro seja a própria investigação de paternidade, por se
tratar de ação de estado, a competência para seu julgamento será do juiz
de Família, já que o registro civil de nascimento que contiver falsa
declaração de vontade, emanada de erro substancial, pode ser anulado,
como se anulam os atos jurídicos em geral, sendo a retificação do assento
mera
conseqüência,
desdobramento
lógico
e
natural
do
eventual
acolhimento do pedido de perfilhamento, sendo ambos os pedidos
perfeitamente cumuláveis. Isto porque, conforme bem define SERPA
LOPES, em seu Tratado de Registros Públicos (Brasília: ed. Brasília
Jurídica, 6a. ed., páginas 408, 424 e 425, 1997), “O erro justificativo da
retificação é o cuja correção não implica em alterar ou mudar o estado
civil, ou quando tal alteração ou mudança objetive tão somente reajustar
o ato aos princípios legais inequivocamente preteridos, v. g., se a
composição do nome do filho, processou-se com preterição dos apelidos
paternos, ou se foi dado como simplesmente natural um filho decorrente
de justas núpcias. Com especial cuidado, o Legislador procurou, ainda em
uma vez, fixar com bastante nitidez a situação jurídica do processo de
retificação rosto a rosto da ação de estado civil. No art. 121 determinou
que as questões de filiação legítima ou ilegítima serão decididas em
processo contencioso para anulação ou reforma do assento. Portanto,
como estamos vendo, a questão de filiação legítima ou ilegítima é típica de
estado. Não pode ser objeto de retificação”
3- ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA
Outro aspecto inerente ao exercício da jurisdição no tema em exame e
que reputo da maior importância, diz respeito ao exame dos títulos
judiciais pelo registrador.
8
9
Como se sabe, o título, ainda que de origem judicial não está isento do
exame qualificativo dos requisitos registrários, cabendo ao registrador
apontar eventuais hipóteses de incompetência absoluta da autoridade
judiciária, outras nulidades absolutas e mesmo relativas, desde que
ostensivas, aferir a congruência do que se ordena, apurando a presença
de
formalidades
documentais,
tais
como,
ilustrativamente,
a
autenticidade do instrumento, identidade das partes e do imóvel, seu
relacionamento e correspondência com o registro e, finalmente, analisar
a existência de eventuais obstáculos registrários. É preciso convir que
para ingresso de qualquer título, inclusive o judicial, ao fólio real tem-se
por imprescindível a presença de alguns requisitos, como o atendimento
dos
princípios
da
especialidade,
que
exige
a
plena
e
perfeita
identificação do imóvel (art. 176, § 1º, II, n. 3, c.c. art. 225; LRP);
legalidade, impondo o prévio e obrigatório exame e qualificação de
títulos
inválidos,
ineficazes
ou
imperfeitos,
concorrendo
para
a
concordância entre os mundos real e registral, como fator decisivo a
assegurar a confiança da própria população no sistema (art. 167, I e II,
c.c. arts. 156,169 e 198; LRP); disponibilidade, segundo o qual, vedado
é a qualquer um transferir mais direitos do que aqueles constituídos
pelo registro imobiliário, compreendendo o exame das disponibilidades
física (área do imóvel) e jurídica (vinculação do ato de disposição à
situação do imóvel e das pessoas envolvidas no ato), segundo previsto
no art. 176, § 1º, III, da LRP; e também o da continuidade, o qual
assegura o perfeito encadeamento da cadeia dominial do imóvel, assim
impedindo o lançamento de qualquer ato de registro sem o registro
anterior, tornando obrigatório o lançamento de referências originárias,
derivadas e sucessivas (art. 195, c.c. arts. 196, 197, 222, 228, 229,
236, 237; LRP).
Neste passo, determinações judiciais com cominação de pena pecuniária
por dia de atraso no cumprimento de ordens e até mesmo comandos de
prisão em flagrante por crime de desobediência, dirigidas a oficiais
registradores, principalmente quando desprovidas do devido processo
9
10
legal,
não
serão
o
melhor
caminho
para
solução
de
eventual
desinteligência entre a autoridade judiciária e os delegatários de tais
serviços públicos, profissionais do direito que igualmente são e que por
prerrogativa legal gozam de independência no exercício da função (art.
28, da Lei n. 8.935, de 1994).
Dentre as situações que com mais freqüência geram impasse, cito o
registro da penhora de bem imóvel. No mais das vezes, e por se tratar
de registro e não de simples averbação, há necessidade de abertura de
matrícula, ato obrigatório por ocasião do primeiro registro (art. 236
LRP), impondo ao registrador seguir rigorosamente todo o roteiro
traçado nos incisos I, II e III do § 1º do art. 176, c.c. o disposto no art.
197 da Lei dos Registros Públicos, cujo cumprimento é ônus da parte
interessada, ao passo que o mandado de registro, conforme previsto no
art. 239 e seu § único da mesma lei, deverá também indicar os nomes
do juiz, do depositário (instruído com o auto ou termo de penhora por
ele assinado), das partes e a natureza do processo. E caso o imóvel não
esteja registrado perante o fólio real em nome do executado, haverá
quebra do princípio da continuidade do registro, impedindo sua
consumação o comando expresso e taxativo do art. 237 do referido
diploma legal. Em outras situações alguns atos são simplesmente
insuscetíveis de serem registrados, por não se referirem a direitos reais
reconhecidos em lei (art. 172 LRP), capazes tão somente de gerarem
simples expectativa de direito, tal como as penhoras no rosto dos autos
e sobre direito e ação (arts. 673 e 674 CPC), cessão de direitos
hereditários, etc.
É preciso convir, sem deixar de lado a autoridade da coisa julgada, que
tais princípios cumprem sua elevada função social de proteger a
segurança do sistema, base sobre a qual repousa a confiança nele
depositada pelos usuários, evitando-se que ali se aninhem germes de
futuras demandas. Assim, e talvez seja este o mais importante
aprendizado auferido à frente da Vara de Registros Públicos, segundo o
10
11
qual me vi conduzido à percepção, clara e inequívoca, de que compete
não apenas ao próprio juiz de Registros Públicos, mas sobretudo, a todo
e qualquer juiz, independentemente de sua jurisdição, seja ela estadual,
federal ou trabalhista, a incumbência de zelar pela fiel observância dos
princípios que informam o sistema registral.
4 - DA EMANCIPAÇÃO, INTERDIÇÃO E AUSÊNCIA
Determina a Lei n. 6.015 de 1973 que a sentença de emancipação6,
bem como os atos dos pais que a concederam, em relação aos menores,
serão registrados em livro especial, perante o Serviço do 1º Ofício do
RCPN ou do 1º Subdistrito (subdivisão judiciária) de cada Comarca (art.
89). Será competente para a ação respectiva, que se subsume ao
processo de jurisdição voluntária, o foro do domicílio7 do menor, mesmo
que eventualmente diferente de seus pais.
A mesma disposição é repetida no art. 92, no que se refere às
interdições, mantendo-se a disciplina no que concerne ao registro das
sentenças declaratórias de ausência em que conste a nomeação de
curador (art. 94 LRP).
Por livro especial entenda-se aquele previsto no art. 33, parágrafo
único, da Lei de Registros: Trata-se do denominado Livro “E”
8
, de
existência obrigatória nos Serviços do 1º Ofício do RCPN ou da 1ª
subdivisão judiciária de cada comarca - excepcionalmente, acaso
inexistentes Serviços hierarquizados na comarca, será tal livro aberto no
mais antigo Serviço do local -, contendo 150 folhas e destinados à
inscrição dos demais atos relativos ao estado civil, facultando-se, dentro
6
A emancipação legal não depende de assentamento específico, produzindo efeitos
imediatos, desde o ato ou fato que a tenha gerado.
7
O conceito legal do domicílio da pessoa natural “é o lugar onde ela estabelece a sua
residência com ânimo definitivo”, ao passo que “O domicílio do incapaz é o do seu
representante ou assistente” (art. 70 e art. 76, parágrafo único, ambos do Código Civil
de 2002).
8
O mesmo livro é ainda repositório de emancipações voluntárias.
11
12
do prudente arbítrio do juiz-corregedor, seu desdobramento nas
comarcas de maior movimento.
A lei exige indistintamente o registro de tais títulos judiciais, seja na
emancipação, interdição e ausência e que sem a providência do registro
não se constitui o direito inerente ao título, deixando a emancipação,
em qualquer caso, de produzir efeito. Nesse sentido determina o
parágrafo único do art. 91 da Lei n. 6.015 de 1973.
De outra parte, manda o parágrafo único do art. 93 do mencionado
texto legal que antes de registrada a sentença de interdição não poderá
o curador sequer assinar o respectivo termo. Esclarece WALTER
CENEVIVA que a formalidade “serve para dar produtividade de efeitos
para que o curador possa assinar termos de curatela, iniciando sua
atividade, depois de proferida sentença que a conceda. Decretada a
curatela pelo juiz, o curador nomeado deve formalizar a assunção de
suas funções, mediante a assinatura de termo lavrado nos autos. A
assinatura, porém, é submetida à formalidade do registro prévio, que
lhe dá publicidade, sob pena de não valer”.9
A regra é também textualmente estendida e aplicada no que se refere
ao registro das sentenças declaratórias de ausência que nomearam
curador, relativamente às quais serão obrigatoriamente observados “as
mesmas cautelas e efeitos do registro de interdição”, nos termos do
artigo 94, caput, da Lei n. 6.015 de 1973.
Ao lado da publicação de editais10, o registro da sentença de
emancipação, interdição e ausência com a nomeação de curador é
imperativo de ordem pública para assegurar sua eficácia erga omnes.
9
Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Saraiva, 15ª ed., 2002, p. 24 e
Excluído: J. M. DE
161. Desse entendimento diverge, contudo, CARVALHO SANTOS, quando afirma que
“a produção dos efeitos da interdição não depende da sentença nem da sua inscrição
Excluído: em ob. cit.,
no registro competente...” “Mesmo sem publicidade a interdição existe” (Comentários
Excluído: , 11ª ed., Freitas
Bastos
ao Código Civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 11ª ed., v. VI, p. 403). Todavia, há
Excluído: Ouso, no entanto,
dissentir do Mestre,
atualmente expressa disposição legal em direção oposta, da Lei n. 6.015 de 1973.
Excluído: diante da
10
Duas vezes pela imprensa local e uma vez pelo órgão oficial, com intervalo de dez
Excluído: de ordem pública,
d
dias, contendo o edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição e os
Excluído: º
12
13
Na hipótese de não se consumar o registro no prazo de 8 (oito) dias,
deverá o juiz providenciá-lo de ofício, nos termos do disposto no art. 91,
c.c. os artigos 93 e 94, ainda do mencionado texto legal.
Vê-se, portanto, que o registro da sentença é ato indispensável para o
aperfeiçoamento de qualquer um dos três institutos mencionados, na
medida em que impede até mesmo assuma o curador o múnus para o
qual foi nomeado, reputando-se ineficaz a prática de qualquer ato do
emancipado ou da curatela antes do ingresso da sentença no registro
público pertinente.
O
interesse
público
é
preponderante
no
sentido
de
que
tais
assentamentos civis sejam efetivamente consumados. Seguindo tal
linha de raciocínio, a Lei de Registros Públicos apresenta exceção à
regra do princípio dispositivo, a partir do qual, na generalidade dos
casos, se veda ao juiz proceder de ofício (art. 2º, CPC). É taxativo o
diploma legal que disciplina os registros públicos no País, quando
determina - art. 91, caput - que, inexistindo providência do promovente
ou curador no sentido de se efetuar o colimado registro no prazo de 8
(oito) dias, caberá ao próprio juiz, de ofício, remeter ao Serviço a
limites da curatela (art. 1.184 do CPC). A propósito, ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS
entende que “A ausência de publicação não nulifica os efeitos da interdição” fazendo
“apenas presumir, com possibilidade de prova contrária, a boa-fé de terceiros. Se o
terceiro, por exemplo, adquire bem do interditado, não tendo conhecimento da
interdição, poderá ter seu negócio rescindindo, mas não o indenizará pelos frutos
Excluído: (em
percebidos (CC, art. 510)”. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 3ª
Excluído: ,
ed., v. 3, p. 385; ponto em que diverge EDSON PRATA, esclarecendo “que começam a
Excluído: ,
viger os efeitos após a primeira publicação da sentença pela imprensa, com o que se
Excluído: 3ª ed., 1994,
Saraiva),
torna conhecida de todos”. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Excluído: (em
Forense, 1ª ed., 1978, v. VII, p. 316, orientação essa mais afinada com a disciplina da
Excluído: ,
Lei n. 6.015 de 19773. No âmbito dos registros públicos, o princípio da publicidade
Excluído: , 1ª ed., 1978,
Forense)
ativa não é simples ato acessório, mas sim requisito essencial, com força e natureza
Excluído: º
constitutiva, destinado a “dar produtividade de efeitos a diversos atos”; segundo
Excluído: /
salienta WALTER CENEVIVA. Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo:
Excluído: ,
Saraiva, 15ª ed., 2002, p. 24.
Excluído: (em ob. cit.,
Excluído: )
13
14
certidão da sentença de interdição, devidamente instruída com a
comunicação contendo os dados previstos no seu art. 92. Conforme já
anotado, referida regra se cultiva ainda nos artigos 93 e 94 (neste
último quando determina que no registro da sentença declaratória de
ausência serão adotadas as mesmas cautelas e efeitos do registro de
interdição) da lei em tela.
Nesse sentido, doutrina PONTES DE MIRANDA que a sentença tem força
constitutiva, mas depende, no caso de interdição, de publicidade ativa
consistente na inscrição e divulgação em edital, como complementos
impostos pela lei, salientando que, em hipótese de provimento de
recurso aviado contra tal sentença, a imediata produtividade dos efeitos
da decisão judicial provoca o cancelamento do registro e a publicação de
editais. O registro, dessarte, tem efeito imediato, mandamental da
sentença.
11
O registro da sentença de emancipação, interdição ou declaração de
ausência é realizado necessariamente no Serviço do 1º Ofício12 ou do 1º
Subdistrito (se for o caso) do Registro Civil local do domicílio do
emancipado, interdito ou ausente (neste caso, no local de seu último
domicílio ou de onde tenha deixado bens), da comarca onde foi
proferida a sentença respectiva. É a conclusão
que resulta da
interpretação conjugada dos artigos 89, 92, 94 e 106, todos da Lei n.
6.015 de 1973.
Feito o registro, o procedimento seguinte compete exclusivamente ao
oficial do Registro Civil local, a quem a lei determina imperativamente,
no prazo de cinco dias, proceder de duas formas alternativas,
dependendo da situação específica: a) se os atos anteriores do
emancipado, interdito ou ausente estavam já registrados em seu
11
Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. 16, p. 391.
Excluído: Cartório do
12
Ou no Serviço Registro Civil de Pessoas Naturais mais antigo do lugar.
Excluído:
14
15
Serviço, o novo registro deverá ser anotado13 nos assentos primitivos
eventualmente existentes, com a cautela de se lançarem remissões
recíprocas; b) caso os registros anteriores do emancipado, interdito ou
ausente estiverem em outro Serviço do Registro Civil, fará o oficial local
comunicação14, com resumo do novo assento, ao oficial destinatário,
observada sempre a forma prescrita no art. 98 da Lei n. 6.015 de
1973.15
Sobrevindo sentença que ponha termo à interdição, que determina a
substituição dos curadores de interditos ou ausentes, que altere os
limites da curatela, ou que decrete a cessação ou mudança de
internação, assim como o término da ausência pelo aparecimento do
ausente, proceder-se-á à averbação de tal título judicial no mesmo livro
“E”16 do Serviço do Registro Civil do 1º Ofício ou do 1º Subdistrito (se
for o caso) do local e comarca onde foi proferida a sentença. Segue-se a
mesma rotina pelo oficial respectivo: existindo assentos anteriores da
13
Anotar
vem
de
notas.
São
lançamentos
de
responsabilidade
do
Oficial,
independentemente de qualquer intervenção dos interessados, já que não atinge o
direito da parte. A finalidade da anotação é exatamente facilitar as buscas do Oficial,
mediante remissões recíprocas.
14
Comunicar, segundo o magistério de WALTER CENEVIVA, “é aviso escrito
obrigatório, de um oficial a outro, de assento que altere o registro feito no cartório de
Excluído: (
segundo”. Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Saraiva, 15ª ed. 2002, p.
180).
15
Faz-se a averbação da comunicação à margem do assento, normalmente na coluna
da direita (o livro de registro é devido em três partes). Inexistindo espaço livre, poderá
o Oficial valer-se de outro livro da mesma espécie para continuá-la, cuidando de
efetuar notas e remissões recíprocas para a segurança e facilidade da busca. A
averbação deve ser redigida de forma clara e sem deixar margem a dúvidas, com a
indicação precisa do fim a que se destina e de qual documento teve origem.
16
Inexiste, a rigor, livro denominado “emancipação, interdições e ausências”, no
Registro Civil das pessoas Naturais, tal como consta do enunciado do caput do art. 104
da Lei n. 6.015 de 1973. Na verdade, ali se refere ao livro especial “E”, previsto no
parágrafo único do art. 33 do mencionado diploma legal.
15
16
parte em seu Serviço, fará a devida anotação, com remissões
recíprocas. Caso os assentos anteriores tenham sido efetivados em
outro Serviço do Registro civil, a nova sentença será primeiramente
averbada, providenciando após o oficial a devida comunicação, com
resumo do assento, ao oficial destinatário, segundo se infere pela
conjugação do disposto no artigo 104, c.c. artigo 106, ambos da Lei n.
6.015 de 1973.
5 – RETIFICAÇÃO JUDICIAL DE ESCRITURA PÚBLICA ?
Não é raro a distribuição de ações que visam retificar escrituras
públicas, para tanto requerendo até mesmo a expedição de alvará
judicial.
Todavia, não se retifica escritura pública senão por meio de outra
escritura pública. Não existe no ordenamento jurídico processo ou ação
judicial de retificação de escritura pública. Sequer espaço para eventual
averbação de retificação existe nos livros de notas dos tabelionatos, e
nem poderia mesmo e, de sorte que tabelionato de notas e serviço de
registros públicos são coisas diferentes, não se misturam.
A própria Lei de Registros Públicos, como não poderia deixar de ser, não
se aplica aos tabelionatos de notas, pois não desempenham atividade
típica de registro.
PONTES DE MIRANDA, já advertia que falta qualquer competência aos
juízes para decretar sanações e, até, para retificar erros das escrituras
públicas; escritura somente se retifica por outra escritura pública, e não
por mandamento judicial (Tratado de Direito Privado, São Paulo: ed. RT,
tomo III, p. 361, 1993).
Não há possibilidade de retificação de escritura sem que dela participem
as mesmas pessoas que estiverem presentes no ato da celebração do
negócio instrumentalizado. A escritura nada mais é do que documento,
o instrumento escrito de um negócio jurídico; prova pré-constituída da
16
17
manifestação de vontade de pessoas, explicitada de acordo com a lei.
Não se retifica manifestação de vontade alheia. Em outras palavras,
uma escritura só pode ser retificada por outra escritura, com o
comparecimento das mesmas partes que, na primeira, manifestaram
sua vontade e participaram do negócio jurídico instrumentalizado.
Neste sentido, NARCISO ORLANDI NETO esclarece se aquele que deve
participar da escritura de retificação faleceu, cumpre pedir ao juízo do
inventário que, ouvidos todos os interessados, autorize, por alvará, o
inventariante ou outra pessoa a comparecer à escritura de retificação e,
em nome do espólio, manifestar sua vontade para ratificar o negócio
feito pelo de cujus e retificar o erro que contaminou o registro (Aspectos
da Escritura Pública, Sebastião Amorim e José Celso de Mello Filho, in
Revista de Direito Imobiliário, n. 1/27). Se a parte está desaparecida ou
se se recusa a comparecer à escritura de re-ratificação, tem o
interessado direito de ação para suprir o consentimento de quem não é
encontrado ou, injustamente, o recusa. Em ambos os casos será o réu
citado (por editais ou pessoalmente, na forma da lei processual) para
comparecer em dia e hora previamente designados, em determinado
tabelião,
para
participar
da
escritura
de
re-ratificação.
Se
não
comparecerem, o juiz declarará suprida a falta da declaração de
vontade e expedirá alvará que será transcrito na escritura de reratificação. Se o réu é a única pessoa que deve comparecer à escritura,
além do interessado na retificação, pode o juiz simplesmente declarar
suprido o consentimento para a re-ratificação. Nesta hipótese, a carta
de sentença será o documento hábil para a ratificação do registro.
Descumpre as obrigações assumidas quem, tendo participado de um
negócio jurídico, recusa-se a praticar atos necessários para que esse
negócio produza os efeitos necessários. Ora, o erro da escritura, que
contaminou o registro, impede ou prejudica a eficácia plena do negócio,
em detrimento da outra parte. Está justificado o direito de ação que tem
a parte prejudicada (Retificação do registro de imóveis, São Paulo:ed.
Del Rey/Oliveira Mendes p. 90-91, 1997).
17
18
6 - DO NOME CIVIL
Toda pessoa tem direito ao nome. Tal direito decorre do princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
Dentre os elementos obrigatórios do assento de nascimento, o nome
civil do registrando parece ser o que suscita as maiores controvérsias. O
nome possibilita a identificação da pessoa e nele estão contidos o
prenome (simples: Helena, Marta, Rodrigo, etc; ou composto: Maria
Clara, João Pedro, etc) e o sobrenome (Silva, Souza, Oliveira, etc).
Aqui, deve ser colocado, de início, que prenome e sobrenome têm
atributos distintos, possuindo diversa natureza jurídica, posto que nem
sempre a regra de um é aplicável a outro17. Ainda que ambos –
sobrenome e prenome – identifiquem o portador, fazem-no de maneira
diversa. Se ao sobrenome cabe a exteriorização da família a que
pertence a pessoa, ao prenome cumpre a tarefa de individualizar cada
um dos membros que a família integram. Porém, alguns julgados sobre
a matéria confundem a terminologia, a função e características próprias
de cada um desses elementos obrigatórios do nome civil.18
17
Segundo aviso de SERPA LOPES: “Saliente-se, antes de tudo, que quando a lei se
refere a nome, consigna-o num sentido restrito, sem incluir o prenome, pois este é
objeto de uma regulamentação à parte”. Tratado dos Registros Públicos. Brasília:
editora Brasília Jurídica, 6ª ed., 1997, p. 208.
18
Acórdão do STJ, por exemplo, à guisa de fundamentação, num caso em que se
discutia a possibilidade de a viúva suprimir o sobrenome do falecido marido, invocou o
parágrafo único do artigo 58 da Lei dos Registros Públicos, dispositivo esse, todavia,
que disciplina exclusivamente o prenome (REsp. 363.794 – DF, Terceira Turma, j. em
27.6.02). Do mesmo Tribunal surge outro caso emblemático no qual para fundamentar
decisão que provimento deu ao recurso especial e determinou “a retificação do registro
do requerente, excluindo do seu nome civil o patronímico “Batelli”, de origem paterna”
(sic), buscaram os membros da Turma julgadora apoio no mesmo artigo 58 da Lei dos
Registros Públicos, transcrevendo-se ainda no acórdão comentários doutrinários
dirigidos exclusivamente à questão do prenome (REsp. 66.643-SP, Quarta Turma, j.
em 21.10.97), incidindo, data venia, em quatro equívocos: a) não se trata de
18
19
Assim, por exemplo, quando a Lei dos Registros Públicos veda o registro
de prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores (art.
55, § único) não inclui nessa possibilidade o sobrenome. Também
quando refere que o prenome é definitivo (até 1998 dizia que era
imutável), admitindo, todavia, sua substituição por apelido (rectius:
alcunha) público notório (art. 58), o faz em caráter estrito, excluindo
dessa hipótese o sobrenome. Lado outro, ao falar a mesma lei do nome
nos seus artigos 56 e 57, permitindo-lhe alteração mediante acréscimo
ao sobrenome que não será prejudicado, não está estendendo tal
faculdade
ao
prenome.
Daí
porque,
conforme
adverte
WALTER
19
CENEVIVA, o intérprete deve estar atento.
Tratando-se de recém-nascido, o prenome é atribuído pelo pai, na sua
falta, pela mãe, ou ainda por aqueles obrigados a fazer a declaração
perante o oficial do Registro Civil20, incluindo desde administradores de
“retificação”, pois erro algum havia no registro, mas sim de alteração; b) sob o
pretexto, ainda que em tese filosoficamente louvável, de valorar a vida em detrimento
da lei, ignorou que o sobrenome pertence a todo grupo familiar, como entidade, direito
inato transmitido por herança, dele não podendo dispor o indivíduo que integra tal
grupo familiar, que não se exaure, por óbvio, seja perante a família, seja perante o
meio social, apenas na figura do pai, mas abrangendo igualmente todos os parentes
consanguíneos do mesmo ramo, nas linhas reta e colateral; c) ridicularia é causa legal,
imposta em caráter excepcional, daí porque deve ser interpretada restritamente, para
indeferimento de prenomes e não para autorizar a supressão de sobrenome ostentado
pelo filho desgostoso com o pai; d) solapou dois dos mais importantes princípios que
informam o sistema de registros públicos e fomentam a base sobre a qual recai a
segurança de todo o sistema, e por conseguinte, a confiança que os cidadãos nele
depositam, o da continuidade e o da especialidade. O primeiro assegurando um
ininterrupto
encadeamento
numa
concatenação
causal
sucessiva
das
estirpes
familiares, de forma que cada assento deve apoiar-se no anterior. O segundo exigindo
perfeita e completa identificação daqueles que no assento constam, notadamente de
seu titular.
19
Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Saraiva, 15ª ed., 2002, p. 131.
20
A Lei dos Registros Públicos permite, quanto ao assento de nascimento, que seja
lavrado, alternativamente, no lugar do parto ou no lugar da residência dos pais da
criança (art. 50, caput). A opção e conveniência são cometidas àqueles pela própria lei
19
20
hospitais até médicos e parteiras que tenham assistido ao parto, em
ordem sucessiva (artigo 52 e seus parágrafos, da Lei dos Registros
Públicos).
No caso da atribuição do prenome, o peso da norma faz-se sentir
gravemente. Para que qualquer indivíduo adquira e usufrua do seu
próprio nome é necessário que o Estado explicite, por meio de um
processo de registro civil, a sua anuência não só com o nome escolhido,
mas também com a forma como esse nome é grafado e pronunciado.
Esse fato suscita imediatamente interrogações que em parte podem
também ser respondidas pelos linguistas. São questões como: "Porque
não têm os pais total liberdade de dar aos filhos o nome que
entenderem, com a forma que lhes apetecer?", "Deve a invenção de
nomes novos ser permitida e estimulada?", "Deve a escolha do nome
limitar-se ao patrimônio onomástico nacional?", "Deve liberalizar-se o
uso de nomes estrangeiros?", "Deve permitir-se apenas a adoção de
nomes vindos da área lusófona?", e por aí vai.
Não
são,
infelizmente,
questões
freqüentemente
colocadas,
nem
convenientemente debatidas.
Mas, seja a quem for recaia o direito de escolher o prenome da criança
a ser registrada, que fique claro que o exercício desse direito não é
absoluto, pois veda a Lei dos Registros Públicos o registro de prenomes
suscetíveis
de
expor
a
ridículo
os
seus
portadores,
devendo
obrigatoriamente o oficial recusá-los, recomendando-se, não obstante,
que ao fazê-lo, atue o registrador com moderação, ou seja, apenas se
diante de situação induvidosamente fora da normalidade cabendo-lhe
exercer a recusa. Isso ocorre geralmente quando o prenome escolhido
autorizados a declarar o nascimento (art. 52, 1º a 6º). Uma vez porém já acionado um
desses dois Serviços de Registro Civil de Pessoas Naturais com atribuição concorrente
para tanto, defeso é posteriormente procurar a segunda alternativa, mormente quando
o declarante, em evidente má-fé, tomou ciência da recusa do Oficial em consumar o
registro diante do impedimento do prenome à criança escolhido e que tal recusa fora
confirmada pelo Juiz de Registros Públicos ao dirimir o processo de dúvida.
20
21
não
existir
na
onomástica21
(mas
não
apenas
por
isso
seria
desrespeitador da dignidade da criança a nomear) do idioma nacional ou
for incapaz, por sua eventual ambigüidade, de designar com precisão o
sexo biológico do indivíduo.
Não se conformando os pais ou representantes legais com a recusa; o
caso será submetido, por escrito, independentemente da cobrança de
quaisquer emolumentos, à decisão do juiz competente, em processo de
dúvida (Lei n. 6.015, de 31.12.73, artigo 55, parágrafo único, c.c. 296 e
198 e seguintes).
Portanto, se num primeiro momento a decisão da escolha recaia sobre o
pai, a mãe, a família ou o indivíduo legitimado a declarar o nascimento
da criança, na esfera particular não se exaure, posto que o Estado nela
interfere, seja através do oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais
encarregado de lavrar o assento, seja através do juiz de Registros
Públicos, para impedir o registro de prenomes suscetíveis de expor ao
ridículo os seus portadores, circunstância que virá à tona, em alguns
casos logo nos primeiros momentos de vida, acarretando traumas e
transtornos psicossomáticos os mais diversos, com repercussão na vida
social, afetiva e profissional dos indivíduos que os portam.
Na tabela abaixo, seguem alguns exemplos de prenomes indeferidos nos
últimos anos na Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, fruto da
inesgotável criatividade dos pais:
21
A onomástica é a explicação dos nomes. Pode dividir-se em apelidologia e
apodologia. Apelidologia, estudo do apelido, debruça-se sobre os nomes de família.
Estes nomes identificam as pessoas por grupos de consangüinidade ou clã. Apodologia,
estudo do apodo, tem a ver com os nomes postos por comparação ridícula, zombaria ou
motejo. Toponímia, estudo histórico ou lingüístico sobre a origem dos nomes próprios
dos lugares; designação de lugares, pelos seus nomes, nomenclatura das regiões
anatômicas.
21
22
Dairenkon Majime
Edu (fem)
Heavenly Serena Filadelfe
Gliciam (masc)
Delane (masc)
Yatssa (fem)
Wyttichan Rayph
Jacksiara (fem)
Yukan Gabrielle (fem)
Sidihelen Jandriane (fem)
Thesphaye
Votan
Seteprometeus e/ou
Ludacris
Thaironne
Michely Priscily
Shavanne Anne Maria
Érich Alpado* *(junção do
Thancley
nome
Estefferson
Palhares Donato)
Zandora Cristiane
Láisa Tchélisy
Claudenice (masc.)
Wivini
Winckelm
Guacy Kailaine
Asthar
Dábila
Chirley (masc)
Wellingda Adrielly
Heros Diware
Diulle Ariel (fem)
Diamul
Naminy Kligia (fem)
Narboni (masc)
Cauli Bié
Michabida Ketelly
Ladiene (masc)
Iaú
Schinaider
Carol (masc)
Pillerronn
Hanrella Sebastha
Lohayne Kethellen
do
pai
Alcir
Lynic
Tayric
Dione (masc)
Alinny (masc)
Lo-Ruhama
Cassilande (masc)
Uncas
Remilly
Wendrek
Sigryd
Williery Querflim
Rychard Shinnaydr
Josuenes Miranda (fem)
Evair (fem)
Claudinete (masc)
22
23
Com o advento da Lei n. 9.708, de 18.11.98, que tratou de modificar a
redação do artigo 58 e parágrafo único, da Lei n. 6.015, de 31.12.73,
permite-se expressamente a substituição do prenome por apelidos
públicos notórios. Desde então, o prenome deixou de ser imutável para se
tornar definitivo, vedando-se ainda, de acordo com a nova redação do
parágrafo único, “a adoção de apelidos proibidos em Lei”, o que permite
concluir que não será admitida a substituição ou alteração do prenome por
apelido suscetível de expor ao ridículo seu portador.
O Estatuto da Criança do Adolescente (Lei n. 8.069 de 1990), dispõe em
seu artigo 47, parágrafo 5º, “que a sentença conferirá ao adotado o nome
do adotante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação do
prenome”.
Penso que tal
regra deverá ser aplicada com a máxima prudência e
cautela por parte do julgador. No mais das vezes, segundo a observação
do que ordinariamente acontece, ministrada pelo senso comum, o (a)
adotado (a) não tem interesse algum em ter o prenome substituído,
especialmente aqueles que no convívio social já o incorporaram á própria
personalidade. Assim, embora não previsto pela Lei, entendo que será de
todo conveniente em casos tais uma audiência na qual o adotado possa,
sem constrangimentos, manifestar-se sobre seu interesse a propósito de
eventual pedido neste sentido formulado pelo adotante. Tal solução, com
certeza, é a que mais se aproxima do sentido do Estatuto, voltado sempre
à integral proteção dos superiores interesses da criança e do adolescente
(art. 1º).
A substituição do prenome será possível, também, em razão de ameaça
decorrente da colaboração com a apuração de crime, conforme a lei que
estabelece normas para a organização de programas especiais de proteção
a vítimas e a testemunhas ameaçadas. A alteração de nome completo
poderá
estender-se
ao
cônjuge
ou
companheiro,
ascendentes,
descendentes e dependentes que tenham convivência habitual com a
23
24
vítima ou testemunha (Lei 9.807 de 1999). No que andou bem o
legislador, pois não adiantaria de nada o esforço de mudar o nome do
colaborador sem que os seus possuíssem mesmo benefício.
É, portanto, distinto o tratamento legislativo dispensado ao prenome e ao
sobrenome, conforme acima exposto. A regra do artigo 56, da Lei dos
Registros Públicos, limita-se a “alteração” do “nome” no primeiro ano após
o interessado ter atingido a maioridade civil, mas desde que referida
“alteração” não prejudique os apelidos de família.
O dispositivo em apreço não se refere ao “prenome”, mas tão somente ao
sobrenome em sentido estrito (nome de família). Cuida-se de regra
restritiva de direito, e como tal, não admite da parte do intérprete sua
ampliação
para
aplicação
em
outras
hipóteses
não
previstas
expressamente pelo legislador, sob pena de desvirtuar o alcance natural
de preceito dessa natureza, o qual segundo regra de hermenêutica, só
abrange os casos que especifica; nem mais, nem menos.
A propósito, adverte MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES que ao referir-se a
lei a nome, “consigna-o num sentido restrito, sem incluir o prenome, pois
este é objeto de uma regulamentação à parte”.
Partindo-se dessa premissa, faz-se necessário distinguir :
a) o prenome não é mais imutável; tornou-se (em regra) definitivo ao
editar-se a Lei n. 9.708, que mudou a redação do artigo 58, da Lei
dos Registros Públicos, para permitir sua substituição por apelidos
públicos notórios. Excepcionalmente, contudo, admite o prenome,
por construção doutrinária e jurisprudencial, alteração ou mudança,
sem qualquer restrição temporal, inclusive por fatos supervenientes
ao registro, em todos os casos sendo vedado o emprego de
prenome imoral ou suscetível de expor ao ridículo o seu portador
(art. 55; § único LRP);
b) diferentemente é o tratamento dispensado ao sobrenome (nome de
família). Durante o primeiro ano após atingir o indivíduo a completa
maioridade civil, poderá alterá-lo, imotivadamente, desde que
mantida a incolumidade dos sobrenomes já existentes do registro e
24
25
que reflitam a relação familiar. Essa é a regra (art. 56, da LRP). Em
caráter excepcional, permite-se que após esse período inicie o
interessado ação judicial para alterar (e apenas alterar) seu nome,
porém
sendo
tal
pretensão
condicionada
à
devida e
prévia
motivação, sob pena de inépcia da inicial, (art. 57, caput, da LRP,
c.c. artigos 267, VI e 295, I, § 1º, segunda parte, ambos do CPC).
Nesse sentido, mostra-se jurídico o aresto do TJSP que indeferiu
postulação de supressão do sobrenome paterno na composição do nome
do indivíduo, sob o fundamento de que o nome de família paterno é
elemento fundamental do nome, atuando como sinal revelador da
procedência da pessoa, ao indicar sua filiação, sua estirpe. Versou-se ali
hipótese em que o interessado, tomado por profundo desgosto e aversão
à figura do pai, que lhe abandonou em tenra idade, nunca mais voltou a
procurá-lo, nem lhe deu assistência alguma, formulou o pedido de
suprimir de seu nome o sobrenome paterno. Em que pese, não seja este o
entendimento atual de precedentes do STJ, é preciso convir, no entanto,
que o nome de família não pertence exclusivamente ao indivíduo, mas sim
a todo o grupo familiar ao qual pertence, como entidade, relativamente o
qual, sobrepõe-se o interesse público ao do particular em preservá-lo
como elemento mais típico do nome e indispensável fator de segurança
das relações sociais, não lhe sendo defeso, por outro lado, o uso
abreviado.
Muito Obrigado!
Belo Horizonte, 1º de abril de 2005.
Marcelo Guimarães Rodrigues
25