A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais
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A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais
A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas Duarte Costa Joana de Sá Dezembro 2009 1 MIGRARE working paper Autores Duarte Costa | Joana de Sá Colecção MIGRARE Working Papers Título A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas Edição Centro de Estudos Geográficos Design da Capa e Paginação Ra Atelier ISBN 978-972-636-196-1 2 A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas Agradecimentos Os autores gostariam de lembrar e agradecer a todos aqueles que apoiaram e contribuíram para a realização deste estudo, que constitui o projecto final da licenciatura em Geografia. Em primeiro lugar agradecemos ao Prof. Mário Vale, pela orientação do trabalho. Sem a sua experiência e apoio, não teria sido possível prosseguir com a linha de investigação escolhida. Um agradecimento particular é também devido aos empresários que disponibilizaram informação das suas estratégias, bem como à Sandra Biléu e ao Hisham Carimo, pela ajuda na identificação de empresários indianos transnacionais. À Drª. Catarina Reis de Oliveira e aos Professores Jorge Malheiros e Herculano Cachinho, exprimimos o nosso reconhecimento, pela indicação de bibliografia temática e metodológica, e à Drª Ana Madalena Fonseca, pelo apoio técnico para a elaboração dos mapas que ilustram este trabalho. Finalmente, os autores querem também manifestar um agradecimento muito especial ao MIGRARE, na pessoa da Professora Doutora Maria Lucinda Fonseca, pela divulgação dos resultados da nossa investigação, que esta publicação tornou possível. 3 MIGRARE working paper Resumo Este estudo constitui um trabalho exploratório de um aspecto, ainda não estudado em Portugal, da internacionalização de Lisboa, através das actividades empresariais e das redes transnacionais de alguns empresários indianos do sector dos serviços. A pesquisa empírica baseia-se em três entrevistas, semi-dirigidas, que ilustram o panorama destas actividades no sector da publicidade, do imobiliário e hotelaria e da produção de energias renováveis. A análise dos casos é feita numa perspectiva territorial, cultural e económica. Estas empresas possuem recursos culturais que, através de uma intermediação cultural e económica, permitem, em circunstâncias privilegiadas, não só ganhos em competitividade e em capital, mas também a integração de Lisboa em redes transnacionais étnicas de capital, serviços, informação e inovação. Os resultados obtidos, também mensuráveis a partir do território, contribuem para o aprofundamento de um caminho de investigação científica multidisciplinar, que interligue as visões económica, territorial e cultural. Abstract This is an exploratory study of a phenomenon not studied yet in Portugal, namely the internationalization of Lisbon through the business activities and transnational networks of some Indian entrepreneurs in the service sector. The empirical research is based upon three semi-structured interviews, which illustrate the panorama of these kinds of activities in the sectors of advertising, real estate and hotel management and renewable energy production. The analysis of the three cases was done from a territorial, cultural and economic perspective, from which arose pioneering results. These firms have cultural resources, based on cultural and economic mediation, in privileged circumstances, which enable them not only to profit in terms of competitiveness and capital, but also in the integration of Lisbon in transnational networks of capital, services, innovation and information. The results, also measurable from a territorial point of view, contribute to the continuing development of paths of interdisciplinary migration research, inter-linking economic, territorial and cultural views. 4 A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas Introdução O passado histórico comum de Portugal e da Índia, e o potencial para o estabelecimento de relações internacionais entre ambos e, através delas, com o Mundo, pode ser um dos pontos de partida para a compreensão do transnacionalismo indiano em Lisboa. No mundo actual em intensa globalização, em que regiões mundiais com dimensões humanas enormes se começam a afirmar economicamente como as futuras potências dos próximas décadas, torna-se urgente para Portugal e para a Europa planear e encontrar novos parceiros económicos, através de diversas formas de relacionamento económico, cultural e político. A par desta complexa rede de fluxos de informação, capital, bens e serviços, tem também havido um aumento exponencial das migrações, as quais se desmultiplicam em causas variadas e recentes. A inserção da Europa e também de Portugal nos sistemas migratórios contemporâneos exige novos modos de inclusão social, que passam sobretudo por meios inovadores que garantam a afirmação económica e social dos migrantes e permitam a diversificação das relações transnacionais das sociedades de acolhimento, designadamente no campo económico. Neste quadro, os empresários indianos que se estabelecem em redes transnacionais, possuem um elevado potencial de internacionalização da cidade de Lisboa e (por esta via) de Portugal, através das suas pequenas ou extensas redes de negócios e contactos globais. Neste sentido, este estudo visa dar a conhecer a existência de estratégias empresariais e comerciais alternativas às tradicionais dos empresários portugueses. Estas estão contextualizadas em redes sociais transnacionais associadas ao porvir da globalização, à nova divisão internacional do trabalho (Friedmann 1986, 1995; Sassen 1991) e à emergência da economia dos serviços globais (Taylor 2004). Por outro lado, o reconhecimento destas actividades no contexto português poderá, porventura, contribuir para que surjam outputs, ao nível político (designadamente de política externa), que procurem eficazmente aproveitar as potencialidades de internacionalização de Lisboa, que a integração nestas redes representa. Este trabalho, ao investigar o potencial destes empresários e ao descrever as formas que conduzem a essa internacionalização, pretende lançar novas pistas de investigação analítica desta temática, no contexto português e da cidade de Lisboa. Com efeito, o transnacionalismo asiático no contexto das cidades europeias, como instrumento de internacionalização das cidades carece ainda de investigação mais consolidada e multi-disciplinar. Esta permitirá um conhecimento mais específico do enorme potencial globalizante destes empresários e das suas redes para a Europa. Privilegiando a perspectiva geográfica e económica sobre este tema, procura-se compreender esse potencial também a partir da sua capacidade de trazer a Portugal inovação, competitividade e riqueza, a partir da centralização e afirmação da sua capital no cerne destas redes. O conceito de rede transnacional utilizado neste trabalho, é o de espaço internacional subjacente a uma encruzilhada de pontos e fluxos de pessoas, conhecimentos, capitais e serviços inter se. Estas redes são humanizadas por empresários étnicos transnacionais que, neste estudo, são gestores ou administradores de empresas num sub-sector dos serviços, que inclua nos seus modos de produção, investimento ou comercialização de serviços, relações transnacionais com a economia global. Os empresários que constituem o objecto desta análise estão cultural e pessoalmente ligados à Índia e operam os seus negócios a partir da cidade de Lisboa. Para justificar este (e outros) potenciais das redes transnacionais indianas e dos seus agentes, este trabalho faz uma apresentação detalhada dos três casos de estudo e uma análise exploratória deste fenómeno no contexto português e de Lisboa, considerando três dimensões analíticas: territorial, 5 MIGRARE working paper cultural e económica. Na abordagem do território, sublinham-se pontos comuns de internacionalização entre as estratégias de cada empresa e identificam-se, através do estabelecimento de associações culturais entre eles, novas áreas de mercado. A perspectiva cultural centra-se na análise da importância do capital étnico1 para o estabelecimento de negócios transnacionais. Por último, num quadrante económico, as redes e os fluxos que as constituem são estudadas segundo as tipologias definidas e ao nível: do investimento, do conhecimento, da produção e do mercado. Este último contempla uma apreciação do limitado contributo da especificidade de cada sector para a determinação das opções estratégicas destes empresários na expansão das suas redes e dos seus mercados de acção. Finalmente, analisa-se a inserção económica local destas redes, revelando o balanço desequilibrado entre inserção local e inserção global. A afirmação de Lisboa enquanto cidade no meio de fluxos transnacionais é limitada pela inconsistente inserção destas redes nas estruturas locais. Esta fragilidade condiciona a retransmissão das vantagens da globalização para Lisboa, marginalizando o seu potencial de apoio e atracção destas redes. Este desajuste condicionante é analisado, numa perspectiva comparada do caso de Lisboa, com a investigação semelhante de Saxenian (2002) em Silicon Valley, na Califórnia – EUA. Na conclusão, encerra-se este novo campo aberto de investigação, apresentando possíveis soluções para os constrangimentos metodológicos identificados, bem como um conjunto de indicações possíveis de novos caminhos de aprofundamento do tema. Em síntese, considerando o contexto social, económico e histórico aqui apresentado, este estudo procura revelar, o potencial dos empresários indianos transnacionais e das suas redes de negócios para a integração de Lisboa no sistema das cidades interligadas por fluxos transnacionais étnicos de capital, serviços, inovações e informação. Por se tratar de uma análise exploratória, na conclusão, discutem-se alguns caminhos possíveis para o aprofundamento da investigação deste tema. 1 O capital étnico assenta na partilha de identidades culturais comuns e numa intermediação (ou brokerage) cultural, territorial e económica em condições privilegiadas. 6 A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas Metodologia Seguindo as orientações metodológicas desenvolvidas por Quivy et al (1992), efectuou-se um enquadramento da problemática em análise, nos estudos das últimas duas décadas sobre a reestruturação do espaço global e a emergência de comunidades étnicas transnacionais. A opção por empresas no sector dos serviços resulta do seu elevado potencial de internacionalização no quadro da economia global dos serviços (Taylor 2004, Saxenian 2002, Sassen 1991, Moore e Cross 2002). No contexto português e europeu existem grandes lacunas no campo teórico abordado, o que impediu a realização de pontes comparativas que validassem a nossa tese à escala europeia. A consciência das limitações bibliográficas relativas ao campo teórico estudado deve-se essencialmente a estarmos perante uma temática que, em Portugal, foi até agora pouco explorada e onde existem mais dúvidas do que certezas. Cumulativamente, o facto de estarmos a lidar com a realidade de uma comunidade étnica e religiosa distante da nossa, fez-nos optar por um estudo essencialmente descritivo mas enriquecido com uma análise e discussão multidimensional dos resultados. No desenvolvimento do trabalho optou-se por métodos de investigação qualitativos, com a realização de quatro entrevistas egocêntricas semi-dirigidas em ambiente informal, permitindo assim estimular a participação do empresário, de modo a deixá-lo discorrer a informação sobre a sua actividade. Por outro lado, foi minimamente dirigida por nós, visando orientar o discurso aberto do empresário para os pontos de interesse do projecto: descrição da rede, detalhe dos fluxos e da importância dos pontos e avaliação do valor do serviço desenvolvido em cada ponto. Com vista a não perdermos qualquer informação e a realizarmos um tratamento pormenorizado da entrevista, optámos pela gravação da mesma. Com o objectivo de evitar erros na posterior leitura da informação, no final de cada entrevista pediu-se a cada entrevistado para desenhar no mapa-mundi a geometria dos fluxos e da sua rede transnacional. Porém, a recolha de informação não foi limitada às entrevistas. Contactámos várias instituições, nomeadamente a comunidade hindu e islâmica e a fundação Aga Khan. A observação participada (assistir a celebrações religiosas; o contacto informal com os agentes, entre outros) foi determinante para uma maior proximidade e conhecimento das práticas e tradições culturais dos empresários transnacionais indianos. Esta abordagem foi auxiliada pelo método de investigação-acção que procura analisar ao mesmo tempo em que decorre a acção (Benavente et al, 1991). Contactámos também outros empresários indianos, os quais foram muito importantes para a fase exploratória do trabalho, mas que acabaram por não se inserir no quadro de empresários transnacionais. Em suma, em todas as entrevistas e contactos celebrados tivemos de estabelecer uma ponte inter-étnica, à qual reconhecemos limitações resultantes de um feedback por vezes limitado, com respostas e gestos superficiais. Na fase de recolha de informação relativa aos contactos dos empresários e empreendedores transnacionais indianos, foi utilizado o método snowball, tanto nas entrevistas com empresários, como nos contactos com as comunidades hindu e islâmica e também, em contactos informais. Após a recolha de toda a informação requerida, iniciámos o tratamento de dados, procedendo-se à filtragem das entrevistas realizadas. Por ser um estudo descritivo, optou-se por utilizar a totalidade dos dados da empresa, para depois comentar e justificar teoricamente, deixando assim pistas para investigação mais aprofundada e analítica no âmbito do campo teórico abordado. Os três casos seleccionados, apoiados pela cartografia das redes, são uma pequena amostra ilustrativa que identifica a existência deste perfil de empresário, como também este tipo de integração global do 7 MIGRARE working paper espaço económico local. Todavia, uma lacuna que se identifica nesta selecção de casos é a inexistência de uma empresa transnacional que represente o sector das TIC. Isto deveu-se, por um lado, à eventual fraca representação destas empresas no mercado português e, por outro, à reduzida expressão territorial destas empresas, precisamente devido às características a-espaciais deste sector. O regime de outsourcing, característico deste tipo de IT services transnacionais, reduz ainda mais a possibilidade de encontrarmos em Portugal uma representação territorial. Revisão Bibliográfica No estudo do empreendedorismo e empresarialismo étnico surgiram nos últimos anos diferentes tendências de investigação. Na perspectiva da Geografia Social o empreendedorismo étnico é visto, por alguns autores, como um meio privilegiado de integração socioeconómica dos imigrantes (Esping-Andersen, 1999; McEwan 2005; Nijkamp 2001; Oliveira 2005; Van Delft 2000). No fundo, acredita-se que o empreendedorismo imigrante garante uma melhor integração no mercado de trabalho, de forma indiferente às possíveis dificuldades de integração associadas ao racismo e preconceito. Isto permite uma maior independência económica da sociedade de acolhimento e, por conseguinte, oferece melhores condições económicas e de vida (Nijkamp, 2001). Todavia, existem também críticas a esta teoria, nomeadamente quando esta se verifica num contexto de uma sociedade com um Estado-Providência forte. Hjerm (2004) descreve esta situação no contexto do welfarist social system na Suécia2. Na perspectiva da Geografia Urbana, o empreendedorismo étnico é por vezes visto como estratégia de promoção das políticas de regeneração urbana associadas à sociedade empreendedora3. Para a Geografia Cultural, as actividades empresariais étnicas funcionam como um farol da população imigrante, dos seus produtos étnicos e da sua cultura. Oliveira e Rath (2008), referem o empreendedorismo étnico como forma de dar reconhecimento social a estas sociedades. Por fim, no âmbito da Geografia Económica o empreendedorismo étnico apresenta-se como factor de inovação das actividades económicas associado à introdução de uma nova cultura económica, novos produtos, fruto de um mix de experiências que resultam do contacto multicultural (Nijkamp 2001). É precisamente neste âmbito da Geografia Económica e das Migrações, que este estudo exploratório se localiza, no seio da Geografia Humana. A abordagem multidisciplinar do estudo dirige-se ao longo deste trabalho a outros campos disciplinares, nomeadamente o da Economia (sobretudo) e o da Sociologia. Em suma, coexistem diversos pontos de vista sobre a relação das actividades empresariais étnicas com o espaço (global e local) e com o ambiente social e cultural em que se inserem. Embora não se ignorem outros pontos de vista já referidos, privilegia-se a abordagem desta problemática no quadrante económico e, do ponto de vista epistemológico, numa perspectiva realista. Considerando agora o transnacionalismo e a crescente importância deste fenómeno no contexto da economia global, Portes (1995) defende que as actividades transnacionais, baseadas em contactos (muitas vezes informais), são fortalecidas pela solidariedade e coerção étnicas. Cria-se um novo nexo para as relações económicas globais em rede, gerando-se uma variante ao capitalismo. Hammar 2 Hjerm (2004) defende que o trabalho por conta própria dos imigrantes no contexto da sociedade sueca não é tão vantajoso uma vez que o trabalho por contra de outrem é complementado por ajudas sociais que o tornam economicamente mais competitivo. Deste modo, as características do Estado-Providência não promovem a independência económica dos indivíduos e favorecem o assistanat social. 3 McEwan (2005): neste artigo a autora estuda as dinâmicas da regeneração urbana da cidade de Birmingham, com um pendor étnico muito forte. A promoção de quarteirões com rótulo étnico está associada ao empreendedorismo asiático e é fomentado no âmbito da renascença urbana. Isto reflecte a importância do empreendedorismo étnico não só para a regeneração a urbana do centro da cidade, como também para a redefinição da imagem internacional de Birmingham. 8 A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas et al. (1997) reforçam a ideia de solidariedade e selectividade dentro das redes e argumentam que a possibilidade das redes de exercerem o seu capital social junto das estruturas de poder varia conforme a capacidade dos seus membros de agregar outros capitais como o étnico, financeiro e humano. Estes defendem também que é necessário fazer evoluir os actuais conceitos no campo das migrações perante a emergência de laços transnacionais constantes e vivos entre países4. Também as formas de pertença e de nacionalidade estão em mudança havendo cada vez mais indivíduos que estão ligados a dois ou mais Estados-Nação (Castles e Miller 2003). A emergência de uma cidadania transnacional (Baubock 1991:46 in ibid: 2003; Castles 2005, Hiebert & Ley 2006) está também, por conseguinte, associada a este tipo de empresários. Relativamente às características económicas e sociais destes agentes, a investigação desenvolvida no contexto da América do Norte, tem dado a conhecer algumas tendências, não obstante os diferentes processos de integração nos EUA e no Canadá. Portes (2001) nos EUA, identifica os empresários mais estabilizados, como aqueles que maior tendência apresentam para desenvolver estratégias empresariais transnacionais. Estas funcionam claramente como estratégias que visam a assimilação na sociedade de acolhimento americana. Em contrapartida, Hiebert & Ley (2006), demonstram que as estratégias transnacionais de empresários étnicos no Canadá, são uma alternativa à integração socioeconómica tradicional. Esta integração permite maior autonomia face à sociedade de acolhimento, minimizando os problemas de integração e equidade laboral motivados por diferenças étnicas, raciais, culturais, religiosas ou outras (McEwan 2005, Oliveira 2005). Tendo em conta as redes transnacionais de empresários indianos em Portugal, as visíveis relações sociais entre a Índia e Portugal reforçam certamente a transnacionalidade dos agentes que as redes transnacionais de negócios indianos e portugueses envolvem (Malheiros 2008). Finalmente, Moore e Cross (2002), numa visão de futuro, prevêem que as redes transnacionais serão decisivas em virtude de operarem claramente na economia globalizada. A partir desta visão da economia global, Saxeninan (2002) demonstra nitidamente a inserção global de Silicon Valley no espaço transnacional de fluxos descrito por Portes (1999), através das redes transnacionais de empresas e especialistas informáticos chineses e indianos. Esta investigação revela que a boa articulação e agregação de interesses dos empresários com as estruturas locais, geram mais-valias para a economia regional (riqueza e emprego) tornando-se assim factores de sucesso destas redes para a inserção de Silicon Valley e da Califórnia na economia global. Fazendo um paralelismo casual e conveniente com os empresários indianos portugueses, este estudo explica a existência de alguns aspectos comuns com esta internacionalização, não obstante, haver grandes divergências que reflectem fortes condicionantes estruturais e culturais que inibem esta tão frutuosa integração local em mercados globais. Por último, o trabalho de Catarina Reis de Oliveira (2005), realizado em Lisboa, é aquele que permite realizar paralelismos mais fiéis à realidade social e cultural da cidade de Lisboa. No seu estudo das redes étnicas e comércio co-étnico, Oliveira (2005) identifica três vantagens-chave da acção destas redes no comércio étnico: i) a partilha de informação privilegiada; ii) a fonte de capital para investimentos e iii) a solidariedade étnica e coerção cultural. Neste último a manutenção da solidariedade e dos laços económicos é exercida pelo controlo coercivo das normas da comunidade (ou rede) muitas vezes de cariz religioso (ibid: 2005; Waldinger 1995; Moore e Cross 2002). 4 Hammar et al. (1997) exemplifica estas ligações com as relações Argélia – França; Índia – Reino Unido ou Turquia – Alemanha. 9 MIGRARE working paper Grosso modo, as actividades transnacionais dos empresários indianos no sector dos serviços beneficiam das mesmas vantagens e dos mesmos capitais (étnico, financeiro e cultural) que os seus co-étnicos do sub-sector do comércio. Esta combinação de factores é, sem dúvida, um elemento muito promissor destes empresários, das suas redes e, por conseguinte, do espaço económico de Lisboa que, deste modo, se consegue integrar mais plenamente na economia global. Apresentação de resultados Os resultados recolhidos das 3 entrevistas com empresários indianos são brevemente apresentados no quadro 1. Para descrever e esquematizar um conjunto de características identificadas entre os empresários, reveladoras do seu potencial de internacionalização, é apresentada a tabela 1 com notas das entrevistas, em anexo. A exposição mais detalhada seguinte procura pôr em evidência as características dos empresários que promovem o estabelecimento de negócios transnacionais; a descrição espacial e histórica das suas redes e as suas características que contribuem para integração de Lisboa em redes transnacionais. 10 2003 2009 (?) Publicidade e filmes documentários Produção energias renováveis (biomassa) Imobiliário Ra Atelier Global Green Tricos SGPS Portugal Portugal Índia Local de início Índia, Portugal, PALOP, Europa e Europa de Leste Portugal, Espanha, Moçambique, Angola, África do Sul, Brasil, Hong-Kong, China, Reino Unido, Dubai (EAU) Índia e Coreia do Sul 1 (Lisboa) 10 ( +2) (PT, ES, MÇ, AG, SA, HK, CN, UK, DU (+ IN E KO)* Média empresa (volume de negócios 140M€) Média – Grande empresa Portugal, Índia, RU, Canadá, EUA, Países Baixos Países na rede 1 (Idanha-aNova) Escritórios Pequena empresa Dimensão Estudo de mercado Envio de equipas de Portugal (muçulmanos sempre) Formação de locais Redes de contactos informais (festas da comunidade) para estabelecimento de negócios e parcerias Estudo de mercado Estabelecimento de contactos iniciais Ou Utilização de contactos anteriores Estudo de mercado Rede de contactos (pessoais e empresariais) Reputação no sector (importância do talento) Formas utilizadas de expansão * PT – Portugal; ES – Espanha; MÇ – Moçambique; AG – Angola, SA – África do Sul; HK – Hong-Kong; CN – China; UK – Reino Unido; DU – Dubai; IN – Índia; KO – Coreia do Sul 1979 Data de início Sector Quadro 1 - Apresentação sumária das principais características dos três empresários entrevistados A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas 11 MIGRARE working paper Ra Atelier A pequena dimensão da Ra Atelier obriga a uma caracterização comum de empresa e empresário, fruto de uma elevada interdependência. O percurso como empresário inicia-se com a sua formação académica na Universidade de Bristol. Nesta etapa, o empresário estabeleceu contactos determinantes para a sua futura empresa. Com efeito, a importância da rede de contactos estabelecida nesta fase permanecerá importante até à actualidade. Após a sua formação académica no Reino Unido, regressa à Índia. Inicia-se a primeira fase de expansão empresarial, com a criação da Ra Films. A empresa criada é fruto de uma estratégia individual (Oliveira, 2005), motivada numa aspiração de trabalho por conta própria: Se não for dono não tenho a mesma liberdade. A empresa pertencia ao sector criativo e dedicava-se à produção de filmes publicitários e documentários. A sede da empresa localizava-se no estado de Gujarat, na cidade de Ahmadabad e tinha três funcionários em regime contratual não permanente. Neste período, regista-se o início efectivo da actividade transnacional da Ra Atelier. Com efeito, a empresa procede à primeira prestação de serviços em mercados exteriores ao da Índia, no Dubai e nos EUA (mapa 1). Desta forma, passou a disponibilizar serviços ao nível local e global. Por razões estritamente pessoais o empresário decide ir viver para Portugal e, consequentemente, levar consigo a sua bagagem profissional. Porém, antes de emigrar para Portugal, resolve transmitir os conhecimentos sobre o seu negócio a um dos seus antigos colegas de trabalho, como forma de manter uma ligação permanente com a Índia. Neste sentido, o objectivo central era manter uma rede activa de contactos, de forma a recorrer aos serviços e/ou informações quando necessário. O empresário inicia a 2ª fase de expansão empresarial, dispondo de duas redes de contacto. Uma localiza-se no mercado ocidental, mais precisamente no Reino Unido e resulta da sua formação académica, a segunda no mercado oriental, mais precisamente na Índia. Quando chega a Portugal é informado das condições atractivas oferecidas pela incubadora de empresas localizada em Idanha-a-Nova, o que o leva a sediar-se naquele município. Contudo, uma vez que o mercado português neste sector depende de um contacto face-to-face, é em Lisboa que o empresário realiza grande parte do seu trabalho. No primeiro ano, o seu encastramento nas estruturas de oportunidades em Portugal foi muito difícil, por não possuir uma rede de contactos estruturada a nível nacional. Este facto é revelador de uma forte dependência da rede de contactos. Todavia, estabelecer-se em Portugal não o intimidou para continuar a expansão da sua rede transnacional, cada vez mais recorrente e duradoura. As estratégias aplicadas permitem à empresa deter uma dimensão inter-escalar. Assumem-se como estratégias inovadoras e funcionam numa lógica complementar entre global e local. A primeira estratégia prende-se com o não recorrer ao contacto presencial, através da utilização das TIC (videoconferência, email, telemóvel, etc.) para a comunicação e celebração de negócios: O meu computador e uma boa ligação à Internet são suficientes para a realização do meu trabalho. A segunda estratégia relacionase com a aplicação da nova divisão internacional do trabalho (Friedmann, 1986) fruto de uma rede de contactos estruturada: um projecto é requerido, por exemplo, no Canadá e gerido em Portugal pela Ra Atelier. As filmagens são realizadas por uma equipa do Canadá em vários pontos do Mundo. A mão-de-obra para elaborar a parte técnica está na Índia e a elaboração final do projecto e a sua edição são realizados em Portugal. Tudo isto com uma forte base em telecomunicações por onde circula o trabalho realizado por cada equipa até chegar à fase final (em Portugal). Relativamente à primeira estratégia, o empresário foca as limitações assentes numa total dependência do contacto presencial para o estabelecimento de negócios em Portugal. 12 Mapa 1 - Ra Atelier Em suma, a empresa está visivelmente assente numa combinação de múltiplos agentes económicos internacionais, dando origem a fluxos regulares de conhecimento, serviços e capital. (mapa 1). Finalmente, a visibilidade e reprodução de negócios da empresa é garantida pelos seus traços transnacionais. A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas 13 MIGRARE working paper Global Green A Global Green é uma empresa do sector da produção de energia renovável a partir da biomassa. Actualmente, embora ainda se encontre em fase de desenvolvimento e negociações, a empresa já existe e está sediada em Lisboa. Esta empresa afigura-se como uma empresa nacional e familiar, com parceiros internacionais indianos. É gerida por dois irmãos de etnia indiana, ambos nascidos em Moçambique. O grande objectivo da empresa é tornar-se numa plataforma global de operações e negócios no campo da biomassa. Apresenta-se como uma empresa sustentável, independente de subsídios e global. O empresário inquirido revela que as motivações para ser empresário são resultantes de heranças familiares e culturais, todavia, o presente negócio é fruto de uma estratégia totalmente individual (Oliveira, 2005). Apesar de ter vindo para Portugal muito jovem e referir que é português e que se sente português, prevaleceram laços fortes com a cultura indiana. Esta forte ligação manifesta-se no seu quotidiano, em regulares viagens ao país dos seus avós e na sua rede pessoal (família e amigos). Por outro lado, este empresário possui já uma larga experiência no mercado global. Conhece não só as complexas características de acção do mercado global, como também a realidade de diferentes países. Esta formação foi adquirida no seu anterior emprego, enquanto marketeer da Coca-Cola. O projecto foi desenhado por ambos os empresários. A ideia foi premiada a nível europeu pela EUBIA - Associação Europeia de Industriais da Biomassa5, que a destacou por combinar características como a qualidade, inovação e sustentabilidade. A grande limitação era a falta capital para iniciar o projecto. Deste modo, recorreram a um contacto informal (amigo) na Índia, que não só se demonstrou interessado em financiar o projecto, como também salientou a intenção de expandir a sua área de negócio para outros mercados lusófonos, designadamente o Brasil. Este parceiro internacional vê Portugal, não só como um mercado a explorar na produção de etanol, como também enquanto plataforma de ligação entre o mercado indiano e os mercados brasileiro e africanos (mapa 2). Para além de serem brokers do investimento, os dois empresários passaram a encarnar o papel de brokers com conhecimento, pois detêm a confiança dos investidores; conhecem a estrutura de oportunidades (actualmente com um forte investimento público em energias renováveis) e possuem conhecimentos na área da produção de energia renovável (em parceria com a ESACB6 e com os laboratórios indianos). Relativamente ao enquadramento territorial, a sede da empresa encontra-se localizada em Lisboa e a indústria de produção de etanol localizar-se-á em Idanha-a-Nova. Esta opção teve por base a exploração de duas situações. A primeira deriva de um contacto informal (um amigo engenheiro agrónomo) que possui uma exploração de tabaco, mas que está disposto a ceder para a central industrial, face à actual crise do tabaco a nível europeu. A segunda situação prende-se com o aproveitamento da mão-de-obra excedentária agrícola existente no Planalto Beirão, em virtude da actual crise agrícola da região. Porém, a continentalidade do clima local do Planalto Beirão não permite a produção de espécies de cana-de-açúcar tropicais, com o teor de açúcar rendível para a produção de etanol. Deste modo, foi necessário proceder à criação de novas espécies de cana-de-açúcar que permitissem a produção do etanol em Idanha-a-Nova. Os laboratórios de biotecnologia da ESACB em parceria com laboratórios indianos criaram três novas espécies de cana-de-açúcar que permitem a produção de etanol durante os 365 dias do ano, em Idanha-a-Nova. 5 Website da EUBIA: http://p9719.typo3server.info/296.0.html?&tx_ttnews%5Btt_news%5D=250&tx_ttnews%5BbackPid%5D= 299&cHash=5a737d98ff 6 Escola Superior Agrária de Castelo Branco – Instituto Politécnico de Castelo Branco 14 Mapa 2 - Global Green A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas 15 MIGRARE working paper Tricos SGPS A Tricos SGPS é uma holding multinacional que assenta nos moldes de uma empresa familiar. A família Ibraimo de origem muçulmana tem uma ligação forte a Moçambique, o que motivou o início da expansão da rede para este país. Assente nos valores do Islão, a filosofia da empresa prefere o recrutamento de funcionários muçulmanos e ligados à família, sobretudo para cargos de direcção. Esta tendência vai em linha de conta com as conclusões de Waldinger (1995) e Moore et al. (2002) que defendem que as empresas e comunidades de base étnica, por estarem baseadas em relações étnicas e familiares, são ao mesmo tempo selectivas e herméticas para os outsiders. Em 1979, a empresa iniciou a sua actividade estabelecendo-se em Lisboa. O êxito fê-los ambicionar a diáspora por outros mercados. Instalaram-se em Moçambique, de seguida, abriram uma filial em Espanha no sector imobiliário, aproveitando assim a explosão de construção dos anos 80. Nesta fase, houve uma opção pelos mercados lusófonos. Lançaram-se no mercado angolano e brasileiro os quais se tornaram os mercados com maior crescimento, mais investimento e maiores lucros da rede. Com a entrada em Angola, a empresa viveu um boom económico. Actualmente, estão localizados em todos os países já referidos, mas também na África do Sul, Brasil (São Paulo), Hong Kong, China, Reino Unido, Dubai, Índia e Coreia do Sul. A empresa tem representação territorial (escritórios) em todos os países, à excepção da Índia e da Coreia do Sul onde têm apenas um pequeno colaborador que trabalha directamente com a empresa, mas não a representa. Ao nível das estratégias adoptadas, existe uma aposta nos serviços de marketing e nos estudos de mercado de forma a adaptar melhor os serviços prestados à cultura de cada país. Por outro lado, há uma aposta em mercados em alto crescimento como Angola, o Brasil e a China. Há também uma opção pelo dólar enquanto divisa de transacção, evitando assim os mercados da zona Euro. A estratégia da Tricos SGPS passa também pela diversificação e permanente inovação dos seus produtos. A empresa não só está no ramo imobiliário (Portugal, Dubai) e no ramo da construção (Angola) como também detém a representação de marcas automóveis7 em diversos países da sua rede transnacional (Brasil, Moçambique) e a exploração do sector hoteleiro (Espanha, Brasil, Angola – mapa 3). Apesar desta adaptação, a Tricos SGPS tem também formas de garantir a segurança e confiança dos seus investimentos e dos seus colaboradores. Para além de utilizar dialectos locais (no caso da Índia) para assegurar que não são enganados nos seus negócios, existe um constante envio de equipas de controllers, para debater preços, comercializar novos produtos e garantir a realização das suas operações transnacionais em toda a sua rede. Neste campo da gestão e controlo da empresa, a cultura e religião assumem um papel importante sobretudo pela imposição do respeito pela hierarquia e pelo mais velho. Finalmente, a rede de contactos é também no caso da Tricos SGPS, um elemento fundamental para as opções de expansão da rede e para a realização de novos negócios/investimentos. Seja através de feiras internacionais sugeridas por parceiros ou em encontros informais nas festas da comunidade. É nesses contextos que se realizam grandes negócios e se estabelecem importantes parecerias: Se nos convidarem para aquela festa já sabemos que é com algum objectivo (...) ele dá-nos uma mão e nós damos outra. 7 Representam a Kia/Ssangyoung, a Audi e a VW no Brasil e PALOP’s. A Tata, maior empresa indiana de automóveis, será representada pela Tricos SGPS em Angola. 16 Mapa 3 - Tricos SGPS A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas 17 MIGRARE working paper Discussão de resultados Território: um reflexo das actividades em rede dos empresários transnacionais de Lisboa Ao analisar as ligações das redes transnacionais dos três empresários, importa compreender o grau de inserção da cidade de Lisboa no espaço de fluxos transnacionais (Taylor, 2004). Estes empresários transnacionais contribuem para a inserção de Lisboa (e Portugal) na economia global (Saxenian 2002), sobretudo através das ligações com a Ásia8. A opção de localizar as sedes em Lisboa tem, por consequência, a centralização dos lugares de decisão nesta cidade e, por conseguinte, torna este ponto da rede, o lugar central. O exemplo da Tricos SGPS é característico desta situação9, verificando-se uma convergência macrocéfala dos lucros da rede em Lisboa, bem como das sades de tomada de decisão. É a partir de Lisboa, num movimento divergente, que se redistribuem as tomadas de decisão e os capitais pelos diversos pontos da rede. A macrocefalia desta rede, embora contrarie a complementaridade entre pontos da rede transnacional definida por Portes (1999), ela claramente demonstra a maior integração da cidade de Lisboa na tomada de decisão à escala global e, por conseguinte, a maior relevância desta cidade no contexto destas redes na economia global. A geometria das redes transnacionais é desenhada pelas opções estratégicas dos empresários (Portes 1999), tornando-se assim um indicador do nível e tipologia de ligação entre os espaços transnacionais (Moore e Cross et al., 2002). Considerando agora as três empresas, identificam-se nelas três estratégias empresariais distintas10. No caso da Global Green, é o broker que define as características da rede, uma vez que é ele o responsável pela atracção de capital e know-how estrangeiro e pela planificação da futura expansão da empresa. Esta é uma rede construída de fora para dentro. Relativamente à Tricos SGPS é a partir de Portugal e da combinação de estratégias portuguesas e indianas que se constrói a rede transnacional. É uma rede que se expande de dentro para fora. A Ra Atelier tem uma estratégia ainda mais distinta, motivada neste caso pela especificidade do sector da publicidade. Esta rede tem características a-espaciais e baseia-se numa rede fluxos virtuais. Mesmo assim, existem inputs e outputs territoriais nesta rede. Eles são, respectivamente, a produção combinada na Índia e Portugal e a venda em mercado global. Esta rede a-espacial contribui de igual modo para a integração de Portugal no mundo global virtual. A existência de uma morada electrónica em língua portuguesa e inglesa (língua franca), bem como a exploração do mercado português em paralelo com o mercado global, fazem coexistir no mesmo espaço digital dois mercados, contribuindo assim para a globalização do primeiro. Estas redes são constituídas por múltiplos parceiros nacionais e internacionais, diferenciandose do padrão comum adoptado pelas grandes multinacionais. Estes parceiros podem ser desde centros de investigação nacionais e indianos (Global Green), investidores estrangeiros (Global Green) ou equipas de produção técnica de baixo custo na Índia (Ra Atelier). Numa observação atenta das redes destes três casos, não obstante ser um número reduzido, poder-se-á inferir uma tendência territorial, em virtude da convergência de investimentos étnicos em determinadas áreas. Estas tendências verificam-se tanto à escala nacional – é o caso de Lisboa e de Idanha-a-Nova – como à escala global – como demonstram as associações de territórios do quadro 2. 8 Saxenian (2002) chegou à mesma conclusão no seu estudo em Silicon Valley na Califórnia – EUA. 9 Ver mapa 3 da Rede Transnacional da Tricos SGPS. 10 Ver mapas 1, 2 e 3. 18 A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas Para estas concentrações espaciais têm um papel central as redes limitadas de contactos de base étnica, que com o seu poder de influência nas suas opções estratégicas, conduzem os empresários a optar por territórios onde já existem investimentos ou empresas de outros co-étnicos. Isto é mais evidente quanto maior for a escala de análise. O poder centralizador do capital étnico pode, deste forma, ser um factor de limitação da expansão dos negócios transnacionais ao nível interno do país. De acordo com Nijkamp (2001), as redes podem estimular uma uniformização entre empreendedores, pelo que não devem ser o único elemento estratégico das empresas. Por fim, detectou-se também que a diferente cultura geográfica dos empresários indianos face à dos portugueses revelou ter um papel significativo nas opções de estratégia transnacional, seja à escala local, seja à escala global. Este elemento detém particular importância no caso da Ra Atelier, uma vez que o empresário, por não lhe ser intrínseca na sua cultura geográfica a Geografia de Portugal e os seus preconceitos territoriais inerentes, decide localizar a sua sede em Idanha-a-Nova. Isto não significa que o empresário fez uma escolha sem informação, mas sim que, por explorar um sector em que as TIC têm um papel central, não está dependente da estruturas locais e, desta forma, a empresa continuou a poder afirmar-se no mercado global, tendo a sua inserção sido bastante visível.11 Em suma, por não haver um encastramento fácil nas estruturas culturais (por via do desconhecimento) este empresário, recorrendo a estratégias individuais, acaba por, de um lado aproveitar as lacunas do mercado da publicidade em Portugal12 (o inexplorado mercado público do filme e da publicidade institucional do Interior do país) e do outro por continuar a poder explorar o mercado global, do mesmo modo que o faria por exemplo a partir de Lisboa. A consciência das oportunidades ou, paradoxalmente, o desconhecimento dos preconceitos territoriais, promoveu uma inserção alternativa no sector da publicidade português, mantendo a inserção plena no sector à escala global e ainda gozando de condições especiais ao nível do preço da renda locativa. Quadro 2 - Grupos de países das redes em estudo com padrões culturais e/ou linguísticos partilhados Cultura luso-ibérica Cultura indiana Cultura global Portugal – Lisboa Índia Reino Unido – Londres PALOP – Angola e Moçambique Emiratos Árabes Unidos (EAU) – Dubai Canadá Brasil EUA Espanha Países Baixos 11 Repare-se no mapa transnacional da Ra Atelier. Dos três casos é aquele que se insere em mais mercados globais. 12 Oliveira (2005) 19 MIGRARE working paper O factor cultural nas escolhas de expansão e na inserção económica dos empresários transnacionais Porque vivemos num mundo de diversas culturas, estes empresários estão dependentes do brokerage cultural (Oliveira 2005) para estabelecer negócios transnacionais, intermediando e estando simultaneamente ligados a duas ou mais culturas, a dois ou mais países (Castles 2005). Nesta intermediação existem condições privilegiadas de contacto e de inserção à escala global, motivadas por uma identidade étnica partilhada. Este capital étnico assenta em comunidades com traços linguísticos e/ou religiosos comuns (Moore e Cross 2002) e por conseguinte oferece condições especiais para o estabelecimento de negócios transnacionais. Estas relações sociais e empresariais são marcadas por dois elementos de coerção social: a solidariedade étnica (Portes 1999) e a reciprocidade.13 O capital étnico para exercer em pleno o seu potencial precisa de estar alicerçado numa rede de contactos étnicos activa. Esta importância dos contactos é claramente ilustrada pelo caso da Global Green. O empresário tem a ideia e o contacto indiano tem o capital e a intenção de expandir para a Europa e mercados lusófonos. De uma rede de contactos activa nasce uma rede de relações económicas transnacional assente em vantagens étnicas e na reciprocidade de interesses. Mais uma vez, a rede transnacional de negócios étnicos reflecte as relações de proximidade cultural e social dos empresários transnacionais indianos, revelando, por conseguinte, a combinação de capitais étnicos de que o empresário beneficia.14 Em suma, o capital étnico apresenta-se como característica fundamental dos empresários transnacionais para o estabelecimento de negócios em rede, assim como para a ligação e integração de Lisboa neste tipo fluxos globais15. A combinação de capitais étnicos deriva da intermediação entre territórios, fundamentada na mediação étnica e cultural entre os diversos parceiros da rede de contactos. O brokerage cultural que se verifica nos 3 casos, entre os 3 domínios culturais apontados no quadro 2, é um aspecto das actividades económicas transnacionais de base étnica referidas por Portes (1999). Porém, a grande limitação desta intermediação cultural prende-se com o facto de a informação dentro destas redes circular em circuitos fechados. Condicionada pela selectividade dos seus membros e baseada em critérios religiosos e familiares (Waldinger 1995; Hammar 1997), esta introversão impede o aproveitamento destas informações pelas estruturas de oportunidades em ambos os países (de origem e de acolhimento). O caso da Tricos SGPS ilustra claramente este aspecto. Em conclusão, o brokerage entre culturas, potencia os laços entre territórios e estabelece com mais garantias e estabilidade, relações empresariais e étnicas entre as economias desses países ou regiões com a economia global designadamente com a Ásia (Saxenian 2002). 13 Hammar et al. (1997:207) – Access [to migrant networks] is governed by available information and financial resources, but also by (in)formal norms of reciprocity and solidarity. Portes (1995) in Moore e Cross et al. (2002:12) – Transnational communities have created a nexus of economic relations, based usually on trade but mediated by ethnic and kinship ties, which constitute a new variant of capitalism. 14 Hammar et al. (1997) A maior combinação de contactos determina a capacidade dos membros da rede em exercer o seu capital social. 15 Masurel et al. (2002) demonstra que o empresarialismo étnico estabelece-se através de redes de contactos e de negócio transnacionais que desenham fluxos num território global e que, sem dúvida, oferecem vantagens competitivas muito fortes a estes agentes económicos. 20 A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas Rede de fluxos e inserção económica das actividades transnacionais De acordo com as tipologias atribuídas aos diferentes fluxos, decidiu-se fazer uma análise das três redes transnacionais ao nível: do investimento; do conhecimento; da produção e do mercado. I. Investimento Os fluxos de capitais nas diferentes redes assumem orientações justificadas por estratégias empresariais distintas e redes de contacto variadas. No caso da estratégia de fora para dentro da Global Green, existe uma atracção de capitais estrangeiros através de investimentos em Portugal e, futuramente, noutros mercados através de Portugal (efeito trampolim). Neste caso, há também uma escolha para sediar a empresa em Lisboa, e a partir desta cidade gerir os fluxos de capitais desta rede transnacional emergente. No que diz respeito à Tricos SGPS, numa estratégia de dentro para fora, esta centraliza os lucros da rede em Lisboa mas, posteriormente, re-localiza esses capitais em pontos de investimento e crescimento da rede. Em ambos os casos, a saída ou entrada de capitais, descreve as estratégias de gestão global de capitais das redes e reforça o papel de decisor económico da cidade (neste caso Lisboa) neste quadro de investimentos transnacionais. (Nijkamp 2001 e Masurel et al. 2002) II. Conhecimento Os fluxos de conhecimento e informação são uma componente crucial das redes transnacionais de serviços e estão intimamente ligados ao potencial das redes de contactos internas e externas. Estes fluxos são muitas vezes veículos de atracção de inovação e know-how aos sectores de actividade e ao país em geral. No caso da Global Green, esta rede permite a colaboração de empresas com longa experiência na produção de etanol (troca de experiências e entrada de know-how em Portugal) como também promoveu a cooperação académica entre laboratórios indianos e laboratórios portugueses da região (ESACB)16. Ambos promoveram formas de relacionamento bilateral e transnacional, dando passos importantes para a construção de uma economia do conhecimento. Em suma, a vantagem deste tipo de redes vai além do potencial de internacionalização de Lisboa permitindo também a troca de experiências e informações privilegiadas num mundo global e ainda, por consequência, a consolidação de estratégias de desenvolvimento económico mais sustentáveis e competitivas. III. Produção A profunda reestruturação nos modos de produção global, motivados pelo aumento da mobilidade e das formas de comunicação virtual (Sassen 1991 e Friedmann 1986), tem alterado significativamente a distribuição espacial das componentes do processo produtivo industrial mas também ao nível da produção global de serviços (Taylor 2004). Estas mudanças (que se traduzem também em deslocalizações e na desqualificação de territórios - Barata Salgueiro 2000) procuram no espaço global e nas suas diferentes potencialidades, soluções que aumentem a competitividade e qualidade dos serviços finais. O padrão de distribuição global dos espaços de produção da Ra Atelier reflecte precisamente o aproveitamento competitivo das condições de produção a baixo custo na Índia e a localização, à escala portuguesa, numa área (incubadora de empresas em Idanha-a-Nova) onde o preço do solo é significativamente mais baixo do que no centro do mercado publicitário português, 16 Escola Superior Agrária de Castelo Branco – Instituto Politécnico de Castelo Branco 21 MIGRARE working paper em Lisboa. Tomando em consideração o mapa da rede transnacional da Ra Atelier, este reflecte na sua dimensão espacial, as fases de expansão e a dispersão territorial desta actividade empresarial na economia global (mapa 1). Na primeira fase, na Índia, a competitividade dos processos produtivos associados à qualidade do resultado final foram os dois elementos que lançaram a empresa para primeiros novos mercados: o Dubai (EAU17), e os EUA. De acordo com o empresário da Ra, na Índia há dois factores-chave para o sucesso de uma empresa no ramo da publicidade: para além do talento, os contactos são essenciais para a expansão e sobrevivência da empresa. Foi a partir da Índia e da sua formação especializada no Reino Unido (que também trouxe mais contactos na Índia) que surgiram as redes de contacto pessoais e empresariais I e II (ver mapa 1), que compõem hoje a sua rede de contactos externa – à qual se juntam os (poucos) contactos que já tem em Portugal. Um exemplo da não-linearidade destes contactos e fluxos é a sua exploração do mercado holandês, fruto de um contacto que tem nos Países Baixos, feito através de um dos seus trabalhos na Índia e que hoje é um potencial mercado para expansão a partir de Portugal. O destino final desta produção serão os grandes espaços de consumo global que Friedmann (1995) identifica como as grandes regiões metropolitanas e urbanas da América do Norte e da Europa. É precisamente para países nestes espaços que a Ra Atelier vende os seus produtos e está a expandir o seu mercado. Sustentada pela visão de espaço global de acumulação de Friedmann (1995)18, esta rede é mais um reflexo do enquadramento de Lisboa nas redes globais de produtos, capitais e informações, como ponto de decisão e controlo desses fluxos e dos processos de produção no seio da economia global mas também como mercado de venda. IV. Mercado Considerando os aspectos de mercado na análise económica das redes de fluxos transnacionais, importa avaliar o grau de influência das especificidades do sector nas opções de expansão de mercados dos empresários transnacionais indianos. Embora os empresários sejam atraídos pela força dos mercados potenciais em cada sector, não deixa de subsistir para todos eles a preponderância da rede de contactos, do capital étnico e das ligações culturais e linguísticas aos territórios desses mercados (Moore e Cross 2002). Exemplificando com os três casos estudados, note-se que no caso da Ra (porventura a mais livre de limitações culturais) só consegue aproveitar os mercados nos quais consegue integrar-se linguisticamente (mercados portanto onde o inglês é a língua franca). Assim, consegue expandir-se para o mercado forte do Canadá e expande para mercados potenciais como os Países Baixos, EUA e Reino Unido. Similarmente, a Tricos SGPS expande-se para mercados de língua portuguesa (PALOP e Brasil) ou próximos de Portugal (Espanha), explorando o alto potencial no imobiliário e hotelaria destes países, mas orientados pelo capital étnico e linguístico. Por último, a Global Green, talvez a mais orientada pelo mercado, aproveita as especificidades do sector ao nível do mercado português brasileiro e lusoafricano utilizando o seu capital linguístico comum, e ambiciona expandir para a Europa de Leste, atraída pela forte ascensão do sector renovável nestes países, depois da adesão à União Europeia. Para este último mercado terá certamente de recorrer mais uma vez a uma estratégia de brokering económico. 17 Emiratos Árabes Unidos 18 Friedmann (1995) refere-se precisamente às grandes regiões metropolitanas e urbanas da América do Norte e da Europa- É precisamente para países nestes espaços que a Ra Atelier vende os seus produtos e está a expandir o seu mercado. 22 A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas Em suma, os factores culturais e de inserção linguística prevalecem nas opções estratégicas de expansão dos mercados, embora seja visível a influência das especificidades sectoriais dos mercados na atracção de investimentos nos 3 casos. A inserção económica local das actividades transnacionais A inserção das actividades económicas transnacionais nas estruturas de oportunidades locais e regionais é variável mas com tendência para ser condicionada e limitada. Para os três casos tomou-se em consideração: i) os processos de recrutamento, ii) o envolvimento das estruturas e agentes locais e iii) a geração de riqueza e investimento locais, para aferir a qualidade da integração destas redes transnacionais, designadamente na cidade de Lisboa. No que concerne ao emprego, verificaramse nas três empresas processos de recrutamento distintos. Identificaram-se processos altamente selectivos e coercivos, com base em critérios puramente étnicos e culturais (Tricos SGPS); processos de recrutamento técnico em países com mão-de-obra de baixo custo, recrutando no mercado nacional esporadicamente, activos especializados (Ra Atelier); e processos abertos à mão-de-obra nacional, com o intuito de estimular a participação local no projecto e o desenvolvimento regional (Global Green). Esta diversidade de formas de recrutamento, assente em vantagens competitivas ou em processos tradicionais de manutenção do status quo, reflecte a variabilidade dos níveis de inserção e relação com as estruturas locais. Relativamente ao envolvimento local, à excepção da rede de informação da Global Green que integra parceiros locais, os dois outros casos demonstram um claro distanciamento e isolamento perante as estruturas e instituições locais, confinando a sua acção empresarial à sua rede transnacional e ao seu grupo cultural. Contudo, para esta situação contribui a debilidade das instituições intermediárias que não fomentam a integração económica, social e territorial destas redes no país local e nacional e que são uma séria lacuna para o êxito na integração local destas redes. Van Delft et al. (2000) argumenta que para o sucesso do empreendedorismo étnico esta inserção local é fulcral. Num paralelismo com Saxenian (2002), esta demonstra na Califórnia, que este tipo de estruturas (no caso de Silicon Valley são as associações empresariais) têm um papel fundamental como brokers do território e da sociedade de acolhimento, com a economia global, através das actividades transnacionais dos empresários étnicos dos serviços. Por último, as actividades destas empresas, apesar de gerarem uma riqueza variável conforme a sua dimensão, o impacto económico local deste capital é minimamente visível e manifestamente insuficiente. Em termos gerais, apesar da variabilidade de processos de recrutamento e das excepções relativamente ao envolvimento e investimento local, a inserção local destas três empresas é deficiente e insuficiente, não obstante a sua integração global ser promissora e estabilizada. Em suma, o desequilíbrio entre as escalas global e local impede, por um lado, a transmissão plena dos benefícios da inclusão na economia global, à escala de Lisboa, e, por outro, limita a capacidade de intervenção e envolvimento da cidade com estas redes transnacionais, condicionando, por arrasto, o seu potencial territorial e político de atracção e apoio a estas redes. Finalmente, este desequilíbrio justifica a fraca repercussão da presença destas redes transnacionais à escala local, pois a sua débil inserção, torna os benefícios exclusivos e invisíveis para a maioria da sociedade de acolhimento. 23 MIGRARE working paper Conclusão A internacionalização da cidade de Lisboa através das actividades e redes transnacionais de empresários indianos do sector dos serviços, é visível através destes exemplos de um modo evidente, mas (ainda) limitado e confinado. Condicionado em grande medida por se tratar apenas de um estudo exploratório, este permite já retirar algumas linhas comuns de acção e de internacionalização deste conjunto específico de empresários indianos em Portugal. Apesar de se apresentarem três empresas de sectores distintos, foram detectados vários padrões de expansão e de actividade comuns, mensuráveis de um ponto de vista espacial. Entre eles, a unidade linguística e/ou cultural dos países nos quais as redes destes empresários operam demonstra que, por gozarem de um capital étnico especial, as suas escolhas de expansão centram-se grosso modo nos mesmos territórios. Isto é visível à escala interna do país (o caso de Idanha-a-Nova) ou à escala global. Por outras palavras, verificou-se que os empresários transnacionais indianos utilizam um brokerage cultural para estabelecer negócios e expandirem o seu mercado transnacional o que se tem demonstrado fundamental para que exista reciprocidade e confiança nos negócios. Esta partilha de identidades étnicas e culturais oferece condições singulares a estes empresários no seio da comunidade empresarial a operar em Portugal. Contudo, esta é também culturalmente limitada por uma introversão das práticas, dos contactos, da informação e (evidentemente) do recrutamento, que condiciona a inserção local destas redes e empresas. No campo económico, este estudo comprova que estas redes não só atraem investimento, como também trazem inovação – incluindo a inserção em circuitos de informação privilegiada a vários níveis – e competitividade ao processos de produção e comercialização, distribuídos espacialmente à escala global. Este diferencial positivo reflecte-se nitidamente em ganhos de competitividade e de capital. Para além disso, a centralização em Lisboa das sedes de decisão transnacional, confere à cidade uma posição superior nas hierarquias de controlo do espaço transnacional, impulsionando, por consequência, a sua afirmação na rede transnacional de fluxos, e por conseguinte, na economia global. Porém, esta inserção promissora de Lisboa nestas redes é francamente amputada pela débil inserção e reciprocidade com a escala local. O diferencial cultural existente entre a cidade e estes empresários, permitiu identificar estratégias empresariais fechadas e impermeáveis, para além de ter detectado uma carência significativa de estruturas locais que promovam o brokerage institucional. No caso de Lisboa, ao contrário de Silicon Valley (Saxenian 2002), este transnacionalismo não se faz acompanhar de um translocalismo19 étnico empresarial, na medida em que, por um lado assenta em estratégias mais restritas (Hiebert & Ley 2006), e por outro as estruturas da cidade20 não se articulam devidamente com estes agentes económicos. A realização deste estudo confrontou-se com alguns constrangimentos, designadamente o número reduzido de empresas que claramente recorressem a estratégias de expansão transnacional. Por outro lado, a dificuldade de estabelecer pontes inter-étnicas com os empresários indianos, bem como os anseios dos empresários pela confidencialidade das suas práticas empresariais e das suas estratégias impediu um contacto com mais empresas e a identificação de mais casos exploratórios. 19 O conceito de translocalismo é definido por Saxenian (2002) como espaço de intercâmbio económico, social e profissional entre escalas locais/regionais do Mundo. 20 Estas estruturas locais de Lisboa incluem: associações empresariais de sector, instituições de I&D, organismos de decisão política local, sindicatos, instituições diplomáticas dos dois países, instituições de promoção cultural da Índia e do Oriente, entre outros. 24 A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas Assim, dentro do tempo limitado para a realização do trabalho de campo e com as limitações bibliográficas neste domínio novo em Portugal, a amostra apresentada, contém, não obstante, dados relevantes para investigação posterior mais aprofundada e analítica. Com efeito, apesar destas limitações, é possível com este estudo abrirem-se novos caminhos para investigação das redes transnacionais étnicas, lançando novas pistas de estudo, designadamente, a importância do capital étnico no estabelecimento de negócios transnacionais; as vantagens económicas inerentes a estas práticas; a importância da interdependência de escalas e a debilidade das estruturas locais de Lisboa para intermediar a cidade e estas redes. A consciência do valor e das mais-valias destas actividades e redes empresariais de base étnica é também de extrema importância para repensar a estratégia nacional de inserção económica de Portugal no Mundo. Neste sentido, com estas redes, isso pode passar pela afirmação do país enquanto plataforma de intermediação e controlo privilegiada entre três mundos: a Europa e América do Norte – aproveitando a dupla diáspora portuguesa e indiana; a África e América lusófonas e a Ásia - reafirmando a posição portuguesa de porta de entrada no mundo lusófono que se tem perdido com o crescimento das relações da China com Angola e Brasil. 25 MIGRARE working paper Referências Bibliográficas Ash, A. (2006) The Good City, Urban Studies (43) 5/6 1009-1023 Barata Salgueiro, T. (2000) Fragmentação e exclusão nas metrópoles, Sociedade e Território (30) 16-26 Benavente, A, et al. (1991) Do Outro Lado da Escola, 3ª ed., Col. Terra Nostra, Lisboa: Editorial Teorema Castles, S. (2005) Globalização, Transnacionalismo e Novos Fluxos Migratórios – dos trabalhadores convidados às migrações globais, Lisboa: Fim do Século Castles, S. & Miller, M. (2003) The age of migration. 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Preparing for the Urban Future, Washington DC: Woodrow Wilson Center Press Informação sobre as empresas • Ra Atelier http://www.raatelier.com/ • Global Green (página em construção no dia 07/06/2009) http://www.globalgreen.eu/ • Tricos SGPS http://www.tricossgps.com/docs/default.asp Informação institucional Relatório (2007) - Portugal no Mundo (9-11): PNPOT – Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território, DGOTDU 29 30 Características específicas (privilegiadas) do empresário e da empresa para o estabelecimento ou desenvolvimento de negócios transnacionais Dependência de rede de contactos (factor cultural). Em Portugal o encastramento estrutural foi difícil pela ausência de rede de contactos interna Processo produtivo transnacional – mais competitivo e com ganhos em produtividade Contactos virtuais – não recorre ao face-toface e utiliza TIC’s → INOVAÇÃO Empresário (Ra Atelier) – Sector da publicidade e filmes Empresário (Tricos) – Sector Imobiliário e representação de marcas Aceitar novos desafios (Marcas menos conhecidas). Sublinha o desafio (filosofia da empresa) Empresário (Globalgreen) Produção energias renováveis (biomassa) Experiência no mercado global através do trabalho como marketeer da Coca-Cola (conheceu a realidade de vários países). Empresa nacional, com parceiros internacionais Indianos (parceiros internacionais pertencem à sua rede pessoal) Deixou claro que é português, sentese português, e que procura ajudar o país (falamos a língua de Camões) Objectivo da empresa: Tornar-se plataforma global de operações e negócios no campo da biomassa. Apresenta-se sustentável, independente de subsídios e global. Tabela 1 - Quadro interpretativo dos elementos descritivos dos empresários e redes transnacionais para a constituição do seu potencial de internacionalização: Anexo MIGRARE working paper Como funciona a rede? Características específicas (privilegiadas) da rede para a internacionalização da cidade de Lisboa Fluxos de informação são importantes na manutenção da rede de parceiros e de contactos (Mantém ponto de contacto na Índia) Localização em Idanha-a-Nova por via da rede de contactos e competitividade do preço do solo Inter-scale business – Combinação de escalas – global, local e nacional (em Portugal, devido a ter 2 implantações territoriais: Mercado público e do interior (Idanha) e mercado da publicidade e filmes (Lisboa)) O empresário fornece a ideia / o projecto. Empresa indiana fornece o capital e know-how (introduzindo confiança e o background necessários). Parceiros europeus fornecem a tecnologia/ engenharia da biomassa. Existe um padrão espacial de tecnologia e investigação: Engenharia e Biotecnologia ---Europa. Laboratórios ---- Índia O empresário é um broker que possibilita a atracção para Portugal de empresas com elevado Know-how no âmbito das energias renováveis (conhecimento técnico). Os parceiros internacionais também beneficiam e utilizam o contacto pessoal para entrarem mais facilmente no mercado Ocidental. A dimensão cultural revelou-se muito relevante, embora não assumida (mas implícita!). Estratégias/Serviços de Marketing de acordo com cada país. Área de negócio de acordo com cada país (flexibilidade e adaptabilidade) Centralização da tomada de decisão da rede em Lisboa. Concentração de capital Sede administrativa em Lisboa A Internacionalização de Lisboa através das Redes Transnacionais Étnicas 31 Que características especiais têm estes empresários para a construção de redes transnacionais, que internacionalizem do espaço económico? 32 • • • Aspiração de trabalho por conta própria – iniciativa individual Visão de futuro de longo prazo Investe na qualidade (talento) → permite expansão da rede de contactos e por conseguinte da rede transnacional (empresarial) Iniciativa de ser empresário ligada a herança familiar/cultural (cultura de negócio). Contudo, este projecto nasce de inspiração individual. Broker do investimento. Intermediário com conhecimento. Nós somos o ponto de intercâmbio para os incentivarmos a investirem em Portugal • Confiança dos investidores; • Conhece a estrutura de oportunidades (forte investimento em energias renováveis em Portugal) • Conhecimento da tecnologia (parceiros europeus com conhecimentos em energias renováveis) Heranças culturais. Está no nosso sangue comercializar Recorrem a Feiras Internacionais para conhecerem novos projectos, novas marcas Ser indiano, ajuda nos negócios em qualquer parte. Se não fossemos indianos a empresa teria tido um percurso diferente. Decisão é sempre familiar. A Cultura e a religião são muito importante para nós. MIGRARE working paper