Correio Braziliense
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CMYK BLZ-1 CORREIO BRAZI LI ENSE Brasília, 31 de julho de 2007 A SUSTENTÁVEL BELEZA DO SER ERICA ANDRADE, DA EQUIPE DO CORREIO (TEXTO) E MONIQUE RENNE, ESPECIAL PARA O CORREIO (FOTOS) com o apoio do Correio Braziliense — mostra mulheres muito diferentes, mas com trajetórias que se cruzam em um território universal: a busca pela beleza e o bem-estar. São responsáveis por um ciclo econômico destinado a cumprir o mais importante desafio de nosso tempo: o do desenvolvimento sustentável, que pretende romper o círculo vicioso do desperdício, da pobreza, do desemprego e da degradação do meio ambiente. Encontramos na Amazônia o exemplo de um dos mais bem-sucedidos projetos de sustentabilidade. Foi só o começo de uma viagem que confirmou um dos pilares da conferência Rio-92: a visão feminina da relação dos seres humanos com a natureza tem potencial transformador. BLZ-1 Às 6 horas da manhã, em Rondônia, Eclecir (foto) toma chimarrão antes de ir para a roça. Em São Paulo, Sandra começa o trabalho na fábrica de cosméticos. M aria Jocelin, no Rio Grande do Sul, arruma os netos para irem à escola. Depois, segue ao encontro de suas clientes. Em Brasília, Regina ainda dorme, trabalhou até a noite e só retoma o expediente à tarde. A extrativista, a operária, a vendedora e a consumidora. Quatro mulheres de vidas, hábitos e condição social distintos. Quatro vozes femininas que narram, por meio de suas histórias de vida, o ciclo de produção da beleza. Esta reportagem — patrocinada pela Fundação Avina, por meio de uma bolsa de investigação jornalística, CMYK BLZ-2 CMYK CORREIO BRAZI LI ENSE 02 ediS torial O projeto que deu origem a este trabalho foi ganhador das Bolsas Avina de Investigação Jornalística.A Fundação Avina não é responsável pelos conceitos, opiniões e outros aspectos de seu conteúdo. Norte e se tornou exemplo de manejo responsável da natureza, de onde sai o sustento de muitas famílias sem, contudo, destruir a floresta. Foi o ponto de partida para uma reportagem que nasceu com a pretensão de mapear o ciclo de produção da beleza no Brasil, a partir de projetos de desenvolvimento econômico sustentável. Por trás da extração da matéria-prima dos cosméticos, da fabricação, da com ercialização e do consum o dos produtos, sabíamos que existia uma cadeia feminina. Mulheres extrativistas, operárias, vendedoras, consumidoras. A repórter Erica Andrade e a fotógra- O desenvolvimento econômico sustentável envolve questões pertinentes ao campo da ética, não apenas ao universo econômico. “Há 10 anos, quem falasse sobre sustentabilidade estaria sonhando”, diz Marcel Bursztyn, diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Na opinião do professor, essa tendência está mais assimilada e isso se deve à constatação de que os efeitos causados pelos danos ambientais, espe- rados apenas no longo prazo, já podem ser detectados. Um dos m arcos dessa virada foi a publicação, em 2006, do Relatório Stern, docum ento preparado pelo economista britânico Nicholas Stern, a pedido do então primeiro-ministro Tony Blair. De acordo com o relatório, o aquecimento global terá um impacto devastador sobre a econom ia m undial, com perdas avaliadas entre 5% e 20% do PIB mundial, por ano. Além disso, os relatórios do Painel Intergovernam ental para a Mudança Climática (IPCC) alertam para o derretimento das calotas polares e o aumento no nível do mar em algumas regiões. Um dos relatórios aposta no alto po- CMYK Estragos locais, danos globais fa Monique Renne foram buscar os depoimentos dessas mulheres em Rondônia, em Belém do Pará, em São Paulo, Porto Alegre, além do Distrito Federal. De idades, condição social, cultura e hábitos diversos, elas alimentam uma indústria que faturou no ano passado R$ 17,7 bilhões — quatro vezes mais do que 10 anos atrás. Contar como é o ciclo da beleza, a partir de um processo de produção sustentável e da história de mulheres, é a intenção deste caderno especial. A reportagem é a execução de um projeto premiado com a Bolsa Avina de Investigação Jornalística para o Desenvolvim ento Sustentável, que destinou US$ 5 m il para este trabalho. Entre 600 inscritos de todo o continente americano, a proposta de pauta de Erica foi um a das sete brasileiras selecionadas pelo júri em outubro do ano passado. O objetivo da Fundação Avina, que ajuda a p r om over o desen vol vi m en t o su st en t ável n a Am éri ca Lat i na, e do Cor r ei o Br azi l i en se, que apoiou a execução desta reportagem, é contribuir para sol uções sust en t ávei s. Hoj e, m ost ram os uma delas e as conseqüências que percorrem todo o processo de produção da beleza no Brasil. t en ci al da Fl orest a Am azôn i ca con t ra os efei t os do aquecim ento global. Pesquisadores estim am que inibi r o desm at am en t o poder i a reduzi r em at é 12% as emissões de gases do efeito estufa. Para que isso ocorra, são necessárias atividades que aliem preservação ambiental à redução da pobreza. Do discurso à prática, entretanto, as com unidades amazônicas ainda enfrentam problemas básicos, e o resultado desses embates será decisivo para preservação, ou não, da floresta. Por onde com eçar?Visitam os um projeto cham ado Reca, um bom exem plo de que essa missão é possível. BLZ-2 e há uma característica genuinamente brasileira e sempre festejada é a beleza de nossa natureza. Mas se há um aspecto negativo e sempre lembrado mundo afora é a nossa capacidade de destruí-la. Existem exceções, muito poucas. Fomos em busca delas. E não foi perto nem rápido: percorremos aproximadamente 8.500 quilômetros — de avião, carro e mais algumas horas sacolejando em pequenos barcos. Chegamos primeiro a Nova Califórnia, em Rondônia, onde funciona uma ilha de sustentabilidade — o projeto que agregou a experiência cooperativista do Sul à cultura de plantio do Brasília, Distrito Federal, 31 de julho de 2007 EXPEDIENTE Diretor de Redação: Josemar Gimenez Editora-chefe: Ana Dubeux Editor-executivo: Carlos Marcelo Reportagem: Erica Andrade (textos) e Monique Renne, especial para o CB (fotos) Edição: Cristine Gentil Edição de fotografia: Luís Tajes Edição de arte: João Bosco Revisão: Eduardo Pinho CMYK CORREIO BRAZI LI ENSE Brasília, Distrito Federal, 31 de julho de 2007 BLZ-3 03 A EXTRATIVISTA Ela saiu do Sul ainda menina para desbravar o Norte com a família. O sonho de terra fácil e colheita farta ainda é um eldorado distante, mas a extração e o plantio responsáveis já são realidade O HÁBITO DE SABOREAR O CHIMARRÃO VEIO DO SUL, ONDE CHICA NASCEU. O SUSTENTO, ELA TIRA DO QUE COLHE NAS TERRAS DO NORTE: O CUPUAÇU SERVE DE BASE PARA VÁRIOS PRODUTOS DE BELEZA DE QUE ELA NUNCA NEM VIU A COR Opção verde “ Quando a gente chegou aqui, queria destruir, desmatar e fazer roça”, conta Chica. No final dos anos 80, era possível cam inhar uns 4km dentro da m at a fechada n o sít i o do Ram al Cascalho. Atualmente restaram 400m de floresta intocada. Do ímpeto da derrubada à virada ecológica, foram mais ou menos três anos. O impulso veio de r ecu r sos d e u m a ON G holandesa: US$ 958 para cada agricultor, em quatro parcelas. O dinheiro foi usado n a plan t ação de cup uaçu e n o refl orest am en t o. A associ ação incentivou a mudança da mentalidade e dos velhos hábitos: aboliu o uso do veneno nas plant ações, as quei m adas e derrubadas de ár vores. Os agricultores encararam o desafio. Após 10 anos, nove fam ílias da região ganharam um selo de certificação orgânica para os seus produtos. Incluindo a família Talini. Chica é a vice-presi dent e do Reca. RApesar da pouca escolaridade (só o ensino fundam ental), ela defende com argumentos sólidos o projeto: “ Quanto mais qu al i dade n o cu l t i vo, m aior a saída de produtos. Se não fosse o reflorestam ento, nós não ter íam os n ada”. Al ém da cultura de subsistência, fei jão e arroz, a fam íli a p l an t ou m i l p és de cu puaçu. Na safra, entre fevereiro e maio, colhe cerca de 60 sacos da fr u t a por dia. A polpa é processada e aproveitada na indústria alimentícia; o caroço, do qual se produz o óleo, é matéria-prima na indústria cosmética. No sítio existem ainda 3 mil pés de pupunha para tirar sem ente e fazer m udas. E ou t r os 8 m i l p és que produzem 2.000kg de palmito de pupunha por ano. Tudo certificado. Fora dos períodos de colheita, Chica se dedica a cuidar da plantação, podar, limpar e recolher as vassouras de bruxa. Ela prefere trabalhar na roça a cozinhar, e conta com a ajuda do marido nas tarefas domésticas. Vilson lava pratos, faz comida, só não sabe cuidar das roupas. Falta alguma coisa? Ela fixa os olhos azuis e fala com calm a: “ Só uma estrada. Seis meses de chuva são seis meses BLZ-3 “P CMYK õe a semente na terra, não será em vão. Não te preocupe a colheita, plantas para o irmão.” A extrativista Eclecir Sordi Talini, 37 anos, gosta de cantarolar canções da Igreja enquanto cumpre, com prazer, tarefas voltadas para a terra: plantar, colher, cuidar da plantação. Antes de sair para a lida, ela escova os longos cabelos de forma desajeitada, como se estranhasse a tarefa. Coloca um chapéu na cabeça pela manhã e só o tira à noite. Eclecir não é um a m ulher vaidosa. Não pinta as unhas das mãos. Um desbotado esmalte vinho está esquecido nos pés, obra dela própria. Maquiagem, nem pensar. A semente do cupuaçu recolhido em seu pedaço de chão transforma-se em óleo e matériaprim a para um a cadeia de cosm éticos: crem es, condicionadores de cabelo, xampus. Ela se orgulha de fazer parte desse ciclo, mas brinca: “Quase sempre é gente chique que usa esses produtos”. Catarinense de Concórdia (SC), Eclecir mora a 4.500km da terra natal, em Nova Califórnia, Rondônia. Todos a conhecem com o dona Chica. O apelido foi iniciativa do padrinho, que a chamava de Chiquinha. Chegou ao Norte aos 8 anos. No final dos anos 70, o pai ouviu no rádio uma propaganda do governo sobre distribuição de terras para os agricultores na região e decidiu: “ Vamos para a Amazônia que é um lugar bom”. Vendeu a granja de suínos e a lavoura de fum o e foi para Rondônia com a mulher e três filhas. Foram oito dias de viagem até Colorado (RO), onde viveram precariamente por mais de 10 anos sem energia elétrica e estrada. Em 1987, quando a vida começava a se estabilizar, foram atraídos pela oferta de lotes do Incra, em Nova Califórnia. Foi um duro recom eço. Nessa época, o sítio do Ramal Cascalho ainda era um seringal. Chica já estava casada com o também catarinense Vilson Talini, hoje com 52 anos. Vilson jurava aos amigos que iria se casar com Chica, que desdenhava o futuro marido, 15 anos mais velho que ela: “De careca e barrigudo basta o meu pai”. A pronúncia do “r” ecoa o ainda forte sotaque sulista. O casal gastou um ano para erguer, tábua por tábua, a casa de madeira de dois quartos onde a família mora. A malária era avassaladora. Chica passou doente pelos nove meses de gravidez do primeiro filho. Com 20 dias de vida, o bebê adoeceu, teve febre, dor de cabeça, desmaios. Sobreviveu. A m alária é um m al latente. Pelo m enos uma vez ao ano, algum membro da família da extrativista tem uma recaída. Apenas o neto Tiago, de 3 meses, ainda não contraiu a doença. Ao buscar o posto de saúde, corre-se um certo risco por causa da falta de comunicação. Os médicos que norm alm ente atendem em Nova Califórnia são bolivianos ou peruanos. Poucos brasileiros se aventuram pela região. de sofrimento”, avalia. Há quatro anos, eles compraram um microtrator, a única forma de transporte capaz de vencer as estradas de terra no período chuvoso. O jeriquinho, como é chamado o veículo, leva a produção do sítio para o Reca. O desejo da extrativista faz sentido. Em um dia fatídico, sem estradas e sem o jeriquinho, 100 sacas de cupuaçu foram perdidas. Chica mora com os quatro filhos, nora e neto. Três dos filhos nasceram em hospitais da região. Apenas o segundo, Marcelo, 17 anos, nasceu pelas mãos de dona Irene, uma parteira que trouxe m ais de 200 crianças ao m undo. O problem a é que dona Irene só fazia os partos bêbada. No nascimento de Marcelo, tomou uma garrafa de pinga. Apesar do detalhe, a parteira nunca perdeu a credi bi li dade. O caso pode soar absurdo para mulheres urbanas, mas a história de Chica cont ém t r aços de culpa univ er sal m ente fem i n i n os: O Projeto de Reflorestamento o p ou co Econômico Consorciado e Adensado t em po de (Reca) é considerado pelos especialistas d ed i cacomo um dos mais bem-sucedidos ção aos fiexemplos de desenvolvimento l h os. “ Eu sustentável no Brasil.A associação, fixada queria esem Nova Califórnia, adotou uma t ar m ai s alternativa de plantio que concilia os presen t e, desafios ambientais com o m as estadesenvolvimento econômico e social da va p r eocomunidade associada. cu p ad a em sobreviver. Saía d e m an h ã, en qu an t o eles dormiam. Retornava à noite, quando eles já tinham ido para a cama”, relembra. Há menos de um ano, a energia elétrica chegou ao sítio. A reunião da família em frente à TV passou a se estender até o fi nal da novela das o i t o. U m r eco r d e. O so n o ch ega ced o p ar a quem acorda às 5h30. Antes de preparar o café, servido com bolo ou biscoitos, Chica toma chim arrão. Reproduz o hábito sulista, preservado m esm o quando, pela m anhã, os term ôm etros marcam 24 graus. “ Nunca pensei em levar uma vida diferente.” Cidade? Só a passeio. Ela m orou por seis m eses em Cerejeira, um pequeno m unicípio vizinho, e não gostou. “A gente não tem liberdade.” Ao som do Gaúcho da Fronteira tocado em aparelho de DVD, Chi ca di vaga: “A vi da n ão é fáci l, m as quan do eu puder quero descansar por aqui mesmo”. BLZ-4 CMYK CORREIO BRAZI LI ENSE 04 Brasília, Distrito Federal, 31 de julho de 2007 De Nova Califórnia, em Rondônia, a Igarapé-Miri, no Pará. Do cupuaçu e do açaí provém a renda de mulheres e suas famílias. E do trabalho delas surgem os resultados concretos do que se chama desenvolvimento sustentável terra”, dizia o slogan do governo Médici, na década de 70. Para o regime militar, era essencial que o Estado e o povo estivessem presentes na Amazônia rica e fronteiriça. Na estratégia, transparecia a doutrina de segurança nacional do “integrar para não entregar”.A propaganda estatal surtiu efeito. Milhares de famílias deixaram os estados de origem e seguiram rumo ao Norte. Estima-se que Rondônia, então com 150 mil habitantes, recebeu mais de 1 milhão de pessoas, entre os anos de 1970 e 1985. ● Em um dos assentamentos fundiários do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra), na Ponta do Abunã (RO), próximo à fronteira com o Acre, os agricultores migrantes abriram milhares de clareiras na floresta para plantar as culturas com as quais estavam habituados: arroz, feijão e milho. Mas, em pouco tempo, a fertilidade das terras estava exaurida.Abandonados pelo poder público, atordoados pelos sucessivos surtos de malária, muitos deixaram os lotes, partiram para os centros urbanos ou voltaram para os estados de origem. Outros continuaram avançando pela floresta, reproduzindo o ciclo: desmatamento, plantio, esgotamento do solo, busca de uma nova área para desmatar. havia uma floresta no meio do caminho ● Nova Califórnia é um distrito de Porto Velho (RO), com cerca de 3 mil habitantes, localizado à margem da rodovia BR-364, a 360km da capital. Mas a proximidade com Rio Branco (AC), 150 km, faz com que os moradores se sintam mais acreanos que rondonienses, de coração e por necessidade. Na terra que beira o asfalto, a floresta é rara.A paisagem está mais para cerrado. Pelo caminho pipocam serrarias — em 8km, quatro delas. ● A Avenida dos Pioneiros corta Nova Califórnia de fora a fora. Na horizontal, ruas com mais ou menos 20 casas completam o perímetro urbano. Os nativos são poucos, CMYK ● “Terra sem homens para homens sem O chei ro adoci cado do cupuaçu i m pregn a o puaçu que ajuda a processar pode ser uma prateam biente da fábrica. Diariam ente. Por essa leira de supermercado, no caso das polpas, ou uma razão, Catiuscia evita consum ir a fruta sob vitrine de cosm éticos, cujo grau de sofisticação qualquer tipo de preparo: suco, doces, cre- não encontra parâmetro em seu mundo indecoromes. Mas certa vez, curiosa, ela comprou um samente simples. Sabonete, xampu, creme e prosab on et e d e cu p u açu . Gost ou d o ar om a, tetor solar resumem o arsenal de produtos de belemais sofisticado, diferente do rotineiro. Para za da m oça. “ Não gosto de cui dar de cabelo, de chegar àquela textura e cheiro, e depois ser vendi- unha. Acho que sou diferente da maioria das mudo m undo afora, o fruto percorreu um longo ca- lheres”, conta Cath, que se casou aos 18 anos com minho e a menina de nome russo, nascida em Rio um cearense. Branco, no Acre, e filha de migrantes de Santa CaO que em outras regiões do país poderia ser intarina está lá no início dele. terpretado com o desleixo pode ser explicado de Catiuscia Picinini Sordi, conhecida como Cath, maneira banal: vaidade por essas bandas não é vapertence à segunda geração de pessoas cuja histó- lor que se preze — ou, ao menos, ela adquire outra ria se confunde com a do Projeto Reca. Os cabelos feição. O que envaidece Cath e os demais herdeiros loiros e os olhos azuis emolduram um rosto quase do projeto Reca é perpetuar um legado. “No futuro, angelical, que revela sua descendência, mas enco- quem vai cuidar disso aqui som os nós. O Reca é bre os 19 anos de idade. A aparente infantilidade, fruto da luta dos nossos pais, é responsabilidade entretanto, não sobrevive ao relato da rotina na fá- nossa”, avalia Cath. brica de processamento. São oito Para manter esse horas diárias em atividades divínculo e não deixar versas. Em um a delas, os braços que as gerações fudelgados executam a seqüência turas percam as raíFruta nativa da Amazônia.A polpa é aproveitada de lacrar a em balagem da polpa zes, o Reca i n vest e pelo setor alimentício e o óleo, extraído da d e cu p u açu e acom od á- l a em na educação dos fisemente, pelas indústrias de cosméticos. Os frutos uma caixa. Na safra, são proceslhos dos associados. do cupuaçu não são coletados no pé, mas sados m ais de 12 m il pacotes de For n ece b ol sas d e maduros, após a queda.A planta se adapta bem à 5kg do produto por dia. estudo, com o a que sombra, e por essa razão pode ser usada na Cath trabalha sem ter uma nomanteve Cath na Esformação de consórcios com outras espécies ção exata do fim dessa cadeia. Sacola Família Agrícoflorestais. be apenas que o destino do cul a It ap i rem a, em Ji frutos da união entre cearenses e catarinenses, mineiros e amazonenses, paulistas e acreanos. Migrantes que foram atraídos pelo sonho da terra e sobreviveram à malária, à praga da vassoura-de-bruxa e das formigas, à violência, à lama que deixava as estradas intransitáveis. ● Diante das intempéries, os agricultores Paraná, que fica a 12 horas de ônibus de Nova Califórnia. O colégio funciona em sistema de internato, onde alunos permanecem por 15 dias. O restante do m ês, eles passam nas propriedades rurais das famílias, aplicando os conhecimentos adquiridos. Enquanto estudava, Cath resistiu às tentações das festas e fugas, comuns aos adolescentes desgarrados das fam ílias. Sob seus om bros pesava a responsabilidade com a associação. No regresso quinzenal, participava das reuniões para falar sobre o aprendizado. “Não dava para dizer que tinha ido mal. Eles estavam apostando que a gente teria um futuro melhor”, avalia. Ela pretende continuar os estudos, cursar faculdade de biologia. A falta de dinheiro ainda barra o sonho. Os herdeiros do Reca têm uma vida mais confortável que a dos pais migrantes. No entanto, quase como um ritual, eles relembram os momentos difíceis com o se inspirassem um futuro prom issor. Quando Cath nasceu, a m ãe estava com m alária. Até os 7 anos dela, não havia água encanada no sítio onde a família morava. Para tomar banho ou cozinhar, era preciso recorrer a um açude. A casa era de chão batido; o fogão, a lenha. Sem energia elétrica, Cath não assistia à televisão, mas apreciava os desenhos animados que, eventualmente, flagrava nas visitas à cidade. Na adolescência, o pai com prou um motor a diesel e uma TV, que era ligada à noite, apenas durante o jornal e a novela. As três filhas queriam mais. Cath continua querendo. E não só o que vê na televisão. perceberam que teriam mais chance de sobreviver se estivessem juntos e fundaram, em fevereiro de 1989, com 80 associados, o Projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca). A associação celebrava o casamento entre a mentalidade cooperativista da região Sul e a cultura de plantio do Norte.Vencidas pela natureza, as famílias se renderam à floresta. BLZ-4 A corrida para o Norte: o começo de tudo EM MEIO AO CUPUAÇU, CATIUSCIA APRENDE AS LIÇÕES DO COOPERATIVISMO E HERDA OS ENSINAMENTOS DE UM PROJETO MODELO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL Reflorestaram a área com árvores nativas. Cultivaram de forma sustentável frutos típicos da Amazônia, como cupuaçu, açaí, pupunha, castanha, andiroba. Descobriram também que o modo de produção agrícola tradicional, que usa veneno e fogo, dificultava o acesso ao financiamento de recursos e apostaram na preservação para atrair investimentos. BLZ-5 CMYK CORREIO BRAZI LI ENSE Brasília, Distrito Federal, 31 de julho de 2007 05 Liderança na terra,no grito e na raça d A antropóloga Lígia Simonian, autora do livro Mulheres da floresta amazônica: entre o trabalho e a cultura, explica que as mulheres — no interior ou no meio urbano — têm se mobilizado por lutas referentes ao gênero, mas também em relação àquelas de natureza econômica, política e sociocultural.“Essa é uma tendência global e assim acontece também na Amazônia e com as mulheres dos projetos Reca e Mutirão”, avalia a pesquisadora. Para Lígia, na Amazônia, as mulheres encontram muitos entraves em suas buscas e lutas.“No meio rural a maioria trabalha em excesso, acaba sendo responsável pelo provimento das necessidades da família. Muitas ainda enfrentam a violência doméstica exacerbada”, ressalta. Na opinião da pesquisadora, essa realidade parece muito similar à experimentada por uma parte significativa de mulheres, inclusive as que vivem nas cidades. Mas é preciso considerar o diferencial representado pelo isolamento das comunidades.“Há uma dificuldade extrema dessas mulheres terem seus gritos de dor ou pedido de socorro ouvidos, perdidos nas ondas sonoras de um espaço muito amplo”, avalia a pesquisadora. Em algumas localidades, vizinhos, parentes ou mesmo autoridades policiais e judiciais encontram-se a quilômetros de distância. ● Os agricultores produziram mudas e cultivaram as áreas a partir de mutirões organizados pelos líderes e coordenadores.Sedentos por informações,organizaram cursos de capacitação. Assim,os associados do Reca conseguiram produzir e comercializar os produtos.Em 1995,a fábrica beneficiou 155 toneladas de cupuaçu; em 2006,chegou a 533 toneladas. como nhecida antio ca é co pl pelo Re e consiste no adotada , qu s, que ica F) A ira cn (S re té ei al A rest mad z, Agroflo ár vores as como arro Sistema cies nativas e ol ríc sse ag s de espé o com cultivo om a adoção de junt os ao a. C crescem o ou mandioc versos produt F di ilh SA feijão, m possível colher especialistas, o ento é sistema, um ano. Para os o desenvolvim ra inho pa azônia. longo de m ca Am ta um da en l es ve pr re sustentá Mutirão para crescer, um esforço heróico Às 17 horas, os alto-falantes fixados nos postes de energia elétrica começam a transmitir o programa de rádio da Igreja Pentecostal. A pregação diz: “Igarapé-Miri vai crescer e prosperar, para a libertação e cura da cidade”. Apesar do discurso esperançoso do pastor, a realidade dos mais de 60 m il habitantes ainda não reflete o sucesso com ercial do produto-símbolo do município paraense: o açaí. A produção anual da fruta é de mais de 9 mil toneladas e as fábricas locais exportam a polpa para diversos países. Entretanto, a renda média da população é de R$ 247 mensais. A infra-estrutura é precária, com regiões onde não há tratamento de água, nem coleta de lixo. O asfalto é cheio de buracos, onde a chuva empoça. O lixo fica amontoado nas esquinas, sob o calor e a alta umidade do ar. Na tentativa de mudar a realidade dos trabalhadores rurais, em 1990, com a ajuda de uma ONG italiana, alguns produtores de Igarapé fundaram o projeto Mutirão. O terreno da associação fica a meia hora do município, subindo o Rio Igarapé de voadeira. Ali, os associados garantem a sobrevivência com o plantio e a preparação de mudas de açaí, mas cultivam também de forma consorciada outras espécies como cacau, cupuaçu e andiroba. A sede, que funciona como um centro educacional e de treinamentos, conta com estrutura de moradia e alimentação para os alunos. O Mutirão tem o apoio de ONGs, empresas estatais, sindicatos, da prefeitura e do governo do Pará. No início de abril de 2007, entretanto, as aulas ainda não haviam começado. O projeto estava em compasso de espera por recursos. Além do escasso apoio financeiro, desde 2000, os produtores associados lutam para manter o selo de certificação orgânica do produto. Arrependem-se do passado, quando fizeram “algumas loucuras” como, por exemplo, derrubar todas as espécies nativas para plantar açaí. A comercialização da safra é um ponto crítico do processo. Para comprar a produção, muitas empresas fazem uma série de exigências, como a existência de laboratórios para análises químicas. O baixo preço pago aos produtores pelo açaí na safra também motiva reclamações. A proposta do Mutirão é comercializar coletivamente o açaí, evitando a ação dos atravessadores. Muitos empresários, no entanto, preferem adquirir a fruta diretamente de um único vendedor. Quando a negociação é individual, o lucro fica para terceiros e não para a comunidade, verificam, na prática, os associados. Coopfrut era a única fábrica de processamento de açaí no município, hoje são três.Todas motivadas pela descoberta das propriedades antienvelhecimento da fruta, que é consumida como suplemento alimentar entre os surfistas e nas academias de ginástica. ● Para ●O Açaí tipo exportação ● Inglaterra, Itália, Canadá,Austrália, Estados Unidos e Japão. O açaí processado pela Cooperativa Agroindustrial de Trabalhadores e Produtores Rurais de Igarapé-Miri (Coopfrut) atravessa o mundo.A produção média anual é de 500 toneladas de polpa pasteurizada de açaí, incluindo um mix com guaraná.A cooperativa começou a funcionar em 2002 e reúne 16 associações de produtores do município, incluindo o projeto Mutirão.A CMYK projeto Reca é gerido exclusivamente pelos agricultores. Hoje, são mais de 360 associados. Os grupos escolhem os coordenadores e dividem os cargos da diretoria. Para viabilizar o projeto, os produtores evitam a dependência a um só produto. Além de beneficiar o cupuaçu, o Reca vende sementes certificadas de pupunha e exporta o palmito produzido de forma artesanal para a França. A associação também beneficia e comercializa polpas e essência de espécies regionais como araçá-boi, açaí, mogno, seringueira, copaíba, andiroba, cerejeira, entre outros. Para os associados, a riqueza maior está nos valores: coletividade, divisão de tarefas e muito diálogo. ntar. Plantar e replaolher E só então c A JORNADA DE RAIMUNDA É ÁRDUA: COMO EXTRATIVISTA, COLHE O AÇAÍ QUE ABASTECE A INDÚSTRIA. COMO LÍDER COMUNITÁRIA, GARANTE MELHORES CONDIÇÕES PARA AS MULHERES AMAZÔNICAS que a renda obtida com o produto permaneça no município, a Coopfrut processa apenas o açaí comprado dos cooperados e estipula critérios. Os proprietários não podem manter uma monocultura de açaí, têm a obrigação de plantar outras espécies. Ainda há outras regras: não desmatar, não queimar, não usar produtos químicos, não usar trabalho infantil, não jogar lixo no rio. Exigências para que o açaí ganhe o selo de produto orgânico. ● A cooperativa tenta também pagar um preço justo aos cooperados, mas tem dificuldade na entressafra quando o preço do açaí dobra de valor.“O açaizeiro produz seis meses no ano e a produção tem que atender também a população ribeirinha, que consome o produto com farinha e peixe”, ressalta José Hermínio Feio, consultor da cooperativa.A Coopfrut tenta disseminar a idéia de plantio de culturas alternativas como mandioca, feijão e milho, para que o produtor tenha renda fora do BLZ-5 Mulheres da Amazônia o cupuaçu de dona Chica e Cath ao mulheres da Amazônia e buscou energia açaí de Raimunda da Costa. De No- para as mudanças no poder da organizava Califórnia (RO) a Igarapé-M iri ção. Sempre houve pouco debate sobre a (PA), a matéria-prima da beleza mu- situação feminina, especialmente em teda, mas a história da luta feminina mas como saúde, problemas financeiros se confirma. Raimunda ingressou e educação dos filhos. Com o apoio dos pela primeira vez numa sala de aula movimentos associativos, a agricultora aos 30 anos. Em uma mão, o caderno; viu a vida da população m elhorar um na outra, a lamparina. A escola funcio- pouco, mas a situação ainda é ruim, esnava à noite e não tinha energia elétrica. pecialmente para as mulheres idosas e A iniciativa de estudar nasceu em um doentes. “Por aqui, os problemas de saúdaqueles m om entos que ela adoraria de mais sérios demoram a ser descoberesquecer : Rai m un da preci sou fazer tos. A ginecologista vem uma vez por seuma leitura em público. “Falei tudo er- mana e atende poucas mulheres.” Se a rado. Aquilo foi um estímulo para me- prevenção é precária, as alternativas de lhorar, e não passar m ais vergonha”, tratamento estão mais distantes ainda: a conta, rindo. Mas, para Raimunda, a es- 78km, em Belém. Apesar de lutar pela cola de verdade foi mesmo a participa- saúde das com panheiras, Raim unda ção no movimento sindical e na Igreja descuida da própria. A última consulta Católica. “ Tudo o que consegui na vida foi há três anos. eu devo à comunidade”, diz . Ela contiEla teve os seis filhos pelas mãos das n ua at i va n os m ovi “cur i osas”, comentos de base, é vim o er am coce-presidente da Asn h eci d as as sociação de Mulheres parteiras. MesMuitos produtos da floresta como a de Igarapé-M iri e, há m o quan do os andiroba, o cupuaçu, a copaíba e a qu at r o an os, assofilhos eram pecastanha ganharam espaço como aliados ciou-se ao projeto Muqu en os, n ão na luta feminina pela beleza e bem-estar. tirão (nesta página). aban don ou as O novo participante desse ranking é o Com 43 anos de idareuniões da coaçaí, já conhecido como produto de, a agricultora admim u n i d ad e. A alimentício, especialmente por suas nistra com cuidado o at uação gerou características antienvelhecimento.A pedaço de t erra que conflitos no canovidade fica por conta do uso do açaí no ganhou do pai. Se na sam en t o. universo dos cosmésticos.As empresas hora da colheita a si“Quando eu me estão utilizando o produto na fabricação tuação aperta, ela cocasei, meu made óleos e cremes antiidade, mas também loca a peconha (laço rido achou que condicionadores e xampus.Apesar de não de corda para apoiar ia tom ar conta terem contratos firmados com as os pés e subi r n os de mim. Mas eu cooperativas, buscam os frutos nas açai zei ros, que m esempre quis vicomunidades para repor seus estoques. dem mais de 10m) paver de forma inra ajudar a recolher a d ep en d en t e”, fruta.Está habituada conta. ao trabalho. Filha mais velha de 12 irDepois de um breve período de semãos, nasceu em uma região ribeirinha paração, o casal retomou o relacionano município de Igarapé-Miri, em um lo- mento. Ele aprendeu a respeitar o escal formado por grandes canaviais. Rai- p aço del a. Rai m u n da ai n da escu t a munda ajudava na plantação de cana. brincadeiras masculinas sobre as muNo final dos anos 70, o ciclo canavieiro lheres ocuparem muito espaço. Entrechegou ao fim, inaugurando uma era di- tanto, para a m aioria das fam ílias da fícil. “Durante essa crise, com fome, o po- região, o trabalho feminino representa vo atacou o rio, muitos peixes desapare- a única possibilidade de execução do ceram”, relembra. Alguns vizinhos mi- orçamento doméstico. “A gente se une graram para a capital onde, sem estudo, para ter m ais conhecim ento e trabacontinuaram a enfrentar dificuldades. lhar em parceria, não para se contraRaimunda viveu as agruras típicas das por aos homens”, justifica. período da safra. Mas a grande preocupação de Hermínio é de que, em um futuro breve, Igarapé-Miri seja o palco de uma luta desigual entre as grandes empresas e os pequenos produtores pelo açaí. CMYK CORREIO BRAZI LI ENSE 08 O que é o acesso ao conhecimento tradicional associado? É a obtenção de informação sobre conhecimento ou prática individual ou coletiva, associada ao patrimônio genético, de comunidade indígena ou local, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando sua aplicação industrial.A partir desse conhecimento, são aprendidas práticas medicinais importantes, por exemplo. Como é o processo de repartição de benefícios? Após a autorização de acesso dada pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, do Ministério do Meio Ambiente (Cgen), é assinado um contrato. A instituição se compromete a dar parcela dos recursos da comercialização do produto para aquela comunidade. O direito à repartição pertence ao proprietário da terra de onde foi coletada a amostra para fazer a pesquisa que gerou o produto. Não de onde sai a matéria-prima. Qual a principal vantagem para as comunidades? Os contratos permitem que as comunidades tenham um incremento na renda, tanto nos casos de conhecimento tradicional ou amostra de patrimônio genético. Em muitos casos, os recursos foram investidos em projetos de sustentabilidade como saúde, educação ou no processo produtivo. Existe algum tipo de penalidade? O contrato só tem validade após a anuência do Cgen. Se não for cumprido, o órgão pode aplicar multas e sanções, como o embargo das atividades, por exemplo. Entretanto, o Conselho não interfere no valor do benefício a ser pago estabelecido nos contratos entre as partes. Produtora, vendedora e consumidora, dona Cheirosinha é um capítulo à parte na indústria caseira de cosméticos. Das ervas da Amazônia, retira o sustento, o remédio e a graça Artífice da própria beleza “D i ga meu amor, diga meu querido.” Dona Cheirosinha repete várias vezes por dia o bordão. É assim que se diferencia da concorrência no mercado de ervas mais famoso do país, o Ver-o-Peso, em Belém (PA). Na verdade, nem precisa do grito, basta a vista. A banquinha multicolorida e a dona se misturam, viram uma só paisagem. Ali, vendem-se saúde e bem-estar, principais motivações dos freqüentadores da feira. Óleos medicinais, garrafadas para artrite, artrose, impotência, reumatismo. Mas também tem perfum es especiais que atraem sorte, saúde, felicidade, nam orado. “ Pode acreditar que funciona de verdade”, garante Cheirosinha. Entre os mais vendidos, está o perfume Atrativo do amor, uma mistura de ervas de nomes sugestivos: agarradinho, chega-te a mim, pega e não-me-larga. Sorridente, Cheirosinha expressa com perfeição o sentido da palavra faceira. Nos cabelos, ostenta uma folha de peão roxo, planta indicada para espantar o olho gordo. Fala com desenvoltura, até que um cliente chega e interrompe a conversa: “Ouvi falar da senhora de longe. Estou precisando da senhora demais. Fiquei sabendo que faz milagres”, diz. Precipitadamente, dona Cheirosinha deduz: “ Eu tenho o viagra natural…”. Demétrio Menezes, 72 anos, dá uma gargalhada e explica que o caso é outro. Recifense, Demétrio estava a turismo em Belém. O aposentado procurava uma erva recomendada para problemas de próstata, encomenda de um amigo. “Ah, bom”, responde a vendedora. Cheirosinha é a terceira mulher de uma geração de erveiras. A história familiar de manipulação de ervas amazônicas vem de quase 100 anos. A avó, conhecida como Mãe Velha, aprendeu os conhecimentos com os índios e os caboclos ribeirinhos. Passou a tradição para a filha, dona Cheirosa, que repassou para dona Bete Cheirosinha. Quando Mãe Velha veio de Abaetetuba, no interior do Pará, havia apenas três pessoas trabalhando no Ver-o-Peso, hoje são mais de 80. Dona Cheirosinha — que também atende por Bete Cheirosinha ou Bernardete Freire da Costa — tem 57 anos. Está há 40 no mercado. Trabalha todos os dias do ano, com exceção de quatro datas especiais: o Círio de Nazaré, a sexta-feira santa, o Natal e o ano-novo. “Quando estou doente também não venho, mas é difícil, fico agoniada em casa”, explica. As ervas são preparadas diariamente, à medida que as misturas acabam ou perdem a validade. A rotina começa às 5h: “Eu levanto, tomo café, me arrumo e pinto os beiços…”, conta, rindo. Vaidosa, adora cuidar das unhas e dos cabelos. Mas não aprecia os cosméticos industrializados: “Só uso os meus mesmo. O cabelo, gosto de lavar com capim santo e depois usar a babosa batida no liqüidificador”, revela. A erveira é uma crítica da indústria das plantas amazônicas: “Eles tiram 90% da natureza e do poder das ervas… Natureza pura e fresca só no Pará”, diz. Cheirosinha não concluiu o ensino fundamental. Casou-se aos 16 anos. “O fogo bateu e eu casei logo. A vontade de amar era maior que a de estudar”, brinca. Mãe de nove filhos, a mais velha com 40 anos, fala com paixão sobre a atividade: “Faço meu trabalho com amor, dedicação”. Uma das grandes alegrias é ouvir de um cliente que a erva recomendada deu resultados. Famosa no mercado, já recebeu visitantes ilustres, como o presidente Lula e as celebridades Cláudia Raia, Ana Maria Braga, Regina Casé e Fafá de Belém, esta cliente fiel. “Só pode ser a minha simpatia, eu sou linda e maravilhosa mesmo”, diz, sem modéstia. Patrimônio genético: como conservá-lo Acesso ao patrimônio genético e proteção do conhecimento tradicional associado. Apesar de não entender nada sobre esse assunto, a erveira dona Cheirosinha esteve no centro de uma polêmica que ilustra os meandros do desenvolvimento econômico sustentável no Brasil. Como os mecanismos de regulação são frágeis, em certos casos, há margem para uma série de controvérsias, como a que ocorreu em 2005 entre as vendedoras do mercado Ver-o-Peso e a indústria de cosméticos Natura. As ervateiras detinham o conhecimento do banho de cheiro, produzido a partir da essência das raízes da priprioca e da resina breu-branco. O processo havia sido pesquisado pela Natura e inspirou o lançamento de um perfume. A empresa foi acusada pelas ervateiras de ter se apropriado de seus conhecimentos para a criação do produto. A Natura já havia entrado com vários processos de repartição de benefícios no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente, e se deparou com a necessidade de realizar, na prática, o processo. O problema é que o conhecimento era difuso, muitas pessoas no Pará sabem como preparar o banho de cheiro. Fernando Allegrette, gerente de relacionamento com comunidades da Natura, explica que a empresa precisou agir com cautela. “Algumas definições estavam, e ainda estão, sendo discutidas no governo federal.” Após consultas, a Natura resolveu identificar as vendedoras do Ver-o-Peso em Belém e a comunidade de Boa Vista de Acará (PA) como as pessoas que proveram a informação sobre o conhecimento tradicional do banho de cheiro. Entretanto, antes de chegar a um acordo, as partes enfrentaram um processo de aprendizado. Como explicar a uma comunidade do interior do Brasil o que é repartição de benefícios, patrimônio genético, conservação da biodiversidade?Allegrette conta que a Natura contratou uma ONG de Belém para criar um canal de interlocução. Em dezembro de 2006, foi firmado um contrato de repartição dos benefícios, cujas cláusulas foram debatidas com a comunidade. Parte do acerto é monetária, outra é revertida em benefícios, como a sede comprada pela Natura para montar uma fábrica para as vendedoras do Ver-o-Peso. Regularizada a situação, a Natura se tornou a primeira empresa brasileira a remunerar o conhecimento tradicional difuso. CMYK O que é acesso ao patrimônio genético? É a obtenção de amostra genética para fins de pesquisa científica ou desenvolvimento tecnológico, visando à aplicação industrial.A regra vale para qualquer informação de origem genética, contida em amostras de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo desses seres vivos e de extratos obtidos dos organismos vivos ou mortos. Brasília, Distrito Federal, 31 de julho de 2007 Proteção da biodiversidade “A Natura tinha algum as dúvidas, porque a questão é com plexa, e as regras ainda não estão bem definidas”, esclarece Eduardo Vélez, diretor do Conselho de Gestão do Patrim ônio Genético (Cgen). O órgão do M inistério do M eio Am biente tem a função de regular o acesso e a repartição de benefícios, prom ovendo o uso sustentável da biodiversidade, garantindo os direitos das com unidades tradicionais. Segundo Eduardo Vélez, de qualquer form a, as com unidades paraenses contariam com a proteção do Conselho, cujo trabalho é implem entar os dispositivos da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), nascido no âmbito da Rio 92. A partir dela, os países passaram a ser soberanos, sendo exigida a anuência estatal para o acesso aos recursos genéticos. Vélez explica que os com ponentes genéticos, com o por exem plo amostras de vegetais ou fungos, têm valor econômico e, historicamente, eram utilizados pelas empresas como se fossem um bem comum da humanidade. “Isso gerou uma situação injusta para os países que são ricos em biodiversidade, como o Brasil”, explica. Antes da CDB, muito material foi retirado do país e patenteado, sem nenhum retorno econômico. O Cgen funciona há cinco anos e obedece à regulação da Medida Provisória 2.186-16, de 2001. O ministério está elaborando uma nova lei , que deve ser enviada ainda este ano ao Congresso, com as novas regras para o setor. Assim, para ter acesso ao conhecimento tradicional e ao patrimônio genético, as empresas, institutos de pesquisa e universidades precisam de autorização e da formalização de um contrato. A reunião do conselho é mensal, quando são avaliados pedidos. Os casos mais comuns envolvem empresas de cosméticos, fitoterápicos, fármacos e agricultura, em áreas de propriedade privada. Mais informações no endereço: http://www.mma.gov.br/cgen BLZ-8 PARA ENTENDER BLZ-8 DONA CHEIROSINHA USA CAPIM SANTO E BABOSA NO PRÓPRIO CABELO. REAÇÃO AOS PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS: “ELES TIRAM 90% DO PODER DAS ERVAS” A Convenção sobre Diversidade Biológica foi assinada durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, a Rio-92. O Decreto Legislativo nº2, que aprova o texto da convenção, foi assinado pelo Congresso Nacional, em fevereiro de 1994.A convenção reconhece a soberania nacional sobre a biodiversidade e estabelece a repartição de benefícios decorrente do uso dos recursos genéticos e dos direitos das comunidades indígenas e locais sobre os seus conhecimentos. Hoje, o Cgen está analisando 12 autorizações para bioprospecção, ou seja, busca de patrimônio genético com potencial de uso econômico. Dessas, sete são em áreas de propriedade privada, quatro envolvem unidades de conser vação e uma está em outras áreas da União. CMYK CORREIO BRAZI LI ENSE Brasília, Distrito Federal, 31 de julho de 2007 BLZ-9 09 A vendedora Mais de 1,6 milhão de pessoas sustentam a casa, a família ou seus próprios luxos com a venda de cosméticos. Dessas, 94% são do sexo feminino. Hábeis, conquistam clientes nos locais mais remotos, onde às vezes só é possível chegar de barco ou montada num búfalo S anta Cruz do Arari fica na Ilha de Marajó, no Pará. Com sorte, gastam-se 10 horas no trajeto de Belém até o município. A última parte da viagem é percorrida de voadeira, um barquinho a motor: três horas e meia subindo o Ri o Arar i . No p er íodo das ch u vas, a água sobe m uito e invade a m ata que m argeia o rio. As árvores resistem por m eses com quase todo o caule subm erso. Cerca de 5.200 pessoas moram em Santa Cruz do Arari. A maioria trabalha com a pecuária, especialmente na criação de búfalos. O rendimento médio mensal é de R$ 231 (por pessoa). Apenas o centro do m unicípio é aterrado. A maior parte da área urbana é formada de palafitas. A frota de veículos se resume a três automóveis, um caminhão e 12 motocicletas. Durante as chuvas, os barcos são o pri nci pal m ei o de transporte. Os pedestres caminham sobre passarelas formadas por três fileiras de tábuas. Com a chuva intermitente, o caminho fica escorregadio, desafiando os forasteiros. Nos raros pedaços de chão não alagados, muita lama e mato. “ É essa a vida que a gente leva, pegando chuva e sol”, conforma-se a vendedora Maria do Socorro do Egito Gem aq u e, 35 an os, m ãe de três filhos e avó de um neto. · 94% dos Sertaneja de pourevendedores são ca con ver sa, Somulheres corro m ora na fa- A SERTANEJA MARIA DO SOCORRO PERCORRE DE BÚFALO OU DE BARCO AS IMEDIAÇÕES DE SANTA CRUZ DO ARARI (PA): ALTERNATIVA DE RENDA NUMA REGIÃO DE POUCAS OPORTUNIDADES E DIFÍCIL ACESSO Mercado só aumenta M ais de 1,6 m ilhão de pessoas trabalham com vendas diretas no Brasil. O núm ero se refere a 2006, e é 9,6% superior ao ano anterior. O setor m ovim entou R$ 14,5 bilhões, cresceu 18% em relação a 2005. Além disso, houve um incremento de 12% no volume de itens vendidos: 1,2 bilhão de unidades comercializadas a mais. No modelo de venda direta, os profissionais são autônom os, atuando com o revendedores. Eles compram os produtos da empresa e revendem aos consumidores. Apesar da ausência de relação trabalhista com as empresas, a atividade não é considerada informal, porque toda a cadeia envolvida paga impostos. Os revendedores contribuem indiretam ente, já que os tributos são recolhidos pelo segmento empresarial. O sistema é uma alternativa ao trabalho tradicional, e gera renda em um país onde a taxa de desemprego atinge mais de 10% da população economicamente ativa, segundo o IBGE. É um setor tipicamente feminino. Pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Empresas de Ven- BLZ-9 CMYK zenda Tartaruga, a · 41% têm idade duas horas de barentre 35 a 49 anos co de San t a Cr uz. Acostumada às du· 62% são casados ras tarefas no campo, ela encontrou · 81% vivem em n o f u gaz m u n d o áreas urbanas da beleza um a alternativa de traba· 45% têm ensino l h o e r en d a. H á médio incompleto cinco anos, vende cosm éticos na regi ão. No p er íod o da seca, p ercor re as f azen d as vi zi nhas de búfalo para recolher os pedidos ou entregar os produtos. No chuvoso, recorre a um pequeno barco a m otor para vencer o m esm o trajeto, completamente alagado. Quando a chuva é intensa, precisa levar um ajudante para retirar o excesso de água de dentro do barco. Filha de vaqueiro, desde criança Socorro usa o búfalo como meio de transporte. Mas o hábito surpreende o povo da cidade. “Acham que eu sou doida”, diz com um riso raro. “O bicho é treinado. Um a vez eu caí, ele parou e m e esperou subir”, explica. M as a tarefa é exaustiva: “ Tem dias que chego sem condições de apear de tão dolorida, de tanto cansaço”. Socorro tem m ais de 40 clientes. A maior parte é de esposas de vaqueiros que trabalham em fazendas vizinhas. Muitas delas não sabem ler. “Eu leio a revista para elas, explico para que servem os produtos, os crem es que são usados à noite, os que a gente usa para ficar mais jovem”, conta. Socorro desfaz mitos, como o de que as pessoas que moram longe dos centros urbanos não se preocupam com a beleza. Se tira o necessário e justo proveito da vaidade alheia, a vendedora também acaba cumprindo uma função social. Rompe o isolamento de mulheres, que ganham uma confidente para trocar idéias sobre a vida, as dificuldades do cotidiano e a criação dos filhos. É assim desde que ouviu pelo rádio o anúncio de uma empresa de cosméticos, procurando por revendedoras na região. Poucos dias depois de se cadastrar, enviava o prim eiro pedido de sabonetes e perfumes, no valor total de R$ 279. Por causa da distância, o processo de venda é tortuoso, m as eficiente. Os pedidos são feitos por telefone. A firm a envia um a caixa com os produtos, que chega a Santa Cruz do Arari em barcos. Os barqueiros avisam e Socorro vai à cidade buscar a encomenda. De lá, inicia a rodada de distribuição. O marido sempre ajuda, tanto na venda, quanto na entrega dos cosméticos. O que vende financia, sobretudo, roupas e m aterial escolar para os dois filhos m enores. M as também ajuda a bancar sonhos: a compra de um terreno e a construção da casa em Santa Cruz, onde pode acom panhar de perto a vida escolar dos filhos. Avessa à vaidade, Socorro não dem onstra o pouco interesse que diz ter em relação ao próprio corpo. A aparência denuncia e ela acaba confessando: gosta de usar cosméticos, em especial para os lábios e o rosto, ostenta longos cabelos pretos, bem tratados e escovados; as unhas, feitas no salão de beleza, foram pintadas de rosa claro e meticulosamente decoradas com florzinhas. Também se preocupa com o peso e quando sente que extrapolou na balança, reduz a comida na hora do jantar. “A gente engorda rápido e para emagrecer é uma luta”, constata, ao confirmar uma percepção feminina universal. das Diretas (ABEVD) constatou que 94% dos representantes são m ulheres, a m aioria casada, com três ou mais integrantes na família. Dados apontam benefícios relacionados à atividade de revenda. As vantagens mais mencionadas pelos en t revi st ad os for am :gan h ar m ai s d i n h ei r o (69%), fl exi bi l i dade n o h or ár i o de t r abal h o (63%) e independência financeira (63 %). De acordo com a ABEVD, a atividade tam bém influencia no desenvolvimento de competências pessoais: 69% dos revendedores afirmaram ter m el h orado a au t o- est i m a e a con fi an ça p or meio da venda direta. BLZ-10 CMYK CORREIO BRAZI LI ENSE 10 Brasília, Distrito Federal, 31 de julho de 2007 A BANHEIRA FOI O PRIMEIRO E O MAIOR LUXO COMPRADO POR MARIA JOCELIN: FRUTO DO TRABALHO COMO REVENDEDORA ● Se pudesse viajar no tempo, o dono de uma indústria do século 19 ficaria chocado diante dos novos valores e desafios das empresas contemporâneas. Uso racional da água e da energia, destinação do lixo, controle de emissões atmosféricas, políticas de saúde dos trabalhadores, combate à corrupção são algumas das questões que tangenciam o mundo dos negócios hoje. Por outro lado, talvez ele também se espantasse com o estilo de vida e o crescente nível de consumo da população. Ficaria surpreso diante dos resultados do teste da Pegada Ecológica, que constata: se o mundo inteiro consumisse como os países desenvolvidos, seriam necessários três planetas para atender a essa demanda. Da oportunidade de emprego à conquista da auto-estima. Maria desafiou o marido, virou vendedora, fez reforma na casa, comprou um carrinho e banca seus desejos com o dinheiro que ganha As economias bancaram a primeira aquisição: a compra de um guarda-roupa para o filho. O marido ficou bravo, evitava entrar no quarto para não ver o móvel. Maria se chateava, e era consolada pela sogra: “O Chico é assim mesmo, continua comprando as suas coisinhas”. Aos 41 anos, levada pela necessidade de depositar os cheques das clientes, a vendedora abriu uma conta no banco. “Passei a me sentir tão poderosa!”, relembra. Da sensação de poder ao desejo de investir no p e gada e c o l Ó g i ca e águas de terras para e a área as necessária iv elo med O mod amente produt ergia e matéria o ou ecologic recursos de en inada populaçã Ou s. fornecer os por determ seus resíduo er id e consum e para absorv odutivo de qu e atividad paço natural pr iver. es ev o br , ja so se os para precisam ● Longo é o caminho da sustentabilidade, tanto para quem produz, quanto para quem consome. Para Marcel Bursztyn, diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, a preocupação ambiental das fábricas modernas reflete uma maior sensibilização dos empresários: “Existe muito marketing, mas quando o produto respeita princípios, isso é um diferencial legítimo de mercado”. Marcel explica que essa mentalidade diferente está sendo chamada de capitalismo verde. CMYK Capitalismo verde: a consciência do empresário DA CONTA NO BANCO À HIDROMASSAGEM prazer foi um pulo. E veio a primeira compra em benefício próprio: a banheira de hidromassagem, uma amostra de luxo na casa simples de madeira. Provou do bom, decidiu fazer melhor: reformou todo o banheiro. “Comprei um box de vidro lindo e mandei instalar a banheira”, orgulha-se. Empolgada, continuou a economizar para atingir um objetivo ainda mais ambicioso, e impensável há alguns anos: reform ar a casa. Aos poucos, com prou os materiais de construção, começando por aqueles que não se estragariam na exposição ao tempo. O primeiro item da lista foram 2 mil tijolos. Depois vieram pedras, areia, laje, que, por quatro anos, foram guardados no lote. Na hora de começar a obra, a negociação com os operários era indireta. Ela passava o dinheiro para o marido, que pagava o pedreiro. Em menos de cinco meses, a construção ficou pronta. Com os recursos das vendas, M aria tam bém com prou à vista um fusca branco, ano 94, por R$ 2.300. Estava cansada de percorrer a cidade a pé, m as ainda não sabia dirigir. M esm o com p ou ca p aci ên ci a, Ch i co a en si n ou . Ner voso, orientava: “Olha o buraco, cuidado com a árvore”. Esforçada, conseguiu tirar a carteira de habi li tação. Quando sai u sozi nha pela pri m ei ra vez, tremia toda, mas não deixou transparecer a tensão. Com o carro, conseguiu acesso a novas cli ent es. Depoi s de 14 anos de profi ssão, t em uma lista de 400 fiéis compradoras. Apesar disso, mantém a rotina de dona-de-casa. Às 6h, M aria Jocelin prepara o café da manhã dos três netos que moram com ela e os arruma para a escola. Ao sair, faz uma oração: “Quando estou precisando mesmo vender, as mulheres começam a aparecer. É inacreditável, tem que ter fé. Não descreio dos santos, m as tenho fé em Deus, direto com Ele mesmo”. A partir das 9h, percorre os colégios da região para vender os produtos. As professoras são as principais clientes, mas também tem na prefeitura, no fórum, na casa das pessoas. Maria faz da própria pele, sem rugas ou manchas, o seu maior marketing. Ela sempre gostou de cremes para o rosto: “Eu uso, gosto e acho que faz diferença. Mostro isso para as minhas clientes”, explica. M aria ganhou a confiança das clientes e do marido, que continua bancando toda a despesa, mas não implica mais com o trabalho da mulher. “Desconfio que ele também usa os produtos. Vejo o dedinho dele lá no pote de crem e”, entrega. A fam ília adora bichos, cria cinco gatos e seis cachorros. Também é apaixonada por plantas. Apesar do pouco tempo de estudo, Maria é uma mulher bem informada. Em tom sério, relata a preocupação com assuntos como aquecimento global e com a crescente destruição da natureza. Acredita que precisa fazer a sua parte. Orienta as consumidoras a comprarem o refil dos produtos. Faz a coleta seletiva do lixo. Economiza energia. E repassa os ensinamentos aos netos. Dumping ● Na opinião do professor, apesar de essa tendência ser crescente, ainda existe uma série de entraves econômicos causados, por exemplo, por problemas de infra-estrutura que afetam a produtividade. O empresário tira essa diferença pagando mal o trabalhador ou produzindo de forma ecologicamente incorreta. “Sempre que se vende um produto que esfolou de certa forma a natureza, e isso não está contabilizado no preço, pratica-se o dumping ecológico”, explica. s inferiore a preços com a , odutos a de pr ra produzi-los ntes do re pa or conc cio, r gasto ao valo de eliminar os ilegal de comér e a finalidad . É uma prátic r ligadas à ta mercado as podem es obra (dumping us is cujas ca ão de mão-de- nos ambienta exploraç geração de da social) ou ecológico). ng (dumpi É a vend ● Do ponto de vista do consumidor, Marcel explica que existe uma tendência de consumo consciente, em especial entre as pessoas de maior poder aquisitivo e alto nível de instrução.“Cresce a percepção de que o consumidor é responsável pelo processo produtivo”, diz o professor. Ele acredita também que a população se sente bem ao consumir produtos da Amazônia, desde que ecologicamente corretos:“A floresta tem um grande apelo no imaginário popular”. Entretanto, Marcel alerta para a necessidade da adoção de políticas públicas, que antevejam as tendências e criem proteções. “Hoje esse modelo tem criado vítimas. Embora o Estado não deva ser onipresente, precisa criar regras”, avalia. Para Marcel, o Estado brasileiro está chegando atrasado e despreparado ao debate. BLZ-10 E la foi criada à moda antiga. Aos 13 anos, quando começou a namorar, ainda brincava de boneca. Em meio aos brinquedos, no porão da casa de madeira da família, a menina espiava pelas frestas do piso, à espera do pretendente. Só corria para tomar banho quando ele passava do portão, assim aproveitava a brincadeira até o último minuto. A mãe recomendava diariamente: deveria sempre cuidar e obedecer ao marido. Preparou-se bem para a tarefa: aprendeu a cozinhar, lavar, passar, costurar, parou de estudar. Aos 19 anos, estava casada. Por 20 anos, sentiu-se como a rainha do lar, mas resolveu abdicar desse reinado em função de uma oportunidade de trabalho e uma nova vida. Maria Jocelin Andrade Nobre tem 57 anos, dois filhos, quatro netos. Está casada há 39 anos com Chico. No início do casamento, ele era militar e a família precisou morar em Mato Grosso e no Rio de Janeiro. Distante do Rio Grande do Sul, sua terra natal, Maria estranhou o calor mato-grossense: “A gente esticava um lençol no chão e deitava”. Estranhou também os cariocas: “Eles ficavam olhando para mim porque eu falo ‘gaúcho’”. Depois de quase três anos fora, voltaram para Viamão, a 10km de Porto Alegre (RS). Compraram um chalé de madeira, cor-de-rosa e branco, com uma sala e dois quartos bem pequenos, onde só cabiam as camas. “Era uma casinha tri bonita, tudo arrumadinho, a gente se apaixonou pelo lugar”. O marido fazia tudo por ela. Até as compras do mercado. Maria ficava a semana inteira em casa, cuidando da cozinha e dos filhos. O argumento de Chico era forte: “Eu te dou tudo, você não tem do que reclamar”. Mas Maria Jocelin achava bonito a mulher trabalhar fora. “Não é que o dinheiro fizesse falta”, explica. Queria sair de casa, conversar com as pessoas. Ten t ou ser cost urei ra, ofíci o aprendido na juventude por insistência da mãe. Mas precisava buscar e entregar roupas na rua, o que deixava o marido nervoso. “Ele me incomodou tanto, que parei de costurar”, conta. Sufocada pela rotina doméstica, rebelou-se: “Não vou mais ficar em casa, vou trabalhar fora”. Uma amiga perguntou se ela não queria ser vendedora, e deixou um catálogo de produtos de beleza. No início, tímida, Maria começou a vender cosméticos para as irmãs e a sogra. Progrediu. “ Ganhava o dinheirinho e guardava em casa, não tinha com o que gastar.” Chico pagava todas as despesas. Uma exigência social e do mercado financeiro ● Nesse mesmo sentido, Ângelo Augusto dos Santos, coordenador para Projetos de Biodiversidade da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), diz que em muitos lugares no mundo a bandeira da sustentabilidade pertence à sociedade civil. Para Santos, o Estado brasileiro precisa tomar a frente na questão ambiental:“Na agenda brasileira, vive-se perdendo oportunidades. O grande exemplo é o desmatamento da Amazônia. O país poderia ser líder na emissão zero de carbono, mas não consegue”. ● O coordenador explica que é crescente o número de empresários que estão qualificando seus processos produtivos para ingressar no seleto ranking das organizações BLZ-11 CMYK CORREIO BRAZI LI ENSE Brasília, Distrito Federal, 31 de julho de 2007 11 CHEIROS E SONS, TRABALHO E PAIXÃO Para Karine, cega de nascença, a renda obtida com a venda dos produtos de beleza ajuda a financiar outros sonhos: formar-se em letras e se dedicar à música “A s bengalas são sempre da mesma cor ou jeito. Não existe um modelo feminino ou para ocasiões especiais. Pode parecer besteira, m as demonstra um certo estigma.” A reflexão é de um a m oça que n un ca en xergou, por t an t o não conhece cores, o que não a im pede de desejá-las. Se não as tem nas bengalas, é culpa de um a dedução equivocada do m ercado que acredita serem os deficientes visuais destituídos de vaidade. Karine Souza Rodrigues, 26 anos, colore o rosto, os olhos, os lábios. Sabe o que combina com seu tom de pele e o que lhe cai bem, assim lhe ensinaram. Repassa os conhecimentos sobre maquiagem para as clientes, embora admita, com uma sonora gargalhada: “ É com plicado para m im dizer que vai ficar bonito” . Ela prefere oferecer cremes, perfumes, xampus e condicionadores porque capta textura e aroma melhor que qualquer outra revendedora, já que a falta de visão despertou nela os outros sentidos. Faz isso há seis anos, quando começou a vender cosméticos em Alvorada, a 20km de Porto Alegre (RS). “Sempre gostei de produtos de beleza e queria arranjar uma atividade”, diz a moça, cuja marca registrada é o riso alto, solto e fácil. Característica de quem vai vencer na vida. Ou já venceu. Karine nasceu prematura, de seis meses e meio, com uma doença chamada de retinopatia da prematuridade, que a deixou cega. Quando pequena, foi muito estimulada por pais e professores. “Da mesma forma que as crianças que enxergam gostam de brinquedos coloridos, eu gostava dos barulhentos”, compara. Com o toque, aprendeu sobre a existência das coisas, as diferenças entre elas. “Minha mãe comprava bichos em miniatura e pedia que eu os identificasse”, relembra. Ser diferente a incomodava um pouco. Às vezes, chegava em casa chorando, e contava que havia ficado sozinha na hora do recreio. Quando isso acontecia, os pais tentavam mostrar os outros lados da situação. “Minha mãe me dizia que não dá para mudar o mundo.” Com o apoio familiar, restaram poucas lembranças ruins do período escolar: “Alguns colegas não gostavam que eu me saísse bem, e vigiavam as minhas provas. Torciam por um furo para confirmar a teoria de que eu deveria fracassar”. Karine provou o contrário. O trabalho como revendedora e o apoio de pais e amigos ajudam. Ela está se formando em letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Sentiu certa dificuldade por causa do grande volume de leitura exigido pelo curso. Precisa usar um programa de voz no computador para executar as atividades, já que são poucas as obras literárias em braile. Participa de diversos fóruns e grupos na internet. “Na rede eu me sinto mais igual aos outros”, confessa. Ao ser apresentada a alguém, a aparência física é a última informação que a vendedora procura obter: “ Tocar o rosto de uma pessoa exige intimidade. Não sei se estou invadindo a privacidade.” Assim, para formar as impressões, fica atenta à voz : “As palavras podem ser ditas em infinitos tons”. Das vozes que escuta, retira suas impressões sobre as pessoas. De sua própria voz, extrai emoção. Karine descobriu o universo musical. É cantora e quer ser reconhecida pelo seu talento. Das boas lembranças de sua vida, a maioria vem da música. A mais especial delas foi no dia em que venceu um festival e, durante o show de encerramento, fez um dueto com Milton Nascimento. Cerca de 8 mil pessoas a aplaudiram após a interpretação de Canção da América e Nosbailes da vida: “Foi umas das provas que tive de que nasci para cantar, de que isso só vai me trazer coisas boas”. Enquanto o sonho não se realiza plenamente, ela continua cantando, mas não abandona o ofício de revendedora. Compõe imagens de suas clientes. Às vezes, acha engraçado saber que uma pessoa é totalmente diferente de como pensou. Karine se remete ao livro Ensaio sobre a Cegueira, do escritor português José Saramago: “Sou cega, mas estou dentro de uma sociedade onde quase todos enxergam. De certa forma, tenho a ideologia deles. Às vezes, as coisas que os outros falam acabam me influenciando”. O que serve também para justificar sua própria preocupação com a aparência. “Sou vaidosa dentro do possível, acho importante. Não estou me vendo, mas os outros estão.” DEFICIENTE VISUAL, KARINE ABUSA DE OUTRAS VANTAGENS NA HORA DE VENDER OS COSMÉTICOS: TEXTURAS E AROMAS, ELA CONHECE COMO NINGUÉM negócios, saúde empresarial, capacidade de investimento. E, a cada ano, as instituições precisam se submeter novamente ao escrutínio”, esclarece Ângelo.Ao ingressar no rol da sustentabilidade, agrega-se valor às empresas no mercado de ações. No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) também deu início a esse processo. ● Diante dos diferentes indicadores existentes, Ângelo elege o relatório da Global Report Initiative (GRI) como uma das melhores iniciativas de mensuração de dados sobre sustentabilidade. A ONG internacional, fundada em 1997 e com sede na Holanda, tem como objetivo desenvolver e disseminar uma cartilha de comunicação sobre os impactos das atividades empresariais do ponto de vista social e ambiental. A adoção do relatório é voluntária, mas os critérios são detalhados e exigentes, traçando o retrato da empresa frente à sustentabilidade. “Com a GRI, a empresa se obriga a ter transparência”, diz Ângelo. A idéia é BLZ-11 CMYK sustentáveis.“E quem exige a guinada em favor da sustentabilidade são os consumidores e o mercado financeiro”, explica. O especialista conta que as bolsas de valores dos Estados Unidos, do Japão e de Londres criaram uma série de indicadores para avaliar o comportamento ambiental das empresas.“É como se fosse um vestibular, que inclui também volume de fazer com que as organizações tornem rotineira a publicação dessas informações da mesma forma que divulgam os dados financeiros. Atualmente, cerca de mil organizações, em 60 países, declararam usar a GRI. No Brasil, empresas como Natura, Banco Real, CPFL, Alcoa e Souza Cruz já adotaram a GRI. CMYK BLZ-12 CORREIO BRAZI LI ENSE 12 Brasília, Distrito Federal, 31 de julho de 2007 A consumidora Na ponta do processo de produção da beleza, a mulher acerta as contas com o espelho. Rica, pobre ou remediada, ela serve à própria vaidade e fomenta uma indústria que triplicou seu faturamento em 10 anos O cupuaçu que deixa o sítio de dona Chica em Nova Califórnia (Rondônia) é processado. A semente seca ao sol. Prensada, se converte em óleo. Matéria-prima para a indústria, que produz sabonetes, cremes para o cabelo, hidratantes. Pelas mãos de uma vendedora chega ao final do processo: o consumo. Do fruto amazônico ao produto adquirido pela consumidora, o trajeto percorrido demonstra os desafios a serem vencidos para o desenvolvimento econômico sustentável no país. As histórias de Regina e Geyza encerram esta reportagem. Ambas vivem no Distrito Federal, mas habitam mundos diferentes. A primeira mora no Lago Norte, onde a renda per capita mensal média é de R$ 2.023. Na Estrutural, endereço da segunda, não passa de R$ 115. São duas mulheres vaidosas, consumidoras fiéis de produtos de beleza. E essa paixão encerra uma curiosa aritmética: elas investem a mesma porcentagem de seus rendimentos em cosméticos: 15%, às vezes mais. Os extremos se tocam. Na cruzada pela beleza, a lógica de consumo ultrapassa as fronteiras impostas pela desigualdade social. A economia brasileira reflete isso. Cada vez mais as pessoas procuram alternativas estéticas para manter a aparência jovem. De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), o segmento registrou um crescimento real de 10,9%, nos últimos 11 anos. O faturamento saltou de R$ 4,9 bilhões, em 1996, para R$ 17,5 bilhões, no ano passado. Existem mais de 1.400 empresas, 15 delas de grande porte. O setor também colabora com o superávit na balança comercial: em 2006, o saldo positivo foi de US$ 190 milhões. O Brasil exporta para 139 países, mas o principal mercado está na América Latina. Democrática e crescente. Assim é a busca pela beleza e bem-estar. Quem sabe no futuro será também plenamente sustentável? AINDA QUE SEJA EM SUAVES PRESTAÇÕES QUANDO A BELEZA TAMBÉM É SAÚDE A vaidade sempre foi um traço característi co da personali dade d a f u n ci on ár i a p ú b l i ca Regi n a Coel i Gon çal ves de Ol i vei ra, 50 anos. Ela é apai xonada por cosm ét i cos, desde a adol escên ci a. Bl u sh , r ím el e b at om são i t en s obr i gat ór i os, m esm o qu an do o destino é a padaria do bairro. “ Se n ão der para m aqui ar os ol hos, vou de óculos escuros. M as sem batom? Nem pensar”, conta rindo. Ela não dorme antes de lavar e hidratar o rosto. Sente um prazer especial quando sai do cabeleireiro com os longos cabelos loiros escovados e per fum ados. O r i t ual diário de beleza consome, em média, três horas, somando os minutos gastos com aplicação do protetor solar, crem es para o rosto e corpo, cuidados com os cabelos, maquiagem. Ela i nveste tam bém em bem estar. Duas vezes por semana, Regi na recebe um a m assagi st a em casa, no Lago Norte. O ambiente é especialmente preparado com velas, incensos e música relaxante. O marido e o filho de 13 anos gostaram da novidade e incorporaram o hábito. “Não se trata só de beleza”, explica Regina. É o encontro entre a preocupação com a aparência e a manutenção da saúde. M as não foi sem p re assi m . No i n íci o era apenas a estética... até o dia 9 de janeiro de 2005. Nesse di a, en quan t o lavava a l ouça do al m oço, a fun ci on ár i a pública com eçou a se sentir m al. Suava frio, sentiu os braços amolecerem. “Era uma dor enjoada, mas não insuportável”, narra. Sempre t eve a pressão al t a, n o en t an t o, não esperava nada grave. M eio a contragosto, foi levada pela família ao hospital, e se surpreendeu com o diagnóstico: era um infarto. “A ficha só caiu quando entrei na U TI ”, relem bra. Ela foi operada. Precisou de uma ponte de safena e um a m am ária. “Abri o m eu coração”, brinca, mostrando um pedaço da cicatriz. Prova que refuta o estereótipo normalmente associado a quem sofre en far t o: vel ho, mal-humorado e que vive doente. Sem pre otim ista, não pensou na m orte em nenhum m om ento. Gosta de brincar com o resultado. Quando tira radiografia, vê os cordões de titânio amarrando as costelas que foram serradas durante a operação. “ Pergunt o para o m édi co se el e dei xou u n s l aci n h os n o caso d e p r eci sar abrir de novo”, divert e-se. “ Não dei xei de ser vai d osa, m as aprendi a valorizar ouIdade: 50 anos tras coisas”, reconheProfissão: funcionária pública ce. Na opinião de Regina, poucas pessoas Regina é carioca, veio para têm noção da fragiliBrasília acompanhar o pai, dade da vida e sobre o que era militar. Começou a q u an t o os ser es h u trabalhar cedo, conciliava o m anos são i m potenemprego com o estudo à tes. A partir dessa exnoite.Tem dois filhos, de 21 periência, passou a ree 13 anos. O mais velho l aci on ar a b el eza à estuda medicina no saú d e. Ad ot ou u m a Maranhão. Depois do al i m en t ação sau dánascimento dos filhos, vel, com muita salada contou com a ajuda da mãe e pouca gordura, e inpara manter a rotina cluiu a caminhada na profissional rot i n a: “ M as n ão m e tornei uma atleta ainda”, brinca. Um salão de beleza é o endereço habitual de Geyza Silva Gomes, 16 anos. Ali, passa quase todas as horas do dia, todos os dias da semana. É um local simples. O piso de cerâmica branca foi tingido de laranja, por conta da poeira insistente. As ruas da Estrutural não têm asfalto. Na parede está escrito: “A gente só recebe o que recebe, por fazer o que faz. Deus é fiel”. Do supermercado que fu n ci on a em fren t e vem u m bar ul ho en sur decedor: um alto-falante anuncia promoções o Idade: 16 anos tempo inteiro. Profissão: Estudante e Todos os dias, aprendiz de cabeleireira Geyza cam i nha m ei a hora at é o Geyza mora com o irmão, a t rabal h o, n a irmã e o cunhado em uma poeira ou na lacasa de dois cômodos, na ma. Trabalha coEstrutural.A mãe vive em m o m an i cu re e Planaltina, com o marido, dois cabeleireira, ofífilhos e um sobrinho. Há cios que herdou alguns meses, o padrasto de do irmão Júnior, Geyza adoeceu gravemente, que, por sua vez, ficou dois meses em coma. ap ren deu com Hoje não consegue mais uma prima. Uma trabalhar.A mãe, com 38 fam íl i a aut odi anos, sustenta a família com o dat a. A gar ot a salário de empregada t rabal h a bem , doméstica p assa al gu n s apertos naturais nos casos em que o secador dá uma engolida no cabelo da cliente. “Desligo o secador e puxo o cabelo dela de volta. Essas coisas acontecem, não é?" , simplifica. São R$ 12 a escova em cabelo de tamanho médio, R$ 10 para fazer pés e mãos. “Dá para se manter”, diz. Ao mudar de Planaltina para a Estrutural, no ano passado, Geyza parou de estudar. Cursava o 1º ano do ensino médio. Pretende retomar os estudos em breve. A mudança está vinculada à oportunidade de trabalhar e conseguir se manter. Até então, m orava com a m ãe, em Planaltina, onde passou a infância. A recepção na Estrutural não foi das melhores. No dia em que chegou, foi assaltada na parada de ônibus. O bandido apontou uma arma, levou dinheiro e o celular. Geyza ficou traum atizada, passou três semanas sem sair de casa. Mas retomou a rotina. Quase diariamente ela vê o homem que a assaltou. Finge que não o reconhece. Histórias de violência são comuns na região. Geyza é uma garota tímida, fala pouco. M as adora dançar. No início do ano, ganhou um concurso de forró, concorrendo com 15 m eninas. O prêm io de R$ 100 foi t ot al m en t e i n vest i do em roupas. Tam bém nutre paixão por produtos de beleza: sabon et es, crem es, p er fu m es, m aquiagem . “ Não fico sem passar lápis no olho, sem creme para o corpo e o cabelo”, explica. Faz escova, hidratação, pinta o cabelo de preto (o original é castanho). O dinheiro do trabalho é suficiente para pagar a con t a. E quan do n ão é, di vi de em su aves 10 p rest ações. “ Pago e com p r o mais”, reconhece, rindo. “ Eu sou vai dosa. Se pudesse an dava com um espelho atrás, outro na frente”, confessa. Tam bém gosta de sair na com panhia do irmão, do namorado, das amigas. Norm alm ente vão para o shopping em Taguatinga ou para bares no Parque da Cidade. Quando alguém pergunta, ela não conta que mora na Estrutural, mas na Vila Planalto. “As pessoas discriminam a gente. Acho que é por causa da violência”, reflete. Não se ofende, só se chateia. Para Geyza, a vi da n ão est á r u i m , p oder i a m el h orar. “Ainda não está legal, falta m uita coisa: term inar os estudos, em prego fixo, casa própria. Ter a minha vida”, resume. Geyza Silva Gomes Regina Coeli Gonçalves de Oliveira BLZ-12 CMYK CMYK BLZ 6/7 CORREIO BRAZI LI ENSE 06/07 Brasília, Distrito Federal, 31 de julho de 2007 A operária Em São Paulo ou na Amazônia, as fábricas de cosméticos que são modelos de respeito ao meio ambiente se preocupam, sobretudo, com o bem-estar das comunidades. Tanto das que extraem a matéria-prima quanto das que a transforma no produto final: da funcionária que embala o perfume ao índio que desenha o rótulo A ROTINA ção. Ele, garçom; ela, operária. Casa pronta, resolveram se casar. Sandra desejava um belo vestido de noiva. M as se contentou em alugar um , e pagou a locação em prestações. O maior desejo, entretanto, era ter um filho. Com um ano de casada, procurou uma ginecologista. O exame detectou uma ferida muito grande no útero. A médica recomendou o prazo de pelo menos um ano antes de engravidar. Ela saiu chorando do hospital. Antes de começar o tratamento de cauterização, entretanto, descobriu que já estava grávida. Não teve medo. “Se Deus permitiu…” Com cuidados redobrados conseguiu chegar com tranqüilidade até o nascimento do filho Gabriel. Perfeccionista, ela acreditou que seria possível trabalhar fora, cuidar da criança e manter a casa impecável. Não suportou a rotina e teve uma crise de estresse. “Eu chorava muito, tinha fortes dores de cabeça.” O médico receitou um calmante. Na primeira e única vez que tomou o remédio, levou um susto terrível. No trajeto para a fábrica, antes das 5 horas da m anhã, adorm eceu no ônibus da em presa, levando o filho nos braços. Acordou com o barulho forte de um a buzina de cam inhão. A criança estava debruçada na janela do veículo. “Abri os olhos e tive um choque.” Daquele dia em diante, parou de se cobrar tanto: “Comecei a m e dar valor. Se não tenho tem po, deixo a lim peza da casa para lá. Se estou cansada para fazer o jantar, saím os para fazer um lanche”. Sandra percebeu que não era possível ser perfeita em tem po integral. “ Hoje sou m ais light, enxergo o mundo de forma diferente.” No mês de junho, nas festas de São João, um festival de aromas invadia as ruas de Belém. Era a tradição do banho de cheiro. Os vendedores circulavam pelos bairros, carregando tabuleiros repletos de ervas perfumadas da floresta, apregoando: “Cheiro cheiroso para tirar o catingoso”. A lembrança é forte na memória de Fátima Chamma, proprietária da empresa Chamma da Amazônia. A indústria fica em Belém, tem 25 funcionários e, em 2009, completa 50 anos de fundação. O SONHO MATERNO Produz perfumes, xampus, condicionadores, sabonetes, hidratantes e óleos a partir de essências amazônicas. A distribuição dos produtos é feita por meio de Com as extrativistas, responsáveis primárias pelo processo de produção, Sandra guarda certa semelhança. Na floresta e na cidade, mulheres contem porâneas são iguais em pelo m enos um recorte de suas vidas: a maternidade. Do desejo de ter filho às culpas que permeiam a mãe que trabalha fora, Sandra experimentou de tudo, até encontrar conforto num a posição que é sonho de consumo das mulheres de sua geração: o fim da autocobrança. Sandra conheceu o m arido na escola aos 15 anos. Nam oraram por cinco anos, período em que construíram uma casa no terreno da família. Investiam todo o salário em material de constru- a safra e não conseguir vendê-la. Vender e não conseguir entregar por falta de estradas. Comercializar os produtos, mas não receber o preço justo. Adquirir um equipamento, mas não utilizá-lo por falta de treinamento. A série negativa de eventos é comum na trajetória das comunidades da Amazônia Legal na busca pelo desenvolvimento econômico sustentável. Faltam infra-estrutura, recursos técnicos, informação, apoio político. Como na experiência do Projeto Reca, muitos agricultores da região mudaram a rotina Portugal e Itália. A marca nasceu do sobrenome da família. Por coincidência, chama é o nome de uma planta aromática que atrai bons fluidos, segundo a sabedoria popular. Fátima tem 57 anos, difíceis de perceber. A voz é suave, mas firme. Dos longos cabelos negros exala um perfume cuja fórmula é exclusiva para as mulheres da família. Fátima não fala sobre aspectos da vida privada. Mas narra como nasce e cresce uma empresa que pretende ser ambientalmente responsável. AMAZÔNIA LEGAL o qu e é? criativas, para a superação da miséria, pobreza e desemprego”. Nesse mesmo sentido, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirma que, para mensurar o nível de sustentabilidade do desenvolvimento, quatro dimensões devem ser integradas: ambiental, social, econômica e institucional. Dessa forma, os indicadores do instituto não consideram apenas aspectos como a degradação ambiental, mas os relacionados ao trabalho, saúde, educação, qualidade de vida. entável: ômico sust ento econ ito da Desenvolvim a em 1987, no âmb criad iente das expressão Meio Amb Mundial para nvolvimento Comissão tipo de dese ente sem o É as. Nações Unid necessidades do pres as ras faz futu de das que satis a capacida rias eter próp prom suas com satisfazer as gerações de necessidades. produtiva em função de processos mais limpos, sem o uso da queimada ou de veneno nas plantações. Perceberam que a mudança viabilizava o acesso a novos financiamentos e mercados. Mas esbarraram em obstáculos de outra natureza, como no caso do Projeto Mutirão, em Igarapé-Miri (PA). Apesar de o açaí movimentar a CMYK ● Colher franquias, presentes em 11 estados, inclusive em Brasília. A empresa exporta para economia local e ser exportado para vários países, os benefícios desse comércio chegam de forma gradual e desigual ao município. ● Em muitos casos, os princípios que norteiam o desenvolvimento colocam em extremos opostos o progresso econômico, a redução das desigualdades sociais e a proteção do meio ambiente. Marcos Sorrentino, no livro Educação ambiental, diz que para garantir a sustentabilidade seria fundamental o “apoio a iniciativas de ações locais, inovadoras, BLZ 6/7 Esse tal de… desenvolvimento sustentável SANDRA APARECIDA, 28 ANOS, TRABALHA HÁ 10 ANOS NUMA FÁBRICA DA NATURA, EM CAJAMAR (SP), MODELO DE SUSTENTABILIDADE. ALÉM DO TRATAMENTO ADEQUADO DOS RESÍDUOS, ATENÇÃO AOS OPERÁRIOS: GINÁSTICA LABORAL, CRECHE PARA OS FILHOS, RESTAURANTE COM COMIDA BALANCEADA FÁTIMA CHAMMA ENTREVISTA O aroma dos perfumes e óleos corporais. A tentaguardá-la em outra maior. Perdeu o ritmo, as caição dos batons, som bras, xam pus, crem es. xas começaram a se amontoar e a cair no chão. DeCheiros, formas e possibilidades que poderiam sesperou-se. Rindo, os colegas a acalmaram: “ Você enlouquecer uma consumidora mais fanática. pega o jeito, no começo é assim mesmo”. Mas a roApesar disso, Sandra Aparecida Benetti Belchior, tina ainda a aterrorizava. Tanto que passou a ter 28 anos, não se sente seduzida em seu ambiente um pesadelo reincidente. Sonhava com um prode trabalho: “Não sou de ficar me embelezando. blema na linha de produção e acordava batendo Não uso maquiagem pesada”. Sona parede: “ Pára a máquina, bre a moça recai outro tipo de fascípára a máquina”. ni o: a possi bi li dade de t er um emprego. Antes de ser contratada, era uma angústia só: “Meu, quem vai me dar uma oportunidade, sem experiência nenhuma?”, perguntava-se. A oferta de vagas no setor de higiene Sandra acorda às 4h, troca de De forte sotaque paulista e típessoal, perfumaria e cosméticos cresce roupa, desce um morro cormida, tentou ser garçonete e pas8,3% ao ano. Em 2006, o segmento rendo para alcançar a rodovia sou vergonha: “Não conseguia seabriu 160% mais oportunidades de e pegar o ônibus da empresa. gurar a bandeja, derrubei uma fatrabalho do que criava há 12 anos. Chega em ci m a do horár i o ca no meio do restaurante. Nunca para não ficar m uito tem po m ais voltei”, conta. A esperada sozinha na beira da estrada. oportunidade apareceu em uma Toma o café da manhã no resfábrica da Natura, em Cajam ar taurante da fábrica. Às 6h, es(SP), distante uma hora de onde tá em frente à m áquina. Na mora, em Itapecerica da Serra. No et apa de produção em que primeiro dia de trabalho, Sandra trabalha, um equipam ento ficou tão atordoada com o tamaproduz em média 2.600 uninho da indústria que pensava: “Se dades por hora. Dependendo eu for ao banheiro será que vou saber voltar?”. do posto em que estiver lotada, como o de embalaOs processos minuciosos também a deixavam gem, por exemplo, ela repete alguns movimentos nervosa. Há 10 anos, quase tudo era feito manualmais de 1.200 vezes por hora. mente, inclusive o envase dos perfumes. Em uma Para não passar o di a i nt ei ro execut ando o ocasião, Sandra fechava um a em balagem para mesmo processo, Sandra obedece ao revezamento instituído pela fábrica para quebrar a monotonia e garantir a saúde dos operários. Além disso, a prática da ginástica laboral relaxa e muda o ritm o. “ Essas m udanças m elhoraram a qualidade de vida da gente”, ressalta Sandra. Se ela não se deslumbra com os objetos de desejo que manipula diariamente, reconhece o valor do ofício, a ponto de se sentir recompensada pela rotina desgastante. “O que nós produzimos vai para todos os lugares, afeta a vida de m uita gente”, diz, insinuando ter noção exata de que está bem no meio de um processo de produção. Dentro dele, mira com igual distância a ponta que consome o resultado de seu trabalho e aquela que colhe a matéria-prima. Sobre esta, confessa ter uma visão mais romântica — e até emocionada. “Cada produto tem uma história. É fantástico imaginar pelas mãos de quem aqueles materiais passaram: quem colheu, lavou, extraiu o óleo”, diz a operária, que costuma assistir a vídeos sobre o processo de extração, exibidos pela fábrica. MEIO AMBIENTE TABELADO ● De onde vem a matéria-prima que compõe este produto? Como ela foi extraída da natureza? Os ingredientes são de fontes Com o foi o i n íci o da em pr esa? O meu pai era descendente de libanês, nasceu no Acre. Morávamos em frente ao mercado Ver-o-Peso. Trabalhava com contabilidade, mas a paixão dele era a química. Quando a gente era criança, ele comprava as matérias-primas das erveiras e desenvolvia as essências. Tinha uma grande sensibilidade olfativa, que herdei dele. Éramos sete irmãos, mas quando ele produzia alguma coisa nova chegava e perguntava para mim: “Gostaste?”. Eu aprovava ou não. Sou muito exigente com cheiros. Só que, quando a gente tem um a em presa, precisa atender a uma diversidade de gostos. Qu al o ti po de i n su m o u sado? Trabalhamos com folhas, raízes, sementes. A semente do açaí, por exemplo, tem uma cadeia de produção maravilhosa. Extraída a polpa, usamos a sem ente para fazer bijuterias, sachês, extratos, óleos. O que sobra da semente ainda produzimos um esfoliante. Qu al o di fer en ci al da Ch am m a da Am azôn i a? Não usamos a marca porque está na moda, nós somos a Amazônia. A gente agrega a tecnologia à pesquisa antropológica. O ponto de partida foi o conhecimento prático do meu pai sobre as ervas da Amazônia. Optamos por trabalhar a cultura lo- Carb on o n eu t ro Com o i sso ocor r e n a pr áti ca? Existem várias situações. A gente adquire os insumos das comunidades (algumas delas forneciam para o meu pai há 50 anos). Mas, além de consumir esse produto, mostramos a elas a necessidade de manutenção do equilíbrio na natureza, o que vai garantir a sustentabilidade para as gerações futuras. Nosso papel está na etapa mais complicada, que é a comercialização, a forma de escoar a produção. Na prática, é isso que garante a sobrevivência da comunidade. Vocês tr abal h am tam bém com E qu al é o i m pacto di sso n as com u n i dades? Não dizemos a eles que vão enriquecer, mas melhorar a qualidade de vida. Essas comunidades têm necessidades e culturas diferentes da população urbana. Na lógica delas, ecologicamente correta, deve-se tirar da natureza apenas o suficiente para atender às necessidades, não mais do que isso. Eles não vivem nessa loucura de trabalhar à noite, no fim de semana, feriado. Quem será que está certo? Qu ai s as m ai or es di fi cu l dades em r el ação à su sten tabi l i dade? A sustentabilidade não é utopia, é uma realidade, mas ainda em níveis insignificantes na aplicação. Acho que não pode existir um radicalismo ao ponto de obstruir o progresso. A sustentabilidade tem que se desenvolver de forma equilibrada, com estudos, análises, conscientização, muito mais do que com fiscalização, penalização, multa. Acho que existe muita mídia em torno do tema, no entanto, as pessoas não querem pagar mais caro por um produto de uma empresa sustentável ou que aposta na responsabilidade social. O percentual de compradores ainda é pequeno, e se concentra entre os consumidores mais bem informados. A em pr esa en fr en ta qu e ti po de en tr aves? O maior é a falta de incentivo. A carga tributária é muito alta. Por exemplo, fomos verificar o uso de alguns produtos orgânicos. O valor de um álcool de cereal é seis vezes mais barato que o álcool orgânico. Quem vai pagar seis vezes mais? O movimento sustentável é crescente, mas não é tão rápido. Qu al o m ai or desafi o da su a em pr esa? A gente tem que tornar todos os níveis de produção bons e respeitáveis. Chegar em uma comunidade e se sentir igual. Orientar na área de saneamento, para melhorar a qualidade de vida, mas não tentar modificar a cultura local. É preciso conhecer e aprender. ● ”Quanto mais informações Após est imar a qua de efeito estufa rela ntidade de em exercid issão de cionados as gases uma com pelas pessoas ou às atividades pen ações que sação dessas instituições, hav eria emissõ ret irem ess proposta es gases es, por meio s de da atmosf ou projeto mais comuns era.As são o s de con ser vação plantio de árv ores de nascen tes. vegetais renováveis? Que materiais foram usados na confecção da embalagem? Ela pode ser reciclada? As consumidoras dos cosméticos da Natura agora podem consultar essas informações no rótulo dos produtos de beleza. A construção da tabela ambiental foi inspirada nas embalagens de alimentos, nas quais constam as informações nutricionais. A divulgação dos indicadores faz parte do objetivo da empresa de se tornar carbono neutro (veja acima), reduzir progressivamente a emissão de gases poluentes, até o ano de 2008. cal. Isso inclui conceitos, filosofia, insumos, embalagem, design, tudo o que se reporte à origem do produto. Tam bém nos preocupam os com a qualidade de vida das pessoas. Por isso, dam os uma oportunidade à auto-sustentabilidade. Não patrocinamos campanhas de doação, mas estimulamos a auto-suficiência das comunidades por meio de parcerias em diversos níveis, com instituições públicas, privadas, empresas de pesquisa, consultores, comunidades. al dei as i n dígen as? Vamos lançar um produto cujo rótulo é pintado pelos índios. É a reprodução de pinturas corporais da tradição indígena que estavam sendo perdidas. Fizemos uma parceria com o Museu do Índio e pagamos pelo trabalho deles. A idéia é manter os traços do desenho, um nunca é igual ao outro. Acho que, quando a gente valoriza essa arte, eles também passam a valorizar. Faço esse trabalho há muito tempo, gosto disso. Mas são séries especiais. Não dá para transformar os índios em fabricantes de rótulos, são obras de arte. As pessoas que compram o produto levam junto um objeto que pode servir para decoração. colocamos à disposição do consumidor, maiores são as chances de permitir que ele faça uma boa avaliação dos impactos que suas compras causam ao meio ambiente, à sociedade, a si mesmo”, afirmou o vice-presidente de Inovação da Natura, Eduardo Luppi, no lançamento da tabela.A indústria é a primeira do ramo de cosméticos no mundo a divulgar esse tipo de informação ao consumidor. ●A Natura registrou um crescimento de quase 20% na receita bruta em 2006, em relação a 2005.Tem mais de 500 mil consultoras no Brasil, e está expandindo as operações no exterior. A empresa é pioneira nas iniciativas de consolidação de uma estrutura ambientalmente responsável. Em uma visita à fábrica de Cajamar (SP), verificam-se cuidados que se estendem desde os processos de racionalização do uso de água e energia elétrica até a preocupação com o bem-estar dos funcionários — nos investimentos em creche, restaurante com cardápio nutricional equilibrado, organização das atividades de produção e adoção da ginástica laboral. ● Dentro dessa política ambiental, a empresa tenta reduzir as atividades potencialmente agressivas ao meio ambiente. Para isso, controla o ciclo de vida de produtos e serviços, de insumos e resíduos. Desde 1983, investiu na utilização do refil, que consome em média 50 % menos recursos naturais que as embalagens regulares. Na linha Ekos, lançada em 2000, deu início à produção de cosméticos formulados à base de matérias-primas obtidas de forma sustentável. Em 2004, começou a substituir o óleo mineral, derivado da purificação do petróleo, por matéria-prima vegetal, renovável, em todos os óleos corporais da linha Ekos.