4 anos, 25 países
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4 anos, 25 países
4 anos, 25 países e 72 viagens de avião Pai viajante + mãe viajante = filho viajante. Mochileiros inveterados, Claudia e Marlon Pegoraro levam Felipe para conhecer diferentes culturas desde o primeiro mês de vida. Os três já fizeram até uma volta ao mundo em família, numa viagem que durou cinco meses Por Fernanda Carpegiani A família Pegoraro em um passeio de elefante no Laos, na Ásia. Felipe, que tinha 2 anos, teve um pouco de medo no começo, mas depois fez até carinho no pescoço do animal com um galho de árvore 70 c re s cer .co m . b r j a neiro/ 2014 FotoS: ARQUIVO PESSOAL F elipe tem 4 anos e um passaporte cheio de carimbos. Brasileiro, ele nasceu e mora em Jaguarão, uma cidade no Rio Grande do Sul que faz divisa com o Uruguai, mas conhece 25 países, além do Brasil, e já fez 72 viagens de avião – sem contar os percursos de trem, carro, ônibus, barco e até carroça. Arriscou seus primeiros passos no Museu do Ouro, em Bogotá, na Colômbia, e assoprou as velinhas de seu aniversário de 2 anos dentro de um trem na Rússia, durante a maior viagem que fez até hoje: uma volta ao mundo de cinco meses, que começou na Inglaterra e terminou na Indonésia. “Compramos o bolo em uma cidade no meio da Sibéria e cantamos parabéns no vagão com outras crianças que também estavam viajando”, lembra a promotora de justiça Claudia Pegoraro, 37 anos, mãe de Felipe, que roda o mundo com a mochila nas costas junto com o marido, o policial rodoviário federal Marlon Pegoraro, 37. Os dois adiavam a decisão de ter um filho porque não queriam parar de viajar. O jeito foi engravidar e colocar o bebê na mochila. Com apenas 1 mês de idade, Felipe percorreu 350 quilômetros sentado confortavelmente na cadeirinha do carro dos pais até Punta del Este, no Uruguai, onde a família tem um apartamento. “É a nossa segunda casa, por isso não foi um desafio. Estava muito frio, então, nossa maior preocupação foi sair pouco com ele na rua”, conta Claudia. Era feriado e eles aproveitaram para fazer um bate e volta até a cidade de Montevidéu – vale lembrar que boa parte dos pediatras recomenda esperar até que a criança complete 3 meses para, então, começar a viajar, quando já recebeu as primeiras doses das vacinas e é capaz de sustentar a cabeça. 71 A primeira viagem de avião aconteceu dois meses depois, ainda durante a licença-maternidade de Claudia, que foi de seis meses. Marlon já tinha férias marcadas e o casal não queria perder a oportunidade de ir para um lugar mais afastado. Decidiram, então, viajar para os Estados Unidos, por conta da infraestrutura que o país oferece, e levaram os avós maternos para ajudar a cuidar do bebê. Pegaram um avião até Nova York e lá alugaram um carro para chegar ao Canadá. “No total, foram 20 dias de viagem. Íamos subindo de carro, sem nada reservado, parando onde dava vontade. Depois, voltamos e ficamos uma semana em Nova York.” Parece loucura? Não para a experiente mãe mochileira. “O melhor jeito de viajar com criança é de carro, porque você tem mais liberdade de parar quando quiser e precisar.” Não é coisa de outro mundo Quantas mães e pais teriam a ousadia de Claudia e Marlon? No começo, até os parentes se assustaram com as aventuras em família e muitas pessoas acusaram o casal de egoísmo por carregar um bebê tão pequeno a lugares tão distantes. Para mostrar que é possível (e muito legal) levar os filhos na mochila, Claudia criou o blog Felipe, o Pequeno Viajante, em janeiro de 2010. Serve para registrar as viagens em fotos, vídeos e textos, mas também oferece dicas e tira dúvidas de outros pais. “As pessoas acham que criança é de vidro, mas não é por aí. Tenho sorte porque o Felipe é muito saudável, nunca teve uma febre e adora uma aventura, mas nós somos muito cuidadosos. Sempre nos preocupamos em analisar os riscos.” Foi só depois de pensar muito que Claudia desceu a Muralha da China em um tobogã com o bebê no colo. O mesmo aconteceu quando os dois subiram juntos em um elefante no Laos. E apenas um acidente grave aconteceu em quatro anos de viagens, durante um passeio de bicicleta em uma ilha no meio da Indonésia. Felipe estava na cadeirinha e enfiou o pé no meio da roda. “Fez um corte feio no dedo e nós ficamos muito assustados. Mas as pessoas que estavam por perto nos 72 c re s cer .co m . b r j a neiro/ 2014 De cima para baixo: conhecendo o famoso Taj Mahal, um mausoléu em Agra, na Índia; passeando na Praça Vermelha, em Moscou, um dos centros políticos e religiosos da Rússia; e sentados à frente de um dos cartões-postais da Austrália, o teatro Opera House, em Sydney Acima, Marlon, Felipe e Claudia descansam no gramado dos Templos de Prambanan, na Ilha de Java, Indonésia. À esquerda, mãe e filho exploram o topo do Glaciar Fox, na Ilha Sul da Nova Zelândia, onde fizeram um voo de helicóptero 73 ajudaram e até trouxeram uma maca para levá-lo a um hotel de luxo, onde havia um médico que nos atendeu rapidamente.” Salvo esse episódio, os pais costumam sofrer muito mais do que o filho. Quando estavam na Índia, os dois tiveram infecção intestinal, enquanto o menino, que comia tudo o que via pela frente, não passou nenhum apuro. “Os indianos mais ricos têm a obrigação moral de dividir o que têm com as outras pessoas, então eles sempre nos ofereciam comida, até porque os viajantes são considerados de uma casta inferior. E o Felipe aceitava tudo! Uma vez, uma guriazinha ofereceu um salgadinho e saíram até lágrimas dos olhos dele, de tão picante que era. Mas ele nunca passou mal.” Além dos questionamentos sobre segurança, Claudia costuma ouvir comentários como: “Ele é muito pequeno e não vai se lembrar de nada quando crescer”. A decisão de carregar o filho para os quatro cantos é mais uma forma de mantê-lo por perto sem deixar de lado a paixão por viajar, porém, ela acredita que essas experiências são importantes e que nem todas as informações ficarão perdidas nas memórias da infância. “Quando fomos a Kuala Lumpur, na Malásia, brincamos que as Torres Petrona eram as torres do Buzz Lightyear, personagem do desenho Toy Story, e até hoje ele fala das torres do Buzz.” Isso sem contar as novas palavras que o menino incorporou ao seu vocabulário, como namastê (obrigado, em indiano) e dasvidaniya (tchau, em russo). A mãe de Felipe tem razão. “Todo evento emocionalmente intenso é tão bem ‘etiquetado’ pelo cérebro que dificilmente é esquecido”, garante o neuropediatra Antônio Carlos Faria, do Hospital Pequeno Príncipe (PR). Nada de sofá novo Viajar está no topo da lista de prioridades da família Pegoraro, que organiza trabalho, férias e dinheiro em função disso. Claudia não folga aos fins de semana e feriados e, por isso, tem direito a dois meses de férias. Já Marlon trabalha por escala e vai juntando dias para emendar depois. Quando querem fazer uma viagem, os dois trabalham em dobro até conseguir o tempo que precisam. “As pessoas têm essa ideia errada de que viajar sai caro, mas, se você se planejar, dá para comprar passa74 c re s cer .co m . b r j a neiro/ 2014 gem aérea antes, parcelar e escolher lugares que não sejam tão caros, como África e Ásia. É tudo uma questão de organização”, diz ela. Para fazer a volta ao mundo, por exemplo, os dois pediram uma licença nos respectivos trabalhos, e a de Marlon não foi remunerada. “Se precisar, a gente vende o carro, deixa de trocar o sofá e a TV. E sempre ficamos em albergues baratos, com diárias de US$ 30”, explica Claudia. Se antes o casal se hospedava em quartos compartilhados para gastar o mínimo possível, agora o Claudia conta como é passar 13 horas no avião com um bebê “O voo mais longo que já fizemos em família foi entre Santiago do Chile e Auckland, na Nova Zelândia. Foram 13 horas de voo direto, isso sem contar a viagem de carro de Jaguarão a Montevidéu e de avião da capital uruguaia a Santiago. Felipe estava prestes a completar três anos e se comportou superbem, porque sempre damos preferência para voos noturnos e ele dorme quase todo o tempo. A maioria dos aviões também tem telas de vídeo individuais, então, ele vai vendo filminhos ou até brincando com joguinhos. Além disso, levamos DVD portátil, lápis de cor e desenhos para colorir. Durante a viagem, sempre caminho com ele por dentro do avião. Andamos entre os corredores, ele brinca com outras crianças, vamos até a copa e pedimos suco de laranja. Enfim, não dá para querer que a criança fique 13 horas sentadinha na sua poltrona, né? Um brinquedinho novo também ajuda a distrair. Algumas companhias aéreas, inclusive, já oferecem brinquedos e outras distrações para as crianças, além de comida diferenciada (mas nem todas, por isso, é bom levar um lanchinho na mochila). Na decolagem e no pouso, sempre tenho algo para ele sugar, como uma mamadeira, para tirar a pressão do ouvido. Também levamos fraldas, lenços higiênicos, leite em pó, água e tudo o que ele pode precisar.” todos os países que felipe já conheceu Acampando com nômades Almoço no monastério Em 2011, a família visitou o monastério de Amarapura, perto da cidade birmanesa de Mandalay. “Estávamos passeando e, de repente, apareceram centenas de monges para almoçar, inclusive crianças. Eles nos convidaram para nos juntar a eles. Felipe ficou encantado com os monges mirins”, conta Claudia. A maior parte dos mongolianos vive em tendas chamadas de ger, e foi em uma delas que a família Pegoraro se hospedou quando visitou o país em 2011, a convite de uma família local. escócia canadá estônia inglaterra estados unidos rússia holanda mongólia portugal nepal índiabirmânia tailândia china laos malásia colômbia cingapura indonésia brasil chile paraguai uruguai austrália argentina nova zelândia Calor e compras O Paraguai foi o terceiro país que Felipe conheceu. Com apenas 5 meses, passeou pelas missões jesuíticas e fez compras em Ciudad del Este. “O calor estava de matar, e o movimento de muambeiros era atordoante, mas as vendedoras foram muito atenciosas com o Felipe”, diz a mãe. Pés no chão Hospedagem 24 horas Cartão-postal de Fernando de Noronha, os picos Dois Irmãos estão no meio de uma trilha que a família fez em 2010. “O Felipe ia de pés descalços mato adentro e os turistas se divertiam com ele!”, lembra Claudia. Em 2012, eles viajaram por um mês em um motorhome, na Nova Zelândia e na Austrália. “O veículo oferece toda a estrutura necessária para crianças”, explica a mãe. 75 mais importante é que, além de econômico, o local seja limpo e tenha quartos de casal individuais com banheiro. “Só uma vez ficamos em quarto com banheiro no corredor, em Londres, porque era a semana do casamento real e os preços estavam muito inflacionados.” Em lugares em que a hospedagem é mais em conta, como na Ásia, a família aproveita para ficar em hotéis melhores, com piscina e playground. A vantagem é que, muitas vezes, a estadia de Felipe sai de graça ou por bem menos do que um adulto. E isso também vale para passagens de avião e passeios. Mudou para melhor Desde que Felipe passou a integrar o time de mochileiros, o ritmo das viagens diminuiu bastante e passeios mais tranquilos entraram no roteiro. O carrinho de bebê é um item que não pode faltar na mala até hoje e, entre uma atividade mais cansativa e outra, há sempre uma pausa para brincar na pracinha mais próxima. Os zoológicos também viraram parada obrigatória, para alegria de Claudia. “Era algo que a gente nunca visitava nas cidades e virou minha paixão. Na Nova Zelândia deu até para alimentar os animais!” Quando querem fazer algo exclusivo para adultos, o jeito é se alternar. Durante a passagem pela Tailândia, Marlon foi assistir sozinho a uma luta de muai thai, arte marcial típica do país, enquanto Claudia ficou com o bebê. No dia seguinte, eles se revezaram para ela fazer massagem tailandesa. Já em Fernando de Noronha, os dois queriam mergulhar, então, a avó materna foi junto para fazer as vezes de babá. Esse jogo de cintura requer energia e cuidados extras, mas Claudia garante que ganha muito mais do que perde. Além do tempo precioso que passa ao lado do filho longe da rotina estressante de trabalho, ela sente que a presença dele aproxima as pessoas e deixa tudo mais divertido. “Até na Rússia, onde o povo é famoso por ser carrancudo, todos foram simpáticos, e muito por conta do nosso filho. Ele é uma criança alegre e faz amizade com todos.” Ir mais devagar com a programação também tem seu lado positivo, que é fazer as coisas com calma, aproveitando mais cada passeio e observando tudo ao redor. A graça, agora, é conhecer o mundo através dos olhos curiosos de Felipe. 76 c re s cer .co m . b r j a neiro/ 2014 Em cima de uma lhama em Bogotá, na Colômbia (no alto); tomando mamadeira na Muralha da China, em Mutianyu; e em um dos passeios preferidos de mãe e filho no zoológico Orana Wildlife Park, em Christchurch, na Ilha Sul da Nova Zelândia