Síndrome de Turner: Diagnóstico e Tratamento

Transcrição

Síndrome de Turner: Diagnóstico e Tratamento
Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina
Síndrome de Turner:
Diagnóstico e Tratamento
Autoria: Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia
Sociedade Brasileira de Genética Clínica
Elaboração Final: 23 de Junho de 2006
Participantes: Guedes AD, Verreschi ITN, Grupo de Discussão em
Síndrome de Turner (Apêndice A)*
O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal
de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar
condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas
neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta
a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente.
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DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIA:
Revisão bibliográfica de artigos científicos, consensos e recomendações de
especialistas. A partir de dois encontros realizados em novembro de 1999 e
agosto de 2000, em São Paulo*, constituiu-se o Grupo de Discussão em
Síndrome de Turner, contando com participantes de diversas especialidades,
que já naquele momento preocupavam-se com o estabelecimento de definições
e condutas para a síndrome. Passados quatro anos, após a segunda reunião,
novas constatações sugerem modificação em algumas condutas anteriormente propostas. Seguindo-se a uma revisão da literatura, foram elaboradas
estas diretrizes, mantendo a idéia inicial de uma abordagem completa e
multidisciplinar dos diversos aspectos da Síndrome de Turner.
GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:
A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.
B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.
C: Relatos de casos (estudos não controlados).
D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos
fisiológicos ou modelos animais.
OBJETIVOS:
Fornecer subsídios para o diagnóstico e abordagem da Síndrome de Turner
visando à prevenção de complicações e do desenvolvimento de comorbidades
que afetam as portadoras na infância e na idade adulta, com atenção especial
à transição entre estas fases.
CONFLITO DE INTERESSE:
Nenhum conflito de interesse declarado.
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PREVALÊNCIA
E DEFINIÇÃO
A Síndrome de Turner (ST) acomete 1:1800 a 1:5000 recém-nascidos do sexo feminino1(C)2(B). Estudos realizados com
amostras de pacientes referidos para avaliação citogenética pela
presença de achados clínicos têm uma prevalência menor 2(B),
enquanto que a avaliação sistemática de grandes grupos de meninas após o nascimento com avaliação cariotípica, independente
da presença ou não de achados sugestivos, determinam uma maior prevalência da ST1(C). Provavelmente, esta diferença ocorre
devido a um viés de seleção nos estudos com menor prevalência,
pela exclusão de pacientes assintomáticos ou com poucos sinais
da síndrome.
A ST é definida pela presença de um cromossomo X e deleção
total ou parcial do segundo cromossomo sexual em paciente
fenotipicamente feminino, com uma ou mais características clínicas
atribuídas à síndrome.
Ainda que tradicionalmente se considere o cariótipo 45,X como
o mais prevalente, em torno de 50% dos casos, o aumento do
número de células contadas em cariótipos ou a avaliação de outros
tecidos demonstra uma freqüência maior de indivíduos com
mosaicismo3(C).
SUSPEITA
PRÉ-NATAL
A avaliação pré-natal com ultra-som fetal de rotina e a
realização de dosagens de gonadotrofina coriônica (hCG) em
gestantes com idades mais avançadas podem sugerir o diagnóstico de ST. Os achados nestas avaliações não são
patognomônicos e necessitam de confirmação com cariótipo.
É importante ressaltar que apenas 1% dos fetos com ST conclui uma gestação (provavelmente mosaicos), sendo que a maioria deles sofre aborto espontâneo até o 2º trimestre de
gestação 2(B). Os achados sugestivos na avaliação pré-natal
são ao ultra-som: higroma cístico, hidropsia fetal, edema subcutâneo, fêmur curto, aumento da translucência nucal, anormalidades cardíacas e renais4,5(B); na triagem materna tríplice,
pode-se encontrar redução das dosagens de α-fetoproteína,
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estriol não conjugado, e aumento das dosagens de hCG6(C).
O cariótipo pré-natal confirmatório pode ser
realizado em biópsia de vilo corial ou através de
amniocentese e tem risco de perda fetal de 0,5%
a 1%. Quando indicada, a biópsia é o exame de
escolha para o final do 1º trimestre, enquanto a
amniocentese deve ser realizada mais tardiamente
na gestação7(D).
Estudos têm revelado que, depois de realizada a suspeita pré-natal de ST, alguns pais
tendem a realizar uma interrupção provocada
da gestação4,5,8(B). Esta não é uma conduta
adequada, por três motivos principais: o achado pré-natal de um cariótipo com linhagem
45,X nem sempre é confirmado no cariótipo
pós-natal8(B), as pacientes diagnosticadas
incidentalmente em cariótipo pré-natal têm
uma maior proporção de mosaicismo, que dilui as características da síndrome9(B) e, ainda
que com algumas limitações impostas pela ST,
os fetos nascidos vivos são, na maioria das vezes, viáveis e sem impedimentos para uma inserção adequada e produtiva na sociedade.
SUSPEITA
PÓS-NATAL
A suspeita clínica após o nascimento em
1/5 a 1/3 dos casos surge pelo achado precoce de “estigmas turnerianos”. Em crianças em
idade escolar, quando são diagnosticados mais
1/3 dos casos, os principais achados que levam à suspeita de ST são: baixa estatura e
velocidade de crescimento reduzida. Na adolescência, a baixa estatura soma-se a retardo
puberal como motivos que levam ao diagnóstico. Durante a idade adulta, a amenorréia
primária ou secundária, a novulação e
infertilidade são as principais queixas que conduzem ao diagnóstico de ST10(D).
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DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da ST é realizado por meio
de cariótipo, usualmente de sangue periférico. Quanto maior a contagem de células, maior a chance de identificação de linhagens em
mosaicismo. Uma contagem rotineira com
avaliação de 40 metáfases, utilizando técnicas de bandeamento cromossômico, detecta
8% de mosaicismo com limite de confiança
de 95%11(D).
Se houver suspeita clínica e cariótipo 46,XX
em sangue periférico deve-se considerar a análise de outros tecidos visando à identificação de
mosaicismo. Marcadores, quando presentes, na
avaliação cariotípica devem ser caracterizados,
utilizando, quando necessário, técnicas
moleculares como hibridação “in situ” por
fluorecência (FISH) ou reação em cadeia por
polimerase (PCR). Relatos de pacientes com
cariótipo 45,X em linfócitos de sangue periférico com seqüências Y específicas, descobertas por
meios de avaliação molecular no mesmo tecido,
associadas à presença de gonadoblastomas e
disgerminomas gonadais12(B), tornam indispensáveis a utilização destas técnicas em pacientes
sem mosaicismo aparente.
ESTIGMAS
FÍSICOS
Os principais achados físicos divididos por
segmentos são:
• Segmento cefálico
Ø Olhos e região periocular: ptose palpebral,
estrabismo, pregas epicanticas, hipertelorismo ocular e sobrancelhas espessas.
Ø Orelhas: implantação baixa, orelhas rodadas.
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Ø Boca: Boca de peixe, palato em ogiva,
alterações dentárias.
Ø Cabelos: implantação baixa.
Ø Micrognátia
médico, a altura final das portadoras de ST,
registrada em curvas de crescimento específicas, varia de 133 a 157 cm (média 143)17(B),
pelo menos 20 cm abaixo da média da população feminina.
• Pescoço curto e/ou alado
• Região torácica
Ø Tórax em escudo, tórax escavado,
hipertelorismo mamário, escoliose e
cifose.
• Extremidades
Ø Cúbito e geno valgo
Ø 4º metacarpo curto
Ø Linfedema em mãos e pés
• Pele e fâneros
Ø Displasias ungueais
Ø Nevus pigmentares
CRESCIMENTO
O retardo no crescimento das meninas com
ST inicia-se já no período intra-uterino, seguindo-se com crescimento lento enquanto lactentes,
retardo no início do componente de crescimento
na infância, bem como no crescimento subseqüente neste período do desenvolvimento. Embora nem sempre detectado na comparação entre
os pares da mesma idade, em nenhum momento
da infância o crescimento é normal. O crescimento
pré-puberal é retardado e o estirão da puberdade
está ausente13,14(B). Neste padrão de crescimento, estão envolvidos fatores genéticos, como a
haploinsuficiência do gene SHOX, localizado no
braço curto do cromossomo X, na região pseudoautossômica, e também fatores hormonais15(D).
A baixa estatura acomete entre 95% a 100%
das pacientes14,16,17(B)18(D). Sem tratamento
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Ainda que a maioria das pacientes com ST
não tenha deficiência de hormônio de crescimento (GH), a terapia com GH recombinante,
quando utilizada de forma adequada, melhora a
altura final destas pacientes. Esta afirmação,
anteriormente baseada em comparações com
séries históricas, foi adequadamente validada
numa publicação recente de um estudo
randomizado, controlado19(A).
O benefício do GH recombinante na estatura final das pacientes depende do momento
de início da terapêutica, da dose implementada
e da duração do tratamento20(A). Na comparação com um grupo controle, o benefício do
uso de GH na dose de 0,30mg/kg/semana,
por um período médio de 5,7 anos, foi de
7,2 cm19(A).
A associação do GH com oxandrolona foi
estudada com algum benefício adicional
referido21(A). Em nosso meio, esta associação não tem sido rotineiramente realizada. O
uso de agentes anabólicos, como a oxandrolona, é questionado pelo seu potencial
virilizante.
A terapia inicial com estrógenos em baixas
doses visando ao ganho de estatura é passível de
críticas, pois tais hormônios, ainda que aumentem
a velocidade de crescimento, levam também à
fusão epifisária. Devido ao fato de tal terapia
carecer de comprovação de benefício real e ter
chance de causar algum prejuízo na estatura final, ela não tem sido mais utilizada com este
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fim, sendo somente recomendada ao final do
tratamento com GH, quando a idade óssea for
>12 anos22(D).
As recomendações de quando iniciar o
tratamento com GH recombinante, dose
recomendada e momento de interrupção encontram-se listados a seguir:
• Momento do início: quando a paciente com
ST estiver abaixo do percentil cinco da curva
de crescimento para meninas da mesma
idade22-24(D);
• Dose: 0,15UI/kg/dia22-24(D);
• Interrupção do tratamento: estatura final
alcançada, idade óssea > 14 anos ou crescimento < 2 a 2,5cm/ano23,24(D).
O tratamento hormonal de crescimento deve
ser monitorizado a cada 3 a 6 meses23(D). Ainda que não esteja estabelecida a relação do uso
de GH recombinante com tumorigênese, nos
pacientes com material cromossômico de Y, a
gonadectomia profilática deve ser realizada antes
de iniciar o tratamento, evitando assim possível
estímulo ao desenvolvimento de gonadoblastoma24,25(D)12,26(B).
Efeitos colaterais descritos com o uso de
GH são: resistência insulínica, aumento dos
níveis pressóricos, hipertensão intracraniana
benigna, retenção de líquido em extremidades, síndrome de tunel do carpo, artralgia,
mialgia, deslizamento de epífise femoral,
lipoatrofia23(D).
Ainda que nem todos estes efeitos relatados tenham sido rotineiramente descritos no
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tratamento da ST, devem ser pesquisados e
adequadamente monitorizados. Alguns destes efeitos ocorrem no início do tratamento e
cedem após os meses iniciais e a maioria deles é reversível com a suspensão do tratamento. A sugerida relação entre aumento da freqüência do hipotireoidismo auto-imune na
ST, assim como elevação de transaminases
hepáticas, com o tratamento com GH
recombinante, requer estudos para comprovação. Alterações ósseas como cifose, escoliose
e assimetria de extremidades merecem atenção especial neste seguimento.
REPOSIÇÃO
HORMONAL FEMININA
A deficiência estrogênica crônica atinge
95% a 98% das pacientes e ocorre devido à
disgenesia gonadal que caracteriza esta
síndrome27(D). Sendo a formação do trato
genital feminino interno e externo independente de influências hormonais, usualmente
não existem alterações estruturais nos órgãos
sexuais, com exceção das gônadas em fita.
Apenas 10% a 20% das meninas com ST
secretam estrógenos suficientemente para que
ocorra o desenvolvimento sexual espontâneo.
Portanto, na maioria das pacientes, em momento
adequado, estes hormônios devem ser repostos,
a fim de desenvolver as características sexuais
secundárias e menarca, além de atuar no ganho
e manutenção da massa óssea.
Diversos são os esquemas de indução puberal,
reposição estrogênica e progestínica utilizados em
meninas com hipogonadismo e ST. A oferta de
estradiol oral, transdérmico, em gel, já testada na
ST, possibilita diversas opções de escolha28,29(B)30(D).
Todos os esquemas, independente da via de ad-
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ministração e formulações utilizadas, iniciam com
doses baixas, evoluindo com aumento gradual da
reposição estrogênica, simulando a maturação
sexual puberal. Em momento oportuno, recomenda-se o início da proteção endometrial com
progestágenos.
RECOMENDAÇÕES
PARA A TERAPIA DE RE-
POSIÇÃO HORMONAL FEMININA
• Momento do início: após avaliação de
gonadotrofinas, para excluir puberdade
espontânea atrasada24(D).
• Iniciar com pelo menos 12 anos de idade
óssea e evitar início após os 15 anos de idade
cronológica22(D). Dentro desta faixa, podese retardar a introdução dos estrógenos caso
a prioridade seja o ganho de estatura31(A).
Neste caso, os estrógenos devem ser iniciados ao final da terapia com GH24(D).
• Esquema sugerido:
Ø Início com estrógenos conjugados 0,3mg
por seis meses, seguido por 0,625mg a partir deste momento. Alguns autores sugerem aumento da dose após um ano para
1,25mg22(D), porém elevações para esta
dose usualmente não são necessárias para o
adequado desenvolvimento das características sexuais e ciclo menstrual. Uso recomendado por um período de 21 a 28 dias (exemplo: do 1º ao 21º dia do mês)10(D).
Ø Deve-se introduzir progestágenos (exemplo: acetato de medroxiprogestrona
5 a 10mg):
- No segundo ano de tratamento com
estrógenos;
- Antes deste período, caso ocorra
sangramento de escape24(D).
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O progestágeno deve ser administrado por
10 a 13 dias do mês10(D), (exemplo: do 10º ao
21º dia do mês).
AVALIAÇÃO
E SEGUIMENTO
CARDIOVASCULAR
Alterações cardiovasculares são comuns na
ST. Estas podem ser divididas em dois grupos. As cardiopatias congênitas, presentes em
23 a 40% das pacientes, e as adquiridas. Estas últimas são usualmente representadas por:
hipertensão arterial sistêmica (HAS), presente
em 24% a 40% das pacientes adultas, doença isquêmica cardíaca, com uma incidência
duas vezes maior que a população geral e a
dilatação com ou sem ruptura da aorta32(D).
As cardiopatias congênitas mais comuns acometem o coração esquerdo e dentre elas as
mais freqüentemente encontradas são valva
aórtica bicúspide e coarctação da aorta, com
prevalência de 14% a 34%, e 7% a 14%,
respectivamente 27(D). Podem ser encontradas
também diversas outras alterações cardíacas,
como prolapso de valva mitral, distúrbios de
condução, estenose e insuficiência aórtica,
hipoplasia do coração esquerdo, ducto
arterioso patente, comunicações interatriais
e interventriculares, estenose de artéria pulmonar ou combinação das alterações
mencionadas 33(C).
A HAS, na maior parte das vezes, não tem
causa secundária definida e pode acometer tanto
mulheres adultas quanto crianças com ST32(D).
A dilatação e ruptura da aorta são as
complicações mais temidas e tem a HAS e a
coarctação da aorta como fatores predisponentes34(C).
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RECOMENDAÇÕES SOBRE A ABORDAGEM DA
DOENÇA CARDIOVASCULAR
• Avaliação com exame físico cardiológico,
pressão arterial e pulsos em todas as consultas. A comparação entre as pressões sistólicas
do braço e da perna pode auxiliar no diagnóstico de coarctação35(D).
• Avaliação com ecocardiograma e/ou ressonância magnética na infância e, se normal,
repetir na adolescência24,30,35(D).
• A descoberta de alguma alteração cardíaca
deve direcionar as pacientes para um seguimento com cardiologista especializado24,32,35(D)
lação estudada36(B)37(C). Os pacientes com ST
têm uma chance de desenvolvimento de
hipotireoidismo que aumenta com a idade. A
identificação de casos em idade precoce38(B) e a
possibilidade do hipotireoidismo interferir no
desenvolvimento físico, psíquico e também no
tratamento, a exemplo, na terapia com GH
recombinante, alertam para a necessidade de se
iniciar monitorização na infância. Estudos têm
sugerido que as pacientes com cariótipo com
linhagem i(Xq) têm uma chance ainda maior
de desenvolvimento da doença de
Hashimoto39(B). Este fato requer melhor avaliação. Não existe consenso a respeito de periodicidade e dosagens a serem utilizadas para
monitorização da doença tireoideana10,24,32,35(D).
R ECOMENDAÇÕES
• A presença de valva aórtica bicúspide requer
profilaxia com antibióticos em caso de
procedimentos cirúrgicos e dentários24,32,35(D).
Com o desenvolvimento de estudos em
populações de pacientes com ST em idade adulta
e a proposta de emprego de técnicas de reprodução
assistida nestas pacientes, o receio da catastrófica
complicação de ruptura de aorta tem aumentado.
Consequentemente, diversas publicações têm
orientado a avaliação periódica com
ecocardiograma a cada 3 a 5 anos, independente
da presença identificada de alterações
cardiovasculares10,30,32(D).
AVALIAÇÃO
DE DOENÇA TIREOIDIANA
A prevalência de hipotireoidismo auto-imune é maior na ST quando comparada com a
população em geral. As diversas séries nas quais
este aspecto foi estudado encontraram uma freqüência que variou de 6,69% a 37%, dependendo principalmente da idade média da popu-
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PARA AVALIAÇÃO DO
HIPOTIREOIDISMO
• Monitorização:
Ø Iniciar com dosagem do TSH ao diagnóstico e a partir daí seguir com avaliação anual.
Ø Caso TSH vier alterado, solicitar T4 livre e
ATPO. Este último apenas para diagnóstico.
AVALIAÇÃO
DE ALTERAÇÕES RENAIS
Alterações congênitas renais estão presentes
em até 30% das mulheres com ST24(D). As mais
comuns são rotações renais, rins em ferradura,
duplicação pielo-ureteral e hidronefrose secundária à obstrução ureteropélvica. Agenesia renal
também pode estar presente. Ao diagnóstico,
sugere-se realização de ultra-sonografia de rins e
vias urinárias. A identificação de alterações pode
indicar avaliação com outros métodos
propedêuticos, como uretrocistografia ou
urografia excretora. Tem sido recomendado, que
na presença de alterações congênitas, avaliações
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com exames de urina, para detectar infecções
urinárias, e ultra-sonografia devem ser realizados com periodicidade de 3 a 5 anos ou num
inter valo menor caso haja presença de
sintomas24(D).
AVALIAÇÃO
DE ALTERAÇÕES AUDITIVAS
Acredita-se que alterações estruturais no
conduto auditivo das pacientes com ST favorecem o desenvolvimento de otite média de repetição, particularmente nos seis primeiros anos
de vida24(D). Faz-se necessário um tratamento
agressivo para evitar perdas auditivas. É descrito uma grande chance de perdas auditivas
neurosensoriais. A freqüência de monitorização
destas perdas não está bem determinada, tendo
sido sugerido tanto uma monitorização rotineira
a partir de primeiro ano de vida, quanto uma
avaliação isolada na infância, seguida por nova
avaliação apenas na idade adulta35(D).
OUTRAS
ALTERAÇÕES
A intolerância à glicose é relatada em
freqüência aumentada, de 15 a 50% das pacientes, e diabetes mellitus tipo 2, em 10% das
pacientes com ST27(D).
Recentemente, comparando-se mulheres
com ST com outras com falência ovariana
prematura e mesmo IMC, foi sugerido que tais
alterações são relacionadas a uma inadequação
pancreática primária na resposta de secreção de
insulina e não secundária a uma resistência
periférica aumentada40(B).
Na ausência do tratamento com GH
recombinante, ainda não está bem estabelecida
com que freqüência deve ser realizada a
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monitorização dos níveis glicêmicos e tolerância
à glicose em pacientes com ST.
Alterações em transaminases22(D) e perfil
lipídico32(D) têm sido relatadas com maior
freqüência na ST. Ainda há carência de estudos
sobre estas questões.
Alterações oftálmicas, ortodônticas e
ortopédicas, quando detectadas, devem ser referidas para avaliação com especialistas nas
respectivas áreas24(D).
CONCLUSÕES
A ST é uma das anomalias cromossômicas
mais freqüentes que afetam o sexo feminino. É
também a primeira doença genética cujos estigmas podem ser superados pela terapia hormonal.
As presentes recomendações visam uma orientação médica genérica para que se possa alcançar
todos os benefícios que o avanço médico-científico trouxe para seus portadores sem os
malefícios que uma conduta inadequada pode
proporcionar.
*Apêndice A – Anatomopatologistas:
Patrício FR; Delcelo R; Cardiologistas: Pereira
A; Stivanin H; Ikari NM; Endocrinologistas:
Guedes AD; Lage A; Costa EF; Verreschi ITN;
Mendes JT; Batista MTM; Mello MP; Guimarães MM; Castro ML; Endócrino-pediatras:
Castro AS; Longui CA; Damiani D; Guerra
G; Garcia L; Geneticistas: Guerra ATM;
Vianna-Morgante A; Heckel C; Brunoni D;
Cerrutti J; Andrade JD; Melaragno MI; Costa
SS; Ginecologistas: Fonseca AM; Mota ELA;
Freitas V; Hepatologistas: Salgado AL; Parise
R; Medicina Laboratorial: Vieira Neto E; Lima
JC; Denardim O; Martinez TLR.
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