FstFood de F o oi a - Petcom - Universidade Federal da Bahia
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FstFood de F o oi a - Petcom - Universidade Federal da Bahia
Sobrevivência “lógica de mercado” é, no fim das contas, uma mentalidade tacanha e sem qualquer ponta de nobreza. Acreditar num produto novo, que movimenta o mercado editorial local e incrementa a vida universitária da cidade parece um grande pecado. E tem quem “acredite”, mas com a condição de barganhar, barganhar e barganhar! No final não sobra nada. Felizmente, a Fraude é uma saída. Infelizmente, é uma ilha em meio à carência de revistas independentes feitas aqui mesmo na cidade, sem qualquer espécie de “rabo preso editorial”. A propósito, nesta edição a revista está mais local. Saímos um pouco do cosmopolitismo exagerado e exploramos um pouco mais os temas que a cidade oferece. Com destaque para o Museu do Objeto imaginário (seja lá o que for isso...), o Rio Vermelho e suas enchentes e vazantes, além dos nossos apresentadores-porretões da TV. Destaque ainda para as rádios evangélico-comunitárias, o que tem no humor de Hermes e Renato e os olhos vigilantes do MediaWatch. Por fim, um artigo sobre as táticas do amor escrito pelo professor Juremir Machado, autor do romance recém-lançado “Getúlio” (um privilégio desses só a Fraude mesmo!). Então, boa leitura. E obrigado aos que apóiam a Fraude. Não é nada comprometedor... 38. Fast-Food de Filosofia 36. Azougue Ideal 34. O mais escuro dos cinemas 32. A triste sobriedade dos 30 31. A arte do amor 28. Museu de tudo 26. Vote ni mim 24. Quem quer dinheiro? 22. I AM Jesus 19. Quem vigia os vigilantes 18. Roque com batuque Índice 16. Crl+AltRock 14. Quando o rio deságua no mar 12. Hermes e Renato: Caótico 09. O Carnaval do meio-dia 06. Entrevista: Yakoff Sarkovas A luta pela 04. Pop Up A Fraude recompensa. E ao contrário do que se pensa, dá trabalho pra fazer. Tornar viável uma revista que fala sobre cultura e comunicação já é algo bem complicado. Principalmente quando ela é universitária e com tiragem modesta. Pior ainda quando é em preto-e-branco e com sérias restrições orçamentárias! Mas a nossa equipe não se abate com isso - pelo contrário: a gente aceita a Fraude como ela é. E olha que ela é bem bonitinha, modéstia à parte. O problema é que o mercado não faz o mesmo. É cada vez mais complicado convencer o empresariado da cidade a apoiar uma produção independente e que chega apenas ao seu segundo número. O que por aí se chama de Expediente Repórteres e Colaboradores: Beth Ponte, Camilla Costa, Camilo Aggio, Danilo Fraga, Jeder Janotti Jr., Júremir Machado, Lívia Nery, Lucas Cunha, Pedro Fernandes, Ricardo Sangiovanni, Tiago Félix e Vivian Barbosa. Imagens e Diagramação: Camilla Costa, Danilo Fraga, Lucas Cunha e Ricardo Sangiovanni. Revisão: Beth Ponte, Camilla Costa, Danilo Fraga, Lucas Cunha, Ricardo Sangiovanni e Vivian Barbosa. Produção Executiva: Beth Ponte e Vivian Barbosa Agradecimentos: Juremir Machado, Tio Dú da Graúna, Sala de Arte, LabMedia, LabVídeo. FACOM/UFBA - Salvador - BA - Brasil Ano 1, número 2 - Dezembro de 2004 Esbarramos com Fernanda Takai por aí... Pop-Up Durante sua passagem por Salvador para show na Concha Acústica, a Fraude conversou com Fernanda Takai, vocalista do Pato Fú, afastada dos palcos há quase dois anos, sobre os preparativos para o próximo disco, Salvador e otras cositas más. Confira: Fraude - Como estão sendo as gravações deste novo álbum? Fernanda - Nosso oitavo disco já está com a produção bem adiantada. Como temos estúdio em casa, estamos sempre gravando e compondo material novo. É um processo lento de criação e amadurecimento de cada uma delas. Não sei como alguns artistas conseguem parar e fazer tudo de uma só vez, em um mês ou dois. Nosso último disco de estúdio é de 2001, então juntamos um material bacana pro próximo, não em quantidade, mas em qualidade, acreditamos. Estamos afastados dos grandes meios de comunicação desde dezembro de 2002, então é, sem dúvida, um recomeço. Fraude - Ainda sobre o novo disco há alguma participação em vista para o novo cd? Algum cover? Fernanda - Temos a participação de uma cantora portuguesa, Manuela Azevedo, de uma banda muito interessante chamada Clã. John compôs uma das letras do álbum mais novo deles. Em nossa viagem a Portugal no ano passado, ficamos amigos, pois descobrimos grande afinidade musical e pessoal entre nós. Acho que de cara, pela empatia, queríamos tentar um trabalho em parceria. Até este momento temos em processo de finalização doze músicas inéditas, mas esse número pode aumentar... Fraude - Vocês já tem uma idéia de que linha o novo disco irá seguir? Fernanda - Todos os nossos álbuns, desde o início até hoje, tem como característica principal a diversidade, a não-fronteira estética. A gente se permite deixar de ser uniforme. Houve uma evolução tecnológica entre eles e também uma tentativa de escrevermos melhor a história de cada canção. Sem explicar muito, diria que vocês podem esperar tudo o que estamos tentando extrair de melhor desse momento que vivemos como banda. Fraude -O que mudou no Pato Fú com a chegada da Nina, sua filha com John? Fernanda - Mudou que as turnês serão mais humanizadas, não dá mais pra ficar fora de casa quinze, vinte dias direto, tentamos nos programar melhor do que antes. Estamos muito felizes com esta nova etapa em nossas vidas, mas somos reservados demais pra ir além disso. Melhor deixar as obras com interpretação aberta e encontrar o sentido através do que cada um lerá nelas. Fraude - Alguns dos integrantes da banda como o Ricardo e o John possuem alguns pequenos trabalhos solos, como o Let's Presley e a produção dos novos cds da Wonkavision e do Arnaldo Baptista. Você também não pensa em fazer algo solo? Fernanda - Realmente em curto prazo não. Acho muito difícil fazer algum trabalho assim enquanto o Pato Fú existir. Não consigo ver o trabalho de um vocalista de banda desvinculado de todas as referências do grupo, não gostaria de concorrer comigo mesma no presente. Meu projeto prioritário para os próximos anos é uma garotinha que está comigo há quase um ano agora... Fraude -Você morou em várias cidades brasileiras por causa do trabalho de seu pai, morando por algum tempo em Salvador, o que inclusive gerou a letra de Antes Que Seja Tarde. Qual sua relação com Salvador? Fernanda - Passei parte da infância em Salvador, comecei a ir à escolinha aí, aprendi a nadar em Ondina, soltar pipa no Farol, gostar de acarajé. É uma terra muito boa, temos amigos de muitos anos na cidade. Depois com a banda, foi uma das capitais que melhor nos acolheu desde o comecinho. Fazemos questão de incluí-la como prioridade nas turnês. Museus Virtuais Todos os museus que se prezam têm sites. O Louvre, o MoMA e o Masp têm espaço reservado na rede para expor seu acervo e dar ao visitante virtual uma idéia do que pode ser visto no caso de uma visita física. E é claro que, dada a facilidade de colocar páginas na Internet, o número de museus se multiplica e todo tipo de gosto pode ser satisfeito. Mas agora é tempo de usar a Internet para fazer com que as pessoas não apenas vejam, mas viajem pelo acervo. E, nessa tecnologia, destacam-se duas instituições: o Museu de Arte Contemporânea de Chicago e o Walker Art Center em Minneapolis (EUA), que mostra numa câmera ao vivo, tomadas da vista que se tem da janela da frente do edifício e o mais importante: um passeio virtual pelo jardim de escultur a s d e Minneapolis. V a l e conferir também o primeiro museu brasileiro exclusivamente virtual, o Museu Virtual de Arte Brasileira. Como Internet quer dizer interatividade, o passo seguinte é dado pelo Museu de Arte Contemporânea de Chicago. Além de mostrar parte do acervo permanente e trazer a programação do museu, o ponto alto é a visita virtual "Transmute" (ela está meio escondida, em Past Exhibitions/Transmute). Nela, o visitante pode montar sua própria exposição. Com a Internet mais veloz, a tendência é que esses ambientes se tornem mais realistas e que permitam interação: já não será mais apenas fazer a curadoria de uma exposição, mas montá-la em grupo, discutindo o assunto com outros visitantes e modelando o espaço virtual. Isso, tecnicamente, já pode ser feito, pois existem boas experiências de salas de chat em 3D, como a página-demo do navegador pelo VRML Blaxxun. É só questão de tempo (e de dinheiro, como sempre) para juntar tudo em algo que faça sentido. Depender de desconhecidos é a l t a m e n t e desaconselhável. Mas não adianta: o computador é nosso braço direito e ainda assim quase ninguém sabe como funciona. Ou quase: o site http://www.guiadohardware.net é um bom caminho para quem quer saber um pouco mais sobre o funcionamento do micro. Desenvolvido 4 Fraude Escritores escrotos... ...E sua literatura de esgoto Parte 2 Assim como ratos se proliferam no esgoto, novos escritores aparecem para colocarem seus escritos nas ruas. Uma das últimas crias desta nova geração é a Edições K, que entra no mercado editoral com quatro livros, três de contos de autores já famosos em e-zines como Marcelo Benvenutti ( O Ovo Escocês), Delfin ( Kreuzweltratsel ) e Patrick Brock ( Velhas Fezes), além do cordel “A filha do imperador que foi morta em Petrolina”, do baiano Wladimir Cazé, exmembro do PetCom em meados dos anos 90. Compostos basicamente de textos publicados na Internet - inéditos no formato livro - Benvenutti, Delfin e Brock trazem nos seus contos temas urbanos como sexo, drogas e música pop, colocados da forma mais caótica possível e sobra até espaço para aventuras cyberpunks. Os livros das Edições K podem ser adquiridos no Sebo Berinjela (Travessa da Ajuda, Centro) ou com Patrick Brock pelo tel: (71) 358-1442 ou e-mail: [email protected] O mapa das canções perdidas SITES: http://www.walkerart.or g/resources/res_msg_v rmlframe.html www.mcachicago.org www.blaxxun.com www.museuvirtual.com. br Guia do hardware As curtas da Fraude Pop-Up pelo programador Carlos Morimoto, criador do Linux Kurumim (que já está na versão 4), o guia do hardware traz dicas e excelentes tutoriais (escritos por ele mesmo) contendo noções de hardware, software, programação e redes, em linguagem acessível até para quem nunca ouviu falar dessas coisas. O site conta também com informações atualizadas diariamente sobre o mundo da informática, software livre, cursos na área e games, além de trazer notícias do Kurumin e outras versões do sistema operacional Linux. Outro atrativo são os fóruns de discussão entre usuários, que tiram dúvidas, comentam, sugerem e produzem soluções em informática. Para aqueles que acham que o rock no Brasil dos anos 60 se resume à Jovem Guarda, está disponível na Internet uma compilação de bandas de rock brasileiro do período. A coletânea virtual é conhecida como Brazilian Nuggets uma referência à famosa coletânea de “garage bands” norte-americanas dos anos 60. A compilação conta com uma grande variedade de bandas desconhecidas, como Os Brasas, Sueli & os Kanticus, Os Jovens, Bango, Os Minos (do guitarrista Pepeu Gomes), Megatons e Beat Boys. Várias gravações chamam a atenção pela ousadia, como “Lindo Sonho Delirante”, do soulman apocalíptico pré-Raul Seixas, Fábio. A música, gravada com acompanhamento dos Fevers, homenageava ingenuamente o LSD, no estilo Lucy in the Sky with Diamonds de ser. Outra surpresa é a balada “Sílvia 20 horas Domingo” de Ronnie Von, que lembra um pouco o som do quarteto barbudo Los Hermanos. Para ter acesso ao Brazilian Nuggets é necessário baixar o programa Soulseek - disponível na seção de Downloads do site www.slsknet.org. Depois, é só digitar "brazilian nuggets" no buscador e todo um mundo de obscuridades do rock nacional estará à sua disposição. 5 Fraude Entrevista: Yacoff Sarkovas é b o m Entrevista n e g ó c i o ? Beth Ponte [email protected] F undador e presidente da Articultura, primeira agência de planejamento e gestão de patrocínios do país, Yacoff Sarkovas é reconhecido como um dos maiores críticos às Leis de Incentivo à Cultura. Concebeu e gerenciou quase uma centena de projetos nas áreas cultural, ambiental, esportiva e social para instituições no Brasil e no exterior. Foi também responsável, entre 1999 e 2002, pela reformulação da política de patrocínios da Petrobras, a maior patrocinadora brasileira. Sarkovas foi convidado, no início da gestão do PT, para colaborar com a reformulação da aplicação das Leis de Incentivo em empresas estatais e entrou na mira de produtores e diretores de cinema como Cacá Diegues e Luiz Carlos Barreto, o Barretão, que em junho deste ano se referiu a Yacoff como um “gigolô da cultura”. Polêmico e incisivo, ele fala das deturpações das Leis Rouanet e do Audiovisual, da realidade do Marketing Cultural e dos rumos da cultura no Brasil. Em entrevista exclusiva à revista Fraude, Yacoff vem contestar a máxima de que “a cultura é um bom negócio” (o slogan defendido por Wefort, no Ministério da Cultura do governo FHC) com o questionamento: bom negócio para quem? 6 Fraude Fraude - Em debate com o Ministro da Cultura Interino, Juca Ferreira, você causou polêmica ao se referir às Leis de Inventivo Fiscal (Rouanet e do Audiovisual) como um câncer que contamina toda relação entre as empresas e os cidadãos com a cultura. Por que criticar o que muitos consideram o maior avanço na história nacional de financiamento à cultura? Sarkovas - As leis de incentivo tornaramse uma forma insensata de financiamento do Estado. Incentivo fiscal é uma estratégia de aplicar o dinheiro público para estimular investimento privado, em que o governo deixa de recolher parte dos impostos das empresas para que este seja investido em áreas culturais. Mas no Brasil, as leis de incentivo à cultura passaram a transferir recursos públicos sem nenhuma contrapartida privada. Foram deturpadas desde que passaram a permitir, ainda no governo FHC, a dedução integral, tornando a empresa, um mero repassador dos recursos do Estado, despendidos sem atender objetivos coletivos. Ao se transferir para as empresas recursos e responsabilidades do Estado foram cometidos múltiplos equívocos: investe-se dinheiro público sem a efetiva garantia de atender o interesse público; não se formam reais investidores privados, pois ninguém aprende nada gastando dinheiro alheio; deforma-se o mercado de patrocínio, incutindo na cultura empresarial um benefício a custo zero. Não há nada de errado em empresas privadas financiarem a cultura, quando o dinheiro é, de fato, privado. As leis de incentivo fiscal são importantes para a cultura porque transferem cerca de R$ 500 milhões anuais para a área, mas o Ministério da Cultura tornou-se, na verdade, o "Ministério das Leis de Incentivo". Porque somente no Brasil a dedução fiscal é o principal mecanismo de financiamento público à cultura. É impossível atender à diversidade e à extensão das demandas culturais da sociedade com um sistema baseado em incentivo fiscal. Enquanto este paradigma não for quebrado, tudo continuará como está. Fraude - Você prega a abolição gradual dos mecanismos de incentivo fiscal empregados hoje em dia. Para tanto, defende a idéia de formas de investimento público, como os Fundos de Investimento à Cultura. Mas as empresas não são também importantes patrocinadoras? Podemos contar somente com a consciência de seus empresários para que elas invistam em cultura? Sarkovas - Se a empresa não vê sentido em patrocinar cultura, faz menos sentido ainda colocar em suas mãos dinheiro público para que ela decida a quem deve beneficiar. O fim do anabolizante fiscal revelaria a verdadeira dimensão econômica do patrocínio empresarial. Ele cresceria estimulado pela necessidade de gerar resultado, irrigando a cultura com recursos privados reais, como ocorre nas áreas ambiental, social e esportiva, que não sucumbiram, ainda, ao perverso encanto das leis de incentivo e desenvolveram formas concretas de sustentabilidade. Nos EUA, os institutos e fundações empresariais estendem suas atividades ao campo cultural, dispondo fundos para os mais variados projetos e segmentos artísticos. É o que chamamos de investimento social privado e que tem que trabalhar em conjunto com o financiamento público. Porém, no Brasil, um dramático quadro de desigualdade induz a maioria do investimento privado para ações relacionadas à pobreza e à exclusão social e não ainda para a cultura. Fraude - Atualmente, suas perspectivas quanto às ações do MinC durante o governo Lula são muito céticas sobre mudanças no financiamento da cultura. Como se deu sua participação na reformulação do sistema no início da gestão do PT? Sarkovas - No início do Governo Lula, não eu, mas a Articultura foi chamada pela SECOM (Secretaria de Comunicação do Governo Federal) para fazer um trabalho muito pontual de assessorá-la numa normatização dos patrocínios das estatais, buscando estabelecer alguns princípios que pudessem servir como norteadores de todos os patrocínios. O que não significaria dizer o quê a Caixa, a Petrobrás ou o Banco do Brasil deveriam fazer, mas estabelecer alguns preceitos. Por exemplo, os patrocínios deviam ser organizados em programas, os programas deveriam ter cunho técnico, o acesso deveria ser transparente, democrático... Isso aconteceu porque em 1999, ainda no governo FHC, a Articultura foi chamada pela Petrobrás, na época em que o monopólio do petróleo tinha sido quebrado e a empresa tinha que passar por um forte processo de modernização, inclusive na área de patrocínios, para poder enfrentar um mercado em que ela não seria mais a única empresa de petróleo no país. A Petrobrás então não tinha nenhuma percepção pública dos seus patrocínios, investia R$100 mi por ano em projetos e as pesquisas demonstravam que ninguém sabia que a Petrobrás era patrocinadora. Nosso trabalho mudou completamente a área de patrocínio da Petrobrás, a percepção pública dos patrocínios da empresa cresceu enormemente. Hoje as pesquisas mostram que o patrocínio nos programas cultural, ambiental e esportivo é um dos maiores fatores de construção da marca Petrobrás. Fraude - Por causa desse convite, muita gente confundiu sua participação com uma forma de dirigismo da SECOM, como se ela quisesse dessa forma delimitar o patrocínio dessas empresas.. Sarkovas - O fato de a SECOM ter nos chamado assustou, e muito, as áreas que tentam a todo custo manter a Lei do Audiovisual no Brasil, porque acharam que o fato da Articultura ter se aproximado do governo poderia por em risco essa Lei que sabidamente é combatida por mim e pela empresa. Então criaram, fizeram um trabalho de “queimação midiática”, um golpe aplicado pelo lobby do Audiovisual em maio de 2003 tentando neutralizar a possibilidade da Articultura ser ouvida em outras questões além daquilo em que ela vinha sendo ouvida. Fraude - Nessa época você utilizou em entrevista ao jornal O Globo o conceito “Grito dos Incluídos”, para falar desse apego à Lei do Audiovisual pelos que são favorecidos por ela, numa época em que ser incluído no país do assistencialismo era quase um pecado. E hoje, os incluídos continuam os mesmos? Sarkovas - Eu jamais “fulanizo” essas discussões por que é exatamente o jogo que algumas dessas pessoas pretendem: transformar isso numa discussão de pessoas, de nomes, e eu não tenho nenhum interesse de fundo pessoal ou profissional nesta discussão. Eu tenho pensado muito no que faz com que pessoas eventualmente se mobilizem pela manutenção de um sistema de financiamento que é evidentemente perdulário, dissociado do interesse público. Aí você encontra um grupo de produtores, particularmente na área de 7 Fraude Televisão Entrevista cinema, que foram responsáveis pela própria promulgação da Lei do Audiovisual e que tem interesse na manutenção deste mecanismo porque eles têm um domínio direto dos canais de acesso a esses recursos e temem um sistema que seja distinto desse. Mas não é só isso que mantém essas leis em vigor. O que de fato acaba fazendo diferença é que boa parte dos profissionais da área de cultura desconhece qualquer outro mecanismo de financiamento público e acha que se acabar o incentivo fiscal não há outra forma de distribuir o dinheiro público. Nesse estado de ignorância eles são facilmente atemorizados por estes espantalhos de dirigismo, mas, na verdade, não há como você desenvolver uma política pública sem estabelecer diretrizes. Isso está longe de ser dirigismo, uma política cultural é uma estratégia cultural pública. É a mesma coisa de você chamar a política pública de transportes ou de segurança pública do país de dirigismo. Isso é contar com a ignorância alheia para gerar uma paralisação e impossibilidade de transformação nos mecanismos que estão em vigor. Fraude - A Articultura é uma agência que se tornou referência no patrocínio empresarial brasileiro, uma das primeiras a lidar com o conceito de marketing cultural quando este ainda não era uma realidade no Brasil, em meados dos anos 80. Como você vê o Marketing Cultural hoje em dia no país? Sarkovas - O marketing cultural se desenvolveu enormemente nestes últimos 20 anos, não só o Marketing Cultural, mas todas as formas de comunicação empresarial que são feitas por de”, que é 8 Fraude meio de ações de interesse público. O desenvolvimento do Marketing Cultural não difere do desenvolvimento que ocorreu no que nós, na Articultura, chamamos de “comunicação por atitude”, que é essa estratégia de uma marca se associar a uma ação que expresse os atributos que ela possui ou deseja ter. Por que a publicidade é a marca falando de si mesma. O patrocínio, em resumo, é a forma de uma marca agir de acordo com o que ela, por meio da publicidade, diz ser. Hoje, todas as formas de comunicação por atitude, que se encontram no campo social, esportivo, cultural e ambiental movimentam em torno de US$ 27 bi no mundo. Isso não é só o investimento no Marketing Cultural, mas em todas as quatro áreas. Eu estimo que o investimento aqui no Brasil, estritamente no campo cultural, deva estar beirando cerca de R$Um bi por ano. Fraude - Sua empresa nasceu, coincidentemente, no mesmo ano em que a Lei Sarney, o marco inicial no que diz respeito ao financiamento cultural brasileiro, hoje em dia criticado por você. A Articultura nunca trabalhou com Leis de Incentivo no planejamento estratégico do patrocínio das diversas empresas a que presta serviço? Sarkovas - A Articultura foi responsável pelos primeiros manuais sobre Leis de Incentivo no Brasil e a Articultura sempre na medida da necessidade dos projetos seus, ou de seus clientes, usou e usa normalmente Leis de Incentivo. O que a Articultura nunca fez foi colocar Leis de Incentivo como motivação para o patrocínio empresarial. A Articultura sempre colocou a Lei de Incentivo Fiscal como um fator agregado a uma motivação de patrocínio empresarial, um dispositivo que, eventualmente, pode ser usado (mas que várias vezes não precisa ser usado) para baratear uma ação de patrocínio. Não para justificar uma ação de patrocínio. E mesmo assim, esse uso da Lei de Incentivo, quando se deu pela Articultura foi sempre pela modalidade da redução parcial, o que de fato torna uma Lei de Incentivo uma Lei de Incentivo. Agora, na prática, se você for analisar o currículo de mais de cento e poucos projetos que a Articultura já desenvolveu ao longo da sua história, você vai contar nos dedos os que efetivamente envolvem incentivo fiscal, não passam de cinco, dez. Fraude - Você acredita na validade de eventos como Fórum Cultural Mundial, em São Paulo, ou as discussões recentes sobre as modificações nas Leis de Incentivo como meios de mudar a forma como é encarada a cultura no Brasil, pelas autoridades e cidadãos? Sarkovas - Essa movimentação em torno da questão cultural tem que ser vista com muito otimismo, como um sinal bastante positivo, senão na agenda da sociedade ou na agenda da política, pelo menos na agenda da mídia. Infelizmente, a cultura ainda não faz parte da agenda política do país da mesma forma que outros assuntos de interesse público, e neste caso nós temos que destacar muito a educação, já fazem. Na verdade a grande beneficiada do desenvolvimento cultural, que é a sociedade em geral, tem um grau de envolvimento e participação ainda muito reduzido. Nós tivemos este ano muitos episódios que levaram a colocar a cultura no centro de alguma discussão ou reflexão. Não só os eventos que você citou. Tivemos também a discussão organizada pelo ministério para debater a Lei Rouanet, a revelação do relatório de desenvolvimento humano mundial da ONU, que deu uma ênfase extrema à questão do desenvolvimento cultural. Não é exatamente uma real democratização do debate em torno da cultura, mas uma etapa inicial para o que um dia poderá ser um envolvimento e preocupação verdadeiros de todos, dos cidadãos e políticos, não apenas da mídia. Programas de TV misturam jornalismo, denuncismo e assistencialismo. E acabam misturando tudo na cabeça do telespectador... Ricardo Sangiovanni [email protected] T odo dia meio-dia. Basta ligar a TV para tomar a dose diária de realidade. Tem espaço para a água que tá faltando, para a cobrança indevida, a mãe que perdeu o filho, o idoso que precisa de remédio. Todo o mundo. E agora em vários canais: Varela, Kertèsz, Gerdan... Resolvem os problemas do povo? Que bom. Mas até que ponto o jornalismo na TV deve assumir a função de reclamadoria pública em forma de tribuna popular? Como isto é feito hoje, na Bahia? Considerando algumas nuances um é mais moderado aqui, o outro mais bravateiro ali - dá pra juntar os três no mesmo bolo. No mesmo samba do crioulo doido. E por falar em samba... É sempre o mesmo. As pessoas têm problemas das mais diversas origens e naturezas, mas passam muito longe das soluções. Aliado à falta de informação da população, o excesso de providências que se tem que tomar para resolver problemas simples acaba transformando qualquer unha encravada num pandemônio. Ora, nada melhor do que meter a boca no trombone. Melhor: no microfone. Centralizar as reclamações do cidadão 9 Fraude Televisão Televisão comum e torná-las fato público é, sem dúvida, uma saída eficaz é um instrumento que o cidadão comum tem para fazer frente ao Estado ou às grandes empresas. Além do mais, se por um lado para uma empresa ou órgão público pouco representa uma queixa individual, por outro não é nada cômodo ter seu nome na boca do Varela dia após dia na TV... Tudo isto seria muito bom - se fosse só isso. No entanto, o que cresce por trás da atitude de aparente caridade é sempre a figura do apresentador. Uma espécie de padrinho que aparece, no fim das contas, como a melhor via de reclamação afinal, entre procurar o poder público (e estacionar nas suas congestionadas vias legais) e procurar um microfone que espalhe sua queixa por todo o estado, a segunda opção acaba sendo a predileta do grande público. Pode-se justificar esta escolha com um motivo simples: quem fala quer ser ouvido. E, às vezes, ser ouvido (ou pelo menos parecer ser ouvido), ainda que por alguém que tenha pouco poder para solucionar o problema, vale mais do que gritar no ouvido de quem manda de verdade e nunca ouve nada. A maior parte dos problemas levados ao ar por estes programas não são da alçada da imprensa: quem não tem água deveria mandar reclamação para a Embasa. Quem teve o pneu furado no buraco da rua, ou foi assaltado, ou comprou 10 Fraude um computador e não recebeu não deveria procurar a TV como última e salvadora instância para seus problemas. No entanto, o enorme vão comunicacional que existe entre o poder público e o cidadão precisa ser ocupado se o Estado é lento, e muitas vezes pouco se incomoda com os impasses pontuais do inconveniente Zé-povinho, este por sua vez tem cada vez mais motivos para reclamar. Simular tribunas públicas é um excelente artifício que a TV usa pra ocupar este espaço. A falta de comunicação entre governantes e governados inviabiliza a execução da democracia de fato: o que ocupa este posto é uma espécie de “mediocracia”, a democracia mediada (se é que isto é possível), em que o mediador tem mais importância do que as partes envolvidas. A TV no caso, seus personagens se alimenta dos farrapos das partes envolvidas. E acaba saindo por cima. Não que se esteja buscando colocar a TV na posição de bode expiatório. Muito pelo contrário: no caso dos programas estilo tribuna popular, trata-se de um uso do meio de comunicação para preencher uma carência social. Que não se estabeleça o velho maniqueísmo e todo mundo passe a odiar o Varela do dia para a noite qualquer comportamento vem de um movimento gradual da história, e só acontece embasado por uma prática, algo Para a turma um pouco mais comedida - e com sérias restrições de memória - , Mário Kertèsz faz bem o tipo gentleman. Nada de gente mal-vestida chorando migalhas na telinha. No Jogo Aberto a coisa é mais clean. Mário, como é carinhosamente tratado por seu público e equipe de estúdio, bem que poderia ser chamado de “Grande Oráculo da Democracia” - afinal, tem sempre na ponta da língua um bom conselho para o telespectador desamparado. Em meio a piadinhas (um tanto quanto passadas) ele sabe sempre a quem recorrer nos momentos difíceis e volta-e-meia explica como funciona o poder público, com ares de quem conhece bem a cozinha. O programa segue à risca a máxima do “aqui tem nível”, pra ninguém entalar com o almoço na boca... E o Mário se transforma, sem que se perceba, em Super Mário. Sem cogumelo nem nada. Mas quem não gosta de muita frescura pára mesmo é no Varela. O grandalhão mete a mão na mesa, chama todo mundo de maluco e resolve tudo em dois tempos. Será que resolve mesmo? Pelo sim ou pelo não, todo dia tem gente na tela pra fazer denúncia. Por e-mail ou fax vale também: nada mais unilateral e anti-jornalístico: bastou falar mal do patrão que vai pro ar. O cidadão tem o direito de reclamar? Tem sim. E o jornalismo tem, por sua vez, o dever de procurar informações, ouvir quem está envolvido no caso, mesmo que esteja errado, antes de sair por aí mandando bravatas em suma, apurar. Mas isto muitas vezes é detalhe na conta do Varela. Afinal, o volume de reclamações, denúncias e problemas é muito maior do que o tempo que se tem para apurar uma a que se estabelece como um modode-fazer coletivo através do tempo. Portanto, se há culpa, ela não é só da TV. A TV é oportunista, sim. Mas o governo é negligente, inacessível. Ingovernável. E a população é, infelizmente, ignorante e não burra. Eis a santíssima trindade. O que se pode criticar, enfim, é o lado absurdo da coisa: ora, como pode a TV, e toda a mídia de massa em muitos casos, assumir uma função que exige enorme responsabilidade social (uns diriam abnegação), e estar ao mesmo tempo atrelada à lógica da audiência e do mercado? Qual o critério de relevância? Solucionar todos os problemas ou botar no ar os que dão imagens mais escabrosas? Ajudar as pessoas ou fazer o maior número delas se comover na frente da TV? Talvez valha a pena olhar a nossa TV de meio-dia com olhos menos cristãos... uma. A solução: mete tudo no ar pra ver no que é que dá. Na trilha do Varelão aparece o novato (e no mínimo estranho) Gerdan. Este não está nem aí pra almoço coisa nenhuma. Seu Aqui Agora é, de longe, o mais trash de todos. A começar pelo martelo de madeira com que o apresentador golpeia, impiedosamente, a sua mesa. Nada mais sugestivo do que o tradicional símbolo da justiça. É com ele que Gerdan intim(id)a políticos, donos de empresas e demais poderosos, seguindo um estilo muito semelhante ao de Varela. Com uma diferença: além de bater na mesa e soltar os cachorros pra cima dos poderosos, o apresentador arranja benefícios para personagens necessitados, como tratamento e remédio pra as pessoas através de empresários de 'bom coração'... E ainda faz anúncio ao vivo (de produtos como o anti-frieiras e micoses Micosina! Não tem hora melhor...). Mário, o clean - O Jogo Aberto, dentre os programas estilo tribuna popular, é o que tem o aspecto mais profissional: é o mais “quase-global” entre os três. A começar pela apresentadora que fica elegantemente sentada, lendo os e-mails e, às vezes, contracenando com Kertèsz. Este, também sempre elegante, apresenta o programa bem descontraído, andando pelo estúdio. A decoração predominantemente branca e azul retrata pontos turísticos da cidade: farol e praias principalmente. Tudo muito limpo, muito claro. Uma pretensa aproximação com o padrão Globo de qualidade é visível - porém sem a mesma neurose dos apóstolos de Roberto Marinho. Mas fica o distanciamento: a construção do programa evidencia a preocupação em atingir um público mais elitizado, que não curte pancadas na mesa... Lobo em pele de cordeiro, ou coisa do tipo. Varela, o mandão - O Balanço Geral é um tanto quanto estático. Não tem esta história de caminhar pelo estúdio. É uma câmera no Varela, outra no entrevistado. O cenário, cheio de figuras de pessoas carentes, sob um efeito daqueles de Adobe Photoshop, se encarrega de avisar que ali não é lugar para frescura. É preto no branco ou melhor: cinza no marrom (que beleza de combinação!). E pronto. Afinal, Varela tem mais o que fazer: não bastando apresentar o show e bater com a mão na mesa, o apresentador ainda se mete a dirigir o programa! Isso mesmo: não raro é possível pegar Varela dando umas boas broncas nos câmeras e equipe de produção, seja por um enquadramento mal feito, ou por uma imagem que ele pediu pra ficar no ar e algum “engraçadinho” tirou. Vai entender... Gerdan, o... - O negócio do Gerdan é meter o martelo na mesa e ficar soltando uns proverbiozinhos de autoria desconhecida. De resto, não tem muito mistério não. É o velho “eu-saio-andando-eo-câmera-que-se-vire-pra-me-acompanhar, típico da escola capitaneada pelo Ratinho. De modo nem sempre muito sutil, nossos apresentadores-porretões desacreditam cada vez mais o poder público, e, por tabela, as instituições da nossa combalida democracia. Talvez não sem razão, mas certamente de maneira arrogante e irresponsável. A razão: não raro a indignação nos toma conta e o país parece condenado a um eterno caos. Nada funciona como deveria - nem saúde, nem educação, nem habitação, nem nada. A arrogância: também não raro, o time dos porretões passa por cima dos representantes públicos e verdadeiros encarregados pelas soluções dos problemas do grande público. Quase todo dia ouve-se o bordão: “Para quê procurar o poder público, se a gente sabe que ele não faz nada? A gente resolve é aqui mesmo”. Não bastando isto, distribuem intimações: “Mostra o microfone para ele... Vai ter que se explicar!”. Demagogia pura: ou você já viu algum desses apresentadores atacarem os políticos durante as entrevistas do mesmo modo que brigam quando eles não estão lá? A irresponsabilidade: esvaziar o poder público. Afinal, discutir, argumentar e cobrar soluções é um direito. Não é direito, entretanto, esvaziar a importância do Estado. A máxima do “a gente resolve aqui mesmo” é uma propaganda enganosa e extremamente perigosa para a democracia. É o temido espírito da “igualdade extrema”, diria o Barão de Montesquieu, em que o sujeito não se considera igual ao outro somente como cidadão, “mas também como juiz, como pai, como marido, como senhor”. Ou seja: se alguém pode mandar, eu também posso. E se ninguém resolve, eu vou lá e dou o meu jeito. Agora imagina se todo mundo resolve sair por aí mandando a mão na mesa e arrotando valentia? 11 Fraude Televisão N Televisão os ares da MTV desde 2000, inicialmente perambulando entre a programação na forma de vinhetas que narravam as aventuras de dois malandros típicos das chanchadas brasileiras, o programa semanal Hermes e Renato vem se consolidando como a grande novidade no gênero humorístico televisivo. Amados e odiados na mesma intensidade, H e R divide opiniões entre os admiradores do humor televisivo: para alguns não passa de mera banalidade feita por um bando sem criatividade nem qualquer talento para a coisa; para outros são fantásticos inovadores do gênero humorístico televisivo. Inovadores sim! Mas seria um equívoco afirmar que são fundadores de um formato de humor na Tv. No ar entre 88 e 90 na Tv Globo, voltando rapidamente, em 92, a Tv Pirata, programa humorístico dirigido por Guel Arraes, foi fundador de um formato humorístico que satirizava a própria Tv, com quadros que parodiavam desde novelas até telejornais, passando pelo cinema e pela cena musical. Beirando o non-sense em certa medida, a Tv Pirata contava com a participação de grandes atores como Diogo Vilela, Marisa Orth e Marco Nanini, além de ótimos redatores do gênero, como Fernando Veríssimo. Também na década de 90 surge o programa Casseta & Planeta Urgente que definiu um formato, a princípio, com influências da Tv Pirata (já que quase todos integrantes do Casseta foram redatores da Tv Pirata), mas se consolidou mesmo com uma variedade de quadros de entrevistas aleatórias em locais públicos ou dentro dos estúdios da Tv Globo (sempre com um clima de “pegadinhas”), personagens próprios, críticas políticas com pitadas de humor, intercalando com paródias a novelas, telejornais e outros programas da Tv Globo. O Casseta & Planeta se diferencia da Tv Pirata principalmente por não ter a mesma pretensão cênica nas representações e cenários. Fazendo uma comparação de formatos, Hermes e Renato, sem sombra de dúvida, se vale dessas estruturas para compor o seu programa. E qual a Novidade? A diferença é a abordagem. Nunca na Tv brasileira tantos temas trash´s com abordagens tão cruas foram levados ao ar. Antes da MTV, nenhuma emissora brasileira deixou de lado tabus e moralismos, abrindo espaço para um grupo tratar satírica e explicitamente de situações constrangedoras muito comuns, como em “Merda Acontece”. Neste quadro o próprio vilão, o Cocô, apresenta um programa em que personagens narram seriamente (como em programas de entrevista que pretendem ser sérios, mas tratam de temas tão banais quanto) os momentos de um dia em que aquela indisposição intestinal ocorre no meio da rua ou em plena mesa de jantar da casa do chefe. Ou ainda de um sujeito que, sem emprego, arranjou um bico para se vestir de coelho e vender ovos de páscoa, mas como a fome acaba apertando e sua marmita ficou esquecida em casa, a única saída é devorar todos os chocolates, debaixo de um forte sol. Não podia deixar de ser, como o próprio apresentador, o Cocô “em pessoa”, narra: “O cara comeu tanto chocolate na páscoa... que o caldinho desceu... ah desceu...”. O figurino usado, a locação, os cenários, os diálogos, os enquadramentos, os movimentos de câmera e a luz remetem a uma produção de vídeo amador dos mais toscos, mas classificá-los como amadores e atribuir essas aparentes deficiências a uma incapacidade do grupo é um equívoco. Com um olhar mais preciso e menos preconceituoso é possível enxergar que este sempre foi o efeito pretendido, é a aposta do programa. O amadorismo é estrategicamente simulado e existe uma preocupação estética, talvez até minuciosa, nos detalhes da composição de uma cena ou sequência. Isso é notável mesmo quando o grupo era independente e produzia pequenos episódios parodiando personagens da pornô chanchada. A prova desta preocupa- Camilo O. Aggio [email protected] 12 Fraude Explicitamente escrachado, escatológico e amador,o humor de Hermes e Renato pode oferecer algo mais - e até exigir um certo conhecimento para sua apreciação. chanchada. A prova desta preocupação pode ser dada fazendo-se algumas comparações a grupos recentes que tentam fazer um humor na mesma linha, alguns destes até disponibilizam vídeos para downloads na internet usando o nome Hermes e Renato. A diferença é nítida, os episódios destes grupos possuem uma desarmonia completa, com enquadramentos mal feitos, edições sofríveis, textos e atuações mal encaixadas, figurinos e cenários em um conflito insuportável. Uma completa desarmonia: doloroso compreender, difícil fazer rir. Hermes e Renato incorpora na sua estética um conjunto de influências da Cultura Pop que vão desde Zé do Caixão, filmes B da década de 80 como O Massacre da Serra Elétrica, a estética da chanchada brasileira até programas televisivos como O Homem do Sapato Branco e Aqui e Agora. Aparentemente não há qualquer restrição por parte da emissora, que permite que programas das concorrentes sejam parodiados. A lista é extensa e vai desde paródias ao programa do Padre Quevedo, onde um sujeito semi-analfabeto com jargões na ponta da língua tenta provar ao padre que é filho do capeta: “Eu sois o filho do capeta, seu padre”, “Eu vim das mais profundeza do inferno, de onde você nem imagina que eu tenha vindo” ou “Eu vim botá o filho dos ôtro na maconha, cheirar maconha, fumar cocaína, essas coisa caótica”, instaurando no programa um combate de ofensas hilário entre o padre e o “suposto filho do capeta “, cada um com suas convicções. Para quem não acompanhou o quadro original do Padre Quevedo e alguns episódios específicos, dificilmente encontrará algo cômico. De forma muito semelhante pode-se observar quadros como o Programa Cláudio Ricardo, que parodia programas de auditório em geral, mais na Redetv. Neste ponto é interessante observar que Hermes e Renato, em determinados quadros, deixa de ser paródia e passa a reproduzir os absurdos de determinados programas da Tv brasileira, evidenciando certos níveis de conteúdo das nossas mídias. Retornando a paródia, seria um pecado deixar de citar a banda Massacration, que tomou vida fora do programa, atualmente fazendo shows e dando entrevistas, mas que se originou de uma brincadeira com o clichês musicais e videoclípticos do mundo metaleiro. Conceitualmente falando, a paródia pressupõe o conhecimento do que está sendo parodiado, mas Hermes e Renato leva esta relação às últimas conseqüências. Detalhes mínimos de comportamentos, situações, músicas, roupas, cenários, diálogos de um filme, um programa, um comercial, são inseridos muito discretamente nos quadros, exigindo do telespectador um conhecimento maior das referências que ali estão sendo feitas. Hermes e Renato é um tipo de humor que necessita do conhecimento das referências para ser fruído ou mesmo criticado. Pode parecer exagero à primeira vista, mas é fundamental apreciar este programa com um olhar mais apurado e analítico, mesmo que despretensiosamente. Longa vida a 'caoticidade' de Hermes e Renato. Exatamente. Caótico por excelência. Talvez essa seja a melhor forma de se definir o trabalho dos cinco cariocas de Petrópolis que integram o grupo. Abrindo um parêntese: caótico, não no sentido literal de grande desordem, inteligibilidade, confusão que pode resultar em um não entendimento, uma impossibilidade interpretativa. Mas sim, caótico como sugerido pelos criadores do H e R, como um feito demasiadamente amador, “amadoresco”, tosco, ou mesmo como uma catacrese salvadora usada por seus personagens em determinadas situações de falta argumentativa. 13 Fraude Música Música A ssim como as águas barrentas e vermelhas que enchiam o Rio Camarujipe são hoje um esgoto a céu aberto, o Rio Vermelho está se esgotando. A mudança é visível para qualquer um que passar pelo trecho dos bares em busca de uma boa noite de diversão: das inúmeras casas de show de algum tempo atrás, apenas uma ainda funciona. Mal das pernas, o bairro que nunca dormia vai pra cama às duas e quem se arrisca a permanecer até as quatro fica a ver navios - ou barquinhos pescando. Carregando a fama de “bairro boêmio”, em algum momento da história o Rio Vermelho começou a ter sua imagem atrelada à do rock baiano. Acompanhando a nascente cena roqueira, durante as décadas de 80 e 90 muitas casas passaram a oferecer shows ao vivo. Neste período dezenas de bares abriram e fecharam as portas, como o Saint Louis, Chico Louco, Anexo, Café & Cultura, Idearium, Santana/Havana hoje todos finados. Cristiano Macchi, músico que há oito anos freqüenta e toca no Rio Vermelho resume a situação: “De oito a sete anos atrás foi o auge desses lugares, que estavam sempre lotados e sempre com bandas tocando. Hoje as casas de show estão fechando, tem reduzido também o número das pessoas que freqüentam”. Se levarmos em conta que as bandas de rock da Bahia não vivem um momento de baixa significativa, não podemos tomar isso como a causa da decadência. Então, o que terá acontecido? Problemas Danilo Fraga e Lívia Nery [email protected] [email protected] 14 Fraude Em busca da resposta para esse enigma, entrevistamos diversos frequentadores, músicos e donos de bar. Depois de um trabalho árduo de levantamento e cruzamento de dados, chegamos a algumas conclusões. Um dos problemas mais levantados é o preço da cerveja e do acarajé. Para Kahyru Pontel, músico e frequentador (será que existe alguém que frequenta os bares do Rio Vermelho que não toque?) “os bares só vendem cerveja long neck e por um preço abusivo”. Reclamação válida. Imaginemos um camarada que não sofra de distúrbios alcoólicos e que vá assistir um show no Rio Vermelho. Se esse nosso personagem fictício consumir durante uma noite 5 garrafas de cerveja (long neck) e 2 acarajés, sua conta não saí por menos de 20 reais, isso sem contar couvert e outras despesas. Jean-Claude Wolpert, que administrou o Café Calypso por mais de sete anos, defende o preço cobrado pela cerveja em seu bar R$ 2,70 cada long neck. Segundo ele, seus custos são mais altos que outros bares. “Num bar equivalente em São Paulo, a cerveja custa no mínimo cinco reais”. Um outro comerciante, mais satisfeito, mais sincero e mais tímido (não quis se identificar), discorda: “lá onde eu moro eu compro uma cerveja por R$ 1,80, aqui ela vale R$ 3,00. Como é que não lucra?” Jean-Claude vai além, dizendo que em Salvador, apesar dos mais de 2 milhões de habitantes, poucas pessoas saem à noite principalmente durante a semana o que torna difícil oferecer música ao vivo sempre e cobrar menos pela cerveja. “Talvez existam bares demais para pouca gente, especialmente no Rio Vermelho”, completa. O pouco poder aquisitivo do público é uma causa para o esvaziamento do local, mas outros fatores são destacados. Freqüentadores confessam cansar de encontrar sempre as mesmas pessoas e assistir às mesmas bandas, muitas delas tocando covers, apenas. Para Khayru, que já tocou muito no lugar, tem público sim, principalmente em se tratando de rock. “O que falta pra gente voltar aquelas épocas que já foram legais é fazer uma articulação maior, entre donos de bar, o comércio, bandas, todos os participantes”. A falta de inovação e criatividade por parte das casas de show foi bastante apontada como uma deficiência deste setor que implica na falta de público. Há anos, porém, tem sido assim. As casas de show sempre se organizaram da seguinte forma: recebem a banda no seu espaço e repassam a ela uma parte do couvert. A banda arca com despesas como divulgação e parte da aparelhagem. “A gente tem que arriscar se as pessoas vêm ou não”, desabafa Macchi. Durante muito tempo os bares vêm ficando marcados por bandas e público fixos, ou seja, músicos que tocam na quinta servem como público para as bandas de sábado, e vice versa. Mas, nos últimos anos parece ter havido uma mudança no perfil das bandas e de rock em salvador. Segundo o professor Jeder Jannoti - que está lançando o livro Heavy Metal com Dendê, sobre a cena metálica de Salvador “o rock que era tocado nos bares do Rio Vermelho está em baixa. O público está mais jovem e a forma de consumo mudou, isso acontece de tempos em tempos". O ciclo das cheias do rio Isso pode indicar, enfim, que esta é a dinâmica do Rio vermelho. Assim como muitos rios, o Rio Vermelho deve estar passando por um período de esvaziamento, parte de seu ciclo natural que em breve resultará numa nova cheia. Para o Jannoti “essa ciclicidade é comum na maioria dos bairros boêmios. O próprio Rio Vermelho já havia passado por uma situação parecida no final dos anos 80”. Essa posição é partilhada também pelo freqüentador Solovera: “a vida musical no bairro não dura muito, apenas três, quatro anos, no máximo.” Segundo ele, isso que está acontecendo agora também já foi visto antes. “O rio vermelho vai, cresce, tem um movimento da porra e aí pluft, todo mundo some. Daqui a pouco volta a encher novamente”. Durante o intervalo, novas bandas que antes se escondiam em suas garagens vão mostrando as caras, para em seguida voltar a tocar nos bares com seus novos proprietários e reanimar a vida cultural do bairro. Um exemplo de novo fôlego no ramo de casas de show é o Nhô Caldos. Primeiramente uma mera casa que vendia cerveja e petiscos (o caldo nunca foi seu ponto forte), há três meses, o Nhô Caldos resolveu colocar música ao vivo, tocada por bandas de rock, sem cobrar couvert ou entrada. “Por as bandas não acharem espaços para tocar, terminam querendo se apresentar de qualquer forma, e com isso não se importam em tocar por um valor baixo. Dá condição para o dono de bar oferecer o espaço a eles e não cobrar couvert.”, conta Rodrigo, proprietário do Nhô Caldos. Ele diz destinar 10% da vendagem para as bandas, o que por sua vez não confere com os músicos. Eles afirmam não receber a gratificação e tocam de graça. Para Rodrigo, ocorre um pouco de falta de criativi dade por parte dos proprietários de bares. Segundo ele, “quando abrirem de fato um bar, os donos devem dar mais liberdade às pessoas que freqüentam e mudar quando não estiver dando certo”. Defensor da não-cobrança de couvert, ele garante que com a vendagem de cerveja e refrigerante já dá pra sair ganhando. Da mesma forma, outros espaços para shows apareceram, como é o caso da loja de CDs São Rock e do Teatro do Sesi, que de tempos em tempos é palco de shows de rock. Talvez com a implantação do Bahia Azul, o Rio Vermelho volte a prosperar. Assim esperamos. 15 Fraude Música Música Ctrl+AltRock O tempo não pára. Imagem do R.E.M nos anos oitenta: Uma das bandas da época apontadas como college rock. n [email protected] R ock alternativo. Quantas vezes o leitor da Fraude já se deparou com este termo? Seria apenas tudo aquilo que não está na grande mídia, no mainstream? E quando um grupo alternativo atinge o sucesso no mainstream, ele deixou de fazer rock alternativo? Buscar as primeiras vezes que este termo foi utilizado, falar das primeiras bandas que tiveram a alcunha de “alternativas” ou daquelas que conseguiram estourar comercialmente, pode ser uma saída para a resposta destas questões. Mas qual a utilidade disto? Nenhuma. Assim como 99,99% das coisas que fazem parte do mundo pop. A mesma de saber que os Beach Boys gastaram 4320 minutos para gravarem apenas uma música, Good Vibrations, que já foi considerada o melhor single de todos os tempos ou que Lobão é o autor do nome Blitz, quando era baterista da banda até antes dela assinar seu primeiro contrato com uma gravadora. Parafraseando o Nick Hornby, um dos maiores ícones da literatura pop inglesa contemporânea, somos fúteis porque gostamos do mundo pop ou gostamos do mundo pop porque somos fúteis? também vistos como college rock - o rock que fazia sucesso principalmente entre os universitários. Diversos estilos que estavam nascendo na época (New Wave*, Synth Pop*, Pos Punk*, dentre outros) acabaram sendo marcados como rock alternativo. Mesmo parecendo tão distintos, estes grupos vieram da mesma raiz: o punk do final dos anos setenta. Apesar de não obterem grande sucesso comercial, essas bandas tiveram êxito através de outro tipo de status: como grandes influências para as gerações seguintes do rock. Por isso, na metade dos anos oitenta, começaram a surgir bandas como Pixies e Jesus and Mary Chain, que já são uma espécie de filhos da primeira geração do alt rock. Assim, o rock alternativo, que também seria chamado de indie*, principalmente na Inglaterra, começa a se estabelecer como gênero musical e ganhar um público maior, mas nada comparado ao que iria acontecer no início dos anos noventa, nos EUA, com um sub estilo do rock alternativo: o Grunge. O início do alt rock Início dos anos oitenta. Começam a surgir nos EUA uma série de bandas que fazem um estilo de rock que não se adequava a nenhum dos gêneros em voga no mainstream, surgindo o dito rock alternativo. Ignoradas pelas rádios comerciais e principais gravadoras, bandas como REM, Hüsker Dü e Sonic Youth, foram achar seu espaço nas rádios universitárias americanas, fazendo com que parte dos grupos do alt rock, principalmente aqueles que flertavam com melodias mais próximas do pop, fossem 16 Fraude Anos noventa: quando o alternativo se torna mainstream Talvez o primeiro indício que o cenário alternativo estava entrando no mainstream foi através do lançamento do disco “Daydream Nation”, do Sonic Youth. “Não foi o R.E.M., não foram os Pixies nem o próprio Sonic Youth. Foi Daydream Nation o primeiro a destruir todos os conceitos entre mainstream e underground, comercial e artístico, punk e pop”. Esta frase, dita por Krist Novoselic, baixista do Nirvana, pode sintetizar a importância deste álbum. Difícil definir em que estilo se encaixa uma música como “Teenage Riot”, faixa de abertura de “Daydream Nation”. O estrago já estava feito, não tinha mais volta... O reconhecimento da crítica e o relativo sucesso de público dos Pixies, além do contrato milionário que o R.E.M assinou com a Warner, rendendo hits como “The One I Love” e “Losing My Religion”, abriram de vez as portas das rádios americanas para o rock alternativo. A partir daí, todo o mundo sabe o que aconteceu com o estouro do Nirvana e seu “Nevermind”. O grunge e o cenário alternativo americano tomaram de assalto as rádios e, principalmente, a MTV. Bandas como Mudhoney, Dinosaur Jr., Pearl Jam, dentre outras, além do próprio Sonic Youth, entraram em alta rotação na Music Television. Surgia, então, a questão. Afinal, agora o que será alternativo, já que o alternativo virou o som da moda? Indie, Britpop e Shoegazing: os sons alternativos da terra da rainha. Kraftwerk: Os alemães pais da música eletrônica contemporânea, que ainda continuam na ativa emocionando a todos com seu som inovador, como na sua última passagem no Brasil em Novembro no Tim Festival. Não havia dúvida que nessa época o rock americano estava dominando o cenário mundial. Os grupos ingleses como My Bloody Valentine, Stone Roses e Happy Mondays, conseguiam ter sucesso em casa, mas não repetiam o mesmo êxito na América. Os shoegazers (termo em inglês que se refere ao comportamento destas bandas nos shows, que tocavam “olhando para os próprios pés”) tiveram vida curta, devido ao fracasso comercial ou a instabilidade de muitas das bandas. Como na época, o alternativo remetia principalmente ao grunge americano, cada vez mais se passou a usar o termo Indie, principalmente para as bandas advindas da Grã-Betanha. O Indie Rock inglês logo ganhou uma cara própria, deixando de lado os vocais tímidos emersos entre muralhas de guitarras, típicas das bandas shoegazers, abrindo espaço para o Britpop, que assim como o grunge, ganhou a grande mídia através de bandas como Oasis, Blur, Radiohead, The Verve, Placebo, dentre outras. Agora, para onde poderiam correr os alternativos, ou indies, já que tudo que outrora era alternativo estava agora nas rádios, nas grandes lojas de discos, nos grandes festivais? Frank Zappa uma vez disse a seguinte frase: “O Mainstream vem atrás de você, mas você tem de ir ao underground”. Ser alternativo é mais do que uma questão de exposição midiática, vendas de discos ou assinar com grandes gravadoras. Está nas suas raízes, na forma como se lida com a indústria musical. Ser independente é muito mais do que gravar um disco com prensagem de 500 cópias, em uma minúscula gravadora. Por isso, caro leitor, a saída para o rock não está no alternativo e sim no autêntico, no sentido “faça você mesmo”. Não que com isso seja necessário que todos sejam originais, mas, sim, que façam algo legítimo, não fruto de estilos pré-moldados. Afinal, It's Only Rock 'n' Roll but We like it! Crias do Britpop: Brian Molko(ao centro) e os integrantes da sua banda, Placebo. Sua androgenia ficou tão famosa que David Bowie, o ser mais andrógeno da música pop, o chama de “a filha que eu nunca tive”. Que gracinha! O quarteto inglês Blur homenageando o Blondie, uma da mais importantes bandas da cena new wave americana junto com o Talking Heads. Destaque para Damon Albarn, vocalista do Blur e sua interpretação “não caio do salto” de Debbie Harry, vocalista do Blondie. Alguns termos... Joy Division: Apenas dois albuns lançados: fim prematuro com o suicídio do vocalista Ian Curtis. Lucas Cunha *Indie - O termo é uma forma diminuta da palavra independente e se refere àqueles artistas que criam seus trabalhos sem um apoio comercial mais forte, seja por um grande estúdio de cinema ou por uma gravadora de discos. Apesar de ser muito usado como um sinônimo de alternativo, seu uso na música, principalmente depois do “boom” do grunge, voltou-se para aqueles artistas que tem suas carreiras mais ligadas ao cenário underground e gravadoras independentes. *New Wave - O termo “new wave” (nova onda) nada mais foi do que uma jogada de marketing de Seymour Stein (que inspirou a canção “Seymour Stein” do grupo escocês Belle and Sebastian), dono da Wire Records, gravadora que lançou artistas como Ramones, Smiths, Madonna e Talking Heads. Seymour havia acabado de contratar algumas das bandas, como o Talking Heads, que costumavam tocar no CBGB's, famosa casa do cenário alternativo americano, e precisava retirar o rótulo punk destes grupos, taxado pelas rádios americanas como um modismo. Vendo uma similaridade entre este movimento e a Nouvelle vague do cinema francês, cunhou termo “New Wave”, pois as bandas da “nova onda” eram experimentais e faziam parte de uma geração que eram consumidores críticos da arte que agora estavam produzindo, assim como os cineastas da Nouvelle Vague. *Synth Pop - Como o nome já diz, é um estilo de rock em que os sintetizadores Thom Yorke: predominam. Teve um maior número de o vocalista do Radiohead, maior grupos europeus, principalmente ingleses. unanimidade do rock Kraftwerk, Depeche Mode e Erasure são alternativo alguns dos exemplos mais famosos. contemporâneo. *Pós Punk - São grupos que surgiram após a explosão punk, em 1978, na Inglaterra. Fortemente influenciados pelo Punk, estes grupos já seguem uma linha mais experimental. Hüsker Dü, Gang of Four e Joy Division são boas amostras da importância do Pós Punk. 17 Fraude Mídia Música E N os últimos anos, têm surgido em Salvador algumas bandas que, influenciadas pelo manguebeat, têm como característica principal a mistura da música pop com elementos, digamos assim, “de raiz”. Esse tipo de Danilo Fraga rock com batuque, que vamos chamar aqui Afro-Rock, ocupa [email protected] cada vez mais os espaços culturais de Salvador. Fazem parte os mesmos signos de baianidade da axé-music - temas desse balaio bandas como Navio Negreiro, a extinta O como negritude e sensualidade tem papel de destaque em Cumbuca, Nêgo Veio (ex-Ataraxia e ex-Mano Veio), ambos. Lampirônicos, Zambotronic, entre outras. Todas elas Porém, na construção da “baianidade nagô” - pra tomar o misturam o rock com alguma outra coisa, seja essa “coisa” termo emprestado do axé - feita por essas bandas, alguns afoxés, samba, reggae, baião ou maracatu. Essa preocupapontos podem ser questionados. O tema do resgate da ção, que data do tropicalismo, permeia toda a história do rock cultura negra é complicado. A África é um continente nacional e reaparece de tempos em tempos. Não sei se por gigantesco, com diversas etnias, culturas e, como não sorte ou por azar, ela resolveu reaparecer por agora na Bahia. poderia deixar de ser diferente, com diversos tipos de música. Um aspecto interessante na construção de identidade Resumir toda música africana à presença de uma percussão, feita por essas bandas seria o resgate das raízes negras do ou alguns dreadlocks, na banda é, no mínimo, empobrecedopovo baiano esquecidas em favor de uma falsa baianidade ra. Na verdade, parece que o termo afro entra aí como um vendida pela axé-music. Como se pode ler no release da slogan, uma garantia de autenticidade. Ao mesmo tempo em banda Navio Negreiro, "De volta à Bahia, reencontraram que essas bandas anunciam o resgate da cultura negra, antigos parceiros e fundaram não apenas uma banda, mas repetem sem saber séculos de cultura musical européia o uma comunidade de músicos, um neoquilombo musical, raiz que é expresso na utilização do sistema tonal europeu, do sólida da cultura negra brasileira, concebida para atuar formato canção e de performances tipicamente “brancas” (ao independente das limitações e restrições impostas pelo contrário da maior parte da música africana que tem na mercado cultural oficial". Frases parecidas podem ser improvisação seu principal elemento). encontradas no release das bandas Nêgo Véio e Talvez eu esteja colocando problemas em coisas Lampirônicos, além de entrevistas e matérias sobre outras relativamente simples. Mas, a simples possibilidade de bandas. alguém achar que está resgatando alguma raiz cultural em De fato, na música popular, é comum que o discurso de sábados regados a cervejas e maconha me assusta. Onde quer que esteja nossa raiz, não me parece tão simples, ou autenticidade de uma forma musical se dê a partir da mesmo possível e desejável, encontrá-la. O que existe na desvalorização de uma outra - a axé-music é vilã em 9,8 entre verdade é um misto de frankfurtianismo inconsciente e mito 10 grupos de “roqueiros” de Salvador. Porém, me espanta a ferocidade com que essas bandas se dirigem ao ritmo das do bom selvagem, onde o índio e principalmente o negro morenas (e loirinhas) rebolantes. Ao contrário de outros sub(mesmo os mulçumanos malês que não batucavam e nem gêneros do rock, a identidade do afro-rock é construída sob dançavam) figuram como nossa verdadeira raiz cultural. 18 Fraude Camilla Costa [email protected] ra uma vez a mídia. Ela foi criada para ser um fórum público de discussão, para manter as pessoas informadas sobre o mundo ao seu redor e para vigiar o poder. Durante muito tempo ela teve uma existência tranqüila, entre boas ações e atos irresponsáveis que lhe concederam grande poder dentro da sociedade. Tempos atrás, alguns já haviam percebido que a mídia não era tão confiável assim. Mas um belo dia perceberam que poderiam se organizar para monitorá-la. Foi assim que surgiram os vigilantes da mídia, os observatórios de imprensa. Na verdade, a idéia de criticar o modo como se seleciona e veicula notícias pelos meios de comunicação no mundo nasceu de uma discussão mais ampla sobre os ideais democráticos das sociedades ocidentais. A criação do cargo de “ombudsman” para Monitorar a mídia agora virou moda no brasil. Ainda bem. 19 Fraude Mídia empresas jornalísticas nos Estados Unidos, nos anos 60, foi um dos primeiros reflexos desta discussão. Ombudsman é um termo sueco que, em português, ganhou a tradução de “ouvidor”. Concebido como um cargo de governo, o ouvidor em linhas gerais deve representar o cidadão, receber as reclamações, críticas e sugestões do público e encaminhá-las à instituição que representa. Nos jornais, o ombudsman deve ainda redigir uma crítica de circulação interna e outra a ser publicada no jornal, baseada em suas observações sobre a cobertura do veículo e na comparação dele com os principais concorrentes. deve exercer o controle sobre os meios de comunicação. Será então que o público brasileiro mudou? O Brasil teve momentos específicos de contestação da grande mídia, geralmente ligados a eventos políticos maiores. Afinal, mídia e poder estão sempre conectados. Nos Estados Unidos e Europa, momentos como estes acabaram gerando organizações como a Media Watch, criada em 1984 com o objetivo de monitorar o uso de estereótipos e imagens preconceituosas na mídia. O projeto é um dos primeiros e mais antigos a se beneficiar com a popularização da internet. Do lado de cá, as primeiras iniciativas de crítica da mídia após a abertura política nos anos 80, vieram da Igreja Católica que criou o projeto Leitura Crítica da Comunicação. Em 1996, o jornalista Alberto Dines funda o Observatório da Imprensa, na UNICAMP. Dines já havia sido responsável pela primeira coluna de análise da mídia no país - o Jornal dos Jornais - na Folha de São Mídia No Brasil, o primeiro e durante muitos anos único cargo de ombudsman em empresa jornalística foi o do jornal Folha de São Paulo, criado em 1989. Desde então, outros jornais têm incluído tais profissionais em sua folha de pagamento. Recentemente, o Brasil ganhou o seu primeiro ombudsman televisivo, o jornalista Osvaldo Martins, que ocupará o cargo na TV Cultura. Para Martins, “o ombudsman não é um crítico de TV, mas alguém que deve vê-la com olhos de telespectador comum”. Vigiar e Punir O “telespectador comum” brasileiro ou público de meios de comunicação em geral, é freqüentemente descrito como passivo e de postura pouco crítica em relação a estes meios. No entanto, o país assiste hoje a um movimento crescente de “vigilância e democratização da imprensa”, que começa com a proliferação de websites sobre o tema e culmina com a mais recente tentativa do governo federal de criar o Conselho Federal de Jornalismo, que reacendeu o debate sobre até onde se Paulo, na década de 70. Nos últimos anos, o número de projetos como este e o alcance dos mesmos aumentou consideravelmente. Como exemplo, podemos citar a revista Imprensa, uma das primeiras publicações de crítica à mídia (não filiadas diretamente a facções políticas) do Brasil. Criada há cerca de 17 anos e publicada até hoje, a revista nunca teve grande projeção. Hoje, além da circulação impressa, há uma edição eletrônica - o Portal Imprensa que está oficialmente na rota dos internautas interessados no assunto. 20 ww (o w1. mb fo ud lha o ww bser sm .uo an l.c w w w va da om w. .ca tori Fo .br n o uo lh /fo l.c alda .ulti om im mo a de lha/ o s pr .b en egu SP) mbu r/i m n s ds a do pr .c ma en . n sa om.b ig.co m. (r e r br vis ta Im pr en sa ) Panopticon A trajetória do Observatório da Imprensa merece Enquanto os alguns críticos procuram tratar a mídia de maneira mais técnica e apartidária, como é o caso do Observatório da Imprensa, outros assumem uma postura política mais clara. Na Internet, são numerosos os sites que se propõem a denunciar o complô da mídia em favor de um ou outro grupo politico. No Brasil, os dois principais exemplos desse tipo de mídia engajada são os sites Midia Sem Máscara (www.midiasemmascara.com.br) e o Centro de Mídia Independente (www.midiaindependente.org ). O site Mídia sem Máscara, que completou três anos de existência neste ano, é capitaneado pelo polêmico filósofo antiDanilo Fraga comunista Olavo de Carvalho e reúne textos [email protected] que tratam de temas que vão desde a defesa Fraude atenção especial. O site, desenvolvido a partir do LABJOR (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo) na UNICAMP, tornou-se rapidamente a principal referência em crítica da cultura midiática no país e foi transformado até em programa na TV Cultura. Criado para ser um fórum de discussão para a sociedade sobre o comportamento da mídia, o Observatório deu visibilidade a outros tantos sites do gênero, como o Canal da Imprensa, o Mídia Sem Máscara e o Centro de Mídia Independente (veja Box), além do portal Comunique-se, que têm os mesmos objetivos. Segundo Alberto Dines, editor-chefe do Observatório da Imprensa, “estamos aprendendo a observar a imprensa, e isto coloca o Brasil na vanguarda da democratização da mídia”. Talvez pela aura de independência e imparcialidade q u e ostenta, o Observatório tenha alcançado tanto prestígio junto aos leitores. A organização dos assuntos favorece esta impressão: desde assuntos polêmicos em geral, passando por críticas às coberturas sensacionalistas, comentários sobre o conteúdo das faculdades de jornalismo, crítica de TV, publicação das críticas dos do liberalismo econômico até o suposto “controle esquerdista” da mídia nacional. Defensor do ideário liberal e cristão, Olavo de Carvalho escreve pérolas como: “Na grande mídia brasileira não existe jornalismo nenhum. Existe apenas manipulação a serviço da esquerda”. Já o Centro de Mídia Independente faz parte de uma rede internacional que armazena e difunde notícias publicadas por produtores independentes a Indymedia, criada em 1999 para divulgar os protestos anti-globalização durante o encontro da Organização Mundial do Comércio (OMC), na cidade americana de Seattle. No Brasil, o site é resultado de uma rede que congrega coletivos de voluntários já estabelecidos em 10 cidades. As semelhanças entre os dois sites são muitas, a começar pela forma como eles se descrevem. Se de um lado o Mídia sem Máscara é “destinado a publicar as idéias e notícias que são sistematicamente escondidas, desprezadas ou distorcidas em virtude do viés esquerdista da grande mídia brasileira”, de outro, o “CMI Brasil quer dar voz aos que não têm voz constituindo uma alternativa consistente à mídia empresarial que frequentemente distorce fatos e apresenta interpretações de acordo com os interesses dos ricos e dos poderosos”. Como dois times de futebol, os partidários de cada lado têm uma relação de ódio recíproco. Para Olavo de Carvalho, “O CMI é uma ONG milionária, com escritórios em mais de uma centena de países, empenhada em fazer propaganda contra os EUA e Israel, exatamente na linha de milhares de sites nazistas e comunistas, e que ainda tem o desplante principais ombudsmen, brasileiros e estrangeiros. Desde textos de estudantes até contribuições de profissionais renomados. No Observatório da Imprensa, feito no molde dos observatórios europeus e americanos, parece existir espaço para todas as discussões e todos os interlocutores. É interessante notar, no entanto, o aspecto que diferencia a crítica da mídia feita no Brasil e a feita no exterior. Em outros países, muitas das organizações de monitoramento da mídia surgem e se fortalecem na sociedade civil organizada, na esteira de movimentos sociais que envolvam protestos e debates públicos. Por aqui isso não acontece. Por incrível que pareça, no Brasil os novos algozes da mídia são os seus próprios profissionais. Os principais websites nacionais surgiram dentro das faculdades de comunicação, onde há um interesse bastante específico em discutir a mídia. A maioria destas iniciativas, ainda que de rápido crescimento, como o Observatório da Imprensa, são pouco de jornalismo e populares e o próprio fato de este crescimento ter acontecido através da internet, ferramenta ainda pouco acessível para a maioria da população, é sintomático. No mesmo Observatório, a maioria dos artigos é escrita por estudantes de jornalismo e profissionais da área. Para Elias Machado, professor e coordenador do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Online da Universidade Federal da Bahia, “deveríamos estar preocupados em garantir a incorporação da crítica dos meios como um componente essencial à formação cultural de todo o cidadão”. Sem dúvida, democratizar a mídia passa por democratizar a discussão sobre ela. Talvez ainda seja muito cedo para nos colocarmos na vanguarda do processo. Ainda há muito para vigiar. de chamar de 'fascista' quem tome posição contrária à sua”. Na verdade, “fascista” é o adjetivo mais generoso utilizado para falar de Olavo de Carvalho em ambientes mais à esquera. Para Roberto Venturini, colaborador assíduo do CMI, “Olavo Carvalho é o pastor dos reacionários de plantão, os quais são desprovidos de inteligência e a favor de medidas totalitarias e fascistas. Aliás, Olavo é um típico racista neo-liberal e pseudo-intelectual”. Nesses tempos em que a crítica ideológica dos meios de comunicação está tão em voga, gostaria de explicar meu título. Ele foi escolhido apenas por um trocadilho barato, não tem nenhuma carga ideológica. 21 Fraude Rádio Rádio C hiado, barulho, sintonia ruim... Paciência para achar uma freqüência que dê para escutar. Estudiosos do rádio dizem que as emissoras AM valem mais pelo que já representaram e não por sua atual resistência perante as rádios FM. Mas afinal, o que se tem para ouvir no mundo das ondas de Amplitude Média? Nos últimos anos, ouvir rádio, até mesmo as FM's tem sido um costume cada vez mais raro nas grandes cidades: CD's, MP3 e rádios on-line, pouco a pouco vão conquistando seu público. Então, o que dizer da AM? Uma polêmica envolve o surgimento do rádio no Brasil. Oficialmente, é considerada a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro a primeira do país, em 1923, mas existem provas de que a Rádio Clube de Pernambuco já fazia transmissões quatro anos antes. De lá para cá, o meio radiofônico cresceu, ganhou e perdeu importância entre a s m í d i a s , acompanhou, não homogeneamente, os avanços tecnológicos e passou a fazer parte da rotina de muitos. Enquanto as emissoras de car[ater mais comercial (FM), ganharam audiência e conquistaram a massa, as rádios AM passaram por um processo de desvalorização que acarretou em desemprego de funcionários, falta de interesse de anunciantes e conseqüente venda para grupos religiosos. Na Bahia, presenciamos o fenômeno da “evangelização” da rádio AM. Rádio Novo Tempo, Rádio Cruzeiro da Bahia, Rádio Igreja Religião de Deus... essas são algumas das que ocuparam o espaço, por exemplo, das extintas Rádio Bahia, Rádio Comercial e Rádio Clube. A programação consiste basicamente na “pregação da palavra” e inclui blocos “jornalísticos” (em uma das rádios, podemos ouvir a leitura das manchetes dos principais jornais do dia com a músicatema do filme Missão Impossível ao fundo) e até rádio novela. Os ouvintes participam avidamente escolhendo músicas e participando de enquetes, como as comandadas pelo locutor do programa TicTac Musical (Novo Tempo), Gabriel Oliveira. Entre os vários assuntos debatidos, é possível opinar em temas como “Um jovem consegue conhecer 100% seu parceiro já no namoro?” ou “A pena de morte ajudaria a diminuir a violência no país?” Um estudo realizado pelas pesquisadoras Lucina Miranda Costa, Fabiana Gomes de Souza e Cristiana Karine Cardoso, da Universidade Federal do Pará, entitulado “Em nome de Deus: as ondas radiofônicas louvam cada vez mais ao Senhor”, revela que o rádio, tendo um grande poder de penetração e com um custo mais acessível, se comparado à TV, é o principal veículo utilizado para divulgar o evangelho. O grande número de emissoras religiosas só comprova o próprio crescimento das igrejas, seja na ampliação do número de templos, seja na criação de novas denominações religiosas. Jonicael Cedraz, Professor de Radiojornalismo da Universidade Federal da Bahia, afirma que o rádio AM se transformou em um espaço de disputa entre grupos religiosos. “O fenômeno religioso tomou conta das rádios AM em Salvador, desde os anos 90, transformando essa mídia também em um espaço para políticos cativarem votos”, diz o professor. O jornalismo praticado por essas rádios, de acordo com Cedraz, tem seu conteúdo modelado a partir das 22 Fraude esportivas. “Ouço a rádio AM porque a programação dela se destina a uma faixa de público diferente e é mais direcionada para a área esportiva, relegada na maioria das rádios FM”, conclui Agnelo. Programas como o Balanço Geral (da Rádio Sociedade da Bahia, apresentado por Raimundo Varela e Armando Mariane), que se colocam como alternativas para solucionar os problemas da população carente da cidade, também atraem muitos ouvintes. É a D. Gildete, moradora do Alto do Coqueirinho, que precisa de uma cadeira de rodas e liga para a rádio pedindo ajuda ou Seu Antônio, de Dias D´Ávila, solicitando que 'orelhões' sejam instalados na rua em que ele mora. “Esse tipo de programa se aproveita do fato da população carente ter sido educada para buscar amparo no político e na religião. Mas isso não é fazer uma rádio popular, mas popularesca, que trabalha no demagógico”, critica o professor Cedraz. No entanto, não se pode negar que esses tipos de programas fazem sucesso, principalmente nos bairros populares. Os locutores de rádios AM utilizam muitas estratégias pel para se aproximarem do ouvinte e daí garantir sua fidelidade. Não é raro um locutor passar até mais de cinco minutos apenas distribuindo beijos e abraços para os “cumpadis” e as “cumadis”, sem esquecer de mandar “aquele alô” para o seu Zé da barbearia e à dona Rita do açougue. Tudo isso proporciona uma sensação de comunidade, diminuindo a distância entre quem fala e quem ouve, atraindo um público que encontra nessas rádios uma chance de falar de seus problemas, pedir ajuda e conselhos. Tudo isso colabora para que a rádio AM deixe de ser vista apenas como um tipo de mídia 'quase extinta'. Excluída, sim, das grandes mídias, mas com visibilidade e importância garantida em determinados grupos sociais, principalmente os de baixa renda. Daí ser necessário acompanhar o desenvolvimento dessas rádios e discutir seu papel na sociedade. mediações que cada emissora tem com a religião. Já Marcelo Carvalho, jornalista e apresentador do programa Papo Cabeça, na Rádio Cultura, fala em um preconceito com relação às rádios AM. “Quando se fala em AM, só se pensa em missa, pregação e futebol, mas podemos encontrar também programas com entrevistas, informação e variedades”, confirma. Segundo Marcelo, a Rádio Cultura, a Sociedade da Bahia e a Excelsior são as únicas AM que ainda mantêm uma programação não só religiosa. “O fato da Cultura pertencer a um grupo católico não influi na grade comercial tanto que podemos abordar todos os assuntos e trazer pessoas de vários segmentos, sem nenhuma restrição”, relata o jornalista. Quem ouve AM? Vivian Barbosa [email protected] E a aceitação do público? Quem sintoniza em rádios AM? Segundo pesquisas de audiência, pessoas com mais de 30 anos, das classes C, D e E são as que mais participam dos programas, ligando e falando ao vivo, durante a programação. “O ouvinte não liga para a rádio só interessado em ganhar prêmios, eles querem opinar e dialogar. Querem conteúdo e é isso que tentamos oferecer: bate-papos inteligentes”, afirma Marcelo Carvalho. Mas a maior audiência é mesmo durante os programas esportivos, principalmente nas narrações ao vivo de jogos de futebol. Agnelo Novas, 50 anos, é um dos fiéis ouvintes das resenhas e transmissões Evangelização nas ondas de amplitude média... 23 Fraude Televisão N o mês de dezembro, reportagens especiais e vinhetas devem começar a circular na TV Globo anunciando as comemorações pelo 100º aniversário de nascimento de Roberto Marinho. O criador da Rede Globo de Televisão, que morreu há pouco mais de um ano, foi um dos grandes empreendedores do ramo da comunicação em todo o mundo. "Dr. Roberto", como costumava ser tratado, misturou imprensa e política com interesses pessoais e hoje é lembrado entre o ódio e a admiração dos brasileiros. Nesse universo dos "grandes comunicadores", já tivemos muitos ícones na história do Brasil. Para que Roberto Marinho se tornasse o todo-poderoso, ele precisou passar por cima de outro magnata, dono do maior conglomerado de empresas jornalísticas de até então, com 36 jornais, 34 estações de rádios, 19 tevês, 18 revistas e duas agências de notícias: Assis Chateaubriand. Por sua vez, para alcançar prestígio, "Chatô" usou de suas principais armas - a pena e a tinta - para desmoralizar seu opositor e concorrente Samuel Wainer. O próprio Roberto Marinho não escapou de ter problemas em seu império quando Senor Abravanel (leia-se Sílvio Santos) ganhou popularidade e conquistou, pouco a pouco, emissoras de TV e credibilidade. Intrigas, batalhas declaradas, acordos ilegais... tudo isso com uma pitada de senso de humor e a tranqüilidade de quem nunca enfrentará problemas porque "tem o poder nas mãos". Assim viveram esses homens que se cobriam com a fachada do "amor pela comunicação". Mas não seria sede de poder? Ou amor ao dinheiro? Os livros, filmes, vídeos documentários e sites que contam a vida de cada um desses personagens tentam resolver essa questão, mas costumam dar mais ênfase sempre a um lado, pintando-os ora como heróis, ora como bandidos. A principal biografia de Chateaubriand foi publicada em 1994 e escrita pelo jornalista Fernando Morais. Uma das raras exceções, Chatô: o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand (Companhia das letras. 732 págs), consegue fugir do maniqueísmo ao mostrar um Chatô polêmico, entusiasta e capaz de cometer crimes para garantir sua influência, mas envolvido com tudo que se passava em suas empresas, sempre escrevendo em seus jornais e buscando trazer inovações técnicas para o país. Nem as excentricidades de um apaixonado por mulheres e pela arte escaparam de ser detalhadas no livro. A criação da primeira emissora de TV da América do Sul, em 1950, a TV Tupi, foi o maior feito de Chateaubriand, que morreu dezoito anos depois, mergulhado 24 Fraude Televisão em dívidas que começavam a destruir seu patrimônio e cresciam ao mesmo passo que a TV Globo. Os direitos autorais do livro de Morais foram comprados pelo ator e "cineasta" Guilherme Fontes, que desde 1998 está dirigindo o filme Chatô, em meio à tramitação de processos judiciais e acusações sobre mau uso de verbas. Apenas em abril deste ano, as filmagens, suspensas desde 1999, foram retomadas e as últimas cenas do filme começaram a ser rodadas, mas ainda sem prazo para estréia. Fontes idealizou um ambicioso projeto que conseguiu captar R$ 8,5 milhões através de leis de incentivo à cultura, mas foi só com a ajuda da BR Distribuidora e da Riofilme que o filme pôde voltar a ser rodado. O orçamento total de Chatô será de R$ 12 milhões, tornando-se o mais caro longametragem da história do cinema brasileiro. Se nomes de tanta importância atraem o público quando falamos bem, imagina quando revelamos seus podres? Seguindo essa lógica, o que não falta no mercado são publicações que "desmascaram", por exemplo, Roberto Marinho. Romero da Costa Machado, trabalhou 10 anos nas Organizações Globo e publicou dois livros: Afundação Roberto Marinho (Ed. Tchê!, 266 págs) e Afundação Roberto Marinho 2 - uma biografia de corrupção (Ed. Meus Caros Amigos, 164 págs). Ligações da Globo com o jogo do bicho, a fraude do PapaTudo, transações em dólares ilegais, entre outras acusações de irregularidades são reveladas, servindo como combustível para sites especializados em pregar o ódio à Rede Globo. Muitos deles chegaram a festejar a morte de Roberto Marinho, que na realidade, já tinha morrido várias vezes antes em boatos divulgados via email. Ainda mais polêmico e até hoje um verdadeiro mistério, é o documentário Beyond Citizen Kane (Além do Cidadão Kane), dirigido por Simon Hartog e realizado pela produtora independente Large Door Ltda, em 1992. O vídeo foi exibido pelo Channel 4, de Londres, no dia 10 de maio de 1993 e contava a história da televisão no Brasil, focando a vida do empresário Roberto Marinho e a TV Globo. As fitas chegaram ao país e viraram uma atração clandestina, apresentando temas que iam desde o acordo ilegal da Globo com a TimeLife até a intervenção nas eleições de 1989, disputadas entre Collor e Lula, incluindo o escândalo da edição do debate entre os candidatos, que teria ocorrido por ordens do presidente da emissora. Depoimentos de Chico Buarque, Leonel Brizola, entre outros, dão um tom irônico ao documentário. As fitas foram s pelo Roberto Marinho Assis Chateaubriand Fundador da Rede Globo Fundador da TV Tupi Chatôs, Marinhos e Abravanéis... A coroa de “Rei do Brasil” já passou de cabeça em cabeça... Mas onde ela vai parar? Sílvio Santos dono do SBT confiscadas pelo então governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho e um livro que transcreve o vídeo foi lançado mais tarde por Geraldo de Anhaia Mello. No entanto, a cópia do DVD "Além do Cidadão Kane" podia ser comprada pela bagatela de R$ 5,00 em uma manifestação organizada pelo Centro de Mídia Independente, que ocorreu no dia 18 de outubro, na Av. Jornalista Roberto Marinho, zona sul de São Paulo. O movimento teve como lema a luta pela democratização da mídia, ideal julgado pelos manifestantes como comprometido pela TV Globo. A grande expectativa, porém, está voltada para a publicação da biografia oficial de Roberto Marinho. Quando você estiver lendo esta matéria, o livro lançado para as comemorações do centenário de nascimento do patriarca global, já estará nas livrarias de todo país. O escolhido pela própria família Marinho para escrevê-la foi o jornalista Pedro Bial, que em entrevista ao "Programa do Jô", no mês de novembro, contou detalhes do processo de criação da obra, inclusive sobre os documentos a que teve acesso sobre a vida particular do empresário. Até a senhora Lily Marinho, última das três esposas, ingressou no fantástico mundo editorial. O livro Roberto e Lily, lançado recentemente, revela seu relacionamento amoroso com o imortal jornalista (que foi membro da Academia Brasileira de Letras com um único libro publicado).Toda a renda obtida com a venda deste livro será destinada à Pastoral da Criança. Quem quer dinheiro? Sem Assis Chateaubriand ou Roberto Marinho, Sílvio Santos - que ficou em terceiro lugar em uma pesquisa feita pela Revista Istoé, que perguntou quem foi o maior comunicador do século XX - parece agora ter a coroa do Brasil. A sua história já é muito conhecida: um camelô que começou a fazer fortuna vendendo portatítulos nas ruas do Centro do Rio de Vivian Barbosa Janeiro e que transformava amigos em sócios, [email protected] investindo em negócios praticamente falidos (como o Baú da Felicidade) e correndo o país atrás de clientes. Em 1966, já comandava os domingos na Rede Globo (!). Dez anos se passaram para que o "Peru que Fala" , como era conhecido, tivesse a concessão da TVS e saísse da TV Globo para conquistar sua fatia do mercado. Diferente de outros grandes comunicadores, que não gostavam de aparecer, ele é figura permanente na telinha. Seus programas dominicais marcaram a história como o Qual é a música?, Topa tudo por dinheiro e o Show de Calouros. Com um jeito bem irreverente, Sílvio Santos briga pela audiência: "É um filme muito bom, um filme a que eu já assisti várias vezes. Mas podem ver a novela. Esse filme só vai começar depois que a novela acabar", falava no ar, durante seus programas. Atualmente, os maiores investimentos têm sido feitos na compra de direitos pela exibição de filmes e seriados. Contratos milionários com a Warner Bros. garantiram, por exemplo, a trilogia "O Senhor dos Anéis" e o seriado "Friends", além de picos no primeiro lugar na audiência, abalando, mesmo que "de leve", a estrutura imperial dos Marinho. No livro A Fantástica História de Silvio Santos (Editora do Brasil, 278 págs), escrito pelo amigo e ex-assessor Arlindo Silva, Sílvio Santos concede alguns depoimentos e revela as intrigas com Roberto Marinho, como a vez em que o dono das Organizações Globo, rompeu a amizade com o então Presidente da República, José Sarney, por acreditar que ele teria lançado Silvio Santos como candidato à presidência pelo PMDB. Na guerra para ser o número um no IBOPE, Sílvio Santos não parece se preocupar em ser original ou colocar no ar programas "políticamente corretos". A Casa dos Artistas, cópia mal-feita do sucesso global Big Brother Brasil e o programa do Ratinho são prova da luta, independente de com quais armas, para atrair o grande público. O que não se pode negar, em 'Chatô', 'Dr. Roberto' ou 'Seu Sílvio' é que, seja em nome do desenvolvimento do país, seja atrás de poder e prestígio (e dinheiro também, por que não?), eles trouxeram inovações no suporte e no conteúdo da TV. Influenciaram mídias como a radiofônica, a impressa e, recentemente, a Internet. A Globo.com e a TV Globo Internacional proporcionaram maior visibilidade no exterior à programação nacional. Exportamos novelas para diversos países, os programas jornalísticos ganharam investimentos e estão entre os melhores do mundo em qualidade. Mas no final, como brasileiro tem memória curta, servir de nomes para cidades, ruas e museus será o destino e a forma de lembrar de cada uma dessas figuras. E, é claro, através das dezenas de livros, documentários, filmes e reportagens que sempre serão produzidos por alguém que queira imortalizá-los ou apenas abocanhar seu pedaço em um mercado que movimenta tanto dinheiro. Uma pergunta que, no entanto, não quer calar é se teríamos hoje no país alguma "(jovem) promessa" de sucessor de Sílvio Santos, herdando sua coroa. Gugu Liberato? Luciano Huck? Celso Portioli? Façam suas apostas... 25 Fraude Política Q uem sabe faz ao vivo. Quem não sabe ensaia, grava de qualquer jeito e manda pro ar. E assim, entre o tosco e o mal feito, cambaleia o nosso horário eleitoral gratuito. Apenas mostrar a cara na tela ou ler meia dúzia de jargões, não tem sido suficiente, nos últimos anos, para sair do anonimato, tampouco ganhar o voto do eleitor. É nessas horas que a criatividade aparece e quase sempre estraga tudo. Parece que de uma coisa os candidatos tomaram consciência: político na tv, de terno e gravata, fazendo discurso de menos de 30 segundos, é tudo igual. Quem quer ganhar eleição tem que se destacar Política Qualquer pessoa sensata concorda com isto. No entanto, a coisa não pára por aí. Condenar Milena e seguir vivendo em paz é uma forma de avalizarmos a proliferação do processo eleitoral como ele está e, por conseqüência, de candidaturas de natureza semelhante. Afinal, o povo condenou também, na eleição passada, Ariane Carla, a 'loira' que distribuía santinhos de mini-saia em escolas e estádios, estão lembrados? Pois ela voltou, se candidatou novamente e se elegeu desta vez. Será que mudou tanto, a ponto de deixar de ser achincalhada e Promessa é dívida? Se um candidato promete, ele deve ao menos tentar cumprir, correto? Em tese, sim. No entanto, o que se instituiu na prática é o extremo oposto. Maquiavel fez uma leitura da vida política e os políticos leram Maquiavel (será?). E o que reina é a máxima do “Vale manter uma promessa enquanto for interessante cumpri-la”. Ou seja: promessas de campanha e nada mais. Ou você assistiu o horário eleitoral procurando alguém que falasse a verdade? O que ocupa o lugar da verdade se é que algo tão relativo pode ter um lugar tão cativo é a imagem. Pelo menos em grande parte. Pouco importa se uma seja. O convencimento, a adesão e a conseqüente conquista do voto não se justificam estritamente no corpo de propostas ou do viés político do candidato - não é estritamente racional, embora a discussão política sempre caminhe pra esse lado. Justificar uma opção eleitoral levando em conta identificação imagética com o candidato é visto quase sempre como alienação política, comportamento de massa ou desvario. Respeita-se pouco esta indicação tão clara. Procura-se sempre argumentos racionais para atitudes que tem grande parcela de passionalidade. Ainda que pareça anti-político, a construção da imagem do candidato, bem como a relação de paixão que o eleitor somente levando em conta bons conjuntos de idéias, e tantos outros de como as paixões contribuíram de maneira decisiva para o sucesso ou fracasso de muitas delas. Deve haver alguma receita de moderação, um equilíbrio entre a razão e as paixões mas ainda está bem escondida na biblioteca de Babel. O que isto tem a ver com o shortinho da Milena? Ora, candidato a vereador também é candidato. Só não tem dinheiro nem tempo pra fazer uma mega-campanha. Por isto eles fazem assim, meio a facão, meio de qualquer cupação educativa. Descre Campanhas feitas a Facão: A imagem dos candidatos a vereador compõe um bom retrato do modo como nosso povo encara a política. Ricardo Sangiovanni [email protected] de algum modo tem que cair na boca do povo. Só não perceberam que isto não é o mais difícil. Cai-se na boca do povo por qualquer maluquice que se resolva fazer. Pintar a cara de vermelho, ficar de costas na TV ou mostrar a bunda são coisas que certamente dão o que falar. E o que tem aparecido são pérolas de humor com qualidade de vídeo amador, no melhor estilo Hermes e Renato. Se isto ganha eleição por incrível que pareça é outra história. Exemplos tivemos aos montes. O mais comentado deste ano é o da candidata “Milena - Tudo pelo esporte”. Preocupada com o esporte, mas também com os taxistas, os feirantes, os jovens e até com a cultura chinesa, Milena foi candidata pelo Prona, partido que escolheu por “se preocupar com o social”. Ela cursa Relações Internacionais e é católica. Nada católico, entretanto, é o shortinho com que despontou em seus banners de campanha. Por causa dele, e de suas curvas generosas, a candidata virou alvo da crítica popular, que, quase sempre recalcada, conclui o óbvio: “esta mulher é uma piada. Uma vergonha. Um 26 Fraude merecer ser vereadora do município? Que faz de errado, então, uma candidata como Milena? Constitucionalmente, nada. Ela se expressou livremente, usou as armas que tinha em uma disputa aberta. Não ofendeu a lei eleitoral, não cometeu crime algum. Qual é o absurdo, então? O absurdo talvez seja a noção de política eleitoral. A coisa em si, da forma como é concebida e feita. Estranho não é o short da Milena ou o tom inverossímil de suas propostas, mas a falta de atenção do debate público sobre as eleições e a completa banalização dos recursos que um candidato tem para conquistar votos. Vale a pena tratarmos de dois deles: primeiro suas pretensões políticas, o que envolve suas propostas de campanha, a verdade e viabilidade que elas trazem; depois, e mais importante talvez, sua imagem, sua estratégia de convencimento, a sedução que envolve qualquer relação humana e que é quase sempre colocada em segundo plano em se tratando da simplicidade de um voto. proposta de campanha é boa, ruim, falida ou impossível. Quase sempre elas são as mesmas, não importa o candidato. O que pesa é a estratégia de construção de imagem que difere a campanha A da B e da C. O passe único para o ônibus que César Borges propõe é diferente do de João Henrique? É sim. Porque um arruma o penteado diferente do outro, usam determinados truquezinhos de câmera, têm jingles diferentes. Mas, mais importante do que isso: eles são pessoas diferentes. Gastam uma grana com marqueteiros e publicitários responsáveis não por vender um “sonho”, como se diz por aí, mas por aproximarem tanto quanto possível o candidato do sonho do eleitor mostrá-lo receptivo, simpático. A publicidade eleitoral tem um papel extremamente importante, muito valorizado em dinheiro, pouquíssimo na discussão cotidiana: o de marcar a diferença, delimitar as fronteiras entre pessoas, grupos ou partidos (e não de 'definir a eleição', como se criou o hábito de dizer). Conclui-se que é impossível mostrar isto ao grande público somente através de um conjunto de propostas, por melhor que ele tem com ela, são elementos fundamentais no jogo político. Deve-se constatar isto sem nenhum pesar. É necessário que a discussão política respeite e critique também o comportamento dos políticos em relação à mídia, o modo como aparecem, o que tentam passar e de que modo o fazem. O mesmo se aplica ao comportamento do eleitor: que tipo de aparência lhe agrada e os porquês desta satisfação, se há um equilíbrio entre ideologia, proposta e imagem do candidato escolhido. O desafio das nossas rodas de bar é ir um pouco além da aparência de “moralmente correto ou não”, do “lógico ou não”, do “verdadeiro ou não” afinal, da verdade também faz parte uma sensação. Além de observar a atitude dos políticos, cabe também problematizar a própria atitude, de eleitor, de público: “por que isto ou aquilo nos agrada? O que determinadas estratégias e truques na construção de uma imagem visam despertar em nós? Qual o peso da imagem na difusão da intenção e da idéia?”. Talvez seja uma ferramenta indispensável para compreender porque a política é como é. A história traz incontáveis exemplos de tentativas frustradas de transformar o mundo jeito. Põem em prática aquela idéia mirabolante, da própria cabeça, ou que foi sugestão da mulher ou do amigo. Com pouca preocupação técnica ou com a construção de uma imagem que vá além do “Vote em mim”. E acabam denunciando, do modo mais cômico possível, nosso senso comum. Resultado de uma história de sucessivo esvaziamento das plataformas políticas, refém de imagens construídas de modo leviano, com pouquíssima ou nenhuma preocupação educativa. Descrente das idéias, desesperado para se destacar da multidão. De qualquer jeito. Artes "E co ss co mo e m c Ca a mo qu us br ixão mu alq eu d al u de de seu er o e tu lix , t u do M o am tro é el o b o m Ne u a ém reu us r n q to ui po ido eu vo de .” s er @YahBeth Pon oo.co t m.br e Museu de tu d o Jo ão te n po h t e B Fotos: Jônathas Araújo A lista telefônica está para o telefone como o Google para o computador. Mesmo antes de ouvirmos falar em internet já possuíamos uma noção do que viria a ser um link. A lista telefônica pode ser vista hoje em dia como um imenso buscador, com links para tudo que interessa na cidade. Até mesmo para o que não existe, se não com o auxílio da imaginação. Foi assim meu primeiro contato com o Museu do Objeto Imaginário. Primeiro contato que, até pouco tempo, eu acreditei também ser o último. Como um indicativo dado pelo próprio nome, o Museu do Objeto Imaginário não foi fácil de ser encontrado. Um nome e um telefone na lista telefônica. Ao lado de tantos museus comuns não havia como não prestar atenção a este de nome intrigante. Contudo, o Museu do Objeto Imaginário era um mistério. O número indicado na lista havia mudado. Não havia registros no Dimus (Diretoria de Museus), IPAC (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia), na Fundação Cultural do Estado ou mesmo na memória de qualquer morador da suposta vizinhança. Nem se quer havia um link no Google, o grande oráculo moderno. Enquanto procurava por aquele que parecia não existir e vendo confirmada cada vez mais minha ausência total de tino jornalístico, me questionava: o que haveria em um museu com este nome? Afinal, o que seria um objeto imaginário? A Imaginação do objeto Imaginar, porém, é antes de mais nada brincar com as possibilidades. E pensando desta maneira, dei-me por conta que o Museu do Objeto Imaginário poderia ser uma infinidade de coisas. Ou mesmo nenhuma. E tudo indicava esta alternativa. A Secretaria de Cultura do Estado indicou-me o contato da Diretoria de Museus (DIMUS) e lá conversei com Antônia Pinheiro, responsável pelo Setor de Documentação e Pesquisa. Como já não bastasse nenhuma informação sobre os número e o endereço que constavam na lista, também lá não encontrei indício algum do tal museu. “Até de 30 Fraude Artes abertura ou funcionamento” explicou Antônia. “Você já procurou a Bahiatursa? Se ela não souber ninguém sabe....”.Era a resposta quase unânime dos moradores e comerciantes do Centro Histórico. As informações que lá encontrei foram as mesmas localizadas na Lista, com exceção de um e-mail, que para nenhuma surpresa minha, estava desativado. Se o Museu do Objeto Imaginário insistia em não se revelar, outros Museus do Objeto são hoje em dia bem conhecidos. A grande maioria cuida da preservação de objetos de valor enquanto parte da História de uma sociedade, como o que acontece com objetos e utensílios muito antigos ou pertencentes a personagens ilustres. Um exemplo de museu com essa proposta é o belíssimo Museu da Casa Brasileira, localizado em São Paulo. Uma outra forma, ainda bastante recente, é em muito associada ao design e tem na Instituição A CASA - Casa Museu do Objeto Brasileiro um dos principais representantes. Mas meu objeto procurado continuava apenas na imaginação. mostras individuais, coletivas e salões de arte, no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos, onde viveu por alguns anos. João retornou ao Brasil em novembro de 1996 para expor uma de suas obras a convite de uma exposição no Pelourinho e desde então se estabeleceu aqui em Salvador, já com o desejo de criar o MOI. Foi ainda na Europa que João Augusto começou a desenvolver e produzir obras dentro deste movimento chamado por ele de Objetivismo Imaginário, que consiste basicamente na utilização dos mais variados objetos na composição de obras de arte, de quadros a instalações inteiras. Não se pode dizer que o uso de objetos em obras seja algo novo, afinal podemos lembrar que no final do século XIX e início do XX, artistas como Matisse, Picasso e Braque chocavam a comunidade artística e a e sociedade parisiense inserindo papelões, tesouras e outros objetos em seus quadros. E também não seria essa a primeira vez em que o objeto do museu, para além da arte ou da história, seriam objetos comuns, a princípio sem nenhuma pretensão ao status de arte (sem contar, obviamente, com exceções como as da famíla Stolarczyk, de Yorkshire, Inglaterra, famosa por seus museus excêntricos, como da cenoura ou das torradeiras.) E não se pode dizer que foi tudo responsabilidade de Duchamp e seu mictório. Mas a proposta do Objetivismo Imaginário de João Augusto tem seus próprios contornos e particularidades, nascendo da recuperação e aproveitamento de objetos rejeitados, abandonados e condenados ao desaparecimento. “Tornei-me um 'objetista', que trabalha com objetos industrializados e outros confeccionados por mim” escreve João em carta a Solange no ano de 1995. “Cada trabalho parece o decór de uma peça de teatro, de uma ópera, onde tudo se harmoniza por mais paradoxal que olhos imaturos e insensíveis possam enxergar.” Quando a proposta é utilizar-se dos objetos do dia-a-dia para a confecção de obras, o que temos são possibilidades infinitas, num jogo de análise combinatória cujo único fim é a criação de novos olhares e o despertar da imaginação. Olhe a seu redor. Quantos objetos você consegue visualizar? Canetas, lápis, cadeiras, cds, brinquedos... Nada escapava O Objeto do Museu A resposta à minha pergunta começou a se delinear em um bricabrac no final da Rua das Laranjeiras, no Centro Histórico. Com a ajuda do dono, Pedro Ivo e do Sr. Jorge Bandeira, do DIMUS, pude localizar dona Solange Cintra e Maria, sua filha, que me contaram a respeito o Museu do Objeto Imaginário e principalmente sobre seu fundador, João Augusto de Moraes. O artista plástico João Augusto nasceu em Salvador no ano de 1933. Nos anos 50, ainda jovem, partiu para a Europa, onde viveu por mais de 40 anos em diversos países. (Na Itália, onde viveu em Roma, foi colega de Fellini e aparece em um trecho de “Dolce Vita” vendendo suas obras a Marcelo Mastroinani.) Lá conseguiu o que muitos poucos conquistam aqui no Brasil: a possibilidade de viver de sua arte. Seu currículo é bastante vasto, com cerca de 50 29 Fraude Artigo Artes às criações de João Augusto que, no ano de 1994 escreve: “Diminuir a cegueira de grande parte dos indivíduos, é também a tarefa do artista.” Era justamente isso que João pretendia e alcançava com suas obras, criando sobre o que já fora criado, fazendo nosso olhar e nossa imaginação perderem-se nos detalhes e belezas dos objetos comuns, os quais usamos e jogamos fora quase todos os dias. Muito do Objetivismo Imaginário pode ser encontrado na exposição “Les temples de la terre vagues” (Templos de terras vagas), uma co-produção do Museu do Montparnasse e que foi um dos destaques do 8º Festival de l'Imaginaire em Paris, que aconteceu entre março e abril de 2004. O crítico Gilbert Lascault, na apresentação da exposição, explica que “todo trabalho é um santuário que venera fragmentos do corpo social.” Estes fragmentos são os objetos, colecionados do lixo, de sobras, de partes perdidas e freqüentemente separadas do que já foi útil um dia, de destroços. “A exposição dá uma segunda sorte a lixos. Os salva”, diz Lascault, ou nas palavras do Objetivismo de João Augusto “dá uma nova vida ao objeto rejeitado e condenado ao desaparecimento”. Ao ser questionada sobre a maior dificuldade que enfrentam atualmente para por o Museu em funcionamento, Solange e Maria são categóricas : dinheiro. 'Esperamos contar com o apoio dos órgãos responsáveis pelo Patrimônio Cultural do Estado para que a Fundação possa de fato funcionar.' Diz Maria. 'E para isso é preciso poder dar a manutenção necessária, pois você vê que aqui é um lugar (um prédio no Centro Histórico cedido em 1997 pelo IPAC) inadequado, um prédio antigo com umidade, cupins e de difícil acesso.' A Fundação João Augusto de Moraes, da qual o MOI faz parte, tem como proposta perpetuar o objetivismo imaginário através das exposições no Museu e de oficinas com crianças, ensinando-as, com a imaginação, a criar seus próprios objetos. João Augusto faleceu dia 28 de junho deste ano, aos 70 anos, sem poder ver o Museu do objeto Imaginário e a Fundação que ganhou seu nome abertos. Infelizmente nossos dias comprovam que a arte a imaginação, com sua força e poder, superam muitas coisas, mas não ainda a falta de recursos e de reconhecimento por parte da sociedade. 28 Fraude E O LUGAR DA MEMÓRIA Não se fazem mais museus como antigamente... Primeiramente foram os Museus de Arte Moderna que deixaram de lado a necessidade de um passado histórico; recentemente os museus virtuais que aboliram a necessidade de um espaço físico, e agora, aqueles que renegam a necessidade mesmo da arte, do passado e do espaço. Esse último é o caso do Museu da Pessoa.Net. Um museu onde não predomina nem passado, nem arte, nem arte do passado. O que há então? História. A missão do Instituto Museu da Pessoa é o registro e conservação não daquela representada por objetos artísticos e de uso do passado, tal qual imaginamos encontrar em qualquer museu, mas de histórias de vida. Sua premissa é a de que toda e qualquer história de vida tem valor e deve ser preservada. O Museu da Pessoa tem sua sede em São Paulo e nasceu em 1991. Porém o maior salto veio com a criação, em 2001 do Instituto Museu da Pessoa.Net, que existe como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) com o objetivo de ampliar e divulgar a iniciativa do Museu da Pessoa. A partir do instituto foi criado no ano passado o Portal Museu da Pessoa.Net. No Portal o internauta tem acesso ao acervo do Museu, aos depoimentos (também em aúdio e em vídeo, como o do educador Paulo Freire), fotos e demais registros dos depoentes, além de poder também enviar sua história. Como toda curadoria de museu, a organização do Instituto seleciona o que deve ou não fazer parte do acervo. Mas, normalmente, apenas não são publicadas aquelas que trazem qualquer tipo de difamação a outras pessoas ou que contenham relatos que preguem valores contrários à ideologia do Museu. Outra restrição diz respeito à idade. Pessoas com menos de 12 anos não podem ter seus depoimentos publicados. Hoje em dia, o Portal conta com 25 sites ligados ao acervo do Museu da Pessoa. Net, alguns de iniciativa de empresas privadas. Algumas empresas têm também percebido que a memória é essencial para garantir a identidade de uma instituição além de valorizar seus trabalhadores. Esta proposta do Instituto Museu da Pessoa.Net vai ao encontro da corrente de estudos históricos chamada “História das Mentalidades” que ao contrário da que conhecemos não tenta reconstruir a história de sociedades e povos através dos fatos, mas das mudanças de mentalidade e acredita que histórias de vida podem ser uma das mais modernas formas de se compreender a dinâmica social. O que o Museu da Pessoa proporciona é também uma forma de compreender melhor o Brasil, pelo retrato e relato daqueles que o constroem. E tudo indica que o que vai entrar num museu mesmo é nosso conceito sobre eles... ste é um tema para leitores de mais de 40 anos em pânico diante da passagem do tempo e das dificuldades para encontrar um novo e sólido amor, mas serve também aos jovens precoces. Para fornecer-lhes armar úteis nessa dura luta, verdadeira guerra sem quartel, retomo “A Arte de amar”, de Ovídio, clássico latino que, como se sabe, foi um dos primeiros best-sellers da auto- ajuda e do consultório sentimental. Se alguém pensa que inventamos os nossos clichês amorosos e sobre as mulheres, sempre tão em voga, melhor tirar o cavalinho da chuva: Ovídio já os recolhera ou concebera no começo do período romano conhecido como Império. Pragmático, dá lições simples e diretas. No primeiro contato com uma mulher desejada é melhor que “as primeiras palavras não passem de lugarescomuns”. Nada de ficar bolando abordagens originais, pois o que funciona mesmo com elas é o tradicional “eu não te conheço de algum lugar?”. Não tem nada disso de não poder convidá-las de cara para conhecer a sua coleção de havaianas. “Se a poeira atingir o colo da jovem, trata logo de tirá-la, e se não cair poeira, tira-a também”. Em resumo, passa a mão. Ovídio é préassédio sexual. A sua alta filosofia está nesta máxima de sabedoria milenar, “todas as mulheres podem ser apanhadas”, dependendo “da maneira de colocar as armadilhas” Vê-se que Ovídio foi claramente um espírito à frente do seu tempo. Num rasgo de psicologia, alerta: “Aquilo mesmo que podes acreditar que ela não queira, ela quer”. Percebe-se que antecipou toda a moderna psicologia e pôs numa frase metade da obra de Balzac e toda a de Nelson Rodrigues. Os eruditos dizem que o poeta fez isso por cinismo, decadentismo, ironia ou gênero. Pode ser. O vulgo tomará isso como reles manual de instruções. A sofisticação de Ovídio pode chegar ao extremo e excitar o olhar dos nossos quarentões entediados: “As searas são mais ricas nos campos dos outros e as vacas do vizinho têm sempre os ubres maiores.” Difícil conceber uma imagem mais adequada e bela Alguns conselhos do autor aos que desejam não passar mais os domingos sozinhos. Ao ir à caça, é bom que as “unhas estejam curtas e nenhum pêlo saia para fora das narinas”. Também é importante não exalar um hálito de bode no rosto da presa. Se ela for casada, algo bastante comum nos tempos que correm, é bastante razoável ficar amigo do sócio. Na hora da conquista, a melhor estratégia é não poupar elogios às formas malhadas da escolhida. O negócio, é ser mais generoso na cantada do que os políticos: “As promessas é que prendem as mulheres”. Em outras palavras, minta para elas. E “engana as que enganam”. Todas. Deve-se variar o método de ataque conforme a idade. Alento para os feios: “Ulisses não era belo, mas era eloqüente e com isso conquistou o amor de duas deusas do mar.” Ronaldo, o fenômeno, está aí para provar que Ovídio tem razão: com eloqüência e alguns milhões de dólares não tem Cicarelli que resista. É lindo o amor! Eis o principal: “O amor é uma espécie de serviço militar”. Sabemos que, nos países avançados, deixou de ser obrigatório. A poesia é legal desde que não seja recitada na hora de mostrar armas. Outra coisa: convencer a mulher a pedir aquilo que se quer dar a ela. Chama-se a isso de estar em sintonia. Toda a sabedoria já está em Ovídio: se ela estiver furiosa, sela-se a paz na cama. Mesmo tendo de ingerir uma artilharia de Viagra. O bom é demorar para acabar, mas se não for possível, o melhor é adotar o método Juremir Machado* [email protected] * é professor de Comunicação da PUC/RS e lançou recentemente o romance “Getúlio” pela editora Record contrário e “calcar as esporas no cavalo em disparada”. As mulheres gostam de atitude. De manhã, é conveniente ficar de boca fechada ou escovar os dentes antes de mais nada. Para as mulheres: evitar os homens obcecados pela própria beleza (metrossexuais incluídos) e que já tenham tido muitas relações com outros homens. Sábio conselho. Na cama, a mulher bonita e em boa forma deve espichar-se para ser vista. As outras devem esconder alguma coisa ou dobrar os joelhos para só mostrar o flanco. O homem só deve arrotar no banheiro. Por favor, não me acusem de machismo nem de misogonia. Apenas recuperei os ensinamentos de um clássico. Quem não se interessar por alta cultura, pode fazer o contrário do ensinado (ou satirizado) pelo invulgar poeta latino. Se Ovídio pode, por que Paulo Coelho e Dráuzio Varela não poderiam? É só uma questão de séculos. E de estilo. O importante é ser útil. Fraude 31 Literatura Literatura apenas mais uma das inumeráveis tardes de domingo que enfrento à procura de assunto, escrever é uma necessidade, desde que não seja urgente. Como acontece sempre que falta inspiração, passo vagarosamente os dedos pelas inúmeras lombadas dos empoeirados livros dispostos nas inexpressivas estantes de aço pintadas de cinza. Estou impressionado com a minha capacidade de ordenamento dos títulos por cronologia, gêneros, escolas e temáticas. Se bem que, dispostos ao acaso, por cima dos livros brasileiros, encontro, perdidos, alguns volumes do bom e velho Charles Bukowski. Indício inequívoco de que a suposta ordenação dos títulos não é tão refinada quanto minhas primeiras impressões ao olhar a estante. Pego um volume esverdeado, uma antiga edição da L&PM de Fabulário Geral do Delírio Cotidiano. Na capa vejo a fotografia de um senhor de idade barbado, supostamente meio bêbado, ao lado de uma figura feminina no mínimo extravagante: muita maquiagem, saia, saltos altos, o pé esquerdo torto, rosto envelhecido. Já o suposto escritor exibe uma considerável barriga, daquelas que mostram o umbigo não porque a blusa seja baby look e, sim, porque os tamanhos de fábrica não pressupõe tamanha decadência no homem médio contemporâneo. Sinto um sentimento indefinível, algo entre o medo, a nostalgia e a vergonha. O que será que me encantou nesse livro, nesse escritor, para que durante parte de minha juventude eu fosse completamente obcecado por ele? Para mim não havia outro, ou lia-se Bukowski ou não se lia nada. Após comprar todas as traduções disponíveis de Bukowski nos anos oitenta, aprofundei meu inglês para encarar seus poemas. Mas não sinto nostalgia. A capa me traz lembranças genéricas e afetuosas de meus primeiros livros. Minha primeira estante. Abro o livro, será uma chance de recomeçar? Recuperar algo perdido? Começo a folhear os contos; pequenas estórias da incapacidade de relacionar-se (ohhh!!!! Como são mal-escritas!!!). Contos sobre homens norte-americanos bêbados em sub-empregos (mas onde está o estilo que tanto me agradava? Que estilo?) Sinto uma profunda alegria, de alguma forma amadureci. Não pense que É Jeder Janotti Junior* [email protected] *É professor da Facom/Ufba e lançou recentemente o livro “Heavy Metal com Dendê, pela editora E-papers 32 Fraude estou usando essa palavra sem suspeição. Amadurecer significa estar no ponto, mas ao contrário das frutas verdes, também significa estar mais próximo do apodrecimento. Não quero usar essa palavra. Mas não há volta. O texto do outrora bom e velho Charles Bukowski apodreceu. Não sinto arrebatamento e, sim, estranhamento. O que será que me atraía, só suas inúmeras bebedeiras narradas de maneira coloquial? Muito pouco! Difícil descobrir. Talvez a representação narrativa de uma festa permanente, obliterando um fato crucial: quanto maior a bebedeira, maior a ressaca. Sinto-me esgotado. Vejo o quanto meus valores se modificaram e se estabilizaram. Será que sou apenas mais um conservador à procura de estabilidade? Ou apenas uma junção desses diversos eus, sendo que um deles amou, sofreu e esqueceu os escritos de Bukowski. Mas desvelo minha falta. O problema não são meus valores ou o escritor norte-americano. É mais amplo o que sinto: é apego. Os livros, os discos, as mídias foram feitos para circular. Um texto sem leitor é uma impossibilidade. Bukowski escreveu para jovens ávidos por álcool. Por que diabos guardei esse livro em minha prateleira durante 17 anos ? Livros devem circular, a cultura nômade das mídias não se inscreveu totalmente em nossas prateleiras, nos apegamos aos livros como se fossem obras expostas em um museu. Algum dia eu devo reler Bukowski? Definitivamente Não. Vou doá-los, que os livros voltem ao seu lugar de destino: os leitores. Essas idéias me remetem a um trecho de um dos livros de Bukowski. Uma cena em que perambulando pelas ruas de Los Angeles, ele passa em frente ao antigo endereço do escritor John Fante, um de seus preferidos. Por alguns segundos, ele fica parado olhando, dilacerado entre o ato de tocar a campainha e o medo perder a oportunidade de encontrar Fante. Por fim, Bukowski decide ir embora, concluindo que os deuses não devem ser incomodados. Como não se trata, pelo menos para mim, de deuses e de incomodo, reconfiguro a cena: Bukowski não deve ser incomodado. Hoje, preciso de mais espaço. Já não me sinto tão mal. É uma tarde sombria de domingo, mas nada que um bom romance não possa aliviar. Na verdade, os livros e autores devem ser descartados, para que só então, possam ser reciclados, reavaliados e, talvez, esquecidos. 33 Fraude Cinema Cinema Tiago Félix* A cultura erótica já provou ser um segmento importante e bastante profícuo na produção cultural de nossa sociedade (com exemplos que vão desde Madonna até o Marquês de Sade). E apesar de ser marginalizado pela grande mídia e do preconceito enfrentado por seus apreciadores, o universo pornô inclui cifras milionárias, empresas gigantes, suas próprias estrelas, diretores e uma vasta mitologia que preenche o imaginário popular. A produção pornográfica é muito maior do que se poderia presumir, devido principalmente à grande demanda do público e ao seu baixo custo de produção (na internet é quase impossível encontrar entre os sites do gênero algum que não inclua a categoria “amadores”). Existem verdadeiros impérios da cultura pornô, como o autoproclamado Buttman's Empire que produz filmes, revistas e tem um portal na internet. Além disso existem as grandes estrelas do pornô: os atores Rocco e John Holmes, as atrizes Silvia Saint e Cicciolina (já aposentadas); os brasileiros Alexandre Frota, Cyane e Olívia del Rio (que alcançou fama internacional). A cultura pornográfica tem quatro grandes divisões: hetero, gay, lésbico e bissexual. Existem outras subdivisões que incluem categorias étnicas, profissionais e grupais. E outras categorias menos convencionais como zoofilia e incesto. Os produtos com conteúdo erótico são variados: poesias, contos, revistas, livros e sites. Além, é claro, de acessórios bastante específicos encontrados em lojas especializadas. Mas o gênero que melhor representa a cultura erótica é, sem dúvida, o cinema. O cinema pornô já produziu seus clássicos, a exemplo do famigerado Garganta Profunda, mas também se nutre na cultura popular com releituras de personagens da Literatura como Tarzan e Lolita. Além disso ele apresenta suas versões para filmes de sucesso como Titanic e Gladiador, e se deixa influenciar pelo mainstream mesclando elementos de filmes de ação, entre outros gêneros. Salvador possui dois cinemas eróticos: o Cine Astor e o Cine Tupy, que funcionam de forma bastante diferente dos cinemas convencionais, exibindo dois filmes que se alternam das dez da manhã até as oito da noite (quando normalmente fecham). Com um ingresso o espectador permanece quanto tempo desejar. Os filmes são produções estrangeiras de conteúdo heterossexual de forte apelo, com recorrentes closes e palavrões. A maioria dos títulos está disponível nas locadoras, o que levanta a possibilidade de os espectadores usarem o cinema como ponto de encontro ou por falta de poder aquisitivo. Outro aspecto que diferencia o cinema pornográfico dos outros é a ausência de esquemas de circulação prédeterminados. Nos dois cinemas existem duas passagens após um saguão principal, por onde se pode entrar ou sair. As luzes ficam todo o tempo apagadas, o que dificulta a locomoção e a escolha de um lugar para sentar, mas ao mesmo tempo preserva o anonimato de seus freqüentadores. Não existe perfil pré-definido do freqüentador, mas algumas características podem ser observadas. A maioria é masculina, vai desacompanhada, prefere manter a discrição e trabalha em regiões próximas ao cinema. Idade, orientação sexual e estado civil variam bastante. Os cinemas têm seus picos de freqüência entre sexta e segunda-feira e não há lanterninhas ou fiscais. Os espectadores têm toda a liberdade de se comportar como quiserem, a não ser que haja reclamações (o que é muito raro). Nos corredores e saguões dos cinemas há casais homossexuais, pessoas caminhando, conversando e uns poucos funcionários, todos convivendo sem problemas. Algumas vezes há travestis, mulheres e homens que percorrem o cinema oferecendo seus serviços. O ambiente cria uma atmosfera que parece propícia ao assédio, no entanto há uma espécie de pacto tácito de as pessoas não se tocarem, nem sentarem ao lado umas das outras. O que não as impede de estabelecer relações caso estejam de acordo, neste caso elas se dirigem ao banheiro ou ao fundo da sala de exibição. Mas a maioria permanece sozinha assistindo aos filmes. A atmosfera marginal e decadente esconde as relações deste cinema com os outros. O Cine Astor pertence à Art Filmes e o Cine Tupy à Orient Filmes, empresas que mantêm os dois maiores cinemas soteropolitanos. Isso nos leva a presumir que tanto o Astor quanto o Tupy sejam rentáveis o bastante para continuar funcionando e fazer empresas deste porte trabalharem com um nicho tão rejeitado da cultura. O que se constata é que em meio a uma vasta produção da cultura pornográfica e entre vários meios de divulgação os cinemas pornográficos permanecem escondidos, apesar de bastante freqüentados, sobrevivendo sem muitas formas de divulgação, funcionando como ponto de encontro para homossexuais, local de trabalho de prostitutas e travestis, ambiente ideal para os mais fetichistas e alternativa de entretenimento para os trabalhadores da região. O cinema pornô pode não ser arte, mas já mostrou que merece ser visto a partir de conceitos menos preconceituosos e simplificadores que os utilizados até agora para analisá-lo. *É aluno de graduação em Jornalismo da Facom/Ufba 34 Fraude 35 Fraude Conto Conto Vitor Pamplona* [email protected] Ao meio dia, já recostado na cadeira de balanço, acarinhava a barriga com os calos da mão. Desmaiava devagar, em repulsa ao ar pesado que lhe pendia o corpo sobre o vime envernizado progressivamente pelo suor das costas. O telefone tocou, obrigando-o a se desgrudar do encosto. Apoiado nos braços, os seus e os da cadeira, levantou e pôs-se a caminhar na direção do som. Mal retirou o aparelho do gancho e pôs o fone no ouvido, disseram: Chegou mais um. Pode vir. Depôs o fone num misto de resignação e impotência. Era a dor cotidiana de viver naquele ambiente imundo, fedorento, lambuzado de sangue e de vísceras em todos os cantos, em torno daqueles homens quase sempre muito sujos, quase sempre muito rudes e que, assim como ele, tinham sempre um serviço qualquer a fazer. Que vida mais besta, pensou, sair pra rua, pegar os sacos, carregá-los nas costas, entregálos nos locais combinados, receber o dinheiro, repassá-lo ao chefe, que descontava a sua parte, dar um até logo, quando precisar de mim é só ligar, gastar uma parte a caminho de casa em um bar ou padaria, dependia da necessidade, rodar a chave na fechadura, bater a porta e repetir o movimento em sentido contrário, e pronto, começar tudo de novo quando lhe fosse requisitado. Vestiu no corpo a camisa amarrotada que lhe iria sorver o suor. Que desperdício pegar uma limpa na mala, logo estaria manchada de amarelo, cor do sangue seco de sol. Seria melhor trabalhar sem roupa nenhuma, pelo menos só teria que lavar a si próprio. Pensava na cara do povo quando visse aquele homem pelado andando na rua com aqueles sacos imensos, o brilho rubro das costas misturado ao do suor, haveria de ser muito engraçado o povo todo apontando o dedo e ele tranqüilo em sua nudez desavergonhada, recebendo o dinheiro e depois voltando para casa. Bom mesmo seria não ter mais que esfregar seus trapos no tanque, vendo escorrer na água o líquido vermelho que lhe 36 Fraude causava tanta repulsa. Ninguém podia carregar sobre o corpo o sangue dos outros. Enquanto atravessava na rua a atmosfera do meio-dia, o sol castigando-lhe o couro de cabelos ralos, subitamente lembrou do seu primeiro dia no azougue: seus olhos terrorizados diante do cenário grotesco, inimaginável até então, mas que se expunha incólume num plano-seqüência irrefreável. Prostrado em frente ao balcão, ao lado do refrigerador vazio que aparentava nunca ter sido usado, ouvia o corte das serras atravessando o osso, o fio fino das facas rasgando a carne, o rangido dos ganchos sustentado as talhas. O chefe veio e o chamou para o lado de fora, onde um novo carregamento havia recém-chegado. Explicava-lhe o serviço, dizia-lhe o sim e o não, com um palavreado firme, decidido, seguro de suas atribuições de comandante geral e, por isso mesmo, invejável. Mas no momento em que destrancaram o caminhão-baú, toda a beleza daquele discurso se esvaiu no farfalhar de moscas que rodeava a carga. Corpos empilhados, marcados por um ferimento profundo no crânio, o que lhes dava uma fisionomia em comum, sujos de terra e lama, como que retirados de alguma pocilga em lugar dos porcos. Fora afastado um pouco para que um jato d'água lhes fizesse a última higiene e espantasse as moscas mais insistentes. Um a um, os cadáveres iam sendo rolados para as carretas sobre trilhos que os levariam ao beneficiamento. Esse movimento lhes revirava as faces, descerrando as bocas de onde escorria a saliva derradeira misturada aos líquidos gástricos, revelando olhares moucos sob pálpebras entreabertas, e rompia os coágulos das chagas no crânio, pintando de vermelho os rostos dos primeiros e o tronco e tudo o mais dos seguintes. O chefe gritou da porta que engolia os carretos: Ô novato! Venha ver como é aqui dentro. Mal pisou no chão rejuntado de azulejo branco que cobria também as paredes do galpão, pôde ver dezenas de homens de dorso nu, ocupados em transportar, despelar, desviscerar, desmembrar, retalhar e embalar. Primeiro, retiramos as pelagens e as pelancas, esses bichos às vezes têm quase um palmo de gordura cobrindo o corpo, ensinou o chefe. Ninguém come tamanha quantidade de sebo, mas sempre é bom deixar algum na fibragem, pois o gosto do gado é o gosto da gordura quando tosta, e aqui é tudo gado. Depois, é preciso desembuchar que é pra livrar eles da bile, dos fatos e das vísceras mal-cheirosas. Nem cachorro come. Aí começa a parte técnica, que é quando se separa as partes nobres das ordinárias. Os quartos traseiros é só serrar o joelho e pendurar no pacote, o lombo é fatiado porque vai em bandejas, peito a gente só trabalha com os de fêmea, os de macho é muito trabalho pra pouco ganho, costela é tudo igual, e tem os miolos, coração, os bagos, que são selecionados só para clientes especiais, de tradição com a casa. É gente de hábito refinado, que não aceita qualquer corte, você sabe logo pelo jeito. Reconsiderou: não lhe aprazia a clientela especial. Os olhos daquela gente invariavelmente demonstravam interesse excessivo pela mercadoria. Havia uma cobiça desmedida, um gozo que não lhe parecia natural, como que imbuído de alguma perversidade que lhes fornecia a energia vital. Tinham pressa em preencher os papéis e efetuar o pagamento. Dizia-se que realizavam grandes cerimônias para a degustação e preparavam o próprio corpo antes de ingerir as carnes especiais, temperando os músculos e o paladar com óleos e ervas específicas para cada corte. Chegou ao azougue a tempo de ainda acompanhar o descarregamento do lote de que fora informado. Poucos homens realizavam o trabalho naquele dia, o que o incentivou a auxiliar no transporte da carga. Observara muitas vezes aquele rolar de corpos para as carretas, mas jamais de dentro do caminhão, em meio às carcaças que iam desabando do topo da pilha umas por cima das outras, até sofrerem forte impacto no contato com o piso ensangüentado e serem brutalmente empurradas para o descanso final naquelas covas de aço sobre trilhos. Chacoalhava as mãos ao redor da cabeça e do peito para afastar o mosqueiro atraído pelo grude sangrento da pele, ao tempo que repuxava os membros que se entrelaçavam no monte de corpos para que se desvencilhassem uns dos outros, facilitando o translado. A pelagem dos bichos adquirira uma aparência plastificada e uma dureza que o impressionou no primeiro contato, haveria de ser culpa da sangraria que as besuntava e da quentura, tal qual a de um forno, da carroceria chapeada de aço. Um dos cadáveres, de corpanzil acima da média, obstruía os demais por causa de suas dimensões incomuns, o que o obrigou a forçar sua precipitação agarrando-se às pelancas do pescoço e da papada, forçando a carga a se deslocar. Um urro gutural ecoou, cessando apenas quando involuntariamente largou a massa molenga que tinha nas mãos. O movimento desequilibrou-o, fazendoo despencar do topo da pirâmide de carne, pele e osso. Depois de ter escorrido o rosto, as mãos, o tronco todo, até mesmo os lábios na couraça enrijecida pelo grude de sangue e vômito seco, mirou o topo da pilha de corpos e pôde ver o par de pupilas dilatadas responsabilizando-o pela dor. Estava viva, a besta. Cobrava providências para o seu estado. Quatro homens foram necessários para pô-la numa carreta onde o corpo fora mal acomodado, enquanto o chefe fazia ligações para o fornecedor, o transportador, o corretor, o advogado e o proprietário. Não queria, sob qualquer condição, ter de se responsabilizar pelo erro alheio. Não iria, da mesma forma, abater o bicho e conduzi-lo ao beneficiamento: seria, não resta dúvida, acusado de maus tratos, de hedionda - de assassinato. A responsabilidade era de quem havia encontrado o corpo ainda sensível ao toque, aos estímulos e percepções, incapacitado de ser submetido ao consumo. E não havia coincidência nenhuma em ser um trabalhador fora de suas funções profissionais e, portanto, inepto para aquele tipo de serviço. Com a condição de prover uma destinação ao corpo, ele não seria responsabilizado administrativamente e receberia todos os seus direitos legais pela quebra do vínculo com a empresa. Expiado menos pela culpa que pelo esforço de transportar o peso da carga viva até a cama, providenciou antibióticos, antiinflamatórios, analgésicos, antitérmicos, fitoterápicos, coagulantes, antitetânicos e um variado arsenal de suplementos vitamínicos. Tratou da ulceração no crânio e das lesões menores pelo corpo, removendo pruridos e infecções, até restabelecer a condição saudável naquele corpo agonizante, com a dedicação e o esmero adquirido nos anos de manipulação de carnes e tecidos. Em uma manhã, desperto de um sono pesado que lhe atingira os sentidos, só aos poucos recobrados, não achou a besta sobre o leito. Foi encontrá-la de pé, na cozinha, com todas as partes do corpo à mostra, preparando o café com os seios lácteos que entornaram sua imaginação. É aluno de graduação em Jornalismo da Facom/ufba 37 Fraude Humor od Fo stFa Danilo Fraga [email protected] A rede de fast-food de Filosofia surgiu no começo do século XX, nos EUA. Contrários ao modelo europeu de ensino, muito antiquado e preso à tradição, nós desenvolvemos uma forma de trazer filosofia de qualidade para todos que possam pagar por ela. Em nossas lojas, vendemos filósofos para todos os gostos: Descartes para os clientes mais conservadores, Maffesoli para os ciber-modernosos e Derrida para aqueles com problemas de adaptação social. Além disso, temos outros produtos como barbas postiças e óculos de aro grosso, para tornar a imersão do cliente no mundo da filosofia ainda mais completa. Atualmente, nosso campeão de vendas é o Mc Niilismo Infeliz uma caixinha lúgubre que contém as últimas obras de Nietzsche e uma cartela de Prozac como brinde. Muitos nos acusam de diluição e propagação de pensamentos de qualidade duvidosa. Alguns chegam mesmo a insistir que o “Mc” de nosso nome vem de Marilena Chauí. Porém, isso tudo não passa de conjecturas infundadas. Na verdade, nós só trazemos benefícios à sociedade. Hoje em dia, qualquer um pode ser um bom escritor. Basta vir aqui para uma simples refeição e sair com uma tese de doutoramento completa. Além disso, tem também o fato de sermos uma empresa com responsabilidade social. Distribuímos bolsas para jovens clientes com talento para a reflexão ou para a escravidão. Eu, hoje apenas um desses bolsistas, com muito esforço e trabalho posso, quem sabe, um dia ser chefe de setor e coordenar meu próprio grupo. Nosso cardápio conta com muitas novidades. A linha old fashioned burgers, que vem com o melhor da filosofia antiga, de Platão a Aristóteles, tudo regado ao delicioso molho de cicuta. O McHóstia com as obras dos santos filósofos e um churrasquinho à moda da Inquisição. E, para acompanhar tudo isso, um Schopenhauer bem gelado. Neste mês, temos a promoção ABC dos Filósofos: o cliente que conseguir soletrar os nomes de Heidegger, Husserl, Nietzsche e Kierkegaard ganha um mini-filósofo que recita os diálogos de Platão em grego arcaico. Não perca tempo, peça pelo número. Kant 1, 2 ou 3? ia of os Fil de Filosofi a não en che bar riga de ninguém A re filosofia de de fastfo de açõ sofre uma a od de alg v e r e c la m s judiciais. A alanche qua uns diálogos nto pe ação princip a rcebi já de Platão e estabe lecimen é q u e e s s l t o d a a tinha gos, e s co obra tos, co c a lh a m mpleta d e H e lido tas e o psiquiatras, p m seu a ç o s in utro s ic g hiperc dignad s genero e l” , a Um a o póiam a s médicos de analisalega p r o v o c m p le x o s , e s o s e tado levantamen . doidos e x istên não Fa a s to apre p e r d a n d o n a p o t a r ia m Med na semana p sen- te st-Food de cia da rede de qualquer me ser necess a p F ária dida pre ic s d n u il a s e h o a l a l a o s c d ç o o d E ap a ã o (M fi m suicídio EC) dis nvironment C pelo c o m o que me queix a. “Não o p panhamento ventiva ou , além e t it e s e x u a a m e p e a sociais l d g a , n r é , a rou um de dis ter de enda dico pa estou ntismo toda d ze ra O c m alerta pede u e toda ordem túrbios com a população a Sab mbro do ano h e i a a t é m lavo de Carv órbido. Para . “A gen . m sim o D ó e a e rg lho, dir arketin acordo co m o é que ve ão, ma te hom ples e Schope g da etor : ele is d m. ns e depo n ens e is prec s lêem Sartre só uma fa empresa, es de 33% d e 47% dos R$ 0,5 hauer e eles, aio de do 0, nos m a s sa é is B p e s é a o r a d m m r m d s ic m o e u il a” ais gr nto no lheres de aju empurr aprese Tratact au da am rmal d desenvolvilista so confessa um n u rridente psicana seguida pe a uma ex s Filosoficus” todo o um de pedantism tam algum doen lo ção de . q academ Já a associa - pela vida total desintere ça, n ã o p dona de casa reclama mas uarto da popu o, e quase a i m que ho c erde la sse a f i u rm s u ç s li n ã de gin uicíd na a q dan o, ta je sofr Bergm an. “Eu u m f il m e e de pe quanto fem nto m a l e s ue grande p ástica preo io. Não há a e pelo de i a comece dantism nina, c O ass ingestã p r o v o c a d o rte dos mia upar. Para porque se i com o mó ele , só se fo o de filo s pel de. A as unto divide a rbido. p a s r a de P , “acadeo o ten fia s sociaçã latão”. o de ps ocieda- exerc cializados pe barata são icólo la falta ício. E m s de rede de Fast-Fo ua defesa, a od de F ilosofia Fraude 38