crianças e internet: usos e representações, a família e a escola
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crianças e internet: usos e representações, a família e a escola
CRIANÇAS E INTERNET: USOS E REPRESENTAÇÕES, A FAMÍLIA E A ESCOLA Relatório do Inquérito Dezembro de 2008 Ana Nunes de Almeida (coord.) Ana Delicado Nuno de Almeida Alves Índice Introdução 3 Alguns desafios à partida 4 Metodologia 7 Principais resultados 1 Acesso à internet 12 1.1 Utilização da internet 12 1.2 Tempo de utilização da internet 16 1.3 Computador e internet em casa 21 1.4 Frequência de uso da internet em casa 38 1.5 Outros locais de uso da internet 43 2 Internet na escola 52 2.1 As TIC na escola: Portugal e a Europa 52 2.2 Frequência de uso da internet na escola 57 2.3 Modos de uso da internet na escola 60 2.4 Disciplinas em que a internet é usada 61 2.5 Usos da internet nas aulas 64 3 Usos da internet 68 3.1 Fontes de saber 68 3.2 Tipos de uso da internet 85 3.3 Sites visitados 93 3.4 Comunicação 117 4 Normas e valores 124 4.1 Regras de utilização da internet 124 4.2 Controlo das páginas visitadas 129 4.3 Medos 135 4.4 Representações sobre a internet 145 5 Notas finais 166 Referências bibliográficas 170 Anexos: A. Lista de escolas participantes 174 B. Amostra de escolas 180 C. Guião do inquérito e formulários de consentimento 186 D. Amostra do inquérito 202 E. Quadros 206 2 Introdução Executado cientificamente no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, o projecto “Crianças e Internet: usos e representações, a família e a escola” procura apreender a presença e as apropriações da internet no quotidiano das crianças em Portugal, em casa e na escola. Inspirando-se em investigaçoes realizadas desde 2001 na Universitat Operta de Cataluña, tem ainda como objectivo enriquecer este conhecimento com a introdução de propostas trazidas para a sociologia pelo “novo paradigma da infância”. Considerando a criança um actor competente, produtora e intérprete activa do seu quotidiano, pretende-se (dando-lhe voz) descrever, caracterizar e interpretar os usos que faz e as representações que constrói sobre a internet, a partir de dois cenários educativos entre os quais circula, a família e a escola, dos quais aliás emergem lógicas que nem sempre coincidem entre si. O projecto desenvolve-se em dois anos (2008-2010), correspondentes a duas fases metodologicamente distintas. No primeiro, prevê-se uma abordagem extensiva e a aplicação de um inquérito por questionário a uma amostra estratificada de alunos de turmas do ensino básico (1º,2º e 3º ciclos), a frequentar escolas públicas e privadas do Continente. No segundo, uma abordagem compreensiva e a realização de entrevistas em profundidade a uma amostra qualitativa de franjas de crianças (diferenciadas por idade, origens familiares, condições de género e pertença étnica), bem como a seus professores e pais. Este projecto pode inaugurar uma promissora linha de pesquisa em Portugal, que entrelaça (e renova) os contributos dos estudos sobre a sociedade de informação e os estudos sobre a infância. A ampla divulgação dos resultados poderá contribuir para um melhor conhecimento público sobre os usos da internet em Portugal, a sua expansão e apropriação pelas crianças em contexto familiar e escolar. Considerou-se a idade como um critério de referência incontornável para distinguir a população infantil. Em estudos sociológicos, a criança é quase sempre considerada o indivíduo entre os 0 e os 14 anos, juntando-se não raro a este critério biológico o da condição escolar, elemento decisivo na construção da norma da infância moderna. Assim, grosso modo, esta pesquisa foca crianças que frequentam os 3 ciclos da escolaridade obrigatória. Mais detalhadamente, são portanto objectivos do projecto: - captar os modos de transmissão dos saberes que as crianças detêm sobre o computador e a internet - momentos, fontes, lugares, protagonistas e actores dessa aprendizagem; 3 - descrever os contextos do quotidiano em que ocorre o uso de um equipamento como o computador e o acesso que ele proporciona à internet – espaços, tempos, ritmos e condições de utilização (a solo, em grupo, em rede, etc), combinações com o uso de outras tecnologias; - compreender os objectivos da sua utilização: a internet como objecto de saber, como instrumento de trabalho (para a escola, para a família), como elemento lúdico ou de construção de uma cultura infantil e de pares. - reconstituir o universo das representações infantis sobre a internet, nomeadamente no que respeita o seu impacto na construção da relação educativa com os adultos (pais, professores), na percepção do estatuto da infância e da adultez. - perceber e explicar como os usos e as representações da internet variam, nas crianças, consoante as franjas etárias consideradas, a condição de género, a origem socio-familiar ou regional, a pertença étnica. Reportando-se também ao universo dos adultos (pais e professores), o projecto pretende confrontá-los, numa segunda etapa, com os testemunhos recolhidos junto dos respectivos filhos e alunos. O objectivo é entender e explicar a proximidade/distância entre discursos de uns e de outros, de modo a obter informação relevante sobre as modalidades de apropriação específica que crianças e adultos fazem da internet, bem como dos circuitos de comunicação e autoridade que se estabelecem entre ambos a seu propósito. O presente relatório contém a informação produzida a partir do inquérito por questionário aplicado a crianças do ensino básico. A apresentação dos dados estruturase em 4 secções: acesso à internet, a internet na escola, usos da internet e normas e valores. Em anexo são apresentados os detalhes metodológicos (amostra de escolas, amostra de inquiridos, guião de inquérito) e os quadros com os apuramentos e testes estatísticos. Alguns desafios à partida Este projecto elege como objecto de estudo as práticas e representações infantis sobre a internet, procurando entrelaçar duas áreas de pesquisa emergentes no campo das ciências sociais: aquela que foca a sociedade de informação e a que elege a infância. Em contraposição explícita ao paradigma biológico e psicológico que a tomam como um dado natural (Prout: 2005), a nova sociologia da infância encara-a como uma construção social, fruto do tempo e do espaço. “Childhood is to be understood as a social construct” (Jenks: 1992). Postular a natureza histórica e cultural da infância implica, também, a consideração da heterogeneidade interna das experiências infantis. 4 Variáveis como o sexo, a classe social, a etnia da criança, ou mesmo o seu grupo etário de pertença, introduzem relevo e diferença num cenário desigual. A heterogeneidade das condições da infância revela-se com particular evidência numa sociedade como a portuguesa, caracterizada pela sua modernidade inacabada (Viegas e Costa: 1998). Comparativamente a outros países europeus, Portugal entra tarde na modernidade, mas quando o faz manifesta-o em mudança rápida e intensa. Esta nem sempre significa um corte abrupto entre o passado e o presente: traços do passado são transportados para o presente e reconfigurados em arranjos híbridos. Os seus ritmos, timings e intensidades oscilam consoante a área geográfica do País, os grupos sociais em que ocorrem, e também consoante os níveis da realidade a que nos reportemos: uma coisa são práticas, outra valores e representações. As crianças portuguesas podem viver, assim, experiências de infância díspares: entre aquelas cujo quotidiano decorre em contextos de pré-modernidade (marcados pela exclusão, pobreza) e as franjas pósmodernas (construtoras e participantes activas, por exemplo, da sociedade de informação) e as típicas crianças-aluno da modernidade escolar (Almeida e Vieira: 2006). Outro princípio fundador tem a ver com a defesa de que as relações sociais entre as crianças merecem ser estudadas por direito próprio, a partir do seu campo, independentemente da perspectiva que os adultos têm sobre elas. Ligada à anterior, surge a ideia de que a criança deve ser encarada “as a being in the present” e não apenas como “adult in the making” (Harden: 2000), “projecto de ser” (Soares: 1998), “momento precursor” (Sirota: 1998). Num “tempo de incertezas” em que as formas de vida adulta se flexibilizaram, tanto na família incerta como no mercado dos empregos competitivos e precários do mundo globalizado, é a própria noção de adulto-padrão, como entidade de contornos acabados, que carece de crítica (Lee: 2005). Considerar que as crianças têm uma visão consistente do mundo que as rodeia impõe a prioridade metodológica de lhes dar voz (na investigação) e as considerar informadoras credíveis sobre as suas vidas e os significados que lhes atribuem. São sujeitos competentes de produção de vida social, “actores da sua socialização”, “actores de corpo inteiro”. Este projecto dá-lhes justamente esse estatuto, elegendo-as como unidade de análise e recolhendo o seu testemunho de forma directa e não a partir das considerações que sobre ele fazem os adultos por elas responsáveis. Usos e representações da internet são, aqui, ditos pelos seus próprios protagonistas. A inovação tecnológica e o acesso ao ciber-espaço (na escola, mas sobretudo em casa) parecem justamente encontrar um terreno fértil de expansão entre as crianças. Vários autores têm sublinhado que estas novas práticas vêm perturbar a clareza da distinção tradicional entre espaço privado/protector e espaço público/predador (Valentine et. al.: 5 2004), bem como problematizar a relação educativa tradicional entre a criança (que parece exibir poderosas formas de literacia sobre os media) e o adulto (pai, professor, que parece incapaz de as dominar com semelhante mestria) (Renaut: 2002). A própria situação de a criança se poder tornar, através do acesso às novas ferramentas, um comunicador autónomo (na rede de pares, no ciber-espaço) ou mesmo um produtor cultural por direito próprio traz desafios novos a esta relação. Outros autores, ainda, insistem na importância que estas novas tecnologias podem assumir na pedagogização do quotidiano familiar de franjas das classes médias, todo ele centrado numa aposta, cada vez mais precoce e duradoura, no sucesso escolar das crianças. Através dos media digitais, conseguem transformar-se, no espaço doméstico, actividades lúdicas e sociais das crianças em tarefas úteis do ponto de vista educativo (Buckingham: 2007). Aos interesses dos pais juntam-se os de uma indústria que vê na procura familiar deste mercado de bens e serviços uma oportunidade única de expansão e de lucro. As crianças/adolescentes e a sua relação com a internet têm portanto constituído tema de particular interesse para estudos efectuados nos últimos anos (ex: Normand e Souza 2000; Lenhart et al 2001; Bevort e Bréda, 2001; Livingstone, 2005 e 2006; Clark, 2001, Sigalés et. al., 2007; Piétte et. al, 2007), nomeadamente no âmbito da articulação entre o uso da internet e a vida familiar e quotidiana, as sociabilidades infanto-juvenis, os processos de aprendizagem na escola, as oportunidades e os riscos associados à navegação. Em Portugal, a questão continua escassamente estudada, notando-se que desponta recentemente em alguns trabalhos académicos (na área da educação) que se baseiam porém em amostras não representativas e subnacionais (Ponte e Vieira: 2007). Assinale-se, em particular, o estudo de P. Abrantes realizado em 2001 (Abrantes, 2002), aliás anos antes do processo de massificação das TIC entretanto ocorrido; outro de âmbito muito circunscrito (Reia-Baptista et. al. 2006); mais recentemente, a integração de uma equipa portuguesa no projecto europeu EU Kids on Line traduziu-se num promissor contributo (em reflexão teórica e recolha de evidência empírica) em torno da análise comparativa de oportunidades e riscos, experimentados pelas crianças na internet em contexto europeu (Livingstone et. al: 2008). A propósito de alguns dos trabalhos em voga, D. Buckingham (2006, 2007) alerta para o perigo de visões “essencialistas”, “deterministas” e “unidimensionais” sobre o papel destas novas tecnologias. Ora, em tom pessimissta, como causadoras da “morte da infância”, da dependência da máquina, dos valores culturais e humanistas, dos laços sociais vinculativos. Ora, em tom optimista, como criadoras de uma jovem “geração tecnológica”, naturalmente caracterizada por um “passionate love affair with computers”, que através deles se liberta das antigas formas reprodutoras de ensino. Os computadores e a internet parecem proporcionar, na óptica de outros, um contraste 6 entre a “geração TV” e a “geração digital” (Tapscott in Buckingham: 2007). Os dois media produziriam atitudes infantis opostas: o primeiro gera passividade, conformismo, apatia; o outro favorece a pró-actividade, revela-se intelectualmente estimulante e criativo. Contudo, Buckingham assinala as limitações deste determinismo tecnológico que surge como uma força natural e autónoma que actua de fora para dentro das relações sociais existentes. Estas perspectivas negligenciam, afinal, os contextos sociais em que as novas tecnologias são usadas, esquecem diferenças que contam (rapazes/raparigas, ricos/pobres) no seio da mesma sociedade ou entre sociedades distintas. O conhecimento da sociedade portuguesa nesta matéria e a comparação com os seus parceiros internacionais aconselham vivamente a replicação em Portugal de estudos similares. Por último, e na esteira de B. Lahire, é importante encarar a criança como actor plural, produto de uma socialização em contextos sociais múltiplos, através da qual incorpora uma multiplicidade mais ou menos durável e intensa de esquemas de acção que se organizam em tantos reportórios quanto os contextos sociais que aprende a distinguir através das suas experiências anteriores. É na complexidade e “pluralidade disposicional” deste actor que se encontra o caminho para a renovação teórica (Lahire: 2001). O desafio torna-se, então, o de focar o olhar nos mesmos indivíduos (as crianças) que atravessam uma pluralidade de cenas e contextos diferentes, entre a escola e a família. A pretexto, no caso deste projecto, dos usos e representações da internet. Metodologia A primeira fase deste projecto de investigação, desenvolvida no 1º ano de execução, privilegia uma abordagem extensiva e a aplicação de um inquérito por questionário a uma amostra de alunos de turmas do ensino básico (1º,2º e 3º ciclos), do ensino público e privado, residentes no Continente (3039 inquiridos). Do ponto de vista do conteúdo, privilegia-se a obtenção de informação sobre modalidades de transmissão de saberes técnicos, os contextos do quotidiano em que ocorre o uso do computador e da internet (espaços, tempos, ritmos e condições de utilização - a solo, em grupo, em rede, etc), a sua combinação com o uso de outras tecnologias, entender os objectivos da sua utilização. De acordo com os objectivos deste projecto de investigação, a população alvo do inquérito consiste maioritariamente nas crianças e jovens entre os 10 e os 15 anos (ainda que, como adiante se verá, o inquérito tenha acabado por abranger crianças dos 8 anos 17 anos) dos 3 primeiros ciclos de escolaridade. Tal justifica-se por várias razões. Trata-se, em primeiro lugar, de um estrato da população que não é usualmente 7 abordado nos processos de inquirição já estabilizados sobre a utilização da internet por parte da população portuguesa, sendo estes habitualmente representativos da população entre os 15 e os 74 anos (INE, Inquérito à Utilização da Internet pelas Famílias 2002-2007). Retirar as crianças da quarentena estatística a que habitualmente são votadas é um esforço inovador que pode trazer luz sobre comportamentos emergentes mas ainda relativamente desconhecidos. Em segundo lugar, trata-se, hipoteticamente, de um estrato da população com tipologias de utilização da internet já razoavelmente sofisticadas que importa conhecer, ao contrário do padrão médio de utilização por parte de crianças mais novas, com usos provavelmente mais incipientes destas ferramentas electrónicas. Em terceiro lugar, permite observar e testar diferenças no padrão de utilização das TIC (nas suas mais diversas gamas de utilização, desde o uso lúdico e comunicativo ao educativo e informacional) à medida da progressão dos níveis de ensino e correlatos processos de aprendizagem, entre as crianças que frequentam o 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico. Tomando em consideração as características muito específicas desta população alvo, considerou-se que o local privilegiado para a realização do trabalho de campo era o estabelecimento de ensino que frequentam. A escola foi entendida como ponto de contacto ideal por razões operacionais e de contenção de custos, uma vez que não só potencia a concentração de inquiridos num só local (sala de aulas) como rentabiliza o número de indivíduos inquiridos através do estabelecimento de um só contacto com o conselho executivo do agrupamento/escola. A alternativa, por meio de entrevista pessoal a crianças e jovens neste segmento etário, conduzida por trabalho de campo porta a porta, seria significativamente mais onerosa em termos de custos e tempo consumido. Foi obtida a necessária autorização por parte da Direcção Geral do Desenvolvimento e Inovação Curricular para a realização deste inquérito (Despacho nº 15847/2007, Ministério da Educação, DR, 2ª série – nº 140, 23 Julho 2007). De entre o conjunto de indivíduos entre os 10 e 15 anos, frequentadores de estabelecimentos de ensino dos três ciclos do ensino básico, foi considerado pertinente inquirir as crianças que actualmente frequentam os anos terminais de cada ciclo (4º, 6º e 9º anos de escolaridade). Tal justifica-se não apenas pela razão já referida acima (abranger crianças acima de um certo limite de idade e que já estivessem familiarizadas com os recursos disponíveis da escola que frequentavam, comparação das utilizações dos frequentadores dos vários ciclos de ensino) mas também por causas operacionais. As três turmas seleccionadas pertenceriam necessariamente a um mesmo agrupamento de escolas (opção que permitia decrescer os custos e a duração do processo de inquirição), o que na maioria dos casos implicou a aplicação do inquérito em duas escolas por agrupamento (uma escola básica do 1º ciclo e uma escola básica do 2º e 3º 8 ciclos) e em apenas em 5 casos numa única escola (escola básica integrada ou colégio público). Tendo em conta os objectivos deste projecto de investigação, não se entendeu necessário que o conjunto de indivíduos inquiridos constituísse uma amostra representativa da população em estudo (crianças entre os 10 e 15 anos residentes no Continente). Não se pretendeu igualmente assegurar a representatividade da população frequentadora dos anos terminais de cada um dos ciclos de ensino. Procurou-se apenas inquirir um conjunto de indivíduos que constituísse uma parcela suficientemente alargada, territorialmente dispersa e socialmente diversa de crianças entre os 10 e os 15 anos. No quadro destes objectivos, considerou-se ajustada a elaboração de uma amostra não aleatória de 50 escolas/agrupamentos1, a que corresponderiam 150 turmas (aproximadamente 3000 inquiridos), estratificada em função da proporcionalidade do número de indivíduos entrevistáveis de acordo com a sequência dos seguintes critérios: tipo de ensino (público ou privado), região e características sócio-económicas da localidade (poder de compra e nível médio de escolaridade do concelho ou freguesia)2. A selecção nominal de escolas no quadro destas freguesias e concelhos processou-se a partir das listas de agrupamentos/escolas das 5 Direcções Regionais de Educação. Tendo a aplicação do inquérito na amostra inicial decorrido de forma mais célere que o antecipado, foi decidido incluir um segundo grupo de 10 escolas/agrupamentos, de forma a aumentar o peso do ensino privado e das regiões mais populosas e diversas (áreas metropolitanas de Lisboa e Porto). Foi feito um primeiro contacto por carta, com os agrupamentos/escolas, no qual se solicitava a indicação de uma pessoa de contacto e de uma listagem de turmas do 4º, 6º e 9º anos e respectivo número de alunos. O sorteio das turmas a inquirir foi feito a partir desta listagem. Apenas em 9 casos foi necessário substituir a escola seleccionada, por não aí não existir um dos graus de ensino pretendidos. Foram em seguida enviados por correio, para as escolas e turmas sorteadas, formulários de consentimento a serem preenchidos pelos encarregados de educação dos alunos. Os formulários de consentimento para as crianças foram distribuídos no momento inquirição, imediatamente antes de receberem o questionário3. O guião do questionário4 foi construído com base em estudos anteriores (Sigalès et al 2007; Bevort e Bréda 2001; Piétte et al 2007). Foram formuladas questões sobre as práticas de utilização da internet, a frequência e modalidades de uso na escola e em 1 Ver listagem no Anexo A. Ver detalhes da constituição da amostra no anexo B. 3 Ver Anexo C. 4 Ver Anexo C. 2 9 casa e as representações sobre a internet. Dada a idade dos inquiridos, optou-se por uma estrutura de questionário simplificada, com poucos filtros, sustentada sobretudo em variáveis dicotómicas. Esta escolha tem, no entanto, consequências sobre o tratamento estatístico dos dados, limitando o número e tipo de apuramentos e testes passíveis de ser executados. Há também que referir que a opção pelo auto-preenchimento do questionário pelas crianças tem a vantagem de lhes conferir maior liberdade de resposta, mas eventualmente reduz a fiabilidade de alguns dados. O mesmo guião, construído com base numa linguagem-padrão uniforne, foi aplicado a crianças com características etárias e competências cognitivas heterogéneas, facto que certamente revelará desajustes de compreensão, de manuseamento, para certas das suas franjas. Foi um risco explicitamente avaliado e corrido, apesar do extremo cuidado posto na redacção e conteúdo das perguntas, no desenho do formato do guião: a autonomia no preenchimento directo foi preferida ao recurso presencial de um adulto “perguntador” ou “explicador”. O tratamento dos resultados permitiu observar algumas inconsistências nas respostas, que vieram a condicionar as interpretações da informação e levaram mesmo ao abandono de algumas questões. O trabalho de campo decorreu entre 29 de Abril e de 16 de Junho 2008 e esteve a cargo da empresa TNS. A taxa média de resposta cifrou-se em 78% (tendo por base o somatório de alunos de todas as turmas). Foram recebidos 3049 questionários, dos quais 10 foram excluídos por os respondentes terem mais de 17 anos (não se enquadrando pois na definição prévia de criança). A amostra deste inquérito é portanto composta por 3039 casos5. A base de dados resultante do inquérito foi tratada em SPSS, tendo sido efectuados os seguintes procedimentos estatísticos (Tabela 1): 5 Sobre a composição interna da amostra do inquérito, ver Anexo D. 10 Tabela 1 Procedimentos estatísticos Apuramentos Testes Estatística Frequências univariada Médias Estatística bi- Cruzamentos com variáveis X2, V de Cramer variada independentes: género, idade, ano Independent Sample T-test de escolaridade, tipo de ensino, ANOVA região, escolaridade dos pais, categoria sócio-profissional dos pais, tipo de agregado doméstico Estatística multi- Análise de factorial de variada componentes principais Análise de Clusters Ao longo deste relatório apenas são apresentados quadros e figuras respeitantes a variáveis cujas associação é estatisticamente significativa (p<0,005), qualquer que seja o seu grau de associação (medido pelo V de Cramer)6. No anexo E são apresentados os quadros detalhados, com os valores das variáveis e dos testes efectuados. Por fim, há a referir que este inquérito é apenas a primeira fase de um projecto de investigação, que se socorrerá igualmente de metodologias qualitativas (entrevistas a crianças, pais e professores), pelo que muitos dos temas aqui abordados à superfície e de forma exploratória serão necessariamente conferidos e aprofundados na segunda fase desta investigação. 6 Verificar-se-á no Anexo E que, dada a forte homogeneidade das respostas, o grau de associação é geralmente fraco (inferior a 0,5). 11 1 Acesso à Internet 1.1 Utilização da internet A internet tornou-se, ao longo dos últimos anos, um instrumento de uso quotidiano para uma parcela significativa dos indivíduos nas sociedades contemporâneas. Dos estudos europeus publicados sobre o assunto, sabe-se que esse crescimento recente tem sido, por um lado, exponencial. Por outro, que as taxas mais elevadas de utilização se registam entre os segmentos mais jovens e escolarizados das populações, tendo uma parte expressiva destes já crescido ou efectuado o seu período de formação escolar em situação de co-presença com as tecnologias da informação e da comunicação. Os dados mais recentes de utilização da internet em Portugal e na média da União Europeia apontam para taxas iguais ou superiores a 90% de utilizadores entre os indivíduos mais jovens (Eurostat, 2008)7. Neste cenário, não é de estranhar que se verifiquem 99% de utilizadores da internet entre as crianças abrangidas por este inquérito (ver Q 1.1.1), justificando-se tal não apenas pela apetência deste segmento da população relativamente à utilização deste serviço, como também pelas acções recentemente empreendidas pelo governo português em matéria de acessibilidade à internet de escolas e alunos. Incluem-se aqui o Plano Tecnológico da Educação e os programas e-Escola e e-Escolinha, relativamente aos equipamentos escolares e à distribuição subsidiada de computadores e serviços de ligação à internet pelos alunos dos três níveis do ensino básico e secundário. Q 1.1.1 Alguma vez utilizaste a Internet? Sim Nº % 2997 98,6 N = 3039 No entanto, apesar da quase unanimidade em torno do uso da internet entre os inquiridos, verificam-se algumas variações estatisticamente significativas. Ao contrário do habitualmente verificado para a generalidade dos utilizadores e mesmo dos resultados de outros estudos europeus para franjas estárias semelhantes, o acesso à internet não apresenta variação segundo o género entre os mais jovens8. 7 Dados anteriroes do Eurobarómetro de 2005, coligidos e discutidos pela equipa de Livingstone, revelam uma realidade bem contrastante com a actual, sinal da veloz e recente expansão das novas tecnologias no País. Portugal incluía-se, então, num 3º grupo de países da UE25, onde a internet era usada apenas por 39% das crianças/jovens até aos 18 anos (Livingstone et.al: 2008). 8 Ver, por exemplo, os dados relativos à utilização da internet por sexo apurados pelo Inquérito à Utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação pelas Famílias – 2008 do INE, ou o Relatório 12 Por outro lado, é entre as crianças mais novas, dos oito aos dez anos, que se encontram os poucos casos de não uso da internet, embora o seu número seja diminuto (F 1.1.1). As figuras seguintes sugerem que se tratam efectivamente das crianças mais jovens, frequentadoras do primeiro ciclo do ensino básico (F 1.1.2) e com origens familiares localizadas nos estratos mais desfavorecidos do ponto de vista escolar (F 1.1.3) e socioeconómico (F 1.1.4). Trata-se, provavelmente, de um conjunto de crianças relativamente ao qual a Escola, por uma qualquer dificuldade localizada, não conseguiu cumprir o seu papel de parcial corrector das desigualdades sociais ou de fornecedor supletivo de acesso a equipamentos e serviços que a família não possui nem é capaz de prover. F. 1.1.1 Utilização da internet por escalões etários (%) 100,0% 100,0% 13 a 14 anos 15 a 17 anos 99,4% 96,0% 8 a 10 anos 11 a 12 anos do PIC (Project Internet Catalonia). School in the network society. The internet in the area of nonuniversity education. (Research Report). Barcelona, UOC: 2004). 13 F. 1.1.2 Utilização da internet por ano de escolaridade (%) 99,7% 100,0% 96,0% 4º Ano 6º Ano 9º Ano O resultado maior a ter em conta, no entanto, é o acesso muito alargado das crianças portuguesas à internet, independentemente das características socioeconómicas das respectivas famílias. Será crucial observar, porém, se este acesso quase universal se traduz, a jusante, por padrões semelhantes ou pelo contrário diversificados de utilização da internet. Ou seja, num cenário em que as desigualdades sociais não parecem jogar-se tanto à entrada do sistema, será que elas se transferem para o seu interior, estruturando-o em oportunidades mais ou menos amplas, usos mais ou menos sofisticados e plurifacetados, mais ou menos competentes da internet, os quais recobrem franjas de crianças com perfis sociais distintos? Estudos europeus revelam justamente novas modalidades da clivagem digital, não tanto entre os que possuem e os que não possuem internet, mas entre as muito diversas modalidades do seu uso (Livingstone et. al: 2005). 14 F.1.1.3 Utilização da internet por escolaridade dos pais (%) 99,3% 99,4% 99,7% Intermédia baixa Intermédia Intermédia alta 99,4% 96,2% Elementar Superior F.1.1.4 Utilização da internet por categoria sócio-profissional dos pais (%) 99,7% 99,4% 98,4% 97,7% 97,3% Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas A distribuição da utilização segundo as regiões de origem das crianças assume uma feição semelhante à variabilidade determinada pelas suas características demográficas. Regista-se uma taxa próxima da plenitude de utilização da internet em todas as regiões à excepção do Interior Norte do país, que concentra a quase totalidade das crianças não utilizadoras da internet inquiridas (F 1.1.5). O aprofundamento desta informação indicou que se verifica alguma concentração numa escola de um concelho mas tal não ultrapassa 1/4 do total de não utilizadores, afastando-se assim a possibilidade de estes 15 dados serem originados pela ocorrência de um problema técnico. Os restantes não utilizadores encontram-se dispersos pela região referida. F.1.1.5 Utilização da internet por região (%) 99,6% 99,1% 99,0% 98,6% 98,6% 93,5% Norte litoral Norte interior Área Metropolitana do Porto Centro Área Metropolitana de Lisboa Sul 1.2 Tempo de utilização da internet Se a experiência de uso da internet é quase universal entre as crianças estudadas, já a duração dessa experiência apresenta variação. Dois terços das crianças inquiridas já usam a internet há pelo menos três anos e um terço já o faz há mais de cinco anos (Q 1.2.1). Q 1.2.1 Há quanto tempo usas a internet? Nº % Menos de 1 ano 397 13,3 Entre 1 e 2 anos 634 21,3 Entre 3 e 4 anos 917 30,8 Há 5 anos ou mais 1031 34,6 Total 2979 Dada a natureza desta variável (por intervalos) é possível realizar testes à diferença de médias, que demonstram as diferenças entre segmentos da amostra. Assim, verifica-se 16 que, como seria de esperar, as crianças mais velhas utilizam a internet há mais tempo (F 1.2.1). F. 1.2.1 Tempo de uso da internet por escalão etário 3,13 3,18 13 a 14 15 a 17 2,84 2,52 8 a 10 11 a 12 Valores médios entre 1 (Menos de 1 ano) e 4 (Há 5 anos ou mais) Consentaneamente, as crianças que frequentam níveis de escolaridade mais avançados também tendem a utilizar a internet há mais tempo (F 1.2.2). F 1.2.2 Tempo de uso da internet por ano de escolaridade 3,23 2,82 2,54 4º 6º 9º Valores médios entre 1 (Menos de 1 ano) e 4 (Há 5 anos ou mais) No que respeita ao tipo de ensino frequentado, as crianças no ensino privado tendem a utilizar há mais tempo a internet que as suas colegas do ensino público (F 1.2.3). Tal 17 dever-se-á mais ao peso da classe social da família de pertença da criança do propriamente ao maior uso da internet como ferramenta no ensino nas escolas privadas. F 1.2.3 Tempo de uso da internet por tipo de ensino 3,1 8 2,7 7 Pub Priv Valores médios entre 1 (Menos de 1 ano) e 4 (Há 5 anos ou mais) O efeito do factor classe social é notório quando se analisa o tempo de utilização da internet por nível de escolaridade dos pais: existe uma associação positiva entre as variáveis, ou seja, quanto mais escolarizados os pais mais provável é as crianças utilizarem a internet há mais tempo (F 1.2.4). 18 F 1.2.4 Tempo de uso da internet por nível de escolaridade dos pais 2,93 2,60 2,63 Elementar Intermédia baix a Intermédia 3,04 Intermédia alta 3,1 5 Superior Valores médios entre 1 (Menos de 1 ano) e 4 (Há 5 anos ou mais) De igual forma, as crianças cujos pais são empresários, quadros superiores ou desempenham profissões intelectuais, científicas e de enquadramento tendem a utilizar a internet há mais tempo que os filhos de operários ou trabalhadores administrativos (F 1.2.5). F 1.2.5 Tempo de uso da internet por categoria sócio-profissional dos pais 3,1 2 3,1 0 2,7 8 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativ os e v endedores 2,62 2,53 Trabalhadores ex ecutantes pluriactiv os Operários, Operadores e Condutores de Máquinas Valores médios entre 1 (Menos de 1 ano) e 4 (Há 5 anos ou mais) São ainda identificáveis algumas variações por região: as crianças da área metropolitana de Lisboa utilizam, em média, a internet há mais tempo e as crianças do Norte litoral há menos tempo (F 1.2.6). 19 F 1.2.6 Tempo de uso da internet por região 2,98 2,86 2,87 Norte interior Área Metropolitana do Porto 2,95 2,83 2,51 Norte litoral Centro Área Metropolitana de Lisboa Sul Valores médios entre 1 (Menos de 1 ano) e 4 (Há 5 anos ou mais) No que respeita aos diferentes tipos de agregado doméstico, são as crianças que vivem em famílias recompostas que tendem a utilizar a internet há mais tempo e as crianças que residem “outros contextos” (instituições, famílias de acolhimento) aquelas que iniciaram o seu uso mais recentemente (F 1.2.7). F 1.2.7 Tempo de uso da internet por tipo de agregado doméstico 2,98 2,93 2,87 2,78 2,51 Biparental Monoparental Recomposta Alargada Outros Valores médios entre 1 (Menos de 1 ano) e 4 (Há 5 anos ou mais) Se, como vimos anteriormente, o acesso e a utilização da internet já se encontram muito disseminados pela população em estudo, quando procuramos qualificar essa acessibilidade em termos de experiência de utilização vemos o quão determinante continuam a ser as condições materiais e escolares da família de origem para condicionar um maior ou menor tempo de uso da internet – tanto mais quanto a 20 capacidade aplanadora da escola e das políticas públicas na disseminação do acesso à internet são factos relativamente recentes no sistema de ensino português. As crianças mais experientes na utilização da internet (em termos de anos de utilização) são tendencialmente as mais velhas, a frequentar o terceiro ciclo de ensino e o ensino privado, com progenitores mais qualificados do ponto de vista escolar e profissional. Como veremos a seguir (F 1.2.8), um tempo mais longo de experiência de uso da internet é largamente tributário da existência anterior de computador(es) e serviço de ligação à internet no espaço doméstico, seja para uso alargado do conjunto dos membros do grupo doméstico (nas famílias mais qualificadas) ou mais restrito aos seus elementos em idade escolar (junto das famílias com menores recursos materiais e escolares). F 1.2.8 Tempo de uso da internet por acesso à internet em casa 2,95 2,55 Sim Não Valores médios entre 1 (Menos de 1 ano) e 4 (Há 5 anos ou mais) 1.3 Computador e internet em casa A detenção de computador e acesso à internet em casa são variáveis cruciais para compreender a utilização da internet pelas crianças, uma vez que têm impactos acentuados na frequência e tipo de uso da internet que é feito. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística referentes a 2008 (Inquérito à Utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação pelas Famílias – 2008), 49,7% dos agregados domésticos privados no Continente detinham computador. O valor encontrado por este inquérito é substancialmente superior: 91% das crianças inquiridas afirmaram ter computador em casa (Q 1.3.1) Este aparente desencontro justifica-se pela maior probabilidade de os agregados familiares (de qualquer tipo) com crianças dependentes terem mais frequentemente computadores em casa do que os agregados familiares (de qualquer tipo) sem crianças dependentes (63% contra 37%, Eurostat: 21 2006)9. Adicionalmente, a já referida política pública de distribuição de computadores portáteis com acesso à internet a baixo custo a crianças de vários níveis de ensino poderá também ajudar a explicar a elevada taxa de posse de computador em casa. Q 1.3.1 Tens computador em tua casa? Sim Nº % 2763 90,9 N = 3039 Há ainda que referir que mais de metade das crianças inquiridas afirmam ter mais de um computador em casa (Q 1.3.2). Tal resultará de uma tendência crescente de individualização da posse dos computadores no espaço doméstico, provavelmente ligados em rede doméstica para partilha de periféricos e ligação à internet. As tecnologias da informação e da comunicação são alvo de uma utilização cada vez mais diversificada (estudo, trabalho, comunicação, lazer, etc.), tendo vindo a acomodar-se mais directamente aos diversos interesses e necessidades individuais de cada membro da família, encorajados de resto com aumentos de performance e baixas de preços constantes ao longo dos últimos anos. A coincidência destes factos com as políticas de distribuição de computadores parece ter aumentado, em larga medida, a frequência do número de alojamentos detentores de mais de um computador, especialmente nos contextos familiares com crianças em idade escolar10. Q 1.3.2 Quantos computadores tens em casa? Nº % Um 1177 44,5 Dois 827 31,3 Três 355 13,4 Quatro 174 6,6 Cinco ou mais 109 4,1 N = 2642 Registam-se diferenças na posse de computador em casa segundo o escalão etário (F.1.3.1) e, correspondentemente, o ano de escolaridade frequentado pelas crianças (F 9 Dados semelhantes foram obtidos para as famílias americanas através do Pew Project (Kennedy et al 2008). 10 O inquérito online realizado por Cardoso et al (2007) verificou uma taxa de detenção de mais de um computador em casa ligeiramente inferior. 22 1.3.2): é mais frequente as crianças mais velhas afirmarem ter computador em casa11. Note-se, a propósito, que o programa e-escolinha ainda estava não havia arrancado no momento da realização do inquérito, pelo que o efeito da distribuição subsidiada de computadores “Magalhães” ainda não havia produzido o seu efeito de generalização da posse destes equipamentos nas crianças das faixas etárias mais baixas. F 1.3.1 Posse de computador em casa por escalão etário (%) 93,1 92,2 92,0 11 a 12 anos 13 a 14 anos 87,6 8 a 10 anos 15 a 17 anos F. 1.3.2 Posse de computador em casa por ano de escolaridade (%) 94,2 92,0 86,5 4º Ano 11 6º Ano 9º Ano Resultados semelhantes foram obtidos por Reia-Baptista et al 2006. 23 Tal como já se havia verificado relativamente à posse de computador no alojamento doméstico, os resultados para a população aqui inquirida ultrapassam largamente os nacionais referentes à detenção do serviço de ligação à internet em casa. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística referentes a 2008 (INE, 2008), 43% dos agregados domésticos privados no Continente possuíam ligação à Internet. O valor encontrado por este inquérito é substancialmente superior: 79% das crianças inquiridas afirmaram ter acesso à internet a partir de casa (Q 1.3.3)12. Esta discrepância prende-se aos factores já referidos: são as famílias com crianças em idade escolar as que mais frequentemente investem neste tipo de serviço (Eurobarometer nº 248, Clark: 2001, Livingstone: 2008) e aquelas que mais beneficiaram da existência de programas governamentais de distribuição de computadores portáteis com acesso à internet a baixo custo a crianças de vários níveis de ensino. Q 1.3.3 Tens internet em casa? Sim Nº % 2392 78,7 N = 3039 É curiosa a diferença registada entre a posse de computador e a existência de ligação à internet relativamente a uma variável independente tão estruturante desta problemática como a idade das crianças ou o ano escolar que frequentam. Face à primeira detectam-se diferenças estatisticamente significativas; ora o contrário acontece com a segunda. Como entender que haja diferenças relativamente à posse de computadores entre crianças de idades diversas frequentadoras de ciclos de escolaridade distintos e o mesmo não se passe quanto à internet, uma vez que não há aqui diferenças consoante a idade/ciclo frequentado dos inquiridos? Tal sucede porque o efeito diferenciador entre as crianças que têm ou não acesso à internet em casa se processa por via da sua classe social, sendo determinantes a escolaridade e a inserção profissional dos progenitores. Quanto mais elevada a escolaridade dos pais, mais comum é o computador e o acesso à internet em casa (F 1.3.3); por outro lado, é mais frequente a existência de computador e acesso à internet nos domicílios de profissionais científicos, técnicos e de enquadramento e de empresários e quadros superiores (F 1.3.4)13. 12 Foi ainda perguntado às crianças qual o tipo de ligação à internet mas, visto que 42% declarou não saber, não foi considerado pertinente apresentar aqui essa informação. 13 Esta associação de variáveis foi também constatada para o caso do Canadá (Clark 2001), de vários países europeus (Hasebrink et al 2008: 34). 24 Há no entanto que referir que é nos agregados menos escolarizados e de profissões menos qualificadas que é mais comum a existência de computador em casa sem acesso à internet. Enquanto a posse de um computador representa uma despesa única (ou mesmo a ausência de custo quando é “herdado”, oferecido por um membro da família ou trazido de uma instituição, por exemplo o local de trabalho), o acesso à internet é uma despesa continuada no tempo, que geralmente pressupõe um compromisso de pelo menos um ou alguns anos com um operador e a aquisição de novos componentes e actualizações (Livingstone 2006). É também possível que o computador seja visto por famílias mais desfavorecidas sobretudo como um instrumento de trabalho e formação, enquanto a internet é encarada como veículo, acessório, de lazer – e portanto um “luxo” desnecessário. F 1.3.3 Posse de computador e internet em casa por escolaridade dos pais (%) 95,1 88,3 88,0 91,3 96,5 94,8 97,5 80,8 70,6 51,4 Elementar Intermédia baixa Intermédia internet Intermédia alta Superior computador 25 F 1.3.4 Posse de computador e internet em casa por categoria sócio-profissional dos pais (%) 96,9 90,8 93,8 97,5 91,1 86,1 81,8 77,3 69,2 55,9 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores internet Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas computador Apesar do poderoso efeito das variáveis clássicas de distinção social (escolaridade e profissão) na determinação da maior ou menor probabilidade do equipamento dos lares onde as crianças inquiridas residem com computadores e ligação à internet, não deixa de ser importante salientar o facto de mais de 50% dos lares de menores recursos (escolares e materiais) possuírem também estes equipamentos e serviços. Tal deve-se, porventura, à acção conjunta de múltiplos vectores: as políticas públicas de distribuição de equipamentos, a acentuada concorrência do mercado (que conduz à contínua baixa de preços de equipamentos e serviços) vêm ao encontro de uma estratégia socialmente cada vez mais disseminada, a da mobilização educativa das famílias – mesmo as menos favorecidas. Estas consideram o acesso a tais recursos como indispensável à formação e ao sucesso escolar dos seus filhos, pelo que não hesitam em lhas proporcionar e encorajar o seu uso junto dos mais novos. São igualmente encontradas diferenças relativas à região de residência da criança(F 1.3.5): a detenção de computador e acesso à internet em casa é mais frequente nas áreas metropolitanas e mais rara no norte interior, o que se deverá em parte à desigual cobertura de serviços (nomeadamente cabo e banda larga), mais deficiente fora das grandes cidades; a desigual distribuição do rendimento e das classes sociais pelo território explicam também a maior divergência das taxas de detenção de computador e internet no Norte litoral e interior. 26 F 1.3.5 Posse de computador e internet em casa por região (%) 93,5 78,4 91,7 86,8 84,6 83,5 93,9 91,6 81,2 75,1 64,2 50,9 Norte litoral Norte interior Área Metropolitana do Porto internet Centro Área Metropolitana de Lisboa Sul computador O tipo de agregado doméstico constitui também uma variável que discrimina a detenção de computador e internet em casa (F 1.3.6). Os valores são máximos nos arranjos “biparentais” e “recompostos”. É nas “outras situações” (crianças que residem em instituições, em famílias de acolhimento ou em agregados que não incluem os pais) que a posse de computador e internet em casa é menos frequente. Os agregados “monoparentais” e “alargados” têm uma taxa de acesso ligeiramente menor que os biparentais/recompostos, o que se pode associar não só aos níveis de rendimento familiar (Clark 2001), como ainda ao papel encorajador que terá a presença dos pais em casa, e em conjugalidade, no acesso dos filhos às novas tecnologias de informação e comunicação. 27 F 1.3.6 Posse de computador e internet em casa por tipo de agregado doméstico (%) 92,2 90,0 88,1 79,8 78,1 77,4 88,1 86,2 77,1 67,0 Biparental Monoparental Recomposta internet Alargada Outros computador Por fim, são identificadas variações estatisticamente significativas do acesso à internet em casa no que diz respeito ao tipo de ensino. São os alunos do ensino privado que mais estão sobrerrepresentados entre aqueles que possuem computador e acesso à internet em casa – facto que certamente se prende à sua classe social de origem, tendencialmente mais favorecida (F 1.3.7). No entanto, é este diferencial no acesso doméstico que também pode explicar algumas das variações do uso da internet entre alunos no ensino público e privado detectadas nas variáveis analisadas nas secções seguintes deste relatório. F 1.3.7 Posse de computador e internet em casa por tipo de ensino frequentado (%) 97,8 93,8 88,8 74,0 Público Privado internet computador 28 Por via do computador e da internet, as tecnologias digitais entraram no espaço doméstico das crianças e os dados recolhidos levam-nos a crer que fazem parte do quotidiano de trabalho, de comunicação e de lazer da grande maioria delas. Só a observação de práticas no terreno, ou o cruzamento destes dados com outros (recolhidos junto dos adultos, por exemplo), nos permitiriam entender de que forma essa presença terá reconfigurado ou mantido os laços educativos que ligam a criança aos seus pais (Kennedy, 2008). Contudo, a casa da família é hoje um lugar de uso e apropriação de novas tecnologias pelos mais novos. Q 1.3.4 Posse de computador com microfone e webcam Nº % Computador com microfone* 1328 43,7 Computador com webcam** 1399 46,0 * N = 2373 ** N = 2341 Outros resultados do inquérito permitem detectar esta privatização da modernidade tecnológica, bem implantada no espaço doméstico. Os computadores de quase metade das crianças inquiridas possuem webcam e microfone – e nesta franja estão representadas as mais velhas, em anos de escolaridade mais avançados, filhos de pais com níveis de escolaridade “intermédia alta” ou “intermédia”, que são ora empresários, quadros superiores e dirigentes ora trabalhadores administrativos e vendedores, residentes nas regiões Sul e Centro, na Área Metropolitana de Lisboa. Encontram-se em igual destaca as crianças que residem em famílias recompostas – sinal provável de que a internet é um veículo de comunicação frequente com o progenitor nãocoresidente ou familiares afectivamente significativos de que estão afastados. 29 F 1.3.8. Posse de computador com microfone e webcam por escalões etários (%) 58,3 61,5 62,6 61,6 64,0 62,5 53,7 45,5 computador com microfone 8 a 10 anos computador com webcam 11 a 12 anos 13 a 14 anos 15 a 17 anos N = 2356 e 2327 F 1.3.9. Posse de computador com microfone e webcam por ano de escolaridade (%) 59,8 62,8 61,9 62,4 53,6 45,7 computador com microfone 4º Ano computador com webcam 6º Ano 9º Ano N = 2373 e 2341 30 F 1.3.10 Posse de computador com microfone e webcam por região (%) 65,7 64,7 62,3 61,9 56,8 58,8 52,8 52,6 50,9 54,9 53,4 48,3 computador com microfone computador com webcam Norte litoral Norte interior Área Metropolitana do Porto Centro Área Metropolitana de Lisboa Sul N = 2373 e 2341 F 1.3.11. Posse de computador com microfone e webcam por tipo de agregado doméstico (%) 73,6 67,6 55,2 58,5 56,8 60,5 60,6 55,3 51,6 43,5 computador com microfone Biparental Monoparental computador com webcam Recomposta Alargada Outros N = 2338 e 2311 31 F 1.3.12 Posse de computador com microfone por nível de escolaridade dos pais (%) 64,6 57,8 56,6 55,8 52,9 Elementar Intermédia baixa Intermédia Intermédia alta Superior N = 2181 F 1.3.13 Posse de computador com microfone por categoria sócio-profissional dos pais (%) 60,7 56,2 59,0 53,7 48,6 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas N = 2199 As respostas a uma questão sobre as “coisas de que a criança dispõe em casa” permite aprofundar este retrato. Uma larguíssima maioria delas (valores sempre acima dos 72%) declara ter um quarto só para si, um sítio tranquilo para estudar, livros de consulta para a realização de trabalhos escolares. No que concerne outros 32 equipamentos, assinale-se a quase universalidade do telemóvel e do leitor de DVD (83%) e a disseminação ampla do leitor de MP3 (79%) ou da consola de jogos (73%). Q 1.3.5 Coisas que tens em casa Nº % Quarto só para ti 2187 72,0 Sítio tranquilo para estudar 2610 85,9 Livros de consulta 2307 75,9 Tv no quarto 1890 62,2 Consola de jogos 2231 73,4 Leitor de MP3 2388 78,6 Telemóvel 2527 83,2 Leitor de DVD 2515 82,8 N = 3039 As variáveis de caracterização da população infantil têm um impacto diferenciador interessante sobre algumas vertentes do acesso a estes equipamentos. Nas crianças do sexo masculino, destaca-se a posse de consolas de jogos e a TV no quarto, sobressaindo as raparigas na detenção de telemóvel, leitor de DVD ou livros de consulta. Eis uma dicotomia em que se reencontram os estereótipos tradicionais de género: reconhece-se, neles, uma maior autonomia para a fruição de lazer e o gosto pelo jogo, pela competição; e, nelas, as capacidades comunicacionais ou de estudo. A posse de todos estes equipamentos é mais expressiva com o avanço em idade ou o nível de escolaridade da criança, registando-se a excepção da consola – para a qual as crianças mais novinhas estão sobrerrepresentadas. A presença da TV no quarto ou o telemóvel fazem sobressair as crianças do ensino público. Por seu turno, as crianças das famílias recompostas possuem um cenário doméstico particularmente bem equipado em termos de media digitais. 33 F 1.3.14 Coisas que tens em casa por género (%) 85,2 84,7 74,6 85,0 81,7 81,2 77,8 67,4 62,5 57,3 Livros de consulta Tv no quarto Consola de jogos Rapaz Telemóvel Leitor de DVD Rapariga N = 3013 F 1.3.15 Coisas que tens em casa por escalão etário (%) 90,3 88,5 90,1 73,2 7 8,1 7 2,7 66,8 96,1 95,8 78,6 78,077,4 71,6 88,3 87,1 84,8 82,0 7 8,8 7 7,6 74,8 72,3 67,2 87,7 84,0 85,9 7 7,7 66,8 62,5 Quarto só para ti Sítio tranquilo para estudar Livros de consulta 8 a 10 anos Consola de jogos 11 a 12 anos Leitor de MP3 13 a 14 anos Telemóvel Leitor de DVD 15 a 17 anos N = 3013 34 F 1.3.16. Coisas que tens em casa por ano de escolaridade (%) 96,5 88,790,5 78,0 71,1 66,9 86,6 82,1 79,4 78,3 78,2 76,774,4 69,0 69,7 Quarto só para Sítio tranquilo ti para estudar Livros de consulta 66,7 Consola de jogos 4º Ano 6º Ano 89,1 87,1 83,9 77,2 63,3 Leitor de MP3 Telemóvel Leitor de DVD 9º Ano N = 3039 F 1.3.17 Coisas que tens em casa por tipo de ensino (%) 88,8 85,0 84,7 80,8 74,4 75,0 71,0 66,0 82,9 77,2 84,0 80,3 85,3 82,0 Leitor de MP3 Telemóvel Leitor de DVD 69,9 49,9 Quarto só para ti Sítio tranquilo para estudar Livros de consulta Tv no quarto Público Consola de jogos Privado N = 3039 35 F 1.3.18 Coisas que tens em casa por tipo de agregado doméstico (%) 86,8 84,4 81,5 81,6 84,2 78,1 77 ,9 7 2,2 71,6 68,1 7 5,874,4 74,174,5 71,171,6 7 9,878,8 7 6,4 67 ,0 64,9 60,459,9 Livros de consulta 58,5 58,5 Tv no quarto Biparental Consola de jogos Monoparental Recomposta Leitor de MP3 Alargada Leitor de DVD Outros N = 2994 F 1.3.19 Coisas que tens em casa por nível de escolaridade dos pais (%) 86,9 83,1 83,3 81,1 74,3 64,9 81,4 77 ,2 84,5 83,9 83,3 80,4 90,6 87,3 86,3 82,7 78,6 88,8 86,2 84,9 84,8 76,4 7 2,9 71,9 66,1 68,5 67,7 66,0 54,4 45,8 Livros de consulta Tv no quarto Elementar Consola de jogos Intermédia baixa Leitor de MP3 Intermédia Telemóvel Intermédia alta Leitor de DVD Superior N = 2746 36 F 1.3.20Coisas que tens em casa por categoria socioprofissional dos pais (%) 83,6 83,4 86,4 83,5 80,5 76,8 83,5 82,7 74,5 70,2 67 ,9 73,7 69,2 68,2 76,6 89,1 86,9 86,2 84,1 80,3 87,2 87,0 86,3 79,8 77,3 70,7 65,2 64,3 54,3 51,1 Livros de consulta Tv no quarto Consola de jogos Leitor de MP3 Telemóvel Leitor de DVD Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas N = 2786 A posse da TV no quarto é um indicador associado, por muitos autores, a uma bedroom culture, típica de famílias de classe média com trajectórias de individualização, experimentada por jovens favorecidos a quem os pais reconhecem autonomia e privacidade, prescindindo de formas apertadas de controlo sobre o seu comportamento (Livingstone et. al: 2008). Os resultados obtidos no inquérito destoam deste retrato. As crianças que possuem TV no quarto pertencem tipicamente a famílias recompostas ou alargadas, cujos pais têm um nível de instrução intermédio baixo ou intermédio (os pais com ensino superior estão aliás claramente subrepresentados nesta franja), e possuem profissões como as de “trabalhadores administrativos, vendedores”, “trabalhadores executantes pluriactivos” ou “operários, operadores condutores de máquinas”. A prática é portanto mais comum entre meios desfavorecidos e pouco escolarizados, onde provavelmente a distância intergeracional é grande e onde os pais procuram proporcionar à criança, com um percurso de vida estranho ao seu, um reino onde se entregue aos seus lazeres a solo. 37 1.4 Frequência de uso da internet em casa A frequência de utilização da internet em casa é outra variável a ter em conta, na medida em que pode ter um efeito diferenciador no seio da população infantil e um impacto sobre os usos que as crianças dela fazem. Assim, nota-se que a utilização da internet é mais prolongada aos fins-de-semana e nas férias do que nos dias de semana (Q 1.4.1). Se nos dias de escola as crianças inquiridas se dividem quase equitativamente pelas três categorias de resposta (1 hora, menos ou mais de 1 hora), ao fim de semana e nas férias a maioria das crianças com acesso à internet em casa faz dela um uso prolongado (2 ou mais horas). Q 1.4.1 Quando estás em casa, quantas horas usas a Internet por dia? Durante um dia Durante um dia nas férias e fins- de semana normal de-semana Nº % Nº % Menos de 1 hora 800 35,4 296 13,4 1 hora 791 35,0 513 23,1 2 ou mais horas 667 29,5 1407 63,5 N = 2258 Para além do peso horário das aulas e dos trabalhos escolares (realizados em casa, nas explicações), a prática frequente de actividades extra-escolares (desporto, aprendizagem de línguas, música, etc.) e a imposição de mecanismos de controlo dos tempos de utilização por parte dos pais (mais severo nos dias de aulas e mais brando ao fim de semana) explicarão estes dois ritmos distintos de utilização. A frequência do uso da internet em casa apresenta ainda alguma, não muito expressiva, variação por género. Os rapazes passam em média mais horas a usar a internet, mas apenas no que diz respeito aos dias de semana (F 1.4.1). 38 F 1.4.1 Frequência de uso da internet num dia de semana por género 1 ,98 1 ,90 M F Valores médios entre 1 (Menos de 1 hora) e 3 (2 ou mais horas) Já no que diz respeito à idade das crianças, o seu efeito é mais notório: quanto mais velhas são, mais horas passam na internet (F 1.4.2), tanto durante a semana de escola como ao fim de semana. A utilização diária da internet aumenta assim com a idade, provavelmente devido ao afrouxamento do controle parental e a uma maior autonomia da criança mais velha na escolha dos modos de ocupação dos seus tempos livres ou de organização do seu trabalho. Por outro lado, a pressão da cultura de pares e o papel que a net tem na sua dinamização incitam-na certamente a um recurso mais constante, diversificado e intenso deste instrumento de comunicação e informação. F 1.4.2 Frequência de uso da internet por escalão etário 2,16 2,16 2,73 2,70 2,56 2,26 1,89 1,64 8 a 10 11 a 12 dia semana 13 a 14 15 a 17 fim de semana e férias Valores médios entre 1 (Menos de 1 hora) e 3 (2 ou mais horas) 39 A mesma tendência é visível ao dividir-se a amostra por anos de escolaridade frequentados: as crianças do 9º ano fazem um uso mais prolongado da internet (F 1.4.3). F 1.4.3 Frequência de uso da internet por ano de escolaridade 2,73 2,57 2,21 2,18 1,94 1,65 4º 6º dia de semana 9º fim de semana e férias Valores médios entre 1 (Menos de 1 hora) e 3 (2 ou mais horas) É também evidente uma diferença na frequência de uso da internet em casa pelo tipo de ensino frequentado pelas crianças (F 1.4.4). Apesar de, como acima visto, ser mais frequente as crianças do ensino privado terem acesso à internet em casa, as crianças do ensino público tendem a fazer um uso mais prolongado dela, tanto nos dias de semana como ao fim de semana e nas férias. F 1.4.4 Frequência de uso da internet por tipo de ensino 2,54 2,39 2,00 1,80 Pub dia de semana Priv fim de semana e férias Valores médios entre 1 (Menos de 1 hora) e 3 (2 ou mais horas) 40 Aos resultados acima descritos não serão alheias as variações desta variável por classe social: são as crianças dos estratos sociais mais instruídos (F 1.4.5) e com pais de profissões mais qualificadas (F 1.4.6) que fazem um uso menos prolongado da internet, sobretudo durante os dias de escola, mas também aos fins-de-semana e nas férias. As limitações do tempo de uso da internet pelas crianças nas classes mais favorecidas poderá ser explicada não só por um controlo mais rigoroso exercido pelos pais (como adiante se verá quanto aos modos de utilização da internet), mas também pela concorrência de outras actividades que desempenham nos tempos livres (desportivas, artísticas, etc.). F 1.4.5 Frequência de uso da internet por nível de escolaridade dos pais 2,61 2,59 2,61 2,58 2,38 2,06 2,07 2,03 1,94 1,77 Elementar Intermédia baixa Intermédia dia de semana Intermédia alta Superior fim de semana e férias Valores médios entre 1 (Menos de 1 hora) e 3 (2 ou mais horas) 41 F 1.4.6 Frequência de uso da internet por categoria sócio-profissional dos pais 2,53 2,61 2,53 2,43 2,08 2,05 2,02 1,94 2,58 1,82 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores dia de semana Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas fim de semana e férias Valores médios entre 1 (Menos de 1 hora) e 3 (2 ou mais horas) Finalmente, são também detectadas algumas variações relativas ao tipo de agregado doméstico em que a criança vive (F 1.4. 7). É nas famílias biparentais que a frequência de uso da internet é mais limitada e nas famílias recompostas que é mais alargada. Veremos, mais adiante, como este resultado se associará a um uso muito frequente da net por parte de filhos de pais separados que, através dela, comunicam com o progenitor/familiares não co-residentes. F 1.4.7 Frequência de uso da internet por tipo de agregado doméstico 2,63 2,58 2,47 2,09 2,06 2,52 2,51 2,04 2,09 1,88 Biparental Monoparental Recomposta dia de semana Alargada Outros fim de semana e férias Valores médios entre 1 (Menos de 1 hora) e 3 (2 ou mais horas) 42 1.5 Outros locais de uso da internet Para além do acesso à internet em casa e na escola, as crianças podem ainda frequentar outros espaços onde o mesmo é disponibilizado de forma gratuita - casa de amigos ou familiares, bibliotecas públicas, espaços internet municipais, colectividades, ATL ou centro de estudos - ou paga (cibercafés). Verifica-se que qualquer destes espaços é usado pouco frequentemente, mas que o acesso em casa de amigos é o mais comum, seguido do acesso em bibliotecas públicas (Q 1.5.1)14. Q 1.5.1 Com que frequência te ligas à Internet nos seguintes lugares: Todos os dias Muitas ou quase vezes Às vezes Nunca Em casa de um amigo ou familiar 4,4 21,8 58,3 15,5 Numa biblioteca 1,3 8,9 48,2 41,5 Num espaço internet da Câmara 1,2 6,2 17,7 74,9 colectividade 0,8 2,0 12,1 85,1 Num cibercafé 0,9 4,6 16,4 78,1 No ATL ou centro de estudos 2,0 4,7 16,2 77,2 % Numa associação ou O acesso à internet em espaços públicos gratuitos (bibliotecas, serviços municipais, associações) tende a ser mais frequente nos casos das crianças que não têm internet em casa; pelo contrário, o acesso à internet em espaços privados (casa de amigos ou familiares) é mais comum entre as crianças que já detêm internet em casa, o que se deverá a uma certa homogeneidade de classe e de práticas nas redes de sociabilidade (F 1.5.1)15. 14 Estes dados contrastam com os obtidos por Cardoso et al 2007, onde as taxas de utilização em casa de amigos eram substancialmente mais baixas. 15 Dados semelhantes foram obtidos por Bevart e Bréda: “Il semblerait bien que l’usage d’Internet en compagnie des pairs soit une composante importante de la pratique des internautes de ces tranches d’âge, confirmant de fait le rôle clef du réseau amical chez les adolescents en général.” (2001: 71). 43 F 1.5.1 Frequência de acesso à Internet noutros locais por acesso à internet em casa 2,19 1,99 1,92 1,65 1,52 1,29 1,17 1,24 Sim Não Em casa de um Numa biblioteca amigo ou familiar Num espaço internet da Câmara Numa associação ou colectividade Valores médios entre 1 (Nunca) e 4 (Todos os dias ou quase) De igual forma, o acesso à internet em casa de um amigo ou familiar é mais frequente nas crianças mais velhas, que frequentam anos de escolaridade mais avançados e o ensino privado, que têm pais mais escolarizados, com profissões qualificadas e que residem nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto (F 1.5.2). O acesso à internet numa biblioteca é efectuado maioritariamente por crianças entre os 11 e 12 anos, que frequentam o segundo ciclo do ensino básico e a escola pública, cujos pais são menos escolarizados e desempenham profissões menos qualificadas, residentes fora das áreas metropolitanas e em famílias alargadas (F 1.5.3). Os espaços internet das autarquias são utilizados mais frequentemente por crianças do sexo masculino, mais velhas, que frequentam o 9º ano no ensino público, mas também cujos pais são menos escolarizados e desempenham profissões menos qualificadas, que residem no norte interior, noutros tipos de agregados domésticos (instituições e famílias sem os pais) (F 1.5.4). 44 categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais tipo de ano de ensino escolaridade escalões etários F 1.5.2 Frequência de acesso à internet em casa de um amigo ou familiar 8 a 10 1,97 11 a 12 2,20 13 a 14 2,25 15 a 17 2,25 4º 1,97 2,20 6º 9º 2,28 2,13 Pub Priv 2,23 Elementar 2,05 2,07 Intermédia baixa Intermédia 2,24 Intermédia alta 2,22 2,23 Superior Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes 2,25 Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 2,19 2,13 Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos 2,08 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 2,06 Norte litoral região Norte interior 2,03 1,98 2,18 Área Metropolitana do Porto Centro 2,17 Área Metropolitana de Lisboa Sul 2,20 2,06 Valores médios entre 1 (Nunca) e 4 (Todos os dias ou quase) 45 categoria socionível de escolaridade profissional dos pais dos pais tipo de ano de ensino escolaridade escalões etários F 1.5.3 Frequência de acesso à internet numa biblioteca 8 a 10 1,50 11 a 12 1,82 13 a 14 1,78 1,71 15 a 17 4º 1,52 1,83 6º 1,72 9º 1,77 Pub Priv 1,47 1,91 Elementar 1,77 Intermédia baixa Intermédia 1,69 Intermédia alta 1,68 Superior Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores 1,58 1,68 1,59 1,68 1,76 Trabalhadores executantes pluriactivos 1,90 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 1,76 Norte litoral 2,07 região Norte interior Área Metropolitana do Porto 1,64 1,88 Centro Área Metropolitana de Lisboa 1,52 1,95 Sul tipo de agregado doméstico Biparental Monoparental Recomposta 1,70 1,60 1,73 Alargada 1,77 Outros 1,74 Valores médios entre 1 (Nunca) e 4 (Todos os dias ou quase) 46 categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais tipo de ensino ano de escolaridade escalões etários género F 1.5.4 Frequência de acesso à internet num espaço internet municipal 1,39 M F 1,28 8 a 10 1,27 11 a 12 1,30 13 a 14 1,43 1,40 15 a 17 4º 6º 1,27 1,34 9º 1,39 Pub 1,38 Priv 1,19 Elementar 1,50 1,42 Intermédia baixa Intermédia Intermédia alta Superior Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos 1,32 1,27 1,22 1,31 1,25 1,32 1,38 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas Norte litoral 1,46 1,36 1,68 região Norte interior Área Metropolitana do Porto Centro Área Metropolitana de Lisboa Sul Biparental tipo de agregado doméstico 1,23 1,48 1,25 1,37 1,32 Monoparental 1,31 Recomposta 1,31 Alargada Outros 1,38 1,52 Valores médios entre 1 (Nunca) e 4 (Todos os dias ou quase) O uso da internet em associações e colectividades é feito predominantemente por um perfil idêntico de crianças, mas sem variações significativas no que respeita a idade (F 1.5.5). 47 categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais tipo de ensino género F 1.5.5 Frequência de acesso à internet numa associação 1,22 M F 1,15 1,20 Pub Priv 1,13 1,26 Elementar Intermédia baixa 1,19 Intermédia 1,19 Intermédia alta 1,19 Superior 1,15 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes 1,16 Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 1,16 1,21 Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos 1,17 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 1,25 Norte litoral 1,25 1,31 tipo de agregado doméstico região Norte interior Área Metropolitana do Porto Centro 1,15 1,19 Área Metropolitana de Lisboa 1,17 Sul 1,17 Biparental 1,18 Monoparental 1,10 Recomposta Alargada Outros 1,23 1,21 1,34 Valores médios entre 1 (Nunca) e 4 (Todos os dias ou quase) Os cibercafés são frequentados sobretudo por rapazes, entre os 13 e 14 anos, que estão no 9º ano, têm pais pouco escolarizados mas onde o peso dos empresários e quadros superiores é substancial. Mais uma vez, estão sobrerrepresentados aqueles que residem no norte interior e em agregados domésticos sem pais (F 1.5.6). Por fim, o uso da internet nos ATL e centros de estudos, portanto no âmbito de instituições de guarda ou de prolongamento do dia escolar, é feito sobretudo por crianças mais novas, no primeiro ciclo e que residem noutros tipos de agregados domésticos (F 1.5.7). 48 categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais ano de escolaridade escalões etários género F 1.5.6 Frequência de acesso à internet num cibercafé M 1,34 F 1,22 8 a 10 1,20 11 a 12 1,28 13 a 14 15 a 17 4º 6º 1,38 1,32 1,21 1,29 9º 1,34 Elementar 1,35 Intermédia baixa 1,34 Intermédia 1,29 Intermédia alta 1,22 Superior 1,23 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos 1,34 1,23 1,32 1,27 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 1,31 Norte litoral 1,32 1,49 região Norte interior Área Metropolitana do Porto Centro 1,21 Área Metropolitana de Lisboa 1,23 Sul 1,22 Biparental tipo de agregado doméstico 1,32 Monoparental Recomposta Alargada Outros 1,27 1,23 1,35 1,32 1,38 Valores médios entre 1 (Nunca) e 4 (Todos os dias ou quase) 49 escalões etários F 1.5.7 Frequência de acesso à internet num ATL ou centro de estudos 8 a 10 1,38 11 a 12 1,38 13 a 14 tipo de agregado doméstico ano de escolaridade 15 a 17 1,25 1,17 1,39 4º 6º 9º 1,37 1,18 Biparental Monoparental Recomposta Alargada Outros 1,30 1,25 1,37 1,34 1,54 Valores médios entre 1 (Nunca) e 4 (Todos os dias ou quase) Do conjunto destes dados é de salientar a importância dos espaços públicos de acesso à internet para as crianças de famílias de mais baixos recursos e que residem no interior do país, onde é menor a oferta doméstica de serviços de internet. Os resultados aqui apresentados evidenciam que os computadores e a internet constituem equipamentos e serviços já muito disseminados pela população infantil portuguesa a frequentar a escolaridade obrigatória. Tal resulta, como já referido, dos esforços e investimentos efectuados por Estado, mercado e famílias no sentido de dotar as crianças em idade escolar dos recursos electrónicos considerados fundamentais para a sua formação e sucesso escolares. Apesar desta disseminação, as variáveis clássicas de estratificação social utilizadas no inquérito (escolaridade e profissão dos pais) ainda desempenham o seu papel, introduzindo clivagens na propriedade e nos modos de acesso a esses equipamentos e serviços. São os agregados familiares que possuem os mais elevados recursos escolares e materiais que revelam as mais elevadas proporções de detenção de computador e, sobretudo, de ligação doméstica à internet. A privatização e individualização destes meios, a sua quantidade é um sinal de distinção das classes mais favorecidas. 50 A maior disponibilidade de meios electrónicos reflecte-se de forma inversa (e à primeira vista paradoxal) nos tempos de uso da internet pelas crianças. São as que residem em grupos domésticos detentores de maiores volumes de recursos, e as mais novas, as que menos tempo navegam na internet, tanto durante os períodos lectivos como nos de férias ou fins de semana. Uma última palavra sobre a utilização da internet em espaços alternativos. Se bem que pouco utilizados pela esmagadora maioria das crianças inquiridas, as bibliotecas públicas, os espaços municipais de acesso à internet, as colectividades e os ATL/ centro de estudos constituem ainda espaços fundamentais de acesso para os utilizadores que não dispõem destes recursos em casa. 51 2 Internet na Escola 2.1 As TIC na escola: Portugal e a Europa A literacia digital, entendida como a detenção de um conjunto de recursos básicos de manipulação das tecnologias da informação e da comunicação, tem constituído um elemento de progressiva integração nos curricula escolares do ensino básico e secundário ao longo dos últimos anos. Os computadores e a internet são, hoje em dia, considerados como ferramentas fundamentais para o estudo, o desempenho de uma profissão e mesmo para o exercício da cidadania nas sociedades contemporâneas. Conscientes desta necessidade estratégica, os governos europeus têm vindo a dotar a escola dos equipamentos e serviços necessários à integração das tecnologias da informação e da comunicação no ensino, sendo o volume da disponibilidade destes fruto dos recursos disponíveis ou do lugar da educação nas prioridades de investimento nacional. Na literatura, tem-se discutido o impacto desta inovação, especialmente a internet, nas práticas educativas na escola. Parece estabelecer-se um consenso de certos autores em torno de duas ideias principais. Só por si, a internet não constitui um factor de mudança dos processos de ensino-aprendizagem, mas um instrumento necessário às transformações em curso actualmente na escola, à medida que esta se adapta a novas expectativas e necessidades sociais. A chave da resposta àquela pergunta não está nem na tecnologia nem na pedagogia, mas sim no “uso pedagógico da tecnologia” (PIC: 2004). Assim, vale a pena perceber se, no sistema de ensino, as novas tecnologias de informação e comunicação constituem apenas um novo objecto, uma outra matéria de ensino, que se vem juntar às tradicionais? Se são encaradas, para além disso, como instrumento transversal ao desenvolvimento de conhecimentos em todas as áreas do saber? Ou, ainda, como um meio para estimultar e motivar os alunos para uma aprendizagem independente ao longo da vida? Em Portugal, o arranque visível do equipamento digital das escolas iniciou-se com o desenvolvimento do programa “Internet na Escola” (através da instalação de um computador com ligação à internet nas bibliotecas escolares) levado a cabo na segunda metade dos anos 90. Outros desenvolvimentos de instalação de equipamento efectuados mais recentemente permitiram o crescimento do número de computadores e periféricos para fins educacionais, a instalação de redes locais e o incremento da largura de banda das conexões escolares. Os dados disponibilizados pelo Ministério da Educação atestam o avanço objectivo da presença de computadores e de computadores ligados à internet, nos estabelecimentos de ensino portugueses, públicos e privados, desde 2001/02. A ratio número de alunos 52 por computador tem vindo a baixar muito significativamente, situando-se em 2006/7 nos 9,5, ainda que seja um pouco superior no ensino público (10,3) e inferior no ensino privado (6,5), com valores mais altos para os ciclos da escolaridade obrigatória e inferiores para o secundário (Q 2.1.1). Q 2.1.1 Número de Alunos por computador (Ensino Básico e Secundário Regular, Portugal Continental) 2001/02 2004/05 2005/06 2006/07 Total 17,3 11,7 10,5 9,5 Público 19,1 12,8 11,5 10,3 1º ciclo do ensino básico 26,7 22,9 15,9 15,1 2º ciclo do ensino básico 19,6 11,5 10,9 9,0 3º ciclo do ensino básico 17,6 10,7 10,3 8,9 Ensino secundário 13,4 8,9 8,6 8,1 10,4 7,3 6,9 6,5 1º ciclo do ensino básico 15,9 9,8 9,5 8,4 2º ciclo do ensino básico 16,1 10,3 9,6 9,0 3º ciclo do ensino básico 15,6 9,6 8,8 8,0 Ensino secundário 6,1 4,8 4,3 4,4 Privado Fonte: GEPE: 2008ª, p. 11 Estes valores são ligeiramente superiores à média da União Europeia a 15 (8,3), onde se destaca a situação da Finlândia (6,0)16; mas um pouco mais baixos que a rácio na Irlanda (9,7) e em Espanha (10,5)17. A rácio de número de alunos por computador ligado à internet tem também registado descidas anuais, situando-se no ano lectivo de 2006/07 em 11,7, registando-se igual tendência de ser ligeiramente superior no ensino público (12,8) e inferior no ensino privado (7,6), com valores mais altos para os ciclos da escolaridade obrigatória e inferiores para o secundário (Q 2.1.2). 16 17 GEPE: 2008c, p. 15; dados relativos a 2005/06. GEPE: 2008b, p. 18, p. 35, p. 51; dados relativos a 2005/06. 53 Q 2.1.2 Número de Alunos por computador com ligação à internet (Ensino Básico e Secundário Regular, Portugal Continental) 2001/02 2004/05 2005/06 2006/07 Total 33,8 16,1 14,0 11,7 Público 38,9 18,2 15,7 12,8 1º ciclo do ensino básico 52,3 38,4 26,5 22,4 2º ciclo do ensino básico 38,6 15,6 13,9 10,6 3º ciclo do ensino básico 36,1 14,6 13,3 10,6 Ensino secundário 29,0 12,2 11,2 9,5 17,6 9,0 8,2 7,6 1º ciclo do ensino básico 39,7 15,1 13,8 11,7 2º ciclo do ensino básico 29,8 13,0 11,6 10,6 3º ciclo do ensino básico 28,2 12,0 10,5 9,2 Ensino secundário 9,0 5,4 4,8 4,8 Privado Fonte: GEPE (2008a), p. 17 No que respeita a comparações com os parceiros europeus, a média da União Europeia a 15 cifra-se em 9,4 e a Finlândia lidera com uma rácio de 6,218. Este esforço público muito considerável coloca-nos assim, para alguns indicadores, em posição confortável no panorama da UE 25, segundo um estudo de benchmarking realizado a nível europeu (Empirica: 2006). Atente-se na percentagem de escolas com computadores para o ensino, na percentagem de escolas com acesso à banda larga ou com website, a quantidade das que declaram usar o computador para ensino na sala de aula, na biblioteca ou em outros locais. Por contraste, e em média, alguns índices destacam-nos, por defeito, da generalidade dos países da União Europeia. Note-se o caso do número de computadores por 100 alunos, idem com ligação à internet, na percentagem de escolas com email para professores e alunos (Q 2.1.3). 18 GEPE: 2008c, p. 16; dados relativos a 2005/06. 54 Q. 2.1.3 Utilização das TIC nas escolas: Portugal e a Europa UE25 Portugal Total Total 1º ciclo 2º e 3º (básico e (básico e básico ciclo secundário) secundário) Computadores por 100 alunos 11,3 6,4 5,8 5,8 Computadores por 100 alunos 9,9 5,4 4,4 5,2 98,7 97,0 96,4 99,3 % de escolas com acesso à internet 96,2 92,1 90,4 98,6 % de escolas com acesso à internet 66,9 72,8 69,8 83,9 % de escolas com website 63,0 61,2 56,3 74,4 % de escolas com email para a 65,2 31,6 28,9 43,3 23,5 12,1 10,3 22,1 80,5 69,6 62,4 97,9 61,4 81,4 88,9 54,1 33,4 61,4 53,6 95,6 27,0 50,8 47,7 63,7 básico ligados à internet % de escolas com computadores para o ensino por banda larga maioria dos professores % de escolas com email para a maioria dos alunos % de escolas que usam os computadores para ensino em salas de informática % de escolas que usam os computadores para ensino em salas de aula % de escolas que usam os computadores para ensino na biblioteca % de escolas que usam os computadores para ensino noutros locais Fonte: Empirica 2006 Por outro lado, no âmbito do mesmo estudo (Empirica: 2006), quando interrogados sobre o uso de TIC na escola (Q 2.1.4), os seus directores respondem evidenciando um uso amplo, diversificado e intenso no ensino. Um único indicador parece claramente destoar no contexto europeu: a percentagem de escolas com ensino de TIC (55% na UE25, 24% em Portugal). 55 Q. 2.1.4 Utilização das TIC no ensino: Portugal e a Europa UE 25 Portugal Total Total 1º ciclo 2º e 3º (básico e (básico e básico ciclo secundário) secundário) Ensino de TIC na escola 54,7 24,2 26,1 17,6 Computadores e internet 75,3 75,3 75,5 72,1 75,8 69,7 73,0 54,1 56,6 55,5 51,1 70,1 74,3 69,5 70,0 66,2 63,4 57,8 59,3 54,1 66,3 49,0 48,9 44,9 5% ou menos 18,5 11,5 11,4 12,3 6 a 10% 22,5 15,1 16,8 8,6 11 a 24% 22,2 19,8 19,8 23,6 25 a 50% 20,2 34,5 36,3 26,1 Mais de 50% 16,5 19,0 15,8 29,4 básico integrados no ensino da maioria das disciplinas Computadores e internet usados para ensinar disciplinas tradicionais Computadores e internet usados para ensinar línguas estrangeiras % de professores que usaram computadores nas aulas nos últimos 12 meses % de professores que usaram computadores para demonstrações nas aulas nos últimos 12 meses % de professores cujos alunos usaram computadores nas aulas nos últimos 12 meses % de uso da internet nas aulas Fonte: Empirica (2006) Feito o retrato oficial da realidade, a partir das fontes estatísticas e dos testemunhos de adultos com funções de liderança na escola, resta saber se ele é replicado nas respostas obtidas a partir do terrreno e dos alunos. Como se reflecte este notável investimento nos usos concretos pelas crianças da internet na escola, nomeadamente no processo de 56 ensino-aprendizagem? É o que abordaremos de seguida, privilegiando agora o seu ponto de vista. 2.2 Frequência de uso da internet na escola Apesar do esforço desenvolvido, perto de um quarto das crianças inquiridas afirma nunca utilizar a internet na escola, nem nas aulas nem fora delas (Q 2.2.1). Ao invés, ronda os 12% a parcela daquelas que declara usar a internet “muitas vezes” na sala de aula. Este é um resultado em contraste com o cenário extra-escolar, nomeadamente o doméstico, onde as crianças se revelam utilizadoras assíduas do computador e da internet19. Além disso, o uso da internet na escola é feito mais frequentemente fora das aulas. Q 2.2.1 Na escola, com que frequência usas a Internet? nas aulas Nº fora das aulas % Nº % Nunca 629 22,3 734 26,9 Às vezes 1811 64,1 996 36,6 Muitas vezes 343 12,1 492 18,1 42 1,5 503 18,5 Todos os dias ou quase N = 2725 No entanto, estes resultados obrigam a uma leitura prudente: uma parte substancial das crianças que afirmou nunca utilizar a internet nas aulas respondeu afirmativamente às questões seguintes20. Igualmente, tendo sido perguntado por que razão as crianças nunca usavam a internet durante as aulas, foram obtidas 1604 respostas21 em lugar das 629 esperadas. A pergunta semelhante, relativa às razões de não uso da internet na escola fora das aulas22, responderam não apenas as 734 crianças que haviam assinalado essa resposta, mas até alguns inquiridos que assinalaram usar a internet todos os dias ou quase. 19 Um contraste semelhante foi encontrado pela equipa de investigadores da UOC (2004). Aliás, os dados obtidos (em 2004) revelavam que 37% das crianças inquiridas na Catalunha nunca usavam a internet nas aulas. 20 Por exemplo, 142 destes inquiridos afirmaram usar a internet na sala de aulas de TIC ou AP, 288 destes inquiridos responderam à questão relativa aos modos de uso da internet nas aulas (ver quadro 2.3.1), 214 destes inquiridos afirmaram usar a internet nas aulas para fazer trabalhos com colegas e 203 para procurar informação que precisam para os trabalhos (ver quadro 2.5.1). 21 455 das crianças inquiridas afirmaram não ter computadores ligados à internet nas aulas e 1149 que não podiam usar a internet nas aulas. 22 As razões invocadas mais frequentemente foram “não me interessa” (692) e “não tenho acesso à internet” (593). 57 Registam-se algumas variações respeitantes ao tipo de ensino: no ensino privado é mais frequente o uso da internet nas aulas (F 2.2.1) e no ensino público o uso fora das aulas (F 2.2.2). F 2.2.1 Frequência de uso da internet nas aulas por tipo de ensino (%) 1,4 10,6 1,5 17,2 Todos os dias ou quase 65,9 Muitas v ezes 58,1 Às v ezes Nunca 22,1 23,2 Pub Priv F 2.2.2 Frequência do uso da internet fora das aulas por tipo de ensino 17 ,6 21 ,3 18,7 1 5,7 Todos os dias ou quase Muitas v ezes 37 ,7 32,6 À s v ezes Nunca 26,0 30,4 Pub Priv O uso da internet na escola está claramente associado ao ano de escolaridade frequentado pelas crianças: tanto nas aulas (F 2.2.3) como fora delas (F 2.2.4), a internet é menos usada pelas crianças do 4º ano e mais usada pelos alunos do 9º ano. A 58 monodocência do 1º ciclo, por contraste com a diversidade e sucessão de professores dos ciclos seguintes, não parece constituir um factor encorajador do uso da internet em contexto educativo. F 2.2.3 Frequência do uso da internet nas aulas por ano de escolaridade (%) 2,7 0,9 6,0 9,4 0,8 20,7 Todos os dias ou quase 53,0 Muitas v ezes 65,1 Às v ezes 73,0 Nunca 38,3 24,6 5,5 4º 6º 9º F 2.2.4 Frequência do uso da internet fora das aulas por ano de escolaridade (%) 13,9 15,2 16,3 24,8 21,1 17,2 T odos os dias ou quase Muitas vezes 36,3 40,8 31,9 Às vezes Nunca 34,6 4º 21,9 26,1 6º 9º 2.3 Modos de uso da internet na escola Como acima visto, um dos eixos da política tecnológica educativa tem sido diminuir a ratio de alunos por computadores nas aulas. De acordo com este inquérito, quase dois 59 terços dos alunos inquiridos partilham o computador nas aulas com 1 ou 2 colegas (Q 2.3.1), o que sugere um progresso significativo num curto espaço de tempo. Q 2.3.1 Como costumas usar a Internet durante as aulas? Nº Tenho um computador só para mim Partilho um computador com 1 ou 2 colegas Partilho o computador com 3 ou mais colegas % 452 18,2 1556 62,8 470 19,0 N = 2478 É de salientar que o número de alunos por computador é mais baixo no ensino privado (um terço dos estudantes têm um computador individual) do que no ensino público (perto de um quarto partilha um computador com 3 ou mais colegas nas aulas) (F 2.3.1). F 2.3.1 Computadores disponíveis nas aulas por tipo de ensino (%) 62,4 64,4 29,6 22,5 1 5,1 5,9 Tenho um computador Partilho um Partilho o computador só para mim computador com 1 ou 2 com 3 ou mais colegas colegas Pub Priv Verifica-se também que as crianças que frequentam anos de escolaridade mais avançados tendem a partilhar o computador com um menor número de colegas (F 2.3.2). 60 F 2.3.2 Computadores disponíveis nas aulas por ano de escolaridade (%) 7 2,3 61 ,7 50,1 39,5 1 8,3 23,5 20,0 10,4 4,3 Tenho um computador Partilho um Partilho o computador só para mim computador com 1 ou 2 com 3 ou mais colegas colegas 4º 6º 9º 2.4 Disciplinas em que a internet é usada A análise das disciplinas em que, segundo as crianças, a internet é mais usada é crucial para compreender se as tecnologias de informação e comunicação são efectivamente utilizadas na escola como uma ferramenta de aprendizagem de conteúdos lectivos ou apenas como mais uma matéria curricular (PIC: 2004) Verifica-se então (Q 2.4.1) que a internet ainda é maioritariamente utilizada nas aulas de Tecnologias da Informação e Comunicação, onde se ensina e treina a manipulação das ferramentas informáticas. Significa isto que a internet é ainda encarada como “objecto de saber” autónomo, mais do como um instrumento transversal a todo o curriculum e com impactos qualitativos no processo de ensino-aprendizagem. Segue-se a Área de Projecto, que visa a “concepção, realização e avaliação de projectos, através da articulação de saberes de diversas áreas curriculares, em torno de problemas ou temas de pesquisa ou de intervenção, de acordo com as necessidades e os interesses dos alunos” (DL 6/2001, de 18 de Janeiro), onde é fortemente incentivado o uso das TIC. Apenas 20% das crianças inquiridas mencionaram o uso da internet nas restantes disciplinas, por exemplo da área das ciências naturais ou sociais; menos de 10% invocam o seu uso no estudo de línguas. 61 Q 2.4.1 Qual a disciplina em que costumas usar mais a internet na escola? N TIC % 1092 43,4 Área de Projecto 707 28,1 Ciências Naturais e Sociais 456 18,1 Estudo do meio 222 8,8 História 107 4,3 Matemática 87 3,5 Ciências da natureza 33 1,3 Geografia 22 0,9 História e geografia de Portugal 20 0,8 3 0,1 156 6,2 100 4,0 52 2,1 5 0,2 126 5,0 Educação cívica 45 1,8 Educação musical 36 1,4 Educação visual 22 0,9 Educação tecnológica 15 0,6 Educação física 15 0,6 8 0,3 82 3,3 Estudo acompanhado 72 2,9 Estudo autónomo 10 0,4 523 17,2 Fisico-química Línguas Português Inglês Francês Outras disciplinas Educação moral e religiosa Estudo NR N = 3039 Verifica-se alguma variação segundo o tipo de ensino: as crianças que frequentam o ensino público tendem a utilizar mais a internet na Área de Projecto e noutras disciplinas curriculares, enquanto que o ensino privado parece fazer um uso da internet mais restrito à própria disciplina de TIC (F 2.4.1). 62 F 2.4.1 Disciplinas em que é usada a internet por tipo de ensino (%) 59,9 38,4 29,7 22,9 1 9,4 1 3,8 7 ,2 TIC Á rea de Projecto Ciências Naturais e sociais Público 3,1 Línguas 5,9 2,0 Outras disciplinas Priv ado No que diz respeito às diferenças por ano de escolaridade, verifica-se que no primeiro ciclo a internet é sobretudo usada no ensino de ciências (estudo do meio) e de línguas, enquanto que no segundo ciclo predomina a utilização na Área de Projecto e no ano final do 3º ciclo na própria disciplina de TIC (F 2.4.2). O acantonamento da internet a uma área de saber especializada, autónoma, parece assim acontecer com o avanço na escolaridade – já que no 1º ciclo o seu uso se faz em contexto transversal às outras disciplinas. 63 F 2.4.2 Disciplinas em que é usada a internet por ano de escolaridade (%) 88,2 54,3 50,3 1 9,0 1 6,6 1 5,01 5,8 1 2,7 5,2 TIC Á rea de Projecto 9,4 4,0 3,5 Ciências Naturais e sociais 4º 0,4 Línguas 6º 3,2 7 ,2 1 ,9 Outras disciplinas 1 ,5 0,5 Estudo 9º 2.5 Usos da internet nas aulas Foi perguntado que actividades as crianças desenvolviam habitualmente nas aulas com recurso à internet (Q 2.5.1). Em primeiro lugar, são mencionados os trabalhos em colaboração com colegas da turma e a pesquisa de informação para trabalhos. Perto de metade das crianças referem fazer exercícios e um terço consultar a escola virtual. Menos frequente é a publicação online de trabalhos ou a comunicação com o professor via correio electrónico. Na categoria “outras coisas” foram predominantemente referidas utilizações não didácticas da internet (ver abaixo secção 3.2), como os jogos (95 casos), a visita a páginas de redes sociais (34 casos), a pesquisa sobre interesses pessoais (9 casos), o visionamento de vídeos (12 casos), o acesso a música (9 casos), o uso de programas de mensagens instantâneas (9 casos) e a consulta do correio electrónico (6 casos). 64 Q 2.5.1 Indica o que é que costumas fazer com a Internet durante as aulas: Nº % 2131 79,4 preciso para os meus trabalhos da escola 2018 75,2 Fazer exercícios 1276 47,5 Consultar a escola virtual ou o moodle 835 31,1 Publicar trabalhos e outras actividades na página Web da Escola 457 17,0 440 16,4 escolas 426 15,9 Enviar mensagens ou perguntas ao professor e receber respostas 394 14,7 Outras coisas 228 8,6 Fazer trabalhos em colaboração com colegas da turma Procurar informação, gráficos, fotografias, vídeos ou música de que Publicar num blog, numa página Web ou numa revista electrónica os trabalhos que fiz em alguma ou várias disciplinas Fazer trabalhos em colaboração com colegas de outras turmas ou de outras N = 2684 Registam-se algumas diferenças nas respostas das crianças segundo o tipo de ensino frequentado (F. 2.5.1): são mais frequentes a pesquisa de informação para trabalhos escolares e as outras utilizações no ensino privado; no ensino público é mais comum o uso da escola virtual. 65 F 2.5.1 Usos da internet na escola por tipo de ensino (%) 90,0 80,0 7 9,2 7 4,0 7 0,0 60,0 50,0 40,0 33,2 30,0 23,8 20,0 7 ,6 1 0,0 1 2,0 0,0 Procurar informação, gráficos, fotografias, v ídeos ou música de que preciso para os meus trabalhos da escola Consultar a escola v irtual ou o moodle Público Outras coisas Priv ado Por outro lado, no que respeita ao nível de escolaridade, detectam-se mais variações (F 2.5.2). Os alunos de ciclos mais avançados fazem um uso mais intenso e plurifacetado das actividades proporcionadas pela internet: pesquisar informação, usar a escola virtual, fazer trabalhos com colegas da turma, publicar blogues ou sites, comunicar com os professores por correio electrónico. Já os alunos do primeiro ciclo distinguem-se pela maior frequência de realização de trabalhos com colegas de outras turmas ou escolas. 66 F 2.5.2 Usos da internet na escola por ano de escolaridade (%) 91 ,7 88,6 82,5 7 7 ,7 63,3 50,2 41 ,5 26,7 23,4 1 9,7 1 4,4 1 8,5 1 6,3 1 3,4 1 9,7 1 4,81 4,3 8,5 Procurar informação, gráficos, fotografias, v ídeos ou música de que preciso para os meus trabalhos da escola Consultar a escola v irtual ou o moodle Fazer trabalhos Fazer trabalhos em colaboração em colaboração com colegas da com colegas de turma outras turmas ou de outras escolas 4º Ano 6º Ano Env iar mensagens ou perguntas ao professor e receber respostas Publicar num blog, numa página Web ou numa rev ista electrónica os trabalhos que fiz em alguma ou v árias disciplinas 1 1 ,0 8,0 7 ,3 Outras coisas 9º A no Os dados aqui apresentados demonstram que a escola é um dos locais centrais de acesso à internet pelas crianças. Verifica-se que há uma efectiva disponibilização de equipamento e uma utilização relativamente frequente em contexto escolar desta tecnologia. No entanto, o seu uso ainda não está realmente sedimentado ao nível das principais disciplinas curriculares do ensino básico nem tão pouco parece ter proporcionado domínios de ensino-aprendizagem inovadores. A utilização da escola virtual ou da plataforma moodle, a publicação e discussão de trabalhos on-line, a proximidade (em tempo e espaço) do professor-explicador continuam, por exemplo, a envolver um número reduzido de crianças. O cenário português parece assim encontrar alguns pontos de convergência com o caso catalão. As TIC, nomeadamente a internet, são utilizadas como um recurso adicional para ajudar professores e alunos a melhorar o que faziam no tempo em que tais equipamentos e tecnologias ainda não estavam presentes no contexto escolar. Tal como continuam a ser utilizadas, e com raras excepções, não parecem ter conduzido a mudanças substanciais nos modos de ensinar, aprender ou de estar na aula (PIC: 2004). 67 3 Usos da internet 3.1 Fontes de saber De forma a compreender o modo como as crianças usam a internet, foi-lhes perguntado como tinham aprendido a manusear este instrumento (Q 3.1.1). Verifica-se que quase metade dos inquiridos afirma ter aprendido sozinho a utilizar a internet, seguindo-selhe em relevância o papel da família: um quarto refere os pais e um quinto os irmãos como fonte de aprendizagem. Amigos e professores desempenham um papel muito mais discreto. A aprendizagem a solo, muito assinalada na literatura, indicia o forte carácter de experimentalismo individual, autónomo e de interactividade (com a máquina, com a técnica) de que se reveste a aquisição de competências nesta área. O relevo dos pais é um resultado interessante. Por um lado, singulariza o contexto português relativamente a outros, onde o seu papel parece ser claramente diminuto ou, mesmo, desencorajador (PIC: 2004). Por outro, perturba a clivagem que muitas vezes se associa automaticamente às duas gerações, adultos e crianças: aqui, são algumas vezes os pais que desempenham o papel de “nativos digitais”, enquanto os filhos surgem como “imigrantes” em matéria de manipulação de novas tecnologias de informação e comunicação. Q 3.1.1 Como é que aprendeste a utilizar a Internet? Nº Aprendi sozinho % 1302 43,4 Com os meus pais 764 25,5 Com os meus irmãos 603 20,1 Com os meus amigos 505 16,9 Com os meus professores 308 10,3 Num curso de informática 226 7,5 N = 2997 As fontes de aprendizagem do uso da internet são bastante influenciadas pelas características das crianças e suas famílias. Em primeiro lugar, constata-se a existência de variações por género (F 3.1.1): os rapazes afirmam mais frequentemente ter aprendido sozinhos a usar a internet, enquanto as raparigas mais comummente reconhecem a influência de irmãos e amigos. 68 F 3.1.1 Aprendizagem do uso da internet por género (%) 47,9 38,8 22,4 17,8 8,9 Aprendi sozinho Com os meus irmãos M 11,6 Com os meus amigos F No que respeita à idade (F 3.1.2), são as crianças mais velhas que mais declaram a aprendizagem autodidacta e a importância do grupo de pares e as mais novas que admitem a ajuda dos pais, dos irmãos e dos professores. F 3.1.2 Aprendizagem do uso da internet por escalões etários (%) 57,7 53,4 43,8 40,8 30,3 27,7 25,3 20,9 17,0 13,8 10,8 8,8 Aprendi sozinho Com os meus pais 8 a 10 Com os meus irmãos 11 a 12 13 a 14 23,9 21,0 15,2 11,5 Com os meus amigos 13,4 9,5 7,8 9,4 Com os meus professores 15 a 17 A variação por ano de escolaridade reflecte esta mesma tendência: os alunos do 9º ano mencionam com mais frequência a aprendizagem a solo e com os amigos, os estudantes do primeiro ciclo referem em maior número os pais, os irmãos e os professores. 69 F 3.1.3Aprendizagem do uso da internet por ano de escolaridade (%) 57,6 42,4 42,5 29,7 26,1 24,8 23,3 19,8 15,5 11,9 14,6 10,1 Aprendi sozinho Com os meus pais Com os meus irmãos 4º Com os meus amigos 6º 13,4 9,8 7,9 6,8 Com os meus professores 9,4 6,3 Num curso de informática 9º Os alunos do ensino público também referem mais frequentemente a aprendizagem auto-didacta e com os amigos, enquanto os seus colegas do ensino privado admitem a ajuda dos pais mais usualmente. F 3.1.4 Aprendizagem do uso da internet por tipo de ensino (%) 44,4 40,1 34,0 23,0 18,9 10,4 8,4 4,8 Aprendi sozinho Com os meus pais Pub Com os meus amigos Num curso de informática Priv São assinaláveis algumas variações por região: a aprendizagem do uso da internet com os pais é mais frequente na área Metropolitana de Lisboa, enquanto a aprendizagem com os amigos e professores é mais comum no norte interior. Tal poderá estar relacionado tanto com as assimetrias sociais regionais como com a diferente 70 disponibilidade de internet em casa (ver secção 1.3). De facto, as crianças sem internet em casa tendem mais frequentemente a aprender a usar a internet com os amigos e os professores (F 3.1.6). F 3.1.5 Aprendizagem do uso da internet por região (%) 32,7 31,3 26,9 26,0 22,2 19,6 18,5 18,4 16,7 14,6 14,1 13,7 14,3 13,6 11,1 9,2 9,7 8,5 8,4 8,3 9,0 6,5 4,7 5,1 Com os meus pais Com os meus amigos NL NI Com os meus professores AMP C AML Num curso de informática S F 3.1.6 Aprendizagem do uso da internet por posse de internet em casa (%) 45,3 36,2 31,9 29,2 21,9 17,9 10,9 Aprendi sozinho Com os meus pais 13,1 13,0 8,4 Com os meus irmãos Sim Com os meus amigos Com os meus professores 11,1 6,6 Num curso de informática Não É mais uma vez o factor classe que estrutura as variações mais notórias desta questão. O papel técnico dos pais na aprendizagem do uso da internet é tanto mais importante quanto mais qualificados eles são (F 3.1.7) e as profissões que desempenham (F 3.1.8). 71 São as crianças de famílias mais desfavorecidas que mais dependem do auxílio de amigos e professores ou de cursos de informática. F 3.1.7 Aprendizagem do uso da internet por nível de escolaridade dos pais (%) 47,4 46,8 45,3 43,1 42,2 39,4 34,1 29,1 25,6 21,3 16,6 14,1 16,1 12,9 9,7 10,5 9,0 9,08,1 8,7 8,4 6,9 4,1 Aprendi sozinho Com os meus pais Elementar Com os meus amigos Interm baixa Intermédia Com os meus professores Intermédia alta 5,8 6,3 Num curso de informática Superior F 3.1.8 Aprendizagem do uso da internet por categoria socioprofissional dos pais (%) 39,1 27,7 27,8 26,2 20,7 18,1 16,1 12,3 10,9 7,6 Com os meus pais Com os meus amigos 14,9 9,2 11,2 10,6 7 ,6 8,5 Com os meus professores 7,8 6,4 5,6 7,2 Num curso de informática Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 72 F 3.1.9 Aprendizagem do uso da internet por tipo de agregado familiar (%) 51,049,7 41,6 43,3 40,2 28,9 27,7 22,7 18,8 17,4 13,9 9,6 10,1 9,8 13,0 9,8 7,8 6,4 2,7 Aprendi sozinho Com os meus pais Biparental Monoparental Com os meus professores Recomposta Alargada 4,8 Num curso de informática Outros Por último, registam-se algumas diferenças segundo o tipo de arranjo familiar (F 3.1.9). São as crianças que vivem em agregados monoparentais que mais declaram a aprendizagem autodidacta, as de famílias recompostas e biparentais que mais referem o auxílio dos pais e as que vivem noutras situações (instituições, famílias de acolhimento) que destacam o papel dos professores e a frequência de cursos de informática. O peso da influência familiar sobre o uso da internet está também patente na questão relativa a quem mais utiliza a internet em casa das crianças (Q 3.1.2). Os mais jovens (a criança inquirida ou os seus irmãos) são os utilizadores maioritários desta ferramenta de informação e comunicação23, mas em perto de 20% dos agregados são assinalados o pai (17%) ou a mãe (17%). Q 3.1.2 Quem é que usa mais a Internet em tua casa? Nº Tu % 1484 62,0 Irmãos 823 41,5 Pai 534 22,2 Mãe 415 17,3 Toda a gente 300 12,5 Padrasto 61 2,6 Madrasta 14 0,6 123 5,1 Outros N = 2392 23 Resultados semelhantes foram obtidos por Bevort e Bréda 2001: 29. 73 O uso da internet pelos membros da família apresenta variações em função do género e da idade das crianças, do tipo de ensino que frequentam, da região onde vivem, do tipo de agregado doméstico e da classe social dos pais24. É mais frequente a criança declarar-se como o principal utilizador da internet em casa (F 3.1.10) no caso das crianças mais velhas, que frequentam anos de escolaridade mais avançados, que residem fora das áreas metropolitanas e cujos pais têm um nível de escolaridade mais baixo e uma actividade profissional menos qualificada. Um perfil semelhante é revelado pelas crianças que declaram os irmãos como principais utilizadores da internet (F 3.1.11), ainda que neste caso as raparigas sejam maioritárias e a variável idade não assuma significância estatística. O pai como principal utilizador da internet (F 3.1.12) é identificado pelas crianças mais novas, que frequentam o primeiro ciclo e escolas de ensino privado, residentes nas áreas metropolitanas e em agregados domésticos bi-parentais, cujos progenitores têm formação superior e desempenham profissões científicas, técnicas e de enquadramento. Quando é a mãe a ser identificada como principal utilizadora da internet (F 3.1.13), os inquiridos revelam um perfil muito semelhante, com a excepção do tipo de agregado doméstico: as famílias monoparentais ou recompostas são mais frequentes. Por fim, é também nas famílias residentes nas áreas metropolitanas, cujos filhos frequentam o ensino privado e cujos pais têm formação superior e desempenham profissões científicas, técnicas e de enquadramento que o uso da internet é definido como generalizado a toda a família (F 3.1.14). São resultados que evidenciam uma tendência já detectada em pontos anteriores. A partilha da internet em casa pela rede familiar é uma prática que distingue as classes favorecidas onde as gerações de pais e filhos partilham elevadas competências técnicas nesta área e se aproximam conjuntamente da inovação tecnológica. Pelo contrário, a centragem deste uso na geração dos filhos é um traço das famílias mais desfavorecidas, onde os pais (pelos menores recursos escolares e digitais que possuem) permanecem à distância dos filhos - e em posição relativa de clara inferiorioridade. 24 Um inquérito a adolescentes e pais americanos, integrado no Pew Project (MacGill 2007), constatou que nas famílias de maior rendimento e de capital escolar mais elevado é mais frequente os pais serem utilizadores da internet. 74 região tipo de ensino ano de escolaridade escalões etários F 3.1.10 Quem usa mais a internet em casa: a criança (%) 8 a 10 45,4 62,4 11 a 12 13 a 14 76,0 15 a 17 75,3 4º 46,0 64,0 6º 76,1 9º 65,4 Pub Priv 54,0 Norte litoral 67,1 Norte interior 66,9 63,9 Área Metropolitana do Porto 61,9 Centro Área Metropolitana de Lisboa 58,2 66,7 categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais Sul 69,9 Elementar 74,6 Intermédia baixa 69,4 Intermédia 59,3 Intermédia alta Superior 52,1 67,8 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores 54,1 68,0 Trabalhadores executantes pluriactivos 70,1 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 70,1 75 género F 3.1.11 Quem usa mais a internet em casa: os irmãos (%) 32,6 M 37,9 F 39,6 Norte litoral 49,2 região Norte interior 34,8 Área Metropolitana do Porto 37,6 Centro 31,0 Área Metropolitana de Lisboa 40,7 Sul 37,4 tipo de agregado do m éstico Biparental nível de escolaridade do s pais 27,2 Recomposta 34,5 Alargada Outros catego ria so cio profissio nal do s pais 31,4 Monoparental 19,0 50,6 Elementar 36,9 Intermédia baixa Intermédia 31,3 Intermédia alta 32,3 Superior 32,5 40,8 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 31,4 35,0 36,5 40,4 76 F 3.1.12 Quem usa mais a internet em casa: o pai (%) escalões etários 8 a 10 32,4 22,5 11 a 12 13 a 14 12,6 14,8 tipo de ano de ensino escolaridade 15 a 17 31,2 4º 21,8 6º 13,9 9º Pub 20,6 26,5 Priv Norte litoral 15,8 12,7 região Norte interior 26,4 Área Metropolitana do Porto 18,8 Centro 23,9 Área Metropolitana de Lisboa categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais tipo de agregado doméstico Sul 22,6 27,6 Biparental Monoparental 5,9 7,5 Recomposta Alargada Outros Elementar 18,7 1,6 7,3 18,5 Intermédia baixa 23,4 Intermédia Intermédia alta 24,9 27,7 Superior Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes 23,0 26,9 Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores 21,9 Trabalhadores executantes pluriactivos 21,5 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 10,5 77 F 3.1.13 Quem usa mais a internet em casa: a mãe (%) ano de escolaridade escalões etários 8 a 10 23,0 11 a 12 18,0 13 a 14 1 4,3 15 a 17 1 0,1 4º 22,8 6º 16,9 9º 1 2,3 Norte litoral 1 2,2 12,7 região Norte interior 15,9 Área Metropolitana do Porto 16,9 Centro 20,5 Área Metropolitana de Lisboa 1 6,4 Sul 16,9 tipo de agregado doméstico Biparental Monoparental 22,0 Recomposta 21 ,8 Alargada Outros categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais Elementar 16,8 1,6 7,3 Intermédia baixa 12,9 Intermédia 1 6,3 Intermédia alta 21 ,1 22,7 Superior 1 6,3 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes 21 ,7 Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 1 5,5 Trabalhadores administrativ os e v endedores 16,1 Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 8,1 78 género M tipo de ensino F 3.1.14 Quem usa mais a internet em casa: toda a gente (%) Pub 11,0 14,1 F 10,7 Priv 17,1 Norte litoral região Norte interior 7,7 4,2 14,7 Área Metropolitana do Porto Centro 13,9 Área Metropolitana de Lisboa 13,6 categoria socio-profissional dos pais nível de escolaridade dos pais Sul Elementar Intermédia baixa 8,5 5,4 7,4 Intermédia 12,3 Intermédia alta 12,6 Superior 17,7 12,6 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 16,1 Trabalhadores administrativos e vendedores 10,8 Trabalhadores executantes pluriactivos 7,3 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 7,5 A influência familiar é ainda visível nas formas de utilização da internet. Tendo sido perguntado às crianças de que forma navegavam pela internet (Q 3.1.3), o uso de motores de busca é a forma mais frequentemente referida, seguido pelas sugestões dos pares. Professores e família são a fonte de informação seguinte sobre as páginas a visitar.25 25 Bevort e Bréda (2001: 93) constataram uma menor influência da família e professores, a par de uma maior relevância dos meios de comunicação social entre os jovens franceses. 79 Q 3.1.3 Como é que costumas navegar na Internet? Nº Procuro páginas nos motores de busca (Google, sapo) Vou a páginas sugeridas pelos meus amigos Vou a páginas sugeridas pelos meus professores Vou a páginas sugeridas pelos meus irmãos Vou a páginas sugeridas pelos meus pais Vou às páginas que tenho nos Favoritos (bookmarks) Vou a endereços que vejo nos jornais, revistas ou televisão Vou seguindo links nas páginas % 2595 87,6 2357 80,1 1794 61,8 1383 57,8 1546 53,2 1507 51,6 1178 40,5 1141 38,2 N = 2970 De acordo com os dados obtidos, as raparigas tendem a conferir mais importância a sugestões de amigos e de professores e a endereços obtidos nos meios de comunicação social, enquanto os rapazes dão mais preferência a um estilo mais livre de navegação, a partir de links encontrados nas páginas que visitam (F 3.1.15). No que respeita às diferenças por idade (F 3.1.16), as crianças mais velhas declaram mais frequentemente uma navegação mais autónoma (utilizar motores de busca, seguir links nas páginas) ou seguir as recomendações de pares ou outras fontes de informação (os media), enquanto que as crianças mais novas estão mais sujeitas à influência de pais e professores. As mesmas tendências são detectáveis no que respeita ao ano de escolaridade (F 3.1.17). F 3.1.15 Formas de navegação por género (%) 82,6 7 7 ,5 69,1 55,0 53,7 49,3 42,6 38,6 sugestões de amigos sugestões de professores Favoritos M endereços nos jornais, revistas ou televisão 42,5 35,8 links nas páginas F 80 F 3.1.16 Formas de navegação por escalões etários (%) 93,7 91,7 88,9 79,9 89,8 89,0 82,2 65,4 64,1 61,0 65,3 57,2 59,9 58,0 55,7 52,2 53,4 47,1 47,6 40,2 54,3 53,4 45,6 43,6 42,0 33,5 33,5 26,4 motores de busca sugestões de amigos sugestões de professores 8 a 10 sugestões de pais 11 a 12 13 a 14 Favoritos endereços nos jornais, revistas ou televisão links nas páginas 15 a 17 F 3.1.17 Formas de navegação por ano de escolaridade (%) 94,3 89,5 90,9 82,8 78,9 65,5 64,7 64,0 57,0 57,9 57,8 54,8 51,6 48,2 43,5 56,1 46,4 41,1 34,0 34,8 26,6 motores de busca sugestões de amigos sugestões de professores sugestões de pais 4º 6º Favoritos endereços nos jornais, revistas ou televisão links nas páginas 9º Existem também algumas diferenças quanto ao tipo de ensino frequentado: as crianças no ensino privado tendem a referir mais frequentemente o peso da opinião familiar na escolha das páginas visitadas (F 3.1.18). 81 F 3.1.18 Formas de navegação por tipo de ensino (%) 70,0 63,1 56,6 60,0 50,1 56,1 50,0 47,9 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 sugestões de pais sugestões de irmãos Pub Favoritos Priv F 3.1.19 Formas de navegação por região (%) 82,2 80,8 79,0 80,0 79,1 73,5 53,6 51,2 49,5 48,5 47,2 Norte litoral sugestões de irmãos Norte interior 48,8 44,3 44,0 42,4 sugestões de amigos 58,1 54,8 53,0 58,7 55,3 51,2 48,1 48,1 45,3 42,4 sugestões de pais Área Metropolitana do Porto 49,8 Favoritos Centro 43,2 40,1 39,2 37,7 endereços nos jornais, revistas ou televisão Área Metropolitana de Lisboa Sul No que respeita à região, a influência dos pais é mais sentida nas áreas metropolitanas e a obtenção de informação a partir dos media no norte interior (F 3.1.19). O peso do grupo de amigos é mais notório nas famílias recompostas e dos pais nas famílias biparentais (F 3.1.20). 82 F 3.1.20 Formas de navegação por tipo de agregado doméstico (%) 88,1 78,9 78,9 82,6 80,0 56,6 50,8 51,4 43,9 27,6 sugestões de amigos Biparental sugestões de pais Monoparental Recomposta Alargada Outros A classe social é mais uma vez um factor relevante para compreender as formas de uso da internet: as sugestões de pais e irmãos são mais valorizadas pelas crianças cujos pais atingiram níveis de escolaridade mais elevados (F 3.1.21) e desempenham profissões científicas, técnicas e de enquadramento (F 3.1.22). F 3.1.21 Formas de navegação por nível de escolaridade dos pais (%) 90,990,6 88,7 87,6 84,7 66,8 62,6 57,3 45,7 57,0 49,5 48,246,3 44,2 59,7 57,1 53,9 48,0 40,8 34,3 motores de busca Elementar sugestões de pais Intermédia baixa sugestões de irmãos Intermédia Intermédia alta Favoritos Superior 83 F 3.1.22 Formas de navegação por categoria socioprofissional dos pais (%) 92,3 88,489,0 85,084,3 64,0 60,6 58,3 52,8 56,2 55,8 52,5 48,2 46,8 45,6 50,8 47,2 43,1 45,3 37,2 motores de busca sugestões de pais sugestões de irmãos Favoritos Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas F 3.1.23 Formas de navegação por posse de internet em casa (%) 89,1 81,6 82,1 72,1 58,6 56,9 53,8 41,4 34,6 31,6 motores de busca sugestões de amigos sugestões de pais 41,1 36,8 31,5 30,2 Favoritos Sim sugestões de irmãos endereços nos jornais, revistas ou televisão links nas páginas Não Ter ou não internet em casa também influi sobre as formas de navegação, sobretudo sobre a relevância atribuída às sugestões de pais e irmãos e a possibilidade de ter “favoritos” guardados na memória do computador pessoal (F 3.1.23). Em suma, pode notar-se uma clivagem entre as famílias utilizadoras da internet, cujos pais (com níveis altos de escolaridade, profissões técnicas e científicas, tipicamente 84 residentes em meio urbano) moldam a aprendizagem e as práticas de uso das crianças; e as famílias com adultos não utilizadores (pais com baixos níveis de escolaridade) nas quais as crianças dependem do esforço próprio ou de fontes exteriores (os amigos, os professores, os meios de comunicação) para dominarem esta tecnologia. 3.2 Tipos de uso da internet Fundamental para compreender a relação das crianças com a internet é aferir que tipo de usos concretos são mais frequentemente declarados (Q 3.2.1). A pesquisa de informação, para trabalhos escolares26 ou sobre temas de interesse pessoal, é praticada pela esmagadora maioria das crianças inquiridas. Seguem-se-lhe as práticas de índole comunicacional: enviar emails e mensagens instantâneas27. Os usos lúdicos são também indicados pela maior parte dos inquiridos: descarregar música, jogar jogos. Há ainda a salientar as práticas expressivas, como manter um blogue ou uma página pessoal em sites de redes sociais28. No extremo oposto, assinalam-se actividades que mobilizam uma minoria de crianças: responder a questionários (quiz), votar em sondagens; assinar petições. 26 Segundo o inquérito realizado por Cardoso et al (2007: 42), 90% dos jovens inquiridos utilizam o computador e a internet para estudar ou fazer trabalhos de casa. 27 Resultados semelhantes foram obtidos por Reia-Baptista et al 2006. A comparação com os dados obtidos por Bevort e Bréda (2001: 81) revela as permanências (a importância da pesquisa de informação e do email) e as transformações do uso da internet nos últimos anos (o crescimento da comunicação instantânea, das redes sociais, dos jogos online e das compras electrónicas). Os dados apurados por Cardoso et al (2007: 46) também não são inteiramente coincidentes, possivelmente devido à diferente composição etária da amostra e do processo de inquirição. 28 Segundo um inquérito a adolescentes americanos (Lenhart 2007), o uso de “social media” (blogues, redes sociais, páginas pessoais, criação de conteúdos digitais) tornou-se central na vida dos adolescentes, com taxas crescentes de utilização destes serviços online. 85 Q 3.2.1 Indica o que é que costumas fazer com a Internet: Procurar informação de que preciso para os meus trabalhos da escola Procurar informação sobre temas que me interessam Fazer trabalhos em colaboração com colegas Enviar e receber emails Usar um programa de mensagens instantâneas (Messenger, Skype, etc) Descarregar música, filmes, jogos ou outros programas Nº % 2815 94,4 2706 91,0 2356 79,5 2299 77,5 2240 75,3 2178 73,3 1947 65,6 1854 62,5 1497 50,4 1470 49,7 1332 44,9 882 29,9 805 27,2 624 21,0 612 20,7 296 10,0 Pôr textos, imagens, música ou vídeos num blogue ou página pessoal (Hi5, Myspace, Facebook) Jogar online com amigos Fazer chamadas de voz (Messenger, Skype, etc) Consultar a escola virtual, moodle, fazer exercícios para a escola Partilhar ficheiros (Emule ou Limewire) Responder a questionários (quiz) ou votar em sondagens Participar em chats Comprar coisas (músicas, livros, bilhetes de cinema, relógios, etc.) Participar em fóruns ou grupos de discussão Assinar petições N = 2997 Verificou-se que esta questão se prestava a um tratamento estatístico multivariado, no sentido não apenas de permitir um tratamento mais agregado da informação como também de uma estratégia de desenvolvimento de novas variáveis independentes que permitem aprofundar as práticas de uso da internet nesta população específica. A variável, tal qual se apresentava originalmente, permitia apenas a execução de frequências simples, cruzamentos e respectivos testes de X2. Optou-se, numa primeira fase, pela execução de uma análise de correspondências múltiplas, uma vez que se trata do procedimento estatístico multivariado mais adequado ao formato (nominal) original das mesmas. Este procedimento foi tentado com as variáveis originais, sem resultados, e após um infrutífero procedimento de recodificação. A explicação deste impasse talvez resida na excessiva homogeneidade de práticas electrónicas da população em causa, facto que resulta numa fraca variância das mesmas e, consequentemente, na impossibilidade de operacionalização de uma análise de correspondências múltiplas. Entendeu-se, então, produtiva a construção de índices de execução de práticas electrónicas de acordo com a recodificação inicialmente produzida, com o objectivo de 86 possibilitar o tratamento estatístico multivariado, desta vez sobre variáveis quantitativas (índices). A recodificação contemplou os objectivos dos usos da internet pelas crianças. Assim, obtiveram-se 5 grandes constelações de práticas: Q 3.2.2 Recodificação das práticas de uso da internet Práticas comunicativas Enviar e receber emails Usar um programa de mensagens instantâneas (Messenger, Skype, etc) Fazer chamadas de voz (Messenger, Skype, etc) Participar em chats Participar em fóruns ou grupos de discussão Pôr textos, imagens, música ou vídeos num blogue ou página pessoal (Hi5, Myspace, Facebook) Práticas Informativas Procurar informação de que preciso para os meus trabalhos da escola Procurar informação sobre temas que me interessam Práticas Educativas Consultar a escola virtual, moodle, fazer exercícios para a escola Fazer trabalhos em colaboração com colegas Práticas Lúdicas Descarregar música, filmes, jogos ou outros programas Partilhar ficheiros (Emule ou Limewire) Jogar on line com amigos Outras Práticas Comprar coisas (músicas, livros, bilhetes de cinema, relógios, etc.) Assinar petições Responder a questionários (quiz) ou votar em sondagens As práticas lúdicas resultaram da agregação entre a prática de jogos e downloads para que deste processo não resultassem índices efectuados a partir de uma só variável. Práticas expressivas como a P6_16 foram agregadas às comunicativas. O cálculo produziu-se da seguinte forma. Procurou-se apurar o contributo específico de cada uma das cinco práticas (ponderada pelo número de variáveis originais que a constituem) para o total da utilização da internet. O somatório dos valores de cada uma destas variáveis constitui o índice de pluriactividade de utilização da internet (variando entre 0 e 5). Deste procedimento resultaram 5 novas variáveis cujo grau de execução varia entre 0 e 1, bem como de um índice geral de execução de práticas electrónicas cuja variação é balizada entre 0 e 5. 87 Sobre estas 5 novas variáveis foi efectuada uma análise factorial de componentes principais (KMO=0,7, Sig=0,000). Desta análise resultou a identificação de 3 factores explicativos da variância das práticas de utilização da internet. O primeiro é constituído pelo conjunto das práticas comunicativas, informativas e educativas; o segundo exclusivamente pelas práticas lúdicas; e o terceiro, também de forma isolada, pelas outras práticas. Procedeu-se, posteriormente, à realização de uma análise de clusters sobre os scores destes factores, com o intuito de identificar os conjuntos de indivíduos executantes de cada um destes tipos de práticas de utilização da internet. O desequilíbrio entre o cluster 1 e os outros dois deve-se à já referida homogeneidade relativa de práticas internáuticas no seio desta população, até porque este cluster se caracteriza fundamentalmente pela elevada intensidade e número de práticas realizadas. Apenas as “outras práticas” têm uma expressão mais reduzida e mesmo assim superior à efectuada nos outros clusters. O cluster 2 centra a sua actividade de utilização da internet nas práticas informativas e educativas, privilegiando um uso de carácter formativo destes instrumentos. O cluster 3 privilegia a utilização informativa e lúdica destes equipamentos. Fazendo jus ao que pode ser entendido como a principal vocação da internet, é a informação que constitui a actividade mais uniformemente praticada pelos 3 clusters. Segue-se-lhes as actividades educativas e lúdicas, com pesos muito distintos consoante os clusters. Q 3.2.3 Média (0-1) das actividades executadas segundo os clusters Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 N=2063 N=397 N=525 Comunicativas 0,7 0,1 0,3 Informativas 0,9 0,9 0,9 Educativas 0,7 0,6 0,4 Lúdicas 0,7 0,2 0,8 Outras 0,3 0,1 0,1 Pode então atribuir-se rótulos descritivos a estes clusters: o cluster 1 corresponderá aos “internautas convictos”, o cluster 2 aos “ estudantes aplicados” e o cluster 3 aos “jogadores inveterados”. 88 F 3.2.1 Composição dos clusters por género (%) 36,1 51,1 60,2 Raparigas Rapazes 63,9 48,9 39,8 Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Em termos de género (F 3.2.1), o cluster dos internautas tem uma composição razoavelmente equilibrada, enquanto no dos estudantes predominam as raparigas e no dos jogadores os rapazes29. F 3.2.2 Composição dos clusters por escalões etários (%) 8,9 23,0 7,1 16,8 16,8 20,2 34,3 15-17 27,7 13-14 anos 11-12 anos 34,4 8-10 anos 49,7 38,7 22,4 Cluster 1 29 Cluster 2 Cluster 3 Esta distinção por género foi também constatada por Bevort e Bréda (2001: 84). 89 No que respeita à idade (F 3.2.2), o cluster dos “internautas convictos” é composto sobretudo por crianças mais velhas, metade já acima dos 13 anos. O cluster dos “estudantes aplicados” integra uma maioria de crianças mais novas, quase metade abaixo dos 10 anos. O terceiro cluster, o dos “jogadores”, tem uma distribuição mais equilibrada, mas também tendencialmente mais nova. A distribuição por ano de escolaridade (F 3.2.3) revela tendências semelhantes: os alunos do 4º ano estão mais representados no segundo e terceiro clusters, os alunos do 9º no primeiro cluster. F 3.2.3 Composição dos clusters por ano de escolaridade (%) 10,6 27,8 38,0 37,3 29,9 9º ano 6º ano 37,4 4º ano 52,1 42,3 24,6 Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 As variações por tipo de ensino são ténues, mas há uma proporção ligeiramente superior de alunos do ensino privado no cluster que desenvolve sobretudo actividades lúdicas com a internet. F 3.2.4 Composição dos clusters por tipo de ensino (%) 23,8 22,4 25,0 Ensino Privado Ensino Público 76,2 77,6 75,0 Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 90 Em termos da região (F 3.2.5), as diferenças são também pouco notórias, mas verificase uma sobre-representação do norte interior no cluster dos “estudantes aplicados” e das áreas metropolitanas no cluster dos “jogadores”. F 3.2.5 Composição dos clusters por região (%) 7,6 35,2 7,3 31,0 5,7 37,7 Sul AM Lisboa 16,3 19,4 13,7 Centro AM Porto Norte interior Norte litoral 23,0 6,4 19,9 11,1 24,6 7,2 11,5 11,3 11,0 Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Os efeitos do nível de escolaridade dos pais (F 3.2.6) fazem-se sentir sobretudo no cluster 2, o dos “estudantes aplicados”. Estes são em maior proporção filhos de pais nos extremos da escala de qualificações. Tal poderá dever-se a dois factores: as famílias de menor capital escolar têm menos internet em casa, os filhos usam-na com menor autonomia e disponibilidade, utilizando em alternativa o acesso através da escola, pelo que os fins didácticos assumem neste enquadramento institucional maior prioridade; nas famílias de maior capital escolar, haverá também um maior controlo sobre o uso da internet (ver secção4), direccionando as crianças para actividades mais estrutamente educativas e informativas. Paralelamente, os filhos de profissionais menos qualificados (F 3.2.7) gozam de menos oportunidades que os filhos de empresários e de profissionais científicos ou de enquadramento para desenvolver uma utilização intensiva e pluriactiva da internet (cluster 1). 91 F 3.2.6 Composição dos clusters por nível de escolaridade os pais (%) 29,8 29,8 34,5 11,3 11,9 9,4 Superior Intermédia alta 14,8 13,6 20,5 Intermédia Intermédia baixa Elementar 18,9 24,9 21,3 23,6 19,3 16,5 Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 F 3.2.7 Composição dos clusters por categoria socioprofissional dos pais (%) 19,1 26,6 25,3 13,9 14,8 14,0 14,4 11,6 12,9 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas Trabalhadores executantes pluriactivos Trabalhadores administrativos e vendedores Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 38,6 39,0 14,0 Cluster 1 8,1 Cluster 2 34,9 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes 12,9 Cluster 3 92 Relativamente ao tipo de agregado doméstico em que as crianças vivem (F 3.2.8), há a salientar a sobrerepresentação das famílias biparentais no cluster dos estudantes e a das famílias recompostas no cluster dos internautas. F 3.2.8 Composição dos clusters por tipo de agregado doméstico (%) 3,1 3,3 3,3 12,6 13,2 16,7 7,3 4,1 8,4 10,9 4,2 8,4 Outros Alargada Recomposta Monoparental 66,1 Cluster 1 Biparental 71,1 67,4 Cluster 2 Cluster 3 3.3 Sites visitados A caracterização do uso da internet pelas crianças requer uma análise dos sites visitados. Foi pedido aos inquiridos que perante uma lista de tipos de páginas Web indicassem quais as que costumavam visitar. Em primeiro lugar surgem as páginas de vídeos, com 85% de respostas afirmativas, seguidas das páginas de videojogos, com 80%, e de redes sociais, com 62%. Perto de metade dos inquiridos afirma visitar páginas de desporto, de geografia, de educação e de artes e espectáculos30. 30 Da comparação com os resultados obtidos por Bevort e Bréda (2001: 87) emerge a importância crescente dos sites de jogos (66% no inquérito francês) e de educação (25%) e o declínio do interesse por sites de informática (51%), de informação (50%), de ciência (41%), mas tal poderá em parte estar ligado à diferente composição etária da amostra. ). Os dados apurados por Cardoso et al (2007: 47) também não são inteiramente coincidentes, possivelmente devido à diferente composição etária da amostra e do processo de inquirição. 93 Q 3.3.1 Que tipo de páginas Web é que costumas visitar? Vídeos (Youtube, canais de televisão, etc.) Videojogos Blogs e Redes sociais (Hi5, Myspace, Facebook, etc.) Desporto (clubes, futebol, ténis, automobilismo) Informação geográfica (mapas, países estrangeiros, cidades) Educação (enciclopédias, dicionários) Artes e espectáculos (sobre cinema, tv, telenovelas, artistas) Notícias (jornais e revistas, canais de tv) Informática (computadores, software) Serviços (horários de transportes, cartaz de cinemas, etc) Ciências (astronomia, biologia, matemática, ecologia, etc.) Lazer (hobbies, astrologia, bricolage, etc) Ciências humanas (história, psicologia, religião, etc) Rádios ou podcasts Política (partidos, câmaras municipais, governo, políticos) Nº % 2530 84,8 2364 79,6 1842 61,8 1620 54,8 1439 48,7 1409 47,6 1404 47,4 1280 43,4 1184 40,1 1179 39,9 1054 35,7 999 33,9 853 29,0 799 27,1 255 8,6 N = 2970 São detectáveis bastantes variações nas preferências por género (F 3.3.1), que reproduzem os papéis tradicionais: as raparigas mencionam com maior frequência as páginas de redes sociais, de educação e artes e espectáculo, enquanto os rapazes referem mais os vídeos, os videojogos, as páginas de desporto e de informática31. 31 Estas diferenças de género foram também identificadas num inquérito a adolescentes americanos (Lenhart 2007) e britânicos (Livingstone 2006: 222). 94 F 3.3.1 Tipo de páginas visitadas por género (%) 87,7 82,1 vídeos (Youtube, canais de televisão, etc.) videojogos 68,0 Blogs e Redes sociais (Hi5, Myspace, Facebook, etc.) desporto (clubes, futebol, ténis, automobilismo) 58,6 65,6 74,7 34,1 41,2 educação (enciclopédias, dicionários) artes e espectáculos (sobre cinema, tv, telenovelas, artistas) 54,1 39,6 55,5 45,7 40,7 notícias (jornais e revistas, canais de tv) informática (computadores, software) 91,0 51,2 28,8 serviços (horários de transportes, cartaz de cinemas, etc) 37,5 42 ciências (astronomia, biologia, matemática, ecologia, etc.) 33,8 37,8 M F No que respeita à idade (F 3.3.2), verifica-se que as crianças mais velhas tendem a dar respostas afirmativas mais frequentemente em quase todas as categorias, com destaque para as páginas de vídeos, redes sociais, notícias e serviços e à excepção das páginas de informação geográfica e de videojogos. 95 F 3.3.2 Tipo de páginas visitadas por escalões etários (%) 70,2 vídeos (Youtube, canais de televisão, etc.) 86,9 93,9 94,9 81,4 84,1 77,0 71,6 videojogos 31,3 Blogs e Redes sociais (Hi5, Myspace, Facebook, etc.) 63,1 82,7 86,5 49,6 53,7 desporto (clubes, futebol, ténis, automobilismo) 60,8 58,1 53,3 48,8 45,6 44,3 informação geográfica (mapas, países estrangeiros, cidades) 42,3 47,8 51,0 52,1 artes e espectáculos (sobre cinema, tv, telenovelas, artistas) 34,3 38,6 notícias (jornais e revistas, canais de tv) 51,6 56,4 32,7 informática (computadores, software) serviços (horários de transportes, cartaz de cinemas, etc) ciências (astronomia, biologia, matemática, ecologia, etc.) 39,5 47,8 44,5 29,8 36,0 51,1 51,2 36,5 38,5 38,4 27,8 8 a 10 11 a 12 13 a 14 15 a 17 De igual modo, são os alunos do 9º ano a referir com maior frequência as páginas de vídeos, redes sociais, notícias e serviços e os do 4º ano as páginas de educação e informação geográfica (F 3.3.3). 96 F 3.3.3 Tipo de páginas visitadas por ano de escolaridade (%) 69,6 vídeos (Youtube, canais de televisão, etc.) 88,1 96,0 81,9 83,6 videojogos 72,9 Blogs e Redes sociais (Hi5, Myspace, Facebook, etc.) 32,5 65,4 86,8 50,2 54,2 59,5 desporto (clubes, futebol, ténis, automobilismo) informação geográfica (mapas, países estrangeiros, cidades) 53,7 47,0 45,6 48,5 43,5 51,4 educação (enciclopédias, dicionários) artes e espectáculos (sobre cinema, tv, telenovelas, artistas) notícias (jornais e revistas, canais de tv) informática (computadores, software) serviços (horários de transportes, cartaz de cinemas, etc) 43,0 46,1 53,8 35,1 37,2 57,8 32,9 41,0 45,9 29,6 35,0 55,4 4º 6º 9º Existem poucas diferenças estatisticamente significativas relativamente ao tipo de ensino frequentado (F 3.3.4), mas regista-se que os alunos do ensino privado referem mais frequentemente as páginas de vídeos e de serviços, enquanto que os do ensino público revelam maior preferência pelas páginas de redes sociais e de informática. 97 F 3.3.4 Tipo de páginas visitadas por tipo de ensino frequentado (%) vídeos (Youtube, canais de televisão, etc.) 84,1 87,5 Blogs e Redes sociais (Hi5, Myspace, Facebook, etc.) 63,1 58,7 informática (computadores, software) 42,2 33,1 serviços (horários de transportes, cartaz de cinemas, etc) 36,9 49,6 Pub Priv São pouco significativas as diferenças por tipo de agregado doméstico (F 3.3.5), mas crianças que vivem em famílias recompostas tendem a assinalar com maior frequência as páginas de redes sociais e de artes e espectáculos. F 3.3.5 Tipo de páginas visitadas por tipo de agregado doméstico (%) 60,1 68,9 Blogs e Redes sociais (Hi5, Myspace, Facebook, etc.) 75,3 60,4 57,1 45,9 51,7 artes e espectáculos (sobre cinema, tv, telenovelas, artistas) 55,1 50,3 43,8 Biparental Monoparental Recomposta Alargada Outros 98 Relativamente à distribuição regional das respostas (F 3.3.6), constata-se uma maior preferência na zona norte interior pelas páginas de jogos, de desporto, de notícias e de informática e nas áreas metropolitanas pelas páginas de serviços, vídeos e jogos. F 3.3.6 Tipo de páginas visitadas por região (%) 79,3 81,8 86,2 83,3 86,5 87,9 vídeos (Youtube, canais de televisão, etc.) 77,0 82,2 80,7 73,9 81,1 83,1 videojogos 57,8 65,4 desporto (clubes, futebol, ténis, automobilismo) 58,9 51,6 51,0 51,7 42,1 47,6 48,9 52,5 45,4 51,6 educação (enciclopédias, dicionários) 42,7 51,6 notícias (jornais e revistas, canais de tv) 45,6 43,5 40,3 43,5 39,6 informática (computadores, software) serviços (horários de transportes, cartaz de cinemas, etc) Norte litoral Norte interior 50,9 43,2 43,6 35,0 36,4 29,2 30,2 41,3 38,0 45,3 39,8 Área Metropolitana do Porto Centro Área Metropolitana de Lisboa Sul O nível de escolaridade dos pais (F 3.3.7) tem algum impacto sobre as preferências reveladas pelas crianças em matéria de páginas de internet. Os filhos de pais mais escolarizados referem com maior frequências as páginas de educação, de informação geográfica e de serviços e com menor frequência as páginas de redes sociais e de informática, possivelmente porque o uso educacional é encorajado, em detrimento da sociabilidade “menos controlada” permitida por sites como o hi5- 99 O mesmo padrão é revelado pelos filhos dos profissionais científicos, técnicos e de enquadramento (F 3.3.8), enquanto os filhos de empresários tendem a usar mais os sites de vídeos e redes sociais. F 3.3.7 Tipo de páginas visitadas por nível de escolaridade dos pais (%) 80,7 85,7 88,3 86,5 86,6 vídeos (Youtube, canais de televisão, etc.) 73,5 79,7 81,7 81,8 80,2 videojogos 65,4 67,8 68,2 61,7 56,3 Blogs e Redes sociais (Hi5, Myspace, Facebook, etc.) 45,0 47,0 44,3 52,8 53,6 informação geográfica (mapas, países estrangeiros, cidades) 43,3 45,2 45,4 38,7 35,1 informática (computadores, software) 30,8 34,7 serviços (horários de transportes, cartaz de cinemas, etc) 44,5 45,3 47,5 31,2 35,2 39,2 41,2 34,7 ciências (astronomia, biologia, matemática, ecologia, etc.) Elementar Interm baixa Intermédia Intermédia alta Superior 100 F 3.3.8 Tipo de páginas visitadas por categoria socioprofissional dos pais (%) 89,9 87,3 vídeos (Youtube, canais de televisão, etc.) 84,6 82,8 81,0 67,0 58,4 Blogs e Redes sociais (Hi5, Myspace, Facebook, etc.) 65,0 64,1 62,2 40,1 34,4 informática (computadores, software) 45,8 43,8 42,4 49,0 46,3 serviços (horários de transportes, cartaz de cinemas, etc) 39,7 38,0 28,0 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas Por fim, a posse de internet em casa possibilita um uso muito mais diversificado desta tecnologia, pelo que é expectável que as crianças destas famílias afirmem visitar quase todo o tipo de páginas com maior frequência (F 3.3.9). Tal é especialmente saliente no que diz respeito às páginas de serviços: quem tem internet em casa tende a socorrer-se dela para procurar informação útil para o quotidiano (horários de transportes, de filmes no cinema, etc.). 101 F 3.3.9 Tipo de páginas visitadas por posse de acesso à internet em casa (%) 88,0 vídeos (Youtube, canais de televisão, etc.) 72,2 81,0 videojogos 74,1 Blogs e Redes sociais (Hi5, Myspace, Facebook, etc.) 64,0 53,4 informação geográfica (mapas, países estrangeiros, cidades) 50,5 41,5 49,6 educação (enciclopédias, dicionários) 39,5 artes e espectáculos (sobre cinema, tv, telenovelas, artistas) 48,8 42,1 notícias (jornais e revistas, canais de tv) 45,2 36,1 informática (computadores, software) serviços (horários de transportes, cartaz de cinemas, etc) 41,6 34,0 44,8 20 Sim Não Visto que as questões fechadas facilitam as respostas socialmente desejáveis e não necessariamente as verdadeiras, pediu-se ainda às crianças que nomeassem, livremente, os seus três sites preferidos (Q 3.3.2). Q 3.3.2 Indica os teus três sites preferidos: Tipo de site Nº de referências Jogos 2286 Vídeos 1646 Sites referidos com maior frequência miniclip.com jogos.com jogos10.com juegos.com brincar.com minijuegos.com jogos.pt microjogos.com ikariam.com ogame.com traviam.com Youtube.com 102 Redes sociais 1211 Motor de busca 761 Comunicação 428 Desporto 379 Música 188 Educação 168 Animação 153 TV 109 Blogues Fotografias Downloads/partilha de ficheiros Compras 49 43 40 Pornografia Informação 34 32 Automóveis 24 Rádio Informática 23 22 Cinema 21 Desenho Ciência Animais Geografia Leitura Arte Humor Hobbies Fóruns Serviços Chat Aviação Terror Política N = 2770 17 16 15 14 13 13 13 12 10 9 7 2 2 2 36 Wwe.com Hi5.com Myspace.com Google.com Sapo.pt Messenger Hotmail Ojogo.com Futebol.pt Abola.pt Musica2 Musicas.pt Wikipedia.org Janeladosaber.com Disney Cartoonnetwork Panda Sic.pt Morangoscomacucar.pt Blogger.com Fotolog.com Baixaaqui.br a-alvarez.com e-bay.com wow-europe.com Iol.pt Btnext.com Occ.com Tunning.com Cidadefm.pt Ram.com Microsoft.com Movies.com Highschoolmusical desenhosparacolorir.org Abciencia.net Kitt.com Maps.com Ahistoriadodia.pt Deviantart.pt Humortadela.com Vodafone.pt Assustador.com 103 Constata-se que uma grande maioria de crianças referiu à cabeça sites de jogos, ainda que dentro desta categoria exista uma grande diversidade de sites nomeados. Muitos oferecem um amplo leque de jogos aventura, automóveis, tiros, estratégia, desporto, luta, puzzles), a título gratuito, mas rodeados de anúncios a videojogos adquiríveis nas lojas ou de serviços que se podem comprar através do telemóvel. Nestes sites predominam desenhos e cores fortes, sons e música, sinais muito apelativos para crianças. Outros sites contêm apenas um jogo (ikariam, travian) mas, baseando-se em mundos virtuais, exigem visitas continuadas e frequentemente a interacção com outros jogadores. Nem sempre estes jogos são gratuitos. Alguns dos sites de jogos requerem (ou encorajam) que as crianças se registem32. Ganham assim acesso a informação sobre os utilizadores, como o endereço de email ou o país, mas também, facultativamente, os contactos em programas de mensagens instantâneas, o local de residência, interesses pessoais, etc., para poderem personalizar as preferências e aparência do site ou mesmo criar uma personagem online. O mesmo sucede com os sites de redes sociais, disponibilizando ainda mais informação (os jogos que jogam, as pontuações, os amigos virtuais) e gerando o contacto entre jogadores (através de fóruns, trocas de mensagens e de desenhos). De acordo com um estudo sobre o uso da internet pelos jovens no Quebeque (Piétte et al 2007), é esta dimensão de comunidade, de partilha de uma paixão por mundos virtuais, gerando novos laços sociais e sentimentos de pertença, que mais os atrai para estas actividades. Estes jogos geralmente não podem ser descarregados para o computador mas sim jogados online, o que requer tempos de ligação prolongados, só possíveis com o advento do ADSL e das tarifas planas. 32 Sobre o uso de páginas destinadas a crianças como ferramenta de marketing, que recolhe informação sobre elas, ver Steeves e Kerr (2005, p. 91): “the vision behind these places is defined by commercial imperatives that seek to embed surveillance deeper and deeper into children’s playgrounds and social interactions. Online marketers do more than implant branded products into a child’s play; they collect the minute details of a child’s life so they can build a “relationship” of “trust” between the child and brand. Although marketing to children is not new, a networked environment magnifies the effect on a child’s identity because it opens up a child’s private online spaces to the eye of the marketer in unprecedented ways.”. 104 I 3.3.1 Site Miniclip.com I 3.3.2 Site Jogos.com I 3.3.3 Site Minijuegos.com 105 I 3.3.4 Site Ikariam.com I 3.3.5 Site Travian.pt Também são notórias algumas variações na referência a sites de jogos de acordo com as características sociográficas dos inquiridos (F 3.3.10). Esta referência é mais frequente no caso dos rapazes, mais novos, que frequentam o 4º ano e o ensino privado, residentes na região centro, cujos pais atingiram níveis de escolaridade mais elevados e desempenham profissões técnicas, científicas e de enquadramento, que vivem em agregados biparentais ou alargados e que dispõem de internet em casa. 106 F 3.3.10 Caracterização dos inquiridos que referem sites de jogos como os seus género favoritos (%) 62,8 Rapazes 48,9 Raparigas 81 ,0 tipo de ensino ano de escolaridade escalões etários 8 a 1 0 anos 38,2 1 3 a 1 4 anos 1 5 a 1 7 anos 24,3 81 ,0 4º 60,4 6º 9º 28,0 54,7 Público 59,2 Priv ado Norte litoral Norte interior região 63,2 1 1 a 1 2 anos 50,0 41 ,3 53,0 Área Metropolitana do Porto 65,1 Centro 58,0 Área Metropolitana de Lisboa 55,2 Sul categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais Elementar Intermédia baixa 42,4 50,1 Intermédia 56,9 Intermédia alta 55,6 64,9 Superior Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes 50,3 Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 62,5 Trabalhadores administrativ os e v endedores 56,3 Trabalhadores executantes pluriactiv os 57 ,0 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 46,7 57 ,6 tipo de agregado doméstico Biparental Recomposta Alargada Outros internet em casa 53,4 Monoparental Sim Não 42,6 57 ,9 50,6 57 ,0 50,8 107 Nas preferências dos jovens internautas seguem-se os sites de vídeos, estes sim dominados pela referência a um site em particular, o Youtube. São porém muito diversos os tipos de vídeos disponibilizados (videoclips de música, trailers de filmes, programas de tv, vídeos domésticos carregados por outros utilizadores), pelo que é difícil avaliar os conteúdos mais visitados pelas crianças (ou mesmo criados por elas). Neste caso, o registo apenas é obrigatório para os utilizadores que queiram colocar online os seus vídeos. O site tem anúncios, alguns dirigidos a crianças (como serviços que se podem comprar através do telemóvel), a possibilidade de deixar comentários, fazer listas de vídeos favoritos, partilhá-los com amigos, subscrever canais e participar em comunidades virtuais. I 3.3.6 Site Youtube.com A preferência por este tipo de sites é mais socialmente disseminada, mas registam-se variações significativas ao nível do género (é mais referido por rapazes), da idade (mais referido por crianças mais velhas), do ano de escolaridade (mais referido por alunos do 9º ano), da região (menos referido no centro e norte interior do país) e da posse de acesso à internet em casa (F 3.3.11). 108 F 3.3.11 Caracterização dos inquiridos que referem sites de vídeos como os seus género favoritos (%) Rapazes Raparigas 8 a 10 anos escalões etários 60,0 54,9 37,1 11 a 12 anos 58,0 69,5 13 a 14 anos ano de escolaridade 15 a 17 anos 4º 74,8 37,0 6º 59,3 9º 74,4 59,8 Norte litoral região Norte interior 54,1 59,9 Área Metropolitana do Porto Centro 48,9 Área Metropolitana de Lisboa 59,7 60,2 internet em casa Sul Sim Não 59,0 51,5 Em terceiro lugar, entre os sites preferidos pelas crianças encontram-se as redes sociais33, nomeadamente dois sites: hi5 e myspace. Estas redes requerem obrigatoriamente uma inscrição e permitem às crianças criar uma página de apresentação pessoal, partilhada com amigos mas também em alguns casos acessível a desconhecidos. Nela podem exibir fotografias, desenhos, textos, vídeos, animações, listas de preferências (em música, livros, cinema, etc.), links, entradas de diário, comentários. Apesar de gratuitos, estes sites contêm anúncios. Não são exclusivamente 33 De acordo com um estudo efectuado pelo Ofcom britânico, as redes sociais são mais frequentemente utilizadas por crianças e adolescentes que por adultos: no Reino Unido 49% das crianças entre os 8 e 17 anos têm um perfil pessoal numa rede social (Ofcom 2008). Crianças e adultos tendem a utilizar sites de redes sociais diferentes. 109 utilizados por crianças e as redes de “amigos virtuais” estendem-se geralmente muito para além dos círculos de convivência e conhecimento directo das crianças.34 I 3.3.7 Site Hi5.com I 3.3.8 Site myspace.com As redes sociais como sites favoritos são referidas mais frequentemente por raparigas, por crianças mais velhas, que frequentam o 9º ano, no ensino público, que residem no 34 “Although contact lists on sites talk about ’friends’, social networking sites stretch the traditional meaning of ‘friends’ to mean anyone with whom a user has an online connection. Therefore the term can include people who the user has never actually met or spoken to. Unlike offline (or ‘real world’) friendship, online friendships and connections are also displayed in a public and visible way via friend lists.” (Ofcom 2008: 7). 110 norte interior, cujos pais têm baixas qualificações e desempenham profissões manuais ou administrativas (mas também como empresários e quadros dirigentes) e que vivem em agregados domésticos recompostos (F 3.3.12). F 3.3.12 Caracterização dos inquiridos que referem sites de redes sociais como os seus 33,6 Rapazes 51,9 Raparigas 8 a 10 anos 11,2 42,8 11 a 12 anos 13 a 14 anos 63,3 67,7 ano de escolaridade 15 a 17 anos 4º tipo de ensino escalões etários género favoritos (%) Público 11,7 45,6 6º 67,0 9º Privado 45,0 34,8 48,4 Norte litoral 52,0 região Norte interior Área Metropolitana do Porto 41,5 Centro 42,1 Área Metropolitana de Lisboa 39,0 categoria nível de escolaridade dos socioprofissional dos pais pais Sul 49,8 Elementar 52,7 Intermédia baixa Intermédia Intermédia alta Superior 47,7 38,3 32,7 44,1 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 36,4 Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos 48,5 45,6 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas Biparental tipo de agregado doméstico 45,8 47,8 40,9 48,4 Monoparental Recomposta Alargada Outros 53,8 41,3 44,4 Os motores de busca, referidos por cerca de um quarto da amostra, são uma porta de entrada para a multiplicidade de conteúdos da internet, funcionando essencialmente 111 como um instrumento de pesquisa de informação35. Destacam-se o Google e o Sapo. No entanto, sites como o Sapo têm conteúdos próprios (notícias, vídeos, blogues, fotografias, mapas, vendas, áreas temáticas), pelos quais as crianças podem navegar de forma mais restrita. Estes motores de busca têm geralmente anúncios e programas próprios de correio electrónico e mensagens instantâneas. I 3.3.9 Site Google.com I 3.3.10 Site Sapo.pt Os motores de busca são alvo de uma utilização bastante generalizada pelas crianças, mas mencionados mais frequentemente pelas raparigas, pelas crianças mais velhas, que frequentam o 3º ciclo do ensino básico, em escolas privadas e que possuem internet em casa (F 3.3.13). 35 Segundo um estudo realizado no Quebeque (Piétte et al 2007), o motor de pesquisa Google é praticamente a unica porta de acesso à pesquisa na internet pelos jovens. 112 F 3.3.13 Caracterização dos inquiridos que referem os motores de busca como os seus género sites favoritos (%) Rapazes Raparigas 8 a 10 anos escalões etários 21,9 27,9 19,3 11 a 12 anos 24,6 13 a 14 anos 26,5 31,7 internet em casa tipo de ensino ano de escolaridade 15 a 17 anos 4º 6º 19,0 24,3 9º Público 30,8 23,6 Privado Sim Não 28,9 23,8 29,4 Os programas de comunicação referidos pelas crianças não são em sentido estrito sites, mas sim dispositivos de correio electrónico ou de mensagens instantâneas que podem ser instalados nos computadores ou acedidos através de páginas na internet (geralmente por quem não tem computador próprio). Os referidos com maior frequência são o Hotmail (correio electrónico) e o Messenger (mensagens instantâneas), ambos serviços gratuitos da Microsoft. São indicados com maior preferência por raparigas36, por crianças a partir dos 13 anos, que frequentam o 6º ou o 9º ano, que residem no norte interior, cujos pais têm um nível de escolaridade baixo e desempenham profissões pouco qualificadas e que não têm internet em casa (F 3.3.14). 36 Este dado contrasta com os resultados obtidos por Livingstone (2006: 222), que verificou que os rapazes executam mais actividades entre pares, incluindo a comunicação por email e mensagens instantâneas. 113 F 3.3.14 Caracterização dos inquiridos que referem os sites de comunicação como os seus favoritos (%) 10,3 género Rapazes 19,7 Raparigas escalões etários 8 a 10 anos 8,1 16,3 11 a 12 anos 18,3 13 a 14 anos 19,1 15 a 17 anos tipo de ano de ensino escolaridade 4º 8,7 17,0 6º 9º 18,4 16,0 Público Privado 11,7 19,0 Norte litoral Norte interior 25,0 região Área Metropolitana do Porto 14,1 17,9 Centro Área Metropolitana de Lisboa 10,9 14,9 Sul 22,0 Intermédia baixa 20,7 Intermédia Intermédia alta Superior 13,0 11,9 9,9 16,8 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento internet em casa categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais Elementar 10,5 Trabalhadores administrativos e vendedores 16,7 Trabalhadores executantes pluriactivos 17,7 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas Sim Não 20,5 13,6 20,8 Com menor número de respostas, mas acima das 100 referências, surgem os sites ligados a interesses de entretenimento das crianças, nomeadamente música (onde se descarrega música, dedicados a artistas, a bandas específicas), de desporto (jornais desportivos, clubes de futebol ou outras modalidades), de educação (páginas das escolas, enciclopédias), animação (banda desenhada e desenhos animados) e televisão (dedicados a canais de televisão ou programas específicos, como telenovelas dirigidas a jovens). 114 Tendo sido cruzados os sites indicados em primeiro e segundo lugar nas preferências das crianças, constata-se que as combinações mais usuais são jogos-jogos (305 casos), vídeos-redes sociais (181), jogos-vídeos (176), vídeos-jogos (171) e redes sociaiscomunicação (120). Há que referir que muitos destes sites não são portugueses mas sim de origem americana (usados por utilizadores de todo o mundo), ainda que tenham frequentemente uma versão traduzida para português (caso do hi5, myspace, messenger, wikipedia, youtube). Mas dada a hegemonia do inglês na internet (Bevort e Bréda 2001: 91), foi considerado relevante perguntar às crianças se costumavam visitar páginas nesse idioma. Verifica-se que metade dos inquiridos respondeu afirmativamente (Q 3.3.3). Q 3.3.3 Costumas ver páginas na Internet em inglês? Sim Nº % 1514 50,8 N = 2978 Constata-se que é mais frequente o visionamento de páginas em inglês por rapazes, com idades a partir dos 13 anos, que frequentam o 9º ano e o ensino privado, que residem nas áreas metropolitanas e em agregados domésticos monoparentais, cujos pais são mais escolarizados e desempenham profissões mais qualificadas e que dispõem de internet em casa (F 3.3.15). 115 género F 3.3.15 Caracterização dos inquiridos que afirmam ver páginas em inglês (%) M 43,2 F 8 a 10 escalões etários 5 8,7 38,1 11 a 12 5 0,1 61 ,9 13 a 14 ensino tipode anodeescolaridade 15 a 17 4º 61 ,3 37 ,1 5 0,0 6º 9º 65 ,5 Pub 47 ,2 Priv 63,3 Norte litoral região Norte interior 46,8 39,2 Área Metropolitana do Porto 5 6,5 Centro 47 ,0 Área Metropolitana de Lisboa 5 3,7 Sul 45 ,8 tipodeagregadodoméstico Biparental 5 6,7 Monoparental Recomposta 5 4,1 Alargada Outros Elementar nível deescolaridadedos pais 5 0,7 49,6 33,0 36,4 Intermédia baixa 45 ,3 5 5 ,5 Intermédia Intermédia alta 5 9,9 Superior 61 ,2 60,2 pais Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 5 8,4 Trabalhadores administrativ os e v endedores 5 2,7 Trabalhadores executantes pluriactiv os Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 43,9 37 ,3 Sim 5 5 ,4 casa internet em categoria socio-profissional dos Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Não 32,6 116 Q 3.3.4 Costumas ver páginas na Internet noutra língua que não português? Sim Nº % 802 27,2 N = 2945 Um pouco menos de um terço dos inquiridos afirmou ainda visitar habitualmente páginas noutra língua para além do português e do inglês (Q 3.3.4). Entre as páginas em línguas estrangeiras indicadas pelas crianças há a destacar os idiomas mais aproximados ao português, como o espanhol (13,3%) e o “brasileiro” (3,7%), os idiomas ensinados na escola, como o francês (8,6%) e o alemão (2,8%), e os idiomas das novas comunidade imigrantes em Portugal (russo, romeno, ucraniano, chinês). 3.4 Comunicação Para além de uma ferramenta de pesquisa de informação, a internet funciona também como um veículo de comunicação entre indivíduos, através do correio electrónico, das mensagens instantâneas, das chamadas de voz e imagem. O uso destes dispositivos é uma das utilizações mais frequentes da internet, sobretudo entre os jovens (vide, por exemplo, Piétte et al : 2007; Livingstone et al: 2008). Tentou-se analisar de que forma as crianças mantêm contactos e relacionamentos, à distância ou de proximidade, através desta tecnologia, perguntando-lhes com quem comunicam através da internet (Q 3.4.1). Q 3.4.1 Com quem é que costumas comunicar através da Internet (email, messenger, skype): Nº % Amigos 2415 90,2 Colegas da escola 2172 81,1 Outros familiares 1912 71,4 Amigos ou familiares que estão no estrangeiro 1229 45,9 Irmãos 1026 38,3 Pai 660 24,7 Mãe 643 24,0 Professores 488 18,2 Pessoas que não conheço 427 16,0 Avós 268 10,0 Outros 109 4,1 N = 2677 117 Ainda que se verifique que a internet serve sobretudo para comunicar com o grupo de pares (amigos e colegas de escola), é de destacar o peso acentuado de membros da família alargada (primos, tios, sobrinhos), alguns fora do país, e mesmo que cerca de um quarto refere a própria família nuclear37. Para um pouco menos de 20% dos inquiridos é também um instrumento de comunicação com professores. Em geral, como se pode notar, a internet é assim um instrumento que vem reforçar laços de comunicação entre pessoas que partilham uma rede próxima no quotidiano. Por outro lado, 16% das crianças afirmaram ainda comunicar com pessoas que não conhecem, que não podem ser consideradas exclusivamente “estranhos perigosos” mas também outras crianças com quem têm em comum gostos musicais ou jogos online, que estabelecem contacto neste tipo de sites ou em páginas de redes sociais38. São assinaláveis algumas diferenças por género: as raparigas tendem a usar mais a internet para comunicar com amigos, colegas, outros familiares e professores (F 3.4.1). F 3.4.1 Comunicação através da internet por género (%) 88,9 91,5 78,9 83,2 74,3 68,9 16,5 Amigos Colegas da escola Outros familiares M 19,8 Professores F As práticas comunicacionais variam também com a idade: as crianças mais velhas tendem a comunicar preferencialmente com os seus pares (amigos e colegas de escola), 37 Dados semelhantes foram obtidos para as famílias americanas através do Pew Project (Kennedy et al 2008), que constatou que a tecnologia tem facilitado novas formas de ligação familiar, permitindo a comunicação entre membros e a coordenação de actividades. Os inquiridos afirmaram também que a internet lhes permite reforçar a ligação com a família não co-residente. 38 Num inquérito a adolescentes americanos (Smith 2007), um terço afirmou ter sido contactado online por desconhecidos, mas apenas um quarto desse grupo considerou a experiência desagradável ou ameaçadora. Verificou-se que os adolescentes com páginas pessoais em redes sociais eram mais frequentemente alvo de contactos de desconhecidos. 118 professores e com familiares que estão no estrangeiro, enquanto as crianças mais novas comunicam mais com membros do seu círculo familiar directo (pais e avós). O contacto com estranhos através da internet é também mais comum entre as crianças acima dos 13 anos. F 3.4.2 Comunicação através da internet por escalões etários (%) 97,7 96,8 93,3 91,8 90,5 87,1 74,8 56,8 53,7 52,8 42,4 39,2 34,7 28,1 34,3 28,2 17,6 14,2 Amigos Colegas da escola 15,8 12,5 Amigos ou familiares que estão no estrangeiro Pai Mãe 8 a 10 anos 11 a 12 anos 13 a 14 anos 23,7 20,8 15,8 15,0 Professores 27,2 25,3 17,4 10,2 7,2 8,68,7 4,7 Pessoas que não conheço Avós 15 a 17 anos Paralelamente, os alunos do 4º ano tendem a declarar com maior frequência comunicar com os pais e os avós, enquanto que os do 2º e 3º ciclo referem mais os amigos, colegas, familiares no estrangeiro, professores e desconhecidos (F 3.4.3). F 3.4.3 Comunicação através da internet por ano de escolaridade (%) 98,1 94,4 92,7 88,0 74,5 57,1 53,7 43,0 39,8 33,8 26,2 34,0 26,1 15,9 Amigos Colegas da escola Amigos ou familiares que estão no estrangeiro Pai 4º Ano 14,1 Mãe 6º Ano 22,8 16,0 15,5 Professores 26,0 12,3 8,0 Pessoas que não conheço 16,7 8,86,0 Avós 9º Ano 119 No que respeita ao tipo de ensino frequentado, as distinções são mais notórias na comunicação com a família (mais frequente no caso dos alunos do ensino privado) e com desconhecidos (mais frequente no caso de alunos do ensino público) (F 3.4.4). F 3.4.4 Comunicação através da internet por tipo de ensino (%) 80,2 84,1 74,5 70,4 42,5 37,0 36,8 34,8 20,8 20,6 18,4 15,9 8,3 Colegas da escola Outros familiares Irmãos Pai Público Mãe Pessoas que não conheço 8,1 Avós Privado É nas áreas metropolitanas que as crianças mais utilizam a internet para comunicar com os pais (F 3.4.5). F 3.4.5 Comunicação através da internet por região (%) 94,5 91,091,3 88,688,1 86,2 85,5 81,783,2 78,9 77,6 74,3 75,9 74,0 72,8 69,7 66,6 64,0 41,1 41,1 38,5 38,0 31,0 28,0 Amigos Norte litoral Colegas da escola Norte interior Outros familiares Irmãos Área Metropolitana do Porto 31,4 30,3 27,5 25,6 22,9 21,321,0 19,5 20,718,1 18,1 16,7 15,5 12,8 12,6 10,3 9,7 26,3 Pai Centro Mãe Professores Área Metropolitana de Lisboa Sul 120 Verifica-se que a internet pode também ser utilizada para manter o contacto em caso de rupturas familiares: as crianças que vivem em agregados monoparentais (maioritariamente maternos) tendem a usar mais a internet para comunicar com o pai e as crianças que vivem em outras situações (instituições, famílias de acolhimento) para contactar a mãe (F 3.4.6). A comunicação com desconhecidos é também mais frequente por parte de crianças nestas situações e que vivem em famílias recompostas. F 3.4.6 Comunicação através da internet por tipo de agregado doméstico (%) 74,0 70,970,4 65,4 60,6 32,8 29,1 24,5 27,7 23,4 Monoparental 29,5 24,6 16,4 13,9 Pai Biparental 30,8 20,4 19,017,9 Outros familiares 29,7 Mãe Recomposta Alargada 17,5 Pessoas que não conheço Outros As crianças cujos pais têm um capital escolar mais elevado tendem a comunicar mais com eles via internet e menos com desconhecidos (F 3.4.7). De igual forma, são os filhos de profissionais científicos, técnicos e de enquadramento, que mais comunicam com os pais pela internet e os filhos de operários e operadores de máquinas que mais falam com desconhecidos (F 3.4.8). 121 F 3.4.7 Comunicação através da internet por nível de escolaridade dos pais (%) 74,3 74,3 74,2 70,5 63,0 38,8 36,0 34,2 28,730,1 26,3 14,1 22,0 22,0 17,6 13,0 8,6 13,7 8,0 7,7 Outros familiares Pai Elementar Mãe Interm baixa 16,5 11,0 9,2 4,8 5,5 Pessoas que não conheço Intermédia Intermédia alta Avós Superior F 3.4.8 Comunicação através da internet por categoria socioprofissional dos pais (%) 74,075,1 73,4 70,0 64,5 35,5 34,1 28,7 24,7 26,0 24,8 22,1 18,819,2 13,6 10,3 15,4 10,5 10,610,1 13,312,6 9,7 6,5 Outros familiares Pai Mãe Pessoas que não conheço 4,6 Avós Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas Os dados aqui apresentados revelam que os usos lúdicos e comunicacionais da internet predominam sobre outros tipos de utilização pelas crianças. De sublinhar também que as características sócio-demográficas das crianças e das famílias a que pertencem tem um impacto relevante no tipo de uso que é feito. Em termos de género, tendem a reproduzir-se papéis tradicionais: as raparigas dedicam-se predominantemente a práticas comunicacionais e de sociabilidade, os rapazes utilizam mais intensivamente a 122 internet para jogos e procura de informação sobre os seus hobbies típicos (desporto). Como seria de esperar, as crianças mais velhas fazem um uso mais frequente e diversificado da internet e também mais sustentado no relacionamento com os pares. Salientam-se ainda as diferenças relativas à classe social: as famílias mais favorecidas proporcionam às suas crianças maiores oportunidades de acesso, aprendizagem e utilização da internet, mas mantêm algo resguardado, face ao exterior desconhecido, este seu espaço de comunicação. São também as que exercem maior vigilância e controlo sobre o seu uso, como se verá na secção seguinte. 123 4 Normas e valores 4.1 Regras de utilização da internet Um dos temas mais frequentemente abordados na literatura sobre o uso da internet pelas crianças diz respeito aos perigos a que estão expostas e o controlo que os pais exercem sobre as actividades online dos filhos (vide, por exemplo, Hasebrink et al: 2008; Livingstone et al: 2008). No respeitante à existência de regras estabelecidas pelos pais sobre o uso da internet, verifica-se que pouco mais de metade das crianças responde afirmativamente (Q 4.1.1)39. Q 4.1.1 Em tua casa, há regras sobre o que podes fazer na Internet? Nº Sim % 1615 55,6 N = 2903 Já sobre a matéria sobre a qual incidem essas regras (Q 4.1.2), constata-se que a preocupação principal dos pais (tal como percebida pelos filhos) diz respeito ao conteúdo das páginas visitadas, seguido das pessoas com quem as crianças estão autorizadas a comunicar e das informações que dão sobre si ou sobre a família. Q 4.1.2 Sobre o que são essas regras? Nº Sobre o tipo de páginas que posso visitar Sobre as pessoas com quem posso comunicar Sobre compras na Internet Sobre as informações que posso dar sobre mim ou a minha família Sobre os downloads ilegais (cópias piratas de música ou filmes) Sobre quanto tempo posso estar a usar a Internet Sobre o uso de programas de mensagens e chats Sobre os dias em que posso usar a Internet Sobre as alturas do dia em que posso usar a Internet % 1155 71,5 1005 62,2 963 59,6 951 58,9 857 53,1 772 47,8 703 43,5 549 34,0 502 31,0 N = 1615 39 O projecto EU kids on line (Hasebrink et al 2008), com base em dados do Eurobarometro, verificou que os pais tendem mais a estabelecer regras para o uso da televisão que para a internet, e que em Portugal apenas 9% dos pais afirmam impor regras sobre a internet aos filhos (no entanto, esta contagem inclui famílias sem internet em casa). 124 Acima dos 50% de respondentes encontram-se também regras relativas ao consumo através da internet, tanto legal (compras electrónicas) como ilegal (downloads). Menos vigiado é a duração e momento do uso da internet40. Atentando agora às variações das respostas segundo as características das crianças e das suas famílias, constata-se que as raparigas reconhecem mais frequentemente a existência de regras de uso da internet e a incidência destas regras sobre as práticas comunicacionais (os interlocutores, as informações dadas, o uso de programas de comunicação) (F 4.1.1)41. F 4.1.1 Regras de uso da internet por género (%) 66,3 57 ,9 62,8 58,2 55,2 53,2 48,1 38,6 ex istência de regras pessoas com quem posso comunicar M informações que posso dar sobre mim ou a minha família uso de programas de mensagens e chats F As crianças mais novas também parecem estar mais sujeitas a regras de uso da internet do que as mais velhas, em praticamente todo o tipo de regras considerado (F 4.1.2)42. 40 Resultados semelhantes foram obtidos estudos internacionais (MacGill 2007; Hasebrink et al 2008): os pais tendem a regular mais o conteúdo que o tempo de uso da internet. 41 Este dado contrasta com os resultados obtidos por Livingstone (2006: 222) em entrevistas realizadas a pais, que afirmam estabelecer regras iguais para rapazes e raparigas. 42 Resultados semelhantes foram obtidos por Piétte et al 2007 e Livingstone 2006. 125 F 4.1.2 Regras de uso da internet por escalão etário (%) 7 7 ,7 7 4 ,1 6 4 ,3 6 1 ,8 6 96,67 ,8 6 5,4 6 2 ,4 6 3 ,6 59 ,8 4 9 ,8 4 4 ,9 4 9 ,0 6 0,0 58,3 52 ,0 34,82 ,2 4 24,5 4 0,4 3 7 ,5 3 8,8 existência de regr as 57 ,9 52 ,4 4 7 ,0 tipo de pessoas com com pr as na páginas que qu em posso Inter net posso com unicar v isitar 8 a 10 4 4 ,1 4 3 ,4 3 8,2 3 43,34 ,2 3 2 ,3 2 8,5 2 4 ,9 2 9 ,9 2 8,3 2 3 ,1 dias em que altu ras do dow nloads quanto uso de tem po posso progr am as posso usar a dia em que ilegais Internet posso u sar a estar a usar de (cópias pir atas de a Inter net m ensagens Inter net m ú sica ou e chats film es) 11 a 12 13 a 14 15 a 17 De igual modo, as crianças que frequentam o 4º ano de escolaridade declaram a existência de regras mais que as suas congéneres de anos mais avançados, excepto no que diz respeito às compras online (que registam uma taxa de resposta superior entre os estudantes do 6º ano) (F 4.1.3). F 4.1.3 Regras de uso da internet por ano de escolaridade (%) 7 6,5 7 4 ,4 6 3 ,8 60,1 69 ,2 65,5 6 0,1 4 7 ,8 6 4 ,4 6 0,9 59 ,1 57 ,2 57 ,9 52 ,0 50,7 4 2 ,9 4 2 ,8 4 1 ,8 3 8,1 4 1 ,7 44 ,5 3 7 ,9 3 4,4 2 9 ,2 2 5,7 existência de regr as tipo de pessoas com com pras na páginas que quem posso Internet posso com unicar v isitar 2 8,5 25,5 downloads quanto uso de dias em que alturas do ilegais tem po posso program as posso usar a dia em que (cópias estar a usar de Internet posso usar a pir atas de a Internet m ensagens Inter net m úsica ou e chats film es) 4º 6º 9º 126 As diferenças por tipo de ensino são menos notórias, ainda que os estudantes do ensino privado tendam mais a declarar a existência de regras e a incidência destas sobre as informações que podem dar sobre si ou sobre a família (F 4.1.4). F 4.1.4 Regras de uso da internet por tipo de ensino (%) 65,6 59,1 56,7 54,5 ex istência de regras informações que posso dar sobre mim ou a minha família Pub Priv São também diminutas as diferenças regionais (F 4.1.5), ainda que as crianças que residem nas áreas metropolitanas estejam mais sujeitas a regras mas menos sobre a duração do uso (possivelmente porque é nestas zonas que o acesso de banda larga e tarifa plana está mais disseminado). F 4.1.5 Regras de uso da internet por região (%) 57 ,0 56,0 59,0 50,5 58,6 48,8 46,9 42,4 ex istência de regras 54,6 53,2 51 ,9 41 ,8 quanto tempo posso estar a usar a Internet Norte litoral Norte interior Área Metropolitana do Porto Centro Área Metropolitana de Lisboa Sul 127 Os agregados domésticos biparentais e recompostos, onde os dois progenitores da criança ou pelo menos um deles vive em casal, são os que mais tendem a impor regras de uso da internet (F 4.1.6). F 4.1.6 Regras de uso da internet por tipo de agregado doméstico (%) 60,4 57 ,6 59,7 58,8 55,9 51 ,6 53,5 51 ,6 48,3 45,0 ex istência de regras Biparental Monoparental informações que posso dar sobre mim ou a minha família Recomposta Alargada Outros A qualificação dos pais influi também sobre a imposição de regras (F 4.1.7 e F 4.1.8): os filhos de pais que atingiram níveis de escolaridade mais elevados e que desempenham profissões de científicas ou de enquadramento reconhecem mais frequentemente a existência de regras, sobretudo no que diz respeito à comunicação via internet. Nas famílias com ocupações menos qualificadas a principal preocupação dos pais reside nos dias de uso da internet (o que poderá estar associado ao seu custo). 128 F 4.1.7 Regras de uso da internet por nível de escolaridade dos pais (%) 7 0,8 6 8,3 63 ,9 6 0,5 59 ,0 6 6 ,0 6 2,7 6 2 ,0 58,2 57 ,5 57 ,2 54 ,1 6 4,7 6 4 ,3 57 ,9 56 ,5 50,3 4 6,4 46 ,9 4 5,446 ,1 4 5,4 4 2,5 4 1 ,1 3 4 ,5 existência de regr as pessoas com quem posso com unicar Elem entar com pras na Inter net Interm édia baixa Inter m édia inform ações que posso dar sobre m im ou a m inha fam ília Interm édia alta uso de pr ogram as de m ensagens e chats Superior F 4.1.8 Regras de uso da internet por categoria socioprofissional dos pais (%) 6 8,0 6 2 ,6 57 ,5 59 ,9 57 ,2 6 1 ,06 2 ,0 57 ,1 57 ,3 52 ,2 51 ,2 6 4 ,8 6 2 ,4 4 9 ,8 4 5,7 3 8,1 3 9 ,1 3 8,1 3 2 ,1 2 5,7 existência de regr as pessoas com quem posso com unicar infor m ações que posso dar sobre m im ou a m inha fam ília dias em que posso usar a Inter net Em pr esár ios, Quadr os Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadram ento Tr abalhador es adm inistrativ os e v endedores Trabalhadores executantes plur iactiv os Operár ios, Operadores e Condutor es de Máquinas 4.2 Controlo das páginas visitadas Para além do estabelecimento de regras, o controlo do uso da internet pelos pais passará também pela verificação do cumprimento dessas regras. Um dos aspectos que condiciona a vigilância que os pais exercem sobre o uso da internet é a localização do computador no espaço doméstico. Os computadores localizados em espaços comuns (referidos por perto de metade dos inquiridos) são mais acessíveis ao controlo pelos pais do que os usados nos quartos das crianças (38%). No 129 entanto, a existência de mais que um computador em casa e a vulgarização dos computadores portáteis (perto de um terço dos inquiridos) veio diluir as fronteiras do uso da internet em espaços partilhados ou privados. Q 4.2.1 Onde é que está o computador com ligação à Internet que costumas usar? Nº % Está noutra divisão da casa (escritório, sala) 1156 48,3 Está no meu quarto 908 38,0 É portátil, pode ser usado em qualquer lado 786 32,9 N = 2392 Verifica-se que a posse do computador no quarto das crianças (F 4.2.1) é mais frequentemente referida por rapazes que por raparigas (o que pode indiciar tanto uma menor imposição pelos pais de restrições à autonomia masculina, como a sua ideia de que esta tecnologia é sobretudo uma competência dos rapazes), por crianças mais velhas e que frequentam níveis de escolaridade mais avançados (consideradas mais responsáveis e independentes), por alunos do ensino público mais que do privado, por residentes nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, por crianças que vivem em agregados domésticos recompostos (nos quais as dinâmicas familiares poderão conferir às crianças um maior grau de autonomia). Os pais com maior capital escolar e que desempenham profissões mais qualificadas são os que em menor proporção permitem aos filhos o uso da internet no quarto. 130 género F 4.2.1 Posse de computador ligado à internet no quarto (%) 3 6 ,0 F 8 a 10 escalões etários 40,0 M 3 0,3 3 7 ,8 11 a 12 4 2,1 13 a 14 4 6 ,9 tipo de ensino ano de escolaridade 15 a 17 4º 3 8,1 6º 4 3 ,8 9º 40,8 Pub Priv Norte litoral Norte interior região 3 2 ,1 3 1 ,0 3 4,2 3 0,5 3 9 ,0 Área Metropolitana do Porto Centro 3 1 ,9 4 1 ,2 Área Metropolitana de Lisboa Sul 3 9 ,5 3 7 ,0 categoria socio-profissional dos pais nível de escolaridade dos pais tipo de agregado dméstico Biparental Monoparental 3 3 ,5 51 ,7 Recom posta 3 8,4 Alargada 50,8 Outros 4 5,6 Elem entar Interm édia baixa 46 ,5 Interm édia 4 5,8 3 5,4 Interm édia alta Superior 2 8,6 3 8,7 Em presár ios, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadram ento 3 0,8 Trabalhadores adm inistrativ os e v endedores 4 4 ,4 Trabalhadores executantes pluriactiv os 4 4 ,5 Operár ios, Operadores e Condutores de Máquinas 4 6 ,7 131 Tendo sido perguntado às crianças se alguém controlava directamente o seu uso da internet, nomeadamente as páginas visitadas e o correio electrónico, verifica-se que pouco menos de metade é sujeito a algum tipo de vigilância, sendo esta essencialmente exercida pelos pais, mas também pelos irmãos (Q 4.2.2)43. Mais de metade, porém, afirma que ninguém vê as páginas de consulta. Q 4.2.2 Em casa, quando estás a usar a Internet, alguém vê as páginas que estás a consultar ou o teu correio electrónico? Nº 1299 % 54,3 Os meus pais 700 29,3 Os meus irmãos 475 24,0 Outras pessoas 118 4,9 Ninguém N = 2392 O controlo do uso da internet varia igualmente segundo as características sóciodemográficas dos inquiridos. As crianças mais velhas tendem a afirmar mais frequentemente não serem sujeitas ao controlo de ninguém, enquanto as mais novas reconhecem mais frequentemente a vigilância dos pais e dos irmãos, ainda que seja de realçar que quase metade das crianças entre os 8 e os 10 anos afirme não ser supervisionada no uso da internet (F 4.2.2). F 4.2.2 Controlo da internet e correio electrónico por escalões etários (%) 7 0,5 64,8 50,6 42,2 38,0 34,0 20,0 Ninguém 24,5 1 6,3 Os meus pais 8 a 10 11 a 12 13 a 14 20,6 1 8,1 1 5,4 Os meus irmãos 15 a 17 43 O Pew Project (Kennedy et al 2008) verificou que em cerca de metade das famílias americanas inquiridas o uso da internet era ocasionalmente partilhado, ou seja, que vários membros da família navegavam na internet em conjunto, mas que tal era mais frequente no caso das famílias com menor número de computadores em casa. Bevort e Bréda (2001: 69) verificaram que no caso dos jovens franceses 38% declararam navegar na internet em conjunto com os irmãos, 39% com os pais e 54% com amigos. 132 Em paralelo, perto de 70% dos alunos do 9º ano afirma não ser vigiado por ninguém, enquanto que as crianças do primeiro ciclo declaram em maior proporção sentir o controlo dos pais e irmãos (F 4.2.3). F 4.2.3 Controlo da internet e correio electrónico por ano de escolaridade (%) 68,9 51 ,7 42,6 36,4 32,8 24,8 1 8,5 Ninguém Os meus pais 4º 6º 20,0 1 6,3 Os meus irmãos 9º Os estudantes do ensino privado declaram em menor proporção ser vigiados no uso da internet (F 4.2.4). F 4.2.4 Controlo da internet e correio electrónico por tipo de ensino (%) 57 ,9 53,0 Ninguém Pub Priv São os agregados familiares biparentais que tendem a exercer maior vigilância sobre as suas crianças na utilização da internet (F 4.2.5). 133 F 4.2.5 Controlo da internet e correio electrónico por tipo de agregado doméstico (%) 31 ,7 29,0 25,2 22,9 7 ,9 Os meus pais Biparental Monoparental Recomposta Alargada Outros Em concordância com os resultados acima descritos, são os pais mais qualificados que com maior frequência vigiam as páginas web e a correspondência electrónica dos seus filhos (F 4.2.6 e F 4.2.7), mas é também necessário destacar que nas famílias mais desfavorecidas essa função tende a recair sobre os irmãos. F 4.2.6 Controlo da internet e correio electrónico por nível de escolaridade dos pais (%) 33,2 30,6 29,8 28,1 28,2 23,0 20,5 1 8,6 1 9,1 1 6,5 Os meus pais Elementar Interm baix a Os meus irmãos Intermédia Intermédia alta Superior 134 F 4.2.7 Controlo da internet e correio electrónico por categoria socioprofissional dos pais (%) 3 2 ,9 3 1 ,3 2 9 ,9 2 7 ,2 26 ,1 2 2 ,8 2 1 ,2 2 0,1 1 9,3 1 5,2 Os m eus pais Os m eus irm ãos Em presários, Quadros Superior es e Dir igentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadram ento Trabalhadores adm inistr ativ os e v endedor es Trabalhadores executantes pluriactiv os Operár ios, Operador es e Condutor es de Máquinas 4.3 Medos A internet é muitas vezes retratada nos media (e até em trabalhos científicos) como uma fonte de riscos para as crianças: pedofilia, cyber-bullying, roubo de identidade, exposição a pornografia e a violência, etc. Considerámos ser relevante indagar que medos têm as crianças ao utilizarem a internet. A maioria das crianças inquiridas declara nunca ter sentido medo ao utilizar a internet, mas 13% afirma ter passado por essa situação alguma vez. Q 4.3.1 Alguma vez sentiste medo ao usar a internet? Sim Nº % 372 12,7 N = 2935 As crianças que responderam afirmativamente são maioritariamente raparigas, dos escalões etários mais baixos e que frequentam o primeiro ciclo de escolaridade (F 4.3.1). 135 F 4.3.1 Medo ao utilizar a internet (%) género M 9,7 F 1 5,5 escalões etários 8 a 10 1 6,8 1 1 a 12 1 1 ,7 13 a 14 10,4 15 a 17 1 0,3 ano de escolaridade 4º 1 6,9 6º 12,0 9º 9,3 Através de questão aberta, foi perguntado às crianças de que tinham medo na internet (Q 4.3.2): Q 4.3.2 Que medos: Nº % Medo de outros, de estranhos 148 45,5 Vírus e problemas técnicos 116 35,7 Ver coisas proibidas, horríveis 47 14,5 Infringir as regras da casa 19 5,8 9 2,8 Insegurança N = 325 O medo mais comummente referido pelas crianças foi o medo de desconhecidos, de estranhos44: [Medo] que as pessoas que não conheço fiquem com as minhas informações pessoais 44 Num inquérito a adolescentes americanos (Smith: 2007), um terço afirmou ter sido contactado online por desconhecidos, mas apenas um quarto desse grupo considerou a experiência desagradável ou ameaçadora. Verificou-se que os adolescentes com páginas pessoais em redes sociais eram mais frequentemente alvo de contactos de desconhecidos. 136 Medo dos problemas de pedofilia que existe na internet hoje em dia De alguém, por ter Hi5 possa ver a minha casa e raptar-me ou fazer mal à minha família. Medo que alguém use o meu mail para falar comigo ou ameaçar-me No Hi5 às fotos fazem muitas coisas... Medo de que pudessem estar a vigiar-me quando estou nos chats. [Medo] das pessoas que nos convidam para sair e depois matam-nos Algumas crianças referem mesmo situações em que se sentiram em perigo: Porque eu uma vez estava no Messenger e adicionou-me um senhor de idade que se queria encontrar comigo, mas eu chamei logo a minha Mãe e apaguei-o. Quando me perguntaram no chat e no msn se queria fazer sexo com essas pessoas Estava nos jogos da Kitty e de repente apareceu-me uma pessoa que eu não conhecia a perguntar se eu queria ir para um restaurante com ela Uma vez quando estava no messenger com a webcam, não tinha a certeza se estava a falar com quem pensava porque a pessoa dizia que a dele estava estragada Eu falo com pessoas desconhecidas e às vezes tenho medo das pessoas que estão do outro lado do computador Noutros casos, a origem dos medos reside efectivamente nas notícias divulgadas pelos media45: Eu sinto medo quando os meus pais me lêem nos jornais sobre senhores que se metem na conversa connosco para nos raptarem Tenho medo que me possam tirar alguma fotografia do hi5 e colocar nas revistas como fizeram a uma senhora que deu numa reportagem da SIC O segundo tipo de medo mais comum entre as crianças é o surgimento de problemas informáticos, nomeadamente a intrusão de vírus, os danos no computador ou na internet46 Medo que apanhe algum vírus e que o meu antivírus não o consiga combater 45 Também Bevort e Bréda (2001: 44) constataram a influência do discurso mediático e parental sobre as representações dos jovens relativas aos perigos da internet. 46 Resultados semelhantes foram obtidos por Piétte et al 2007. 137 [Medo] de estragar o PC Medo de ir a alguma página que pudesse estragar o meu computador Medo que a net “vá a baixo” [Medo] de perder tudo o que tenho no computador, e de ficar avariado [medo] de apagar alguma coisa sem querer Segue-se-lhe o medo de ver imagens assustadoras ou impróprias: Medo de ir a sites impróprios para mim Medo de entrar em sites ou em jogos ilegais [Medo] de ver coisas que não são para a minha idade Tive medo das violências na internet [Medo de] ver muitos sustos e coisas más de monstros no youtube e no Google Eu tenho medo que me apareça programas pornográficos [Medo] de aceder a sites que me levem a aceitar ingenuamente alguma coisa obscura Medo de apanhar epilepsia As crianças também afirmam sentir medo de infringir as regras estabelecidas pelos pais ou de serem apanhadas em transgressão47: [Medo] de a minha mãe me ver a utilizar a internet sem ser ao sábado [Medo] de os meus pais não me deixarem jogar [Medo] de ser apanhada no emule a fazer downloads [Medo] que os meus pais se zangassem comigo [Medo] quando vou ao Hellokitty aparece uma página imprópria de raparigas e os meus pais vão ver, pensam que sou eu e castigam-me Por fim, são ainda mencionados os medos relativos à insegurança ou inexperiência no uso da internet: Como não tenho muitos conhecimentos sobre internet, tenho medo de entrar em coisas que não sei Quando comecei a usar a Internet tive um bocadinho medo porque pensava que ia fazer asneiras. 47 Livingstone (2006) constatou que as crianças mais experientes no uso da internet desenvolvem estratégias para contornar as regras e vigilância dos pais, nomeadamente procurando manter a privacidade das suas comunicações. 138 Medo de comprar alguma coisa sem querer e não ter dinheiro para pagar Medo da minha mãe pagar muito dinheiro Apenas foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no que respeita ao género (F 4.3.2): as raparigas temem mais os desconhecidos48 e os rapazes os restantes perigos. F 4.3.2 Tipos de medos na utilização da internet por género (%) 53,7 37 ,8 31,0 26,1 21 ,8 11 ,8 9,9 2,5 medo de outros, de estranhos v írus e problemas técnicos v er coisas proíbidas, horrív eis Rapaz infringir as regras da casa 2,5 3,0 insegurança Rapariga Atendendo à centralidade dos riscos associados ao contacto com estranhos através da internet, foi perguntado às crianças de alguma vez haviam marcado um encontro com um desconhecido. Ainda que a larga maioria de inquiridos tenha respondido negativamente, quase 6% já o havia feito (Q 4.3.3). Q 4.3.3 Alguma vez marcaste encontro com alguém que não conhecias através da Internet? Sim Nº % 168 5,7 N = 2965 48 Um resultado semelhante foi obtido pelo inquérito a adolescentes americanos integrado no Pew Project (Smith 2007). 139 Neste pequeno segmento da amostra, estão sobre-representados os rapazes, as crianças a partir dos 13 anos, que frequentam o 9º ano (mas com escassa diferença dos alunos do primeiro ciclo) e o ensino público. Os filhos de pais com educação superior e que desempenham profissões de enquadramento e técnico-científicas são os que menos referem este comportamento de risco. género F 4.3.3 Caracterização dos inquiridos que já marcaram encontros com desconhecidos (%) 7 ,3 M 4 ,0 F 5,1 categoria socio-profissional dos pais nível de escolaridade dos pais tipo de ensino ano de escolaridade escalões etários 8 a 10 11 a 12 3 ,4 8,2 13 a 14 8,0 15 a 17 6 ,1 4º 4 ,2 6º 6 ,9 9º 6,2 Pub Priv 3 ,7 Elem entar 6 ,3 5,3 Interm baixa 7 ,6 Interm édia 6 ,8 Interm édia alta Superior 3 ,5 5,3 Em presários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadram ento Trabalhadores adm inistrativ os e v endedores 3 ,7 5,6 Trabalhadores executantes pluriactiv os 7 ,0 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 7 ,0 Crucial para prevenir os riscos associados ao uso da internet pelas crianças é não só o controlo e vigilância por parte dos pais mas também a iniciativa das crianças discutirem as suas práticas e receios com outrem. Perto de 80% das crianças afirma ter o hábito de discutir com alguém o que vê na internet (Q 4.3.4). 140 Q 4.3.4 Costumas falar com alguém sobre o que vês na internet? Sim Nº % 2324 78,8 N = 2950 Porém, o interlocutor principal destas conversas não são adultos (pais ou professores) mas sim os pares (Q 4.3.5). No entanto, perto de metade dos inquiridos recorre também à família (pais ou irmãos). Q 4.3.5 Com quem? Nº 1987 % 85,5 1017 43,8 Os meus irmãos 815 42,5 Professores 191 8,2 Outras pessoas 411 17,7 Os meus amigos Os meus pais N = 2324 As crianças mais velhas tendem mais a discutir o que vêm na internet, mas sobretudo com amigos, enquanto as crianças mais novas recorrem aos pais com maior frequência (F 4.3.4). F 4.3.4 Interlocutores em conversas sobre a internet por escalões etários (%) 9 3 ,79 5,8 85,484 ,4 7 9 ,1 7 0,7 84 ,5 7 2 ,7 50,4 4 6 ,5 3 8,7 3 5,7 7 ,9 6 ,5 8,4 1 1 ,1 falar com alguém pais 8 a 10 11 a 12 am igos 13 a 14 professores 15 a 17 141 De igual modo, as crianças que frequentam níveis de escolaridade mais avançados discutem com mais frequência o que vêm na internet, mas tendencialmente mais com amigos, enquanto que as crianças do primeiro ciclo recorrem mais aos pais (F 4.3.5). F 4.3.5 Interlocutores em conversas sobre a internet por ano de escolaridade (%) 95,6 86,5 86,9 7 9,1 7 0,1 7 1 ,7 49,4 44,8 38,3 8,3 6,1 1 0,2 falar com alguém pais amigos 4º 6º professores 9º Os alunos do ensino privado tendem a falar mais sobre o que vêem na internet tanto com os pais como com os amigos (F 4.3.6). F 4.3.6 Interlocutores em conversas sobre a internet por tipo de ensino (%) 84,3 89,8 49,7 41 ,9 pais amigos Pub Priv 142 As crianças que vivem em agregados domésticos biparentais discutem mais o que vêem na internet com os pais (F 4.3.7). F 4.3.7 Interlocutores em conversas sobre a internet por tipo de agregado doméstico (%) 46,1 42,4 41 ,0 35,6 27 ,4 Os meus pais Biparental Monoparental Recomposta Alargada Outros Por fim, nas famílias com pais mais escolarizados e de profissões mais qualificadas é mais frequente os filhos falarem sobre o que vêem na internet, sobretudo com pais e irmãos (F 4.3.8 e F 4.3.9). F 4.3.8 Interlocutores em conversas sobre a internet por nível de escolaridade dos pais (%) 82,280,881 ,3 7 6 ,17 6 ,8 53 ,4 4 7 ,6 4 2,6 3 9 ,1 3 3 ,4 falar com alguém Elem entar Interm baixa 3 9 ,8 3 8,7 3 3 ,83 2 ,5 3 1 ,3 pais Interm édia irm ãos Interm édia alta Superior 143 F 4.3.9 Interlocutores em conversas sobre a internet por categoria socioprofissional dos pais (%) 85,2 7 9 ,9 7 9 ,9 7 8,0 7 4 ,8 4 6 ,1 4 9 ,7 43 ,5 4 2,3 3 5,5 falar com alguém pais Em presários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadram ento Trabalhadores adm inistrativ os e v endedores Trabalhadores executantes pluriactiv os Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 4.4 Representações sobre a internet Finalmente, este inquérito tentou captar as representações sobre a internet detidas pelas crianças, apresentando-lhes uma lista de frases sobe as quais teriam de exprimir a sua concordância ou discordância (Q 4.4.1). Q 4.4.1 Concordas ou não ... Na Internet quase sempre consigo encontrar a informação de que preciso Usar a Internet é muito fácil Com a Internet falo mais com os meus amigos e amigas Não se pode confiar em toda a informação que se encontra na Internet Nº % 2671 90,9 2616 88,8 2501 84,8 2427 82,6 2172 74,1 2162 74,2 Saber usar bem a Internet e os computadores é indispensável para no futuro encontrar um bom emprego Os meus pais acham que é muito importante que eu aprenda a usar a Internet 144 Na internet aprendo coisas que os meus pais não conhecem Eu percebo mais da Internet que os meus pais Eu ajudo os meus pais com o computador e a Internet Com a Internet é mais fácil fazer os trabalhos de casa Os adultos têm mais dificuldade em usar a internet do que as crianças Com a Internet pude conhecer novos amigos e amigas Desde que uso a internet leio menos livros Desde que uso a Internet passo menos tempo a brincar Desde que uso a internet vejo menos televisão A maioria das coisas que há na Internet não me interessa Os meus pais acham perigoso que eu use a Internet 2002 68,3 1990 67,8 1930 65,9 1799 61,1 1741 59,5 1534 52,0 1276 43,4 1237 42,4 1154 39,4 977 33,1 889 30,5 871 29,8 836 28,6 539 18,3 Com a internet tenho mais liberdade e sou menos dependente dos meus pais Desde que uso a Internet consigo ter melhores notas Desde que há Internet fala-se menos uns com os outros em minha casa Constata-se em primeiro lugar que a concordância com aspectos positivos da utilização da internet é muito mais frequente que as representações negativas49. Quer dizer que, no entender da maioria, a presença da internet no seu quotidiano não se fez tanto à custa da perda de laços ou rotinas anteriores, mas se veio juntar (enriquecer?) práticas e sociabilidades pré-existentes. Um dos aspectos que gera quase unanimidade entre as crianças é a facilidade de uso destas tecnologias, típica de “nativos digitais”: 91% considera que quase sempre consegue encontrar a informação que procura e 89% que usar a internet é fácil50. Apesar desta percepção quase generalizada, verifica-se que são as crianças mais velhas, que frequentam anos de escolaridade mais avançados e cujos pais têm um estatuto social mais elevado (empresários e quadros superiores) que expressam maior concordância com estas afirmações (F. 4.4.1 e 4.4.2). 49 Também Bevort e Bréda (2001) ou a equipa da UOC (PIC: 2004)constataram uma forte homogeneidade nas representações positivas dos jovens sobre a internet. 50 Num inquérito a jovens franceses, realizado em 2001, este valor é de apenas 65% (Bevort e Bréda 2001: 47), mas há que considerar que na última década foram feitos investimentos consideráveis para tornar a internet e muitas das suas aplicações mais “user-friendly” (Ofcom 2008: 11). 145 F 4.4.1 Na Internet quase sempre consigo encontrar a informação de que preciso (%) escalões etários 8 a 10 85,0 11 a 12 91,8 13 a 14 94,1 94,6 categoria socio-profissional dos pais ano de escolaridade 15 a 17 4º 84,4 6º 92,6 9º 94,9 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes 94,9 Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 91,5 Trabalhadores administrativos e vendedores 92,8 Trabalhadores executantes pluriactivos 90,4 87,9 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas F 4.4.2 Usar a Internet é muito fácil (%) ano de escolaridade escalões etários 8 a 10 79,8 11 a 12 90,2 13 a 14 94,2 15 a 17 94,9 4º 6º 9º 79,3 90,7 96,0 146 Esta familiaridade com a internet anda a par do conhecimento dos seus limites: 83% das crianças inquiridas reconhece que não se pode confiar em toda a informação disponível51. Esta opinião é mais frequentemente expressa por crianças mais velhas, que frequentam o terceiro ciclo do ensino básico e o ensino privado, que residem no sul do país ou na área metropolitana do Porto, que habitam em agregados domésticos monoparentais e cujos pais desempenham profissões mais qualificadas (F 4.4.3). 51 Resultados semelhantes foram obtidos num estudo sobre a utilização da internet pelos jovens do Quebec (Piétte et al 2007): os jovens questionam crescentemente a qualidade e fiabilidade da informação encontrada ao fazerem pesquisas para os seus trabalhos escolares. 147 F 4.4.3 Não se pode confiar em toda a informação que se encontra na Internet (%) tipo de ano de ensino escolaridade escalões etários 8 a 10 11 a 12 74,6 82,4 13 a 14 88,7 15 a 17 4º 6º 89,8 73,9 83,1 9º Pub Priv Norte litoral Norte interior região Área Metropolitana do Porto Centro Área Metropolitana de Lisboa 90,8 81,8 85,8 82,1 79,4 85,4 79,2 82,4 86,9 Sul categoria socioprofissional dos pais tipo de agregado doméstico Biparental Monoparental Recomposta Alargada Outros 83,2 86,7 80,6 77,6 84,1 86,9 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 85,6 82,7 82,4 77,4 Entre as características positivas que geram maior concordância por parte das crianças estão as afirmações que dizem respeito à utilidade da internet como instrumento para atingir fins profissionais ou educativos: 74% consideram a internet como indispensável para encontrar um bom emprego no futuro52, 61% que a internet ajuda a fazer os trabalhos de casa e apenas 29% que contribui para subir as notas. As vantagens do domínio da internet no mercado de trabalho são sobretudo referidas pelas crianças a partir dos 13 anos, que frequentam o 9º ano, que residem fora das áreas metropolitanas, cujos pais são menos escolarizados e com profissões menos qualificadas (F 4.4.4). 52 Bevort e Bréda (2001: 55) encontraram uma taxa mais elevada de valorização da internet como instrumento para um bom futuro profissional (73%), mas o seu universo de inquirição era menos alargado que o do presente inquérito (jovens entre os 12 e os 17 anos). 148 F 4.4.4 Saber usar bem a Internet e os computadores é indispensável para no futuro encontrar um bom emprego (%) escalões etários 8 a 10 60,3 72,5 11 a 12 13 a 14 87,6 85,1 ano de escolaridade 15 a 17 4º 6º 61,2 73,2 87,6 9º Norte litoral 72,7 Norte interior região Área Metropolitana do Porto Centro categoria socionível de escolaridade profissional dos pais dos pais Área Metropolitana de Lisboa 80,9 73,4 77,9 71,5 Sul 76,1 Elementar 77,1 Interm baixa 78,1 Intermédia 76,1 Intermédia alta 72,2 Superior 71,9 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 74,3 71,5 78,4 72,9 78,3 A utilização da internet como ferramenta escolar (F 4.4.5 e F 4.4.6) é mais frequentemente referida por rapazes que por raparigas, por crianças mais velhas e por crianças socialmente desfavorecidas: que frequentam o ensino público, que vivem fora das áreas metropolitanas e cujos pais têm menor capital escolar e desempenham profissões menos qualificadas. Embora a maioria das crianças admita que o recurso à internet facilita a realização dos trabalhos de casa, também constata que a sua competência de busca e recolha de informação no ciberespaço não se traduz necessariamente na obtenção de melhores notas – sinal de que as competências com que se constrói o sucesso escolar formal ainda excluem as que uma navegação competente requer? 149 género F 4.4.5 Com a Internet é mais fácil fazer os trabalhos de casa (%) F 8 a 10 escalões etários 66,6 M 11 a 12 55,7 60,9 54,9 64,4 13 a 14 68,7 categoria socio-profissional dos pais nível de escolaridade dos pais tipo de ensino ano de escolaridade 15 a 17 4º 6º 60,5 57,5 65,8 9º 63,3 Pub Priv Elementar 54,0 62,4 66,7 Interm baixa 64,3 Intermédia Intermédia alta Superior Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 57,1 54,5 57,5 55,2 64,2 66,5 64,2 150 género 4º tipo de ensino M ano de escolaridade F 4.4.6 Desde que uso a Internet consigo ter melhores notas (%) F 32,8 24,0 31,9 27,2 6º 26,5 9º 30,5 Pub Priv 21,7 38,3 Norte litoral 35,8 região Norte interior Área Metropolitana do Porto 24,1 32,0 Centro Área Metropolitana de Lisboa 24,6 31,3 categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais Sul Elementar 33,4 Interm baixa 33,3 Intermédia Intermédia alta 26,8 23,9 Superior 24,9 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes 24,4 Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 24,7 Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 26,6 31,5 36,3 Para as crianças, a internet é também um importante instrumento de sociabilidade, sobretudo para manter relacionamentos pré-existentes, forjados no “mundo real” (85% dos inquiridos considera que a internet permite falar mais com os amigos), mas também para gerar novos laços, com “amigos virtuais” (52% dos inquiridos concorda que a internet lhes permitiu conhecer novos amigos)53. A função de comunicação com amigos é mais frequentemente referida por raparigas, por crianças mais velhas, que frequentam o 9º ano e cujos pais não têm educação universitária (F 4.4.7). A função de criação de novos amigos é mencionada com maior 53 No estudo de Bevort e Bréda (2001: 94) a taxa de inquiridos que declarou ter feito novos amigos na internet cifrou-se em 41%. Livingstone (2006: 223) registou uma taxa de 31% num inquérito a crianças inglesas entre os 9 e os 19 anos. 151 frequência por rapazes, por crianças mais velhas e de anos de escolaridade mais avançados, que frequentam o ensino público, que residem fora das áreas metropolitanas, que habitam em agregados domésticos recompostos ou sem pais e de meios sociais mais débeis (pais pouco escolarizados e em profissões manuais) (F 4.4.8). género F 4.4.7 Com a Internet falo mais com os meus amigos e amigas (%) 86,7 F 8 a 10 escalões etários 82,8 M 71,5 88,9 11 a 12 91,4 13 a 14 ano de escolaridade 15 a 17 4º 71,8 89,8 6º 91,3 9º Elementar nível de escolaridade dos pais 90,7 85,2 Interm baixa 88,4 86,3 Intermédia 87,0 Intermédia alta Superior 81,1 152 género F 4.4.8 Com a Internet pude conhecer novos amigos e amigas (%) M 8 a 10 escalões etários 56,7 F 47,3 39,0 11 a 12 44,1 13 a 14 66,0 71,0 tipo de ano de ensinoescolaridade 15 a 17 4º 41,2 6º 46,7 68,0 9º Pub Priv 57,8 33,4 59,5 Norte litoral região Norte interior 64,4 Área Metropolitana do Porto 48,4 56,4 Centro Área Metropolitana de Lisboa 46,6 categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais tipo de agregado doméstico Sul 54,9 Biparental 48,8 Monoparental 50,8 64,2 Recomposta Alargada 57,4 Outros 71,1 Elementar 64,5 Interm baixa 64,8 Intermédia Intermédia alta Superior 58,8 41,6 33,4 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 49,3 36,6 Trabalhadores administrativos e vendedores 60,9 Trabalhadores executantes pluriactivos 61,1 Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 67,0 Como atrás foi visto, o contexto familiar exerce uma influência considerável sobre os usos da internet pelas crianças. É pois relevante analisar como as crianças percepcionam as atitudes dos seus pais face à internet. Em primeiro lugar, parece haver acordo intergeracional sobre o carácter positivo da internet: 74% das crianças consideram que os seus pais acham que é muito importante que eles aprendam a usar a internet. Esta proporção é relativamente mais elevada no caso dos rapazes e das crianças que residem em agregados sem os pais (F 4.4.9). 153 F 4.4.9 Os meus pais acham que é muito importante que eu aprenda a usar a Internet (%) género M 76,2 F 72,1 tipo de agregado doméstico Biparental Monoparental Recomposta 74,1 69,7 69,1 Alargada Outros 77,9 81,4 A diferente relação que pais e filhos mantêm com a internet foi descrita por Prensky (2001) como a distinção entre “imigrantes digitais” e “nativos digitais”. A maioria das crianças inquiridas partilha desta avaliação: 68% considera que com a internet aprende coisas que os pais não conhecem e que percebe mais de internet que os pais, 66% afirma ajudar os pais a usar a internet e 60% acha que os adultos têm mais dificuldade que as crianças ao utilizar a internet. Eis pois um domínio em que a relação tradicional entre educador e educando parece inverter-se, já que as crianças se assumem como criadoras pró-activas dos usos da internet em casa, em superioridade face aos adultos de que dependem. Estas opiniões são expressas com maior frequência por rapazes, por crianças mais velhas, que residem fora das áreas metropolitanas e cujos pais são menos escolarizados e exercem profissões menos qualificadas (F. 4.4.10 a F 4.4.13). 154 75,5 M F 61,1 8 a 10 63,9 11 a 12 65,2 74,9 15 a 17 74,0 4º 64,3 6º 65,7 Pub nível de escolaridade dos pais ano de escolaridade 13 a 14 tipo de ensino escalões etários género F 4.4.10 Na internet aprendo coisas que os meus pais não conhecem (%) Priv 69,6 64,4 Elementar 74,6 Interm baixa 73,7 68,8 Intermédia Intermédia alta Superior Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes categoria socioprofissional dos pais 75,1 9º Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 67,4 60,4 67,9 62,3 74,4 70,7 73,1 155 tipo de ano de ensino escolaridade escalões etários F 4.4.11 Eu percebo mais da Internet que os meus pais (%) 8 a 10 45,8 11 a 12 68,2 13 a 14 84,1 15 a 17 84,4 4º 47,7 6º 69,1 9º 85,6 Pub Priv 72,3 53,8 Norte litoral 78,0 região Norte interior 86,6 Área Metropolitana do Porto 67,0 Centro 70,4 Área Metropolitana de Lisboa 59,2 categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais tipo de agregado domésticp Sul 71,2 Biparental 65,5 Monoparental 71,0 Recomposta 70,4 Alargada 74,8 Outros 73,0 Elementar 87,6 Interm baixa 80,8 Intermédia 72,5 Intermédia alta Superior 61,9 48,4 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 68,3 54,4 72,5 80,1 83,1 156 género M escalões etários F 4.4.12 Eu ajudo os meus pais com o computador e a Internet (%) 11 a 12 F 8 a 10 67,6 64,1 59,7 68,3 13 a 14 70,4 66,7 tipo de ano de ensinoescolaridade 15 a 17 4º 59,6 6º 68,0 9º 69,5 68,2 Pub Priv 58,4 69,0 Norte litoral 67,6 região Norte interior Área Metropolitana do Porto 64,7 70,1 Centro Área Metropolitana de Lisboa 62,0 72,4 categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais tipo de agregado domésticp Sul Biparental 64,3 66,6 Monoparental 68,3 Recomposta Alargada Outros 73,0 62,1 Elementar 65,8 75,4 Interm baixa Intermédia 71,9 64,8 Intermédia alta Superior Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 58,1 67,6 61,0 Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 74,4 71,9 65,4 157 tipo de ano de ensino escolaridade escalões etários F 4.4.13 Os adultos têm mais dificuldade em usar a internet do que as crianças (%) 8 a 10 42,6 11 a 12 63,6 13 a 14 68,5 15 a 17 68,8 4º 43,6 6º 64,2 9º 69,2 Pub Priv 62,8 49,1 Norte litoral 72,1 região Norte interior 67,3 Área Metropolitana do Porto 62,5 Centro 61,9 Área Metropolitana de Lisboa 50,6 categoria socioprofissional dos pais nível de escolaridade dos pais tipo de agregado domésticp Sul 59,8 Biparental 57,2 Monoparental 67,0 Recomposta 59,0 62,5 Alargada Outros 70,8 Elementar 73,0 Interm baixa 68,7 Intermédia 61,9 59,5 Intermédia alta Superior Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 44,9 56,5 50,9 62,4 66,5 71,8 Para um pouco menos de um terço das crianças, a internet é uma ferramenta que encoraja a sua autonomização face aos pais. Esta opinião é expressa sobretudo por rapazes, no início da adolescência e cujos pais têm um capital escolar intermédio (F 4.4.14). 158 F 4.4.14 Com a internet tenho mais liberdade e sou menos dependente dos meus pais género (%) M F escalões etários 8 a 10 37,2 22,4 24,8 32,0 11 a 12 34,6 13 a 14 nível de escolaridade dos pais ano de escolaridade 15 a 17 4º 29,4 26,5 32,1 6º 30,7 9º Elementar 27,3 Interm baixa 32,0 33,5 Intermédia 32,8 Intermédia alta Superior 26,0 Como acima referido, os perigos da internet são um dos aspectos mais comummente referidos nos debates sobre o uso das novas tecnologias pelas crianças e um dos principais receios dos pais. No entanto, apenas 30% das crianças inquiridas afirmam que os seus pais acham perigoso que usem a internet. Esta opinião é expressa sobretudo por raparigas, por crianças mais novas, que residem fora das áreas metropolitanas e de famílias desfavorecidas (F 4.4.15), ou seja, relativamente a pais que não são provavelmente utilizadores da internet. 159 género M F 33,8 ano de escolaridade F 4.4.15 Os meus pais acham perigoso que eu use a Internet (%) 4º 34,0 26,9 6º 9º 30,4 27,0 Norte litoral 34,2 região Norte interior Área Metropolitana do Porto 32,0 Centro 32,4 Área Metropolitana de Lisboa nível de escolaridade dos pais Sul 26,1 28,3 36,8 Elementar 34,0 Interm baixa Intermédia 27,9 31,5 Intermédia alta Superior Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes categoria socioprofissional dos pais 39,3 Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 24,0 25,9 27,8 31,9 32,4 34,8 Os resultados acima descritos mostram que a internet, mais do que uma ferramenta de trabalho, é para as crianças sobretudo uma forma de entretenimento. Assim, um pouco menos de metade dos inquiridos reconhece que a internet veio ocupar parte do tempo dedicado a outras actividades: 43% afirma que lê menos livros, 42% que passa menos tempo a brincar, 39% que vê menos televisão54. A substituição de outras actividades pela navegação na internet é afirmada sobretudo por rapazes, por crianças de 13 a 14 anos, que frequentam o ensino público, residem 54 Os dados obtidos pelo Pew Project (Kennedy et al 2008) revelam que também no caso dos adultos americanos um quarto dos inquiridos afirma que o uso da internet diminuiu o tempo dedicado a ver televisão. Já para o caso de jovens franceses, Bevort e Bréda (2001: 95) este valor cifra-se em 34%, enquanto que a diminuição da leitura é declarada apenas por 14% da mostra. 160 fora das áreas metropolitanas, cujos pais têm um nível de escolaridade médio e profissões administrativas (F 4.4.16 a F 4.4.18). género F 4.4.16 Desde que uso a internet leio menos livros (%) F 31,9 43,9 56,1 13 a 14 ano de escolaridade 15 a 17 4º Pub nível de escolaridade dos pais 36,9 11 a 12 tipo de ensino escalões etários 8 a 10 categoria socio-profissional dos pais 49,9 M 47,7 33,3 6º 44,7 51,5 9º Priv 45,2 37,8 45,9 Elementar 48,8 Interm baixa 49,9 Intermédia 43,9 Intermédia alta Superior Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento 34,8 40,8 38,7 50,7 Trabalhadores administrativos e vendedores Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 44,0 48,5 161 tipo de ano de ensino escolaridade escalões etários F 4.4. 17 Desde que uso a Internet passo menos tempo a brincar (%) 8 a 10 37,4 11 a 12 43,5 13 a 14 15 a 17 4º 49,6 41,0 38,9 6º 43,8 9º 44,1 Pub 43,6 Priv 38,4 Norte litoral 51,4 região Norte interior Área Metropolitana do Porto 42,5 40,8 Centro Área Metropolitana de Lisboa 43,5 40,1 41,8 nível de escolaridade dos pais tipo de agregado doméstico Sul Biparental 40,5 Monoparental 51,0 Recomposta 46,6 Alargada 42,9 Outros 43,0 Elementar 43,7 Interm baixa 43,6 46,5 Intermédia Intermédia alta Superior 45,9 37,1 162 F 4.4.18 Desde que uso a internet vejo menos televisão (%) género M F escalões etários 8 a 10 43,5 35,2 33,5 38,5 11 a 12 46,9 13 a 14 ano de escolaridade 15 a 17 4º 6º 9º 42,7 34,1 39,7 44,1 O impacto da internet sobre a vida familiar, diminuindo o nível de diálogo, é referido por uma estreita franja de 18% dos inquiridos55. Esta opinião é expressa maioritariamente por rapazes, que vivem em famílias monoparentais ou recompostas e cujos pais têm um capital escolar intermédio (F 4.4.19). 55 Este resultado é semelhante ao obtido por Bevort e Bréda 2001: 41. 163 nível de escolaridade dos pais tipo de agregado doméstico género F 4.4.19 Desde que há Internet fala-se menos uns com os outros em minha casa (%) M 20,4 F 16,0 Biparental 17,2 23,1 Monoparental 23,2 Recomposta 16,3 Alargada Outros 21,1 Elementar 18,0 Interm baixa 20,0 Intermédia 20,5 Intermédia alta 20,5 Superior 14,3 Por fim, há que referir que cerca de um terço dos inquiridos concorda com a afirmação que a maioria das coisas da internet não lhe interessa. Esta percepção negativa da internet é expressa mais frequentemente por crianças mais jovens, que residem no norte do país e cujos pais exercem profissões administrativas ou comerciais (F 4.4.20). 164 F 4.4.20 A maioria das coisas que há na Internet não me interessam (%) escalões etários 8 a 10 35,9 11 a 12 34,6 31,5 13 a 14 15 a 17 27,9 ano de escolaridade 4º 36,5 6º 9º 34,5 28,2 Norte litoral 32,0 região Norte interior 36,6 Área Metropolitana do Porto 36,1 Centro 35,9 29,3 Área Metropolitana de Lisboa categoria socio-profissional dos pais Sul 33,6 Empresários, Quadros Superiores e Dirigentes 35,3 Profissões intelectuais e científicas e de enquadramento Trabalhadores administrativos e vendedores 31,1 28,1 Trabalhadores executantes pluriactivos Operários, Operadores e Condutores de Máquinas 34,4 37,2 Os resultados aqui apresentados revelam que as normas de utilização da internet impostas pelos pais às crianças variam em função da idade da criança mas também das características da família, sendo que os pais mais qualificados tendem a exercer um acompanhamento mais estreito das actividades das crianças no computador. No que respeita aos valores associados à internet, são eminentemente positivos e existe uma forte unanimidade na sua apreciação como uma importante ferramenta de diversão, sociabilidade e estudo. No entanto, as diferenças sociais também se fazem sentir ao nível das representações e para crianças de meios mais desfavorecidos as novas tecnologias são um instrumento crucial para ultrapassar as limitações do seu meio de origem. 165 5 Notas finais Em síntese, esta primeira etapa do projecto conduziu-nos a resultados relevantes e lança-nos novos desafios para o futuro. Focar o estudo nas crianças em idade da escolaridade obrigatória revelou-se uma opção inovadora e ajustada. Permite-nos, através delas e dando-lhes voz, estabelecer pontes e comparações entre dois cenários importantes da sua socialização, a casa e a escola. A sua participação no preenchimento dos inquéritos teve uma boa cobertura, foi empenhada e traduziu-se num conjunto de respostas genericamente consistentes e muito completas. Apesar de algumas incongruências pontuais (que tecnicamente foram resolvidas), mostraram-se oompetentes na execução da tarefa e os seus testemunhos trouxeram para a discussão do tema um outro lado da realidade. Aliás, a grande maioria das escolas revelaram abertura, vontade de participar e, não raro, solicitaram um acesso posterior aos resultados da investigação. A construção de um site do projecto (www.crinternet.ics.ul.pt) é também uma resposta a este pedido. A introdução das novas tecnologias de informação e comunicação no quotidiano das crianças é um facto incontornável. Os resultados do inquérito ilustram um quase universal acesso ao computador com ligação à internet. Contudo, apesar desta notável inovação que parece atingir largas franjas de população infantil, descobrem-se alguns sinais de diferença no interior da tendência marcante. Na perspectiva das crianças, e apesar da presença e até por vezes abundância de equipamentos na escola (ex.: nº de computadores, nº computadores ligados à internet, existência de banda larga), os usos da internet no processo de ensino-aprendizagem ficam bem aquém do retrato desenhado pelas estatísticas oficiais ou pelos testemunhos recolhidos junto dos próprios dirigentes dos estabelecimentos de ensino. No campo educativo, as crianças dizem usar pouco a internet na sala de aula, na relação com a escola ou com os professores; muito raramente é introduzida no ensino de disciplinas curriculares que não as TIC ou a Área de Projecto. A internet é utilizada sobretudo como complemento ou enriquecimento de tarefas e de trabalhos escolares que, antes, se faziam sem ela. Na escola, na sala de aula, a navegação na net é directivamente feita sob encomenda (do professor), enquadrada em objectivos pré-definidos, com restrições de tempo. A exploração a céu aberto, o deambular nómada e sem horário entre sites e conteúdos, o ensaio experimental de novas competências ou funcionalidades podem certamente em alguns casos ocorrer na escola, aliás sobretudo fora das aulas. Porém, estas actividades concentram-se, por excelência, no espaço extra-escolar. A casa é, assim, um lugar estratégico de aprendizagens – onde a internet constitui não só um recurso educativo, mas também informativo, lúdico e comunicacional. A partir 166 de casa a criança entra no espaço global, exercitando-se como indivíduo activo, decisor e investigador por conta própria, tirando partido e construindo o seu lugar na cultura de pares. Os contactos on-line vêm acrescentar-se, alargar (e não destruir ou empobrecer) as redes de sociabilidade pré-existentes. Diante do ecrã, explorando o mundo virtual, a criança reforça a sua autonomia face aos adultos. É muito expressiva a parcela de inquiridos que afirma ter aprendido a navegar “sozinho”; por outro lado, a esmagadora maioria das crianças declara ser a pessoa que mais a usa a internet em casa, como também se considera auto-suficiente na gestão dos seus canais de comunicação e informação, nas modalidades de descoberta e visita de páginas Web. Fora da escola continua a jogar-se muita da aquisição da literacia digital, dos seus usos mais sofisticados, gratificantes e multifacetados; e também a modernidade da condição infantil. Daí o facto de as formas mais persistentes de clivagem digital continuarem a actuar a partir de casa, distinguindo crianças escolarizadas, cujos pais são eles próprios consumidores intensivos destes bens e serviços, utilizadores profissionais e competentes de novas TIC, os quais as iniciam e acompanham no seu uso, das crianças com origens sociais desfavorecidas, residentes em áreas não-urbanas do País, cujos pais mais dificilmente suportam (ou compreendem) a relevância da compra do acesso doméstico à internet (a que se somarão as deficiências de cobertura dos serviços de acesso à internet por parte dos diversos operadores comerciais). E daí a urgência de a escola repensar o lugar e o estatuto da internet no sistema de ensino-aprendizagem, de modo a proporcionar a todas as crianças, no espaço escolar, os seus diversificados níveis de domínio. Como recorrentemente se afirma na literatura e os resultados deste trabalho parecem confirmar para o contexto escolar: “The locus of inequality is shifting from technology access (haves and have-nots) to quality use (as assessed by time use, skills and range of on-line activities)” (Livingstone et. al: 2005). Se a escola, para além do acesso, não oferecer a todos os seus alunos esse uso de qualidade e plurifacetado estará a vedar às crianças com origens familiares desfavorecidas o acesso a novas oportunidades de aprendizagem, de consolidação de competências digitais criativas e, até, de integração na cultura dominante de pares. Por outro lado, é interessante sublinharmos o pesado investimento da maioria dos pais, incluindo neste caso os que pertencem a franjas desfavorecidas, na aquisição de equipamentos que dotem em casa os filhos de múltiplos instrumentos educativos (mesmo se depois as crianças os aproveitem para se divertir, comunicar e interagir com os pares). Os testemunhos infantis deixam transparecer a mobilização educativa das famílias em torno do sucesso escolar, parcialmente associado pelos adultos ao domínio destas novas máquinas: os pais compram-lhes computadores, pagam a ligação à internet, acham muito importante os filhos saberem navegar; muitos pais ensinam, 167 acompanham o uso e impõem regras. Mesmo correndo, note-se, o risco de perder autoridade num domínio em que as crianças se sentem superiores – pois dizem saber mais, usá-la com mais facilidade, entram em áreas desconhecidas pelos pais, “ajudamnos na internet”. Eis uma esfera onde a tradicional hierarquia entre adulto-mestre e criança-aprendiz surge invertida ou pelo menos esbatida e onde, por outro lado, a inovação familiar é encorajada pela pressão activa das crianças. O apetrechamento das casas com equipamento tecnológico, informático ou outro, destinado a crianças traduz para alguns autores uma extrema ansiedade dos pais pela segurança dos filhos nas sociedades contemporâneas (Valentine: 2005). Sendo a rua, o espaço público, considerados territórios predatórios onde stranger-danger podem pôr risco a sua integridade física, todo o esforço é posto no enquadramente, privatização e domesticação dos seus tempos livres. As consolas, os leitores de DVD, os MP3, os computadores e as ligações à internet constituem trunfos nesta tentativa de fechamento das crianças no espaço privado e supostamente seguro da casa (não raro, aliás, dada a diminuta dimensão ou inexistência de fratria, no seu quarto). Contudo, o efeito da sua utilização pode perverter esta lógica securitária. Por exemplo através da internet, a criança entra no espaço global, onde oportunidades e riscos surgem fora do controlo ou conhecimento dos pais. Alguns inquiridos, sobretudo os mais novos, não hesitaram em confessar que já sentiram medo na internet (nomeadamente porque foram abordados por desconhecidos ou viram imagens chocantes, por recearem encontrar pessoas estranhas que tentassem fazer-lhes mal). Uma estreita franja, aliás, marcara encontros com desconhecidos através da net. Já a maioria diz que nunca alguém vê as páginas que visita na internet ou vigia o seu correio electrónico. A dicotomia tão popular nos discursos de senso comum que distingue o espaço privado da casa e da família, seguro, do espaço público de fora, perigoso, é desta forma claramente perturbada. A autonomia da criança na gestão da navegação (e dos seus riscos) constitui um dado adquirido. Para além da origem social e tal como em outros domínios da condição da infância, também aqui o género, a idade, a região de residência marcam um terreno desigual. As crianças não constituem um grupo homogéneo e ao longo do Relatório fomos assinalando como essas variáveis discriminam não tanto o acesso à internet, mas sobretudo tempos, objectivos e modalidades do seu uso. A própria morfologia familiar (ex.: o facto de a criança residir numa família biparental ou recomposta) parece estruturar comportamentos infantis distintos nesta área. A tipologia construída de onde emergiram três retratos-tipo (os “internautas convictos”, os “ estudantes aplicados” e os “jogadores inveterados”) ilustra precisamente a diversidade e a regra de que esta não se organiza ao acaso. 168 Tendo privilegiado até aqui uma perspectiva de grande angular, que retratou comportamentos, algumas representações à superfície, a segunda etapa do projecto seguirá um percurso metodológico distinto. Continuando a dar voz às crianças, mas agora também a pais e professores, trata-se de entrar em profundidade no mesmo tema, utilizando a entrevista compreensiva como técnica de recolha de informação. O propósito é descrever, compreender os processos, os universos que se encobrem por detrás dos resultados do inquérito. Que quotidianos, práticas e valores são construídos, vividos ou percepcionados por crianças e adultos, no que toca o acesso e os modos de utilização da internet, da navegação on-line? Que recursos e competências são mobilizados na escola e em casa? Como se processa a gestão infantil das lógicas, potencialidades e fronteiras prevalecentes num espaço ou noutro? Que significados lhe são atribuídos pelas crianças e os adultos responsáveis por elas? Eis as pistas que ficam lançadas para os próximos passos. 169 Referências bibliográficas Abrantes, J. C. (2002). Os jovens e a internet: Representação, utilização, apropriação (Relatório final). 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