Tamanduás-bandeira e sua vulnerabilidade

Transcrição

Tamanduás-bandeira e sua vulnerabilidade
Reportagem
a
r
Tamanduás-bandeira e sua vulnerabilidade
A
Nacional de Pesquisas para Conservação dos Xenarthras, a exemplo do
CENAP - Centro Nacional de Pesquisas
para Conservação dos Predadores Naturais (www.ibama.gov.br/cenap). Com a
criação do centro centralizariam-se todas
as pesquisas realizadas com a ordem, teria-se espaço físico apropriado para manutenção de banco de amostras biológicas, como banco de sêmen, entre outros
benefícios para o avanço das pesquisas
e conservação das espécies.
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Necessidade de água
para banhos em recintos
para tamanduás-bandeira, uma realidade
que precisa ser incluida
no plano de manejo da
espécie
Flávia Miranda
Colheita de sêmen de tamanduábandeira através da técnica de
eletroejaculação
Avaliação cardíaca através de eletrocardiograma, de tamanduá-mirim. O exame faz parte da
avaliação dos animais cativos no Brasil
Projeto Tamanduá. A pesquisadora ressalta também os problemas de manejo,
principalmente reprodutivos em tamanduás-mirim. Por isso, uma das prioridades do momento é a elaboração de um
plano de manejo.
Entre as atividades ex situ do Projeto
Tamanduá destaca-se avaliação sanitária dos animais cativos no Brasil. O
projeto agregou mais de 20 pesquisadores de diferentes áreas e avaliou mais de
20 indivíduos, entre tamanduás-bandeira
e tamanduás-mirim. Foram realizados
Flávia Miranda
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Projeto Tamanduá
Há pouco mais de um ano foi criada a ONG Instituto de Pesquisa e
Conservação de Tamanduás no Brasil - Projeto Tamanduá, a qual tem
desenvolvido projetos, tanto ex situ
(animais em cativeiro), quanto in situ
(animais em vida livre).
Ainda se precisa estudar muito sobre os
tamanduás em cativeiro. Uma dieta balanceada ainda é uma necessidade. "A
ração importada para tamanduás (insetívora) possui alto custo, tornando impraticável o seu uso no Brasil. Por outro lado, temos problemas de deficiência de taurina e vitamina k nos animais
em cativeiro", explica Flávia Miranda,
médica veterinária coordenadora do
Flávia Miranda
m
a
Arthur Barretto
ararinha-azul (Cyanopsitta spixii)
e o mutum-de-Alagoas (Mitu
mitu) são aves da fauna brasileira
que fazem parte da lista do IBAMA de
animais extintos na natureza. Logo atrás,
classificados como criticamente em perigo, encontram-se diversos primatas não
humanos, como por exemplo, o muriqui
(Brachyteles hypoxanthus). O peixe-boimarinho (Trichechus manatus) e o tietêde-coroa (Calyptura cristata), entre
muitos outros, são outros exemplos... As
causas principais dessa situação crítica
são sempre as mesmas, captura ilegal, ou
seja, o tráfico de animais silvestres, e o
desmatamento compulsivo, acabando
com o habitat de diversos representantes
da fauna brasileira.
O tamanduá-bandeira, Myrmecophaga
tridactyla (Linnaeus, 1758), é encontrado
Alexandre Corazza Curti em diversos Estados
do Brasil: AC, AM,
AP, BA, DF, GO,
MA, MG, MS, MT,
PA, PI, PR, RO, RR,
RS, SC, SP e TO.
Porém, apesar dessa
larga ocorrência no
território nacional,
ele está entre as espécies ameaçadas de extinção, fazendo
parte da lista publicada em 2003 pelo
Ibama, sendo classificado como espécie
vulnerável. O tamanduaí, Cyclopes
didactylus, assim como o tamanduábandeira, é membro da ordem Xenarthra.
A lista do Ibama não cita esta espécie.
Porém, na lista vermelha da IUCNWorld Conservation Union (Red list of
threatened species - www.iucnredlist.org)
constata-se a total falta de dados sobre os
Cyclopes didactylus. Comparando a
ausência de dados, com a pressão negativa que recebe o bioma no qual habita,
facilmente pode-se perceber que também
é uma espécie que precisa ser pesquisada
e tratada com atenção.
O IBAMA possui, há aproximadamente 1 ano, o Comitê de Xenarthra.
Através dele, especialistas traçam diretrizes para um plano de ação geral para a
conservação das espécies que compõem a
ordem: tamanduás, tatus e prequiças.
Porém, maiores avanços seriam obtidos
se, além do comitê, fosse criado o Centro
por Arthur Barretto
Tamanduá-bandeira sob anestesia inalatória que,
prerencialmente, deve ser feita com isofluorano
testes sorológicos para diferentes enfermidades; estudos microbiológicos e micológicos; avaliações hematológicas, cardíacas e reprodutivas (colheita de sêmem
e avaliação citológica das fêmeas). Outra importante atividade foi o desenvolvimento de protocolos anestésicos.
Clínica Veterinária, Ano XII, n. 68, maio/junho, 2007
Divulgação
Um exemplo das atividades in situ do
Projeto Tamanduá são as pesquisas que
vem sendo desenvolvidas no Projeto SESC
Pantanal, realizadas na RPPN SESC Pantanal, em Barão do Melgaço, no pantanal
matogrossense. "Realizamos campanhas
de captura quinzenal, onde desenvolvemos
metodologia de captura, identificação dos
tamanduás com brincos e microchips,
avaliação sanitária e estudos ecológicos",
explica a médica veterinária Flávia Miranda. Ressalta também que, ainda esse
ano, iniciará no Projeto SESC Pantanal, o
acompanhamento de alguns indíviduos
através de rádio-colar. Além do auxílio do
próprio Sesc Pantanal, o projeto recebe
financiamento da WCS- Wildlife
Conservation Society (www.wcs.org).
O Projeto Tamanduaí (Cyclopes
didactylus), em execução na Amazônia e
no Nordeste, em fragmentos da mata Atlântica, é outro exemplo de ação in situ desenvolvida pelo Projeto Tamanduá. Ele
recebe auxílio financeiro da WCS e da
IUCN Edentatas (www.iucn.org) que é
fundamental para o desenvolvimento do
projeto, que visa preservar essa espécie da qual
muito pouco se sabe.
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Flávia Miranda
Na argentina, a ONG The
Conservation Land Trust
está promovendo a translocação de tamanduás-bandeira da região do Chaco
para os Esteiros de Iberá,
local, onde há 50 anos
atrás, encontrava-se
tamanduás-bandeira
Danilo Kluyber
Flávia Miranda
Utilização de zarabatana
para contenção química,
na qual se usa a quetamina e o midazolan
Alexandre Martins
Danilo Kluyber
Tamanduá-bandeira identificado com
brinco e microchip da Animalltag
(www.animalltag.com.br). Acima,
detalhe do brinco colocado
Flávia Miranda
m
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Coordenadas da
captura sendo registrada no GPS
Alexandre Martins
Os trabalhos de campo com os tamanduásbandeira em vida livre (in situ) envolvem a
biometria, observação de ectoparasitas, coleta de material biológico, identificação com microchip e brinco
Flávia Miranda
A biometria é feita em todo o
animal. A mensuração da
caixa torácica é de extrema
importância para a colocação
de aparelho rádio-colar, importante equipamento para o acompanhamento in situ
O Projeto Tamanduá também está partipando com consultorias na Argentina.
Na Província de Corrientes, os Esteiros de
Iberá, região semelhante ao pantanal
brasileiro, os tamanduás-bandeira foram
extintos há mais de 50 anos. Visando
reverter esse quadro, a ONG The
Conservation Land Trust - CLT, juntamente com o trabalho de diversos
pesquisadores, iniciará em agosto de
2007 a ocupação da região com tamanduás-bandeira provenientes da Província
do Chaco. A ONG produz materiais
educativos, muito
úteis para educação ambiental, e
informes técnicos,
como por exemplo:
o Manual Clínico
para el Manejo del
Oso Hormiguero
G i g a n t e
(Myrmecophaga
tridactyla);
Manual de quarentena
Manual
de
Necropsias del Oso Hormiguero
Gigante (Myrmecophaga tridactyla);
Manual de Cuarentena del Oso
Hormiguero Gigante (Myrmecophaga
tridactyla). Esses manuais sobre tamanduás-bandeira, todos elaborados com a
contribuição do Projeto Tamanduá,
estão disponíveis no site da ONG:
www.theconservationlandtrust.org.
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Reportagem
conservação. Ele reunirá o XXXI Congresso Anual da Sociedade de Zoológicos do
Brasil - SZB, o XIV
Congresso Anual da “Asociacíon
Latinoamericana de Parques Zoológicos y
Acuários - ALPZA” e o
XVI Encontro
da Associação
Brasileira de
Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS.
Flávia Miranda
Tamanduaí (Cyclopes didactylus): pequena
especie arboricola, que pesa em média 400g
Educação ambiental
Além de toda a pesquisa científica que
vem sendo feita sobre os tamanduás-bandeira e os demais membros da ordem
Xenarthra, a educação ambiental com as
comunidades que tem contato direto com
os animais é um fator fundamental para a
manutenção e conservação dos animais
em seu habitat natural.
O Projeto Tamanduá tem esse importante conceito inserido em suas atividades
e, dentro do possível, tem incentivado, por
exemplo, artesanatos com figuras de
tamanduás-bandeira.
Flávia Miranda
Tamanduá-mirim - Tamandua tetradactyla
Flávia Miranda
Flávia Miranda
Projeto Rodovias
No Brasil, as rodovias são uma grande
ameaça para os tamanduás-bandeira.
Muitos são atropelados e mortos devido à
existência de rodovias que passam por
fragmentos florestais, à falta de sinalização, à falta de acostamento, o que dificulta a visualização do animal. Além disso,
os tamanduás-bandeira também são vítimas da superstição. Entre os caminhoneiros, o tamanduá-bandeira é símbolo de
mau agouro, principalmente se ele estiver
cruzando a estrada na frente do caminhão.
Por isso, alguns preferem passar por cima
dele do que deixá-lo cruzar a estrada tranqüilamente. Flávia Miranda relata que ao
percorrer 36 km da Rodovia Transpantaneira, encontrou 6 tamanduás-bandeira
atropelados. Por isso, o Projeto Rodovias
é uma necessidade emergente. A idéia inicial proposta pelos membros do Projeto
Tamanduá seriam campanhas educativas
em pedágios e postos selecionados. Infelizmente é um projeto que ainda busca
parceiros para ser implementado. Na prática, ele ainda não existe...
Artesanato produzido por tribo Guarani que é
revendido pelo Projeto Tamanduá com o objetivo de aumentar a renda das famílias indígenas
Tamanduá-bandeira atropelado na BR 262,
entre Campo Grande e Aquidauana
Porém, mensagens de grande repercussao, também são importantes, mas difíceis
de serem colocadas em prática. Felizmente, outros grupos também estão envolvidos na valorização da fauna brasileira,
como é o caso de Paulo Munhoz, produtor
que colocou em cartaz, no mês de fevereiro, o filme Brichos (bichos do Brasil), longa metragem infanto-juvenil. Bandeira é
nome de um dos personagens. Ele gosta
de música, skate, games e esportes. Seu
pai, o tamanduá-bandeira Olavo, cultiva
práticas alternativas como o vegetarianismo e a acupuntura. Tales, Jairzinho e
Bandeira – um jaguar, um quati e um
tamanduá – fazem parte da surpreendente
população da Vila dos Brichos, um lugar
onde todas as espécies da fauna
brasileira coexistem em um universo
muito parecido com o nosso. Nuanças
de humanidade se mesclam com a
ingenuidade e a sabedoria dos animais,
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Clínica Veterinária, Ano XII, n. 68, maio/junho, 2007
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Informação técnica e científica
Recentemente a Editora Roca lançou a
obra Tratado de Animais Selvagens medicina veterinária. Nela, Flávia
Miranda e Antonio
Messias Costa deixaram valiosa contribuição sobre a
ordem Xenarthra,
incluindo informações sobre a biologia, habitat, nutrição, comportamento, reprodução, contenção física e anestesia,
entre outras.
De 27 de maio a
1º de junho ocorrerá
em São Paulo, SP, o
evento Todos pela
criando uma gama de personagens que ao
mesmo tempo diverte, ensina e nos leva a
refletir sobre uma série de questionamentos que fazem parte de nosso cotidiano,
mas que com a correria do dia-a-dia
muitas vezes nos passam despercebidos.
Em Brichos encontramos outros personagens que são um casal de felinos:
professor Jaguar e dona Onça. Munhoz
explica que a escolha do nome Jaguar
foi feita intencionalmente para recuperar o origem tupi-guarani do nome do
nosso maior felino, que é jaguar.
A história de Brichos também ganhou uma versão em livro de histórias
em quadrinhos, já a venda nas livrarias
de Curitiba e na FNAC. É uma versão
de luxo, 4 cores, capa dura e papel
couchê. “Também estamos investindo na
distribuição do filme em DVD”, salienta
Paulo Munhoz.
Iniciativas como essa colabaram muito para a conscientização e a educação
ambiental. Porém, elas também podem
e devem ser praticadas, durante uma boa
conversa, no dia-a-dia do atendimento
veterinário.
Turma principal de Brichos: Bandeira
(tamanduá-bandeira), Tales (jaguar), Jairzinho
(quati) e Dumontzinho (joão-de-barro)