Jornal de Negócios
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18 SEGUNDA-FEIRA 9 NOV 2015 | | NEGÓCIOS INICIATIVAS Energy and Mobility for Smart Cities MOBILIDADE ELÉCTRICA Portugal tem energia para o carro eléctrico? Sócrates sonhou em criar um “cluster” do carro eléctrico em Portugal, mas o projecto não teve energia para andar. Cinco anos depois, e com a tempestade Volkswagen ainda a passar, tem Portugal capacidade para se afirmar a nível global? Pedro Elias ANDRÉ CABRITA-MENDES [email protected] WILSON LEDO [email protected] escândalo Volkswagen ressuscitouocarroeléctrico. Com o petróleo a sofrer uma queda abismal no último ano, os carros amigos doambienteforamumpoucoesquecidos. Mas a polémica com as emissõesdamarcaalemãderamumgrande impulso ao automóvelverde. Esta tendência foi identificada pelopresidentedapetrolíferaPartex apenasduassemanasdepoisdapolémicater disparado. “Todos os fabricantes automóveis vão procurar alternativas ao gasóleo, estaé umadas lições do escândalo”, afirmou António Costa Silva, sublinhando que a electricidade é umadas alternativas reais ao petróleo. Mas seis anos depois de José Sócratesterdadoosprimeirospassos– comarededecarregamentoMobi.E e atentativafalhadade instalaruma fábricade baterias daNissanemCacia–existemcondiçõesemPortugal paracriarum“cluster”docarroeléctrico? O Governo acreditaque sim e dáo exemplo do que tem vindo aser feitonosúltimosanos.“Portugalchegouaterdiasdesteanocom100%de electricidade renovável, sem qualquer tipo de dificuldade nas nossas casas ou empresas. Ninguémsentiu qualquertipodevolatilidadeoudeinterrupçãonarede.Eissoconseguiuse com tecnologiae com engenharia portuguesa”, disse Jorge Moreirada Silva, ministro do Ambiente, numa visitaaosalãoautomóvelemLisboa. AAssociaçãoPortuguesadeVeículos Eléctricos (APVE) também apontaque hátrabalho aserfeito no terreno.“Portugaléjáumprodutore umexportadordetecnologiaeservi- O Os primeiros pontos de carregamento do Mobi.E foram inaugurados em 2010. Cinco anos depois, o sector poderá beneficiar do escândalo de emissões da VW. ços paraamobilidade eléctrica”, começaporexplicaropresidenteJorge Vasconcelos. “E há vários anos que tambéméexportadordeequipamentoseserviçosparaocombustívelque alimenta os veículos eléctricos – a “As políticas de ‘pára-arranca’ em Portugal têm prejudicado o carro eléctrico”. electricidade verde”. Portugal poderia já estar ao volante da mobilidade eléctrica, mas perdeu algumtempo.“Infelizmente, as políticas de ‘pára-arranca’ que temos vivido na última década não só nãoajudamaindústria,comoprejudicam, injustamente, a sua imagem internacional”,lamentaVasconcelos. Apesardeste“atraso”,váriosprojectosestãoafazeroseupercurso,colocando o país no bomcaminho (ver caixa).AEfacecéumadestasempresas,com“umaapostaindustrialmuito significativanaáreados sistemas decarregamentorápidosdeveículos eléctricos,viradaparaaexportaçãoe com uma forte afirmação lá fora”, destacao professor do INESC, João Peças Lopes. As próprias universidades estão também a desenvolver esforços na área. É o caso do Instituto Politécnico de Setúbal emparceriacomaAutoeuropa,responsávelpor1%dacriaçãoderiquezanopaís,todososanos. “Portugal é um laboratório vivo detecnologiaslimpaseofactodetermos umagrande adesão às questões verdestemumagrandevantagem:faz dePortugalumpaísdeatracçãodeinvestimento”,defendeoministroMoreiradaSilva. Osectorautomóvelnacionalestá emmovimento.ComoavançouoNegócios, as empresas daáreauniram- separacriarum“cluster”automóvel. O mesmo terá 40 milhões de euros parainvestir,nãoesquecendoprojectos naáreadamobilidade eléctrica. Em 2010, José Sócrates inaugurouoprimeiropontodecarregamento eléctrico da rede Mobi.E. Já em 2015, no salão automóvel de Lisboa, aFuso Canter E-Cell, um camião ligeiro eléctrico totalmente “made in Portugal”mereceuaatençãodeMoreiradaSilva. São cinco anos aseparar as duas fotografiaspolíticas,decoresdiferentes,masaditarumatendência:omomentoparecepropícioparaopaísse tornarnumactorglobaldamobilidade eléctrica. I SEGUNDA-FEIRA VÁRIOS PROJECTOS O carro eléctrico “já está a bombar” em Portugal Portugal partiu no pelotão da frente do carro eléctrico, atrasou-se, mas vários projectos podem voltar a colocar o país na “crista da onda” da mobilidade eléctrica. Estes projectos de carros verdes estão a ser desenvolvidos tanto nas instituições de ensino superior como nas empresas. AUTOCARRO 100% ELÉCTRICO PROJECTOS DO CLUSTER AUTOMÓVEL “Já estamos a bombar”, disse o presidente da Salvador Caetano ao ministro do Ambiente durante o salão automóvel. José Ramos relata a Jorge Moreira da Silva como é que estão a correr as vendas do e.Cobus, o primeiro autocarro de aeroporto 100% eléctrico do mundo. O veículo já circula no aeroporto da Estugarda na Alemanha e até ao final do ano vai começar a rolar no aeroporto de Genebra, na Suíça. A companhia portuguesa está também a negociar com vários aeroportos para fazer novas entregas no próximo ano. Este projecto nasce de uma parceria com a Siemens Portugal. A Associação Automóvel de Portugal (ACAP) prepara-se para avançar com um centro de desenvolvimento automóvel e tem 40 milhões de euros para investir. E o carro eléctrico também vai ter um papel importante na actividade deste cluster. Um deles é o projecto “BE”, um inovador veículo eléctrico interactivo e de baixo custo. Outro dos projectos é o “AME”, que passa pela criação de uma plataforma de apoio à investigação e desenvolvimento de baterias para carros eléctricos. FUSO CANTER ELÉCTRICA É a 150 quilómetros a nordeste de Lisboa no Tramagal, Abrantes, que está a ser desenvolvida e produzida a Fuso Canter E-Cell, uma versão 100% eléctrica deste camião ligeiro.A primeira fase de testes ocorreu durante um ano e terminou este verão. Várias empresas portugueses testaram em condições reais de condução diária este modelo que conta com uma autonomia de 100 quilómetros “O programa foi um sucesso, os resultados do teste foram muito bons”, disse ao Negócios Francisco Geraldes, director-geral da Mitsubishi Portugal. Agora, o teste está a ser estendido a outros países europeus. O objectivo é desenvolver a tecnologia para que seja criada uma versão com maior autonomia e comercialmente rentável. VEEECO O Veeco é o primeiro automóvel desportivo totalmente produzido em Portugal. O projecto do veículo eléctrico de três rodas arrancou em 2009 e vai começar a rolar nas estradas a partir do próximo ano, com uma autonomia de 400 quilómetros. AUTOEUROPA APRENDE AFAZERCARRO ELÉCTRICO O repto foi lançado pelo presidente da Autoeuropa, António de Melo Pires, ao Politécnico de Setúbal em 2014. A proposta? Formar profissionais altamente qualificados na área da mobilidade eléctrica. A instituição de ensino superior aceitou o desafio e assim nasceu a pós-graduação em Motorização de Veículos Eléctricos e Híbridos, em colaboração com a Autoeuropa e com o Centro para a Excelência e Inovação na Indústria Automóvel (CEIIA). | 9 NOV 2015 | EMPRESAS | 19 Mas afinal que é que é feito da rede Mobi.E? A rede está incompleta, precisa de manutenção e pode vir a ser um entrave ao mercado de carros eléctricos e híbridos “plug in” em Portugal, cujas vendas devem crescer mais de 250% este ano. O Tesla ficou a carregar durante a noiteeabateriaficoucheia.Demanhã, saídade Lisboacom destino a Évora.Oplano:passarodianacidadealentejanaeregressarnofinaldo dia.Masoquepoderiatersidouma viagem perfeitamente normal tornou-se numa verdadeira aventura para o presidente da Associação PortuguesadeEnergiasRenováveis (APREN). “Tentei carregar o carro em Évora,masnãoconseguiporqueos postosestavamtodosavariados.Eo únicoquenãoestava,tinhaumveículo eléctrico acarregar”, contaao Negócios António SádaCosta. O líderdaAPRENconseguiuregressar àcapital com amesmacargaequeixou-seàMobi.Esobreoestado da rede. Mas do outro lado da linha a resposta foi curta e directa: “Não existem peças” paraarranjar os postos. A nível oficial, a rede Mobi.E contacom1.300pontosdecarregamentodeacessopúblicoemPortugal Continental. No final de 2014, a rede contavacom884utilizadores, mais 52% face ao ano anterior. O Negóciostentouapurarqualoestado actual da rede, mas não obteve respostaemtempo útil. OGovernoreconhecequearede precisade ser actualizadaparaque oscondutoresdoscarrosverdesnão fiquem apeados. “Temos de trabalhar mais ao nível darede”, admite oministrodoAmbiente.JorgeMoreiradaSilvaapontaqueoExecutivo se preparaparainvestir narede usandoosfundosdoPortugal2020. Atéaofinaldoano,deverãoserinstalados 50 postos de carregamento “ Tentei carregar o carro eléctrico em Évora, mas não consegui. ANTÓNIO SÁ DA COSTA Presidente da APREN rápido,incluindoemváriasauto-estradas, o que facilita o percurso de quemse deslocaentre cidades. Ao mesmo tempo, “existem muitospostosdecarregamentoem armazémequeaindanãoforaminstalados porque são muito caros e o Governoaindanãosechegouàfrente com o dinheiro parapagar”, diagnostica o professor José Maia do Instituto Politécnico do Setúbal. Outro dos problemas prende-se comofactodeoGovernoaindanão terchegado aacordo comaMobi.E sobre os pagamentos dafacturada energianospostos,queagoraégratuita. AAssociaçãoPortuguesadeVeículosEléctricos(APVE)apontaque “estemonopólioduroupouco,quasenãoteveutilizadoresenuncateve clientes”. “O problemagrave é que foi um monopólio construído com dinheiro dos contribuintes”, reage Jorge Vasconcelos. O mau estado da rede ameaça tambémtravaraexpansãoemPortugal do carro eléctrico e dos híbridos “plug in”, apesar das estimativasapontaremparaumcrescimento de 265% este ano, paraum total demilveículos.Masnãobastacomprar, é preciso que a rede esteja prontaacarregar. I ACM/WL Publicidade