a experiência de San

Transcrição

a experiência de San
A qualidade dos serviços de educação
e cuidados para a infância (ECI):
a experiência de San Miniato
Aldo Fortunati é presidente do Centro de Investigação e Documentação da Infância de San Miniato,
La Bottega di Geppetto. [email protected]
INFÂNCIA NA EUROPA 20
A pequena cidade de San Miniato dispõe de
serviços de elevada qualidade, com financiamento público, para mais de 45% das
crianças com menos de 3 anos, que assentam no reconhecimento de que as crianças
são detentoras de direitos e agentes competentes da sua aprendizagem. Aldo Fortunati, que tem supervisionado a evolução
destas instituições há quase três décadas,
explica porque esta perspectiva é intrínseca
à própria noção de qualidade dos serviços
para crianças pequenas.
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A imagem da criança como ponto de partida
A maneira como a sociedade encara a
criança é uma questão fundamental em
qualquer debate sobre a qualidade dos serviços para a educação e os cuidados com a
infância (ECI).
Na cidade toscana de San Miniato, em Itália, a imagem de criança é a de um cidadão
que, desde o nascimento, é uma pessoa
competente e detentora de direitos. Neste
contexto, as crianças são as construtoras da
sua experiência. Procuram as suas experiências e constroem os seus saberes, o que tem
implicações importantes para o modo como
os educadores interagem com elas.
Em San Miniato não se espera que os educadores trabalhem para ajudar as crianças a
atingir resultados pré-definidos porque não
se pode saber de antemão quais serão esses resultados. Se as crianças são agentes
da sua experiência, estes não são previsíveis.
As crianças são dotadas, fortes e têm grande
potencial e, quando libertas do peso das ex-
pectativas estabelecidas pelos adultos, nunca deixam de nos surpreender.
Esta imagem está muito distante da ideia de
uma criança fraca, passiva, que necessita de
cuidados e protecção. Em San Miniato pensamos que todos os aspectos de funcionamento dos serviços de ECI, bem como os elementos que definem a sua qualidade, devem
ser construídos em torno daquela imagem.
Ter em conta o potencial de cada criança
não significa que os educadores não intervenham. De facto, acreditam que as crianças orientam a sua aprendizagem e confiam
que sabem lidar com o imprevisível, mas têm
também a responsabilidade de criar oportunidades para as crianças e de organizar experiências que estimulem uma aprendizagem
significativa. O que é importante é que estas
oportunidades não são planeadas para a realização de uma sequência pré-estabelecida
de acções. Pelo contrário, os educadores
constroem uma “estratégia” durante o desenrolar da acção. Usam o que sabem de
cada criança para tomar decisões “no momento”. Os educadores participam, contribuem e influenciam, mas a atitude essencial
é a de uma intervenção assertiva mínima. A
abordagem adoptada pelos educadores relativamente à organização e planeamento
procura centrar-se nos seguintes aspectos:
Organização
• Estabilidade do ambiente educativo e
das relações sociais que se desenvolvem
neste ambiente.
• Consistência da experiência das crianças
durante um vasto período de tempo.
• Desenvolvimento de uma relação significativa com as famílias.
Planeamento
• Reavaliação permanente do ambiente educativo e da dinâmica relacional no grupo.
• Avaliação e reflexão contínuas sobre o
papel do educador.
• Desenvolvimento profissional contínuo
e avaliação da qualidade da documentação do educador sobre as experiências
das crianças.
“Em San Miniato não se espera que os
educadores trabalhem para ajudar as
crianças a atingirem resultados pré-definidos porque não se pode saber de
antemão quais serão esses resultados”
O processo de “documentação” está no centro do funcionamento dos serviços de ECI de
San Miniato. Os educadores registam, habitualmente por escrito, as suas observações
da criança, dando especial atenção ao modo
como estas participam nas actividades e às
relações que desenvolvem no grupo. Através de uma avaliação colaborativa, os educadores aprofundam a sua compreensão da
criança, usando a avaliação como base para
conversar com os pais.
É dada uma grande importância à participação da família, o que não só se reflecte na
estrutura de gestão das instituições – as comissões de pais são muito bem vistas e têm,
frequentemente, bastante influência –, mas
também na forma como os educadores vêem
os pais. Os serviços de ECI de San Miniato
são considerados como complemento do am-
Crianças menores de três anos que frequentam os serviços
públicos de San Miniato
33%
40%
18%
9%
Em San Miniato, os nidi – serviços tradicionais de creche para
crianças dos 3 aos 36 meses – atingiram a cobertura de 33%
indicada pelas recomendações de Barcelona da UE para 2010.
Em conjunto com os serviços integrados (centros para crianças
e famílias) e jardins-de-infância (para crianças dos 3 aos 6 anos)
atingem mais de 45% das crianças até aos 3 anos.
O financiamento público cobre a maior parte dos gastos de gestão e
garante um acesso justo e generalizado aos serviços.
INFÂNCIA NA EUROPA 20
Nidi (Creche)
Em lista de espera
Sem inscrição
Serviços integrados (grupos de pais e crianças que frequentam alguns dias por semana)
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biente familiar da criança. Por isso, o papel
do educador não é retirar a responsabilidade
aos pais, mas reforçar o seu papel e melhorar
a compreensão da sua identidade e da identidade e do potencial educativo da criança.
Os educadores trabalham em estreita colaboração com os pais, partilhando a informação que registaram sobre a criança e também as observações relativas ao seu desenvolvimento, que se fundamentam nessa documentação. Para um pai ou mãe, ver o filho
num outro contexto pode ajudar a clarificar
a sua imagem da criança e o seu papel de pai
ou mãe. As conversas informais entre educadores e pais ocorrem todos os dias e os pais
também são incentivados a tomar parte em
reuniões ou ateliers mais estruturados.
cie de “experimentação ecológica” que nos
permite ler e interpretar um determinado
fenómeno interessante.
• A curto prazo, o nível elevado das instituições de ECI, bem como da formação
do pessoal leva os pais a compreender o
valor educativo dos serviços de ECI quer
para as crianças, quer para as famílias.
• A médio e longo prazo, existe uma nítida
relação entre o nível de elevada qualidade dos serviços de ECI e a presença das
mulheres no mercado de trabalho, a tendência para a maternidade e paternidade, a partilha entre pais da responsabilidade de cuidar das crianças, e para além
disso, a preocupação com as diversidades individuais, relações interculturais e
prevenção do abondono escolar.
É por estas razões que desejamos um atendimento universal, concebido como responsabilidade pública e que testemunhe a relação benéfica que se pode estabelecer entre
o reconhecimento da criança como protagonista, a participação da comunidade e a
política pública.
O mais importante não será talvez medir resultados, mas antes controlar a qualidade dos
serviços de ECI e medir a sua acessibilidade.
“Para um pai ou mãe, ver o filho num
outro contexto pode ajudar a clarificar
a sua imagem de criança e o seu papel
de pai ou mãe”
Por isso, San Miniato não é um local em que
se aplique uma abordagem uniforme a fim de
chegar a um conjunto de resultados padronizados. As instituições de ECI da cidade são locais
em que crianças e educadores são protagonistas, em que experimentam a vida quotidiana
em conjunto, partilham essas experiências,
desenvolvem relações e dão origem a novos
modos de compreender e, portanto, constroem em conjunto novos conhecimentos.
Este tipo de profissionalismo exige uma formação sólida. Todos os educadores das instituições de ECI de San Miniato têm de ter
uma licenciatura, que pode ser em qualquer
disciplina, mas quando são admitidos têm
também de fazer um exame, concebido pelo
centro de investigação e formação La Bottega di Geppetto. Depois de contratado, o
novo educador tem de passar por uma formação em serviço intensiva, que faz parte do
seu contrato e ter, pelo menos, 40 horas de
trabalho dedicadas à formação.
Visão de futuro
Como conclusão, podemos considerar a
experiência de San Miniato como uma espé-
Vânia, de 21 meses, está de pé num armário de cozinha e colabora com Maia, de 23 meses, e Eva, de 30 meses, para porem a
mesa na cozinha. Esta imagem de uma criança muito pequena que se empoleirou para retirar um objecto de uma prateleira
pode ser considerada um perigo por alguns. Mas o espaço é uma referência importante para as crianças, proporcionando-lhes
responsabilidades a que muitas vezes dão uma resposta criativa. Um educador atento e que está perto (estava lá, mas não se
vê na fotografia) pode permitir e dar apoio a estas situações, mas são as crianças que orientam a actividade.