Notizie Magazine Nº 2
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Notizie Magazine Nº 2
EDITA: Fedrigoni Espanha e Entreplanta Comunicación CONSELHO DE REDACÇÃO: Roberto Mancini / Nino Murcia / Sylvia García / Jorge Arévalo / Pablo Torres / Ana Moya / Ana Isabel Antão. NOTIZIE MAGAZINE / Antonio Maura 8, 28014 Madrid www.notiziemagazine.com / [email protected] Publicidade: Ana Moya (+34 91 522 59 50) Coberta: Fedrigoni X-Per 200 gr. /Páginas 7-18: Fedrigoni X-Per 140 gr. Páginas 3-6/19-22: Fedrigoni Freelife Vellum 140 gr. Depósito legal: B-40137-2009 / Imprime: Igol S.A O primeiro número de NOTIZIE Magazine abria com Jorge Arévalo como referência na ilustração nacional da década que acabava. Para este segundo número é Javier Mariscal quem ilustra a nossa capa como designer espanhol mais representativo dos últimos vinte anos. Crescemos, por isso neste Notizie triplicamos o número de páginas e a variedade dos conteúdos. Sem perder de vista nunca, claro, a nossa intenção inicial: falar de design, de comunicação e do papel como suporte para ambas as coisas desde uma perspectiva desenfadada e lúdica, com o toque de requinte e saber fazer que nos dá o nosso sangue italiano. Javier Mariscal demonstra na nossa entrevista um optimismo à prova de bala e uma fé irredutível no design espanhol. Nós também cremos no bom estado do sector e pensamos que lhe está reservado um futuro de êxitos. E para demonstrá-lo está o NOTIZIE Magazine. E se ao longo da leitura o branco do papel lhe parecer mais atractivo que as letras que rabiscámos, já sabe: este que está a tocar com a mão esquerda é um X-Per Premium White de 200 gramas e o da sua mão direita um Freelife Vellum White de 140 gramas de Fedrigoni. Esperamos encontrar-vos de novo brevemente, acabando a primavera, e tendo crescido todos um par de palmos mais. Saluti a tutti! Diz que a sua recém descoberta dislexia foi a culpada para que tenha aprendido a conhecer a vida através dos traços dos seus desenhos, em vez de se valer das letras. Mais uma frase do provocador ou uma reflexão profunda nos seus recém estreados sessenta? Com a retrospectiva Drawing Life que este passado Outono lhe dedicou o Museo do Design de Londres e a publicação do aclamado livro Mariscal Sketches: 2009 foi, sem dúvida, o ano de Javier Mariscal. Falámos com ele sobre viagens, vespas, Itália e...até um pouco de design. 2009 Parece ter sido um excelente ano para ti. Como perspectivas o due milla dieci? Para mim, 2010 chama-se Chico & Rita, que é o título da longa-metragem de animação que estou a fazer com Fernando Trueba e que vai estrear no final deste ano. É o meu primeiro filme e estou expectante por ver o que se vai passar. E uma vez terminada esta longa-metragem, falta-te ainda explorar algum desafio artístico? Certamente que sim, artístico e não artístico. Encanta-me fazer coisas novas e creio que sempre haverá algo por descobrir, por experimentar. Não quero pensar que já me dediquei a tudo quanto poderia dedicar-me nesta vida. Pode ser que 2010 brilhe para ti, mas, como vês de saúde o design em Espanha para começar esta década? O Design vai bem, a criatividade cresce em momentos como este - de crise, ou seja, que a esse nível creio que vamos prosperar. Outra coisa é a industria e a economia e a conjuntura e essas coisas. Mas temos capacidade de reacção, tenho a certeza. Os novos designers surgem com pujança, com garra de transformar, de inovar, por isso o design espanhol vai continuar a brilhar como aconteceu na última década. Faz mais de vinte anos, numa entrevista onde exibias orribili baffi, um bigode horrível, dizias: "o problema do design em Espanha é que os empresários são uns semvergonha e uns inúteis que estão sempre a olhar ao tostão e copiam do estrangeiro". Achas que o panorama melhorou? Melhorou, claro. Tudo melhorou com a democracia e com o passar dos anos. Sou optimista crónico nesse sentido. Também a mentalidade dos empresários está a mudar, já vêem no design um motor de desenvolvimento. Sempre haverá semvergonhas, mas já não é tão frequente. Muitos empresários espanhóis preocupamse agora em oferecer criatividade e qualidade, por incorporar novas tecnologias, por investir. Estamos ainda longe da cultura de design que existe em Itália, mas já não trabalhamos no deserto. Queríamos que este Notizie fora uma viagem de scooter pela costa italiana. E sempre que pensamos em mediterrâneo, praia e vespas vens-nos logo à cabeça. Desvenda-nos a dúvida, porque segundo a fonte o número muda, 8, 10 ou 14 vespas na tua colecção? Há alguma a que tenhas especial carinho? Pois não sei quantas tenho, mais ou menos as que dizes. E se tenho uma favorita, mas como é “a minha favorita” não vou dizê-lo, porque o importante é que o seja para mim. Ela sabe-o e isso já basta. Não gostaria que as restantes se sentissem menos apreciadas e ciumentas. «Até nascer a vespa, a moto era um objecto macho, aí, com o motor entre as pernas. Foi a primeira que te permitia ir sentado como se te empurrassem, respirando no verão o ar dos pinheiros». As vespas deixam-nos doidos porque vemo-las sempre com belas raparigas em cima. Mais motivos para essa obsessão? Permitem-te ir trabalhar com uma roupa normal, com um calçado normal. Não faz falta ir vestido de madelman para conduzir uma Vespa. São femininas no sentido de que não são competitivas, não nasceram para que quem as conduza se faça de macho sobre a moto. São outra forma de entender as motos. Com elas soluciona-se uma necessidade de transporte na cidade, não criam problemas, são tranquilas, aprazíveis, simpáticas, refrescam-te no Verão, permitem-te dizer piropos às miúdas e aos rapazes pela rua. No Notizie somos mais de Lambretta, mas parece-nos que na tua capa é uma Vespa. Tomas partido nessa rivalidade? É uma Vespa, claro. Sempre a Vespa. Com ou sem vespa estás sempre em excursão. Íamos perguntar-te por uma viagem à que guardes especial carinho, embora as que mais se recordem sejam as piores. Qual a viagem più orribile da tua vida? A mais horrível da minha vida foi a que fiz desde Inglaterra a Espanha para fazer o serviço militar. Que espanto, que futuro mais negro me esperava! E alguma viagem por Itália que queiras recomendar-nos? A Costa Amalfitana. Pequena maravilha: limoeiros e limoeiros, curvas e mais curvas para conduzir como se desenhássemos sobre o papel. Esse azul imenso, as encostas empinadas, os escarpados vertiginosos, os “spaghetti ai frutti di maré”, a grappa, o tiramisú, os diversos pôr-do-sol. Super recomendável. E também a Puglia, claro. É que em Itália sentimos predilecção por ti. Os móveis para Moroso, o design para Memphis ou para Magis, o premio Top Applications da Fedrigoni até os teus Sketches… Tu também nos adoras? Quais são os teus ícones favoritos do estilo italiano? Claudia Cardinale, Federico Fellini, Achille Castiglioni, Alessandro Mendini, a Vespa, a cafeteira Bialetti, o candeeiro Tolomeo. Para a edição de Mariscal Sketches escolheste o Freelife Vellum e o Nettuno, ambos da Fedrigoni. Que te dizem esses papéis? Sofisticação, tradição, inovação e calor. Um autêntico luxo. No Notizie Magazine apaixona-nos, aparte do papel, a ilustração. Graças à tua capa devemos estar a dois cafés de converter-nos no New Yorker nacional. Confidencia-nos o teu par de ilustradores favoritos? Saul Steinberg e Hugo Pratt, sem dúvida. Há mais, mas estes parecem-me muito bons. Infine, e já que este revista também chega às escolas de design: um conselho para os, seguramente, desesperançados estudantes que enfrentam o panorama actual? A criatividade alimenta-se das dificuldades. É um momento excelente para demonstrar que se é criativo. Sem criatividade não sairemos desta. Faz falta propostas imaginativas, que transformem tudo isto em algo melhor. É a sua grande oportunidade. São “a esperança”. Coraggio! Fotografía: Xoan Marín. Diz que se sente um pouco STEVE MCQUEEN EM FUGINDO DO INFERNO quando conduz a sua Suzuki Marauder, e que não há nada comparável a esse primeiro dia do ano em que podes sair com a tua moto em manga curta. Em JORGE CUETO nota-se que esteve em frente à câmara antes de passar para o outro lado porque agora, como fotógrafo especializado em moda, tem tanta empatia com as modelos com quem trabalha que consegue sempre delas as melhores poses. Se necessitar, quem sabe pode contratá-lo. Procure em www.jorgecueto.com. O gosto e o estilo podem até ser aprendidos, mas há pessoas nas quais isso é inato. BEATRIZ FERNÁNDEZ e seus sócios demonstram-no através da sua agência de estilismo Beteo Fashionmedia, cujo trabalho pode ver-se em séries como Herederos (no canal 1, em Espanha) ou vestindo Bud Spencer para que reparta sopapos para um banco ou a Iker Casillas sentindo-se seguro. Na página web do seu showroom em Chueca, FASHIONISTAS (onde dispõe de marcas como TERESA HELBIG, HERMES ou COMPTOIR DES COTONIERS) revoluteiam mariposas: www.fashionistasestudio.com Veio a Madrid para ficar, faz já muitos anos, desde Alghero, norte de Sardenha, e trouxe na bagagem uma pronúncia de filme e os sabores da sua terra. Agora chefia em conjunto com o seu sócio a TAVERNETTA SICILIANA, em Madrid, onde nos contou todos os segredos da cozinha sarda sem medo de romper a omertá. Viaja constantemente até à sua ilha em expedições de aprovisionamento porque diz que os tomates secos da quinta do seu pai sabem muito melhor que os daqui. E nós não vamos discuti-lo.◊ As formigas são um insecto social da família dos himenópteros que se identifica facilmente pelas suas antenas em ângulo, sua estrutura em três secções e suas seis nervosas patas. Estima-se que haja dez mil biliões de formigas vivendo sobre a Terra, mas aquela de que nos ocupamos agora é um exemplar concreto que ciranda por Madrid. Não cremos que esta pequena formiga viaje de scooter ou fale italiano, mas o que realmente faz com as suas laboriosas patitas (aparte de levantar até 50 vezes o seu peso) é rabiscar com tinta papéis e brincar com as tesouras para fazer as deliciosas ILUSTRAÇÕES que podeis desfrutar em www.elenahormiga.es. Concordo: as velhas scooters são uma delícia. Têm um design e um encanto incríveis . Mas os seus motores mono-cilíndricos de dois tempos contaminam demasiado. Quem sabe por isso no estúdio de design catalão BEL&BEL quiseram dar-lhes mais uma vida para além do transporte. E com essa intenção criaram uma linha de mobiliário construída com restos de Vespas. E têm uns assentos em que todos sonhamos sentarnos, com uma gama tão variada de modelos como as próprias Vespas. BUENAFUENTE confia o bem estar do seu traseiro a um desses assentos no seu lateshow. E deve saber o que faz? Não? Caso contrário não havia triunfado. de passeio, de carreiras, tandens (bicicletas de 2 lugares), todas Digamos que queres exibir o com um design excepcional. encanto de uma Lambretta mas és alérgico à velocidade ou o som Isso sim, vê poupança. O modelo do motor provoca-te uma Fashion Milano 2009 custa 4.500 e n x a q u e c a . P o d e s e s t a r euros, e sua edição limitada t r a n q u i l o : a s b i c i c l e t a s Luxury ronda os 30.000, com MONTANTE, fabricadas em selim e guiador de pele de cobra MILÃO, reúnem a classe, o estilo e 11.000 cristais Swarovski a e o encanto que necessitas. A adorná-la. colecção 2010, inspiradas nos 11.000 cristaizinhos. Deve pesar seus modelos dos anos 30, são demasiado para ganhar a Volta uma autêntica jóia de linhas com ela. clássicas e elegantes mas de uma modernidade absoluta. Bicicletas No Verão de 1959 PASOLINI percorre, num Fiat Millecento, a costa italiana a cargo da revista Sucesso. Incumbiram-no de escrever um artigo sobre o Verão italiano. Da sua experiência nasce "La Lunga Strada di Sabbia", o diário da sua viagem pela longa auto-estrada de areia das praias italianas. 50 anos depois o fotógrafo PHILIPPE SÉCLIER repete a viagem com a sua câmara, procurando os mesmos cenários. O resultado é "Larga Carretera de Arena", com os textos originais e fotografias de Séclier, um livro editado por La Fábrica onde descobrimos que PASOLINI já indiciava genialidade e loucura na sua juventude e, é graças às fotos, que o Verão italiano continua a ter um toque retro. Tudo termina na praia de Lazzareto, em Trieste: "Aqui se acaba Itália, aqui se acaba o Verão" PATRICIA PICCININI faz umas esculturas perturbadoras. Produzem uma mescla entre ternura e repulsa difícil de assimilar; veja no google se não acredita. Ela diz que o que pretende com as suas obras é pôr em evidência a biotecnologia, a modificação genética e essas coisas tão complicadas. Para a sua última serie de esculturas (Nest, The Stags, Thicker than Water) antropomorfizou (melhor dizendo: caracolizou) umas scooters e conseguiu o que procurava: tornar entranháveis esses pedaços de metal cromados, provocar-nos vontade de os acariciar porque são bonitos e brilhantes, mas fazê-lo com cuidado, não vão morder-nos. Ah, e enganou-nos: apesar do apelido, é australiana. Ilustração: Elena Hormiga Sardenha. Vinte e quatro mil quilómetros quadrados no meio do Mediterrâneo. Milhão e meio de habitantes. Oito milhões de ovelhas. E nesse troço de terra com forma de sandália e tanto bovino, uma gastronomia excepcional, atípica para uma ilha, onde o normal é não sair de quatro formas de preparar o peixe. Com a riqueza de sabores que deixaram os povos que passaram por ali: fenícios, cartagineses, romanos, vândalos, árabes, genoveses e inclusive catalães. As civilizações passam, os rebanhos permanecem. E tanta ovelha deve ter algo de bom. Para começar, que com o seu leite se fabrica o pecorino, o queijo mais antigo de Itália. Um queijo curado de sabor mais forte que o padano, e tão bom que dizem que o autêntico pesto genovês só se prepara com pecorino sardo. Segundo: tanta ovelha necessita pastores. Por isso na Barbagia, a planície no interior da ilha (às ovelhas: a praia não as convence) os pastores têm a sua própria gastronomia com a que preencher esses longos dias sardos repletos de balidos. E para além de ovelhas e pastores também há mirto. A planta nacional. O cheiro que envolve a Sardenha não é o de ovelha, por incrível que pareça, senão o do aromático mirto. Por isso os pastores bebem licor de mirto e preparam o porceddu, um leitão assado feito muito lentamente no espeto sobre brasas, ao ar livre, e que se rega com mirto e a sua própria gordura. Também comem ovelha cozida. É lógico. Salteamos salsa fresca e alho picados em abundante azeite./ Retiramos do fogo e adicionamos, na sertã quente, a carne de ouriço. / Cozemos os linguine. / Só nos falta escorrê-los e misturá-los com o molho de ouriço-do-mar para poder desfrutar de um prato que será como ter, por um momento, um pequeno mar mediterrâneo no paladar. “É mais perigoso que um macaco com uma navalha”, Diz-se. E nós acrescentamos: o perigo é dar a Sean Mackaoui umas tesouras. Porque com elas e uma pilha de revistas velhas é capaz de fazer coisas deliciosas. O belo é perigoso, já sabem. As suas colagens são mínimas, delicadas, de encanto clássico e com um ponto intimista. E contam micro-contos, anedotas, pequenos pedaços de vida. São poesia visual composta por uma mescla de acaso, jogo e humor que sai das suas caixas de recortes classificados. Escapam-se dessa corrente do corta e cola punk pós-moderno tão em todas as partes estes dias, já demodé, para entroncar com a arte de Joan Brossa, de Daniel Gil ou do seu amigo Chema Madoz. O próprio MacKaoui está feito de recortes: nascido na Suiça, de nacionalidade anglo libanesa e madrileno de adopção por mais de uma década, agora mudou-se para o Brasil com as suas tesouras. E apanha peças de todas as partes. Diz que a viagem para ele é uma necessidade, porque o mundo esta repleto de tantas realidades, experiências por viver, gente incrível por conhecer, sabores e cheiros, que há que sair em busca deles. Embora quanto muito essa necessidade de movimentar-se venha do seu sangue libanês. Quando lhe perguntamos pelo papel como material no seu trabalho, retira uma citação de George Bernard Shaw que deve ter nalguma das suas caixas: “somente através do papel o ser humano alcança a glória, a beleza, a verdade, o conhecimento e a virtude”. A sua obra foi exposta no Círculo de Belas Artes ou no Cervantes de Beirute. As suas colagens podem ver-se a ilustrar a Revista do El Mundo ou nos posters do Centro Dramático Nacional. Mas imaginem-no em São Paulo. Com as suas tesouras. Com as caixas de recortes. Feliz Procurando numa das suas caixas selecciona-nos as peças que acompanham este artigo, e que elege porque vê nelas um certo ar italiano. MASTROIANI foi sempre o seu actor fetiche, mas FEDERICO FELLINI nunca encontrou a sua musa. Com a ajuda do guião de OCHO Y MEDIO (impresso, claro, em Freelife Vellum White da Fedrigoni) e vestida de TERESA HELBIG, descobrimos com este casting uma nova estrela felliniana que enche o ecrã de paixão e sensualidade Tom Ford é elegância. Foi-o como director criativo de Gucci, quando salvou a empresa do poço. Continuou a sê-lo quando se estabeleceu com a sua própria marca. É-o em cada photocall, em cada festa, apesar do seu ar distante de porteiro de discoteca. E claro, não pode deixar de sê-lo se agora decide que quer dedicar-se ao cinema. Por isso é-nos indiferente se em A Single Man (o seu primeiro filme, que se estreou hà dias) manteve o espírito da novela de John Iserherwood, considerada como um dos primeiros livros do movimento de liberação gay. O que importa é que toda a classe e o estilo que até agora impregnaram as suas colecções, o seu design e as suas campanhas publicitárias estejam presentes no filme. A acção decorre na Califórnia dos anos sessenta, narra o último dia na vida de George, um professor universitário inglês, homossexual e maturo, incapaz de ultrapassar a recente perda do seu companheiro, que acaba de morrer. E a crítica coincide: pode ser que não se faça justiça ao livro ou que a narrativa seja demasiado clássica, mas o aspecto visual roça a perfeição. Os estilismos, os vestuários, as localizações, os adereços, os extras, tudo acompanhado de uma fotografia, uns movimentos de câmara e uma iluminação medidas ao milímetro, escolhidas para recriar o espírito de uma época através da sua estética. Todo esse requintado cuidado visual por vezes alcança o poético e noutras ocasiões é demasiado artificial. Mas justamente aí reside o encanto dessa elegância: em que se sabia forçada e imposta na sua própria época. para a mulher ou para a amante. Uma ideia oposta ao casual imperante e que está a pegar especialmente entre as gerações mais jovens, que nunca viveram nada parecido. As coscuvilhices do mundo da (e na) moda proclamavam que, desde o fim de Sexo em Nova York faz já cinco anos, o glamour tinha abandonado a televisão. Mas Mad Men, a premiada série sobre publicitários na Madison Avenue dos anos sessenta, conseguiu arrecadar a essência do chic para se converter na nova referência de estilo. E a direcção artística da série (e o seu vestuário em concreto) reivindica essa elegante década, quando aperaltar-se era uma questão de orgulho pessoal. Devia-se estar sempre impecável e perfeito, fora em casa ou no trabalho, Em Mad Men eles ostentam fatos de dois botões (o segundo desabotoado), casacos de dois (no máximo três) bolsos, com o detalhe do lenço assomando na horizontal e lapelas e gravatas estreitas, quase mínimas. O cabelo, sempre engomadinho. Os chapéus, obrigatórios. As mulheres, constantemente de carmim, e uns penteados divinos conseguidos á base de dormir com rolos. A cintura muito marcada para determinar a silhueta, as saias por cima dos joelhos ou de tubo, jerseys de cashmere, colares e brincos de pérolas e, sempre, sapatos de salão com salto. A responsável desses estilismos é Janie Bryant, a designer do vestuário da série. Diz que adora captar a essência de uma época através do vestuário e já está a escrever um livro sobre o seu trabalho na série. E na verdade cada personagem está minuciosamente pensado para representar um ícone da moda dos anos sessenta: Betty Draper, a sofrida esposa, veste clássica e inocente como Grace Nelly; Joan, a voluptuosa secretária que interpreta Christina Hendricks, é uma mistura entre Marilyn Monroe e Sophia Loren; Roger Sterling representa o sartorialismo com os seus trajes de colete e o próprio Drapper tem o estilo de um Cary Grant passado para o lado escuro. Michael Kors, Christian Dior, Carolina Herrera, Loewe, Dolce & Gabanna ou Prada já incluíram referências dos anos sessenta nas suas colecções para Primavera-Verão de 2010. AMC e Banana Republic criaram uma linha de roupa inspirada directamente na série, que se apresentou coincidindo com o início da terceira temporada. Inclusive chegou a ser dito que o pequeno aumento no consumo de tabaco entre os jovens norte-americanos se deve a que em Mad Men fumam um cigarro atrás do outro. Não se pode negar: Mad Men está em moda, na moda. Houve uma época em que a ilustração era a única forma de comunicar a moda. Onde os posters publicitários, os figurinos e as capas desenhadas das revistas marcavam a tendência. Mas para a década de cinquenta a fotografia conseguiu impor-se, tirando o protagonismo à ilustração até fazer com que quase desaparecesse. A esta mudança sobreviveu Rene Gruau. O ilustrador francês, que começou a sua carreira no período de entre-guerras, converteu-se, através dos seus traços requintados, no principal embaixador mundial da elegância atemporal, acima de designers, modelos ou marcas. Era indiferente se com o seu estilo retomava o modernismo, homenageava Toulouse Lautrec ou criava composições de um minimalismo absoluto, muito à frente da sua época. Inclusive nos anos oitenta, nos finais da sua carreira artística, Gruau conseguiu dotar dessa elegância clássica o design de estética mais selvagem e transgressora da década. Para comemorar os 100 anos do seu nascimento a editorial francesa Thalia publicou “Le Premier Siècle du René Gruau”, um livro com mais de 400 ilustrações do genial desenhador, prologado por John Galliano, e que faz uma selecção dos seus trabalhos, durante 70 anos, para as casas mais importantes (Dior, Balenciaga, Guivenchy…) ou para as principais publicações (Vogue, Harper’s Bazaar, Marie Claire...) Basta uma vista de olhos aos anúncios para as colónias masculinas do seu amigo Dior que aparecem neste livro para se dar conta de quanto deve a este ilustrador o revivalismo que protagonizam, hoje, MAD MEN ou A Single Man no Gran Theft Auto Edition Spaghetti Boloñesa. Apenas os seus métodos diligentes e a sua ambição de poder explicam que esse grupo de mortos de fome acabassem metidos em todas as tramas possíveis: foram relacionados com a Camorra e a NDraghetta, o terrorismo de extrema direita, os serviços secretos italianos, o assassinato de Aldo Moro, o Massacre de Bolonha e até com os responsáveis financeiros do Vaticano. Chegaram a ter a coisa tão bem montada que o seu armazém de armas estava nos sótãos do Ministério da Saúde. E a vida destes delinquentes, desde as suas miseráveis origens até ao seu miserável final, é o que nos contam em Roma Criminal (Romanzo Criminale), uma série baseada no best seller escrito por Giancarlo De Cataldo, o juiz que instruiu o caso contra a banda da Magliana. O Canal + emitiu-a este Inverno em Espanha, depois de arrasar em Itália e França, já estão a rodar uma segunda temporada. A produção tem um carácter muito mais hollywoodesco que europeu (e não digamos que italiano, porque não aparece Alvaro Vitali a fazer de Jaimito) tanto a nível técnico como narrativo. Os guionistas apostaram por uma humanização dos maus, muito ao estilo de The Wire, o que faz com que se acabe a adorar esses patifes que tão depressa rebentam a tiros como se emocionam comendo a massa da sua mamã. Algumas críticas destacam que o melhor da série é a sua recriação estética dos convulsos anos setenta italianos. A nós, às vezes, parece-nos tão falsa como esses bigodaços de chulo que exibem os Beastie Boys no vídeo de Sabotagem. Já para não falar nos títulos de crédito: por um momento pensas que vais fazer um jogo Mas é verdade que aqueles anos foram um momento estético peculiar, que misturava o design mais moderno com a cultura popular, e que tudo isso está reflectido na série. Ao fundo dos bairros colmeia operários vemos passar modelos de carros míticos dos grandes designers italianos, desde um AlfaMontreal de Bertone até outros mais populares como o Volkswagen Golf de Giugiaro. Ou a moda de rua, que olhava ao outro lado do Atlântico para copiar o estilo dos primos italo-americanos. A estética disco que respira Roma Criminal chegou ao resto da Europa através de Itália, onde a reinterpretaram com um toque pessoal roubando dos designers do pronto a vestir milanês (Gianfranco Ferré, Emilio Pucci, Ken Scott…) texturas, cores e tecidos. Roma Criminal pode parecer um cocktail muito semelhante ao de outras séries de êxito (violência, crime, prostituição, drogas…), mas é esse ambiente o que lhe dá um sabor especial. Esses dois tipos à direita são Paul Heredia e Alfonso Merry, o coração de Merry Studio. Pertencem a essa geração de jovens designers espanhóis que alguém denominou de Low Cost Design, e que se caracteriza por criar objectos práticos e económicos mas que são exclusivos pelas suas formas, criatividade e multifuncionalidade. O seu design tem essa simplicidade que o torna universalmente elegante e atractivo e fazem por recorrer à reutilização e ao reciclado para torná-lo compatível com o conceito de sustentabilidade. Merry Studio nasceu em Madrid no ano 2005 para se especializar em design industrial, de interiores e conceptual. É formado por uma jovem equipa multidisciplinar, o que lhes permite resolver todas as necessidades que surgem nos seus projectos sem sair do estúdio ou perder a frescura. Dizem que a força do seu trabalho reside em quererem fazer de cada projecto uma experiência única, o que os leva a experimentar com ideias, formas e materiais em busca de uma solução perfeita, esteticamente bonita mas também emocional. Os resultados? Criações como a mesa Panrico, que converte os recipientes para bolos em mesas que se ampliam segundo a necessidade, ou o candeeiro Ziplamp, que graças à sua cremalheira permite regular a intensidade e a posição da fonte de luz. O Leggs, umas pernas ajustáveis a qualquer objecto para variar altura. Ou a colecção de pratos I’m Hungry, que para além da originalidade das suas formas ou da analogia cómica tem um ponto consciencioso. Como surgem as ideias na Merry Studio? A inspiração em qualquer campo criativo surge da associação. E esta costuma vir acompanhada do azar. Em alguns casos as ideias brotam numa viagem, passeando por Madrid, teclando na internet ou perante uma palavra do cliente, mas geralmente aparecem no atelier. ICEX, DDI, CAM, UNEX ou da Câmara de Comèrcio também são imprescindíveis para empreender a comercialização fora da península. Ao trabalhar em equipa é fácil compartir as ideias e fazê-las crescer. Podes ter uma ideia e acreditas que sabes como expressála, mas ao contá-la o outro reacciona de uma maneira inesperada e enriquece-a. O trabalho em equipa é um dos princípios fundamentais do nosso atelier. É difícil ser designer industrial em Espanha? É mais importante o design do conceito que o próprio desenvolvimento formal? Para nós é igualmente importante o design conceptual e o formal. O último projecto que desenvolvemos, Kits (uma colecção de mobiliário infantil), serviu-nos para criar um método onde se equilibra o conceptual com o formal. Uma vez criado o conceito (ideia, valores, texturas, nome…) tivemos que criar um design formal que encaixasse, mas que ao mesmo tempo mantivesse a unidade na colecção. Mas também é certo que em alguns dos nossos projectos prima o lado conceptual: a nossa necessidade de expressar uma ideia através de um objecto leva-nos a fechar o processo de design a 100%, mostrando a ideia através do primeiro protótipo e deixando para um desenvolvimento posterior o design formal. Quando o trabalho não é por encomenda, como promovem a vossa criatividade? Promovemos o nosso trabalho principalmente fora de Espanha. Vamos a feiras internacionais de mobiliário e objectos, como as de Milão, Nova York, Londres e Paris. Estocolmo foi a última que estivemos. Umas vezes expomos peças nessas feiras, mas noutras ocasiões vamos apenas para contactar com editores, galerias de design e com outros designers. As ajudas do Em Espanha a industria está a começar a valorizar o design e a entender que os produtos são o somatório de muitos aspectos e que todos aportam valor. As marcas já não vendem se os seus produtos não têm a criatividade como um valor diferencial, e esta deve vir de mãos profissionais. Os fabricantes não podem competir num mercado global apenas em função do preço, e assim a criatividade passa a ser a solução perante uma situação económica como a que vivemos hoje. O consumidor pede inovação, mas para chegar a desenvolver produtos de êxito são necessários métodos e técnicas que apenas nós, os profissionais do design, podemos aportar. Acreditamos que Espanha é um mercado potencial a nível mundial a nível de design, mas necessitamos tempo para que os editores e os fabricantes espanhóis apostem no design. Esperemos que sejam capazes de adiantar-se ao consumidor e incorporar a criatividade como uma ferramenta fundamental aos seus produtos. Copos de cartão que formam pernas extensíveis. Que importância tem o papel como material para as vossas criações? Mais do que trabalhar com materiais concretos como o cartão ou o papel, gostamos de trabalhar com objectos que já existem. Em muitas das nossas peças recorremos ao que denominamos “a reutilização”: elementos que são próprios do mundo industrial e que introduzimos no meio doméstico. Por exemplo esses cones de cartão (não são copos!) da industria têxtil aplicados como pernas reguladoras de altura, ou caixas e recipientes da panificadora Panrico que transformamos em mesas. Afinal trabalhas com o que tens perto, o que encontras na rua ou o que tens no escritòrio. Próximos projectos? Neste momento estamos envolvidos no desenvolvimento de mobiliário urbano para o design de landscape de um parque empresarial em Madrid, e a começar também com o design de packaging para uma empresa de restauração especializada em refeições no local de trabalho. Isso sem deixar de lado as peças que saem do atelier sem um briefing por trás: um cabide e um tapete serão as nossas próximas propostas. O nosso objectivo fundamental para 2010 é fechar com os editores e fabricantes a comercialização dos nossos produtos, e parece que este momento está muito próximo. Cruzemos os dedos.