Notizie Magazine Nº 2

Transcrição

Notizie Magazine Nº 2
EDITA: Fedrigoni Espanha e Entreplanta Comunicación
CONSELHO DE REDACÇÃO: Roberto Mancini / Nino Murcia / Sylvia García /
Jorge Arévalo / Pablo Torres / Ana Moya / Ana Isabel Antão.
NOTIZIE MAGAZINE / Antonio Maura 8, 28014 Madrid
www.notiziemagazine.com / [email protected]
Publicidade: Ana Moya (+34 91 522 59 50)
Coberta: Fedrigoni X-Per 200 gr. /Páginas 7-18: Fedrigoni X-Per 140 gr.
Páginas 3-6/19-22: Fedrigoni Freelife Vellum 140 gr.
Depósito legal: B-40137-2009 / Imprime: Igol S.A
O primeiro número de NOTIZIE Magazine abria com Jorge Arévalo
como referência na ilustração nacional da década que acabava. Para
este segundo número é Javier Mariscal quem ilustra a nossa capa como
designer espanhol mais representativo dos últimos vinte anos.
Crescemos, por isso neste Notizie triplicamos o número de páginas
e a variedade dos conteúdos. Sem perder de vista nunca, claro, a nossa
intenção inicial: falar de design, de comunicação e do papel como
suporte para ambas as coisas desde uma perspectiva desenfadada e
lúdica, com o toque de requinte e saber fazer que nos dá o nosso
sangue italiano.
Javier Mariscal demonstra na nossa entrevista um optimismo
à prova de bala e uma fé irredutível no design espanhol. Nós
também cremos no bom estado do sector e pensamos que lhe
está reservado um futuro de êxitos. E para demonstrá-lo está
o NOTIZIE Magazine.
E se ao longo da leitura o branco do papel lhe parecer mais
atractivo que as letras que rabiscámos, já sabe: este que está a
tocar com a mão esquerda é um X-Per Premium White de 200
gramas e o da sua mão direita um Freelife Vellum White de
140 gramas de Fedrigoni.
Esperamos encontrar-vos de novo brevemente, acabando a
primavera, e tendo crescido todos um par de palmos mais.
Saluti a tutti!
Diz que a sua recém descoberta dislexia foi
a culpada para que tenha aprendido a
conhecer a vida através dos traços dos seus
desenhos, em vez de se valer das letras. Mais
uma frase do provocador ou uma reflexão
profunda nos seus recém estreados sessenta?
Com a retrospectiva Drawing Life que este
passado Outono lhe dedicou o Museo do
Design de Londres e a publicação do
aclamado livro Mariscal Sketches: 2009 foi,
sem dúvida, o ano de Javier Mariscal.
Falámos com ele sobre viagens, vespas,
Itália e...até um pouco de design.
2009 Parece ter sido um excelente ano para
ti. Como perspectivas o due milla dieci?
Para mim, 2010 chama-se Chico & Rita,
que é o título da longa-metragem de
animação que estou a fazer com Fernando
Trueba e que vai estrear no final deste ano.
É o meu primeiro filme e estou expectante
por ver o que se vai passar.
E uma vez terminada esta longa-metragem,
falta-te ainda explorar algum desafio
artístico?
Certamente que sim, artístico e não artístico.
Encanta-me fazer coisas novas e creio que
sempre haverá algo por descobrir, por
experimentar. Não quero pensar que já me
dediquei a tudo quanto poderia dedicar-me
nesta vida.
Pode ser que 2010 brilhe para ti, mas, como
vês de saúde o design em Espanha para
começar esta década?
O Design vai bem, a criatividade cresce em
momentos como este - de crise, ou seja, que
a esse nível creio que vamos prosperar. Outra
coisa é a industria e a economia e a
conjuntura e essas coisas. Mas temos
capacidade de reacção, tenho a certeza. Os
novos designers surgem com pujança, com
garra de transformar, de inovar, por isso o
design espanhol vai continuar a brilhar como
aconteceu na última década.
Faz mais de vinte anos, numa entrevista
onde exibias orribili baffi, um bigode
horrível, dizias: "o problema do design em
Espanha é que os empresários são uns semvergonha e uns inúteis que estão sempre a
olhar ao tostão e copiam do estrangeiro".
Achas que o panorama melhorou?
Melhorou, claro. Tudo melhorou com a
democracia e com o passar dos anos. Sou
optimista crónico nesse sentido. Também
a mentalidade dos empresários está a mudar,
já vêem no design um motor de
desenvolvimento. Sempre haverá semvergonhas, mas já não é tão frequente.
Muitos empresários espanhóis preocupamse agora em oferecer criatividade e qualidade,
por incorporar novas tecnologias, por
investir. Estamos ainda longe da cultura de
design que existe em Itália, mas já não
trabalhamos no deserto.
Queríamos que este Notizie fora uma
viagem de scooter pela costa italiana. E
sempre que pensamos em mediterrâneo,
praia e vespas vens-nos logo à cabeça.
Desvenda-nos a dúvida, porque segundo
a fonte o número muda, 8, 10 ou 14 vespas
na tua colecção? Há alguma a que tenhas
especial carinho?
Pois não sei quantas tenho, mais ou menos
as que dizes. E se tenho uma favorita, mas
como é “a minha favorita” não vou dizê-lo,
porque o importante é que o seja para mim.
Ela sabe-o e isso já basta. Não gostaria que
as restantes se sentissem menos apreciadas
e ciumentas.
«Até nascer a vespa, a moto era um objecto
macho, aí, com o motor entre as pernas.
Foi a primeira que te permitia ir sentado
como se te empurrassem, respirando no
verão o ar dos pinheiros». As vespas
deixam-nos doidos porque vemo-las
sempre com belas raparigas em cima. Mais
motivos para essa obsessão?
Permitem-te ir trabalhar com uma roupa
normal, com um calçado normal. Não faz
falta ir vestido de madelman para conduzir
uma Vespa. São femininas no sentido de
que não são competitivas, não nasceram
para que quem as conduza se faça de macho
sobre a moto. São outra forma de entender
as motos. Com elas soluciona-se uma
necessidade de transporte na cidade, não
criam problemas, são tranquilas, aprazíveis,
simpáticas, refrescam-te no Verão,
permitem-te dizer piropos às miúdas e aos
rapazes pela rua.
No Notizie somos mais de Lambretta, mas
parece-nos que na tua capa é uma Vespa.
Tomas partido nessa rivalidade?
É uma Vespa, claro. Sempre a Vespa.
Com ou sem vespa estás sempre em
excursão. Íamos perguntar-te por uma
viagem à que guardes especial carinho,
embora as que mais se recordem sejam as
piores. Qual a viagem più orribile da tua
vida?
A mais horrível da minha vida foi a que fiz
desde Inglaterra a Espanha para fazer o
serviço militar. Que espanto, que futuro
mais negro me esperava!
E alguma viagem por Itália que queiras
recomendar-nos?
A Costa Amalfitana. Pequena maravilha:
limoeiros e limoeiros, curvas e mais curvas
para conduzir como se desenhássemos sobre
o papel. Esse azul imenso, as encostas
empinadas, os escarpados vertiginosos, os
“spaghetti ai frutti di maré”, a grappa, o
tiramisú, os diversos pôr-do-sol. Super
recomendável. E também a Puglia, claro.
É que em Itália sentimos predilecção por
ti. Os móveis para Moroso, o design para
Memphis ou para Magis, o premio Top
Applications da Fedrigoni até os teus
Sketches… Tu também nos adoras? Quais
são os teus ícones favoritos do estilo italiano?
Claudia Cardinale, Federico Fellini, Achille
Castiglioni, Alessandro Mendini, a Vespa,
a cafeteira Bialetti, o candeeiro Tolomeo.
Para a edição de Mariscal Sketches
escolheste o Freelife Vellum e o Nettuno,
ambos da Fedrigoni. Que te dizem esses
papéis?
Sofisticação, tradição, inovação e calor. Um
autêntico luxo.
No Notizie Magazine apaixona-nos, aparte
do papel, a ilustração. Graças à tua capa
devemos estar a dois cafés de converter-nos
no New Yorker nacional. Confidencia-nos
o teu par de ilustradores favoritos?
Saul Steinberg e Hugo Pratt, sem dúvida.
Há mais, mas estes parecem-me muito bons.
Infine, e já que este revista também chega
às escolas de design: um conselho para os,
seguramente, desesperançados estudantes
que enfrentam o panorama actual?
A criatividade alimenta-se das dificuldades.
É um momento excelente para demonstrar
que se é criativo. Sem criatividade não
sairemos desta. Faz falta propostas
imaginativas, que transformem tudo isto em
algo melhor. É a sua grande oportunidade.
São “a esperança”. Coraggio!
Fotografía: Xoan Marín.
Diz que se sente um pouco STEVE MCQUEEN EM FUGINDO DO INFERNO
quando conduz a sua Suzuki Marauder, e que não há nada comparável a esse primeiro
dia do ano em que podes sair com a tua moto em manga curta.
Em JORGE CUETO nota-se que esteve em frente à câmara antes de passar para o
outro lado porque agora, como fotógrafo especializado em moda, tem tanta empatia
com as modelos com quem trabalha que consegue sempre delas as melhores poses.
Se necessitar, quem sabe pode contratá-lo. Procure em www.jorgecueto.com.
O gosto e o estilo podem até ser aprendidos, mas há pessoas nas quais isso é inato.
BEATRIZ FERNÁNDEZ e seus sócios demonstram-no através da sua agência de
estilismo Beteo Fashionmedia, cujo trabalho pode ver-se em séries como Herederos
(no canal 1, em Espanha) ou vestindo Bud Spencer para que reparta sopapos para
um banco ou a Iker Casillas sentindo-se seguro.
Na página web do seu showroom em Chueca, FASHIONISTAS (onde dispõe de
marcas como TERESA HELBIG, HERMES ou COMPTOIR DES
COTONIERS) revoluteiam mariposas: www.fashionistasestudio.com
Veio a Madrid para ficar, faz já muitos anos, desde Alghero, norte de Sardenha, e
trouxe na bagagem uma pronúncia de filme e os sabores da sua terra. Agora chefia
em conjunto com o seu sócio a TAVERNETTA SICILIANA, em Madrid, onde
nos contou todos os segredos da cozinha sarda sem medo de romper a omertá.
Viaja constantemente até à sua ilha em expedições de aprovisionamento porque diz
que os tomates secos da quinta do seu pai sabem muito melhor que os daqui. E nós
não vamos discuti-lo.◊
As formigas são um insecto social da família dos himenópteros que se identifica
facilmente pelas suas antenas em ângulo, sua estrutura em três secções e suas seis
nervosas patas. Estima-se que haja dez mil biliões de formigas vivendo sobre a Terra,
mas aquela de que nos ocupamos agora é um exemplar concreto que ciranda por
Madrid. Não cremos que esta pequena formiga viaje de scooter ou fale italiano, mas
o que realmente faz com as suas laboriosas patitas (aparte de levantar até 50 vezes o
seu peso) é rabiscar com tinta papéis e brincar com as tesouras para fazer as deliciosas
ILUSTRAÇÕES que podeis desfrutar em www.elenahormiga.es.
Concordo: as velhas scooters são uma delícia. Têm um
design e um encanto incríveis . Mas os seus motores
mono-cilíndricos de dois tempos contaminam demasiado.
Quem sabe por isso no estúdio de design catalão
BEL&BEL quiseram dar-lhes mais uma vida para além
do transporte. E com essa intenção criaram uma linha
de mobiliário construída com restos de Vespas.
E têm uns assentos em que todos sonhamos sentarnos, com uma gama tão variada de modelos como as
próprias Vespas.
BUENAFUENTE confia o bem estar do seu traseiro
a um desses assentos no seu lateshow. E deve saber o
que faz? Não? Caso contrário não havia triunfado.
de passeio, de carreiras, tandens
(bicicletas de 2 lugares), todas
Digamos que queres exibir o com um design excepcional.
encanto de uma Lambretta mas
és alérgico à velocidade ou o som Isso sim, vê poupança. O modelo
do motor provoca-te uma Fashion Milano 2009 custa 4.500
e n x a q u e c a . P o d e s e s t a r euros, e sua edição limitada
t r a n q u i l o : a s b i c i c l e t a s Luxury ronda os 30.000, com
MONTANTE, fabricadas em selim e guiador de pele de cobra
MILÃO, reúnem a classe, o estilo e 11.000 cristais Swarovski a
e o encanto que necessitas. A adorná-la.
colecção 2010, inspiradas nos 11.000 cristaizinhos. Deve pesar
seus modelos dos anos 30, são demasiado para ganhar a Volta
uma autêntica jóia de linhas com ela.
clássicas e elegantes mas de uma
modernidade absoluta. Bicicletas
No Verão de 1959 PASOLINI percorre, num Fiat
Millecento, a costa italiana a cargo da revista Sucesso.
Incumbiram-no de escrever um artigo sobre o Verão italiano. Da
sua experiência nasce "La Lunga Strada di Sabbia", o diário
da sua viagem pela longa auto-estrada de areia das praias italianas.
50 anos depois o fotógrafo PHILIPPE SÉCLIER repete a viagem
com a sua câmara, procurando os mesmos cenários. O resultado
é "Larga Carretera de Arena", com os textos originais e
fotografias de Séclier, um livro editado por La Fábrica onde
descobrimos que PASOLINI já indiciava genialidade e loucura na
sua juventude e, é graças às fotos, que o Verão italiano continua a
ter um toque retro.
Tudo termina na praia de Lazzareto, em Trieste: "Aqui se acaba
Itália, aqui se acaba o Verão"
PATRICIA PICCININI faz umas esculturas perturbadoras. Produzem uma
mescla entre ternura e repulsa difícil de assimilar; veja no google se não
acredita. Ela diz que o que pretende com as suas obras é pôr em evidência
a biotecnologia, a modificação genética e essas coisas tão complicadas.
Para a sua última serie de esculturas (Nest, The Stags, Thicker than Water)
antropomorfizou (melhor dizendo: caracolizou) umas scooters e conseguiu
o que procurava: tornar entranháveis esses pedaços de metal cromados,
provocar-nos vontade de os acariciar porque são bonitos e brilhantes, mas
fazê-lo com cuidado, não vão morder-nos.
Ah, e enganou-nos: apesar do apelido, é australiana.
Ilustração: Elena Hormiga
Sardenha. Vinte e quatro mil quilómetros
quadrados no meio do Mediterrâneo. Milhão
e meio de habitantes. Oito milhões de
ovelhas.
E nesse troço de terra com forma de sandália
e tanto bovino, uma gastronomia
excepcional, atípica para uma ilha, onde o
normal é não sair de quatro formas de
preparar o peixe. Com a riqueza de sabores
que deixaram os povos que passaram por
ali: fenícios, cartagineses, romanos, vândalos,
árabes, genoveses e inclusive catalães. As
civilizações passam, os rebanhos
permanecem.
E tanta ovelha deve ter algo de bom. Para
começar, que com o seu leite se fabrica o
pecorino, o queijo mais antigo de Itália. Um
queijo curado de sabor mais forte que o
padano, e tão bom que dizem que o autêntico
pesto genovês só se prepara com pecorino
sardo.
Segundo: tanta ovelha necessita pastores.
Por isso na Barbagia, a planície no interior
da ilha (às ovelhas: a praia não as convence)
os pastores têm a sua própria gastronomia
com a que preencher esses longos dias sardos
repletos de balidos.
E para além de ovelhas e pastores também
há mirto. A planta nacional. O cheiro que
envolve a Sardenha não é o de ovelha, por
incrível que pareça, senão o do aromático
mirto. Por isso os pastores bebem licor de
mirto e preparam o porceddu, um leitão
assado feito muito lentamente no espeto
sobre brasas, ao ar livre, e que se rega com
mirto e a sua própria gordura. Também
comem ovelha cozida. É lógico.
Salteamos salsa fresca e alho picados em abundante azeite./ Retiramos do fogo e adicionamos,
na sertã quente, a carne de ouriço. / Cozemos os linguine. / Só nos falta escorrê-los e
misturá-los com o molho de ouriço-do-mar para poder desfrutar de um prato que será como
ter, por um momento, um pequeno mar mediterrâneo no paladar.
“É mais perigoso que um macaco com uma
navalha”, Diz-se.
E nós acrescentamos: o perigo é dar a Sean
Mackaoui umas tesouras.
Porque com elas e uma pilha de revistas
velhas é capaz de fazer coisas deliciosas. O
belo é perigoso, já sabem.
As suas colagens são mínimas, delicadas,
de encanto clássico e com um ponto
intimista. E contam micro-contos, anedotas,
pequenos pedaços de vida. São poesia visual
composta por uma mescla de acaso, jogo e
humor que sai das suas caixas de recortes
classificados. Escapam-se dessa corrente do
corta e cola punk pós-moderno tão em todas
as partes estes dias, já demodé, para
entroncar com a arte de Joan Brossa, de
Daniel Gil ou do seu amigo Chema Madoz.
O próprio MacKaoui está feito de recortes:
nascido na Suiça, de nacionalidade anglo
libanesa e madrileno de adopção por mais
de uma década, agora mudou-se para o
Brasil com as suas tesouras.
E apanha peças de todas as partes. Diz que
a viagem para ele é uma necessidade, porque
o mundo esta repleto de tantas realidades,
experiências por viver, gente incrível por
conhecer, sabores e cheiros, que há que sair
em busca deles. Embora quanto muito essa
necessidade de movimentar-se venha do
seu sangue libanês.
Quando lhe perguntamos pelo papel como
material no seu trabalho, retira uma citação
de George Bernard Shaw que deve ter
nalguma das suas caixas: “somente através
do papel o ser humano alcança a glória, a
beleza, a verdade, o conhecimento e a virtude”.
A sua obra foi exposta no Círculo de Belas
Artes ou no Cervantes de Beirute. As suas
colagens podem ver-se a ilustrar a Revista
do El Mundo ou nos posters do Centro
Dramático Nacional.
Mas imaginem-no em São Paulo. Com as
suas tesouras. Com as caixas de recortes.
Feliz
Procurando numa das
suas caixas selecciona-nos
as peças que
acompanham este
artigo, e que elege
porque vê nelas um
certo ar italiano.
MASTROIANI foi sempre
o seu actor fetiche, mas
FEDERICO FELLINI nunca
encontrou a sua musa.
Com a ajuda do guião de
OCHO Y MEDIO
(impresso, claro, em Freelife
Vellum White da Fedrigoni) e
vestida de TERESA
HELBIG, descobrimos com este
casting uma nova estrela
felliniana que enche o ecrã de
paixão e sensualidade
Tom Ford é elegância. Foi-o como director criativo de Gucci, quando salvou a empresa do poço. Continuou a sê-lo
quando se estabeleceu com a sua própria marca. É-o em cada photocall, em cada festa, apesar do seu ar distante
de porteiro de discoteca. E claro, não pode deixar de sê-lo se agora decide que quer dedicar-se ao cinema.
Por isso é-nos indiferente se em A Single Man (o seu primeiro filme, que se estreou hà dias) manteve o espírito
da novela de John Iserherwood, considerada como um dos primeiros livros do movimento de liberação gay. O que
importa é que toda a classe e o estilo que até agora impregnaram as suas colecções, o seu design e as suas
campanhas publicitárias estejam presentes no filme.
A acção decorre na Califórnia dos anos sessenta, narra o último dia na vida de George, um professor universitário inglês,
homossexual e maturo, incapaz de ultrapassar a recente perda do seu companheiro, que acaba de morrer.
E a crítica coincide: pode ser que não se faça justiça ao livro ou que a narrativa seja demasiado clássica, mas o aspecto visual
roça a perfeição. Os estilismos, os vestuários, as localizações, os adereços, os extras, tudo acompanhado de uma fotografia,
uns movimentos de câmara e uma iluminação medidas ao milímetro, escolhidas para recriar o espírito de uma época através
da sua estética. Todo esse requintado cuidado visual por vezes alcança o poético e noutras ocasiões é demasiado artificial.
Mas justamente aí reside o encanto dessa elegância: em que se sabia forçada e imposta na sua própria época.
para a mulher ou para a amante. Uma
ideia oposta ao casual imperante e que
está a pegar especialmente entre as
gerações mais jovens, que nunca viveram
nada parecido.
As coscuvilhices do mundo da (e na)
moda proclamavam que, desde o fim de
Sexo em Nova York faz já cinco anos, o
glamour tinha abandonado a televisão.
Mas Mad Men, a premiada série sobre
publicitários na Madison Avenue dos
anos sessenta, conseguiu arrecadar a
essência do chic para se converter na
nova referência de estilo.
E a direcção artística da série (e o seu
vestuário em concreto) reivindica essa
elegante década, quando aperaltar-se
era uma questão de orgulho pessoal.
Devia-se estar sempre impecável e
perfeito, fora em casa ou no trabalho,
Em Mad Men eles ostentam fatos de dois
botões (o segundo desabotoado),
casacos de dois (no máximo três) bolsos,
com o detalhe do lenço assomando na
horizontal e lapelas e gravatas estreitas,
quase mínimas. O cabelo, sempre
engomadinho. Os chapéus, obrigatórios.
As mulheres, constantemente de carmim,
e uns penteados divinos conseguidos á
base de dormir com rolos. A cintura
muito marcada para determinar a
silhueta, as saias por cima dos joelhos
ou de tubo, jerseys de cashmere, colares
e brincos de pérolas e, sempre, sapatos
de salão com salto.
A responsável desses estilismos é Janie
Bryant, a designer do vestuário da série.
Diz que adora captar a essência de uma
época através do vestuário e já está a
escrever um livro sobre o seu trabalho
na série.
E na verdade cada personagem está
minuciosamente pensado para
representar um ícone da moda dos
anos sessenta: Betty Draper, a sofrida
esposa, veste clássica e inocente como
Grace Nelly; Joan, a voluptuosa
secretária que interpreta Christina
Hendricks, é uma mistura entre Marilyn
Monroe e Sophia Loren; Roger Sterling
representa o sartorialismo com os seus
trajes de colete e o próprio Drapper
tem o estilo de um Cary Grant passado
para o lado escuro.
Michael Kors, Christian Dior, Carolina
Herrera, Loewe, Dolce & Gabanna ou
Prada já incluíram referências dos anos
sessenta nas suas colecções para
Primavera-Verão de 2010. AMC e
Banana Republic criaram uma linha de
roupa inspirada directamente na série,
que se apresentou coincidindo com o
início da terceira temporada.
Inclusive chegou a ser dito que o
pequeno aumento no consumo de tabaco
entre os jovens norte-americanos se
deve a que em Mad Men fumam um
cigarro atrás do outro.
Não se pode negar: Mad Men está em
moda, na moda.
Houve uma época em que a ilustração
era a única forma de comunicar a moda.
Onde os posters publicitários, os
figurinos e as capas desenhadas das
revistas marcavam a tendência. Mas
para a década de cinquenta a fotografia
conseguiu impor-se, tirando o
protagonismo à ilustração até fazer com
que quase desaparecesse.
A esta mudança sobreviveu Rene Gruau.
O ilustrador francês, que começou a sua
carreira no período de entre-guerras,
converteu-se, através dos seus traços
requintados, no principal embaixador
mundial da elegância atemporal, acima
de designers, modelos ou marcas. Era
indiferente se com o seu estilo retomava
o modernismo, homenageava Toulouse
Lautrec ou criava composições de um
minimalismo absoluto, muito à frente da
sua época.
Inclusive nos anos oitenta, nos finais da
sua carreira artística, Gruau conseguiu
dotar dessa elegância clássica o design
de estética mais selvagem e
transgressora da década.
Para comemorar os 100 anos do seu
nascimento a editorial francesa Thalia
publicou “Le Premier Siècle du René
Gruau”, um livro com mais de 400
ilustrações do genial desenhador,
prologado por John Galliano, e que faz
uma selecção dos seus trabalhos,
durante 70 anos, para as casas mais
importantes (Dior, Balenciaga,
Guivenchy…) ou para as principais
publicações (Vogue, Harper’s Bazaar,
Marie Claire...) Basta uma vista de olhos
aos anúncios para as colónias
masculinas do seu amigo Dior que
aparecem neste livro para se dar conta
de quanto deve a este ilustrador o
revivalismo que protagonizam, hoje,
MAD MEN ou A Single Man
no Gran Theft Auto Edition Spaghetti
Boloñesa.
Apenas os seus métodos diligentes e a
sua ambição de poder explicam que esse
grupo de mortos de fome acabassem
metidos em todas as tramas possíveis:
foram relacionados com a Camorra e a
NDraghetta, o terrorismo de extrema
direita, os serviços secretos italianos, o
assassinato de Aldo Moro, o Massacre
de Bolonha e até com os responsáveis
financeiros do Vaticano. Chegaram a ter
a coisa tão bem montada que o seu
armazém de armas estava nos sótãos do
Ministério da Saúde.
E a vida destes delinquentes, desde as
suas miseráveis origens até ao seu
miserável final, é o que nos contam em
Roma Criminal (Romanzo Criminale),
uma série baseada no best seller escrito
por Giancarlo De Cataldo, o juiz que
instruiu o caso contra a banda da
Magliana.
O Canal + emitiu-a este Inverno em
Espanha, depois de arrasar em Itália e
França, já estão a rodar uma segunda
temporada.
A produção tem um carácter muito mais
hollywoodesco que europeu (e não
digamos que italiano, porque não aparece
Alvaro Vitali a fazer de Jaimito) tanto a
nível técnico como narrativo. Os
guionistas apostaram por uma
humanização dos maus, muito ao estilo
de The Wire, o que faz com que se acabe
a adorar esses patifes que tão depressa
rebentam a tiros como se emocionam
comendo a massa da sua mamã.
Algumas críticas destacam que o melhor
da série é a sua recriação estética dos
convulsos anos setenta italianos. A nós,
às vezes, parece-nos tão falsa como esses
bigodaços de chulo que exibem os Beastie
Boys no vídeo de Sabotagem. Já para
não falar nos títulos de crédito: por um
momento pensas que vais fazer um jogo
Mas é verdade que aqueles anos foram
um momento estético peculiar, que
misturava o design mais moderno com
a cultura popular, e que tudo isso está
reflectido na série. Ao fundo dos bairros
colmeia operários vemos passar modelos
de carros míticos dos grandes designers
italianos, desde um AlfaMontreal de
Bertone até outros mais populares como
o Volkswagen Golf de Giugiaro.
Ou a moda de rua, que olhava ao outro
lado do Atlântico para copiar o estilo
dos primos italo-americanos. A estética
disco que respira Roma Criminal chegou
ao resto da Europa através de Itália,
onde a reinterpretaram com um toque
pessoal roubando dos designers do
pronto a vestir milanês (Gianfranco
Ferré, Emilio Pucci, Ken Scott…)
texturas, cores e tecidos.
Roma Criminal pode parecer um cocktail
muito semelhante ao de outras séries
de êxito (violência, crime, prostituição,
drogas…), mas é esse ambiente o que
lhe dá um sabor especial.
Esses dois tipos à direita são Paul Heredia
e Alfonso Merry, o coração de Merry
Studio. Pertencem a essa geração de jovens
designers espanhóis que alguém
denominou de Low Cost Design, e que
se caracteriza por criar objectos práticos
e económicos mas que são exclusivos pelas
suas formas, criatividade e
multifuncionalidade. O seu design tem
essa simplicidade que o torna
universalmente elegante e atractivo e fazem
por recorrer à reutilização e ao reciclado
para torná-lo compatível com o conceito
de sustentabilidade.
Merry Studio nasceu em Madrid no ano
2005 para se especializar em design
industrial, de interiores e conceptual. É
formado por uma jovem equipa
multidisciplinar, o que lhes permite
resolver todas as necessidades que surgem
nos seus projectos sem sair do estúdio ou
perder a frescura.
Dizem que a força do seu trabalho reside
em quererem fazer de cada projecto uma
experiência única, o que os leva a
experimentar com ideias, formas e
materiais em busca de uma solução
perfeita, esteticamente bonita mas também
emocional.
Os resultados? Criações como a mesa
Panrico, que converte os recipientes para
bolos em mesas que se ampliam segundo
a necessidade, ou o candeeiro Ziplamp,
que graças à sua cremalheira permite
regular a intensidade e a posição da fonte
de luz. O Leggs, umas pernas ajustáveis
a qualquer objecto para variar altura. Ou
a colecção de pratos I’m Hungry, que para
além da originalidade das suas formas ou
da analogia cómica tem um ponto
consciencioso.
Como surgem as ideias na Merry Studio?
A inspiração em qualquer campo criativo
surge da associação. E esta costuma vir
acompanhada do azar. Em alguns casos
as ideias brotam numa viagem, passeando
por Madrid, teclando na internet ou
perante uma palavra do cliente, mas
geralmente aparecem no atelier.
ICEX, DDI, CAM, UNEX ou da Câmara
de Comèrcio também são imprescindíveis
para empreender a comercialização fora
da península.
Ao trabalhar em equipa é fácil compartir
as ideias e fazê-las crescer. Podes ter uma
ideia e acreditas que sabes como expressála, mas ao contá-la o outro reacciona de
uma maneira inesperada e enriquece-a. O
trabalho em equipa é um dos princípios
fundamentais do nosso atelier.
É difícil ser designer industrial em
Espanha?
É mais importante o design do conceito
que o próprio desenvolvimento formal?
Para nós é igualmente importante o design
conceptual e o formal. O último projecto
que desenvolvemos, Kits (uma colecção
de mobiliário infantil), serviu-nos para
criar um método onde se equilibra o
conceptual com o formal. Uma vez criado
o conceito (ideia, valores, texturas,
nome…) tivemos que criar um design
formal que encaixasse, mas que ao mesmo
tempo mantivesse a unidade na colecção.
Mas também é certo que em alguns dos
nossos projectos prima o lado conceptual:
a nossa necessidade de expressar uma ideia
através de um objecto leva-nos a fechar o
processo de design a 100%, mostrando a
ideia através do primeiro protótipo e
deixando para um desenvolvimento
posterior o design formal.
Quando o trabalho não é por encomenda,
como promovem a vossa criatividade?
Promovemos o nosso trabalho
principalmente fora de Espanha. Vamos
a feiras internacionais de mobiliário e
objectos, como as de Milão, Nova York,
Londres e Paris. Estocolmo foi a última
que estivemos.
Umas vezes expomos peças nessas feiras,
mas noutras ocasiões vamos apenas para
contactar com editores, galerias de design
e com outros designers. As ajudas do
Em Espanha a industria está a começar a
valorizar o design e a entender que os
produtos são o somatório de muitos
aspectos e que todos aportam valor. As
marcas já não vendem se os seus produtos
não têm a criatividade como um valor
diferencial, e esta deve vir de mãos
profissionais. Os fabricantes não podem
competir num mercado global apenas em
função do preço, e assim a criatividade
passa a ser a solução perante uma situação
económica como a que vivemos hoje.
O consumidor pede inovação, mas para
chegar a desenvolver produtos de êxito são
necessários métodos e técnicas que apenas
nós, os profissionais do design, podemos
aportar. Acreditamos que Espanha é um
mercado potencial a nível mundial a nível
de design, mas necessitamos tempo para
que os editores e os fabricantes espanhóis
apostem no design. Esperemos que sejam
capazes de adiantar-se ao consumidor e
incorporar a criatividade como uma
ferramenta fundamental aos seus produtos.
Copos de cartão que formam pernas
extensíveis. Que importância tem o papel
como material para as vossas criações?
Mais do que trabalhar com materiais
concretos como o cartão ou o papel,
gostamos de trabalhar com objectos que
já existem. Em muitas das nossas peças
recorremos ao que denominamos “a
reutilização”: elementos que são próprios
do mundo industrial e que introduzimos
no meio doméstico. Por exemplo esses
cones de cartão (não são copos!) da
industria têxtil aplicados como pernas
reguladoras de altura, ou caixas e
recipientes da panificadora Panrico que
transformamos em mesas. Afinal
trabalhas com o que tens perto, o que
encontras na rua ou o que tens no
escritòrio.
Próximos projectos?
Neste momento estamos envolvidos no
desenvolvimento de mobiliário urbano
para o design de landscape de um parque
empresarial em Madrid, e a começar
também com o design de packaging para
uma empresa de restauração especializada
em refeições no local de trabalho. Isso
sem deixar de lado as peças que saem do
atelier sem um briefing por trás: um
cabide e um tapete serão as nossas
próximas propostas.
O nosso objectivo fundamental para 2010
é fechar com os editores e fabricantes a
comercialização dos nossos produtos, e
parece que este momento está muito
próximo. Cruzemos os dedos.