Entrevista com o Arquiteto Paisagista Haruyoshi Ono

Transcrição

Entrevista com o Arquiteto Paisagista Haruyoshi Ono
Entrevista com o Arquiteto Paisagista Haruyoshi Ono
Realizada em 17/07/2012
Local: Escritório Burle Marx, Bairro Laranjeiras – Rio de Janeiro - RJ
Entrevistadores:
Antônio Agenor Barbosa* e Stella Rodriguez **
1) Introdução:
Haruyoshi Ono é hoje um dos mais importantes arquitetos paisagistas em atuação no
Brasil. Não obstante esta constatação, trata-se de um paisagista que, dentre outras tantas
características marcantes da sua personalidade, foi o mais importante e constante discípulo
de Roberto Burle Marx, com quem trabalhou de 1965 até 1994 ano em que faleceu o
grande mestre. Durante três décadas Haru, como é carinhosamente chamado pelos mais
próximos, foi o principal e mais próximo interlocutor e colaborador de Roberto Burle Marx
em diversos projetos paisagísticos no Brasil e no exterior. Após a morte de Burle Marx (em
1994), Haru não só passou a comandar o escritório, com diversas decisões de natureza
empresarial a serem tomadas, como também teve que lidar, cotidianamente, com o legado
deste renomado artista que foi Burle Marx.
Durante cerca de três horas de boa conversa, realizada no seu escritório no Bairro de
Laranjeiras no Rio de Janeiro, Haru foi, aos poucos, revelando aspectos preciosos da sua
formação e também da sua personalidade bastante peculiar que, nitidamente, revela ao
interlocutor muitas características da cultura japonesa, da qual fazia parte seus
antepassados.
De forma muito tranquila e sem nenhuma afetação, vaidade ou pedantismo Haruyoshi Ono
fala de seu trabalho que considera, de alguma forma, inserido num processo de
continuidade do que já vinha fazendo nos muitos anos em que colaborou com Burle Marx.
Para o leitor interessado nas metodologias e nos processos de elaboração dos projetos de
paisagismo, a entrevista abaixo é reveladora pois, ao mesmo tempo em que fala de
“conceitos”, “programas” e “técnicas”, o nosso entrevistado também menciona aspectos
ditos “qualitativos” do espaço que será objeto de suas intervenções. Em um dos muitos
pontos altos desta sua entrevista, chamamos atenção para quando ele assim nos fala da sua
relação com a vegetação:
“São elementos vivos que são indispensáveis à minha pessoa, ao meu trabalho. Então,
são coisas indispensáveis para mim, que tanto esses elementos (os vegetais) me usam,
como eu os uso também. Os elementos me usam e me fazem trabalhar para eles,
criando as plantas, tratando bem delas, aguando, podando, essas coisas. Isso elas
estão me usando e aí a gente as usa também. O retorno disso aí, dessa relação, é a
beleza que elas te dão, visualmente, tocando no nosso sentimento”
Ao leitor agora caberá a tarefa de apreciar esta entrevista com o arquiteto paisagista
Haruyoshi Ono.
2) Formação:
Antônio Agenor Barbosa e Stella Rodriguez – O senhor poderia nos falar como foi a sua
formação, tanto no âmbito acadêmico e também profissional, como arquiteto e,
particularmente, como Paisagista?
Haruyoshi Ono – Sim. Fiz o ginásio e o científico no Colégio Cruzeiro. Depois fiz
vestibular para a Faculdade Nacional de Arquitetura, na época Universidade do Brasil, em
1964 e em 1968 me formei como arquiteto. Esta é, portanto, minha formação acadêmica.
Enquanto eu ainda cursava arquitetura, tive contato com o professor Antônio Leitão, que
era o nosso professor de desenho artístico, e fiz parte do seu escritório de arquitetura. Mais
tarde ingressei no atelier de Roberto Burle Marx como estagiário, em 1965, e de estagiário
passei para desenhista dentro do escritório. Ao me formar arquiteto fui chamado para ser
sócio da empresa. E continuei até a morte de Roberto, em 1994. Portanto, fui sócio do
escritório Burle Marx & Cia. Ltda. de 1968 até 1994, e, desde então, dirijo a empresa.
AAB / SR – O senhor é nascido no Rio?
HO – Nasci no Rio de Janeiro, no bairro do Rio Comprido, em 1943.
AAB / SR – E a sua opção pelo Paisagismo se deu basicamente pelo encontro com o Burle
Marx?
HO – Sim, basicamente foi. Mas eu sempre tive interesse por vegetação ainda em minha
infância. A minha mãe, por exemplo, gostava muito de plantas também e nós tínhamos um
pequeno quintal em casa. Minha mãe era japonesa, e o interesse dela por plantas não tinha
origem e nem relação direta com paisagismo ou jardins orientais. Apenas ela gostava de
conviver e tratar das plantas, e com isso aprendi muita coisa com ela. Esse foi meu primeiro
encontro com a vegetação. Mais tarde, lógico, com o Burle Marx fui aprendendo
praticamente quase tudo que eu sei até hoje.
AAB / SR – Que tipo de plantas sua mãe cultivava?
HO – Eram na sua maioria plantas anuais e exóticas. Tinham dálias de diversas florações,
muitos crisântemos, algumas árvores, e cravinhos e violetas. Ela apreciava muito essas
plantas por causa da floração e do cheiro. As azaléias eram especiais para ela. E no meio de
tudo isto as buganvílias se destacavam por suas belas florações. Como o nosso quintal era
pequeno, eram as árvores da vizinhança que me impressionavam muito.
AAB / SR – Então sua infância aconteceu num espaço que tinha um jardim?
HO – Sim. Num pequeno espaço nosso, particular, “o quintal”, que a gente chamava de
jardim. E tinham ainda os arredores, as ruas bem arborizadas. Mas isto já não era mais no
Rio Comprido, bairro onde nasci, e sim em Senador Camará, para onde me mudei aos seis
anos de idade quando saímos do centro da cidade e fomos para a zona rural. E foi em
Senador Camará que passei minha infância e onde nós moramos por muito tempo. Lá era
bom porque era cercado de mata, tinha um rio atrás, um rio pequeno que as pessoas se
banhavam. Havia ainda bois e vacas perto da casa, pastando.
AAB / SR – E a sua infância foi ali, nesse ambiente. O senhor tem irmãos?
HO – Minha infância foi no meio de jamelões, mangas, laranjas. Tenho dois irmãos. Um
mais velho e outro mais novo. Nós três apreciávamos muito essa vida na zona rural. Nas
horas de lazer tinham os jogos de bola, boa época, não é?, pipas, pião, aquelas brincadeiras
de ruas, bandeirinhas e etc. Eu ainda me recordo bem.
AAB / SR – Então a experiência e o contato com a natureza e com as plantas estavam ali
bem próximas de vocês. E o teu pai?
HO – Hoje penso que o mais importante não era esse contato com a vegetação, mas sim de
um modo geral o contato com a terra. Meu pai era comerciante, e em função disso, por
causa do seu trabalho, fomos morar em Senador Camará. Eu saí de lá com 16/17 anos, mais
ou menos.
Eu comecei a estudar no Centro do Rio de Janeiro, em 1950, no Colégio Cruzeiro. No meio
do ano letivo nos mudamos e durante esse ano não estudei por falta de vaga na escola. No
ano seguinte fui matriculado numa escola particular chamada Colégio São José. Era uma
turma muito engraçada porque tinham alunos desde o Primário até pessoas do Ginásio.
Havia aulas de inglês junto com português, francês, e a crianças pequenas no meio, numa
sala ampla dividida em grupos.
Depois fui para uma escola pública onde fiquei até o Admissão. Prestei uma espécie de
concurso para uma escola estadual, já em Campo Grande, ainda na zona rural. Campo
Grande era naquela época um bairro do Rio de Janeiro, desenvolvido e distante. Hoje é
tudo ligado, diferente daquele tempo. E ali eu estudei por dois anos, o primeiro e segundo
ginasial. Terceiro ginasial eu já vim fazer aqui no Rio, no Colégio Cruzeiro, voltando à
origem. Era um colégio alemão, bilíngüe e tínhamos a opção de cursar em alemão ou não.
Ainda hoje é considerado um bom colégio aqui no Rio de Janeiro. Concorria na época com
o Colégio Pedro II.
AAB / SR – E havia o convívio com seus avôs também?
HO – Não. Eu não conheci praticamente meus avôs. A minha avó materna eu a conheci em
visitas de poucos dias, aqui no Rio de Janeiro. O meu avô paterno só o vi uma vez no
interior de São Paulo. Eram japoneses.
AAB / SR – E o senhor tinha algum contato com o Japão mesmo? Viajou durante sua
infância e adolescência?
HO – Não, durante a infância o contato com a cultura japonesa era através dos meus pais.
Meu pai trabalhava numa loja de importação e exportação de mantimentos e objetos
japoneses, então havia contato com esses funcionários japoneses. Além disso, dentro de
casa os costumes, a alimentação e a linguagem eram preservadas. Já na adolescência o
contato foi maior, pois meu pai passou a trabalhar na Embaixada do Japão e com isto
passamos a ter maior convívio com os japoneses.
AAB / SR – E o senhor já teve a oportunidade de ir ao Japão? E a primeira vez foi com que
idade?
HO – Dormi várias vezes em Tókio, pois lá fazia a escala para irmos ver o
desenvolvimento do projeto do parque KLCC, em Kuala Lumpur. Entretanto, somente em
1990 tive a oportunidade de passar alguns dias no Japão, visitando várias cidades. O nosso
escritório foi convidado pelo Governo japonês para fazer o jardim do pavilhão do Brasil na
Exposição Internacional do Verde, em Osaka, conhecida como EXPO 90. Convidamos o
arquiteto Ruy Ohtake para fazer a arquitetura do pavilhão e nós fizemos o jardim.
AAB / SR – E a sua opção pelo estudo de arquitetura, como se deu?
HO – A arquitetura foi um acidente na minha vida. Na época eu queria fazer Agronomia,
foi a minha primeira opção, passei mas não me adaptei àquele ambiente. No ano seguinte
fiz novo vestibular, desta vez para Arquitetura e Desenho Industrial. As provas eram
concomitantes, mas o resultado da Arquitetura saiu antes. Quando soube que tinha sido
aprovado, optei por ela.
AAB / SR – Agronomia não deu certo por quê?
HO – Por causa do ambiente que eu não gostei muito.
AAB / SR – Mas tudo tem uma aproximação pela história do seu interesse do contato com
a natureza, com a terra, certo?
HO - No final das contas, no meu trabalho profissional, eu acabei tendendo pra esse lado da
Natureza.
3) O trabalho como Arquiteto Paisagista, a relação com Burle Marx e seu legado:
AAB / SR – Roberto Burle Marx morreu em 1994 e, desde então, nestes últimos 18 anos, o
senhor é que está à frente da empresa ainda chamada Burle Marx & Cia. Ltda. Comente a
respeito do seu trabalho no escritório nestes últimos 18 anos.
HO – Após a morte de Roberto, concluímos os trabalhos pendentes onde ele estava à
frente. Houve um intervalo de tempo, uma pequena interrupção de uns três a quatro anos
em que nós tivemos muita dificuldade de conseguir novos trabalhos.
Eu não tinha a experiência de divulgar o escritório; não era como o Roberto que saía muito,
conversava, tinha um relacionamento social muito grande. Por causa disso tivemos, de fato,
uma série de dificuldades após a morte dele. Alguns arquitetos, conhecidos nossos, amigos,
nos ajudaram bastante nessa época. E, aos poucos, fomos conseguindo pequenos trabalhos
e reconquistando o espaço.
Um grande trabalho que a gente fez que praticamente ocupava todo o nosso tempo, o Kuala
Lumpur City Centre Park, na Malásia. Fomos convidados a projetar esse trabalho quando o
Burle Marx já estava muito doente. Ele foi duas vezes para lá, com muita dificuldade e sem
poder ajudar muito. Mas a figura dele era importante, porque os donos do empreendimento
se apoiavam no nome dele. Nessa época éramos seis arquitetos efetivos, além dos
estagiários e desenhistas e, naturalmente tínhamos que manter essa turma toda.
Conseguimos entregar o trabalho; fizemos um bom trabalho e ficamos satisfeitos. Esse
projeto terminou em 1997, foi executado e entregue ao público logo após.
A partir daí os trabalhos começaram a surgir naturalmente: pequenos trabalhos, portarias de
prédios, reformas de jardins e até pequenas intervenções, como nas Vilas Olímpicas. Na
época o governo do Estado estava muito ligado aos esportes. Então fizemos vários parques,
como o Parque da Maré, no caminho do Aeroporto do Galeão, que hoje está totalmente
desfigurado em relação ao nosso projeto. Fizemos uma série de Vilas Olímpicas, que eram
intervenções pequenas em determinados bairros e em várias cidadezinhas aqui perto, no
nosso entorno, Nova Iguaçu, Caxias, Nilópolis, Belford Roxo, Mesquita, entre outros.
Um trabalho grande, dos primeiros a surgir após o falecimento de Roberto, foi o Parque da
Lagoa, que na verdade já tínhamos realizado com ele. Aliás, nós o fizemos por duas vezes,
o entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas. Mas havia um trecho que ficou intacto, onde
funcionava um parque de diversões chamado Tivoli Park. Muita gente era contrária a essa
atividade naquele local, e até nosso próprio escritório era contrário àquele parque de
diversões da maneira que estava ali inserido: era uma intervenção muito invasiva e forte,
mas que sempre permanecia. E os brinquedos do parque de diversão foram ficando velhos e
decadentes com manutenção precária, com problemas de segurança. Mais ou menos, em
1995, fomos contratados pela Prefeitura, o Secretário de Urbanismo era o Arquiteto Luiz
Paulo Conde, para uma intervenção paisagística nesse trecho da Lagoa que faltava ser
urbanizado. E então nasceu o Parque dos Patins, inaugurado pelo já então Prefeito Luiz
Paulo Conde, um tempo depois.
AAB / SR – O Parque dos Patins então é uma obra sua? Dentro do escritório Burle Marx,
mas depois que o Burle Marx já tinha falecido, certo?
HO – Sim. Foi um projeto que se iniciou em 1995, um ano após o falecimento de Roberto,
e foi concluído e entregue ao público em 1998.
AAB / SR – O senhor disse que o Parque da Maré está desfigurado, como descreve essa
situação?
HO – Fizemos dois projetos para o Parque da Maré. O primeiro em 1991 foi totalmente
executado conforme o nosso projeto. Na época, a execução ficou por conta de nossa equipe
– arquitetos e jardineiros, juntamente com pessoas das comunidades que compunham o
Complexo da Maré, que na época eram sete ou oito. Após a entrega do Parque à população,
lamentavelmente não houve o apoio da Prefeitura para a sua conservação e então o Parque
foi decaindo até que chegou à degradação. Após alguns anos, em 1996, fomos contratados
novamente para reestudar o Parque, agora pela Secretaria de Habitação. Decidiram derrubar
tudo o que restava do remanescente e a recomendação era partir da estaca zero,
transformando-o num Parque Esportivo, já que a Cidade nessa época vivia a febre das Vilas
Olímpicas, voltada mais para o Esporte. Dessa forma projetamos para a área um complexo
esportivo aquático com piscinas olímpicas, saltos ornamentais, vestiários e atendimento
médico, entre outras funções, e um campo de futebol com dimensões oficiais com
arquibancadas e vestiários, além de várias quadras polivalentes e pistas de atletismo. Havia
também playgrounds para diferentes idades, praças de convivência e de alimentação. Cada
atividade era entremeada por uma vegetação arbórea, plantada em grupos da mesma
espécie, de forma a identificar visualmente cada área. Ligando esses grupamentos
propusemos o plantio de palmeiras, ora em renques, ora em grupos, em terrenos modelados
formando pequenas ondulações. Para amenizar o forte calor do sol, enquanto as árvores não
estavam desenvolvidas, projetamos em todas as áreas de estar pérgolas com plantas
trepadeiras. O Parque foi executado parcialmente. O que vemos atualmente é um parque
cercado por painéis “antirruído” com o intuito de esconder as construções das
comunidades, abandonado e ocupado por animais soltos (cavalos, porcos, cachorros, etc...),
por uma instituição religiosa e pela própria Policia Militar.
AAB / SR – Mas além dos fatos sociais que, em sua opinião, desfiguraram o projeto,
quando se faz uma paisagem tem que ter uma manutenção mesmo, certo?
HO – É claro. É preciso que haja um controle por parte dos responsáveis. Não cabe a nós
projetistas fazer isso, até porque esse trabalho de educação e preocupação em preservar e
manter o espaço, nós já havíamos feito na época junto às pessoas de cada comunidade.
Algumas eram muito cordiais e dialogavam conosco, tanto é que nesse período
conseguimos fazer várias pequenas praças nos pequenos espaços que sobravam e que
seriam urbanizados. Pelo menos, projetos e sugestões para amenizar a aridez e a falta de
áreas verdes, eu posso garantir que entregamos. Fizemos vários projetos por dentro das
comunidades. E eram dezenas de projetos, inclusive num lugar onde a área lembrava de
longe a do Parque do Flamengo, em muito menor escala, por onde passava um riacho (um
córrego muito poluído que cheirava mal e que até hoje deve estar assim). Ao longo,
implementamos várias áreas de esporte e de lazer, playgrounds e áreas de estar, ligadas por
uma ciclovia. Foi na época do Prefeito Marcelo Alencar, quando o Secretário de Cultura era
o Dr. Leonel Kaz.
E foi nessa época também que projetamos o Parque do Colubandê, em São Gonçalo, no
Estado do Rio, e que também era voltado aos esportes, e que também foi executado e
depois abandonado. Hoje eu não sei em que estado está. Curiosamente nesse parque foi
colocado um painel de Roberto Burle Marx.
AAB / SR – Quais são os principais projetos que o escritório vem executando atualmente?
HO - Temos feito muitos trabalhos para diversas empresas. A maioria com a finalidade dos
eventos da Copa do Mundo e das Olimpíadas, e também alguns projetos importantes para
nós e para a nossa cidade, como o Museu do Amanhã e o MAR (Museu de Arte do Rio), na
Praça Mauá, e aqui onde era a Help (casa noturna em Copacabana), nós estamos
desenvolvendo o paisagismo para o MIS (Museu da Imagem e do Som). Esses são
trabalhos que eu considero emblemáticos atualmente. São três grandes projetos, pelo menos
em importância. E estamos desenvolvendo, ainda na prancheta, o projeto de paisagismo
para urbanização do entorno do estádio do Maracanã, criando uma ligação com a Quinta da
Boa Vista através de praças-passarelas sobre as linhas férreas com um novo parque com 90
mil m² aproximadamente, o Parque Glaziou.
4) A atuação da Empresa Burle Marx & Cia e as expedições:
AAB / SR – Após a morte de Burle Marx a empresa sofreu alguma modificação estrutural
ou se manteve dentro dos mesmos padrões? Por exemplo, número de funcionários,
quantidade de projetos e etc.
HO – Após a morte de Roberto tivemos que fazer um enxugamento em tudo, porque a
estrutura passou a ser outra. Já no final da vida, Burle Marx, ele mesmo já se dedicava mais
à pintura, mais à parte artística, se bem que ele considerava o paisagismo uma manifestação
de arte. Neste período ele já deixava essa parte no escritório como meu encargo, assim
como a gerência, mas isto não deu muito certo, porque eu sou um desastre nisso (risos), e
então tive que chamar outra pessoa para nos ajudar a gerenciar a empresa. E esta pessoa,
hoje, a nossa sócia Arquiteta Maria de Fátima Gomes de Sousa, foi quem levantou o
escritório novamente, pois tínhamos nos endividado bastante por conta da doença do Burle
Marx, e outras razões que não vêm ao caso relatar agora.
Ela ajudou muito saneando a firma, principalmente na parte empresarial, entende? Ela tinha
sido estagiária na época de Roberto, trabalhando como desenhista, e depois colaborou como
arquiteta contratada. Mais tarde participou da Expedição à Amazônia, nos anos 70, quando
grande parte da nossa equipe foi para Amazônia, voltando mais tarde a trabalhar nas
coleções do Sítio Santo Antônio da Bica, que era a residência de Burle Marx, como
funcionária do IPHAN, e lá permanecendo alguns anos após a morte dele como vicediretora. Depois ela foi trabalhar no Jardim Botânico, como assessora da presidência,
quando nós a chamamos novamente. Hoje ela é sócia da empresa e nossa consultora.
AAB / SR – Quem são os principais profissionais e colaboradores que hoje atuam na
empresa?
HO – Nossa equipe no setor de projetos se compõe além de mim, de três arquitetos
associados que são a Isabela Ono (principal), Gustavo Leivas e Júlio Ono, a Paisagista
colaboradora Patricia Menezes e eventualmente um ou dois estagiários. O Thiago que está
ali é um deles. Gustavo foi nosso estagiário há algum tempo atrás, e quando se formou,
constituiu uma empresa, juntamente com outros arquitetos. Quando surgiu uma
oportunidade, o chamamos para nossa equipe. Júlio também foi nosso estagiário.
No setor administrativo, a Arquiteta Fátima Gomes, também sócia, exerce a função de
Consultora Geral da empresa. Existem ainda os setores financeiros e de recursos humanos,
além da execução e manutenção, com diversos funcionários (jardineiros) e um engenheiro
agrônomo. Atualmente estamos desativando paulatinamente o setor de execuções e
manutenções, devido à grande dificuldade de manter funcionários devido a escassez de
mão-de-obra qualificada. Por outro lado, hoje observamos uma espécie de insatisfação
generalizada por parte dos jardineiros por sua profissão, e como agravante, sofremos a
concorrência de empresas ligadas à limpeza urbana que têm dominado essa faixa do
mercado, em detrimento das especializadas em jardinagem.
Ainda temos uma pequena chácara, comprada na época da doação do Sítio Santo Antonio
da Bica ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional) pelo Roberto. A
chácara começou como viveiro de mudas e ainda continua como tal, porém atualmente a
produção é muito incipiente. Funciona mais como um centro de distribuição de plantas
onde temos alguns veículos como um caminhão e um furgão, que encaminham todos os
materiais como plantas, ferramentas, terra e insumos para nossas execuções e manutenções.
A produção da chácara hoje é bem pequena, devido à minha falta de interesse na
comercialização de plantas. Lembro-me de Roberto com seu entusiasmo contagiante
percorrendo diariamente as coleções do Sítio e logo em seguida ir para a Chácara,
fiscalizando, perguntando por cada plantas, se elas estavam sendo adubadas direito, regadas
e tratadas de doenças e pragas. Ele gostava de estar à frente, de ter o controle da produção.
Nesta época as plantas que se especificava nos projetos ele as produzia com nossos
jardineiros.
Houve uma época em que nós viajávamos com frequência em expedições e excursões para
coleta de plantas, o que foi inviabilizado pelo rígido controle feito pelo IBAMA (na época
era a IBDF, não é?). Esse controle já existia no exterior. Todo regresso de viagem de
Roberto era uma festa, quando trazíamos material “de monte” (risos). Essa regulamentação
veio, eu acho, já na década de 1980, mas Roberto sempre tinha licenças para as coletas pelo
IBDF. Quando o controle foi ficando cada vez mais exigente, Roberto, nas viagens ao
exterior, obtinha licenças sanitárias do Ministério da Agricultura.
AAB / SR – Quantas viagens e expedições o senhor fez com ele? Qual foi a mais
impactante?
HO – Fiz dezenas de viagens com Roberto. Às vezes somente a trabalho, muitas das vezes
aliávamos o trabalho ao prazer e todas elas foram importantes para mim. Em cada viagem
aprendia muito. Fizemos várias, principalmente pelo Brasil. No exterior também fizemos.
Uma grande que me lembro foi para o Parque do Canaima, isso também por conta de um
trabalho na Venezuela. Nós íamos muito à Venezuela, porque tínhamos muitos trabalhos lá.
Nós projetamos em Maracaibo um Jardim Botânico. Esse foi um trabalho que eu não
participei muito na implantação, porque eu ficava aqui no escritório na parte projetual. Nas
viagens, o trabalho in loco foram acompanhadas por outro sócio daquela época, José
Tabacow. Todas as viagens, de certa forma, causaram certo impacto, porque cada local era
um lugar diferente. Mesmo as épocas eram diferentes, ainda que estivéssemos repetindo o
mesmo local, como por exemplo, Diamantina, onde nós fomos por diversas vezes. A cada
vez que íamos para lá era uma emoção diferente.
AAB / SR – Mas o Roberto Burle Marx tinha um roteiro prévio dessas viagens ou era uma
coisa que ia acontecendo livremente na medida em que vocês chegavam aos lugares e viam
o que dava para fazer?
HO – Havia sempre um planejamento e um roteiro pré-estabelecido. Inicialmente, se
faziam os primeiros contatos com alguns botânicos, mateiros e com as pessoas que
informavam que em tal época e em tal região, determinadas espécies estavam em floração,
ou que se encontrariam espécies novas para a coleção. Isso já bastava como motivo para
uma expedição em busca dessas plantas. E eu ia com outros membros do escritório para
documentar e fotografar. Muitas vezes aproveitando uma viagem de trabalho, fazíamos
excursões nas redondezas, como em Porto de Trombetas, na Amazônia, quando íamos
coletar plantas ou indicar quais as espécies eram necessárias para a implantação do projeto.
Era um trabalho muito bom. Uma expedição poderia demorar de uma semana à quinze dias,
dependendo do local e das condições. Às vezes até um final de semana, como diversas
vezes fizemos, por exemplo, para a região de Angra dos Reis e Ilha Grande. Dessas viagens
acontecia que algumas plantas ao serem trazidas para o Sítio não se adaptavam.
Geralmente o grupo era formado por Roberto, alguns botânicos, biólogos, arquitetos,
colecionadores de plantas e interessados em vegetação, jardineiros e motoristas além de nós
do escritório. As plantas coletadas eram embaladas e acondicionadas de forma a se
manterem em condições até a chegada ao Sítio, onde eram plantadas em locais adequados,
supervisionados por Roberto, para futuras multiplicações e aplicação em jardim e coleções.
As plantas eram coletadas mais pelo interesse ornamental e para sua coleção, embora
sempre considerando sua importância científica. A grande importância das viagens de
coleta, para mim, foi o conhecimento da vegetação em seu habitat natural, cada qual em seu
grupamento, se relacionando com o entorno. Foi também muito importante para mim a
presença de botânicos e biólogos nas coletas, pois eles me ensinaram entre muitas outras
coisas, o nome de plantas e suas peculiaridades e necessidades, como também a prática da
coleta e de preparo de exsicatas para sua identificação botânica. Lembro-me que esse
material preparado era enviado ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e às vezes uma cópia
para especialistas no exterior. Após a morte de Roberto não fizemos mais expedições dessa
espécie. Fazíamos motivados por ele com seu entusiasmo contagiante e porque ele era
realmente a alma do grupo.
5) O Arquiteto Paisagista e sua relação com a vegetação e com o espaço:
AAB / SR – O que faz e como atua um Paisagista? O senhor crê que esta habilidade de
trabalhar e de intervir na paisagem é uma atribuição exclusiva dos arquitetos?
HO – O Arquiteto, normalmente, quando ele é bem direcionado, bem fundamentado e com
conhecimentos de botânica, ele tem as ferramentas para ser um bom Paisagista. Acredito
que a própria educação e a formação de Arquiteto ajudam nessa profissão de Arquiteto
Paisagista. Agora, lógico que uma pessoa com certa sensibilidade poderá se tornar um bom
Paisagista também. Mas aí estas pessoas teriam que ter noções de botânica e também de
composição, de volumes, relações de intervenção com o meio ambiente, com o entorno
onde vai projetar e etc . Isso eu acho importante, porque um Arquiteto é educado para isso.
O meu trabalho, portanto, é criar espaços ou ambientes que sejam agradáveis pra nós, seres
humanos, amenizando o local onde vivemos e ambientando com o seu entorno. Essa eu
acho a função principal do Paisagista. O ambientar este espaço significa inserir a pessoa
nesse meio, e assim sendo, todas as plantas e elementos que formam a paisagem tem que
ser daquele local, porque elas são as coisas mais naturais. Eventualmente até importamos
um elemento ou outro, uma vegetação ou outra, mas eu acho, de um modo geral, que tem
que se criar um ambiente local, onde cada espaço seria uma coisa bem particular.
AAB / SR – E quais seriam estes elementos que dão este conforto ao ambiente?
HO – Dos elementos que dão esse conforto, a vegetação é apenas um componente. Outra
coisa é quando modificamos o clima num lugar muito árido colocando uma vegetação. O
ambiente já muda, e você se sente muito melhor porque inseriu a sombra e a umidade. A
floração também é um fator importante para pessoa se sentir bem, e tudo o que se faz para
se sentir bem, eu acho importante, e é um trabalho paisagístico. Você cria uma paisagem
para que a pessoa se sinta bem dentro dela.
Pode-se pensar sem a vegetação também. Depende da paisagem que você quer criar. Às
vezes você quer ter um espaço de meditação, em que qualquer vegetação, seja uma pequena
flor, interferiria. Uma paisagem que você cria para uma pessoa depende do estado de
espírito dessa pessoa.
AAB / SR – Qual é a sua relação pessoal com as plantas e com as espécies vegetais em
geral?
HO - Plantas são indivíduos vivos que são importantes à minha pessoa, ao meu trabalho e à
minha vivência. Então são componentes indispensáveis para mim: tanto esses elementos (os
vegetais) necessitam de mim para seu trato, seu cultivo, como em troca, eles me
proporcionam beleza visual e alimentos em forma de frutos e flores e para tornar a vida
mais agradável, cores e cheiros. É uma sensação agradável para eu chegar num canteiro de
temperos e retirar umas folhas para o preparo de comida. Sempre penso que estou tirando
um pedaço da planta para meu uso, para que ela rebrote e rejuvenesça. Não é uma forma de
simbiose interessante? .
AAB / SR - Mas, por exemplo, na sua casa o senhor tem um jardim, cuida de plantas que
são suas?
HO - Eu tenho plantas em casa sim. Eu tenho uma pequena varanda onde é o lugar que eu
gosto de ficar, onde leio jornais e muitas vezes faço as pequenas refeições. Não é mais o
quintal da minha infância em Senador Camará, mas é o meu quintalzinho de hoje, não é?
Também funciona como uma "cortina" com os vizinhos, uma separação verde não
totalmente fechada, mas é como um filtro para mim. E é o lugar aonde vem os pássaros de
vez em quando, fazendo seus ninhos.
AAB / SR – Quais são as plantas que o senhor tem ou gostaria de ter na sua casa?
HO – Eu gostaria de ter diversas plantas, mas não posso porque hoje eu moro em um
apartamento, e o espaço é pequeno, quero dizer, não tão pequeno comparativamente a
outros apartamentos, mas tenho uma varanda onde eu posso ter algumas plantas que eu
gosto. Hoje eu gosto de trepadeiras. Por exemplo, eu tenho um clerodendro que está todo
florido e passa quase todo o ano assim, com cachos de flores vermelhas que vão mudando
de cor, do vermelho ao lilás pálido, até elas caírem. Tenho vários espécimes de cactos
também, assim como diversas pimenteiras, além de outras plantas.
AAB / SR – O senhor tem um trabalho de jardineiro também?
HO – Sim, porque eu tenho que cuidar delas, não é? E essa é uma coisa que me gratifica,
assim como as plantas, em retribuição devem ficar gratificadas também, porque elas
vicejam e ficam mais bonitas.
AAB / SR – E o senhor acha que só o fator climático que infere no crescimento e na
floração delas ou que de repente o estado de ânimo também influencia?
HO – Eu acredito que o teu estado de espírito influencia bastante no desenvolvimento de
uma planta. Então se você estiver de má vontade ou de mau humor, não adianta você tratála, porque sem querer você vai maltratá-la, passando maus fluidos e energias negativas para
planta.
AAB / SR – E na sua casa só o senhor que se dedica às plantas ou alguém mais cuida
delas?
HO – Não, eu acho que todos que quiserem podem cuidar. Por exemplo, meus netos que
ainda são pequenos vão até lá e regam, na maioria das vezes até mal (risos), mas é melhor
fazer isso do que não fazer.
AAB / SR – E o senhor acha que transmite para os seus netos essa relação, esse sentimento
que o senhor tem com a natureza?
HO – Como eu disse antes, eles são ainda bem pequenos, e por isso eu não sei. Eu gostaria
que pudesse transmitir. E também porque o meu contato com eles não é tão grande assim,
pois vivem em Santa Catarina, eles vêm e voltam, passando poucos dias aqui no Rio, lá em
casa, na verdade. Eles agora estão vindo pro Rio, mas acredito que eles vão para outro
apartamento longe daqui, lá no final da Barra da Tijuca e eu moro em Laranjeiras, então
será somente um fim de semana que estaremos juntos, e assim dificilmente poderei passar
algum sentimento a este respeito. Mas se eu puder transmitir isso seria muito bom.
AAB / SR – Qual a relação atual da empresa e a sua relação em particular com o sítio Santo
Antônio da Bica?
HO – Na verdade, hoje o vínculo existente entre a nossa empresa (Burle Marx & Cia.
Ltda.) com o Sítio, é apenas relativo ao nome. Muitas perguntas são feitas relativamente ao
meu relacionamento com o Sítio, e posso lhes dizer que é quase nenhuma. Para ilustrar isso,
basta dizer que faz muito tempo não tenho ido ao Sítio. Recordo-me que fui algumas vezes
para filmagens relativas à divulgação da obra de Roberto Burle Marx, e também para
mostrar o Sítio para alguns Arquitetos estrangeiros interessados em sua obra e nas coleções
existentes lá. Realmente tenho ido poucas vezes, mas com a nova direção, talvez essa
situação se reverta e nossas relações voltem a ser mais frequentes.
AAB / SR – E a empresa Burle Marx & Cia também não tem nenhuma relação com o sítio?
HO – Praticamente nenhuma relação atualmente. A título de esclarecimento, devo dizer
que a Burle Marx & Cia. Ltda. desde o seu início, teve o Sítio Santo Antonio da Bica como
a sua chácara, produzindo e fornecendo plantas para os jardins projetados por Roberto e sua
equipe. A partir dos anos 70, a propriedade passou a ser também a sua residência . Nos
quase 30 anos de convivência com ele, freqüentávamos assiduamente o Sítio, tanto a
trabalho como por lazer, e mesmo após a doação feita por Roberto à Fundação Nacional
Pró-Memória (hoje IPHAN), quando o Sítio Santo Antonio da Bica passou a ser nominado
Sítio Roberto Burle Marx, continuamos a freqüentar amiúdo, devido ao nosso
relacionamento de amizade e profissional e principalmente por causa das plantas que
continuávamos a mandar para lá, mesmo após termos adquirido um terreno vizinho ao
Sítio, nossa nova chácara, onde também plantávamos. Creio que o último contato mais
consistente que tivemos com o Sítio foi quando organizamos os pertences de Roberto que
permaneciam em nossa Empresa e os doamos a ele: eram na maior parte livros e
publicações, além de diplomas , condecorações, títulos e medalhas. Também fizemos uma
grande doação para o seu acervo, na forma de quase mil obras (desenhos, guaches, croquis,
estudos para painéis, entre outros).
AAB / SR – Esse material foi catalogado?
HO – Sim, e está no Sítio. Foi relacionado e acho que registrado no Livro de Tombos. Foi
um trabalho realizado pela Arquiteta Fátima Gomes, que na época exercia o cargo de vicediretora do Sítio. Acredito que este material está bem cuidado, lá no Sítio.
AAB / SR – Em que momento do seu trabalho como paisagista que começa a sua relação
com as plantas? Como esta relação se modifica em função do lugar em que o projeto vai ser
implantado? A escolha das espécies, a plantação, os atributos estéticos de cada espécie, os
fornecedores de mudas e sementes e etc.
HO - O relacionamento com a vegetação, com a planta, se dá no momento em que
aceitamos um projeto. Por exemplo: me procuram para ver um trabalho na Malásia. A
primeira coisa que penso é quais as plantas que poderia utilizar, antes mesmo de conhecer o
programa para o projeto de paisagismo. Então concluo que é o componente mais
importante. Com o programa estabelecido e conhecendo a área, vamos pesquisar realmente
as plantas que ocorrem nessa região. E tudo isso a gente pensa antes de começar a rabiscar
os primeiros esboços no papel, na prancheta.
AAB / SR – Mas o senhor não pode aceitar um projeto na Malásia, ou na Venezuela sem ir
lá, não é?
HO – Aceitar eu posso, mas fazer o trabalho, aí não. Aí eu preciso ir lá pra conhecer o
trabalho.
AAB / SR – Eu acho interessante que o senhor em algum momento falou da relação mesmo
com a planta; ter um controle sobre o espaço onde a planta está crescendo, para conhecer
melhor a planta, então de certa forma, me dá a idéia de que o trabalho de paisagismo é uma
coisa que é devagar mesmo, porque tem o tempo da planta crescer, se aclimatar então isso é
uma coisa fácil de mediar, digamos, com a pessoa que está fazendo a demanda?
HO - Não, não é fácil esta mediação, mas também não é tão complicado. Com clientes não
esclarecidos, sem vivência com vegetação, procuro na entrevista inicial mostrar que um
jardim não se cria em pouco tempo. Há que se ter paciência, e muito, às vezes. Procuro
sempre comparar o desenvolvimento de uma planta com o desenvolvimento de uma
criança, que precisa de muitos cuidados, de um acompanhamento constante, de atenção e de
alimentação. Outro fato que é muito comum de acontecer é quando o cliente equipara com
o andamento de uma obra de engenharia, por exemplo, uma residência em construção com
a execução de um jardim e o crescimento das plantas, e como muitas vezes o jardim esta
ligado à arquitetura, surge logo a comparação. É preciso esclarecer que quando a
construção de sua residência está terminada, ela está pronta para ser usufruída, ao contrário
do jardim, cujo processo de desenvolvimento está apenas se iniciando, e todos sabem que
um jardim recém plantado não é muito bonito. São poucos os clientes que aceitam de boa
vontade esperar um jardim amadurecer, porque às vezes é um curso lento e demorado. Num
jardim em São Paulo, tivemos há tempos atrás, um cliente que estava satisfeito com nossa
proposta, aceitando sem reservas todas as nossas proposições de projeto, como a
composição paisagística, os materiais de acabamento, todo o elenco vegetal escolhido de
comum acordo, sendo ele na maior parte plantas nativas, inclusive executando um painel de
minha autoria com 950 m2. em pastilhas de vidro colorido importado para o piso de seu
terraço. Tudo ia bem, até que viu o seu jardim sendo plantado. Não satisfeito com o porte
da vegetação fornecida, mandou substituir por outras que não tinham nenhuma relação com
as projetadas, mas tinham as alturas que ele queria, destruindo assim o conceito e a
harmonia desejada. O que ele queria era um jardim adulto, com árvores de 20, 30 metros de
altura, não se importando com as espécies escolhidas, nem seus custos. A verdade é que
dinheiro ele tinha, mas não é assim que se faz. Não era questão de ter ou não ter dinheiro, o
que estava em causa era o desenvolvimento das espécies em conjunto, gradativamente, num
crescimento harmonioso e proporcional. Isso o cliente não entendeu.
AAB / SR – Às vezes o cliente deve querer certo tipo de planta que não dá certo no
projeto?
HO - Isso é verdade, ocorre frequentemente. Citando o caso do jardim em São Paulo,
aconteceu isso. Finalmente com o jardim quase pronto, na entrega o cliente disse: "ah, eu
não gostei disso, disso, e disso aí" (sobre as plantas que escolhemos de comum acordo e
também quanto ao porte). E então, após várias sugestões e alternativas e como eu não
concordava, chamou outro paisagista que trocou toda a vegetação colocando as que ele
queria, as quais não tinham nada a ver com a concepção arquitetônica do jardim e nem com
o ambiente, pois eram plantas exóticas, do oriente, inclusive como topiárias. Como
resultado, surgiu uma composição anacrônica e desequilibrada, porque a parte construtiva
foi realizada conforme foi pensada e a vegetação que a complementaria, totalmente
desfocada no contexto.
AAB / SR – Quando o senhor faz a escolha das plantas eu imagino que conta muito a parte
estética, acredito que o estético da espécie, mas não só isso, não é?
HO - A estética da planta é um fator muito importante na escolha, mas não é o
preponderante. Existem outros tópicos que consideramos para eleger esta ou aquela espécie
como a ideal: a adequação ao meio onde vai ser inserida, a associação com outras que a
circundará e claro, a aquiescência do cliente, porque ele tem suas preferências e será ele
quem vai desfrutar e conviver com a escolha.
AAB / SR – E o senhor negocia bem isso? E quando é um jardim público, por exemplo,
quem é o cliente?
HO - Sim, a gente aceita, porque afinal de contas, como disse há pouco, o jardim não é para
mim, é para o cliente, e assim temos que declinar de determinadas coisas. Já num jardim
público, quando normalmente o cliente é a Prefeitura, esta discussão é bem mais facilitada.
Eles quase nunca opinam sobre a escolha da vegetação, porque normalmente desconhecem
o assunto. Somente o aspecto financeiro, o tempo da execução e o acabamento final é o que
importa: o bonito e o barato.
AAB / SR – Como é que o senhor entrega algum jardim, digamos pronto, termina o
trabalho do paisagista quando é entregue ou tem alguma parte de manutenção posterior?
HO - Não. Na verdade o trabalho de um paisagista nunca terminaria, porque após a entrega
do jardim, se inicia o trabalho de sua manutenção, que nada mais é que a do
acompanhamento, da adaptação e maturação dos elementos que o compõe. O serviço de
manutenção de um jardim é uma atividade multidisciplinar, porque necessita além do
Paisagista projetista, de um Engenheiro Agrônomo ou Biólogo, para detectar necessidades
de cada planta do jardim. Infelizmente como esse acompanhamento é um serviço
remunerado, muitos clientes não aceitam, e então o jardim é entregue a qualquer jardineiro.
Tenho trabalhos executados e entregues há quase 50 anos, e neste período de tempo, vemos
que houve uma grande transformação no jardim: as pequenas mudas que plantamos
transformaram-se em árvores gigantescas. Em locais onde o sol batia diretamente hoje são
áreas sombrias. Então quando voltamos para o serviço de recuperação, temos que
considerar essas mudanças sem modificar o conceito e a aparência do original. Outro
complicador nesse serviço é quando algumas plantas do jardim desaparecem ou morrem, e
não existem mais no mercado para substituição.
AAB / SR – Quando o senhor termina um projeto como paisagista, durante quanto tempo
pensa que ele vai estar na sua plenitude?
HO - Depende de diversos fatores, como as dimensões do jardim, a escolha da vegetação
ou a complexidade do projeto. O tempo de maturação de um jardim poderá ser quase
imediato ou demandar mais tempo, como é a maioria dos casos, quando se aguarda, por
exemplo, o desenvolvimento da vegetação de maior porte, como árvores e palmeiras, mas
essa demora no desenvolvimento de um jardim não deve ser motivo de preocupação ou
impaciência por parte do Paisagista. Eu, por exemplo, ao pensar "ah, eu vou plantar isso
hoje, será que vou colher seus frutos um dia?", estou consciente de que não verei diversos
projetos meus em sua plenitude.
AAB / SR – O senhor tem algum projeto privado com que ainda mantém uma relação?
Muito antigo, mas que ainda dá assistência?
HO – Sim, tenho, porém são poucos.
6) O Arquiteto Paisagista e o Artista – Métodos e processos criativos:
AAB / SR – Sabemos que Burle Marx era, essencialmente, um artista plástico e seu
trabalho como paisagista partia desta premissa. E no seu caso como o senhor se define?
Como é o seu processo criativo?
HO – Ah, é muito difícil responder isso. Eu não me considero um artista, mas adotei como
princípio básico o mesmo de Roberto Burle Marx, que é o de estar criando uma obra de
arte. É verdade que quando vejo necessidade de um espaço fechado num jardim, ou de uma
vedação ou de uma barreira visual, recorro à utilização de murais, em diversos materiais,
como concreto aparente ou revestidos de pedras, pastilhas de vidro ou cerâmicas coloridas.
Muitas vezes uso a pedra portuguesa na pavimentação, formando desenhos e padrões como
no calçamento da Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro.
AAB / SR – Por que o senhor não se considera um artista?
HO – Bem. Isso é uma contradição (risos) em relação ao que eu falei para vocês há pouco.
Eu digo no sentido de ser um artista pleno, que só se dedica às Artes. Atualmente não me
dedico à pintura, mas me ocupo ao campo do Paisagismo, da criação de paisagens para o
usufruto e prazer dos usuários, e se nesse processo couber uma obra artística como um
painel, eu o projeto.
.
AAB / SR – Como é o seu processo criativo e sua metodologia de trabalho no paisagismo?
HO - Como lhes falei no início, primeiramente vejo o levantamento planialtimétrico e a
planta de situação do terreno e as plantas de arquitetura, em seguida converso e troco idéias
com o cliente e vejo o que ele espera de mim. Com isso fazemos um programa, que inclui
áreas de lazer, estar, playground, esportes, contemplação, horta, pomar, canil e outras
funções inerentes a uma residência. Então vou para a área conhecer o terreno. No retorno,
iniciamos o estudo preliminar, que nada mais é que um resumo das idéias trocadas
colocadas num desenho. A seguir, partindo deste estudo, desenvolvemos um anteprojeto, o
qual uma vez aprovado, originará o projeto executivo, que são desenhos que vão para a
obra, para a execução do jardim. Resumindo, o projeto executivo é composto por um plano
de cotas onde constam todas as dimensões e níveis, assim como as indicações de detalhes,
por um plano com a lista de plantas onde são mostradas as locações para o plantio, as
quantidades e alturas mínimas para o plantio, e por fim, um plano com desenhos com
detalhes construtivos relativos ao projeto.
AAB / SR – Nesse sentido, não tem mesmo como fazer o projeto sem conhecer o local. No
máximo dá para fazer um estudo preliminar.
HO – Não, não tem. Minimamente, em determinados projeto a gente pode até fazer um
estudo baseado em fotografias e filmes. Hoje em dia, temos muitos meios que facilitam
muito o ver e colher informações sobre qualquer assunto e às vezes, para um estudo
preliminar, para apenas dar uma idéia ao cliente do que você está propondo, você não
precisa ir ao local como fazíamos há alguns anos atrás.
Algumas informações podemos tirar do Google. Após a apresentação do estudo preliminar,
se o cliente gostou, neste caso temos que ir ao local, não tem jeito. Às vezes, após conhecer
in loco o problema, alguns enfoques podem sofrer mudanças, porque você não vê as
condições do solo, do clima e mesmo você "não sente" o ambiente local.
AAB / SR – O seu trabalho em particular difere do que era o trabalho do Burle Marx em
termos de metodologia, de enfrentamento do problema?
HO – Não, basicamente é o mesmo. Primeiramente vejo se o trabalho é interessante para o
escritório. A seguir, se o cliente é potencialmente uma pessoa que tenha empatia com o
nosso modo de expressão. Se não houver isso, não adianta prosseguir na proposta. Por
exemplo, para determinados empresas, sejam privadas ou públicas, podem até me pedir e
insistir, mas se eu não perceber essa empatia, não me interesso. Não é apenas o valor
pecuniário que nos atrai. Não que a gente despreze qualquer encomenda, pois fazemos
qualquer serviço, mas obviamente dentro de determinados parâmetros. O processo é sempre
o mesmo: vemos um trabalho indo ao local, se ele nos cativa, aceitamos e então elaboramos
uma proposta. Se o cliente aceita fazemos um estudo que, se aprovado, passamos para a
fase do anteprojeto, que é mais técnico, onde mostramos a vegetação que estamos
propondo. É onde o cliente diz o que gostou ou não, se os espaços destinados às funções
estão bons e onde ele sugere suas proposições. É a fase de maior interação com o cliente.
Concluída esta fase, iniciamos o executivo, que é o detalhamento para a construção do
jardim.
AAB / SR – Os clientes conhecem as plantas? E quando eles não conhecem as plantas?
HO – Geralmente os clientes desconhecem as plantas que especificamos quando as
identificamos com o seu nome científico, desacompanhadas dos nomes vulgares. Quando
as mostramos através de ilustrações e fotografias, a maioria é reconhecida, sejam elas
árvores, palmeiras, arbustos ou ervas.
7) Patrimonialização, tombamento e conservação de paisagens:
AAB / SR – Recentemente a cidade do Rio de Janeiro recebeu o título de Patrimônio
Cultural da Humanidade na categoria de Paisagem Cultural. Um dos lugares contemplados
por este título é o Parque do Flamengo. Como o senhor recebeu esta notícia? E o que o
senhor pensa, em termos mais amplos, a respeito dos processos de patrimonialização de
uma obra de paisagismo?
HO – Bom, naturalmente eu fiquei muito feliz com a notícia, ainda mais porque duas obras
de Roberto, das quais tive a satisfação de participar, numa delas como co-autor,
contribuíram para que a cidade do Rio de Janeiro obtivesse esse título. Na verdade,
acompanhamos este processo há alguns anos, desde 2009, quando participamos de reuniões
com a Fundação Roberto Marinho junto com a Prefeitura do Rio de Janeiro. Mas é como eu
disse nas reuniões na época: não adianta a cidade receber o título, se na verdade os gestores
não fizerem nada pela preservação dos seus bens. A este respeito, uma coisa curiosa:
quando se comemorou o centenário de nascimento de Roberto Burle Marx em 2009, a
Prefeitura do Rio logo fez um movimento para o tombamento provisório de 84 obras
paisagísticas dele na cidade. Atitude muito louvável se feita com critério e seriedade, o que
não está acontecendo. Conseguiram uma relação de projetos, e simplesmente num ato,
decretaram seus tombamentos. Ainda bem que são tombamentos provisórios. Na época
questionamos quais fundamentos usados para escolheram somente esses projetos, em meio
a tantos outros? Constam na lista projetos não executados, projetos inexistentes, projetos de
outros paisagistas e projetos demolidos. Sequer verificaram o estado e condições desses
jardins. Porque um jardim é como a gente, é um ser vivo composto por plantas. Se não
houver uma manutenção constante, não há condições dele sobreviver, e se o jardim estiver
em bom estado, deverá ser preservado com boa manutenção.
AAB / SR – Ainda sobre o Parque do Flamengo, como o senhor avalia o estado atual de
conservação do parque?
HO – Outro dia passando pelo Parque do Flamengo vi pessoas plantando mudas de árvores
em substituição às mortas, supervisionadas pela Fundação Parques e Jardins, o que achei
muito legal. Mas plantar algumas árvores não é o bastante, teriam que ver o Parque como
um todo, e vendo o conjunto, constatamos que o Parque está muito mal conservado, ou
melhor, não há conservação. Não considero que aparando a grama, ele está sendo
conservado. Lamentavelmente vemos que a vegetação está doente, cheia de pragas, de
parasitas, sem adubação e sem podas adequadas. Está necessitado de um controle
fitossanitário antes de tudo. E para agravar este estado de calamidade do Parque, assistimos
a Prefeitura do Rio persistir na autorização de grandes eventos públicos que atraem uma
população sobre seus gramados e jardins. Recentemente tivemos um acontecimento, a RIO
+20, que ocupou áreas do Parque. O resultado disso foram áreas verdes pisoteadas,
destruídas, desniveladas e esburacadas. Dos jardins do Museu de Arte Moderna restaram as
plantas de porte. O gramado "Copacabana", formado por ondas de grama clara e grama
escura, símbolo do Parque do Flamengo, foi totalmente arrasado, da mesma forma, a pista
para aeromodelismo foi bastante danificada, a ponto da associação que a utiliza nos
convocar para socorrer, já que a Prefeitura se omitiu. Por que um evento que discute
ecologia, meio ambiente e sustentabilidade é realizado em áreas de um parque tombado e
que é um patrimônio da cidade? Então são incompatibilidades difíceis de entender.
AAB / SR – Quais seriam os eventos que seriam compatíveis com o paisagismo do Parque
do Flamengo?
HO – Os eventos para os quais o Parque está equipado, como os direcionados ao lazer
recreativo, contemplativo e esportivo, ou outros que não venham a ferir ou destruir a
vegetação e os equipamentos existentes. Nunca um evento que necessite da colocação de
uma construção sobre o solo plantado, como o citado gramado de ondas "Copacabana" no
MAM.
AAB / SR – Em termos da manutenção do Parque do Flamengo o escritório é consultado
permanentemente?
HO – Não, não somos. Esporadicamente a Fundação Parques e Jardins nos consulta sobre o
plantio de árvores no Parque do Flamengo. Houve época que os administradores do Parque
nos perguntavam frequentemente, mas faz muito tempo que isso não acontece. Aliás,
recentemente a Fundação Parques e Jardins nos procurou a respeito do meu projeto para o
Parque dos Patins, para juntamente com os Arquitetos da Prefeitura revitalizar introduzindo
novos brinquedos e atividades.
AAB / SR – O senhor anteriormente elogiou “ah, Parques e Jardins plantou algumas
mudas, eu fiquei feliz com isso”, mas são as mesmas, estão dentro do projeto, no mesmo
lugar?
HO - As mudas que o pessoal da Fundação Parques e Jardins plantaram em substituição às
mortas, foram as espécies especificadas no nosso projeto de revitalização do Parque e
acredito que foram plantadas nos mesmos locais indicados no projeto. Para esse plantio, foi
decidido em uma reunião conosco e com o Presidente da Fundação e o Diretor de
arborização, que o Parque seria dividido em setores, conforme fizemos quando da
revitalização, e assim iria por etapas, repovoar todo o Parque. Não posso assegurar, porque
não tenho acompanhado o serviço sempre, mas pelas reuniões, vejo que estão executando
com seriedade, seguindo fielmente o nosso projeto.
AAB / SR – Como é que o senhor pensa esse processo de patrimonialização de uma obra
de paisagismo? Como é que é tombar o Parque do Flamengo? O Parque do Flamengo foi
tombado em 1965 pelo IPHAN, agora é tombado pela UNESCO. Antes houve um
tombamento pelo município também. Então ele é tombado três vezes. O que é tombar uma
obra de paisagismo, o que o senhor pensa sobre isso?
HO – No meu entender, ao tombar uma obra paisagística, tem que se levar em
consideração um conjunto de condições para a sua recuperação, conservação e manutenção
para que seja preservado. Estamos acostumados, de um modo geral, a monumentos
estáticos. No nosso caso que é um parque, a situação torna-se um pouco mais complexa,
porque além dos bens arquitetônicos construídos (monumentos estáticos) que pertencem e
estão no Parque, existe o conjunto vegetal - elementos vivos, portanto perecíveis e
renováveis, além da composição em si, ambos de valor histórico inestimável.
A situação atual do Parque do Flamengo é de extrema carência, necessitando urgentemente
de uma recuperação e posteriormente de uma conservação e manutenção cuidadosa e
efetiva. O tombamento pela UNESCO transformou o Parque do Flamengo num
monumento do Patrimônio Cultural da Humanidade, e isso nos traz a responsabilidade pelo
seu estado perante a visibilidade do mundo.
AAB / SR – A Paisagem é dinâmica, composta por elementos vivos que nascem, crescem e
morrem. Como se mantém e se conserva uma obra de paisagismo incorporando esta
realidade?
HO – O procedimento é exatamente como praticamos com os seres vivos. Sabemos que
todos os elementos vivos morrem, e assim é o ciclo natural da vida. Num jardim destruído,
se existe o projeto, é relativamente fácil reconstituir e onde uma planta desapareceu,
substituímos por outra da mesma espécie. No caso de um jardim histórico como o Parque
do Flamengo, devemos assegurar a produção das espécies que o compõe, já com certo
porte, para reparar essa situação. É como ocorreu neste Parque, quando fizemos a
restauração no fim do século passado (risos) em 1999, com as palmeiras Corypha
umbraculifera que estavam florescendo. Sabendo que quando isso ocorre, ela está no seu
apogeu, e que logo após a sua frutificação ela morre paulatinamente, plantamos mudas
entre elas para manter a formação original, conforme fazem no Jardim Botânico do Rio de
Janeiro com os renques de palmeiras imperiais, onde as mudas são plantadas intercaladas.
AAB / SR – O senhor acha que no paisagismo mesmo dá para controlar, ter um controle
total disso, é uma relação matemática, exata?
HO – Teoricamente sim, se nos referirmos sobre a construção e implantação de um jardim
conforme o seu projeto paisagístico. Porém nunca será uma relação matemática ou exata
porque existem fatores imponderáveis, como as condições climáticas, que modificam
substancialmente seu desenvolvimento. E como a sua manutenção é feita pelo homem,
podem acontecer imprevistos e falhas, como a ausência e excesso de regas, o descontrole
fitossanitário e a descontinuidade na adubação.
AAB / SR – Mas então, de certa forma, quando se pensa no tombamento de uma paisagem,
de um projeto de paisagismo, não são os elementos que são dinâmicos e sim o projeto que
se tomba, não é mesmo?
HO - É uma pergunta difícil de responder. Tem que se analisar bem, porque quando um
projeto desenhado no papel é transportado para o terreno, é uma realidade que depende das
condições físicas do local e ambiental, e isso é mutável. Por exemplo, ao esboçar um
projeto você pensa numa determinada árvore, prevendo seu crescimento até “x” metros de
altura e com “y” metros de diâmetro de copa num período de tempo de “z” anos. Se o
terreno for extremamente fértil essa expectativa muda completamente, porque a árvore que
você plantou alcançou o porte desejado em muito menos tempo, e então o que você vai
fazer com as plantas que plantou debaixo de sua copa, prevendo seu crescimento normal?
Para manter o projeto podamos a árvore e alteramos seu desenvolvimento? Essas questões
seriam resolvidas pelo autor do projeto. O que acontece, às vezes, em nossos projetos,
mesmo na época de Burle Marx, é que o projeto é uma coisa e o jardim executado é outro
decorrido um tempo, sobretudo durante a manutenção sem a supervisão ou consulta ao
paisagista autor. Somente ele poderá modificar seu projeto, porque ele é o criador.
AAB / SR – E o que é que se tomba então, o que se vai patrimonializar?
HO – O ideal seria tombar o jardim juntamente com o projeto, estando ele conforme
projetado, ou quando alterado com a anuência do autor ou pelo próprio, sempre constando
estas modificações nos desenhos. O tombamento de um jardim deveria acontecer quando
ele está adulto ou já formado.
AAB / SR – O que o senhor falou, por exemplo, que eu tenho uma palmeira aqui, ela está
morrendo, eu sei que ela vai morrer, eu vou e planto uma muda do lado, ao plantar do lado
eu não estou seguindo o projeto original, certo?
HO – É verdade, mas na verdade, é o conceito que importa. Claro que se não houver um
lugar ao lado ou próximo, você não vai plantar e então vai esperar ela morrer, já dispondo
de uma muda preparada para substituição. Deveria ser assim, não é? Mas num parque ou
num jardim de grandes dimensões, não há necessidade dessa precisão, a meu ver.
AAB / SR – Então é um processo extremamente complexo essa coisa de tombar um projeto
de paisagismo, não é?
HO – Eu acredito que sim. Uma boa pergunta é: em que momento tombar? Aí entra a
questão do pensamento do paisagista autor, que ao criar, ele imagina o conjunto pronto
após alguns anos de plantio. Na verdade, penso que temos que elaborar um projeto
pensando no estado do jardim recém implantado como início de um processo longo e
demorado de assistência. Acompanhar seu desenvolvimento faz parte desse processo,
porque embora tenhamos especificado toda a vegetação, prevendo já, por exemplo,
possíveis áreas sombreadas sob a copa das árvores, estas ainda pequenas mudas, é nesse
processo que podemos corrigir e adaptar uma série de coisas que não deram certo ou
previsto no projeto compreende? É isso!
AAB / SR – Ou às vezes uma edificação que vai projetar sombra também.
HO – Isso é pior ainda. Aí não tem nem como se preservar o jardim num processo de
tombamento. Neste caso, é melhor desistir do processo, porque certamente o jardim terá
que ser outro, devido às alterações causadas pelas novas condições.
AAB / SR – O senhor sabe, por exemplo, que depois que a cidade recebeu o título de
patrimônio cultural da humanidade o prefeito avisou que todos os eventos que aconteceriam
no Parque do Flamengo vão pagar uma taxa para ser revertida para a manutenção do
Parque. Não lhe parece uma contradição, se o senhor mesmo acabou de dizer que certos
eventos danificam o parque? O que o senhor acha disso?
HO – É um absurdo completo um Prefeito declarar isso.Todos sabem que taxa nenhuma
compensa os estragos feitos na Natureza, ainda mais na fragilizada e maltratada vegetação
do Parque do Flamengo, que apesar dos maus cuidados por prefeitos como este, a muito
custo está sobrevivendo. Isso não vale nada. O certo é não realizar mais eventos nestes
lugares, não só nas áreas verdes como em outros locais como na Praia de Copacabana.
AAB / SR – Mas a gente sabe que é momento da cidade, que é a cidade dos grandes
eventos não é? É um momento, uma fase do Rio de Janeiro que qualquer coisa vira um
grande evento, parece que a cidade está sem cenários para esses eventos.
HO – Espaços e cenários a gente tem, depende para que finalidades. Por exemplo, a região
do Centro do Rio de Janeiro nos fins de semana é uma área vazia, e comportaria
determinados eventos, e temos o Sambódromo, que está situado num ponto estratégico no
Centro, servido por um sistema de transportes múltiplos e criado para desfiles de escolas de
samba, e que suporta mega-shows e grandes aglomerações. O que eu acho é que não é
possível utilizar o Parque do Flamengo como cenário e palco para eventos, porque não foi
concebido para isso e porque assim estará desvirtuando o seu conceito original.
AAB / SR – O senhor teve a oportunidade de acompanhar a construção do Parque do
Flamengo, não apenas na parte paisagística, mas também sobre as obras de arquitetura
(MAM, Monumento aos Pracinhas e etc.)?
HO – Não, não. Eu acompanhei parte da execução dos jardins do Parque, não nas obras
arquitetônicas, excetuando os da Marina da Glória e do Restaurante, nos quais participei
ativamente. Lembro-me ainda hoje, vivamente, de uma construção em forma de uma nave,
com uma vela imensa, projetada por Lúcio Costa que logo foi demolida, por ocasião do
XXXVI Congresso Eucarístico, em 1955, onde assisti uma missa com minha turma do
Colégio. Mais tarde soube que em seu lugar seria construído o Monumento aos Mortos da
2a. Guerra Mundial.
AAB / SR – O senhor entrou no escritório Burle Marx em 1965, o Parque do Flamengo já
estava pronto, certo?
HO – Praticamente. O Parque foi oficialmente inaugurado em 1964, apesar de inacabado e
foi tombado em 1985. Mais ou menos por volta dos anos 1961 e 1962, quando cursava o
científico (hoje ensino médio) no Colégio Cruzeiro, eu passeava muito nos intervalos dos
cursos, e o Parque do Flamengo era o meu lugar preferido. Nesta época, estava em
construção uma parte do jardim, principalmente da área próximo ao MAM, onde eu ficava
mais tempo, observando os jardineiros no plantio. Nem imaginava que alguns anos mais
tarde eu próprio plantaria árvores e palmeiras no Parque. Na verdade, Roberto acompanhou
o desenvolvimento do Parque até o final dos anos 1980, sugerindo e plantando diversas
espécies em substituição às árvores mortas.
AAB / SR – No caso do Monumento aos Pracinhas, houve alguma reconfiguração e/ou
modificação do projeto original para permitir a construção do Monumento?
HO – Não sei lhe dizer.
AAB / SR – O escritório faz ou já fez alguma manutenção no Parque do Flamengo?
HO – Manutenção do Parque propriamente, não. Ao que me consta, a nossa empresa, a
Burle Marx & Cia. Ltda., na implantação do projeto, fornecia, plantava e mantinha os
gramados. Nós nunca fizemos a manutenção do Parque como um todo. Participamos sim,
do seu processo de restauração e revitalização, iniciada em 1997, com a coordenação da
Prefeitura. Inicialmente fizemos um diagnóstico de toda a vegetação e dos elementos
construídos, baseado no projeto original do Parque, juntamente com a Praça Salgado Filho,
área frontal ao Aeroporto Santos Dumont, que até então era considerada à parte do conjunto
do Parque do Flamengo.
AA / SR – Como é que o senhor vê ali o Monumento aos Pracinhas dentro do Parque?
HO – Eu o acho bem integrado. Com o seu jardim bem formal o envolvendo, considero
completamente incorporado ao Parque do Flamengo. Hoje, lamentavelmente, é também um
local que está servindo muito de cenário e local para eventos. Tanto é que os jardins nunca
estão bem, não é? Quando está bonito, aí já começa a acontecer uma coisa. Tem defronte ao
Monumento um jardim com duas formas bem simples, uma seria com florações amarelas e
a outra, uma vegetação com folhagens roxas, baixas. São duas grandes formas na frente e
lateralmente tem os jardins menores que vão se ligar com os jardins do Museu de Arte
Moderna.
AAB / SR – Então o senhor acha que é bem integrado o Monumento com o parque?
HO – Sim, eu acho. Minha opinião é que o Monumento está integrado harmonicamente no
Parque. Embora ele tenha surgido de idéias distintas, o paisagismo amarrou tudo levando
em consideração seu volume.
AAB / SR – Agora, o conceito, por exemplo, da Praça Paris, a gente sabe que foi outro. São
paisagismos distintos. Mas também o senhor acha que dialoga e que se integram?
HO – Totalmente outro conceito, totalmente. Não, eu acho que não, que não dialogam
muito, mas porque são de épocas distintas, projetadas por artistas diferentes. Na verdade,
eles não têm que dialogar, não é? (risos) São testemunhas de épocas.
AAB / SR – Como o senhor avalia a presença do Monumento aos Pracinhas no Parque do
Flamengo, levando-se em conta, inclusive, que se trata de um cemitério?
HO – Eu o considero uma escultura erigida no Parque, e não vejo nada demais se é uma
escultura ou um monumento aos mortos, é o mesmo conceito quando se cria hoje em dia,
um cemitério parque. Neste caso, acho apenas que tem que ser bem tratado
paisagisticamente. Não gosto muito dos cemitérios tradicionais, tipo o São João Batista e
outros semelhantes.
AAB / SR – O senhor já fez projetos de cemitério?
HO – Sim, já fizemos alguns projetos de paisagismo para cemitérios parques, como em
Recife, São Paulo e recentemente para o Rio de Janeiro.
8) O legado de Burle Marx – continuidades e rupturas:
AAB / SR – O senhor é frequentemente tratado como um discípulo de Burle Marx. Como o
senhor recebe esta afirmação?
HO – Com naturalidade, não sou nem a favor e nem contra com esta situação (risos). Me
chamam assim, não é? E é verdade, é como me sinto e continuo sendo, porque eu sigo os
seus conceitos e não nego isso.
AAB / SR – O senhor não acha que depois da morte dele houve uma quebra e/ou ruptura no
seu trabalho individual com os valores, conceitos e atributos da obra de Burle Marx?
HO – Não acredito que minha criatividade tenha sofrido uma parada após o "trauma"
causado pela morte de Roberto. Acho até que na continuidade do seu trabalho, houve de
minha parte, um desenvolvimento criativo mais pessoal e próprio. Neste sentido, há uma
dissertação de mestrado, desenvolvida por uma pesquisadora em Recife que enfoca entre
outros tópicos, o diálogo entre a forma de compor de Burle Marx e a minha. Creio que
ainda hoje, a percepção de Roberto ao avaliar e enfocar um problema compositivo serve de
exemplo para mim, porque ele foi meu professor e mestre de verdade. Sem dúvida, no
diálogo criativo que acontecia entre nós no dia a dia, suas ponderações frequentemente
prevaleciam, mas nunca eram impositivas ou impostas. Realmente havia uma grande
interação entre nós.
AAB / SR – Além de Burle Marx, que outros paisagistas o inspiram ou lhe servem de
referência? O senhor conhece a obra de outros paisagistas?
HO – Na correria diária, fato que creio que aconteça com quase todos os escritórios que
conheço, depois das conversas com clientes, viagens, rabiscos, desenhos, discussões de
projetos, entregas, não me sobra muito espaço para estudar trabalhos de outros paisagistas.
Não dá tempo! E no tempo que me sobra, faço questão de me desligar da azáfama diária e
me dedicar a outras atividades. Mesmo assim, conheço algumas obras de outros paisagistas,
sem muito aprofundamento é verdade, nos congressos, feiras e seminários, ao contrário de
muitos dos meus colegas, que estudam bastantes obras em busca de novas referências para
seus trabalhos. Concordo que deveria ser assim, mais estudioso e mais atento, mas não
pratico a idéia de conhecendo os trabalhos de outros, melhorar o meu. Isso para mim não
funciona dessa maneira.
AAB / SR – E nesse sentido, já que estamos falando no momento de autores, digamos de
referências culturais que também sejam inspiração para seu trabalho, essa relação que pode
ter outras culturas com a natureza, com a paisagem. Quais as referências culturais lhe
servem como inspiração? Estamos aqui nos referindo à relação homem e natureza.
HO – No trabalho cotidiano, normalmente eu foco em exemplos vivenciadas em viagens e
nas lembranças e experiências adquiridas no escritório. Significa lembrar-se de fatos que
motivaram soluções nas composições dos projetos, que às vezes são corriqueiras e banais
ou variadas, como as formas da Natureza que observamos nas formações rupestres no Vale
dos Pancas ou de Diamantina, ou observar da janela de um avião, as formações mutantes
das nuvens, os meandros dos rios, as formações montanhosas, as áreas de cultivo. Tudo são
fontes de inspiração que estão à nossa vista, prontas para serem capturadas e adaptadas para
serem aproveitadas em nossos trabalhos. Às vezes penso que fico dando voltas,
perseguindo soluções ao consultar trabalhos antigos para me ajudar a solver certas dúvidas
de hoje. Mas prefiro isso a beber em outras fontes, talvez isso seja uma deficiência de
minha parte.
AAB / SR – Mas eu acho que tem um dado aí interessante, quer dizer, o senhor se
realimenta da própria produção do escritório. Então pega, por exemplo, a encomenda nova
aí de repente “ah, isso parece um projeto que fizemos lá nos anos 70”, aí o senhor pega
aquele projeto? É por aí?
HO – Não, não é por aí. Nesse caso eu estaria me copiando... Não foi isso que eu quis
dizer. Consulto às vezes em minha memória projetos anteriores, porque Roberto me
ensinou que a partir de exemplos passados bem resolvidos, sempre poderemos encontrar
soluções melhores. É assim que vou tentando me aperfeiçoar. Soluções não são fórmulas.
Não pego projetos antigos para copiar, porque cada projeto novo é outro projeto.
AAB / SR – Então o senhor acha que não tem uma ruptura entre o seu trabalho e o do Burle
Marx. A gente pode pensar numa linha de continuidade?
HO – Não acredito que haja uma ruptura entre nossos trabalhos, acredito que o meu
trabalho seja uma continuação.
9) Reflexões sobre o espaço e sobre os projetos de paisagismo:
AAB / SR – No seu trabalho existem preocupações meramente físicas e quantitativas sobre
o espaço ou este é também entendido em seus aspectos qualitativo tais como valores
espirituais, cosmológicos, o respeito a certas tradições e etc.?
HO – É como eu lhes falei no início, eu acho que o meu envolvimento com um
determinado espaço nunca é inteiro, assim bem matemático, nunca é isso, nem poderia ser
assim. Existem fatores que nos escapam que não são mensuráveis, porque o espaço que nos
compete não é um espaço totalmente fechado e hermético, ele é permeável, onde você vê o
vizinho, vê a paisagem que o cerca e participa da vida. Então eu não posso imaginar um
espaço isolado. O importante é o todo, a situação que o envolve. Eu penso mais como esse
espaço poderia dar de melhor, para ser usufruído e é nesse sentido que eu encaminho um
trabalho. E nesse seguimento surgem questões como: Como era? Como será? Para que?
AAB / SR – Acontece de o senhor ir num lugar e o próprio lugar te inspirar determinadas
decisões de projeto?
HO - Acontece freqüentemente. Quando você toma conhecimento de um projeto, quando o
cliente lhe explica o que deseja através de fotos e discussões, logo surgem algumas idéias.
Mas ao conhecer o local mais detalhadamente, você pode mudar totalmente seu conceito.
AAB / SR – Mas, por exemplo, conhecer a história do local, conhecer as plantas que são
usadas na área.
HO – Sim. Este é o procedimento que normalmente adotamos: conhecer o local, sua
história e naturalmente a vegetação. Um trabalho legal que fizemos e que exemplifica bem
isso, foi o que fizemos em Rio Branco, no Acre, assim como também em Kuala Lumpur na
Malásia. Nestas cidades, ao iniciarmos os primeiros estudos, fomos obrigados a conhecer
suas tradições, sua cultura e seus costumes, assim como sua arte folclórica e seus
vestuários. Foi importante percebermos todas estas nuances que pudéssemos incorporar seu
modo de viver ao parque. Em Rio Branco pesquisamos principalmente os costumes dos
indígenas, dos quais interpretamos suas padronagens, transportando-as para os desenhos de
piso. Na escolha da vegetação, naturalmente elegemos espécies autóctones e as que já
existiam no local, além de outras espécies exóticas já adaptadas e integradas na região.
AAB / SR – E, por exemplo, aqui no Rio de Janeiro, quando o senhor fala das tradições da
Malásia, de Rio Branco, e se a gente for caracterizar a paisagem do Rio de Janeiro, quais
são esses valores que se incorporam à paisagem local?
HO – Acho que aqui no Rio de Janeiro, é mais fácil da gente se expressar, talvez porque os
costumes já estão incorporados e porque você já conta com a Natureza vibrante do entorno,
a paisagem com montanhas, a vegetação exuberante, o sol, e claro, as praias. É a paisagem
que mais conta, e isso se traduz no meu trabalho. As relações aqui fluem mais livres, e isso
me inspira e contagia meus desenhos, traduzidas nas formas que surgem naturalmente,
linhas nascendo traçando desenhos abstratos.
AAB / SR – Que é a inspiração do próprio sítio natural. Tem uma planta que não falta nas
paisagens do Rio de Janeiro, que esteja muito freqüente no seu trabalho, uma planta que
seria característica do paisagismo?
HO – São as quaresmeiras e os ipês que estão sempre presentes nos meus trabalhos com
suas variedades de cores de floração, além dos amarelos das acácias, e de uma infinidade de
plantas bem comuns.
AAB / SR – E eu fiquei pensando nesses elementos de paisagem, o senhor disse que a
paisagem aqui no Rio é muito mais livre, é uma coisa que é mais fluente. E se a gente for
comparar com o tipo de paisagismo japonês, ele é um pouco mais rígido, é estático? O
senhor tem uma avaliação sobre este tipo de trabalho?
HO – Não, não tenho, mas sem dúvida nenhuma seu paisagismo não é nada estático pelo
pouco que conheço. Acredito que possa ser rígido, no sentido de ser disciplinado e contido,
bem no espírito japonês. Mas seria uma leviandade eu emitir qualquer opinião sobre esta
questão, pelo pouco que conheço do paisagismo japonês, pelo qual tenho a maior
consideração e respeito. Conheci apenas superficialmente duas espécies de paisagens no
Japão, a projetada que são os pequenos parques e jardins e a arborização de ruas, estas
corriqueiras como em quase todas as cidades civilizadas do mundo.
AAB / SR – Das obras de sua autoria quais as que o senhor tem mais apreço e por quê?
HO – De um modo geral, todos tem o mesmo apreço, a mesma valorização afetiva.
Naturalmente tenho mais simpatia por alguns, por vários motivos, mas também não me
lembro de todos os trabalhos que realizei, e assim não quero citar o que considero o melhor
jardim ou o que me deu maior satisfação.
AAB / SR – Tem muitos projetos não executados?
HO – Sim, têm muitos, e existem os que foram executados e que eu nunca vi.
AAB / SR – O senhor acha que, por exemplo, nesse clima muito acelerado de construção
que está passando a cidade, de urbanização super rápida, o paisagismo como tal está sendo
menos contemplado?
HO - Observando o crescimento da cidade do Rio de Janeiro notamos que as áreas verdes,
as áreas que potencialmente poderiam ser aproveitadas para o usufruto da população, estão
diminuindo drasticamente. Entre elas, áreas que eram consideradas “protegidas”, porque
dificilmente alguém pensaria em se apropriar por serem terras insalubres e alagadas, mas de
valor ecológico enorme por conter um ecossistema importantíssimo para o equilíbrio desse
bioma, estão sendo ocupadas. Feito essa observação e lamentando isso, creio que o
paisagismo tem acompanhado o desenvolvimento e a evolução da cidade. Precisaria de
mais tempo para avaliar essa opinião, porque como disse anteriormente, o ritmo de
crescimento e o tempo de maturação de um jardim é demorado e diferente de uma obra
civil. Outro dia, num domingo, fui passear no Jardim do Valongo, um sítio histórico recém
restaurado, e então verifiquei que valorizaram o paisagismo, recuperando seu jardim.
Gostei muito da recuperação da parte arquitetônica, já o jardim, achei pobre pelas espécies
escolhidas.
AAB / SR – Como o senhor faria aquele jardim do Valongo?
HO – Eu falava do plantio, da escolha das espécies. Eu especificaria plantas mais
exuberantes, que formariam uma massa vegetal mais densa e mais volumosa, ao invés das
cactáceas e agaváceas plantadas. Assim creio que essa vegetação faria o equilíbrio com a
construção, que é muito presente e forte.
AAB / SR – E a parte mineralizada, o que o senhor acha? Aquelas pedras.
HO – Quanto a isso, não tenho nada contra. É um conceito de concepção de um jardim
adotado e ponto.
AAB / SR – Mais alguma coisa que o senhor gostaria de falar?
HO – Não por agora. Mas se você tiver mais perguntas, eu responderei. (risos).
AAB / SR – Muito obrigado então pela entrevista.
HO – Ok. Por nada.
10) Créditos:

Haruyoshi Ono (FAU-UFRJ, 1968) começou sua trajetória de paisagista em 1965
como estagiário de Roberto Burle Marx. Em seguida, passou a colaborador, diretor
do departamento de projetos e, finalmente, sócio da empresa. Após o falecimento de
Burle Marx, tornou-se o titular do escritório. O grande volume de projetos
desenvolvidos por Haru ao longo do tempo forma um significativo conjunto. Dentre
os trabalhos realizados nos últimos anos merecem destaque o parque em torno da
Lagoa Rodrigo de Freitas, a recuperação/revitalização do Parque do Flamengo e o
Solar da Imperatriz, no Rio de Janeiro, além da revitalização do Porto da Ribeira
(Iguape SP), do Santuário Nacional de Aparecida do Norte SP e dos parques
General Euclides Figueiredo (Macapá AP) e Centro de Convivência dos Idosos
(Macaé RJ). No exterior, Haru é responsável pelos projetos para a Piazzale
D’Ingresso Della Fiera de Verona (Itália), o Jardim da Árvore da Vida (Tel Aviv,
Israel), a Tropical Island (Brand, Alemanha) e a ampliação do Biscayne Boulevard
(Miami, EUA). – Fonte: abap.org.br

* Antônio Agenor Barbosa é Professor no Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF - MG), onde também é
membro do Colegiado do Curso de Arquitetura e Urbanismo, sendo o representante
da área de Teoria e História. É Conselheiro Titular e Membro da Mesa Diretora
(Biênio 2011-2013) no Conselho Municipal de Habitação (CMH) da Prefeitura de
Juiz de Fora, é Conselheiro Suplente na Comissão de Uso do Solo Urbano
(COMUS) da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora. É Pesquisador Associado do
Laboratório de Antropologia da Arquitetura e Espaços (LAARES), vinculado ao
Núcleo de Antropologia dos Objetos (NUCLAO) no Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da UFRJ. (IFCS - UFRJ).

** Stella Rodriguez possui Doutorado em Geografia pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (2012), graduação em Antropologia Social pela Universidade
Nacional de Colômbia (2001) e atualmente está em Estágio de pós-doutorado,
atuando em pesquisa e docência em Antropologia no Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ. É mestre em Geografia pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (2008). Atualmente é pesquisadora do Laboratório de
Antropologia da Arquitetura e Espaços LAARES do NUCLAO - Núcleo de
Antropologia dos Objetos, coordenado pelo Prof. Dr. José Reginaldo Santos
Gonçalves da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde desenvolve pesquisas
relativas às narrativas da preservação ambiental e cultural em comunidades
quilombolas. É colaboradora do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza
do IPPUR-UFRJ onde se desenvolveu como pesquisadora do Projeto “Experiências
em Cartografia Social e Constituição de Sujeitos em Conflitos Ambientais”. Tem
experiência na área de Antropologia e Geografia Cultural, com ênfase em
Etnicidade e Territórios, Antropologia do Espaço e da Paisagem, atuando
principalmente nos seguintes temas: direitos territoriais coletivos em América
Latina, titulação de terras para comunidades negras e quilombolas no Brasil e na
Colômbia desde uma perspectiva comparada, cartografia social, representação
espacial e relações interetnicas. É membro permanente do GEA, Grupo de Estudios
Afrocolombianos do Departamento de Antropologia da Universidad Nacional de
Colombia.
11) Agradecimentos:
1) Os autores da entrevista fazem um especial agradecimento à estudante de
arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora Jéssica Rossone
que, com boa vontade, atenção e critério, realizou a transcrição das gravações
realizadas em áudio e vídeo com o Arquiteto Paisagista Haruyoshi Ono.
2) Também agradecemos a toda a equipe do escritório Burle Marx e Cia LTDA, pela
disponibilidade e generosidade com que nos receberam e facilitaram a realização
desta entrevista com Haruyoshi Ono.