Revista de Extensão - PROEC EXTENSÃO EM FOCO Nº 2 2008
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Revista de Extensão - PROEC EXTENSÃO EM FOCO Nº 2 2008
Revista de Extensão - PROEC EXTENSÃO EM FOCO Nº 2 2008 Vice-Reitora no Exercício da Reitoria Márcia Helena Mendonça Pró-Reitora de Extensão Sandra Regina Kirchner Guimarães Diretora da Editora UFPR Serlei Maria Fischer Ranzi Extensão em Foco Publicação semestral da Pró-Reitoria de Extensão em Cultura da UFPR extensã[email protected] www.proec.ufpr.br/extensaoemfoco Editora: Gláucia da Silva Brito Conselho Editorial: Ana Maria Petraitis Liblik (UFPR); Ana Maria Costa e Silva (University of Minho); Geysa Abreu (UDESC); José Sariol Bonilla (Universidad de Granma); Julio Pérez López (Universidade de Murcia – Espanha); Suely Scherer (UNERJ). Conselho Consultivo: Alexander Welker Biondo, Aloísio Leoni Schmid, Araci Asinelli da Luz; Hugo Melo, Luis Allan Künzle, Mariluci Alves Maftum, Sandra Regina Kirchner Guimarães, Vera Karam de Chueiri. Assessora Técnica: Rosangela Gehrke Seger Bolsista: Fernanda Casale Sartor de Oliveira Editorial O número 2 da Revista Extensão em Foco apresenta um dossiê sobre Cultura e Artes, organizado pela professora Ana Maria Petraitis Liblik a partir das reflexões advindas de um programa extensionista denominado Arte na Escola, que desde 1994 está presente na UFPR. Este Dossiê traz as reflexões necessárias e urgentes para a questão do ensino de Artes Visuais nas escolas. Na sessão da demanda contínua temos os autores Ana Cláudia Delfini Capistrano de Oliveira; Maria de Lourdes Alves Zanatta; Lívia Lima; Maiti Mattoso Fontana; Rodrigo Fuck Giostri e Simone Cristine Davel da UNIVALI que nos apresentam o Programa de Formação da Cidadania Infanto-juvenil que resultou na publicação de um livro para crianças e adolescentes chamado “Caderno de Cidadania”. Os autores Aloísio Leoni Schmid; Wânia Cruz do Nascimento e Caroline Barp Zanchet da Universidade Federal do Paraná nos relatam a concepção e realização de nove relógios solares em pátios de escolas de ensino fundamental em Curitiba. Já, Volnei Antonio Sacardo da UNESP reflete conosco sobre as transformações na sociedade e na educação a partir do projeto Católico-Conservador de educação na década de 1920. Maria Heloísa Martins Dias da UNESP faz a análise do poema “De que riem os poderosos?” do poeta Affonso Romano de Sant´Anna. Silene de Moraes Freire discute em seu texto a relação necessária entre Direitos Humanos e a Extensão Universitária. Rita de Cássia Gomes nos leva a pensar sobre a o ensinoaprendizagem da Língua Francesa. Nos relatos de experiência, Erica Cristina B. P. Guirro; Kleber Menegon Lemes; Suellen Lovato Ribeiro; Marcelo Morato Silva; Tammy Lyn Labatut Bini e Olicies da Cunha da UFPR - Campus Palotina, nos falam sobre a implantação do conceito de “Posse Responsável” no município de Palotina/PR. Beatriz Helena Bueno Brandão; Camila de Araújo; Juliana Caroni Medlij e Priscila Lina Rodrigues de Matos da PUC-Campinas relatam o processo de criação do Guia de Acessibilidade de Campinas. Edgar Antonio Piva e Aline R. Carvalho da UNIVALI nos apresentam o perfil e a política de atendimento ao abusador sexual no Presídio Regional de Tijucas (SC). Bárbara Renata de Oliveira e Lawrence Mayer Malanski da UFPR contam experiências sobre O uso da maquete no ensino de Geografia. Denise do Rocio Calomeno Martini da SEED-PR traz uma resenha do livro “Arte e mídia”, do autor Arlindo Machado que nos leva a refletir sobre as técnicas tradicionais da arte aliadas aos avanços tecnológicos. Agradecemos, mais uma vez, aos colegas professores pesquisadores extensionistas que colaboraram com seus textos para que viabilizássemos mais um número da Extensão em Foco, contribuindo conjuntamente para a expansão dos debates no campo da extensão universitária. Gláucia da Silva Brito Editora Outubro - 2008 SUMÁRIO DOSSIÊ – Cultura e Arte Apresentação Alianças entre o Terceiro Setor, a Universidade e os Sistemas Públicos: pela melhoria dos processos educacionais em Arte. Alliances among the Third Sector, the University and the Public Systems towards a better educational process in art Evelyn Berg Ioschope Ações de extensão: trabalho solitário ou possibilidades de conexões entre ensino e pesquisa? Extension acts: solitary work or possible connections between teaching and research? Silvia Sell Duarte Pillotto Formação Continuada de Professores que atuam com o Ensino da Arte na Escola de Educação Básica, Instituições Públicas de Ensino Superior, Extensão Universitária e o Terceiro Setor. Continued Formation of Teachers that teach Art at the Basic Education, Publics Institutions of Superior Teaching, University Extension and the Third Sector. Sandra Francisco Sala de Aula: espaço pedagógico para viver e aprender arte. Classroom, space for living and learning art reading and re-reading of art work Alexandre Silva dos Santos Filho Arte na escola na universidade na Rua: a interface dos cursos de formação em arte e a extensão universitária. Art in school at university in the street: the interface of training courses in art and extension University. Célia Pereira Gomes Nádia Régia M. Neckel Oficina permanente de gravura: um projeto de extensão em arte. Extension project: permanent workshop of printmaking. Dulce Regina Baggio Osinski Projeto célula: gravura na escola The project cell: workshop of engraving Iriana Vezzani Relatos e reflexões sobre as ações do pólo arte na escola da Universidade Federal do Paraná. Report and Reflexions about the actions of the Programa Arte na Escola - UFPR Ana Maria Petraitis Liblik DEMANDA CONTÍNUA Programa para a formação da cidadania infanto-juvenil: um caminho para a autonomia infantil Program for the formation of the citizenship infant-youthful: a way for the infantile autonomy Ana Cláudia Delfini Capistrano de Oliveira; Maria de Lourdes Alves Zanatta; Lívia Lima; Maiti Mattoso Fontana; Rodrigo Fuck Giostri; Simone Cristine Davel Relógio solar: construção do saber em física aplicada às edificações, com efeito extensionista Sundials: building knowledge in architectural physics with an university outreach effect Aloísio Leoni Schmid ; Wânia Cruz do Nascimento ; Caroline Barp Zanchet Transformações na sociedade, transformações na educação: O projeto CatólicoConservador de educação na década de 1920. Society transformations, education transformations: The catholic-conservative project of the education on the decade of 1920. Volnei Antonio Sacardo De que riem os poderosos? o riso soberano da poesia Maria Heloísa Martins Dias Extensão Universitária e Direitos Humanos: Desafios na Contemporaneidade University Extension and Human Rights :Challenges in the Contemporaneidade Silene de Moraes Freire Língua Francesa: atual e necessária French language: present and necessary Rita de Cássia Gomes RELATO DE EXPERIENCIA Implantação do conceito de “Posse Responsável” no município de Palotina/PR Brasil Implantation of concept “Responsible Owner” at Palotina/PR – Brazil Erica Cristina B. P. Guirro ; Kleber Menegon Lemes ; Suellen Lovato Ribeiro2; Marcelo Morato Silva ; Tammy Lyn Labatut Bini3; Olicies da Cunha Guia de acessibilidade de Campinas: relato de experiência realizada no Programa Geral de Extensão da PUC-Campinas Beatriz Helena Bueno Brandão; Camila de Araújo; Juliana Caroni Medlij; Priscila Lina Rodrigues de Matos O perfil e a política de atendimento ao abusador sexual no Presídio Regional de Tijucas (SC). The profile and the politics of attendance to the sexual abuser in the Regional Penitentiary of Tijucas (SC). MSc Edgar Antonio Piva; Aline R. Carvalho O uso da maquete no ensino de Geografia The use of me mock-up in the Geography teaching Bárbara Renata de Oliveira; Lawrence Mayer Malanski RESENHA Arte e Mídia, do livro de Arlindo Machado Denise do Rocio Calomeno Martini DOSSIÊ: Cultura e Arte Organizadora: Ana Maria Petraitis Liblik Apresentação Ensino de Artes Visuais – reflexões sobre projetos extensionistas Professora Dra. Ana Maria Petraitis Liblik Universidade Federal do Paraná [email protected] Nos dias de hoje, toda e qualquer reflexão sobre o ensino é bem vista por educadores e profissionais ligados à Educação. No caso específico do ensino de Artes Visuais há uma carência de textos com experiências não apenas positivas, mas principalmente sobre outras possibilidades de ação que conduzam a este olhar promissor e que não sejam as costumeiras lamúrias sobre o que há de ruim nesta área de ensino. Parece que quase todos os que escrevem na mídia, e que não necessariamente são educadores, sentem certa euforia em descrever fatos ocorridos e situações em que o ensino de Artes limita-se a tristes e meros papéis preenchidos com giz de cera, em folhas mimeografadas a partir de um padrão estereotipado. Isto, mesmo ainda existindo, consideramos que já está sendo superado. Sabemos que, em todas as áreas de ensino básico, há os professores especialistas, formados nas áreas específicas (é bem verdade que constituem uma minoria no universo escolar), e há os professores generalistas que, mesmo assumindo a falta de estudos e leituras na área, assim trabalham. Estes profissionais, ao não compreender plenamente o texto e o contexto das Artes Visuais, tornam incipiente o saber escolar que sabemos poderia ser muito mais abrangente e enriquecedor para as ações de sala de aula. Professores e alunos, com muita freqüência, pensam a escola como um tempo e um espaço de preparação, espera para um futuro promissor, como se a alegria de aprender não fosse a coisa mais importante no desenvolvimento de adultos e crianças, naquele momento específico. Como professores, nas nossas escolhas metodológicas, podemos apresentar para os alunos um texto – tanto escrito como visual - um determinado autor, uma idéia, uma representação, um movimento artístico, mas não podemos apreciar por eles, não podemos sentir os textos nem vivenciá-los por eles. E é por esta razão que devemos encontrar o melhor caminho metodológico para que os próprios alunos percebam o prazer de descobrir, de aprender, de construir seus próprios conhecimentos. Um dos recursos que temos é a utilização de imagens, pois elas estão por toda parte. Sejam elas na forma virtual, sonora, escrita, são instrumentos complexos muito pouco utilizados por nós professores e muito, muito utilizados pelas mídias. Costumamos brincar com nossos alunos ao dizer que devemos ser muito ruins como professores, pois normalmente temos muitas horas/aula nas salas com eles e eles dificilmente se lembram de nós. Em compensação um anúncio televisivo dura por volta de 30 segundos, apresenta neste curtíssimo espaço de tempo, produtos, marcas, forma de uso, local de compra, nomes diferentes e o pior, desejo de comprar! Como é possível isso? Som e imagem conjugados em uma tela nos remetem a uma sensação incômoda de incompetência. Imaginem se colocarem mais sensações táteis, espaciais, como nos videogames: aí sim, possivelmente perderemos o pequeno status que ainda mantemos. É claro que a cultura visual é diferente de outras culturas tais como a verbal, a textual, a gráfica. Sabemos que todas elas convergem para a criação de imagens mentais, imagens das quais podem ser encontradas outras. Forma-se uma rede de analogias, de possibilidades simétricas e assimétricas, de diálogos entre as próprias idéias que possibilitarão aos alunos a assimilação dos conceitos que pretendemos ensinar. Assimilação, acomodação. Operações que permitem o “aprender”, o tomar consciência de algo. Segundo Piaget, o conhecimento não se encontra nem no objeto nem no sujeito, mas nas ações que o sujeito exerce sobre os objetos. Portanto possibilitar que o sujeito e que o objeto se relacionem por imagens é também possibilitar que os sujeitos aprendam. É tempo de espera. Mas até quando? Talvez até o tempo de ouvir mais algumas idéias a partir destes artigos, poder refletir sobre elas e agir. Há imagem e imagens. A que tentamos salientar é a da utilização das imagens produzidas no contexto das Artes Visuais sendo ensinadas adequadamente por professores que compartilham conosco de nossos projetos extensionistas. Temos tentado trilhar este percurso nem sempre fácil, pois nem sempre somos reconhecidos pelo trabalho que realizamos. Muitas vezes estamos perdidos entre imagens que povoam nosso imaginário advindas de sensações, percepções construídas a partir de leituras, de sons, de cheiros, movimentos, de contatos com gente. Vivemos intensamente, e isto aparece nos artigos a seguir, por enquanto isso aparentemente nos basta. Esperamos deixar muitas imagens no imaginário de vocês, leitores. Todas otimistas quanto aos projetos educacionais que esperamos, tenham continuidade. Este dossiê foi organizado a partir das reflexões advindas de um programa extensionista da UFPR, denominado Arte na Escola, que desde 1994 está presente nesta instituição. Portanto publicar este dossiê sobre o tema é fruto de anos de pesquisa, estudos, trabalho e principalmente ações extensionistas na área. Complementam os artigos dos professores desta casa, relatos significativos de outras experiências pelo Brasil. O primeiro texto foi escrito pela Sra. Evelyn Berg Ioschpe, Diretora presidente do Instituto Arte na Escola, com sede em São Paulo, e nos apresenta como esta instituição foi organizada, portanto um retrato histórico de seu início com sua continuidade até os dias de hoje e apresenta como esta parceria com as próreitorias de extensão e pesquisa de instituições de Ensino Superior está sendo realizada. Um segundo trabalho, da Professora Dra. Silvia Pillotto, da Univille – Universidade da Região de Joinville/SC nos relata como o trabalho extensionista em sua instituição pode ser uma conexão entre o ensino e a pesquisa, parte deste tripé ensino, pesquisa e extensão que caracteriza as instituições de Ensino Superior. Um terceiro, da Profª Me. Sandra Suely dos Santos Francisco, coordenadora do pólo Arte na Escola da Universidade Federal do Pará, relata como esta parceria público-privada para o Ensino de Artes pode acontecer e não apenas como parte de uma pró-reitoria de extensão e cultura, mas como da pesquisa especifica realizada por um curso de pós-graduação. Um quarto texto, do Professor Me Alexandre Silva dos Santos Filho, da mesma instituição anterior - Universidade Federal do Pará, nos conta como a sala de aula pode ser um espaço pedagógico para viver e aprender arte. As professoras Célia Pereira Gomes e Nádia Régia M. Neckel, da Universidade do Contestado – SC, também escrevem sobre esta parceria que possibilita a execução e ampliação de interessantes projetos extensionistas para a comunidade. O texto seguinte, sobre o trabalho amplamente conhecido na Universidade Federal do Paraná, é o da professora Dulce Osinski. Após nove anos de atuação contínua, ela relata e faz uma análise sobre esta ação extensionista que não só é pertinente, mas primordial para poder refletir sobre a importância da existência de ações que aproximem a comunidade das instituições de Ensino Superior. Interessante também é a inclusão na revista Extensão em foco de um artigo escrito a partir do olhar de uma aluna de nossa instituição que participou de uma das ações propostas a partir da Oficina permanente de gravura da UFPR. O relato intitulado Projeto Célula: gravura na escola, da (futura) professora de Artes Visuais Iriana Vezzani, é uma confirmação de que estamos, em nossa instituição, formando adequadamente novos professores e de como um projeto bem organizado e orientado pelos docentes da UFPR (no caso a professora Dra. Dulce Osisnki) pode render frutos promissores a curto, médio e longo prazo. Completa este dossiê um Relato sobre as ações extensionistas do Programa Arte na Escola da Universidade Federal do Paraná, desde 2002. O Programa está estabelecido no Departamento de Teoria e Prática de Ensino do Setor de Educação e não mais no Departamento de Artes, local onde iniciou 1994, quando a Professora Msc. Marília Díaz firmou pela primeira vez o convênio com o Instituto Arte na Escola. Boa leitura e boas reflexões para possibilitar que novas ações extensionistas se propagem. BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. 6. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. BUORO, Anamelia Bueno. O olhar em construção. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003. CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. DERDYK, Edith. Formas de pensar o desenho. São Paulo: Scipione, 1994. FÁVERO, Maria Helena. Psicologia e conhecimento. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2005. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários para a prática docente. São Paulo: Paz e Terra, 2000. HERNANDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mudança Educativa e Projeto de Trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2000. MEIRA, Marly Ribeiro. Educação estética, arte e cultura do cotidiano. In: PILLAR, Analice Dutra. A Educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 2003. VIGOTSKI, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. ALIANÇAS ENTRE O TERCEIRO SETOR, A UNIVERSIDADE E OS SISTEMAS PÚBLICOS: PELA MELHORIA DOS PROCESSOS EDUCACIONAIS EM ARTE. Alliances among the Third Sector, the University and the Public Systems towards a better educational process in art Evelyn Ioschpe 1 RESUMO O artigo relata a interação entre uma entidade do Terceiro Setor – a Fundação Iochpe e seu Instituto Arte na Escola - com uma rede de 53 universidades brasileiras por meio de suas pró-reitorias de extensão. A Rede Arte na Escola se dedica a capacitar professores de Arte do ensino público. O artigo discute a interface entre entidade do Terceiro Setor e a Universidade, problematizando o relacionamento que esta última mantém com a comunidade maior, ainda excessivamente distante. Palavras-chave: Projetos extensionistas; interfaces; terceiro setor. ABSTRACT This article refers to the interaction between a philanthropic entity – The Iochpe Foundation and its Arts in School Institute- with a network of 53 Brazilian universities, through their extension course deanships. The network Arts in School focuses on the training of art teachers for the public school system. The article discusses the interface between a philantropic entity and the University, and the problematic relationship that the latter maintains with the community at large, which is still excessivel. Keywords: Extension projects; interfaces; third sector. RESUMEN El artículo relata la interacción entre una entidad del Tercer Sector- la Fundación Iochpe y su Instituto Arte en la Escuela- con la red de 53 universidades brasileñas por medio de sus pro-rectorías de extensión. La Red Arte en la Escuela se dedica a la capacitación de profesores de Arte de la enseñanza pública. El artículo discute el interfaz entre una entidad del Tercer Sector y la Universidad, problematizando la relación que mantiene la última con la comunidad más amplia que es aún excesivamente lejana. Palabras-clave: projectos de extensión; interfaz; tercer sector. 1 Socióloga e jornalista pela UFRGS e especialista em Educação em Museus pela Universidade de York, Inglaterra, atualmente Diretora Presidente do Instituto Arte na Escola. 13 A Fundação Iochpe, entidade do Terceiro Setor voltada para Educação, desenvolveu tecnologias sociais em rede para seus programas Formare e Arte na Escola. No primeiro, voltado para educação técnica profissional, a parceria é realizada com empresas privadas. No Arte na Escola foi desenvolvida uma rede relacional com universidades, majoritariamente públicas, através de suas PróReitorias de Extensão. O presente artigo pretende analisar esta última tecnologia social, buscando entende-la e discutir suas premissas. Um pouco de história A Fundação Iochpe foi criada em 1989 no Rio Grande do Sul pelas empresas Iochpe-Maxion buscando dar maior foco e estratégia às múltiplas ações voltadas para a comunidade que a empresa habitualmente patrocinava. Partindo da tradição do Mecenato Cultural no qual a empresa se destacara na década de 80, a deliberação foi de investir de maneira mais duradoura buscando resultados de longo prazo, focando agora em Educação – vista como questão estratégica para o desenvolvimento. Uma oportunidade acabou gerando a linha de trabalho a qual nos dedicaríamos: o governo do Estado do Rio Grande do Sul estava criando um novo equipamento cultural – a Casa de Cultura Mário Quintana – em que desejava instalar uma videoteca. A idéia parecia interessante, mas teria relevância social? Seria útil para o ensino de Arte, como se propunha? Por meio de consultoria com a Dra. Ana Mae Barbosa da USP, decidimos conduzir uma pesquisa-ação para entender a utilidade do uso dos vídeos na sala de aula de Artes, considerando a nova Metodologia Triangular que vinha sendo proposta. Os resultados da pesquisa conduzida pelas Professoras Analice Dutra Pillar e Denyse Vieira, publicados em O vídeo e a metodologia triangular no ensino da Arte apontam para a ocorrência de alterações significativas. Isso se reflete, não só nos processos dos alunos (se desenvolveram no fazer artístico, em duas e três dimensões, na leitura e na contextualização histórica das imagens) como também no trabalho dos professores (os planos de ensino para o ano seguinte tinham unidade, 14 seqüência, estrutura, flexibilidade, integração entre os conteúdos, e os professores mostravam-se mais estimulados, mais bem informados e preparados). 2 No capítulo inicial do livro as pesquisadoras historiam os pressupostos do ensino da Arte, evidenciando a transição de uma abordagem modernista (a livreexpressão) para outra contemporânea (a triangular), pois “era necessário adotar uma abordagem mais substancial e abrangente para elevar a qualidade do ensino da Arte nas escolas”. 3 Elas relatam como uma metodologia concebida na Inglaterra e nos Estados Unidos nos anos 1960 foi adaptada para o contexto brasileiro envolvendo três vertentes: o fazer artístico, a leitura da imagem e a história da Arte. E concluem afirmando que a função primordial da Arte-educação na escola é a formação estética dos indivíduos, que os levem a um entendimento da gramática visual e a uma reflexão acerca das imagens. O objetivo, portanto, não é criar artistas, mas ajudar a desenvolver leitores de Arte. Com os resultados, tínhamos não apenas a convicção de que o uso de vídeos e da metodologia agregava valor à aula de Artes, mas também que o direcionamento que havíamos tomado de realizar o trabalho em parceria com a Universidade (Pró-Reitoria de Extensão) e o Poder Público (Secretaria de Educação do Município) era além de promissor, o único que poderia garantir a perenidade e o enraizamento da ação e, conseqüentemente, de seus benefícios. Abandonamos, portanto, a idéia inicial de alocar vídeos em instituição cultural pública para constituir uma Videoteca multiplicável que pudesse subsidiar os esforços das universidades na formação dos professores – especialmente em Educação Continuada. Por que optar pela parceria com a universidade, ao invés da instituição pública? Enquanto o poder público no Brasil se caracteriza por mudanças radicais a cada quatro anos, a Universidade tem tido estabilidade em seus programas independentemente de gestões específicas. A esta (relativa) estabilidade se somava outro fator determinante de nossa escolha: ao longo da pesquisa-ação desenvolvida entre 1990 e 1991, em que vários processos de capacitação de professores foram realizados, ficou claro que a Universidade seria o ambiente natural e propício para o desenvolvimento do trabalho. Não só sua estrutura física 2 PILLAR, Analice Dutra; VIEIRA, Denyse. O vídeo e a metodologia triangular no ensino da Arte. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Fundação Iochpe, 1992. 3 ibidem. 15 está desenhada para a finalidade didática que realiza, como esta é a sua própria e primordial razão de existir. A Fundação Iochpe entendeu que este modelo geraria a sustentabilidade da iniciativa, na medida em que cada parceiro poderia realizar sem maior esforço aquilo que é sua função inerente. A universidade enquanto depositária e transmissora do conhecimento – no caso, nas áreas de Arte e educação – tem como responsabilidade devolver este saber à sociedade. Foi nosso entendimento que ao produzirmos e encaminharmos materiais de apoio ao ensino às Universidades, para que estas os disponibilizem aos seus públicos, estávamos enriquecendo os acervos capazes de gerar a multiplicação do conhecimento e ainda favorecendo a pesquisa. Não é necessário acrescentar que a Universidade dispõe das condições de realizar as funções detalhadas no convênio: guarda e empréstimo da Midiateca e Educação Continuada dos professores da rede pública. Caberia, portanto a uma fundação de natureza privada buscar tão somente complementá-la, adicionando a agilidade, os recursos e a gestão que uma entidade do Terceiro é capaz de ter por sua própria natureza. Esta lógica, aparentemente óbvia, não apareceu desde o seu nascedouro. O primeiro convênio da Fundação Iochpe foi firmado pela Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na figura do Dr. Waldomiro Manfrói em 1991. Sua ratificação pelo Conselho Universitário consumiu tempo e argumentação difíceis de prever para quem estava realizando uma doação: questionava-se quais seriam as “reais intenções” de uma empresa privada da área metal-mecânica ao investir em processos educacionais em Arte. Naquele momento em que o Terceiro Setor recém se estruturava e que eram raras as iniciativas com este perfil, estas dúvidas (embora surpreendentes) foram absorvidas considerando o marco ideológico que pautava o corpo docente universitário: um “neo-marxismo” genericamente avesso ao capital privado. Basta lembrar a emblemática figura de Betinho que nesta época dizia Pertenci a uma geração em que empresário era o diabo da sociedade. E se era grande empresário, diabo grande – se era pequeno empresário, diabo pequeno. Hoje estamos noutro mundo, em outra sociedade e pensamos que o grande empresário tem imensa responsabilidade, o médio responsabilidade média e o micro responsabilidade menorzinha de mudar o Brasil. 16 Entender a postura acadêmica vigente na época nos fez repensar a identidade do projeto. Decidimos utilizar apenas a marca do Arte na Escola para identificá-lo na universidade, sem menção à Fundação ou a empresa patrocinadora. Profissionais de marketing poderão analisar o acerto ou não desta estratégia. Como consumidora devo dizer que até hoje, em plena febre do “marketing relacionado a causas” tenho grandes dúvidas sobre sua utilidade e eficácia. De qualquer forma, de parte da Companhia Iochpe-Maxion, não se tratava de ação de marketing e sim deliberação do Conselho de efetivamente devolver à sociedade recursos que haviam sido propiciados pela mesma. Iniciamos, pois, o então chamado “Projeto Arte na Escola” por meio da assinatura de convênio com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Secretaria de Educação Municipal de Porto Alegre. Para a ocasião auspiciosa levamos a Porto Alegre um dos maiores “scholars” mundiais da Arte-Educação: o Prof. Dr. Elliot Eisner da Universidade de Stanford, autor de quinze livros de referência na área, que além de ter recebido prêmios importantes como Fullbrigth e Guggenheim, presidiu a International Society for Education Throught Art (INSEA). A modelagem inicial do Projeto Arte na Escola foi influenciada também pelo aprendizado que a agência americana USIS nos proporcionou ao montar um périplo pelos Estados Unidos para conhecer experiências destacadas de Arte-educação. Tomar contato com o gigantesco trabalho do Getty Institute e sua ligação com algumas universidades americanas reforçou nosso desenho estratégico e abriu oportunidade para que vários Arte-educadores brasileiros 4, desde 1991, freqüentassem os Summer Institutes de capacitação para professores operados por universidades americanas. Esta experiência de aprendizado logo encontrou seu vetor de retorno e fez com que produzíssemos um pôster de Arte brasileira com seu respectivo material educacional em parceria com The Getty Center for Education in the Arts, a University of Tennessee at Chattanooga, o Museu Lasar Segall e a Pinacoteca do Estado de São Paulo. Vários de nossos Arte-educadores convidados não só receberam aulas, mas também repartiram sua experiência com os colegas americanos. 4 Amanda Tojal, Rosa Iavelberg, Iveta Maria Fernandes, Dora Maria Dutra Bay, Denise Grinspum, Elizabeth Militisky Aguiar, Mari Lucie da Silva Loretto, Tarsisio Sapienza, Heloisa Margarido Salles, Maria Cristina Biazus, Maria Helena Wagner Rossi, Sebastião Pedrosa, Marlene Ramires Françoise, Milene Chiovatto. 17 Com o trabalho iniciado, constituímos a Videoteca Arte na Escola, cujos 248 títulos foram selecionados pelo cineasta Henrique Freitas Valle levando em consideração questões de conteúdo e forma. Foi igualmente realizado o esforço de criação de um Material Educacional para cada vídeo, patrocinados pela Fundação Vitae. Obtivemos recursos do Ministério da Educação para a compra de um aparelho Record Play Laser, que ficou lotado na UFRGS, e que nos possibilitava prensar uma matriz de cada vídeo para o qual havíamos adquirido os direitos de reprodução e, portanto fazer cópias para distribuir. A partir de demanda do próprio MEC oferecemos às demais universidades federais gaúchas a possibilidade de participarem do Arte na Escola. A Universidade Federal de Pelotas aderiu e, posteriormente, uma universidade de natureza comunitária – a Universidade de Caxias do Sul – veio se juntar ao que começava a se transformar numa Rede. Uma universidade federal se manifestou contrariamente a adesão: a de Santa Maria. Entender a lógica desta universidade fez com que deliberássemos, então, pautar nossa expansão unicamente na demanda das universidades, e não numa oferta próativa. Em 1994 a Rede Arte na Escola assinou nova etapa de expansão, consolidando seu trabalho em 08 Pólos Universitários 5 e um Museu. Prosseguíamos com nossa proposta inicial de reforçar a linha de trabalho de Formação Continuada para os docentes de Arte das redes públicas, instrumentalizálos com material educacional de qualidade e incentivar as iniciativas universitárias por “grants” específicos para este fim. O Programa Arte na Escola tem por missão qualificar processos educacionais em Arte e abrange programas na área de Arte-educação consistentes em: a) Educação Continuada, que visa, por meio da manutenção de grupos de estudos e a realização de seminários, palestras e outras atividades presenciais e/ou à distância, a qualificação do professor das redes públicas de ensino; b) Midiateca, que proporciona o empréstimo de acervo de DVDs especializados em Artes visuais com seus respectivos materiais de apoio ao ensino. Para entender como funciona o Arte na Escola na prática as universidadespólo destinam um espaço físico à Midiateca e realizam o empréstimo dos títulos aos 5 Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Universidade de Caxias do Sul – UCS, Universidade Federal de Pelotas – UFPEL, Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, Universidade Federal do Paraná – UFPR, Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Universidade Federal do Pará – UFPA e Museu Lasar Segall. 18 professores das redes públicas de ensino sem ônus para os mesmos. Estas universidades, ao operar os programas de Educação Continuada, praticam ação extensionista, entendida aqui conforme definição do Plano Nacional de Extensão Universitária de 1999: A ação cidadã das universidades não pode prescindir da efetiva difusão dos saberes nelas produzidos, de tal forma que as populações cujos problemas tornam-se objeto da pesquisa acadêmica sejam também consideradas sujeito desse conhecimento, tendo, portanto, pleno direito de acesso às informações resultantes dessas pesquisas. Novo salto de crescimento ocorreu em 2003, quando abrimos edital para que as universidades públicas de todo o Brasil viessem a integrar a Rede Arte na Escola. O respaldo técnico veio do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas, com o qual assinamos Acordo Operacional num momento em que este lograra produzir instrumento de Avaliação para a Extensão Universitária pela publicação do volume “Avaliação Nacional de Extensão Universitária” (2001). Acreditamos que fomos o primeiro projeto a utilizar esta ferramenta de avaliação gestada ao longo de muitos anos de trabalho do Fórum de Pró-Reitores de Extensão, o que nos permitiu desenvolver parâmetros muito objetivos para a admissão de novas universidades na Rede que havíamos iniciado no Sul no inicio dos anos 90. O Fórum participou conosco do Comitê de Seleção e assim logramos chegar ao novo milênio com mais de 50 pólos selecionados e implantados, num processo de avaliação entre pares que visava garantir condições adequadas de funcionamento do programa. As pré-condições para candidatura a este edital foram: Ser Instituição do Ensino Superior Pública (Municipal, Estadual e Federal); Estar nas cidades de maior população escolar de 5ª a 8ª séries; Ter a Extensão Universitária institucionalizada; Desenvolver atividades em Arte-educação; Trabalhar em parceria com as Redes Públicas. O acelerado crescimento do Arte na Escola neste período gerou a necessidade de uma nova institucionalidade: formalizamos a criação do Instituto Arte na Escola, que assim se desmembrou da Fundação Iochpe. Os Arte-educadores presentes no Encontro Anual da Rede de 1999 reunidos em Assembléia Geral tornaram-se os sócios-fundadores desta instituição privada sem fins lucrativos. 19 Posteriormente outros nomes exponenciais na Arte-educação foram convidados e subscreveram a fundação da entidade. Desde então o Instituto Arte na Escola é uma organização não-governamental mantida pela Fundação Iochpe, patrocinadores e por receitas próprias. É dotada de Conselho Deliberativo composto por 09 membros e Conselho Fiscal composto de 03 membros, tendo seus números auditados anualmente, e publicados com transparência no site www.Artenaescola.org.br. As questões de governança também impactaram esta organização e a levaram a se constituir, em 2007 numa OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, que é a nova geração das Organizações Sociais preocupadas com transparência na gestão. Uma crença básica sustenta este trabalho: a de que o Brasil só vai ser competitivo globalmente quando alcançarmos patamares sólidos e maduros de educação e de que isto se logra capacitando o professor de forma continuada e sustentada. Estamos nos referindo, no caso do Arte na Escola, ao professor de Artes, sempre que ele está presente na escola. Autoridades do MEC falam em 75% como o índice de professores nas aulas de Arte não formados em Arte. Desde o início dos anos 1990 nossa aposta é na potencialidade da Extensão Universitária e na sua vontade política de agir estendendo os benefícios do saber acadêmico à comunidade maior. Ao se afirmar que a extensão é pArte indispensável do pensar e fazer universitários assume-se uma luta pela institucionalização dessas atividades, tanto do ponto de vista administrativo como acadêmico, o que implica a adoção de medidas e procedimentos que redirecionam a própria política das universidades. 6 E aí chegamos ao nó da questão: embora formalmente este reconhecimento exista e estejamos vendo uma grande expansão de projetos lotados na Extensão, o fato é que esta ainda detém pouco prestígio quando comparada ao Ensino e Pesquisa. O tripé em que a vida universitária se assenta não tem equivalência e, portanto equilíbrio. O ensino – aprendizagem se constitui no eixo primordial da vivência universitária e se confunde com a sua própria razão de ser. As exigências 6 PLANO Nacional de Extensão Universitária. Edição atualizada. Brasil, 2000- 2001. Fórum de PróReitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e SESu / MEC. Disponível em: <http://209.85.215.104/search?q=cache:0SxWeAg0cm0J:www.ufac.br/pro_reitorias/pr_assunt_comun itarios/doc_ass_comunitarios/doc_prac_plano_extensao_universitaria.doc+ao+se+afirmar+que+a+ext ens%C3%A3o+%C3%A9+pArte+indispens%C3%A1vel+do+pensar+e+fazer+universit%C3%A1rios& hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br>. Acesso em: jun. 2008. 20 que são feitas sobre o professor para a publicação faz com que a pesquisa se fortaleça como um segundo vetor que justifica alocação importante de verbas. Poderia se questionar a relevância do que se pesquisa ou a finalidade para qual se pesquisa, já que pArte significativa deste esforço acaba circunscrita à própria Academia. Em contraste com esta postura a idéia de Extensão, segundo a Wikipedia está associada à crença de que o conhecimento “gerado pelas instituições de pesquisa deve necessariamente possuir intenções de transformar a realidade social, intervindo em suas deficiências e não se limitando apenas à formação dos alunos regulares daquela instituição”. 7 A realidade social brasileira indica que sua Educação Básica, avaliada pelo PISA em 2006, nos deixa num embaraçoso 53º lugar em Matemática e no 48º em Leitura entre os 57 países analisados. Qual o papel da Universidade, por meio do ensino, pesquisa e extensão para equacionar este monumental déficit? Se temos uma universidade que em muitas áreas do conhecimento se ombreia com as melhores no mundo, como entender que a pesquisa educacional nela gerada não consiga melhorar o desempenho da Educação como um todo? Como construir conhecimento se não se volta ao próprio processo desta construção? Utilizar a Extensão Universitária que se conecta com uma sociedade pulsante e suas necessidades reais para alimentar a pesquisa ainda não é uma prática corrente. O Arte na Escola estimula esta atitude que faz gerar um professor – pesquisador atento à sua realidade, que aprofunda seus processos e sistematiza o aprendizado que esta lhe traz. A REDE ARTE NA ESCOLA contabilizou várias pesquisas voltadas à concretude do ensino de Arte nas redes públicas e que investigam o próprio trabalho extensionista realizado pelo Pólo: FRANCISCO, Sandra Suely dos Santos. A formação continuada de professores de Arte da região metropolitana de Belém na perspectiva da parceira. 2007. 94 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de Uberaba – Uniube, 2007. NASCIMENTO, Erinaldo Alves do. Mudanças nos nomes da Arte na educação: qual infância? que ensino? 2005. 254 p. Tese (Doutorado em Artes) - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP, São Paulo, 2005. 7 EXTENSÃO universitária. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Extens%C3%A3o_universit%C3%A1ria>. Acesso em: jun. 2008. 21 PILLOTTO, Silvia Sell DuArte. O ensino da Arte na educação infantil. 1997. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Paraná – UFPR, Curitiba, 1997. Os Coordenadores de Pólos Arte na Escola, igualmente, vem se envolvendo na elaboração dos Referenciais Curriculares de Arte nos sistemas municipais e estaduais de ensino. Neste momento temos ciência de trabalho nesta direção de Arte de: Vera Lúcia Penzo Fernandes e Ana Lúcia Serrou Castilho, do Pólo Arte na Escola na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), que participaram da elaboração do referencial curricular da Rede Municipal de Campo Grande (MS); Silvia Sell Duarte Pillotto, do Pólo Arte na Escola da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), que contribuiu com a proposta curricular de Santa Catarina, escrevendo um volume sobre a formação docente e Erinaldo Alves do Nascimento, que foi coordenador do Pólo Arte na Escola da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e prestou consultoria na construção da proposta curricular do Estado de Sergipe. Iniciam a redação, igualmente, Ana Mariza Filipouski, (UFRGS) e Isabel Petry da FUNDARTE, ambas no Rio Grande do Sul. O envolvimento destes professores na reflexão sobre o que e como se ensina nas redes de ensino de nível fundamental e médio é, do nosso ponto de vista, a verdadeira expressão da influência que a (boa) academia pode ter sobre a Educação de um país entendida como um processo de inclusão social. Só professores universitários que não perderam a sensibilidade (e o conhecimento) do que efetivamente se passa na sala de aula podem ser propositores da arquitetura do ensino em suas regiões. No que diz respeito à pesquisa, são autores norte-americanos que lograram estabelecer o impacto do ensino de Arte na educação como um todo. São estas pesquisas 8 que nos informam da correlação negativa existente, por exemplo, entre um bom programa de Arte e os índices de evasão escolar. Hoje sabemos que apenas 37% do contingente que ingressa nas primeiras séries, no Brasil, cumpre os 12 primeiros anos de escolaridade. Portanto, além das considerações quanto à importância do ensino da Arte per se, e como se não bastassem, temos hoje a clara 8 ARTS Education Partnership. Research. Disponível em: <http://www.aep-arts.org/resources/research.htm>. Acesso em: jun. 2008. 22 percepção da importância de bons programas de Arte para reter esta população de 63% de crianças e jovens na escola. O Arte na Escola aposta no tripé ENSINO-PESQUISA-EXTENSÃO universitárias para encontrar soluções efetivamente calcadas em nossa realidade, que sejam eficazes e efetivas para a sociedade como um todo. Pela sua prática, que presentemente soma 19 anos, vem comprovando a possibilidade de um processo de mútua influência entre Terceiro Setor e Universidade visando causar impacto sobre os indicadores educacionais brasileiros e, conseqüentemente, sobre o modelo de desenvolvimento da Educação brasileira. A maneira como a maioria dos 53 pólos universitários assumiu como seu o trabalho, nos dá esperanças de uma nova postura acadêmica efetivamente comprometida com os destinos da nação. REFERÊNCIAS ALEXANDER, Kay; DAY, Michael (Ed.). Discipline-based art education: a curriculum sampler. Los Angeles: Getty Center for Education in the Arts, 1991. ARNHEIM, Rudolf. Thoughts on art education. Los Angeles: Getty Center for Education in the Arts, 1989. (Occasional papers, 2). BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da Arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva; Porto Alegre: Fundação Iochpe, 1991. (Estudos, 126). EISNER, Elliot W. Reimagining schools: the selected works of Elliot W. Eisner. London: Routledge, 2005. (World library of educationalists). __________. The enlightened eye: qualitative inquiry and the enhancement of educational practice. Upper Saddle River: Prentice-Hall, 1998. GARDNER, Howard. Art education and human development. 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PILLAR, Analice Dutra; VIEIRA, Denyse. O vídeo e a metodologia triangular no ensino da Arte. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Fundação Iochpe, 1992. Texto recebido em 30 jun. 2008 Texto aprovado em 10 set. 2008. 24 AÇÕES DE EXTENSÃO: TRABALHO SOLITÁRIO OU POSSIBLIDADES DE CONEXÕES ENTRE ENSINO E PESQUISA? Extension acts: solitary work or possible connection between teaching and research? Silvia Sell Duarte Pillotto 9 RESUMO Este artigo fará um pequeno recorte relacionado às experiências referentes a um Núcleo de Pesquisa em Arte na Educação - NUPAE, criado em 2003 na Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, município de Joinville, Santa Catarina, Brasil, que num primeiro momento desenvolvia ações de natureza Institucional, ampliando posteriormente para ações Interinstitucionais. A idéia da criação de um Núcleo de Pesquisa perpassava pela vontade de realizar projetos compartilhando ensino, pesquisa e extensão, tríade fundamental para que realmente se possa pensar em construção, socialização e (re) significação do conhecimento. Palavras Chave: Núcleo de Pesquisa; construção de conhecimento; socialização. ABSTRACT This work is related to the experiences referent an Art and Education Research Nucleon (Núcleo de Pesquisa em Arte na Educação – NUPAE), created in 2003 at the University of the Region of Joinville – UNIVILLE, city of Joinville, Santa Catarina State, Brazil, that at a first moment developed actions of Institutional nature, amplifying, afterwards, to Interinstitutional actions. The idea of the creation of a Research Nucleon was conceived with the will of creation projects that share teaching, research and extension, fundamental triad so that it can really be thought in construction, socialization and meaning of knowledge. Keywords: Research Nucleon; knowledge construction; socialization. RESUMEN Este artículo hará un pequeño recorte relacionando a las experiencias referentes a un Núcleo de Investigación en Arte en la Educación – NUPAE, creado el 2003 en la Universidad de la Región de Joinville – UNIVILLE, municipio de Joinville, Santa Catarina, Brasil, que en un primer momento desarrollaba acciones de naturaleza institucional, ampliando posteriormente para acciones Interinstitucionales. La idea de la creación de un núcleo de investigación perpasaba por las ganas de realizar 9 Pós- Doutora Em Sociologia da Infância, pelo Instituto de Estudos da Criação na Universidade do Minho, Portugal; Doutora em Engenharia da Produção (Gestão) pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Mestre em Educação (Currículo) pela Universidade Federal do Paraná – UFPR; Professora nos cursos de Artes Visuais e Pedagogia; Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Arte na Educação – NUPAE, na Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. 25 proyectos compartiendo enseñanza, investigación y extensión, tríade fundamental para que realmente se pueda pensar en construcción, socialización y (re) significación de conocimiento. Palabras Clave: socialización. Núcleo de Investigación; construcción del conocimiento; Introdução Nas últimas décadas uma discussão tem sido motivo para reflexões no campo acadêmico: como articular ensino, pesquisa e extensão? Essa não é uma tarefa fácil, pois implica em relações de ordem administrativa e pedagógica inseridas nas concepções filosóficas apropriadas pelos seus autores no contexto Institucional. A partir dessa perspectiva, foi criado o Núcleo de Pesquisa em Arte na Educação – NUPAE, legitimando o interesse e vontade de um grupo de profissionais que buscava trocar experiências e aprofundar questões relacionadas à educação, à arte e à arte na educação. Como aborda Thompson (1981, p.15) essas relações “compreendem a resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social a muitos acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento.” Reiterando as palavras do autor, o convívio que temos com determinado grupo, embora cada um dos membros tenham suas singularidades, possibilita o planejamento de metas em comum e, amplia experiências cognitivas e sensíveis. Trata-se, segundo Dubet (1996, p. 94) “de uma maneira de sentir, de ser invadido por um estado emocional suficientemente forte para que o actor deixe de ser livre, descobrindo ao mesmo tempo uma subjetividade pessoal”. Num grupo, ao mesmo tempo em que temos nossas próprias identidades, nos apropriamos das identidades de outrem, e nesse momento somos livres e prisioneiros ao mesmo tempo. Essa relação é próxima à idéia do desejo de ser no outro e de olhar através do outro para nos construirmos também a partir do outro. Essa também é uma questão que está relacionada à identidade. Nas palavras de Costa De uma concepção uma, centrada, equilibrada, coerente e estável de identidade, passa-se a fragmentação. Podemos ser um e muitos, ao mesmo tempo e em diferentes tempos. A identidade parece que está a deriva no tempo e no espaço, o que a torna permanentemente capturável, ancorável, mas, paradoxalmente, ao mesmo tempo escorregadia – uma celebração móvel... (COSTA, 2006, p. 94). 26 Identidades e experiências se conectam num Núcleo de Pesquisa que tem em suas bases conceituais e vivenciais a idéia de que “a experiência é uma actividade cognitiva, é uma maneira de construir o real e, sobretudo, de o verificar, de o experimentar, uma maneira de construir o mundo.” (DUBET: 1996, p. 95). Portanto, o que realizamos enquanto Núcleo de Pesquisa está particularmente ligado ao que pensamos, sentimos, interpretamos e (re) significamos a partir de nossas identidades e experiências. Qual é a identidade do NUPAE? Em 2003, surgia o Núcleo de Pesquisa em Arte na Educação – NUPAE com o compromisso de desenvolver pesquisas de cunho multidisciplinar, tendo como ponto de partida a Arte e a Educação, disseminando-as e socializando-as, a fim de construir conhecimentos e compartilhá-los com a comunidade, em ações de ensino, pesquisa e extensão. Esse Núcleo inicialmente tinha natureza Institucional, atuando no contexto da universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, com ações que incluíam professores dos Departamentos de Artes Visuais, Pedagogia, Psicologia, Letras, História, além de Coordenadores e Administradores de Escolas Públicas e Privadas. Ao todo, somos em torno de 12 profissionais, que desenvolvem ações no ensino, pesquisa e extensão. No entanto, logo percebemos que necessitávamos ampliar nossas ações e parcerias, especialmente no sentido de unirmos forças políticas. Essas parcerias poderiam contribuir para que pudéssemos expandir nossos conhecimentos e experiências acerca do currículo, avaliação, infância, gestão, cultura e arte na educação, exercendo nosso papel enquanto pesquisadores e profissionais das áreas envolvidas. Desta forma, atualmente temos duas vertentes no NUPAE: o grupo Institucional (UNIVILLE) e o Interinstitucional, formado pelas seguintes instituições: Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE, Universidade da Região de Blumenau - FURB, Universidade do Planalto Serrano - UNIPLAC, Universidade do Contestado - UnC, Universidade da Região Sul de Santa Catarina UNESC e Universidade para o Desenvolvimento de Santa Catarina - UDESC, com 27 15 profissionais da área de Arte na Educação. São Instituições do Estado de Santa Catarina que possuem cursos de Formação em Arte na Educação e que buscam parcerias no trabalho de ensino, pesquisa e extensão. As atividades Institucionais acontecem mensalmente por meio de um grupo de pesquisa e estudos que se reúne com o intuito de abordar questões de interesse da comunidade. Escolhe-se um tema que é amplamente investigado durante certo tempo, com atividades como: fóruns, seminários, congressos, reuniões e publicações. As ações Interinstitucionais acontecem trimestralmente e de forma itinerante, no intuito de que todas as universidades possam socializar com outros pares da Instituição (Reitoria, Pró-Reitorias, Departamentos, acadêmicos) o que vem sendo desenvolvido pelo Núcleo e suas concepções relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão. Além disso, unir forças políticas é fundamental para que o Núcleo se legitime em sua natureza Institucional para garantirmos a sua permanência. Com relação ao tema estudado, definimos que é o mesmo para os dois grupos (institucional e interinstitucional), pois entendemos que um grupo realimenta o outro e vice-versa. As discussões são ampliadas e a produção científica é também uma culminância dessas trocas e experiências. Nesses seis anos de existência do Núcleo, duas pesquisas foram realizadas e outra está em fase de desenvolvimento. Uma delas: Processos curriculares em Arte: da formação ao ensino básico, resultou em várias apresentações em eventos científicos e, em um livro pensado e escrito pelo Grupo Interinstitucional, As linguagens da Arte na educação infantil, culminando em formação continuada para professores de educação da Rede Pública e também com publicação. Esse trabalho sintetizou um processo de pesquisa, ensino e extensão na sua completude. Atualmente estamos desenvolvendo a pesquisa relacionada aos Processos avaliativos em arte: da formação ao ensino básico, tema bastante complexo que merece um estudo mais aprofundado e muita reflexão. Vale ressaltar que os estudos e investigações só têm sentido realmente, se articulados aos processos de extensão, na socialização do conhecimento e ao ensino, pois não é mais possível se pensar um ensino que não esteja em consonância com a pesquisa e sua disseminação. 28 Ensino O que pensamos sobre ensino e aprendizagem? Nossas concepções certamente materializam aquilo que pensamos, seja no âmbito da sala de aula, seja para além dela. Sabemos perfeitamente que o ensino não consegue mais ficar a mercê do quadro e giz. O ensino precisa do aporte da pesquisa e extensão para que de fato encontre sustentação necessária, tanto do ponto de vista teórico/conceitual, quanto prático. Nessa perspectiva Cunha afirma que o professor: [...] não mais representa o tradicional transmissor de informações e conhecimentos – acção quase em extinção em função da revolução tecnológica – mas assume uma nova profissionalidade de caráter interpretativo, sendo uma ponte entre o conhecimento sistematizado, os saberes da prática social e a cultura onde acontece o acto educativo, incluindo as estruturas sócio-cognitivas do aluno (CUNHA, 2006, p. 75). A mesma autora aponta os desafios da educação na atualidade, afirmando que “nem os estereótipos da profissão científica nem o da prática interpretativa, em separado, conseguem dar conta do recado” (2006, p. 77). O trabalho docente hoje, “requer uma simbiose destas duas vertentes acrescidas de outras habilidades/conhecimentos/saberes que provoquem o estudante o protagonismo de seu próprio saber (CUNHA, 2006, p. 77). O trabalho docente na contemporaneidade pressupõe que professores, gestores, alunos e comunidade construam diálogos permanentes; que possam planejar ações coletivamente. É também imprescindível que o professor “exponha as suas condições de ensino, discuta a aprendizagem dos alunos e a sua própria formação. Transgrida as fronteiras de sua disciplina, interprete a cultura e reconheça o contexto em que se dá o ensino e onde sua produção acontece” (CUNHA, 2006, p. 78). Em nosso sistema de ensino existem pelo menos dois tipos de organizações, [...] a universidade que se organiza e se constitui como profissão científica e erudita, que produz e aplica seu próprio conhecimento; e o ensino básico e secundário que se organiza e se constitui como uma profissão prática, que aplica na prática esse conhecimento 29 convenientemente contextualizado por instâncias políticas e sociais. (GERRERO, 1996, p. 173) No entanto, é preciso no contexto atual, pensar em alternativas para que essas duas instâncias, universidade e escola possam desenvolver suas ações de forma a compartilhar problemas, necessidades e idéias, a fim de conviver em harmonia e aprender a lidar com seus conflitos. Não basta apenas a inserção da universidade na ocasião dos estágios que ocorrem nos cursos de formação. Faz-se necessário que esse diálogo se prolifere por meio da formação continuada, ação fundamental para que tanto a universidade como a escola seja compreendida como espaço de construção de conhecimentos e saberes, bem como de experiências apropriadas e socializadas. Diante dessas considerações, o NUPAE, ligado às Pró-Reitorias de Pesquisa e Extensão, busca trazer para o bojo das discussões do grupo, questões relacionadas às suas práticas de ensino, seja no âmbito da formação inicial (cursos de licenciatura), seja no ensino básico, por meio de relatos de experiências, questões-problema ou qualquer outra que o grupo julgue pertinente. A partir do tema e livros selecionados, organizamos pequenos grupos de trabalho que assumiram o compromisso de apresentar questões-problema e mediálas com o grande grupo, que participa ativamente levantando outras questões, fazendo considerações, argüindo e algumas vezes comentando alguma experiência que venha a contribuir com as reflexões. É destinado também espaço para os relatos de experiências, nos quais os professores/pesquisadores socializam vivências que podem contribuir para as discussões apresentadas. Nesse momento, o grande grupo participa com sugestões e reflexões críticas, com o objetivo de contribuir nas ações de ensino. Compreendemos que as ações de pesquisa e extensão devem estar em consonância com o ensino, ou seja, as experiências socializadas, os estudos desenvolvidos e as reflexões precisam culminar no contexto da sala de aula para que possamos repensar nossas práticas, ampliando as nossas possibilidades de ensinar e aprender. Pesquisa 30 Schmidt; Garcia compreendem o professor-pesquisador como construtor de conhecimentos sobre e no ensino a partir de princípios, como [...] a colaboração entre grupos como escolas, sistemas de ensino e universidades; a centralidade das ações que os professores realizam para planejar e desenvolver suas atividades de ensino; e, ainda, a existência de um projeto comum, elaborado de forma coletiva e no qual se articulam os interesses dos diferentes pesquisadores (SCHMIDT; GARCIA, 2006, p.257). Sobre essa questão é relevante destacar que a pesquisa só faz sentido quando socializada e articulada às reais necessidades do contexto. No caso específico do NUPAE, sempre que selecionamos uma temática para a investigação, mapeamos as condições do cenário a ser investigado. Esse cenário pode ser a escola, o museu, a biblioteca, assim como documentos, como: currículo, livro didático, projeto político pedagógico, entre outros. Os protagonistas da pesquisa geralmente são professores, estudantes, gestores e artistas. Além disso, nos preocupamos com pesquisas relacionadas aos espaços escolares: como são construídos? Como são ocupados? Quais identidades são construídas a partir dos espaços? De que forma a arte no currículo está conectada a esses espaços? É perceptível um vácuo entre a universidade e as escolas. Os motivos são vários, entre eles estão: a inexistência de diálogo, a falta de articulação política e pedagógica e o jogo de poder. Existe ainda a velha rixa de quem são os culpados pelos problemas educacionais e, dos cursos de formação que não ‘preparam’ adequadamente seus professores e gestores ou do ensino básico que não “prepara” seus alunos para aprofundarem os conhecimentos do ensino universitário. A questão não é a de procurar culpado e vítimas, mas, sobretudo de maneira compartilhada pensarmos em alternativas em prol de um ensino significativo, que realmente priorize a formação humana. Que para além dos conteúdos, procedimentos operacionais saibam também lidar com o conhecimento sensível. O professor-pesquisador é capaz de compreender essas questões e desenvolver ações para além dos conteúdos escolares. Ele [...] pode ser um investigador dos conteúdos de ensino quando estabelece relações com os saberes a serem ensinados e a serem apropriados que compõem os currículos oficiais e que demandam um conjunto de processos de escolha, de inclusão e de exclusão, de 31 privilegiamento e de secundarização de temas, assuntos, formas de abordagens dos assuntos. (SCHMIDT; GARCIA, 2006.p.257) E o que entendemos sobre pesquisa nesse contexto? Segundo Heron (1996) a pesquisa é um processo de participação social, em que é preciso haver uma harmonia entre a autonomia do investigador e a hierarquia e respeito dele com seus pares investigados, ou seja, as tomadas de decisão precisam ser amplamente discutidas e compartilhadas. Essa relação necessita ser interativa e sempre aberta a mudanças. Para esse autor, a pesquisa é vista como um espaço intersubjetivo, no qual se materializam múltiplas formas de construção de conhecimento e uma troca de experiências fundamental entre investigador e investigado. Autores como Hart (1992) e Shier (2001) apontam algumas categorias que podem contribuir nos processos e ritmo de uma pesquisa que tem como pressuposto as relações sócio-culturais: - Mobilização: o pesquisador compreende o investigado como um parceiro, que participa não apenas como objeto de estudo, mas também influenciando nas possíveis mudanças relacionadas aos temas, objetivos e metodologias. - Parceria: Tanto pesquisador como investigado desenham os rumos da pesquisa e ambos tomam decisões referentes aos seus rumos. - Protagonismo: O investigado é autor do processo e dele depende também o desenho que se construirá para a pesquisa. Portanto, há nessa relação certa cumplicidade, em que ambos participam de um jogo do qual os possíveis resultados estarão sempre relacionados aos modos de percepção de um e de outro. Extensão Essas são preocupações também da área de Extensão da Universidade da Região de Joinville. Ou seja, as atividades devem estar voltadas para o desenvolvimento de práticas acadêmicas articuladas as atividades de Ensino e Pesquisa, percebendo as demandas da sociedade e contribuindo para a formação do profissional e do cidadão. As atividades de ação comunitária voltam-se para apoiar e auxiliar a comunidade acadêmica, objetivando o atendimento das suas necessidades por meio de oportunidades que promovam a sua integração e manutenção na universidade. Essas ações fundamentam-se em princípios de socialização 32 do conhecimento, no intuito de compartilhar o conhecimento acadêmico e conhecimento popular promovendo a socialização dos saberes da universidade com os saberes populares. A inserção comunitária acontece no sentido de compreender iniciativas de educação continuada, prestação de serviços, ações comunitárias, promovendo a parceria entre universidade, comunidade e outras organizações. Na sua interface com o ensino, a extensão deve contribuir para o desenvolvimento de um processo pedagógico participativo, possibilitando um envolvimento social com a prática do conhecimento e, na sua interface com a pesquisa, deve responder cientificamente às demandas suscitadas pela comunidade. Importante destacar que o respeito às diferenças deve ser uma constante nesse processo, bem como a valorização das potencialidades e as peculiaridades de cada universo social, compartilhando o desenvolvimento cultural, biopsicossocial, ecológico e histórico. O NUPAE tem como pressuposto básico em suas ações o compromisso com a socialização e reflexão de suas ações. Portanto, o registro é fundamental para que se possa visualizar e disseminar as ações desenvolvidas. Utilizamos para os nossos registros individuais e em grupo, meios, como: atas, anotações individuais e em grupo, relatórios, blog (que apresenta todas as apresentações em slides do grupo, os textos estudados, as sínteses desenvolvidas, informações referentes a eventos, sites...), e-mails, fóruns virtuais, entre outros. Compreendemos que o registro do processo contribui na construção de produções científicas e também para que possamos ter uma noção mais clara das ações já desenvolvidas, das que estão em andamento e das que necessitamos realizar. Esses meios de comunicação e registro permitem um maior envolvimento do grande grupo, comprometendo-os também nas realizações de tarefas. O envolvimento e comprometimento do grupo são fundamentais para que um Núcleo se fortaleça, dando continuidade aos trabalhos iniciados. Em pesquisas realizadas tanto por Freitas (2003) quanto por Montero (2003), são abordadas algumas questões fundamentais, que de certa forma sinalizam nossas ações no trabalho de extensão: a) De que forma é possível envolver e comprometer as pessoas (profissionais, acadêmicos, comunidade...) na realização de ações sócio-culturais, que 33 trazem em seus pressupostos concepções que integram ensino, pesquisa e extensão? b) Como manter as pessoas desenvolvendo essas ações e continuando a acreditar que vale a pena aquilo que estão fazendo? A permanência de um Núcleo é tarefa difícil, pois geralmente os grupos iniciam com um grande número de participantes e à medida que as responsabilidades com a leitura, produção e socialização dos conhecimentos vão sendo exigidas, o grupo tende a diminuir com a desistência de alguns partícipes. Essa é uma situação que precisa ser administrada com muita cautela, no intuito de não perder de vista os pressupostos conceituais apropriados pelo grupo em detrimento de manter um número razoável de participantes. É preferível um número reduzido, mas que realmente esteja comprometido com a pesquisa, com o ensino e com a socialização dos conhecimentos. As questões levantadas acima são fundamentais nos processos de reflexão, pois para além do compromisso com o grande grupo, precisamos nos comprometer com a produção e socialização dos conhecimentos. Esse é o pressuposto básico no trabalho de extensão de uma universidade e, portanto, compromisso também do Núcleo de pesquisa. Considerações Finais O trabalho de pesquisa e também o de ensino só terão sentido realmente se houver comprometimento nas ações desenvolvidas e se essas ações forem socializadas em forma de aulas, seminários, publicações, encontros e formação continuada. O comprometimento dos autores com relação à extensão dependerá sempre das culturas que construímos, ou seja, é preciso reconhecer o devido espaço do trabalho de extensão, valorizando-o tanto quanto ao da pesquisa e do ensino. Também é fundamental que não entendamos a extensão apenas como forma de transmitir conhecimentos construídos por outrem, mas, sobretudo, como processo dialógico, no qual todos os protagonistas ao mesmo tempo que ensinam, aprendem. A extensão, no contexto atual assume importante papel, tanto na sua relação com o ensino, quanto com a pesquisa. Acreditamos que essas interações, possam 34 se fortalecer por meio da formação de Núcleos que se apropriem de concepções fundamentadas na idéia de conexões entre ensino, pesquisa e extensão. O NUPAE, enquanto Núcleo que se interessa por essa tríade e que busca estar também inteirado das políticas públicas educacionais, pretende continuar desenvolvendo ações compartilhadas com os parceiros atuais, sempre aberto a novas parcerias e novos desafios. REFERÊNCIAS COSTA, M. V. Quem são? Que querem? Que fazer com eles? Eis que chegam às nossas escolas as crianças e jovens do século XXl. In: MOREIRA, A. F. B; ALVES, M. P. C; GARCIA, R. L. (Orgs.). Currículo, cotidiano e tecnologias. Araraquara/SP: Junqueira&Marin, 2006. CUNHA, Maria Isabel. Trabalho docente e profissionalidade na universidade. In: Revista de estudos curriculares. Ano 4, n. 1. Braga/Portugal: IEP - UMINHO, 2006. FREITAS, M. F. Q. Psychosocial practices and community dynamics. Meanings and possibililities of advance from the perpective of the engaged social actors. The international journal of critical psychology. M. Montero and P.F. Christliebb eds. 9, pp. 107- 124, London: Lawrence & Wishart, 2003. 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Texto recebido em 30 jun. 2008 Texto aprovado em 10 set. 2008. 35 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES QUE ATUAM COM O ENSINO DA ARTE NA ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA, INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR, EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E O TERCEIRO SETOR. Continued Formation of Teachers that teach Art at the Basic Education, Publics Institutions of Superior Teaching, University Extension and the Third Sector. Professora Me. Sandra Francisco 10 RESUMO Este artigo é parte de uma dissertação de mestrado onde se relata e analisa a formação continuada de professores que atuam com o Ensino de Arte na Escola de Educação Básica em Belém e região metropolitana. Relata a contribuição do Terceiro Setor na formação continuada do professor. Parte do pressuposto que a melhor qualidade da Formação Continuada do Professor de Arte não se garante apenas por meio da utilização de significativo material didático – pedagógico, mas sim, com os processos de mediação desenvolvidos na constituição do conhecimento em arte. Palavras Chave: Formação continuada de professores; parceria; ensino da Arte. ABSTRACT This paper is part of a Master's degree text where it relates and analyses how the continued formation of teachers at the basic education that teach art in the city of Belem in the state of Para. Accounts for the contribution of the Third Sector in the continued formation of teachers and it assumes that the best quality of the continued formation of teachers of art it is not guareented only through the use of significant educational materials, but with the process of mediation developed in the structure of the knowledge in art. Keywords: Continued Formation of teachers; partnership; Art teaching. RESUMEN Este articulo es parte de una dissertacion de maestria que relata y hace un analisis de la formacion continuada de profesores de la escuela basica que ensenan arte en Belem, en el estado del Para. Relata la contribuicion del Tercero Sector para la formacion continuada del profesor, parte de la idea de que la mejor formacion continuada del profesor de arte no se garante apenas por el uso de significativo material didactico-pedagogico, pero si, por los processos de mediacion desenvolvidos en la construcción del conocimiento en arte. 10 Sandra Suely dos Santos Francisco. Mestre. Secretaria Estadual de Educação do Pará e Secretaria Municipal de Educação de Belém, cedida para atuar na Universidade Federal do Pará. Av. 25 de Setembro, 2019. Apto 401-A. Belém, PA. 66093-000. (91)99889665. [email protected]. 36 Palabras-clave: Formación continuada de profesores; parceria; enzenanza del Arte. Introdução A necessidade de atuar para atender as demandas sociais tem se ampliado significativamente a cada dia. É necessário criar novas frentes de trabalho que possibilitem o atendimento dessas demandas, pois sabemos que o Estado não oferece políticas e serviços satisfatórios para suprir as necessidades da sociedade brasileira. Assim, surgem novas frentes para estes atendimentos e essas incluindo as instituições do Terceiro Setor - apresentam-se com propostas inovadoras, administração mais ágil que a das instituições públicas e, cada vez mais, tornam-se parceiras do Estado no atendimento das exigências sociais. A participação dos atores sociais é de grande importância no processo de constituição das parcerias. Essa participação propicia a construção de propostas de intervenção a partir de uma realidade conhecida e vivida, objetivando soluções aos problemas do cotidiano. Nesse sentido, as instituições do terceiro setor que atuam na área educacional, possibilitam essa articulação, pois “na prática, o terceiro setor parece estar caminhando para uma articulação conjunta, em termos de frente de trabalho” (GOHN, 2001, p. 83). E nessa questão, já que “o Estado não consegue mais penetrar nas microesferas da sociedade” (ibidem, p. 83), essas instituições apresentam solução à problemática. Para atender a demanda de professores de Arte da extensa região metropolitana de Belém, composta por 06 (seis) municípios e dois distritos totalizando 2.162.977 habitantes 11, estes professores necessitam de uma formação continuada de qualidade e assim se faz necessária a ampliação de parcerias entre instituições do Terceiro Setor e instituições educacionais públicas preocupadas em oferecer tal modalidade de formação. Tais parcerias, a exemplo da existente entre o Instituto Arte na Escola e a Universidade Federal do Pará (UFPA), estão em consonância com o que pressupõe Gohn (2001, p. 73), quando diz que: “a nova forma supõe novas regras de contrato social que envolva parcerias entre o público estatal com o chamado público não estatal, ou seja, com o terceiro setor”. 11 http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2006/POP_2006_DOU.pdf http://www.citybrazil.com.br/pa/regioes/belem/index.htm e 37 A partir dessa parceria está implantado na Universidade Federal do Pará o Programa Arte na Escola - UFPA/Belém ou PAE - UFPA/Belém. O Programa faz parte da Rede Arte na Escola, uma Rede constituída por universidades e instituições culturais que tem por objetivo atuar para a melhoria do Ensino de Arte no Brasil. Tem o Instituto Arte na Escola como seu mantenedor, que por sua vez recebe incentivos da Fundação Iochpe 12. Esse instituto pertence à categoria chamada Terceiro Setor, cujo conceito é ainda carente de rigor teórico, conforme nos diz Montaño (2005). No Terceiro Setor, a iniciativa da esfera privada surge para atender ao interesse público e sua atuação vem crescendo significativamente no Brasil, principalmente na área social, na qual ações desenvolvidas por organizações da sociedade civil assumem questões da sociedade dando resposta às demandas sociais a partir de valores de solidariedade local, auto-ajuda e ajuda mútua (MONTAÑO, 2005). Esse setor se caracteriza pela atuação na área social e se propõe a contribuir para a formação e fortalecimento do comportamento do cidadão e da cultura democrática, trazendo desenvolvimento e mudanças, propiciando a construção da democracia e a promoção da cidadania (TORO, 1997), segundo seu próprio conceito ideológico dominante, que o define como setor nem público, nem privado. O PAE - UFPA/Belém funciona em um espaço cedido pela UFPA no prédio do Atelier de Artes do Instituto de Ciências da Arte. Faz parte da parceria, a cessão de instalações físicas e a concessão de bolsas de Extensão aos alunos que participam do desenvolvimento de ações. Essas bolsas são disponibilizadas pelo Programa de Bolsas da Pró-Reitoria de Extensão da UFPA. Mantém também, professores coordenadores, sendo 01 (um) cedido da Secretaria Estadual de Educação do Pará e Secretaria Municipal de Educação de Belém. É de se ressaltar que as ações do Pólo são referências no Estado do Pará, sobretudo no que diz respeito à Formação Continuada dos Professores de Arte da Educação Básica. As ações de Formação Continuada propostas pelo Programa Arte na Escola – Pólo Belém - fortalecem a proposta de Extensão da UFPA. Pois, ela é promovida em parceria com instituições de educação e apoio à cultura com o intuito de 12 Organização do Terceiro Setor vinculada ao Grupo Empresarial Iochpe. 38 produzir conhecimentos e qualificar recursos humanos, por meio de ações de ensino, pesquisa e extensão, na perspectiva de buscar a transformação do ensino da Arte na educação básica do estado do Pará. Como diz Marques (2003), a formação continuada deve ser constituída como obra de um empenho coletivo dos educadores, tendo como base programas que possam ser, ao mesmo tempo, participativos, orgânico-sistêmicos e continuados, além de exigir uma equipe dedicada ao trabalho docente, solidária, integrada e adequada às particularidades dos alunos. Tais parcerias, no entanto, só darão retorno social se houver o engajamento efetivo das instâncias envolvidas e vontade política, essencial para a mobilização da sociedade. Nesse contexto, espera-se que a universidade se reconheça enquanto espaço de construção de conhecimentos, atue na realidade social e busque parcerias que propiciem a socialização dos saberes constituídos. Nisto, inclui-se trabalhos parceiros com os professores dos sistemas de ensino, de modo a possibilitar que a escola cumpra o seu compromisso social, pois é “somente na docência em sala de aula, e por causa dela, [que] a escola assume e cumpre seu compromisso social de instância da aprendizagem sistemática requerida pelos demais tempo-lugares da vida dos homens” (MARQUES, 1995, p. 145). Assim, concordamos que cabe, então, à universidade, ampliar seus espaços de ação, também no que diz respeito à socialização das práticas educativas. E para que tal ampliação se concretize é necessária a parceria constante com as secretarias de educação na intenção de informar e formar o professor. Trata-se de planejar ações conjuntas que incentivem o professor a participar dos cursos de formação continuada, tais como as de ajuda financeira e liberação de carga horária de trabalho. Nossa experiência profissional, com atuação no PAE – UFPA/Belém permite afirmar que a indisponibilidade financeira e o número de horas das exaustivas jornadas de trabalho representam os fatores que impedem a participação dos professores nos cursos programados. A universidade pública é um espaço de construção de conhecimentos que deveria estar sempre a serviço da comunidade a qual pertence. Ao nos depararmos com a problemática da formação continuada de professores, sentimos a necessidade de buscar soluções à questão, no sentido de auxiliar o professor a refletir sua prática, em tempos e espaços remunerados para isso, contando com o respaldo de políticas públicas para tais fins. Desta forma, é legado aos professores 39 o repensar da prática, a avaliação e a busca de fundamentação teórica, suporte essencial para o desenvolvimento de sua prática social significativa. Sabemos que a formação continuada do professor visa à competência profissional, de modo a lhe oferecer instrumentos que possam auxiliar em seu trabalho de intervenção na sociedade e na busca de soluções aos problemas do cotidiano. Na análise das entrevistas realizadas com professores que participam e com os que não participam da formação continuada do PAE – UFPA/Belém, para nossa dissertação de Mestrado, e observando a proposta apresentada por Mazzeu (1998), refletimos acerca de sua aplicabilidade no desenvolvimento das ações articuladas pela parceria que constitui o Programa. Essa parceria é evidenciada no compromisso com a formação continuada de professores de Arte da região metropolitana de Belém e numa materialização desta proposta que parte da prática social, passa pela problematização, pela instrumentalização, catarse e retorna à prática social. A proposta de Mazzeu (1998) é fundamentada na prática pedagógica e possui referenciais que regem a pedagogia histórico-crítica sistematizada por Saviani. Mazzeu afirma que: “Para conseguir que os alunos se apropriem do saber escolar de modo a se tornarem autônomos e críticos, o professor precisa estar, ele próprio, apropriando-se desse saber e tornando-se cada vez mais autônomo e crítico” (MAZZEU, 1998, p. 61). Baseado em Saviani, a proposta histórico-social de Mazzeu, orienta metodologicamente uma seqüência de trabalho, tendo como foco a Formação Continuada de Professores. Ele nos diz que a prática social, não deve ser confundida com a experiência de cada indivíduo. Partir da prática social na formação de professores implica não só o conhecimento de seus saberes, de suas memórias, de seus saberes práticos, como também a ruptura com a forma de pensamento e ação, próprios do cotidiano. Daí termos que “são essas relações contraditórias que estão no ponto de partida da formação de professores, uma vez que essa formação ocorre nessa prática social e não apenas no momento em que o professor recebe algum tipo de curso” (MAZZEU, 1998, p.64). A prática social é sempre uma contextualização do conteúdo e um momento de conscientização do que ocorre na sociedade em relação ao tópico a ser trabalhado. É o momento de retorno, de transformação das formas de pensar e agir em torno dos conteúdos escolares. Sobre a problematização, “segundo 40 Saviani, a necessidade de refletir filosoficamente evidencia-se quando o ser humano se encontra diante de uma situação problemática” (SAVIANI apud MAZZEU, 1998, p. 65). Na problematização, o professor identifica as necessidades percebidas no cotidiano, a partir das próprias experiências de vida, e passa a refletir sobre a questão no sentido da superação do problema (MAZZEU, 1998). No que diz respeito à instrumentalização, Mazzeu (1998) afirma que ela ocorre na apropriação dos instrumentos e signos elaborados e acumulados pelo homem e, ao mesmo tempo, na criação de novos instrumentos e signos. O professor elabora seus próprios instrumentos e discursos, assimilando a produção de outros e se envolvendo afetivamente com esses instrumentos, de modo a utilizá-los em benefício do desenvolvimento da humanidade e de cada indivíduo. Quanto à catarse, tem a sua conceituação como a [...] constituição de uma espécie de ‘segunda natureza’, isto é, são formas de pensar e agir produzidas histórica e socialmente, que se incorporam de tal maneira na estrutura psíquica do indivíduo que as utiliza que aparecem como formas naturais, mas que na verdade resultam de um longo processo educativo (SAVIANI apud MAZZEU, 1998, p.70). Na catarse, a operação fundamental é a síntese do cotidiano e do científico, do teórico e do prático a que o educando chegou. É o momento que o pensamento chega a uma conclusão, sendo este o ponto culminante do processo educativo (GASPARIN, 2005). Com a catarse, o estudante, “constitui para si uma nova visão da realidade” (ibidem, p. 129). É o momento do encontro e da integração mais clara e consciente da teoria com a prática na nova realidade, quando o aluno percebe que a realidade antes conhecida como “natural” agora é histórica, pois foi produzida pelo homem em determinado tempo e lugar, atendendo a intenções políticas implícitas e explicitas, como também aos interesses e necessidades socioeconômicas. Percorridos os “passos” acima, se retoma a prática social dentro da contextualização fechando os ciclos da formação continuada do professor e sua práxis, o que conforme o modelo proposto acontece pela “criação de necessidades novas e como colocação de novos temas objeto de [...] reflexão [...]” (MAZZEU, 1998, p. 65). Daí tem-se que, “a prática social referida no ponto de partida (primeiro passo) e no ponto de chegada (quinto passo) é e não é a mesma” 41 (SAVIANI apud MAZZEU, 1998, p. 71), pois, sendo a mesma no sentido de que a transformação das formas de pensar e agir em face dos conteúdos escolares já não o é, em razão de que professor e alunos transformaram-se no transcurso do processo. Transformações que se refletem nas demais instâncias da sociedade, tanto no âmbito das produções reflexivas, como nas produções da existência material (MAZZEU, 1998). Assim, se vislumbra a possibilidade do Programa Arte na Escola estar em consonância com a referida proposta no que tange à formação continuada do professor de Arte. Neste sentido, foi possível perceber, por meio das respostas dos professores às perguntas formuladas nas entrevistas, que a formação continuada é de grande importância, pois possibilita a reflexão da prática, a socialização de experiências, bem como a construção de novas propostas para o ensino de Arte. Levando em consideração a análise do conteúdo das entrevistas, percebemos que o professor, mesmo com a posse do material de qualidade disponibilizado pelo Instituto Arte na Escola para ser utilizado em sala de aula, necessita de conhecimentos da arte e da educação, para melhor articular a construção de conhecimentos significativos de seus alunos. Além disso, é necessário que o professor assuma compromisso político com os alunos na medida em que remete sua prática social educativa ao resgate da cidadania, utilizando-se de mecanismos e meios mediadores do ato político pedagógico. É necessário ainda, e de grande importância, que a UFPA, por meio do PAE UFPA/Belém, busque ampliar as parcerias com a Secretaria de Educação do Estado do Pará, com a Secretaria Municipal de Educação de Belém e as secretarias dos demais municípios da região metropolitana. Essas parcerias poderão facilitar o acesso dos professores às informações educativas e ações propostas pelo Programa, além de permitir a freqüência eficaz e compatível com as necessidades profissionais. No tocante à aferição do atendimento às necessidades dos educadores com os materiais disponibilizados pelo Terceiro Setor, pelo PAE – UFPA/Belém foi possível visualizar a importância da Midiateca, para a construção de práticas educacionais significativas. Foi detectado que esses materiais atendem as necessidades dos professores de arte que atuam na região metropolitana de Belém, quando utilizados no contexto da formação continuada, bem como no contexto da atividade pedagógica. Em relação ao acesso a esses materiais, os 42 entrevistados apontaram a dificuldade que encontram em pesquisar esse acervo do Programa, que está no Campus Universidade Federal do Pará, em Belém, cuja localização dificulta o acesso constante e rápido. A não participação de algumas professoras às ações de formação continuada do PAE - UFPA/Belém deve-se principalmente ao fato do desconhecimento de tal parceria e projetos. Alegaram também, o problema do difícil acesso ao Pólo, em relação à localização das escolas em que atuam. Isso trouxe à tona a questão da desarticulação das instituições e redes de ensino ao promover a socialização e a formação continuada de professores de arte a partir das propostas originadas nas ações do PAE – UFPA/Belém, o que evidencia a necessidade de maior divulgação das ações do Pólo de forma descentralizada, fazendo chegar tais informações diretamente ao público alvo. A título de sugestão, cada Secretaria Municipal de Educação dos municípios da região metropolitana de Belém poderia ter, em sua dependência, um Pólo disseminador, com pessoal responsável pelas ações programadas. Para atender às necessidades dos professores, contemplando horários e atividades, seria de grande valia que os eventos de formação continuada do PAE UFPA/Belém fossem realizados em diferentes períodos, com divulgação adequada de forma a sensibilizar os docentes e com conteúdos que contemplem as reais necessidades pedagógicas dos professores e suas respectivas escolas. Assim, a situação poderia ser outra, no que diz respeito à participação dos docentes. Urge que as instituições responsáveis pela educação estejam envolvidas, em parceria, nos processos de formação continuada. É premente o engajamento dos gestores dos diversos níveis da Educação Básica nesse processo formativo a fim de que possam ampliar seus olhares sobre o ensino de Arte, bem como valorizar e viabilizar parcerias necessárias à concretização da formação continuada do professor de Arte. Pode-se observar nas narrativas das entrevistas com os professores, participantes e não participantes da formação continuada proporcionada pelo PAE – UFPA/Belém, que há diferença na atuação e consideração dos mesmos quanto as ações formativas. Certamente por conta dos momentos de reflexão desenvolvidos em tais cursos, os professores que deles participaram demonstraram desenvolver práticas pedagógicas fundamentadas em teorias e focalizar a construção de conhecimento de modo articulado com determinadas 43 concepções. Também apontaram para a necessidade e importância do uso dos materiais de suporte pedagógico oferecidos pelo Pólo. De acordo com o dizer desses mesmos professores, tais materiais, embora considerados de significativa qualidade, estão atrelados à questão da mediação, o que evidencia a constante preocupação que o professor necessita ter para manter-se atualizado a fim de ampliar seus recursos e estratégias na constituição do conhecimento em arte. Os cursos de formação continuada oferecidos pelo PAE-UFPA/Belém objetivam enfatizar a mediação do professor na utilização dos materiais disponibilizados, evidenciando que, em si mesmos, eles pouco significam. O enriquecimento de seus efeitos na aprendizagem está na qualidade dos processos de mediação e não em sua materialidade. A articulação entre os materiais de suporte pedagógico oferecido pelo Pólo e a mediação do professor é pouco percebida entre os professores entrevistados, não participantes dos cursos de formação continuada. A título de ilustração, podemos citar o caso de um professor que se recusou a participar da entrevista, dando a perceber que sentia-se despreparado para responder às questões relativas à sua formação continuada. Finalizando este trabalho, podemos afirmar que o pressuposto da pesquisa de nossa dissertação de mestrado, o qual ressalta que a melhor qualidade da Formação Continuada do Professor de Arte não se garante por meio da utilização de significativo material didático-pedagógico, mas por processos de mediação desenvolvidos na constituição do conhecimento em arte, são evidenciados nas vozes da maioria dos professores entrevistados. Isto deveria se tornar, a nosso ver, ponto de atenção e reflexão no desdobramento das ações de um trabalho de parceria entre as instituições públicas ou privadas com o Terceiro Setor. Visando à melhor qualidade do processo de aprendizagem em Arte, o olhar do educador apóia-se na materialidade dos suportes pedagógicos como instrumentos para explorar as múltiplas possibilidades de mediar a constituição do conhecimento. Tais possibilidades se constroem, sobretudo, nas oportunidades de trocas e vivências coletivas que os cursos de formação continuada podem oferecer aos profissionais da educação. Nossa esperança é que as narrativas registradas e analisadas na pesquisa realizada possam desencadear ações efetivas de melhor qualidade, constituídas na perspectiva da parceria e capazes de transformar a 44 realidade dos processos de mediação e aprendizagem, promovendo mudanças nos significados dos cursos de formação continuada dos educadores ligados à área da Arte. REFERÊNCIAS FRANCISCO, Sandra. A formação continuada de professores de arte da região metropolitana de Belém na perspectiva da parceria. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação). 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Texto recebido em 30 jun. 2008 Texto aprovado em 10 set. 2008. 45 SALA DE AULA: ESPAÇO PEDAGÓGICO PARA VIVER E APRENDER ARTE Classroom, Space for Living and Learning Art Reading and Re-Reading of Art Work Alexandre Silva dos Santos Filho 13 RESUMO A importância do professor saber ler uma imagem visual é imprescindível para que também possa possibilitar a seus alunos a experiência de entrar em contato com o conteúdo objetivo e subjetivo das obras artísticas. Otto Dix e Lassar Segal trabalharam a temática guerra, muito oportuna para ser discutida como tema da arte e vivência atual sobre as guerras e o terrorismo no mundo. O objetivo principal dessa experiência por meio da leitura e releitura de obras de arte foi promover um encontro com professores leigos em arte que, ao mesmo tempo, estavam trabalhando a disciplina em sala de aula, mas que não tinham nenhuma experiência com a arte e a sua história. Dessa forma, tornou-se oportuno realizar a alfabetização estético-visual e o conhecimento da gramática visual numa oficina promovida pela Universidade Federal do Pará - Campus de Marabá pelo Núcleo de Arte Educação Sul e Sudeste do Pará e projeto Arte na Escola. Palavras-chave: Leitura de imagem; alfabetização estético-visual; arte; professor. ABSTRACT The importance of the professor knowing how to read visual image is essential to that students be able to be in touch with the objective and subjective contents of the artistic works. Otto Dix and Lassar Segal work the theme “war”, very timely to be discussed as an art theme and actual experiences about the wars and terrorism in the world. The main objective of this experience through reading and re-reading of the art work was to promote a meeting with professor lay in art that, at the same time, were working the discipline in the classroom, but did not have any experience with art and its history. In this way, it has became timely to achieve the aesthetic-visual literacy and the knowing of the visual grammar in a workshop promoted by Universidade Federal do Pará – Campus de Marabá (Federal University of Pará – Campus of Marabá) through the Núcleo de Arte-Educação do Sul (Core of artEducation South) and Sudeste d Pará (Southeast of Pará) and projet Art at School. Keywords: Reading of image; aesthetic-visual literacy; art; professor. Professor na Universidade Federal do Pará, Coordenador do Arte na Escola UFPA – Campus de Marabá, Mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea e doutorando em educação na UFG. Rua 226, Qd.67C, Lt.10, Nº894, apto. 102, Ed. Milão, CEP 74610-130, Goiânia-Go. Fone (62) 32616601/ 81697139. E-mail: [email protected] 13 46 RESUMEN La importancia de que el profesor sepa leer imagenes visuales es esencial para possibilitar a sus alumnos la experiencia de tener contacto con el contenido objetivo y subjetivo de las obras esteticas. Otto Dix y Lassar Segall se preocuparon con la tematica guerra, muy oportuna para ser discutida como tema de la arte y vivencia actual sobre las guerras y el terrorismo en el mundo. El objetivo principal de nuestas acciones para la lectura y (re)lectura de obras de arte y historia del arte fue permitir que profesores no formados en arte, pero que esenavan este contenido, tubieran esta experiencia. Desta forma, fue oportuno realizar la alfabetizacion estetico visual y apresentar lo que es gramatica visual en la Universidade Federal del Para Campus de Maraba, por el nucleo de Arte Educacion Sur y Sudeste del Para y el Projecto Arte na Escola. Palabras-clave: lectura de imagenes visuales; alfabetizacion estetico-visual; Arte; profesor. “Gostar de Aprender Arte” foi o tema escolhido para a realização do Seminário de Educação Continuada, promovido pelo Projeto Arte na Escola e Núcleo de Arte-Educação do Sul e Sudeste do Pará, inspirado no livro da professora Rosa Iavelberg (2003). O evento atendeu cerca de cem (100) participantes – do ensino fundamental e médio – ligados à rede de ensino público nas regiões do sul e sudeste do Pará. Este tipo de atividade (voltada exclusivamente ao ensino da arte) é realização inédita da UFPA – Campus de Marabá. O evento focalizou exclusivamente o professor que atua na sala de aula com a seguinte particularidade: nenhum professor (participante) tem formação específica em arte, daí a grande dificuldade do ensino na região. É importante ressaltar que a arte sempre esteve desvinculada do ensino na instituição escolar e que somente a partir da LDB, Lei nº 9394/96, § 2°, é que foi criada a obrigatoriedade do ensino de arte no Brasil. A partir daí, a arte foi introduzida na Educação Infantil, no Ensino Fundamental do 1º ao 5º ano, mantendo-a nos 6º ao 9º anos 14 e no Ensino Médio, extinguindo assim a antiga Educação Artística. Entretanto, isso motivou o aparecimento de alguns problemas relacionados, principalmente, com a regência da disciplina. No caso específico do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, as instituições de ensino superiores mantêm curso de licenciatura em artes somente na capital. No sul e sudeste do Pará, a situação é 14 Antigas 5as a 8as séries do Ensino Fundamental. 47 constrangedora porque não existe curso de formação em arte, resultando em uma dificuldade para a área. Do mesmo modo, na esfera da Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, tornou-se eminentemente difícil dizer, na prática, quem seria o ministrante dessa disciplina na escola, apesar de as Secretarias de Educação dos Municípios (do sul e sudeste do Pará) insistirem em conceder esta tarefa ao professor unidocente com formação múltipla. Desse modo, perseveram as questões: se o professor unidocente não tem formação específica em arte, o que ele ensina na escola? Por que ele tem que dar conta do ensino da arte na escola, já que para ensinar arte é indispensável que o docente tenha vivência com a linguagem artística, conhecimentos teóricos e práticos de arte, bem como saber promover a experiência estética? Em geral, é evidente que o professor, tanto da capital como do interior do Estado do Pará, sinta grandes dificuldades para trabalhar a arte na escola. Existem certas restrições ao professor, tal como o acesso às produções artísticas nos diversos âmbitos da arte regional, nacional e internacional. Este distanciamento dos produtores culturais acaba gerando uma deficiência na vivência do próprio professor e reflete sensivelmente em seus alunos uma exclusão ao patrimônio de bens culturais e ao uso de uma metodologia de ensino adequada. A dificuldade torna-se amplamente perversa quando estamos diante do fato de que existem professores leigos de arte, os quais se aventuram a ensinar o que não sabem. É escandalosa essa desventura. E poder-se-ia alcunhá-los de “aventureiros do tempo vazio”, porque nada ensinam, já que não o podem fazer sem que se tenham aprendido primeiramente. Estes professores confundem obra de arte com artesanato e - tamanha é a insensatez dos regrados senhores que dispõem de poderes para atribuir desígnios no ato da lotação a docentes - nem ao menos foram alfabetizados em arte e acabam tornando-se alfabetizadores dela na escola (esse é o caso específico dos professores do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental do sul e sudeste do Pará). Do mesmo modo, percebe-se que a “insensatez apraz a morbidez”. Os lotados para o ensino artístico, apesar do esforço, muitos são incapazes de reconhecer a importância da arte-educação na escola. Contudo, por uma razão que não é a dificuldade somente, eles assumem a disciplina por causa da sua carga horária a ser completada. Essa condição contingente acaba se revelando como esdrúxula, já que saber arte não é o objetivo principal para se construir o ensino 48 artístico na escola. Desse modo, a escola é invadida por professores que se arriscam a ensinar arte sem ao menos, conhecer a história da arte como ponto de partida para a ampliação do conhecimento das crianças, além de contribuir para a alfabetização verbal e não-verbal. Na verdade, estamos diante de um grande paradoxo educacional artístico: professores que assumem o ensino de arte e que não sabem como lidar com ela. Dessa forma, que importância tem a alfabetização visual ou estética na escola se o professor não responde à linguagem da arte? Devido à preocupação com esse contexto discrepante, criou-se o Núcleo de Arte-Educação do Sul e Sudeste do Pará, apoiado pelo Projeto Arte na Escola, com o propósito de atender a formação de professores leigos em Arte e que muito necessitam de apoio para o desenvolvimento de seus projetos na escola. Isso é de interesse público, já que a educação desses deverá refletir a possibilidade de continuação do trabalho que se insere neste âmbito, ou seja, o propósito fundamental é possibilitar o uso da linguagem artística por meio da alfabetização para e com a imagem da arte e, oferecer a esses professores a oportunidade de se tornarem alfabetizadores estético-visuais. É necessário que o professor seja um estudante fascinado por arte, pois só assim terá que ensinar e transmitir a seus alunos a vontade de aprender. Nesse sentido, um professor mobilizado para a aprendizagem contínua, em sua vida pessoal e profissional, saberá ensinar essa postura a seus estudantes. (IAVELBERG, 2003, p. 12) De acordo com Iavelberg, sem fascinação pela arte é difícil empreendermos uma educação continuada. É primordial que o professor esteja estimulado para envolver-se com o estudo e a reflexão da arte na escola e que amplie o pensar crítico, valorizando as atividades em sala de aula como forma de impulsionar uma revolução estética capaz de influir na qualidade de vida das crianças com as quais trabalha na escola. Enfim, desejamos que os professores da região sul e sudeste do Pará se disponibilizem em participar de grupos de estudos, desenvolvam práticas de ver e conhecer a arte e que possam realizar projetos de ocupação dos espaços culturais da escola e da cidade onde moram. Desse modo, demonstrarão interesse pela arte e cultura da região em conexão com o mundo da grande arte e compreenderão que a arte faz parte da vida de todos. 49 A guerra como tema e a linha como gramática visual Com o desenrolar dos acontecimentos, tornou-se necessário seguir etapas a fim de envolver o “professor leigo” em arte. Propôs-se iniciar a oficina de alfabetização visual com o significado da sintaxe da linha como semântica que se mostra através da forma, dada visualmente pelas obras de Otto Dix (1891-1969) e Lasar Segall (1891-1957). Diante do preposto e da qualidade artística selecionada (as imagens reproduzidas das obras dos artistas), ofereceu-se a oportunidade aos professores de poder dialogar entre si – um momento de contemplação e troca de idéias – a fim de que pudessem abrir espaço para a apreensão dos significados e decodificação da mensagem posta nas imagens artísticas das obras de arte. Dix e Segall 15, ambos de origem estrangeira, serviram para impulsionar o olhar dos professores contempladores com suas gravuras, num jogo entre a sensibilidade e o entendimento da poética dos artistas de grandes possibilidades sensoriais e visuais. Assim, construiu um percurso por meio de um diálogo estabelecido entre a obra do artista e o olhar do expectador. Poder-se-ia indagar sobre o porquê desses dois artistas. A justificativa seria pelo fato de que tanto Dix quanto Segall são artistas contemporâneos que interpretaram a realidade sobre a segunda guerra mundial se valendo de técnicas da gravura em metal, demonstrando aos nossos olhares o contexto das atrocidades. Isso traz uma conotação à realidade emergente em que vivemos na atualidade quando em torno de nossas vidas acabamos envolvidos com os mesmos sentimentos de mortes, perdas, violências, traumas etc. Segall diz que “... real e imaginário são ingredientes que se enfrentam, com plena consciência, na razão histórica do presente, apoiados sempre no sentido místico” (SEGAL apud RIBEIRO, 2002). Percebe-se a visão de um homem atormentado pela presença do terror diante da morte dos seus conterrâneos, o pavor, a fome e a miséria. Dix, abalado pela pressão das recordações da guerra, “[...] retrata as crueldades vistas nos campos de batalha em gravuras carregadas de profunda pressão emocional e tensão visual” (Ibidem). Ele expressa a visão da guerra nas 15 Os dois artistas se conheceram na cidade alemã de Dresden ao término da Primeira Grande Guerra. Compartilhando os ideais do Expressionismo alemão – que os levou, com outros artistas, à criação da Secessão de Dresden, Grupo 1919 –, Otto Dix e Lasar Segall produziram obras de distintas poéticas pessoais, mas que possibilitaram estimulantes comparações (RIBEIRO, 2002, p.05). 50 trincheiras, mostrando seus companheiros mortos e em decomposição na lama do campo de batalha. Dessa forma, a visão desses artistas perpassa o tempo, e o professor participante do seminário “Gostar de Aprender Arte” testemunha um tempo vivido, sendo ele a terceira visão da guerra, sem estar nos escombros ou nas trincheiras, mas consciente dela, da sua existência, presenciado por uma mídia escrita e televisual em seus lares. Ao considerarmos a guerra um fato contemporâneo presente em nossas vidas, estamos evidenciando-a, principalmente, pela existência do terrorismo e da violência crescentes em nossas cidades. O combate destes é visível em toda a parte do globo. O professor é testemunha de uma guerra existente no mundo, que não se vê, porém a reconhece muito bem porque está em contato diariamente com as notícias narradas nos documentários e noticiários da televisão, pelas imagens bem elaboradas de filmes com esse tema, além das fotografias em revistas. A guerra é algo que não se pode deixar de lado sem percebê-la. Ela é marcante em nossas vidas, contudo, no nosso caso, de cidadão brasileiro, pouco se sabe, realmente, sobre o seu efeito na sociedade. Por isso é que não podemos evitar este tema e virar o rosto sem nos importar. Um outro aspecto desta justificativa é o fator artístico, a gramática visual, o elemento sintático que une os dois artistas: a linha. A linha é o elemento da semântica visual que tratamos como uma unidade de informação sensorial, gerando significantes e significados nas obras desses dois talentos. Assim, a linha ao se tornar o elemento sintático revelador da expressão artística de Dix e Segall, revela também a personalidade de cada um e é percebida pelos contempladores/professores a partir da leitura que se estrutura na forma de imagem visual. A leitura da imagem é outro passo que foi trabalhado usando as obras desses artistas. Tal proposição requisita que o aprendente se torne um inquisidor das mensagens através dos elementos visuais, por isso detivemo-nos em pensar a linha sob seu aspecto sintático. Recorremos ao conceito de leitura de imagem proposto por Pillar (1003, p.77), que bem o define: “Ler uma imagem é compreendê-la, interpretá-la, descrevê-la, decompô-la e recompô-la para apreendê-la como objeto a conhecer”. Dessa forma, também propusemos usar o roteiro baseado em etapas, tais como: descrição, 51 análise, interpretação, fundamentação e releitura, explicitadas desse modo, com base em Pillar (1992, p. 79-82): A descrição diz respeito à identificação do titulo do trabalho do artista que o fez, do lugar e da época em que a imagem foi criada, da linguagem plástica empregada, do material utilizado, do tipo de representação, se figurativa ou abstrata, entre outros. A técnica usada no trabalho é essencial para identificar o modo como a imagem parece ter sido elaborada, ou seja, como aparentemente o pintor usou o pincel, que tipo de instrumento e que método artístico ele teria empregado. A análise procura discriminar as relações entre os elementos formais da imagem: o que as formas criam entre si, como elas se influenciam e se relacionam. Examinam-se relações de tamanho, relação entre as formas, relações de cor e de textura, de superfícies texturizadas e lisas, de espaço e de volume. É muito importante também o modo como as formas estão dispostas, pois dependendo da disposição horizontal, vertical ou diagonal, mudam-se as relações entre elas. Interpretar é organizar as observações de modo significativo, ou seja, é conectar idéias que explicam sensações e sentimentos experimentados frente a uma imagem. Pode-se expor “um problema que o trabalho parece ter tentado resolver.” (FELDMAN, 1970, p.362 apud PILLAR) Segundo o ponto de vista de quem está interpretando. Fundamentação é conhecer o artista e sua obra, falar do envolvimento dele com o meio em que viveu e relacionar a sua vida artística com o contexto histórico e social da sua época. Releitura é reinterpretar a obra do artista sob diferentes aspectos e linguagens. Pode ser por meio da poesia, do teatro, da dança, do desenho, da escultura, da pintura etc. Isso demonstra que o observador também participa da construção da idéia da obra juntamente com o artista. Para que o professor tivesse contato com os aspectos conceituais que envolvem a linha, unidimensionalidade, optamos da por fazer classificação, uma das revisão sensações dos aspectos transmitidas e da da expressividade que se materializam nesses conceitos. Desse modo, nos colocamos em frente dos elementos visuais dos conteúdos que elaboram a forma visual e daqueles que interferem na leitura do apreciador de imagens (o observador). Mesmo que alguém se coloque diante das imagens fixas (obras de arte) – nesse caso as 52 gravuras de Dix e Segall – de maneira parcial, há ainda a possibilidade de apreciação artística da obra, posto que se envolvem com uma gama de sensações e interpretações, movimentando seus sentidos e exigindo a participação de sua percepção num jogo entre o entendimento e a imaginação, interagindo esteticamente e mobilizando, além da sensorialidade, a emoção. Resultado Performático A última etapa deste processo culminou em uma releitura das obras dos artistas, já que se considera este momento como a reinterpretação da obra sob diferentes aspectos e linguagens. Assim, a proposta de releitura foi construir três imagens a partir de uma obra de Segall ou Dix, as quais seriam interpretadas no espaço tridimensional. Cada cena organizada em 3D teria dez segundos de “apresentação”, já que estas não seriam representadas, e sim apresentadas como criação chamada de “imagem congelada”, sem o uso da fala, do som e do movimento. Seria como um quadro que tomou conta do espaço para viver as personagens do mundo real, porém naquele momento imóvel, mas comunicando sensações e pulsando nos corações a beleza da imagem que agora estava viva diante dos olhares de todos e viva nos observadores da imagem. A seqüência de apresentação das imagens congeladas seguiu um roteiro: primeiramente, o grupo de professores que realizou a releitura deveria responder “o que aconteceu antes?”. Em resposta, o grupo apresentou uma cena relacionada à imagem principal, escolhida dentre as obras de Dix ou Segall, e depois criou o que denominamos de ação pictórica no espaço tridimensional, apresentada imóvel, usando as possibilidades dos corpos dos participantes que se transformaram em personagens construídos para compor a cena. A segunda cena tinha como proposta a reprodução da imagem da obra do artista. O desafio enveredou pelo modo de fazer pesquisa visual, abrindo a observação para os detalhes dos elementos que compunham a imagem. Dessa forma, usariam elementos reais para refazer a cena, reformulariam o espaço, recriando cenários e outros elementos pictóricos necessários para se aproximar da imagem escolhida, para ser apresentada no espaço tridimensional e, por fim, a cena responderia: “o que aconteceu depois?” Esta resposta deveria conter uma conclusão a partir da mensagem – tirada da 53 gravura central – usando para isso os corpos como elementos pictóricos e plásticovisuais, de forma a fornecer imaginação aos apreciadores ali dispostos. O resultado é performático. A sensação das imagens é uma volta ao passado. Aparentemente a turma entrou em sintonia com a imagem, confundindo-se com a obra. O ganho disso foi surpreendente, pois a leitura é estabelecida pelo toque, cheiro, sabor, cor, beleza e muito mais. É o verbal que se traduz em não-verbal, ou o não-verbal que se cristaliza em imagens emocionantes. O professor vivencia a gramática visual e se envolve na pesquisa plástica. A sala de aula virou um laboratório de experimentação estético-artística e sensóriovisual, um ateliê do não-verbal. Por fim, as experiências tornam-se significativas porque houve descobertas dos sentidos das ações. Assim, as obras de Dix e Segall, que pareciam distante do contexto do professor, num primeiro momento, passam a fazer parte de sua vida, pois a vida é arte e entre elas há certa combinação. Refletindo sobre... A partir dos dois artistas, Otto Dix e Lasar Segall, o olhar do apreciador – neste caso do professor – se transformou em puro exercício de vida e arte. Houve diálogo visual entre as construções sensoriais no espaço tridimensional e as formas gráficas das pranchas das gravuras que foram lidas pelos participantes. Nessa busca, a imagem da guerra foi transformada em uma forma de dizer algo ao espectador por meio da linguagem do expressionismo. Assim, a cristalização da imaginação e a mensagem dos artistas foram reinterpretadas pelos professores por seus próprios corpos, ou seja, viveram a arte. Os objetivos foram alcançados e reconheceu-se a importância de se experimentar a arte de forma mais integradora e estimulante, capaz de restabelecer proximidades com os elementos táteis-visuais da obra dos artistas expressionistas (Dix e Segall), consolidando-se a alfabetização estético-visual a qual nos propusemos realizar. Assim, ao compor e decompor a imagem da obra de arte por meio de um processo de leitura e releitura, os professores foram capazes de demonstrar habilidades de fazer, ler e contextualizar a obra no tempo e espaço. Portanto, ao compreenderem os aspectos subjetivos e objetivos existentes na obra de arte, 54 entenderam que as possibilidades do uso da imagem, na educação das crianças e jovens, são de importância fundamental, pois é por esse processo que se inicia a crítica à imagem. REFERÊNCIAS IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre:Artmed, 2003. PILLAR, Analice Dutra. A leitura de imagem. In: Pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS/ Associação Nacional dos pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP), 1993. RIBEIRO, Noêmia. Lasar Segall e Otto Dix: o expressionismo alemão em museus paulistano. In: LASAR SEGAL & OTTO DIX. Diálogos gráficos. Museu Lasar Segall/ MASP/ IPHAN: São Paulo, 2002. Texto recebido em 30 jun. 2008. Texto aprovado em 10 set. 2008. 55 ARTE NA ESCOLA, NA UNIVERSIDADE, NA RUA: A INTERFACE DOS CURSOS DE FORMAÇÃO EM ARTE E A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Art in school, at university, in the street: the interface of training courses in art and Extension University. Célia Pereira Gomes 16 Nádia Régia M. Neckel 17 RESUMO Este texto pretende uma reflexão a cerca da constitutividade dos cursos de formação em artes e suas interfaces com a extensão universitária. As considerações aqui tecidas ancoram-se nas perspectivas atuais do ensino da arte bem como da constituição da extensão enquanto parte do tripé que sustenta a universidade: Ensino – Pesquisa – Extensão. Apontamos que tais instâncias não são lineares nem tão pouco estanques, mas constituem-se mutuamente e colocam em movimento, sempre em relação à, o processo de construção do conhecimento da/na sociedade. Palavras-Chave: Extensão; conhecimento; arte. ABSTRACT This text wants a reflection about the constitutividade of training courses in arts and interfaces with the university extension. The considerations made here anchor on perspectives of the current teaching of art and the formation of the extension as part of the tripod that claims the university: Education - Search - Extension. Indicate that such instances are not linear nor units but constitute each other and put in motion, always in relation to the process of building knowledge on / in society. Keywords: Extension; knowledge; art. RESUMEM Este articulo es acerca de una reflexión sobre la constitutividad de los cursos de la formación en artes y sus interfaces com la extensión de la universidad. Las 16 Coordenadora de Extensão e Cultura na Universidade do Contestado – Canoinhas SC – Graduada em Licenciatura Plena Educação Física pela Universidade Cruz Alta RS; Mestre em Educação e Cultura – Udesc, Joinville/ SC; Orienta projeto de pesquisa e extensão. [email protected] 17 Professora na Universidade do Contestado – Canoinhas SC – Graduada em Licenciatura Plena Educação Artística – Habilitação Artes Cênicas pela Universidade Federal de Santa Maria RS; Mestre em Ciências da Linguagem – Unisul, Florianópolis/ SC; Doutoranda Lingüística Unicamp/SP. Entre os anos de 1999 a 2004 atuou como assessora de extensão e cultura na mesma universidade. Atualmente atua no Curso de Artes Visuais, no Pólo Arte na Escola e como pesquisadora do NUPAE – Núcleo de Pesquisa em Arte e Educação (de caráter interinstitucional) e orienta projeto de pesquisa e extensão. [email protected] 56 consideraciones aca tejidas son sustentadas por la percepción de actuales de lo ensino de la arte asi como de la constitución de la extensión como parte de lo tripe que sustenta la universidad: Ensino – Investigacion – Extensión. Logramos que las estansias no son lineares ni tampoco estañadas, pero se constituyen mutuamente y colocan en movimiento siempre en relación para, el proceso de construcción del conocimiento de la sociedad. Palabras-Clave: Extensión, conocimiento; arte. Ao compreendermos que o fazer artístico é constituído por um processo que alia tanto o conhecimento técnico quanto o sensível, sendo que este processo está em um lugar de entremeio nas diversas práticas de linguagem, somos levados a pensar a presença desse processo no âmbito educacional tanto na escola de educação básica, quanto na universidade. Percebemos que a grande problemática dentro da educação é compreender o fazer artístico enquanto processo. Na maioria das vezes, esse processo é confundido com o produto e com técnicas de produção, como a obra pronta e acabada que vai para a sala de aula, e a obrigatoriedade de produção em um horário determinado da semana, tanto par o aluno quanto para o professor. Em quarenta e cinco minutos, de um final de tarde, numa sexta-feira, os alunos têm a obrigação de criar e o professor tem a obrigação de levar uma “técnica interessante”. E quanto aos cursos de formação em arte? E quanto aos cursos de extensão em arte? Assistimos a mudanças extremas no ensino da arte, principalmente, nos últimos dez anos em nosso país. Tais mudanças, não estão descoladas das demais transformações, tanto na escola, quanto na universidade. A Universidade para ser compreendida como tal, deve pautar-se no tripé Ensino-Pesquisa-Extensão. Tais bases, não são compartimentais, nem tão pouco estanques ou lineares, mas de constituição mútua. A extensão universitária, a partir de suas diretrizes conceituais e políticas, volta-se historicamente à articulação do ensino e da pesquisa de forma indissociável, assumindo assim uma posição mediadora das práticas acadêmicas e da/na sociedade. Com as reformulações nas diretrizes nacionais dos cursos de graduação, incluindo os cursos de formação de professor de arte – o qual é o escopo de nossa reflexão – o aumento das horas de estágio e/ou práticas educativas em arte faz, da extensão universitária, uma instância importantíssima na formação do futuro 57 professor de arte. Segundo Pimentel (2008), o estágio curricular é o momento da prática profissional, da consciência social e do compromisso político, sendo um instrumento adequado para viabilizar a extensão universitária. O estágio deve responder às questões sociais dimensionadas nos debates entre universidade e comunidade, fortalecendo a relação entre ambas. Recomenda-se ainda que a participação dos discentes em projetos e atividades de extensão deve ser computada para integralização curricular. Assim, tanto no que diz respeito a prática educativa dos conhecimentos pedagógicos no ensino da arte, quanto na demanda de oficinas solicitadas pela comunidade à universidade via extensão, e ainda na circulação dos fazeres artísticos e acadêmicos, a extensão universitária desempenha um papel fundamental nos cursos de formação em arte. No entanto é preciso considerar questões fundamentais voltadas às propostas educativas em arte. A sustentação de um fazer/ensinar ou a proposição de experiências pedagógicas em arte deve ocupar-se do uso de materiais pedagógicos de qualidade e com perspectivas atualizadas de aprendizagem em arte. Neste ponto tocamos no outro vértice do tripé universitário, a pesquisa. Por trás de materiais pedagógicos de qualidade há uma pesquisa responsável pautada em bases de sustentação teórica e profunda reflexão acadêmica. O ensino da arte deve primar por um processo de construção de conhecimento tanto cognitivo quanto sensível. As atuais tendências abordam um perfil de um profissional mediador/propositor. Se tomarmos o conceito de mediação, verificaremos que o professor necessita dominar tanto os códigos técnicos da arte, quanto os códigos educacionais para assim dispor ao educando uma ‘abertura’ quanto as possibilidades de perceber o mundo que o cerca. Essas são condições de produção de conhecimento em arte. Em nossa percepção, cada artista é um sujeito marcado histórica, ideológica e socialmente, e assume uma posição em seu contexto social, lançando mão das funções próprias da arte, segundo o que nos ensina Fischer (1975). A função individual pauta-se no aprimoramento das habilidades técnicas do educando, em outras palavras, uma busca de sua construção poética observando desde sua percepção e sensibilidade, até a elaboração de um olhar crítico que são as bases de seu fazer expressivo. A função social da arte é a que se pautam as relações sociais e que reflete sobre o mundo circundante. Função essa que se encarrega de 58 tecer relações por meio do aprendizado em arte entre os sujeitos e, entre esses com o mundo. E ainda, a função ambiental, a interferência da arte no meio. Refletir sobre o mundo que nos cerca e interferir nele, a arte buscando seu espaço em espaços até então despercebidos. E, assim estamos com a arte na rua e na comunidade. Aqui, temos novamente outro ponto de intersecção importante da extensão universitária tanto na formação do professor de arte ou bacharel, quando pensamos nos modos de circulação de sua produção. Quando pensamos nos modos de circulação pensamos desde a divulgação do ensino e da pesquisa, até nas exposições, educação em museu, material pedagógico etc. Assim diferenças individuais de cada artista são contempladas amplamente nas teorias da arte, considerando os aspectos estruturais da obra. Para nós, educadores, é apenas um dos aspectos do fazer artístico, e não o mais importante deles. Estamos nos propondo a operar na dimensão sócio-histórica, na aprendizagem em arte, partindo da noção de sujeito e não de indivíduo. A diferença de traços, de grafias, de pinceladas é da ordem individual, e as percebemos enquanto um ponto minúsculo quando focamos a dimensão da arte na educação básica, na universidade, na rua, na comunidade. Em seu livro “Modos de Ver” John Berger inclui um ponto de vista de Cézanne que parece compatível com essa discussão que estamos delineando ‘Um minuto na vida do mundo passa! Pintá-lo em sua realidade, e esquecer tudo o mais para isso! Tornar-se esse minuto, ser a chapa impressora ... da imagem do que vemos, esquecendo tudo o que apareceu antes de nosso tempo...’ (Cézanne) O que fazemos daquele momento pintado quando ele está diante de nossos olhos vai depender daquilo que esperamos da arte, e que, por sua vez, hoje dependente de como já vivenciamos o significado de pintura através de reproduções. (BERGER, 1999, pág. 33) Parece-nos que Berger considera que, de alguma forma, a imagem (ou a obra de arte) não é apenas estrutura, mas está localizada em um tempo histórico e de certa forma é afetada por esse tempo. É a arte da galeria, do ateliê, do museu, do metrô, da parede do prédio, a arte para além dos muros da escola ou da universidade. A arte como forma constitutiva do homem. 59 As obras de arte, em sua circulação, abrem espaços para o espectador como fruidor ativo da obra e não somente como um leitor passivo, desta forma, conta-se com o deslizamento de sentidos em um espaço de inter-relação. A imagem “salta” da tela, do vídeo, da parede... possibilitando ao espectador uma busca de relações a partir não só dos signos, mas uma busca embasada e fundamentada em experiências pessoais e em uma história contextual, ou seja, a uma constante resignificação de sentidos. A leitura do mundo precede à leitura da palavra. O processo de aprendizagem se dá por um conjunto indivisível: o mundo, o pensamento, a palavra e, é claro seu articulador, o sujeito 18. No momento em que o professor, como mediador ou propositor, compreende seu real papel no processo ensinoaprendizagem, passa a entender a importância de um estudo que promova a leitura de mundo proporcionando, assim, um meio do aluno construir seus conhecimentos pela exploração gradativa e formulação de conceitos, ou seja, assim será sujeito histórico social de sua trajetória. A escola e a universidade desempenham (ou pelo menos deveriam desempenhar) um papel mediador, proporcionando ao aluno condições para a construção do conhecimento, para que possa compreender e descobrir ou reinventar o mundo que o rodeia por meio de suas descobertas. A educação, ao propiciar à criança o acesso ao conhecimento sistematizado, está colaborando para que ela articule e amplie seus conhecimentos espontâneos adquiridos naturalmente pelo seu desenvolvimento e por suas experiências vivenciais. Desta forma, torna-se fundamental o ‘velho’ tripé educativo: Ensino – Pesquisa – Extensão. Ousamos dizer mais, ampliando tal percepção de forma análoga, quando pensamos nos cursos de formação em arte, é pela instância do ensino que exercitamos didaticamente os conhecimentos adquiridos. Entretanto, são nas instâncias da pesquisa e extensão que as condições de aprendizagem se estabelecem, observando e descrevendo o meio que os cerca, suas experiências. Dividindo estas experiências com outros, é que os alunos podem participar ativamente das decisões sobre o que investigar e como fazer, o que possibilita um estudo vivencial e não apenas de cunho teórico ou individualizante. Daí dizer que as 18 A formação da criança enquanto sujeito histórico – social. (Proposta Curricular de Santa Catarina 1998 – Educação Infantil p. 19) 60 instâncias ensino-pesquisa-extensão não são linearizadas ou estanques, mas constitutivas, relacionais. As formas de buscarmos essa inter-relação com o meio em que estamos inseridos a partir do universo das artes acontece pelo caminho do sensível, no qual representamos o real, conseguimos tecer relações com o objeto o qual queremos representar, buscando sentido e significado. Assim, o processo criativo, tratado enquanto processo discursivo, como dito anteriormente, é carregado de interfaces históricas, sociais e ideológicas e o artista se insere em uma determinada formação discursiva para produzir seu dizer. Essa percepção consta em inúmeras teses a respeito da arte, tanto no campo histórico quanto estético. Benjamim (1934), em sua abordagem marxista da Arte, percebe o artista como um ‘trabalhador’ de seu tempo. Alguns pesquisadores brasileiros partem de leituras como essa, especializando a hipótese para discutir a produção artística contemporânea, como por exemplo, Santaella quando aponta que passamos a enxergar que a historicidade da realidade objetiva impõe, ao mesmo tempo, uma historicidade dos meios de produção artística, sem o que não se torna possível inteligir o próprio movimento de transformação da arte. Com isso, Benjamim dá um passo avante nas considerações acerca das relações entre intraestrutura econômica e produção artística, visto que a transformação dos meios artísticos está inextricavelmente ligada ao desenvolvimento das forças produtivas. Por outro lado, os modos de produção artística de que uma sociedade dispõe são determinantes das relações sociais entre produtores e consumidores, assim como interferem substancialmente na própria natureza da obra. (SANTAELLA, 1995 p. 103) Assim, a perspectiva atualizada da arte na escola, na universidade, na rua, na comunidade volta-se ao processo, ao movimento ao estar em relação à. E desta forma, o tripé universitário – Ensino-Pesquisa-Extensão – do qual falávamos vem ao encontro desta perspectiva: ensinar – pesquisar/verificar – apreender/ fazer circular – buscar na rua e devolver para a rua, tanto a arte, quanto as vivências estéticas. Hasse aponta que Tem-se hoje como princípio a efetiva integração entre a Universidade e a Comunidade. Esta integração com as comunidades externas, em suas mais diferentes formas de organização, estabelece uma troca de saberes, entre o acadêmico e o popular, que terá como conseqüência a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade, a democratização do conhecimento acadêmico e a 61 participação efetiva da comunidade na atuação da universidade, e desta forma viabilizar uma relação transformadora entre a Universidade e a Sociedade. (HASSE, 2006, p.16) Tocamos aqui num ponto muito importante, mas que, no entanto, suscita outra reflexão específica, mesmo assim, não poderíamos nos furtar de mencioná-lo: a relação extensão universitária e cultura 19, e nessa, outra interface. Pois há de se considerar que as relações culturais são constitutivas dos cursos de formação em arte, não é por acaso que colocamos a palavra “rua” desde o título desta reflexão. Rua aqui entendida em dois âmbitos, tanto no que diz respeito a abertura, à polissemia, a diversidade, à diferença cultural, como no que diz respeito ao espaço de circulação e divulgação da ‘arte pública’, a arte da rua e na rua. Entretanto, como foi dito, esse ponto abre para uma outra reflexão que exige mais dedicação. Ousamos dizer e, insistimos neste ponto, para terminar nossa reflexão. Os cursos de formação em arte pelo seu caráter cultural são caracteristicamente extensionistas desde sua formulação até sua constitutividade. E assim, a instância propulsora deste movimento, com absoluta certeza é a extensão universitária. Tanto pela possibilidade de efetiva experiência da ação pedagógica, quanto pela circulação do fazer artístico. REFERÊNCIAS ACAFE, Associação Catarinense das Fundações Educacionais. Fórum de Extensão Universitária. Org. HASSE, Charles Roberto. Rio do Sul/SC: UNIDAVI, 2006. __________. I Fórum de Extensão Universitária ACAFE: Panorama de Extensão nas Universidades do Sistema ACAFE. Tubarão/SC: 2000. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos do Estado (AIE). Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura 19 Em muitas Universidades de Santa Catarina o setor nomeia-se Coordenadoria de Extensão e Cultura. Por quatro anos, atuamos na assessoria deste setor na Universidade do Contestado – Campus Canoinhas, vem daí nosso interesse em refletir sobre essa interface dos cursos de formação em arte e da extensão. No nosso caso, o Curso de Artes Visuais nasceu a partir da demanda de trabalhos e oficinas na extensão universitária desta instituição e desde sua criação em 2001 mantém diversos projetos de extensão ligados ao Programa de Apoio a Extensão e a Cultura (PAEC) e também o Pólo Arte na Escola em convênio com o Instituto Arte na Escola /SP da Fundação Iochpe. 62 Viveiros de Castro: introdução critica de José Augusto Guilhon Albuquerque, 2. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal,1985. BERGER, John. Modos de Ver. Tradução Lúcia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. HUINZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução João Paulo Monteiro. 4.ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. MASON, R. Por uma Arte-Educação Multicultural. Campinas/SP: Mercado de letras 2001. MORSS, Susan Buck. Estética e Anestética: o “ensaio sobre a obra de arte” de Walter Benjamim reconsiderado. In: Revista de Florianópolis: Literatura. UFSC,1996. __________. Dialética do olhar: Walter Benjamin e o projeto das passagens. Tradução Ana Luiza Andrade. Belo Horizonte/MG: Ed. UFMG – Chapecó/SC: ARGOS, 2002. NECKEL, Nádia Régia Maffi. Os contos de fadas e suas formas de representação na educação infantil. Canoinhas: UnC, 2000. __________. A formação do professor de artes cênicas. In: Livro de Memórias do Seminário Estadual da Arte na Educação. Joinville/SC: Univille, 2003. __________. Do discurso artístico à percepção de diferentes processos discursivos. Dissertação de Mestrado – Programa de Mestrado Ciências da Linguagem. Florianópolis: Unisul, 2004. ORLANDI, Eni Pulccinelli. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis/RJ: Vozes,1998. __________. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas/SP: Pontes, 1987. __________. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 1999. __________. As formas do silêncio, no movimento dos sentidos. 4. ed. Campinas/SP: Editora da Unicamp,1997. Texto recebido em 30 jun. 2008. Texto aprovado em 10 set. 2008. 63 OFICINA PERMANENTE DE GRAVURA: UM PROJETO DE EXTENSÃO EM ARTE Extension project: permanent workshop of printmaking. Dulce Regina Baggio Osinski 20 RESUMO Este artigo analisa as atividades extensionistas em arte do Departamento de Arte da Universidade Federal do Paraná, em especial o Projeto de Extensão Oficina Permanente de Gravura que, criado em 1999 e em funcionamento até 2007. Foi idealizado com o objetivo de criar um espaço destinado à produção e reflexão da gravura enquanto expressão artística. Configurando-se em espaço aberto à comunidade, congregou estudantes, artistas, arte-educadores e profissionais de áreas correlatas, interessados em pesquisar as possibilidades deste meio que abrange desde as técnicas tradicionais de gravura até os mais atuais meios de reprodução da imagem, como a fotocópia, o off-set e a impressão digital. A metodologia utilizada baseou-se nas teorias para o ensino da arte que têm como principais teóricos Elliot Eisner, Brent Wilson e Ana Mae Barbosa e preconizam a indissociabilidade entre a produção artística, sua contextualização histórico-cultural e a leitura estética e crítica da obra produzida. Além do trabalho prático em ateliê, o Projeto promoveu encontros semanais, conduzidos pelos professores orientadores, para discussão do trabalho dos participantes. Foram também promovidos cursos de iniciação e aperfeiçoamento, ministrados por artistas e teóricos da arte, os quais foram convidados a falar sobre sua poética ou sobre temas relevantes para o debate da arte e da gravura. Além disso, foram promovidas exposições da produção artística da Oficina e demonstrações em eventos institucionais como um meio de socialização desta experiência. Palavras-chave: Arte-educação; gravura; ensino da arte; Oficina Permanente de Gravura; arte no Paraná. ABSTRACT 20 Doutora em Educação (UFPR). Professora do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná. Rua Coronel Dulcídio, 638 – Batel. Curitiba, PR. Tel.: 41 3224-9915. E-mail: [email protected]. 64 This article analyses the extensionist activities in art of the Department of Art of the Federal University of Paraná, specially the Extension Project Permanent Workshop of Printmaking. Created in 1999 and operating until to 2007. It was idealized to create a space for printmaking production and reflection as an artistic expression. Opened to the community, it brought together students, artists, art-educators and professionals of other areas, interested in investigating the printmaking language, wich includes the traditional techniques of engraving and also the most updated ways of image reproduction like the photocopy, the off-set and the digital print. The methodology used was based on the theories for art that have like principal theoreticians Elliot Eisner, Brent Wilson and Ana Mae Barbosa, that advocate the the strict relation among art production, history of art, aesthetics and critics. Besides the work in studio, the Project promoted weekly meetings driven by the teachers advisors, for discussion of the participants process. There were promoted also initiation and improvement courses, administered by artists and theoreticians of the art, what were invited to speak on their poetics or on relevant subjects for the the art and of the printmaking debate. Besides, there were promoted exhibitions of the artistic production of the Workshop and demonstrations in institutional events like a way of socializating this experience. Keywords: Art-education; printmaking; art teaching; Permanent Workshop of Printmaking; art in Paraná. RESUMEN Este artículo analiza las actividades extensionistas en el arte del Departamento de Arte de la Universidad Federal de Paraná, especialmente el Proyecto de Extensión el Taller Permanente de Gravado. Creado en 1999 y funcionando hasta 2007, fue idealizado para crear un espacio para producción y reflexión del gravado como una expresión artística. Abierto a la comunidad, juntó a estudiantes, artistas, educadores de arte y profesionales de otras áreas, interesados en la investigación desta lenguaje artistica, que inclue las técnicas tradicionales del grabado y también los medios más actualizados de la reproducción de imagen como la fotocopia, lel off-set y la estampa digital. La metodología es basada en las teorías para el arte que tienen como teóricos principales Elliot Eisner, Brent Wilson y Ana Mae Barbosa, y que defenden la relación estricta entre la producción del arte, la historia del arte, la estética y la crítica. Además del trabajo en el estudio, el Proyecto promovió reuniones semanales conducidas por los profesores, para la discusión del proceso de participantes. Allí fueron promovidos también cursos de iniciación y de perfeccionamiento, administrados por artistas y teóricos del arte, también invitados a hablar de su poética o de sujetos relevantes para el debate del arte y de gravado. Además, fueran promovidas exposiciones de la producción artística del Taller y demostraciones en acontecimientos institucionales, como un camino de socialización de esta experiencia. Palabras Claves: Educación de arte; gravado; enseñanza de arte; Taller Permanente de Gravado; arte en Paraná. 65 Introdução A opção pela extensão em arte, no contexto das universidades públicas brasileiras, exige dos envolvidos o constante enfrentamento com o pouco entendimento da real importância dessas duas atividades em nosso meio social e universitário. Embora inúmeros documentos, entre eles o Plano Nacional de Extensão Universitária (2001) reafirmem o papel da extensão como indissociável ao do ensino e da pesquisa, permanece ela ainda como uma espécie de prima pobre, cujos predicados todos se valem na hora do discurso, mas que não goza das mesmas oportunidades em termos de apoio e financiamento. Vale lembrar que as principais linhas de fomento privilegiam, sobretudo, a pesquisa, e que, em projetos institucionais como o recente REUNI 21, lançado em 2007 pelo Governo Federal, as atividades de extensão não são levadas em consideração. Da mesma forma, o campo da arte luta constantemente para romper com o senso comum, que o vincula ao entretenimento e ao supérfluo, e ser visto como sério, envolvido com a pesquisa e fundamental na constituição humana e do tecido social. Campos como os da ciência e da tecnologia são privilegiados no que se refere à distribuição de recursos entre as diversas unidades acadêmicas. Afinal, instalações adequadas para o ensino, para a pesquisa e para a produção da arte nunca poderão competir em pé de igualdade com equipamentos de ressonância magnética ou com instrumentos de precisão, esses sim, de utilidade indubitável e de retorno mais visível para a comunidade. Segundo Maria José Justino (2001, p. 10-16), essa visão encerra uma grave ignorância da função da arte na formação humana, fruto da cisão entre arte e público que “passa também por questões educacionais e econômicas, coincidindo com a industrialização e a ascensão de uns poucos, que acabam confiscando as conquistas da humanidade – bens que deveriam ser compartilhados por todos”. Para a autora, cabe à universidade o estabelecimento de políticas, ações e mecanismos de troca com a comunidade, a partir dos quais todos possam contribuir com o processo de criação. O Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná (DEARTES) tem se empenhado no cumprimento desse papel, embora contando com inúmeras 21 Progama de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. 66 dificuldades e, via de regra, com nenhum financiamento. São numerosas as atividades propostas que, para além de cursos de extensão e eventos de curta duração, fazem parte, principalmente, dos diversos Projetos de Extensão que vêm sendo realizados desde 1999 por um corpo técnico e docente consideravelmente diminuto, inicialmente como partes do Programa Arte na Universidade 22 (1999-2004) mas com funcionamento autônomo, embora integrado, desde 2005. Promovendo integração com disciplinas curriculares, envolvem estudantes dos cursos de Educação Artística (Habilitação Artes Plásticas), Artes Visuais (Bacharelado e Licenciatura), Produção Sonora e Licenciatura em Música, e mobilizam um público amplo de diversos extratos sociais que inclui bebês de colo, crianças de todas as idades, adolescentes, adultos interessados, artistas amadores e profissionais, educadores, estudantes universitários e grupos de terceira idade. Seus pressupostos baseiam-se na idéia de que tanto o artista como o educador em arte são intelectuais no sentido gramsciano, não tendo sua ação reduzida à realização do produto artístico ou acadêmico, mas devendo também contribuir para a ampliação do acesso à arte de modo geral, visando à transformação social e imiscuindo-se ativamente na vida prática, como construtores, organizadores, “persuasores permanentes” (GRAMSCI, 2004, p. 53). Comungam também com as idéias de Ana Mae Barbosa (1994, p. XII) para quem “o fazer artístico não pode ser entendido como a aventura individual de uma inteligência ou sensibilidade especialmente dotada”, refutando, assim, o mito do dom ou talento inato, categoria nebulosa definida pelo senso comum como condição prévia para as atividades artísticas. Concordam, por fim, com Porcher (1982, p. 15), para quem “as categorias atuantes no discurso estético não são em absoluto naturais (ou seja, inatas), mas constituem produtos de origem cultural”. Na área da música, muitas têm sido as propostas que visam não só encurtar a distância com o público espectador, mas também torná-lo partícipe da experiência musical. O curso de extensão Musicalização Infantil 23, envolvendo estudantes da Licenciatura em Música, que nele atuam como estagiários, atinge anualmente cerca de duzentas crianças a partir dos poucos meses de idade, que ali são sensibilizadas e iniciadas na linguagem da música. 22 23 Coordenado pela professora Tânia Bloomfield (DEARTES – UFPR) Coordenado pela professora Beatriz Ilari (DEARTES – UFPR). 67 Na área das artes visuais, Projetos como o Artista na Universidade 24 e Arte em Vídeo 25 que, atuando de modo integrado, organizam e documentam depoimentos de artistas plásticos brasileiros e paranaenses concedidos em forma de palestras e conversas para o público aberto, possibilitam o diálogo sem intermediação da produção artística contemporânea com nossos estudantes e com a comunidade interessada. E ainda, contribui com a construção de importantes fontes para a pesquisa acadêmica em arte. A interface entre arte e público também é facilitada pelo Projeto Educador em Museu: Entre exercícios de monitoria e a troca de olhares 26 (desde 2003), originado do Projeto Educação no museu: Uma contribuição para a formação estética 27 (1999 -2002), que se apropria do Museu de Arte da UFPR e o transforma em laboratório. Lá, estudantes vivenciam todo o processo de organização de uma exposição de arte, auxiliando professores-curadores na escolha do tema, na seleção e montagem das obras e, finalmente, na intermediação de seus conteúdos e significados junto ao público fruidor. Já patrimônio artístico-cultural disperso pela cidade é objeto do Projeto de Extensão Monumento em Movimento 28, que promove visitas guiadas pelo espaço urbano, numa interface entre as áreas do turismo, da arte e da música, tendo, ao longo dos últimos anos, promovido parcerias com os diversos projetos do Departamento de Artes e outros afins. A integração entre arte, artesanato e design foi pensada pelo Projeto de Extensão O fazer cerâmico em Antonina 29 (1992-1997), que procurou, motivado pela inserção do Festival de Inverno da UFPR naquela comunidade, recuperar nos artesãos antoninenses aquela forma de conhecimento e fazer artesanal já não praticada nos anos 1990. Da mesma forma, o Projeto A Cerâmica como Fonte de Conhecimento, Trabalho e Renda 30 vem, desde 2006, oferecendo cursos, oficinas e 24 Coordenado pela professora Tânia Bloomfield e pelo servidor Luís Carlos dos Santos (DEARTES – UFPR). 25 Coordenado pelo professor Carlos Alberto Martins da Rocha e pelo servidor Luís Carlos dos Santos (DECOM – UFPR). 26 Coordenado pelos professores Consuelo Schlichta, Marília Diaz e Tânia Bloomfield (DEARTES – UFPR) em 2003-2004, Paulo Reis e Consuelo Schlichta (DEARTES – UFPR) em 2005 -2006 e por Juliana Gisi (Setor de Educação) e Consuelo Schichta (DEARTES – UFPR) em 2007-2008. 27 Coordenado pelas professoras Rose Meri Trojan (DEPLAE – UFPR) e Consuelo Schlichta (DEARTES – UFPR). 28 Coordenado pela servidora Desire de Oliveira (DEARTES – UFPR). 29 Coordenado pelas professoras Dulce Fernandes (então DEARTES – UFPR, agora DEDESIGN – UFPR) e Marília Diaz (DEARTES UFPR) de 2002 a 2004, e pela professora Marília Diaz de 1995 a 1997. 30 Coordenação da professora Marília Diaz (DEARTES – UFPR). 68 assessoria continuada a comunidades organizadas que desejem se apropriar das técnicas e da linguagem da cerâmica como um meio de expressão e de sobrevivência. A educação continuada dos profissionais docentes foi preocupação do Projeto Ponto Inicial: A Formação do Professor 31 (1999-2002), uma parceria do Departamento de Planejamento de Administração Escolar (DEPLAE) – Setor de Educação com o Departamento de Artes que teve como foco principal a escola pública, trabalhando no sentido de desenvolver nos participantes o senso de pesquisa e de instrumentalizá-los para um exercício mais consciente e competente da profissão. Outros projetos, voltados para a produção artística, têm auxiliado estudantes, artistas e outros interessados na reflexão sobre seu processo de criação. O Projeto Oficina Permanente de Arte 32, atualmente não operante, centrou-se na discussão sobre as poéticas artísticas individuais, promovendo o aprofundamento do desenvolvimento do trabalho artístico por meio do embate coletivo de cada proposta, apresentada em forma de projeto. Da mesma forma, os Projetos Oficina Permanente de Desenho 33 e Oficina Permanente de Gravura 34 procuram, por meio do exercício reflexivo desta linguagem específica, envolver o participante num mergulho com os aspectos significativos da construção de sua própria obra. Este último será objeto das análises que empreenderemos a seguir. A gravura como matriz de ações em extensão Criado em 1999 a partir de experiência prévia dos coordenadores com as oficinas livres de gravura da Casa da Gravura - Solar do Barão 35 e da própria disciplina curricular intitulada Oficina de Gravura do curso de Educação Artística, o Projeto de Extensão Oficina Permanente de Gravura foi idealizado com o objetivo de criar um espaço destinado à produção e reflexão da gravura enquanto expressão artística e veículo de comunicação. Baseando-se no pensamento de teóricos do 31 Coordenação das professoras Consuelo Schichta (DEARTES – UFPR) e Rose Meri Trojan (DEPLAE – UFPR). 32 Coordenado pelo professor Geraldo Leão Veiga de Camargo (DEARTES-UFPR). 33 Coordenado pela professa Consuelo Schlichta (DEARTES-UFPR). 34 Coordenação de Dulce Osinski e Ricardo Carneiro (DEARTES – UFPR). 35 Espaço público mantido pela Fundação Cultural de Curitiba. 69 ensino da arte, como Ana Mae Barbosa, Elliot Eisner e Brent Wilson, e em tendências como o DBAE 36 e a Metodologia Triangular 37, o Projeto adota como referencial do trabalho pedagógico em arte o diálogo entre a produção, a apreciação crítico-estética e a contextualização histórica. Nesta linha de trabalho, entende-se a arte não apenas como atividade expressiva, mas como área de conhecimento com conteúdos específicos constituintes da formação humana. A integração da expressão com o conhecimento e o incentivo ao processo criativo amparado por informações e pela reflexão foram alguns dos principais objetivos da Oficina, que consolidou um grupo de gravadores cuja principal característica é a diversidade de linguagens e o interesse em compartilhar experiências técnicas e soluções estéticas. Outra meta alcançada foi a criação, entre os estudantes de graduação, de uma mentalidade de produção que não se limite aos conteúdos programáticos exigidos pelas disciplinas. Entendendo a dimensão educativa do processo artístico de modo ampliado, atuou-se junto à formação de artistas e de educadores, no sentido do fornecimento de subsídios teóricos e práticos para sua atuação profissional, mas também junto à comunidade formada por apreciadores e fruidores desejosos de uma experiência estética concreta. A demanda das diversas técnicas de gravura por materiais e equipamentos de custo elevado faz com que sua produção seja mais bem viabilizada por meio de espaços de trabalho coletivos. Conjugar teoria e prática, fazer e reflexão, é um papel apropriado para a Universidade, por sua vocação de fomentar o conhecimento em suas diversas instâncias, seja no âmbito teórico, seja na esfera da produção artística. A Oficina Permanente de Gravura, de caráter livre e aberta a qualquer interessado, possibilitou uma rica troca de experiências entre profissionais das artes visuais, alunos de cursos universitários regulares e aqueles que se relacionam com a arte de maneira informal, sendo, ao longo de sua existência, local privilegiado para discussão sobre a produção artística contemporânea. Contribuiu, assim, para a congregação de interessados em pesquisar as possibilidades desta linguagem artística, que abrange desde as técnicas tradicionais, como a xilogravura, a linoleogravura, a gravura em metal, a litografia e a serigrafia, passando por matrizes 36 Discipline Based Art Education, ou seja, Arte-educação como Disciplina. Proposta de Ana Mae Barbosa que pensa o ensino da arte a partir do tripé: fazer artístico, contextualização histórica e leitura da obra de arte. 37 70 feitas com materiais alternativos, até os mais atuais meios de reprodução da imagem, como a fotocópia e a impressão digital. As pesquisas se dirigiram, em alguns casos, ao diálogo entre as diversas linguagens artísticas, como o da gravura com a expressão tridimensional, com a instalação ou com as mídias eletrônicas. A escolha da linguagem da gravura para o desenvolvimento do Projeto, entendida aqui no sentido amplo que abrange todos os meios de confecção de matrizes e reprodução de imagens se deu, principalmente, devido ao seu potencial democratizador de multiplicação da mensagem artística e conseqüente disseminação a um público mais amplo. Já dizia Walter Benjamin (1994, p. 180) profeticamente nas primeiras décadas do século XX que “a arte contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se orientar em função da reprodutibilidade e, portanto, quanto menos colocar em seu centro a obra original”. Segundo Aracy Amaral (1987, p. 25), uma das problemáticas do artista contemporâneo reside em como fazer com que o produto de seu trabalho tenha uma comunicação com um público mais amplo. Acrescentaríamos a isso que o artista, gozando do envolvimento direto no processo criativo, privilégio de poucos, tem por obrigação não apenas a socialização de seu próprio trabalho, mas do processo artístico como um todo. Funcionando no atelier de gravura do Departamento de Artes 38 da Universidade Federal do Paraná, o Projeto Oficina Permanente de Gravura teve suas ações voltadas para a ampliação do acesso da comunidade à arte, oferecendo, além de cursos de iniciação e aperfeiçoamento, palestras e conversas com artistasgravadores e teóricos da arte, e atuando também na organização de exposições, numa efetiva colaboração com os cursos de graduação da UFPR, em especial o curso de Educação Artística. Foram ministrados, no período de 1999 a 2007, 57 cursos de extensão para um público de 1575 pessoas. Os cursos de iniciação, ministrados por artistas atuantes, pelos próprios professores da Universidade e por profissionais formados pela licenciatura em artes da UFPR, cumpriram o papel de introduzir os interessados no universo da gravura, preparando-os para a participação nas demais atividades da Oficina. Dentre os muitos cursos oferecidos, podemos citar como exemplo: Xilogravura à base d’água (2000), ministrado por Andréia Las; Iniciação à Linoleogravura (2003) e A cor na Linoleogravura (2004 e 2006), ministrados por 38 O Departamento de Artes da UFPR está localizado à rua Coronel Dulcício, 638, bairro Batel, em Curitiba, PR. 71 Michelle Behar; Iniciação à Gravura em Metal (2003), ministrado por Márcia Nagano; Iniciação à serigrafia (2003, 2004 e 2005), ministrado por Glauco Menta; Iniciação à Litografia (2003), ministrado por Everly Giller; Gravura em Metal – Água Tinta (2004), ministrado por Renato Torres; Gravura em Metal – Técnicas Tradicionais e Alternativas e Gravura em Metal – Experimentações técnicas (2005), ministrados por Adriane Pasa; Xilogravando (2005), ministrado por André de Miranda; e Gravura e Interferência Urbana (2007), ministrado por Roger Wodzynski. Curso de Aperfeiçoamento Oficina de Gravura (2005) O curso de aperfeiçoamento intitulado Oficina de Gravura, com carga horária média de 100 horas, foi oferecido anualmente desde 2001, sendo ministrado pelos coordenadores do Projeto Dulce Osinski e Ricardo Carneiro e exigindo, como prérequisito, alguma experiência prévia na área da gravura. Além dos encontros semanais para a troca de idéias e orientação, os participantes foram incentivados a freqüentar o atelier em horários alternativos para o desenvolvimento do trabalho prático, o que resultou em produtiva troca de experiências com os estudantes da Universidade, que tiveram a oportunidade de estar em contato com artistas e de acompanhar seu processo de criação. Outros cursos e oficinas atenderam demandas específicas, como a capacitação de professores, o atendimento a portadores de necessidades especiais e ao público infantil. Em muitas dessas atividades, estudantes, supervisionados por 72 professores-orientadores, estiveram envolvidos como ministrantes ou como monitores, num aprofundamento da experiência relacionada à sua área de formação. A partir de 2003, essa participação foi intensificada com a inserção dos projetos de extensão no rol de possibilidades de cumprimento de horas de estágio obrigatório, estabelecido na disciplina denominada Projetos Integrados. Os alunos também se envolveram na organização das 50 palestras e conversas com artistas e teóricos da arte que ocorreram nesse período para uma audiência de 1237 participantes. Vieram colocar seu trabalho em discussão e dar seu depoimento artistas como: Juliane Fuganti (1999); Andréia Las e Glauco Menta (2000); Carlos Henrique Tullio e Nelson Hohmann (2001); Guita Soifer, Ana Gonzáles, Isabel de Castro e Sebastião Pedrosa (2002); Everly Giller, Hebe Libera, Glauco Menta e Michelle Behar (2003); Márcia Nagano, Sandra Natter, André de Miranda, Daniel Marques, Cláudio Boczon e Renato Torres (2004); Adriane Pasa, Eliana Herreros, Fabrício Tacahashi, Rosana van der Meer e Tânia Blommfield (2005); Valdir Francisco, José Roberto da Silva, Roger Wodzynski e Lahir Ramos (2006); Denise Roman, Cleverson Salvaro e Rubens Mano (2007). Nessas oportunidades os participantes tiveram a oportunidade de conhecer processos de trabalho diversos e de trocar idéias e experiências de modo direto com produtores contemporâneos de arte. Outras palestras, não só na temática da gravura, mas da arte de modo geral, foram ministradas por professores, artistas e teóricos como Dulce Osinski, Maria José Justino, Paulo Reis, Geraldo Leão, Eliane Prolik e Benedito Costa Neto. Foram abordados assuntos relacionados com a história da gravura e da arte, com a arte paranaense e arte contemporânea. A política de organização de exposições, presente em todo o tempo de duração do Projeto, funcionou no sentido de incentivar a produção dentro da Oficina, gerando o sentimento de comprometimento e fazendo com que cada trabalho pudesse ser pensado como parte de um conjunto maior. As mostras de arte são momentos privilegiados de reflexão sobre o fazer artístico, possibilitando ao artista avançar e reorientar seu percurso quando necessário, viabilizando o diálogo entre os participantes e possibilitando o exercício do processo coletivo de organização desse tipo de evento. Nesse caso específico, foram também uma oportunidade de divulgação dessas ações extensionistas e um modo de prestação de contas junto à comunidade. As 39 exposições realizadas foram visitadas por 45.990 pessoas, tendo lugar em instituições relevantes como a Universidade Estadual de Londrina e 73 o Ecomuseu de Itaipu, em Foz do Iguaçu, PR (2001); o Museu de Arte de Cascavel, PR (2002); o Núcleo de Arte Contemporânea da Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa (2003); o Museu de Arte Contemporânea do Paraná, em Curitiba (2004); a Galeria de Arte da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, a Galeria de Arte em Papel da Aliança Francesa, em Brasília, DF e o Espaço Cultural BRDE, em Curitiba, PR (2005). A participação dos alunos envolvidos no Projeto não se restringiu às atividades acima descritas, abrangendo também a organização do espaço de trabalho e do material didático, a orientação técnica aos participantes e o atendimento à demanda por visitas monitoradas de escolas ao atelier. Oficinas de curta duração e atividades demonstrativas em eventos como a Feira de Cursos e Profissões da UFPR foram regularmente organizadas pelos bolsistas da Oficina Permanente de Gravura, cujo amadurecimento acadêmico foi visível. Sentindo-se peças importantes de uma proposta de cunho social como esta, os estudantes exercitaram sua cidadania e sentiram-se mais fortes para o enfrentamento dos percursos nem sempre tranqüilos de sua futura trajetória docente. É no debate com as dúvidas, com as incertezas, com a constatação da necessidade de um aprendizado contínuo e, principalmente, com o enfrentamento de situações reais de ensino-aprendizagem de suas áreas específicas, que esses professores de amanhã podem encontrar algumas respostas que os conduzam a outros questionamentos, mas que os impulsionem nessa atividade tão necessária quanto pouco valorizada. No ano de 2007, uma experiência artística singular mobilizou os participantes da Oficina, entre eles artistas, estudantes, bolsistas e os próprios coordenadores. A realização do projeto Será impressão minha? Álbum de Gravurinhas 39, que teve tema, argumento e concretização coletiva, gerou uma ação integrada que transcendeu a realização de uma obra de arte. A confecção das figurinhas e posteriormente a troca das mesmas entre os participantes para completar os álbuns foram pontos culminantes de um processo de discussões contínuas nas quais tanto 39 Idéia original e coordenação de Dulce Osinski; tema de Cláudio Boczon; projeto gráfico de Fabrício Tacahashi, Rosana Van der Meer e Sílvio Spannenberg. Artistas participantes: Célia Favaro, Ciça Rodrigues, Claudia Brito, Cláudio Boczon, Dulce Osinski, Eliana Herreros, Estela Lindner, Fabrício Tacahashi, Fátima Vera, Graciela Scandurra, Hebe Libera, Jota Lopes, Lindamir de Sá, Luciane Filizola, Magda Proença Martins, Michelle Behar, Paulo Cougo, Renato Torres, Ricardo Carneiro, Romana Flejs, Rosana van der Meer, Sandra Natter, Sílvio Spannenberg, Thel Olisar, Thiago Zanotti, Valdir Francisco, Vavá Diehl, Vera Andrade, Wiilie Anne e Yvelise. 74 o conceito da proposta como detalhes de operacionalização eram postos em pauta. Cláudio Boczon resumiu, em texto de abertura do álbum, o espírito da proposta Abrir um álbum enquanto ele ainda faz juz à etimologia e é um espaço a ser preenchido com imagens, idéias, lembranças e novidades é sempre bastante lúdico e, quando somado a isto, o propósito dele é formar uma coleção com as impressões de trinta artistas, a brincadeira fica ainda mais prazerosa. Por isso, a ansiedade ao abrir os envelopes, decalcar as gravurinhas, interagir com os outros para trocar as repetidas por aquelas que faltam, a satisfação ao completar a coleção, a curiosidade de identificar o autor ou o palpite para acertar a autoria tornam este álbum um tráfego de impressões; minhas, nossas e suas (BOCZON, 2007). Será Impressão minha? Álbum de Gravurinhas. Troca das figurinhas. Nesses nove anos de atividades, mais de 50.000 pessoas foram atingidas em ações que contribuíram para aproximá-las do mundo da arte, estimulando seu espírito crítico, sua dimensão sensível e sua percepção estética. O incentivo aos processos investigativos foi presença constante nas diversas atividades, apontando para novos caminhos e para uma troca maior entre artista e público. Novos suportes de impressão e novos materiais para a confecção de matrizes, bem como os pressupostos conceituais de sua inserção social e as diferentes formas de circulação de uma obra múltipla, permearam as discussões dentro do Projeto de Extensão 75 Oficina Permanente de Gravura, cuja experiência demonstrou que as possibilidades de interação entre arte e público, e entre o artista e o meio social, são inesgotáveis. Resultados alcançados pelo Projeto de Extensão Oficina Permanente de Gravura PALESTRAS 2 EXPOSIÇÕES REALIZADAS OUTRAS ATIVIDADES CURSOS DE EXTENSÃO 1.1.1 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Total Nº DE ATIVIDADES --01 03 05 13 16 09 06 04 57 Nº DE PARTICIPANTES --11 82 126 289 426 409 159 73 1575 Nº DE ATIVIDADES --02 04 06 08 09 08 06 07 50 Nº DE PARTICIPANTES --40 84 96 215 256 202 119 225 1237 Nº DE ATIVIDADES --01 03 04 07 13 08 --03 39 Nº DE PARTICIPANTES --216 27862 3643 4143 6304 2466 --1356 45990 Nº DE ATIVIDADES 02 01 02 01 07 13 10 08 08 52 Nº DE PARTICIPANTES 74 30 403 30 640 3742 461 493 450 6323 Totalização de público 3 ANO 3.1 PÚBLICO ATINGIDO 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Total de público atingido pelo projeto 74 657 28071 3954 5287 10728 3538 771 2104 55184 76 REFERÊNCIAS AMARAL, Aracy. Arte para que? São Paulo: Nobel, 1987. ANTONIO, Ricardo Carneiro; BIANCHINI, Juliana; BUSEMEYER, Roberta; OSINSKI, Dulce Regina Baggio. 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Catálogo de exposição. Texto recebido em 30 jun. 2008. Texto aprovado em 10 set. 2008. 79 PROJETO CÉLULA: GRAVURA NA ESCOLA The Project Cell: Workshop of Engraving Iriana Vezzani 40 RESUMO Este artigo se constitui no relato de uma experiência acadêmica planejada e desenvolvida dentro da disciplina de Projetos Integrados no Curso de Graduação de Educação Artística – Artes Plásticas da Universidade Federal do Paraná, e vinculada às atividades extensionistas da Oficina de Gravura da UFPR. O Projeto Célula, direcionado à formação continuada de professores de arte, dá início a um jogo contínuo entre a percepção, o olhar, a gravura e a arte. O grupo participa de descobertas a partir das quais é estimulado a perceber o seu entorno e, ao mesmo tempo, pensar o que poderia ver além dele. A aprendizagem do olhar e a expansão de suas possibilidades foram o foco principal deste projeto, que buscou centrar-se em questões que se inserissem na construção de um conhecimento que possibilitasse que a escola, o professor e o aluno exercitassem seu olhar em todas as direções possíveis por meio de uma linguagem comum: a da gravura. Palavras-chave: Escola; descobertas; reflexão; gravura; professor/aluno. ABSTRACT This article is the report of an academic experience planned and developed inside the discipline of Projects Joined the Degree course of Artistic Education – Plastic Arts of the Federal University of Paraná, and linked to the activities extensionistas of the Workshop of Engraving of the UFPR. The Project Cell, directed to the continued formation of teachers of art, gives beginning to a continuous play between the perception, the glance, the engraving and the art. The group participates of discoveries from which it is stimulated realizing his I tip over and, at the same time, to think what he might see besides him. The apprenticeship of the glance and the expansion of his means were the principal focus of this project, for which it looked to be centered in questions that were inserting in the construction of a knowledge that it was making possible that the school, the teacher and the pupil were exercising his glance in all the possible directions through a common language: that of the engraving. Keywords: School; discovered; reflection; engraving; teacher / pupil. 40 Acadêmica de Educação Artística – Artes Plásticas UFPR . Departamento de Artes, Setor de Ciências Humanas Letras e Artes. E-mail: [email protected] 80 RESUMEN Este artículo es el informe de una experiencia académica planeada y desarrollada dentro de la disciplina de Proyectos Se afilió al curso de Grado de la Educación Artística – las Artes Plásticas de la Universidad Federal del Paraná, y unió para las actividades extensionistas del Taller de Grabado del UFPR. La Célula de Proyecto, direcionado a la formación continuada de profesores del arte, da el principio a un juego continuo entre la percepción, el vistazo, el grabado y el arte. El grupo participa de descubrimientos de los cuales es estimulado realizando su me caigo y, al mismo tiempo, pensar lo que él podría ver además de él. El aprendizaje del vistazo y la extensión de sus medios era el foco principal de este proyecto, para el cual miró para ser centrado en preguntas que insertaban en la construcción de un conocimiento que hacía posible que la escuela, el profesor y el alumno ejercieran su vistazo en todas las direcciones posibles por una lengua común: esto del grabado. Palabras claves: Escuela; descubierto; reflexión; grabado; profesor / alumno. A experiência aqui relatada buscou, em sua concepção inicial que o título explicita, referências no campo da biologia, a partir da observação do que se passa dentro de pequenas unidades vitais. As Células, em sua simplicidade, integram organismos complexos, e graças à sua capacidade espantosa de reprodução, povoaram de diversidade nosso planeta. Assim idealizamos nosso Projeto Célula: unidade de arte e potencial de multiplicação e diversidade. A proposta em questão foi idealizada, planejada e desenvolvida em parceria com Marcella Piovesan 41, dentro da disciplina de Projetos Integrados do Curso de Educação Artística da Universidade Federal do Paraná, sendo requisito parcial obrigatório para obtenção do diploma de graduação nas habilitações de Artes Plásticas. A disciplina de Projetos Integrados, podendo estar vinculada tanto a atividades de extensão como a trabalhos de graduação, visa ampliar o leque de situações e espaços educacionais para o cumprimento das horas de estágio supervisionado 42 do aluno do curso de Educação Artística. Permite, desta forma, a aplicação de um projeto pedagógico que coloque o aluno de graduação em situação de ensino-aprendizagem, preferencialmente em âmbito de Educação não formal, no 41 Acadêmica do Curso de Educação Artística – Habilitação Artes Plásticas da UFPR, e do Curso de Design de Móveis da UTFPR 42 A supervisão deste Projeto Integrado é da Prof.Dra.Dulce Osinski. 81 qual ele poderá exercer o papel docente em arte em diferentes situações tais como: ateliês públicos e privados, hospitais, grupos em situação de risco, manicômios, presídios, comunidades carentes, entidades de classe, empresas públicas e privadas, entre outras. Tendo por objetivo a inserção da gravura como processo artístico dentro da escola, o Projeto Célula vinculou-se, por afinidade de meios e técnicas, à Oficina de Gravura da UFPR 43, espaço destinado à produção e reflexão da gravura enquanto expressão artística, para além dos limites dos conteúdos programáticos exigidos pelas disciplinas. Ana Mae Barbosa, Elliot Eisner e Brent Wilson foram a base do pensamento teórico e as tendências como o DBAE 44 e a Metodologia Triangular 45, foram nosso referencial no trabalho pedagógico. A gravura seria o centro das reflexões, como meio de produção artística inserido na contextualização histórica e sob uma apreciação crítico-estética. Durante a fase de pesquisa diagnóstica deste projeto, foi possível observar que as escolas, pelo pouco entendimento de suas inúmeras possibilidades, não desenvolvem todo o potencial da linguagem da gravura. Isso ocorre, em parte, devido à idéia de que esta linguagem envolve custos elevados quando não se limita somente a materiais como as matrizes em isopor e o guache. Este desafio foi um dos nossos focos de interesse: trabalhar no sentido de desmistificar tais idéias préconcebidas. Pensamos também que essa linguagem tem como peculiaridade, a característica da geração de múltiplas imagens a partir de uma matriz geradora. Partimos, então, da idéia de que, na escola, a primeira imagem impressa não pode ser aceita como única possível e sim, como uma possibilidade de construção. A principal ação do projeto foi a elaboração de uma oficina de capacitação para os professores, a partir da qual a prática da gravura pudesse se disseminar nas escolas, por meio da criação de pequenas Células – os atelieres de gravura. Uma de nossas primeiras constatações foi a necessidade de uma divulgação efetiva, pois o público-alvo não seria alcançado com cartazetes distribuídos pelos espaços da da UFPR. Rompendo com o silêncio interinstitucional que muitas vezes estorva o diálogo entre o meio universitário e outras instâncias governamentais, o Projeto 43 Coordenação da Prof.Dra. Dulce Osinski. Discipline Based Art Education, ou seja, Arte-educação como Disciplina. 45 Proposta de Ana Mae Barbosa que pensa o ensino da arte a partir do tripé: fazer artístico, contextualização histórica e leitura da obra de arte. 44 82 CÉLULA abriu um canal de comunicação da UFPR com o Núcleo Regional da Educação de Curitiba 46, setor da Equipe Disciplinar. 47 Por intermédio da Coodenadora de Arte, Alair Costa Nascimento Wendpap, estabelecemos um contato direto com os professores de Educação Artística da Rede Estadual do Paraná. O envolvimento desta equipe foi de extrema importância, uma vez que este Núcleo desenvolve ações de apoio que têm por finalidade estimular diretores, técnicos pedagógicos, docentes e educandos para a construção de um novo saber acadêmico. A tarefa maior do Núcleo é construir pontes para que se efetive a relação entre os professores de arte e toda uma rede de canais formativos como: atividades em museus, cursos, palestras e encontros de estudo que acontecem dentro do sistema educacional do Estado do Paraná. Foi uma parceria que possibilitou a divulgação do projeto para 600 professores de arte. Os docentes que comprovassem seu vínculo com o Estado receberiam uma bolsa de 100% para inscrição no Projeto. Todo este processo teve início logo após a elaboração da idéia base do projeto e da seleção do público-alvo. Em dezembro de 2007, antes do encerramento do ano letivo, os professores já haviam recebido, por correspondência eletrônica, uma nota de divulgação comunicando sobre o que seria o Projeto CÉLULA e que estariamos recebendo inscrições para o início da oficina em abril de 2008. As primeiras inscrições foram feitas ainda em dezembro. Com o começo das inscrições era possível perceber o nível de motivação dos professores. Nas fichas, dados como: data de nascimento, telefones, endereço, formação, escola em que atua, tempo de atuação em artes e e-mail, serviram para que montássemos o perfil básico do professor de arte que encontraríamos em abril, e pudéssemos prever, mesmo que hipoteticamente, algumas necessidades que deveriam ser contempladas no planejamento da oficina. A inscrição por e-mail possibilitou contatos importantes com o nosso público. Muitas correspondências foram trocadas antes mesmo de começarem as atividades, com a intenção de gerar espectativa e manter os professores focados na data de abril, para a qual faltavam ainda quatro meses. Os futuros participantes foram 46 Extensão da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, tendo como Chefe Regional Professora Sheila Marize Toledo Pereira. 47 Coordenado pela pedagoga Maria Cristina Theobaldo. 83 comunicados sobre exposições, palestras e cursos que aconteciam em Curitiba, como um meio de fazê-los adentrar na atmosfera que desejávamos quando do início efetivo das atividades. Este canal se mostrou realmente muito eficaz, e estávamos atentas para responder todos os e-mails. O projeto começava a fazer parte da vida de quem já havia feito esta escolha. Era preciso criar uma imagem que representasse o Projeto Célula: Gravura na Escola. O nome já induzia a escolha de uma Célula, mas não queríamos pensar no padrão. Buscávamos algo que apenas representasse o conceito. Entretanto, quando a Célula-tronco apresentou-se como imagem, não houve melhor escolha possível. A formação de um círculo, a multiplicação se concretizando. Conhecidas como Células-mãe ou Células estaminais, são vitais para a constituição de organismos complexos e tem grande capacidade de se dividir e se multiplicar. Ao observar nossa imagem-símbolo, alguns vêem um ninho com ovos, e era justamente um ninho o projeto naquele momento: uma estrutura construída para a proteção às idéias e novos projetos. Chegou abril e, como se fosse a nossa primavera, começaram as atividades da oficina. Estávamos atentas nessa tarefa, que para nós era novidade, não só por estarmos lidando com uma situação inusitada – estudantes atuando na capacitação de professores de arte – mas também pelo conteúdo com o qual nos dispusemos a trabalhar. Queríamos um diálogo possível, e escolhemos nos comunicar pela linguagem da gravura, baseadas no seu grande potencial democratizador. A ação de gravar existe desde tempos imemoráveis e, ao longo de sua história, a linguagem da gravura incorporou mudanças de forma muito mais rápida e radical que as outras artes, talvez por nunca ter se limitado à esfera artística. A superação dos limites técnicos ou estéticos e sua relação com fins utilitários fez a gravura transitar com desenvoltura entre a vida real e o mundo artístico. Para percebê-la e apreciá-la no contexto contemporâneo é preciso exercitar não só a sensibilidade, mas também o olhar. É nessa educação do olhar, a partir dela, que se institui toda a filosofia e as ciências do Ocidente, e até mesmo o saber voltado para o prático, como atesta a escola médica de Cós, que calou a boca do feiticeiro e ensinou a estabelecer um diagnóstico a partir de um olhar mais atento (BORNHEIM,1988, p.89). Ir em busca 84 de um ver que sabe ver, que inventa meios para ver cada vez melhor, este era o nosso foco inicial. Eram quarenta e três pessoas inscritas. Foram montadas duas turmas: uma mista, com alunos da Universidade Federal, interessados em arte e professores, e uma somente com professores de arte da Rede Estadual de Ensino do Paraná. A primeira turma funcionava às quartas-feiras no período da noite, enquanto que a segunda teve suas atividades desenvolvidas aos sábados pela manhã. Focaremos, nesse relato, essa última turma de professores, que permitiu uma observação mais específica dentro dos objetivos do projeto. Em nosso encontro inicial, formamos um círculo – ou ninho – para que todos os olhares pudessem curiosamente se percorrer mutuamente. Na apresentação, todos se declararam professores de arte, sendo dois formados em música. Pessoas diferentes com perfis semelhantes, cabeças cheias de razões, lutando contra a rotina e a monotonia: um grande nó a ser desatado. Esperavam a fala inicial sobre “gravura alternativa”, termo do uso comum para a exploração da gravura com materiais simples ou reaproveitáveis, tais como isopor, caixas de leite, etc., dentro do contexto escolar. Porém, os olhos curiosos foram convidados primeiramente a olhar. Seguindo as orientações de Fayga Ostrower, falamos sobre o papel que é desempenhado pela percepção, dentro do processo de olhar-avaliar-compreender, e sobre o quanto a percepçao está ligada aos processos de criação, pois é no ato de perceber que tentamos interpertar e, neste intrepretar, já começamos a criar. Não existe um momento de compreensão que não seja ao mesmo tempo criação (OSTROWER, 1988, p.167). O caminho por nós escolhido era o de tocar a sensibilidade de cada um. O Projeto Célula deu início, então, a um jogo contínuo entre a percepção, a gravura e a arte. O grupo participou de descobertas perceptivas, sendo estimulado a olhar o seu entorno e ao mesmo tempo pensar como poderia ir além dele. É só quando passamos do limiar do olhar para o universo do ver que realizamos um ato de leitura e de reflexão (ZAMBONI,1998, p.54). Este tipo de reflexão interessava ao projeto juntamente com questões a respeito da construção de um conhecimento que possibilitassem que a escola, o professor e o aluno falassem a mesma linguagem: a da arte da gravura. 85 Como há sempre uma tendência a buscarmos respostas certas e precisas a nossas dúvidas e questionamentos, com as ações pedagógicas isto não ocorre de modo diferente. Um caminho mais curto é um facilitador que não se pode dispensar nesta jornada de intrincadas escolhas. No entanto, mesmo os professores que relataram – confessamente - que esperavam fórmulas e leituras prontas para aplicar com os alunos, foram abalados pela curiosidade, pela poesia e pela pesquisa. Nada estava pronto, tudo seria construído de modo coletivo a partir de novos olhares, comprometidos pelos seus próprios referenciais. Quando um grupo faz um círculo e analisa conjuntamente uma imagem, fica claro que não há uma única visão, uma só leitura possível. Este é o nosso desejo: lançar múltiplos olhares sobre uma mesma imagem e criar uma rede de relações. É um processo complexo que exige tempo, treino, vontade, estudo, sensibilidade e determinação para criar e testar muitas hipóteses. A profundidade da experiência humana depende do fato de sermos capazes de variar nossos modos de ver fazendo do olhar artístico um olhar construtivo (CASSIER, 1960, p.287). A curiosidade, neste caso, deve ser sempre vista como uma possibilidade de descoberta. Para este grupo curioso de professores, parecia já ser hora da tal “gravura alternativa”, mas, se íamos falar da luz, como meio de modelar volumes, de sombras, que dão a sensação misteriosa de mover-se no espaço e de obscuridades tão profundas que podem produzir um estado de não ser, era preciso olhar mais um pouco. E se o olhar usurpa os demais sentidos fazendo-se cânone de todas as percepções, para ver era preciso tomar uma certa distância, como se fossemos tomar impulso para um grande salto. Abrimos então uma “caixa”, contendo ferro granulado e grafite em pó. A única exigência era uma mão próxima, tão próxima foi possível sentir o peso e o frio de forma tátil. Enquanto a mão manipulava, o olho captava no espelho o resultado da ação. Mais uma vez foram chamados a participar sensorialmente, sendo convidados a mergulhar as mãos, a olhar apalpando, repousando a mão, sentido o material, apropriando-se, não dele, mas de seu resíduo. Quando pressionaram a mão sobre o papel, uma imagem se formou, e a partir daí construíram sua primeira gravura, como nas cavernas de Lascaux e Altamira, onde o homem pré-histórico realizou alguns de seus primeiros experimentos a cerca do fazer artístico, há milhares de anos. A partir desta “caixa” 86 muitas imagens puderam ser geradas, sem a preocupação da multiplicação idêntica, pois todas serão únicas, literalmente como uma impressão digital. E sobre a mesa de entintagem do ateliê, fez-se uma mágica que se repete a cada oficina. As tintas de impressão, viscosas e brilhantes, ao serem abertas invadem a sala de intensa expressividade e uma energia intensa. Alguns experimentos já comprovaram esta resposta corpórea à cor interferindo na musculatura e na circulação sanguínea: sabe-se que a relação do olho é íntima e estrutural. O anatomista norte-americano Stephen Poliak admite a hipótese revolucionária de que o tecido cerebral evolução dos resultou olhos em de uma pequenos organismos aquáticos que viveram há mais de um bilhão de anos atrás. Quer dizer: foi o olho que se complicou dando origem aoAtividade córtex onde, supõe-se, está a com a “Caixa”. sede da visualidade (CONRAD, 1972, p.174). Com a introdução das primeiras experiências envolvendo processos de impressão, era possível perceber a gravura, como processo, atuando em cada “Célula”. Sempre que sentavam para analisar as imagens do acervo 48 da disciplina de Gravura 49 da UFPR havia intensos momentos de troca, os professores se permitindo passar pela experiência como se estivessem vendo pela primeira vez com os olhos de uma criança, como disse Matisse, ou - para melhor adequarmos ao nosso projeto - como pássaros recém saídos da casca. Os olhos estavam sempre surpresos diante dos resultados possíveis, mesmo quando a técnica era conhecida e já tinha sido aplicada em sala de aula. A cada 48 No acervo ficam arquivados, um exemplar selecionado de cada técnica, das gravuras produzidas pelos alunos da disciplina no Laboratório de Gravura. 49 Ministrada pela Prof.Dra. Dulce Osinski, no Curso de Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais do Departamento de Artes – UFPR. 87 impressão, uma reflexão. Cada possibilidade de gravura era uma possibilidade de leitura, de aprender a fazer imagem, de expressar-se e de comunicar-se por imagem. Eram atividades de preparação com intuito de conduzir para um mesmo alvo olhares que partiam de lugares diferentes. Afinal o que é a imagem se não um objeto polissêmico? No entanto, é justamente dentro desta polissemia, que existe um espaço para a formação estética individualizada. Antes do aluno passar por este processo tão intrincado, achamos necessário que o professor devesse fazê-lo. Café da Manhã e conversa com os artistas Valdir Franscico, Sandra Natter e Michelle Behar. Como toda verdadeira práxis humana, a arte se situa na esfera da ação, da transformação, tem um caráter prático, realizador e transformador (VÁZQUEZ, 2007,p.229) e a disciplina de arte, apesar de ainda ter um caráter secundário ou extracurricular, é plena de conteúdo específico com potencial para atuar como eixo articulador de outros saberes, dentro e fora da escola. Era esse universo que nossos professores precisavam estar dispostos a redescobrir. Mesmo tratando-se de professores de arte, não partimos da premissa de que todos conheciam as especificidades desta linguagem. Era importante, antes de mais 88 nada, que tomassem consciência das exigências técnicas da gravura. Esta é uma questão que Consuelo Schlichta 50 aborda com muita propriedade, quando afirma que algumas práticas pedagógicas vêem o saber artístico como um receituário voltado ao domínio de técnicas restrito a crianças e ao espaço escolar. Para ela, a técnica nunca deve ser aplicada como receita mas, como meio de expressão e conhecimento, pois somente desta maneira possibilita a verdadeira compreensão da arte e de seu campo. Então, permear técnica e conhecimento e prática era o caminho ideal a ser seguido. Romper com a hierarquia professor-aluno foi um dos desafios a serem enfrentados, e que revelou resultados surpreendentes. Se ensinar se constitui em poder, ou seja, uma atividade transformadora, quem estava dentro deste projeto deveria estar disposto a isto. Quando então, duas acadêmicas, em plena construção de uma competência que está constantemente em elaboração, diziam que tudo estava para ser construído e questionavam sobre, se em algum momento, estes professores – ou elas mesmas – estariam prontos? Este era um momento delicado e o começo de um processo verbal complicado, concentrado na sensibilidade de percepção, conhecimento artístico, transferência de habilidade, expressão visual e avaliação estética (FAIRCHILD, 2005, p. 391). A tarefa era selecionar uma linguagem apropriada para criar valores estéticos e promover dinâmicas que levassem os professores envolvidos a elaborar propostas com diferenciais significativos, e rompendo com o senso comum de que qualquer imagem impressa é gravura, destacando as diferenças evidentes entre os vários processos possíveis permeando a tradição da técnica e das novas possibilidades. Tínhamos também, que inverter o sentido das limitações econômicas das escolas estaduais, principalmente para disciplina de artes, e viabilizar o contato com os materiais, as ferramentas e as tintas, adequando um espaço físico para implantação de um Laboratório Célula que abriria novas possibilidades de pesquisa artística dentro das escolas. 50 Mestre em Educação pela UFPR, Doutora em História pela UFPR, Professora do Curso de Bacharelado e Licenciatura em artes Visuais do Departamento de Artes – UFPR. 89 Sentido-se segura com o trabalho realizado com a “caixa”, Tânia Barcala Dutra 51, adaptou sua experiência pessoal com originalidade e levou suas cinco turmas de 5ª séries, de 19 a 21 de maio de 2008, para uma viagem nas cavernas e pela arte rupestre A alegria com que as crianças participaram desta atividade foi contagiante e chamou a atenção de outros alunos que estavam no pátio. Tinham a curiosidade de saber como acontecia que material era utilizado e ficaram muito empolgados com os resultados. Após o trabalho foi feita uma exposição em sala para que todos pudessem observar as impressões enquanto a professora explicava que a atividade realizada tratava-se de gravura, chamando a atenção para os conceitos básicos desta linguagem. Era a primeira multiplicação: o Projeto Célula estava estabelecendo relações fora do seu ninho. Estávamos começando a derrubar as barreiras entre a gravura e a escola. E o professor de arte, que tem seu olhar apurado, sabe que para seu trabalho ter maior relevância dentro da escola, é preciso conhecer seus alunos e buscar elementos significativos para que encontrem novas formas de se expressar. É ele que tem a oportunidade – e deve aproveitá-la – de ajudar a construir seu universo imaginário e de ativar todo um processo criativo, bastando para isso estar atento. A professora Sandra Anália dos Santos 52 estava atenta e sentiu-se pronta para penetrar neste valiosíssimo universo. Com o projeto veio a motivação que faltava para levar a gravura para a escola, porém a sala de aula foi pequena para o impulso que a gravura tomou. Ela acabou recebendo da diretoria a “Sala 22”, que estava fechada, encarou o desafio com todas as suas turmas e “viciou” os alunos Fiquei um pouco apreensiva, pois não sabia como os alunos poderiam receber esta novidade e se gostariam ou não. Primeiro foi dado aulas explicativas sobre gravura: a história, como iniciou, para que poderia ser usado no futuro e os métodos mais acessíveis. Logo vieram as aulas práticas. Foi uma gostosura! O interesse dos alunos foi imediato e a solicitação de mais aulas práticas é o tempo todo. Digo até que os alunos ficaram viciados pela gravura! Tenho alunos interessadíssimos para trazer definitivamente o projeto para o 51 Profa. Graduada em Educação Artística/ Habilitação em Artes Plásticas. Especialista em Metodologia da Ciência pelo Centro Integrado de Educação Superior de “Dr. Bezerra de Menezes”. Atua no Colégio Estadual Santa Felicidade – Curitiba – Paraná. 52 Prof. Graduada em Educação Artística / Habilitação em Música na Faculdade de Artes do Paraná, Pós Graduada em Piscopedagogia na FACINTER e Mestre em Educação na Holanda. Atua na Escola Estadual Prof. Brasílio Vicente de Castro – CIC – Curitiba. 90 colégio. O Projeto Célula agora já tem muito mais Células! As atividades são dinâmicas e quando termina o horário os alunos não querem voltar para a sala de aula. Vejo também o interesse por parte da direção e orientação do colégio por ter uma atividade diferenciada para os alunos. Sei que é desta forma que podemos fazer uma educação diferenciada usando até a interdisciplinaridade, pois houve também interesse dos professores de outras disciplinas. Motivada, a professora Vanessa Dybax 53 , primeira inscrita do projeto, experimentou todas as propostas e criou situações inventivas. Seu foco eram as diferentes possibilidades que pudessem estimular a ampliação do repertório dos seus alunos: O arte-educador é motivado por tudo que é novo e gera expectativas. O Projeto Célula: Gravura na Escola, surgiu em um momento em que as idéias e práticas estavam um pouco saturadas, e propiciou um novo olhar sobre a gravura e suas possibilidades de acordo com o contexto escolar. Quando realizei minha inscrição, ainda no final de 2007, senti a euforia para iniciar logo a oficina, aprender e mesmo rever técnicas e resgatar um conhecimento pouco explorado, que fez parte da minha formação acadêmica. Hoje, poder freqüentar as aulas, além da alegria de estar livre para criar, do sentimento de boas recordações e novas descobertas é a satisfação de poder participar ativamente com aulas dinâmicas onde posso convidar meus alunos para uma viagem ao mundo da arte. Para que estes professores se sentissem seguros para propor as atividades na sala de aula, foi necessário despertar alguns conhecimentos. Apresentamos conteúdos da história da gravura abordando algumas de suas diferentes técnicas gráficas e alguns dos mestres como: Albert Dürer (1471-1528), Rembrandt van Rijin (1606-1669), Francisco Goya (1746-1828) Henri de Toulouse-Lautrec (18641901), Wassily Kandisnsky (1866-1944), Pablo Picasso (1881-1973 e Andy Warhol (1928-1987). A esses, juntamos também, a gravura japonesa e alguns artistas, autores de obras representativas de momentos da história da arte, em que a gravura foi instrumento de construção e o principal meio de poéticas artísticas específicas, como o Expressionismo e a Pop Art. Também artistas brasileiros, paranaenses e curitibanos. 53 Prof. de Educação Artística no Colégio Estadual Ivo Leão em Curitiba, Paraná. Graduada em Educação Artística –Artes Visuais e Pós-Graduação em Webdesinger pela Universidade Tuiuti do Paraná. 91 Como o valor de um trabalho não depende da técnica utilizada, mas do resultado final obtido, apresentamos não somente a técnica, mas algumas das possibilidades de matrizes e resultados possíveis em sala de aula. Não consideramos “gravura alternativa”, não usamos esta expressão em nenhum momento, pois se o que chamamos de gravura é a impressão no papel de uma matriz trabalhada e preenchida com tinta para reprodução da imagem, é com este conceito geral que trabalhamos desde o início do projeto. A primeira técnica que apresentamos foi a monotipia 54, que possibilitava apenas cópia única, mas podia e devia ser utilizada como base de composição para impressões posteriores. Algumas imagens eram tão expressivas que dispensavam interferência. Ao trabalharmos com as técnicas de relevo 55 abordamos as possibilidades de xilogravuras com matrizes de isopor, pastas polionda, trabalhando a composição elaborada da imagem. Sempre que uma impressão era gerada estavámos prontos a refletir sobre o resultado e novas formas que permitiriam uma melhor expressão, mas todos os momentos eram aproveitados para que a discussão coletiva sobre os resultados fosse instaurada. A gravadora Juliana Kudlinski foi convidada a falar sobre seu trabalho no “Café da Manhã com Artista” 56, apresentando carimbos feitos de borrachas escolares, como matrizes geradoras da construção de mandalas e do desenvolvimento de sua poética plástica e de seus caminhos investigativos. Era uma alternativa que alguns conheciam, mas não haviam aplicado em sala. Esta apresentação gerou uma reação muito rápida no grupo, que se mobilizou imediantamente e aproveitou a presença e orientação da artista para fazerem seus primeiros carimbos e mandalas. Seguindo o planejamento, abordamos em seguida as técnicas de baixorelevo 57 que têm como característica a absorção e a impressão das linhas de tinta que foram riscadas na matriz. Nesta técnica estavam as maiores novidades: o cd, a caixa de leite, latinhas de refrigerante, retalhos de acetato e plásticos... 54 Composição de uma imagem diretamente sobre uma superfície e a impressão no papel. O termo refere-se as partes elevadas da matriz de impressão. São estas partes que irão absorver a tinta e transferí-la para o papel. 56 Uma das atividades criadas pelo Projeto Célula em que um artista local e atuante é convidado para um café da manhã com o grupo. 57 O termo refere-se a partes afundadas, encravadas, riscadas ou esculpidas da matriz que são preenchidas com tinta. 55 92 Era o momento certo para novas edições do “Café da Manhã com Artista”, pois seria necessária uma troca de olhares entre o grupo e artistas atuantes para que fizessem a apresentação de seus trabalhos e poéticas. O primeiro encontro foi com as artistas gravadoras Hebe Libera e Eliana Herrera. Hebe trabalha com plástico polionda, pois era o material que tinha disponível em grande quantidade, e desenvolveu sua poética sobre as possibilidades que descobria com a sua manipulação como matriz. Eliana trabalha com cds, caixas de leite, sucos, acetatos de golas de camisa, retalhos plásticos. É uma aproveitadora de materiais e uma visionária. Constrói matrizes mínimas com grande potencia visual. As artistas estavam disponíveis e os professores mergulharam nessa troca que o contato direto com o produtor de arte possibilita. Aconteceu também o café da manhã com os artistas Valdir Francisco, Sandra Natter e Michelle Behar, todos atuantes e participantes do Projeto de Oficina de Gravura da UFPR e cujas poéticas possuem características comuns: um olhar diferenciado para o mundo e a paixão pela arte da gravura. Valdir constrói matrizes com figuras colecionáveis, destas que vêm em pacotes de salgadinhos, explorando encaixes, repetições e sendo incansável na busca de novas alternativas. Sandra se interessa pela simplicidade dos materiais, agregando valor e buscando inspiração nas cenas do dia-a-dia e nas suas memórias. Michele é mestre na composição, na escolha das cores, na transformação da matriz e das formas, tendo trazido um elemento a mais que já despertara o interesse do grupo: a gravura digital. Depois de todos estes encontros e trocas, uma descoberta: a tão esperada “gravura alternativa” não existia! Todas as alternativas que os artistas apresentaram eram ótimas gravuras resultantes de pesquisas em áreas de interesse. E não eram ótimos por que eram “bonitinhos”, mas porque pensavam a construção da imagem a partir do que está no nosso entorno. Quando os professores começaram a perceber o mundo como uma imensa matriz a ser gravada e impressa, era o momento que aguardávamos para dar início à gravura na escola. Colocamos uma pequena prensa a disposição dos professores. Também estivemos presentes em algumas escolas, em oficinas de gravura trabalhando junto com o professor, auxiliando na apresentação e aplicação da técnica. 93 Estão, também, sendo formados Monitores Célula 58 dentro do próprio Laboratório de Gravura da UFPR para que auxiliem o professor na escola. Estas ações geraram, e ainda estão fomentando, resultados positivos na relação professor – escola – aluno, pois estes estabeleceram a linguagem da gravura como forma de comunicação – como já fizeram muitos artistas gravadores! Novos projetos já foram iniciados nas escolas, tendo os professores se apropriado, para o fazer da gravura, de salas que antes estavam destinadas para outros fins. Outras disciplinas começam a ver na arte o seu potencial como eixo articulador de saberes. Alguns dos professores relataram que, nas visitas aos museus, já se permitem fazer uma mediação mais consistente, estebelecendo com maior facilidade uma ponte interligando a educação perceptiva de seus alunos e a expressão criativa das obras. Somente o professor, tendo vivenciado adequadamente a experiência estética, pode permitir e ampliar, com maior facilidade, a qualidade desta experiência para o aluno. E se, além destes, outros benefícios resultarem das atividades de arte e da gravura, tanto melhor. E sobre o ninho? Ele não estará vazio. O Projeto Célula acredita que sob os olhos atentos dos professores, respeitando o tempo de cada um, outros estarão sendo construídos, em cada escola: um espaço maior para gravura. REFERÊNCIAS BORNHEIM, Gerd A. As metamorfoses do olhar. In: NOVAES, Adauto. O olhar. São Paulo : Companhia das Letras, 1988, p.89-93. __________. Caixa de Cultura. Gravura: História e técnica. São Paulo : Itaú Cultural, 2002. CASSIER, Ernst. Ensaio sobre o homem. Lisboa: Guimarães Editores, s/d. CONRAD, Mueller. Luz e visão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972. FAIRCHILD, Maurice e Marguerite. A aprendizagem visual: uma análise sóciolingüistica sobre a crítica de arte no ensino de artistas. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.) Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005, p.388-403. 58 Estes monitores são alunos selecionados nas turmas pelo professor envolvido no projeto, e fazem uma tarde de oficina no Laboratório de Gravura da UFPR. 94 MACHADO, Regina. Rasas razões. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Inquietações e Mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002, p.175-180. OSTROWER, Fayga. A construção do olhar. In: NOVAES, Adauto. O olhar. São Paulo : Companhia das Letras, 1988, p. 167-182. PORCHER, Louis. Educação Artística: luxo ou necessidade?. São Paulo: Summus, 1982. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007. ZAMBONI, Sílvio. A pesquisa em Arte: paralelo entre arte e ciência. Campinas: Autores Associados, 1998. Texto recebido em 30 jun. 2008. Texto aprovado em 10 set. 2008. 95 RELATOS E REFLEXÕES SOBRE AS AÇÕES DO PÓLO ARTE NA ESCOLA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Report and Reflexions about the actions of the Programa Arte na Escola - UFPR Ana Maria Petraitis Liblik 59 RESUMO Este artigo relata as ações extensionistas do pólo UFPR do Programa Arte na Escola. Uma breve reflexão sobre estas ações com vista à integração do tripé graduação – pesquisa – extensão, da nossa universidade. Perspectivas sobre as ações futuras e a sua importância para a comunidade externa. Palavras-chave: Ensino de Arte; ações extensionistas. ABSTRACT This paper reports the extensionists actions of the Program Arte na Escola/ UFPR. A short reflextion over these actions regarding the integration of the activities of the tripod: graduation – extension and research, of our university. Perpectivs about the future actions and its importancy for the external community. Keywords: art teaching; extensionist activities. RESUMEN Este artículo describe las acciones extensionistas del polo UFPR del Programa Arte na Escola. Es un breve relato de las acciones para la integración de las actividades de trípode graduación, extensión y pesquisa de nuesta universidad, con vistas a las perspectivas de acciones futuras y su importancia para la comunidad externa. Palabras-clave: enzenanza del arte; actividades de extensión. Para começo de conversa Final de ano e final de semestre, correria natural de pequenas ações que, ao se organizar em conjunto, encerram o trabalho de professores, alunos e convidados. São trabalhos e provas corrigidos, listagens com freqüências e conceitos lançados, notas encerradas para o ano ou semestre letivo que finda, relatórios escritos e apresentados às instâncias superiores. 59 Doutora em Educação (USP). Professora do Departamento de Teoria e Prática do Ensino do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná, Rua General Carneiro, 460 - # 511 – Curitiba, PR - [email protected] - Coordenadora do pólo UFPR – [email protected] 96 Ao mesmo tempo em que isto acontece, uma saraivada de idéias se compõe e, efervescente, lança tentáculos em direção ao futuro. São os novos projetos que tomarão forma durante as férias, para as novas ações, para o ano ou semestre vindouro. A cada ano que passa, esta é como uma rotina natural: o que “deu certo” se mantém e o que apresentou algumas falhas, algumas lacunas, pensa-se novamente e se refaz o percurso organizando de outra forma as ações. Projetos extensionistas, em sua maioria, são assim projetados. Uma universidade se estrutura a partir de um tripé bem conhecido: ensino, pesquisa e extensão. Enquanto o ensino é como que uma constante obrigatória e pouco valorizada, a pesquisa tem o status de elite. Pesquisar-ensinar deveria ser o percurso natural de qualquer professor universitário, para não dizer de qualquer profissional da Educação comprometido consigo e com a comunidade. Entretanto, a realidade é bem mais cruel do que parece: nas universidades públicas a pesquisa, até por uma questão de injeção de verbas federais, apresentase como um “degrau” acima do ensino. E neste cenário capenga, a extensão quase desaparece nas ações universitárias. Em instituições públicas, difícil decisão a de priorizar uma das três ações em detrimento das outras... Como a docência é obrigatória e a pesquisa também, a extensão fica relegada, na maioria dos casos, a uma gaveta de projetos pensados e não realizados. Há uma via de mão dupla, um ciclo que se repete, mas em forma de espiral. Da extensão para a graduação e depois para a pesquisa, e da pesquisa novamente para a graduação e/ou a extensão. Enquanto a graduação é intermediária da relação entre o Ensino Médio e a formação profissional superior, a pesquisa é a que permite aos docentes aperfeiçoar seus conhecimentos e fazê-los avançar para que se adaptem e se constituam como base para novas construções teóricas. Uma teoria ou se refuta ou se amplia, ou então, se cria uma nova. E é nas universidades, com a pesquisa, que isto acontece. O ensino é o que melhor representa o que a comunidade acredita ser e espera da universidade. A graduação é o que todos desejam alcançar sendo que a pós-graduação – tanto strictu quando latu senso, ainda é para poucos. A extensão, por outro lado, estende seus braços para a comunidade não necessariamente acadêmica. São grupos de estudo, projetos, cursos, palestras, ações pontuais e outras continuadas, que apresentam a quem estiver interessado, 97 parte da pesquisa realizada pelos professores da universidade associando assim um saber a um fazer. Parece fácil pensar em atividades extensionistas assim, em termos de pessoas e materiais. Porém a organização e a efetiva realização das ações dependem muito mais de projetos pessoais de vida e de crenças do que de outros mecanismos. Extensão sem profissionais comprometidos e sem suporte logístico e afetivo torna-se quase uma utopia. É necessária uma estrutura mínima para que ela aconteça, mas não basta haver um local, uma sala, telefone e computador com Internet, professor responsável e, quem sabe, bolsistas. Além de tudo isto é preciso estabelecer parcerias – internas e externas à universidade – que auxiliem o coordenador a realizar os projetos que ele propõe. Uma destas parcerias é a realizada com o Instituto Arte na Escola de São Paulo (IAE) e é desta possibilidade que este artigo trata. O objetivo do Instituto Arte na Escola sempre foi capacitar professores de ensino básico para o ensino de Artes, sendo num primeiro momento, artes visuais, e para a produção de materiais como subsídios nessa tarefa. Além de textos (livros), há vídeos, pastas com imagens fixas denominadas arte br, e dvd’s, tudo para empréstimo aos professores que nos procuram. Como é sabido que este material por si só não resolve o problema, o IAE sugere que sejam organizados grupos de estudo e outras atividades extensionistas para o efetivo entendimento do uso dos materiais por ele produzidos. As ações extensionistas O convênio assinado entre a Universidade Federal do Paraná e o Instituto Arte na Escola prevê estas ações extensionistas. O objetivo principal do Programa Arte na Escola no pólo UFPR (assim como o dos outros 53 pólos espalhados por 24 estados brasileiros e o distrito federal) é estudar as diferentes possibilidades de ensino de Artes nos mais diversos graus de escolarização e auxiliar professores a implementá-las. Projetos extensionistas trabalham desta maneira: não é apenas um ensinar, mas principalmente, é construir juntos, universidade e comunidade, saberes específicos para o ensino de Artes. Os pólos têm atividades organizadas a partir dos 98 objetivos do IAE, da formação do coordenador do pólo e das demandas da comunidade local. Alguns pólos trabalham com conteúdos de artes visuais, outros com a linguagem da música, do teatro e da dança. Outros pólos voltam-se, além das discussões sobre as diferentes linguagens artísticas, para a formação continuada de professores do ensino básico (sem formação específica em Artes). Como isto é feito? Novamente a imagem de uma espiral se faz presente e explicita como isto acontece. Estudar, estudar muito, pesquisar, (re) elaborar idéias e conceitos e concretizá-los. Pesquisadores e professores em ação contínua organizando encontros, sugerindo textos, apresentando estratégias. A troca entre parceiros é salutar e acontece constantemente e a cada ano por meio de produções textuais que podem ou não ser apresentadas em eventos. A publicação destas pesquisas faz parte do mundo acadêmico e sua socialização impele a novas organizações mentais que podem ou não gerar novas idéias e novas ações. O ciclo se completa a cada ano que termina, com a reflexão do acontecido e com a preparação do que vai acontecer no próximo ano. Vejamos então o que foi feito pelo pólo UFPR desde o seu (re) começo em 2004, quando da assinatura de um novo convênio com o Instituto Arte na Escola de São Paulo. ano 2004 2005 Quadro de atividades realizadas Mês /semestre Número de professores atendidos 1. Lançamento do junho 880 material arte br. título 2. Capacitação 2º semestre para uso do material arte br. 800 1. Inauguração 01 de junho das instalações da sala do pólo UFPR, com a apresentação do Quarteto de cordas didático. 2. I Ciclo de 09/11 a 07/12 vídeos – conhecendo 30 Observaçõe s Presença do Sr. Reitor Entrega de uma pasta para cada professor. Presença do Sr. Reitor 30 99 e entendendo as possibilidades de utilização do material do Projeto Arte na Escola. 3. Doação de 800 publicações de Arte para a Secretaria de Cultura do Estado do Paraná 4. Quarteto de Março Cordas didático novembro 2006 2007 Dois exemplares para cada biblioteca de escolas do Estado do Paraná. a 16 concertos - com a presença de 35 alunos e dois professores cada. 1. II Ciclo de 21/03 a 13/06 10 vídeos – História da Arte e Leitura de imagens no Ensino da Arte. 2. III Ciclo de 16/08 a 22/11 16 vídeos – grupo de estudos em Artes, a partir da videoteca Arte na Escola. 3. Ensino de 16/08 a 22/11 12 Geometria nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental: conexões com o contexto artístico. 4. Quarteto de Março a 16 concertos - com a Cordas didático novembro presença de 35 alunos e dois professores cada. 1. IV Ciclo de 07/03 a 20/06 vídeos – grupo de estudos em Artes, a partir da videoteca Arte na Escola. 2. Ensino de 15/08 a 28/08 Geometria nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental: conexões com o contexto artístico. 3. V Ciclo de 15/08 a 28/08 vídeos – grupo de estudos em Artes, a partir da videoteca Arte na Escola. 4. Grupo de 15/08 a 28/08 Estudos em Artes a 100 partir da midiateca Arte na Escola 2007 Exposições com a chancela Arte na Escola em espaços culturais da UFPR • ESPAÇO, TEMPO, ESTRUTURA, ABSTRAÇÃO DIÁLOGOS ENTRE ARTE E MATEMÁTICA MusA - Museu de arte da UFPR 26 de junho a 09 de setembro de 2007 • IV MOSTRA LATINOAMERICANA DE ARTES VISUAIS MusA - Museu de arte da UFPR 13 de setembro a 18 de novembro de 2007 • REMINISCÊNCIAS DO TEMPO – RICARDO CARNEIRO MusA - Museu de arte da UFPR 28 de novembro de 2007 a 19 de abril de 2008 Espetáculos • DANÇA MONDRIAN Apresentação do Grupo Téssera Cia. de Dança da UFPR na Conferência Inaugural no XI EBRAPEM – Encontro Brasileiro de estudantes de pós-graduação em Educação Matemática. CENTRO POLITÉCNICO DA UFPR – SAGUÃO DO PRÉDIO DA ADMINISTRAÇÃO 07 de setembro de 2007 Mesas redondas • NARRATIVAS CONTEMPORÂNEAS FÁBIO MAGALHÃES, MONTSERRAT ALBORES GLEASON (MÉXICO), JAIME CERÓN (COLÔMBIA), PAULO REIS. Sala Homero de Barros – Reitoria da Universidade Federal do Paraná. 13 de setembro de 2007 as 15 h • NARRATIVAS CONTEMPORÂNEAS PAULO REIS, TICIO ESCOBAR (PARAGUAI), EVA GRINSTEIN (ARGENTINA) E FERNANDO BINI. Sala Homero de Barros – Reitoria da Universidade Federal do Paraná. 13 de setembro de 2007 as 18 h 30 • SOBRE A OBRA DE RICARDO CARNEIRO MusA – Museu de Arte da Universidade Federal do Paraná. 29 de novembro de 2007 as 19 h Outras atividades • NOITE DE AUTÓGRAFOS Lançamento do livro BRUGNERA – LUIZ CARLOS 101 MusA – Museu de Arte da Universidade Federal do Paraná 18 de outubro de 2007 às 19 h 2008 1. Grupo de Estudos em Artes a partir da midiateca Arte na Escola 2. VI Ciclo de vídeos – grupo de estudos em Artes, a partir da videoteca Arte na Escola. 3. Grupo de Estudos em Teatro I – jogos dramáticos para a sala de aula 4. Grupo de Estudos em Artes a partir da midiateca Arte na Escola 5. VII Ciclo de vídeos – grupo de estudos em Artes, a partir da videoteca Arte na Escola. 6. Grupo de Estudos em Teatro II – jogos dramáticos para a sala de aula 7. Atividades de Dança para as séries iniciais do Ensino fundamental 8. Atividades de Capoeira para as séries iniciais do Ensino fundamental 19/03 25/06 a 5 Produção de materiais didáticos 19/03 25/06 a 12 Produção de materiais didáticos 19/03 25/06 a 12 11/08 28/11 a 05 11/08 a 28/11 15 11/08 a 28/11 12 11/08 a 28/11 12 11/08 a 28/11 12 9. Atendimento a 19/03 a professores - plantão 28/11 semanal Variável Produção de materiais didáticos O atendimento funciona como um espaço para troca de “figurinhas” entre professores do ensino básico e a coordenação do pólo. As atividades do pólo UFPR atendem basicamente três linguagens artísticas: Música, Teatro e Artes Visuais, todas encaminhadas para as ações de sala de aula. 102 Uma primeira reflexão seria sobre o projeto Quarteto de Cordas didático. É uma atividade realizada com alunos do curso de Licenciatura em Música onde eles apresentam para alunos de uma turma de escola pública, e em uma hora/aula, o que é um quarteto de cordas. O trabalho é feito em uma sala de aula, com no máximo 35 alunos e dois professores e não no auditório da escola para que os alunos possam se aproximar dos instrumentos e dos músicos. Mantivemos esta atividade durante dois anos consecutivos – 2005 e 2006 – e pretendemos retomá-la em 2009, pois a procura é muito grande. A nossa reflexão nos leva a perguntar: como formar ouvintes de música se ela não é apresentada cedo, durante a escolaridade básica dos alunos? A resposta se esta forma de “formar” ouvintes é ou não positiva, só o tempo poderá nos dar. O Teatro como atividade para a sala de aula é recente em nosso programa. Começou no primeiro semestre deste ano e estamos repetindo no segundo semestre. Há interesse e procura e os participantes são variados. Temos desde professores em formação continuada até alunos de cursos de graduação e filhos de servidores da própria UFPR. A linguagem do Teatro, utilizada na perspectiva dos jogos dramáticos tem muito a acrescentar nas atividades escolares e tem sido uma experiência interessante. As Artes Visuais são atendidas em diferentes momentos. Temos os Ciclos de vídeo/dvd que passaram, de uma simples apresentação da fita ou do dvd da midiateca com uma posterior discussão, a grupos organizados de estudos com produção de materiais didáticos. O objetivo de dois destes grupos agora é a publicação dos materiais produzidos. Um momento interessante e que ainda não está bem explorado, é o atendimento individual a professores. Como o horário à disposição é semanal, há dias em que aparecem para conversar dois ou três professores e em outros, não vem ninguém. Todos até agora tiveram interesse em discutir sobre a própria sala de aula, o que ensinar em Arte e como fazê-lo. Funciona mais como uma ouvidoria do que propriamente um espaço para discussão, mas estes professores retornam e, quem sabe, um dia poderão fazer parte de nossas atividades em grupo de estudos. Algumas considerações podem ser feitas a partir do perfil de quem nos procura para as atividades extensionistas. Praticamente 85% dos professores que freqüentam o pólo pertencem à categoria de professores em formação continuada. Destes, a maioria está em sala de aula e vem à procura de novas possibilidades de 103 ação. Buscam conhecer teóricos mais atuais e participam ativamente das atividades extensionistas por determinado tempo. Novos materiais e outras possibilidades para a sala de aula os atraem e continuamente nos procuram, tanto por e-mail quanto por telefone. Uma parte pequena ainda não assumiu uma classe de alunos e, portanto, ao freqüentar os cursos proporcionados pelo pólo Arte na Escola UFPR, acreditam estar mais bem preparados para o futuro próximo. Há também alunos do curso de Artes Visuais – da nossa própria instituição e de outras da cidade, alunos de outras graduações e muitos professores do Estado do Paraná que fazem parte de um programa denominado PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional. Estes últimos, para fazer parte deste programa, passaram por uma rigorosa seleção da Secretaria de Educação do Estado do Paraná e, por terem que freqüentar a universidade, incluem as nossas ações extensionistas em sua grade horária. Outro fator interessante a ser notado é que o espaço do nosso pólo, assim como deve ser o de outros, serve também como um local de troca de “figurinhas” entre pares. São estratégias compartilhadas, são idéias postas em discussão, são ações que vão para as salas de aula e se renovam a cada encontro que passa. Conclusões Há muito que escrever sobre as ações extensionistas de nossa universidade para o ensino de Artes Visuais. As organizadas e realizadas pelo pólo Arte na Escola da UFPR são tímidas pelo que poderia ser feito com uma equipe maior de participantes ou com a superação das limitações que uma universidade pública impõe. Considerando, porém, o que está sendo feito, acreditamos atender positivamente o público que nos procura. Talvez o mais importante, mais significativo nestas nossas ações, seja não o que fazemos, mas a maneira com que isso acontece. No começo entendíamos que bastava “dar receitas prontas” para um público que ainda não sabia o que esperar do projeto. Nem nós sabíamos muito bem o que fazer, era apenas uma intuição acadêmica do que acreditávamos ser o mais adequado para os professores que nos procuravam. Hoje temos, com este mesmo público, muito mais que uma troca de idéias, um compartilhar de saberes que lentamente, mas consistentemente se organiza a partir do que se lê, do que se estuda para passar então a produzir novos saberes em conjunto. Percebemos que 104 agora é uma construção coletiva, um caminhar juntos, mesmo que seja com as dificuldades da construção epistemológica do saber. Consideramos, nos grupos, que não há quem sabe mais, e sim quem sabe diferente. E é no confronto destas diferenças que se possibilita o surgimento de um novo saber. Questionando o respeito pelo outro, entender as diferenças e, conseguindo assim, saber manter esse respeito permite-se e se aceita a tão discutida alteridade. Segundo Gusmão (1997) “a aventura de se colocar no lugar do outro, de ver como o outro vê, de compreender um conhecimento que não é nosso é o que chamamos de alteridade”. E é nesta troca entre professores em formação e professores com anos de experiência e a academia que se pautam as ações extensionistas. A universidade sempre se preocupou em pesquisar e ensinar. A questão da extensão, a ponte entre a academia e a comunidade que origina e sustenta esta instituição, é bem mais recente. Saber para si é importante, mas saber para si e para os outros é sábio e muito mais valioso. REFERÊNCIAS GUSMÃO, Neusa M. M. Antropologia e educação: origens de um diálogo. Campinas: 1997. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. Relatório do Projeto de Extensão Lançamento do material arte br. Curitiba, 2004. __________. Relatório do Projeto de Extensão Capacitação para uso do material arte br. Curitiba, 2004. __________. Relatório do Projeto de Extensão I Ciclo de vídeos – conhecendo e entendendo as possibilidades de utilização do material do Projeto Arte na Escola. Curitiba, 2005. __________. Relatório do Projeto de Extensão Quarteto de cordas didático. Curitiba, 2005. __________. Relatório do Projeto de Extensão II Ciclo de vídeos – História da Arte e Leitura de imagens no Ensino da Arte. Curitiba, 2006. __________. Relatório do Projeto de Extensão III Ciclo de vídeos – grupo de estudos em Artes, a partir da videoteca Arte na Escola. Curitiba, 2006 105 __________. Relatório do Projeto de Extensão Ensino de Geometria nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental: conexões com o contexto artístico. Curitiba, 2006. __________. Relatório do Projeto de Extensão Quarteto de cordas didático. Curitiba, 2006. __________. Relatório do Projeto de Extensão IV Ciclo de vídeos – grupo de estudos em Artes, a partir da videoteca Arte na Escola. Curitiba, 2007. __________. Relatório do Projeto de Extensão Ensino de Geometria nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental: conexões com o contexto artístico. Curitiba, 2007. __________. Relatório do Projeto de Extensão V Ciclo de vídeos – grupo de estudos em Artes, a partir da videoteca Arte na Escola. Curitiba, 2007. __________. Relatório do Projeto de Extensão Grupo de Estudos em Artes a partir da midiateca Arte na Escola. Curitiba, 2007. __________. Relatório do Projeto de Extensão Grupo de Estudos em Artes a partir da midiateca Arte na Escola. Curitiba, 2008. __________. Relatório do Projeto de Extensão VI Ciclo de vídeos – grupo de estudos em Artes, a partir da videoteca Arte na Escola. Curitiba, 2008. __________. Relatório do Projeto de Extensão Grupo de Estudos em Teatro I – jogos dramáticos para a sala de aula. Curitiba, 2008. Texto recebido em 30 jun. 2008. Texto aprovado em 10 set. 2008. 106 Demanda Contínua 107 PROGRAMA PARA A FORMAÇÃO DA CIDADANIA INFANTO-JUVENIL: UM CAMINHO PARA A AUTONOMIA INFANTIL Program for the formation of the citizenship infant-youthful: a way for the infantile autonomy Ana Cláudia Delfini Capistrano de Oliveira 60 Maria de Lourdes Alves Zanatta 61 Lívia Lima 62 Maiti Mattoso Fontana 63 Rodrigo Fuck Giostri 64 Simone Cristine Davel 65 RESUMO Este artigo apresenta o Programa de Formação da Cidadania Infanto-juvenil que resultou na publicação de um livro para crianças e adolescentes chamado CADERNO DE CIDADANIA. Seu objetivo principal é o fortalecimento da cidadania infanto-juvenil na perspectiva da autonomia e da emancipação da criança na sociedade brasileira, que vem sofrendo um absoluto descaso desde a gênese da própria sociedade brasileira. Para concretizar este objetivo o Caderno foi construído de forma participativa, unificando três projetos, o “Projeto Cidadania e Meio Ambiente na Escola: A Cartilha do Cidadão Mirim”, “Direitos Humanos no Banco Escolar” e “Ação Cidadã: Aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente numa comunidade”. O caderno, de maneira lúdica e interativa, integra as habilidades e competências que contribuem para a formação de cidadãos conscientes e ativos na defesa e proteção de seus direitos fundamentais e do patrimônio ambiental, fazendo da escola não apenas espaço de apreensão de informações técnico-formais, e sim de formação e instrumentalização para a cidadania. O Caderno de Cidadania trabalha na perspectiva de ser um material de conteúdo transversal que poderá ser utilizado pelos professores de todas as disciplinas, bem como por facilitadores autônomos. O objetivo desse projeto é despertar a consciência crítica e estimular a autonomia, que significa mudança na organização da desigualdade social que afeta as crianças brasileiras. Palavras-chave: Cidadania; direitos; infância e juventude. ABSTRACT 60 Mestre em Sociologia Política e professora da UNIVALI Mestre em Direito Internacional e professora da UNIVALI 62 Graduanda em Direito e bolsista do Programa de Extensão UNICIDADE 63 Graduada em Engenharia Ambiental e bolsista do Programa de Extensão UNICIDADE 64 Graduando em Direito e bolsista do Programa de Extensão UNICIDADE 65 Graduanda em Direito e bolsista do Programa de Extensão UNICIDADE 61 108 This article presents the Program of Formation of the Infant-youthful Citizenship that resulted in the publication of a book for children and adolescents called NOTEBOOK OF CITIZENSHIP. Its main objective is to encourage the infant-youthful citizenship in the perspective of the autonomy and the emancipation of the child in the Brazilian society, whose comes suffering an absolute indifference since the beginning of Brazilian society. To materialize this objective the Notebook was constructed unifying three different projects: the Project “Citizenship and Environment in the School: The notebook of the Mirim Citizen, “Right Human beings in the Pertaining to school Bank” and “Action Citizen: Application of the Statute of the Child and the Adolescent in a community”. The notebook integrates, in a playful and interactive way, the abilities that in such a way contribute for the formation of conscientious and active citizens in the defense and protection of its basic rights and the ambient patrimony, making the school not only space of apprehension of information technician-deeds of division, and yes of formation of citizenship. The objective of this project is to awake the critic conscience and to stimulate the autonomy, which means changing the social inequality organization that affects Brazilians children. RESUMEN El articulo trae el Programa de Formação da Cidadania Infanto-juvenil, ha resultado en la publicación de un libro para ninõs y jovenes llamado CUADERNO DE LA CIUDADANÍA.Su objetivo principal es el fortalecimiento de la ciudadanía infantojoven en la perspectiva de la autonomía y la emancipación del niño en la sociedad brasileña, que sigue sufriendo una indiferencia absoluta desde la genese de la sociedad. Para materializar este objetivo, el CUADERNO fue construido de forma participativa, por la unificación de tres proyectos de extensión: “Ciudadanía y medioambiente en la escuela: La cartilha del ciudadano mirim”, “Derechos humanos en el banco de la escuela” y “Acción ciudadã: El uso del estatuto del niño y del adolescente en una comunidad”. El cuaderno integra, de manera juguetona y interactiva, las habilidades y capacidades que contribuyen para la formación de ciudadanos concienzudos y activos en la defensa y la protección de sus derechos fundamentales y patrimonio ambiental, haciendo del espacio de la escuela no sólo de la aprehensión de la información técnico-formale y sí de la formación y del instrumentalización para la ciudadanía. El CUADERNO funciona en la perspectiva del contenido transversal que se podría utilizar por los profesores de todas las disciplinas, así como para facilitadores independientes. El objetivo del proyecto es despertar la conciencia critica y estimular la autonomia como cambio de la organización del iniquidad social que afecta a niños brasileños. Introdução O objetivo deste artigo é apresentar o histórico e a atuação do Programa de Formação para a Cidadania Infanto-Juvenil, projeto integrante do Programa de Extensão UNICIDADE da Universidade do Vale de Itajaí/Univali, em seus aspectos teóricos e práticos, por meio da utilização do Caderno de Cidadania, um livro para crianças e adolescentes utilizado em escolas municipais e entidades sociais dos municípios de Itajaí, Balneário Piçarras, Balneário Camboriú e 109 Florianópolis, no Estado de Santa Catarina. 1. Programa de Formação para a Cidadania Infanto-Juvenil Tudo começou no ano de 2002 com o Projeto “Cidadania e Meio Ambiente na Escola: A Cartilha do Cidadão Mirim”, no qual se trabalhou a temática do exercício da cidadania nas questões ambientais junto aos alunos da Escola Básica Ariribá no Bairro Praia Brava/Itajaí/SC, que teve como objetivo construir conhecimentos em prol da formação do cidadão, reconhecimento e exercício de direitos/deveres e mobilização comunitária em prol da temática ambiental. Este projeto inicial integrava o Programa de Monitoramento Ambiental Voluntário (MAV) – desenvolvido pela equipe do Laboratório de Educação Ambiental (LEA) do Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar – a fim de complementar as atividades desenvolvidas pelo mesmo, orientado à Educação Ambiental e baseando-se na formação do “Clube Olho Vivo”, um clube de monitores mirins voluntários da escola. O Programa, enquanto proposta de Educação Ambiental Comunitária fundamentava-se na Pedagogia da Autonomia (que falaremos adiante) e teve como ponto de partida a realidade socioambiental da própria escola. Se a escola, em vez de humanizar e preparar para a cidadania reforça a desigualdade social e “desciviliza” o aluno, então é preciso começar do zero. Não adianta falar de participação, de conscientização, aliás, uma palavra bastante problemática para uma criança ou um adolescente que não se sente assim, que não se vê nem como cidadão e nem como sujeito, nas palavras do sociólogo Pedro Demo, “cidadania é a competência humana de fazer-se sujeito para fazer história própria e coletivamente organizada.”(DEMO, 1995, p.01). Essas palavras apresentam os dois pilares que norteiam o Caderno de Cidadania - em primeiro lugar, fazer-se sujeito para fazer história própria e em segundo lugar, fazer história própria mas coletivamente organizada. Como resultado da experiência no “Clube Olho Vivo”, produziu-se um modelo piloto de cartilha sobre cidadania e meio ambiente direcionada ao público infantojuvenil que poderia ser utilizada como instrumento para a formação da consciência cidadã. Esta foi a segunda etapa do projeto na qual a proposta de Cartilha construída na Etapa 1 foi testada e aprimorada junto aos professores e alunos, para que pudesse se constituir em material pedagógico para as escolas. Visou-se, ainda, desenvolver atividades voltadas aos professores no intuito de capacitá-los para 110 incorporar temas ligados à cidadania nas suas disciplinas, e estimulá-los a uma maior interação com as atividades desenvolvidas pelo projeto. Paralelamente a este projeto, estavam em desenvolvimento dois outros projetos de extensão em outro bairro da cidade, o Nossa Senhora das Graças, com objetivos e princípios semelhantes. O primeiro, “Apre(e)ndendo a Cidadania: Direitos Humanos no Banco Escolar” tinha seu foco de atuação na Escola Básica Carlos de Paula Seara e o segundo, “Ação Cidadã: Aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente numa comunidade”, atuava junto à Associação de Moradores deste mesmo bairro. A forma de inserção do tema cidadania se dava, nestes projetos, de diferentes formas. No caso do primeiro, a inserção se dava mediante uma parceria com a escola para que o tema da cidadania fosse desenvolvido no ensino fundamental, a partir dos alunos da 4ª série. A equipe do projeto, juntamente com as professoras do colégio, desenvolvia temas relativos ao conceito de cidadania por meio de várias dinâmicas e técnicas para que as turmas fossem estimuladas a sintetizar o seu próprio conceito de cidadania, como princípio orientador da discussão sobre direitos humanos. A finalização deste projeto deu-se com a organização de uma passeata da escola até a Universidade para a apresentação de todos os trabalhos elaborados pelos alunos no Auditório do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais (CEJURPS), com a participação da Coordenadora Pedagógica da escola, dos professores, amigos e familiares das crianças, monitoras do projeto e autoridades da Univali. O segundo projeto, desenvolvido por uma professora e uma acadêmica do curso de Ciências Sociais da Univali, “Ação Cidadã: Aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente numa comunidade”, também possuía um diferencial de atuação no que diz respeito ao acesso à cidadania, pois seu público-alvo não eram as crianças matriculadas nas escolas, mas as crianças do bairro Nossa Senhora das Graças. Pela Associação de Moradores foi possível reunir as crianças, uma tarde por semana, para as oficinas sobre cidadania. As oficinas eram realizadas com 10 crianças entre 07 e 10 anos numa das salas da Associação com um único objetivo: apresentar o Estatuto da Criança e do Adolescente de forma lúdica e interativa para que as próprias crianças discutissem o que entendiam por cidadania, e a partir disto, desenvolver uma conversa sobre direitos e deveres. A principal atividade desenvolvida pelas crianças era desenhar sobre cada direito estudado, de acordo com o próprio Estatuto. Com isso, duas metas eram 111 alcançadas – a primeira era usufruir um espaço próprio da comunidade, reivindicado e legitimado por ela, porém, um espaço eminentemente de adultos. A segunda meta era socializar o Estatuto e permitir que cada criança se manifestasse a respeito de cada direito e de cada obrigação correspondente, a fim de enfatizar o princípio da emancipação e do direito da criança de se expressar e comunicar suas idéias a partir de sua própria vivência e da leitura que ela faz da realidade. O resultado disto foram desenhos, de certa forma, chocantes, que denunciavam a realidade da prostituição infantil e do alcoolismo que afetavam as famílias daquele bairro. Diante desta realidade, era mister conjugar todos estes projetos num único programa que aprimorasse sua atuação comunitária em prol da cidadania participativa: O Programa de Formação para a Cidadania Infanto-juvenil. Nascia, no ano de 2004, o Programa de Formação para a Cidadania Infanto-juvenil. A equipe executora do projeto é composta por professores das áreas de Direito e Ciências Sociais, juntamente com acadêmicos dos referidos cursos e do curso de Engenharia Ambiental, que atuam junto ao público-alvo para captar as principais problemáticas locais. O ano de 2006 foi marcado pela concretização de parte importante dos objetivos do Programa. A Cartilha do Cidadão Mirim se transformou em “Caderno de Cidadania” e teve sua publicação e catalogação com uma tiragem inicial de nove (09) mil cópias com recursos da Assembléia Legislativa de Santa Catarina. São os principais objetivos do Programa de Formação para a Cidadania Infanto-juvenil: 1.1 Objetivos: ; Implementar um Programa de Formação voltado ao público infantojuvenil centrado nos Direitos Fundamentais, no Estatuto da Criança e do Adolescente e nos Direitos Socioambientais, por meio da estruturação de material didático-pedagógico intitulado Caderno de Cidadania; ; Realizar Oficinas de Capacitação para os parceiros do Programa a fim de proporcionar subsídios teóricos e práticos para a utilização do Caderno de Cidadania nos âmbitos da educação formal e comunitária com vistas à formação de multiplicadores. Até o momento foram realizadas 40 Oficinas para os atuais 12 parceiros do Programa; ; Elaboração de um Livro para Multiplicadores contendo textos e sugestões de atividades para embasar as Oficinas com o Caderno de Cidadania. 112 1.2 Público Alvo: 7 escolas municipais, 2 centros educacionais, 2 ONGs/associações comunitárias e 1 entidade de acolhimento institucional. 1.3 Período de realização: 03/2004 – atual 1.4 Área geográfica da abrangência do Projeto: Itajaí, Balneário Piçarras, Balneário Camboriú e Florianópolis, no Estado de Santa Catarina. O Caderno de Cidadania fundamenta-se na pedagogia da autonomia (Freire, 2002) e no princípio da cidadania participativa (Demo, 1995; Santos, 2002) a fim de quebrar o estigma da criança como “cidadã do amanhã”, para a construção de uma cidadania do “presente”, que contemple a criança como agente atuante e transformador, e até mesmo multiplicador de práticas e conhecimentos atinentes à sua realidade social. Desta forma, o Caderno possui conteúdos transversais que podem ser utilizados tanto pelos professores de várias disciplinas como por outros profissionais autônomos (ONGs, conselhos municipais, projetos de extensão etc.) que tenham o compromisso de utilizar o Caderno conforme as diretrizes norteadoras que são passadas em uma capacitação prévia com a equipe do Programa. O Caderno de Cidadania está dividido em de três módulos principais - Módulo Um: Cidadania e Direitos Fundamentais, Módulo Dois: Estatuto da Criança e do Adolescente e Módulo Três: Cidadania Sócioambiental. Faz-se importante salientar que estes módulos trazem atividades que levam as crianças a criarem seus próprios conceitos. O material não traz nenhum conceito pronto, é necessário que as crianças juntamente com o professor/facilitador, trabalhem no sentido de conhecimento do tema abordado e a partir disto evoluam criando seus próprios conceitos de cidadania, de família, de Estatuto da Criança e do Adolescente, de Socioambientalismo e assim por diante. O que aquele livro busca é valorizar as vivências de cada criança/adolescente no sentido da compreensão e definição de conceitos a partir delas mesmas. O primeiro módulo do CADERNO traz uma discussão sobre cidadania de forma criativa, superando a velha idéia de “direitos e deveres” que tanto estigmatizou o conceito de cidadania. Esta discussão é perpassada pelo auto-conhecimento, ou seja, antes de falar em cidadão a proposta é que a criança/adolescente saiba se 113 nominar, dizer quem ela é, qual a importância do seu nome, de desenhar a si mesma, mostrando à criança/adolescente a sua importância enquanto cidadão, valorizando sua história pessoal de vida e a história de sua família. Com esta discussão inicial já temos possibilidade de avançar nos conceitos de família e grupo social, referindo à diversidade dos modelos familiares para então pensar na diversidade dos grupos sociais. A partir de então é possível discutir a cidadania partindo da reflexão de quem é o cidadão, quem a criança/adolescente reconhece como cidadão e o que ele faz, a fim de estabelecer os seus critérios para a sua definição de cidadão e cidadã. Por exemplo, no tópico Cidadania, o Caderno sugere a construção de um painel para colar figuras em dois lados – em um lado a criança/adolescente cola as figuras que considere relacionadas com o ser e o fazer do cidadão/cidadã, e do outro lado as figuras que considerem negativas de acordo com sua idéia de cidadão/cidadã. É a partir dessa atividade que a turma sintetiza seu próprio conceito de cidadania, como mostram as páginas abaixo reproduzidas: Durante todo este módulo as ações propostas caminham na direção de se pensar a cidadania aliada a movimentos sociais e à organização social. A criança terá que se deslocar de sua escola para pensar sua comunidade, sua casa, sua família, seus amigos, vizinhos, seu bairro etc. num esforço conjunto de análise que de fato promova tanto a interação com o cotidiano da criança/adolescente como a crítica deste mesmo cotidiano. Assim, o intuito é de gerar ações de intervenção direta no sentido da crítica e do melhoramento do meio em que vive, e de como ela pode ser um agente transformador. Neste sentido, é salutar concordar com Freire quando afirma que Pensar certo coloca ao professor ou mais amplamente, à escola, o dever não só de respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente constituídos na prática comunitária, mas também discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Porque não estabelecer, uma 114 necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? (Freire, 2002, p. 33-34). Entende-se que, mais que possuir um bom recurso teórico-metodológico, o Caderno deve retratar a realidade local propiciando uma reflexão a partir da própria percepção e vivência das crianças e adolescentes em suas comunidades. Por exemplo, o problema dos pescadores artesanais e os diversos tipos de dano ao meio-ambiente, a falta de uma associação de moradores em alguns bairros, o desconhecimento da Agenda 21 Mirim e do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, esclarecimentos acerca dos Direitos Humanos assim como da Constituição. Para tanto, cita-se uma atividade que tem por objetivo estimular esta participação no bairro a fim de captar suas potencialidades e deficiências na forma de um “Monitoramento”. Se necessário, disponibiliza-se o instrumento reivindicatório do “abaixo-assinado”, quando então, após todo trabalho de reconhecimento da comunidade e a percepção do que é bom e do que ainda precisa ser melhorado, estas crianças/adolescentes são “apresentadas” a esta forma popular de reivindicação para “partir para a ação”. Como fruto desta atividade, foi realizado em 2002, numa das escolas originárias do projeto, um abaixo-assinado por parte dos alunos da escola solicitando a construção de uma praça. As crianças participaram de uma Audiência Pública com o Prefeito quando então entregaram o documento. Hoje, após 6 anos, esta praça está no Orçamento Participativo da cidade. Outro exemplo, também refere-se à uma escola local que, por conta da mobilização e reivindicação dos alunos, conseguiram para a escola um novo telhado. Mesmo quando não for possível a realização de todas as reivindicações, terá sem dúvida existido um exercício de participação e construção coletiva. A intenção deste livro é cultivar em cada criança/adolescente, a curiosidade necessária para ir além, uma vez que educar criticamente é possível dentro deste contexto, e ainda aproximar educador e educando, eliminar a imagem do educador como apenas transferidor de conhecimento de maneira verticalizada, e que para os educandos muitas vezes passam como inacessíveis. Seguindo o conselho de Freire: O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e 115 não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que o professor e alunos se assumam epistemologicamente. (Freire 2002, p. 96) Com a utilização do Caderno é possível trocar experiências e trazer assim o caráter socializante da escola. Assim, o escopo deste projeto é construir, de forma participativa, conhecimentos, habilidades e competências que contribuam para a formação de cidadãos conscientes e ativos na defesa e proteção tanto de seus direitos fundamentais, assegurados pela Constituição, como do patrimônio ambiental. E assim, utilizar-se da escola não apenas como espaço de apreensão de informações técnico-formais, e sim, como de formação e instrumentalização para a cidadania, pois educar é, sobretudo, formar e permitir a participação cidadã. No entanto, toda a curiosidade de saber exige uma reflexão crítica e prática, de modo que o próprio discurso teórico terá de ser aliado à sua aplicação prática. É nesta forma de educar que segue o Programa, com o intuito de levar as crianças/adolescentes a identificarem dentro da sua realidade quais são os problemas e quais as soluções que podem ser por elas encontradas, com isto eles deixam de ser expectadoras e passam a ser autores de sua própria história. Sobre esta discussão, convém observar como a discussão sobre cidadania participativa integra a prática do Caderno de Cidadania. 2. Cidadania participativa A discussão sobre cidadania já é uma tradição na sociedade brasileira que discute e problematiza este conceito de variadas formas. Diante disto, não é necessário discorrer sobre a farta bibliografia que trata do tema, apenas chamar a atenção para algumas particularidades do conceito que são pertinentes ao Caderno de Cidadania. A matriz teórica norteadora do Programa de Formação para a cidadania infanto-juvenil revela uma destas particularidades, qual seja a dimensão participativa da cidadania, um potencial ainda tão pouco desenvolvido na sociedade brasileira. Entretanto, discutir cidadania no alvorecer do século XXI implica em esboçar respostas que dêem conta das amarras sociais que ainda emperram a participação de inúmeros grupos sociais ao acesso e vivência cotidiana da cidadania. Na grande maioria destes grupos sociais, estão crianças e adolescentes condenados à nãocidadania. Pensando neles, o Caderno de Cidadania foi elaborado para ser utilizado 116 pelas crianças e adolescentes do ensino fundamental das escolas municipais de Itajaí como uma das alternativas de formação para a cidadania que o programa prevê, por meio de treinamentos oferecidos aos professores e gestores educacionais. A escola pública é considerada por diversos segmentos sociais como o “maior patrimônio popular de um país”, mas diante do descaso com a educação a palavra “popular” ganha estigmas como “popular é sinônimo de pobreza” e por isso as escolas públicas não precisam primar pela qualidade de ensino, uma vez que seus alunos já estão em condição de “subalternidade” 66, ou como afirma Jessé Souza, já estão em condição de “subcidadania” 67. Este estigma reduz o ensino a mero instrucionismo por meio do qual o conhecimento é “repassado”, “transmitido” aos alunos, o que gera uma atitude passiva diante do conhecimento e um imobilismo diante da própria sociedade. Se a escola é uma entidade representativa da sociedade civil, ela deve ser palco não só de discussão e diálogo, mas também de desenvolvimento de hábitos e atitudes transformadoras que podem, na sua persistência e continuidade, formar agentes transformadores de um bairro, de uma cidade, de uma nação e do mundo. Caso contrário, ao invés de avançarmos na conquista de uma cidadania ativa (BENEVIDES,1991) continuaremos reféns de uma cidadania tutelada e assistida (DEMO, 1995) marcada pelo compasso do mercado e da competitividade que, infelizmente, ainda são as marcas da educação pública no Brasil. Para mudar esta realidade, como Demo tem mostrado em suas obras, somente se houver [...] uma decidida conscientização e educação permanentemente qualificada em torno da formação e correto exercício da cidadania assim como o desenvolvimento comunitário. Neste sentido, torna-se improrrogável planejar e executar programas específicos capazes de favorecer a formação integral e harmônica, democrática, consciente e responsável mediante – entre outras alternativas – promoção e formação para cidadania; promoção da cultura e de uma educação que possibilite a todos os cidadãos a sua habilitação para ser pessoa digna, construtiva e solidária, comprometida mediante participação, 66 67 Para Demo, a condição de subalternidade é menos carência material do que incapacidade cidadã. O pobre é, sobretudo, subalterno quando aceita esta condição sem crítica, como situação imutável. A condição de subcidadania para Souza implica na naturalização da desigualdade social no Brasil, que reconhece os direitos e deveres do cidadão, mas o classifica de variadas formas, incluindo os pobres e principalmente os negros na categoria de subcidadão, isto é, cidadãos de segunda categoria. 117 responsável e generosa, na construção de uma sociedade mais justa, fraterna, democrática e libertadora (DEMO, 1995, p.180-181). Outro autor central neste debate é Norberto Bobbio. Para o referido autor, na obra A era dos direitos (1992), não adianta falarmos da cidadania como mera retórica. Esse debate não se resume na justificação dos direitos do homem, já consagrados historicamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas falar em cidadania implica especialmente na proteção dos direitos e deveres e “no modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam constantemente violados.” (BOBBIO, 1992, p.25). Para que haja essa devida e justa proteção, o autor mostra a necessidade premente de resolver o problema das desigualdades sociais a fim de se obter um eqüitativo desenvolvimento global da civilização humana Não se pode pôr o problema dos direitos do homem abstraindo-o dos dois grandes problemas de nosso tempo, que são os problemas da guerra e da miséria, do absoluto contraste entre o excesso de potência que criou as condições para uma guerra exterminadora e o excesso de impotência que condena grandes massas humanas à fome. Só nesse contexto é que podemos nos aproximar dos direitos com senso de realismo (BOBBIO, 1992, p.45) Da mesma forma, Boaventura de Sousa Santos na obra Democratizar a democracia (2002), alude ao mesmo senso de realismo quando fala que o tempo atual é um tempo paradoxal, um tempo de regresso em todos os sentidos (escravatura, servidão, guerras, pandemias...) sendo o principal deles, o sentido da palavra democracia. De fato, o sentido desta palavra se perdeu para grande parcela das crianças e adolescentes brasileiros em condição de pobreza com famílias que recebem até ½ salário mínimo, como fruto da chamada “questão social”, a maldita “herança histórica brasileira da desigualdade” (PAOLI apud SANTOS, 2002, p.388). Para fazer uma discussão sobre os direitos da criança/adolescente no Brasil com um mínimo de senso de realismo, temos que concordar com a historiadora Mary del Priore quando diz que esta história, desde a época colonial, é permeada mais pela violência do que pela educação “num país onde, há quinhentos anos, a formação social da criança passa mais pela violência explicita ou implícita do que pelo livro, pelo aprendizado e pela educação, raramente aproximam as crianças de conceitos como civilidade e cidadania.” (PRIORE, 2000, p.105). 118 Desta forma, o Caderno de Cidadania tem permitido uma nova escrita na história da formação social da criança e do adolescente uma vez que permite a criação de espaços de cidadania deliberadamente participativos, seja nos bancos escolares como nas entidades que usam o Caderno de Cidadania diretamente com as crianças por elas atendidas. Esta experiência encontra-se em andamento em um bairro popular do Município de Itajaí, o bairro Nossa Senhora das Graças, onde o Caderno de Cidadania é utilizado no espaço físico da Associação de Moradores aos sábados pela manhã. Nesta comunidade, realiza-se um Curso de Arte e Cidadania para despertar e estimular a prática da cidadania nos vários aspectos que o Caderno propõe em cada módulo. A utilização do Caderno pelas crianças é coordenada pelos bolsistas do Programa e atende em torno de 15 crianças. O Curso, em realização desde maio/2007, utiliza em conjunto o primeiro Módulo e o terceiro Módulo, isto é, as atividades são pensadas a partir dos temas ambientais e da ação coletiva. Possibilita-se a estas crianças/adolescentes a oportunidade de sonhar com um bairro em melhores condições com o objetivo principal de desconstruir a visão negativista de mundo ofertado à população de baixa renda, especialmente a visão conformista de que “as coisas são assim mesmo” para a visão de que “as coisas ESTÃO assim, mas podem mudar.” É Freire (2002, p.85) quem, mais uma vez, ensina que “não sou apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente,” podendo desta forma participar ativamente da história: E não se trata obviamente de impor à população que se rebele, que se mobilize, que se organize para defender-se, vale dizer que para mudar o mundo. Trata-se na verdade – não importa se trabalhamos com alfabetização, com saúde, com evangelização ou com todas elas – de simultaneamente com o trabalho especifico de cada um desses campos, desafiar os grupos populares para que percebam, em termos críticos, a violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta. Mais ainda, que sua situação concreta não é destino certo ou vontade de Deus, algo que não poderá ser mudado (Freire, 2002, p.89) 3. Resultados obtidos: qualitativos e quantitativos A convite da Secretaria da Educação do Município de Itajaí, por intermédio de sua Coordenação de Projetos para o Ensino Fundamental, a primeira Oficina realizada que deu início às atividades do Programa de Formação foi a Oficina de 119 Capacitação do Caderno de Cidadania realizada em julho de 2006 durante o X Seminário Municipal de Educação: Escola, Espaço de Mudanças e Conquistas, nas dependências da Univali. A Oficina, que totalizou uma carga horária de 8 horas com 81 participantes, dentre professores e gestores municipais, é o ponto de partida para a discussão referente aos resultados qualitativos e quantitativos do projeto. Qualitativos Utilização do Caderno de Cidadania como instrumento facilitador para a cidadania participativa. Fechamento de parcerias com as escolas e entidades municipais. Quantitativos 81 participantes formados. 48 parceiros definidos que representavam 13 escolas. Das 13 escolas contactadas na Oficina, 04 firmaram as parcerias e receberam 04 capacitações durante o primeiro semestre de 2007. Doação de 2.000 Cadernos para as escolas e entidades parceiras. Doação de 1.000 Cadernos para divulgação entre os gestores das escolas e da Universidade. Retomada do contato com as duas escolas originárias do Projeto com vistas a oferecer o retorno social do mesmo. 2 oficinas para 20 professores das 2 escolas originárias. Interesse dos alunos que participaram dos projetos que deram origem ao Programa de Formação . Doação de 1.000 Cadernos para as escolas. Realização de 2 entrevistas para o Canal Futura com uma escola e uma ONG parceira do projeto Realização de 4 entrevistas de divulgação do Programa para jornais locais e da Univali. Realização de 1 entrevista para o Jornal da Assembléia Legislativa de SC. Realização de 4 oficinas com os novos parceiros. Filmagem nas escolas e entidades parceiras para divulgação do alcance social do Caderno de Cidadania. Atendimento a demanda de escolas, entidades, ONG etc. que desejavam ser parceiras do Programa. Realização de atividades educativas no bairro Nossa Senhora das Graças com o Caderno de Cidadania com vistas ao desenvolvimento da autonomia infanto-juvenil das crianças e adolescentes do bairro. Término do Livro dos Multiplicadores que será doado aos parceiros. Realização de um curso com duração de 6 meses. Realização de 30 Oficinas com 15 crianças. Doação de 15 Cadernos para cada criança . Diagramação do Livro para posterior publicação de 3 mil exemplares. 4. Benefícios sociais alcançados pelo projeto Após a publicação do Caderno, em 2006, as parcerias firmadas em 2007 demostram que uma outra cidadania para crianças e adolescentes é possível. Seja na escola, ou na comunidade, o importante é perceber que se caminha para a consolidação de uma rede que está dinamizando e potencializando as crianças e adolescentes como cidadãos autônomos e conscientes de seu papel na sociedade. A parceria com as escolas traduz o esforço em contribuir para o enfrentamento dos 120 problemas de exclusão e violência infantil por meio de uma nova ferramenta pedagógica. Considerações finais Diante dessa realidade, a inserção deste projeto junto à população infantojuvenil tem possibilitado a criação de espaços de ação-reflexão-intervenção nas comunidades e nas escolas ao permitir o desenvolvimento da autonomia e da tomada de consciência da cidadania das crianças e adolescentes frente à sua realidade. O Programa tem contribuído para a formação de multiplicadores do Caderno de Cidadania por Oficinas que permitem a construção conjunta de conhecimentos e da disponibilização de informações necessárias à plena formação do cidadão. Neste sentido, o direito da criança e do adolescente se apresenta como uma das mais importantes discussões dentro do âmbito sócio-político e jurídico que necessita de ações integradas. Visando o seu fortalecimento e divulgação como uma das formas de promoção da cidadania e da luta contra a situação de vulnerabilidade social a que está submetida grande parte da população infanto-juvenil brasileira. REFERÊNCIAS BENEVIDES, Maria V. de M. A cidadania ativa: Referendo, plebiscito e iniciativa popular. São Paulo: Ática, 2003. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. São Paulo: Ática, 1999. CANDAU, V. M. et all. Tecendo a cidadania: oficinas pedagógicas de direitos humanos. Petrópolis: Vozes, 1995 DEMO, Pedro. Cidadania Tutelada e Cidadania Assistida. Campinas: Autores Associados, 1995, v.1 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 22. ed, São Paulo: Paz e Terra S/A, 2002. PRIORE, Mary del. História da Criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 2002. SANTOS, Boaventura de S.(org) Democratizar a democracia. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 2002. Texto recebido em 09 jan. 2008. Texto aprovado em 19 mar. 2008. 121 RELÓGIO SOLAR: CONSTRUÇÃO DO SABER EM FÍSICA APLICADA ÀS EDIFICAÇÕES COM EFEITO EXTENSIONISTA Sundials: building knowledge in architectural physics with an university outreach effect Aloísio Leoni Schmid 68, Wânia Cruz do Nascimento Caroline Barp Zanchet Machado 69 RESUMO Este artigo relata a concepção e realização de nove relógios solares em pátios de escolas de ensino fundamental em Curitiba. Trata-se de um projeto realizado no âmbito da disciplina de Conforto Ambiental no curso de Arquitetura e Urbanismo e ainda no estágio de docência de duas mestrandas em Construção Civil. O modelo utilizado é de um relógio solar interativo, em que cada pessoa realiza a leitura das horas a partir da sombra projetada pelo próprio corpo. O intuito principal é a fixação de conhecimentos de geometria solar pelos estudantes de arquitetura. Observou-se em todas as situações um razoável envolvimento destes estudantes, que se apropriaram da responsabilidade executiva e até mesmo pedagógica diante da comunidade das escolas. Desenvolveu-se assim uma atividade prática, eficiente, de efeito extensionista. Palavras-chave: Física das edificações; conforto ambiental; relógio solar; eficiência energética; projeto de arquitetura. ABSTRACT This article is on the conception, implementation and follow-up of nine sundials built in public primary schools in Curitiba within the course Indoor Comfort, career Architecture and City Planning, and within the scope of a teaching internship of two M.Sc. candidates in Civil Construction. An interactive sundial was conceived. The user has to use the own body to cast a shadow and read the time on the ground. The main purpose is to serve as an exercise on solar geometry for architectural students. A high level of engagement was observed by the students, who carried the executive responsibility and even the pedagogic responsibility towards the school communities. A practical activity of both pedagogic value and outreach effectiveness was developed. Keywords: Building physics; indoor comfort; sundial; energy efficiency; architectural design. 68 Prof. Dr. UFPR, Departamento de Arquitetura e Urbanismo e Programa de Pós-Graduação em Construção Civil - PPGCC, Caixa Postal 19011 – DAU, 81.531-990 – Curitiba – PR, [email protected] 69 Arquitetas e Urbanistas, Mestres em Construção Civil, egressas do PPGCC - UFPR 122 RESUMEN Este artículo trata de el concepto, la implementación y el seguimiento de nueve relojes solares construidos en escuelas primarias públicas en Curitiba dentro de la disciplina Fisica aplicada a las edificaciones, en la carrera de arquitectura. El deseño adoptado es tal que una persona tiene que parar de modo a proyectar su sombra sobre un mostrador e leer las horas a partir de su sombra. El propósito principal es servir como ejercicio en la geometría solar para los estudiantes de arquitectura. Los estudiantes mostraran un alto nivel de compromiso e asumieran responsabilidad ejecutiva e también pedagógica. Un alto nivel de compromiso fue logrado contrato fue observado por los estudiantes, que llevaron la responsabilidad ejecutiva e incluso la responsabilidad pedagógica hacia las comunidades de la escuela. Una actividad práctica del valor pedagógico y excede eficacia fue convertida. INTRODUÇÃO Na disciplina de Física Aplicada às Edificações, ainda com relevância para as disciplinas de Construção Civil e Projeto de Arquitetura, é de importância fundamental o conhecimento da geometria da insolação. Ela abrange os movimentos relativos entre o sol e a terra, que têm relação direta com o desempenho energético de edifícios e o conforto térmico dos usuários, e mais ainda: pode vir a influenciar toda uma proposta de zoneamento urbano e seu detalhamento em esquemas de arruamento e definição de gabaritos. Em especial em época de conscientização a respeito de mudanças climáticas, espera-se que as edificações sejam concebidas e detalhadas de modo a aproveitar as condições naturais em favor do conforto ambiental e da adequação funcional do ambiente construído, resultando em edificações energeticamente eficientes e mais alinhadas com o ideal de sustentabilidade. Uma aplicação direta deste conhecimento se dá no traçado de máscaras de sombreamento, um método gráfico muito eficiente para o projeto exato de aberturas e de sua proteção solar, seja ela na forma de marquises, brise-soleil, toldos ou dos próprios pilares e vigas da estrutura do edifício, concebida de modo a criar controle solar. A geometria da insolação é um conhecimento cuja transmissão não pode se limitar à mera exposição, uma vez que requer o exercício do raciocínio espacial utilizando relações esféricas e, ao mesmo tempo, aplicado em realidades geralmente cartesianas (os edifícios). Desenhos em vistas, perspectivas, simulações no computador, modelos reduzidos com globos terrestres e lâmpadas, simuladores 123 solares do tipo heliodon para observação de maquetes, sistemas de software de projeto por computador e a observação direta são algumas técnicas que auxiliam no aprendizado. Uma variação da observação direta, empregada com êxito pelos autores, consistiu em promover um concurso de fotografias do nascer do sol ou do pôr do sol num dos equinócios. Os estudantes recebiam o desafio de produzir fotografias associadas a referências urbanas que indicassem a direção Leste/Oeste. Assim, estariam fixando o conhecimento de que, nos equinócios, o sol nasce exatamente a Leste e se põe a Oeste – em qualquer lugar do mundo. Outra forma de apoio à observação direta é encontrada no uso de relógios solares. É o assunto deste artigo. O problema de interesse em ensino de engenharia e arquitetura pode ser formulado na seguinte questão: “como melhorar o aprendizado da geometria solar por meio do uso de relógios solares?” A hipótese considerada é que um melhor entendimento é esperado se os estudantes tiverem de construir os próprios relógios; ainda, acrescenta-se relevância à atividade se ela transcender o caráter de formalização de uma etapa, mas se for inserida num contexto de extensão universitária. Ao perceber a importância social, assumindo a responsabilidade perante a comunidade beneficiada, os estudantes encarariam com mais naturalidade a necessidade de compreender a geometria solar. O objetivo deste trabalho é verificar a eficácia da tarefa de construção de relógios solares para uso da comunidade – no caso, escolas públicas de ensino fundamental – como apoio ao aprendizado de orientação solar por estudantes de arquitetura. Ressalte-se que semelhante projeto poderia ser igualmente desenvolvido com estudantes de engenharia civil, uma vez que o problema de pesquisa se lhes aplica com igual relevância. O método adotado é a pesquisa-ação na própria aula. O projeto tem sua justificativa, inicialmente, na necessidade de fixação dos conhecimentos de orientação solar, pelos estudantes de conforto ambiental, disciplina comum nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, mas também Engenharia. Ainda, ressalta-se a necessidade de se disseminar, junto à população, a noção e a prática da construção adequada ao clima e à região. Isto inclui como conhecimento fundamental a orientação solar. Espera-se que ao iniciar a disseminação pelas escolas o efeito social possa ser maximizado, atingindo não só 124 os alunos como os professores das escolas. A observação da natureza é uma habilidade que pode ser ensinada; é esta a opinião do físico Fritjof Capra, que propôs o termo “alfabetização ecológica”. Aprender a ver a realidade - por vezes, já seria muito ver a própria cidade – como na Erro! Fonte de referência não encontrada. que mostra um relógio solar que está a 150 anos numa fachada defronte à catedral de Curitiba e é desconhecido de muitos estudantes universitários. Os dois propósitos somente existem de forma concomitante: ao assumirem com a escola a tarefa da construção de um relógio solar, os estudantes de arquitetura criam um compromisso consigo mesmos de aprofundar conhecimentos referentes à orientação solar. FIGURA 1 – RELÓGIO SOLAR Fonte: Domínio Público. Relógio existente na fachada da farmácia existente na Praça Tiradentes, defronte à catedral metropolitana de Curitiba. 1. FUNDAMENTAÇÃO Apresenta-se aqui, de forma simplificada, fundamentos astronômicos e, posteriormente, fundamentos didáticos para o relógio solar proposto. Trata-se de um relógio construído, todo ele, mediante pintura feita no solo. O tradicional gnomon sólido é substituído pelo próprio observador, adequadamente posicionado em relação a sua estatura (conforme explicação abaixo). 125 3.2 ASTRONOMIA As horas decorrem principalmente de dois movimentos aparentes da Terra em relação ao sol: translação ao longo do plano da eclíptica e rotação ao redor do próprio eixo. Se o ciclo de um dia tem 24h, então cada hora corresponde à rotação de 15° da Terra ao redor do próprio eixo. Este movimento é percebido, da superfície da Terra, como uma translação do sol ao redor da Terra. No entanto, neste movimento aparente, o sol quando nasce sobe, e depois desce sobre um plano inclinado em relação ao horizonte. Esta inclinação é igual à latitude do local. No Equador, excepcionalmente, o sol sobe e depois desce sobre um plano vertical. Nos pólos Sul e Norte, o sol se movimenta paralelo ao horizonte. Há ainda um fato interveniente, que é a inclinação de 23°25’ do eixo da Terra em relação ao referido plano. O efeito disto, percebido sobre a superfície da Terra, é de o plano seguido no movimento aparente do sol se deslocar gradativamente ao longo do ano, ora mais para Norte (junho), ora mais para Sul (dezembro). Num local sob o Equador, este deslocamento é tal que o nascente se movimenta mais ou menos 23°25’ para o Norte, ou para o Sul em relação a Leste. Ao se afastar do Equador, este deslocamento aumenta progressivamente. Em território brasileiro, isto se dá mais acentuadamente ao se caminhar em direção ao extremo Sul, mas o deslocamento não ultrapassa mais ou menos 28°. Um caso extremo já ocorre sobre o Círculo Polar Ártico: ali, o sol nasce exatamente no pólo de mesmo nome do hemisfério (neste caso, o Sul) no solstício de verão (único dia de 24h), e nasce exatamente no pólo de nome oposto ao hemisfério (neste caso, o Norte) no solstício de inverno (única noite de 24h). Já para além do Círculo Polar, no inverno tem-se não mais somente um dia, mas todo um período em que a noite tem 24h; e no verão, um período em que o dia tem 24h. Este período tem por centro os solstícios (sempre mais comprido ao se caminhar em direção ao pólo, até atingir seis meses no Pólo). Tudo o que foi dito para o hemisfério Sul se repete no hemisfério Norte, apenas considerando que quando um hemisfério tem seu verão, o outro tem seu inverno e vice-versa. O relógio solar plano 126 Considere-se, por exemplo, a cidade de Curitiba, com latitude aproximada de 25° Sul. O procedimento que será descrito pode ser repetido numa outra cidade, com algumas adaptações do tipo de relógio (pois há tipos mais ou menos oportunos de acordo com a faixa de latitude). Uma barra alongada em relação ao solo, alinhada em orientação paralela ao eixo da Terra, terá a propriedade de projetar sombras, a cada hora, sobre linhas que permanecerão imóveis a despeito da estação do ano. O que poderia mudar seria a posição exata da sombra sobre estas linhas: a sombra se deslocaria, no inverno mais para o Sul, e no verão mais para o Norte. Esta é a marcação que dá origem ao relógio solar e que permite, inclusive, a leitura das estações. FIGURA 2 – MODELO DE RELÓGIO SOLAR Fonte: Laboratório de conforto ambiental, UFPR. Como o chão é inclinado da latitude do local, a linha superior do gnomon é perpendicular ao plano do movimento aparente do sol. Uma representação deste modelo de relógio solar, baseado na construção de um gnomon sobre um pátio plano e livre de sombras, é mostrada na Fonte: Laboratório de conforto ambiental, UFPR. Como o chão é inclinado da latitude do local, a linha superior do gnomon é perpendicular ao plano do movimento aparente do sol.. A fotografia foi obtida no simulador de trajetória solar, no Laboratório do Ambiente Construído (UFPR), em que este relógio solar foi testado. Inicialmente, imagine-se que ainda uma pessoa entra debaixo da barra e ajusta sua posição, corretamente na vertical, de modo que a cabeça toque a barra. 127 Pois a sombra de sua cabeça estará, a todo momento, tangenciando a linha de hora correspondente. Qualquer pessoa, independendo de sua altura, poderá ler as horas assim. Se for feita no solo uma marcação que permita cada pessoa encontrar o ponto em que, com sua estatura, encontraria com a cabeça a barra, então a barra poderia ser eliminada. O relógio solar se reduz a uma série de linhas e marcações no chão. É esta a novidade deste trabalho: ao invés de uma barra engastada no solo, a barra seja construída de forma virtual com a estatura das pessoas que forem ler o relógio. Tal design apresenta três vantagens: - econômico: gasta-se apenas tintas; - segurança: deixa-se de construir um objeto potencial causador de acidentes como contusões no ambiente escolar; - interativa: as crianças da escola, e mesmo adultos, terão de participar com seu corpo se quiserem ler as horas; assim, estarão mais conscientes da orientação solar. Além da marcação de uma escala de alturas sobre o solo é importante que se marque numa parede próxima uma escala de alturas, para que as pessoas inicialmente possam ler sua altura, para depois ocuparem sua posição na sua escala deformada do relógio. É uma escala deformada, pois a distância entre dois pontos para pessoas de estaturas distintas não necessariamente corresponderá à diferença real entre as estaturas. Determinação do Norte verdadeiro Mediante o uso de bússolas é possível encontrar-se o Norte magnético (embora aqui seja possível uma atividade extra de construção de uma bússola rudimentar, é conveniente utilizar-se uma bússola profissional). Como o núcleo magnético da Terra é móvel, é necessário o uso de um valor de referência da declinação magnética δ (mapeado por localidade, em curvas isogônicas, obtém-se para Curitiba, na data de referência 01/01/1990, o valor de 16°) e ainda um valor para a variação anual na localidade, (mapeado em curvas isopóricas, obtém-se para Curitiba -7,6 minutos/ano), sendo este multiplicado pelo tempo decorrido desde a data de referência do mapa e a data em questão (17,3 anos em abril de 2007). Logo, tem-se 128 δ = -16,0-7,6 x 17,3 = 16°-131,5 minutos = -18,2° (1) Sendo a declinação de valor negativo, o Norte verdadeiro está a 18,2° a partir do Norte magnético, contados no sentido horário. Traçado do gabarito O gabarito para o traçado do relógio solar é obtido da projeção, sobre o chão, da sombra que teria a cada hora uma barra mantida paralela ao eixo da Terra (orientada para o Norte e inclinada para o chão, no ângulo da latitude). Considera-se cada hora do dia (Figura 3). Cada hora gera um ponto sobre o solo. Cada um destes é então unido ao ponto em que o eixo da Terra intercepta o solo, chamado centro do relógio (Figura 4Fonte: os autores. Etapa posterior de construção do relógio solar. ).FIGURA 3 – A DIREÇÃO DE CADA HORA PROJETADA SOBRE O CHÃO. 129 Fonte: os autores. Etapa inicial da construção do relógio solar. A partir do centro do relógio, é construída, na direção Norte-Sul e no sentido Sul, uma escala deformada de estaturas em que cada acréscimo unitário de estatura corresponde, no solo, a 1 / tg (latitude). Obtém-se assim o gabarito para traçado do relógio solar (Figura 5). Os ângulos de azimute e altura solar para cada hora, obtidos da literatura (por exemplo, FROTA, 2004) para cada mês ou estação do ano, permitem ainda determinar, sobre o gabarito, a sombra de um objeto de altura pré-definida. Unindose as extremidades destas sombras para cada hora, obtêm-se a curva de sombra para cada mês ou estação do ano. Estas linhas não são fundamentais para a leitura das horas; no entanto, acrescentam importante conteúdo ao relógio. 130 FIGURA 4 – LINHAS DAS SOMBRAS DO EIXO DA TERRA SOBRE O CHÃO Fonte: os autores. Etapa posterior de construção do relógio solar. FIGURA 5 – GABARITO Fonte: os autores O relógio solar descrito acima, adequado para a cidade de Curitiba (considerando a latitude), pode ser adaptado a regiões cuja latitude não exceda a faixa entre 10° e 45° ao Sul (ou ao Norte). Torna-se inviável numa localidade mais 131 próxima do Equador: a escala deformada de alturas se torna demasiadamente longa. Exatamente sob o Equador, as linhas horárias seriam todas paralelas, e seria necessário um conjunto de linhas para cada estatura. Neste caso, torna-se conveniente o relógio construído com um cilindro fixo, sendo as linhas referidas à sua altura. Há ainda outros modelos cujo marcador é feito em formas tridimensionais, como o segmento de calha cilíndrica voltado para cima, assemelhando-se a uma pista de skate; ou um relógio cuja leitura é obtida a partir do reflexo de uma moeda que reflete a radiação solar sobre o mostrador em calha voltada para baixo (Figura 6). FIGURA 6 – RELÓGIO SOLAR EM MEDELIN (COLÔMBIA). Fonte: Aloísio l. Schmid. Relógio solar em calha invertida. Já em latitudes altas (a partir de 45°), a escala deformada de alturas se comprime. Isto dificulta a precisão, sendo mais aconselhável uma barra fixa. Do ponto de vista da didática, o relógio solar em modalidade interativa, em que o próprio corpo com sua estatura faz parte da leitura das horas, convida à observação sistemática da natureza, que se insere naturalmente no ciclo de um ano inteiro, e continua nos outros anos se diferenciando, uma vez que, ao crescer, as crianças são convidadas a continuar lendo. Além disso, abre espaço para o 132 desenvolvimento de conteúdos diversos no âmbito da aprendizagem, envolvendo disciplinas diversas como Matemática, Ciências e Artes por exemplo. 4 MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 IMPLEMENTAÇÃO DO RELÓGIO O procedimento de implementação do relógio compreende os seguintes passos: 1) localizar aproximadamente o Norte 2) encontrar uma área perfeitamente plana de aproximadamente 16m (Leste-Oeste) por 8m (Norte-Sul), distante de objetos altos como árvores, construções ou muros que possam lhe projetar sombras; 3) determinar o Norte com bússola e acrescentar-lhe a correção devida à declinação magnética (que era de 18,2° para Curitiba em abril de 2007, mas deve ser atualizada para cada local); 4) traçar um eixo Norte-Sul no meio da área selecionada; 5) traçar, perpendicular a este, um eixo Leste-Oeste na porção mais ao Norte da área selecionada; 6) traçar o restante do retângulo de 16m x 8m, ou dimensões menores, caso haja restrição de espaço; 7) sobre o gabarito, fazendo coincidir a linha Leste-Oeste mais ao Norte e a linha Norte-Sul central, reproduzir o retângulo assim determinado, observando a escala do desenho; 8) de cada uma das linhas horárias, sobre o retângulo assim obtido no gabarito, a partir dos catetos, reproduzir sobre o solo a extremidade de cada linha, a ser unida com o ponto central a Norte; 9) para cada uma das linhas horárias, esticar um barbante desde o centro até a extremidade e, depois de eliminar resíduos de poeira na região ao longo do barbante, com um rolo e tinta traçar a linha horária correspondente; 10) depois de feitas estas linhas, mediante uso do quadriculado e escala, reproduzir as linhas de estação do ano; 11) escrever números das horas; 12) a partir do centro da linha Leste-Oeste mais a Norte, marcar a escala de alturas deformada: cada 10cm no chão correspondem a 10 / tg (latitude) (em cm); 133 13) escrever números da altura na escala deformada – linha correspondente às 12h; 14) construir sobre uma parede próxima uma régua de estatura na escala 1:1; 15) os executores tem total liberdade para trabalhar o layout do relógio. 4.2 MODO DE LEITURA O relógio construído a partir do gabarito aqui apresentado marca, para cada localidade, a hora local. Isto significa que a hora oficial pode estar adiantada ou atrasada, a depender da longitude. A hora oficial do Brasil (Brasília) é baseada no fuso horário de 45° Oeste. Já a cidade de Curitiba se encontra a 49,25° a Oeste. Cada fuso horário tem 15°, ou seja, cada 1° de longitude equivale a uma diferença de 4 minutos no horário. A diferença de -4,25° equivale, portanto, a (4,25 x 4) = 17 minutos. Assim, em Curitiba, o Sol estará na “posição de meio-dia” às 12h17min. Um relógio solar que assimilasse na sua marcação esta defasagem deveria seguir um outro gabarito, já não mais simétricas em relação à linha NorteSul central. Entretanto, considera-se instrutivo que o relógio marque o tempo local, para que se tenha consciência do caráter de convenção que tem o horário oficial. 5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Mediante entendimento preliminar com a Secretaria Municipal de Educação do Município de Curitiba, no período entre 27/4/2007 e 4/5/2007, foram construídos relógios solares em nove escolas, uma em cada um dos núcleos em que estão organizadas as 181 escolas do município. Cada escola foi atendida por um grupo de quatro ou cinco alunos do segundo ano do Curso de Arquitetura e Urbanismo, e mais um orientador em tempo parcial, escolhido entre a equipe da disciplina: além do professor, duas mestrandas (em seu estágio de docência), a monitora da disciplina e uma bolsista de iniciação científica. Os estudantes de arquitetura receberam previamente instruções teóricas e práticas a respeito da orientação solar, ao longo de três aulas de três horas. Nas duas semanas prévias à realização das pinturas, as escolas foram visitadas pelas equipes para avaliação das condições. Em dois casos foi necessária a substituição das escolas, por constatação da ausência de espaço adequado ao tipo de relógio solar em pauta. Uma solução possível, mas nem sempre aceita pelas 134 escolas é a realização da pintura sobre as quadras poli-esportivas. Em tais situações, optou-se por linhas tracejadas e cores discretas como o azul marinho ou marrom. A pintura de cada relógio solar levou entre seis e nove horas: ou seja, um dia de trabalho. Mostrou-se importante a realização da pintura num dia ensolarado, tanto pela rapidez de secagem assim obtida, como pela possibilidade de testar o relógio durante a marcação. No entanto, a atividade se mostrou árdua com respeito à radiação solar, recomendando-se cuidados com a ingestão de bebidas e proteção adequada da cabeça e da pele contra os raios solares. FIGURA 7 – TRABALHOS NA ESCOLA NYMPHA PEPLOW Fonte: Laboratório de conforto ambiental (UFPR) No caso de erro na pintura sobre piso de cimento, é possível corrigi-la logo após a secagem atritando-se sobre tal trecho um pedaço de bloco de concreto, que desempenha o papel de borracha. Duas semanas após a realização das pinturas, foi convocada uma reunião com um representante de cada escola municipal de Curitiba, em que a experiência foi relatada pela equipe da UFPR. Em tal ocasião, os professores das escolas que não receberam os relógios solares manifestaram o interesse em receber instrução para também construírem os seus. Já os professores das escolas selecionadas para realização dos nove relógios solares apresentaram críticas quanto à falta de 135 esclarecimento das equipes de professores sobre a maneira de utilização dos relógios, e seu princípio de funcionamento, de modo a poderem responder perguntas dos alunos. Ainda, foram levantadas preocupações quanto à inserção desta atividade no contexto de diferentes disciplinas: Ciências, Matemática e Artes. Constatou-se, em tal ocasião, a necessidade da realização de um seminário com professores, envolvendo o preparo de um material impresso de apoio. FIGURA 8 – TESTE DO RELÓGIO NA ESCOLA EVA DA SILVA Fonte: os autores. Esta foto demonstrou que o erro na leitura é menor que 5 minutos. Agradecimentos Ao cartógrafo Roberto Teixeira Luz pelos cálculos e esclarecimentos referentes à declinação magnética e hora civil. À Secretaria Municipal de Educação pelo apoio à iniciativa. À monitora da disciplina Conforto Ambiental I, Mônica Máximo da Silva, e à bolsista de Iniciação Científica Claudia Morishita pela orientação de equipes durante a realização dos relógios. REFERÊNCIAS FROTA, A. B. Geometria da insolação. São Paulo: Geros, 2004. 136 LUZ, R.T. Correção da direção do Norte magnético para utilização com tabelas solares (Norte verdadeiro). Comunicação pessoal. Curitiba, 2007. Texto recebido em 19 mar. 2008. Texto aprovado em 24 jun. 2008. 137 TRANSFORMAÇÕES NA SOCIEDADE, TRANSFORMAÇÕES NA EDUCAÇÃO: O PROJETO CATÓLICO-CONSERVADOR DE EDUCAÇÃO NA DÉCADA DE 1920. Society transformations, education transformations: The catholicconservative project of the education on the decade of 1920. Volnei Antonio Sacardo 70 RESUMO Em pleno início do século XXI, a educação brasileira persiste na centralidade das preocupações nacionais, evidenciada pela degradação do sistema de ensino e pelas últimas posições que o Brasil ocupa em praticamente todas as análises a que é submetido. Há de se destacar que as mais curiosas propostas aparecem como solução definitiva do problema do ensino brasileiro, típicas, na história do Brasil, de momentos de agitação e transformações em outras esferas sociais. Na perspectiva da “situação de crise” da educação, estimulada pelas transformações de outras áreas, esse artigo procura revelar um importante momento da trajetória educacional no Brasil: a década de 1920, quando a temática educacional se levantava como o centro das discussões nacionais, combinada com o contexto do final da Primeira República. Nesse período, a iniciativa católica, centralizada em Jackson de Figueiredo, apoiava-se na educação para realizar o seu programa de desaceleração da história. Objetiva-se entender o uso da educação para a defesa do ideal CatólicoConservador, em nome da ordem e da formação da elite intelectual católica que, por meio do ensino superior, buscou sistematizar e unir os esforços reacionários enfrentando abertamente a gama de transformações que se operava em diversos setores sociais naquele momento. Palavras-Chave: Educação; conservadorismo; ordem; Jackson de Figueiredo; transformações sociais. ABSTRACT On the XXI century the Brazilian education persists in centralization of national concerns, conspicuous for degradation of the teaching system and for the last positions that Brazil places in practically all analysis, which it is subjected. There’s something to detach that the most curious proposals appear as a definite solution of the Brazilian education problem, typical, in the history of Brazil, of agitation moments and transformations in other social globes. On the perspective of the education “ crisis situation”, stimulated for the other areas transformations, this article tries to reveal an important moment of the Brazilian educational trajectory: the decade of 1920, when the educational thematic stands as the center of the national 70 Aluno do curso de Pós-Graduação em Geografia UNESP – Rio Claro. E-mail: [email protected] / Fone: (19) 3406-7350. Endereço: Rua Equador, 244 – Bairro Frezarin – CEP 13465-791- Americana/SP 138 discussions, combined with the final context of the First Republic. During this term, the catholic initiative, centralized in Jackson de Figueiredo, rested on the education to realize its deceleration program of the history. The target is to understand the use of education to defend of the Conservative-Catholic ideal, on behalf of the order and of the catholic intellectual elite formation that, through superior teaching, looked for systematize and unite the diehards, freely facing the transformations gamma that operated in several social sectors that moment. Keywords: Education; transformations. conservatism; order; Jackson de Figueiredo; social RESUMEN Al inicio del siglo XXI la educación brasileña persiste en la centralización de las preocupaciones nacionales, marcada por la degradación del sistema de enseñanza y por las últimas posiciones que Brasil ocupa practicamente em todos los análisis em los que es sometido. Se puede destacar que las más curiosas propuestas aparecen como solución definitiva del problema de la enseñanza brasileña, típicas, en la historia de Brasil, de momentos de agitación y transformaciones en otras esferas sociales. En la perspectiva de “situación de crisis” de la educación, estimulada por lãs tranformaciones de otras áreas, esse artículo tiene como objetivo revelar um momento importante de la trayectoria educacional em Brasil: la década de 1920, cuando la temática educacional se levantaba como el centro de las discusiones nacionales, ajustada com el contexto del final de la Primera República. En esse período, la iniciativa católica, centralizada em Jackson de Figueiredo, se apoyaba em la educación para realizar su programa de desaceleración de la historia. Se objetiva entender el uso de la educación para la defensa del ideal católico conservador, em nombre del ordem y de la formación da la elite intelectual católica, que, através de la enseñanza superior, buscó sistematizar y unir los esfuerzos reaccionarios, abalanzando abertamente la gama de transformaciones que se operaba y diversos sectores sociales em aquel momento. Palabras-Clave: Educación; conservadorismo; el orden; Jackson de Figueiredo; transformaciones sociales. Introdução Sob a égide da tecnologia, em pleno início do século XXI, os impressionantes avanços na economia e na ciência não combinam com os problemas elementares que persistem e corroem a base da sociedade brasileira, destruindo as possibilidades de equilíbrio e de avanço em direção às garantias da distribuição das conquistas de diversos setores. Problemas básicos da população, como fome, doenças e geração de renda, reapareceram em proporções nunca antes imagináveis. Nesse quadro contraditório que mistura o sucesso econômico e científico com o fracasso social, a qualidade da educação é apontada como responsável pelos fracassos sociais do mundo contemporâneo. Tal entendimento 139 origina-se dos sistemas de avaliação nacionais e internacionais que submetem o Brasil a processos, mais ou menos rigorosos, de apontamento do seu fracasso, revelado pela degradação do sistema de ensino e pelas últimas posições que ocupa em praticamente todas as análises, além da constatação prática de quem convive diretamente com o sistema de ensino no Brasil. Há de se destacar que as mais curiosas propostas aparecem como solução definitiva do problema educacional brasileiro, perpassando pela resolução das dificuldades financeiras, como a construção de novas escolas, maior destinação de verbas ao ensino público, reformas de currículos, mudanças no processo de acesso ao ensino superior e a inclusão de outras formas de entendimento do mundo, não derivadas do método científico, como o Criacionismo. Essa esquizofrenia de propostas no apontamento de caminhos, adoção de novos métodos e/ou abandono completo de outros, tidos como ultrapassados, é típica, na história do Brasil, de momentos de agitação e transformações em outras esferas sociais. Sobre a educação recai historicamente a responsabilidade pelo destino do país, tornando-se continuamente subterfúgio do fracasso de outros atores da sociedade. A diversidade de propostas oriundas desses momentos de aprofundamento da “situação de crise” na educação brasileira, da mesma forma que possibilita a sua melhoria pela abertura do leque de discussões, também oportuniza o aprofundamento do fosso que separa o lugar o qual deveria ocupar daquele que realmente ocupa. Isto deve-se, principalmente, por ter se transformado em instrumento de pregação ideológica de aventureiros revestidos pelos nobres ideais educativos, mas conservam em seu núcleo objetivos de favorecimento político individual, de classe ou de seus fragmentos. Esse artigo pretende discutir, dentro da perspectiva acima apontada, outro momento da história brasileira em que eclodiam propostas diversas para a educação: trata-se da década de 1920, quando a temática educacional era bombardeada por outros interesses, como o político-partidário, religioso, econômico e social, reduzindo-a a simples instrumento de realização de programas, distantes, na maioria das vezes, das verdadeiras questões pedagógicas. Para tanto, procurarse-á discutir a iniciativa católica a partir do pensamento de Jackson de Figueiredo e do grupo de intelectuais formado em torno dele em 1922, por meio da criação do Centro Dom Vital e de seu principal órgão de divulgação, a Revista A Ordem, criada em 1921. 140 6 AS TRANSFORMAÇÕES NA DÉCADA DE 1920 Apesar das reformas culturais empreendidas pela vinda da família real para o Brasil, como a criação da Imprensa Régia, da Biblioteca Nacional Pública, do Museu Real, da Academia Real da Marinha, de cursos médicos–cirúrgicos, cursos jurídicos, de economia, química e agricultura, a herança educacional do Império para a República é desoladora. Prevaleceu nas últimas décadas do Império, apesar do avanço das ciências e do Positivismo em outras partes do mundo e até mesmo no Brasil, um quadro de desagregação em que inexistia um projeto nacional de educação. O ato adicional de 1834 descentralizou e educação formal, cabendo ao poder central promover o Ensino Superior e às províncias o Ensino Elementar e Secundário. O fracionamento da educação, o pequeno número de vagas, a falta de um currículo nacional, a atenção ao Ensino Superior em detrimento de outros associados à exclusão da mulher e à falta de professores qualificados, mesmo com a criação de algumas escolas normais a partir de 1835, mantém apenas 10% da população em idade escolar matriculada nas escolas primárias (ARANHA,1993, p.193). Nesse estado generalizado de abandono da educação pública, é aberto espaço para a criação de colégios de iniciativa particular, sobretudo católicos, que além da educação pública, onde já exerciam influência na preponderância do ensino doutrinário e moral sobre o científico, aumentam o controle sobre a população também pelas novas escolas particulares. As iniciativas não religiosas também acontecem, porém, com menor relevância no quadro geral no país. No fim do século XIX, com o advento da República, uma profunda discussão em torno da educação tomou corpo dentro da diversidade de opinião que nesse período emergia no cenário nacional. Três abrangentes correntes de pensamento exerciam influência sobre a educação. O Positivismo, o Liberalismo e a Corrente Católico–Conservadora. Segundo Nagle (1990, p. 262), “o fervor ideológico que se desenvolveu no final do Império só em parte continua depois da instalação do regime republicano”. Apesar de alguns planos como a Reforma Benjamim Constant (1890) e a Caetano de Campos (1892) em São Paulo, acontece, nas primeiras décadas do novo regime um arrefecimento do caloroso debate em torno da educação que movimentou as últimas décadas do século XIX. 141 Somente após 1915, mais especificamente na década de 1920, o interesse educacional retorna em função do fortalecimento do ideal liberal e das diversas manifestações de contestação da “falsa república”. “Trata-se de um movimento de republicanização da República, pela difusão do processo educacional [...]” (NAGLE, 1990, p. 262). Marcada profundamente pela efervescência social, a década de 1920 representou a agonia do primeiro período republicano, no quadro das profundas mudanças que se operavam no seio da sociedade brasileira. A Proclamação da República trouxe poucas novidades práticas para o Brasil, já que até a segunda década do século XX a estrutura social se manteve praticamente inalterada. Nascida do ideal liberal, a expectativa entre as diversas camadas em relação às transformações provenientes da conquista republicana havia sido frustrada, por ter se tornado o reduto da ação das oligarquias rurais, sob comando político dos governadores, e pela manutenção dos privilégios, opostos à natureza de tal movimento. Porém, as velhas resistências do período imperial começaram a ser rompidas definitivamente e uma nova sociedade nasceu de um parto doloroso e da insatisfação com o aprisionamento fetal do corpo que crescia e não cabia mais na bolsa limitada da política, da economia e da antiga sociedade brasileira. Do ponto de vista econômico, a industrialização se fez de forma balbuciante (SANTOS; SILVEIRA, 2001), mas irredutível quanto à predominância nas décadas que se seguiram estimulada por agentes externos, como a Primeira Guerra Mundial, e internos, como o desenvolvimento de um mercado de consumo e acúmulo de capital, principalmente na região Sudeste. A formação de um mercado interior comandou as importantes transformações que lentamente marcaram a passagem da economia tipicamente feudal para a urbano-industrial. O crescimento das cidades impulsionou o estilo de vida urbano-industrial que se contrapôs ao rural, agrário e exportador. O novo desenvolvimento econômico não se limitou às transformações quantitativas, provocou mudanças que dialeticamente se combinaram com o novo entusiasmo social e político. Novas camadas e classes refletiam a transição da sociedade imperial, marcada pelas relações escravistas, para uma nova, representada pelo nascimento da classe média, da burguesia industrial e do operariado urbano. Unida ao aparecimento de novas classes, a imigração européia completou o quadro necessário para a agitação social ao trazer para o Brasil idéias e visões de mundo de uma sociedade pioneira na revolução 142 liberal, mais consciente dos direitos trabalhistas e com disposição para participação política. Os efeitos mais notórios da nova realidade transpareceram na agitação grevista, que mesclava o conteúdo emprestado do anarquismo e do socialismo aos grupos insatisfeitos com as novas relações de trabalho e com a condição de atraso do país. Ilustrativo do espírito do momento, o Tenentismo da Revolta do Forte de Copacabana e da Revolução de São Paulo serviu de base para a Coluna Prestes que levou de norte a sul do país o clima de insatisfação. A estrutura da Política dos Governadores balançou durante a década de 1920. A rigidez e a segurança do revezamento dos dois maiores estados da federação no comando dos rumos nacionais foram afrouxadas pela Reação Republicana e pela Aliança Liberal. Dessa forma, o ideal republicano capenga de 1891 a 1920 ressurgiu e retomou a luta pela representatividade política e garantia dos direitos liberais de igualdade e justiça. Novos partidos e organizações civis, a religião católica e o próprio Estado não passaram à margem dessas transformações. Diversos setores e fragmentos sociais se envolveram no clima de mudança e a educação passou a ser encarada se não como o mais importante instrumento para o cumprimento dos diversos programas, pelo menos, um dos pontos relevantes para o debate nacional. Segundo Nagle (1974) as décadas de 1910 e 1920 foram marcadas pelo “entusiasmo pela educação”, transformando-a no ponto de convergência dos ideais nacionais, tendo na difusão das escolas pelo país a principal bandeira de combate ao atraso nacional. Em meados da década de 1920, o “entusiasmo pela educação” converteu-se em “otimismo pedagógico”, trazendo à tona a discussão qualitativa e as novas exigências estritamente educacionais para combater o atraso nessa área, revelado pela elevada população analfabeta do país. Diferentes perspectivas marcaram a passagem da educação residual do Império, altamente elitista e declaradamente legitimadora do statu quo para outras propostas. Essas novas correntes, quando progressistas, revelaram a insatisfação com a manutenção da ordem e quando conservadoras atacaram profundamente o desmantelamento do tradicional sistema social e educativo. As reformas educacionais são visíveis, nesse período, no estudo das propostas de grupos como a Liga de Defesa Nacional, a Liga Nacionalista de São Paulo, o movimento da Escola Nova, o Partido Democrático Nacional e finalmente, dentre outros, o movimento católico; diferentes nos fins, mas convergentes nos meios. 143 Assim as décadas de 1910, 1920 e 1930 assistiram ao bombardeio da educação como principal responsável pela aceleração ou retorno da história. Quanto à Constituição de 1891, “[...] a Igreja foi forçada à resignar-se: casamento civil, ensino leigo, secularização dos cemitérios, recusa dos direitos eleitorais aos religiosos ligados por voto de obediência [...]” (ALMEIDA; MOURA, 1990, p. 328). Em termos objetivos, a educação católica é prejudicada com a Proclamação da República, pelo avanço das idéias cientificista e pela reforma curricular, que excluiu da grade, disciplinas como História Sagrada ou de Doutrina Cristã. Desde a Proclamação da República havia uma situação de “calmaria” nos meios leigos e clericais, manifestado pelo distanciamento religioso do cenário político nacional a partir do afastamento entre religião e Estado. Quanto aos efeitos para a Igreja Católica de tal separação, duas formas de análise podem ser encontradas. A primeira a entende como negativa, pois decorreu desse evento o enfraquecimento da religião, dependente historicamente da proteção oficial e do privilégio garantido pelo poder público, sob a forma de padroado. A segunda compreende o evento de 1891, como favorável pelo rompimento positivo, portanto, com o subjugamento e o papel secundário desempenhado pela religião nos últimos anos do império. Independente de tais formulações, a década de 1920 significou o rompimento com a “mornalidade” católica pela organização do movimento leigo, coordenado por Jackson de Figueiredo, sob orientação de Dom Sebastião Leme, que desde 1916 havia estremecido a passividade católica com a elaboração da 1ª Carta Pastoral, na qual conclamava os católicos a desempenharem um papel político ativo, como forma de revalorização dos ideais cristãos esquecidos pela maioria da população que se auto-definia católica. A reação conservadora foi estruturada tendo como pano de fundo as transformações sociais, econômicas e políticas, atingida portanto, pela base de toda a sua estrutura e lógica interna de pensamento, não se reduzindo meramente à ambição de sua presença no novo regime. Dessa forma, se opôs à gama de transformações de todos os aspectos da vida social, constituindo-se como pensamento e ação conservadora/reacionária via educação. Para entender a posição jacksoniana, portanto católica, diante da educação na década de 1920, é necessário entender a significação do termo conservador. O termo conservador teve origem no Iluminismo do século XVIII, cujos representantes acusavam-no de contraposição injustificada às ideais naturalistas, materialistas e do progresso inevitável (VIEIRA, 1998). O conflito entre as idéias iluministas e o pensamento conservador centrava-se na oposição entre igualdade/liberdade de um lado e manutenção da hierarquia/vida regrada pela Igreja de outro. Defensor do pensamento católico, Jackson de Figueiredo era crente de verdades eternas e absolutas, do predomínio do poder divino em relação ao temporal. No bojo desse movimento de oposição entre novo e tradicional, centrou o seu combate. 144 Parte das justificativas do seu pensamento veio das leituras de Joseph De Maistre, expositor do pensamento autoritário, antiprogressista, antimaterialista e antidemocrático. Italiano, formado em direito em 1772. Crítico da Revolução Francesa, De Maistre lutou arduamente pelo retorno à monarquia tradicional. Uma das suas principais obras: “Considerações sobre a França”, de 1797, representou um marco para o pensamento Conservador. Suas idéias se resumem na negação das transformações daquela que deveria ser a autoritária, conservadora e rígida organização social. Segundo De Maistre (apud VIEIRA, 1998, p. 31), “os homens veneram o que não podem compreender. As sociedades devem ser governadas pelos costumes e pelas instituições, cuja origem se perde nas névoas da história”. Tal Conservadorismo está intimamente relacionado ao momento, ao local e a forma como ocorre e se traduz pela posição de defesa de um conjunto de idéias contrárias às transformações de uma determinada realidade. Dessa forma, a utilização do termo conservador para Jackson de Figueiredo, se refere Às atitudes e doutrinas conservadoras que representam-se em concepções de mundo, em construções ideológicas, em sistema de idéias, cujos significados se enraízam num grupo ou numa classe social, e explicam essas atitudes e essas doutrinas (VIEIRA, 1998, p.30) A atitude prática de Jackson de Figueiredo, sergipano de Aracaju, advogado empenhado na causa católica, se fez pela criação do Centro Dom Vital em 1922, onde formou um grupo de intelectuais católicos que desempenhou importante papel. Além da transformação das consciências e a publicação da Revista A Ordem, criada em 1921, destacou-se pelos embates travados nos órgãos públicos de representação, em jornais e revistas. O projeto de educação defendido por Jackson de Figueiredo e, conseqüentemente, pelo grupo de intelectuais formado em seu entorno fez-se em consonância com a visão católica de sociedade e das transformações que nela se operavam. O desenvolvimento econômico, nessa visão, era atacado por permitir as mudanças de posição de grupos ou indivíduos na hierarquia social, entendida como imutável e necessária para a manutenção da ordem. Quanto ao Estado, Jackson de Figueiredo defendia o governo autoritário e centralizado; representante temporal da ordem, submisso à Igreja - verdadeira e única representante do poder divino. 145 Das mudanças sociais, criticava duramente os novos costumes, a imigração para as cidades e os movimentos revolucionários, tais como os movimentos tenentistas e as greves que passaram a ocorrer com freqüência após 1917. Considerava a revolução social um mal, movimento satânico de desagregação, derivada de um povo deseducado e de um ambiente permissivo e favorável à agitação e desarticulação política e social. Sua posição se fazia contra os ideais liberais, o Socialismo e o Anarquismo. Seguramente Jackson de Figueiredo se enquadrou no movimento de intelectuais do século XX que assumem a política como centralidade de suas elaborações convergindo diversas correntes em torno do ideal de que o Estado responderia ao problema da organização do poder, que naquele momento adquiria proporção nacional. Segundo Pecault, “O processo de conversão dos intelectuais em agentes políticos assumiu, a partir de 1915 o caráter de um movimento global e realizou-se sobre diversas formas: vaga nacionalista, modernização cultural, ressurgimento católico e impulso antiliberal” (PECAULT, 1990, p. 23). O contexto da República Velha em que a totalidade das classes sociais ainda não apresentavam uma situação de estabilidade e que a política tramitava entre o avanço liberal e a decepção e inconformação republicana exigiu de Jackson de Figueiredo dois papéis a priori distintos e antagônicos, mas que na complexidade do momento se explicam e completam. Se por um lado temia o futuro que despontava, por outro, rejeitava o presente. Defendia como exemplo de sociedade a Idade Média, onde os valores católicos garantiriam a ordem e o respeito à autoridade. A reconstrução desse momento da história só poderia acontecer pela educação, vista como transformadora das consciências e, portanto, meio pacífico e espiritual de revolução e formação da elite intelectual católica que conduziria as mentes ao desenvolvimento do verdadeiro projeto nacional. A exemplo do que acontecia com outras organizações do período, a discussão sobre a educação passou distante dos reais problemas pedagógicos. Para os católicos só havia uma opção para a recuperação da sociedade: a compreensão e a incorporação das leis divinas e sobrenaturais provenientes de Deus. No contexto da segunda década do século XX, devido à aceleração das transformações e à efervescência do período, a incorporação das leis divinas correspondia à única possibilidade de enfrentamento do mobilismo moderno e do 146 avanço positivista. Esse pensamento também pode ser tratado como tradicionalista, por buscar na tradição brasileira a saída do caos social. A viabilidade do resgate do tradicionalismo e da ordem perpassa pela construção de uma elite intelectual católica que conduziria à restauração da ordem nos padrões medievais. Para Jackson de Figueiredo, a República, representou a traição de um pequeno grupo movido pelo espírito moderno, ao tirar Deus da constituição, vetar a obrigatoriedade do ensino religioso e criar o ambiente de desordem política e social. A constituição da República não somente traiu o ideal católico como a própria nacionalidade, pois se existia uma verdadeira tradição no Brasil, essa é a tradição católica. Da sua reconstrução depende a existência do verdadeiro nacionalismo, entendida por Jackson de Figueiredo como [...] ação de uma elite que, acertada ou erroneamente, repito, mas de boa fé, quer dar a uma dada pátria o sentimento e a idéia de que já a constitui uma raça histórica, tão legítima quanto as que mais legítimas se julguem (FIGUEIREDO, 1921, p. 22). Portanto, o afastamento de Deus da constituição não foi apenas um atentado contra a Igreja, mas contra a nacionalidade. Dependia da elite intelectual católica a reconstrução da ordem e da nacionalidade, cabendo à educação a sua formação, responsabilizando-a pelo destino moral e social do país. Coerente com a forma católica de organização social, a educação não deveria trilhar os caminhos da democracia, mas negá-la duplamente: primeiro por não divulgar os avanços ou conquistas do pensamento científico e segundo porque não vislumbrava a inclusão das massas no processo educativo. Combina-se perfeitamente a defesa da educação elitista com o autoritarismo católico. Dois projetos de educação partiam do grupo católico: um para o ensino primário e outro para o superior. A preocupação e as esperanças de Jackson de Figueiredo em recatolicizar o país derivava-se da escola superior, acreditava que a fé católica viria pela revelação, por meio do ensino da filosofia tomista. À educação primária cabia o ensino pela repetição dos valores morais e do resgate da tradição. A educação, para os católicos, era dever da Igreja e da família. A concepção restringia-se a participação do Estado republicano, travando o embate entre o grupo católico e os escolanovistas: pela defesa do papel da educação, obrigatoriedade do ensino primário, método e a responsabilidade de tal processo. Para os católicos, a 147 Igreja deveria ser a “Grande Mestra”, responsável pela condução da educação, por possuir o direito divino – sobrenatural, na orientação das consciências. À família cabia o direito natural de educar, pois antes de pertencer à sociedade, o homem pertence ao núcleo familiar, primeira organização social. Ao Estado cabe o papel secundário, restrito à construção de ferramentas que garantam a execução do processo educativo definido pela Igreja. Da condução católica do ensino superior nasceria a elite católica, enquanto que o acesso ao primário seria restrito, pois a massa da população deveria ser conduzida e, para tanto, a ignorância era uma santa alternativa aos espíritos rebeldes modernizantes. Nessa perspectiva, a educação laica representa uma profunda ameaça à ordem e à sociedade por ser local da pregação da liberdade, naturalmente repaganizadora. Deve-se à escola a restituição da autoridade, da unidade, do respeito à propriedade e à família, orientada pelos princípios infalíveis da religião católica. A educação católica se contrapôs substancialmente aos demais movimentos da educação por não pretender o progresso e nem vislumbrar modelos externos para o Brasil, como o dos países europeus. Jackson acreditava que as soluções dos problemas brasileiros existiam internamente, dependiam simplesmente do resgate da tradição. A educação assumia o papel político, para aplicação das soluções morais e materiais, já resolvidas desde a Idade Média. À educação iniciada na família, se seguiria a escolar, privilegiada por marcar a transição da esfera particular à pública, revestida do sentido de ação católica. Pela recuperação da filosofia e do conhecimento dos dogmas, o grupo católico pretendia elevar o homem individual à categoria de ser social. Somente pela educação conservadora e reacionária o Brasil poderia ter certeza do futuro, num processo de desaceleração da história. Em 1926 os intelectuais leigos coordenados por Jackson de Figueiredo e Dom Sebastião Leme lutam para conquistar espaço na reforma Constitucional de Arthur Bernardes, por meio de duas emendas: a primeira pretendia tornar o Catolicismo como religião oficial e a segunda pretendia o ensino religioso facultativo nas escolas públicas. Essas exigências tinham como principal argumentação o número de católicos no Brasil. Como grande maioria, os católicos deveriam ter seus direitos respeitados em garantir aos filhos a educação cristã católica e o seu reconhecimento como religião oficial. Sabendo da apatia política dos católicos brasileiros, a educação 148 católica também deveria aquecer a ação dos declarados católicos, que desde o Império dormiam na tranqüilidade da vida cotidiana, admitindo os efeitos maléficos da república na política, do liberalismo na economia e das liberdades e revoltas anárquicas, grevistas e socialistas no campo social. A eclosão da reação católica coincidiu com o aparecimento do movimento escolanovista. Segundo Nagle (1990) o movimento escolanovista no Brasil aconteceu em dois momentos distintos, o primeiro que abrange o fim do Império até o final da segunda década do século XX e o segundo que compreende a década de 1920. No primeiro momento encontravam-se alguns antecedentes, idéias vagas ou pouco sistematizadas dessa nova concepção de educação. Também aparecem nesse primeiro momento algumas ações práticas como a criação de escolas modelos em São Paulo e o decreto nº 980, de 1890, como centro impulsionador da nova forma de concepção de ensino. Não por coincidência, é na década de 1920 que tal movimento se processa, principalmente pelo amplo projeto reformador do sistema de educação. O objetivo principal do escolanovismo se referia à mudança no processo de ensino/aprendizagem. A idéia central era sistematizar e entender cientificamente os diferentes processos de aprendizagem tendo o aluno como centro da educação. Nesse momento o “entusiasmo pela educação” abre espaço para “otimismo pedagógico”, ou seja, a educação deixa de ser o meio de atender objetivos e programas políticos para se tornar o núcleo de preocupações internas relacionadas à aprendizagem. A preocupação com a função social da escola para a vida do aluno, a organização do currículo voltado para a realidade do educando, a infância vislumbrada como um momento importante da vida e a democratização da educação primária como princípio da liberdade se opunham substancialmente ao projeto de educação de Jackson de Figueiredo. Para esse, a educação também tinha um papel social, que deveria se estruturar em torno da manutenção da ordem. A ordem para o pensamento conservador era expressão clara do predomínio da hierarquia. À educação cabia o papel de controlar e frear os espíritos rebeldes, principalmente pelo ensino da religião. A doutrina católica teria na escola a continuidade da religião. Como os Jesuítas atuavam na conversão dos povos, também a Igreja atuaria, refreando a rebeldia das consciências. O mecanismo a seguir compara o projeto de educação de Jackson de Figueiredo e do grupo católico com o ideal escolanovista. 149 1. Quadro comparativo das propostas educacionais do movimento Católicoconservador e o movimento Escolanovista Proposta educacional escolanovista Proposta educacional de Jackson de Figueiredo Ensino Superior como resultado do Ensino Superior para a formação da elite desenvolvimento dos outros níveis de intelectual educação católica, desvinculado de outros níveis de ensino Atenção ao ensino primário como forma Ensino primário para domar os espíritos de democratização do ensino Método de ensino baseado rebeldes: liberais e anarquistas nas Método de ensino baseado na repetição descobertas científicas do aprendizado por faixas etárias e do comportamento humano Educação como divulgadora das idéias Educação como divulgadora da doutrina científicas católica Educação para desenvolver a liberdade Educação para controlar a liberdade Educação em oposição à ignorância Educação católica educação laica. em oposição Preferência à pela ignorância à educação laica O centro da aprendizagem é o aluno. O centro da aprendizagem é o professor Após a morte prematura de Jackson de Figueiredo em 1928, o movimento pela educação católica passou por uma luta mais ferrenha, tanto pelas mudanças que se operavam no Centro Dom Vital, irradiador monopolizado pelo líder do movimento católico desde 1922, ano de sua fundação, como pelo espaço aberto na política nacional em 1930. Dom Sebastião Leme, Alceu Amoroso Lima - substituto de Jackson de Figueiredo no Centro Dom Vital - e o padre Leonel Franca continuaram o projeto de Jackson de Figueiredo de recristianização católica do país. Mesmo com uma proposta mais cultural do que política, o grupo católico pósJackson não arrefeceu na busca de inclusão do ensino religioso no currículo oficial e na criação de um centro de ensino superior, partindo da derrota de 1926, quando a proposta de ensino religioso facultativo foi rejeitado na emenda constitucional, para a 150 primeira conquista real nesse campo. Já em 1931, com a promulgação do decreto 19941 de 30 de abril, tornou-se facultativo o ensino religioso nas escolas públicas. O governo de Getúlio Vargas não tardou em perceber a importância do ideal católico no combate ao comunismo e aos movimentos sociais, permitindo a aproximação do ideal católico do poder oficialmente constituído. Tal representação se confirma com a constituição de 1934, quando a Igreja quase recupera o seu caráter de oficialidade, com a garantia de não legalização do divórcio e o retorno do ensino religioso facultativo nas escolas públicas, agora, garantido constitucionalmente. Desde 1929, o Centro Dom Vital, sob comando de Alceu Amoroso Lima, expandiu sua atuação através da Ação Católica, mais importante organização laica católica do Brasil. Um dos importantes instrumentos de formação intelectual superior foi a criação da Associação Universitária Católica, que passou a usufruir espaço próprio na Revista A Ordem. Em 1932, a criação do Instituto Católico de Estudos Superiores e a sistematização do ensino católico na área superior revelavam a intenção de controlar a educação superior. Em 1941 entram em funcionamento no Rio de Janeiro os dois primeiros cursos superiores controlados pela Igreja Católica, de Direito e Filosofia. Em 1946, devido à junção com a Escola de Serviço Social do Instituto Social do Rio de Janeiro, fundada em 1937, forma-se a Universidade Católica, agraciada em 1948, pela Santa Sé, ao receber as prerrogativas de Pontifícia Universidade Católica. 7 CONCLUSÃO Quanto à correspondência entre o ideal sonhado por Jackson de Figueiredo e a educação como bandeira para a sua realização, pode-se afirmar que pouco se realizou do ambicioso projeto católico. A idéia de transformar o país em reduto da ordem, com retorno da história e resgate do tradicionalismo católico em nome da nacionalidade, efetivamente não se realizou. É evidente que o pensamento Católico-Conservador firmou-se pela sistematização e atuação política leiga dos católicos organizados. Ainda que diluída em manifestações atuais, resistentes às transformações no ramo científico, como a discussão em torno das células-tronco e da clonagem, em luta constante pelo espaço político e pela relevância de sua representatividade e inflexibilidade quanto ao controle de natalidade, a história desse movimento no Brasil comprovou não ser 151 a educação o reduto da realização do programa católico. Com universidades próprias, organizadas pelos mais responsáveis e apaixonados católicos, atuantes intensos na área política e cultural, o pensamento Conservador protagonizado por Jackson de Figueiredo, apesar das transformações nos objetivos iniciais e das relativas conquistas, deixa uma importante lição para as especulações em torno dos projetos educacionais: a educação não é a única responsável pelos rumos do país, devedora dos encargos decorrentes dos fracassos de todos os demais setores. No sentido Freireano, a educação é participante da transformação social, porém responsabilizá-la ou sobrecarregá-la pelos fracassos ou sucessos do complexo sistema histórico-social do país, demonstrado, pelo exemplo católico, é ingenuidade. As preocupações que atualmente devem ser mantidas com a educação não podem destoar das mantidas com outras organizações, como a polícia, o poder público, a família, o sistema de saúde etc. Percebe-se, claramente, que as escolas públicas e privadas estão sobrecarregadas pelo seu trabalho, que não é pouco, e por funções delegadas por outros setores da sociedade. O avanço da educação brasileira depende do tratamento estritamente pedagógico dispensado ao seu dinamismo interno, partindo do movimento de mundo para a formação de alunos aprendentes e atuantes, lembrando que a construção do conhecimento é ao mesmo tempo difícil e imprescindível para a formação humana. Qualquer iniciativa que busque a educação como realização de objetivos individuais alheios às necessidades pedagógicas, colaborará decisivamente para o fracasso do cumprimento de seus programas e o que é ainda pior: marcará negativamente a educação, servindo menos para a melhoria e o desenvolvimento da sociedade. A partir desse breve relato histórico, algumas reflexões podem ser sugeridas. A priori, a comparação entre esses dois períodos é possível porque a evolução do quadro econômico e a retração das políticas sociais, na década de 1920 marcada pelo elitismo da política dos governadores e atualmente pelo Neoliberalismo, apontam para resultados iguais, sendo que depois de quase 90 anos os desafios na educação brasileira continuam no centro da discussão nacional. O apelo de grupos exteriores à esfera educacional, a exemplo do católico na década de 1920, expressa a semelhança entre esses dois momentos. As religiões ainda resistem aos avanços da ciência. Num momento em que se luta pela superação de problemas históricos no campo da vida - como a cura de doenças a 152 partir da manipulação genética e de antídotos para enfermidades que ainda afligem a humanidade - os quais tiveram na educação o desenvolvimento e a possibilidade de avanço, ainda existem grupos defendendo o retorno do Criacionismo como meio de entendimento do universo. Em 09/03/2008, a Igreja Católica divulgou os novos pecados, onde se destaca juntamente com o uso de drogas, poluição ambiental e desigualdade social, a manipulação genética. Excluindo os três primeiros, abstratos e de difícil apontamento e identificação dos responsáveis, o golpe mais duro para o “mundo moderno”, para a melhoria da sociedade e o conjunto da humanidade está vinculado ao combate declarado ao avanço da ciência, ou seja, à própria educação. Somado à questão do aborto, do controle de natalidade e questões de saúde pública, a Igreja Católica mantém institucionalmente a posição conservadora do início do século passado, de manutenção da ordem e de ataque às conquistas modernas. Multiplicado pela geração de seitas, religiões e formas mágico-religiosas de explicação da realidade, o arrebanhamento de novos adeptos tem encontrado na dificuldade de acesso da maioria das pessoas aos avanços da ciência o campo fértil do qual se colhe números surpreendentes para o crescimento da ideologia anticientífica. A educação não passa à margem de tais retrocessos. Quando não é incorporada ao currículo ou à práticas conservadoras, a influência negativa da religião aparece no duro embate que a escola progressista trava com valores morais e antiquados da sociedade do início do século XXI. Ultrapassando tais limites para a análise, é impressionante como a educação se tornou depositária das mais diversas propostas. A confluência da escola com a ciência pode transformar esse momento de revigoramento do “entusiasmo pela educação” em bens reais e concretos, numa passagem de projeto de escala pessoal ou elitista para a coletividade social, com benefício à coletividade. Quando a escola estiver livre de projeto de outros atores, que ancoram o vazio de suas áreas na educação, e puder se entregar à nova tarefa de incorporação da ciência em seus métodos, na divulgação e no desenvolvimento científico, a humanidade terá acesso às melhorias modernas, ocupando o espaço de outros programas extra-científicos que historicamente marcaram os mais horrendos capítulos da miserável história humana. 153 8 REFERÊNCIAS ALMEIDA, José M. G; MOURA, Sérgio L. A Igreja na Primeira República. In: Fausto, B. (org). O Brasil Republicano. t. 1, v.2, São Paulo: DIFEL, 1990. ARANHA, Maria L. A. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1993. FIGUEIREDO, Jackson de. Do Nacionalismo na hora presente. Rio de Janeiro: Centro Dom Vital, 1921. NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974. NAGLE, Jorge. A educação na Primeira República. In: Fausto, B. (org). O Brasil Republicano. t. 1, v.2, São Paulo: DIFEL, 1990. PECAULT, Daniel. Os intelectuais e a politica no Brasil: entre o Povo e a Nação. São Paulo, Ática, 1990. SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001. VIEIRA, Evaldo. Poder político e resistência cultural. Campinas/SP: Autores Associados, 1998. Texto recebido em 19 fev. 2008. Texto aprovado em 13 mar. 2008. 154 “DE QUE RIEM OS PODEROSOS?” O RISO SOBERANO DA POESIA The poetry's sovereign laughter Maria Heloísa Martins Dias 71 RESUMO As relações tensivas entre o discurso autoritário do Poder e a resistência da fala poética sempre foi uma das preocupações dos escritores, em especial, dos que sabem fazer da linguagem literária, não uma arma de combate ou instrumento de engajamento, mas um espaço singular em que consciência lírica e sociedade dialogam na trama mais íntima do tecido poético. Eis o que um pensador como Adorno, por exemplo, mostrou muito bem em suas postulações sobre a arte e o poeta contemporâneo Affonso Romano de Sant´Anna também exibe em seu poema “De que riem os poderosos?”, contido em A catedral de colônia (1985). Nosso propósito é analisar como se dá esse “diálogo”, por meio da reflexão sobre procedimentos estéticos presentes no texto do poeta brasileiro. Palavras-chave: Affonso Romano de Sant´Anna; poesia; realidade sócio-política; transgressão. ABSTRACT The tensive relationship between the authoritarian discourse of Power and the poetic speech of resistance has always been one of the writers’ concern, especially of those who know how to make literary language neither a combat weapon nor an engagement instrument, but a singular space of lyric consciousness and society 71 Unesp/Ibilce/SP 155 dialogue in the most intimate thread of the poetic tissue. This is what a thinker as Adorno, for instance, repeatedly showed from his postulate of art. Also, the contemporary poet Affonso Romano de Sant’Anna points it out in his poem “Do que riem os poderosos?” [What do powerful people laugh at?], in A catedral de Colonia (1985). Our paper aimed at analyzing how this “dialogue” happens, by investigating aesthetic procedures present in the Brazilian poet’s text. Keywords: Affonso transgression. Romano de Sant´Anna; poetry; social-politcal reality; RESUMEN Las relaciones en tensión entre el discurso autoritario del Poder y la resistencia del discurso poético siempre ha sido una de las preocupciones de los escritores, en especial, de los que saben hacer del lenguaje literario no un arma o instrumento de combate, sino un espacio singular en el que la conciencia lírica y la sociedad dialogan en la trama más íntima del tejido poético. El pensador Adorno, por ejemplo, ha señalado muy bien en sus postulados sobre el arte, como también el poeta contemporáneo Affonso Romano de San’Anna exibe en su poema De que riem os poderosos (1985). Nuestro objetivo es analizar como se construye tal “diálogo” por medio de procedimientos estéticos presentes en el texto del poeta brasileño. Palabras-clave: Affonso Romano de San’Anna; poesía; realidad socio-política; transgresión. 1. Affonso Romano de Sant’Anna e suas antenas literárias O poeta, jornalista, crítico e professor universitário Affonso Romano de Sant’ Anna esteve sempre antenado aos apelos culturais de seu tempo, confirmando o pensamento de Ezra Pound de que os artistas são as antenas de sua raça. 72 Captação difícil, em que percepção sensível e consciência crítica entrelaçam seus fios para produzirem um discurso capaz de se afirmar ao mesmo tempo como arte e intervenção social. A numerosa e diversificada produção literária de Sant’Anna, em especial a poética, vem confirmando a feliz conjunção daquilo que Adorno discutiu a propósito das relações entre lírica e sociedade em suas conferências. 73 A tensão entre engajamento e realização estética por meio da linguagem poética rende resultados surpreendentes quando o que está em jogo não são soluções apressadas nem posições radicais, mas justamente formas de resistência de ambos os pólos para 72 73 Em seu ABC da Literatura. São Paulo: Cultrix, s.d. Ver seu conhecido texto “Conferências sobre lírica e sociedade”, contido em Notas de literatura (2003). 156 configurarem o diálogo entre ética e estética. É o que as poesias de Sant’ Anna vêm oferecendo ao leitor. Num momento em que se tornam agudas as questões em torno dos direitos humanos, cada vez mais ameaçados em sua essência, nada melhor do que afinarmos os ouvidos para a escuta de uma fala desafiadora, como a do poema “De que riem os poderosos?”. Contido em A Catedral de Colônia, obra de 1985, o texto de Affonso Romano de Sant’ Anna continua a despertar interesse, pois sua atualidade está na maneira hábil com que o poeta coloca em jogo duas formas distintas de poder: a do sistema político e a da linguagem poética que o desmascara. Evidentemente que não se trata de uma medição de forças, até porque a poesia não pretende se impor ou abrir caminho como numa luta de braços; os poderes de sua linguagem são bem outros, e tanto mais convincentes (sedutores?) quanto menos expõem os sentidos de que se arma. Parece que a sedução exercida pela poesia está exatamente nessa singularidade com que ela oferece seu corpo simultaneamente aberto e impenetrável, a falar do real quanto mais dele se afasta. Algo que Adorno comentou, mas de outro modo. Ele não abordou essa natureza sedutora da lírica, porém apontou para a resistência encarnada na subjetividade dessa linguagem, que não significa desligamento ou alienação em relação à sociedade, como se costuma pensar. Ao contrário, o diálogo entre consciência e lirismo se revela não na transparência do discurso ou instantaneidade de seu enunciado, mas na forma como o sujeito lírico elabora a recusa dessa adesão, tensionando os vínculos entre arte e práxis. 2. O poema “De que riem os poderosos?” em discussão Convém resgatarmos o poema de Sant’ Anna para uma melhor reflexão sobre as questões apontadas acima. De que riem os poderosos? De que riem os poderosos? tão gordos e melosos? tão cientes e ociosos? tão eternos e onerosos? Por que riem atrozes 157 como olímpicos algozes, enfiando em nossos tímpanos seus alaridos e vozes? De que ri o sinistro ministro com sua melosa angústia e gordurosa fala? Por que tão eufemístico exibe um riso político com seus números e levíticos, com recursos estatísticos fingindo gerar o gênesis, mas criando o apocalipse? Riem místicos? ou terrenos riem, com seus mistérios gozosos, esses que fraudulentos se assentam flatulentos em seus misteres gasosos? Riem sem dó? em dó maior? ou operísticos gargalham aos gritos como gralhas até ter dor no peito, até dar nó nas tripas em desrespeito? Ah, como esse riso de ogre empesteia de enxofre o desjejum do pobre. Riem à tripa forra? riem só com a boca? riem sobre a magreza dos súditos famintos de realeza? riem na entrada e riem mais na sobremesa? Mas se tanto riem juntos por que choram a sós, convertendo o eu dos outros num cordão de tristes nós? (Sant’ Anna, 1999, p. 21-22) A inquietação do poeta, ou melhor, sua indignação revela-se já no título, por meio de uma pergunta que, longe de ser retórica, afia a consciência do sujeito na busca de possíveis respostas, fáceis de se encontrar, porém difíceis de se compreender. Mais do que os poderosos, o que incomoda o poeta é o riso absurdo que ostentam, eis o porquê do insistente questionamento do eu, existindo como um 158 círculo ou como um “cordão de tristes nós” (último verso) amarrando o corpo da sociedade e o do próprio poema. Sabemos, por meio de vários filósofos, desde os cínicos gregos, passando por Voltaire, Bergson, sendo teorizado por estudiosos como Bakthin e Propp, e desembocando no cancioneiro popular (a clássica “Máscara Negra”, de Zé Keti, por exemplo), a importância que o riso desempenha enquanto manifestação humana, seja na realidade prática, seja na produção artística. Seu efeito catártico relacionado à correção dos costumes, segundo a máxima de Horácio, foi adquirindo diversos matizes e se transformando em poderosa arma a serviço da arte. Toda uma vasta literatura, em diversos momentos e espaços, já explorou o papel do riso e suas variantes, humor e comicidade, resultantes do escárnio, da sátira, da paródia, do grotesco, caricatura etc. Embora haja diferenças entre essas formas discursivas, não pretende-se focá-las aqui. Para nossa reflexão interessa o que o riso, ou aquilo que Machado de Assis ilustrou tão bem com sua “pena da galhofa”, contém por trás dessa aparência leve, nas dobras da enunciação discursiva. Ou seja, interessa-nos o gosto amargo do humor, jamais ingênuo ou superficial, posto que indiciador de valores a serem revistos, até mesmo revirados do avesso. Rimos, porque um deslocamento das expectativas habituais, ao promover desestabilizações, provoca o humor e, assim, somos surpreendidos. Mas será esse o tipo de humor que move “os poderosos” no poema de Sant’ Anna? E não haverá uma diferença entre aquele que ri e aquele que provoca o riso? Entre o riso espontâneo e o produzido ou manipulador? Ao colocar o riso na boca dos poderosos, o eu lírico já está conferindo negatividade a esse gesto, isto é, rir estará associado a conotações indesejáveis, ao longo do poema, que obviamente não satisfazem “o desjejum do pobre” (último verso da 5ª estrofe). Assim, o riso que emana da classe política dominante escancara-se tanto quanto a caracterização que esses sujeitos recebem: os “atrozes” e “algozes” são signos que não rimam apenas entre si, mas ecoam por todo o poema por meio de adjetivos que vão reiterando a imagem do Poder. “Gordos”, “melosos”, “cientes”, “ociosos”, “eternos”, “onerosos”, “olímpicos”, “fraudulentos”, “flatulentos” – atributos que contêm toda uma carga semântica marcada pela adiposidade, procedimento de linguagem que figurativiza o engordamento do sistema político. 159 A atuação arbitrária (e autoritária) do mando é comparada aos deuses do Olimpo, os quais, com proibições e castigos, conduziam o homem a labirintos e provações sem escapatória. Com a diferença nada pequena de que os “deuses” de nosso mundo são tão humanos quanto os seres que eles subjugam, o que torna mais perverso o seu domínio. As maldições ou falas sibilinas dos antigos deuses transformaram-se em “alaridos e vozes” (2ª estrofe) que ferem nossos ouvidos, numa alusão aos discursos promissores, mas enganosos. Os versos dão corpo à manobra retórica utilizada pelo Poder (não seria poder?), o que transparece na escolha de palavras proparoxítonas, características da fala rebuscada – “eufemístico”, “político”, “levíticos”, “estatísticos” (3ª estrofe) – apontando para uma prática discursiva modalizada pelo engodo. Os números e dados oferecidos pelo sistema instituído jamais correspondem à verdade e simulam uma visão progressista ou benéfica que oculta o caos, ou seja, ao invés do gênesis o apocalipse, como concluem os versos da 3ª estrofe. A intertextualidade com a Bíblia transparece, por outro lado, na referência aos levíticos, um dos Livros bíblicos, atribuído a Levi. Trata-se, afinal, de uma realidade permanentemente presente, cujo quadro conhecemos muito bem, ou parodiando Camões, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mas a condição humana não muda, permanece a artimanha como estratégia política. A mística do Poder também é ironizada pelo poeta, na medida em que a aura enigmática que envolve os poderosos não resiste ao olhar crítico que a dessacraliza. É interessante notar como essa desmistificação se concretiza na linguagem, pois o gozo do mando se transforma em gases que se dissipam, graças ao jogo verbal entre “mistérios gozosos” e “misteres gasosos” (4ª estrofe). Voltemos a Adorno. É justamente esse poder da linguagem literária, cuja atuação está contida em sua corporalidade ou funcionalidade poética, que lhe permite atingir a realidade social; menos pelos sentidos ditos do que pela trama desse dizer pela enunciação. Também podemos resgatar a antiga função do riso como purgação contra os males, aprendendo a eles resistir por força desse teatro de ridículos. Parece estarmos diante das peças alegóricas de Gil Vicente, com seu desfile de tipos grotescos exibindo vícios e pecados de toda ordem. Espécie de “ridendo, castigat 160 mores” (Horácio), é assim que a 5ª estrofe explora o cenário burlesco dos poderosos, comparando-os a uma opereta bufa. Nesse momento do poema torna-se intenso o jogo com o significante, pois a sugestão musical potencializa a carnavalização do riso estúpido dos poderosos: “riem sem dó” / “dó maior” / “dor no peito” / “nó nas tripas” / “desrespeito”. Há uma alternância lúdica entre som aberto e som fechado, o que nos leva a perceber esse discurso poético em diálogo com outro, dos tempos áureos do barroco brasileiro. Já em Gregório de Matos está presente a exploração das potencialidades verbais e efeitos lúdicos para a configuração da sátira sócio-política. 74. Assim como nos sonetos de Gregório, no poema de Sant’Anna os sons se destacam enquanto realidade carnal, por meio de paronomásias 75 e aliterações 76, como em “gargalham”, “gritos”, “gralhas”, “ogre”. Também na poesia do poeta barroco as diferenças entre classes sociais, os desmandos e abusos do Poder, vícios e imoralidades são postas a nu pelo discurso crítico. E isto com a habilidade do trava-língua (note-se o 12º verso do soneto de regório), cuja mensagem não tem nada de travado... Como se vê, há um sincronismo nas produções poéticas, o que exige do leitor a percepção das intersecções criadas ao longo da cultura literária, e isso enriquece o jogo entre as temporalidades, tornando-as sempre abertas à visão crítica. Herança barroca, modernidade, vanguarda, esses fios vão se entretecendo para apagar as fronteiras rígidas do que chamaríamos tradição e, assim, desfazendo também o desejo desenfreado de ruptura. Octavio Paz que o diga 77 . Ora, essa projeção das constantes retomadas, ao longo da literatura, é sinal de que os problemas vividos pelos homens em sua luta social também se repetem, apenas mudando-se as 74 Lembremos, por exemplo, o paradigmático soneto “Contemplando nas cousas do mundo desde o seu retiro, lhe atira com o seu apage, como quem a nado escapou da tormenta” : Neste mundo é mais rico, o que mais rapa: / Quem mais limpo se faz, tem mais carepa: / Com sua língua ao nobre o vil decepa: / O Velhaco maior sempre tem capa. // Mostra o patife da nobreza o mapa: / Quem tem mão de agarrrar, ligeiro trepa: / Quem menos falar pode, mais increpa: / Quem dinheiro tiver, pode ser Papa. // A flor baixa se inculca por Tulipa; / Bengala hoje na mão, ontem garlopa: / Mais isento se mostra, o que mais chupa. // Para a tropa do trapo vazo a tripa, / E mais não digo, porque a Musa topa / Em apa, epa, ipa, opa, upa.”. (2002). 75 Uma das figuras de linguagem que, desde os tempos da Retórica aristotélica vem sendo discutida. Consiste no emprego de vocábulos semelhantes na forma, mas opostos ou aparentados no sentido. No poema são paronomásias, por exemplo, “fraudulentos”/ “flatulentos”, “algozes”/ “gozosos” etc. 76 Recurso sonoro, freqüente na linguagem poética, que consiste na repetição do mesmo som ou sílaba em diversas palavras no mesmo verso ou nos versos ao longo do poema. 77 Idéias defendidas em seu livro Los hijos del limo. Barcelona: Seix Barral, 1974. 161 configurações; no fundo, as diferenças, perversamente mantidas pelo poder, recobertas pela casca falsa da justiça existe desde que surgiu o mundo. O curioso, no poema de Sant’Anna, é que a partir do desmascaramento do riso dos poderosos, o próprio eu lírico incorpora o riso em seu discurso, como acontece na 5ª estrofe, graças ao investimento intenso nos efeitos lúdicos da camada verbal, conforme visto. É o momento em que a interrogação cede espaço à exclamação: “Ah, como esse riso de ogre / empesteia de enxofre / o desjejum do pobre.”. A contraposição entre fracos e poderosos, típica de todos os tempos e eternamente insolúvel, patenteia-se nos versos citados, os quais denunciam a fome na mesa dos miseráveis, pois regada a enxofre. Notemos, nesse sentido, como permanece a alternância jocosa entre sons abertos e fechados (ogre/enxofre/pobre). Sem esquecer também que a imagem do ogre, desde tempos imemoriais, está associada à feiúra, ao grotesco, à deformação, enfim, àqueles seres fantásticos que não apenas alimentam o imaginário popular, mas os olhos dos ricos em sua visão dos pobres, como no poema. A metáfora da comida, habilmente utilizada pelo poeta, aponta não apenas para a diferença de poder econômico entre ricos e pobres (aqueles “flatulentos” e “gordos”, estes, marcados pela magreza, “famintos de realeza”), mas também para o fato de ser engolido pelos poderosos; estes, além de comerem bem, com direito à entrada e sobremesa, também comem a classe miserável, a deglutem. Esse texto de Romano de Sant’Anna, como a maioria de suas poesias, apóiase numa fala reiterativa, feita de eixos ou paradigmas estruturadores do sentido. Em “De que riem os poderosos?”, o poema repete o “riem”, podendo ser essa uma forma de o poeta ir à forra, tal como fazem os que riem abusadamente. O final do poema nos reserva um dado novo, não aguardado pela leitura, funcionando como um trunfo ou “forra” que o eu lírico parece lançar aos poderosos. Vejamos como. Caracterizados, ao longo do poema, pela insensibilidade e crueldade, os poderosos estão destituídos de paixão, como se a emoção (e comoção) não fizesse parte de seu mundo. Pelo menos, de modo aparente. Assim, o riso seria sua única forma de manifestação anímica, a face debochada e perversa do Poder voltada aos súditos. Entretanto, um único verso, como se colocado en passant, despretensioso, desvela o que ficara oculto: “por que choram a sós”, o antepenúltimo verso do poema. Choro escondido, como o são as verdadeiras intenções que movem todas 162 as ações dos poderosos, significando que a fragilidade desses sujeitos não se mostra jamais. Por isso, a positividade desse gesto é relativa e o seu verdadeiro sentido (arrependimento? culpa? compaixão? fraqueza?) nunca saberemos. O que sabemos, aliás, desde o início do poema, é o que eles fazem com o eu dos outros: um “cordão de tristes nós”, expressão em que o “nós” atua com significado duplo, podendo ser tanto a massa (todos nós) miserável e triste quanto os nós que a tornam amarrada à sua condição social. 3. O poeta e suas antenas de longo alcance Eis o interesse desse texto que, apesar dos vinte e dois anos que dele nos separam, ainda contém verdades a serem apontadas pelo poeta. É que suas antenas continuam a captar os “mistérios gozosos”, os quais não são nada agradáveis para a classe explorada, mas enchem de prazer os exploradores. Em todos os tempos a função do artista tem sido a de lançar seu olhar crítico sobre a “máquina do mundo”, aquela que Carlos Drummond de Andrade cantou em seu famoso poema. O eu lírico drummondiano lamenta ter suas pupilas gastas na inspeção do que a máquina lhe oferece e, embora sua consciência peregrine pelo espaço à procura de soluções para o enigma do universo, ele recusa a oferta, respeitosamente. Já em Affonso Romano de Sant’Anna, ao contrário, a reação do sujeito lírico diante do funcionamento do mundo (ou da maquinaria humana) não se revela respeitosa ou humilde. Nem poderia, porque os danos sobre os homens (os mais fracos) é tal que não há como fazer frente ao desrespeito dos que riem sem dó, a não ser por meio de uma linguagem também marcada pelo riso. Não se trata de vingança, pois não cabe tentar corrigir a violência por meio de outra violência. Como disse antes, os poderes da arte são distintos do Poder, marcado por um autoritarismo que em nada corresponde à liberdade da criação. Para quem pensa que é preciso fazer justiça com as próprias mãos, então a melhor forma de a poesia responder a esse direito é utilizar as armas que o seu espaço interno de operação oferece à linguagem como intervenção criadora. Dentre essas armas está, sem dúvida, a ousadia do poeta em desmontar a aparelhagem dos sistemas dominantes em favor de realidades menos indesejáveis. Nesse caso, poderíamos também terminar, assim como Affonso em seu poema, com uma pergunta: 163 Por que não desatarmos os nós que nos prendem sem precisarmos desatar a nós mesmos? Referências ADORNO, T. Conferência sobre lírica e sociedade. In: Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2003. MATOS, G. de. Poemas satíricos. São Paulo: Martin Claret, 2002. PAZ, O. Los hijos del limo. Barcelona: Seix Barral, 1974. POUND, E. Abc da literatura. São Paulo: Cultrix, s.d. SANT’ANNA, A. R. de. A Catedral de colônia. Rio de Janeiro: Rocco, 1985. __________. Intervalo amoroso & outros poemas escolhidos. Porto Alegre: L&PM, 1999. Texto recebido em 15 fev. 2008. Texto aprovado em 21 mai. 2008. 164 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE University Extension and Human Rights :Challenges in the Contemporaneidade Silene de Moraes Freire 78 RESUMO O presente artigo, de caráter teórico-interpretativo, objetiva discutir a relação necessária entre Direitos Humanos e a Extensão Universitária, entendendo esta última, no estabelecimento da relação Universidade-sociedade, como instrumento privilegiado na luta pela garantia dos Direitos Humanos enquanto expressão mais ampla da cidadania. Partimos da premissa que a Extensão é um espaço fundamental para trabalhar as diferentes expressões dos direitos humanos, buscando resgatar o papel da Universidade Pública na construção da cidadania. Palavras-chave: Universidade pública; extensão universitária; direitos humanos; neoliberalismo ABSTRACT The present article, of character theoretician-interpretativo, objective to argue the necessary relation between Human Rights and the University Extension, understanding this last one, in the establishment of the relation University-society, as privileged instrument in the fight for the guarantee of the Human Rights while ampler expression of the citizenship. We leave of the premise that the Extension is a basic space to work the different expressions of the human rights, searching to rescue the paper of the University in the construction of the citizenship. Keywords: Public university; university extension; human rights; neoliberalism. RESUMEN El actual artículo, del carácter teórico-interpretativo, objetiva discutir la relación necesaria entre los derechos humanos y la extensión de la universidad, entendiendo este último, en el establecimiento de la Universidad-sociedad de la relación, como instrumento privilegiado en la lucha para la garantía de los derechos humanos mientras que una expresión más amplia de la ciudadanía. Tenemos como premisa que la extensión es un espacio básico para trabajar las diversas expresiones de los derechos humanos, buscando para rescatar el papel de la universidad en la construcción de la ciudadanía. 78 Endereço: Rua Domingos Ferreira 171, Apartamento 108. Copacabana. Rio de Janeiro/RJ.CEP: 22050-010. Telefone (XX) 2255-1619 e 99170593. e-mails: [email protected], [email protected] 165 Palabras-clave: Universidad pública; extensión de la universidad; derechos humanos; neoliberalismo. Introdução A proposta desse artigo surgiu do reconhecimento da importância de se estreitar o vínculo da Extensão Universitária com a efetivação dos Direitos Humanos no Brasil. Nesse sentido, objetivamos contribuir para aprofundar o entendimento da importância dessa relação frente aos desafios presentes na contemporaneidade. Tal preocupação não é fortuita, mas parte da compreensão de que não são poucos os aspectos que confirmam a história bastante polêmica da extensão no desenvolvimento das universidades brasileiras. Nela se dá uma acumulação fantástica de contradições, paradoxos, equívocos, imprecisões e diversidades de entendimentos que até hoje limitam um fácil entendimento de sua função. A insuficiência da produção e do debate acadêmico a esse respeito é fruto da facilidade com que a entronização das atividades, rotinas e práticas geram "definições" institucionais distanciadas dos objetivos originais. Confundir atividades com objetivos, rotinas com normas orientadoras, práticas usuais (ou difundidas) com definições ou emergências com prioridades é, por mais absurdo que pareça, como mencionou Botomé (1996), uma das práticas comuns na universidade. O resultado mais evidente desse processo é uma ampla e profunda descaracterização da Universidade Pública. Essa constatação, a nosso ver, soma-se ao entendimento de que a própria força da universidade, historicamente, tem sido decorrência da clareza conceitual e das práticas que realiza em relação as suas responsabilidades específicas, enquanto instituição historicamente situada numa sociedade. No atual contexto de hegemonia do capital financeiro 79, onde a Extensão passa a ser um lócus da privatização, reforçamos a importância de projetos e programas de extensão que estejam assentados em uma lógica de defesa do espaço público e a favor da cidadania. Vale ressaltar que a análise pretendida não pode se abster do conhecimento sobre a universidade, sobre seus processos, características, história, papel social, objetivos e outros aspectos da instituição, bem 79 Tal hegemonia revela a centralidade do fetichismo na sociedade regida pelo capital (mais especificamente o capital que rende juros), onde as relações humanas assumem o aspecto de relações entre coisas (mercantilização das relações sociais). Há assim uma conformação da sociedade e uma reconfiguração do Estado e da sociedade civil, um redimensionamento das lutas sociais, uma regressão dos direitos sociais e políticas públicas. 166 como do contexto histórico em que se insere. Concordamos com Ernesto Leyendecker quando observa que A Universidade não está fora da história de um país, tampouco é toda a história, mas por ela 'passa' a história, da vida; neste sentido é aspiração humana, tentativa, ensaio, verificação, drama e desenlace, tarefa comunitária (...) é uma realidade que fala. (LEYENDECKER,1974, p.5) O tema dos direitos humanos num cenário no qual a perversidade social se apresenta de forma tão nítida, não pode ser esquecido numa universidade comprometida com a realidade. Neste sentido, este texto tem por objetivo discutir as principais questões que envolvem a plena efetivação dos Direitos Humanos no Brasil, buscando situar essencialmente o terreno no qual estão inscritos estes direitos. Esses, apesar de encontrarem respaldo numa série de documentos legais tanto no Brasil, cuja principal expressão é a Constituição Federal de 1988, quanto em diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Culturais e Sociais. Esses direitos pouco avançaram na sua efetividade prática, refletindo o tão conhecido descompasso entre o plano legal e a concretização efetiva dos direitos em nosso país. O limite de tal concretização não é fortuito quando reconhecemos que ao contrário da tradição européia ou norte-americana, por exemplo, a introdução do capitalismo no Brasil deu-se por um viés extraordinariamente conservador, sem qualquer processo de ruptura com os valores e tradições do passado pré-capitalista. Estes valores foram, em nossa história, aqueles legados pela herança da colonização portuguesa e do regime escravista. Por outro lado, não conseguimos consolidar uma tradição democrática no período republicano. Ou seja, nosso passado recente desconheceu a democracia e nos legou uma herança com marcas profundas de uma tradição autoritária. É importante ressaltar que a razão essencial deste fato não será encontrada se desconsiderarmos que entre nós o projeto burguês esteve sempre divorciado do pacto democrático. Aqui, o processo histórico da revolução burguesa não se configurou como instaurador quer de uma tradição política, quer de uma cultura democrática – sequer no sentido posto pelas vertentes liberais, conforme observou 167 Freire (2002). Tudo isto fez com que em nossa cultura existisse “um padrão hegemônico de "civilização" limitador da plena efetivação da cidadania e bastante reticente à idéia de Direitos Humanos, fenômeno que é plenamente visível ainda hoje. ”(FREIRE, 2002, p.150). Direitos Humanos, Desigualdade Social e Extensão Universitária: aportes para o debate No ano de 2008 a Constituição Federal de 1988 completa vinte anos de existência. Nossa Carta Constitucional Cidadã, que foi promulgada como uma autêntica “carta de direitos” que compõe os 77 incisos do artigo 5, do capítulo I “ Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, a mais precisa e abrangente em toda a história política do país, ultrapassa a maioridade num contexto extremamente perverso em termos do acesso da população aos direitos nela previstos. O reconhecimento formal desses direitos, formidável progresso em termos do constitucionalismo, não foi suficiente nesses anos de vigência da constituição para modificar o padrão de graves violações dos direitos civis, em muitas áreas até agravados. Por outro lado, também podemos mencionar que há mais de meio século as Nações Unidas aprovaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Hoje, não existe documento mais citado e elogiado. Entretanto, são poucos os que observam a ameaça que o declínio da esfera pública, guiado pela reconfiguração do Estado na contemporaneidade, impõe à mesma. A Declaração possui 30 artigos, mas alguns deles nos dão uma clara dimensão dos riscos que as formas de enfrentamento da pobreza no Brasil vêm desenvolvendo em termos de anulação dos direitos, sobretudo os humanos. Segundo Marilena Chauí Cada direito declarado abre campo para a declaração de outros, seja como complemento, seja como efeito, seja como recurso de legitimação. Isso significa que uma declaração de direitos civis abre campo para a busca e conquista de direitos sociais (condições de vida e trabalho, educação, saúde, cultura, lazer etc.) que podem trazer como conseqüência a luta pela igualdade efetiva e, portanto, começando pelo direito à redistribuição da renda, pode chegar à luta contra a propriedade privada dos meios sociais de produção (CHAUÍ, 2006, p.112). 168 O artigo 30 da Declaração assegura que “nada poderá suprimir nenhum dos direitos presentes na Declaração”. Entretanto, alguém poderia observar: a Declaração proclama, a realidade trai. A declaração formal dos direitos está longe de possibilitar sua efetivação. Sobretudo quando a construção do consenso (neo)liberal reforça, por meio das políticas sociais, a idéia de que os indivíduos e pequenos grupos são os únicos responsáveis pela garantia de seus direitos e não precisam depender do Estado e da atividade pública do mesmo. Mais uma vez a história demonstra que os indivíduos não nascem com direitos, os direitos são fenômenos sociais, são resultados da própria história. Nesse sentido, é preciso lembrar que as dificuldades encontradas para sua efetivação não podem ser entendidas se desconsiderarmos o momento de nítido retrocesso social de parcelas crescentes da população mundial em face das políticas deliberadas de corte neoliberal. A implementação da agenda neoliberal aprofundou um círculo vicioso, difícil de ser rompido, pois as desigualdades econômicas, sociais e políticas afetam diretamente a capacidade legal dos indivíduos e garantem a desigualdade deles perante as leis. Nesse sentido, é importante registrar que nada seria mais revolucionário no Brasil contemporâneo do que a plena efetivação da Constituição e da Declaração Universal dos Direitos Humanos para todos os cidadãos deste país. Desse modo, antes de entrarmos na questão dos direitos humanos, faz-se necessário reconhecermos que hoje no fundo dessa questão há uma crise provavelmente determinada pela erosão da sociabilidade capitalista, vale dizer, pela implosão das relações que constituíram, historicamente, o chão das possibilidades da cidadania burguesa, entendida esta em sentido amplo. Melhor dizendo, as relações do mundo do trabalho, a ultrapassagem da centralidade do capital produtivo pelo capital financeiro (capital fictício/fetiche), o fundamental lugar da ciência e da tecnologia, o desgaste das territorialidades nacionais, o novo papel dos serviços na nova estrutura social, todo esse enorme processo de que a globalização é o resumo ainda inacabado, e certamente não fatalístico, estão produzindo profundo rombo na cidadania produzida pela Era das Revoluções. E com isso a relação entre ela e sua representação certamente está sofrendo poderosos abalos. Vivenciamos um momento histórico no qual, 169 A filantropia substitui o direito social. Os pobres substituem os cidadãos. A ajuda individual substitui a solidariedade coletiva. O emergencial e o provisório substituem o permanente. As microssoluções ad hoc substituem as políticas públicas. (SOARES, 2003, p.12). Neste sentido, pensar direitos humanos significa refletir primeiramente sobre o contexto no qual se inscrevem estes direitos, contexto este em que a globalização do capital globaliza também as mazelas provenientes do sistema capitalista, globalizando portanto a pobreza, as desigualdades sociais e ampliando o abismo entre ricos e pobres. Este é um país, conforme demonstrou o IBGE recentemente, de profundas e históricas desigualdades. A publicação “Estatísticas do Século 20”, lançada em 2003 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que o PIB do país equivalia a cerca de R$ 1 bilhão em 1900, para uma população de 17,4 milhões de pessoas e, em 2000, chegou a R$ 1 trilhão para 169,6 milhões de brasileiros. O Brasil aumentou em cem vezes o Produto Interno Bruto (PIB) e multiplicou por 10 a população durante o século passado. A distribuição de renda, no entanto, piorou no período. Ainda de acordo com a publicação, em 1960 a renda total dos 10% mais ricos era 34 vezes maior que a dos 10% mais pobres. Trinta anos depois, a diferença havia crescido para 60 vezes. A desigualdade foi ampliada apesar de o PIB per capita do brasileiro ter crescido quase 12 vezes de 1901 a 2000, com uma média de 2,5% ao ano, passando do equivalente a R$ 516 para R$ 6.060. O desempenho só foi superado por poucas economias no mundo, como Japão, Taiwan, Finlândia, Noruega e Coréia. A atual conjuntura aprofunda ainda mais a histórica concentração de renda do país. De acordo com os dados do IBGE, 10% dos mais ricos detêm 75,4% das riquezas, ao passo em que os 10% mais pobres detêm somente 1,1% da riqueza nacional, constatando um quadro que se arrasta por anos e que se mantém praticamente inalterado sob o mandato de um presidente e um partido originário dos movimentos sociais. Dados ainda mais recentes do relatório da ONU, relativos ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado nos jornais brasileiros de grande circulação no dia 7 de setembro de 2005, revelam um Brasil fraturado/cindido, que se divide entre os que têm tudo e os que não têm nada: os 10% de brasileiros mais ricos ficam com nada menos de 47% da renda nacional. O dado mais do que 170 impressionante, é elucidativo, e nos ajuda a desvelar algumas questões, tais como o motivo pelo qual a desigualdade social não é considerada o problema maior do país: são os 10% mais ricos que estabelecem – no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, nos partidos políticos, nas instituições religiosas, na imprensa, na academia, nas universidades – a hierarquia dos problemas nacionais. Como eles são beneficiários da desigualdade, não lhes convém chamar a atenção para o assunto. Com esse abismo social, também podemos entender o motivo, recorrente, da discussão sobre a economia brasileira se dar exclusivamente em torno do crescimento econômico. No dia 7 de janeiro de 2008, a Revista Digital Envolverde divulgou o Informe da pesquisa sobre o Desenvolvimento Juvenil latino-americano elaborada pelo psicólogo Júlio Jacobo Waiselfisz. A informação revelava que sete milhões de brasileiros engrossam um verdadeiro exército de jovens latino-americanos sem trabalho e fora do sistema educacional, que ameaçam reproduzir a pobreza se não forem tomadas medidas contundentes para reincluí-los, alerta o pesquisador. No Brasil esse contingente representa quase 20% da população entre 15 e 24 anos de idade. Afinal, conforme revelou a publicação “Estatísticas do Século 20”, mencionada anteriormente, o crescimento econômico, em nosso país, não está diretamente relacionado a redução da desigualdade social, de forma que o aumento da produção de riquezas em um país, se não for acompanhado de políticas públicas que viabilizem uma efetiva distribuição de renda, apenas manterá por mais tempo a desigualdade histórica e intencional da renda nas mãos de poucos. Como menciona Freire (2006) vivenciamos hoje no Brasil, um aprofundamento das políticas de cunho compensatório, num cenário em que as propostas mais imediatas de enfrentamento da questão social vêm atualizando a articulação da assistência focalizada e repressão, evidenciando um violento processo de criminalização das expressões da questão social, reciclando a noção de classes perigosas, sujeitas à repressão e extinção. Desta forma temos, por um lado, programas assistenciais focalizados de “combate” à pobreza, em consonância com as políticas das agências multilaterais, sobretudo do Banco Mundial, a exemplo do Bolsa Família, que são programas pobres para os mais pobres dentre os pobres; e paralelo a isso, a construção de um gigantesco Estado Penal, como mencionado por Löic Wacquant (2003), que criminaliza a pobreza e recicla a noção de classes perigosas. 171 Cabe ressaltar, no entanto, que isso não é mera coincidência. É justamente porque as elites do Estado se converteram à ideologia do livre mercado, vinda dos EUA, diminuindo suas prerrogativas na frente social, que se faz necessário que este mesmo Estado aumente e reforce suas missões em matéria de segurança, quase sempre relegada a mera questão criminal. Trata-se, portanto, de tentar remediar, nos termos do sociólogo francês Löic Wacquant (2003), com um “Mais Estado” Penitenciário e Policial um “Menos Estado” social, transferindo-se uma imensa população para dentro dos cárceres brasileiros; população esta com um perfil muito específico, e que antes mesmo de ingressar nos cárceres já era incluída na sociedade de forma excludente80. Ou seja, não se trata de encarcerar qualquer um: são pobres em sua grande maioria (99%), jovens - 54% têm menos de 30 anos, e de pouca escolaridade, sendo 10,4 % analfabetos e 69,5% possuem apenas o 1º grau completo81. Sendo assim, cabe ressaltar que em um país cuja trajetória histórica é fortemente marcada por uma frágil cidadania e por profundos traços de autoritarismo e conservadorismo, a consolidação do neoliberalismo não só mantém tais características como aprofunda de forma inequívoca os “estragos” já conhecidos. Alguns avanços conquistados no século passado, como o Estado de BemEstar, cujas configurações em nosso país sempre foram frágeis, são considerados "problemas", sendo até apontados como "causas" de muitos de nossos males. Melhor dizendo, as conseqüências de um modelo injusto e desigual, mesmo para padrões capitalistas, são confundidas com as causas pelo neoliberalismo. Assim sendo, tal como no econômico, a intervenção do Estado no social é vista como pouco "recomendável", devendo ser substituída pela lógica do mercado. Isto posto, é importante entender que as transformações sofridas pela educação superior no Brasil e nos demais países latino-americanos, com a efetivação da agenda política neoliberal, não ocorreram por “geração espontânea”, nem por demanda de “sua clientela”, mas sim, abarcadas por diversas orientações encontradas nos principais documentos dos organismos multilaterais, como o Banco Mundial, assim como na cartilha do Consenso de Washington. Dentre as exigências, 80 81 A esse respeito ver MARTINS, José de Souza. A Sociedade Vista do Abismo. Novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais, Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 2002 Dados do CESEC - Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, 2004. 172 destacam-se: a necessidade de que o Estado se desvencilhe da manutenção da educação superior, deixando esta a cargo da iniciativa privada, se ocupando apenas da educação básica e média; a indicação para as instituições de ensino superior se organizarem e serem geridas como empresas econômicas; a importância das universidades públicas serem privatizadas ou diversificarem suas fontes de recursos (via cobrança de mensalidades, contratos de pesquisa com empresas, venda de serviços e consultorias e doações de iniciativa privada) e a imposição do máximo de diferenciação institucional (universidades de pesquisa, de ensino, centros universitários, etc.), o que garantiria a competitividade e, conseqüentemente, o progresso desses domínios. (DRUCKE; FILGUEIRAS,1997) Essas recomendações pretenderam serem válidas para todos os países, sem considerar as especificidades nacionais e de seus sistemas universitários. Entretanto, elas tiveram maior êxito especialmente nos países de periferia, devido a menor capacidade de resistência das respectivas sociedades civis, organizações científico-acadêmicas e instituições universitárias; além das conjunturas econômicopolíticas vividas pelos diferentes países por ocasião da implantação dessa agenda política. Cabe lembrar, que as autoridades brasileiras iniciaram, em 1995, o atual processo de reconfiguração da educação superior no país, dando centralidade ao conceito da educação como um serviço competitivo não-exclusivo do Estado, de autonomia financeira das universidades, em lugar da autonomia de gestão financeira, de contratos de gestão, de público não estatal etc. Esses permearam as linhas tanto da legislação aprovada pelo parlamento quanto pelos decretos presidenciais e das portarias do Ministério da Educação. O ajuste promovido pelo neoliberalismo tornou o ensino superior um mercado promissor que despertou interesses empresariais. Hoje, no Brasil, das 905 instituições privadas, apenas 348 são consideradas comunitárias ou confessionais, o restante pertence a iniciativas empresariais, assumidamente com fins lucrativos. A lógica empresarial deu ao ensino superior do país uma nova cara, muito diferente das universidades e centros de excelência baseados no tripé ensino-pesquisaextensão. Tendo como pressuposto a lógica do mercado, a instalação de um novo estabelecimento de ensino não se norteia mais pelo desenvolvimento nacional, mas pelas possibilidades de ser lucrativo ao seu dono. A distribuição das instituições passa a se concentrar nos grandes centros financeiros do país, pois nestes se 173 encontram mais jovens egressos do ensino médio com possibilidades de arcar com os custos para o diploma. Conforme observou Carlos Lessa (1999), a radicalidade da adoção do paradigma de mercado defendida pelo neoliberalismo “amesquinha a visão de Universidade, hipertrofia os argumentos utilitaristas e abre uma busca desesperada da mercadoria a ser produzida pela Universidade” (LESSA, loc.cit. p.23). Nessa perspectiva, a Universidade é pensada como uma escola-fábrica, que produz mão-de-obra com a qualificação desejada pelo mercado. A recombinação da seqüência educação-trabalho mediante a educação continuada ou permanente dissolve a distinção entre o educando e o diplomado, dissolve a titularidade e cria o estagiário perpétuo. Isto expulsa custos de treinamento e confere à empresa facilidade no recrutamento de pessoal (LESSA, 1999, p.24). No momento atual, em que a universidade pública sofre as mais duras ameaças, as principais abordagens e características do desenvolvimento da extensão universitária no Brasil perdem espaço diante da voracidade da lógica mercadológica. A força do paradigma de mercado inspira as ações universitárias sem preocupações em fundamentar as mesmas para além dos critérios do mercado. Carlos Lessa acha importante ressaltar que a prestação de serviços à economia e à sociedade é um dos caminhos pelos quais a Universidade estende sua presença para fora da instituição. Dessa forma, operando como um sistema de apoio aos serviços da sociedade e às empresas, a instituição apresenta-se, assimila e transporta para o ensino, a pesquisa e a extensão as características do contexto em que está inserida. Entretanto, essa prestação de serviços conduz a Universidade ao risco fronteiriço de se converter em uma macroconsultoria. Para tanto, basta assumir o critério de mercado e entender tal via como um caminho complementar de financiamento do ensino superior. Atualmente, a história da extensão universitária no país, como palco de muitas polêmicas e controvérsias, se repete, quando o termo extensão é utilizado muitas vezes para sublinhar apenas os cursos ministrados em universidades públicas. Só que hoje, esses cursos são, em sua imensa maioria, pagos. Como observou Diogo Moysés, "na realidade, tais cursos são destinados a incrementar as verbas deficitárias das universidades e, ainda, uma forma nada transparente de 174 aumentar a folha de pagamento de alguns docentes" (MOYSÉS, 2001, p.12). Além deste aspecto, diz o autor, temos que atentar para o fato de que esses cursos, ao serem pagos, contradizem na essência uma possível intenção de socializar o conhecimento produzido na universidade. Uma coisa é clara: o tema da extensão e seu significado nas universidades brasileiras continuam sendo de suma importância, dentro dessa longa batalha, agravada pelas políticas de cunho neoliberal, para aproximar os objetivos das universidades públicas aos interesses revelados pela problemática social. A questão central que esse debate deve encarar é que não se conquistam direitos pelo mero acesso ao “mercado” e sim, por meio de políticas públicas universais e igualitárias. Nessa perspectiva, entendemos que a extensão universitária - principalmente das Universidades Públicas - tem hoje como desafio central “a defesa das Políticas Públicas, participando na formulação, acompanhamento e avaliação dessas Políticas em todos os âmbitos da federação e setores de atuação, especialmente aqueles relacionados à garantia dos direitos” (SOARES, 2007, p.9). Conforme observou a Pró-reitora de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Laura Tavares Soares “não podemos transformar a Extensão em programas pobres para pobres (a la “responsabilidade social” das empresas, apenas para aplacar a “má consciência” a respeito do seu papel social)” (ibidem). Ainda segundo Soares (2007), no debate dito “moderno” – no qual vem se constituindo uma espécie de “novo consenso” – prega-se a “auto-sustentabilidade” e o “empreendedorismo” como um modo de afirmar que depender do Estado é algo “negativo”. Não por acaso, um dos maiores pilares da desresponsabilização do Estado na garantia dos direitos é sem dúvida o empreendedorismo. Essa figura de destaque na extensão universitária da atualidade tem como pressuposto que o pequeno negócio, sobretudo, viabilizado pelo microcrédito, eleva a auto-estima, desenvolve responsabilidade individual, inclui no universo da liberdade que é o mercado. Essa é a negação da verdadeira essência da extensão. Essa estratégia de enfrentamento da questão social é vista quase como uma decorrência natural das transformações em curso na realidade. Com isso se afirmam vitoriosas as teses neoliberais. Essas idéias, segundo Soares (idem), reforçam - de maneira perigosa, irresponsável e hipócrita - a ideologia (neo)liberal de que “pessoas e comunidades” 175 são as responsáveis pela resolução dos seus próprios problemas, tratando a intervenção do Estado como algo “paternalista”, elas legitimam o declínio da esfera pública. Por mais distintas que sejam as experiências e realidades de nossas universidades, a discussão sobre a importância da extensão universitária foi historicamente impulsionada por um aspecto comum a todas: o da percepção de que a universidade caminhava distanciada da realidade social do país. Em outras palavras, a extensão se construiu e se desenvolveu como atividade universitária em conexão com o reconhecimento de que ensino e pesquisa não respondiam aos interesses de tal realidade. Em suma, a extensão é fruto de propostas que admitem a universidade como um corpo estranho à sociedade "alienada em relação ao mundo à sua volta, praticamente inerte aos tantos problemas sociais que afligem a maioria do país" (MOYSÉS, 2001, p.12). Considerações Finais Gostaríamos de registrar que não pretendemos, nem conseguiríamos, analisar todas as peculiaridades da relação entre direitos humanos e extensão universitária no Brasil contemporâneo, nos limites desse texto. O que intentamos apresentar foi um conjunto de questões que abordamos e definimos como relevantes, com o máximo de clareza do significado de nossas propostas. Sem dúvida, com o passar dos séculos, muito se evoluiu no Brasil em termos de Legislação. Hoje, temos uma das Constituições mais avançadas do mundo em termos de garantia de direitos. No entanto, o desafio posto na contemporaneidade é como garantir os meios, os mecanismos de efetivação destes direitos, que apesar de terem um marco legal ainda não foram efetivados na realidade da sociedade brasileira. A luta pelos Direitos Humanos não se dá apenas no plano formal, no plano das leis, faz-se mister compreender a necessidade destes direitos no contexto no qual estão inseridos, ou seja, de uma sociedade capitalista desigual. No caso brasileiro, profundamente desigual. Como mencionou Bobbio (2004, p.58), “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”. 176 Assim, abrir mão das concepções que entendem direitos humanos como algo limitado a determinados modelos que lhes seriam inerentes, como ”coisa em si”, abstrata e da essência dos homens, torna-se fundamental para que possamos abrir um caminho de possibilidades direcionadas para a produção, como observou Coimbra (2001), de uma nova sociedade, em que a democracia não seja reduzida ao pleito eleitoral, mas seja concebida também pelo ângulo da ampliação da cidadania. Estamos convencidos que a Universidade deve contribuir neste debate, e que a extensão é o espaço com maior capacidade em seu interior, para construirmos nesse início de século XXI um consenso de que somos uma nação e não uma aglomeração de consumidores. Portanto, o mercado não pode ter soberania frente à universidade. Cabe à Universidade um importante papel nessa luta pela defesa e efetivação dos direitos, tendo em vista ser ela o local privilegiado da produção de conhecimento e sua potencialidade na produção do dissenso acerca do “pensamento único” neoliberal. É neste sentido que creditamos à Universidade um papel fundamental na consolidação de uma nação centrada no princípio da cidadania, sendo a extensão, no estabelecimento da relação Universidade – sociedade, um instrumento privilegiado na luta pela garantia dos Direitos Humanos enquanto expressão mais ampla da cidadania. REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Nova Edição. Campus. 2004,210p. BOTOMÉ, Silvio Paulo. Pesquisa alienada e ensino alienante: o equívoco da extensão universitária, Petrópolis/São Carlos/Caxias do Sul: Vozes/EDUFSCar/ EDUCS,1996. 248p. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília/ DF: Senado Federal, 1990. 210 p. CHAUÍ, Marilena. Ideologia neoliberal e universidade. 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Falamos dessas contribuições nos baseando na opinião de diversos autores sobre o papel que exerce o aprendizado de uma língua estrangeira. Pretendemos mostrar que, embora vivamos um momento em que as línguas estrangeiras não desempenham um papel de prestígio, o francês desperta, ainda hoje, o interesse pelo seu estudo. Para tal, apresentamos os dados colhidos em um questionário aplicado a alunos do Curso de Extensão em Língua Francesa que representam, ainda que em número reduzido, os cursos oferecidos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Palavras-Chave: Língua Francesa; contribuições; UFV. ABSTRACT This paper will present the contributions the process of teaching and learning French could bring. Our goal is to emphasize that the acquisition of this language is very useful to the individual’s formation, especially in cultural and academic fields. We talk about these contributions relying upon many authors’ opinion about how the acquisition of a foreign language can help people. We want to show that, in spite of living in a time in which the foreign languages aren’t prestige, people are still interested in learning French. In order to prove this, we will present the data collected in a questionnaire given to some students from the French Course offered by the Federal University of Viçosa (UFV). Keywords: French language; contributions; UFV. RESUMEN Este trabajo pretende explicitar las contribuciones que pueden traer la enseñanza y el aprendizaje de la Lengua Francesa. Nuestro objetivo es evidenciar que el 82 Graduada em Letras pela Universidade Federal de Viçosa. Professora Substituta de Língua Francesa no Departamento de Letras da mesma instituição. Rua “R” n° 35 apto 01/ Bairro Sto Antônio- Viçosa- MG cep 36570-000 tel: (31) 3892-2111. E-mail: [email protected]/[email protected] 180 aprendizaje de esta lengua ofrece una gran contribución para la formación del individuo, sobretodo en los niveles cultural y académico. Hablamos de estas contribuciones basándonos en la opinión de diversos autores sobre el papel que ejerce el aprendizaje de una lengua extranjera. Pretendemos mostrar que, aunque estemos viviendo un momento donde las lenguas extranjeras no desempeñan un papel de prestigio, la lengua francesa despierta, aún hoy, el interés por su estudio. Para tal presentamos los datos recogidos en un cuestionario aplicado a los alumnos del Curso de Extensión en la Lengua Francesa que representan, mismo que en número reducido, los cursos ofrecidos por la Universidad Federal de Viçosa (UFV). Palabras-Claves: Lengua Francesa; contribuciones; UFV. O presente trabalho tem por objetivo expor os diferentes fatores que motivam os estudantes da Universidade Federal de Viçosa a estudarem a Língua Francesa, em um momento não muito favorável às línguas estrangeiras no contexto nacional. Faremos uma pequena exposição do caminho percorrido pelas línguas estrangeiras no Brasil para mostrar que havia um grande interesse com relação ao seu ensino no início da consolidação do nosso sistema educativo e mostraremos ainda, como estas perderam um lugar de grande prestígio nas décadas seguintes. Em nossa instituição, a Universidade Federal de Viçosa (UFV), a Língua Francesa representa a língua de resistência ao monolingüismo estrangeiro. A referida língua é oferecida no Departamento de Letras aos estudantes de Letras e também aos de Secretariado Executivo Trilingüe. Ligado ao Departamento funciona o Curso de Extensão em Língua Francesa (CELIF); trata-se de um curso particular que recebe, na maioria das vezes, estudantes de todas as áreas da UFV. É por esta razão que escolhemos os alunos do CELIF para colher dados para a pesquisa. Como se trata de uma instituição reconhecida pelo seu caráter agrícola, o aumento do número de estudantes que desejam aprender francês na UFV mostra que a língua em questão é ainda atual e que, além disso, ela pode proporcionar aos estudantes inúmeros benefícios, não importa qual seja sua área de estudo. O papel das Línguas Estrangeiras 181 Segundo Morin (2001), o ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras ajuda a amadurecer o olhar em relação ao outro, faz com que cresça o respeito pela cultura alheia e reforça a dignidade da pessoa humana. Infelizmente, no nosso país, quando se fala em língua estrangeira, entende-se Língua Inglesa. Apesar de os PCN’s defenderem o ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, o que se vê no território nacional é a hegemonia do Inglês. É impossível negar a importância do estudo desta língua, que nos tempos atuais é a língua das relações internacionais, e que, como qualquer outra língua estrangeira, é fonte de enriquecimento cultural. Porém, essa massificação, essa unificação, acarreta um inegável empobrecimento cultural. Apesar de estarmos vivendo em tempos de globalização e inegável predomínio da Língua Inglesa em diversos campos (comercial, educacional, científico e tecnológico, entre outros), “o processo de mundialização não deve ser compreendido como uma uniformização empobrecedora, ao contrário, são as particularidades e as especificidades culturais que devem sustentar a globalização” (ROUQUIÉ, 2001, p.9). A Língua Estrangeira não tem um fim simplesmente tecnicista, não habilita o indivíduo simplesmente para o manuseio de máquinas ou para a compreensão de textos, há ainda o enriquecimento cultural e pessoal, como já foi comentado acima, em conformidade com os PCN’S. O domínio da Língua Inglesa no sistema educativo nacional é conhecido por todos. O que muitos ignoram é que já houve uma grande ênfase no ensino de línguas no nosso país. Em um primeiro momento, no ensino das línguas clássicas (grego e latim) e depois no ensino das línguas ditas modernas: francês, inglês, alemão e italiano (LEFFA, 2001). Apresentaremos, com base nos estudos de Leffa (2001) e Kundman (2001 e 2005), os períodos favoráveis às línguas e evidenciaremos também como estas perderam um lugar de grande destaque. Antes do Império Durante o período colonial, o grego e o latim eram as disciplinas dominantes. As línguas modernas foram introduzidas no ensino brasileiro em 1808. Com a chegada da família real, em 1808, e com a criação do colégio Pedro II em 1837, as 182 línguas estrangeiras começam a se firmar no sistema de ensino brasileiro. Sua consolidação culmina com as medidas do ministro Couto Ferraz em 1855, que propõe uma reforma no ensino. É quando as línguas modernas - francês, inglês, alemão e italiano - começam a ser vistas com a mesma importância das línguas clássicas - latim e grego. O ensino das línguas durante o Império sucumbia ao problema da falta de metodologia adequada. A metodologia utilizada para as línguas modernas (ou vivas) era a mesma utilizada para as línguas clássicas (ditas mortas): tradução de textos e análise gramatical. Embora não se tenha dados precisos sobre o ensino de línguas nesse período, tal como a carga horária semanal de cada língua ensinada, aqueles que pudemos encontrar nos mostram uma queda na valorização das línguas estrangeiras na escola. Com base nos estudos de Leffa (2001), podemos constatar que, durante o Império, os alunos estudavam no mínimo quatro línguas no ensino secundário, muitas vezes cinco ou seis línguas, quando o italiano era oferecido facultativamente. Apesar de o quadro de línguas oferecidas não ter sofrido muitas mudanças no que diz respeito à quantidade, notamos que, no final do império, o número de horas estudadas foi reduzido, chegando a pouco mais da metade. Sob a República Em tempos de República, o ensino-aprendizagem de língua materna e estrangeira tornou-se objeto de reflexão no que concerne à metodologia. Observando as reformas divulgadas por diferentes ministros, podemos notar que alguns defendiam a importância do estudo de textos literários e de elementos de civilização, enquanto outros procuravam mostrar a necessidade da prática na utilização da língua, ou seja, da oralidade e da escrita. Nesse contexto, o desprestígio das línguas estrangeiras torna-se ainda mais acentuado, uma vez que há uma redução significativa no número de horas dedicadas ao seu ensino. Dessa forma, das (76) setenta e seis horas semanais em 1892, chega-se em 1925, a (29) vinte e nove horas, ou seja, menos da metade. Nesse período, o ensino do grego desaparece, o francês, quando não tem a mesma sorte, tem sua carga horária semanal reduzida e o italiano ou permanece de forma 183 facultativa, ou não é oferecido. O inglês e o alemão são oferecidos ainda nas escolas, porém o aluno deve optar por uma língua ou outra. A reforma de 1931 Já no século XX, a reforma de 1931 constitui a primeira tentativa realmente séria feita no Brasil visando uma maior orientação para o ensino/aprendizado de língua estrangeira (CHAGAS, 1957 apud KUNDMAN, 2005). Extinguiu-se a freqüência livre e foi instituído o regime seriado obrigatório com o objetivo não só de preparar o aluno para ingressar no Ensino Superior, mas também de proporcionarlhe uma formação integral. Introduziu-se oficialmente no Brasil o que tinha sido feito na França em 1901: o uso do método direto, que consistia no ensino da língua por meio da própria língua. Isso porque, até aquele momento, utilizava-se o método de tradução e gramática e eram raros os professores que trabalhavam a oralidade em sala de aula. A Reforma Capanema Em 1942 instaurou-se a nova Lei Orgânica do Ensino Secundário, de Gustavo Capanema. Esta lei introduz o espanhol no ensino secundário. Segundo Kundman (2005), o decreto atribui às línguas objetivos educativos: “contribuir na formação da mentalidade, desenvolvendo habilidades de observação e reflexão”; e também objetivos culturais como “o conhecimento da civilização estrangeira” e a “capacidade de compreender os ideais e as tradições de outros povos”. (KUNDMAN, 2001 apud CHAGAS, 1957). A lei que o ministro Capanema propõe em 1942 deve, segundo ele, formar nos adolescentes uma sólida cultura geral, marcada pelo cultivo tanto das humanidades antigas como das modernas, e ainda, acentuar e elevar sua “consciência patriótica” e sua “consciência humanística.” (LEFFA, 2001 apud CHAGAS, 1957). A Reforma Capanema, apesar das críticas que diversos educadores lhe atribuem por a verem como um documento fascista dada sua exaltação ao nacionalismo, foi a reforma que deu mais importância ao ensino das línguas estrangeiras. Estudava-se latim, francês, inglês e espanhol desde o ginásio até o 184 científico ou “clássico”. Terminava-se o ensino médio, muitas vezes, lendo-se os autores nos originais. Leffa (2001, p.9) argumenta que “de uma perspectiva histórica, as décadas de 40 e 50 foram os anos dourados das línguas estrangeiras no Brasil”. LDB de 1961 Em 1961 a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) não fez alusão ao ensino das línguas vivas, ainda que uma ou duas línguas estrangeiras pudessem ser indicadas entre as disciplinas complementares (facultativas). Com a entrada em vigor da referida lei, as decisões sobre e ensino de língua estrangeira ficaram sob a responsabilidade dos conselhos estaduais de educação. O latim foi retirado do currículo, o francês ou tinha o mesmo tratamento, ou via sua carga horária ser diminuída ainda mais e o inglês permaneceu sem grandes alterações. “Comparada à Reforma Capanema e à LDB que veio em seguida, a lei de 1961 é o começo do fim dos anos dourados das línguas estrangeiras.” (LEFFA, 2001, p. 10). LDB de 1971 Com a LDB de 1971, o ensino é reduzido de doze para onze anos. A diminuição de um ano de escolaridade e a ênfase na habilitação profissional provocam uma grande redução nas horas de ensino de língua estrangeira. Para agravar ainda mais a situação, um parecer do Conselho Federal declara que a língua estrangeira deveria ser dada “por acréscimo” dentro das condições de cada estabelecimento. As conseqüências são comentadas por Leffa, Muitas escolas tiraram a língua estrangeira do primeiro grau e no segundo grau não ofereciam mais do que uma hora por semana, às vezes durante apenas um ano. Inúmeros alunos, principalmente do supletivo, passaram pelo primeiro e segundo graus sem nunca terem visto uma língua estrangeira. (LEFFA, 2001, p.10). Apesar das diversas declarações favoráveis à presença e à diversificação das línguas estrangeiras nas escolas de primeiro e segundo graus (atualmente, ciclos fundamental e médio) assitiu-se, nesse período, a uma redução significativa do seu ensino. 185 LDB de 1996 A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 9394/96) recomenda na parte diversificada do programa do Ensino Fundamental, a partir da quinta série, o ensino obrigatório de uma língua estrangeira moderna. No Ensino Médio, uma língua estrangeira é também obrigatória, mas uma segunda língua pode ser incluída facultativamente. Embora haja uma abertura dada pela lei à adoção de mais de uma língua estrangeira, o que acontece é, na grande maioria das vezes, o ensino único e exclusivo da Língua Inglesa. Sobre essa questão comenta Kundman: Essa orientação única, a não diversificação na escolha das línguas, nos parece bastante grave do ponto de vista cultural, econômico e político, em um momento em que a tendência atual é a do plurilingüismo. (KUNDMAN, 2001, p.5). O quadro abaixo representa as línguas estrangeiras no sistema educativo brasileiro, do império aos dias atuais. 1855 grego, latim, francês, inglês, alemão, italiano 1892-1925 francês, italiano, inglês ou alemão 1942 latim, francês, inglês e espanhol 1961 francês e inglês 1996 (a partir de) inglês No quadro acima podemos notar como o número de línguas estrangeiras diminui ao longo dos anos. Podemos dizer que a situação na qual vivemos é, no mínimo curiosa, uma vez que já tivemos o oferecimento de seis línguas estrangeiras e no momento somente uma língua é oferecida e com uma carga horária muito menor comparado ao que tínhamos antes. Como já dissemos, nosso objetivo é apenas elucidar o que aconteceu com as línguas estrangeiras ao longo da história 186 do sistema educativo brasileiro. A discussão dos fatores que levaram a essa situação não fará parte deste trabalho. A Língua Francesa na Universidade Federal de Viçosa Criada em 1922, a Universidade Federal de Viçosa é considerada uma das mais renomadas do Brasil. Ela é composta por 750 professores e aproximadamente 12000 estudantes dispostos nas áreas de Ciências Exatas, Humanas, Agrárias e Biológicas. O Departamento de Letras e Artes foi criado em 1976. É um departamento que está em fase de expansão. Este possibilita aos estudantes licenciarem-se em Português/Inglês, Português/Francês e Português/Literatura. O Departamento de Letras é responsável ainda pelo curso de Secretariado Executivo Trilingüe (português, inglês, francês). O ensino de Língua Francesa é obrigatório durante três anos e meio (Língua Francesa I, II, III, IV, V, VI, VII e Francês Instrumental) para os estudantes de Secretariado Executivo Trilingüe. O curso tem por objetivo empregar os alunos em empresas francesas situadas no Brasil, além de capacitá-los a fazer traduções de textos e documentos em francês. Os estudantes de Letras são obrigados a seguir os dois primeiros níveis de Língua Francesa (Língua Francesa I e II). Depois desse período eles escolhem a licenciatura a seguir. Normalmente, de 40 alunos aprovados por ano, em média, 40% optam pela licenciatura Português/Inglês, 15% por Português/Francês e 45% optam por Português/Literatura. Os alunos que optam pela licenciatura Português/Francês estudam oito níveis de Língua Francesa, cinco níveis de Literatura Francesa, dois níveis de conversação e fazem um estágio obrigatório de quatro meses em uma escola da região. O curso é concluído em quatro anos. O Curso de Extensão em Língua Francesa teve início no mês de março, no ano de 2005, com o objetivo de oferecer aos estudantes do Curso de Letras uma oportunidade de estágio. Vinculado ao Departamento de Letras e Artes, o curso atende basicamente aos graduandos da Universidade Federal de Viçosa, recebendo também mestrandos e doutorandos desta instituição e ainda pessoas da 187 comunidade viçosense. Todos os estagiários do curso são estudantes da Universidade Federal de Viçosa, regularmente matriculados no Curso de Letras. O objetivo maior do Curso de Extensão, como já mencionado, é a formação de futuros professores, o que beneficia duplamente a instituição (UFV). Os estudantes do Curso de Letras licenciados em francês, sem ter onde se preparar para ser um bom profissional (antigamente), encontraram no Curso de Extensão uma ótima oportunidade para começar a carreira docente. O Curso possibilita a esses estagiários, além da experiência como docente (ainda que seja como estagiário), uma ajuda financeira, visto que todos eles recebem uma bolsa cujo valor é definido pela instituição. O outro lado beneficiado são os graduandos que se matriculam no Curso, pois estes passaram a ter o oferecimento da Língua Francesa a um custo muito acessível e dentro do campus universitário. Observando o número de estudantes que desejam aprender a Língua Francesa, surgiu o interesse, ao final do primeiro ano do curso, de conhecer a motivação destes alunos para estudarem a língua em questão. Desta forma, os dados que serão apresentados fazem parte de um trabalho de conclusão de curso (monografia) apresentado no mês de maio do ano de 2006. Para buscar conhecer a motivação dos alunos, aplicamos um questionário com 10 perguntas aos estudantes de quatro turmas de nível inicial e também àqueles que cursavam o segundo semestre do curso (uma turma). No momento em que foi realizada a pesquisa, havia 93 alunos matriculados no curso, dos quais entrevistamos 49. A partir das respostas obtidas nos questionários, constatamos que o Centro de Ciências Humanas (CCH) compreende 52% do total dos alunos entrevistados. Em seguida apareceu o Centro de Ciências Exatas (CCE), 22,9%. O Centro de Ciências Biológicas (CCB) somou 12,5%, assim como os mestrandos e doutorandos (12,5%) o Centro de Ciências Agrárias compreendeu 0%, ou seja, não foi representado pelos alunos que participaram da entrevista. Vamos nos restringir a três pontos na análise dos questionários, tendo em vista os alunos que responderam à nossa questão: “o que leva os alunos desta instituição a estudar a Língua Francesa?”. O primeiro ponto diz respeito à importância da língua estrangeira de um modo geral. 188 A grande maioria dos alunos atribuiu à importância do domínio de língua estrangeira três fatores: ao mundo cada vez mais globalizado e competitivo (figurando a língua estrangeira como um diferencial no currículo), à necessidade de leitura de textos no original e à possibilidade de enriquecimento cultural. O segundo ponto questiona sobre a importância do ensino de Língua Francesa considerando o curso de graduação. Os alunos do CCH revelaram que um dos fatores mais relevantes seria a leitura de textos no original (alunos dos cursos de Geografia, Direito, Ciências Econômicas, História e Comunicação Social). Para os estudantes do Curso de Direito, alguns citaram a importância do estudo daquela língua na área do Direito Comparado, outros citaram na área do Direito Internacional. Os estudantes de Geografia afirmaram que, por ser a “escola francesa” a “mãe” da Geografia Contemporânea, é indispensável seu estudo. Os estudantes do curso de História acrescentaram que muitos nomes de indiscutível importância para esse campo do conhecimento produziram suas obras em francês, e daí a necessidade de aprender essa língua, pois a tradução nem sempre é satisfatória. Os alunos do CCE, ainda que com menor urgência, salientaram também a importância da leitura de textos em francês. Vários deles citaram o Convênio UFV França, que para os estudantes de Engenharia é o melhor estágio que a instituição oferece. Os alunos do mestrado e doutorado deram respostas mais voltadas para o enriquecimento cultural. Para aqueles que fazem ainda o mestrado é uma forma de se preparar também para a avaliação do doutorado. O terceiro ponto diz respeito à representatividade da Língua Francesa para cada um. Foram colocadas quatro opções e, a grande maioria dos alunos relacionou todas. Foram elas: oportunidades de estágio no exterior, enriquecimento cultural, qualificação para o mercado de trabalho e auxílio no desenvolvimento de pesquisas. Alguns alunos acrescentaram o prazer em aprender tal língua, uma vez que, na grande maioria das vezes estudavam uma língua estrangeira por obrigação. Conclusão 189 Pela análise das respostas obtidas, constatamos que a Língua Francesa é de grande importância para os estudantes da instituição, seja para o conhecimento das obras produzidas em francês, pelas oportunidades de trabalho que aquele país oferece juntamente à UFV, ou para um maior conhecimento da cultura francesa como forma de enriquecimento pessoal. Pudemos observar ainda, pela análise dos questionários, que não há nenhuma pretensão, por parte dos alunos que estudam a Língua Francesa, em restringir seu estudo somente a ela. Vários citaram a importância do domínio de várias línguas e do acesso a várias culturas, o que demonstra que a semente do plurilingüismo está plantada desde já na mente de cada um. Para Barbosa (2005) a defesa do plurilingüismo (maior abertura para as línguas estrangeiras) juntamente com a defesa do ensino de Língua Francesa pode parecer paradoxal e contraditória. Entretanto, esta atitude demonstra um engajamento incondicional a favor da diversidade cultural, como meio de salvar os valores humanistas asfixiados pelos efeitos da globalização. É importante salientar que no momento da realização desta pesquisa (maio/2006), como já havíamos mencionado, o número de estudantes matriculados no Curso de Extensão em Língua Francesa era de 93. Felizmente nós acompanhamos um crescimento da Língua Francesa em nosso meio, visto que o número de estudantes inscritos no último semestre (2007/02) foi de 162. Esta realidade nos mostra que os estudantes desejam ter acesso à língua e à cultura estrangeira, no caso a francesa. Estes dados nos mostram também o amor e a admiração que estes nutrem pela Língua Francesa, uma vez que o número de desistências tem sido muito pequeno e o de inscrições cresce a cada semestre. A pesquisadora iniciou sua trajetória como estagiária do curso desde sua criação, (embora não seja este o foco do trabalho) e percebeu que as contribuições para a prática pedagógica são inúmeras, pois iniciou as atividades como professor/estagiário no curso e hoje encontra-se como supervisora pedagógica no mesmo curso, sendo responsável pela formação dos novos estagiários. REFERÊNCIAS 190 BARBOSA, Márcio Venício. Présentation du XVe Congrès Brésilien des Professeurs de Français. Belo Horizonte: ABPF, 2005. BRAUN, Alain. Une stratégie pour lutter contre l’uniformisation voire une nouvelle forme d’impérialisme: le français langue d’alliances. In: Sedifrale XII – Mondialisation et humanisme (les actes) - Politiques linguistiques. Rio de Janeiro: APERJ, 2001. CONSEIL D’ÉTAT. L’influence du Droit Français. Paris: La documentation Française, 2001. CUNHA, José Carlos. Mondialisation et enseignement des langues: Pour un plurilinguisme effectif dans le système éducatif brésilien. In: ROUMEGAS, J. P., PAGEL, Dario e BORG, Serge (Org) Synergies Brésil - Numero spécial. Rio de Janeiro: GERFLINT, 2001. KUNDMAN, Maria Sabina. Enseignement-apprentissage des langues étrangères et leurs représentations auprès des pouvoirs publics. In: Sedifrale XII – Mondialisation et humanisme (les actes) - Politiques linguistiques. Rio de Janeiro: APERJ, 2001. ___________. Politiques linguistiques et Enseignement des langues étrangères au Brésil. Anais do XVe Congrès Brésilien des Professeurs de Français. Belo Horizonte: ABPF, 2005. MORIN, Edgar. Diversité culturelle et pluralité d’individus. In: ROUMEGAS, J. P., PAGEL, Dario e BORG, S. (Org) Synergies Brésil - Numero special. Rio de Janeiro: GERFLINT, 2001. ROUQUIÉ, Alain. Le français, passeport pour la mondialisation. In: ROUMEGAS, J. P., PAGEL, D. e BORG, S. (Org) Synergies Brési l- Numero special. Rio de Janeiro: GERFLINT, 2001. Texto recebido em 21 fev. 2007. Texto aprovado em 12 mar. 2008. 191 ANEXO Questionário aplicado aos estudantes do Curso de Extensão em Língua Francesa. 9 QUESTIONÁRIO Curso de graduação: _____________________ Período: ________ Data: ______ 1) O que você pensa sobre o aprendizado de uma língua estrangeira? ____________________________________________________________________ 2) Em sua opinião, o ensino brasileiro valoriza o aprendizado de língua estrangeira? ____________________________________________________________________ 3) Quantas línguas estrangeiras você domina? De onde surgiu seu interesse por aprendê-las?_________________________________________________ 4) Antes de ingressar no Curso de Extensão, o que você sabia sobre a língua/cultura francesa?_________________________________________________________ 5) O que o levou a matricular-se no curso?____________________________ 6) Para você, o conhecimento da Língua Francesa pode auxiliar na sua graduação? ( ) Muito ( ) Pouco ( ) Nem um pouco Por quê? _____________________________________________________________________ 7) O aprendizado da Língua Francesa representa para você ( pode-se marcar mais de uma opção): ( ) oportunidades de estágio no exterior. ( ) enriquecimento cultural. ( ) qualificação para o mercado de trabalho. ( ) auxílio no desenvolvimento de pesquisas. ( ) outros. ___________________________________________________________ 8) O curso de Extensão em Língua Francesa tem atendido às suas expectativas? Justifique. ( ) Sim. ( ) Não. ( ) Em partes. 9) Você acha que seria necessário o oferecimento do ensino do francês no seu curso de graduação?Por quê?_____________________________________________ 10) Como você vê a Língua Francesa daqui a alguns anos no contexto universitário? ____________________________________________________________________ 192 Relato de Experiência 193 IMPLANTAÇÃO DO CONCEITO DE “POSSE RESPONSÁVEL” NO MUNICÍPIO DE PALOTINA/PR - BRASIL Implantation of concept “Responsible Owner” at Palotina/PR - Brazil Erica Cristina B. P. Guirro 83 Kleber Menegon Lemes 84 Suellen Lovato Ribeiro2 Marcelo Morato Silva 85 Tammy Lyn Labatut Bini3 Olicies da Cunha 86 RESUMO O conceito de posse responsável pode ser definido como a aquisição consciente de um animal de estimação, visando atender a todas as necessidades do animal, garantindo-lhe bem-estar satisfatório. Na tentativa de implantar esse conceito no município de Palotina/PR foram realizadas palestras educacionais e feiras de doação de animais. Cerca de 280 jovens já assistiram às palestras e cerca de 50 animais foram adotados. Com menos de um ano de projeto, tem-se verificado estreitamento da relação entre a população e a comunidade acadêmica, entendimento do que é posse responsável pelos munícipes e ampliação da atividade social por parte dos graduandos. Palavras-chave: Cães; gatos; posse responsável; responsabilidade social. ABSTRACT Concept of responsible owner is conscious acquisition of an animal and considering to caring for all necessities of animal to warrant good well-being. This project objective implant the concept of responsible owner at Palotina/PR and this was done thought educative lectures and donation open-air market. About 280 students and 50 animals were present at lectures and 50 animals were adopted. Until one year of project, have been observed strait relationship between population and academic 83 Professora Assistente da UFPR/Palotina, Coordenadora do Projeto de Extensão “Posse Responsável”. E-mail: [email protected]. Autor para correspondência: UFPR, Rua Pioneiro, 2153, Palotina/PR, CEP 85950-000. 84 Acadêmico da UFPR/Palotina, bolsista da PROEC - UFPR 85 Acadêmico da UFPR/Palotina, bolsista da Fundação Araucária (Ação Afirmativa) 86 Professor Assistente da UFPR/Palotina, Vice-coordenador do Projeto de Extensão “Posse Responsável” 194 community, better understanding about responsible owner by population and increase in social activity by academics. Keywords: Cats; dogs; responsible owner; social responsibility. RESUMEN El concepto de pose responsable puede ser definido como la adquisición conciente de un animal de compañía, buscando atender a todas las necesidades de la mascota, garantizándole bien estar. En el intento de implantar ese concepto en el municipio de Palotina, PR – Brasil, fueron realizadas charlas educativas y ferias de donación de animales. Cerca de 280 jóvenes ya participaron de las charlas y alrededor de 50 animales ya fueron adoptados. Fue verificado el estrechamiento de la relación entre la población y la comunidad académica, entendimiento del concepto de pose responsable por parte de los habitantes de la ciudad y aumento de la actividad social por parte de los graduandos. Palabras-clave: Gatos; perros; pose responsable; responsabilidad social. Introdução e Revisão de Literatura O tema “posse responsável” é um conceito atual sobre os cuidados que se deve ter com os animais domésticos, especialmente com cães e gatos. Posse responsável pode ser definida como a aquisição consciente de um animal de estimação, visando atender a todas as necessidades do animal, garantindo-lhe bemestar satisfatório (www.arcabrasil.org.br). A proliferação descontrolada de cães e gatos é resultado direto do abandono ou maus cuidados vividos por tais animais e, assim, é essencial que haja aplicação de uma política nacional que vise conscientizar a população sobre a necessidade de se cuidar bem dos animais e evitar sua proliferação descontrolada (www.kennelclub.com.br). Segundo o CENSO de 1998, a população estimada do Município de Palotina é de 26.545 habitantes (IBGE, 1998). Como é estimado que a população canina esteja em torno de 10% da população humana na área urbana, significa que em Palotina existem cerca de 2.500 cães. No Brasil, o primeiro projeto de lei visando a implantação do conceito de posse responsável foi idealizado pelo Deputado Federal Cunha Bueno, em 1999. Em 2000, tal projeto foi protocolado no Senado e contempla 10 artigos que abrangem cuidados sanitários e garantem o bem-estar animal em todo o território 195 nacional, além de se referir aos cuidados necessários para se evitar acidentes causados por animais errantes (www.nossoscaesegatos.hpg.ig.com.br). Alguns municípios brasileiros que investiram no esclarecimento e conscientização da importância da posse responsável obtiveram sucesso. A implantação deste conceito tem sido realizada por meio de inúmeras práticas, como registro dos animais de estimação e emprego de diferentes formas de identificação dos animais, como coleiras, chips entre outras, melhoria da saúde e da qualidade de vida dos animais, estimulação da adoção responsável e a manutenção em domicílio dos cães e gatos, prevenção de doenças e estimulação das vacinações, visando a manutenção da saúde e do bem-estar dos animais domésticos e dos seres humanos, melhoria na relação homem-animal, destinação dos animais errantes, utilização dos animais para experimentação, planejamento da natalidade dos animais, facilitando o acesso às cirurgias de esterilização dos cães e gatos, aumento do conhecimento das necessidades e do comportamento dos animais domésticos, entre outros (CARVALHO, s/d; RUIZ, s/d; www.forumnacional.com.br). Dessa forma, os objetivos fundamentais deste trabalho foram de ordem sanitária e social. O foco sanitário foi o de prestação de serviço de saúde pública, oferecendo informações que contribuam na redução do número de animais soltos nas ruas de Palotina o que, conseqüentemente, pode diminuir os índices de doenças infecto-contagiosas entre os animais e entre o homem e os animais (zoonoses). Os objetivos sociais fundamentaram-se no estreitamento da relação da população com os animais, aumento do vínculo entre a população e a comunidade acadêmica e ampliação o senso de responsabilidade social nos alunos participantes do projeto. Material e Métodos Este projeto iniciou-se no ano de 2007 e continua sendo desenvolvido por meio de duas ações principais: palestras educativas e feiras de doação de animais (Figura 1). Para tais atividades foram selecionados alunos do curso de Medicina Veterinária da UFPR/ Campus Palotina, bolsistas ou voluntários, que são orientados pelos coordenadores do projeto. 196 As palestras são agendadas, nas escolas públicas e privadas de Palotina, com o auxílio da Secretaria Municipal de Educação. O público alvo envolve jovens de 4 a 15 anos de idade, pois este é o futuro público formador de opinião e, portanto, o ponto chave da implantação do moderno conceito de posse responsável. Dessa forma, estarão sendo formados cidadãos mais conscientes a respeito de sua responsabilidade sobre a presença de animais soltos nas ruas, desprovidos dos cuidados necessários e de medicina veterinária preventiva. Além disso, por ter jovens como público alvo, há maior possibilidade quanto à redução de gastos com vigilância sanitária e recolhimento de animais das ruas. Diante da diferença quanto ao grau de alfabetização desta faixa etária, criaram-se três modelos de palestras, variando a quantidade de texto e de imagens, mas sempre limitando as apresentações entre 20 a 30 minutos a fim de garantir a atenção do público. Os temas abordados são longevidade dos animais, educação dos filhotes e dos adultos, abrigo, espaço físico necessário, higiene, banhos, alimentação, água, abandono, adoção, cuidados veterinários, vacinação, vermifugação e controle populacional (castração). As feiras de doação de animais são realizadas durante feiras promovidas pela Prefeitura, por associações de Palotina ou, ainda, em casas agropecuárias que apóiam o projeto. A adoção é precedida do preenchimento de um cadastro com identificação do futuro proprietário que, obrigatoriamente, deve ser maior de 18 anos e, também, no esclarecimento de como se deve cuidar do cão e/ou gato que está sendo adotado e, durante essa explicação, são passadas as mesmas informações contidas nas palestras educativas. Os animais que são encaminhados à adoção são cães e gatos oriundos da doação ou abandono nas dependências do Campus da UFPR, no município de Palotina/PR. Esses animais são examinados, recebem os cuidados higiênicos adequados e, se a idade permitir, são submetidos à esterilização cirúrgica. Os animais muito jovens que não puderam ser operados são doados, mas o futuro proprietário é informado que pode procurar o Hospital Veterinário quando o animal atingir mais de 6 meses para ser submetido ao procedimento cirúrgico a baixo custo. 197 A B C E F G H D Figura 1 – Execução do projeto de extensão que visa implantar o conceito de posse responsável no município de Palotina/PR. A exibe o logotipo do projeto “Posse Responsável”; B ilustra os acadêmicos bolsistas durante a realização de palestra educativa; C mostra o público de uma palestra educativa; D apresenta o momento da adoção de um cão, sempre com a presença de um responsável maior de idade; E mostra os alunos voluntários que participam de feira de doação de cães e gatos; F exibe um acadêmico explicando como cuidar de um animal que será adotado; G ilustra o interesse de crianças na adoção de animais, inclusive por aqueles que sofreram danos permanentes como a amputação de um membro; H apresenta um grupo de cães filhotes expostos para a adoção em uma das feiras. Resultados e Discussão Como resultados diretos,constata-se que cerca de 280 jovens de 4 a 15 anos já assistiram às palestras e cerca de 50 cães ou gatos foram adotados do modo proposto. Com base nos valores do CENSO de 1998, esses números representariam cerca de 1% da população humana e 2% da população de cães, o que passa a ser significativo por ter ocorrido em menos de um ano de criação e execução do projeto. 198 Indiretamente, é importante salientar que durante a realização das palestras observou-se grande interesse por parte do público e o questionamento dos jovens ao final das apresentações foi notável. Durante as feiras de doação, houve grande aproximação entre a comunidade palotinense e os acadêmicos do curso de Medicina Veterinária, sendo que os munícipes indagavam sobre inúmeros sinais clínicos observados em outros animais e como cuidar de cães e gatos. A Coordenação do projeto decidiu que não seriam realizadas consultas a outros animais durante as feiras, pois se tratava de ambiente inadequado à prática da Medicina Veterinária. Todavia, orientou-se a população a agendar consultas no Hospital Veterinário da Universidade e observou-se aumento da procura posteriormente às feiras. Além disso, é importante ressaltar que os acadêmicos que participaram do projeto exibiram enorme satisfação ao final das palestras e das feiras de doação. Os acadêmicos do curso de Medicina Veterinária mostraram extremo interesse pelo contato com os expectadores das palestras e não mediram esforços para responder a todo tipo de questionamento pertinente ao tema. Foram freqüentes os relatos sobre a importância da responsabilidade social vivida pelos acadêmicos que se sensibilizaram ao praticar a profissão que escolheram e poder estreitar a relação com futuros proprietários de animais abandonados. Foi evidente a motivação para a próxima atividade proposta, fosse palestra ou feira. Notou-se, também, que este projeto recebeu atenção da comunidade, que atualmente vem até o Hospital Veterinário da UFPR/ Campus Palotina em busca de animais para adoção. A imprensa local escrita e falada também procurou a Coordenação do projeto a fim de apoiar sua divulgação. Conclusões Diante do exposto, nota-se que o conceito de posse responsável já tem significado mais claro à população palotinense, que gradualmente tem se mostrado mais atenciosa quanto aos cuidados necessários à criação de animais de estimação e à necessidade de se reduzir o risco de contágio de doenças transmitidas por esses animais. Ademais, é salutar a geração de acadêmicos de Medicina Veterinária mais preocupada com seu papel na sociedade, não apenas 199 no que tange ao trabalho técnico, mas também ao social e voluntariado. Assim, pretende-se continuar com o projeto de extensão “Posse Responsável” a fim de aumentar a inclusão deste conceito na comunidade. REFERÊNCIAS CARVALHO, V. F. A posse responsável dos animais é um compromisso com a vida. Disponível em <www.webartigos.com/articles>. Acesso em 09/01/2007. Encontro Proteção Ambiental: O Novo Papel do Centro de Controle de Zoonoses. Disponível em <http://www.forumnacional.com.br/manifesto_s_bernardo_do_campo_2003. pdf>. Acesso em 14/01/2007. RUIZ, D. MP intervém em causa animal. Disponível em <http://www.tribunaanimal.com>. Acesso em 11/101/2007. Disponível em <www.nossoscaesegatos.hpg.ig.com.br>. Acesso em 09/01/2007. Disponível em <www.kennelclub.com.br>. Acesso em 12/01/2007. Disponível em <www.arcabrasil.org.br>. Acesso em 09/01/2007. Texto recebido em 12 fev. 2008. Texto aprovado em 26 mar. 2008. 200 GUIA DE ACESSIBILIDADE DE CAMPINAS: RELATO DE EXPERIÊNCIA REALIZADA NO PROGRAMA GERAL DE EXTENSÃO DA PUC-CAMPINAS Accessibility Guide of Campinas: report of an experience done at a General Extension Program of PUC-Campinas. Beatriz Helena Bueno Brandão 87 Camila de Araújo 88 Juliana Caroni Medlij 89 Priscila Lina Rodrigues de Matos 90 RESUMO Este relato descreve, a partir do Programa Geral de Extensão da PUC-Campinas, a experiência de realização de um Guia de Acessibilidade para a cidade, em atendimento a todos os usuários e em especial às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. O relato se propõe a socializar informações sobre o projeto proposto, quanto às referências utilizadas, as atividades desenvolvidas e em desenvolvimento, bem como sobre as oportunidades geradas nas realizações dessas atividades. O guia de acessibilidade tem modelo análogo em edição realizada para a cidade de São Paulo e publicada no ano de 2001, com informações sobre acessibilidade de deficientes físicos a ambientes, edificações, equipamentos e sistemas de comunicação. Como se trata de projeto em andamento, iniciado em 2007, é ainda relatada a programação das atividades para o ano de 2008 com as perspectivas de realização para 2009. Palavras-chave: Guias; Acessibilidade; Pessoas com deficiência; Campinas; Cidade. SUMMARY Professa Me. do Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias da PUCCampinas. E mail – [email protected] 88 Aluna da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas 89 Aluna da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas 90 Aluna da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas 87 201 This report describes, starting from the Extension General Program of PUCCampinas, the experience of the accomplishment of a Accessibility Guide for the city, in attendance to all users and specially for the handicapped or with a reduced mobility deficiency. The report proposes to socialize information about the proposed project, as to the references used, the developed activities and the ones in development, as well as the opportunities created in the achievement of these activities. The accessibility guide as an analogous model in an edition made for the city of São Paulo and was published in 2001, with information on accessibility for the handicapped, constructions, equipments and communication systems. Because this is a project in process, initiated in 2007, it is still related in the programming of the activities for 2008 with the perspectives of consummation in 2009. Keywords: Guides; accessibility; handicapped; campinas; city. RESUMEN Este relato describe, a partir del Programa General de Extensión de la PUCCampinas, la experiencia de realización de un Guia de Acceso para la ciudad, en atención a todos los usuários y en especial a las personas con discapacidad o con movilidad reducida. El relato se propone socializar informaciones sobre el proyecto propuesto, sobre las referencias usadas, las actividades desenvueltas y en desenvolvimiento, bien como sobre las oportunidades creadas en las realizaciones de esas actividades. El guia de acceso tiene modelo análogo en edición realizada para la ciudad de São Paulo y publicada en el año 2001, con informaciones sobre el acceso de discapacitados a ambientes, construcciones, equipamentos y sistemas de comunicación. Como se trata de un proyecto en andamiento, iniciado en 2007, y todavia relatada la programación de las actividades para el año 2008 con las perspectivas de realización para 2009. Palabras-Clave: Guias; acceso; personas con discapacidad; Campinas; ciudad. A Pontifícia Universidade Católica de Campinas, de acordo com sua vocação de universidade confessional, tem como missão, entre outras, a de contribuir na edificação de uma sociedade justa e solidária, por intermédio de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. As suas atividades de extensão desenvolvem-se, costumeiramente, nos programas de atendimento do Hospital e Maternidade Celso Pierro, bem como no 202 Centro Interdisciplinar de Atenção ao Deficiente e em algumas atividades dos cursos dos seus diversos Centros. Contudo, foi a regulamentação do Plano de Carreira Docente em 2006 que institucionalizou a Extensão na PUC-Campinas de modo a ajudá-la a cumprir seu papel social e “criar um centro de referência do conhecimento sobre a realidade, as vicissitudes e as perspectivas da região metropolitana em que se localiza a universidade.” (Circular PROEXT – 023/2006). Nesse novo contexto universitário e no atendimento aos novos paradigmas sociais de promover a inclusão e estimular a cidadania é que surgiu a oportunidade de desenvolvimento de um Guia de Acessibilidade de Campinas, como projeto de extensão. O tema da acessibilidade é tratado pela autora em algumas disciplinas, nas Faculdades de Arquitetura e Urbanismo e de Artes Visuais com Ênfase em Design nas quais leciona, estando desta maneira, inserida nas atividades de ensino. Foi tema ainda, de Pesquisa de Iniciação Científica, no período de 1997 e 2001 e orientada no intuito de aferir as condições de acessibilidade do Campus I da universidade, no qual a autora desenvolve suas atividades. Faltava, portanto, o tratamento do assunto como um trabalho de extensão universitária. O projeto proposto teve como parâmetros os conceitos de acessibilidade vigentes na legislação brasileira (Decreto 5296/04) e na normalização pertinente (NBR 9050/04). Esses parâmetros prevêem o atendimento prioritário às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, que incluem entre outros, os idosos, os obesos, as gestantes e as mães com crianças de colo. O projeto enfoca também o conceito do Desenho Universal de atendimento à maior gama de variações possíveis das características antropométricas e sensoriais da população (NBR 9050/04). Dessa forma, o Guia de Acessibilidade de Campinas tem como objetivo geral servir como meio de comunicação no atendimento à sociedade da Região Metropolitana de Campinas em geral, e em especial às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, de modo a lhes proporcionar melhores condições de acesso na cidade, aos ambientes, edificações, equipamentos e sistemas de comunicação. Pretende assim melhorar as condições de vida das pessoas contribuindo no atendimento das condições humanas naturais de crescimento e envelhecimento. 203 A existência, porém, de legislação brasileira específica sobre o assunto não é garantia de respeito aos direitos dos cidadãos. Apesar de algumas situações de adaptações já existirem em cidades, edificações, equipamentos e sistemas de comunicação, o conhecimento desses fatos, bem como da própria legislação, pela população, é muito precário, quando não inexistente. Essa precariedade de informação justifica plenamente a função do guia como meio de informação e divulgação. O Guia de Acessibilidade proposto tem como modelo o Guia São Paulo Adaptada elaborado para disponibilizar informações sobre acessibilidade na cidade de São Paulo e publicado em 2001. O guia paulistano foi desenvolvido somente em versão impressa e distribuído para órgãos públicos, instituições, entidades e associações relacionadas às pessoas com deficiência sendo vendido ainda, na rede de supermercados Pão de Açúcar. Observamos empiricamente que, poucas pessoas, mesmo entre as com deficiência conhecem o referido guia e ele também não foi atualizado ou reeditado. Nossa proposta, diante dessa observação é da necessidade de elaboração do Guia de Acessibilidade de Campinas, também em versão eletrônica, de modo a possibilitar sua atualização constante e seu acesso mais abrangente. A partir da aprovação do projeto pelas instâncias competentes, procedeu-se à seleção de alunos de diferentes cursos da universidade de forma a envolver diferentes habilidades, como forma de melhor contribuir para a execução do trabalho proposto e possibilitar o exercício da transdisciplinaridade. E assim, selecionamos alunas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e da Faculdade de Jornalismo. Se as primeiras têm uma maior familiaridade com os aspectos urbanos e edilícios, as seguintes têm a maior experiência do trabalho de coleta de informações, texto e divulgação. O plano de trabalho individual das alunas foi elaborado de maneira a contemplar a diversidade das informações propostas para serem divulgadas no Guia de Acessibilidade. Como no Guia São Paulo Adaptada, as informações serão sobre o acesso a edificações e espaços urbanos (arte e cultura, entretenimento e lazer); serviços (esporte, transporte, órgãos públicos e associações, serviços); leis e normas; além de informações de interesse geral. Assim, estamos elaborando o levantamento e coleta de dados e imagens dos espaços acessíveis na cidade, para 204 numa etapa seguinte proceder a sua classificação e organização, visando às publicações em meio impresso e eletrônico dessas informações. Cabe esclarecer que, de acordo com a proposta inicial de implantação do Programa de Extensão da PUC-Campinas, foram previstos três Núcleos Territoriais relacionados a regiões da cidade nos quais já se desenvolviam atividades de atendimento às comunidades ali existentes. Optamos por desenvolver nosso projeto no Núcleo Territorial da Catedral Metropolitana de Campinas pela sua localização na área central da cidade. Acreditamos que essa região concentraria uma maior quantidade de edifícios públicos e que, de acordo com a legislação federal em vigor, já teriam executado as adequações de acessibilidade necessárias. Nossa surpresa foi constatar que essa hipótese não se confirmava. Porém a escolha da área confirmava ainda sua vocação relativa à concentração de serviços e de moradia da população idosa. A metodologia proposta consistiu, inicialmente, em leituras de fundamentação conceitual, bem como na utilização de variados relatos de experiências de pessoas com deficiência, abordados em filmes VHS e DVD. As informações oriundas desse material de fundamentação permitiram o nivelamento conceitual das alunas nas questões sobre legislação e normalização referentes à acessibilidade e necessárias à elaboração do roteiro de avaliação. Esse roteiro consiste em uma planilha com os principais itens a serem avaliados nos espaços, de forma geral, e foi elaborado com base em roteiros semelhantes, como o utilizado na Pesquisa de Iniciação Científica de Avaliação do Campus I da PUC-Campinas e outros mais atuais como o do CREA-PR. Todos, de maneira geral, procuram atender aos capítulos e itens da NBR 9050/04 que trata da acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. A elaboração do roteiro de avaliação deu-se ao mesmo tempo em que se realizava a pesquisa dos edifícios de órgãos públicos existentes na região central de Campinas. Obtivemos uma carta de apresentação da Coordenadoria Geral de Projetos de Extensão que atestava a vinculação do projeto à Universidade de maneira a facilitar o acesso aos lugares selecionados. Nossa segunda surpresa foi constatar que, como os edifícios dos órgãos públicos não executaram as obras indicadas na legislação especifica sobre acessibilidade, em grande medida, isso contribuía para a postergação do aceite de nossa visita. Esse fato colaborou para o atraso na realização das etapas previstas em cronograma. 205 Um fato, no entanto, viria a contribuir significativamente para fortalecer e impulsionar nosso trabalho. Logo no início de nossas atividades extensionistas aconteceu o I Encontro Municipal de Informação e Defesa das Pessoas com Deficiência, organizado pelo Conselho Municipal de Atenção à Pessoa com Deficiência e com Necessidades Especiais, atual Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência, de Campinas. A participação nesse Encontro possibilitou o contato com a presidente do Conselho Municipal e o convite para apresentação do projeto do Guia de Acessibilidade de Campinas em uma das reuniões mensais. A apresentação do Guia no Conselho Municipal abriu uma série de oportunidades de participação em eventos relacionados à causa da deficiência e nosso projeto é, invariavelmente, qualificado como fundamental pelas pessoas participantes. Entre esses eventos que participamos, cabe destacar o V Fórum Permanente de Acessibilidade em Curitiba, no mês de julho de 2007 e a organização da Semana de Luta pela Cidadania da Pessoa com Deficiência em Campinas, que aconteceu no mês de setembro. A participação na organização da Semana de Luta proporcionou que uma comitiva de pessoas com deficiência e familiares, assim como o nosso grupo, estivesse no 3º Enduro da Autonomia realizado na cidade de Santos, litoral de São Paulo. E ainda, fizemos a apresentação do projeto do Guia, na Câmara Municipal de Campinas, como parte das palestras programadas. Nesse dia realizamos uma enquête sobre questões relacionadas ao Guia, cujo modelo e tabulação se encontram nos anexos e que apesar da pequena quantidade de devoluções foi muito significativa. As questões formuladas na enquête foram relativas à área com menos informações sobre acessibilidade em Campinas, o conhecimento ou não das leis e normas sobre a acessibilidade, a contribuição no dia a dia de um guia como o proposto pelo projeto e finalmente, qual o melhor meio para veiculá-lo. Dentre as 22 pessoas que responderam a enquête, a área de órgãos públicos e associações foi a mais associada à falta de informações na cidade, seguida das áreas de arte, cultura e lazer. A resposta sobre o conhecimento das leis e normas de acessibilidade indicou um desconhecimento do assunto de mais da metade das pessoas. Quanto à propriedade do guia para a vida diária das pessoas a resposta positiva foi unanimidade. E no tocante à melhor veiculação do guia o meio impresso foi o mais apontado, seguido da internet. Essas respostas vieram a confirmar algumas 206 hipóteses acerca do projeto do Guia de Acessibilidade, bem como a manutenção das etapas definidas. Entre os contatos proporcionados pela participação nas reuniões do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência, destacamos também o convite para integrar a Comissão Permanente de Acessibilidade - CPA, vinculada a Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura Municipal de Campinas. Além da participação efetiva nas reuniões quinzenais da CPA, será realizado um Curso de Extensão vinculado ao projeto do Guia, para formação dos servidores municipais em relação aos conceitos e as adequações necessárias à promoção da acessibilidade urbana e edilícia. Este relato não estaria completo ainda, se não mencionasse que além dos contatos e atividades nas instituições campineiras, o projeto do Guia foi apresentado em diversos eventos da universidade. Podemos citar a participação no evento extensionista “A Universidade Socializando a Diversidade”, com apresentação de trabalhos e comunicações, pelos professores da universidade e instituições convidadas sobre a temática da deficiência. E também a participação no I Encontro Anual de Extensão, da PUC-Campinas, com apresentação do desenvolvimento do trabalho pela autora e um pôster pelas alunas. A vinculação do projeto do Guia ao Núcleo Territorial da Catedral Metropolitana de Campinas possibilitou o trabalho conjunto com os demais professores extensionistas integrados ao mesmo núcleo. Essa integração ultrapassou os limites da diversidade dos trabalhos individuais e permitiu a execução de trabalhos coletivos como a Exposição de Maria, que reuniu obras do acervo do Museu de Arte Sacra da Arquidiocese de Campinas, para visitação, na Catedral Metropolitana da cidade. O grupo de professores extensionistas, vinculados aos núcleos territoriais, buscam constantemente o intercâmbio de idéias e a prática conjunta de ações. Em relação ao projeto do Guia de Acessibilidade uma dessas ações conjugadas será a aplicação do roteiro de avaliação pelas senhoras freqüentadoras da Catedral e que participam do projeto de extensão da Universidade da 3ª idade. Essa participação de pessoas idosas contempla o lema proposto no I Encontro Municipal de Informação e Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, em Campinas, que é “Nada sobre Nós sem Nós”. Outra possibilidade de ação conjugada acontecerá quando da participação de alunos do Centro Interdisciplinar 207 de Atenção ao Deficiente – CIAD da PUC-Campinas que é uma unidade de extensão, em alguns roteiros de avaliação. Essas atividades todas aconteceram nos dois semestres de 2007 e foram apresentadas em relatório que avaliou os resultados esperados e os efetivamente obtidos, para se necessário, proceder à reelaboração do cronograma para o biênio 2008/2009. Apresentamos, então, nova proposta que estende as etapas de classificação e organização dos dados coletados, publicação e divulgação do Guia de Acessibilidade nos meios impresso e eletrônico para este ano. Como parte integrante do projeto, a sistematização do processo de elaboração e execução do Guia será desenvolvida em 2009, para reprodução em outros Núcleos Territoriais de Extensão. REFERÊNCIAS ACESSIBILIDADE BRASIL. Acesso em: 10 jan. 2008. Disponível em: <http://www.acessobrasil.org.br>. ATIID – Acessibilidade, Tecnologia da Informação e Inclusão Digital. Disponível em: <http://hygeia.fsp.usp.br/acessibilidade>. Acesso em: 10 jan. 2008. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050/04: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. ABNT: Rio de Janeiro, 2004. BRASIL. Lei n. 10048 – 8 nov. 2000. Dá prioridade de atendimento às pessoas portadoras de deficiência física, aos idosos com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos, às gestantes, às lactantes e às pessoas acompanhadas por crianças de colo, e dá outras providências. Brasília/ DF: Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, 2000. BRASIL. Lei n. 10098 – 19 dez. 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília/ DF: Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, 2000. BRASIL. Decreto 5296 – 2 dez. 2004. Regulamenta as Leis n. 10048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília/DF: Subchefia para assuntos Jurídicos da Casa Civil, 2004. CENTER FOR UNIVERSAL DESIGN – Carolina do Norte. Disponível em: <www.design.ncsu.edu/cud/>. Acesso em: 10 jan. 2008. 208 CORDE- Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/sedh/ct/corde/dpdh/corde/principal.asp>. Acesso em: 10 jan. 2008. REDE SACI – Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação. Disponível em: <http://www.saci.org.br>. Acesso em: 10 jan. 2008. SÃO PAULO. Guia de Acessibilidade em Edificações. São Paulo/SP: Comissão Permanente de Acessibilidade da Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura, 2002. SÃO PAULO. Guia de Mobilidade Urbana. São Paulo/SP: Comissão Permanente de acessibilidade da Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura, 2002. SCHWARZ, Andréa e HABER, Jaques Marcos. Guia São Paulo Adaptada. 2001. São Paulo: O Nome da Rosa, 2001. SERPRO – Serviço Federal de Processamento de Dados – Brasil. Disponível em: <http://www.serpro.gov.br/acessibilidade>. Acesso em: 10 jan. 2008. ANEXOS Roteiro de Avaliação – Guia de Acessibilidade de Campinas Local: ______________________________________________________ EXTERIOR Aproximação + Sinalização INTERIOR Circulação Horizontal Observações: - Desníveis de até 0,005 - Grelha: com dimensão máxima de 0,015m. - Largura mínima de 1,20m - Capachos não devem exceder a Guia Rebaixada Piso regular e antiderrapante Piso tátil ou linha guia Placas Símbolo internacional de acesso Calçadas em frente à edificação em bom estado. - Material - Dimensões Piso regular e antiderrapante Desníveis Grelha no sentido transversal ao movimento Largura Capachos 209 altura de 0.005m - Carpetes e forrações não devem exceder a altura de 0,006m Carpetes e forrações Sinalização Adequação do material Circulação Vertical - Rampas Desenvolvimento Inclinação Observações: Largura - Largura mínima de 1,20m (recomendado: 1,50m) Comprimento - Guarda-corpo com altura de 1,05m do piso (quando Altura do guarda-corpo não houver paredes adjacentes) - Rampas em curva (inclinação máxima de 8,33% e raio mínimo de 3m) - Patamares no início e término das rampas: largura e comprimento com mínimo de 1,20m de altura - Guia de balizamento com altura mínima de 0,05m - Corrimão: - material rígido - duas alturas: 0,7m e 0,92m do piso - largura: seção circular de 0,03 a 0,045m - prolongamento mínimo de 0,30m, antes do primeiro e após o último degrau Rampas em curva Patamares no início e término das rampas: Piso tátil Guia de balizamento Corrimão – duas alturas Obstrução Circulação Vertical - Escadas Observações: - Largura livre mínima de 1,20m - Espelhos entre 0,16 e 0,18m - Pisos entre 0,28 e 0,32m - Patamares a cada 3,20m - Guarda-corpo com altura de 1,05m do piso (quando não houver paredes adjacentes) - Faixa de textura diferenciada, no início e término da escada (mínimo de 0,28m) - Corrimão: - material rígido - deve haver duas alturas: 0,7m e 0,92m do piso - largura: seção circular de 0,03 a 0,045m - prolongamento mínimo de 0,30m, antes do primeiro e após o último degrau Circulação Vertical - Elevadores Observações: - Cabina com dimensões mínimas de 1,10 x 1,40m - Espelho na face posta - Identificação em Braille do pavimento no batente com altura entre 0,90 e 1,10m - Botoeiras localizadas entre 0,89 e 1,30m Sinalização Adequação do material Largura Espelhos Pisos Patamares Guarda-corpo Faixa de textura Corrimão com duas alturas Obstrução Sinalização tátil e visual nos pisos e paredes Sinalização visual e auditiva para sinalização do andar Dimensões da cabine Espelho Identificação em Braille Botoeiras 210 - Braille localizado no lado esquerdo do botão Circulação Vertical Plataformas móveis Observações: - Desníveis máximo de 0,015m Sinalização – visual e tátil Alarme sonoro e luminoso Desníveis Projeção sinalizada no piso Barras de proteção e guarda-corpo Circulação interna – Corredores Observaçoes: - Largura: - 0,90m (Os elevadores com até 4m de extensão) - 1,20m para corredores com até 10m de extensão - 1,50m para corredores com extensão superior a 10m - 1,50m para corredores de uso público - Para corredores longos deve haver um bolsão a cada 15m para manobrar a cadeira de rodas. Circulação interna – Portas Observações: - Vão livre de 0,80m e altura de 2,10m - Portas de 2 folhas – uma delas pelo menos deve ter um vão livre de 0,80m - Portas de sanitários, vestiários e quartos acessíveis devem ter um puxador horizontal associado a maçaneta e com o comprimento igual a metade da largura da porta - Portas do tipo vaivém devem ter visor com largura mínima de 0,20m, situado a uma altura de 0,4 a 0,9m a partir do piso e a face superior no mínimo a 1,50m do piso - As maçanetas do tipo alavanca devem estar a uma altura de 0,90 a 1,00m do piso - Revestimento na parte inferior com altura mínima de 0,4m do piso - Portas providas de dispositivos de acionamento pelo usuário: os dispositivos devem estar de 0,90 a 1,10m do piso _ Portas de correr: os trilhos devem estar localizados na parte superior. Na parte inferior devem estar nivelados com o piso Circulação Interna - Janelas Observações: Altura das janelas devem ser de 1,00 a 1,35m Trinco ou maçaneta do tipo alavanca Largura Comprimento Largura Altura da maçaneta Revestimento na parte inferior Visor Altura Altura da maçaneta 211 Sanitários Convencionais Sanitários Adaptados Observações: Dimensão mínima de 1,50 x 1,70m Em reformas: dimensão mínima 1,50x1,50m, mas a manobra da cadeira de rodas será do lado externo e a porta deverá ter 1,00m de largura Altura da bacia: 0,43 a 0,45m do piso A válvula da descarga deve estar a 1,00m do piso Barras horizontais: - comprimento mínimo de 0,8m - altura: 0,75m do piso Os lavatórios devem ser suspensos com altura de 0,78 a 0,8m do piso As torneiras devem ser acionadas por alavancas, sensores eletrônicos ou dispositivos equivalentes. Mictório (este deve estar com altura de 0,6 a 0,65m do piso acabado). Mictório – acionamento da descarga, se houver, deve estar a 1,00m de altura do piso, sendo esta do tipo alavanca ou com mecanismo automático. Mictório – barras verticais com altura de 0,7m e comprimento de 0,8m devem estar ao lado do mictório, e a distância entre estas devem ser de 0,8m. Sinalização Visor Proteção inferior na porta Altura da maçaneta Dimensão da porta Dimensão Altura do vaso sanitário Lavatório Torneiras Mictório – altura do piso Mictório – altura da descarga Sinalização Visor Proteção inferior na porta Material do piso Dimensão da porta Dimensão Barra horizontal na porta (lado interno) Altura do vaso sanitário Altura da válvula de descarga Barras horizontais Lavatórios suspensos Altura Torneiras (comando) Sifão protegido Mictório – altura do piso Mictório – altura da descarga Mictório – barras verticais Mobiliário Interno – Bebedouro Altura Observações: Área de aproximação frontal 212 - Altura: 0,9m - Área de aproximação frontal, possibilitando avançar sob o bebedouro até no máximo 0,5m - Altura livre inferior: no mínimo 0,73m do piso - Copos descartáveis devem estar localizados a uma altura de no máximo 1,20m Mobiliário Interno - Mesas ou superfícies para refeitórios ou trabalho Altura livre inferior Copos descartáveis Altura livre inferior Observações: - 5% devem ser acessíveis - Aproximação frontal, possibilitando avançar sob as mesas ou superfícies até no máximo 0,5m - Altura livre inferior: no mínimo 0,73m do piso - Deve haver uma faixa livre de circulação de 0,9m - Altura deve estar entre 0,75 a 0,85m do piso Mobiliário Interno - Balcão de Atendimento Observações: Altura livre inferior - Altura de no máximo 0,9m do piso - Altura livre inferior a 0,93m do piso - Profundidade: no mínimo 0,3m Profundidade Estacionamento – Vagas Dimensões da vaga Observações: Dimensões das vagas: 2,30x 5,50m Sinalização horizontal Sinalização vertical Faixa de circulação com no mínimo 1,20m de largura Rebaixamento de guias Número de vagas Vagas reservadas Até 10 De 11 a 100 1 Acima de 100 1% ENQUÊTE 1- Qual é a área que falta mais informações sobre a acessibilidade em Campinas? a) arte, cultura e lazer b) esporte 213 c) órgãos públicos e associações d) outros: ___________________________________ 2- Você conhece as leis e normas sobre a acessibilidade? a) sim b) não 3- Um guia com o objetivo de melhorar as informações sobre acesso na cidade, aos ambientes, edificações, equipamentos e sistemas de comunicação para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida contribuiria no seu dia a dia? a) sim b) não 4- Se sim, qual o melhor meio a ser veiculado? a) internet b) impresso c) outros: ___________________________________ TABULAÇÃO DA ENQUETE 22 pessoas responderam a enquête. 1- Qual é a área que falta mais informações sobre a acessibilidade em Campinas? (21 respostas tabuladas) a) arte,cultura e lazer 38,09% b) esporte 4,78% c) órgãos públicos e associações 42,85% d) outros 14,28% 214 órgãos públicos e associações arte,cultura e lazer outros esporte OBS: As pessoas que responderam outros alegaram que não moram em Campinas (3 casos). Houve também um caso em que a pessoa marcou as alternativas a, b e c. Esse último caso não está tabulado. Sugeriram também informação sobre empresas. 2- Você conhece as leis e normas sobre a acessibilidade? (22 respostas tabuladas) a) Sim 42,86% b) Não 57,14% não sim OBS: Houve um caso que disse estar tomando conhecimento no dia do evento. 3- Um guia com o objetivo de melhorar as informações sobre o acesso na cidade, aos ambientes, edificações, equipamentos e sistemas de comunicação para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida contribuiria no seu dia a dia? (22 respostas tabuladas) a) Sim 100% b) Não 0% 215 sim não 4- Se sim, qual o melhor meio a ser veiculado? (20 respostas tabuladas) a) Internet b) Impresso c) Outros 35% 60% 5% impresso internet outros OBS: Houve dois casos em que a pessoa assinalou as opções a e b, esses não foram tabulados. Sugestões de veicular na TV, murais e jornais e em site de fácil acesso e com muita divulgação. Texto recebido em 21 fev. 2008. Texto aprovado em 25 mar. 2008. 216 O PERFIL E A POLÍTICA DE ATENDIMENTO AO ABUSADOR SEXUAL NO PRESÍDIO REGIONAL DE TIJUCAS (SC). The profile and the politics of attendance to the sexual abuser in the Regional Penitentiary of Tijucas (SC). Edgar Antonio Piva 91 Aline R. Carvalho 92 RESUMO A violência sexual contra crianças e adolescentes passou a ser abordada no Brasil na década de 90, sendo incluída na luta pelos direitos humanos de crianças e adolescentes na Constituição Federal do Brasil de 1988, dando início a luta pela conquista de respeito e dignidade das crianças e adolescentes de todo o Brasil. A presente pesquisa foi realizada no Presídio Regional de Tijucas e no Fórum de Porto Belo, Santa Catarina, abrangendo o período de agosto de 1999, quando da fundação do Presídio, até março de 2007. Com esta pesquisa conseguimos conhecer o perfil dos detentos do Presídio Regional de Tijucas que cometeram crimes de natureza sexual contra crianças e adolescentes e avaliar as ações do Estado em face do agressor sexual, no sentido de prevenir o crime e orientar o seu retorno à convivência em sociedade. Esta pesquisa foi realizada com o intuito de contribuir para a reflexão do fenômeno, buscando oferecer subsídios para amparar possíveis programas junto aos abusadores sexuais encarcerados. Palavras-chave: Violência Sexual; direitos humanos; abusadores sexuais; crianças e adolescentes. ABSTRACT The sexual violence against children and adolescents started to be boarded in Brazil in the decade of 90, and enclosed in the fight for the human rights of children and adolescents in the Federal Constitution of Brazil of 1988, giving to beginning the fight for the conquest of respect and dignity of the children and adolescents of all Brazil. The present research was carried through in the Regional Penitentiary of Tijucas and the Fórum de Porto Beautiful - Santa Catarina, having enclosed the period of August of 1999, when of the foundation of the Penitentiary, until March of 2007. With this research we obtain to know the profile of the prisoners of the Regional Penitentiary of Tijucas who had committed crimes of sexual nature against children and adolescents and to evaluate the actions of the State in face of the sexual aggressor, in the direction to prevent the crime and to instruct them in how to resume their lives in society. The research was carried through with intention to contribute for a reflection, 91 Professor Mestre da Universidade do Vale do Itajaí (SC) e coordenador dos projetos de extensão Valorização da Vida e Ciranda. Endereço: Rua Pará, 315. Bairro Universitário, Tijucas, SC. Tel. (048) 3263 0576. E-mail: [email protected] 92 Acadêmica do curso de Direito da Univali, campus Tijucas, SC. 217 being searched to offer subsidies to support possible programs together to the jailed sexual abusers. Keywords: sexual violence; human rights; sexual abusers; children and teenagers. RESUMEN La violencia sexual contra niños y adolescentes paso a ser abordada en el Brasil en la década de 90, siendo incluida en la lucha por los derechos humanos de niños y adolescentes en la Constitución Federal de Brasil de 1988, dando inicio a la lucha por la conquista de respeto y dignidad de los niños y adolescentes de todo el Brasil. La presente pesquisa fue realizada en el Presidio Regional de Tijucas y en el Juzgado de Porto Belo, Santa Catarina, abarcando el período de agosto de 1999, cuando da la fundación del Presidio, hasta marzo de 2007. Con esta pesquisa conseguimos conocer el perfil de los detenidos del Presidio Regional de Tijucas que cometieran crímenes de naturaleza sexual contra niños y adolescentes y evaluar las acciones del Estado en función del agresor sexual, no sentido de prevenir el crimen y orientar su retorno a la convivencia en sociedad. Esta pesquisa fue realizada con el intuito de contribuir para la reflexión del fenómeno, buscando ofrecer subsidios para amparar posibles programas junto a los abusadores sexuales encarcelados. Palabras-Clave: Violencia sexual, derechos humanos, abusadores sexuales, niños y adolescentes. O fenômeno da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes passou a ser abordado, no Brasil, a partir da década de 90, sendo incluída na luta pelos direitos humanos de crianças e adolescentes preconizados na Constituição Federal do Brasil de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Com vistas ao enfrentamento desta realidade, foi criado, na cidade de Chapecó, Santa Catarina, em maio de 1998, o Fórum Catarinense Pelo Fim da Violência e da Exploração Sexual InfantoJuvenil. No ano de 2000, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) que aprovou o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil. O Plano (2000) aponta que escolas e universidades podem ter um papel destacado no trabalho de pesquisa, orientação e prevenção da violência sexual contra crianças e adolescentes. O referido Plano (2000) está estruturado em seis eixos estratégicos: análise da situação, mobilização e articulação, defesa e responsabilização, atendimento, prevenção e protagonismo infanto-juvenil. 218 O objetivo deste artigo é apresentar os resultados de uma pesquisa realizada no Presídio Regional de Tijucas, Santa Catarina, sobre o perfil e o atendimento ao agressor sexual encarcerado. A pesquisa foi motivada a partir de nossas intervenções como extensionistas dos Projetos Valorização da Vida e Ciranda, da Univali, junto aos reeducandos do Presídio 93. As intervenções são realizadas semanalmente, durante uma hora e meia, no interior das galerias do presídio, nas quais são abordados temas como doenças sexualmente transmissíveis, drogas e violência sexual. A pesquisa foi realizada no Presídio Regional de Tijucas, Santa Catarina, e no Fórum de Porto Belo, Santa Catarina, abrangendo o período de agosto de 1999, quando da fundação do Presídio, até março de 2007. A primeira parte da pesquisa foi de natureza quantitativa: consistiu na consulta dos arquivos do Presídio, do Fórum da Comarca de Tijucas e do Fórum de Porto Belo, identificando e analisando as informações e peças contidas nos Processos. Consultamos os dossiês, arquivos, relatórios, fichas e processos onde foram consignados registros sobre as ocorrências. Em seguida, realizamos a análise dos principais textos legais sobre a matéria da pesquisa em questão, especialmente o Código Penal Brasileiro, sobre o crime contra os costumes, e a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984). Por fim, consideramos as observações e reações dos reeducandos quando da abordagem do assunto Violência Sexual contra crianças e adolescentes nas intervenções educativas. A pesquisa pretendeu responder as seguintes perguntas: - Qual o perfil dos detentos do Presídio Regional de Tijucas que cometeram crimes de natureza sexual contra crianças e adolescentes? - Quantos condenados após cumprimento da pena voltaram ao presídio por reincidência? 93 - Qual é a visão que o Estado tem do abusador sexual? - Qual o atendimento e assistência que o Estado dá ao agressor sexual? - Qual é a visão dos presos com relação aos abusadores sexuais? O Presídio Regional de Tijucas foi inaugurado em agosto de 1999 abrigando atualmente aproximadamente 230 presos, divididos em 3 galerias, duas masculinas e uma feminina. 219 O presente artigo está estruturado em duas partes. A primeira parte define os principais conceitos utilizados na pesquisa servindo de enquadramento teórico para a mesma, já a segunda parte apresenta e discute os dados pesquisados. Violência e exploração sexual O fenômeno da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes é conseqüência da conjugação de vários fatores psicológicos, sócio-econômicos e culturais. Somente um modelo explicativo multicausal pode dar conta deste fenômeno. Daí a necessidade de uma abordagem multidisciplinar e multiprofissional do problema. A violência sexual é apenas uma das formas de violência que atinge crianças e adolescentes. A violência contra crianças e adolescentes inclui 4 modalidades: a física, a psicológica, a sexual e a negligência. A violência sexual é uma das formas mais complexas, pois na maioria das vezes ela está associada a outras formas de violência e envolve a problemática do mundo da sexualidade humana. A violência sexual é definida por Azevedo e Guerra (2000, 11) como “todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual entre um ou mais adultos [...] e uma criança/adolescente, tendo por finalidade estimular esta criança/adolescente ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou a de outra pessoa”. É toda atividade de caráter sexual envolvendo menor de idade e um adulto ou adolescente mais velho, parente ou não, buscando unicamente o prazer do adulto ou adolescente mais velho envolvido, ainda que seja com aparente consentimento da vítima. A violência sexual é um fenômeno ao mesmo tempo intrafamiliar, pois é provocada na maioria das vezes por membros da família caracterizada como incestuosa, e extrafamiliar, na medida em que é praticada por pessoas que não tenham laços de família com a vítima. Na violência sexual intra-familiar, a relação do adulto com a criança é de consangüinidade, afinidade ou de mera responsabilidade, caracterizando-se como uma relação que denominamos de incestuosa. Estas relações sexuais podem se manifestar de diferentes formas desde carícias, manipulação da genitália, mama ou ânus, voyeurismo, exibicionismo, conversas ou telefonemas obscenas, até o ato sexual com ou sem penetração, com ou sem violência. Portanto, a violência sexual possui um espectro bastante amplo, indo das formas mais sutis e dissimuladas até as mais declaradas e violentas, deixando marcas profundas na vítima. Esta forma de 220 violência é denominada por muitos pesquisadores do fenômeno como abuso sexual, distinguindo-o de uma outra modalidade de violência que é exploração sexual. A exploração sexual se distingue do abuso sexual na medida em que envolve não apenas a satisfação sexual de um adulto ou adolescente mais velho, mas um uso comercial. A exploração sexual é a comercialização de atividades e expressões sexuais envolvendo crianças e adolescentes sob várias formas: prostituição infantil, produção e comercialização de materiais pornográficos envolvendo crianças por meio de fotos, revistas, vídeos, internet etc., shows eróticos, turismo sexual. O Código Penal Brasileiro, nos artigos 213 a 234, define estas modalidades de violência sexual como crimes contra a liberdade sexual do cidadão: estupro (art. 213), atentado violento ao pudor (art. 214), sedução e corrupção de menores (art. 217 e 218), prostituição (art. 228), tráfico de mulheres (art. 231), ato obsceno (art. 233) e escrito ou objeto obsceno (art. 234). O abusador sexual As recentes pesquisas nos apresentam um perfil bastante heterogêneo do abusador sexual, incluindo desde pessoas tidas como “normais”, pedófilos, psicopatas, mulheres e até adolescentes. Para a percepção do público em geral, os abusadores sexuais são pessoas desconhecidas, estranhas e perigosas, mas todas as pesquisas contrariam este senso comum. Na maioria dos casos, o agressor é uma pessoa que a criança conhece, confia e, freqüentemente, ama. Os estudiosos do fenômeno classificam os abusadores em dois tipos: o abusador circunstancial ou situacional e o abusador preferencial. O agressor circunstancial é aquele indivíduo considerado “normal”, acima de qualquer suspeita, que em determinadas circunstâncias momentâneas pode cometer o abuso sexual. Geralmente são pais, padrastos, tios ou alguém ligado à família. Já o agressor sexual preferencial é aquele indivíduo que prefere manter relações sexuais com crianças e/ou adolescentes. São conhecidos como pedófilos ou pederastas. Alguns pedófilos sentem atração sexual exclusivamente por crianças (tipo exclusivo), enquanto outros, às vezes, sentem atração por adultos (tipo nãoexclusivo). Alguns preferem meninos, outras meninas. A maioria dos abusadores sexuais são homens. A violência sexual é, na maioria das vezes, decorrência de um padrão de dominação e de desigualdade de gênero entre homens e mulheres construído pela cultura, e não apenas decorrência 221 de um distúrbio ou desequilíbrio de personalidade. Estudos mais recentes mostram a existência de abusadores sexuais femininos. A violência sexual praticada por mulheres é um tema pouco estudado ainda e cercado de muitos tabus. A maioria dos agressores sexuais não apresenta nenhum sinal de alienação mental, portanto, são juridicamente imputáveis. Deste grupo, aproximadamente 30% não apresenta nenhum transtorno psicopatológico da personalidade evidente e sua conduta sexual cotidiana e aparente parece adequada. Nos outros 70% estão as pessoas com evidentes transtornos da personalidade, com ou sem perturbações sexuais manifestas, tais como os psicopatas e sociopatas. Portanto, o abusador sexual deve ser criminalmente responsabilizado, porém, como todo condenado, deve ser objeto de atenção, cuidado e atendimento especializado, “objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” (art. 10 da Lei de Execução Penal, Lei no. 7.210). Todo agressor sexual deve passar por uma avaliação psicológica e ser acompanhado por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar, tendo em vista a complexidade do problema. O perfil do abusador sexual no Presídio Regional de Tijucas No decorrer da história e evolução da sociedade, o ser humano passou a ser sujeito de direitos e deveres. No Brasil, o primeiro Código Criminal foi feito apenas em 1830, oito anos após a independência, substituindo as arcaicas legislações do Reino. Ainda que o esforço fosse intenso por parte dos Magistrados, Promotores e Conselheiros tornou-se claramente visível que o Código Penal Brasileiro é insuficiente para abarcar os avanços da sociedade brasileira. Com estereótipos preconceituosos, o Código Penal Brasileiro, ainda define “mulher honesta” e “virgindade da mulher” persistindo nesta legislação moralista, desconsiderando todas as noções psicológicas que envolvem os possíveis traumas causados por um abuso sexual. A partir da consulta inicial aos arquivos do Presídio Regional de Tijucas, no período de agosto de 1999 até março de 2007, constatamos que 67 (sessenta e sete) homens e 2 (duas) mulheres passaram pelo Presídio, acusados de se envolverem em crimes de natureza sexual. Porém, destes 69 casos nem todos se enquadram em crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Muitos eram crimes contra pessoas maiores de idade, o que não foi o objeto desta pesquisa. 222 A partir deste momento nosso material de pesquisa ficou reduzido, pois nem todos os processos dos 69 acusados encontravam-se no Presídio Regional de Tijucas, devido a transferência dos mesmos para outras Comarcas ou o término do cumprimento de suas penas. Por esse motivo tivemos que aprofundar nossa pesquisa em outros Fóruns, especialmente de Porto Belo, onde se encontravam arquivados muitos processos. Conseguimos chegar ao fim desta pesquisa com o levantamento completo do perfil de 18 dos 69 agressores, todos acusados por crimes de ordem sexual contra crianças e adolescentes, abrangendo o Código Penal, dos artigos 213 ao 234, com as mais diversas modalidades de crime contra a liberdade sexual. Dos 18 agressores pesquisados, 9 eram solteiros, 6 casados ou conviviam em união estável e 3 divorciados. O que é possível verificar com esses dados é o numero de homens casados ou que conviviam em união estável que cometeram agressões de cunho sexual contra menores de idade. As vítimas eram suas próprias filhas, enteadas, sobrinhas, netas. Alegavam que as crianças os incitavam a cometerem tais atos, ou simplesmente culpavam suas companheiras pela monotonia de suas vidas e a ausência de relação sexual. A vitimologia ou a arte de culpar a vítima por comportamentos sedutores, provocativos, como manifestação de uma natureza feminina perversa e demoníaca, ou uma forma de inocentar o agressor através da sua patologização (SCHMICKLER, 2006, p. 29). A média de idade dos agressores é de 23 a 48 anos de idade. O grau de escolaridade também é muito baixo: dos 18 casos, apenas um iniciou um curso superior sem chegar a completá-lo, os demais não ultrapassaram o ensino médio. Conforme Schmickler “a violência estrutural, de que grande parcela da população é vitima, é o pano de fundo de uma sociedade com profundas desigualdades” (SCHMICKLER, 2006, p. 31). Em relação a origem e naturalidade dos agressores, verificamos que 8 nasceram na Região da Costa Esmeralda e Vale do Rio Tijucas 94, 5 nasceram em 94 As regiões Costa Esmeralda e Vale do Rio Tijucas são compostas pelos seguintes municípios do litoral catarinense: Itapema, Porto Belo, Bombinhas, Tijucas, Canelinha, São João Batista, Major Gercino e Nova Trento. 223 outras cidades de Santa Catarina, e os outros 5 nasceram nos demais estados do Brasil, com predominância para os estados do Paraná e Rio Grande do Sul. O abuso sexual intra-familiar vem sendo discutido por diversos estudiosos e suas estatísticas são estarrecedoras. O fenômeno da criança e do adolescente agredido dentro do seu próprio lar é alarmante, pois o lar deixa de ser um lugar seguro para seus membros. Esta pesquisa reafirmou o que muitas crianças vêm passando dentro de suas próprias casas. Dos 18 acusados, 10 eram pais, padrastos e tios destas crianças e adolescentes, 5 eram amigos próximos da família da vítima, vizinhos ou conhecidos, e 3 eram desconhecidos tanto da família como da vítima. Segundo Ribeiro e Martins ”embora os arranjos familiares tenham mudado com o transcorrer do tempo, a violência familiar continua marcando presença, caracterizada pela ação ou omissão do adulto sobre a criança e/ou adolescente” (RIBEIRO e MARTINS, 2006, p. 73). Em relação às modalidades de crimes cometidos pelos abusadores pesquisados, usamos o Código Penal Brasileiro para classificá-los. Dos 18 acusados por crimes sexuais, 6 são acusados pelo art.213 do Código Penal de Estupro, 10 acusados pelo art.214 do C.P. de Atentado Violento ao Pudor e 2 foram condenados pelo art.228. do C.P. por Favorecimento da Prostituição c/c art.229 do C.P.Casa de Prostituição. Com a lei 8.072, de 1990, o atentado violento ao pudor, assim como o estupro, passou a ser considerado crime hediondo. Atualmente, o atentado violento ao pudor é o crime correspondente ao estupro, quando praticado contra meninos. A recomendação do relatório final da CPMI da Exploração Sexual, de 2004, é unificar os dois tipos de crime e ampliar a pena quando praticado contra pessoas vulneráveis, entre essas, se incluem crianças e adolescentes. A política de atendimento do Estado ao abusador sexual do Presídio Regional de Tijucas A Lei 7.210/1984, do art.10 da Lei de Execução Penal prevê que: a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Durante nossa pesquisa no Presídio, pudemos verificar, por meio de registro e entrevistas, que jamais o Estado disponibilizou qualquer tipo de assistência ao Abusador Sexual. O único fato que 224 podemos relatar é de um acusado pelo crime de estupro, que pagou para receber a assistência de uma psicóloga. O objetivo da assistência, como está expresso, é prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade, porém, ficou evidente que os objetivos referidos, ficam apenas na frieza do papel, que tudo aceita. Então como encarar a possibilidade de um sujeito acusado por crimes tão bárbaros, voltar à convivência da sociedade, sem passar por nenhum tipo de tratamento psicológico ou patológico? Infelizmente a lei não cumpre o seu destino, ficando esquecida nas gavetas das instituições brasileiras. Dos 18 acusados por crimes sexuais contra crianças e adolescentes, nenhum destes retornou ao presídio de Tijucas por reincidência. Porém, este dado positivo não é resultado de uma política pública do Estado. O Estado tem a obrigação de garantir as necessidades básicas do ser humano, garantias que a própria Constituição Federal do Brasil de 1988 assegura. Como prevê a Lei de Execuções Penais, o Estado deve garantir ao indivíduo ajuda emocional, educacional, tratamento psicológico e auxílio jurídico. Do contrário, o condenado cumpre sua pena e retorna à sociedade do mesmo jeito ou pior do que antes: volta a abusar sexualmente de crianças e adolescentes. O Presídio Regional de Tijucas é uma exceção: preocupa-se com a reeducação dos presos promovendo projetos de educação e de profissionalização dos mesmos, sendo considerado no estado um presídio modelo. Ao questionarmos os presos sobre qual a pena justa para um homem que comete o crime de abuso sexual, a resposta foi de total indignação. Muitos deles esbravejaram e disseram que “a solução para estes presos era a pena de morte, cadeira elétrica, prisão perpetua”. Outros até cogitaram que “deveriam estes receber como tratamento o mesmo que fizeram”. Quando perguntamos se acreditavam que estes poderiam ser pessoas doentes, afirmaram que “não era doença coisa nenhuma e sim coisa de gente sem vergonha”. A discriminação que um condenado por abuso sexual recebe de seus companheiros de cela, bem como dos demais presos, é muito grande. Foi visível que estes são repudiados pelos demais, e logo ao entrarem no presídio, recebem o apelido de “DUC”. Ouvimos dos presos relatos de tortura e até de estupro. Abaixo mencionamos o relato de um preso que nos contou como é tratado o preso recém chegado ao Presídio Regional de Tijucas, acusado por abuso sexual: 225 A.L. 26 anos -- Quando um estuprador chega aqui no Presídio, todo mundo grita de sela em sela, DUC, DUC, DUC, para todos da cadeia saberem que chegou, um art.213, aí a bagunça toma conta, e todo mundo fica na agonia de encontrar ele, pra mostrar pra ele como é bom estuprar menininha. A opinião da sociedade não difere muito da opinião dos presos, a não ser pela sutileza das palavras que as pessoas usam para se referirem aos abusadores. Das 30 pessoas questionadas, 23 foram favoráveis à pena de morte, 5 acreditam em uma possível recuperação e reinserção na vida social, e 2 pessoas acreditam que são eles pessoas doentes que precisam de ajuda psiquiátrica. Por meio da pesquisa foi possível conhecer o perfil dos detentos do Presídio Regional de Tijucas que cometeram crimes de natureza sexual contra crianças e adolescentes e avaliar as ações do Estado em face ao agressor sexual, no sentido de prevenir o crime e orientar o seu retorno à convivência em sociedade. Constatamos claramente a falta de interesse do Estado para com essas pessoas, a ausência de políticas de Estado para minimizar estes problemas. Por outro lado, pudemos presenciar inúmeras iniciativas da comunidade (indivíduos, grupos e entidades empresariais e educacionais), em parceria com a Direção e o Conselho Comunitário do Presido, no sentido de proporcionar aos presos um atendimento educacional, profissional, religioso, psicológico e jurídico. Porém, a superpopulação carcerária tem dificultado a realização e a continuidade destas iniciativas. REFERÊNCIAS AZEVEDO, M.A. & GUERRA, V. N. A. Infância e violência doméstica: fronteiras do conhecimento. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000. FORUM CATARINENSE PELO FIM DA VIOLÊNCIA E DA EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTO-JUVENIL, Informativo, Florianópolis, agosto, 2004. FURNISS, T. Abuso Sexual da Criança. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. GABEL, M. Crianças vítimas de abuso sexual. 1. ed. São Paulo: Summus, 1997. AZAMBUJA, M. R. F. Violência sexual intrafamiliar: É possível proteger a criança? 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. BRASIL. Código Penal. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2006. 226 RIBEIRO, M. M. & MARTINS, R. B. Violência domestica contra a criança e o adolescente. 1º ed. Curitiba: Afiliada, 2004. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA MULTIPROFISSIONAL DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA. Abuso sexual: mitos e realidade. Petrópolis: Autores & Agentes & Associados, 1997. AZEVEDO, M. A. & GUERRA, V. N. A. (Org.). Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu, 1989. CARVALHO, A. R. & PIVA, E. A. Violência Sexual Contra Criança e Adolescente. Tijucas: 2006. Trabalho não publicado. CENTRO BRASILEIRO PARA A INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Ministério do Bem-Estar Social, 1993. DAMASIO, E. J. Código Penal Anotado. São Paulo: Saraiva, 1995. FORUM CATARINENSE PELO FIM DA VIOLÊNCIA E DA EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTO-JUVENIL, Informativo, Florianópolis, agosto, 2004. SCHMICKLER, C. M. A revelação do indizível. Um estudo sobre o protagonista do abuso sexual incestuoso contra crianças e adolescentes. 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Texto aprovado em 17 mar. 2008. 227 O USO DA MAQUETE NO ENSINO DE GEOGRAFIA The use of me mock-up in the Geography teaching Bárbara Renata de Oliveira Lawrence Mayer Malanski 95 96 RESUMO O uso da maquete no ensino da Geografia é um recurso didático importante, pois auxilia a compreensão de temas com elevado grau de dificuldade e abstração, além de promover a inclusão social de pessoas portadoras de deficiência visual parcial ou total pela utilização do tato no processo de aprendizagem. A maquete permite a visualização em terceira dimensão dos objetos em estudo. Para a construção da maquete do Estado do Paraná foram utilizados o mapa topográfico do Estado na escala 1/1.700.000, placas de isopor de 5mm, papel vegetal, papel carbono, fita adesiva, canetas coloridas, alfinetes, cola branca ou de isopor, massa corrida, lixa fina, tintas acrílicas e pincéis. O procedimento para a construção desta maquete foi: desenho das curvas de nível, transposição das curvas de nível para as placas de isopor, recorte e colagem das placas de isopor, recobrimento com massa corrida, acabamento e suporte. Alguns cuidados são necessários, pois os materiais pontiagudos e cortantes podem causar acidentes. A maquete é um recurso didático que pode auxiliar os estudantes na compreensão dos conceitos da Geografia nas mais diferentes escalas, permitindo estabelecer associações entre as diversas proporções, desde o local até o global. Essas associações devem estar relacionadas com o cotidiano do estudante e respeitar o seu desenvolvimento cognitivo. Palavras-chave: Ensino de Geografia; maquete; recurso didático. ABSTRACT The use of the mock-up in the Geography teaching is a important didactic resource, as it helps the understanding of the elevated degree of difficulty and abstraction themes, besides it promotes the social inclusion of people with partial or total visual disabilities using touch into the learning process. The mock-up allows the third 95 Graduanda em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bolsista do projeto de extensão universitária Feira Geográfica Itinerante, vinculado à PROGRAD e desenvolvido pelo Laboratório Pedagógico de Geografia da UFPR (LABOGEO). 96 Graduando em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bolsista do projeto de extensão universitária Feira Geográfica Itinerante, vinculado à PROGRAD e desenvolvido pelo Laboratório Pedagógico de Geografia da UFPR (LABOGEO). Endereço: Rua Confúcio, nº 18, Barreirinha, Curitiba, Paraná. CEP: 82. 700. 230. Tel. (41) 3255-1607. E-mail: [email protected]. 228 dimension visualization of the objects that are being studied. In order to build the State of Paraná mock-up, it has been used the topographical map of the State, scaled 1/1.700.000, boards of isoprene of 5mm, vegetable paper, carbon paper , masking tape, colored pens, pins , white glue or isoprene glue , synthetic mass, abrasive paper, acrylic paints and paintbrushes. The procedure for building this mock-up was: the drawing of the level curves, transposition of the level curves over the boards of isoprene, clipping and gluing of the boards of isoprene, re-covering this with the synthetic mass, fine adjustment and support. Some cautions are needed, mainly because of the risk that pointing and cutting materials offer. They may cause accidents. The mock-up is didactic resources that may assist students understand the Geography concepts in the most different scales, allowing associations among different proportions, from the local to the global. Such associations must be related to the daily life of the student and respect their cognitive development. Keywords: Geography teaching; mock-up; didactic resource. RESUMEN El uso de la maqueta en la enseñanza de Geografía es un recurso didáctico importante, pues ayuda la comprensión de los asuntos con elevado grado de dificultad y abstracción, además promueve la inclusión social de las personas portadoras de discapacidad visual parcial o total a través de la utilización de lo tacto en lo proceso de aprendizaje. La maqueta permite la visualización en tercera dimensión de los objetos en estudio. Para la construcción de la maqueta del Estado del Paraná se ha utilizado el mapa topográfico del estado en la escala 1/1.700.000, placas de telgopor de 5mm, papel vegetal, papel carbón, cinta adhesiva, bolígrafos coloridos, alfileres, pegamento o de telgopor, masa sintética, lija fina, pinturas acrílicas y pinceles. El procedimiento para la construcción de esta maqueta fue: trazado de las curvas de nivel, transposición de las curvas de nivel para las placas de telgopor, recorte y encolamiento de las placas de telgopor, recubrimiento con masa sintética, finalización y soporte. Algunos cuidados son necesarios, pues los materiales puntiagudos y cortantes pueden causar accidentes. La maqueta es un recurso didáctico que puede ayudar los estudiantes en la comprensión de los conceptos de la Geografía en las más diferentes escalas, permitiendo establecer asociaciones entre las diversas proporciones, desde el local hasta el global. Esas asociaciones deben estar relacionadas con el cotidiano del estudiantes y respectar el su desarrollo cognitivo. Palabras-clave: Enseñanza de Geografía; maqueta; recurso didáctico. Introdução O uso da maquete no ensino de Geografia A maquete permite uma concreta manipulação e visualização, em terceira dimensão (3D), de diferentes dados e informações, construída a partir de uma base 229 cartográfica plana, em duas dimensões (2D), podendo ser usada, principalmente, por estudantes do ensino fundamental (5ª ou 6ª série), que ainda apresentam um nível de abstração insuficiente para a interpretação de mapas e cartas hipsométricos. “[...] a maquete aparece como o processo de restituição do ‘concreto’ (relevo) a partir de uma ‘abstração’ (curvas de nível), centrando-se aí sua real utilidade, complementada com os diversos usos deste modelo concreto trabalhado pelos alunos” (SIMIELLI et al., 1992, p. 6). Desse modo, a maquete permite ao professor explorar diferentes conteúdos da Geografia Escolar, tanto de aspecto físico (geomorfologia, hidrografia, geologia entre outros) quanto humano (urbanização, cultura, economia etc), ou interrelacionar ambos os aspectos em diferentes escalas cartográficas e geográficas sobre o modelo. Segundo SIMIELLI et al. É importante que no momento em que os alunos estejam trabalhando com a maquete consigam, de acordo com seu nível, produzir conhecimento. Essa produção se faz a partir das informações que os elementos da maquete em si traduzem, assim como de informações que possam ser sobrepostas à maquete e trabalhados para a elaboração de conceitos e de fenômenos, como também de suas interações com o relevo (SIMIELLI et al. 1992, p. 19). Mesmo em tempos em que o uso de softwares de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) alcançou algumas escolas de ensino fundamental e médio (como o CTGEO Escola 97 , por exemplo), possibilitando a manipulação virtual de dados e informações espaciais, a maquete se apresenta como um recurso didático relativamente simples e barato de construir, se comparada com o uso de softwares de SIG e hardwares necessários para a utilização desses sistemas. Ainda, “[...] a maquete contribui, também, no aprendizado de alunos portadores de deficiência visual, podendo estes, sentir as diferentes formas de relevo através do tato” (LOMBARDO e CASTRO, 2001). Para isso, a maquete deve ser construída utilizando uma linguagem tátil e alguns cuidados específicos, tais como adoção de materiais de revestimento agradáveis ao tato, tamanho adequado (recomenda-se 50cm X 50cm), pintura dos conjuntos em cores fortes (para que 97 CTGEO Escola é um software de SIG desenvolvido pela Companhia Tecnológica de Geoprocessamento (CTGEO) com o objetivo de ser usado em algumas escolas de ensino fundamental e médio na alfabetização cartográfica de seus estudantes. 230 possa ser utilizada por estudantes com visão sub-normal, chamados alunos videntes) e legenda em escrita convencional e Braille. Convém destacar que tais maquetes táteis podem ser construídas de modo que possam ser utilizadas por todos os estudantes (deficientes ou não) conjuntamente. Além de proporcionar aos educandos regulares outras formas de percepção do espaço, o professor cria um ambiente inclusivo que fornece ao deficiente visual, subsídios para que este explore melhor o meio em que vive, proporcionando-lhes condições para que participem ativamente e conjuntamente das atividades escolares. Desse modo, convém destacar que “Através da compreensão do espaço local, torna-se muito mais fácil o estudo de qualquer área do planeta, pois permite estabelecer analogias a partir de uma experiência vivida, além de aguçar o grau de reflexão” (KOZEL, 1999). A maquete do Estado do Paraná – método e materiais Para a confecção de maquetes, “[...] é fundamental o domínio de determinados conceitos como, escala cartográfica, exagero vertical e generalização cartográfica. Escala cartográfica é a relação entre as medidas do terreno e as do mapa” (COLLISCHONN, 1997, p.3). Ainda, segundo a autora, partindo desse ponto, uma maquete apresenta duas escalas: uma chamada escala horizontal, que representa a relação entre as medidas planas (a escala do mapa) e outra chamada escala vertical, que representa a relação entre as amplitudes altimétricas reais e as da maquete. O exagero vertical, “[...] é necessário na confecção de maquetes para termos a noção de altitude, estando diretamente correlacionado, e dependente, para efeito de opção e cálculo, da escala horizontal (ou seja, a escala do mapa).” (SIMIELLI et al. 1992, p. 7). A generalização cartográfica implica numa seleção dos dados a serem representados e numa adequação destes dados à maquete. 2.1 Base metodológica Para a construção da maquete do Estado do Paraná, utilizaremos como base metodológica a proposta por Simielli et. al. (1992) no texto Do Plano ao Tridimensional: A Maquete como Recurso Didático devidamente adaptada ao objetivo dessa pesquisa. 231 2.2 Materiais utilizados Os seguintes materiais serão utilizados na elaboração da maquete do Estado do Paraná: • Mapa topográfico do Estado do Paraná na escala 1/1.700.000; • Placas de isopor de 5mm; • Papel vegetal; • Papel carbono; • Fita adesiva; • Canetas de diferentes cores; • Alfinete; • Cola branca ou de isopor; • Massa corrida; • Lixa fina. Recomenda-se a de granulometria P120; • Tintas acrílicas; • Pincéis. Convém destacar que na escolha da espessura das placas de isopor deverá ser levada em conta a escala vertical pretendida para o modelo tridimensional, uma vez que tal escala será dada pela relação d/D = 1/T, onde a espessura da folha será representada por “d” e a eqüidistância das curvas de nível será representada por “D”. Em nosso exemplo, da maquete do Estado do Paraná, adotaremos a espessura das placas de isopor de 5mm (0,5cm). A eqüidistância das curvas de nível do mapa topográfico do Estado do Paraná é de 200m (20.000cm). Desse modo, aplicando-se a relação escalar, a escala vertical de nosso modelo será de 1/40.000, onde 1cm representará 40.000cm, ou 400m de altitude do terreno real. 2.3 Confecção do mapa de base Muitas vezes, os mapas e cartas disponíveis para a construção da maquete não se apresentam na escala desejável para o trabalho, sendo necessário adequálas por processos de ampliação ou redução. 232 Nos mapas hipsométricos, conforme SIMIELLI (1992), a representação do relevo é feita por classes de valores não eqüidistantes. Para a obtenção das curvas de nível com eqüidistâncias é necessário usar o processo de interpolação de curvas de nível, no qual a partir de valores altimétricos conhecidos, obtêm-se valores intermediários. Entre os vários métodos existentes para a interpolação de curvas de nível, o mais usual é o processo de avaliação. Para facilitar a elaboração de maquetes, existem bases cartográficas prontas e reduzidas, que podem ser adquiridas pelo professor e ampliadas pelo processo de fotocópia até a escala pretendida. 3 Confecção da maquete do Estado do Paraná passo a passo 3.1 Para a confecção da maquete sete passos serão realizados: 1º) Desenho das curvas de nível; 2º) Transposição das curvas de nível para as placas de isopor; 3º) Recorte das placas de isopor; 4º) Colagem das placas de isopor; 5º) Recobrimento com massa corrida; 6º) Acabamento; 7º) Base. 1º) Desenho das curvas de nível Sobrepondo-se uma folha de papel vegetal ao mapa topográfico do Estado do Paraná, demarcar nesse papel, utilizando canetas coloridas, as diferentes cotas altimétricas (uma cor representando cada cota altimétrica para facilitar a visualização). FIGURA 1: DESENHO DAS CURVAS DE NÍVEL 233 Fonte: (foto) MALANSKI, Lawrence Mayer, 2006. 2º) Transposição das curvas de nível para as placas de isopor Transpor, intercalando-se folhas de papel carbono entre uma placa de isopor e a folha de papel vegetal com as curvas de nível, as curvas de nível para a folha de isopor furando com alfinete com cabeça todo o contorno, ficando a curva demarcada na placa. Todas as curvas de nível do mapa topográfico devem ser transpostas, uma de cada vez em placas diferentes. FIGURA 2: TRANSPOSIÇÃO DAS CURVAS DE NÍVEL PARA A PLACA DE ISOPOR Fonte: (foto) MALANSKI, Lawrence Mayer, 2006. 3º) Recorte das placas de isopor Recortar e destacar as curvas de nível das placas de isopor utilizando um instrumento de ponta aquecida (instrumento próprio para o corte de isopor, ou esquentado, na chama de uma vela, a ponta de uma faca, estilete ou agulha). FIGURA 3: RECORTE DAS PLACAS DE ISOPOR 234 Fonte: (foto) MALANSKI, Lawrence Mayer, 2006. 4º) Colagem das placas de isopor Colar, utilizando cola branca ou cola de isopor, as curvas de nível recortadas, começando pela montagem da curva de altitude mais baixa, seguindo gradativamente para as de maior altitude. FIGURA 4: COLAGEM DAS PLACAS DE ISOPOR Fonte: (foto) MALANSKI, Lawrence Mayer, 2006. 5º) Recobrimento com massa corrida Após todas as curvas de nível serem coladas, as placas de isopor deve ser cobertas com massa corrida para dar uma noção de continuidade do relevo. A massa não deve ser aplica em excesso para não alterar as escalas do modelo. Geralmente é necessário sobrepor mais de uma camada de massa para um melhor recobrimento do modelo. Após a secagem completa do material, lixá-lo, suavemente, para dar uniformidade ao acabamento. FIGURA 5: RECOBRIMENTO COM MASSA CORRIDA 235 Fonte: (foto) MALANSKI, Lawrence Mayer, 2006. 6º) Acabamento Terminada a fase anterior, inicia-se a pintura com as tintas acrílicas (acrílicas para não agredir o isopor e a massa corrida), conforme o tema escolhido. Sugerimos, aplicar primeiro uma demão de tinta base branca, uma vez que a massa corrida absorve uma grande quantidade de tinta. 7º) Suporte Por ser construída com materiais frágeis, pode-se utilizar um suporte para a maquete feito de placas de papelão ou madeira, no qual devem ser colocados a legenda, fonte, título, orientação, autores e data. FIGURA 6: ACABAMENTO E SUPORTE Fonte: (foto) MALANSKI, Lawrence Mayer, 2006. 3 Cuidados na confecção de maquetes junto com os estudantes Se o professor optar por construir uma maquete junto com seus estudantes, alguns cuidados devem ser tomados, principalmente com os alfinetes, facas ou estiletes utilizados para furar e cortar o isopor, pois além de pontiagudos, poderão estar quentes. Outro utensílio que merece cuidado, se usado, é a vela, pois pode causar queimaduras. Além disso, o pó resultante da massa corrida lixada pode causar algum tipo de dificuldade respiratória nas crianças. 236 Para se tentar prevenir acidentes, o ambiente de trabalho deve estar tranqüilo, arejado, ventilado e os objetos perigosos devem ser sempre utilizados sob a supervisão de um adulto. 4 Conclusão A maquete não se apresenta como um fim didático, auto-explicativa e trabalhada de modo isolado de outros conteúdos e disciplinas escolares, mas como um recurso didático interessante que leva o estudante, de acordo com o seu nível cognitivo, a desenvolver e dominar conceitos espaciais e suas representações em diversas escalas. Assim, ela aparece como uma forma prática da teoria construtivista do conhecimento e uma prática escolar em busca da alfabetização cartográfica e geográfica e entendimento da realidade. Além disso, o uso da maquete estimula o estudante a fazer uma análise 3D integrada e generalizadora dos fenômenos espaciais, permitindo ao professor abordar diretamente noções de posição, distância, direção, quantidade entre outros e contornar a dificuldade de entendimento das representações planas (2D). Por fim, mais recentemente, com a inclusão de estudantes portadores de necessidades especiais nas salas de aula do ensino regular, a maquete pode ser utilizada em conjunto pelos educandos regulares e por portadores de deficiência visual (videntes ou cegos), desde que tomados alguns cuidados metodológicos na elaboração desse material, contribuindo para a inserção destes nas práticas pedagógicas. REFERÊNCIAS COLLISCHONN, É. Maquetes de Municípios – Um Recurso Didático. In: Agora. Santa Cruz do Sul, v.3, n.1, p. 75-89, 1997. CTGEO. CTGEO Escola. Disponível em: <http://www.ctgeo.com.br/solucoes/solucoes.php?idarea_servico=13> Acesso em: 06/10/2007. KOZEL, S. T, Produção e reprodução do espaço na escola: o uso da maquete ambiental. In: Revista paranaense de geografia. n. 4, AGB, Curitiba, 1999, p.28-32. 237 LOMBARDO, M. A., CASTRO, J. F. M. O uso de maquete como recurso didático. Anais do II Colóquio de Cartografia para Crianças, Belo Horizonte, 1996. In: Revista Geografia e Ensino. UFMG/IGC/Departamento de Geografia, 6(1) p. 81-83, 1997. SIMIELLI, M. E. R. et al. Do plano ao tridimensional: a maquete como recurso didático. In: Boletim Paulista de Geografia, nº 70, AGB, São Paulo, 1991, p. 5-21. VENTORINI, Silvia Elena; FREITAS, Maria Isabel Castreghini de. Cartografia Tátil: Pesquisa e Perspectiva no Desenvolvimento de Material Didático Tátil. Disponível em:<http://www.cartografia.org.br/xxi_cbc/219-E21.pdf> Acesso em: 06/10/2007. Texto recebido em 19 fev. 2008. Texto aprovado em 18 mar. 2008. 238 Resenha 239 Arte e Mídia Denise do Rocio Calomeno Martini 98 MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. Na contemporaneidade a arte não nega as técnicas tradicionais, mas aliada cada vez mais aos avanços tecnológicos e as outras possibilidades de representação, o artista se realiza e oferece ao público e a crítica novas experiências estéticas. A arte torna-se interativa, provoca os sentidos humanos e requer do homem uma reeducação do olhar, do sentir, do perceber. No livro “Arte e Mídia” (2007), Arlindo Machado discute a artemídia e as imbricações dos vocábulos - arte e mídia - com significados distintos e que vão além do instrumental, do uso de equipamentos e da interferência e presença da arte pelos meios de comunicação em massa. Arlindo Machado é critico de arte, curador e teórico da mídia, doutor em Comunicação, docente da Universidade de São Paulo - Escola de Comunicações e Artes e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Dirige seus estudos à produção artística imagética da contemporaneidade vinculada à tecnologia - vídeoarte, artes eletrônicas, teoria da comunicação e informação, produção televisiva - e as formas de mediação desta produção. No primeiro capítulo intitulado - “Arte e mídia: aproximações e distinções” (p.9) - Machado nos instiga a refletir sobre a produção em arte e a apropriação pelos artistas dos meios disponíveis em cada momento histórico. Afirma que: “Se toda a arte é feita com os meios de seu tempo, as artes midiáticas representam a expressão mais avançada da criação artística atual e aquela que melhor exprime sensibilidades e saberes do homem do início do terceiro milênio” (p.10). O subitem do primeiro capítulo denominado “Desviando a tecnologia do seu projeto industrial” (p.10) trata da forma como o artista utiliza “aparelhos, instrumentos 98 Especialista em Metodologias de Ensino, Magistério Superior e Educação Especial Graduada em Artes Visuais – UFPR e em Comunicação Visual – UFPR. Professora PDE 2008 - pesquisadora em Tecnologias Aplicadas à Arte, Educação e Educação Especial. Contato: [email protected] 240 e máquinas semióticas” que não foram projetados com a finalidade de serem suportes para a arte e sim dentro de padrões de produtividade industrial, da produção em série, dentro da lógica de expansão capitalista. O artista reinventa os meios, “é um subverter continuamente a função da máquina” (p.14). Entre alguns exemplos Machado nos traz o romance digital Agrippa (1992) de William Gibson em que o artista apresenta na tela um texto onde as palavras se misturam e são destruídas por um vírus de computador, capaz de acabar conflitos de memória do aparelho. O autor conclui: “então não se pode mais (...) dizer que os artistas estão operando dentro das possibilidades programadas e previsíveis dos meios invocados. Eles estão, na verdade, ultrapassando os limites das máquinas semióticas e reinventando radicalmente os seus programas e as suas finalidades.” (p.14) Na seqüência em “A arte como metalinguagem da mídia” (p.17) o autor questiona a representatividade da artemídia dentro da sociedade midiática, “o ‘desvio’ do projeto tecnológico original no diálogo com as mídias e a sociedade industrializada.” (p.17) Apresenta a videoarte como expressão pioneira de intervenção artística nesta sociedade midiática, com interferência crítica extrapolando o mecanismo inicial da máquina, a técnica programada, distorcendo “as suas funções simbólicas, obrigando-as a funcionar fora dos parâmetros conhecidos e a explicitar seus mecanismos de controle e sedução.” (p.22) Machado conclui o primeiro capitulo com o tema “A mídia como reordenamento da arte” (p.23), retomando o conceito de arte dentro deste contexto de transformação da representação artística através da produção midiática, do “fazer arte nas mídias ou com as mídias” (p.24). Discute a revisão dos conceitos tradicionais sobre representação artística e um repensar consonante com a nova sensibilidade trazida nas obras atuais. O artista, cada vez mais, encontra um público diversificado, diferente daquele que direciona seu olhar para a apreciação da obra. Este público nem sempre compreende que, o que estão vivenciando, é uma experiência estética. A arte ocupa outros espaços e exige um redimensionamento no seu significado, enfrenta “o desafio da sua dissolução e da sua reinvenção como evento de massa.” (p.30) O segundo capitulo “Tecnologia e arte: como politizar o debate” (p.30) Arlindo Machado discute o progresso tecnológico e o posicionamento do Brasil diante de outros países produtores de tecnologias eletrônicas, digitais ou biogenéticas e a democratização do acesso a estes avanços – seletivos e discriminatórios. Questiona 241 a implantação centralizadora das tecnologias por empresas privadas ou por políticas exclusivistas. O autor nos traz o pensamento de Roy Ascott quando analisa as mudanças comportamentais advindas da comunicação em rede e afirma que “estão afetando profundamente as relações de intersubjetividade e de sociabilidade dos homens (...)” (p.35) consigo mesmo e em relação aos outros. Diante deste contexto uma das preocupações exposta é a carência de aprofundamento das discussões sobre tecnologia em toda a complexidade que este tema necessita, resultando em um ”desgringolamento” de valores e da própria concepção de arte, numa sociedade sem massa crítica. Machado apresenta a teoria do filósofo “tcheco-brasileiro” Vilém Flusser, que analisa as mudanças culturais, sociais e antropológicas presentes na contemporaneidade. Neste momento Machado traz como referência o livro “Filosofia da caixa-preta” (1984), onde Flusser reflete sobre a sociedade “pós-histórica”, como assim denomina nossa era, “marcada pelo colapso dos textos e pela hegemonia das imagens.” (p.42) e discute a fotografia como primeiro impulso para a automatização da produção, distribuição e consumo da informação, passando pela imagem eletrônica e chegando as imagens digitalizadas e a manipulação destas imagens pelo artista e sua relação com a máquina. Finalizando o segundo capitulo, intitulado por “Artemídia: a experiência brasileira” (p.49), Machado faz um breve histórico da presença das poéticas tecnológicas resultantes da arte cinética, da música eletroacústica, da computer art computer music, holografia, arte-comunicação, poesia intersemiótica e da interseção arte-ciência. Questiona a substituição da discussão estética, em relação à produção midiática, em contrapartida à relevância de questões técnicas, e os critérios de avaliação desta produção que “apontem para perspectivas de invenção, liberdade e conhecimento.” (p.56) No terceiro e último capítulo “Convergência e divergência das artes e dos meios” (p.57) o autor cria uma metáfora visual partindo da imagem de três círculos interceptados, definidores dos meios – fotografia, cinema e música – e exemplifica a divergência e convergência entre estes meios de representação artística. Discute a hibridização e as relações de sentidos que constituem o pensamento da divergência – cada arte midiática pensada e praticada de forma independente – e da convergência – a migração das imagens, as conexões entre fotografia, cinema, vídeo e as artes digitais. 242 Perfazendo a obra literária “Arte e mídia” (2007), Arlindo Machado contextualiza seu pensamento trazendo como referência a produção e pesquisa de diferentes artistas, analistas, semioticistas, produtores cinematográficos, críticos entre outros estudiosos da arte e tecnologia, direcionando a leitura numa perspectiva histórica, o que possibilita ao leitor desvelar os argumentos e conceitos intrínsecos no texto de forma prazerosa e enriquecedora. Texto recebido em 27 set. 2008. Texto aprovado em 6 out. 2008. 243 PARECERISTAS 2007/2008 Ademir Valdir dos Santos - UTFPR Ana Cláudia Farranha – UNIEURO Cristofer Golder – UFPA Gláucia da Silva Brito – UFPR Gutemberg Melo Rocha - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP Jheison Nunes Holthausen – UNICENTRO José de Siqueira Silva Junior – UNIEURO Leila Maria Amaral Ribeiro – UFRJ Madalena de Fátima Zaccara Pekala – UFPE Marcelo Gustavo Andrade de Souza – PUC-Rio Marcia Maria dos Anjos Azevedo – UFRJ Maria de Nazaré Tavares Zenaide – UFPB Maria Stela Santos Graciani – PUCSP Marisa Oliveira Natividade – UFSM Nicolau Maués Serra Freire – FIOCRUZ Paulo Vinícius Baptista da Silva – UFPR Rosana Glat – UERJ Silvia Schawab – UFPR Sonia Cristina Vermelho – FACNOPAR/UFPR Suely de Souza Almeida – UFRJ Sylvia Maria Machado Vendramini – UFV - Viçosa 244