Domésticas - Kinodigital - Universidade Federal da Bahia
Transcrição
Domésticas - Kinodigital - Universidade Federal da Bahia
Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA) - No 11, SETEMBRO de 2007 POLÍTICA TECNOLOGIA Com 70 anos, a UNE enfrenta crise de representação Morador de rua tem site com quase 3.500 acessos Pag. 4 e 5 Álvaro Andrade Pag. 12 Domésticas O trânsito entre dois mundos Pág. 16 GERAL Decadência na Baixa dos Sapateiros Pag. 20 Expediente/ Editorial Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Editorial E Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia E-mail: [email protected] Endereço: Rua Barão de Geremoabo, s/n, Campus de Ondina CEP. 40.170-115 Salvador/Bahia Editoração eletrônica Fernando Duarte Rai Trindade Assistente de edição André Santana Bruno Santana Carlos Eduardo Oliveira Guilherme Lopes Tiago Canário Sylvio Quadros Versão Digital: Glauber Farias e Lucas Esteves Editor Responsável Malu Fontes, professora DRT-BA 1.480 Produção da disciplina Oficina de Jornalismo Impresso, semestre 2007.1: Álvaro Andrade, André Uzêda, Ângela Machado, Antônio Sales, Bruno Santana, Carlos Eduardo Oliveira, Danielle Antão, Daza Moreira, Eduardo Ross, Fernando Duarte, Gabriela Teixeira, Glauber Farias, Ive Deonísio, Janira Borja, João Eça, João Gabriel Galdea, Josenilton Freire, Kelly Hosana, Laíla Terso, Lais Vita, Leandro Rios, Ledson Chagas, Lis Nogueira, Lucas Esteves, Maria Paula Almada, Marileide Alves, Pablo Barbosa, Rafael Mello, Rodrigo Sombra, Silvana Moreira, Sylvio Quadros e Tiago Canário. Diretor da Facom (2005-2009) Professor Giovandro Ferreira Reitor da UFBA (2006-2010) Professsor Naomar Almeida Filho Tiragem: 5.000 exemplares sta é a 11ª edição do Jornal da Facom (Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da UFBA), a primeira produzida pela turma do terceiro semestre do curso de Jornalismo em 2007.2. O JF é resultado da produção textual da disciplina Oficina de Jornalismo Impresso, ministrada pela professora Malu Fontes, e tem como linha editorial norteadora contemplar temas e abordagens pouco comuns na imprensa convencional. Por se tratar de um produto formativo, ou seja, voltado para o aprendizado da prática jornalística dos alunos que o elaboram, o Jornal da Facom está comprometido com o exercício da experimentação, o que lhe permite cotejar temas para além do factual, através de perspectivas não necessariamente marcadas pela rigidez, pelos formalismos ou pela definição estanque de gêneros jornalísticos. Do ponto de vista gráfico, as mudanças apresentadas nesta 11ª edição visaram tornar a leitura ainda mais leve e agradável. Para isso, em relação às edições anteriores, buscou-se dar na primeira página destaque para um maior número de matérias, tendo em vista o fato de se tratar de uma publicação com mais de 30 páginas sobre os mais diversos assuntos. Foram ainda criadas editorias ou rubricas, que podem variar ao longo das próximas edições, com o objetivo de contemplar a diversidade da produção de textos. Assim, a partir de agora, o JF terá editorias de Geral, Segurança, Cultura&Artes, Economia, Política, Ciência&Tecnologia, Esportes, etc. Um dos principais compromissos do JF é enfrentar o desafio de dialogar, na prática, com os demais produtos laboratoriais da Facom, em tempos em que convergência não deve ser lida apenas como um conceito da comunicação contemporânea e sim como um exercício prático de conexão de diferentes linguagens e suportes através dos quais o jornalismo é hoje praticado. Além disso, uma das metas na condução do jornal será desenvolver estratégias que permitam aos alunos do curso de jornalismo participar da produção do JF não apenas durante o semestre no qual o produzem sob o vínculo com a disciplina, mas ao longo da sua permanência na Facom. Para consolidar quaisquer mudanças ou melhorias, é fundamental a participação do leitor. Cartas, contribuições, críticas ou sugestões devem ser enviadas para o seguinte endereço eletrônico: jornaldafacom@yahoo. com.br; ou para: Jornal da Facom – Faculdade de Comunicação da UFBA, rua Barão de Geremoado, s/n, Campus de Ondina, Salvador, Cep: 40.170.115 POLÍTICA Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Quero ser grande Mesmo com descrença da sociedade e limitações legais de financiamento, partidos nanicos proliferam na política baiana André Uzêda A imagem do político ladrão e não consciente da coisa pública, bem como imperativos sociais do “rouba, mas faz”, ou do “jeitinho” fazem parte de um imaginário coletivo que o brasileiro detém sobre a política. Muitas são as descrenças e opiniões contrárias ao modelo eleitoral vigente, como também os constantes questionamentos levantados sobre a profissionalização política e sua estratificação como modo de vida. Apesar do olhar torto da sociedade brasileira para a classe política, o número de siglas partidárias é crescente nos últimos anos. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de 1994 até 2007, o número de partidos com estatutos cadastrados no órgão cresceu de 18 para 29, nestes 13 anos. O inchaço maior é dado pelos partidos denominados nanicos, ou seja, agremiações que arrebatam uma quantidade menor de votos nos pleitos realizados, e, muitas vezes, sequer são notados pelos eleitores. Estes partidos têm origem e ideologias diversas e representam os mais discrepantes setores sociais do Brasil. A maio- ria, contudo, além de enfrentar problemas semelhantes, possuem uma gênese histórica advinda do final da ditadura. Com a extinção do bipartidarismo na década de 80, em que apenas coexistiam ARENA e MDB, houve uma proliferação de muitos partidos nanicos. O fenômeno veio a se confirmar mais claramente em 1989, na primeira eleição direta para presidente pós-ditadura. Foram inscritos 22 candidatos, num total de 26 partidos coligados. O próprio presidente eleito na abertura das urnas, Fernando Collor de Mello, assim o fez utilizando uma legenda de pouca repercussão frente à opinião pública, o PRN (Partido da Reconstrução Nacional), criado naquele mesmo ano. Boa parte dos pequenos partidos, porém, fica longe de conseguir grandes resultados eleitorais, além disso, ainda enfrentam sérios problemas de sobrevivência enquanto instituições. Problemas enfrentados A maior dificuldade enfrentada pelas legendas é a inserção no epicentro das discussões políticas. Poucos são os micropartidos que possuem representatividade mandatária na Bahia. Ainda assim, quando a possuem estão atrelados a partidos maiores que cooptam estas legendas impedindo-as de firmar sua independência política. Para a criação de um partido político é necessário que haja, no mínimo, 101 fundadores com domicilio eleitoral em um terço dos estados da federação. É imprescindível a assinatura de 93.777.913 pessoas e um respaldo eleitoral, já com a legenda criada, de pelo menos 0,5% nas eleições para a Câmara dos Deputados. Atualmente 18 são as pequenas siglas que disputam o cenário da política baiana: PT do B – Partido Trabalhista do Brasil PAN - Partido dos Aposentados da Nação PTC – Partido Trabalhista Cristão PHS - Partido Humanista da Solidariedade PTN – Partido Trabalhista Nacional PMN - Partido da Mobilização Nacional PCB – Partido Comunista Brasileiro PRB - Partido Republicano Brasileiro PCO – Partido da Causa Operária PRP – Partido Republicano Progressista PSOL – Partido Socialismo e Liberdade PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados PSC – Partido Social Cristão PV - Partido Verde PSDC – Partido Social Democrata Cristão PSC – Partido Social Cristão Além de entraves dessa ordem, as agremiações de pequeno porte também são obrigadas a enfrentar questões imobiliárias, como a fixação de uma sede, filiação de novos membros e arrecadação periódica financeira. Para Dirceu Régis Ribeiro, professor de história e presidente do PCB-Ba (Partido Comunista Brasileiro), a própria legislação eleitoral contribui para a pequenez destas legendas ao negar uma maior participação ao fundo partidário, distribuído pelo governo federal, destinados aos partidos políticos. “Nós do PCB, primeiro partido de esquerda a se formar no Brasil, temos direito a apenas R$ 2.800 do fundo, enquanto partidos como o DEM, ou o PT recebem cada um, um milhão mensal,” declara. A equação, limitada pela legislação eleitoral, prevê que apenas partidos que alcançaram mais de cinco por cento dos votos para a Câmara dos Deputados terão acesso ao montante de 99% do fundo partidário, a ser dividido proporcionalmente entre as agremiações; enquanto que o restante (1%) deverá ser repartido entre as legendas que não obtiveram os cinco por cento mínimos dos votos exigidos. Na última eleição, na Bahia, houve 29 partidos inscritos, dos quais 17 podem ser considerados como legendas de pequeno porte. Analisando as tendências ideológicas das pequenas agremiações, nota-se uma ampla maioria de partidos alinhados a um pensamento mais conservador: são doze no total. Dentre os partidos nanicos com programas de tendência marxista somamse cinco, do qual o PV (Partido Verde) é o de maior projeção, tento conseguido eleger um deputado federal em 2006. política Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 UNE: a vovó que vive de história Burocratizada, a entidade hoje se apóia no passado para continuar a ser ouvida Arquivo Nacional / Correio da Manhã UNE 68 - 2 - Passeata de estudantes em 4 de julho de 1968, no Rio de Janeiro. Maria Paula Almada Rafael Mello O cotas e garantia de investimento em assistência estudantil”. Movimento Estudantil e partidos políticos Um dos discursos que tenta descredenciar a legitimidade do movimento estudantil é a estreita relação dos seus componentes com os partidos políticos. Franco e Freire atribuem este argumento a uma direita reacionária, e acreditam que a participação de militantes do movimento estudantil em partidos políticos é benéfica, pois essa possibilidade representa o resultado de uma conquista democrática do próprio movimento ante a situação de opressão imposta pela Ditadura Militar. Bruno da Mata, no entanto, ressalta que “é fundamental diferenciar militância no partido político de militância política na universidade”. Ele acrescenta, ainda, que “hoje as pessoas caminham dos partidos para o ME, e não deveria ser assim. O partido querer usar o ME com um trampolim para suas idéias e seus quadros é um problema”. Raíza Rocha avalia que “houve um aparelhamento do ME, ou seja, a utilização do ME para a formação de futuros deputados”. Emiliano, que participou do movimento estudantil e hoje possui em seu currículo 10 anos de mandatos no legislativo, lembra: “Eu não estava no UNE – União Nacional dos Estudantes AP – Ação Popular ME – Movimento estudantil UEB – União dos Estudantes da Bahia UJS – União da Juventude Socialista PSB – Partido Socialista Brasileiro PT – Partido dos Trabalhadores PSTU – Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado CONLUTE – Coordenação Nacional de Luta dos Estudantes as gl si Movimento Estudantil construiu sua credibilidade e fama em cima de lutas históricas pela democratização da política brasileira, como na época da Ditadura Militar. Hoje, o movimento antes considerado como uma vanguarda dos movimentos sociais ao ocupar uma posição relevante na vida política do país, tem importância questionada devido a uma recente crise de representatividade. A UNE este ano, comemora seu 70º aniversário com o grande questionamento de quais as principais bandeiras que o movimento deve assumir, e como atrair os estudantes para a participação da vida política. Emiliano José, ex-coordenador do movimento estudantil da AP, grupo guerrilheiro da época da ditadura militar, reconhece a perda de forças que o movimento sofreu após a abertura democrática: “A UNE hoje é diferente de quando eu fazia Movimento Estudantil. Hoje não sei quem é o presidente. Na minha época existia liderança, nomes nacionais, a voz do ME enfraqueceu-se”. Apesar de estar sempre próximo aos estudantes – Emiliano é professor universitário – ele questiona-se sobre aspectos que em sua época eram nítidos e evidentes: “Quais são as grandes bandeiras e utopias do ME hoje? Eu não sei. A minha impressão é que o ME perdeu a identidade”. A crise de representatividade é discutida dentro do próprio movimento, mas as opiniões divergem quanto às causas do problema. Para Flavio Franco, diretor de políticas educacionais da UEB e membro da UJS, o problema não está propriamente no movimento: “onde a juventude em si está inserida? O que influencia a juventude hoje é o consumismo e o individualismo provocado pelo neoliberalismo”. Bruno da Mata, membro da juventude do PSB e filho da Deputada Federal Lídice da Mata (do mesmo partido), avalia que “o problema está relacionado com a forma burocrática como a UNE é induzida. Nos últimos anos, as direções de entidades, como a UNE, se afastaram muito do ME, e elas precisam voltar a se aproximar”. Emanuel Freire, membro da juventude do PT, acredita que para solucionar esta crise, é necessário que “a une pense em se redemocratizar internamente para democratizar suas disputas e sua relação com os estudantes”. Outro ponto de crítica à direção da UNE está relacionado ao posicionamento da entidade perante o governo federal. Raíza Rocha, membro da juventude do PSTU, é incisiva ao afirmar: “no segundo mandato de Lula houve uma mudança qualitativa da UNE, que teve como conseqüência o abandono das bandeiras do ME, já que essas bandeiras chocam-se com as idéias das instituições”. Já Freire, apesar de crítico, pondera: “contestamos a direção majoritária da UNE, majoritariamente pertencente à UJS que, por vezes, tem posições muito adesistas em relação ao governo, mas legitimamos a entidade”. O membro da UJS, Franco, defende que a atitude da UNE é de disputa de projetos, para ele, “a UNE está tendo mais espaço para dialogar com o governo. Hoje temos um forte diálogo, por exemplo, com o ministro da educação, e por essa relação de diálogo conseguimos conquistar algumas das bandeiras históricas do ME, como a reserva de POLÍTICA Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 UNE x Conlute Os estudantes que militam no PSTU, por discordarem das práticas e bandeiras da UNE, fundaram, no ano de 2004, a Conlute. Raíza Rocha justifica que este afastamento se deve ao fato de que “A UNE vem se adaptando ao estado desde o governo FHC. No governo Lula, a UNE foi direto para o lado do governo, a exemplo da reforma universitária”. No entanto, a própria forma de enxergar o estado como instituição ilegítima é um dos impedimentos para que haja o diálogo entre os movimentos: “Não queremos administrar o estado burguês, pois não é possível humanizar o capitalismo”, explica Raíza, contrapondo a visão dos demais estudantes que participam do movimento. Para o PSTU, participar das eleições serve apenas para divulgar seu programa e se eleitos, os “candidatos fazem um parlamento de denúncia”. Para Freire, “o PSTU é incapaz de viver na democracia, são incapazes de disputar a UNE. O que eles criticam na UNE, reproduzem na Conlute: centralismo e falta de debate. A Conlute expressa apenas a opinião do PSTU, só que, assim como o PSTU, não tem representatividade alguma”. O PSTU acredita que a revolução é um processo no qual a classe trabalhadora irá se armar e lutar contra o estado burguês. Raíza deixa claro que “A violência revolucionária é necessária, não adianta agente [militantes do PSTU] ir com paus e pedras se eles têm o exército”. Mata acha que o discurso não condiz com as atitudes: “Quem é a favor da revolução armada não bota a cara na televisão”. Política também se faz na Universidade Rafael Mello ME porque almejava um cargo parlamentar, queríamos transformar a sociedade, o mundo, e principalmente o ensino”. Sede do DCE, local disputado pelos estudantes da UFBA E m abril, os alunos da UFBA votaram nas eleições da diretoria do DCE. O processo contou com a participação de quatro chapas, que somadas, receberam cerca de 8 mil votos. A chapa vencedora, ‘Quilombo/Kizomba’, obteve 2.180 votos, enquanto a chapa 3, ‘Coletividade e luta’, totalizou 2.086 votos, apenas um a mais que a chapa 2 (‘Eu quero é botar meu bloco na rua/Flores’), com 2.085 votos e a chapa 4, ‘Vem sambar no meu terreiro’, obteve 1.300 votos. O processo eleitoral teve como resultado a impugnação de 6 urnas e a necessidade de uma eleição suplementar, gerando uma discussão que ultrapassou os limites da universidade devido à polêmica da possibilidade de fraudes. Franco, membro da Chapa 2, considera que sua chapa foi prejudicada e levanta suspeitas de corrupção dentro do processo eleitoral: “há indícios que as eleições do DCE foram fraudadas. Algumas urnas sofreram o chamado ‘emprenhamento’, ou seja, as urnas tiveram mais votos do que deveriam O que aconteceu As urnas impugnadas feriram o regimento eleitoral por apresentarem irregularidades como a falta de assinatura do mesário atrás das cédulas e haver um maior número de votos do que de votantes. Por isso foi necessário que nestas urnas houvesse uma eleição suplementar. A urna localizada no PAF, apesar de ter sido impugnada, foi a única a não participar das eleições suplementares. Por ser uma urna volante, na qual todos os estudantes podem votar, é inviável o controle do número de votantes, que na primeira eleição foi de 140. ter. Foram injetadas por um grupo político que tem influência naqueles cursos onde houve a fraude. Como, por exemplo, a urna de música, que teve mais de 200 votos, quando na prática não existia essa quantidade de estudantes assistindo aula na unidade”. Franco acusa ainda que “a comissão eleitoral foi totalmente permissiva e parcial às chapas que, no final do pleito, ficaram em primeiro e segundo lugar nas eleições. Antes da tomada da decisão de impugnação de algumas urnas, membros da comissão eleitoral que são militantes de algumas forças políticas consultavam suas respectivas chapas para tomar a decisão”. Freire, membro da chapa 1, “Quilombo/Kizomba”, atual gestão do DCE, discorda da acusação de que a comissão eleitoral tenha sido permissiva com sua chapa, afinal, “a maioria da comissão eleitoral era da chapa 3, só tinha uma pessoa na comissão que era simpática à nossa chapa”. Para Freire, “as denúncias não têm fundamento na realidade”, ele entende que estas acusações se devem ao fato de que “O PC do B [que apoiou a chapa 2] tava com medo de perder a eleição. Isso de fraude é só conversa, choro de perdedor. A eleição suplementar foi baseada no regimento. Se eles sustentam esse papo de fraude até hoje é porque não tinham política para apresentar aos estudantes”. Bruno da Mata, membro da chapa 2, reconhece que o diálogo com os membros do DCE tornou-se difícil depois do desgaste com as eleições. Ele avalia que “eles agora estão com dificuldades em dialogar com outros setores do ME”. Afirmou ainda que a chapa da qual ele participava não entrou com processo judicial porque “seria menos prejudicial para o próprio ME da UFBA, preferimos levar a fraude às urnas às ultimas instâncias apenas dentro do movimento”. ECONOMIA Economia além da bola Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Vendedores ambulantes encontram no futebol uma alternativa para o desemprego Antonio Salles Júnior O Antônio Salles Júnior futebol brasileiro não é apenas uma paixão. O esporte mais praticado no país, além de fomentar calendários, jogos e campeonatos também influencia a dinâmica da economia e gera renda para trabalhadores desempregados. Apesar da decadência do futebol baiano nos últimos anos, com o declínio no cenário esportivo nacional, os times do Bahia e do Vitória contribuem diretamente para o desenvolvimento de um setor da economia: o comércio informal. Segundo dados da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia(SEI), a região Os ambulantes Carlos e Flávio vendem cerveja com gritos e bom humor metropolitana de Salvador possui taxa de desemprego de 21,5% ponto de venda pra outro”. Todo quanto aos lucros durante a temda população economicamente esse esforço para garantir uma porada: quando Bahia e Vitória ativa, o pior índice do país. Dian- renda mensal média de um salá- enfrentam crises ou não há jogos na capital, a renda familiar sofre te desta realidade, desemprega- rio mínimo. Como a temporada esportiva reduções drásticas. O comerciandos encontram no calendário esportivo dos clubes baianos uma não abrange todos os dias do te Gilberto Brito, 51 anos, trabaoportunidade para complemen- ano, os vendedores ambulantes lha há muitos anos nos arredores tar a renda familiar. O ambulan- ainda enfrentam a sazonalidade da Fonte Nova é um exemplo diste Ailton Domingues, 25 anos, dos jogos e as irregularidades dos so: “tenho quatro filhos desemvende camisas durante os jogos times. Quando as equipes atuam pregados. Vender churrasco aqui da dupla Ba-Vi e afirma que, se fora de casa, o comércio informal é uma aventura “. Além de conviver com o rodítrabalhar em todos os jogos, con- busca alternativas. Jorge Silva, segue uma renda entre R$ 800 e 38 anos, conta como dribla essa zio dos jogos – dentro ou fora de dificuldade: “se casa - e o humor da torcida , há R$ 1000 por mês. os times não ainda a concorrência nas vendas. Mas, Domingues jogam, eu faço Quando as tabelas da séries B e C é uma exceção. A bico, às vezes coincidem eles apostam na criatimaioria dos ventrabalho como vidade. Alguns optam por dividir dedores enfrenta office boy”. E os produtos e trabalhar em dois dificuldades. DuSe os times não jogam, eu emenda: “te- pontos diferentes quando a durante o campeoesposa pla Ba-Vi atua num mesmo dia. nato, os ambulan- faço bico, às vezes trabalho nho e duas filhas Outros, ainda preferem definir como office boy tes precisam chepara susten- um ponto de venda e apostar na gar com bastante Jorge Silva, ambulante tar, não posso fidelidade da freguesia ou no griantecedência aos ficar parado”. to: “olha a cerveja, geladinha...”, locais dos jogos, como relata o vendedor Anelito Alguns ambulantes intercalam como os vendedores Carlos Aldos Santos, 49 anos: “Tem que os jogos, as festas no interior do berto e Flávio Chagas, que usam chegar, no mínimo, uma hora an- Estado e eventos musicais na ci- o próprio carro para transportar tes dos jogos, senão eu perco o dade, mas todos são unânimes e vender cerveja. Ordenamento nos Estádios Apesar do comércio informal nos estádios de futebol ser uma prática antiga, os órgãos públicos não possuem dados ou pesquisas sobre os números que envolvem esta atividade. A Secretaria de Serviços Públicos (SESP) não dispõe de um projeto de planejamento definido para o ordenamento dos ambulantes. Segundo a Chefe do Setor de Fiscalização, Iara Cerqueira, o trabalho realizado pelos fiscais limita-se a “retirar vendedores ambulantes das áreas de fluxo, evitar riscos aos torcedores e garantir acesso livre aos portões de entrada”. Mesmo assim, ainda é comum encontrar vendedores alocados sobre áreas de passeio público ou próximas às bilheterias. O Chefe de Operações da Superintendência de Desportos da Bahia (SUDESB), Nilo dos Santos, afirma ter o cadastro dos vendedores ambulantes e cantineiros que atuam dentro do Estádio Octávio Mangabeira. Mas reconhece “não ter qualquer estrutura de ordenamento do estacionamento, devido à grande quantidade de vendedores e consumidores e às vias laterais da Ladeira da Fonte das Pedras”. Quanto ao Estádio Manoel Barradas, o administrador Haroldo Tavares afirma “ter planos para ordenar a área externa no futuro, e delimitar pontos de vendas específicos para os vendedores”. Inicialmente, a proposta deve contemplar apenas a área interna do Barradão, com espaços exclusivos para vendedores de produtos diversos. Porém, o administrador do estádio já comemora o fato de conseguir ampliar a fiscalização com o auxílio da SESP e afastar as barracas das bilheterias e dos portões de entrada. ECONOMIA Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 De flanelinha a guardador Vistos como informais, Salvador conta com 460 guardadores de carros registrados na Delegacia Regional do Trabalho Laíla Terso Silvana Moreira C orre para lá, corre para cá. O ritmo de trabalho é intenso. Dependendo da região, eles não têm folga. Atenção é fundamental. A todo o momento, um carro sai. A vaga logo é ocupada por outro veículo. Eles orientam as manobras e ainda ficam “ligados” nos que continuam estacionados. Um instante de descuido pode resultar em um arranhão no carro, na rápida saída de um cliente que esqueceu de pagar ou ainda na perda do ponto para um “clandestino”. Embora muita gente não saiba, a profissão de guardador de carros é regulamentada pela Lei Federal 6.242 desde 1975. Apesar dos trabalhadores não terem direito a férias, décimo terceiro, licença maternidade e até mesmo ao salário mínimo. A maioria dos entrevistados declarou renda mensal de aproximadamente R$250,00, o que requer uma média de trabalho de seis a oito horas por dia. “Flanelinha não! Eu sou guardadora de carro”. É assim que Juçara Santos da Silva, 39 anos reage ao ser chamada pelos clientes. Ela não é clandestina. Trabalha como guardadora há 14 anos, desde que se separou do marido. Foi influenciada por seu pai, também guardador e hoje sustenta a família com o que “tira” do serviço. A sua condição de guardadora é a de reserva, ou seja, aquela que cobre a ausência de colegas. Assim, não tem nem ponto de trabalho fixo nem garantias de atividade todos os dias, mesmo sendo registrada e contribuindo com o sindicato. O presidente do Sindicato dos Guardadores e Lavadores de Veículos Automotores do Estado da Bahia (SINDGUARDA), Melquisedeque de Souza, afirma que os trabalhadores têm direito a assessoria jurídica e assistência médica asseguradas pelo sindicato. O colete usado, cujo uso é obrigatório para todos os registrados, não é cobrado. Em contrapartida, esse profissional tem a obrigação de repassar 50% de tudo o que arrecada, de acordo com um convênio mantido entre o sindicato e a Prefeitura de Salvador. Do percentual arrecadado, o sindicato fica com 10%, além da mensalidade de R$12,00 já cobrada. A Superintendência de Engenharia de Tráfego (SET) fica com 40% da receita mensal de cada trabalhador. Perguntada sobre o destino da contribuição à SET, a chefe do setor de estacionamento da Gerência de Trânsito (GETRAN), Leonira Santana, garantiu que a arrecadação vai apenas para a compra das cartelas usadas pelos guardadores. Ela também ressaltou o trabalho do órgão na fiscalização dos estacionamentos da Zona Azul, em eventos, na elaboração de escalas e no patrulhamento em toda a cidade. Para o presidente do sindicato, o guardador que trabalha na zona azul, área regulamentada, perdeu muito o poder de compra. Destaca que a taxa está defasada em relação ao serviço de zelar pelo patrimônio particular e à tarifa do transporte público da capital baiana. Hoje, o valor cobrado é de um real, por duas horas; dois reais por seis e três reais por 12 horas. Apesar disso, há motoristas que reclamam. Pedro Alcântara, 59 anos, não acha justa a cobrança, já que o motorista paga determinados impostos e o serviço não é satisfatório, pois o comportamento de alguns guardadores, segundo ele, é agressivo. Há quem concorde com ele. É o caso da guardadora Viviane Costa, 33 anos, há oito na profissão. Ela declarou que se fosse seu carro não iria pagar. Acha que o pagamento não deveria ser obrigatório. Geralmente, Viviane trabalha no trecho da Aveni- da Sete de Setembro, nas proximidades do Relógio de São Pedro, e diz que “é horrível, tem muita gente circulando, é difícil ir atrás dos carros”. Perto dali, guardadores dividem o espaço com os flanelinhas (os clandestinos, sem registro no sindicato). Estes, teoricamente, não podem cobrar pelo serviço, embora isso não ocorra. A procura pela subsistência é apontada em unanimidade como fator decisivo para o ingresso na profissão. “O desemprego tá demais”, lamenta Luiz Carlos dos Santos, 42 anos, guardador há nove anos. Além disso, o aumento da frota de carros em Salvador contribuiu para o crescimento da classe. Segundo Leonira, a cidade não tem vagas suficientes para todos os veículos. Atualmente, são 3.863, com previsão de acréscimo de 1.150 vagas. O que possivelmente irá expandir o mercado de trabalho no ramo da guarda de carros. Silvana Moreira A cartela é o meio de controle dos guardadores e da SET SEGURANÇA Sorria: você está sendo assaltado! Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Um terço da frota de ônibus de Salvador trafega sem câmeras de segurança. Inseguros, motoristas e cobradores questionam eficácia dos equipamentos. Enquanto isso, cinco ônibus são assaltados por dia em Salvador. Carlos Eduardo Oliveira Ônibus da empresa BTU: Adesivo com os disque-denúncia e nenhuma câmera de segurança Carlos Eduardo Oliveira E m 2007, houve 1159 assaltos a ônibus em Salvador. Médias aproximadas de 145 por mês, 5 por dia. Enquanto isso, dos aproximadamente 2530 ônibus que circulam diariamente na capital baiana, apenas 721 veículos, ou seja, menos de um terço do total possui câmeras de segurança. Esses são os números registrados pelo Grupo Especial de Repressão a Roubos em Transportes Coletivos (GERRC), atualizados em 28 de agosto, que evidenciam o aumento de 11,9% na incidência de roubos em ôni- bus em relação ao mesmo período no ano de 2006 e questionam a suficiência e a eficácia das câmeras como medida de segurança nos coletivos. Em 1998, um ano antes de o GERRC (da Polícia Civil) e a Operação Gêmeos (da Polícia Militar) começarem um trabalho em con- junto, a média semanal era de 12 assaltos a ônibus. Apesar da considerável queda desses números, os dados fornecidos pelo grupo evidenciam o quadro de insegurança a que continuam submetidos rodoviários e usuários do sistema de transporte coletivo soteropolitano, a exemplo SEGURANÇA Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 do motorista “Carlinhos” Silva, 44 anos, que conta que já foi assaltado quatro vezes. Silva conduz um ônibus da empresa Ondina, sem câmera, e admite a tensão que vive pelo medo de ser assaltado: “a gente anda assustado, às vezes pensa que um passageiro é assaltante, acaba suspeitando, julgando alguém, e não é; às vezes, quando menos se espera...”. Para o motorista, “quando tem blitz, você anda mais seguro, mas só até o próximo ponto”. O universitário Jean Miranda, 26 anos, conta que, durante os nove anos em que utiliza os ônibus na região do Costa Azul, nunca passou por nenhuma blitz. Sobre como se comporta em suspeita de assaltantes no coletivo, Miranda é incisivo: “Quando vejo alguém suspeito, desço no ponto seguinte”. A mesma medida tomou Nilton França, 50 anos, cobrador há 22. França orgulha-se em dizer que nunca passou por uma situação de assalto durante o trabalho. “Houve tentativas, sim, mas eu estava ligado”, ressalva. O cobrador conta que, durante uma suspeita de assalto, chegou a saltar na garagem, obrigando o motorista a cobrar os passageiros que entravam pela porta da frente. “A empresa orienta que não devemos reagir, porém, ao mesmo tempo, temos que pagar pelo prejuízo”, desabafa o cobrador, referindo-se ao fato de que a orientação das empresas é de que os cobradores depositem quantias maiores na gaveta e reservem 50 reais em mãos para troco. Em caso de assalto, o cobrador é obrigado a pagar do próprio bolso a quantia excedente a esse valor. Já Nivaldo Oliveira, 53 anos, conta, também com orgulho, que foi assaltado “apenas duas vezes” em quase 30 anos como cobrador. Sobre a insegurança nos ônibus, Oliveira é enfático: “Se for assaltado agora, eu só posso pedir que levem tudo e que não fique atento: Em todos os ônibus de Salvador estão afixados adesivos com os telefones para denúncia em caso de assalto. Além do número 190, da Polícia Militar, vítimas e testemunhas podem ligar para: * Disque-Denúncia do GERRC: 3312-2961 (recebe ligação a cobrar de celular); * Outros números: 3117-6637 / 3117-6639 / 3117-6642. façam nada com ninguém. A segurança daqui é Deus, primeiramente”. Além de insuficientes, câmeras são alvo de críticas O decreto municipal de junho deste ano que determinou a implementação de câmeras em toda a frota de ônibus de Salvador até 30 de junho de 2008 ainda não surtiu o efeito esperado. Segundo dados da Superintendência de Transporte Público (STP), apenas na primeira fiscalização feita em julho deste ano, foram emitidas 212 notificações às empresas, número que corresponde à meta mensal de equipamentos a serem instalados nos ônibus da capital. Segundo dados do GERRC, existem empresas que sequer têm câmeras de segurança de sua propriedade e utilizam equipamentos da STP, como é o caso da Joevanza, Axé, Praia Grande, Barramar, Vitral e Verdemar. O custo da substituição pelo novo sistema, que grava em HD ou memory card, é apontado pelas empresas como a principal causa para a demora no cumprimento do decreto. No antigo sistema de monitoramento, cabe ao motorista acionar a gravação em situação de assalto, o que deixa o condutor na linha de frente na abordagem dos assaltantes. O novo sistema monitora o veículo em tempo integral, mas ainda não permite que as imagens se- tos, porque são réus primários ou jam enviadas em tempo real ao pagam fiança. Já tivemos caso de assaltante com quatro registros GERRC e à Polícia Militar. Segundo o Sargento Rezen- pelo GERRC. A gente faz a nosde, que faz a comunicação das sa parte, mas a justiça é branda”, ocorrências no GERRC à PM, as lamenta. Para o cobrador França, as câcâmeras ficam em posse das meras “não são postas para fisempresas de ônibus, que encaminham para a Secretaria de Se- calizar os vagabundos, mas para gurança Pública. “João” (nome fiscalizar a gente”. França se refictício), 34 anos, motorista da fere ao fato de que as empresas empresa Barramar, conta que foi monitoram motoristas e cobradoassaltado no trabalho uma vez e res que permitem que passageiduvida da eficácia das câmeras ros peguem carona ou passem de segurança. “Se é que funcio- por cima do torniquete. “Fazem nam. Às vezes é muito fictício”, com que a gente se sinta no luconfessa. “Eu nunca vi a Secreta- gar do vagabundo”, resume. Além da insegurança em reria de Segurança ou a imprensa mostrarem alguma filmagem de lação a assaltos, a rotina de trabalho e o mau tratamento de assalto a coletivo”, explica. A identificação dos assaltan- passageiros são as maiores queites por parte das vítimas e tes- xas, apontadas por motoristas e temunhas quase sempre é feita cobradores. Para França, porém, “o fato de coatravés de cennhecer pessoas tenas de fotoe a possibilidagrafias de detide de fazer boas dos pelo GERRC. amizades” é um Segundo dados Eu nunca vi a Secretaria de ponto positivo do grupo, até o Segurança ou a imprensa da profissão. “É fim de agosto, só neste ano foram mostrarem alguma filmagem o tipo de lugar onde passa da realizadas 227 de assalto a coletivo. doméstica ao prisões de assalAnônimo advogado”, lemtantes a ônibus bra. O cobrador, em flagrante, 58 porém, reclama: “a profissão não armas foram apreendidas e 195 inquéritos foram instaurados. é respeitada, já que temos uma Para Rezende, entretanto, “qua- responsabilidade grande nas se sempre depois que prende- mãos. Estamos lidando com cenmos os assaltantes, eles são sol- tenas de vidas”. 10 faconistas Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Das graxeiras de tempos idos André Setaro S e a Lei Áurea aboliu a escravatura, a abolição ficou apenas no papel, pois continua patente na sociedade brasileira. Mas vou ficar apenas num ponto dessa escravidão, que é o trabalho doméstico, o qual, com raras e honrosas exceções, caracteriza-se pela subserviência, pelo salário ínfimo e pelo suor. O que se segue é uma constatação memorialista de fatos. Se for fazer um juízo valorativo, o que vou contar revela a falta de solidariedade e de respeito em relação ao ser humano. Na década de 60, a classe média vivia em casas e, em Salvador, poucos eram os edifícios de apartamentos. Em 1949, surgiu o Edifício Oceania, no Farol da Barra, nos moldes dos bons prédios do Rio de Janeiro. Houve rebuliço entre os soteropolitanos que iam ao Farol, vindos de bairros distantes para apreciá-lo, como se fosse um espetáculo circense. Neste mesmo ano, Salvador, que tinha dois ou três hotéis habitáveis, viu aparecer o elegante Hotel da Bahia, um acontecimento para a cidade. Mas estou pegando um atalho e me desviando do assunto. Que é sobre as domésticas – há um filme interessante sobre elas, As domésticas, de Fernando Meirelles, o mesmo de Cidade de Deus. No meu tempo, as domésticas eram chamadas de graxeiras, termo desonroso e pejorativo. Pessoas humildes e pobres, geralmente dormindo em quartinhos escuros e apertados nos fundos das casas. Com o passar do tempo, se tornaram auxiliares do lar. A família de classe média preservava as filhas virgens para que somente fossem possuídas depois de casadas com algum bom partido. Os rapazes, para sexuar, no dizer do Dr. Elsimar Coutinho, tinham que se contentar com os prostíbulos da cidade, numerosos e para todos os gostos, e com as graxeiras, que iniciavam muitos jovens dessa classe, obrigadas à servidão do sexuar sob ameaça, inclusive, da perda de emprego. Os pais, tacitamente, concordavam com o fato de que seus filhos as procurassem. Mais importante era a preserva- Piu robano a sena Maurício Tavares N ão, queridos, eu não estoy escrebiendo em italiano. Nem em castelhano. O título deste texto é uma reprodução “ipsis literis’ do nickname de alguém que vi na lista de amigos do msn de um affair que espionei en mi casa. Por ser um rapaz de idade com ares de intelectual, resisti durante muito tempo a usar o msn/orkut por achar que isso não é coisa de gente séria. E que seria uma perda de tempo (quase escrevi “perca”, pq estou me reeducando no Orkut). Mas, resolvi ser um cibercidadão e fazer parte do mundo dos blogs. Só não consegui ainda ser um ativo produtor de flogs. Se me perguntam se tenho flogão, respondo que o meu é de quatro bocas e é Dako. O trocadilho é só com as quatro bocas. Apesar de em informática não ser up to date, também não sou um rabugento que se escandaliza com a linguagem dos chats e conversas online. Mas a incapacidade que alguns têm de escrever em português compreensível me deixa irritadinho. Tentei conversar no msn com um rapaz que não conheço e descobri que seria mais fácil conversar com alguém em francês. Ele iniciou a conversa com um “colé”. Como não gosto de mimetizar o que se convencionou chamar de linguagem jovem, respondi com “qual é a sua?” Pra minha surpresa, meu interlocutor não entendeu a pergunta. Mudei a cor do texto para verde e ele teve um insight (ou uma epifania) e respondeu “agora estou entendendo” (escrito de outra maneira , é claro). Comecei a me perguntar se ele era um leitor fanático do livro ção da virgindade das moças. “Eu comi a graxeira de sua casa!”, dizia um rapaz a outro, estabelecendo uma certa disputa. Mas havia as mais recatadas, que sonhavam com seu príncipe encantado e sofriam o assédio, a perseguição e, mesmo, a perda do emprego. Na sociedade machista dos anos 60, o que valia era a virilidade exposta, não importando se as ditas graxeiras, fossem humilhadas. Esse tempo passou, embora a condição da empregada doméstica continue grave. Mas a liberdade sexual de hoje não permite mais o assédio às chamadas graxeiras que, inclusive, não mais assim são chamadas. Houve, porém, uma época na qual eram o escoadouro da virilidade masculina dos jovens de classe média, a mais imbecil de todas, em minha opinião. Embora pertencente a ela sob o prisma da renda, sou um outsider. Sim, cheguei a me permitir essa monstruosidade e conheci, na juventude, para minha vergonha, algumas graxeiras. “A linguagem das cores”. É claro que eu estava viajando como um mochileiro das galáxias. O rapaz tinha dificuldades de entender e compreender português mesmo. Passei os olhos na lista de amigos do meu amigo e entendi que a dificuldade de escrever na última flor do Lácio era regra geral naquele ambiente. Acabei colecionando frases de identificação usadas MSN, todas do mesmo quilate de “piu robano a sena”. Algumas, além de escritas de forma peculiar, apresentavam construções complicadas e de difícil apreensão. Uma garota se apresentava como lema: “a esperança é dinâmica e sinonima da sorte sempre está oculto quando lutamos emcontramos”. Passei dias tentando decifrar o aforismo. Quebrei a cabeça pra entender quem estava “oculto” e quem era a “sinonima”. Desisti. Acho que a garota deve ser considerada um crânio no meio da roda dela (com cacófato e tudo). Seria uma máxima moral ou indiciava que ela deveria ser lida como uma adivinhação? Peço que a adicionem no msn e tentem resolver essa questão pra mim. Não pensem que só vejo problemas em pessoas analfabetas funcionais. Entrei na comunidade da Facom no Orkut e fiquei estarrecido com a indigência verbal dos seus membros. Em duas ou três páginas de comentários as pessoas repetiam “calouro vai morrer” e pequenas variações do mesmo tema. Quando os calouros, coitados, respondiam às intimações eram advertidos de que eram muito “osados”. Sei que isso é uma brincadeirinha, mas não dava pra ser mais criativo? Tem muita gente usando a internet como desculpa para a dificuldade de escrever na língua padrão. E tem muita gente escrevendo sem ter nada a dizer. Um filósofo alemão já disse: “quando não se tem o que falar, é melhor calar”. A língua é dinâmica. E a burrice é estática e eterna. TECNOLOGIA Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 11 Lan house é a onda do momento nas periferias É cada vez maior o número de casas de acesso a internet em comunidades de baixa renda Marileide Alves Álvaro Andrade N os bairros periféricos de Salvador, o fenômeno da proliferação de casas de acesso pago à internet, as lan houses ou cybers café, fazem sucesso entres jovens interessados em jogos eletrônicos e sites de relacionamentos. As “lans”, como são chamadas pelos usuários, surgiram na Coréia do Sul em 1996. No Brasil, as casas só vieram a se instalar dois anos mais tarde. Na Bahia, as lan houses se espalharam por toda capital e interior do estado. A Junta Comercial do Estado da Bahia contabiliza mais de duzentos espaços de acesso à internet nas periferias de Salvador e mais de mil em todo o estado. Porém, este número subestima a quantidade de casas que oferecem o acesso informal, não aferida pelo Junta Comercial do Estado. Os bairros populosos, próximos ou afastados do centro da cidade, a exemplo do Subúrbio Ferroviário e Pernambués, são os que possuem uma maior concentração de lan houses. A maioria do público freqüentador é formada por crianças e adolescentes, em sua maioria do sexo masculino. Nestes estabelecimentos, os jovens acessam e-mails, sites de relacionamentos como Orkut, salas de bate-papo e webgames durante duas ou três horas, em média. Aqueles games que permitem ao usuário jogar em rede são os mais procurados, como os de guerra (Control Strike), de gangues Nas lan houses suburbanas, usuários acessam a internet por, em média, R$ 1,00 a hora (GTA), automobilismo (Need for Speed) e futebol (FIFA). Para Lucas Dias, 13, “poder jogar na companhia de seus amigos é mais emocionante”. Bom negócio O preço médio de R$ 1,00 a hora faz com que estes espaços raramente estejam vazios. É possível encontrar promoções, como em uma lan house de Fazenda Coutos: R$ 0,50 a hora. Segundo Clara da Silva, cujo marido é proprietário de uma casa de jogos em Periperi, “apesar dos baixos preços cobrados, dá pra pagar todas as contas, funcionários, e não ficar no prejuízo”. Já nos bairros de classe média, de maior poder aquisitivo, o valor cobra- do por hora varia entre R$ 3,00 e 5,00. O crescimento de cibercafés na Avenida Suburbana é perceptível. Para não perder seus espaços comerciais, antigos proprietários de casas de fliperamas reestruturaram seus estabelecimentos, transformando-os em lan houses. Esse é um dos fatores que justifica o aumento considerável na região. Para o professor da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Antonio Carvalho Cabral, estudioso de cybercultura, o fenômeno das lan houses em comunidades periféricas brasileiras é um processo em que crianças e adolescentes pobres acessam tecnologias de informática com a mesma intensidade que um jovem de qualquer parte do mundo. A facilidade de acesso a estas casas ajudam a explicar a proliferação de “lans” e cibercafés em bairros populosos e pobres. Leis municipais e estaduais já regulamentam a instalação de lan houses, enquanto uma proposta de emenda constitucional tramita pela Câmara dos Deputados. O projeto de Lei nº 6.731 de 2006, proposto pelo deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), foi apresentado pelo Sindicado dos Proprietários de Lan Houses, Games e Cyber Net do Estado de São Paulo (Sinprolan) e visa regular o controle na abertura desses tipos de estabelecimento. 12 TECNOLOGIA Morador da rede Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Experiência de mendigo conectado ilumina debate sobre inclusão digital Tiago Canário Albuquerque, há três anos nas ruas, possui página virtual que acumula mais de 3000 visitações Rodrigo Sombra Q uando índios blogueiros reescrevem sua história na rede, ou guerrilheiros zapatistas espalham no cyberespaço suas missivas antiimperialistas, um morador de rua ostentar domínio e e-mail em seu nome já não é motivo para maior estranheza. Visto através da paisagem de mendigos do centro de Salvador, Carlos de Albuquerque, 36 anos, ainda desfila como uma avis rara. Sibilando alguma canção americana, o ex-cantor profissional, hoje residente em um canteiro no Largo dos Aflitos, perambula diariamente com o bolso entulhado de panfletos e a língua sempre a postos para fermentar o boca-a-boca positivo sobre sua página virtual. “carlosdealbuquerque.com“, responde de imediato ao per- guntarem seu nome. Acrescentar à reposta o complemento típico dos sítios eletrônicos, para além do apelo marqueteiro, revela, num segundo momento, o quanto a inserção de Albuquerque no universo das pontocom está intimamente ligada a sua biografia marginal. Após circular exaustivamente pelo interior do estado como vocalista em bandas de formatura, Carlos foi encontrar abrigo nas calçadas da capital, onde pernoita rotineiramente há pouco mais de três anos. Figurinha carimbada no circuito cultural da cidade desde então, descobriu nos centros gratuitos de acesso digital uma janela de arestas largas para sua energia criadora. “Eu comecei na internet através dos infocentros. Daí, procurei composições na internet, ouvi arranjos, entrei em contato com músicos, divulguei minhas letras e textos. Fui fuçando tudo e por último resolvi fazer o site”, diz, puxando pela memória seu itinerário na web. Inaugurada há apenas quatro meses, sua página pessoal já recebeu mais de 3000 visitas, e oferece desde gravações suas disponíveis para download a escritos difamatórios contra instituições religiosas. “O ‘pessoal de rua’ não tem acesso à rede. Uns não vão porque se sentem muito discriminados, outros porque não se interessam mesmo. A maioria não sabe o que é um site, um blog, um e-mail”, relata Albuquerque, para quem os programas de inclusão digital ainda não alcançam esse contingente especial de infoexcluídos. De acordo com a Secretaria de Ação e Trabalho Social do Estado (Setras), 850 pessoas moram nas ruas de Salvador, conforme estimativa realizada há cinco anos. A doutoranda em educação Telma Britto Rocha, que participou de uma pesquisa sobre os Tabuleiros Digitais, projeto de inclusão sociodigital da Faculdade de Educação da UFBA, afirma desconhecer qualquer iniciativa específica no sentido de aproximar quem vive nos logradouros da cidade ao contato com a internet. Desigualdade na rede O recém divulgado Mapa das Desigualdades Digitais no Brasil revela alguns resultados controversos dos projetos de disseminação gratuita de acesso à web. Promovido pela Rede de Infor- mação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), com apoio do Ministério da Educação, o estudo afirma que apenas uma parcela de 0,9% da população baiana de baixa renda acessa a rede gratuitamente, contra 3,8% da população de renda mais alta, números incongruentes com o objetivo desses projetos de incluir setores com escassas ou nulas condições de uso da internet. O Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Doriedson de Almeida, observa que as políticas públicas e os esforços neste sentido são louváveis, mas ainda estão longe de serem adequadas. “Além das redes de transmissão de dados não se conectarem com as regiões mais pobres, os órgãos aplicam recursos de forma inadequada e de maneira desarticulada com as realidades e especificidades regionais”. “A minha história se tornou muito forte, causa impacto nas pessoas. Daqui pra frente, os moradores de rua serão divididos entre antes de mim e depois de mim”, profetiza o cantor. Analisada isoladamente, a experiência de Carlos pode até soar como uma anedota otimista do acesso à internet como forma de iluminar o pensamento criativo dos infoexcluídos. Confrontada com estatísticas desanimadoras e a marginalização extrema de quem vive nas ruas, ela se afigura muito mais como um episódio incidental do que aponta para uma tendência em curso. Para mais informações sobre Carlos de Albuquerque, acesse www.carlosdealbuquerque.com, ou através do e-mail [email protected]. TECNOLOGIA Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 13 Óleo de licuri na dieta de caprinos promete revolução no semi-árido Pesquisa da Faculdade de Veterinária da Ufba busca alternativa para melhorar o desempenho produtivo e reprodutivo de caprinos na Bahia Pablo Barbosa A pesar de ser o estado brasileiro com o maior rebanho de caprinos, a Bahia peca quando o assunto é qualidade. A informação é da doutora em zootecnia e pesquisadora do Laboratório de Nutrição Animal (Lana) da Faculdade de Veterinária da Ufba, Larissa Pires, que a partir de outubro desenvolverá uma pesquisa durante três anos que promete, a longo prazo, reverter esse quadro. Com um projeto que busca melhorar o desempenho produtivo e reprodutivo de caprinos ¾ Boer através da introdução de óleo de licuri (Syagrus Coronata (Martius) Beccari) na dieta dos animais, os resultados esperados são os seguintes: “Acreditamos que os animais consigam um ganho de peso maior com um custo de produção menor, com uma melhora na qualidade da carne e da carcaça e que a concentração de CLA (Ácido Linolêico Conjugado), que é importante para a saúde humana, seja ampliada”, destaca Pires. Em contraste com a realidade do semi-árido baiano, onde a maior parte do rebanho caprino combina a criação extensiva com a baixa qualidade genética, geralmente sem raça definida, o projeto analisará o desempenho produtivo e reprodutivo de animais confinados e de genética diferenciada, com 75% de pureza, cujo contexto é típico da região Sudeste. Apesar dessa constatação, o doutor em zootecnia e coordenador do Lana, Ronaldo Oliveira, pondera que a comparação com a região Sudeste não deve ser feita de modo direto. “Quando um produtor do São Paulo decide criar um rebanho de caprinos ele faz uma seleção genética porque o rebanho é pequeno, mas como aqui há uma aptidão natural e o rebanho é bem maior, é natural que existam mais animais de baixa qualidade genética”, destaca. “Mas isso não quer dizer que não temos animais de excelente qualidade que se equiparam aos deles”, completa o pesquisador. Cronograma Larissa Pires explica que o projeto é dividido em duas etapas e busca, basicamente, analisar o desempenho produtivo e reprodutivo observando as condições de confinamento e seleção genética. Na primeira fase, com início em outubro deste ano, serão estudados 20 cabritos recém desmamados através do acompanhamento de indicadores, tais como, ganho de peso, conversão alimentar, características da carcaça e digestibilidade. Após 60 dias de análise os animais serão abatidos e serão colhidas amostras para análise laboratorial. A segunda etapa, com início em meados de 2008, prevê outro tipo de abordagem. Com 20 cabritos machos adultos, o foco será a relação da nutrição com a qualidade reprodutiva. “Através da introdução de quatro níveis de óleo de licuri na dieta faremos uma avaliação do sêmen quanto à qualidade e a produção espermática”, diz. De acordo com Pires, uma das fases mais importantes será a análise do plasma seminal em relação ao processo de congelamento, ou seja, há pesquisas que apontam uma relação entre a composição do plasma e a preservação das qualidades do sêmen mesmo após o descongelamento. Ainda segundo a pesquisadora, o último procedimento será a análise da fertilização de 200 cabras de pequenos produtores da região de Uauá como parte do estudo da melhora genética dos animais. Os resultados dos ensaios de desempenho produtivo e reprodutivo serão confrontados de maneira a escolher o tratamento que melhor atenda a ambos os parâmetros. Custos Orçado inicialmente em R$ 52 mil para os três anos de pesquisa, o projeto sofreu ajustes e reduziu-se a exatos R$ 39.559,00 para ser executado entre outubro deste ano e dezembro de 2009. Pires comenta que apesar do corte de quase 24% no projeto, isso não atrapalhará a condução da pesquisa que tem o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) através do edital Prodoc. A pesquisadora explica que o edital Prodoc é um programa ativo desde 2002 que visa atrair e estimular pesquisadores-doutores para desenvolver pesquisa científica, tecnológica e/ou de inovação no Estado da Bahia. Entretanto, quem deseja se habilitar a concorrer às bolsas deve ficar atento para algumas dicas. “Para aprovar um projeto ele tem que ter um forte apelo regional. A escolha do óleo de licuri não foi à toa. A Bahia é o maior produtor do país na forma nativa e ao analisar o subproduto identificamos um alto valor energético. Além disso, o status de maior rebanho caprino do país foi levado em consideração”, ressalta. Outra informação importante é a exigência de um orientador em uma instituição local para acompanhar o desenvolvimento da pesquisa. “Quando o Ronaldo Oliveira me convidou para voltar à Bahia após 15 anos fora, formatamos um projeto que combinou a experiência dele em nutrição com a minha em reprodução”, afirma. O estudo será coordenado e gerenciado pelo Departamento de Produção Animal da Escola de Medicina Veterinária da UFBA, mas contará com o apoio intelectual de outros pesquisadores que trabalham na área de caprinocultura da EMBRAPA Semiárido-Petrolina-PE, da UNEB-Juazeiro, do Departamento de Zootecnia da UFRB-Cruz das Almas e também em conjunto com outros departamentos da própria instituição. A EBDA cederá o cromatógrafo para utilização, com reagentes e colunas providas com recursos do projeto. Na UFV serão efetuadas as análises de progesterona também com reagentes e material de consumo adquiridos com recursos do projeto. Para maiores informações entrar em contato através do email [email protected] ou do telefone do Lana (71) 32836716. 14 CULTURA & ARTE Por trás dos projetores A escolha da programação nos cinemas da cidade Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Álvaro Andrade Tiago Canário O consumo com cinema representa aproximadamente 22% dos gastos culturais com saídas das famílias brasileiras. De acordo com dados da publicação Cadernos de Políticas Culturais, lançados em abril deste ano pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em parceria com o MinC (Ministério da Cultura), são movimentados em todo país R$ 1,23 bilhão por ano. Pensa-se, no entanto, muito pouco em relação à estruturação da programação das grades cinematográficas. Em Salvador, as filiais dos três grandes complexos cinematográficos - Cinemark (Salvador Shopping), UCI (Aeroclube Plaza Show) e Multiplex (Shopping Iguatemi) - totalizam, juntas, 30 salas de exibições, mais da metade das salas da cidade, um número próximo a 50. Tais cinemas, no entanto, associados a redes internacionais, não possuem autonomia para escolha de sua grade, como explica Laura Bezerra, gerente de bilheteria da filial soteropolitana do Cinemark. Controlando o funcionamento destas salas, há uma específica lógica empresarial: com sede nacional e escritório geral em São Paulo, no caso da rede Cinemark, a programação é determinada na capital paulista e segue pronta, semanalmente, para as oito salas de sua filial baiana, juntamente às cópias dos filmes. Estes, porém, nem sempre cir- Biblioteca Pública dos Barris: localização das salas Walter da Silveira e Alexandre Robatto culam por todas as filiais do complexo. O escritório paulistano determina quais entrarão em cartaz em cada um dos complexos nacionais e em quantas salas. Em tais momentos, explica Laura, a parceria com os gerentes gerais de cada filial se resume, por exemplo, à informação sobre a preferência entre as cópias dubladas e legendadas ou entre os gêneros (comédia, drama, etc.) mais consumidos. Baseado nestas preferências, o escritório geral define as grades de cada cidade. A rede, lembra Laura, é uma empresa e, como tal, busca o lucro. Ainda assim, há tentativas de unir o interesse econômico a programas de incentivo à cultura, como o Projeta Brasil, quando, uma vez por ano, o dia é disponibilizado para exibição de uma grade inteiramente nacional, com filmes produzidos no país (projeto sem data determinada para a filial baiana até a data de fechamento da matéria). Alternativas Os cinemas de outros shopping centers, como Ponto Alto (av. São Rafael), Lapa (Piedade) ou Barra, estruturam-se em uma ou duas salas que, em sua maioria, exploram a mesma linha de filmes. A diferença, no entanto, se dá em relação aos ingressos que, algumas vezes, chegam a custar menos de um quarto daqueles oferecidos nos grandes complexos. O circuito Sala de Arte, dividido em cinco salas espalhadas entre o Av. Contorno (Cinema do MAM – Solar do Unhão), Vitória (Cinema do Museu e Cinema da Aliança Francesa), Vale do Canela (Cinema da Ufba) e Pelourinho (Cine XIV), procurado pela redação do jornal, não quis colaborar com a reportagem. As salas Walter da Silveira e Alexandre Robatto, localizadas no prédio da Biblioteca Central dos Barris (Centro da Cidade), ligadas ao Estado, revelam-se as mais cuidadosas com a oferta de filmes. Sob curadoria do jornalista e crítico de cinema Adolfo Gomes, as salas são, como explica, essencialmente responsáveis pela difusão de filmografias inéditas, de difícil acesso para a população ou, sobretudo, sem distribuição comercial garantida. A importância das salas no âmbito cultural se resume quando Gomes, enfático, afirma: “É preciso provocar o público”. Por limitações de ordem burocrática e financeira, impostas pela Lei de Responsa- CULTURA & ARTE Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 bilidade Fiscal, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para uma gestão fiscal responsável e para o equilíbrio das contas públicas, Gomes admite a dificuldade de articulação com as empresas distribuidoras dos filmes. O incômodo é dado pelo ritmo da administração estadual, pois, a respeito do uso de dinheiro público, a estrutura jurídica do Tribunal de Contas exige o uso de licitações para as movimentações financeiras. No campo do cinema, como cada obra tem seus direitos detidos por uma empresa específica, torna-se impossível a existência de outras propostas para análise. A série de justificativas que possibilitam a dispensa do uso de licitações consiste em um processo geralmente demorado, ritmo de trabalho que desagrada parte das distribuidoras. Em vista disso, o grande número de articulações com consulados e produções independentes. O estilo de curadoria praticado em ambas as salas se aproxima, como solução, daquele realizada por cinematecas. Lado B Não obstante, Adolfo Gomes reconhece que haja carência de cinefilia. O público em geral, como diz, preocupa-se pouco com o que chama de lado B das filmografias nacionais, apegando-se basicamente às obras produzidas dentro do lugar-comum fílmico de cada país, como a comédia espanhola ou a introspectividade francesa. O desdém a esta “outra cinematografia” se estende, ainda, aos diretores pouco conhecidos, como se o público se apegasse aos já consagrados ou “aprovados”. Como conta, boa parte prefere assistir a um filme antigo que já viram e gostaram do que “arriscar” um novo em cartaz. Considera, por isso, as salas Walter da Silveira e Alexandre Robatto como fundamentais para instigar o público, divulgar o cinema com pouco espaço na cidade (incluindo exibições inéditas) e fomentar a discussão sobre o cinema, como a partir do projeto Quartas Baianas, que aproxima os realizadores de audiovisual baianos do público, em sessões gratuitas, às quartas-feiras, com filmes e vídeos produzidos no estado. A realidade, porém, conforme estudos do MinC, divulgados nos Cadernos de Políticas Culturais, é que apenas 14% dos brasileiros vão, com alguma freqüência, ao cinema; enquanto 60% da população nunca foi a um. Sobre o consumo de cinema atual na cidade, a situação é contraditória. As salas do circuito alternativo, que oferecem entradas a baixos preços (R$4,00 a R$6,00, na Walter da Silveira) ou mesmo exibições gratuitas (Alexandre Robatto), não conseguem atrair o público, tanto quanto os cinemas do circuito comercial, como salientam Igor Cruz, gerente das salas ‘Walter’ e ‘Alexandre’, e Emanuel Roxo, programador de exposições. A primeira, com capacidade para 200 pessoas, possui um público mensal estimado de 750 espectadores. Já a outra, com 72 cadeiras (não as habituais poltronas), recebe 2700 por mês. Em comparação, a filial da rede Cinemark, em agosto, seu segundo mês de funcionamento na cidade, vendeu pouco mais de 82 mil ingressos, a preços entre R$11,00 e R$17,00. Quanto à arrecadação da Walter da Silveira (destinada para o pagamento das distribuidoras e para despesas da DIMAS, Diretoria de Artes Visuais e Multimeios da Fundação Cultural do Estado da Bahia, órgão da Secretaria da Cultura e Turismo 15 responsável pela gerência de ambas as salas), oscila fortemente, como entre os meses de Janeiro, R$4.136,00, e Julho, R$1.170,00, deste ano. A diferença se dá por conta das eventuais mostras recebidas pela sala, de entradas gratuitas, ou o fracasso de certos filmes, que não têm um espectador se quer em algumas de suas sessões. Assim, as salas se mantêm freqüentadas por espectadores cativos em busca de uma diferenciação dentro do panorama de cinemas baianos. Como opina a estudante de psicologia Camila Vilarinho, 19 anos: “a sala ‘Alexandre’, apesar da estrutura física e tecnológica serem limitadas: sala de projeção somente para vídeo – formatos DVD, VHS, MiniDV, DVCam e Betacam com sistema analógico – e poucas cadeiras, cumpre bem seu papel no que diz respeito à ‘qualidade’ dos filmes, como a ‘Walter’. “Gosto porque trazem um conteúdo que não chega ao conhecimento do grande público com a mesma força que as salas comerciais possuem. Há uma melhor qualidade tanto de filmes estrangeiros quanto nacionais”, comenta Camila. Tiago Canário Em seu segundo mês na cidade, filiada a rede Cinemark atrai público de 82 mil pagantes 16 capa Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Elos de uma cidade partida, as empregadas domésticas cruzam diariamente espaços físicos e culturais, costurando mundos opostos e misturando referências. Álvaro Andrade Elos invisíveis ent Álvaro Andrade Janira Borja T odas as manhãs, Maria de Fátima enfrenta o longo percurso entre Fazenda Grande, onde vive com dois filhos, e Morro do Gato, bairro onde trabalha. Antes das 6h, o ponto de ônibus está cheio de trabalhadoras domésticas como ela, que aguardam condução para seus vem o café da manhã, limpam a locais de trabalho, onde chegam casa, arrumam, lavam, passam, a tempo de ainda servir o café da cozinham e tomam conta das manhã. Pela janela do ônibus, a crianças. No fim do dia, voltam mudança da cidade é facilmen- às suas casas e encaram uma te percebida: o traçado caótico realidade completamente diferende casas pequenas e apinhadas, te. Vivem a condição ao mesmo ruas estreitas e minúsculos esta- tempo privilegiada e perversa de belecimentos comerciais vão len- conectar dois mundos. Classes tamente dando lugar a prédios e sociais, padrões de consumo, hávias mais largas. Já no Morro do bitos, perspectivas e sonhos diviGato, somente Fátima e outras dem patroas e domésticas. Fátima empregadas domésticas sobem reconhece estas diferenças. Há a ladeira ainda cinco anos tradeserta a essa balhando numa hora do dia. Os mesma casa, a edifícios residenrealidade dos ciais dominam bairros é uma a paisagem. Em O serviço doméstico é o setor das coisas que Fazenda Grande, que mais emprega mulheres na mais chamam as ruas já estão sua atenção. “Lá capital baiana movimentadas onde eu moro de transeuntes, tem mais movicomerciantes e trabalhadores. mento. Se eu for assaltada aqui A rotina de Fátima é bem pare- não posso nem gritar porque não cida com a de 120 mil trabalhado- tem ninguém na rua, a não ser os res domésticos em toda Salvador porteiros”. A geladeira frost-free e Região Metropolitana. Exercem que exibe orgulhosa em sua casa diariamente um trabalho pouco foi dividida no cartão da patroa. A reconhecido e quase invisível. Ser- relação entre os vizinhos também “ 1 é diferente. “Eles não procuram se envolver. Aqui no Morro do Gato é cada um na sua e acabou”. Para o sociólogo Roberto Albergaria, as trocas culturais são desiguais. “As influências se dão muito mais de cima para baixo. Isso pode ser observado nos hábitos de consumo adquiridos pelas empregadas, por exemplo, de eletrodomésticos e roupas”. Marinalva de Deus Barbosa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Salvador (Sindoméstico), conta que grande parte das empregadas passam a desejar o modo de vida das famílias para as quais trabalham. “Muitas delas querem usar o celular, as roupas que a patroa usa e vão se endividando naquele sonho de consumo”. Albergaria afirma que a convivência entre duas culturas tão diferentes pode ser devastadora. “Há uma extrema proximidade micro social e afetiva, mas uma distância cultural enorme, o que causa uma confusão psicológica, principalmente nas adolescentes que vêm do interior para traba- lhar na capital. Essa contradição destrói a identidade da pessoa”, declara. Meninas do interior Marinalva, que veio da zona rural de Maragojipe aos 14 anos para trabalhar numa casa, teve que lidar com um mundo completamente desconhecido. “Eu não sabia fazer nada, nem olhar panela de pressão. Tudo era um choque, o elevador era um choque, eu não sabia atravessar a rua para ir ao mercado”. Marinalva, que não tinha registro de nascimento e pegava ônibus pela cor, aprendeu a ler e teve que cuidar de uma casa ainda criança. O pagamento, inferior a um salário mínimo, era feito à irmã e esporadicamente. Nas casas onde trabalhou, ela aprendeu a cozinhar, fazer o trabalho doméstico e recebeu apoio para estudar. Depois de 20 anos de profissão, ela não esqueceu sua origem. “Eu consegui manter minha identidade. Eu sou pobre, não posso ter o que eles têm, mas posso viver bem. Eu consegui não capa Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 entre dois mundos Senzalas Modernas Anália só sai de casa para comprar o pão pela manhã. Durante o dia, toma a conta da patroa idosa e cuida dos afazeres domésticos. À noite, apesar de assistirem a mesma novela, não dividem o mesmo espaço. Anália fica no quarto de empregada, um ambiente de aproximadamente 6 m2. “Dentro do quarto eu não me sinto bem. A gente fica muito só aí dentro, nesse lugar apertado, ainda mais que eu sou alérgica”, afirma. Creuza Maria Oliveira, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos (Fenatrad), clas- 1. Creuza Maria, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos 2. Maria de Fátima, doméstica 3. Anália Mercês da Silva, doméstica 3 2 me deslumbrar com aquelas coisas, nem desejei usar o que eles usam”, conta a ex-empregada. Ainda é comum que as famílias mandem buscar meninas no interior para trabalhar em suas casas, com a desculpa de ‘criá-las’. As empregadas chegam ainda crianças e têm que enfrentar responsabilidades de adultos e longas jornadas de trabalho. História semelhante viveu Anália Mercês da Silva. Com 26 anos de trabalho doméstico, também veio pequena do interior e teve que se adaptar ao modo de vida dos lugares onde serviu. “Tudo que eu aprendi foi com minha patroa. Eu vim da roça e lá a gente não aprende nada”. Há vinte anos trabalhando num mesmo lar, ela acompanhou a história da família, viu o crescimento dos filhos da dona da casa e o nascimento dos netos. Apesar da proximidade inevitável, quando patroa e empregada saem do prédio, pegam elevadores diferentes. Exigência da patroa. 17 sifica os quartos de empregada como ‘senzalas modernas’. “Essa relação de morar no mesmo local de trabalho acaba com qualquer auto-estima e cidadania. Quando você mora fora da casa dos seus patrões, você convive com outros trabalhadores, pega ônibus, vive a realidade do bairro”. Os quartos de empregada materializam a situação das domésticas nas famílias: ao mesmo tempo em que estão naquele espaço, não fazem parte dele. “Ao invés de ser o local da privacidade, é o local da privação”, afirma Marinalva. Isoladas em seus quartos, as domésticas são apartadas do convívio da família e amigos. Muitas delas não conseguem estabelecer vínculos nem vida paralela à rotina do trabalho. O direito à habitação própria é uma das lutas do Sindoméstico e da Fenatrad. Residir no local do emprego torna difícil delimitar a jornada de trabalho e estabelecer relações mais profissionais. Imersas no ambiente familiar, os limites entre trabalho e amizade são vagos. Na opinião de Albergaria, “a relação patroa – empregada é um jogo de simulação e sedução recíproco, um simulacro de amizade impossível”. Segundo dados do sindicato, o serviço doméstico é o setor que mais emprega mulheres na capital baiana, que representam 93,1% do total de trabalhadores. O fator racial é preponderante. Das seis capitais estudadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas em São Paulo e Porto Alegre os negros ou pardos não são maioria. Com 91,9% de trabalhadores domésticos afrodescencentes, Salvador apresenta o maior índice do país. A profissão só foi regulamentada na Constituição de 1988, assegurando conquistas como férias, décimo terceiro salário, folga semanal, aposentadoria e licença-maternidade. Apesar disso, o empregado doméstico ainda não tem todos os direitos trabalhistas previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As principais lutas dos sindicatos são o direito ao FGTS obrigatório, regulamentação da jornada de trabalho e formalização do mercado de trabalho. 18 capa Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Para cuidar dos filhos das patroas, domésticas relegam cuidados aos próprios filhos Álvaro Andrade Ive Deonísio A s mães de classe média admitem a necessidade absoluta do trabalho desempenhado pelas empregadas domésticas para se inserirem no mercado profissional. Edna Campos, gerente de projetos de uma empresa multinacional, afirma que as profissionais do lar, como são chamadas por algumas pessoas, são essenciais: “Como trabalho fora, não consigo viver sem elas”. Joana Francisca dos Santos, 38 anos, mora em Pituaçu, trabalha a semana toda como babá, além de ajudar a doméstica da residência onde trabalha em alguns afazeres domésticos. Como dorme no trabalho, reserva o único tempo livre, os sábados à tarde e os domingos, para cuidar de sua própria casa e visitar a filha Jocilene. Joana cuida de Sofia, cinco anos, e Guilherme, dois anos. Ela afirma que o cargo de “segunda mãe” exige grande responsabilidade. “Eu já criei muitas crianças, mas filhos mesmo, eu tenho três. O mais novo é Luís, que tem 10 anos e mora no Imbuí, tem Alexandra que se formou em medicina e Cris que vai prestar vestibular pra direito.” Esses três “filhos” aos quais ela se refere são crianças de quem ela cuidou e cujas famílias ainda visita. Para Joana, o mais importante é quando a criança reconhece o seu empenho. “Tem muita gente que não tá nem aí, não dá valor, trata mal”, relata. “Mantenho uma relação de amor maternal mesmo. Me dou muito bem com ela desde sempre. Quando criança, dormi várias vezes na casa dela, então tenho todo um envolvimento na sua vida”, afirma Gabriel Nery , 18 anos, que reconhece a significação do tempo em que foi educado por Deuzuirta, babá da família há duas gerações. Ele não aprendeu com ela apenas o humor fino para pregar susto e varrer uma casa (quando criança ganhou uma mini vassoura porque não largava a da babá), diz que Deuzuirta foi fundamental para a formação de seu caráter. A realidade da criança pobre que não conta com a presença da mãe porque esta trabalha como empregada doméstica para sustentá-la versus a criança de classe média que possui duas mães, a biológica e a babá, já foi abordada em peças e filmes. Recentemente, o jornalista Caco Barcelos tratou do assunto no espetáculo teatral Osama, o homem-bomba do Rio, e o cineasta Walter Salles o fez em um dos episódios que compõem o filme Paris, te amo (Paris, je t’aime, 2006). Gabriel Nery, educado por doméstica, reconhece relação de amor fraternal O outro lado O fato é que a realidade não é sempre tão encantadora. Ana Angélica de Jesus Brandão, 47 anos, nunca ouviu nenhum tipo de queixa por parte das patroas com relação à sua função de babá, mas não encontrou compreensão quando a filha esteve doente. “No quarto dia que faltei o trabalho, fui demitida por telefone. Eu estava com minha filha de dois anos no posto médico, minha patroa disse que ela tinha arranjado uma que dormisse no trabalho”. Apesar de por vezes não encontrar apoio dos patrões, ela sempre dispôs de carteira assinada e, na época da gravidez, recebeu a licença maternidade. Luciene Silva, 36 anos, se considera uma “operária padrão” e se diz perfeccionista no cuidado da casa e dos três filhos. Por isso, dedica as terças e quintas-feiras para administrar o próprio lar. O filho mais velho, Rogério, 15 anos , cursa, há três anos, a 5ª série e quer seguir carreira no futebol. Luciene não gosta, mas aceita: “Se for a vontade dele...”. Já Ramon e Renan, 10 anos, gêmeos, cursam a 2ª e a 3ª séries, querem ser bombeiro e motorista de ônibus, respectivamente. Luciene, convicta, explica que a profissão de doméstica não recebe o devido respeito e o salário irrisório não compensa o sofrimento com as ameaças e o desrespeito. Porém, como é separada e chefe de família, precisa do dinheiro. “A gente que tem filho tem que agüentar mesmo”, indica. Marineuza Machado, 26 anos, trabalhou até o último dia antes de ter Leandro, 5 anos. Seus patrões a levaram na maternidade, acomodaram-na no resguardo na própria casa e tratam a criança como se fosse neto, ajudam a criá-la.”Ela é minha segunda mãe”, diz, referindo-se à patroa. Apesar da ajuda, Marineuza afirma que é complicado cuidar da criança e trabalhar. “Tenho muito trabalho, Léo reclama da minha falta. ‘Mamãe precisa trabalhar’, eu falo. Se eu soubesse que ter filho dava tanto trabalho eu nunca ia querer ter”, desabafa. capa Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 19 Casa grande e senzala Ive Deonísio Com exceção de Marineuza, todas as entrevistadas, de certo modo, reproduzem em suas vidas parte daquilo que vivenciam na casa dos patrões: pagam a uma jovem do bairro ou alguém mais próximo da família para tomar conta do filho, enquanto elas próprias cuidam da casa e da criança de outra pessoa, o que indica que as reminiscências do regime escravocrata não estão impregnadas apenas nas práticas e nos modos de vida da classe média. No Brasil, o serviço doméstico, para os senhores da Casa Grande, teve seu advento com o uso da mão de obra indígena, mas se consolidou com os negros africanos. As amas-de-leite influenciaram de forma decisiva a criação do iô-iozinho: os personagens principais das historinhas eram bichos folclóricos da mata, as canções de ninar entoadas em Yoruba até as primeiras palavras de um português, gramaticalmente incorreto, eram ensinadas pelas babás negras. A criação da ama, por vezes, disputava com a da mãe biológica, como relata Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala: “Os cuidados profiláticos de mãe e ama confundiram-se sob a mesma onda de ternura maternal. Quer os cuidados de higiene do corpo, quer os espirituais contra quebrantos e o mau-olhado”. As mães pretas eram tidas como símbolo de benevolência, da “escravidão adocicada”, porém, como hoje, cuidar do filho branco significava renunciar em parte ou totalmente à criação do filho biológico, que, em alguns casos, era vendido. Segundo a pesquisadora Miriam Moreira Leite, no livro Retratos de Família, acontecia no tempo da escravidão uma situação análoga à das babás que hoje deixam os filhos em outros lugares para cuidar das crianças de classe média e classe média alta. “Além de privar os filhos de seu leite, as amas-de-leite eram exploradas fisicamente ao máximo, tanto quando eram alugadas a instituições para amamentar diversas crianças, como pelo período prolongado que se exigia que Barriga cabeluda no fogão Bruno Santana O clima tranqüilo de fim de tarde do bairro do Tororó, em Salvador, é quase imbatível. Na pequena rua que abriga uma série de repúblicas estudantis de municípios do interior do estado, apenas um sujeito é capaz de desafiar a paz interiorana que os estudantes parecem ter trazido consigo de suas cidades. Do lado de fora da república de Ipirá, posicionado sob uma das janelas da casa, Angelino Bispo, de 45 anos, alterna fortes batidas na madeira do parapeito com rápidas agachadas para se esconder daqueles que pretende pirraçar. Esse é o retrato da convivência dele com os 32 estudan- tes ipiraenses. Angelino mora e trabalha como cozinheiro da república há onze anos, mas não se considera um funcionário. “Aqui somos amigos, nos ajudamos mutuamente. Se me chamar de empregado leva tapa” brinca, enquanto tenta controlar a leve gagueira. Homossexual assumido e desempenhando atividades tradicionalmente femininas, Angelino garante nunca ter sofrido nenhum tipo de preconceito, pelo menos diretamente. “O preconceito a gente sabe que existe, mas nunca me atingiu não”, afirma. Rodrigo Costa, morador da república há quatro anos, admite ter sentido certo desconforto quando o conheceu, mas logo a sensação se desfez. “Com a aleitassem”. Perspectiva Joana, Angélica, Luciene e Marineuza voltaram a estudar. Todas têm expectativas de mudar de ocupação, exceto Marineuza. Luciene desistiu do seu sonho de infância de ser professora de português, mas pretende concluir um curso de telefonista, recepcionista e auxiliar de telemarketing. Joana quer trabalhar cozinhando marmitas e Angélica vai mais longe: depois de terminar o supletivo, pretende fazer um curso do ensino superior. Ainda não escolheu a carreira. Ao se referirem ao futuro dos filhos desejam uma realidade diferente da própria. Angélica e Luciene pagam reforço escolar para os filhos, porque acreditam que a educação é fundamental. Joana concorda: “O caminho é o estudo . Minha filha faz biscates. Meu sonho era ela estudar e fazer algum curso, não superior, porque aí não tem condições”. convivência nós superamos os preconceitos. Ele se preocupa muito conosco, é como uma segunda mãe”, completa. A única ressalva que os moradores fazem em relação a Angelino é que ele costuma favorecer mais aos homens do que às mulheres da casa. Noutra parte da cidade, antes de se tornar o “faz tudo” da casa de Maurício Tavares, professor de comunicação da UFBA, Paulo Cavalcanti, 36 anos, trabalhou num açougue, numa copiadora e como office boy. Ele aprendeu a cozinhar no restaurante do avô, onde também fazia serviços de limpeza. Com dificuldades em arrumar emprego, Paulo aceitou o convite de Maurício para trabalhar em sua casa. Hoje, além das atividades domésticas que realiza para professor, ele ainda trabalha como diarista numa outra residência. Assim como Angelino, Paulo não tem grandes reclamações a fazer quanto à discriminação devido ao seu trabalho, mas admite ter sentido certa estranheza quando começou a desempenhar atividades domésticas. Já Maurício afirma estar satisfeito em ter um homem trabalhando em casa. “Os homens têm mais habilidades do que as mulheres nos serviços mecânicos. E além de cozinhar bem, ele sabe consertar aparelhos elétricos, já pintou minha casa mediante pagamento extra”, completa. Tanto Paulo quanto Angelino acreditam que, apesar da resistência que ainda existe em empregar homens para trabalhos domésticos, há a possibilidade de expansão masculina sobre as atividades ainda tipicamente femininas. 20 GERAL A Baixa em baixa Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Carlos Eduardo Oliveira Esquecida pelos poderes públicos e pelo setor privado, a Baixa dos Sapateiros resiste como importante centro comercial, mas enfrenta graves problemas de infra-estrutura e vê entregue ao abandono as memórias do tempo em que era a área mais glamourosa da cidade. Antes conhecido como Palácio das Maravilhas, Cine-Teatro Jandaia sofre, hoje, risco de desabamento Carlos Eduardo Oliveira C alçadas apertadas, centenas de vendedores nas portas das lojas, fachadas corroídas pelo tempo, antigos cinemas abandonados... A paisagem da Baixa dos Sapateiros revela que a avenida continua sendo um dos mais importantes centros comerciais de Salvador, apesar dos problemas de infraestrutura e do processo de decadência por que passa desde que começou a disputar público com outras áreas de comércio e lazer da cidade. O descaso dos poderes públicos e do setor privado compromete, ainda, o patrimônio arquitetônico de uma das áreas mais nobres da Salvador do século XX. O arquiteto e urbanista Luiz Baqueiro lembra que a Baixa dos Sapateiros, cujo nome inicial era Rua da Vala, passou a receber essa denominação devido à instalação de diversas casas de couro e tendas de sapateiros ainda no século XIX, por conta da expansão do comércio da Cidade Baixa. Baqueiro lembra que a arquitetura dos prédios ao longo da avenida, a maioria de estilo neoclássico, foi exigência do governador José Joaquim Seabra (nome oficial da Baixa dos Sapateiros). Hoje, qua- se todos os casarões têm apenas o primeiro pavimento ocupado, geralmente por lojas, e carecem de urgentes reformas na estrutura e na fachada. A Baixa dos Sapateiros se tornou, já no início do século XX, um importante centro cultural da cidade, devido à implantação de grandes cinemas ao longo da avenida. O primeiro deles foi o Cine-Teatro Jandaia. Conhecido na época como o “Palácio das Maravilhas”, o espaço dispunha de 2200 lugares e chegou a receber Carmem Miranda em 1932. O Jandaia mudou algumas vezes de proprietários e, a partir da década de 80, passou a exibir filmes pornôs. Uma década após o encerramento total das atividades, o imponente prédio perdeu parte da cobertura e hoje apresenta graves problemas de infraestrutura, correndo risco de desabamento. A situação de abandono do Cine Pax é quase semelhante. A partir dos anos 80, o cinema também passou a exibir filmes pornôs, chegou a ser interditado pela SUCOM e ocupado pelo Movimento dos Sem-Teto. José Ambrósio Filho, 52 anos, sapateiro desde os 12 e um dos poucos profissionais encontrados ao longo da avenida, conta, orgulhoso, que trabalhou como operador no Cine Pax. “O cinema tinha 1200 cadeiras e três sessões diárias”, lembra. Os sapateiros perderam espaço para as dezenas de lojas de calçados ao longo da avenida, mas para Ambrósio Filho a função ainda é requisitada: “ainda recebo muitos pedidos de conserto”, conta, apontando para um sapato número 53. Perguntado se freqüenta o Cine Tupy, o último grande cinema em atividade na avenida, o sapateiro é enfático: “Hoje, lá só tem travesti”. Cristóvão Contreiras, 41 anos, gerente do Tupy há 6 anos, conta que freqüentava o cinema nos tempos em que eram exibidos filmes dos Trapalhões em vez de pornôs. Contreiras informa que o antigo cinema pertence hoje à Orient Filmes e desconhece qualquer proposta de venda ou recuperação do espaço. “Cinema de shopping tem mais comodidade e segurança. A tendência do cinema de bairro é acabar”, conclui. A segurança é um dos maiores GERAL Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Idéias existem, mas falta o apoio do poder público Cosme Brito, presidente da Albasa problemas apontados por Contreiras na avenida. “Durante o fim de semana, isso aqui é horrível. De vez em quando passa alguma viatura por conta do Pelourinho. À noite, a porta do cinema vira albergue, com gente usando drogas”, denuncia, apontando para o módulo policial que fica a 50 metros do Tupy. A questão da insegurança também é levantada por Eliezer da Hora, 60 anos, que trabalha como barbeiro há 40 anos em um pequeno salão numa transversal da Baixa. “A gente anda sobressaltado, mas quem trabalha tem que vir trabalhar mesmo”, desabafa. O barbeiro lembra que “no tempo do bang-bang, ia a todos os cinemas” e lamenta o declínio da região: “O movimento hoje é um fracasso. Com o comércio de bairro hoje, quem é que quer vir pra Baixa correr o risco de ser assaltado?”. Lúcia Sales, 48 anos, moradora da avenida, conta que a filha e a nora já sofreram assaltos na avenida. Para Sales, que trabalha como caixa num restaurante no primeiro andar do prédio onde mora, as previsões não são animadoras: “Isso aqui há 15 anos não tinha nem condição de andar. O comércio, se Deus não tiver misericórdia, daqui a 10 ou 15 anos vai fechar”, projeta. Luz no fim do túnel Para Cosme Brito, 53 anos, presidente da Associação de Lojistas da Baixa dos Sapateiros (Albasa), as projeções não são catastróficas. Brito conta, orgulhoso, que trabalhou como ambulante na avenida entre 1969 e 1973. “Antigamente, era um formigueiro, mas hoje ainda tem seu público fiel”, afirma, e, como bom comerciante, faz sua propaganda: “aqui você compra qualidade com preço baixo”. Para Brito, a prática dos preços baixos é uma vantagem da Baixa dos Sapateiros em relação aos shopping centers, devido aos custos de aluguel dos imóveis. “Se minha loja estivesse em shopping, pagaria 6000 reais. Aqui, pago 500”, exemplifica. Entretanto, de acordo com o Censo Empresarial da Baixa dos Sapateiros realizado pelo SEBRAE em 2005, entre 2000 e 2005 o número de estabelecimentos comerciais sofreu redução de 19,7%, passando de 715 para 574. A falta de clientes, capital de giro e segurança são os três problemas que mais afetam o comércio da avenida, segundo os consultados pelo censo. Sobre a falta de segurança pública, Brito revela que “a insegurança aumenta, principalmente, depois que o comércio fecha. Os comerciantes têm que apelar para a segurança privada. Nossa reivindicação é pela instalação de câmeras na avenida”. A respeito da revitalização da Baixa dos Sapateiros, Brito afirma que a Albasa tem apresentado propostas e negociado com a Prefeitura, mas confessa: “idéias existem, mas falta o apoio do poder público. A área precisa ser vista com outros olhos”. Dentre as principais propostas da associação para a revitalização da Baixa dos Sapateiros estão a transformação do Jandaia em SAC e do PAX em centro cultural, mas as idéias esbarram na falta de interesse das empresas proprietárias e dos poder público na recuperação dos imóveis. A Albasa reivindica ainda a melhoria da iluminação, a instalação de sanitários públicos e o reordenamento do tráfego de veículos. Segundo Brito, as propostas de revitalização foram encaminhadas à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, mas “ainda não saíram do papel”. E completa: “meu desejo é que o poder público se sensibilize, tomando o encargo de recuperar a Baixa, o que será um benefício para toda a cidade”. Para o arquiteto e urbanista Luiz Baqueiro, colaborador do Fórum Municipal para o Desenvolvimento Sustentável do Centro de Salvador, “não é possível olhar a Baixa dos Sapateiros dissociada do Centro Histórico, que é geralmente restrito ao Pelourinho”. 21 Baqueiro lembra que antigos projetos como os da construção de túneis ligando a Barroquinha ao Vale dos Barris e à Contorno também nunca saíram do papel. Dentre as suas propostas para a revitalização da avenida, estão a construção de uma galeria de arte entre o Pelourinho e a Baixa dos Sapateiros, a transformação do Jandaia em teatro de ópera, a recuperação das fachadas e a implantação de iluminação cênica ao longo da avenida. Sonhos à parte, Baqueiro desabafa: “ando desacreditado do poder público, mas continuo acreditando. Revitalizar a Baixa dos Sapateiros é possível”. Carlos Eduardo Oliveira Cine Pax: descas o com o patrimônio arquitetônico da Baixa dos Sapateiros 22 GERAL Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Trago seu amor em três dias Quem são e como vivem os videntes que oferecem seus trabalhos através dos classificados Lis Nogueira Apesar de não legalizado, o serviço é amplamente divulgado na cidade Gabriela Teixeira Lis Nogueira S alvador é conhecida como “cidade de todos os santos”. E não existe título mais apropriado para caracterizar a explosão de casas de videntes, ciganos, “umbandeiros”, espíritas e afins ao redor da cidade. Com os mais diversos tipos de anúncio que vão desde a limpeza de aura, fechamento de corpo, abertura de caminhos, volta da pessoa amada, fim de frieza sexual e até resolução de problemas políticos, a popularidade destes profissionais místicos é mais uma prova do que se pode alcançar com promessas milagrosas e uma boa propaganda. Mestre Yanko, um dos médiuns mais famosos de Salvador, “conhecido em todo o Brasil e na Europa” (como ele mesmo faz questão de ressaltar), veicula sua campanha publicitária em rádios, panfletos, jornais e cartazes, e tem como marca registrada o slogan: “Mestre Yanko: sempre imitado, mas nunca igualado”. Segundo ele, tudo começou aos sete anos de idade, quando passou a “sentir a presença de espíritos, causar manifestações nos médiuns e ter premonições”. Hoje, aos 30 anos, ele não tem do que reclamar: mora em uma casa com piscina no bairro do Itaigara, dispõe de secretária (sempre vestida com uniforme personalizado), assessora de imprensa, e vive cheio de penduricalhos de ouro. Pelo valor simbólico de dez reais, Mestre Yanko é capaz de ver o destino do cliente em uma área específica de sua vida, como amor ou saúde. Se a consulta for geral, abrangendo todos os campos, o valor dobra. Em seu escritório, repleto de santos, velas, incensos e algumas cédulas, ele se sente à vontade, inclusive para discutir ao telefone a respeito de sua banheira quebrada ou sobre a chegada de alguns espanhóis que seriam seus clientes em breve. É um dos únicos profissionais de confiança em Salvador, afirma, e o sucesso faz com que atenda pessoas de diversas partes do mundo. Ao fim da consulta com os búzios, o Mestre sinaliza a necessidade de uma limpeza espiritual, que poderia ser feita ali mesmo, por apenas 120 reais. Outra celebridade mística é Dandara de Yemanjá, taróloga e espírita que também reside e atende em um bairro nobre da cidade. Aparentemente, não apresenta dificuldades financeiras e não lhe faltam clientes – atende uma média de seis pessoas por dia, segundo sua secretária. Em sua garagem, exibe um Toyota Hilux e um Honda Civic, e na sala, uma televisão de plasma de 42 polegadas, o que talvez justifique certo desinteresse em atender e um atraso considerável para as consultas. Há diversas classificações entre os profissionais da área. Alguns se descrevem como ciganos, outros, espíritas ou pais de santo, sem que se saiba ao certo qual a diferença entre estas especialidades. Eles, no entanto, fazem questão de ressaltar que só fazem trabalhos na linha da mesa branca, ou seja, apenas trabalhos para retirar o mal e fazer o bem. Inspirados nas técnicas de marketing, estes prifissionais não hesitam em assegurar sua “satisfação garantida, ou o seu dinheiro de volta”. Residente em uma mansão no Caminho das Árvores, Irmã Lasmin surpreende ao ser vista pela primeira vez. Jovem, loura, barrigudinha e de fala mansa, ela não se assemelha nem um pouco ao imaginário dos videntes, macumbeiros e afins. Na pequena sala em que atende, o tom místico é garantido por todas as costumei- ras velas, incensos e imagens, embora o verdadeiro toque especial seja dado por uma galinha sem cabeça atacada pelas formigas e um crânio humano de procedência desconhecida. Depois de receber seus 20 reais, Irmã Lasmin estuda as cartas, a bola de cristal, joga as pedras e inicia sua consulta fazendo agourentas preleções sobre um amigo traidor, uma mulher misteriosa que deve roubar um amado, além de muitos espíritos obsessores. No fim ela oferece um trabalho que deve afastar todas as pessoas ruins e espíritos oportunistas mediante o pagamento da quantia de 370 reais. O dinheiro, Irmã Lasmin insiste em ressaltar, deve servir apenas para pagar os materiais, nunca para benefício próprio. Direcionada para o lucro, ou não, a renda de videntes como Mestre Yanko e Irmã Lasmin, fica numa média de 4.500 reais mensais, supondo uma quantidade média de seis clientes por dia, de segunda a sexta, e o adicional de três ou quatro trabalhos por semana a um preço que pode variar de 100 a 500 reais, a depender do serviço desejado. Apesar de extremamente divulgada, este tipo de atividade não é legalizada. É verdade que existe um artigo na constituição que garante a liberdade de cultos, e até divulgação dos mesmos, no entanto, não são poucos os casos de processos contra esse tipo de profissional. As acusações mais comuns são de charlatanismo, extorsão e até estelionato. Procurados pela reportagem, todos os videntes se recusaram a dar entrevista e todas as informações aqui contidas foram obtidas pelas repórteres na condição de clientes. Contudo, uma coisa é certa: com algum dinheiro, encontrar guias espirituais é fácil, nesta cidade em que todo mundo, e ninguém, é santo. GERAL Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 23 Uma “puta” rede de cidadania Ângela Machado N o último dia 30 a polêmica grife carioca Daspu realizou seu primeiro desfile em Salvador. O evento, realizado no Baobá Café Social, reuniu convidados que viram prostitutas e modelos masculinos que desfilaram a coleção criada pelo estilista Sílvio de Almeida. A marca, no entanto, é apenas um dos frutos da persistência de uma prostituta consciente de que seu papel social não se restringia apenas a satisfazer sexualmente seus clientes na cama, mas também ajudar as colegas de trabalho a reconhecer seus direitos e a melhorar sua condição de vida. Há mais de 30 anos, sob os Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro, a prostituta Gabriela Silva, 54 anos, vendia o corpo e tricotava redes ao mesmo tempo. A relação de Gabriela Wendell Silva com o tricô sempre foi muito próxima, e o primeiro ponto foi dado no início dos anos 70, quando protestou em passeata contra a violência policial para logo depois discursar no palanque da vereadora Benedita da Silva. Não demorou a ousar ainda mais e criar, de uma só vez, a Ong Davida e a Rede Brasileira de Prostitutas. Aposentouse da “vida fácil” sem direito a pensão estadual e continuou solitária seu tricotado até fechar o tecido com a criação da Daspu. Os holofotes chegaram quando um processo movido pela Daslu acusou a grife de sujar sua imagem. Gabriela está consciente de sua condição de persona-nongrata no ambiente da moda nacional. Talvez por isso faça questão de desdenhar dos cadernos culturais, programas de tv e festas que surgem no caminho. “Não ligo [para os A polêmica da audiência pública realizada pela Câmara Municipal de Camaçari sobre um “putódromo” não passou de um grande mal entendido. A pedido dos vereadores José Mattos (sem partido) e Janete Ferreira (PMDB), os parlamentares convocaram os diversos segmentos da sociedade local para discutir questões de segurança nos prostíbulos da região urbana de Camaçari, alvo de constantes reclamações dos moradores de bairros familiares como Triângulo e Avenida Concêntrica. Para boa parte da população e para mídia, porém, o motivo da convocação era a criação de uma região para concentrar e regulamentar a existência das Zonas do Baixo Meretrício (ZBMs), um centro de lazer e sexo próximo à Salvador. Dividida entre críticas à criação do local e a possibilidade de tornar-se a primeira cidade do Brasil com um centro como esse, a população apresentou-se na sessão da Câmara para debater os transtornos causados pelos bregas. “Ao discutir os problemas dos prostíbulos de Camaçari, discutimos o alto índice de violência, o tráfico de drogas e a prostituição de menores nos bairros onde estão instalados os prostíbulos”, indicou a vereadora Ferreira. Por muito pouco, o paraíso para frequentadores das ZBMs não foi aqui ao lado! Fernando Duarte Rede de prostíbulos em Camaçari? Gabriela Silva, criadora da Rede Brasileira de Prostitutas, da ong Davida e da grife Daspu convites]. Não vou a baladas, gosto é do boteco da minha rua. Fico em casa, faço tricô e escrevo”, garante. O próximo passo da empresa é ampliar a atuação para o ambiente de cooperativa. Para a dona da grife, a iniciativa ajuda a ampliar o público ao investir nas complexidades do mundo da moda. Pessoalmente, a meta é realizar um ato político inscrevendo-se no INSS como prostituta autônoma, além de aguardar a votação de um projeto de Lei que torna os prostíbulos legais. “O projeto é do [Fernando] Gabeira (PV-RJ) e tira do crime os empresários da prostituição para que eles possam cumprir os deveres trabalhistas com as prostitutas. Estou cansada, formando substitutas”, confessa. Uma das fiéis escudeiras de Gabriela é a companheira de profissão baiana Fátima Medeiros, que representa a empresa na Rede Latinoamericana e Caribenha de Trabalhadoras de Sexo. Junto com a colega de rua Marilene Silva, uniu-se à Davida e com o apoio da ONG fundaram a Associação das Prostitutas da Bahia (Aprosba). “Para mim, Gabriela Silva é um exemplo a ser seguido”, elogia Fátima. Nas palavras da prostituta, a criação da Davida é uma audácia e uma inspiração à classe em todo o Brasil. “Não uso chapéu, mas se usasse, eu tiraria. Antes tinha vergonha de ser puta, mas hoje me sinto muito melhor”, resume. A Aprosba já possui sede própria doada por um antigo cliente e atualmente conta com cerca de 1200 associadas. Mesmo assim, ainda há muitos obstáculos para a associação. “Elas chegam aqui se queixando, mas na hora de denunciar na delegacia, a vítima não se assume como puta. A maioria não paga a mensalidade de R$ 5, 00 da associação, quer apenas se beneficiar. Assim, a gente precisa fazer programas na hora do almoço para pagar as contas”, reclama Marilene. 24 GERAL Puro Swing Álvaro Andrade Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 O pouco conhecido mundo da troca de casais e seus freqüentadores, que ainda preferem se esconder em reclusas festas pelas madrugadas da cidade. Bruno Santana João Gabriel Galdea É Sem reconhecimento sindical, estima-se que boates de swing não sejam mais de 20 na cidade pouco mais de meia-noite, e a pequenina senhora grisalha com ares e paciência de avó continua a receber, entre abraços e sorrisos, juntamente com o seu marido, os poucos clientes que vagarosamente vão ocupando as mesinhas redondas da boate. Em meio à iluminação excessivamente vermelha e à espessa fumaça de gelo seco, os rostos submergem numa penumbra incandescente incapaz de ser dispersa pelos poucos ventiladores em funcionamento distribuídos pelas paredes do salão retangular. Mesmo assim, Lica*, a pequenina senhora, trajando um singelo conjunto de viscose rosa e bege com estampas florais, e com um par de óculos dependurados pelo pescoço, não se engana ao reconhecer os novos e velhos clientes. Para os veteranos, sobram beijos e abraços. Já para os novatos, Lica oferece um passeio pelos aposentos da casa, enquanto dá explicações sobre as regras do encontro. Há oito anos, ela e seu marido Orlando*, um senhor de poucas palavras e escassos cabelos, administram a boate Atiradores*, mais antiga e tradicional casa de swing de Salvador, localizada no bairro do Rio Vermelho. O passeio é rápido, já que a casa tem apenas dois ambientes. No primeiro andar estão quarenta mesinhas, quase que coladas umas nas outras, minimamente decoradas com vasos de flores artificiais e forradas com toalhas brancas e vermelhas. Ao longo das paredes estão encostados compridos sofás, o que facilita a interação entre os casais. Já na parte central do salão, atravancado com um improvisado equipamento de iluminação semelhante a um tosco semáforo, reservouse um pequeno espaço onde os clientes dançam e também acontecem os shows de strip tease. No segundo andar encontram-se os quartos coletivos, três ao todo. É nestes locais que os swingueiros da boate de Lica e Orlando realizam suas fantasias. Uma vacilante iluminação amarelada tenta clarear o ambiente onde inexistem janelas ou ventiladores. O ar destes cômodos parece embebido pela pesada umidade. As únicas coisas que compõem a decoração são colchões velhos espalhados pelo chão. Segundo Wilson*, garçom da Atiradores desde a sua inauguração, em algumas noites a empolgação dos freqüentadores é tamanha que em todos os cantos da boate tem casais fazendo sexo. Ele mesmo aderiu ao swing. “Brinco com o seu Orlando que no dia que ele me demitir viro cliente na hora!”, conta. Wilson começou a praticar a troca de casais quando passou a receber convites dos clientes para acompanhá-los a motéis. “Ontem (uma sexta-feira) tinha um sujeito com duas loiras e quando o trio estava de saída me chamou para ir a um motel. Isso é muito comum aqui”. Casado, depois das experiências com freqüentadores do clube, resolveu chamar a esposa para participar das festas. Ele conta que no início a mulher ficou receosa, mas resolveu experimentar e até hoje eles costumam sair com casais amigos para encontros e viagens. Lica confirma serem muito comuns as amizades neste meio. “Os casais se conhecem, criam laços e costumam sair não só para transar, mas para fazer programas convencionais”, comenta Lica. O perfil dos clientes da boate, segundo os proprietários da casa é semelhante ao que Júlio Morgado, GERAL no mais... Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Swing Lusitano O livro “Swing”, de Júlio Morgado, observa a ‘expansão’ da prática sexual alternativa em Portugal, um país extremamente conservador e moralista. Morgado teve acesso à comunidade de swingueiros através de dois casais, cujas experiências são relatadas no livro. Editora Artipol, 2006. No Traição, Yes Swing Para swingueiros soteropolitanos que utilizam o site de relacionamentos Orkut, casais que se relacionam com outros casais, simultaneamente, não são infiéis. “Traindo estaria se o outro não soubesse de nada, se fosse feito escondido”, defende um membro no fórum. Os 319 casais que participam da comunidade trocam informações, marcam encontros e divulgam eventos através do site. escritor português e autor do livro “Swing”, traçou: “A comunidade swinger pode ser uma sociedade paralela, mas não é uma sociedade obscura. Dela fazem parte advogados, importantes quadros de empresas, desportistas, músicos, funcionários públicos, seu dentista, a professora de seu filho e até o presidente de uma superpotência”. Sem levar em conta o exagero do escritor e considerando o real prestígio de Lica e Orlando, o retrato dos freqüentadores da Atiradores é a classe média heterogênea. Em geral homens de meia idade que estão no segundo casamento. “As primeiras esposas não aceitam bem a vontade dos maridos em experimentar o swing. Por isso ocorre a separação”, explica Lica. Apesar de ser uma hora da manhã de sábado, o movimento no clube está fraco. Lica conta que este é o melhor dia para os casais novatos conhecerem o clube. “Os sábados são mais calmos, se um casal quiser subir aos quartos, só para conferir o que acontece, não terá nenhum problema. Mas nas sextas-feiras é outra história, o povo faz um corredor da morte ali em cima (segundo andar) e quem passa por lá pode ser puxado, apalpado. O pessoal é fogo”. Mas mesmo com o assédio dos casais mais empolgados, ela destaca que nenhum freqüentador é obrigado a participar de nada. A monotonia entre os casais só é quebrada quando o DJ da festa, de dentro de sua improvisada cabine, anuncia o primeiro show de Sampa e Salvador A Associação de Bares e Restaurantes de São Paulo afirma que a capital paulista tem cerca de 250 clubes de swing. Em Salvador, as casas de swing não são reconhecidas pelo Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, e por isso não há um mapeamento da atividade. Os próprios donos de clubes da cidade, devido à marginalização da atividade, não sabem ao certo quantas boates de swing existem em Salvador, mas acreditam que essa quantidade não deve passar vinte. strip tease da noite: Hanna entra as pessoas a se desvencilharem no salão ao som de uma música das amarras das convenções soespanhola. Entre pequenas peças ciais e serem felizes vivendo com de roupa atiradas longe, reque- prazer. bros no colo dos clientes e cabeRegina* afirma que não foi por los jogados para lá e para cá, pas- prazer que começou a freqüensam-se apenas dez minutos até tar os clubes, mas por desejo de o fim da apresentação. Logo em agradar o parceiro, além do medo seguida, é a vez de Ramon despir da separação. “Fui só pra agradar sua fantasia marrom de policial. mesmo, e cheia de receios. Pedi Apesar de a festa misturar álcool, pra não rolar nada até que me erotismo e sexo, os proprietários acostumasse com a idéia, e fomos afirmam nunca terem enfrentado duas vezes até que aconteceu problemas com violência. “No má- com um casal”, declara. Segundo ximo umas brigas entre o casal, ela, a discrição e o respeito entre devido aos ciúmes. Eles discutem os praticantes deixaram-na mais e logo depois solta, o que a fez vão embora; é ceder e se sentir preciso trabalhar bem na situação. a cabeça para “A relação ficou aproveitar a exmais estável periência. Para depois daquele os swingers, o cidia... acho que úme precisa ser Brinco com seu Orlando que saímos fortalecisubstituído pelo no dia que ele me demitir, dos e o amor e a prazer em ver o confiança é muiviro cliente na hora. seu parceiro feliz to maior hoje”, Wilson, garçom em realizar uma garante. fantasia”, afirma O garçom WilLica. son afirma que consegue separar Alguns casais praticantes acre- sentimento de vontade. “Se eu ou ditam que o swing é um estilo de minha esposa temos vontade de vida baseado na compreensão transar com outro casal ou com das fantasias do parceiro e da su- quem quer que seja, por que não peração da hipocrisia que quase aceitarmos isso e vivenciarmos sempre leva à mentira e à trai- a experiência juntos? Uma coisa ção. Para eles é natural que um é o amor, outra é o desejo”. Lica dos indivíduos sinta desejo sexual completa explicando que não é por alguém que não o seu com- apenas a liberdade sexual que capanheiro. Segundo Morgado a tiva os praticantes do swing, mas monogamia é uma superstição da também o voyerismo e a adrenalimente humana. O escritor consi- na em ver o seu parceiro(a) fazendera a troca de casais uma ativi- do sexo com outra pessoa, o que dade nobre e libertária, que ajuda termina apimentando o relaciona- 25 mento. “Os casais comentam que se sentem instigados quando praticam swing, às vezes a adrenalina dura muitos dias. Tem uns que vem aqui de mês em mês, só para recarregar as energias”. O antropólogo Roberto Albergaria concorda com a proprietária da boate quando ela afirma que a troca de casais é um recurso para apimentar um relacionamento mergulhado na mesmice: “o swing é uma tentativa de quebra da monotonia do casamento. E, neste sentido, a prática teria o mesmo efeito revigorante de um domingão divertido numa semana entediante”, afirma. No entanto, ao contrário do discurso de Morgado e de muitos adeptos que distinguem o swing como uma prática libertária, o antropólogo destaca o viés neoconservador deste estilo de vida, definindo-o como um simulacro de aventura muito bem regrada num mundo em que tudo é rotina. “A troca de casais é a fantasia de uma outra vida, um teatrinho de liberdade bem arrumadinho e segurinho. Uma armação funcionalmente conservadora, pois serve, justamente, para conservar os casamentos dos burgueses liberais. Por isso, acho que ele funciona muito menos como uma prática (sexo real) do que como uma representação”, completa. Indiferentes às diversas abordagens que são e poderiam ser feitas pelos poucos especialistas e inúmeros curiosos que resolvessem debruçar-se sobre o swing na capital baiana, logo após o final dos shows eróticos de Hanna e Ramon, os casais da festa dirigiram-se para os quartos. A boate vazia e sua iluminação avermelhada ficaram a ser contempladas por Lica e Orlando, que atrás do caixa tentavam disfarçar o marasmo de quem no dia anterior foi dormir às seis horas da manhã. Wilson e o DJ, escornados no sofá, esperavam o tempo passar e os casais cansarem e decidirem voltar para as suas casas. *Nome fictício 26 geral Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Bombardeio em Salvador Na falta de fiscalização, uso de anabolizantes sem prescrição médica nas academias da cidade não pára de crescer e se dissemina entre jovens Sylvio Quadros O aumento do consumo indiscriminado de substâncias anabólicas por jovens soteropolitanos é uma verdade visível, embora mascarada por seus próprios usuários. Influenciados por outros adeptos ou por revistas de culto ao corpo, muitos aderem à prática temendo menos os riscos a uma provável identificação. “Ninguém gosta de se associar a droga alguma. Preferem dizer que o corpo é resultado de um trabalho prolongado”, diz o promoter Rafael T., 24 anos, ex-usuário e amigo de quatro fisiculturistas que fazem ciclos sistemáticos com anabolizantes. “Mas a galera usa mesmo”, reitera. Usuário desde os 18 anos, o estudante Marcelo L., 21, não se inco- moda com os perigos alardeados por especialistas. Diz que todo o esforço é recompensado, por exemplo, numa ida à praia, músculos expostos. Celinho, como é conhecido entre os amigos, sempre gostou de evidência. Martirizado pelo excesso de vaidade e autocrítica que costuma acometer grande parcela de adolescentes e pós-adolescentes entre 14 e 24 anos, o ex-garoto mirrado de Ondina encontrou nos esteróides anabólicos a oportunidade de transformar seu físico, elevar a auto-estima e atender às exigências de um regime silencioso, mas não menos autoritário: a ditadura do corpo perfeito. “Tomo bomba pra impressionar mulher”, diz o estudante, explicando o porquê das aplicações. “Hoje, quem não é fortinho já entra numa parada perdendo” Álvaro Andrade Vítimas da ditadura do corpo perfeito, jovens recorrem a anabolizantes para parecerem mais fortes Vaidade perigosa “Exceto o médico, nenhum proO argumento de Marcelo não é fissional pode receitar essas subsexceção. Hoje, no epicentro de um tâncias. Agora, quem procura acha. mundo onde Os esteróides tudo que é fácil podem ser ene imediato agracontrados em da ao olhar, uma qualquer lugar, leva cada vez e com facilidamaior de jovens de”, diz MarHoje, quem não é fortinho já vê nos anabolicus, referindozantes o sonho entra numa parada perdendo se às casas de de ganhar status produtos veteMarcelo L. e respeito entre rinários, para os colegas, nem sempre consideran- onde recorrem os usuários de baixa do seus males à saúde do organismo. condição financeira. O dono de um Crescimento anormal de pêlos, en- centro rudimentar de musculação no grossamento da voz, insônia, altera- centro de Brotas, que preferiu não ções testiculares e intoxicações hepá- se identificar, compartilha da mesma ticas são alguns dos efeitos colaterais opinião. “Dá para sentir logo quando previstos pelo uso não-controlado o cara está ‘se injetando’. Você vê um dessas substâncias, como esclarece o aluno chegar magro e, em uns dois, nefrologista José Andrade Moura Jú- três meses, sair outro, todo inchado. nior. “Como algumas dessas drogas Depois pára de malhar, e emagrece. ajudam a reter líquido e o corpo não Fica nesse efeito sanfona”. Apesar acompanha com uma vascularização de frisar que adota as medidas caadequada, um quadro de hipertensão bíveis para coibir o uso de “bombas” também não é incomum. Em muitos em seu estabelecimento, o próprio casos, os usuários podem desenvol- dono admite uma boa dose de pasver até mesmo transtornos de or- sividade. “Certa vez uma funcionária dem psicológica, como o aumento da estava fazendo a faxina no sanitário agressividade”, diz. e furou o dedo numa seringa que Não admitir o uso de anaboli- tinham jogado dentro da caixa da zantes virou lei entre os adeptos, descarga”, ilustra, displicente. o que torna quase impossível uma abordagem aberta e franca sobre Chegando junto o tema. “Eles nunca se entregam”, Para Paulo Reis, um dos diretores sentencia o instrutor Yuri Sampaio, da academia RPM Fitness, a tática é da academia Villa Forma, uma das dialogar. “Quando sinto que alguém mais badaladas e caras da cidade. aqui está usando, chego junto. Não Ali, de acordo com o personal trai- permitimos essas coisas”, frisa. Já ner Marcus Paulo Brito, cerca de 15 o estudante de matemática e cama 20 pessoas - num universo de cer- peão baiano de karatê Aderbal Soca de 600 a 700 freqüentadores por ares, da Universidade Federal da dia - não se incomodam em recorrer Bahia (UFBA), é menos enfático: a essa ajuda externa para ganhar “Isso é da conta de cada um. Mas massa muscular ou perder peso, o tem gente que exagera a tal ponto que inclui desde jovens recém-saídos que, de tão ‘estourado’, parece ser da puberdade até mulheres desejo- até de outra espécie”. “São os Gosas de um corpo livre das temidas rilla Homo Sapiens”, comenta. Nem “gordurinhas”. Darwin explica. GERAL Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 27 Álvaro Andrade Movimento luta pela legalização da maconha. Lais Vita C omposto por usuários, simpatizantes e até mesmo mães de usuários, os movimentos pró-legalização da Cannabis sativa, a maconha, vêm fomentando discussões e colocando em voga os benefícios da liberação da droga. O assunto veio à tona mais uma vez com a aprovação da nova Lei Antidrogas, em 23 de agosto de 2006, que determina a proibição da prisão por consumo de entorpecentes e estabelece penas alternativas. Os próprios usuários dividemse entre apoio e oposição às causas do movimento. T. S., 23 anos, barman, fuma desde os 20 e é favorável à total liberação: “pra mim , faz bem. O que eu quero pra mim, quero para os outros. Isso vai quebrar tabus porque os incubados vão começar a fumar. Sou a favor porque eu gosto de viver a minha vida sem ninguém me julgar”. Já J. P., 21 anos, estudante, é contrário à legalização e acredita que ela vai induzir as pessoas ao uso, devido à banalização da droga. “A sociedade não está preparada pra absorver a maconha agora”, diz. Sérgio Vidal, 28 anos, estudante de antropologia na Universidade Federal da Bahia, está à frente do movimento pró-legalização em Salvador. Desde o seu ingresso na Faculdade de Ciências Sociais, em 2001, participa do Grupo Interdisciplinar de Estudo sobre Substâncias Psicoativas (GIESP) e desenvolve pesquisas na área, conduzidas pelo professor Edward MacRae. O movimento tem como foco principal a luta por políticas mais justas e eficazes, com tolerância e regulamentação do uso das drogas. Vidal busca aprofundar questões referentes ao posicionamento quanto à legalização e diz não ser Dá pra legalizar? possível manifestar-se totalmente garantir a eficácia das medidas contra ou a favor da liberação do adotadas. “Nós somos a favor da uso da maconha. “A idéia que se legalização, mas esse termo está tem é que o movimento é uma tão banalizado quanto o termo coisa simples. Você luta por algo e droga. Eu prefiro regulamentação quando isso acontece, ponto. Não ou normalização, que traz consigo é assim. Se eu falo em legalização, uma determinada cultura de conisso significa tornar uma substan- sumo para dentro da sociedade, cia lícita, como o café, onde não entendo-se que ela não é liberada há regulamentação. Essa também para se fazer o que quiser, mas não é uma solução boa, porque aí também não é proibido o acesso estaríamos ignoà substância. As rando aqueles que pessoas têm que possuem probleperceber que cada mas com drogas”. realidade é única”. Ele considera imÉ a partir desse portante estabele- “Eu acho que a sociedade pressuposto que o cer uma distinção não está preparada para movimento defenentre liberação e absorver a maconha agora” de que a estrutulegalização. No priração do uso deve J.R. meiro caso, a subsser feita a nível tância seria taxada local, criando-se como produto qualquer, livre para uma lei ou política nacional que consumo. No segundo, haveria permita que cada estado regule o uma regulamentação estabele- consumo atendendo as suas necendo formas desse produto ser cessidades e problemas. “No Bravendido legalmente, como hoje sil, o questão da maconha no Sul ocorre com bebidas alcoólicas e é diferente do Nordeste. No Sul cigarros. ela vem da fronteira com o ParaA luta é para que as políticas guai, o que envolve crime orgapúblicas relativas a drogas con- nizado. Já aqui é principalmente siderem todos os setores da so- pelos cultivos de famílias, que pociedade e contemplem estudos, dem estar ou não envolvidas com pesquisas e análises de modo a a violência. Então essas especifici- dades devem ser estudadas”. Quanto aos danos causados pela substância, Sérgio afirma que o argumento que coloca a Cannabis como porta de entrada para drogas mais pesadas não tem fundamento. “Se a droga vai ser pesada ou leve, isso depende da sua relação com ela, e não da droga em si. Dessa forma o álcool poderia também ser considerado porta de entrada”. Ele afirma também que os principais danos à saúde não são causados pelas propriedades psicoativas em si, mas sim pelo hábito de fumar, que prejudica boca, garganta, pulmão, (como o tabaco, que é legal) e pelas condições com que são plantadas, armazenadas e distribuídas, já que não há garantia de qualidade na ilegalidade. O movimento tem como principal inimigo a moralidade na qual a sociedade está imersa. Sérgio assegura que os preconceitos são quase sempre embasados em pura ignorância. “Com a legalização o usuário não vai mais precisar se esconder e viver numa atitude de auto exclusão”. E ainda acrescenta: “Uma política pública de drogas não pode estar à mercê da moralidade da sociedade”. 28 GERAL Detalhes e particularidades da profissão de coveiro Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 rio Jardim da Saudade. Ganhar a vida com dignidade, não importando a ocupação, é a filosofia de Daniel e de seus dois colegas: Fábio dos Santos Barbosa, 33 anos, e Aldino Santos dos Anjos, 38 anos (a alta proliferação dos “Santos” faz com que seus sobrenomes sejam uma mera coincidência). Os três se iniciaram como coveiros depois de terem tido o currículo aceito pelo cemitério. Sim, currículo, afinal é um emprego como tantos outros e é necessária uma seleção. O gerente do Jardim da Saudade, Alcides Antônio de Santana, 60 anos, lembra, entretanto, que este realmente não é um trabalho para qualquer um. Para avaliar as condições dos candidatos, é feito um psicoteste. Portanto, aqueles com impulsos sexuais por defundos (necrófilos) são dispensados e os que têm pavor deles (necrófobos) também. Apesar do psicoteste, Daniel e seus companheiros contam que no início é, de certa forma, perturbador ter de lidar com a morte todos os dias e que é requerido um tempo para se acostumar. Inclusive, alguns funcionários nun- ca se adaptam, nem agüentam a pressão e acabam saindo. A maior dificuldade, na verdade, não é exatamente encarar o morto, mas ver o sofrimento e as lamúrias dos parentes do falecido. É comum quererem impedir o fechamento do caixão e até se atirarem para dentro da cova. É justamente por essa exacerbação de sentimentos que, segundo Daniel, “os parentes descontam a frustração na gente. Não têm pena de dizer na nossa cara coisas do tipo: ‘Lá vem os miseráveis levar ele embora’”. Dessa forma, eles estão cientes do preconceito que sofrem e como são imaginados como carrascos. Os três lembram como as reações são sempre das mais diversas e que muitas vezes a responsabilidade da desgraça que abate a família parece recair sobre eles. Existem aqueles que reconhecem, como eles têm orgulho de assinalar, o seu “profissionalismo”, e lhes dão gratificações. Entretanto, o mais comum é a indiferença ou até mesmo a violência. Daniel conta que depois de um enterro um dos familiares se revoltou e deu um soco no rosto de um de seus Eduardo Ross Eduardo Ross M uitas vezes, para sair da fila do desemprego, talvez seja recomendável procurar alguns ofícios “alternativos”. Chega de tantos “serviços gerais”, vigilantes, motoristas, domésticas e atendentes de telemarketing. O mercado já está saturado dos típicos empregos ofertados pelo SIMM (Serviço de Intermediação de Mão-de-obra) ou em programas televisivos como o “Bahia Meio-dia”. Fora disso há espaço para outras investidas. Um exemplo é Daniel Barbosa dos Santos, 32 anos, que, para se livrar da estagnação profissional, deixou de lado alguns preconceitos e hoje trabalha como coveiro no cemité- Profissão inclui trabalho como pedreiro para os túmulos, restaurador e escavador de covas geral Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 29 Eduardo Ross Os parentes descontam a frustração na gente. Não têm pena de dizer na nossa cara coisas do tipo: ‘Lá vem os miseráveis levar ele embora’ Daniel Barbosa dos Santos, coveiro Em Salvador, 19 cemitérios para 21.767 óbitos anuais colegas, o “Dinho”. “A gente tinha terminado o serviço e estávamos conversando enquanto apanhávamos as ferramentas. O cara achou que a gente tava debochando”. Episódio semelhante ocorreu durante uma exumação quando um familiar, ao perceber realmente que o corpo de seu parente estava sendo profanado, queria atacar os coveiros. Preconceito Fazendo coro aos colegas do Jardim da Saudade, estão Jair dos Santos, 35, e Déri dos Santos Bispo, 34, do Cemitério Municipal de Brotas (mais dois “Santos” para o censo). Eles também sabem da dificuldade da sociedade encarar normalmente suas funções. Ambos também avaliam seus empregos como uma digna opção de trabalho. Na verdade, Déri foge um pouco à regra, pois, segundo ele, seu sonho desde a infância foi trabalhar em um cemitério (algumas crianças preferem se iludir em serem astronautas, bombeiros ou policiais). Inclusive, ele afirma sentir falta da paz mórbida que o cerca e lamenta não poder ficar lá mais tempo. Opção um tanto questio- nável, a julgar pelo aspecto deplorável do cemitério, com crucifixos e túmulos rachados e o jardim (na realidade, um monte de terra batida) mal-cuidado. A questão parece estar ligada à sua esposa, pois no cemitério diz se sentir “mais tranqüilo. Em casa você ouve muita reclamação. Você sabe, ‘menino’ e mulher dentro de casa”. Melhor não imaginar a senhora. Entretanto, sua verdadeira justificativa é que “aqui a gente aprende a dar valor ao ser humano mais do que qualquer outra pessoa”. A filosofia de Déri serve para provar como o momento do enterro é tão difícil para os coveiros quanto é para os familiares e que, como Daniel e seus colegas também haviam assinalado, por mais acostumado que se esteja com o trabalho, há sempre situações peculiares. Todos concordam que não há nada pior que enterrar os “anjinhos” (alcunha dada para amenizar o fato de estarem enterrando crianças) ou alguém que sofreu uma morte violenta, pois os parentes geralmente estão mais incontroláveis, o que também os afeta. Jair, no entanto, faz questão de observar que “de marginal eu não sinto pena. Aí tem que morrer mesmo”. Déri apóia: “O pior é quando é enterro desses jovens envolvidos em drogas. O problema é que depois os companheiros deles ameaçam a gente.” Daniel também recorda um momento particularmente ruim em que teve que enterrar um de seus cole- gas. No geral, apesar deles admitirem serem perturbados vez ou outra por alguma lembrança mais forte de um dia de trabalho (com exceção talvez de Déri, que prefere a companhia dos túmulos), todos procuram separar suas vidas dentro e fora do cemitério. “Claro que às vezes nem em casa se sossega. Você liga a televisão e vê anunciando um cara que você acabou de enterrar. Não é fácil não ficar com medo que aquilo aconteça com sua família também”, diz Daniel. Mas cada um tem sua maneira para relaxar dos seus tão particulares dias de trabalho. “O melhor jeito de esquecer é tomando uma”, afirma Déri. Outros preferem ocupar a cabeça com os filhos, o providencial jogo de futebol no sábado e no domingo e uma praia sempre que possível. Mas talvez não seja caso para preocupação, com tantos “Santos”, talvez os mortos não estivessem em melhores mãos. Desde 2002, o Ministério do Trabalho mudou a nomenclatura da ocupação dos coveiros tornando-os sepultadores, através da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). O salário médio de um sepultador é de R$ 450,00. O trabalho é de cerca de 8 horas por dia com 44 horas semanais. A função inclui, além da abertura de sepulturas, a manutenção do cemitério. O município de Salvador tem sua população estimada em 2,4 milhões de habitantes (de acordo com o último Censo Demográfico do IBGE de 2000). A cidade dispõe de 19 cemitérios (8 privados e 11 públicos) para atender um coeficiente de mortalidade de 439 para cada 100.000 habitantes, com um total de 12.767 óbitos anuais (últimos dados levantados em 2004). Esses dados levam a aproximadamente 35 mortos por dia para serem distribuídos entre os 19 cemitérios. Um cemitério como o do Campo Santo abriga cerca de 30 profissionais que trabalham com sepultamento (entre pedreiros para túmulos, restauradores e manutenção em geral) sendo que 4 são contratualmente sepultadores (trabalham exclusivamente abrindo covas). 30 GERAL Cidadão convive com parques abandonados em Salvador Josenilton Freire O s espaços públicos destinados à atividade física e ao lazer em Salvador sofrem com falta de segurança e de infra-estrutura. Nas discussões sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) da capital baiana, as questões relacionadas ao meio ambiente e locais públicos de lazer estão em segundo plano. Os insuficientes números de parques estão localizados em bairros distantes da maior parte da população do subúrbio, o oposto do que se espera deles. A falta de segurança constante e do abandono pela administração pública são as principais reclamações da população. O parque Juventino Silva, mais conhecido como Parque da Cidade, é um exemplo de como a insegurança e o des- caso se tornaram algo comum. Durante uma visita, a reportagem identificou problemas como acúmulo de lixo, canal de esgoto a céu aberto e guaritas de segurança na parte onde há estruturas físicas, além de outros problemas ao longo do local. Enquanto isso, parte da população pratica exercícios nos locais mais inusitados. Tiago Medeiros da Silva, 27 anos, depois de estar 20 quilos acima do peso, optou pela caminhada nas ruas de seu próprio bairro. “Não é exigir exclusividade de espaço, e sim melhorar estes ambientes públicos, principalmente na questão da segurança” opina. Idosos e pessoas acima do peso, na maioria das vezes, são os mais afetados pelo sedentarismo. Gildete Novaes, 54 anos, moradora do bairro Uruguai é um exemplo claro de como a falta de atividade Josenilton Freire Praticantes de caminhada dividem espaço com pedestres, carros e bicicletas no Dique do Tororó física afeta a saúde. Ela habituou-se a conviver com problemas sérios de saúde, como asma, pressão alta e até uma bronquite que poderiam ser evitados com a prática regular de exercícios. A indicação feita há cerca de dois anos pelo médico foi a solução para a melhoraria do bem estar físico e psicológico da aposentada. Mesmo longe de casa, ela dedica duas horas do seu tempo diário para fazer caminhada. “Como forma de incentivo, deveríamos ter uma melhor distribuição dos parques mesmo que fosse em áreas menores” sugestiona. O coordenador da Secretaria de Lazer e Entretenimento de Salvador (SMEL), Adonias Rios Teixeira, fala que existem projetos da prefeitura visando um aproveitamento dessas áreas. “Projetos estão sempre sendo criados para incentivar a população a praticar esporte e o lazer melhorando os índices da qualidade de vida”. Teixeira esclarece que a inse- Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 Josenilton Freire De acordo com recomendações da ONU, a relação áreas verdes/habitantes é insuficiente em Salvador gurança no local é acentuada em função do pouco efetivo de homens na Polícia Militar e que a defasagem se dá por motivos de mortes e aposentadorias dos policiais nas corporações. Segundo as recomendações da ONU a exigência mínima como padrão de qualidade de aéreas verdes é de 16 m2 por habitante. Salvador não cumpre essa meta. Existem nove parques que representam as áreas verdes Soteropolitana situados em locais estratégicos e de difícil acesso à população de bairros distantes. A Prefeitura administra três deles: Parque da Cidade Juventino Silva, o Parque Histórico Metropolitano de Pirajá e o Parque Atlântico. O Governo do Estado administra os demais, sendo que a Companhia de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Salvador (CONDER) administwra cinco: Parque da Lagoa e Dunas do Abaeté, Parque do Jardim dos Namorados, Parque Metropolitano de Pituaçu Parque do Dique do Tororó e o Parque do Costa Azul; e o Parque Zoobotânico Getúlio Vargas/Jardim Zoológico que é administrado pela Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária. Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 ESPORTES 31 PA R A PA N Bronze, prata e ouro para a Bahia A despeito do bom desempenho, ainda é difícil ser para-atleta na Bahia Ledson Chagas Ronaldo Santos, medalhas de prata e bronze no Parapan Ledson Chagas A membro da equipe de natação, obteve duas medalhas de prata nas provas de 400 e de 50 metros livre e duas de bronze nas provas de 100 metros livre e de 100 metros costa. Marcelo Collet, 26 anos, também da natação, conseguiu uma medalha de ouro no 4x100 medley (competição que reúne quatro estilos diferentes; costas, peito, borboleta e livre) e três de bronze: 400 e 100 metros livres e 100 metros borboleta. Além dos membros baianos da equipe de natação, a seleção brasileira de futebol para cinco jogadores (todos cegos, com exceção do goleiro) também obteve medalha, a de ouro, com a colaboração de um baiano, Jefferson Gonçalves, 17 anos. pesar das dificuldades encontradas para conseguir apoio no meio esportivo, os membros baianos da delegação brasileira de paraatletas obtiveram ótimos resultados ao ganhar medalhas em todas as provas que disputaram nos Jogos Parapan-Americanos, ocorrido entre os dias 12 e 19 de agosto de 2007, na cidade do Rio de Janeiro. A mínima contribuição baiana (apenas três para-atletas) driblou os dados quantitativos e demonstrou seu ascendente potencial colaborando com o saldo de 228 medalhas do Brasil, contra as 112 do Canadá e 117 do terceiro colocado, os Estados Unidos (o critério principal é o de medalhas de ouro, sendo 83 para o Cotidiano de atleta Brasil, 49 para o Canadá e EstaO para-atleta Ronaldo Santos dos Unidos com 37). disputa suas provas da natação Ronaldo Santos, 30 anos, na categoria S7, onde, aliás, ocu- pa o primeiro lugar no ranking nacional. Já Marcelo Collet, segundo lugar no ranking nacional e sétimo no mundial, faz parte da categoria S10. Essas categorias designam a gravidade da deficiência-fisica do para-atleta. Assim, Collet, atropelado aos 17 anos e sofrendo de privação da sensibilidade da perna esquerda, causada pela perda muscular e secção do nervo ciático, compete em uma categoria de deficiência-fisica menos severa que Ronaldo, que sofre de poliomielite dos membros inferiores. Na categoria S1, por exemplo, as provas são disputadas por deficientes com paralisia cerebral. Ronaldo, ou melhor, Ronnie, como é mais conhecido em seu bairro, o Alto do Coqueirinho, trabalha na área de segurança de um dos shopping centers da cidade, como monitor do sistema de vídeo, no turno da tarde e treina, pela manhã, na única piscina de nível profissional de Salvador, a do Estádio Octávio Mangabeira (Fonte Nova). Falando sobre as dificuldades de praticar o esporte em Salvador, comenta: “No Rio de Janeiro, você encontra uma piscina em cada esquina”. Marcelo Collet, estudante de Cinema e Vídeo, e morador do Jardim Armação, fala sobre a forma como as pessoas “normais” observam o deficiente: “Não me incomodo quando passo na rua e alguém, ao invés de olhar para o meu rosto, olha para minha perna. Entendo que ela (a pessoa) está sentindo uma curiosidade. Encaro com normalidade”, e brinca: Quando sofreu o acidente, diz que se sentiu aniquilado. Considerou, inclusive, a possibilidade de jamais voltar a ter um relacionamento amoroso. Depois, percebeu as infinitas possibilidades de retomada da vida. Hoje, diz: “Isso me fez crescer muito como ser humano”. Sem tempo para descanso, Marcelo Collet, Ronaldo Santos e companhia se preparam agora para os Jogos Paraolímpicos de Pequim, em 2008. Patrocínio Marcelo, que ingressou no mundo dos esportes profissionais antes do acidente, conta que não encontra tantas dificuldades assim em conseguir patrocínios, por já ser conhecido “de outros carnavais” (chegou a ser convidado para disputar o mundial de triatlon na Suíça em 1998). Hoje, através do Faz Atleta (Programa Estadual de Incentivo ao Esporte Amador Olímpico e Para-olímpico - instituído através da lei Estadual nº. 7539, de 24 de novembro de 1999, que concede abatimento no ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), Collet é patrocinado por uma empresa de material de construção, por prazo indefinido. Ronaldo Santos, no entanto, só conseguiu um patrocínio agora, depois do Parapan - também através do Faz Atleta – em uma rede de lojas de eletrodomésticos, cujo possível termino está previsto para dezembro deste ano. Ronaldo diz que, em outras competições que disputou, contou com a solidariedade de amigos e da típica criatividade dos necessitados, fazendo rifas de quadros doados, vaquinhas e contando com o apoio até mesmo de entidades religiosas. 32 Bastidores Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Setembro de 2007 “Quem é este cara?” Nos bastidores da mídia há sempre um Carlindo Sena, anônimo para o público, mas fundamental para as emissoras joão eça Processo de criação A inspiração para compor tantos personagens, de acordo com ele, “é um presente de Deus, pois tudo acontece quando menos espero, por acaso, enquanto executo o meu trabalho no estúdio.” A sua rotina de operador de gravação inclui ainda diversas outras atividades como, gravação de Diego Mascarenhas Q ual o telespectador da TV Itapoan ou ouvinte da Rádio Sociedade que nunca se perguntou sobre quem seria o autor daquelas dezenas de vinhetas, com risadas, choros e outras aninamações, que dão a pitada de humor durante a programação da emissora radiofônica e são fundamentais para o apresentador Raimundo Varela segurar a atenção do público durante o seu programa “Balanço Geral”? Hoje, o operador de gravação da Rádio Sociedade, Carlindo Raimundo de Jesus Sena, 50 anos, usa a sua graça para criar figuras como “Risadinha”, “Vovô Gumercindo” e “Seu Asclepíades”, além de ter inventado, no passado, personagens de sucesso do rádio baiano, a exemplo do Coronel Pafúnfio e do estilista Pierre Du Vier. Antes de os seus personagens entrarem no ar, Carlindo Sena tem de jogar em todas as posições: criar, gravar, editar e ainda por cima, produzir suas vinhetas. Segundo ele, a recompensa por tanto trabalho é o fato de poder mexer com a imaginação do público. “As pessoas me param na rua e perguntam qual a idade do “Vovô Gumercindo” (personagem que dedura os bandidos reais de Salvador), como ele se protege ou se vai à rádio trabalhar todos os dias”, diverte-se Carlindo. Carlindo Sena trabalhando nos estúdios da Rádio Sociedade matérias e noticiários dos repórteres, organização das chamadas e dos comerciais veiculados durante toda a programação, além das exaustivas edições de longas entrevistas ou reportagens. Ele não reclama. “Tenho um verdadeiro caso de amor por esse veículo de comunicação chamado rádio, por seu dinamismo apaixonante, e até mesmo aquelas atividades de operador consideradas mais cansativas, eu gosto de realizá-las e executo como se fosse a última vez, com todo o carinho”, derretese Sena. Sobre a sua trajetória profissional, Carlindo recorda ter chegado à Rádio Sociedade, em 1987, por intermédio do então radialista Fernando José, que, posteriormente, foi prefeito de Salvador (19891992). “Nunca havia trabalhado na área, e aquela oportunidade foi a realização de um sonho de infância”, enfatiza ele, “sempre tive interesse no ramo artístico, tendo, inclusive, escrito uma peça de teatro.” Muitos dos seus colegas de trabalho dizem que a sua mentalidade criativa poderia ser melhor ex- plorada e estimulada, porém, ele afirma não guardar mágoas pela ausência de uma oportunidade maior: “Me sinto bem divertindo o público, sem buscar compensação financeira. E o meu sonho realmente é poder fazer um programa sertanejo, engraçado, no rádio e depois na televisão. Mas, as coisas acontecerão no tempo certo, tenho fé em Deus, e Ele me dará esta chance quando sentir que realmente eu esteja preparado”. Tempo de estrada Nos seus vinte anos como operador de áudio, Carlindo Sena, que passeia com os seus quatro filhos em uma Kombi, apelidada de “A velha Senhora”, acompanhou profundas transformações no radialismo, e teve de adaptarse às tecnologias que foram surgindo. “Vi muitos colegas ficarem desempregados porque se recusavam a aprender a trabalhar com os novos programas de edição no computador.” Neste período, também acumulou diversas histórias, casos e situações cômicas. Ele relembra, com os olhos marejados, um fato que considera ter sido o melhor momento da sua carreira. “Aconteceu em 1996, durante um programa no rádio, enquanto eu interpretava um personagem que se passava por estilista homossexual. Quando deu o intervalo comercial”, ele segue, “uma senhora ligou nos agradecendo, pois a sua mãe, que não sorria desde a morte do filho, em um acidente de carro, ocorrido há cinco meses, finalmente deu gargalhadas após ouvir nossas imitações. Eu me emociono com isso até hoje, pois receber a gratidão do público é o presente que mais nos traz orgulho.”