Esterilização química de cães machos – uma revisão
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Esterilização química de cães machos – uma revisão
Alternativas contraceptivas para machos caninos e felinos Profa Dra. Erika Christina Santos Oliveira Departamento de Medicina Veterinária, Setor de Reprodução, UFRPE, Recife-PE 1. Introdução Muitas pesquisas têm sido realizadas na tentativa de tornar os métodos de esterilização mais acessíveis para população a fim de reduzir o número de cães e gatos que sofrem eutanásia todos os anos. As cirurgias tradicionais requerem tempo, têm custo elevado, além de serem inconvenientes para o proprietário que precisa submeter seu animal a um procedimento cirúrgico e, ainda, traumático para o mesmo. A contracepção medicamentosa requer administração contínua do medicamento/tratamento uma vez que o animal não perde a capacidade de reproduzir, alem de requerer atenção contínua do proprietário. Técnicas menos invasivas têm sido estudadas, tais como a utilização de agentes esclerosantes no testículo e epidídimo (Fayrer-Hosken et al., 2000). Entretanto, pesquisas que desenvolvem esterilização química de machos ainda são restritas, e um dos fatores esta relacionado aos resultados obtidos com a maioria dos agentes esclerosantes, que não resultam em azoospermia e causam irritação ou ulceração do escroto (Fahim et al., 1993). Esta revisão tem como objetivo abordar o que há de novo sobre alternativas contraceptivas para machos caninos e felinos. 2. Revisão de Literatura 2.1. Contracepção imunológica 2.1.1. Vacinas anti-GnRH A imunização contra o GnRH permite o bloqueio hormonal impedindo que haja liberação hipofisária de LH e de FSH, necessários ao funcionamento ovariano e testicular. Para a imunoneutralização com GnRH são necessários títulos vacinais elevados de anticorpos anti-GnRH, que impedem a união deste hormônio com seus receptores na hipófise. A vacina anti-GnRH promove um efeito estéril temporário em machos e fêmeas. Este efeito é acompanhado de supressão do comportamento reprodutivo. A imunocontracepção é assegurada através da aplicação de duas doses vacinais. Através da primeira exposição, o sistema imune é preparado e responde com uma imunidade de curta duração. Através da segunda exposição observa-se uma resposta imune prolongada que pode persistir por vários meses e até anos, dependendo da proporção de antígeno retido no organismo. A formulação antigênica é constituída pela associação do peptídeo GnRH com uma proteína (Robbins, 2004) ou um nucleotídeo (Baker, 2004) combinados com um adjuvante. Os imunocomplexos formados (antígeno/anticorpo) são grandes e incapazes de se difundir pelos capilares hipofisários. Estes complexos são transportados pela circulação venosa da hipófise para os linfonodos de drenagem onde os níveis antigênicos garantem a contracepção imunológica. A contracepção com vacinas anti-GnRh são mais eficazes em fêmeas do que em machos, provavelmente devido às diferenças nos padrões secretórios de GnRH e gonadotrofinas (cíclico x contínuo) entre os sexos. O efeito contraceptivo em animais submetidos à vacinação anti-GnRH pode ser observado em média 12 a 14 semanas pós vacinação (Baker, 2004; Peed et al., 2010). Os machos que desenvolvem títulos vacinais adequados mostram concentrações circulatórias reduzidas de testosterona (<0,1ng/mL) durante o período de imunização (Robbins, 2004; Peed et al., 2010), voltando aos valores fisiológicos para a espécie após a redução dos títulos de anticorpos contra o GNRH. Um dos aspectos a serem considerados na vacinação anti-GnRH é a possibilidade no estabelecimento de doença auto-imune pela produção continuada de imunocomplexos formados (Robbins, 2004). Recentemente, foi desenvolvida uma nova vacina contraceptiva composta por partículas que carreiam peptídeos de ligação à zona pelúcida e que mimetizam o espermatozóide que se liga às proteínas da zona pelúcida durante a fertilização. A administração desta vacina resulta na formação de anticorpos contra este espermatozóide interferindo com a função do mesmo. Adicionalmente, como há estímulo para produção de células B e T do sistema imune, a vacina inibe a espermatogênese e esteroidogênese (Samoylova et al., 2010). 2.2 .Contracepção química 2.2.1. Progestágenos Os progestágenos incluem o megestrol (acetato) e a medroxiprogesterona. Os progestágenos reduzem a qualidade seminal (decréscimo do número total de espermatozóides, motilidade espermática progressiva e espermatozóides morfologicamente normais), garantido uma função contraceptiva. Os efeitos colaterais observados incluem o aparecimento de diabetes mellitus e nódulos mamários, o que limita sua utilização como método contraceptivo no cão (England, 1997). 2.2.2. Análogos do GNRH Os análogos do GnRH atuam na supressão do eixo hipofisário-gonadal e levam ao decréscimo da concentração de testosterona e LH e à azoospermia (Inaba et al., 1996). Tanto os progestágenos quanto os análogos do GnRH são contraceptivos temporários e o animal tem sua atividade reprodutiva restabelecida após a interrupção da utilização dos mesmos. Análogos de GnRH como a deslorelina (Suprelorin, Peptech Animal Health, Austrália) têm sido usados experimentalmente em cães na forma de implantes, aplicados na região escapular na dose de 0,39mg/Kg de princípio ativo (Trigg et al., 2001; Junaidi et al., 2003). Em gatos, a utilização da Deslorelina é mais recente (Romagnoli et al., 2010). Os efeitos do análogo, cuja eficácia contraceptiva chega a ser de 98% (Trigg, 2004), contribuem para redução da produção de testosterona, que cai a índices inferiores a 1ng/mL. Até o momento presente não se conhece nenhum efeito adverso decorrente da aplicação dos implantes, que têm um período de ação estimado entre 8 e 12 meses. O Azaglinafarelina (Gonazon-CR/Intervet) é uma droga similar à nafarelina. Também é utilizada na forma de implante subcutâneo e, de acordo com informações do fabricante, trata-se de um medicamento seguro que pode ser aplicado em fêmeas prépúberes, adultas e em machos. A contracepção se estende por um período de até um ano após administração do implante e não parece interferir no desenvolvimento corporal dos animais submetidos ao tratamento (Concannon, 2005). Embora sejam observadas diferenças na intensidade do efeito de retroalimentação negativa entre espécies os análogos de GnRH são comprovadamente eficazes como contraceptivos em caninos selvagens e em felinos (Bertschinger et al., 2002). 2.2.3. Agentes esclerosantes Há relatos na literatura da utilização de agentes esclerosantes no testículo, epidídimo e ducto deferente (Pineda et al., 1977; Nishimura et al., 1992; Immegart e Threlfall, 2000). Quando injetados no parênquima testicular, os agentes esclerosantes levam à atrofia testicular e decréscimo da espermatogênese, além de promoverem redução da concentração de andrógenos, o que contribui para a diminuição de alterações andrógeno-depedentes, tais como doenças da próstata e alterações de comportamento (demarcação pela urina, monta, agressividade). A aplicação da droga no testículo leva a uma resposta sistêmica imune devido à ruptura da barreira de células de Sertoli, além de inflamação local com liberação de antígenos testiculares (Johnston et al., 2001). Se estes agentes são injetados no ducto deferente ou epidídimo, observa-se azoospermia pela indução de oclusão fibrosa, contudo a possibilidade do surgimento de alterações andrógeno-dependentes não pode ser descartada (Bloomberg, 1996). Os agentes esclerosantes que têm sido utilizados incluem glicerol (Immegart e Threlfall, 2000), tanato de zinco, gluconato de zinco (Fahim et al., 1993), clorexidina (Aiudi et al., 2010), dimetil-sulfóxido (Pineda et al., 1977; Pineda e Doley, 1984), ácido láctico (Nishimura et al., 1992) e cloreto de cálcio (Baran et al., 2010). As pesquisas que envolvem esterilização química de machos são restritas e um dos fatores está relacionado aos resultados obtidos com a maioria dos agentes esclerosantes, que não resultam em azoospermia e causam irritação ou ulceração do escroto. A esterilização química ideal deve preencher alguns requisitos para ser considerada tão eficaz quanto a esterilização cirúrgica. Inicialmente, ela deve ser eficaz em uma grande porcentagem de animais tratados. Segundo, ela deve ser segura para os animais tratados e para o meio-ambiente e, finalmente, deve ser irreversível após um único tratamento. O primeiro produto que preencheu estes requisitos foi o gluconato de zinco. 2.2.3.1. O zinco como agente esterilizante O zinco tem pH neutro e faz parte da composição do plasma seminal e dos tecidos do trato reprodutor masculino. Além disso, o plasma seminal e os tecidos desta região contêm uma concentração de zinco maior que qualquer outro órgão do corpo (Fahim et al., 1993). No sistema imunológico o zinco desempenha papel fundamental, pelo fato de as células do sistema imune apresentarem altas taxas de proliferação, e este mineral estar envolvido na tradução, transporte e replicação do DNA (Blanc et al., 1991). A influência direta do zinco no sistema imune acontece devido a este elemento estimular a atividade de enzimas envolvidas no processo de mitose, como a DNA e a RNA polimerase, timidina quinase, desoxiribonucleotidol terminaltransferase e ornitina descarboxilase (Delafuente 1991; Sena e Pedrosa, 2005). O zinco pode, ainda, afetar o processo de fagocitose dos macrófagos e neutrófilos e interferir na lise celular mediada por células natural killer e na ação citolítica das células T (Blanc et al., 1991). A exposição à concentração elevada de zinco leva ao aumento dos leucócitos polimorfonucleares, macrófagos e linfócitos estimulados pela presença do mineral (Toxicological..., Atlanta-EUA, 2005). Acredita-se que a injeção intratesticular da solução à base de zinco leva a uma alteração semelhante à observada na orquite autoimune, processo inflamatório testicular mediado por formação de anticorpos contra os próprios antígenos testiculares do indivíduo. Ocorre lesão no epitélio germinativo com conseqüente destruição dos espermatócitos, espermátides e espermatozóides o que resulta na esterilidade do animal (Mann e Lutwak-Mann, 1981). Num experimento realizado por Fahim et al (1993), onde foi testada a ação de injeção de gluconato de zinco na cauda do epidídimo de cães adultos, foi observada azoospermia aos 90 dias após o tratamento. À avaliação histológica do epidídimo e testículos um ano após o tratamento, os mesmos autores observaram atrofia dos túbulos seminíferos, formação de tecido cicatricial e atrofia da rede testicular, além de provocar enrolamento da cabeça e corpo do epidídimo. Entretanto, a concentração de testosterona plasmática não foi alterada. Wang (2002), avaliando o efeito de injeção intratesticular de gluconato de zinco em cães com idades entre 2½ a 10 meses, observou aspermia, azoospermia ou necrospermia aos 60 dias do início do tratamento em 95% dos animais. O mecanismo de ação da droga foi atribuído ao zinco que causou atrofia dos túbulos seminíferos com formação de tecido de granulação que impediu a migração dos espermatozóides dos túbulos seminíferos para o epidídimo. Posteriormente, foi relatado que a concentração de testosterona plasmática reduziu para 41 e 52% nos cães tratados com injeção com zinco, entretanto, alguns animais do experimento mantiveram a concentração do andrógeno semelhante ao do grupo controle (Neutersol, 2003; Haper, 2004). Haper (2004) concluiu que o procedimento não deve ser utilizado para correção de alterações andrógeno-dependentes. Um medicamento, cuja base também é o gluconato de zinco (Infertile ®), foi lançado recentemente no Brasil. A aplicação do mesmo em cães machos adultos jovens não levou à azoospermia, embora tenha sido observada diminuição da motilidade e da concentração espermática 12 meses após a injeção intratesticular da droga. À avaliação histológica dos testículos foi observado degeneração testicular, diminuição do número de células germinativas, atrofia, ruptura da arquitetura dos túbulos seminíferos e perda das células de Sertoli. Quanto à concentração de testosterona, esta não foi avaliada (Soto et al., 2007). Desde 2003 um outro agente esclerosante à base de zinco (Testoblock, BioRelease Technologies, Birmingham, AL, USA) vem sendo estudado para ser utilizado na esterilização de machos caninos por meio de injeção intratesticular. Sua eficácia foi avaliada em animais entre oito meses e quatro anos de idade (Oliveira, 2006; Oliveira et al., 2007). Os resultados encontrados por Oliveira (2006), em estudo realizado por um período de seis meses, indicam que a solução à base de zinco (Testoblock) é eficaz em bloquear a espermatogênese. Observou-se azoospermia aos 60 dias após a injeção de zinco e o grau de dano celular encontrado à avaliação histológica e ultraestrutural dos testículos sugeriu a irreversibilidade do processo. Atualmente, pesquisas vêem sendo desenvolvidos no Laboratório de Andrologia - Androlab do DMV/UFRPE para se estabelecer a segurança e irreversibilidade da injeção intratesticular de gluconato de zinco em longo prazo (Muller et al., 2009; Silva et al., 2009). A população felina vem crescendo gradativamente nos centros urbanos e encontrando seu lugar na família. Estes animais de estimação estão assumindo importância cada vez maior, inclusive para a manutenção da saúde mental de nossa sociedade, ajudando a manter o equilíbrio emocional. A avaliação da eficácia da injeção intratesticular de uma solução de gluconato de zinco na espécie felina foi relatada pela primeira vez por Oliveira et al. (2009), e os resultados preliminares encontrados suportam e encorajam a instauração de uma possível alternativa contraceptiva para esta espécie. Pesquisas estão sendo desenvolvidas para a confirmação desta hipótese. 3. Considerações Finais A prevenção da fertilidade do macho é importante não apenas para o controle de coberturas indesejadas, mas também pela diminuição do comportamento de macho tais como monta, demarcação pela urina e agressividade. Alternativas aos métodos convencionais de esterilização têm sido estudadas, como a utilização de agentes esclerosantes no testículo ou epidídimo. Estas são bastante promissoras uma vez que podem contribuir para uma maior eficácia do controle populacional de cães de rua, diminuição das eutanásias de animais, controle de zoonoses além de proporcionar ao proprietário uma técnica de esterilização menos invasiva e mais segura para o seu animal. 4. Referências Bibliográficas Aiudi G, Silvestre F, Leoci R, et al. Single testicular injection Chlorhexidine solution as a chemical sterilant in dogs. In: International Symposium on Non-Surgical Contraceptive Methods for Pet Population Control. 4, 2010, Dallas, Texas. Proceedings … Dallas, Texas: ACC & D, 2010. Baker HJ. Immunization of cats and dogs with an anti-GnRH protein vaccine with molecular adjuvantation. In: International Symposium on Non-Surgical Contraceptive Methods for Pet Population Control. 2, 2004, Breckenridge, CO. Proceedings … Breckenridge, CO: ACC & D, 2004. Baran A, Banu Ozdas O, Izem Hamzaoglu A et al. 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