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CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 Antônio Batista da Silva Júnior VANTAGENS E DESVANTAGENS EM RELACIONAMENTOS COOPERATIVOS: O CASO USIMINAS-FIAT CI0219 Setembro 2002 Fundação Dom Cabral Av. Princesa Diana, 760 – Alphaville Lagoa dos Ingleses 34000-000 Nova Lima, Minas Gerais, Brasil – Fone: 55 31 3589-7222 Fax: 55 31 3589-7401 e-mail: [email protected] – www.domcabral.org.br CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 VANTAGENS E DESVANTAGENS EM RELACIONAMENTOS COOPERATIVOS: 1 O CASO USIMINAS-FIAT Antônio Batista da Silva Júnior RESUMO Alianças, redes e todas as formas de relacionamentos cooperativos têm sido abordados de uma maneira ampla e generalizada na literatura em estratégia. Dentre estas abordagens, destacam-se a teoria da dependência de recursos, a teoria da escolha estratégica, a teoria da organização industrial, a teoria do capital social, a teoria do stakeholder, a teoria dos custos de transação, a teoria dos jogos, a teoria institucional, a teoria dos recursos (resource-based view) e a teoria da aprendizagem organizacional. Estas diversas abordagens apontam vantagens e desvantagens que o processo de formação e implementação de relacionamentos cooperativos trazem para as empresas que deles participam. O objetivo deste trabalho é mostrar, a partir da análise de uma experiência concreta de uma aliança estratégica formada entre a Fiat e a Usiminas, as vantagens e desvantagens potenciais advindas de um relacionamento cooperativo entre duas empresas. A análise do caso confirma a presença da maioria das características relacionadas pela literatura INTRODUÇÃO Diversos motivos têm levado as empresas a buscar mecanismos inovadores para responderem com eficácia aos novos desafios que o ambiente empresarial apresenta. Alianças estratégicas têm se constituído cada vez mais, numa eficaz ferramenta para desenvolver aprendizado coletivamente, mudar hábitos e atitudes dos executivos, aperfeiçoar a gestão e, consequentemente, aumentar a competitividade das empresas no mercado. Seja para melhorar a qualidade de produtos e serviços ou o atendimento ao cliente, superar barreiras comerciais, desenvolver novas tecnologias, aprender ou acessar novas competências e habilidades, repartir custos de desenvolvimento de produtos, alavancar a produtividade ou ganhar vantagem no mercado competitivo global, a formação de alianças tem ganhado impulso e se transformado numa forma eficaz de resultados para as empresas que a utilizam. Entretanto, uma aliança estratégica é um movimento que pode trazer tanto competências como vulnerabilidades para as empresas que dela participam. O objetivo deste trabalho é mostrar, a partir da análise de uma experiência concreta de uma aliança estratégica formada entre a Fiat e a Usiminas, as vantagens e desvantagens potenciais advindas de um relacionamento cooperativo entre duas empresas. Buscaremos identificar estas características no caso em questão, apoiando-nos em algumas abordagens teóricas potencialmente explicativas do processo de formação de alianças estratégicas, que aqui serão denominadas de maneira mais ampla de relacionamentos cooperativos. Abordagens teóricas que potencialmente apoiam a compreensão dos relacionamentos cooperativos. Alianças, redes e todas as formas de relacionamentos cooperativos têm sido abordados de uma maneira ampla e generalizada na literatura em estratégia e organização. 1 Trabalho apresentado no XXVI ENAMPAD – Encontro da Associação Nacional dos Programas de PósGraduação em Administração, em setembro/2002. 1 CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 Sem pretender sermos exaustivos, buscamos identificar algumas abordagens teóricas que trazem compreensão às razões pelas quais as empresas cooperam entre si. Dentre estas abordagens destacam-se a teoria da dependência de recursos (PFEFFER e SALANCIK, 1978), a teoria da escolha estratégica ((HARRIGAN, 1988), (JARILLO e RICART, 1987)), a teoria da organização industrial (PORTER, 1980), a teoria do capital social (PUTNAM, 1993), a teoria do stakeholder (JONES, 1995), a teoria dos custos de transação ((COASE, 1937), (WILLIAMSON, 1975)), a teoria dos jogos ((AXELROD, 1984), (BRANDENBURGER e NALEBUFF, 1996)), a teoria institucional (DiMAGGIO e POWELL, 1983) a teoria dos recursos (resource-based view) ((PENROSE, 1997), (WERNERFELT, 1984), (RUMELT, 1984), (BARNEY, 1986), (DIERICKX e COOL, 1989), (PETERAF, 1993), (PRAHALAD e HAMEL, 1990) e (NELSON, 1991)) e a teoria da aprendizagem organizacional (DOZ, 1996). Cada uma dessas abordagens analisadas, embora não tenha sido desenvolvida especificamente para explicar as origens dos relacionamentos cooperativos e tenha diversas outras contribuições complementares, possui uma lógica própria que as conectam com estes relacionamentos e ajudam a entendê-los. O Quadro 1, a seguir, busca sintetizar o foco de cada uma, bem como apontar a lógica de cada uma das abordagens em relação aos relacionamentos cooperativos. 2 CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 QUADRO 1 Abordagens teóricas e lógicas em relação aos relacionamentos cooperativos Abordagem teórica Foco Lógica de cada abordagem teórica em relação aos relacionamentos cooperativos Teoria dos custos de transação Aborda como uma empresa deve organizar suas atividades e fronteiras de forma a minimizar os custos de produção internos e de transação com o mercado. Os relacionamentos cooperativos podem reduzir a incerteza causada pelos problemas de mercado ou redução de custos associados com a hierarquia. Teoria da dependência de recursos Argumenta que todas as organizações devem engajar-se em trocas com o seu ambiente para obter recursos. As organizações formam relacionamentos cooperativos para exercer poder ou controle sobre outras organizações que possuem recursos escassos. Teoria da escolha estratégica Estuda os fatores que proporcionam oportunidades para as empresas aumentarem sua competitividade ou poder de mercado. Lucros e crescimento são os principais objetivos que dirigem o comportamento estratégico As organizações entram em relacionamentos cooperativos se os benefícios financeiros ao fazêlo são menores do que os custos. Estratégias de relacionamento podem aumentar a habilidade da organização em entregar produtos e serviços superiores de maneira mais eficiente ou reduzir a competição. Teoria do stakeholder Organizações estão no centro de uma rede interdependente de stakeholders e tem responsabilidade de considerar os interesses legítimos de seus stakeholders quando tomam decisões e fazem transações de negócios. As organizações formam alianças, também chamadas de redes ou constelações, para alinhar seus próprios interesses com os interesses dos stakeholders e também reduzir as incertezas ambientais. Teoria da aprendizagem organizacional Aborda os processos que levam ao aprendizado organizacional. Um fator chave é a capacidade de absorção, que é definida como uma habilidade da empresa em reconhecer o valor de um conhecimento, assimilá-lo e aplicá-lo em um ambiente de negócios. As organizações buscam absorver a maior quantidade possível de conhecimento, desta forma aumentando as competências organizacionais e agregando valor à si próprias. Teoria institucional Sugere que ambientes institucionais impõem pressões sobre as organizações para conferir legitimidade e estar de acordo com as normas sociais prevalecentes. As organizações formam relacionamentos cooperativos para obter legitimidade, ou como resultado de terem sucumbido às pressões isomórficas ao imitar outras organizações que participam de relacionamentos cooperativos. Teoria da organização industrial Aborda a necessidade da empresa construir As organizações constróem relacionamentos e sustentar vantagens competitivas através cooperativos como forma de adquirir um melhor do posicionamento frente às forças posicionamento frente às forças competitivas. competitivas do seu segmento. Teoria do capital social Sustenta que o comportamento cooperativo dos indivíduos ajuda a solucionar os dilemas encontrados em uma sociedade, diminuir a complexidade e reduzir a incerteza. O relacionamento cooperativo constrói os pilares do capital social, que por sua vez gera um melhor desempenho das instituições. Teoria dos jogos Aborda os comportamentos que indivíduos e organizações mantém frente num ambiente de incerteza e complexidade. A cooperação emerge da evidência de que um comportamento de um ator atuando apenas em seu próprio interesse é pior, em termos de resultados da ação, do que uma relação cooperativa com a outra parte. Teoria dos recursos Sustenta que as organizações criam e mantém vantagens competitivas sustentadas baseadas em recursos desenvolvidos internamente. O relacionamento cooperativo permite o desenvolvimento coletivo de recursos e competências necessários para a conquista e manutenção de vantagens competitivas. Fonte: adaptado de BARRINGER e HARRISON (2000) e desenvolvido pelo autor. 3 CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 Os relacionamentos cooperativos, de acordo com as diversas abordagens teóricas, apresentam vantagens e desvantagens para as organizações que deles participam. Os Quadros 2 e 3, a seguir, buscam sintetizar estas vantagens e desvantagens, correlacionando-as com as abordagens teóricas tratadas até aqui. QUADRO 2 Vantagens dos relacionamentos cooperativos Vantagens potenciais Descrição Abordagem teórica Ganho de acesso a recursos particulares Organizações formam relacionamentos organizacionais para ganhar acesso a recursos particulares, tais como capital, conhecimento, mercado ou processos. Teorias de recursos, da dependência de recursos, do capital social, do aprendizado. Economias de escala Em muitos segmentos, custos fixos altos requerem que as empresas encontrem parceiros para expandir o volume de produção. Compartilhamento de risco e custo Relacionamentos cooperativos permitem que duas ou mais empresas compartilhem os riscos e custos de um empreendimento particular. Ganho de acesso a mercados externos Estabelecer parcerias com uma empresa local é freqüentemente a única maneira prática de ganhar acesso a mercados externos. Teoria do custo de transação, da escolha estratégica, da organização industrial. Teoria do custo de transação, da escolha estratégica, dos jogos, do aprendizado. Teoria do aprendizado, dependência de recurso, dos recursos. Desenvolvimento de produtos e/ou serviços Relacionamentos cooperativos proporcionam às empresas a oportunidade de juntar suas habilidades para desenvolver novos produtos e/ou serviços. Teoria dos recursos, institucional, dos jogos. Aprendizado Relacionamentos cooperativos proporcionam às empresas a oportunidade de aprender com outros parceiros Teoria do aprendizado. Velocidade ao mercado Empresas com habilidades complementares (ex: tecnologia de produção e acesso ao mercado) podem aliar-se para capturar as vantagens de entrar primeiro em um determinado mercado. Teoria do custo de transação, da escolha estratégica, dos jogos, dos recursos. Flexibilidade Relacionamentos cooperativos proporcionam uma alternativa valiosa para mercados e hierarquias. Teoria do custo de transação. Lobby Coletivo Organizações formam relacionamentos cooperativos para aumentar a sua capacidade de pressão coletiva sobre o governo, no sentido de que se adote políticas favoráveis aos seus interesses. Teoria do stakeholder, do capital social. Neutralização ou bloqueio de competidores Através de relacionamentos cooperativos, as empresas podem ganhar competências e poder de mercado que é necessário para neutralizar ou bloquear os movimentos dos competidores. Teoria de recursos, da organização industrial, do aprendizado. Fonte: adaptado de BARRINGER e HARRISON (2000). 4 CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 QUADRO 3 Desvantagens dos relacionamentos cooperativos Desvantagens potenciais Descrição Abordagem teórica Perda de informação Informação proprietária pode ser perdida proprietária por um parceiro que já seja um competidor ou eventualmente se torne um. Teoria do custo de transação,dos recursos, da organização industrial. Gerenciamento das complexidades Relacionamentos cooperativos requerem esforços combinados de duas ou mais empresas, o que é difícil de gerenciar. Teoria do aprendizado, do custo de transação, institucional, do capital social. Riscos financeiros e organizacionais A participação em relacionamentos interorganizacionais sujeita a empresa a potenciais comportamentos oportunísticos por parte dos parceiros. Teoria do custo de transação, dos jogos, do stakeholder. Risco de se tornar dependente de um parceiro Um poder desequilibrado emerge se um parceiro é dependente de outro. Gera uma oportunidade de um comportamento oportunístico por parte do mais forte. Teoria do custo de transação, do aprendizado, dos recurso, da dependência de recursos. Perda parcial de autonomia de decisão As culturas das organizações podem Teoria do capital social, chocar-se, tornando difícil a implementação institucional, do e gerenciamento do relacionamento. aprendizado. Perda da flexibilidade organizacional As rotinas criadas pelo relacionamento cooperativo podem dificultar a ação independente de uma das empresas. Teoria da dependência de recursos, do custo de transação, institucional. Implicações antitrustes Os benefícios de um relacionamento cooperativo podem ser severamente afetados por políticas regulatórias antitrustes. Teoria da organização industrial, do stakeholder. Fonte: adaptado de BARRINGER e HARRISON (2000). A ALIANÇA USIMINAS-FIAT A Usiminas, fabricante de aços planos, faz parte de um sistema composto por 14 empresas, com cerca de 35.000 empregados e com faturamento, no ano 2000, de aproximadamente R$ 2,4 bilhões. Seus principais produtos são chapas grossas, laminados a quente e a frio, inclusive eletrogalvanizadas ou galvanizadas por imersão a quente. A Fiat Automóveis no Brasil obteve um faturamento líquido, em 2000, de aproximadamente R$ 5,4 bilhões, produzindo cerca de 434 mil veículos e empregando cerca de 12.000 empregados. A parceria entre a Usiminas e a Fiat surgiu em 1994, em um período que demonstrava prosperidade do setor automobilístico. A Fiat, limitada em seu espaço físico e com estratégia de otimizar investimentos e focar em seu negócio principal, adotava uma política de desverticalização de parte de sua produção via 5 CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 estabelecimento de parcerias fortes que pudessem atender sua demanda e, conseqüentemente, viabilizar seu crescimento e o ganho de produtividade exigido pelo mercado. A Usiminas, voltada para a questão do crescente aumento da capacidade produtiva de aço no mundo, após a privatização do setor, em 1991, respondia ao novo ambiente competitivo com a adoção de uma estratégia de fornecer soluções ao cliente com agregação de valor ao produto. INÍCIO DA ALIANÇA As duas empresas, num processo de complementaridade sinérgica, conjugaram seus esforços para geração de ganhos mútuos. O processo iniciou-se quando a área de marketing da Usiminas apresentou à Fiat uma nova proposta de fornecimento semanal de bobina de aço, em pequenos ciclos, via sistema just in time, de forma a reduzir o estoque na cadeia produtiva. A Fiat respondeu com uma proposta mais abrangente que era a formação de uma parceria estreita, de longo prazo, que envolvia cessão para a Usiminas, em regime de comodato, de algumas linhas de prensas e de corte (que até então estavam instaladas em outras unidades de produção) para que esta última produzisse e fornecesse peças estampadas, prontas para serem montadas no veículo. Do ponto de vista da Fiat era uma das grandes oportunidades de conseguir elevar, no médio prazo, sua produção para 420.000 veículos por ano. A ocasião era oportuna pelo fato da Usiminas ser um fornecedor forte que teria condições de realizar os investimentos necessários para a formação da parceria. Do ponto de vista da Usiminas, essa poderia ser a oportunidade de voltar ainda mais sua atenção para um de seus segmentos alvo – o automotivo – que demonstrava crescimento no mercado interno e agregar valor ao aço, uma de suas estratégias. A proposta da Fiat soava tentadora para a Usiminas, que buscou estudar as vantagens e a viabilidade do negócio inovador que estava em suas mãos. Com a aliança proposta, os ganhos para a Usiminas eram vislumbrados pela oportunidade de ampliar seu market share, saindo na frente de seus competidores como também, reduzindo a ameaça de entrada de novos concorrentes. Adicionalmente, a Usiminas poderia adquirir um aprendizado específico, em áreas estratégicas, que permitiria a formação de um novo negócio que ofereceria um produto diferenciado, reestruturando, assim, sua forma de relacionamento com os clientes. Na análise do Presidente da Usiminas, “essa nova modalidade de prestação de serviço garantiria à empresa o aumento do valor agregado ao seu produto”. Além disto, sua imagem frente ao mercado seria de fornecedora de soluções, o que coadunava com sua estratégia. Para a Fiat, os ganhos passariam pela garantia do abastecimento sob o regime de just-in-time com pontualidade e confiabilidade, o que otimizaria o fluxo de produção. O material recebido estaria pronto para ser montado no veículo. Os benefícios seriam quantificados na otimização de estoque, na queda do custo com mão-de-obra e, principalmente, na redução e otimização dos investimentos necessários para liberação de área de importância estratégica para o aumento de sua capacidade produtiva. Adicionalmente, haveria, ainda, divisão de riscos e a ampliação de garantia do produto vendido pela Usiminas. CONCRETIZAÇÃO DA ALIANÇA De acordo com os estudos técnicos de viabilidade realizados pelas partes para implantação de uma unidade de estampagem – Usistamp 1 – a parceria era vista como de pouco risco. O 6 CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 mercado parecia garantido. O preço necessário para manter a parceria e gerar ganhos almejados pelas partes estava acertado. A tecnologia necessária era dominada pela Fiat, que transferiria para a Usiminas, sem ônus. A unidade seria gerenciada com base em um acordo bilateral a ser orientado pela Fiat e o volume de fornecimento inicial estabelecido girava em torno de 1.000 toneladas/mês de peças estampadas. Com a clareza dos dados e dos futuros passos, a Usiminas e a Fiat, num processo ganha – ganha, concretizaram a aliança com a fundação da primeira unidade de serviço de estampagem. A Usistamp 1, parceria sem contrato formalizado e pertencente à Usiminas, foi instalada dentro das dependências da siderúrgica, na cidade de Ipatinga-MG, a 260 quilômetros distante da fábrica da Fiat. O conjunto de prensas da Fiat foi cedido em regime de comodato por 10 anos. Assim, a montadora passaria a receber, por meio de entregas programadas, 60 tipos diferentes de peças para painéis internos. A unidade, com 26 prensas, possuía a capacidade de processamento de 2000 toneladas de aço por mês. O investimento total para a implantação e funcionamento da Usistamp 1 foi de aproximadamente US$ 42 milhões, sendo que US$ 10 milhões foram investidos pela Usiminas e o restante pela Fiat por prensas cedidas em comodato. Quatro anos depois, agora, por um contrato formal de parceria para a compra e venda de peças de aço cortadas e estampadas, foram inauguradas outras duas unidades: a Usistamp 2 e o Usicort. A Usistamp 2 é responsável por estampagem de peças de automóveis enquanto que o Usicort, pelo corte de bobinas de aço em peças (blanks e/ou platinas). Pertencentes à Usiminas, as unidades estão localizadas dentro de um complexo de serviços chamado Usifast. O local é tido como estratégico para a instalação das unidades pelo fato de estar situado a apenas 4 quilômetros da fábrica da Fiat. No período de escolha do local para instalação desses dois novos empreendimentos – Usicort e Usistamp 2 – foram avaliados outros lugares. No local escolhido, a proximidade da unidade possibilitava a otimização da logística de transporte para a Fiat, reduzindo o risco de problemas com a entrega just-in-time e com a qualidade do produto. O investimento necessário, de responsabilidade da Usiminas, envolvia a reforma de um galpão, implantação de linhas de corte, ponte rolante, além de equipamentos auxiliares. Para a construção do Usicort, as duas empresas investiram cerca de US$ 30 milhões. A Fiat aplicou US$ 6 milhões pela cessão em regime de comodato de uma linha automática de corte e a Usiminas realizou um investimento de US$ 24 milhões destinados à infra-estrutura, uma linha de corte por prensagem (blanking line), cinco tesouras automáticas e duas manuais. O Usicort, conforme estabelecido em contrato, atenderia a demanda da Fiat de 270 mil toneladas de aço por ano em peças cortadas – blanks regulares (chapas cortadas de formato retangular), blanks irregulares (trapézios) e platinas (blanks obtidos por prensagem em blanking line ). O recebimento de chapas devidamente cortadas e de peças estampadas, em vez das bobinas, permitia à Fiat reduzir espaços em sua fábrica em Betim-MG. Para a Usistamp 2, a Fiat investiu o equivalente à cessão de 12 prensas à Usiminas em regime de comodato por 10 anos. Em contrapartida, a Usiminas investiu cerca de US$ 7 milhões em infra-estrutura, perfazendo um investimento total de aproximadamente US$ 30 milhões. A Usistamp 2, unidade de estampagem criada em sinergia com o Usicort, tinha como objetivo formal atender à Fiat processando 2.200 toneladas de aço por mês. 7 CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 O CONTRATO FORMAL DA ALIANÇA O documento contratual que constituiu a parceria possui a vigência de 10 anos e foi assinado no final do ano de 1996. Seu objetivo é apresentar as condições essenciais para a operação das unidades. Para o Usicort, ficou formalizado que a Fiat iria ceder em comodato à Usiminas, por um prazo de 10 anos consecutivos (contados a partir do “start-up” da última etapa do empreendimento, prevista para janeiro de 1998), uma linha de corte de blanks retangulares e ou trapezoidais. Além disso, a Fiat assumia o compromisso de entregar a linha de corte no local de sua instalação, sem nenhum custo para a Usiminas. Em caso de modificações e/ou substituições parciais ou totais das ferramentas desenvolvidas caberia à Fiat arcar, por sua conta e risco, com os custos decorrentes das modificações. Adicionalmente, a Fiat ficaria responsável pela execução dos serviços de montagem, ajuste e teste de funcionamento da linha de corte. Possibilitaria a transferência de tecnologia em confecções de blanks e platinas para a siderúrgica, como também, ministraria treinamentos nas instalações da Fiat e nas instalações da Usiminas (na fase de try out) para toda a equipe da Usiminas envolvida no processo. Ao longo do período contratual, a Fiat prestaria suporte técnico à equipe da Usiminas e manteria a média mensal de cerca de 25.000 toneladas de serviços de corte de blanks e platinas, mantendo os níveis assumidos para a composição do preço básico da tonelada referente aos serviços para confecção das peças, conforme estabelecido na análise de viabilidade econômico-financeira. Os compromissos assumidos pela Usiminas eram: adquirir 5 tesouras automáticas, 2 tesouras manuais e 1 linha de corte por prensagem (blanking line), contratar o ferramental de corte das platinas e assumir os seguros de todos os equipamentos, a partir do seu start-up. A Usiminas assumiria, também, a manutenção e conservação dos equipamentos, ferramentas e outros materiais e equipamentos de propriedade da Fiat e que estivessem a serviço da Usiminas. Utilizaria a linha de corte recebida em comodato exclusivamente para a fabricação de blanks para a Fiat. Seria responsável pela realização de todas as obras de infra-estrutura necessárias para a instalação dos equipamentos. Adicionalmente, executaria serviços de corte de aço de acordo com quantidades e especificações da Fiat, e no prazo acordado pelas partes, embalando e identificando os produtos finais, de acordo com as instruções passadas pela montadora. Em caso de rescisão do contrato formalizado, caberia à Usiminas liberar a retirada dos bens cedidos em comodato. No Usistamp 2, a diferença das exigências contratuais girava apenas em torno dos tipos de equipamentos. Do ponto de vista da demanda, a Fiat deveria manter a média mensal de 1.100 toneladas de pedidos de peças estampadas, a partir do start up da linha, mantendo os níveis que foram assumidos para composição do preço básico da tonelada referente aos serviços para a confecção das peças estampadas, conforme estabelecido na análise de viabilidade econômica financeira da Usistamp 2. As responsabilidades para a Usiminas no contrato do Usistamp 2 eram as mesmas do contrato do Usicort, tendo como diferença básica os tipos de equipamentos tratados no contrato. No Usicort são tesouras e no Usistamp são prensas. Algumas condições comerciais foram tratadas em contrato. A primeira diz respeito à possível queda da média mensal de pedidos. Caso ocorresse, as condições comerciais deveriam ser reavaliadas de forma a manter o equilíbrio econômico-financeiro do empreendimento. A segunda diz respeito ao preço final de venda das peças à Fiat. O preço final era composto, entre outros itens, pelo preço do aço consumido (valor já definido previamente pelas partes) 8 CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 deduzido o valor apurado com a venda da sucata gerada no processo, mais os serviços de corte e/ou estampagem, fretes e custo financeiro do estoque. Pelo acordo, ficava estabelecido que o fluxo de caixa gerado remuneraria apenas o investimento feito, conforme projeções de payback estabelecidos para 10 anos. Dessa forma, mudanças nos custos dos serviços ou alterações quantitativas ou qualitativas no mix de produtos apresentadas de maneira transparente teriam como conseqüência alterações nos preços de venda. O fato de haver a necessidade de novas obras de infra-estrutura ou a introdução de novas modalidades de equipamentos geraria uma reavaliação nos preços de forma a reestruturar a composição dos custos. O contrato propunha avaliações periódicas do projeto para verificação do equilíbrio econômico– financeiro do mesmo, e, caso necessário, as partes envolvidas renegociariam novas condições comerciais. Acrescenta-se a esses pontos, a possibilidade de cobrança de multa compensatória (considerando os investimentos realizados) no caso de infração aos termos do acordo, por qualquer uma das partes, que levasse à rescisão antecipada do contrato. Além disso, em caso de rescisão, a Fiat teria o direito de preferência em adquirir o empreendimento ou os equipamentos nele instalados. Caso o pedido de rescisão partisse da Usiminas, ela teria que continuar o fornecimento de peças e serviços por prazo que permitisse a Fiat desenvolver alternativas de abastecimento. Apesar da clareza das responsabilidades de cada parte e do acordo firmado, a realidade entre as parceiras se apresentava de outra forma. As dificuldades eram constantes e a flexibilização dos itens do contrato eram freqüentes. EXPECTATIVAS X REALIDADE O ano de 1997 havia sido marcado pelo auge de produção e vendas de automóveis (2.070 mil de veículos produzidos no País, registrando um crescimento de 12,8% em relação a 1996). Naquele ano, o faturamento da indústria automobilística havia sido de US$ 26 bilhões, 10% a mais que o ano anterior (1996). As projeções de crescimento para o ano 2000 eram otimistas, vislumbrando o volume de produção de 2,5 milhões de automóveis. Contudo, com a crise econômica asiática de 1997, começaram a surgir os primeiros sinais de desaquecimento do setor. Em 1998, em decorrência do colapso econômico russo, iniciou-se uma retração mais severa na produção brasileira de automóveis que passou a registrar uma queda nas vendas. A Fiat, como todas as montadoras brasileiras, depois de um período de grande crescimento, se via no momento de frear seus investimentos e desacelerar sua produção para acompanhar o mercado que a forçava a manter o pátio de sua fábrica sem vagas para estoque de produto acabado. Com o crescente incremento do mercado automobilístico no Brasil, a inauguração de mais estas duas unidades de agregação de valor ao aço significava, para a Usiminas, a certeza de um retorno esperado pela análise de viabilidade do negócio. Contudo, o mercado com as crises das economias asiáticas e russa entrou em processo de retração e de mudança radical. A moeda nacional sofreu uma desvalorização e o comércio interno e externo transformaram-se. Como conseqüência, a demanda de aço no mercado brasileiro sofreu uma forte queda. 9 CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 A Usistamp 1, com um quadro de demanda crescente, esperava processar anualmente 24.000 toneladas de aço. Apesar desta expectativa positiva, os bons resultados se estenderam por poucos anos. No seu segundo ano de funcionamento, em 1996, chegou a processar cerca de 17.000 toneladas. Em 1997, registrou um volume considerável – aproximadamente 20.000 toneladas de aço processadas. Entretanto, o ano de 1998 foi decepcionante, registrando um processamento de apenas 14.000 toneladas. A Fiat, no contrato da parceria para a formação da Usistamp 2, assumiu o compromisso de processar cerca de 26.000 toneladas de aço estampado ao ano. A Usistamp 2 fechou o ano de 1998 com o volume de apenas 13.000 toneladas aproximadamente. Já com relação ao Usicort, apesar do contrato prever a compra de cerca de 300 mil toneladas de aço, no ano de 1998 foi registrado uma demanda de apenas 10% do projetado. Para a Usiminas, a renegociação do preço dos serviços de corte e das peças estampadas poderia ser uma das formas de minimizar as perdas. Contudo, para a Fiat, o aumento era uma solução complexa, pois geraria aumento no custo dos automóveis e, consequentemente, no preço final passado para o consumidor que, com a desvalorização da moeda, tinha seu poder aquisitivo reduzido. O gerenciamento da aliança era um fator de relevante preocupação. Algumas dificuldades foram encontradas no processo de efetivação da parceria. Para a Fiat, a gestão da Usiminas poderia ser mais ágil dentro das necessidades do setor automobilístico. Uma grande dificuldade para a Usiminas no gerenciamento das unidades fruto da parceria eram as constantes mudanças do mix de produto que gerava um aumento do custo. CONCLUSÃO O valor capturado pela Usiminas passou basicamente pela aprendizagem adquirida frente a um novo negócio em áreas estratégicas, tais como conhecimento de ferramentaria, processo de estampagem, forma inovadora de relação com o cliente via contrato de terceirização, logística complexa, criação de valor na cadeia produtiva do cliente, fornecimento customizado de soluções em aço e aperfeiçoamento da tecnologia de negociação. Além de todos esses pontos, a Usiminas desenvolveu um melhor conhecimento de seu próprio produto, pois as unidades de corte e estamparia passaram a ser um laboratório real que permitia a realização de descobertas de como melhorar a aplicação do aço de acordo com a necessidade do cliente final. Nitidamente, esses aspectos reforçam as vantagens apontadas nas diversas abordagens teóricas. Estas características dizem respeito ao acesso a recursos particulares, como conhecimento e processos, ao compartilhamento de custo e risco, ao aprendizado, ao aumento da velocidade ao mercado, à flexibilidade, a economias de escala, à junção de habilidades para o desenvolvimento de produtos/serviços e à neutralização ou bloqueio de competidores. Nenhuma vantagem de acesso a mercados externos ou ocorrência de lobby coletivo foi verificado. Se por um lado a aliança trouxe benefícios para as empresas envolvidas, por outro, trouxe vulnerabilidades, demarcada pela forte interdependência entre as partes. Na perspectiva da Usiminas, essa dependência é marcada pelo fato da Fiat ser um de seus maiores clientes tanto em volume de aço fornecido como em serviços prestados de corte em blanks e de peças estampadas. Todo o fornecimento é realizado sob o regime just-in-time com estoques ajustados à necessidade do cliente. A Usiminas, fornecendo de 70 a 80% do aço total 10 CADERNO DE IDÉIAS – CI0219 utilizado pela Fiat, poderia sofrer uma queda nos seus resultados caso houvesse qualquer oscilação no mercado de automóveis. Do ponto de vista da Fiat, a dependência da Usiminas passa pelos aspectos de atendimento. Uma pequena interrupção deste sistema provocaria uma inevitável parada na montagem de veículos e prejuízos incalculáveis. O grau de dependência da Fiat praticamente não permitiria o desenvolvimento de fornecedor alternativo a curto e médio prazos, no mesmo nível de atendimento, uma vez que demandaria investimentos significativos. Esses aspectos reforçam as desvantagens nos relacionamentos cooperativos apontados pelas diversas abordagens teóricas, tais como, dificuldade no gerenciamento das complexidades geradas pela combinação de recursos das duas empresas, maiores riscos financeiros e organizacionais, maior risco de se tornar dependente de um parceiro, perda da autonomia de decisão e perda da flexibilidade organizacional. Estas características, como visto, foram nitidamente observadas nesta aliança. Nenhum aspecto relacionado à perda de informação proprietária ou implicação antitruste foi identificado. Finalmente, vale destacar que o estudo de caso realizado, bem como o levantamento das diversas abordagens teóricas que apresentam alguma explicação para o estabelecimento de relacionamento cooperativo entre empresas, constituem explorações iniciais, fornecendo pistas para estudos futuros que possam ratificar ou identificar outras vantagens e desvantagens existentes em alianças estratégicas. 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