da importância de uma transposição didática das ciências das
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da importância de uma transposição didática das ciências das
FACULDADE UNIDA DE VITÓRIA - FUV CURSO DE MESTRADO PROFISSIONAL EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES IRISOMAR FERNANDES SILVA DA IMPORTÂNCIA DE UMA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES AO ENSINO RELIGIOSO: UMA PERSPECTIVA PARA AS ESCOLAS PÚBLICAS VITÓRIA/ES OUTUBRO/2012 IRISOMAR FERNANDES SILVA DA IMPORTÂNCIA DE UMA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES AO ENSINO RELIGIOSO: UMA PERSPECTIVA PARA AS ESCOLAS PÚBLICAS Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória - FUV, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências das Religiões. Orientador: Cavalcante Prof. Dr. Ronaldo VITÓRIA/ES OUTUBRO/2012 IRISOMAR FERNANDES SILVA DA IMPORTÂNCIA DE UMA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES AO ENSINO RELIGIOSO: UMA PERSPECTIVA PARA AS ESCOLAS PÚBLICAS Dissertação Curso apresentada ao Curso de Mestrado Profissional em Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória - FUV, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências das Religiões. Aprovado em ___ de ______________ de 2012. COMISSÃO EXAMINADORA __________________________ Prof. Dr. Ronaldo Cavalcante Faculdade Unida de Vitória - FUV Orientador __________________________ Prof. Dr. Marcos Azevedo Farias Faculdade Unida de Vitória - FUV Examinador __________________________ Prof. Dr. Afonso Maria Ligorio Soares - PUC-SP Convidado Examinador DEDICATÓRIA Dedico esta conquista aos meus familiares. AGRADECIMENTOS Agradeço, em primeiro lugar, a Deus. À minha família, sem a qual eu não teria conseguido. Aos professores do Curso de Mestrado Profissional em Ciências das Religiões, em especial, ao orientador, Prof. Dr. Ronaldo Cavalcante, pelo apoio. A todos os colaboradores da Faculdade Unida de Vitória. Aos amigos e colegas de Curso. "Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso." BRASIL, Lei nº 9.475/1997. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BA - Bahia (Estado) CBC - Currículo Básico Comum CJ - Companhia de Jesus CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CONERES - Conselho do Ensino Religioso do Espírito Santo CR - Ciências das Religiões CRFB - Constituição da República Federativa Brasileira DT - designação temporária ER - Ensino Religioso EREP - Ensino Religioso nas Escolas Públicas ES - Espírito Santo (Estado) FONAPER - Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso FR - Filosofia da Religião IG - Igreja da Graça IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IURD - Igreja Universal do Reino de Deus LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC - Ministério da Educação e Cultura MPB - Música Popular Brasileira PCN/ER - Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso PCNER - Plano Curricular Nacional do Ensino Religioso PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo RJ - Rio de Janeiro (Estado) RMGV - Região Metropolitana da Grande Vitória SEDU - Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo SP - São Paulo (Estado) STF - Supremo Tribunal Federal UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora LISTA DE QUADROS Quadro 1 - ER nas Constituições Federais brasileiras de 1824, 1891 e 57 1934 Quadro 2 - Percurso histórico do Ensino Religioso no PCNER................. 61 Quadro 3 - Comparativo entre modelos de ER no Brasil............................ 70 Quadro 4 - Fragilidades do EREP/ES no Parecer SEDU/ES nº 1.900/99..... 73 Quadro 5 - Conteúdo do livro de Maria Inês Carniato.............................. 74 Quadro 6 - Conteúdo do livro de Maria Inês Carniato.................................. 74 Quadro 7 - Comparativo entre as grades de Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória e SEDU/ES................................................... 76 Quadro 8 - Comparativo entre as grades de Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória e SEDU/ES...................................................... 77 Quadro 9 - Comparativo entre as grades de Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória e SEDU/ES.................................................... 77 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Plano de aula ER SEDU/ES 2011.................................... 76 Tabela 2 - Relações entre a disciplina ER e outras disciplinas................... 94 RESUMO No presente trabalho buscamos traçar uma visão inerente à pratica do Ensino Religioso nas escolas públicas estaduais no Estado do Espírito Santo. Mas com objetivo especifico de apontar para uma forma de transposição didática das Ciências das Religiões para o Ensino Religioso. Para tanto, delimitamos o mesmo a três capítulos sendo: Capitulo 1 - As Ciências das Religiões, onde apontamos a possibilidade de base epistemológica para a o Ensino Religioso. Capitulo 2 - A Epistemologia do Ensino Religioso nas Escolas Públicas, onde é elaborada uma incursão na história a fim de compreender como se deu a evolução da disciplina ao longo dos séculos no Brasil. No entanto, buscamos nos ater ao Estado do Espírito Santo. Assim, julgamos indispensável compreender as legislações locais, as resoluções e os editais de contratação de professores para o Ensino Religioso, para melhor entender em que base se postula a disciplina no Estado. Foi feita, também, a pesquisa dos currículos e materiais didáticos existentes e disponíveis nas escolas estaduais do ES. No capitulo 3 propriamente dito, tratamos da transposição didática das Ciências das Religiões ao Ensino Religioso. Palavras-chave: Ensino Religioso; legislação; Ciências das Religiões. ABSTRACT In the present work we outline a vision inherent in the practice of religious education in public schools in the state of Espirito Santo state. But in order to point to a specific form of didactic transposition of Sciences of Religions for Religious Education. To this end, we delimited the same three chapters are: Chapter 1 - The Science of Religions. Chapter 2 - The Epistemology of Religious Education in Public Schools, where an elaborate foray into history to understand how was the evolution of the discipline over the centuries in Brazil. However, we stick in the state of Espirito Santo. So, I thought it essential to understand local laws, resolutions and edicts of hiring teachers for religious education to better understand on what basis it is postulated discipline in the State. But still, the survey was made of existing curricula and teaching materials and available in the public schools of the ES. In chapter 3 itself, deal with the didactic transposition of Sciences of Religions in Religious Education. Keywords: Religious Education; legislation; Science of Religions. SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................... 12 1 AS CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES...................................................................... 21 1.1 CIÊNCIA DA RELIGIÃO OU CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES?.......................... 21 1.2 RELIGIÃO E CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES ................................................... 35 2 UMA BUSCA EPISTEMOLÓGICA................................................................... 50 2.1 TERMINOLOGIAS UTILIZADAS.................................................................... 51 2.2 PERCURSO HISTÓRICO DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL................ 56 2.2.1 Aspectos legais do Ensino Religioso no Brasil........................................... 62 2.3 O ENSINO RELIGIOSO NO ESPÍRITO SANTO........................................... 68 2.3.1 O material didático do Ensino Religioso no Espírito Santo......................... 74 2.4 O ENSINO RELIGIOSO E AS CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES......................... 76 3 A TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES AO ENSINO RELIGIOSO...................................................................................... 86 3.1 O ENSINO RELIGIOSO E AS DISCIPLINAS DE CONTATO........................ 95 CONCLUSÃO...................................................................................................... 100 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 102 INTRODUÇÃO Este trabalho é resultado de pesquisa do Mestrado Profissional em Ciências das Religiões (CR) da Faculdade Unida de Vitória (FUV). O tema foi delimitado pelo estudo das legislações inerentes ao Ensino Religioso (ER) nas escolas estaduais, particularmente, na cidade de Vila Velha, Estado do Espírito Santo (ES). Neste escopo, tentamos traçar uma visão inerente à prática do EREP na rede estadual no Estado do Espírito Santo. Entretanto, com objetivo específico de apontar para uma forma de transposição didática das Ciências das Religiões para o Ensino Religioso. A pesquisa foi dividida em três capítulos que pretendem apresentar uma justa transposição didática das Ciências das Religiões ao Ensino Religioso na rede pública escolar. Entendemos a relevância da pesquisa pelo fato de haver uma necessidade urgente de um ER que seja transformador e que possa, de fato, agregar valores na vida dos discentes. Para tanto, estruturou-se os capítulos da seguinte forma: Capitulo 1 - As Ciências das Religiões. Apresenta uma perspectiva inerente às Ciências das Religiões, nomenclaturas, abrangências e os fazeres da disciplina sem, no entanto, adentrar de forma intensa no tema, dado o objeto da pesquisa; Capitulo 2 - A Epistemologia do Ensino Religioso nas Escolas Públicas, no Espírito Santo, no qual é feita uma incursão na história a fim de compreender como se deu a evolução da disciplina ao longo dos séculos, no Brasil. No entanto, a área de abrangência da pesquisa é o Estado do Espírito Santo. Assim, julgou-se indispensável compreender as legislações locais, as resoluções e os editais de contratação de professores para o Ensino Religioso (ER), para melhor entender em que base se postula a disciplina no Estado. Além disto, foi realizada a pesquisa dos currículos e materiais didáticos existentes e disponíveis nas escolas estaduais do ES. O objetivo é a compreensão da epistemologia do ER no ES; No capitulo 3 propriamente dito, trata-se da Transposição Didática das Ciências das Religiões ao Ensino Religioso, utilizando-se das informações contidas na cultura em quem está inserido, bem como as representações das culturas como: músicas; tradições religiosas e artes. Este trabalho se justifica por ser destinado a uma pesquisa isenta e necessária, frente ao rápido crescimento da pluralidade religiosa no Brasil, e frente ao Ensino Religioso dentro dos horários regulares nas escolas da rede pública, como prescreve a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O interesse desta pesquisa é a busca do entendimento se há uma contribuição social significativa para vida dos alunos que participam das aulas do ER, e se a forma de ensino oportuniza uma vivência respeitosa e atrativa no período das aulas, dentro do ambiente escolar e, ainda, fora dele, assim como se suas metodologias ajudam nas vivências sociais, tornando-se relevantes no aspecto da práxis. Focar nosso estudo no Estado do Espírito Santo se justifica por alguns fatores relevantes, entre os quais citamos: o ES é um estado riquíssimo no contexto cultural, com um legado indelével no aspecto religioso, desde o período da colonização, com a presença marcante dos jesuítas; no ES, os padres jesuítas fixaram residência e consecutivamente suas igrejas, templos, escolas. Assim, a Educação Religiosa integra-se à história do Estado do Espírito Santo; o legado dos jesuítas mantém-se vivo na memória dos capixabas, sendo relembrado anualmente na festa chamada de Passos de Anchieta (romaria que refaz o caminho supostamente percorrido pelo jesuíta).1 A influência de José de Anchieta não é meramente de cunho religioso e de fé, uma vez que o jesuíta teve seu lugar na história geopolítica do Estado. Anchieta, nascido em La Laguna de Tenerife, Ilhas Canárias, (Espanha) em 19/03/1534, aos 14 anos de idade foi estudar em Coimbra, Portugal. Por sua notável inteligência e dedicação, ingressou na Companhia de Jesus (CJ), que teria sido fundada por seu primo Inácio de Loyola em 1535. Chegou ao Brasil em 1553 com 19 anos, desembarcando primeiro na cidade de Salvador, Bahia (BA) e depois em São Vicente, no Estado de São Paulo (SP), fundando ali o Colégio de Piratininga. Para evangelizar os índios, utilizava-se de encenações teatrais, o que lhe rendeu o status de pai das artes cênicas no Brasil. Anchieta construiu as Casas de Misericórdia do Rio de Janeiro (RJ) e Vila Velha/ES, as igrejas matrizes de Rerigtiba e Guarapari. Fundou, também, as cidades de Rerigtiba (atual Anchieta) e Guaraparim (atual Guarapari). Foi o autor da primeira gramática em tupi-guarani, o que em muito facilitou o trabalho dos evangelistas que vieram posteriormente. Contribuiu, ainda, com a construção da diplomacia e os estudos da Antropologia, da Arquitetura e das Artes. Os últimos dez anos de sua vida foram passados na cidade de Anchieta/ES, onde teria morrido em 09/07/1597, aos 63 anos de idade. Com 1 No ano de 2012, foi realizada nos dias 7 a 12 de junho, e foram percorridos a pé aproximadamente 100 km sendo: partida em Vitória/ES, com a bênção aos andarilhos até a Barra do Jucu, em Vila Velha/ES (25 km), de Barra do Jucu a Setiba, em Guarapari (28 km), De Setiba a Meaípe, também em Guarapari (24) km e, por último, de Meaípe à cidade de Anchieta, percorrendo mais 23 km, onde foi encerrada com a missa dos andarilhos. problemas de coluna, o que o impedia de viajar a cavalo, percorria grandes distâncias a pé, trecho que atualmente é revivido com os Passos de Anchieta. Como legado religioso no ES, houve também a presença marcante de grupos religiosos protestantes como os luteranos de origem alemã e os pomeranos, que se fixaram no interior do Estado, por exemplo em Santa Maria de Jetibá, Santa Tereza e outros municípios. Há, também, um rico acervo religioso e cultural guardado na memória dos religiosos e nos arquivos de igrejas e escolas católicas e protestantes de linha reformada no Estado. Um exemplo disto são os luteranos que vieram para a região de Santa Maria de Jetibá ainda no século XIX2 Para otimização dos conteúdos a serem trabalhados em salas de aula, pode-se contar com as festas, tradições, romarias, templos históricos, igrejas tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e com a própria história religiosa no estado. Tais aspectos contribuem significativamente com o diálogo acerca da religião e das expressões religiosas tradicionais e, mais ainda, apontam para a necessidade de se conhecer mais e melhor a história do ES, por meio do legado presente no Estado. A partir de uma leitura da história, pode-se perceber que a relação religião e escola não é nova, e nem tão pouco dispensável, pois é na religião que o excluído ganha voz e vez (algo perceptível nos rituais e romarias) e consegue visibilidade, adquire um diálogo e adota uma causa pela qual lutar, sonhar ou vislumbrar, ainda que seja somente no campo das ideias, ou na 2 Aproximadamente em 1888, as primeiras famílias luteranas de origem pomerana estabeleceram-se na região de Santa Maria de Jetibá. Em 1889 criaram seu próprio cemitério e, no ano de 1891, construíram uma pequena escola que ainda atualmente usam como primeiro local de culto. A princípio, eram celebrados dois cultos por ano nesta pequena capela-escola. (PARÓQUIA DOS LUTERANOS, 2012, p. 1). “utopia da fé” (MOSCONI, 1996, p. 19). No sentido religioso, o indivíduo se integra, de certa forma, a uma classe de representação social, uma tribo com linguagem própria, com uma visão peculiar de vida e morte, riqueza e pobreza. Ainda assim, neste contexto tribal chamado de igreja ou religião cristã, as pessoas sentem-se acolhidas, gerando o sentimento de proteção e segurança. E é dentro das escolas que os filhos desses religiosos se encontram, com informações diferentes para praticá-las nas relações diárias, com doutrinas e regras diferentes, e devem conviver pacificamente, de forma respeitosa, sem que sejam feridas suas formas de crer e ver a vida, seja com o olhar da fé antropológica ou, ainda, com a razão ateísta. Vendo, conhecendo, estudando e respeitando as expressões religiosas, torna-se possível um olhar crítico e isento para um ER saudável que possa ofertar algo a ser utilizado nas relações sociais, tanto na esfera pública quanto privada e, precisamente nestas esferas, dão-se os encontros e relacionamentos. Passos (2007) afirma que a melhor forma de se preservar as crenças sem aderir ao Ensino Religioso catequético doutrinal ou ao modelo teológico, ainda que transconfessional, seria por meio das Ciências da Religião: Propor a Ciência da Religião como base epistemológica e, portanto, como área de conhecimento pertinente ao ER é a melhor maneira de corresponder ao “valor teórico, social, político e pedagógico do estudo da religião para a formação do cidadão” (PASSOS, 2007, p. 76). Portanto, estamos convictos da possibilidade concreta de se realizar tal transposição didática, relacionando a teoria e a prática, pois é justamente na prática que se aplica a teoria. É possível que, na escola e para a vida dos alunos, a Filosofia da Religião (FR), devidamente aplicada de forma isenta, possa constituir-se em uma boa oportunidade de conseguir realizar a contento a tarefa da transposição das Ciências das Religiões para o ER nas escolas da rede pública. No entanto, a Filosofia por si só não terá êxito por ela própria, como as demais disciplinas acadêmicas têm suas dificuldades de transposição. Assim, com uma leitura da vida e para a vida, fazendo conexões entre Filosofia e práxis, há uma possibilidade de conseguir uma relação amistosa, agradável e consistente para a vida cotidiana dos alunos, com suas relações dentro e fora do ambiente escolar. Logicamente, entendendo-se a epistemologia adequada, com foco no Ensino Religioso da vida e para vida, que não seja de cunho meramente fenomenológico, a disciplina, os docentes e discentes poderão não somente compreender, mas também relacionar-se de forma amistosa, dialogal e frutífera, gerando uma educação efetiva e eficaz. Assim, a disciplina será investigativa, mas também informativa, diga-se de passagem, fornecendo informações que possam ser geradoras e significadoras de novas produções. Informação que gera produção é o que se espera do contexto educacional em toda sua dimensão. A Epistemologia do Ensino Religioso abre a religião à investigação filosófica num diálogo esclarecedor, que não pretende dissolvê-la, mas reconhecer seu sentido. Assumindo-se a religião não tanto como um fato objetivo – como faz o cientista que pretende descrevê-la e explicá-la –, mas como uma forma eminente da experiência humana, pode-se reconhecer nela sua originária congenialidade à filosofia, que assume a forma de uma relação dialógica – integração na diferença – com mútuo reconhecimento das respectivas instâncias de verdade. Esse caráter dialógico da relação entre filosofia e religião pode ser caracterizado em dois níveis conexos. Um nível mais geral, como duas dimensões da experiência; outro mais existencial, como duas modalidades da pessoa, ao mesmo tempo crente e pensante (COSTELLA; OLIVEIRA 2007, p. 54). Assim, a presente pesquisa é norteada visando uma leitura mais adequada, que “leve o indivíduo para além das ideias religiosas”, como postulou Nietzsche (apud SOUSA, 2009, p. 78-79), a partir da leitura de livros que possam levar o leitor para além do livro e, ainda, uma escola que leve o aluno para além da escola. A pesquisa é delimitada na área de abrangência das escolas de rede pública dentro da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), particularmente, delimitando-se às escolas estaduais de Vila Velha/ES. Mas, afinal, qual a relevância de um estudo como este? A contribuição que pode deixar e deixará no contexto acadêmico nos arraiais espíritosantenses. O homem religioso é, também, o homem público, que participa das vivências e práticas públicas, que estuda, compra, vende, vota. Assim, as dimensões de fé ou de confissões podem afetar tais pontos de contatos culturais e ao Estado cabe respeitar essas crenças, mas também cabe o estudo das dimensões religiosas, e aí tem-se o Ensino Religioso nas Escolas Públicas (EREP) como uma boa opção para tais discussões. As Ciências das Religiões dispõem de uma boa estruturação teórica, que permite estudar as práticas e convicções religiosas e, consequentemente, apresentar formas metodológicas para transpor didaticamente tais conteúdos para o EREP. É de suma importância que se discuta o Ensino Religioso nas escolas da rede pública no ES. Muitas são as normatizações e legislações inerentes à disciplina. Um grande progresso pode ser percebido desde a gênese da Educação Religiosa em solo brasileiro até o advento da Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997, que altera o artigo 33 da LDB (Ensino Religioso), vigorando ainda hoje. No entanto, ainda se percebe uma grande fragilidade no tocante à disciplina dentro das redes públicas de ensino. Este trabalho torna-se relevante justamente por buscar uma compreensão que possa ser válida para uma boa transposição didática, tendo as Ciências das Religiões como base epistemológica e seus conteúdos apresentados de forma contextualizada e de fácil linguagem oportunizando, assim, que alunos de todas as séries possam ter acesso a um Ensino Religioso isento e respeitoso. A presente pesquisa é viável em função da facilidade de se encontrar vasta literatura que aborda o tema. Muitos autores e entidades como o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER) e o Conselho do Ensino Religioso do Espírito Santo (CONERES) e as próprias legislações se apresentam como excelentes conteúdos bibliográficos para execução desta tarefa acadêmica. Como a delimitação da pesquisa restringe-se ao arraial espíritosantense, particularmente à cidade de Vila Velha/ES, são utilizadas as normatizações da Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo (SEDU/ES) que regulamentam o Ensino Religioso no ES. O Ensino Religioso confessional pode ter suas próprias características e formas, devendo cada instituição traçar suas metas e conteúdos para a disciplina. Portanto, nas escolas de rede pública, há de se cumprir o que foi normatizado na LDB, modificada e ajustada pela Lei nº 9.475/97 que determina a ministração do Ensino Religioso no horário regular de aula e de matrícula facultativa e com conteúdos livres de qualquer forma de proselitismo. A presente pesquisa, por esses motivos, limitou à revisão bibliográfica e de fontes similares, por exemplo nos sites oficiais de entidades que estudem ou discutam o tema. Limitou-se, ainda, ao espaço geográfico do município de Vila Velha, sem no entanto deixar de estudar os documentos oficiais da Secretaria Estadual de Ensino. Não é intenção do presente trabalho estabelecer normas ou emitir juízo de valores, mas sim buscar um entendimento de como a disciplina vem sendo ministrada nas escolas de rede pública estadual no Espírito Santo e como há a possibilidade de uma justa transposição didática das Ciências das Religiões para o Ensino Religioso. A hipótese de pesquisa é a de que os conteúdos das Ciências das Religiões são próprios para um Ensino Religioso sem proselitismo, livre das catequizações abertas, ou mesmo disfarçadas, onde teólogos protestantes ministram conteúdos reducionistas dentro das escolas, promovendo uma segregação religiosa, de forma preconceituosa e não menos catequética que a Educação Religiosa católica aplicada em anos anteriores. Dentro dessa visão, não será ministrado o ER catequético doutrinário, nem o teológico transconfessional, mas sim conteúdos extraídos das Ciências das Religiões, como histórias das religiões, alteridades, conceitos comuns às práticas religiosas diversas, valores éticos comuns às diferentes manifestações de religiosidades. Acreditamos que com os conteúdos das CR podem contribuir de forma eficaz para a transposição do conteúdo das mesmas para o ER onde, por meio dele, poder-se-á alcançar o que a Lei nº 9.475/97 prevê, ou seja, um ER livre de qualquer forma de proselitismos, isento e não catequético, porém, que se mostre de fato útil para a vida prática dos alunos, tanto dentro como fora do ambiente escolar. 1 AS CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES 1.1 CIÊNCIA DA RELIGIÃO OU CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES? Há quem diga que o correto seria afirmar a disciplina como, Ciência da Religião. Há, ainda, aqueles que afirmam que o correto seria Ciências da Religião e há, também, correntes que defendem a terminologia como Ciências das Religiões. Com relação à nomenclatura, Frank Usarski (2006) afirma que, somente na segunda metade do Século XIX, a Ciência da Religião foi institucionalizada com o teor acadêmico nas universidades europeias. Diz o autor que, de forma inequívoca, pode se atribuir o nome Ciência da Religião. Na aldeia global, onde as informações crescem e se espalham de forma acelerada e misturam-se, gerando novas informações, surge uma significativa diversidade de ideias, de crenças e de ciências, levando a outro ponto importante a ser compreendido, qual seja: Ciência da Religião; Ciências da Religião; Ciências das Religiões ou outras nominações? Independente da nominação, o que não se deve perder de vista é a grandeza da disciplina, bem como a necessidade de se correlacionar com outras disciplinas. Diga-se de passagem que a própria composição acadêmica das Ciências das Religiões tem por base o diálogo de várias disciplinas, e essas por sua vez têm seus traços culturais e nacionais peculiares, que podem variar consideravelmente de um país para outro. Assim, a história de cada cultura é também um componente da disciplina, Usarski (2006) pontua esta realidade da seguinte forma: De acordo com uma afirmação de Rainer Flashe que define Ciência da Religião como a ‘ciência integral das religiões’, ela precisa ser conhecida como ponto de intercessão de várias subdisciplinas e matérias auxiliares, cada uma delas porém, possui sua própria história, que teria de ser levada em conta caso a tarefa fosse uma retrospectiva detalhada da disciplina principal em todas as suas facetas. (USARSKI, 2006, p. 44). Para uma melhor compreensão inerente à abordagem desta pesquisa, necessário se torna obter maior clareza sobre os temas que norteiam os estudos da disciplina. Assim, surgem os seguintes questionamentos: 1. O que é Religião? 2. O que é Ciência? 3. Sobre o que versa as Ciências das Religiões? Para auxiliar nas respostas, recorre-se ao pesquisador Usarski (2007), um estudioso do assunto, que trata sobre o tema com autoridade para fazê-lo. Como tal, foi entrevistado pelos alunos do programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), em julho de 2002, ocasião em que pontuou o citado autor que a religião se manifesta nas mais diversas partes do mundo de formas múltiplas, com traços peculiares e específicos de cada cultura, o que torna o tema amplo e complexo. Diante de tal complexidade, não é adequado pensar na religião como um tema fechado, sendo mais prudente e apropriado optar por conceitos mais amplos, que superem as pretensões pré-estabelecidas. Ainda segundo Usarski (2007), o conceito de religião pode ser compreendido sob a égide de quatro elementos, a saber: 1º) Sistemas simbólicos e peculiares; 2º) Para o religioso, ela é a subjetividade do transcendente (algo e maior e mais poderoso). Neste caso, a alteridade; 3º) As dimensões da fé, a instituição, os ritos, a experiência religiosa e a ética; e 4º) As religiões alimentam esperanças do ser religioso, exercendo tarefas individuais e comunitárias, inclusive na dimensão política. Com relação à ciência, o pesquisador (2007, p. 177) apresenta também suas claras definições, versando-as da seguinte forma: “Ciência é uma maneira específica de se aproximar a ‘realidade’ e de adquirir conhecimento sobre ela.” Porém, ressalta que cada ciência possui suas peculiaridades e seus fazeres específicos. Desta forma, para a ciência da religião “é preciso que a ‘realidade’ científica se restrinja à esfera empírica.” (Idem, ibidem). Ainda no dizer de Usarski (2006), Ciência da Religião é uma disciplina empírica voltada à investigação sistemática das manifestações religiosas. Para tanto, o investigador deve manter-se isento, adotando a postura ética frente às diferentes correntes que estão no escopo de suas investigações. Na opinião do pesquisador em tela, o cientista da religião é uma espécie de inventariante de fatos reais do mundo religioso, como o entendimento do surgimento histórico e do desenvolvimento de seus objetos de estudo. Para realizar sua tarefa a contento, as Ciências das Religiões devem manter um currículo interdisciplinar com várias subciências que lhes sejam auxiliares. As crenças e convicções dos que se debruçam sobre os fazeres das Ciências das Religiões não podem ir além de sua vida privada. Diante dos estudos e investigações, é indispensável seu total compromisso profissional e disciplina, para que possa manter-se neutro em sua pesquisa. É importante ressaltar que as várias disciplinas componentes das CR possuem suas próprias bases epistemológicas, suas respectivas histórias e seu modo de fazer. Com relação à Teologia, não pode haver influxos desta sobre aquela. Qualquer tentativa de explicar os objetos de pesquisa das CR pela Teologia trataria a primeira com um tom reducionista. As CR e a Teologia são disciplinas diferentes, cada uma com sua própria construção histórica e sistematizada. No entanto, pode-se dizer de forma alegórica que a Teologia é como se fosse a mãe das Ciências das Religiões. Sobre o tema, Usarski (2006, p. 16) cita uma expressão de Udo Tworuschka onde afirma que: “a Ciência da Religião é a filha emancipada da Teologia.” A emancipação aqui apresentada já teria antes sido citada por Wach (apud CAMURÇA, 2008), com o objetivo de apontar para a necessidade de certa autonomia no estudo da religião. Uma concepção peculiar do conceito “Ciência da Religião” em uma direção plural, no meu juízo, foi realizada por Joachim Wach. Para ele, a “Ciência da Religião” assentava-se na necessidade de várias ciências abordarem não justapostas, mas organicamente associadas, tanto a natureza da religião e da experiência religiosa como das suas ‘expressões objetivadas’. Com essa perspectiva Wach não desejava criar nenhuma ciência particular, nem um conjunto de disciplinas que estudassem separadamente a religião, mas uma abordagem articulada entre as ciências humanas para o fenômeno religioso (WACH apud CAMURÇA, 2008, p. 21). A independência entre as ciências (Teologia e Ciências das Religiões) é indispensável para que sejam as duas ciências confiáveis e exerçam seus papéis de forma útil à sociedade. Neste caso, as Ciências das Religiões não estão limitadas ao Cristianismo ou a qualquer outra instituição doutrinária. Elas (CR) são autônomas, livres e, de certa forma vão, em alguns momentos contra os interesses religiosos ao abordarem e apontarem assuntos como o mercado religioso, a exploração dos desafortunados e o enriquecimento dos religiosos, mas também os gritos dos desesperados e sem alentos que frequentam as filas dos milagres, em busca dos favores dos feiticeiros ou manipuladores do fetiche, da coisa enfeitiçada. Neste caso, a coisa enfeitiçada é o inanimado que se move na forma imaginária do milagre por vir. As CR, além de não se limitarem à defesa de um ideário religioso, vão em busca dos saberes sociológicos e filosóficos, Levam em conta as incidências de doenças somáticas que afetam as ambições e pretensões do indivíduo, que muitas vezes lançam tais sentimentos nos cultos e ritos religiosos dos mais diferentes segmentos. É na religião e nas filas dos balcões de milagre que o indivíduo religioso lança os gritos desesperados. Assim, os fenômenos voltam à tona nas buscas dos fazeres de um cientista da religião. Os fazeres das Ciências das Religiões vão além das tramas e construções de etnias isoladas, mas também devem fugir das formulações existentes e presentes no inconsciente coletivo que apontam-se e desembocam-se como as verdades do senso comum. Porém, da mesma forma, não podem se limitar ou se aterem às construções sistematizadas que se fixaram na defesa da fé deste ou daquele grupo. As Ciências das Religiões nasceram para serem autônomas e assim devem continuar. (...) para tanto se, desenvolve-se uma discussão acerca da definição de seu método, se ciência” ou “ciências”, e do seu objeto, se “religião”, ou “religiões”, dialogando com autores como Joachim Wach, Max Weber e Émile Durkhein e, no plano nacional, com Gouvêa de Mendonça, Pedro Ribeiro de Oliveira, José Jorge carvalho e Otávio Velho. Por fim, busca relativizar a polaridade que coloca, de um lado, a religião como uma totalidade de verdade e transcendência e, de outro, as ciências (sociais) com pretensões de decompor a primeira em fatores socioculturais e históricos. Defendese uma “via de mão dupla” em que ambas deixam-se “afetar” mutuamente, e em que a religião empregue métodos socioculturais e históricos como forma de autocompreensão e as ciências (sociais), conceitos e experimentos do universo religioso (por exemplo, o carisma) para interrogar suas problemáticas (CAMURÇA, 2008, p. 1011). Assim, aqueles que se debruçam no estudo das Ciências das Religiões têm à sua frente o desafio da isenção, seja doutrinária, seja cultural (não fazendo juízos de valores). É verdade que nossos signos podem exercer certa influência na análise de fatos, gerando certa tendência à compreensão de fatos e símbolos; no entanto, no fazer do cientista da religião deve estar, também, a isenção das próprias convicções religiosas e culturais. Cada sociedade tem sua história, sua cultura - que lhe é própria - e, consequentemente, suas próprias significações religiosas. Ao dedicar-se ao estudo de temas religiosos e seus impactos sociais, é de suma importância que o estudante mantenha-se sempre na imparcialidade, o que lhe permitirá manter um olhar isento sobre as expressões culturais e as construções religiosas e, ainda, sobre a forma com a qual cada uma incide sobre a vida individual, comunitária e social. Isenção é necessária, porém não se pode ceder à negligência de fatos e costumes que influenciam as tomadas de decisões comunitárias a partir de convicções religiosas. Ainda neste prisma, a religião se desenvolve e re-significa suas doutrinas a partir de novas convicções e nuances culturais e tecnológicas. Ou seja, os conceitos doutrinários de pecado, certo ou errado, passam pelas significações da cultura (do Ethos) e esses, por sua vez, podem sofrer alterações no decorrer do tempo. Portanto, o estudante de Ciências das Religiões deve estar atento a tais nuances. Camurça (2007) afirma que a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) foi a primeira Instituição pública no Brasil a oferecer o curso, porém com o nome de Ciência da Religião. Na ocasião, talvez tenham os gestores institucionais interpretado que pudessem legitimar uma ciência única que fosse capaz de pesquisar os eventos e fenômenos religiosos. Neste contexto, afirma Carmurça (2007): Quem fala de Ciência da Religião tende, de um lado, a pesquisar a existência de um método científico e do, outro, também de um objeto unitário. Quem, ao contrário (...) prefere falar de Ciências das Religiões, o faz porque está convencido tanto do pluralismo metodológico (e da impossibilidade de reduzi-lo a um mínimo denominador comum) quanto do pluralismo do objeto (e da nãolaiciedade e até impossibilidade no plano da investigação empírica, de construir sua unidade) (CAMURÇA, 2008, p. 20). No momento social em que se presenciam constantes guinadas linguísticas, não há espaço para se pensar em nehum tipo de ciência absolutista, de conceitos que possam ser eternizados. Antes, porém, Karl Marx, no Século 19, já apontava para a provisoriedade de conceitos e crenças, afirmando que as construções sólidas dissolvem-se no ar. Com relação à necessidade de estudos sinergistas para a compreensão dos fenômenos religiosos, concorda Joachim Wach (apud CAMURÇA, 2008, p. 21) no sentido de haver uma “abordagem articulada entre as ciências humanas para o fenômeno religioso.” O presente estudo trata, então, das Ciências das Religiões, não como verdade última, mas como objeto de estudo. Um fator presente no território brasileiro que não pode ser desprezado é o crescimento exacerbado de religiões que, com atitudes quase antropofagistas, por meio das quais (alegoricamente) surge um canibalismo do sagrado, alguns buscam suplantar os outros, ficando assim com a maior parte do filão do mercado religioso. Tomam a demonização como argumento válido para defenderem sua fé. Esquecem-se porém, que fé é subjetiva e empírica, é o movimento do absurdo e não necessita de defesa, mas de crença. Diante disso, cita-se Gottfried (2008): A globalização cultural e a privatização da fé redundaram numa explosão de religiosidade quase selvagem. Ela traz em seu bojo forte potencial conflitivo. Pode produzir o fundamentalismo, ou seja, a intransigência fanática de grupos por um lado. O diferente cai sob suspeita e sofre demonização (GOTTFRIED, 2008, p. 80). É no contexto da religiosidade globalizada como reflexo de uma sociedade pós-moderna que admite o pluralismo sem peso de culpa ou de consciência. O pluralismo permite a multiplicidade de crenças e confissões em um mesmo espaço geográfico e até físico. E, ainda, é possível perceber-se diferentes expressões religiosas em um mesmo indivíduo. No sentido de pósmodernidade, há uma possível definição dada por Perry Anderson, quando afirma que este foi um fenômeno surgido a partir dos anos 1950, com transformações consideráveis na arte, a descoberta do Ácido Desoxirribonucléico (DNA), seguido pelo desenvolvimento das Ciências da Computação (CC) dos anos 60. O paradigma da pós-modernidade instala portanto uma série de crises, que altera vários compostos da sociedade, ou pelo menos faznos refletir sobre que direção a sociedade caminha, e sobre que bases. (...) se a revolução industrial foi o agente que levou o pensamento iluminista a se transformar em uma realidade na sociedade moderna, a urbanização e o advento da mídia de massa foram os dois principais agentes que levaram o pensamento póskantiano a se transformar em uma realidade cultural na sociedade pós-moderna (AZEVEDO, 2007, p. 19). É neste contexto que nos debruçamos sobre a necessidade real de estudar os movimentos religiosos (uma tarefa das Ciências das Religiões). Assim, estudar as religiões no contexto pós-moderno não é uma tarefa dispensável como pensam alguns; aliás, é de extrema importância a compreensão do tema para que se estabeleçam boas relações sociais e até mesmo mercadológicas. A religião e a religiosidade não desapareceram, nem esvaziaram de sentido e valor; elas revestiram-se de uma nova roupagem. Foram resignificadas, mas continuam vivas, tanto no imaginário coletivo como nas ondas virtuais, por meio das expressões cúlticas virtuais e imagéticas, porém com um mercado crescente e milionário. Como vivemos em um mundo globalizado, as relações de mercado se estenderam além das fronteiras locais. Logo, alcançam as culturas mais diversas possíveis, e inevitavelmente se exige dos mercadores o conhecimento amplo de seus clientes, fornecedores, consumidores, e isso perpassa também pelo crivo da religião. Por exemplo, ao realizar transações comerciais com a Índia, não seria prudente ofertar uma vaca sacrificada, ou ainda com destino ao sacrifício, já que é de conhecimento público e notório que a vaca é considerada sagrada naquela cultura. Da mesma forma, ofertar uma jantar com a mesa farta em iguarias suínas a um representante mercador de origem adventista seria uma afronta à religiosidade do cliente, ou no mínimo, total negligência com os detalhes que certamente farão a diferença entre negociar ou não. Logo, uma forma de se planejar tais detalhes passa pelas vias das Ciências das Religiões onde se estudam, entre outros temas, as crenças e costumes das religiões que estarão no escopo do referido mercado. Daí, nota- se que a disciplina transcende os discursos e adentra nas questões práticas, de negócios reais e com desafios reais. Neste contexto, pode-se perceber que a religiosidade está presente inclusive nas compreensões políticas e sociais dos indivíduos brasileiros, que tentam legitimar seus sofrimentos e os descasos dos governantes por meio de atribuições religiosas, Dito de outra forma, o senso comum traz embrionado em si, em seu inconsciente coletivo, o ideário de que Deus, por meio de seus santos, atenderá às preces dos que sofrem. Podem, para isso, ter a imagem do Cristo sofredor ou de um santo intercessor, que assistem seus sofrimentos. Tal realidade pode ser percebida nas romarias, festas religiosas e até mesmo na Música Popular Brasileira (MPB). Para exemplificar, apresenta-se um trecho da música Madalena, de Gilberto Passo Gil Moreira (Gilberto Gil): Fui passear na roça. Encontrei Madalena. Sentada numa pedra Comendo farinha seca, Olhando a produção agrícola e a pecuária. Madalena chorava. Sua mãe consolava. Dizendo assim Pobre não tem valor. Pobre é sofredor. E quem ajuda é Senhor do Bonfim. Entra em beco sai em beco. Há um recurso Madalena. Entra em beco sai em beco. Há uma santa com seu nome. Entra em beco sai em beco. Vai na próxima capela. E acende uma vela. Pra não passar fome (MOREIRA, [s.d.], [s.p.]). O verso acima citado aponta para uma forma de se encarar os sofrimentos reais, apelando-se para o mundo das ideias, da metafísica, do santo que há de combater o profano. Neste caso, profano é a ausência do que comer. Na verdade, este pensamento expresso por meio da arte é reflexo de teologias herdadas de uma religiosidade colonizadora, um legado histórico do Cristo sofredor, que protege e cuida do desterrado. Outra música que merece destaque na presente discussão, igualmente apontadora da necessidade de milagres que curem as mazelas sociais é Ave Maria do Morro, de autoria de Herivelto Martins, na qual o autor demonstra de forma poética as dores de um povo pobre, sem muitas esperanças, que busca na fé um consolo real. É o exercício da fé, por meio do qual, ao cair da tarde, reza uma Ave Maria com esperança de uma vida melhor, ainda que esta nunca venha. E, a cada cair de tarde, o ritual se repete. Assim, vejamos a letra: Barracão de zinco, Sem telhado, Sem pintura lá no morro, Barracão é bangalô, Lá não existe felicidade, de arranha-céu, pois quem mora lá no morro, Já vive pertinho do céu. Tem alvorada. Tem passarada. Ao alvorecer. Sinfonia de pardais. Anunciando o anoitecer. E o morro inteiro. No fim do dia. Reza uma prece. À Ave Maria. E o morro inteiro. No fim do dia. Reza uma prece. À Ave Maria. Ave Maria. Ave (MARTINS, [s.d.], [s.p.]). Mesmo diante das dores, da ausência de direitos básicos à moradia, à dignidade e outros direitos, tem-se a ideia de que a dor pode ser aliviada por uma oração à Ave Maria, conforme a letra acima apresentada. A linguagem religiosa está presente no cotidiano do povo brasileiro, com maior ou menor crença, na linguagem, nas referências aos santos, aos milagres, ao céu e ao inferno. Uma expressão de ausência do querer como Deus me livre, credo, vixi e Ave Maria são expressões tipicamente religiosas mas que, na comunicação popular, ganham conotação cultural. No entanto, é uma linguagem que recebeu um legado religioso. Neste contexto, os signos são externados de acordo com os significados de cada coisa. Ave Maria pode ser uma reza ou pode ser uma expressão cultural de espanto ou medo. O sentido pode ser dado pelos significantes no contexto dialogal dos interlocutores. E, assim, a religiosidade continua exercendo forte influência no cotidiano. No Brasil, essa religiosidade influencia de forma direta nas tomadas de decisões de muitas pessoas, podendo até definir um cenário político em função das crenças dos candidatos. No aspecto político eleitoral, a Arquidiocese de Vitória, por seu Arcebispo Dom Luiz Mancilha Vilela, divulgou em seu site, no ano de 2012, um documento que instruía os fiéis a votarem de forma coerente. Apresentava recomendações inerentes ao caráter, à postura política e às relações com as questões fundantes da ética cristã e igrejeiras. De forma resumida, podemos citar alguns tópicos do documento supracitado. Antes de darmos nosso voto precisamos saber: (...) O candidato respeita a vida (...) existe respeito pela pessoa humana? (...) Foi portador das necessidades dos eleitores? (...) se preocupa com a construção da paz? (...) conhece as competências do cargo? (...) a igreja não tem partido, nenhum candidato pode apresentar-se como representante da igreja (...) se o pároco julgar oportuno poderá promover debates no salão paroquial, obedecendo as regras que o tribunal Eleitoral estabelece (...) qualquer padre, como cidadão livre que é, tem todo direito de escolher seus candidatos e aconselhar as pessoas que pedirem orientação (...). (VILELA, 2012, p. 2;4). Mesmo que não se apresente o documento como ação impositiva da Igreja, certamente, muitos fiéis poderão tomá-lo como verdade a ser seguida. Aqui não fazemos um juízo de valores, mas sim uma reflexão sobre a influência religiosa na vida e nas decisões dos fiéis. No entanto, a Igreja não detém mais os domínios absolutos frente às decisões judiciais e políticas. Isto pode ser percebido, por exemplo, nas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O Jornal A Tribuna, de (Vitória ES), veiculado no dia 14 de abril de 2012, traz a matéria que aprovou o aborto de fetos anencéfalos (com má formação ou ausência de cérebro). A decisão foi lamentada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Independentemente do lamento de religiosos, a lei foi aprovada. O que há de importante nesta decisão? O fato de estar o Poder Judiciário, representativo da Justiça da nação brasileira, caminhando pelas vias da laicidade, da independência em suas decisões legais e sua total autonomia em relação à Igreja Católica, uma realidade que muito interessa aos estudantes das Ciências das Religiões, pela conotação das relações entre a religião e a esfera pública. Na abordagem da esfera privada, os religiosos podem e devem orientar seus prosélitos no âmbito político, até mesmo como forma de educação comunitária de conscientização política. No entanto, no âmbito das relações dentro da esfera pública, os segmentos devem respeitar as opiniões diferentes e divergentes, inclusive nos aspectos políticos. Logo, são livres para orientar; porém, o indivíduo é livre para acatar ou não as orientações recebidas. Tais relações estão contidas no escopo das Ciências das Religiões e de seus estudiosos. Mas, temos também um mercado religioso abrangente, que movimenta bilhões de reais. Vende-se neste mercado muito mais que bens simbólicos. Ali se vendem livros, roupas, acessórios; há uma indústria literária, uma indústria musical (estilo Gospel), mas há também um grande fomento da construção civil (templos, escolas, salões etc.) e, ainda, a religiosidade brasileira fomenta de forma significativa o Turismo Religioso com os grandes encontros, as festas, convenções, caminhadas e a venda de materiais alusivos às respectivas festividades. E nada disto sai de graça, tudo tem preço, tanto em sacrifício pessoal como em dinheiro ou donativos diversos. Não é raro ouvirmos falar dos escândalos envolvendo dinheiro, sexo, desvios morais e de conduta associados a celebridades religiosas das mais variadas denominações. No entanto, com a exacerbação da mídia, tais fatos vêm ganhando maior notoriedade: é o que podemos chamar de globalização dinâmica, onde tudo acontece e se multiplica em tempo real, ganhando novas proporções. Na cidade de Vila Velha/ES acontece, anualmente, a Festa da Penha, entre os dias 15 e 16 de abril. Essa festa reúne romeiros do Brasil inteiro em torno do Convento da Penha3. As caravanas que aqui desembarcam fomentam a economia local, a hotelaria, a gastronomia, o comércio de roupas, livros, hospitais, e principalmente as ofertas, a compra de souvenirs sagrados, imagens, livros religiosos etc. É uma festa que movimenta milhões de reais. No Espírito Santo, o Jornal A Tribuna, veiculado no dia 29 de fevereiro de 2012, (p. 19) noticiou escândalos envolvendo algumas igrejas evangélicas de grande porte. A chamada da matéria diz: “Polícia Civil está investigando desvio de mais de R$ 1 milhão em outras denominações religiosas que atuam no estado.” A mesma matéria apresenta o andamento de uma investigação que tramita em decorrência da denúncia recente, de outra igreja que supostamente teria “desviado mais de R$ 20 milhões”. O texto é amplo, porém, não é o caso de explorá-la neste momento e neste trabalho. Só a citamos como um dos problemas presentes no mercado religioso que está no escopo de nossa disciplina. Um fator que chama a atenção é a fé crescente frente à omissão do Poder Público. Com a saúde debilitada e sem condições financeiras para receber um atendimento digno, resta aos aflitos a opção pelas filas 3 Diz a lenda que Frei Pedro Palácios morava em uma gruta escavada na pedra, no pé do Morro em que foi construído o Santuário de Nossa Senhora da Penha, fundado por volta de 1.560 no alto do penhasco de aproximadamente metros de altitude, rodeado por resquícios da Mata Atlântica. intermináveis do Sistema Único e Descentralizado de Saúde (SUDS) ou, então, as filas dos sensacionalistas de plantão, que negociam as curas pelas fidelidades por patrocínios, ofertas ou donativos como frutos de uma fé vencedora, ousada ou sem limites. Os milagreiros também buscam seu lugar ao sol no cenário religioso brasileiro, e fazem isso com maestria e sem demonstrar culpa, arrastando multidões de fiéis pobres que alimentam as igrejas multimilionárias e abarrotam seus cofres, em detrimento da dignidade de seus seguidores. Mas, como lidar com a diversidade tão rica e aflorada? Essa pergunta não é nova, e nós não tratamos de nada inaudito no presente trabalho. Porém, como outros já o fizeram, somente buscamos um entendimento inerente ao assunto. Para se formar como estudioso das Fenomenologias Religiosas, deve-se primeiramente buscar entender o sentido de religião. Existe uma religião que seja portadora da verdade única? A primeira coisa a ser dita e entendida é que, mesmo vivendo em um país ocidental e cristianizado, Religião e Cristianismo não são sinônimos, mas também não são antagônicos. Dito de outra forma, o Cristianismo é uma das diversas religiões existentes em nosso planeta. Em nosso país, há igualmente uma grande diversidade de representações simbólicas de cunho religioso, que devem ser respeitadas com tal. O que confere legitimidade ao respeito a essa diversidade é o fato de o pluralismo religioso estar resguardado pelo artigo 5º da Constituição da República Federativa Brasileira (CRFB). Todos possuem liberdade plena de exercício de sua fé e de cultos, respeitando, evidentemente, o direito dos outros cidadãos brasileiros de não serem importunados por qualquer forma agressiva ou invasiva de religiosidade. Ou seja, o exercício da religião é livre no solo brasileiro, mas todo e qualquer religioso deve respeitar as leis nacionais em seu conjunto total. É neste contexto que lançamos o presente estudo das Ciências das Religiões no contexto brasileiro, um país multicultural, multifacetado, com cristianismos que não expressam as mesmas verdades, formando um emaranhado de crenças, em meio a tantas outras vertentes religiosas, donde se extrai um sincretismo riquíssimo e a necessidade urgente de um estudo que nos leve a um diálogo inter-religioso respeitoso, amplo e não coercitivo, permitindo-nos como cientistas das religiões propormos uma resposta coerente (se é que isso seja possível) e justa transposição didática para as salas de aula, como forma de contribuir com o diálogo e o respeito à alteridade e a compreensão do status da religiosidade presente no Brasil. Partindo de pressuposto de que não vivemos mais no período prémoderno, que não há mais espaço para qualquer teoria tentar firmar-se com única detentora da verdade absoluta, entendemos que uma boa terminologia seria Ciências das Religiões. Isto porque o nome agrega um conjunto de ciências que buscam compreender as mais diversas formas de exteriorizações religiosas e a interdisciplinaridade, fazendo uma relação transversal entre ciências humanas e fenomenologias religiosas. As teodicéias, os arcabouços doutrinários, as metanarrativas e os impactos sociais que essas causam nos diferentes grupos que com elas se envolvem. No objeto dessa pesquisa, não se pergunta quem é Deus, ou quem são os deuses, mas sim, o que esses deuses proporcionam ao grupo social que os segue. 1.2 RELIGIÃO E CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES No tema Religião e as Ciências das Religiões, buscamos dar algumas possibilidades de definições para o termo religião, partindo da seguinte premissa: A(s) religião (ões) é (são) o objeto de estudo das Ciências das Religiões. O cientista das religiões deve ocupar-se do estudo das mesmas de forma isenta, tentando compreender como as crenças e os movimentos religiosos afetam a sociedade e os comportamentos. É sabido que a religião não deve interferir nas decisões estatais. No entanto, não é o que se percebe na prática. O estudo da religião, mediante as regras gerais das ciências que estudam outras opções humanas sem a elas se vincular, contribui com a formação da cidadania, ou seja, com consciência crítica dos valores e das práticas sociais, com os discernimentos das ofertas de valores religiosos, por parte de uns grupos religiosos nas mais diversas mídias, com o respeito pelas diversidades religiosas, em nome da diversidade, com a busca do diálogo com os diferentes valores produzidos pelas tradições religiosas e com a construção da sociedade do diálogo e da paz. (PASSOS, 2008, p. 121). Mesmo sabendo que a religião deve ser tida como algo inerente à vida privada, a ser mantida nos arraiais comunitários e individuais, elas estão presentes, e ainda, com força de pressão nas decisões governamentais, força essa exercida não pelo poder da alteridade, mas pela expressão numérica de fiéis votantes, que podem ser influenciados pelas crenças que possuem; logo, poderão constituir-se em votos perdidos. Assim, a religiosidade continua dando seus pitacos nas formulações de leis que regem nossa pátria. Um exemplo recente disto na história foi a longa discussão sobre a distribuição do kit gay nas escolas, ideia abortada, ainda que estivesse em vias de ser publicada; porém, o Poder Público recuou, em função da pressão popular, tendo a religiosidade como força motriz de suas reivindicações. Mas a religião tem, em si, outras influências que precedem o comércio e a sociedade; está no ser humano, é dela um fator constituinte: não existe sociedade sem religião ou sem expressões elevadas à alteridade. Religião é, em nossa opinião, uma abstração por meio da qual um ser religioso tenta superar seus limites absolutos: o tempo, o espaço e a morte (BITTENCOURT FILHO, 2010). Pela Religião ou pelas religiões, com todos os seus simbolismos transcendentais, o ser religioso espera superar esses limites, vencendo a morte, superando esse espaço geográfico e temporal, vivendo eternamente (caso dos cristãos), reencarnando (espíritas) morando em algum lugar do espaço (mórmons), voltando em castas melhoradas (hindus), ou ainda vivendo no mundo das ideias como os filósofos e muitas outras, cada uma com suas representatividades, teologias e ideologias que lhes são próprias (ou resignificadas). Mas a religião também pode ser explicada como: re-ligare: (do latim), ligar novamente, religar os seres humanos com Deus, voltar a ligar, ainda que tais definições tenham a ver com a religiosidade cristã, que no Brasil é cerca de 88% da população. Crer em religião somente com o sentido de religação é um tanto reducionista e, dessa forma, pode ser utilizada nos arraiais da Igreja Cristã, no sentido de manter cativos os que buscam uma religação com o Santíssimo Sagrado pelas vias da igreja. Ligação quebrada por meio da atitude pecadora da humanidade. A questão é que nem as teologias cristãs se entendem no que realmente é ou deixa de ser pecado. Pecado passa a ser o que cada instituição legitima como espúrio à luz de suas interpretações e formulações doutrinárias. De igual forma acontece com o sagrado. O que é sagrado, para um grupo religioso, pode ser profano para outro. Os deuses de uns representam ou podem representar demônios para outros. Para Rubem Alves (1984), a religião não foi superada pela Filosofia e outras linguagens como a ciência, por exemplo. A religiosidade continua viva na história da humanidade. Toda e qualquer expressão cultural tem suas representações religiosas e as buscas das relações com o transcendente, com a alteridade, pelos que manipulam os poderes e as forças misteriosas, os milagres e as forças superiores que antecedem a humanidade e o transcende. Assim, vale a pena uma breve reflexão sobre o que é religião. É fácil identificar, isolar e estudar a religião como o comportamento exótico de grupos sociais restritos e distantes. Mas é necessário reconhecê-la como presença invisível, sutil, disfarçada, que se constitui num dos fios com que se tece o acontecer do nosso cotidiano. A religião está mais próxima de nossa experiência pessoal do que desejamos admitir (...). Como o disse poeticamente Ludwig Feuerbach: “A consciência de Deus é autoconsciência, o conhecimento de Deus é auto-conhecimento. A religião é o solene desvelar dos tesouros ocultos do homem, a revelação dos seus pensamentos íntimos, a confissão aberta dos seus segredos de amor.” (ALVES, 1984, p. 12-13). Para os estudantes de Ciências das Religiões o olhar deve ser mais amplo e, tanto quanto mais crítico sobre qualquer tentativa de se reduzir o sentido da religião e das representações de religiosade. Por isso mesmo, não podemos ter na Teologia (em nenhuma teologia: ortodoxa, liberal, pósmoderna) nossa epistemologia. A teologia é uma das ciências estudadas no contexto das Ciências das Religiões, tal como a Antropologia, Sociologia, Psicologia da Religião, Filosofia, Ética, História, dentre outras que, neste entendimento objetivado, fogem do objetivo da pesquisa explicar ou definir. No olhar das Ciências das Religiões, Religião pode ser, também, um conjunto de crenças em coisas sobrenaturais, transcendentais, imanentes, nas mitologias, com construções sistematizadas de doutrinas e outras formas de construções daquilo que nominam como santo, profano, sagrado ou divino, a eles reverenciando, prestando cultos e homenagens por meio dos ritos apropriados e inerenteas a cada grupo, cultura, ou tipo religioso. A manifestação cúltica deve ser respeitada e não demonizada ou estigmatizada pelos estudantes de Ciências das Religiões. Religião é, nesse sentido, um elo comunitário que pode diferir de uma cultura para outra, cada uma com seus símbolos, mitos, ritos, festas e crenças específicas. Sobre os símbolos religiosos, pode-se afirmar que são representações daquilo que liga o homem ao sagrado, opondo-se ao diabolos, ou aquele que separa o que antes era unido. O simbólico reúne, outra vez, as coisas separadas. ‘Lançar conjuntamente ou ao mesmo tempo’. O que é considerado simbólico tem a capacidade de reunir eficazmente. O símbolo é atividade reveladora e, por esse motivo, une o que está separado; aponta para um significado que é real e diferente do que sua estrutura imediata comunica ao conhecimento empírico ou habitual. (ADRIANO, 2012, [s.p.]). Um exemplo pode ser encontrado nas narrativas bíblicas, onde Deus é apresentado como Criador em harmonia com o homem criado, que é separado desse criador após a intervenção do diabolos. (BÍBLIA SAGRADA,1980). Rompe-se ai uma relação, quebra-se o laço que ligava o sagrado ao homem. A narrativa é uma expressão do mito. Mito é narrativa, e o mito está presente em toda e qualquer forma religiosa. Chamar de mito uma história não é lhe conferir um tom pejorativo, mas expressar-se adequadamente com a etimologia da palavra. Como visto até aqui, o tema Ciências das Religiões movimenta estudiosos, pesquisadores e uma vasta construção literária. Um tanto quanto comum é encontrarmos livros relativos ao tema. Isso acontece pela força dos fenômenos religiosos presentes no contexto individual e comunitário. Força, aqui, deve ser entendida não no sentido transcendente, mas sim nas vivências diárias dos diferentes grupos religiosos. Fenômenos tão expressivos não poderiam passar despercebidos, nem tão pouco ser desprezados pelos estudiosos do assunto. Hans-Jurgen Greschat (2005) levanta a questão sobre o que é Ciência da Religião buscando apresentar uma visão sobre o tema. É possível, assim, compreender conceitos que nos ajudam a perceber a relevância da disciplina para as práticas docentes do ER nas escolas de rede públicas brasileiras, coadunando com as diretrizes da LDB atual. O autor menciona sete passos para a produção e desenvolvimento do conhecimento, apresentando-os da seguinte forma: 1º - Identificar os problemas; 2º - escolher um problema; 3º - coletar material; 4º - olhar a substância aglutinadora; 5º - achar a solução; 6º - pôr o resultado à prova; e 7º - comunicar os resultados. (GRESCHAT, 2005). Os passos citados anteriormente são inerentes à proposta do autor em seu livro O que é Ciência da Religião. Logo, referem-se às buscas dentro da disciplina referida. Os temas transversais relacionam-se diretamente com os conteúdos e objetivos do ER de cada estado onde será utilizado (no caso nas escolas). No ES são propostos pelo Currículo Básico Comum (CBC) da Secretaria de Educação do Espírito Santo (SEDU/ES, 2009). Os conteúdos visam a inclusão dos alunos, a relação dialogal, a vivência respeitosa e tolerante e postulação dos valores considerados universais que podem ser encontrados em praticamente todas as expressões religiosas. Por meio dos diálogos imparciais e tolerantes, os problemas poderão ser diagnosticados, os alunos oferecerão as informações pertinentes para compor os conteúdos de discussões, as substâncias aglutinadoras poderão ser detectadas e, consequentemente, apresentadas de forma prática, facilitando assim a aceitação entre os alunos, uma vez que eles mesmos as terão encontrado e, por fim, os resultados das pesquisas realizadas dentro de sala de aula, com a mediação do docente com formação em Ciências das Religiões, poderão ser apresentados. O conteúdo a ser ministrado no ER é a religião em sua riqueza, nas diversas expressões, ou seja, um ensino voltado ao estudo da religião e da religiosidade e das práticas e conceitos religiosos. A questão é que não se trata de uma religião específica, mas sim da amplitude plural do sentido de religião e religiosidade. Como compreendê-la? A religião somente poderá ser compreendida a partir de uma leitura isenta de conceitos reducionistas e institucionais. A palavra ‘religião’ é como um labirinto, perder-se-á nele quem não trouxer um fio na mão para se orientar. Logo após a entrada, encontramos ambiguidades. O termo ‘religião’ é corriqueiro, mas somente os especialistas conhecem o termo ‘Ciência da Religião’. Os demais articulam uma vaga sensação de que se trata de ‘teologia ou algo semelhante’ (GRESCHAT, 2005, p. 17). A falta do conhecimento adequado tem gerado ao longo dos séculos, no Brasil, uma prática catequética nas escolas públicas como se fosse Ensino Religioso. Tanto no aspecto católico romano como no ensino religioso protestante, de parte a parte, a Teologia norteou os conteúdos do ER. A partir da Lei nº 9.475/97 que altera o artigo 33 da LDB, que trata o ER sem conotação de proselitismo, amplia-se a necessidade de professores com capacitações adequadas, e justamente aí entram as Ciências das Religiões, isentas das influências teológicas, catequéticas e/ou doutrinárias, oportunizando a apresentação de conteúdos compatíveis com as legislações brasileiras. Na aplicação docente, os mesmo passos podem ser válidos e úteis. Ao olharmos a proposta de Paulo Freire (1993), perceber-se-á uma relação dialogal entre professores e alunos, o que cabe em qualquer disciplina. Assim, pode-se fazer uma justa comparação entre os dois métodos, percebendo-se que ambos apresentam uma forma coerente de transposição didática, onde professores e alunos constroem juntos o entendimento do conteúdo proposto por meio do diálogo em sala de aula. Nesse modelo, docentes e discentes participam ativamente da aula. Buscam desde o primeiro passo, na identificação dos problemas a serem trabalhados, até a comunicação dos resultados encontrados. Freire (1993) coloca em evidência a importância do conhecimento prévio do contexto sociocultural dos educandos, no processo educativo-religioso, como também no processo educativo em geral. (...) é impossível ensinarmos conteúdos sem saber como pensam os alunos no seu contexto real, na sua cotidianidade. Sem saber o que eles pensam independentemente da escola para que os ajudemos a saber melhor o que já sabem, de um lado, e, de outro, a partir daí, ensinar-lhes o que ainda não sabem (FREIRE, 1993, p. 105). Nas aulas de ER, os conteúdos propostos pelo professor poderão ser os mesmos vivenciados no cotidiano dos alunos, nas práticas vivenciais, em suas crenças essenciais, nas suas expressões de fé e práxis. Em todo caso, caberá aos educadores e educandos, por meio do diálogo, encontrar a substância aglutinadora, ou seja, os pontos comuns entre as diferentes expressões religiosas. Certamente há muitos pontos comuns a serem trabalhados dentro dessa visão. Daí, mais uma vez faz-se necessária uma atuação docente isenta de preconceitos e de juízo de valores, atributos implícitos dos Licenciados, Especialistas, Mestres e Doutores das Ciências das Religiões. Quais os pontos comuns a serem trabalhados na disciplina? Essa é uma descoberta a ser feita em sala de aula, com diálogo respeitoso, com uma didática inclusiva e com um olhar isento. Os graduados e pós-graduados em Ciências das Religiões estão habilitados para encontrá-los, mensurá-los e ministrá-los de forma respeitosa e abrangente. É necessária e indispensável a ministração do ER nas escolas públicas, porque onde há seres humanos, há sentimento religioso e expressões de religiosidades, ou seja, onde houver pessoas, haverá expressões religiosas em maior ou menos escala. “Por existir, porém, o objeto religião é, fatalmente, um objeto de estudo. Onde há seres humanos, a religião está por perto. (GRESCHAT, 2005, p. 23). A religião faz parte de nossa cultura. As multiformes expressões religiosas estão presentes em todos os segmentos públicos. O sincretismo existe, ai está, e faz-se necessário ser não somente visto, mas também estudado, compreendido e respeitado, formando a trinômio: Estudo-Compreensão-Respeito. Não há como se pensar em Ensino Religioso coerente sem passar pelo crivo da isenção acadêmica. Religião é, sim, um fenômeno presente e posto. Mas é, também, algo que gera riquezas, movimenta fortunas, indústria literária, mídias televisivas, Internet, indústria Gospel, Engenharia civil, dentre muitas outras formas de empregos diretos e indiretos, por meio dos dízimos, ofertas, doações, vendas e transações de bens simbólicos e materiais do mercado religioso. Todavia, há outras leituras que podem ser feitas sobre o que o fenômeno religioso transcende e a instituição religiosa, e de igual maneira, as doutrinas por elas criadas. E, ainda, existem as leituras sociológicas, mercadológicas e fenomenológicas, que podem ser feitas neste cenário. Dentro da leitura fenomenológica, percebe-se que o fenômeno religioso continua fluindo de forma avassaladora, multiplicando-se e proliferando vertiginosamente. No Brasil, crescem sem parar as ramificações do pentecostalismo de Terceira Onda4, que surgiram a partir de 1977, tendo como impulsores a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), chefiada pelo Bispo Edir Macedo e pela Igreja da Graça, chefiada Romildo Soares (1980), cunhado de Edir Macedo. No tratado cunhado por Freston, e consecutivamente por outros, como citado anteriormente, podemos dizer também que: A história e as características do pentecostalismo no Brasil têm sido estudadas de várias maneiras. Paul Freston e outros têm usado a periodização das três ondas. A primeira onda pentecostal registra a 4 Terceira onda – termo usado por Leonildo e Gutiérrez, 2003, p 84 no livro denominado: Na Força do Espírito. Mas que, foi anteriormente cunhado pelo sociólogo Paull Freston onde cita “três ondas” ou fases da implantação do pentecostalismo no Brasil, 1º Congregação Cristã do Brasil (1910) e as Assembleias de Deus (1911). 2º Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo (1955) e Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962). E 3ª onda, o neopentecostalismo nos anos 70. fundação e o surgimento da Congregação Cristã do Brasil e da Assembleia de Deus, nos moldes do pentecostalismo norteamericano de onde provinham os fundadores. Uma segunda onda pentecostal se iniciou nos anos 50 do século passado, com ênfase não somente no falar em línguas, mas também na cura divina e nos milagres. São numerosas as denominações surgidas nesse período: igreja do Evangelho Quadrangular-Cruzada Nacional de Evangelização (1953); Igreja Pentecostal "O Brasil para Cristo" (1956); Igreja Pentecostal "Deus é Amor" (1961); Metodista Wesleyana (1967) e muitas outras. Nos anos 70, uma terceira onda pentecostal, que enraizou nas matrizes da cultura brasileira, com uma série de modificações, deu início a formas de pentecostalismo típico que é conhecido com o nome de "pentecostalismo brasileiro". A Igreja Universal do Reino de Deus (1977), a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), a Igreja Cristo vive (1986), são expressões afirmadas do pentecostalismo brasileiro (CIPRIANI, [s.d.], p. 3). Atualmente, esse fenômeno continua se mostrando a nós por outras igrejas autóctones como: Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja Mundial Renovada e por muitas outras que vem surgindo. Com essas igrejas, reaparecem os discursos mágicos recorrentes (mágicos, mas não menos secularizados). De acordo com Feuerbach fenômeno do milagre impõe-se na experiência humana a partir do desejo finalizado de modo instantâneo, do ânimo sobrenatural da imaginação fantasiosa. Em primeiro lugar, milagre é um desejo sobrenatural realizado porque possibilita a realização do impossível. A essência da fé associa-se ao que o homem deseja (...) assim, se ele deseja a imortalidade, logo se tornará pela fé imortal (...) numa outra perspectiva, milagre é gerado pelo desejo humano mais forte que a natureza e que faz com que ela se curve (BULTMANN, 2003, p. 6-7).. A re-significação das tradições religiosas aconteceu e continua acontecendo na sociedade atual. O fator de apossar-se das tradições (dos discursos religiosos) em função de novas construções litúrgicas e cópticas continua mantendo vivas as diversas formas de religiosidade. Em nosso contexto atual, percebe-se um crescimento acentuado das ofertas religiosas com certo nicho de mercado, explorando o filão das necessidades básicas dos indivíduos religiosos, tais como a esperança da vida próspera e a contemplação das promessas dentre outras formas de conquistas por meio das relações de manipulação do milagre. Não poderia deixar de pontuar que, na ausência de políticas públicas adequadas de Saúde, moradia e emprego, crescem consideravelmente as filas nos balcões dos milagres. E lá estão feiticeiros, manipuladores do feitiço (o fetichismo)5, o inanimado que ganha vida, que encanta e fascina seus seguidores. No aspecto mercadológico, podemos citar sem receios o comércio em torno do religioso. São festas, turismos, livros, construçoes de templos, músicas, roupas, aparatos religiosos, imagens, fetiches da fé, mídias, horários em canais de TV, patrocínios, dízimos e ofertas, doações diversas, imóveis, veículos. Tudo isso movimenta um montante inimaginável para as respectivas religiões, cada uma com suas construções e vendas. Vemos, então, que a religião vende mais do que valores e bens simbólicos. No balcão do mercado religioso, doentes desesperados, desabrigados e desengandos pela Medicina convencional se lançam no mercado da cura divina. É nesse cenário que se percebe a movimentação milionária de contas gigantescas e bens materiais que variam no entorno do comércio da religião, em alusão às ideias de Freston (as Ondas do Pentecostalismo) descritas por Meneses (2008): (...) rituais de cura divina que ao longo das duas ultimas décadas, foram foram tratadas maciçamente como mercadoria, negociada livremente no mercado de bens simbólicos, sem o devido aprofundamento da complexa teia de significados que envolve esses rituais como o processo de conversão desses religiosos, com a 5 “‘Fetiche’ é justamente uma coisa enfeitiçada, algo inanimado que se move como se fosse vivo (...) a ilusão criada pelo fetiche é real, ela de fato condiciona comportamentos, (...) o seu poder social, bem como seu nexo com a sociedade ele carrega no bolso.” (GRESPAN, 2008, p. 72-73) prática do proselitismo, com a construção do discurso cotidiano que promove a consolidação e a legitimação da religiosidade.(MENESES, 2002, p. 19). Considerando-se ou não a valoração simbólica do ideário de cada individuo religioso, pode-se entender de forma indistinta que as curas movimentam e fomentam a relação mercadológica da fé. Ou é de graça que se mantém os templos, a indústria literária e Gospel, entre outras? E, ainda, foram extintos os dízimos e as ofertas? Definitivamente, não. E as cruzadas missionárias de curas continuam movendo multidões e gerando a riqueza de grupos religiosos no contexto brasileiro. Ainda sobre o tema, diz Meneses (2002, p. 20): “Os rituais de cura divina são marketing principal que contribui em todos os momentos, para o processo de conversão e afiliação do fiel a uma denimiação pentecostal ou pentecostalizada”. Na leitura sociológica, pode-se perceber a ciranda dos movimentos religiosos e o que ela representa em cada etnia, em cada grupo social, o que ela gera de significados e práticas sociais, se são produtoras de ações práticas, ou se permanecem somente no campo das ideias, se conduzem à libertação ou a alienação? Se são remédio ou ópio? Enfim, há uma vasta possibilidade de pesquisa a ser feita no campo da Sociologia da Religião como disciplina do Curso de Mestrado Profissional em Ciências das Religiões. Nas expressões religiosas, os envolvidos ganham vozes e expressões, podem falar e ser ouvidos, as pessoas mais simples ganham status de líderes, de diáconos, presbíteros anciões, pais de santo, mães de santo. É na expressão religiosa que muitas pessoas sentem-se inclusas no processo comunitário, recebendo certo valor. Em meio aos rituais, rezas, cantos, línguas estranhas, orações e outras expressões, os sem voz podem gritar e clamar, certos de que a Alteridade os ouvirá. Isto faz com que muitos homens e mulheres sem voz firmem-se no contexto religioso. Não podem ser desprezadas as expressões artísticas presentes nas religiões. Templos com torres imponentes (demonstração de força e poder), vitrais suntuosos, quadros e imagens sagradas, órgãos, sinos, detalhes de ouro em algumas decorações. Pela arte, de certa forma, tenta-se transcender o tempo; pelas riquezas, tenta-se demonstrar força e poder. E assim o é: um legado de nossa colonização, regada por arte, disputas, sangue e mortes, frutos de calorosos debates e embates teológicos de cunho político e dialético, tudo em nome da religião, que veio demonizar os nativos, escravizá-los e cristianizá-los a fim de conquistá-los. Tratar desse assunto demandaria volumes grandiosos de páginas escritas. Logo, julgamos importante pontuar tais fatos, mas nos limitamos e retornamos ao objeto de nosso trabalho. Certamente, outro estudioso do assunto poderá elencar outras possibilidades de leituras para as religiões, porque a religiosidade tem se demonstrado como uma roda viva e em permanente construção e mutação. Assim, não pode ser explicada de forma cabal, fato que Karl Marx (1848) já postulava no Século 19: Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social. Essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguiram a época burguesa de as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, como seu cortejo de concepções e ideias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se consolidarem. Tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo que era sagrado é profanado (MARX, 1848, p. 24). No primeiro Curso de Mestrado Profissional em Ciências das Religiões do Brasil, realizado pela Faculdade Unida de Vitória FUV), temos e teremos a responsabilidade de abrir caminhos rumo a uma aplicabilidade digna e responsável dos estudos da diversidade religiosa presente em nosso país. Mas teremos, também, o desafio de transpor os conhecimentos teóricos para as práticas profissionais dentro das esferas públicas e privadas. Acreditamos que um bom desafio será proporcionar uma transposição das Ciências das Religiões para o Ensino Religioso nas escolas de rede pública. Assim, considerando que não há homem sem história, não há homem sem religião e nem há religião sem história, buscamos construir mais um capítulo do universo teórico visando o bem comum de todos - estudantes e professores - por meio de uma proposta transversal e interdisciplinar, sobretudo respeitosa e transformadora. O Ensino Religioso constitui-se tanto um desafio como um campo fértil para as transformações almejadas pelos estudantes do Mestrado Profissional em Ciências das Religiões. Desafio por termos que romper com várias mazelas deixadas por séculos de ensino catequético, doutrinal e teológico dentro das escolas públicas. Campo fértil, justamente por termos a responsabilidade de promover uma educação transformadora por meio dos valores presentes no Ensino Religioso. Notemos a seguir uma breve leitura do Ensino Religioso dentro do espaço público brasileiro. Diante da diversidade religiosa, cabe ao estudante de Ciências das Religiões e aos cientistas das Religiões apontarem para uma busca respeitosa, não reducionista e continuada, do entendimento do que é religião, religiosidade e práxis religiosa sem, no entanto, emitir juízos de valor na pretensão de serem portadores da verdade, utilizando-se de uma linguagem amistosa e compreensível. Cabe ressaltar que, em nossa opinião, a verdade é uma abstração, tanto quanto a Religião. Dizemos isso por não podermos determinar uma única verdade nem uma única religião, pois tudo perpassa pelas vias da linguagem e essa, por sua vez, é sempre interpretação. O objeto observado passa pela interpretação do observador. Já vimos até aqui algumas definições sobre as Ciências das Religiões, mas como as Ciências das Religiões podem contribuir de forma direta nas práticas docentes do ER? Para responder essa pergunta, é necessário que primeiro tenhamos um claro entendimento do que é Didática, o que faremos no último capítulo deste trabalho, que trata da Transposição Didática das Ciências das Religiões ao Ensino Religioso nas escolas públicas. 2 UMA BUSCA EPISTEMOLÓGICA Este capítulo é composto por pesquisas efetuadas em livros inerentes aos temas e documentos como editais e legislações, resoluções, planos de aula de docentes do ER e materiais didáticos disponibilizados nas escolas públicas estaduais do Espírito Santo, e é destinado ao estudo do Ensino Religioso (ER) nas escolas de rede pública no Estado do Espírito Santo. Busca compreender a epistemologia da disciplina, bem como a formação dos docentes que a ministram nas referidas escolas. Com o presente capítulo, objetivamos compreender a epistemologia do Ensino religioso, bem como fazer uma correlação entre os conteúdos do ER e das Ciências das Religiões (CR). Especificamente, a correlação é entre os conteúdos da disciplina no Estado do Espírito Santo, onde apresentamos o Currículo Básico Comum (CBC) da Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo (SEDU), e os conteúdos dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religiosos PCN/ER e, ainda, os conteúdos sugeridos pelo FONAPER, comparando-os com os conteúdos dos cursos de Pós Graduação da Faculdade Unida de Vitória (Especialização em CR e Mestrado Profissional em Ciências das Religiões). No corpo do trabalho, tratamos das leis inerentes ao tema e fazemos uma abordagem histórica, onde se pode perceber certo deslocamento epistemológico ao longo dos séculos. O ER já teve um viés confessional, doutrinário, mas atualmente apresenta-se na forma da lei como não proselitista, respaldado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB de 1996, modificada pela lei 9475/97) em seu artigo 33. O objetivo específico deste trabalho é o cumprimento parcial das exigências do Curso de Mestrado Profissional da Faculdade Unida de Vitória, mas, também dar início a uma futura reflexão sobre o tema. 2.1 TERMINOLOGIAS UTILIZADAS O Ensino Religioso (ER) nas escolas de rede pública no Brasil não é bem uma novidade e, ao longo dos séculos, vem passando por diversas modificações em busca de legitimação e identidade própria. Tais mudanças aconteceram e continuam acontecendo graças à liberdade religiosa existente em nosso país, bem como à laicidade do Estado brasileiro. É importante, antes de abordar a Epistemologia do Ensino Religioso no Brasil, definir os termos utilizados neste trabalho bem como registrar um breve relato histórico 6 da disciplina em legislações passadas e presentes. Ao lançar-se um breve olhar sobre a história da educação, da liberdade religiosa e da laicidade do ER no Brasil, poder-se-á notar as evoluções e conquistas ao longo dos anos. Com relação à laicidade, pode-se afirmar que o Estado é laico e a religião é privada. No entanto, é na sociedade que o indivíduo manifesta suas exteriorizações de fé e vida. E o Estado pode e deve, se não fomentar as discussões de como relacionar a sociedade civil e o Estado, ouvir os interesses comunitários para adotar ações que contemplem as necessidades básicas individuais e coletivas. É a partir da individualidade que se fomenta a coletividade. Dito de outra forma, não cabe ao governo construir templos, mas as vias que dão acesso às igrejas, terreiros, centros, mesquitas etc. são de responsabilidade estatal. Não cabe ao governo edificar igrejas, mas as que são patrimônio histórico, as que estão no escopo do Turismo Religioso, as festas religiosas que fomentam o turismo e consequentemente a Economia podem, sim, ter envolvimento do Estado, ainda que o mesmo seja laico. Laico aqui é o Estado, por adentrar nas decisões eclesiásticas e não reger suas leis pelas mesmas questões, entretanto, o laico e o religioso se inter-relacionam na vida social e comunitária. Os membros da religião privada elegem os governos laicos. Quanto às definições de terminologias utilizadas, apresentam-se as seguintes: a) Epistemologia: Segundo o Dicionário on line Priberam da Língua Portuguesa (2012, [s.p.]) “(epistem- + -o- + -logia) Filos. Ramo da filosofia que 6 Histórico relatado no Parecer Nº: 2197/2009 da Resolução Nº:1900/2009 - Aprovado em: 18/12/2008 da Secretaria de Estado da Educação - Conselho Estadual de Educação do Estado do Espírito Santo. se ocupa dos problemas que se relacionam com o conhecimento humano, a sua natureza e validade = filosofia do conhecimento, teoria do conhecimento.” A Epistemologia do Ensino Religioso abre a religião à investigação filosófica num diálogo esclarecedor, que não pretende dissolvê-la, mas reconhecer seu sentido. Assumindo-se a religião não tanto como um fato objetivo – como faz o cientista que pretende descrevê-la e explicá-la –, mas como uma forma eminente da experiência humana, pode-se reconhecer nela sua originária congenialidade à filosofia, que assume a forma de uma relação dialógica – integração na diferença (COSTELLA; OLIVEIRA, 2007, p. 54).. Praticar epistemologia é antes de tudo ter consciência do drama presente na experiência dos limites de nosso aparelho cognitivo e nas diferentes (e insuficientes) formas de transmissão dos conteúdos produzidos por este aparelho (TEIXEIRA, 2001, p. 11-12). Não poderíamos deixar de pontuar, nesse contexto, a compreensão de Epistemologia do Ensino Religioso segundo Passos (2001). Para o autor, a Epistemologia objetiva a busca dos fundamentos das áreas do conhecimento bem como as práticas pedagógicas. Ela busca expor os pressupostos e aplicações e objetividades mas, também, seus estatutos (como eles se ancoram no saber científico). A Epistemologia é definida pelo autor (2007, p. 108) como “a ciência de determinado método.” Assim com relação à epistemologia do ER, afirma o citado autor (2007): A epistemologia do ER carrega, certamente, esses dois significados: fundamentação de uma área de conhecimento e fundamentação de uma prática pedagógica. E levanta a questão: em que ciência está assenta a disciplina do ER e sua prática? (...) afirma que a religião é objeto do conhecimento, que tipo de conhecimento é esse? o que significa Ensino religioso? (...) o que é propriamente o Ensino religioso? Quais os pressupostos do Ensino Religioso? Quais as finalidades dentro da escola? (...) qual a finalidade do estado na educação religiosa? O estado tem direito ou dever de exercer essa tarefa? (PASSOS, 2007, p. 108). Buscar a compreensão de Epistemologia é lançar-se sobre a busca dos sentidos norteadores das disciplinas pretendidas no estudo. No aspecto religioso, é tentar compreender, sobretudo, os sentidos e a força motriz da tradição estudada, suas expressões de fé e suas crenças. Mas há fatores como as tradições religiosas (de cunho ideológico e discursivo), as práticas religiosas (sistemas e práticas) e, consequentemente, a apropriação das tradições para novas práticas religiosas (religiosidade). Estes conhecimentos estão no escopo da Epistemologia da Religião. Donde se pode deduzir que, para se estudar Epistemologia, que é em si a teoria do conhecimento, deve-se ter em mente pelo menos dois fatores básicos, a saber: o que é conhecimento e o que podemos conhecer. Em uma perspectiva histórica, alguns teóricos explicaram ou tentaram explicar a Epistemologia. Entre eles, pode-se citar Platão e Descartes. Greco e Sosa (1999), que apontam esses teóricos da seguinte forma: (...) Platão considera a tese de que o conhecimento é a crença verdadeira que pode ser justificada com um relato ou uma explicação. Racionalistas como Descartes e empirista como Hume defenderam teses opostas sobre como conhecemos, e também discordaram sobre o que podemos conhecer (...) (GRECO; SOSA, 1999, p. 16). A Epistemologia da Religião, então, trata do estudo de como se produz o saber religioso, expresso nas tradições e discursos religiosos e vivenciado nas religiosidades. Segundo Zabatiero (2008), em aula ministrada no Curso de Mestrado em Ciências das Religiões da Faculdade Unidade Unida de Vitória, a Epistemologia da Religião deve considerar a “produção e avaliação do conhecimento científico.” Ainda segundo o autor, para o estudo da Epistemologia da Religião deve-se, primeiro, compreender o sentido e os fundamentos da religião. Para que se compreenda a Epistemologia do EREP, torna-se necessária a compreensão prévia do saber religioso que é transmitido nas escolas de rede pública, o que se deve conhecer e o que se deve ensinar nas escolas laicas por força da lei. E as Ciências das religiões oportunizam tal condição de conhecimento. b) Ciências das Religiões: Ciências das Religiões compõem-se de um conjunto de disciplinas (ciências) dedicadas ao estudo do comportamento humano frente às manifestações cúlticas, ritualística e culturais-religiosas. O cientista da Religião debruça-se sobre o estudo do sagrado e da religiosidade manifesta dentro das diferentes culturas e tradições, devendo manter-se isento de juízos de valores pessoais. Há uma diferenciação na termologia, variando de uma escola para outra, entre Ciências da Religião, Ciências das Religiões e Ciências das Religiões. Quem fala de Ciência da Religião tende, de um lado, a pesquisar a existência de um método científico e do, outro, também de um objeto unitário. Quem, ao contrário (...) prefere falar de Ciências das Religiões, o faz porque está convencido tanto do pluralismo metodológico (e da impossibilidade de reduzi-lo a um mínimo denominador comum) quanto do pluralismo do objeto (e da nãolaicidade e até impossibilidade no plano da investigação empírica, de construir sua unidade) (CAMURÇA, 2008, p. 20). c) Ensino Religioso: é uma disciplina que se ocupa da formação moral e dos valores vitais que possam ser aplicados de forma integral nas práticas diárias do discente, debruçando-se sobre a busca das relações do indivíduo e da sociedade com o transcendente, com o sagrado, ofertando possibilidades discursivas sobre os valores morais socialmente aceitos. Para tal, o docente deve atuar de forma isenta e respeitosa, sem estigmatizar nem excluir os que manifestam-se de forma contrária à religiosidade corrente dentro da cultura. No Plano Curricular Nacional do Ensino Religioso (PCNER), o Ensino Religioso objetiva estudar o fenômeno religioso como resultado das experiências humanas, individual e/ou coletiva com o transcendente, respeitando as diferentes perspectivas de vida, as diferentes culturas e crenças (as diversidades culturais). A educação do cidadão passa pela concomitante aquisição de conhecimento e de valores. A busca do ser humano livre e da sociedade democrática e igualitária permanece como projeto social e político moderno. Para tanto, os conhecimentos são vistos como caminho de aperfeiçoamento para os indivíduos e para a sociedade. Em tal projeto toda ingenuidade, ignorância e servilismo racional constituem antídoto perverso, devendo ser superados com a educação. A educação do dado religioso se mostra como projeto necessário nesse processo, meio de aquisição de posturas racionais e valorativas para conquista da cidadania, para, para além de todo sectarismo e intolerância (PASSOS, 2007, p. 122). O Ensino Religioso tem a função e o desafio de propor relações respeitosas, abrangentes, que fomentem a relação do aluno com o transcendente sem, no entanto, impor ou sequer sugerir uma fé que seja superior ou melhor que outra. Cabe ao ER, dentro das escolas públicas, oportunizar aos discentes uma convivência amistosa, abrangente e sem estigmas. Na concepção de Passos (2007), o Ensino e a Educação não somente informam; trazem em si uma potencialidade construtiva, que gera informação, mas que oportuniza novas construções próprias para aplicações práticas no cotidiano: No decorrer do diálogo e do exercício sensível do cuidado e da alteridade, a identidade poderá emergir no saber fazer aprender, conviver e ser de cada indivíduo. A construção da identidade, portanto, está imbricada com o processo de conhecimento construído a partir das experiências contextualizadas e conectadas com o passado, forjando possibilidades de manutenção da vida (FUCHS, 2008, p. 33). Na relação entre Estado e ER, pode-se afirmar que o fazer epistemológico do ER deve recair não sobre o Estado, mas nas discussões acadêmicas da Filosofia da Educação e das Ciências das Religiões. No entanto, em função da politização do tema, o ER aparece como uma espécie de exceção em relação às demais disciplinas, tornando-a vulnerável inclusive politicamente. Isto por ser decidido nos bastidores políticos, sem preocupar-se com as fundamentações científicas e epistemológicas do ER. 2.2 PERCURSO HISTÓRICO DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL No aspecto histórico, relata-se a seguir uma breve síntese do percurso feito e do legado da disciplina, devendo-se entender que as decisões norteadoras dos temas sempre estiveram ligadas a um jogo de interesses políticos que lhes foram legitimadores mas que, em detrimento das considerações epistêmicas, foram forjando ao longo dos séculos as formas do ER, em maior ou menor escala, pelo viés dos jogos de poder e trocas entre Igreja e Estado, muito embora estivessem legalmente separados por força da lei, mas intimamente ligados pelas trocas de favores e interesses. Nesse contexto, entende-se que a qualificação científica do ER foi comprometida, recebendo assim tratativas reducionistas e, porque não dizer, oportunistas. Passos (2007) escreve: A relação entre Igreja e Estado tem sido efetivada quase sempre, nessa direção, tendo sempre como parâmetros os interesses mútuos das instituições e, como caminho, ora a pressão política, ora os rituais diplomáticos. É quando os poderes políticos decidem por decreto o destino do conhecimento em nome de seus dogmas e de seus interesses. [...] a separação política entre a coisa da pública e a coisa de igreja reproduziu no âmbito epistemológico a mesma dicotomia entre os conhecimentos legítimos e os ilegítimos, o que se relacionou de algum modo com o pragmático e inútil. As questões religiosas foram entendidas na maioria como dos estados como coisa de Igreja, matéria de decisão política e não de debate e delimitações epistemológicas (PASSOS, 2007, p. 112). A Constituição Imperial brasileira de 1824 já apontava para a religiosidade ligada à fé católica. Porém, naquele momento da História, o Catolicismo romano era a religião oficial. De lá para cá, aconteceram mudanças constitucionais e sociais que exigem, tanto do ER quanto de toda e qualquer disciplina, adequações curriculares e pontuais. No entanto, trata-se a partir deste ponto do presente trabalho do histórico do ER, desde Império até a atualidade (Quadro 1). Constituições federais brasileiras Texto legal Artigo 5º da Constituição Imperial Religião Oficial do Estado brasileiro - “A de 1824: religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião oficial do Império.” Constituição Republicana (1891), O Estado passa a ser laico – “Será leigo o parágrafo 6º do artigo 72: ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.” Constituição de 1934, Art 153, ER Ensino Religioso laico - “O Ensino Religioso na confissão professada pelo aluno será ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno, manifestada pelos pais e responsáveis, e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas, primárias, secundárias, profissionais e normais.” Quadro 1 – Ensino Religioso nas Constituições federais brasileiras de 1824, 1891 e 1934. Fonte: Compilação das Constituições federais brasileiras de 1824, 1891 e 1934. Com a Constituição Federal Brasileira de 1937, o ER deixa de referir-se à relação do conteúdo com religião do aluno, deixando vaga a premissa para a disciplina: Art. 133 - O Ensino Religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objetivo de obrigação dos mestres, nem de frequência compulsória por parte dos alunos. (BRASIL. CF/1937, 2012). A Constituição Federal de 1946, em seu art. 168, inciso V, traz a orientação para o ER como disciplina de matrícula facultativa, no entanto, traz novamente o termo “confissão religiosa do aluno”: Art. 168 – (...). V - O Ensino Religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrada de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. (BRASIL. CF/1946, 2012). A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi constituída em 1961, Lei nº 4024, de 20/12/61 que repetiu, no artigo 97, o que já estava expresso na Constituição de 1946 acrescentando, porém, dois parágrafos, como seguem: “Art. 97 – (...). §1º - A formação de classe para o ensino religioso independe do número de alunos. §2º - O registro de professores de Ensino Religioso será realizado perante a autoridade religiosa respectiva”. (BRASIL, LDB/1961, 2012). Em 1969, surge a Emenda Constitucional (EC) nº 1, mantendo o parágrafo 3º do artigo 168, inciso IV, o disposto na Constituição de 1967, retomado ao parágrafo único do artigo 7º da Lei nº 5.692, de 11/08/71, que diz: “O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus.” (Ensino Fundamental e Médio). A Constituição Federal brasileira de 1988 seguiu a linha das Constituições anteriores e, por ouvir os interesses de grupos religiosos, incluiu no parágrafo 1º do artigo 210 o ER como disciplina facultativa e nos horários regulares de aulas no Ensino Fundamental. (BRASIL CRFB, 2012). A laicidade no ensino não ocorreu sem demandas políticas, muito menos sem derramamento de sangue. No início do Brasil Colônia, a religião era ligada diretamente ao Estado de Portugal, o catolicismo Romano era a religião oficial na Colônia e havia cumplicidade entre a religião e a Coroa Lusitana, para gerenciar tanto a religião como as questões seculares no solo conquistado. Como religião oficial, o Catolicismo ditava normas, regulamentava o que era certo ou errado, santo ou profano. Cavalcanti (1985), em seu livro Cristianismo e Política, apresenta parte dessa história: A igreja era ligada ao Estado no reino de Portugal. O catolicismo romano era a religião oficial. Portugal era considerado um Estado fidelíssimo em relação a Roma. Em consequência lhe era outorgado certos poderes sobre o clero local, na figura conhecida como padroado. Portugal havia recebido de Roma por meio de bula papal, o seu reconhecimento de soberania e direito divino de sua dinastia (CAVALCANTI, 1985, p. 71-72). Era com essa configuração que se ensinava religião ao povo brasileiro. Sem liberdade de escolha mas, sim, subordinando-se às duras regras dos padres jesuítas. Ainda segundo Cavalcanti (1985), as tentativas de manifestações contrárias aos ensinos catequéticos do padroado poderiam ser consideradas heresia. Os hereges eram tratados com intolerância, por representarem ameaça à hegemonia da Coroa, sendo sumariamente executados, para o bem da religião e do Estado. Assim, os protestantes, os judeus ou quaisquer outros religiosos que não fossem ligados ao romanismo estavam sujeitos aos rigores da Santa Inquisição. Era de interesse do Estado que os padres catequizassem os povos dominados e o batismo oportunizava a integração tanto na religião quanto na cidadania. O Estado não era laico e o ER era confessional. Madalena Fernandes (2000) concorda com Cavalcanti (1985) ao escrever: (...) A instrução para todos os escravos era somente a catequese. Isto porque, desde o período da colonização, os grandes colonizadores perceberam que ‘(...) o melhor modo de dominar os índios seria convencê-los pela palavra, modificar sua mentalidade, fazê-los deixar de pensar e sentir como índios, submetendo-os aos desejos do branco’ (FERNANDES, 2000, p. 20). Acredita-se que a partir de 1810, com a abertura dos portos brasileiros para as nações amigas, ouve uma maior abertura para que pudessem adentrar no Brasil novas expressões religiosas. No entanto, segundo Mendonça (1984), a questão da liberdade religiosa no solo brasileiro foi combatida de forma acirrada e vista como algo totalmente desnecessário frente a religião oficial. Outras situações históricas fizeram parte da construção do que hoje se presencia nas escolas de rede pública e, ao longo dos anos, as leis foram tornando-se claras e laicas, oportunizando um ER livre de qualquer imposição religiosa. Diga-se de passagem, liberdade alcançada não sem dificuldades e oposições, como afirmou Mendonça (1984): A questão da liberdade religiosa foi motivo de grandes debates na constituinte de 1823. Havia numerosos parlamentares, portadores de ideias liberais, que promulgavam a abertura maior, provavelmente porque, além de suas ideias, pressentiam a inevitabilidade de um contato cada vez mais intenso como nações protestantes. Houve cerrada oposição. Nem poderia ser diferente, pois dos noventa constituintes, dezenove eram padres (MENDONÇA, 1990, p. 21). O PCNER também apresenta um relato histórico da disciplina, indo desde 1500 até 1996, passando por diversas fases e, em alguns momentos, com ideias recorrentes. Dentro dessa perspectiva, segue uma síntese dos referidos relatos. O Ministério da Educação e Cultura (MEC) mantém, no Brasil, as regulamentações gerais para a Educação brasileira. Há uma diretriz denominada Parâmetros Curriculares Nacionais, ou simplesmente, PCN. No caso do Ensino Religioso, temos o PCNER, que norteia a disciplina para as escolas públicas no Brasil, diga-se de passagem, hoje, pública e laica. Mas nem sempre foi assim. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religiosos (PCNER) 7 de 2006, o ER teve um percurso histórico com várias nuances, dividido em três fases ou períodos, cada fase com suas próprias características, porém, similares em alguns aspectos. A seguir, apresentamos um quadro demonstrativo desses períodos e suas principais características: 1ª Fase 1500 - 1800 Catequético 2ª Fase 1800 – 1964 1930 – 1937 - Período de transição 1937 – 1945 – Estado Novo 3º - 1946 – 1964 – Período Republicano 4º 1964 – 1984 3ª Fase - Os últimos dez anos (ATÉ 1996) O ER ligado à Igreja enquanto religião oficial. Há uma cristianização nas escolas. Uma catequização de cunho político-religioso. Gratuidade e laicidade Nesse período, mesmo sendo considerado laico, a Igreja Católica Romana manteve uma educação religiosa ligada aos interesses do Estado. Um ER de caráter facultativo. Artigo 153 da Constituição de 1934. Tornou-se o marco das discussões seguintes da disciplina em todas as outras legislações Por força do Artigo 133 da Constituição de 1937, o ER perde o caráter de obrigatoriedade, na chamada Reforma O ER volta a ser considerado dever do Estado. Volta a ocupar espaço nas escolas de rede pública. Tem como base a matrícula facultativa O ER é contemplado pela LDB, tanto para o 1º como para o 2º grau, tornando-se obrigatório nas escolas públicas, mas, concede liberdade ao aluno de frequentar ou não O ER torna-se de matrícula facultativa, porém nos horários regulares de aula do Ensino Fundamental Quadro 2 – Percurso histórico do Ensino religioso no PCNER. Fonte: PCNER, 1997. . 7 PCNER Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso, 8. ed, São Paulo: AVE MARIA, 1997. Dentro das expectativas, nota-se a evolução da disciplina e seu deslocamento epistemológico, variando pelas nuances históricas e de legislações, que ora determinam certos conhecimentos, ora outros conhecimentos como premissa do ER nas escolas públicas brasileiras. 2.2.1 Aspectos legais do Ensino Religioso no Brasil De acordo com o PCNER, os conteúdos e objetivos do ER são promover um diálogo respeitoso por meio de um ensino para a alteridade, levando-se em consideração o pluralismo existente no contexto escolar, mas também em relação ao contexto familiar e comunitário. Portanto, o ER é uma disciplina essencialmente dialogal. É nesse sentido que as Ciências das Religiões apresentam-se como uma base consistente para a docência da referida disciplina. Defendemos aqui as Ciências das Religiões como boa base epistemológica para o ER nas escolas. O arcabouço doutrinário amplo e diversificado da disciplina pode aliarse e ajustar-se perfeitamente bem aos interesses legais do Estado para que se faça cumprir a legalidade da disciplina. O Ensino Religioso necessita cultivar a reverência, ressaltando pela alteridade que todos são irmãos. Só então a sociedade irá se conscientizando de que atingirá seus objetivos desarmando o espírito e se empenhando, com determinação, pelo entendimento mútuo. (PCNER, 2007, p. 20-21). O cultivar a reverência ressaltando a alteridade somente será possível por meio de uma ministração isenta do viés institucional, ou seja, somente um profissional qualificado e devidamente formado dentro dos princípios norteadores da disciplina poderá possuir tal imparcialidade para fazê-lo. Aí, novamente, observa-se nas Ciências das Religiões a possibilidade de constituir-se boa base epistemológica para o Ensino Religioso tanto nas Escolas Públicas brasileiras como nas escolas privadas. Se, por um lado, a lei protege o direito à Educação religiosa, um ato público, notório e logicamente político, por meio da LDB, e reafirmada pela Lei nº 9.475/97, em consonância com a Resolução nº 2/98 da Câmara de Educação Básica (apud MENEGUETTI, 2006), se estabelece a legitimidade política do ER, mas não se oferece a garantia epistemológica da disciplina. Mas, mesmo diante da liberdade conquistada e da legitimidade atual da disciplina, ainda não se conseguiu determinar ou chegar a um consenso sobre qual deve ser a epistemologia do ER para as escolas de rede pública. A dificuldade em se chegar a uma padronização não é algo tão simples de se definir. É nesse vazio que a Igreja Católica Romana, por meio de seu representante maior, Papa Bento XVI, fez no ano de 2009 um acordo com a República Federativa do Brasil, no qual, dentre outros assuntos, aborda o Ensino Religioso. O citado acordo gerou e tem gerado especulações sobre sua legalidade, pelo entendimento da laicidade do Estado e o seu desacordo com o art. 33 da Lei nº 9.475/97, que trata do impedimento da catequese de qualquer natureza no seio das escolas públicas. É legítima a preocupação, pois há um risco iminente de retrocesso às antigas práticas proselitistas disfarçadas de ER. Como não poderia deixar de ser, as Ciências das Religiões e os cientistas das religiões devem estar atentos a esses acontecimentos, tratados e acordos. Selma Fernandes (2010), especialista em ER pela Faculdade Unida, de Vitória/ES, faz a seguinte referência sobre o acordo Brasil-Vaticano: Recentemente, no ano de 2008, foi assinado um acordo entre a Nação Brasileira e o Vaticano. Neste acordo tratou-se, dentre outras coisas, do Ensino Religioso no Brasil, onde se reafirmou a liberdade e a diversidade religiosa, bem como o respeito ao pluralismo existente dentro das unidades escolares. Assim diz o primeiro parágrafo do Art 11º: A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. §1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação (FERNANDES, 2010, p. 59). Neste tratado, aparece um viés confessional quando determina “O ensino religioso católico e de outras confissões religiosas.” Nesse caso, há um claro retrocesso, mesmo que o tratado diga “(...) sem qualquer discriminação (...)”, o simples fator de trazer no bojo do texto o termo católico e de outras confissões religiosas já constitui, por si, só um ato discriminatório. Tal acordo é reducionista e contrário à nossa LDB/ER. Atualmente, existem grupos interessados em normatizar a prática do Ensino Religioso nas escolas de rede pública, não permitindo a atuação dos catequistas e evangelistas agindo como se fosse aula de ER. E, ainda, tais segmentos buscam, se não padronizar, pelo menos traçar diretrizes para a disciplina. Entidades como o Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso (FONAPER), o Conselho Nacional de Ensino Religioso no Espírito Santo (CONERES), dentre outros buscam, de forma quase heroica, convencer os profissionais do ER da necessidade de uma preparação adequada, específica para o que se destina. O FONAPER apresentou, em seu site oficial, em 27/02/2011, uma recente discussão inerente à docência do ER, ao citar uma matéria veiculada no jornal Folha de São Paulo, no caderno denominado Cotidiano, cuja matéria traz parte de uma discussão nominada “Ensino Religioso: Problemáticas e desafios na atualidade”, publicada em 09/04/2011 e as discrepâncias da disciplina. Assim diz o texto: (...) não há uma diretriz nacional sobre o conteúdo – a lei proíbe só que sejam feitas propagandas religiosas e as queixas devem feitas aos conselhos de educação. Assim, estados e municípios adotam formatos diversos. Uns põem religiosos para dar aulas, outros; professores formados em história, pedagogia e ciências sociais’. De acordo com a matéria, o fato de não haver diretrizes nacionais, posicionamentos do MEC considerados adequados, gerou um ‘mapa caótico das religiões (FONAPER, 2011, [s.p.]). Ainda segundo matéria divulgada no site do FONAPER, do jornal Folha de São Paulo, veiculada em 01/03/2011 (corroborando a matéria anterior), existe outra consideração preocupante concernente às práticas do ER no Brasil. Refere-se a um estado de confusão em decorrência da separação entre a Igreja e o Estado. A referida notícia diz que há 98.000 escolas no Brasil (públicas e privadas) que oferecem o ER. Com relação às escolas públicas afirma: “(...) rede oficial, contudo, a ambiguidade da legislação tem permitido que religiões se insinuem nas salas de aula, o que é descabido. Trata-se de violação flagrante ao artigo 19 da Constituição Federal, que veda à União, aos Estados e aos municípios manter com cultos religiosos ou igrejas ‘relações de dependência ou aliança’”. Cita ainda que a “dificuldade reside em que outro dispositivo da Constituição (art. 210) (FONAPER, 2011, [s.p.]). Para respaldar o dito anterior, apresenta o ER como matrícula facultativa e dentro dos horários regulares de aulas no Ensino Fundamental (EF). A referida matéria ressalta a ilegalidade do proselitismo determinado pela Lei nº 9.475/97, mas apresenta o nome de alguns estados brasileiros que o praticam livremente, quais sejam: Acre (AC); Bahia (BA); Ceará (CE) e Rio de Janeiro (RJ), afirmando ainda que em mais 22 estados há uma prática do ER interconfessional. No Estado de São Paulo (SP), ainda segundo a matéria supracitada, há um estudo direcionado à história das religiões. Portanto, efetivamente, não contempla a riqueza do fenômeno religioso que encontra-se no escopo do ER. História das religiões também pode estar contida na grade curricular do ER, mas não se constitui como o essencial objeto da disciplina. É importante que se pontue que, no Estado do Espírito Santo, há uma Resolução da Secretaria Estadual de Educação que determina o cumprimento da Lei nº 9.475/97, e que os professores sejam licenciados em disciplinas reconhecidas e pós-graduados em Ensino Religioso, com credenciamento no Conselho Nacional de Ensino Religioso, Núcleo Espírito Santo (CONERES). Nesse contexto, recai na postulação de Passos (2007, modelo das Ciências da Religião. O importante e indispensável para a docência do ER nas escolas públicas do Espírito Santo é que deve, prioritariamente, respeitar a alteridade. As práticas docentes, no referido Estado, seguem uma rigorosa seleção, com análise de documentos comprobatórios da competência do candidato para ministrar a respectiva disciplina, no caso, o ER. Com relação ao ER confessional, é de competência das instituições confessionais. Cabe às escolas confessionais e às igrejas o ensino confessional da religião, seja cristã ou não, desde que o faça dentro de seus arraiais. Fazer discípulos para Cristo ou para qualquer outra denominação transcendente é, sim, um papel das entidades religiosas, e não do Estado. Falar dos valores indispensáveis para o ser humano, respeitando-se a alteridade e abordando assuntos como amor, perdão, humildade, respeito, ética, moralidade e outros é dever, também, do docente de ER na Educação pública. No escopo da disciplina está o conhecer para respeitar. Dito de outra forma, o estudo do ER objetiva oportunizar o conhecimento das diferentes tradições e práticas religiosas, a fim de gerar o respeito inter-relacional por meio de uma relação dialógica. A atual LDB, em seu art. 33, determina que o ER é de matrícula facultativa, parte integrante da formação básica do cidadão, devendo ser ministrada nos horários normais de aula das escolas públicas de Ensino Fundamental, assegurando-se o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil e, ainda, vedando quaisquer formas de proselitismo. Ou seja, não é destinado para fazer evangelismo, catequese ou qualquer outra forma de propaganda religiosa, facciosa ou confessional. É de fundamental importância que se observe tal realidade para que, no intuito de evangelizar, nossos irmãos e irmãs não incorram no erro de ferir a legislação brasileira, pois é justamente nas práticas legais que demonstramos nosso compromisso ético e religioso. No presente trabalho, a questão do ER é tratada como fato, disciplina já presente nos currículos escolares e legitimada pela LDB vigente, que foi ampliada e modificada pela Lei nº 9.475/97, que garante a liberdade religiosa na escola pública, zelando pela laicidade na Educação. O documento garante e respalda o ER. Porém, veta qualquer tipo de proselitismo dentro do ambiente escolar e resguarda o direito do aluno, não o obrigando a assistir às aulas da disciplina, sendo a mesma de matrícula facultativa, sem critérios de avaliações formais que constem no currículo do discente. Mesmo diante do respaldo legal concedido pela LDB, o ER ainda enfrenta algumas limitações e dificuldades enquanto disciplina do currículo nacional. A questão é que o documento legaliza a disciplina, mas não determina nem deixa claro quais as matrizes epistemológicas da mesma. Dito de outra forma, um professor licenciado em História ensina a disciplina de História, um professor licenciado em Matemática leciona a Matemática e assim sucessivamente. No entnto, e quanto ao professor de ER, qual deve ser sua formação? Não há, ainda, uma orientação clara sobre o assunto; logo, acontecem naturalmente as discrepâncias, variando-se de uma cidade a outra, de um estado a outro. A mesma lei determina que é de livre determinação dos estados a contratação e capacitação dos docentes. Assim determinam os parágrafos 1º e 2º do art. 33 da LDB: Art. 33 – (...). § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos de ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. (BRASIL, LDB, 2012). 2.3 O ENSINO RELIGIOSO NO ESPÍRITO SANTO O Estado do Espírito Santo dispõe de legislações próprias para a contratação de docentes do ER. Entretanto, é importante para nós a leitura dos editais, para uma compreensão do que se espera de quem há de ministrar a disciplina nas salas de aula. Assim, nos motivamos a transcrever parcialmente o texto do mesmo com os pré-requisitos aos candidatos. Não há como entender a Epistemologia sem o entendimento do conhecimento a ser empregado. Assim, apresentamos as seguintes definições inerentes às contratações de docentes para o ER das escolas estaduais: Art. 8º A docência da disciplina Ensino Religioso na rede pública do Estado do Espírito Santo será exercida por professores do quadro efetivo do Estado ou do município, em cada caso, que possuam, pelo menos, uma das seguintes titulações: I- licenciatura em qualquer área do conhecimento acrescida de curso de pós-graduação lato sensu em Ensino Religioso que atenda às prescrições da Resolução.CNE/CES nº 01, de 08/06/07, alterada pela Resolução CNE/CES nº 5, de 25-09-08. II- licenciatura em qualquer área do conhecimento acrescida de curso de formação específica em Ensino Religioso, com carga horária mínima de 180 (cento e oitenta) horas; III- curso médio, na modalidade Normal, acrescido de curso de formação específica em Ensino Religioso, com carga horária mínima de 180 (cento e oitenta) horas, para atuação nas séries iniciais do Ensino Fundamental. § 1º Para suprir eventual falta de profissional do quadro efetivo nos termos deste artigo, será permitida a concessão de autorização temporária para o exercício do magistério da disciplina Ensino Religioso, considerando-se os seguintes requisitos, em ordem de preferência: I- formação conforme incisos I e II do caput deste artigo, em ordem de preferência, e conforme o inciso III, para atuação nas séries iniciais do Ensino Fundamental; II- formação em Ciência da Religião, com complementação pedagógica nos termos da Res. CNE/CP nº 02, de 26-06-97. (SEDU/ES, 2009, p. 19). Como não há um só padrão que possa abranger o Brasil como um todo, ficando ao encargo das respectivas Secretarias Estaduais e/ou Municipais as normatizações que considerem justas e apropriadas para a composição do quadro docente para o ER, há certa fragilidade patrocinada pelas leis federais quanto ao assunto. Nota-se que, no Brasil, há uma pluralidade curricular para o ER, não existindo uma clara definição de quem realmente é a responsabilidade de se formar os docentes de ER. “O Brasil possui, hoje, uma pluralidade de modelos de ER, o que se desenha em função de iniciativas locais e não de uma diretriz comum, capaz de produzir uma prática docente consistente para esse ensino em âmbito nacional.” (SENA, 2006, p. 22). Frente à pluralidade acima citada, pode haver certo deslocamento epistemológico no ER público, pelo fato de existirem diferentes matrizes em tempos diferentes. Como afirmou João Décio Passos (2007), há atualmente três correntes claras a ser percebidas, sendo:1ª) Catequética doutrinária de cunho católico, logo sua epistemologia é a teologia institucional católica; 2ª) Teológica transconfessional – nesse modelo, a epistemologia recai na teologia cristã protestante que, de certa forma, faz um proselitismo, ainda que proibido por lei; 3ª) As Ciências da Religião – um conjunto de disciplinas autônomas que buscam entender os fenômenos religiosos, dialogando com os mesmos sem estigmatizá-los, propondo-se como uma referência para constituir-se a base da Epistemologia do ER para as escolas de rede pública. Ainda segundo Passos (2007), cada grupo defende seus ideais como algo legítimo e apropriado para compor o currículo escolar: O modelo catequético e o teológico trabalham com a ideia de que o cidadão tem direito de obter, com o apoio do Estado, uma educação religiosa coerente com a fé que confessa. O modelo da Ciência da Religião, sem negar que a religiosidade e a religião sejam dados antropológicos e socioculturais passíveis de cultivo adequado, parte do princípio de que “o conhecimento da religião faz parte da educação geral e contribui com a formação completa do cidadão, devendo estar sob a responsabilidade dos sistemas de ensino e submetido às mesmas exigências das demais áreas de conhecimento que compõem os currículos escolares (PASSOS, 2007, p. 65). Sena (2006) abordou o assunto, elaborando um quadro comparativo entre modelos de ER no Brasil (Quadro 3). Modelo Cosmovisão Contexto político Catequético Teológico Unirreligiosa Plurirreligiosa Aliança IgrejaSociedade secularizada Estado Fonte Conteúdos Antropologia, teologia doutrinais do pluralismo Método Doutrinação Indução Objetivo Expansão das Formação religiosa dos Igrejas Cidadãos Responsabilidade Confissões Confissões religiosas religiosas Riscos Proselitismo e Catequese disfarçada intolerância Quadro 3 - Comparativo entre modelos de ER no Brasil Fonte: Sena (2006, p. 25). Ciências da Religião Transreligiosa Sociedade secularizada As Ciências da Religião Indução Educação do cidadão Comunidade científica e do Estado Neutralidade científica No Estado do Espírito Santo, a SEDU, anualmente, contrata professores em designação temporária (DT) para todas as disciplinas, inclusive para o Ensino Religioso. Os editais descrevem quem está habilitado ou não para assumir cada cadeira. Com relação ao ER, diz o edital da SEDU/2011 que um professor habilitado para o ER deve ser licenciado em Ensino Religioso ou licenciado em qualquer outra disciplina, devendo, porém, ser Especialista em Ensino Religioso. O mesmo edital diz, também, que o graduado em Ciências da Religião poderá ministrar o ER, devendo ter a complementação pedagógica para tal finalidade, conforme o parecer da Resolução nº 1900/2009, disponível no site oficial <www.cce.es.gov.br>, publicada no Diário Oficial do Estado em 26/11/2009. A SEDU/ES admite, ainda, professores não habilitados, que são aqueles que não possuem licenciaturas, mas têm especialização em ER ou o para o Ensino Médio na modalidade normal (para séries iniciais), acrescido do Curso de 180 horas-aula (h/a) de Ensino Religioso ministrado pelo CONERES. Há, no Estado do Espírito Santo, um documento oficial denominado Currículo Básico Comum (CBC) que, no item 6.3, p 99, trata do Ensino Religioso para o Ensino Fundamental, distribui conteúdos e eixos temáticos. Assim define o ER: É função específica do Ensino Religioso exercitar o educando para que se dê conta da dimensão transcendente de sua vida de si mesmo, e levá-lo a viver isso na intensidade de si mesmo, traduzindo a sua religiosidade em atitudes práticas, em harmonia com sua percepção do transcendente.( SEDU/ES, 2009, p. 99). Os conteúdos apresentados no CBC e os eixos temáticos remetem diretamente aos conteúdos das Ciências das Religiões. O objetivo pretendido da disciplina é estipulado pela SEDU/ES e, de igual forma coaduna com os currículos inerentes às CR. Note-se o que diz o CBC, com relação ao objetivo do ER: “Promover a compreensão, interpretação e (re)significação da religiosidade e do fenômeno religioso em suas diferentes manifestações, linguagens e paisagens religiosas presente nas culturas e nas sociedades.” (SEDU/ES, 2009, p. 100). Ao tratar dos objetivos específicos do ER, o CBC/SEDU/ES apresenta nove argumentos, dos quais destacamos os seguintes: educar para alteridade; motivar atitudes práticas; proporcionar o conhecimento básico dos fenômenos religiosos; subsidiar o questionamento existencial; analisar o papel das tradições religiosas e sua importância para as diferentes culturas e refletir sobre a moralidade individual e coletiva. Ainda no tocante aos objetivos do ER, pode-se afirmar são o fenômeno religioso e suas representações dentro dos diferentes modos interpretativos e, consequentemente, das diferentes culturas e crenças. A religião pode auxiliar o ser humano em suas vivências, influenciando-o em suas práticas relacionais, mas, também pode lançar uma perspectiva de vida futura, uma resposta às indagações filosóficas e religiosas quem sou, de onde vim, para onde vou? De certa forma, pode-se afirmar que o ER auxilia o discente a conviver com indagações existenciais dessa natureza, respeitando as diferentes formas interpretativas e contribuindo com as relações saudáveis, dentro e fora do ambiente escolar. Liliam Blanck de Oliveira et al (2007) apresentam uma citação atribuída ao FONAPER, 1997: Com essa compreensão, o Ensino Religioso na escola brasileira propõe estudar e interpretar o fenômeno religioso com base no convívio social dos alunos, constituindo-o objeto de estudo e conhecimento da diversidade cultural - religiosa do Brasil. Contribui na busca das respostas para os questionamentos existências dos estudantes no entendimento da identidade religiosa na convivência com as diferentes e na alteridade numa perspectiva de compromisso histórico e da transcendência (OLIVEIRA et al, 2007, p. 103). Na busca epistemológica do ER, encontram-se algumas dificuldades nas próprias leis que normatizam o Ensino Religioso. No Parecer nº 1900/99 da SEDU/ES fica claro que, mesmo sendo em horários normais e regulares de aulas, o ER não tem sua carga horária inclusa na integralização mínima necessária para os alunos da rede pública de ensino. Assim, percebe-se as seguintes fragilidades (Quadro 4): Turmas: Carga horária Horas aula Independente do número de alunos - §2º uma hora semanal por turma - §3º Art 4º - não contadas para efeito de currículos e horas aulas dos alunos de acordo com o – Art 24º Inciso I da lei 9.393/96 (800 h/a) Matrícula Facultativa Art 3º §1º Quadro 4 – Fragilidades do EREP no Parecer SEDU/ES nº 1.900/99 Fonte: Adaptado do Parecer supracitado. Por não ser uma disciplina computada como carga horária comum e de matrícula facultativa e por não haver uma clara determinação de qual formação acadêmica deve ter o docente para ministrar o ER nas escolas de rede pública, fica a possibilidade de certo disparate e de muitas discrepâncias em sua ministração. No entanto, os conteúdos e objetivos apresentados pela SEDU/ES e por órgãos como o CONERES e o FONAPER remetem aos conteúdos típicos das CR. Mesmo não estabelecendo ou normatizando as Ciências das Religiões como base epistemológica do ER no Estado, o material didático da disciplina adotada pela SEDU/ES e disponibilizado em suas bibliotecas escolares apresenta um conteúdo próprio das disciplinas das Ciências das Religiões. Apresenta-se, a seguir, os temas de livros utilizados e disponíveis nas Bibliotecas das Escolas Estaduais da cidade de Vila Velha/ES. Desses referenciais bibliográficos, destacam-se o livro sugerido para o 6º ano (5ª série) e o material sugerido para o 9º ano (8ª série). 2.3.1 O material didático do ER no Espírito Santo a) Livro sugerido para o 6º ano (5ª Série) - CARNIATO, Maria Inês. A Religião no Mundo. São Paulo: Paulinas, 2006. UNIDADE I Internautas do invisível OBJETIVO “Observar no mundo os sinais que mostram a abertura do ser humano ao transcendente.” OBETIVO: “Conhecer a procura do transcendente que se revela no desejo de felicidade, próprio de todo se humano, e se expressa nas tradições religiosas, nas culturas e na vida cotidiana das pessoas sonham com a felicidade.” OBJETIVO “Compreender que as tradições religiosas são expressões parciais de uma única realidade: a procura humana pelo infinito.” OBJETIVO “Conhecer o sentido que as tradições religiosas dão à vida.” UNIDADE II No mundo inteiro, as pessoas UNIDADE III Nosso mundo tem janelas para o infinito UNIDADE IV Uma festa no jardim Quadro 5 – Conteúdo do livro de Maria Inês Carniato Fonte: Carniato, 2006. : Observações gerais: ao término do livro, a autora apresenta um glossário com termos tipicamente religiosos e presentes no contexto brasileiro. Entre os termos utilizados destacamos: Cristianismo, Antepassados, Banquetes rituais, Budismo, Dia de Finados, dignidade, Harmonia interior, imortalidade, infinito, orixás, e outros. b) Sugestão de material didático do 9º ano (8ª série) - CARNIATO, Maria Inês. A Religião no Mundo. São Paulo, Paulinas, 2006 UNIDADE I Raízes na terra, flores no céu UNIDADE II Os óculos mágicos UNIDADE III Um carvalho na tempestade UNIDADE IV Opção por ser feliz OBJETIVO “Conscientizar-se da própria individualidade, como ser único, e comunitário, situado no mistério transcendente da existência humana.” OBJETIVO “Descobrir as dimensões e os sentidos transcendentes de algumas atitudes e valores adolescência.” OBJETIVO “Refletir, à luz dos valores transcendentes, a respeito das dificuldades e perigos que podem impedir a vida saudável e o crescimento como pessoa.” OBJETIVO “Refletir a respeito das atitudes e valores da convivência, capazes de transformar a realidade, à luz do transcendente.” Quadro 6 – Conteúdo do livro de Maria Inês Carniato Fonte: Carniato, 2006. A seguir, apresentamos o modelo de plano de aula utilizado pelos docentes de ER nas escolas de rede pública estadual no Espírito Santo, no ano de 2011. Tal plano busca relacionar a disciplina em pauta com outras de contato, promovendo uma relação transversal e interdisciplinar. O referido plano monta, de forma estratégica e metódica, o seguinte dispositivo. Primeiro: Conteúdo Básico Comum: Conteúdo, Habilidade e Competência. Em segunda instância, apresenta a Interdisciplinaridade e Contextualização na área. E, por fim, projetos e áreas de contato. O modelo utilizado, bem como os conteúdos norteadores da disciplina ora apresentados, apontam para a clara e estreita relação epistemológica com os conteúdos das Ciências das Religiões, tendo sido transliterado sem, no entanto, identificar o docente e a unidade escolar que o utiliza. Porém, é muito semelhante aos utilizados em todas as escolas estaduais. Dentro da proposta educacional nos arraiais espírito-santenses, o conteúdo sugerido e os livros adotados remetem diretamente ao que se espera de um currículo dos cursos de CR. No entanto, o edital da SEDU/ES não explicita as CR como legítimas formadoras dos docentes do ER e, de forma muito reducionista, estende a todo licenciado e de qualquer disciplina o direito de ministrar o ER, devendo apenas fazer uma especialização ou um curso com duração de 180 h/a8, tornando-se um professor de ER. Nesse caso, tem-se uma epistemologia meramente fenomenológica (Tabela 1): 8 Curso de 120 horas, ministrado pelo CONERES, para professores que almejam ministrar aulas de ER no Espírito Santo. Tabela 1 – Plano de aula ER SEDU/ES 2011. CONTEÚDOS Habilidades Competência s Pontos de contato Diálogos inter-Religiosos, religiões e tradições, ritos, mitos,e filosofias, os grandes líderes religiosos, o sentido da vida nas tradições religiosas 1. Conhecer e respeitar as manifestações do transcendente nas diversas tradições religiosas, respeitar o meio em se vive, aferindo acerca da dimensão religiosa do ser humano 2. Identificar os templos e lugares sagrados e a expressão religiosa; Perceber nas narrativas sagradas os princípios éticos que promovem a vida 3. Promover a cultura da paz; Participar individual e coletivamente das ações solidárias a serviço da vida 1. Entender a descrição das representações do Transcendente nas tradições religiosas; 2. Compreender o sentido da vida nas diversas tradições religiosas; Sensibilizar para a preservação do meio ambiente; 3. Aprender a respeitar as diferentes tradições religiosas; 4. Compreender sua identidade religiosa na construção da reciprocidade com o outro; 5. Aprender a trabalhar em equipe e construir conhecimentos éticos religiosos; Entender que o relacionamento com o outro e permeado por valores Religiões, Diversidade Cultural, meio ambiente e religiosidade Fonte: SEDU/ES, 2011. 2.4 O ENSINO RELIGIOSO E AS CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES Ao analisar-se as grades curriculares dos cursos de Ciências das Religiões e Ensino Religioso da Faculdade Unida (Vitória-ES), observa-se a similaridade entre a proposta da SEDU/ES e da Faculdade, notemos as grades: Mestrado Profissional (MP) em Ciências das Religiões: duas linhas de pesquisa sendo: 1ª) Análise do Discurso Religioso; e 2ª) Religião e Esfera Pública: Ciências das Religiões Filosofia da linguagem Análise do discurso religioso Democracia e esfera pública Ecumenismo e Direito Religião na esfera Pública Legislação e didática do ER Epistemologia do ER Seminário de Pesquisa Metodologia Científica. Quadro 7 – Comparativo entre as grades de Ciências das religiões da Faculdade Unida de Vitória e SEDU/ES. Fonte: Adaptado de FUV e SEDU/ES. Já os Cursos de Especialização da mesma instituição de Ensino Superior, especificamente o curso de Ciências das Religiões/Ensino Religioso (I Turma ano de 2008) (Especialização em Ciências da Religião (ECR) apresentam disciplinas como: Didática do ER Epistemologia do ER Religião Cultura e Sociedade Religião e Magia Religião e Ciência Ecumenismo Psicologia da Religião Religiões Politeístas Religião, Ética e Moralidade O que é religião Sagrado e Profano Culto e Rito Festas Religiosas Pluralismo e Diálogo Inter-Religioso Discurso Religioso e Discurso Filosófico. (Dentre outras). Quadro 8 – Comparativo entre as grades de Ciências das religiões da Faculdade Unida de Vitória e SEDU/ES. Fonte: Adaptado de FUV e SEDU/ES. Assim, apresentadas as disciplinas dos Cursos de Pós-graduação da Faculdade Unida e os conteúdos da SEDU/ES para o ER, pode-se confirmar que os objetivos dos livros didáticos sugeridos e disponibilizados pela SEDU/ES relacionam-se com os conteúdos da Faculdade Unida, da seguinte forma:9 Religião Cultura e Sociedade Psicologia da Religião Filosofia da Linguagem (MP) Pluralismo e Diálogo Inter9 “Conhecer a procura do transcendente que se revela no desejo de felicidade, próprio de todo se humano, e se expressa nas tradições religiosas, nas culturas e na vida cotidiana das pessoas sonham com a felicidade.” “Descobrir as dimensões e os sentidos transcendentes de algumas atitudes e valores adolescência.” - “Refletir, à luz dos valores transcendentes, a respeito das dificuldades e perigos que podem impedir a vida saudável e o crescimento como pessoa.” “Conscientizar-se da própria individualidade, como ser único, e comunitário, situado no mistério transcendente da existência humana.” “Refletir, à luz dos valores transcendentes, a respeito das dificuldades e perigos que podem impedir a vida saudável e o 1ª coluna - conteúdo dos cursos de Pós-graduação em Ciências das Religiões da Faculdade Unida, 2ª coluna - conteúdos apresentados nos livros disponibilizados pela SEDU/ES para a disciplina Ensino Religioso. crescimento como pessoa” “Conhecer a procura do transcendente que se revela no desejo de felicidade, próprio de todo se humano, e se expressa nas tradições religiosas, nas culturas e na vida cotidiana das pessoas sonham com a felicidade “Refletir a respeito das atitudes e valores da convivência, capazes de transformar a realidade, à luz do transcendente." Quadro 9 – Comparativo entre as grades de Ciências das religiões da Faculdade Unida de Vitória e SEDU/ES. Fonte: Adaptado de FUV e SEDU/ES. Religioso Quando a mesma correlação é feita com os termos dos glossários citados nos livros acima é que evidencia-se ainda mais a proximidade com as grades dos cursos de Ciências das Religiões da Faculdade Unida, o que certamente viabiliza sensivelmente uma justa transposição didática dos conteúdos acadêmicos para as salas de aula. Novamente, apresenta-se a proposta do CBC/2009, a fim de compará-la com os conteúdos anteriormente citados na correlação com os conteúdos dos cursos de Pós-Graduação da Faculdade Unida, destacando-se os eixos temáticos do ER definidos pela SEDU/ES (2009): O Ensino Religioso na sua articulação destaca alguns aspectos fundamentais para sua concretização tais como, as contribuições das áreas afins, como a antropologia, Psicologia, Sociologia, Ciências da Religião e Teologias. (SEDU/ES, 2009, p. 103). Os eixos temáticos são: Culturas e Tradições Religiosas; Teologias; Textos Sagrados e Tradições Orais; Ritos e Ethos. (Idem, p. 103-104). Ainda dentro da correlação entre os conteúdos adotados pelo currículo para as escolas públicas no Estado do Espírito Santo, é prudente afirmar que uma boa Epistemologia é as Ciências da Religiões, por comporem-se de uma junção de ciências e estudos que abordam exatamente os conteúdos sugeridos no CBC/ES 2009, facilitando a transposição didática da disciplina e, consequentemente, atendendo ao que determina o art. 33 da LDB, que afirma que o ER deve ser ministrado em horários regulares nas escolas de rede pública, ser de matrícula facultativa e isento de qualquer tipo de catequese, ou seja, sem proselitismos. Certamente, há nos diferentes estados da Federação brasileira currículos diferentes dos aqui apresentados, pois os mesmos são inerentes às escolas de rede pública estaduais do ES e às disciplinas dos cursos de PósGraduação relacionadas, são de igual forma de uma instituição de Ensino Superior no mesmo Estado. Logo, as grades curriculares tanto das escolas públicas quanto dos cursos de Pós-Graduação na referida área podem apresentar variações e disciplinas diferentes. Segundo Daniela Hack e Branderburg (2004), a Resolução nº 2, de 27 de março de 1998, do Ministério da Educação e Cultura (MEC) instituiu as diretrizes curriculares nacionais para o Ensino Fundamental, no inciso 4º do artigo 3º, onde afirma que o Ensino Religioso também é uma área do conhecimento, indispensável para construção da cidadania. A questão é que, ainda segundo as referidas autoras, frente à diversidade cultural do país, a Lei nº 9.475/97 institui que a definição dos conteúdos, a habilitação e contratação dos professores ficam por conta dos Estados e Municípios, sendo que a falta de critérios gera uma formação dúbia e fragilizada. Pela falta de uma legislação clara quanto ao ER para as escolas de rede pública, fica a fragilidade na questão epistemológica, norte do presente trabalho. Assim, apresentamos a seguir algumas modificações históricas quanto ao ponto de partida para o conteúdo e ministração do ER ao longo dos últimos séculos no Brasil. Apresentamos, também, legitimações constitucionais da liberdade religiosas e do ER. Como deve ser encarada a prática do ER sem entrar nas questões denominacionais, confessionais? Deve-se ter em mente que, em um ambiente escolar, há alunos e alunas de Ethos diferenciados, de culturas familiares diversificadas, aliás, diversidade é uma característica bem brasileira. Assim, pode-se presenciar educandos (gênero à parte) de religiões diferentes, convivendo em um mesmo ambiente escolar. Budistas, espíritas, “cristãos” (aspas em função da diversidade existente no Cristianismo), católicos romanos, ortodoxos, pentecostais, neo-pentecostais, protestantes tradicionais, umbandistas, herdeiros das culturas e religiosidades afros, dentre outras, espalhadas pelos Brasis dentro de nosso amado Brasil. Recentemente, a República Federativa Brasileira, representada por seu Presidente, em um ato inconstitucional ou, no mínimo incoerente, assinou o já citado Tratado Brasil-Vaticano que, no artigo 11, parágrafo 1º, trata do ER da seguinte maneira: Ensino Religioso Católico e de outras Confissões Religiosas é de matrícula facultativa e deve ser ministrada nos horários normais de aula. Bem, a incoerência se dá pelo fato de ser o Brasil um Estado laico. Assim, não pode fazer acordos religiosos, principalmente para formação dos cidadãos. A quem cabe, então, o Ensino Religioso? E o que deve ser ensinado nas escolas de rede pública? Em primeiro lugar, não se trata o Ensino da Matemática, da Língua Portuguesa ou de qualquer outra disciplina com desdenho, ou como disciplina renegada a segundo plano. Justamente por ser disciplina de horário normal de aula, é prevista pela LDB. Da mesma forma, os professores são profissionais que estudaram para ministrar as respectivas disciplinas. O Ensino Religioso merece a mesma tratativa, pois a religiosidade no Brasil não é utopia! É um fenômeno posto. É um gerador de riquezas e motivador de massas. Riquezas por mover grandes projetos arquitetônicos, gerando empregos diretos, mantendo verdadeiras e palpáveis indústrias literárias, por fomentar o mercado de música Gospel, por incrementar o turismo, por manter muito vivo e forte um comércio crescente em todo território nacional e das mais diversas expressões religiosas. É um mercado onde vende-se de tudo, desde água benta, fitas, fetiches, elementos mágicos, pão da ceia, vinho da eucaristia, óleo da unção, camisas, CDs até DVDs. Assim, a religião no Brasil move e vende muito mais do que os bens de valor simbólico. Emprega pessoas, move riquezas, além de acalentar a alma! Todas as características deste fenômeno posto são dignas de serem estudadas em salas de aula. E quem deve ensiná-lo são os profissionais que estudaram para tal finalidade, ou seja, os profissionais de Ciências da Religião ou com formação específica em Ensino Religioso. (Especialistas, Mestres, Doutores), que deverão se manter isentos de qualquer opinião devocional, dedicando aos educandos o respeito devido. Em segundo lugar, o conteúdo a ser ensinado em sala de aula, no ambiente, escolar da rede pública, deve contemplar os valores transversais da humanidade. O amor, o respeito, a ética, a humildade, as diferenças de gênero e de opiniões, o direito adquirido pela cidadania, os deveres de um cidadão religioso, a grandeza dos valores familiares, mas também o respeito de crença, sem que haja a demonização do diferente. Para apresentar tais conteúdos de forma isenta, o profissional do ER deve ter uma formação específica, ser um docente devidamente formado para tal finalidade. O fator de ser padre, freira, pai de santo, xamã, pastor, evangelista, abade, sacerdote, apóstolo, missionário ou bispo, ou ter qualquer outra formação confessional, não ajudará muito na imparcialidade, podendo comprometer o respeito à diversidade religiosa e de crença ou confissão. No entanto, tais religiosos têm seus respectivos espaços legalmente garantidos por lei como eclesiásticos e, desde que venham a se tornar profissionais formados em Ciências das Religiões ou Ensino Religioso, estarão aptos também para o exercício do ER, devendo ensiná-lo sempre de forma isenta, e nunca proselitista, muito menos preconceituosa. O docente do ER, além conhecer os conceitos inerente às diferentes confissões religiosas, deve também ser um bom conhecedor das práticas sociais das mesmas, bem como dos valores e conceitos de vida típicos da comunidade em que irá atuar. Tais conhecimentos podem ser adquiridos nos cursos de formação do docente, mas os conhecimentos tipicamente comunitários somente serão adquiridos por meio da relação dialógica, isenta e sem juízos de valores pejorativos. É importante destacar que, para as séries iniciais, 1º ao 5º ano (1ª a 4ª série), é de suma importância que os docentes sejam preparados para exercerem uma linguagem que possa alcançar tal grupo. É sugerido que, além de possuírem a formação em Ciências das Religiões, ou Ensino Religioso, sejam também pedagogos, ou que tenham formação em Magistério, específico para atuarem na Educação Infantil. Os professores de Ensino Religioso assim como os demais professores na unidade escolar, é uma pessoa que em relação aos estudantes e com os conhecimentos próprios dessa área do conhecimento, contribui nos muitos processos de aprendizagem realizados. Importa que saiba desencadear e ativar os processos dialógicos cujos confrontos abertos e construtivos entre estudantes, conhecimentos e professores promovam rigoroso respeito à liberdade e à consciência de cada um (OLIVEIRA et al, 2007, p. 125). Destaque-se que arregimentar discípulos é importante e até indispensável para a sobrevivência das diferentes denominações religiosas no Brasil, o que contribui com a preservação da diversidade, igualmente importante para as diferentes expressões culturais. Como postulou o Dr Leonardo Boff ([s.d.]), querer ser a única detentora da salvação é atributo típico de uma seita. Ao concluirmos o presente tópico, conclamamos a todos e a todas os profissionais docentes de ER no solo Brasileiro a aterem-se às normatizações da LDB, bem como da liberdade e diversidade religiosa em nossa pátria. Como já mencionado por diversas vezes no presente trabalho, o respeito é um valor presente nas relações transversais da humanidade. E nós, professores (cristãos ou não) somos quem falamos de amor, ética e respeito e não poderíamos ser descumpridores das legislações atuais do sistema educacional brasileiro, em nome da cristianização ou de outra apologia qualquer. O espaço para o evangelismo é muito amplo, e pode-se fazê-lo livremente, porém, fora do ambiente de Ensino Estatal. Em uma breve leitura sobre o ER como disciplina de cunho obrigatório, porém, de matrícula facultativa, percebe-se uma inconsistência em sua epistemologia, justamente por ter o Governo Federal delegado aos Estados e Municípios a autoridade para contratar, preparar e capacitar os docentes da disciplina. Assim, frente à pluralidade religiosa e à diversidade cultural no Brasil, há várias formas de fundamentação do ER, variando entre Estados e Municípios, conforme legislação nacional que assegura tais adequações de formas contextualizadas. Acreditamos que, sendo o ER uma disciplina regular, respalda por lei, deveria merecer maior atenção das autoridades ligadas à Educação em nosso país. É importante ressaltar que a tratativa dispensada atualmente ao ER é simplesmente discriminatória e reducionista. Um(a) professor(a) de ER deve ser tratado(a) com os mesmos direitos, deveres e prerrogativas dos docentes das outras disciplinas. Um(a) professor(a) de ER deve sempre manter as condutas de conhecimento, profissionalismo e competência. Tais prerrogativas garantirão tanto aos docentes quanto aos discentes uma ministração da disciplina de forma imparcial e, consequentemente, voltada para a fidelidade dos conteúdos propostos pelas Ciências das Religiões. Acreditamos ainda que, independente do Estado ou do Município, há e sempre haverá as diversas representações religiosas, as tradições diversificadas de culturas e símbolos. Desta maneira, um profissional, para ser realmente habilitado em ER, não deve reduzir-se aos cursos com carga horária mínima de complementação, nem ficar refém dos decretos emergenciais, mas deve ser ou graduado ou pós-graduado em Ciências das Religiões e/ou em Ensino Religioso. É, sim, aceitável e compreensível que um(a) portador(a) do título de licenciatura plena em áreas de humanas, com pós-graduação em CR ou ER, seja também habilitado para ministrar o ER nas escolas públicas. No caso dos professores das séries iniciais, 1º ao 5º ano, (1ª à 4ª série), reitera-se, é importante que o docente tenha, também, uma formação pedagógica adequada (Pedagogia, Magistério aplicado à Educação Infantil), que consiga fazer uma justa transposição que alcance a capacidade cognitiva das crianças que terá como alunos. Somente assim, com uma formação adequada, dentro da visão das Ciências das Religiões, o docente poderá manter um olhar isento e uma ministração respeitosa e dialogal para todas as idades e culturas representadas em nosso país, sem fazer distinções de credos ou tradições religiosas. As Ciências das Religiões em muito podem contribuir com a formação dos docentes, constituindo-se como a base epistemológica do ER em todo território nacional. Evidentemente, os programas curriculares podem apresentar algumas diferenças de nomenclatura. No entanto, os conteúdos e interesses são, em todas as escolas, relacionados com o sagrado e o fenômeno religioso frente às diferentes representações religiosas socioculturais. Sendo uma disciplina norteada pelo diálogo e a isenção do juízo de valores, as Ciências das Religiões podem vir a se tornar uma base nacional para nortear os conteúdos do ER nas escolas de rede pública dentro do solo brasileiro. 3 A TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES AO ENSINO RELIGIOSO A palavra didática pode ser associada à forma lógica de arrumar os conteúdos, colocando-os em ordem, com certa lógica e de forma clara. Fazendo isso, o docente facilitará substancialmente o entendimento por parte dos alunos, atraindo-lhes a atenção e oportunizando a participação. Partindo do ponto etimológico, a palavra didática vem do grego didaktike. Uma boa didática incentiva os alunos no processo construtivo, onde os conteúdos servem como estímulo à construção de um conhecimento continuado, que de deve ser composto de forma paulatina e participativa. Ser o professor é conseguir integrar, harmoniosamente e com amor, as habilidades antes treinadas em separado. Uma Didática Criativa tentaria responder aos constantes ataques de que a Didática não leva a nada e até colabora para o emperramento do sistema escolar. A boa Didática é a que incentiva a produção e não a reprodução, a divergência muito mais que a convergência, a crítica em lugar da tranquila aceitação, a dúvida em detrimento das certezas preestabelecidas, o erro provisório em lugar do acerto fácil (UNIVEN, 2012, [s.p.]). Essa definição de didática ajusta-se como uma luva ao presente trabalho. O fator de incentivar, propor o diálogo, com alegria harmoniosa, leva ao ponto das divergências a serem discutidas e ajustadas por meio do conhecimento produzido em um viés dialógico. A partir da clarificação do conceito de ensino, o docente atinge algo que é de extrema importância para o entendimento do que é ensinar, e isso atinge diretamente as práticas docentes. Segundo a retro citada apostila da disciplina Didática utilizada pela UNIVEN (2012), a Didática como disciplina dos cursos de formação de professores no Brasil está ligada diretamente à Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, criada no ano de 1934, onde a formação e qualificação do Magistério foi apresentada como ponto crucial para transformação e aprimoramento do ensino brasileiro, tendo como início a parte pedagógica. Segundo os manuais de formação didática da UNIVEN, há uma progressão da disciplina desde sua entrada no Brasil até nossos dias. Notemos: Por força do art. 20 do Decreto-Lei n°. 1190/39, a Didática foi instituída como curso e disciplina, com duração de um ano. A legislação educacional foi introduzindo alterações para, em 1941, o curso de Didática ser considerado um caso independente, realizado após o término do bacharelado (...). Em 1937, ao se consolidar no poder com auxílio de grupos militantes e apoiado pela classe burguesa, Vargas implanta o Estado Novo, ditatorial, que persistiu até 1945. Os debates educacionais são paralisados e o - prestígio dos educadores passa a condicionar-se às respectivas posições políticas (PAIVA, 1973, p. 125). Pensar em ER nas escolas públicas é trazer à memória uma conquista recente da disciplina, a partir da criação do FONAPER e dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso, que aqui chamaremos de Parâmetros Curriculares Nacionais ou simplesmente, no caso do ER, PCNER. O PCNER, no formato em que atualmente se encontra, certamente não é o ideal, mas foi uma conquista incomensurável para a Educação Religiosa brasileira e, embora relativamente nova, já se encontra cravado na história desde 1997. O ano de 1997 foi marcado na história do Ensino religioso no Brasil. Ano que pela Lei 9475/97 foi dada uma nova redação ao Artigo 33 da Lei de Diretrizes e bases da Educação nacional (LDBEN), lei número 9394/96. Este foi o primeiro artigo modificado na LDBEN mediante ampla mobilização da sociedade brasileira. (...) o Relator da Lei, então deputado PE. Roque Zimmermann, afirma que pela primeira vez, foram criadas na história da educação Brasileira oportunidades de sistematizar o Ensino religioso como componente curricular que não fosse doutrinação religiosa. (...) no ano de 1997 mais um marco significativo se deu mediante a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso. (PCNER) por parte do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER, ANO, p. 6). O FONAPER, com os temas elaborados e sistematizados cuidadosamente por meio de amplas discussões e estudos, objetiva contribuir com o processo da transposição didática, passando do saber científico para o saber escolar. O que se percebe nas escolas estaduais no Espírito Santo e que há, por parte dos gestores, uma clara intencionalidade de se manter um ER isento do proselitismo, a partir da análise dos planos e projetos requeridos pela SEDU/ES. No entanto, sempre estaremos sujeitos à atuação do docente e, nessa fase, entra o interesse e dedicação em querer fazer com que se cumpra a lei e que as ministrações sejam livres da catequese e de qualquer tipo de ER coercitivo. Neste contexto, é de suma importância que o professor compreenda que suas convicções religiosas não podem ou devem exercer qualquer tipo de influência no conteúdo a ser apresentado em sala de aula, tratando-se este comportamento ético, não somente de isenção, mas sobretudo de respeito e profissionalismo. Uma questão é a lei em si, outra é o cumprimento ou não da mesma lei. O ideal seria que as leis e os programas fossem cumpridos integralmente em nossas escolas. Essa afirmação é corroborada por Zabatiero (2011): A legitimidade jurídica, porém, é insuficiente para motivar os membros da sociedade a agirem acima e alem de seus próprios interesses, pois tal motivação somente se encontra na dimensão simbólica da sociedade, e é ela que funda a ação cidadã (ZABATIERO, 2011, [s.p.]). O distanciamento existente entre a teoria e prática constitui-se desafio a ser enfrentado pela transposição didática. É por meio do uso adequado de estudos, projetos e planejamentos que o docente conseguirá encurtar a distância entre ambos. O tema transposição didática foi cunhado nos idos do século 20 e, ainda hoje, encontra-se em passos lentos no tocante às construções literárias inerentes ao tema. Este termo foi introduzido em 1975 pelo sociólogo Michel Verret e rediscutido por Yves Chevallard em 1985 em seu livro La Transposition Didatique onde mostra as transposições que um saber sofre quando passa do campo científico para a escola e alerta para a importância da compreensão deste processo por aqueles que lidam com o ensino das disciplinas científicas (SAMAGAIA; MEIRA JÙNIOR; LABRES, [s.d.], p. 19). Uma questão fundante na transposição didática é o conhecimento da cultura local, dos costumes e da linguagem utilizada, buscando na medida do possível fazer uso da linguagem padrão (nem erudita, nem coloquial), mas algo facilmente compreendido por todos, minimizando as possibilidades de interpretações dúbias ou ambíguas. É importante pontuar que linguagem é interpretação. Cada indivíduo a faz de acordo com seus signos e com os signos culturais. No seio da família e da vida comunitária, o cidadão desenvolve sua visão de mundo e sua orientação ética é fruto de uma coleta social ampla. Daí a importância do conhecimento prévio do contexto escolar e comunitário de onde se pretende ministrar os conteúdos do ER na escola pública. João Décio Passos (2007, p. 33), afirma que a constituinte do ER passa pelos seguintes aspectos: ”(...) do fato religioso, das ciências das religiões e da disciplina legalmente instituída.” E, ainda segundo o professor Passos, o problema reside na falta de comunicação entre esses três fatores citados. Sugerimos aqui um resumo do ideário de Passos (2007) inerente ao ER: Três aspectos do encaminhamento epistemológico da ER: 1º Fundamentação antropológica (a religião como dimensão do ser humano); 2º Fundamentação epistemológica (o estudo da religião como objeto de estudo e como área de conhecimento); 3º Fundamentação pedagógica: (o estudo da religião como necessário à educação do cidadão). (PASSOS, 2007). Quem pensa em transposição didática não poder deixar de considerar nem omitir a abrangência filosófica, pedagógica e sobretudo epistemológica do ER. O desafio a partir daqui é o de juntar, em um mesmo direcionamento, teorias e práticas em função de um bem comum. Um dos desafios do docente do EREP é tornar a disciplina e os conteúdos agradáveis, atrativos, de forma que se tornem convidativos para os alunos. Ao considerarmos que o ER é de matrícula facultativa, que não há notas, aprovação ou reprovação, o docente precisa ser criativo, proponente e ousado, a fim de conquistar o interesse de seus alunos. Chevallard (1985), ao tratar da Transposição Didática, a conceituou como um trabalho de fabricação de um objeto de ensino. Dito de outra forma, é o fazer de um objeto produzido pelo cientista para ser objeto do saber que se estuda nas escolas. O PCNER (1997) descreve da seguinte forma o conhecimento religioso na escola: A escola, por sua natureza histórica, tem uma dupla função: trabalhar com conhecimentos humanos sistematizados, historicamente produzidos e acumulados, e criar novos conhecimentos. Todo conhecimento humano torna-se patrimônio da humanidade. A sua utilização, porem, depende de condições sociais e econômicas bem como das finalidades para as quais são utilizados (FONAPER, 2009, p. 35). Assim, vemos que é indispensável uma compreensão de tal realidade, onde discentes e docentes sem relacionem de forma amistosa e respeitável, construindo um percurso de descobertas, de novas conquistas, na relação de Dialógica, tendo a ética como vínculo das relações dentro e fora do contexto escolar. Transpor é oportunizar, é tornar compreensível o saber científico para os alunos que estão no escopo do conteúdo aplicado. Quando se faz uma justa transposição didática, o aluno se aproxima do objetivo esperado pelo professor. Para alcançar estes objetivos, é necessário planejamento, estudo contextual e analisar as possibilidades existentes nas potencialidades escolares, familiares e logísticas. Por exemplo: há a possibilidade de, junto com os alunos, construir uma horta na escola? Havendo, pode-se explorar as potencialidades dessas vivências para otimizar os valores ensinados no ER como o sustento, o trabalho, a importância da terra, o respeito à natureza, lembrar os enunciados da Carta da Terra etc. São muitas as possibilidades existentes em uma atividade extra-sala, onde professores e alunos produzem juntos algo que poderá ser cultivado, colhido e, ainda, servir como fonte de alimento na merenda escolar. Aí, houve uma transposição prática, oportuna e inclusiva. A questão é que, na Educação brasileira, temos variantes consideráveis na formação dos profissionais, onde encontraremos excelentes conteúdos e propostas universitárias, mas também é verdade que encontraremos faculdades não tão consistentes em seus programas e conteúdos. Ainda assim, ambos irão atuar em nossas salas de aula, onde ministrarão os conteúdos do ER. Além do legado que trarão de suas respectivas formações acadêmicas, trarão também suas convicções religiosas e culturais. As influências aqui citadas, certamente, afetarão de forma maior ou menor a atuação do professor. Neste caso, o ideal é manter um planejamento amplo, abrangente e inclusivo. Planejar é um ato de respeito ao aluno e à instituição, mas é antes de tudo a demonstração da consciência do docente frente as demandas da disciplina. Planejamento me parece a palavra mais correta. Planejar é um ato de respeito, acima de qualquer coisa, quando se planejam políticas e ações para uma escola ou para um sistema de ensino, tem-se a esperança que o respeito por aquele que será o beneficiário do planejamento seja preservado com cuidado, resultando, como consequência, em algo muito bem edificado. (LARAIA, 2005, p. 14). Mas deve-se tomar alguns cuidados ao planejar, mantendo-se atento às questões culturais e comunitárias que motivam e influenciam e impulsionam a vida de nossos alunos. Não observar cuidadosamente pode tornar inócuo todo planejamento. Assim, pode ser inócuo o planejamento que não se constrói com base no universo real, com pessoas reais, com soluções reais. Inócuo é o planejamento que não se reestrutura ao longo de sua caminhada e de sua realização. (Idem, ibidem, p. 15). Com uma proposta de um ensino focado na realidade sociocultural dos educandos, o processo educacional transcende o ciclo histórico de conteúdos para aplicação de provas e aferição de notas. O ER pode contribuir na redescoberta do encantamento e da magia da sala de aula. Eis aí um bom desafio para os docentes da disciplina nas escolas públicas. Neste caso, poderíamos aplicar conteúdos participativos e inclusivos, conquistando e encantando os alunos e, consequentemente, impulsionando-os para a busca de uma vida melhor. O planejamento aqui pretendido é o que leva em conta o Ethos do aluno, a cultura local. É importante se considerar que cultura não tem a ver com as questões genéticas ou geográficas; tais questões podem até exercer certas influências indiretas, mas não norteiam a cultura como um todo. As exteriorizações culturais têm relação direta com os legados de cada grupo social, mas o professor de ER não pode perder de vista alguns elementos fundantes e constituintes da religião, tais como o Mito, o Rito, O Sagrado/Profano e os fenômenos. Todos esses elementos estão diretamente ligados ao Ethos dos discentes. A cultura tem relação com os aprendizados, o saber recebido e o saber agregado. A educação recebida dos pais, as doutrinas recebidas das igrejas, as tradições locais e folclóricas têm a ver com os mitos e ritos comunitários e religiosos, com as verdades (veritas) de cada comunidade, e tais situações não podem ser desconsideradas ou omitidas pelos professores de ER nas escolas públicas. Em sala de aula, há uma junção da esfera pública e, como dito anteriormente, não se deve tentar ser coercitivo ou imponente em detrimento da cultura local. O tratamento didático subsidia o conhecimento. Assim, o Ensino religioso pelos eixos de conteúdo de Culturas e Tradições Religiosas, Escrituras Sagradas, Teologias, Ritos e Ethos vai sensibilizando para o mistério, capacitando para a leitura da linguagem mítico-simbólica e diagnosticando a passagem do psicossocial para a afísica/transcendente (FONAPER, 2009, p. 58-59). Estudar e compreender a cultura passam pelo entendimento de seus códigos, signos, e símbolos. A cultura é um conjunto de símbolos e significados. Tal realidade alcança objetos palpáveis, mas também afeta as crenças, os ideais políticos, os comportamentos. Logo, pessoas diferentes e de culturas diferentes reagirão de formas diferentes sobre os mesmos temas e estímulos. Ruth Benedict escreveu em seu livro O Crisântemo e a espada que a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas. (LARAIA, 2005, p. 16). Pode-se dizer que uma boa forma de se conhecer a cultura é por meio das expressões culturais, ou seja, das produções artísticas, musicais, literárias e outras formas de produções de cada cultura. Assim, o docente de ER tem a seu favor as publicações, livros, discos, cantigas, festas e tradições religiosas que podem ser muito bem aproveitadas no cenário educacional, tal como citamos duas músicas no capítulo um deste trabalho, que remetem à religiosidade do senso comum, expressas na Música Popular Brasileira, que traz em si a representatividade do simbolismo religioso. Com essas (Ave Maria do Morro, de Gilberto Gil e Madalena, de Erivelto Martins) e outras, professores e alunos podem montar uma relação dialogal, apresentações e estudos do tipo de sentimento religioso encontrado nas mesmas. Fazer transposição didática é exercitar a criatividade em busca de uma melhor transmissão de saber científico para um aprendizado eficiente e transformador. Há, entre as possibilidades de transposição didática, o uso de práticas transversais e interdisciplinares, estabelecendo-se relações com outras disciplinas que possam contribuir com a fixação do conteúdo apresentado, como os exemplos a seguir apresentados. 3.1 ENSINO RELIGIOSO, DISCIPLINA DE CONTATO E CONTEÚDO POSSÍVEL Tabela 2 – Relações entre a disciplina ER e outras disciplinas ER História ER ER Educação Física Ciências/Biologia Artes ER LPLB ER Incursão histórica nas construções ideológicas das religiões no ES, visitação aos locais sagrados do ES, templos, mosteiros e outros. Pequenos jogos: tolerância, respeito, equipe, inclusão, ajuda mútua, consequências das vitórias e derrotas, as conquistas. A vida, a natureza, Bioética, sustentabilidade, a terra (Carta da Terra) a busca pelo sustento responsável. Reciclagem, aproveitamento de restos de materiais, paciência, sustentabilidade, esforço, a importância do trabalho e do sustento. Produção de textos, leituras de notícias inerentes às questões religiosas que afetam nosso cotidiano. Fonte: Autor, 2012. Há, evidentemente, muitas outras possibilidades. No entanto, as que apresentamos aqui são ilustrativas, apontando para uma possível relação transversal e interdisciplinar para aplicação dos conteúdos comuns às disciplinas em tela. Todas são igualmente úteis, portanto, acreditamos que nas práticas dos pequenos jogos pode-se extrair bons frutos em questões práticas da transposição didática, além de quebrar a simetria da sala de aula, apresentando de forma divertida e inclusiva os conteúdos vivenciados no cotidiano como a disciplina, o respeito às regras, os limites de cada integrante do grupo, a possibilidade de superar os próprios limites, dentre outros valores a serem experimentados nas vivências escolares. Da mesma forma, nas aulas de História, os passeios e visitações aos pontos turísticos religiosos, conhecendo os locais históricos que, no Espírito Santo, são riquíssimos e diversos. Na aula de Arte, os alunos podem se divertir, brincar, construir e reconstruir, experimentar na prática o que se diz na teoria da sustentabilidade, da preservação, do reaproveitamento e do sustento responsável, além de apresentar ao discente uma nova possibilidade de diversão e, consequentemente, a possibilidade de ganho financeiro. A compreensão da vida pelas vias das Ciências Biológicas pode, também, estabelecer uma relação dialogal com as teorias religiosas, da criação da evolução e de outras tradições, sobretudo na busca por um saber agregado, que gere um novo saber e fomente a possibilidade de pesquisas temáticas. Mais ainda, as discussões sobre Ética, Bioética, Sustentabilidade, a importância da terra, os Direitos Humanos e outros. Com a Língua Portuguesa e a Literatura Brasileira, o discente poderá construir seus textos, fazer leituras temáticas e pontuais sobre a religiosidade brasileira e sobre a laicidade do Estado, podendo iniciar seus próprios escritos inerentes aos temas abordados. A transposição didática vai de encontro a essas possibilidades, ou seja, ao encontro da aproximação do saber cotidiano com o saber científico, aproximando-os, estabelecendo uma possível comunicação entre eles para oportunizar um crescimento integral do aluno. Como fazer? A pergunta é pertinente, e a resposta não é tão simples. O saber fazer requer estudos que vão além do conteúdo proposto, que alcançam a cultura local. O saber fazer requer estudos culturais, comunitários e o conhecimento do contexto escolar e familiar dos discentes. Assim, docente e discente poderão se aproximar, estabelecendo uma comunicação de fácil compreensão. Certamente, ao buscar meios de aproximação da linguagem científica à dos discentes em sala de aula, o docente terá maior aproveitamento dos objetivos que tem em mente. É papel do docente oportunizar a participação, a inclusão e o bem estar do aluno e, pelas vias de uma atividade inclusiva e participativa, este processo poderá ser melhor e mais facilmente alcançado. A busca pela trilogia Ensino-Aprendizado-Prática diária deve estar no escopo de uma disciplina que espera ser abrangente e transformadora. Os textos não formam, mas informam. No entanto, as informações recebidas pelas leituras e construções literárias do saber científico poderão ser muito úteis para gerar transformações sociais e comportamentais, e isto é exatamente o que se espera do ER nas escolas públicas. A transposição didática no ER deve considerar alguns fatores salutares como a cultura, a complexidade religiosa (que é multicultural), a viabilidade e a necessidade de fazer estudos mais aprofundados sobre os temas propostos. As CR, em suas tratativas dentro de um país plural e multicultural como o Brasil devem, acima de tudo, zelar pela imparcialidade no diálogo dentro da esfera pública. Nessas tratativas, há de se considerar que cada grupo componente da esfera pública traz em si seu arcabouço doutrinário, que lhe é próprio, como suas concepções de santo e profano, certo e errado, moral e imoral. Assim, ao cientista da religião cabe, obviamente, buscar obter o maior número de informações possível, conhecendo melhor os grupos com os quais se relacionará. O Brasil contempla um misto de culturas e desenvolvimentos socioculturais muito diferenciados. Por exemplo: há comunidades quilombolas que estão retidas no mundo pré-moderno; há comunidades ribeirinhas e silvícolas na mesma situação; mas há outras comunidades nas pequenas vila semi-urbanas que contam com certo desenvolvimento tecnológico, como TV, rádio, computadores, e há uma esmagadora maioria que está vivenciando um momento social avassalador, com as notícias do mundo globalizado, da aldeia global, acompanhando em tempo real as mazelas sociais e os desenvolvimentos diversos. E, ainda, há o universo acadêmico, que julga presenciar e vivenciar uma busca do pós-metafísico, no conceito de Habermas (2004). A forma de fazer a transposição didática, nesses casos, pode ser bem diversificada, sendo o livro didático um desses modelos. Porém, não é o único e nem tão pouco o mais eficiente. Diga-se de passagem, os livros são excelentes aliados tanto dos alunos quanto dos professores, mas não levam em consideração as culturas isoladamente, objetivando atender uma espécie de pacote formando pelas séries a que se destinam. No entanto, um aluno do sexto ano (quinta série) do Alto Xingu tem as mesmas realidades socioculturais e as mesmas perspectivas de uma aluno da mesma série dos grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte? É certo que não. Diante disto, cabe ao docente criar formas de aplicação dos conteúdos aproximandoos à realidade local de cada Estado e de cada comunidade. Trata-se de uma questão de adaptabilidade e criatividade, onde o planejamento deve estar presente, sem ser engessado, abrindo possibilidades para as adequações e ressignificações, a fim de alcançar os objetivos pretendidos. As opções aparecem com o uso das mídias disponíveis, as visitas aos locais sagrados e históricos que influenciaram ou influenciam a vida comunitária, aliadas às ludicidades, aos jogos e brincadeiras, que podem vir a se constituir como bons aliados no labor da transposição didática. Mas, com o devido cuidado, para não haver a banalização ou descrédito daquilo que se pretende compartilhar. Usar os recursos da ludicidade não isenta o professor da responsabilidade de planejar adequadamente, pois até para essas atividades faz-se necessário conhecer o perfil dos alunos que estão em seu escopo. Para exemplificar, pode-se citar os alunos Portadores de Necessidades Especiais (PNE), pois este grupo jamais poderá ser esquecido ou excluído pelo docente de nenhuma disciplina. Assim, o planejamento deve contemplar todas as possibilidades, potencialidades e limitações dos alunos que participarão das atividades. Já os professores que atuam nas salas das séries iniciais (1º ao 5º ano) devem possuir uma linguagem capaz de alcançá-los eficazmente e até as atividades complementares (jogos, brincadeiras e outras formas) precisam ser planejadas considerando-se a capacidade cognitiva do grupo e, ainda, considerar as particularidades de cada aluno e a importância de cada um no ambiente escolar, para que todos indistintamente sintam-se acolhidos e inclusos nas atividades propostas. É importante, ainda, que os planejamentos sejam elaborados a partir de uma prévia reunião entre os docentes das áreas comuns, pois cada docente é habilitado e capaz de elaborar os respectivos conteúdos. CONCLUSÃO Afirmar estar concluindo um trabalho de pesquisa do meio acadêmico não é algo tão simples. De fato, chegamos ao término de uma pesquisa inicial, que pode e deve ser ampliada, redimensionada com os passar dos anos, cientes de que novas leis surgirão, novas resoluções serão adotadas, para nortearem os estudos e rumos do ER-EP. No entanto, nos limitamos ao tema e assunto abordados no momento para fins de conclusão dos trabalhos acadêmicos deste Mestrado Profissional da Faculdade Unida de Vitória/ES. Sabemos que muito ainda poderá ser descrito e agregado a este trabalho, o que em outro instante, com finalidade de ampliação da pesquisa, será feito em tempo e com objetivo oportunos. Assim, vimos no presente trabalho a importância da transposição didática das Ciências das Religiões ao Ensino Religioso nas escolas de rede pública no Estado do Espírito Santo. Dividimos a pesquisa em coletas de dados, escolha e separação dos materiais utilizados. Após a delimitação, os dados foram tabulados e explanados de forma dissertativa. Escrever sobre o tema foi desafiador, por alguns fatores. Primeiro, por não haver muito material disponível inerente ao tema; segundo, por tratar-se da continuidade de um processo histórico da Educação Religiosa, atualmente nominada de Ensino Religioso. De certa forma, pode-se dizer que aconteceram mudanças substanciais nos conceitos e práticas, principalmente nos discursos em sala de aula. O que propusemos aqui foi uma forma não coercitiva, mais dialogal e respeitosa, que possa estender-se para fora do ambiente escolar, o que seria uma contribuição valorosa para a práxis, quebrando os paradigmas e norteando os rumos futuros da disciplina. Da mesma forma, buscamos apresentar a importância da transposição didática das Ciências das Religiões ao Ensino Religioso nas escolas públicas. Tal proposta objetivou contribuir com as práticas escolares, com um EREP livre dos discursos igrejeiros ou confessionais, onde os conteúdos possam ter uma epistemologia não somente fenomenológica, mas com apontamentos práticos que, de alguma forma, possam ser constitutivos de novas mentalidades e geradores de novos ideários educacionais. As Ciências das Religiões podem contribuir com todo esse processo, por serem voltadas ao estudo isento do calor da confessionalidade, oportunizando assim um olhar mais crítico, mais científico menos apaixonado pelas demandas e discursos das instituições religiosas. Acreditamos que, com o amadurecimento das Ciências das Religiões no Estado do Espírito Santo, novas propostas e pesquisas acontecerão, o que certamente dará melhor estrutura ao EREP. Por fim, esperamos haver iniciado uma jornada de pesquisa que pode e deve ser ampliada, apontando antigos problemas e, principalmente, novas soluções. REFERÊNCIAS ADRIANO, José. Notas de aula. 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