Via aérea difícil - Liga do Trauma da Faculdade de Medicina da
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Via aérea difícil - Liga do Trauma da Faculdade de Medicina da
VIA AÉREA DIFÍCIL Valéria Baraldi Melhado Anibal de Oliveira Fortuna Introdução Anatomia Avaliação da Via Aérea – Antecipando uma Via Aérea Difícil Manuseio da Via Aérea Intubação Traqueal Intubação - Técnicas Algoritmo Via Aérea Difícil Situações Especiais em Via Aérea Difícil Extubação na VAD Conclusão miolo final 0k 15 Black 10/22/04, 12:39 PM 16 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia INTRODUÇÃO Quando se realiza um procedimento anestésico, uma das maiores preocupações está sempre ligada à via aérea (VA) e à sua adequada manutenção, sendo a presença de uma via aérea difícil (VAD) um dos grandes desafios. O manuseio inadequado da VA é a causa mais freqüente de complicações relacionadas à especialidade e responsável por 30% dos óbitos de causa exclusivamente anestésica.1 O Comitê de Defesa Profissional da Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) realizou um trabalho de revisão onde analisou processos movidos contra anestesiologistas e resolvidos por acordo.1 Esta pesquisa revelou que a grande maioria dos eventos adversos esteve relacionada aos pulmões e vias aéreas. Três causas – ventilação difícil (38%), falha em reconhecer intubação esofágica (17%) e dificuldade, ou mesmo a impossibilidade de intubação (18%) – foram responsáveis por 75% das complicações. Óbito ou dano cerebral ocorreram em 85% desses casos, que em sua maioria foram causados por erros ou omissões, tais como falha em reconhecer imediatamente a gravidade do problema, a não observação atenta das vias aéreas, e também por não agir corretamente em tempo hábil. Com os resultados dessa revisão, a Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) publicou orientações práticas sobre o assunto, expressa pelo Algoritmo da Via Aérea Difícil.2 A via aérea difícil (VAD) é definida como uma situação clínica, onde um anestesiologista treinado tem dificuldade em intubar o paciente, manter ventilação manual sob máscara facial, ou ambos.2 A impossibilidade de ventilar e intubar um enfermo está estimada em 0,01 a 2,0 em cada 10.000 anestesias. As principais sequelas associadas ao manuseio inadequado da via aérea difícil são: óbito, lesão cerebral, parada cardiopulmonar, traqueostomia desnecessária, trauma à via aérea ou aos dentes. Laringoscopia Difícil: é a não visualização de qualquer parte das cordas vocais com o uso de laringoscopia convencional. Intubação Difícil: quando a intubação traqueal por laringoscopia convencional requerer mais de três tentativas ou demorar mais de dez minutos para ser realizada. A tolerância à ventilação inadequada e à hipóxia resultante depende da idade, peso e estado físico dos pacientes. Em qualquer circunstância o tempo para atuar é sempre restrito e representa um apecto fundamental para a sobrevida. Um ilustrativo gráfico (figura 1) baseado em uma publicação de Farmery, demonstra como os pacientes dessaturam em apnéia após o uso de bloqueador neuromuscular de curta duração (succinilcolina). Antes mesmo de seu efeito ser revertido (sete a dez minutos) já se observa hipoxemia, que é bem mais acentuada em obesos, crianças e adultos com doenças prévias.3 Assim, com um adequado conhecimento da anatomia e uma propedêutica específica das vias aéreas, pode-se antecipar boa parte dos eventuais problemas de ventilação e planeja condutas para superá-los. Também, em situações de emergência, é importante saber como utilizar com sucesso novas técnicas na abordagem da VAD, sempre com o propósito de garantir maior segurança aos nossos pacientes. miolo final 0k 16 Black 10/22/04, 12:39 PM Via aérea difícil - 17 Dessaturação em apnéia: é mais acentuada em obesos, crianças e adultos com doenças prévias. Figura 1. ANATOMIA As vias aéreas são constituídas por uma série de dutos especializados (figura 2) que permitem ao ar passar do ambiente externo aos pulmões e vice-versa.4 Vista lateral das vias aéreas superiores: 1. corneto superior; 2. corneto médio; 3. corneto inferior; 4. palato duro; 5. palato mole; 6. cavidade oral; 7. língua; 8. úvula; 9. nasofaringe; 10. orofaringe; 11. adenóide. Figura 2. O conhecimento destas estruturas e de sua fisiopatologia associada permite ao anestesiologista uma maior segurança no manuseio da VA na rotina, sendo fundamental em dificuldades eventuais. • Fossas nasais: São duas formações localizadas na parte média da face acima da cavidade bucal, separadas por um septo cartilaginoso que desemboca na faringe (nasofaringe). Sua sensibilidade geral corre por conta do nervo trigêmeo, enquanto a sensibilidade específica é dada pelo nervo olfativo. • Faringe: É um tubo muscular, cilíndrico, sem parede anterior, formado por tecido membranoso e muscular que conecta as cavidades nasais e oral com a laringe e o esôfago. Divide-se em: miolo final 0k 17 Black 10/22/04, 12:39 PM 18 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia - Nasofaringe: Porção superior da faringe situada diretamente atrás das cavidades nasais. Tem forma de caixa e se localiza na base do crânio, estendendo-se das coanas até a região inferior do palato mole. Esta estrutura diferencia-se das outras partes da faringe por estar sempre aberta. Serve como uma passagem de ar entre a cavidade nasal e a orofaringe. A inervação sensitiva é feita pelo trigêmeo. O septo inferior, parede lateral das fossas nasais, palato mole e palato duro são inervados pelo palatino, ramo do nervo maxilar. - Orofaringe: É a extensão da cavidade oral, que vai da região inferior do palato mole até a porção superior da epiglote, e dos pilares anteriores (arcos palatoglossos) até a parede posterior. A cavidade oral, incluindo os dois terços anteriores da língua, tem sua inervação sensitiva a cargo do lingual, um ramo do nervo mandibular. O terço posterior da língua, incluindo a epiglote anterior, é inervado pelo glossofaríngeo. - Hipofaringe: É a região onde ocorre separação entre as vias aéreas e a digestiva. O ar inspirado deve penetrar no vestíbulo laríngeo enquanto as secreções e alimentos seguem pelos seios piriformes em direção ao esôfago, que situa-se posterior à laringe. A hipofaringe vai da parte inferior da epiglote, a nível do osso hióide, até o músculo cricofaríngeo (parte do constritor faríngeo inferior), terminando sobre a laringe na região das falsas pregas vocais. • Laringe: Conceitualmente, a laringe (figura 3) caracteriza-se por ser um arcabouço tubular constituído de cartilagens, músculos e ligamentos, com as funções de respiração, fonação e proteção das vias aéreas. No homem, a laringe tem cerca de 5 cm de comprimento, sendo um pouco menor na mulher. Estende-se da epiglote (C4) até a borda inferior da cartilagem cricóide (começo da traquéia). Situase anteriormente aos corpos de C4, C5, C6 no adulto e C3, C4 no recém-nato. Cartilagens, ligamentos e músculos da laringe. Figura 3. miolo final 0k 18 Black 10/22/04, 12:39 PM Via aérea difícil - 19 A laringe se move durante a respiração: desce na inspiração e sobe na expiração. É formada essencialmente por nove cartilagens conectadas através de ligamentos móveis e músculos, incluindo a tireóide adiante, a cricóide embaixo, e as duas aritenóides lateralmente. Cartilagens ímpares: são as maiores cartilagens: Tireóide (figura 4): É a maior das cartilagens laríngeas, situando-se acima da cricóide e ligada a esta pelo ligamento cricotireoidiano. A cartilagem tireóide é constituída por duas placas quadradas fundidas anteriormente na linha média, com sua borda superior projetando-se para fora numa proeminência conhecida como “pomo-de-Adão”. No seu interior, situam-se as cordas vocais (figura 5). Cartilagem tireóide, frente e perfil. Figura 4. Cordas vocais localizadas no espaço interior da cartilagem tireóide. Figura 5. Cricóide (figura 6): Localizada no início da traquéia, tem formato de anel. Na criança até nove anos tem forma circular, e é nesta faixa etária a parte mais estreita da laringe, No adulto, ao contrário, assume aparência oval, e a parte mais estreita do órgão passa a ser o espaço entre as cordas vocais (glote). Cartilagem tireóide, ligamento cricotireóideo e cartilagem cricóide. Figura 6. miolo final 0k 19 Black 10/22/04, 12:39 PM 20 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Epiglote (figura 7): Fibrocartilagem em forma de “U” situada na entrada da laringe, conectada anteriormente por ligamentos ao osso hióide; sua borda livre se projeta em direção à faringe. A epiglote não tem significado funcional e sua ausência não altera os mecanismos de proteção da laringe. Posição da epiglote e demais cartilagens na laringe. Figura 7. Cartilagens pares Cartilagens Aritenóides: São as únicas móveis, deslizam sobre a cricóide; Cartilagens Corniculadas ou de Santorini: Localizam-se sobre as aritenóides; Cartilagens Cuneiformes ou Wrisberg: Situadas acima da prega ariepiglótica e abaixo das cartilagens aritenóides; O vestíbulo laríngeo é limitado anteriormente pela epiglote e posteriormente pelas aritenóides. Cordas Vocais: As cordas vocais (figura 8) são constituídas por duas pregas músculomembranosas que à laringoscopia direta tem aspecto de um triângulo com ápice inserido na parede anterior da cartilagem tireóide, e sua base, posteriormente nas cartilagens aritenóides (“V” invertido). O espaço entre as cordas vocais verdadeiras denomina-se “glote”, que no adulto é o ponto mais estreito da laringe. miolo final 0k 20 Black 10/22/04, 12:39 PM Via aérea difícil - 21 Cordas vocais Figura 8. Inervação A laringe é inervada por dois ramos do vago (figura 9): - n. laríngeo superior: • r. interno: “sensitivo” 1/3 superior e médio da laringe; • r. externo: “motor” músculo cricotireoidiano; Esquema da inervação da laringe. Figura 9. - n. laríngeo inferior (recorrente): • “sensitivo” (1/3 inferior da laringe); • “motor” todos os músculos, com exceção do cricotireoidiano; miolo final 0k 21 Black 10/22/04, 12:39 PM 22 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia O nervo laríngeo superior se subdivide a nível do osso hióide em dois ramos, o n. laríngeo superior interno e externo. O ramo interno, essencialmente sensitivo, é responsável pela sensibilidade da membrana mucosa dos terços superior e médio da laringe. O externo carreia fibras motoras para o músculo cricotireoidiano. É interessante acentuar que o estímulo para um laringoespasmo (uma exacerbação dos mecanismos normais de defesa) é transmitido por fibras do n. laríngeo superior (fibras sensitivas). Dos ramos inferiores do n. laríngeo, o n. laríngeo recorrente esquerdo tem o maior trajeto, passando por baixo do arco aórtico antes de ascender para a junção cricotireoidiana. O n. laríngeo recorrente direito tem um percurso mais direto. Estes nervos suprem com fibras sensitivas as membranas mucosas do terço inferior da laringe, e com motoras todos os músculos laríngeos, com exceção do cricotireóideo e uma pequena porção das aritenóides (m. interaritenóideo). Traquéia: traquéia (figura 10) é continuação da laringe, na forma de um tubo membranoso com aproximadamente 1,5 cm de diâmetro por 10 a 12 cm de comprimento. Tem início em C6 abaixo da cartilagem cricóide e termina bifurcando-se na carina, a nível de T5 no 2º espaço intercostal (ângulo de Louis). Suas paredes são reforçadas por cerca de 16 a 20 anéis cartilaginosos incompletos, empilhados uns sobre os outros e ligados por tecido conjuntivo. Carina: crista ântero-posterior, ou esporão sagital. É o ponto onde a traquéia termina e também o mais sensível a estímulos. Medidas anatômicas (médias): Distância lábio-carina: • Homem (28 cm) • Mulher (25 cm) Distância lábio-corda vocal • Homem (12 a 16 cm) • Mulher (10 a 14 cm) Tamanho da traquéia: • Homem (12 a 14 cm) • Mulher (10 a 14 cm) Principais medidas da traquéia e dos brônquios. Figura 10. miolo final 0k 22 Black 10/22/04, 12:40 PM Via aérea difícil - 23 AVALIAÇÃO DA VIA AÉREA - ANTECIPANDO UMA VIA AÉREA DIFÍCIL O anestesiologista é responsável por: • reconhecer uma potencial via aérea difícil, • ter uma tática para resolver o problema, • garantir a segurança do paciente nas situações de “intubação falha”. Durante a visita pré-anestésica, a história pregressa, doenças associadas (tabela 1) e o exame físico irão alertar para problemas potenciais no manuseio da via aérea.5 O exame específico da VA é um item obrigatório para todos os enfermos, mesmo nos que são programados para anestesia regional. A consulta ao prontuário de procedimentos anestésicos anteriores e a estória de problemas com intubação irão fornecer maiores dados sobre possíveis dificuldades. Tabela 1. Doenças com comprometimento da via aérea Doenças congênitas síndromes: Pierre-Robin, Treacher-Collins, Hallermann-Streiff, Marfan; Higroma cístico, acondroplasia, atresia de coana, traqueomalacia, fissura palatina Trauma trauma maxilofacial, fratura ou instabilidade de coluna cervical, lesão de laringe, queimaduras Afecções endócrinas obesidade, diabetes melito, acromegalia, síndrome de Cushing Processos inflamatórios espondilite anquilosante, artrite reumatóide Condições fisiológicas gestação Tumores tumores em via aérea alta e baixa Infecção epiglotite, abscessos, difteria, bronquite, pneumonia Corpo estranho História de radioterapia ou cirurgia em cabeça e pescoço História de ronco e apnéia do sono Doenças congênitas: Algumas doenças congênitas são associadas à via aérea difícil por apresentarem: hipoplasia de mandíbula, anormalidades em coluna cervical, língua grande, palato arqueado ou com fissura. Exemplos são as síndromes de Down, Pierre Robin, Treacher Collins, Hallermann-Streiff, atresia de coana, traqueomalacia e fissura palatina. Trauma: No ABC do atendimento ao paciente com trauma, a prioridade é a obtenção de uma VA pérvia e protegida. No entanto, em muitos casos, como nas lesões maxilofaciais extensas onde a anatomia está distorcida, a intubação traqueal nem sempre é possível, sendo nestes casos a VA cirúrgica uma melhor opção. O trauma da laringe não é de fácil diagnóstico, mas deve ser considerado quando o paciente miolo final 0k 23 Black 10/22/04, 12:40 PM 24 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia apresentar rouquidão, estridor, enfisema subcutâneo, dispnéia, disfagia, dor e edema na região cervical anterior com ou sem deformidade na cartilagem tireóide ou cricóide. Lembrar que todos os pacientes de urgência devem ser considerados de alto risco para possível aspiração de conteúdo gástrico. Trauma de coluna cervical: Os pacientes acidentados graves devem ser tratados como portadores de lesão na coluna cervical até que os exames radiológicos complementares descartem essa possibilidade. Caso necessitem de intubação traqueal, o pescoço antes terá que ser estabilizado por um auxiliar, ou através de um colar cervical, evitando-se qualquer deslocamento maior durante as manobras de laringoscopia. Afecções endócrinas: Obesidade - O obeso apresenta distorções da anatomia das vias aéreas superiores associadas a uma menor capacidade residual funcional. A obesidade gera aumento na demanda de oxigênio e na produção de gás carbônico, com tendência a hipoxemia. Esses pacientes possuem alterações da ventilação/perfusão, com shunt intrapulmonar extenso, que é ainda mais sério devido à alta incidência de doenças pulmonares associadas (23%). A complacência pulmonar total está diminuída por três fatores: peso do tórax (acúmulo de gordura), aumento de volume do abdome e do volume sangüíneo pulmonar. O decúbito dorsal nestes indivíduos tende a agravar a hipóxia. O aumento da pressão intra-abdominal, a presença de hérnia de hiato, a maior incidência de refluxo gastroesofágico, o esvaziamento gástrico incompleto e o suco gástrico hiperácido classificam os obesos mórbidos como alto risco em relação à aspiração do conteúdo gástrico. Essas características limitam o período de “apnéia segura” para realizarmos a laringoscopia. Relatos de apnéia do sono sugerem a possibilidade muito alta de obstrução mecânica quando este paciente perder a consciência. Diabetes melito - Aproximadamente um terço dos diabéticos do tipo I apresentam dificuldade na laringoscopia. Aparentemente a glicosilação das proteínas teciduais pela hiperglicemia crônica seria responsável por contraturas das articulações, o que dificultaria seus movimentos. Quando a coluna cervical é afetada, há limitação da mobilidade da articulação atlantooccipital, prejudicando a posição olfativa ideal para manobras de intubação. Acromegalia - Na acromegalia há um crescimento desproporcional da mandíbula, e estes pacientes são mais suscetíveis à obstrução da via aérea pela proliferação exagerada de tecidos moles, o que resulta em aumento da língua e epiglote. Também há comprometimento das cordas vocais e redução do diâmetro subglótico da traquéia. Processos inflamatórios: Espondilite anquilosante - A espondilite anquilosante produz diminuição da mobilidade da coluna vertebral. O comprometimento do seguimento cervical irá determinar o grau de dificuldade para a intubação traqueal. Nesta situação, as manobras para laringoscopia e intubação deverão ser realizadas com extrema cautela, evitando-se a excessiva manipulação da coluna cervical, o que poderia causar fratura e trauma de medula. Nesses enfermos, as técnicas de intubação que não necessitem de posição olfativa devem ser preferidas, como o uso de fibroscópio, estilete luminoso, laringoscópios especiais (Bullard/Wu), às cegas ou mesmo a máscara laríngea. miolo final 0k 24 Black 10/22/04, 12:40 PM Via aérea difícil - 25 Artrite reumatóide - Portadores de artrite reumatóide ou outras doenças do colágeno têm sua via aérea difícil devido à anquilose da articulação temporomandibular (abertura da boca menor que 3 cm), limitação de movimentos da coluna cervical, desvio da laringe e artrite das cartilagens aritenóides. Sinais de alerta são evidenciados por rouquidão, disfagia, estridor, ronco e sensação de volume na orofaringe. O exame específico deve ser realizado critériosamente dando especial atenção ao desvio de traquéia e aos movimentos de flexão, extensão e rotação do pescoço. Quando a estória e o exame físico são positivos, é prudente realizar previamente uma laringoscopia indireta para avaliar o comprometimento de cordas vocais (edema, hiperemia, anquilose de cricoaritenóide). Caso haja envolvimento da laringe, é indicada uma intubação com auxílio de fibroscópio e um tubo traqueal de menor calibre. Gestação: A embebição gravídica leva a edema das vias aéreas, com mucosas friáveis e maior facilidade de sangramento. Por este motivo, dispositivos nasais não são indicados. A introdução da lâmina do laringoscópio pode ser dificultada pelas mamas aumentadas, requerendo muitas vezes aparelhos com o cabo mais curto. A elevada taxa metabólica e alto volume-minuto aumentam a demanda por oxigênio. Além disso, o volume expiratório de reserva, o residual e a capacidade residual funcional estão também diminuídos pelo deslocamento diafragmático causado pelo útero gravídico. Devido às modificações fisiológicas da gravidez, a dessaturação ocorre rapidamente durante a apnéia necessária às manobras de laringoscopia e intubação. O alto risco de aspiração do conteúdo gástrico é um outro fator de complicação nas gestantes que irão ser intubadas6. Tumores: Os tumores de pescoço e das vias aéreas distorcem a anatomia, diminuindo o espaço para a instrumentação e limitando a mobilidade. As lesões supraglóticas geralmente causam estridor inspiratório, enquanto as subglóticas e intratorácicas produzem na expiração. O estridor nas duas fases da respiração ocorre em lesões na laringe. Os processos tumorais freqüentemente apresentam sangramento quando manipulados, complicando ainda mais o acesso às vias aéreas. Infecção: Processos infecciosos como epiglotite, laringite, abscessos, bronquite e pneumonia, dificultam o manuseio da via aérea. Abscessos retrofaringeais ou submandibulares alteram a anatomia, dificultando o reconhecimento das estruturas e diminuindo o espaço para a instrumentação. Os exames de imagem são úteis ao definir a extensão do abscesso. A epiglotite apresenta como sintomas: estridor inspiratório, dificuldade de deglutição e obstrução da VA. A laringite, bronquite e pneumonia levam a uma VA mais reativa e, portanto, mais suscetível a laringo e broncoespasmo. Corpo estranho: A maior complicação provocada por um corpo estranho em vias aéreas é a obstrução respiratória. As manobras instrumentais para sua retirada podem posicioná-lo ainda mais profundamente na árvore brônquica. Muitas vezes a ventilação manual com pressão positiva piora o quadro de obstrução, que pode evoluir com pneumotórax pelo efeito valvular do corpo estranho, ao permitir a entrada do ar, mas impedir a expiração. Exames radiográficos muitas vezes auxiliam ao determinar a precisa localização deste objeto. Indivíduos com estória pregressa de cirurgia ou radioterapia em região de cabeça e pescoço, ou miolo final 0k 25 Black 10/22/04, 12:40 PM 26 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia mesmo presença de rouquidão, estridor laríngeo ou cicatriz de traqueostomia, necessitam de exame cuidadoso de via aérea, assim como aqueles portadores de apnéia do sono. Avaliação da VA: Paciente em perfil (figura 11): observamos a conformação da face e verificamos se este apresenta micro ou macrognatia (figura 12). Paciente em perfil, observar tamanho e proporção da mandíbula. Figura 11. Esquema ilustrando micro e macrognatia. Figura 12. miolo final 0k 26 Black 10/22/04, 12:40 PM Via aérea difícil - 27 Abertura da boca: A distância interincisivos (figura 13) deverá ser maior que 3 cm para que a lâmina do laringoscópio possa ser posicionada entre os dentes superiores e inferiores. Distância interincisivos deve ser maior que 3 cm. Figura 13. Dentes: Avaliar o tamanho (comprimento dos dentes incisivos superiores) e suas condições. Nos pacientes com incisivos longos, a lâmina do laringoscópio é desviada em direção cefálica, dificultando a laringoscopia. Inspeção da cavidade oral: Palato - A conformação do palato não deve ser excessivamente estreita ou ogival. O palato estreito indica um menor volume da orofaringe (menos espaço para lâmina e tubo traqueal). Teste de Mallampatti - Mallampati e cols.7, em 1985, demonstraram que, quando indivíduos colocados em posição sentada, apenas o palato mole for visível em abertura bucal máxima e protusão total da língua (sem fonação), a intubação traqueal será provavelmente difícil. Por outro lado, naqueles em que sob as mesmas condições for possível se observar a úvula e os pilares amigdalianos, a manobra será geralmente mais fácil. Este exame é realizado com o paciente em posição sentada, com abertura máxima da boca e protusão da língua, sem fonação. O examinador fica de frente ao paciente e na linha de seus olhos. O teste relaciona o tamanho da língua em relação à orofaringe. Mallampati propôs três classes de exposição orofaríngea que foram posteriormente modificadas para quatro classes (figura 14) por Sansoon e Young8. miolo final 0k 27 Black 10/22/04, 12:40 PM 28 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Teste de Mallampati (modificado por Sansoon e Young). Classe I - palato mole, fauce, úvula e pilares amigdalianos visíveis; Classe II - palato mole, fauce e úvula visíveis; Classe III - palato mole e base da úvula visíveis; Classe IV - palato mole totalmente não visível. Figura 14. Articulação temporomandibular: Com o paciente em perfil, solicitar que este faça uma protrusão da mandíbula (figura 15). Os dentes mandibulares devem ultrapassar a linha dos dentes maxilares. Este teste indica a capacidade de deslocamento anterior da mandíbula durante a laringoscopia. Protrusão voluntária da mandíbula. Figura 15. miolo final 0k 28 Black 10/22/04, 12:40 PM Via aérea difícil - 29 Exame do pescoço: Mobilidade - o movimento ideal de flexão do pescoço sobre o tórax (figura 16) deverá ser de 35° e o de extensão da cabeça sobre o pescoço de 80°. O grau de flexão do pescoço e extensão da cabeça irá determinar a capacidade do indivíduo em assumir a posição olfativa. Mobilidade do pescoço. Figura 16. O comprimento e largura do pescoço são avaliações subjetivas. O pescoço curto ou “grosso” dificulta o alinhamento dos eixos durante a laringoscopia. Devemos ainda observar se há desvio da traquéia ou presença de cicatriz (queimadura, radioterapia ou cirurgia anterior) e também localizar a membrana cricotireóidea. Distância tireomentoniana: Em 1983, Patil descreveu o conceito de distância tireomentoniana9. Definida como sendo a distância do mento à borda superior da cartilagem tireóide (figura 17). Se com a cabeça totalmente estendida a distância tireomentoniana for menor que 6,0 cm, provavelmente a intubação será difícil. Distância tireomentoniana. Figura 17. miolo final 0k 29 Black 10/22/04, 12:40 PM 30 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia A tabela 2 apresenta de maneira resumida os 11 exames essenciais da via aérea, os achados aceitáveis ou desejáveis e seus significados. Tabela 2. Avaliação da via aérea, achados aceitáveis e seus significados (Adaptada de Benumof, JL – The ASA difficult airway algorithm: new thougts/considerations. ASA Annual Refresher Course Lectures, 1999; 134 pelo Dr. Antonio V. Ortenzi, Núcleo VAD SAESP) Parâmetro Achados aceitáveis Significado comprimento dos dentes incisivos superiores incisivos curtos incisivos longos: a lâmina do laringoscópio entra em direção cefálica relação entre dentes maxilares e mandibulares (grau de retrognatismo involuntário) dentes maxilares não ultrapassam a linha dos mandibulares (avaliação em perfil) dentes maxilares anteriores aos mandibulares: a lâmina entra em direção cefálica protrusão voluntária da mandíbula dentes mandibulares ultrapassam a linha dos maxilares (avaliação em perfil) mobilidade da ATM: capacidade de deslocamento anterior da mandíbula durante laringoscopia distância interincisivos maior que 3 cm há espaço para posicionar a lâmina entre os dentes superiores e inferiores teste de Mallampati classe menor ou igual a II língua pequena em relação à orofaringe conformação do palato não deve ser excessivamente estreito ou ogival distância tireomentoniana maior que 5 cm ou 3 dedos a laringe não é anteriorizada complacência do espaço mandibular depressão digital possível determina se a língua cabe no espaço mandibular durante laringoscopia comprimento do pescoço avaliação subjetiva pescoço curto dificulta o alinhamento dos eixos durante a laringoscopia largura do pescoço avaliação subjetiva pescoço “grosso” dificulta o alinhamento dos eixos extensão do movimento da cabeça e pescoço flexão do pescoço sobre o tórax de 35º e extensão da cabeça sobre o pescoço de 80º= posição olfativa capacidade de assumir a posição olfativa miolo final 0k 30 Black palatos estreitos reduzem o volume da orofaringe (menos espaço para a lâmina + tubo traqueal 10/22/04, 12:40 PM Via aérea difícil - 31 Complacência do espaço mandibular (figura 18): Determina se a língua cabe no espaço mandibular durante a laringoscopia. Palpação do espaço mandibular para verificar sua complacência. Figura 18. MANUSEIO DA VIA AÉREA Técnica de ventilação com máscara facial: A habilidade em usar o sistema máscara-balão de forma eficiente é muito importante, uma vez que este é geralmente o primeiro recurso disponível para manter a ventilação, apesar de toda a evolução dos equipamentos atuais10. É fundamental que a máscara empregada seja de conformação e tamanho compatíveis com a anatomia do paciente, para uma ventilação satisfatória. Técnica: 1. Inserir cânula nasofaríngea ou orofaríngea (figuras 19 e 20). Em certas situações as duas são necessárias para uma boa ventilação. Inserção de cânulas: A. nasofaríngea e B. orofaríngea. Figura 19. miolo final 0k 31 Black 10/22/04, 12:40 PM 32 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Conjuntos de cânulas: A. nasofaríngea B. orofaríngea. Figura 20. 2. Para uma correta ventilação sob máscara facial, é indicado que o paciente seja colocado em posição olfativa (figura 21). Provavelmente haverá uma maior dificuldade em ventilar nas situações em que esta posição esteja contra-indicada, como nos traumas de coluna. A - Posição normal; B - Posição olfativa. Figura 21. 3. Selecionar a máscara facial de tamanho indicado para o paciente e de preferência transparente, para que melhor se visualize qualquer eventual regurgitação (figura 22). Um aspirador para secreções deve estar sempre à mão e preparado para pronto uso. Máscaras faciais de vários tamanhos. Figura 22. miolo final 0k 32 Black 10/22/04, 12:40 PM Via aérea difícil - 33 Ventilação difícil sob máscara facial: Diz-se que a ventilação sob máscara facial é difícil quando não for possível para apenas um operador manter a SpO2 acima de 90%, com FiO2 de 1, em paciente cuja saturação era normal antes da indução anestésica. O mesmo se dá na impossibilidade deste em evitar o surgimento ou reverter sinais, tais como: cianose, ausência de CO2 expirado, ausência de expansibilidade torácica e distensão gástrica durante ventilação com pressão positiva. Quando a ventilação não for eficiente com o sistema máscara-balão é necessário rever imediatamente os seguintes pontos: • o paciente está colocado na posição olfativa ótima? Pode ser melhorado? • as cânulas naso ou orofaríngeas empregadas são de tamanho adequado e estão corretamente inseridas? • a vedação máscara X face está adequada? Se não, como melhorar? (Exemplos: aplicar gel ou cobertura plástica adesiva em pacientes com barba, colocar compressas de gaze no interior da boca na região da bochecha, reinserir prótese dentária.) Na presença de um auxiliar para otimizar a técnica de ventilação máscara-balão, o primeiro operador faz o correto posicionamento da máscara facial com as duas mãos e o segundo comprime o balão (figura 23). Ventilação com sistema máscara facial-balão com 2 operadores: A. o segundo operador auxilia no selo da máscara e na protrusão da mandíbula. B. o primeiro operador usa as duas mãos para promover o selo da máscara facial e a protrusão da mandíbula enquanto o auxiliar comprime o balão. Figura 23 miolo final 0k 33 Black 10/22/04, 12:40 PM 34 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia INTUBAÇÃO TRAQUEAL A Intubação Traqueal (IT), como meio para se assegurar uma via aérea pérvia, é muitas vezes o nosso objetivo final, que, no entanto, nem sempre é alcançado, seja pela situação do paciente ou por dificuldades técnicas. Portanto, é importante saber empregar recursos e alternativas que possam melhorar estas condições. Princípios Básicos: Posicionamento do paciente - o correto posicionamento do paciente para as manobras de intubação traqueal é de fundamental importância. Para superar as limitações anatômicas que de certa forma restringem a visualização direta da laringe, é indicado que a cabeça do paciente seja acomodada na chamada “posição olfativa” (cabeça estendida e elevada, através de um coxim occipital)11. Com este artifício simples, conseguese um melhor alinhamento dos eixos: oral, laríngeo e faríngeo11, o que geralmente é suficiente para facilitar uma laringoscopia antes difícil. Eixos com cabeça em posição neutra A. Eixos orofaríngeo e faringotraqueal. B. Pontos anatômicos. Figura 24. Cabeça em decúbito dorsal, posição normal: A representação didática de um paciente em decúbito dorsal demonstra que os eixos cilíndricos “orofaríngeo” e “faringotraqueal”, por onde um tubo endotraqueal deverá passar para atingir seu destino, ou seja, a laringe e traquéia, se encontram praticamente em ângulo reto, uma posição claramente desfavorável à intubação por laringoscopia direta (figura 24). miolo final 0k 34 Black 10/22/04, 12:41 PM Via aérea difícil - 35 A cabeça ao ser elevada em “posição olfativa” torna a visualização das estruturas laríngeas mais fácil, uma vez que os eixos orofaríngeo e faríngeo-traqueal estarão melhor alinhados. Para se obter esta posição, a coluna cervical é fletida em direção anterior (ventral), com a elevação da cabeça em aproximadamente 8-10 cm com auxílio de um suporte firme; ao mesmo tempo em que a cabeça é estendida (dorsoflexão), a nível da articulação atlantooccipital (figura 25). A B A. Posição neutra; B. Posicionamento para laringoscopia: coxim occipital e extensão da cabeça. Figura 25. Pacientes obesos às vezes necessitam de recursos adicionais para obter um correto posicionamento para laringoscopia (figura 26). Consegue-se esta situação com o auxílio adicional de vários outros coxins (interescapular, ombros, pescoço e cabeça). Posicionamento nos pacientes obesos: uso de vários coxins*. (*Foto cedida pela Dra. Cláudia Lutke) Figura 26. miolo final 0k 35 Black 10/22/04, 12:41 PM 36 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Mesmo com a cabeça do paciente elevada, ao observarmos um esquema anatômico percebese que apesar dos eixos estarem se aproximando do alinhamento, o dorso da língua e a epiglote ainda não permitem uma boa visualização direta da laringe (figura 27). Dorso da língua e epiglote não permitem a visualização direta da laringe. Figura 27. Agora, com o afastamento anterior do dorso da língua e epiglote através da lâmina do laringoscópio, fica possível alcançar nosso objetivo (figura 28). A lâmina do laringoscópio afasta anteriormente o dorso da língua e a epiglote, permitindo a visualização da laringe. Figura 28. Classificação de Cormack e Lehane: A finalidade da laringoscopia é expor a glote de tal forma que seja possível a sua intubação. A visão que se espera é a de uma estrutura cilíndrica, com uma fenda central em forma de “V” invertido, cujas bordas são as cordas vocais por onde se visualiza a traquéia. Às vezes, por dificuldades anatômicas, esta imagem se encontra restrita e de acordo com quais estruturas laríngeas possam ser observadas ou não durante uma laringoscopia, Cormack e Lehane12 propuseram em 1984 uma classificação prática (figura 29). miolo final 0k 36 Black 10/22/04, 12:41 PM Via aérea difícil - 37 Classificação de Cormack e Lehane. Figura 29. Na classificação de Cormack e Lehane, a laringoscopia é dividida em quatro categorias de acordo com as estruturas visualizadas: Classe I - glote bem visível; Classe II - somente a parte posterior da glote é visualizada (aritenóides); Classe III - somente a epiglote pode ser visualizada – nenhuma porção da glote é visível; Classe IV - nem a epiglote nem a glote podem ser visualizadas. Manobras de compressão laríngea externa: Em situações onde a laringoscopia for classe II (somente aritenóide), III (somente epiglote) ou IV (somente palato mole), é possível obter-se uma melhora dessa visualização através de manobras de compressão laríngea externa13. Esta tática consiste no deslocamento para trás e para cima da cartilagem tireóide, osso hióide e/ ou cartilagem cricóide, facilitando assim a exposição da laringe (figura 30). Uma variante desta manobra é conhecida pela sigla inglesa: “B.U.R.P.” (Backward – Upward – Right - Pressure), onde à manobra tradicional se soma um deslocamento lateral direito da cartilagem tireóide. A compressão laríngea externa por melhor exposição da laringe pode reduzir a classificação laringoscópica de Cormack e Lehane em uma classe. Compressão laríngea externa. Figura 30. miolo final 0k 37 Black 10/22/04, 12:41 PM 38 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia INTUBAÇÃO – TÉCNICAS Intubação com paciente acordado Nesta situação, as manobras de intubação são realizadas com o paciente desperto. Em princípio, este procedimento deve ser sempre o de escolha nos casos em que haja alguma dúvida quanto a possibilidade de intubação. Nesta técnica, o tônus muscular e a estrutura funcional das vias aéreas são mantidos, e por isso o risco de aspiração é diminuído. O mais importante é que se essas tentativas de intubação falharem, o paciente tem ainda sua ventilação espontânea preservada. Preparo do paciente para intubação acordado14,15 (IA) - Para o sucesso de uma IA, um preparo prévio adequado do paciente é fundamental, caso contrário este ficará desconfortável, dificultando ainda mais as manobras de laringoscopia e intubação. Obtêm-se melhores resultados com uma combinação de sedação e anestesia regional, respeitando-se o tempo necessário para a instalação apropriada desta aplicação tópica ou bloqueio, o que pode levar vários minutos14,15. Técnicas de sedação são empregadas no intuito de diminuir a ansiedade do paciente e ajudá-lo a tolerar melhor tanto a anestesia tópica como as manobras de intubação. Esta sedação deve ser realizada com cautela, uma vez que poderá também diminuir sua ventilação espontânea, tonicidade muscular, permeabilidade das vias aéreas e reflexos protetores, aumentando assim os eventuais riscos de aspiração pulmonar. Durante a avaliação pré-anestésica é imprescindível explicar ao paciente a razão pela qual se optou por um procedimento de IA – que é para sua própria segurança. O indivíduo deve entender as vantagens e riscos da escolha desta técnica anestésica e autorizar a sua realização. Indicações e Contra-indicações da Intubação com o Paciente Acordado (IA): Indicações para intubação acordado: • Via aérea difícil já antecipada; • Pacientes com instabilidade cervical; Contra-indicações para IA: • Paciente não-cooperativo (crianças pequenas, pacientes agressivos ou alcoolizados); • Recusa do paciente; • Infecção ativa na área do bloqueio anestésico; • Tempo insuficiente para a realização do procedimento. Técnica recomendada para Intubação Acordado (IA) Preparo básico: a. Monitorização padrão (ECG, PA, oximetria de pulso e capnografia); b. Acesso venoso. Sedação consciente - tem o objetivo de diminuir a ansiedade e promover atenuação dos reflexos da via aérea. O paciente é capaz de seguir instruções simples, responder ao anestesista e manter ventilação e oxigenação adequadas. Drogas comumente utilizadas na sedação consciente: a. Benzodiazepínicos - são excelentes ansiolíticos, mas deve-se prestar atenção na dose a ser utilizada para não haver depressão respiratória, especialmente quando combinados a opióides. De uso mais freqüente: • midazolam 1-3 mg-EV para adulto de peso médio; miolo final 0k 38 Black 10/22/04, 12:41 PM Via aérea difícil - 39 • diazepam 0,1 mg/kg com incrementos de 2 a 2,5 mg se necessário; b. Opióides - ajudam a reduzir a ansiedade e a diminuir as respostas reflexas à manipulação das VA. Podem causar depressão respiratória, especialmente quando associados aos benzodiazepínicos, De uso mais comum: • fentanil 0,5 a 2 mcg/kg, c. Hipnóticos - em doses adequadas, são uma outra opção para o manuseio das VA. De uso mais freqüente: • propofol: preferencialmente administrado de forma contínua em doses progressivas; sua injeção em bolus pode desencadear apnéia. Vasoconstritor de mucosa nasal: ao promover uma retração da mucosa, aumentam a área onde o tubo traqueal (TT) ou o fibroscópio irá passar, reduzindo assim as chances de trauma e sangramento. Os mais comuns são: • nafazolina - Adnax® • oximetazolina - Afrin®, • fenoxazolina - Aturgyl®; Diminuir secreção de vias aéreas: importante para facilitar a visualização, principalmente se a técnica escolhida for através de fibroscopia. Secreções podem também diluir e dispersar o anestésico tópico. Apesar disso, a validade do uso de anti-sialagogos é controversa em casos onde se fez uma sedação prévia16. Dos mais comuns, o glicopirrolato é a droga mais eficiente, com o dobro da potência na diminuição de secreções do que a atropina, e produzindo menor taquicardia. Trabalhos mais recentes demonstram que apenas com o uso da combinação de benzodiazepínicos e opióides, aliados a uma boa anestesia tópica, consegue-se um resultado satisfatório. Nestas circunstâncias a atropina ou o glicopirrolato não teriam qualquer efeito prático. Cuidados: ao contrário do glicopirrolato, a atropina cruza a barreira hematoencefálica e em pacientes idosos pode provocar, além da taquicardia, efeitos excitatórios do sistema nervoso central, confusão e amnésia. Utiliza-se: • atropina 0.01 mg/kg – IM/IV; • glicopirrolato 0.005 mg/kg – IM/IV; Profilaxia de aspiração pulmonar: Nos pacientes com maior risco de aspiração do conteúdo gástrico (história de refluxo gastroesofágico, hérnia de hiato, diabetes com gastroparesia, gestantes, obesos) está indicada profilaxia com: • antiácido não-particulado: 30 ml de citrato de sódio 0,3 m por via oral, 15 a 20 minutos antes da anestesia; • bloqueadores de receptores H2: ranitidina 150 mg via oral, 90 minutos antes da anestesia ou inibidores da bomba de próton: omeprazol 40 mg IV, 30 minutos antes da anestesia. • metoclopramida: 10 mg via oral, IV ou IM, 60 a 90 minutos antes da anestesia. miolo final 0k 39 Black 10/22/04, 12:41 PM 40 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Técnicas para anestesia local das vias aéreas: (anestesia tópica/bloqueio)17 São recursos simples e bastante úteis para atenuar a sensibilidade e reflexos decorrentes das manobras de laringoscopia e intubação no indivíduo acordado. Para um melhor resultado, freqüentemente as técnicas de anestesia local e tópica das vias aéreas são combinadas, mas deve-se ter em mente a soma das doses de anestésico usada para evitar seus efeitos tóxicos sobre o SNC. 1. Anestesia Tópica: A sensibilidade da mucosa nasal e da nasofaringe é dada por ramos do trigêmeo. A da mucosa oral e da orofaringe depende de ramos do glossofaríngeo. A anestesia tópica da cavidade oral e da orofaringe é obtida borrifando-se anestésico tópico, ou com o uso de gaze embebida “swabs” em anestésico local (lidocaína 4%) e posicionada bilateralmente no recesso piriforme por dois minutos (figura 31) para bloquear os ramos internos do laríngeo superior. A absorção se faz através da mucosa com seu efeito após alguns minutos. Respeitando a dose máxima, se necessário, este processo pode ser repetido para um melhor resultado. Gaze embebida (swabs) em anestésico local e posicionada no recesso piriforme para bloquear os ramos internos do nervo laríngeo superior. Figura 31. a. gel anestésico nas fossas nasais: lidocaína na forma de gel 2% (100 mg de lidocaína em 5 g de gel); b. borrifamento de anestésico local (figura 32) na língua, orofaringe e laringe: lidocaína 10% (cada instilação libera 10 mg); Diversas apresentações de anestésicos locais. Figura 32. miolo final 0k 40 Black 10/22/04, 12:41 PM Via aérea difícil - 41 c. nebulização com anestésico local (lidocaína 2% 5 ml + lidocaína 2% com adrenalina 5 ml) – leva em média 15 a 20 minutos e é um recurso eficaz em pacientes com abertura limitada da boca; d. outros métodos para anestesia tópica das vias aéreas são: o gargarejo com 5 ml de lidocaína 2% por um minuto (sem deglutição), ou bochecho/gargarejo com 5 ml de lidocaína 2% viscosa que por suas propriedades (é mais oleosa) permanece por mais tempo em contato com a mucosa. Outra opção é o gotejamento de 0,2 ml/kg (máximo de 20 ml) de lidocaína 1,5% na porção posterior da língua8. Na intubação nasotraqueal às cegas ou por fibroscopia, a instilação de 10 ml de lidocaína 2% viscosa através da narina escolhida 18 alguns minutos antes tem demonstrado resultados satisfatórios. e. Anestesia translaríngea14: consiste na introdução de anestésico local diretamente na laringe, através de injeção através da membrana cricotireóidea, de maneira a atuar de forma tópica sobre as estruturas supraglóticas, traquéia e carina (figura 33). A sensibilidade desta área é dada pelo nervo laríngeo recorrente, ramo do vago. Dispersão do anestésico local após injeção transcricotireóidea. Figura 33. Emprega-se preferencialmente 2 ml de lidocaína hiperbárica a 5% (apresentação para raquianestesia) associada a 2 ml de lidocaína 2%, totalizando 4 ml ou 140 mg. Na falta da lidocaína a 5% hiperbárica, utilizar a lidocaína 2% a um volume de 4-5 ml. Por causar uma reação irritativa imediata, esta técnica deve ser evitada nos pacientes com alguma contra-indicação para tosse ou movimentos cervicais bruscos. É importante lembrar que a anestesia tópica obtida irá durar de 10 a 20 minutos. Complicações: sangramento, enfisema subcutâneo e lesão de traquéia. Técnica para anestesia translaríngea (figura 34): 1. Paciente posicionado com o pescoço em extensão. 2. Palpar e localizar a membrana cricotireóidea; miolo final 0k 41 Black 10/22/04, 12:41 PM 42 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Identificando membrana cricotireóidea. Figura 34. 3. Posicionar a agulha em direção cefálica a um ângulo de 45º com a pele; 4. Puncionar a membrana cricotireóidea em sua linha média, preferencialmente através de um cateter venoso de pequeno calibre-20G, tipo “extracath” (na falta deste, pode-se usar uma agulha 30 X 8), conectado a uma seringa de 5 ml com 4-5 ml de solução anestésica; 5. A aspiração imediata de ar indica seu correto posicionamento na luz da laringe; 6. Avançar a parte plástica do cateter venoso, removendo o mandril; 7. Cuidadosamente engatar novamente a seringa no canhão plástico do cateter venoso; 8. Nova aspiração para confirmar a localização; 9. Pedir ao paciente para realizar uma inspiração profunda, injetando rapidamente o anestésico local no final desta. Normalmente o indivíduo irá tossir imediatamente após a injeção, o que ajuda a espalhar o anestésico local pela laringe e traquéia; 10. Se indicado, este cateter pode ser deixado no local até o término das manobras de intubação, para o caso de haver necessidade de uma suplementação na dose de anestésico local. 2. Bloqueios nervosos da laringe: São técnicas utilizadas para complementar a anestesia da via aérea, acima das cordas vocais19: Bloqueio do laríngeo superior20,21: O laríngeo superior, ramo do vago é responsável pela sensibilidade da epiglote, aritenóides e cordas vocais, podendo ser anestesiado no ponto em que transfixa a membrana tireóidea para o interior da laringe. Normalmente, o bloqueio do laríngeo superior dura de 20 a 30 minutos com o uso de lidocaína simples, mas é possível que se estenda por até duas horas se for usado este agente com adrenalina. Como este bloqueio pode persistir ainda por algum tempo após o término de procedimentos curtos, o paciente poderia nesta situação estar exposto a um maior risco de aspiração pulmonar, até que suas funções de proteção retornem por completo. Para realizar esta técnica: 1. Paciente em decúbito dorsal horizontal, com os braços estendidos lateralmente ao corpo, e a cabeça posicionada em extensão máxima, com a finalidade de aumentar o espaço entre o osso hióide e a membrana tireóidea; 2. Assepsia e localização do osso hióide e cartilagem tireóidea; miolo final 0k 42 Black 10/22/04, 12:41 PM Via aérea difícil - 43 3. O anestesiologista localiza o osso hióide e com cuidado o desloca para o lado a ser bloqueado (figura 35). A punção é feita com uma agulha 30 X 6 dirigida à parte inferior do grande corno do osso hióide, superior à cartilagem tireóide, o mais posteriormente possível (figura 36). A agulha deve estar a um ângulo de 45° com a pele; Bloqueio do nervo laríngeo superior: punção dirigida à parte inferior do grande corno do osso hióide, agulha em ângulo de 45° com a pele. Figura 35. Punção dirigida à parte inferior do grande corno do osso hióide, superior à cartilagem tireóide, o mais posteriormente possível. Figura 36. 4. Após esse contato, a agulha é dirigida em direção caudal, o suficiente para desviar do osso hióide. É possível sentir a resistência de membrana tireóidea ao penetrá-la com a agulha; 5. Injetam-se 3 ml de solução de Iidocaína 1%, sem adrenalina, depois de uma aspiração cuidadosa; 6. O mesmo procedimento deve ser repetido no lado oposto. Nesta técnica, é preciso atenção para não inserir a agulha através da cartilagem tireóide, uma vez miolo final 0k 43 Black 10/22/04, 12:41 PM 44 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia que sempre há o risco de injeção do anestésico local nas cordas vocais, causando edema e possível obstrução respiratória. A artéria carótida deve ser identificada e afastada para minimizar o risco de hematomas. Em raras vezes foram relatadas complicações com esta técnica, como hipotensão e bradicardia, que poderiam ser explicadas pela apreensão e subseqüente reação vaso-vagal pelo estímulo doloroso; pressão digital no seio carotídeo contralateral, excessiva manipulação da laringe desencadeando reflexo vagal; injeção intravascular acidental de anestésico local e estimulação direta de ramo do vago pela agulha. As contra-indicações do bloqueio do nervo laríngeo superior são: anatomia desfavorável, infecção local, presença de tumor, coagulopatia e risco de aspiração do conteúdo gástrico. Bloqueio do glossofaríngeo (IX par)14,22: O nervo glossofaríngeo é responsável pela sensibilidade da mucosa oral e faríngea, e também do terço posterior da língua. Seu bloqueio minimiza o reflexo do vômito, o chamado “gag reflex”. Bloqueio do glossofaríngeo: abordagem posterior 1. Paciente em posição sentada, com abertura máxima da boca. Instilar anestésico tópico na cavidade oral e na língua. 2. Expor os pilares amigdalianos através de um abaixador de língua. 3. Introduzir agulha amigdaliana 23G (aproximadamente 1 cm) no ponto médio do arco palatofaríngeo, na mucosa lateral da faringe (figura 37). Injeção do anestésico local no ponto médio do arco palatofaríngeo, na mucosa lateral da faringe. Figura 37. 4. Após cuidadosa aspiração, injetar 3 ml de lidocaína 2% com adrenalina. Algumas complicações têm sido relatadas, como: cefaléia, abscesso faríngeo, paralisia dos mús- miolo final 0k 44 Black 10/22/04, 12:42 PM Via aérea difícil - 45 culos faríngeos com obstrução respiratória, hematoma, arritmias, convulsões e injeção intra-arterial. 5. Repetir o mesmo procedimento no lado oposto. Intubação nasal às cegas: Intubação nasotraqueal (INT) realizada às cegas é uma opção indicada em casos onde o acesso pela via oral é difícil, ou mesmo impossível (restrição de abertura da boca ou imobilidade cervical), alto risco de aspiração pulmonar e instabilidade hemodinâmica. Apesar da via nasal atualmente ser menos utilizada, a INT ainda pode ser uma alternativa útil em situações em que outras técnicas de IT falharam e o paciente ainda preserve sua ventilação espontânea. Contra-indicações: apnéia, corpo estranho em via aérea superior, coagulopatias, uso de anticoagulantes, fratura facial, fratura de base de crânio, hematoma cervical, obstrução nasal e epiglotite aguda. A INT pode ainda induzir a agitação, movimentos cervicais, vômito e aumento da pressão intracraniana, efeitos indesejados em pacientes de trauma. A ausculta da respiração através do tubo traqueal é um importante indicador do posicionamento de sua ponta. Por este motivo, a INT às cegas não é uma técnica indicada para pacientes em apnéia23. A vantagem principal da INT às cegas é a de ser um procedimento simples, que quando funciona depende apenas de um tubo e lubrificante. As complicações possíveis, que incluem epistaxe (6% dos casos), perfuração retrofaríngea com dissecção de submucosa com formação de falso trajeto, bacteremia, sinusite e sepse podem ser classificadas como desvantagens do método. Técnica: 1. Após o preparo para intubação acordado, examinar as narinas e preferencialmente escolher a direita (desde que não haja obstrução) para a passagem do tubo. 2. Selecionar o maior tubo traqueal que passe pela narina sem provocar trauma (geralmente um tamanho menor em 1 a 1,5 mm do que aquele TT indicado para IOT). 3. Paciente preferencialmente em posição olfativa. 4. instilar vasoconstritor nasal em ambas as narinas (contrai a mucosa, reduzindo seu volume, desta forma minimizando trauma e a ocorrência de epistaxe). 5. Lubrificar bem o tubo e a narina com gel de lidocaína 2%. A instilação prévia de 10 ml de lidocaína 2% viscosa através da narina selecionada melhora em muito a tolerância do paciente a estas manobras. Obs.: O TT plástico pode ser amaciado se for previamente mergulhado em água quente por alguns minutos. Esta manobra simples diminui bastante a incidência de trauma nasal e sangramento. 6. Inserir o TT suavemente através da narina (com o bisel voltado para o septo, para não traumatizálo e nem aos cornetos). 7. Avançar este TT até que se ouça sons da respiração. Neste ponto, o TT deverá estar logo acima das cordas vocais. 8. Ao mesmo tempo em que o paciente é solicitado para uma inspiração profunda, o TT é suavemente introduzido, enquanto se aplica compressão externa na cartilagem cricóide. 9. Insuflar o balonete e confirmar intubação. Somente 60% a 70% das intubações às cegas são bem-sucedidas na primeira tentativa. Quando a tentativa de intubação nasal às cegas não tiver êxito, considerar que o TT possa estar desviando lateralmente para o seio piriforme ou posteriormente às cordas vocais, no esôfago. Recomendações durante INT às cegas: • se o TT entrar no esôfago: recuar o TT, intensificar levemente a extensão da cabeça e repetir as manobras de inserção; miolo final 0k 45 Black 10/22/04, 12:42 PM 46 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia • se o TT impactar anteriormente: recuar o TT, flexionar levemente a cabeça e reinserir o TT (manobra de Macintosh); • TT lateralmente no seio piriforme: nesta situação palpa-se um maior volume neste lado. Recuar o tubo repetindo a manobra, agora com um deslocamento lateral da laringe para o mesmo lado em que anteriormente sua ponta se alojou. Uma flexão e rotação cervical neste mesmo sentido (caso não seja contra-indicado), ou rotação medial do tubo, pode também ser útil. • considerar a passagem de uma sonda 18G de aspiração ou gástrica pelo interior do TT e com sua ponta ultrapassando em 3-4 cm o final do TT, no intuito desta, ao atingir antes a traquéia, funcione como um “guia” para o próprio TT. • usar um TT especial com a ponta móvel articulada do tipo “Endoflex ou Endotrol”. • usar um TT de diâmetro ainda menor e previamente amolecido por imersão em água quente; • fixar e tracionar a língua para fora ou colocar o paciente em posição sentada. A decisão de abandonar a técnica em presença de dificuldades não deve ser postergada, pois tentativas prolongadas de intubação levam a hipoxemia e aparição de edema de glote devido ao trauma repetido. Intubação traqueal por fibroscopia24: A intubação traqueal com o uso do fibroscópio é uma técnica muito eficiente para a intubação difícil. Quando bem conduzida, é bem aceita pelos pacientes, sendo menos traumática e com menor resposta cardiovascular comparativamente a outros métodos de IT “acordado”. A fibroscopia possibilita IT tanto por via oral quanto nasal, e em todas as faixas etárias. Tem a vantagem de permitir a avaliação da via aérea antes da intubação, evitar a intubação esofágica ou endobrônquica não reconhecida, além de confirmar o adequado posicionamento na traquéia do TT. Muitos autores acreditam que a IT por fibroscopia deveria ser empregada como primeira opção sempre que um caso de IT difícil fosse antecipado, e não como um método alternativo, ou de reserva, após a falha de técnicas convencionais. A via nasal é usualmente a escolhida para fibroscopia, uma vez que a anatomia da nasofaringe favorece o correto alinhamento e a passagem do aparelho. O acesso por via nasal permite que a laringe seja visualizada a uma maior distância (nasofaringe), e a passagem do aparelho pela glote se faça de forma mais direta, apenas com uma ligeira flexão da ponta do fibroscópio, ao contrário da via oral, onde as curvas são mais acentuadas. O laringoscópio básico de fibra óptica (figura 38) é composto de25: 1. fonte e cordão de luz (ausente quando a fonte de luz for junto ao corpo); 2. corpo com ocular, anel de foco, acesso ao canal de trabalho e alavanca de controle de flexão da extremidade distal; 3. tubo de inserção passivamente flexível com cerca de 60 cm de comprimento e 4 mm de diâmetro (o modelo para adulto; o pediátrico tem cerca de 2 mm, mas não possui o canal de trabalho), sendo a extremidade distal ativamente flexível. O canal de trabalho pode ser usado para insuflação de oxigênio (até 2-3 l/min, o que suplementa a oferta de O2 e afasta secreções da lente do fibroscópio), também para sucção, injeção de anestésico local (“spray as you go”) ou passagem de um fio-guia metálico, que após sua introdução na traquéia irá servir para conduzir o TT. miolo final 0k 46 Black 10/22/04, 12:42 PM Via aérea difícil - 47 Componentes do laringoscópio de fibra óptica: A. campo de visão; B. amplitude de flexão da ponta; C. tubo de inserção; D. acessos de entrada do canal de trabalho; E. alavanca de controle de flexão da ponta. Figura 38. Iniciando a fibroscopia: A “posição olfativa” clássica ideal para a laringoscopia direta, não é a mais adequada para fibroscopia, a melhor é aquela com o paciente em decúbito dorsal horizontal, sua cabeça posicionada em extensão e a mandíbula elevada anteriormente (figura 39), para deslocar a epiglote da parede posterior da faringe26,27. Posicionamento para fibroscopia. Notar o tubo endotraqueal já montado no fibroscópio. Figura 39. Este procedimento é melhor efetuado com o paciente “acordado”, uma vez que a ventilação espontânea não só tende a manter as vias aéreas abertas, como a fonação ou inspiração profunda ajuda na localização da glote quando a anatomia estiver alterada28,29. Na fibroscopia por via oral, é imprescindível o uso de uma cânula orofaríngea protetora de mordida e que auxilie a progressão do aparelho na linha média (figura 40) como as de Ovassapian, Williams ou a de Patil-Syracuse26-29. miolo final 0k 47 Black 10/22/04, 12:42 PM 48 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Cânulas orofaríngeas para fibroscopia: A. Luomanen; B. Berman; C. Ovassapian; D. Williams. Figura 40. Máscara laríngea como guia para o fibroscópio. Notar a nova ML sem trabéculas. Figura 41. Uma boa alternativa como guia para a fibroscopia e intubação traqueal é o uso de uma máscara laríngea (ML) (figura 41) previamente inserida. A ML em posição é uma excelente via pela qual o fibroscópio pode ser orientado até a laringe e traquéia, transpondo por este meio secreções e os obstáculos anatômicos da oro e hipofaringe30. Os tamanhos de máscara laríngea e tubo traqueal correspondentes estão especificados na tabela 3. Novos tipos de ML que não tenham trabéculas facilitam a visualização da laringe e a passagem do fibroscópio e do TT. Tabela 3. Tamanhos de máscara laríngea e tubo traqueal Tamanhos de máscaras laríngeas (ML) p/ uso em fibroscopia ML Peso (kg) Volume cuff (ml) Fibroscópio (mm) n.º 3 n.º 4 n.º 5 30-50 kg 50-70 kg 70-100 kg 15-20 ml 25-30 ml 30-40 ml 5 mm 5 mm 5 mm TT (DI-mm) 6,0 c/cuff 6,0 c/cuff 7,0 c/cuff Dificuldades com a fibroscopia: A mais freqüente é o obscurecimento da visão por secreções (cor branca), tecidos (cor rosa: fossa piriforme, faringe, mucosa bucal) ou sangue (cor vermelha), a miolo final 0k 48 Black 10/22/04, 12:42 PM Via aérea difícil - 49 perda da linha média e falha no reconhecimento das estruturas26,27,30-32. As indicações para uso do laringoscópio de fibra óptica com o paciente “acordado” são33: • intubação difícil prevista; • trauma (de vias aéreas superiores - hematomas, lacerações; de coluna cervical – instabilidade; de face – pequena abertura da boca, hematomas, lacerações); • anormalidades congênitas de vias aéreas; • história de intubação difícil; • trismo devido a problema mecânico (anquilose de articulação temporomandibular); • vértebra cervical instável. O uso do fibroscópio é contra-indicado nas seguintes situações32: • presença de quantidade excessiva de sangue ou secreções nas vias aéreas superiores, que irão dificultar a visão de campo e diminuir as chances de sucesso (relativa); • ventilação inadequada através do conjunto bolsa e máscara, de forma que não seja possível manter no tempo requerido uma oferta satisfatória de oxigênio necessária para o término das manobras de intubação (absoluta). Como principais causas de falhas podemos citar28: • falta de treinamento e experiência; • presença de secreções e sangue; • anestesia local inadequada; • espaço reduzido entre a ponta da epiglote e a parede faríngea posterior (epiglote grande e frouxa, massa ou cisto supraglóticos, inflamação ou edema da orofaringe); • deformidade severa de flexão da coluna cervical; • anatomia das vias aéreas distorcida; • inabilidade para avançar o TT ou retirar o fibroscópio. Desvantagens da fibroscopia - estão principalmente relacionadas ao alto custo do equipamento, sua manutenção, limpeza e desinfecção. Além de demandar tempo de treinamento mais longo para que se adquira experiência com o método28. As seqüelas observadas, como dor de garganta, rouquidão, trauma tissular, sangramento, laringoespasmo, broncoespasmo e aspiração são praticamente as mesmas da laringoscopia convencional31. Intubação retrógrada: A intubação retrógrada (IR) consiste na passagem retrógrada para a traquéia, por via oral ou nasal e às cegas, de um TT guiado por um fio ou cateter previamente introduzido através da membrana cricotireóidea e aflorado na orofaringe34,35,36. A IR é uma técnica indicada para as situações eletivas onde uma VAD tenha sido antecipada. Também é uma das opções nos casos de impossibilidade de intubação após indução da anestesia, quando a ventilação com máscara facial é ainda possível. A IR nunca deve ser utilizada em casos de emergência do tipo “não intubo, não ventilo”. Como contra-indicações da IR podemos citar: dificuldade na palpação da membrana cricotireóidea (tumoração, obesidade, severa deformidade anatômica), patologia na laringe (neoplasia ou estenose), infecção (abscesso pré-traqueal) e coagulopatias. miolo final 0k 49 Black 10/22/04, 12:42 PM 50 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Punção da membrana cricotireóidea em um ângulo de 90° com a pele e aspiração de ar para confirmar localização. Cateter venoso posicionado em direção cefálica em um ângulo de 45° com a pele. Figura 43. Figura 42. Introdução do fio-guia aramado pelo interior do cateter plástico. Fixação da extremidade distal do fio-guia com uma pinça cirúrgica. Figura 44. Figura 45. Introdução do fio-guia pelo interior do TT. Introdução do TT. Figura 46. Figura 47. miolo final 0k 50 Black 10/22/04, 12:42 PM Via aérea difícil - 51 Tubo traqueal fazendo pressão na membrana cricotireóidea. Figura 48. Retirada do fio-guia aramado e introdução do tubo traqueal. Figura 49. miolo final 0k 51 Black 10/22/04, 12:42 PM 52 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Técnica: 1. Preparo do paciente para intubação acordado; 2. Administrar O2 suplementar durante todo o procedimento; 3. Quando possível, posicionar o paciente com a cabeça em extensão; 4. Anti-sepsia e assepsia da região cervical anterior; 5. Identificar a membrana cricotireóidea e infiltrar a região com anestésico local; 6. Puncionar a membrana em um ângulo de 90° com a pele (figura 42), confirmar correta localização pela aspiração positiva para ar. A agulha deve ter calibre adequado para permitir a passagem do fio-guia. Os kits comerciais incluem fio-guia aramado com extremidade distal em “J” e tubo dilatador que facilitam a técnica. Na ausência destes materiais, pode-se realizar este procedimento com cateter venoso 18G, fioguia aramado usado em hemodinâmica, ou até mesmo cateter de peridural. 7. A agulha ou o cateter venoso deve ser cuidadosamente posicionado em direção cefálica, em um ângulo de 45° com a pele (figura 43). Aspirar novamente para confirmar posição; 8. Retirar a agulha (mandril) do cateter venoso e progredir apenas o cateter plástico; 9. Introduzir o fio-guia aramado pelo interior do cateter plástico, iniciando pela extremidade em J, até emergir pela boca (figura 44); 10. Usar o laringoscópio para visualizar o fio-guia no interior da boca e uma pinça Magill para exteriorizá-lo; 11. Retirar o cateter venoso e fixar a extremidade distal do fio-guia com uma pinça cirúrgica (figura 45); 12. Passar o fio-guia pelo interior do TT (preferencialmente através do olho de Murphy) (figura 46); 13. Tensionar as duas extremidades do fio-guia e escorregar o TT até sentir que o mesmo toque a parede anterior da traquéia (figura 47), fazendo pressão sobre a membrana cricotireóidea (figura 48); 14. Colocar o paciente com a cabeça em posição neutra; 15. Retirar a pinça que fixava a extremidade distal do fio-guia; 16. Retirar o fio-guia aramado e, simultaneamente introduzir o TT em direção à traquéia (figura 49); 18. Confirmar a intubação. As possíveis complicações da IR incluem: sangramento, enfisema subcutâneo, laringoespasmo, perfuração esofágica, lesão de cordas vocais, edema de laringe, hemoptise, hematoma intratraqueal, infecção, traqueíte e fístula traqueal. Intubação com estilete luminoso (EL): O estilete luminoso (EL) é um guia maleável de intubação que possui em sua extremidade distal uma pequena lâmpada (figura 50), que ilumina e permite a visualização dos tecidos moles do pescoço (princípio da transiluminação), no intuito de direcionar a ponta de um tubo endotraqueal para a traquéia.36 miolo final 0k 52 Black 10/22/04, 12:42 PM Via aérea difícil - 53 Estilete luminoso guia maleável de intubação. Figura 50. O EL é indicado naqueles pacientes com características anatômicas que interferem com o adequado alinhamento dos eixos durante a laringoscopia direta, na intubação acordado e em situações de VAD após indução da anestesia quando a laringoscopia direta é impossível, mas a ventilação com máscara facial é eficiente. Por exemplo: anquilose da articulação temporomandibular, mandíbula hipoplásica, incisivos proeminentes, glossomegalia, limitação de movimento da coluna cervical ou acesso restrito às vias aéreas (tração, coletes, armação esterotáxica, etc.). A emergência em via aérea “não intubo, não ventilo” é uma contra-indicação dessa técnica, pois esta requer tempo para sua execução. Este método é menos efetivo em pacientes nos quais a transiluminação anterior do pescoço não seja adequada, como aqueles com obesidade mórbida ou com limitada extensão cervical. Preparação: 1. Lubrificar o estilete; 2. Introduzi-lo no interior do tubo traqueal, com o bulbo da lâmpada próximo ao bisel. A extremidade do estilete deve sempre ficar no interior do tubo traqueal; 3. Moldar o conjunto TT e estilete com a ponta formando um ângulo de 90° (“taco de hóquei”) com o comprimento equivalente à distância mento – ângulo da mandíbula do paciente (figura 51); 4. Lubrificar a ponta do TT. Preparo inicial do estilete luminoso: ponta angulada em 90º, o tamanho da ponta equivale à distância mentoângulo da mandíbula. Figura 51. miolo final 0k 53 Black 10/22/04, 12:42 PM 54 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Posicionamento: Para este procedimento é indicado que o paciente permaneça com a cabeça e o pescoço em posição neutra, mas em alguns casos a extensão da cabeça poderia oferecer uma melhor visualização. O uso de coxins nos ombros e pescoço é útil em pacientes obesos ou de pescoço curto. Estilete luminoso a tração da língua pode facilitar sua inserção. Figura 52. Técnica: 1. Com o indivíduo em posição supina, a mandíbula é tracionada para cima. Esta manobra eleva a língua e epiglote, facilitando a intubação. 2. O conjunto EL + TT é inserido na orofaringe e posicionado na linha média (figura 52). 3. Avançar o conjunto cuidadosamente até que por transiluminação seja observado um ponto luminoso mais intenso na região cervical. Quando a ponta do estilete entra na abertura glótica, uma área iluminada bem definida é vista na região cervical anterior logo abaixo da proeminência laríngea. Procurar pelo ponto de maior intensidade luminosa. 4. Mantendo o TT em posição, retrair o EL por 5-10 cm deixando assim o TT mais maleável, o que facilita seu avanço para a traquéia. 5. Inserir o conjunto EL + TT para a traquéia até que a luminosidade apareça na fúrcula esternal. Neste ponto, o tubo traqueal se situa entre as cordas vocais e a carina, deslizar o TT e retirar o EL. Complicações: Há poucos trabalhos publicados sobre complicações com o uso de EL e as que ocorreram foram geralmente leves, como: sangramento, dor, rouquidão e disfagia. Alguns casos de trauma da cartilagem aritenóide foram também relatados. Rouquidão após intubação traqueal pode ser sinal de subluxação das aritenóides, e casos suspeitos devem ser acompanhados por otorrinolaringologista37. Estiletes Ópticos Visuais para Intubação: Novos recursos para fibroscopia estão disponíveis miolo final 0k 54 Black 10/22/04, 12:43 PM Via aérea difícil - 55 através de dispositivos de menor custo e que necessitem menor tempo de aprendizado, dentre estes estão os chamados: “Estiletes Ópticos Visuais”. Os Estiletes Ópticos Visuais incorporam a vantagem da visualização de imagem por fibroscopia, juntamente com o pequeno diâmetro e a forma dos estiletes de intubação clássicos (guia iluminado, guias metálicos, “bougies”) amplamente conhecidos (figura 53). Uma revisão na experiência clínica indica que os estiletes ópticos são também úteis em casos de intubação difícil. Estilete Óptico Visual – incorpora a imagem por fibroscopia com o pequeno diâmetro e a forma dos estiletes de intubação clássicos. Figura 53. Atualmente existem vários modelos de estiletes ópticos comercialmente disponíveis: Shikani Seeing Stylet®, Bonfils fiberscope®, Machida Portable Stylet Fiberscope®, Video-Optical Intubation Stylet entre outros. Um dos mais comuns e exemplo típico de Estilete Óptico é o de Shikani (Shikani Optical Stylet - SOS): O estilete óptico Shikani (SOS) (figura 54) combina a função de estilete luminoso com fibroscópio nos tamanhos adulto e pediátrico38,39. Componentes do estilete óptico Shikani. Figura 54. É constituído por um tubo de aço inoxidável maleável com 4,3 mm de diâmetro com sua ponta em forma de “J”. Dispõe de um sistema interno duplo de fibra óptica, um capaz de transmitir luz e outro para visualização. Um fixador móvel com um encaixe para o conector do TT ajusta a posição deste tubo no estilete e ao mesmo tempo serve para administrar O2 diretamente ao seu interior. O conjunto é selado, possibilitando sua limpeza e esterilização. O estilete óptico tem basicamente as mesmas indicações do estilete luminoso convencional: miolo final 0k 55 Black 10/22/04, 12:43 PM 56 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia intubação acordado e as situações de VAD onde, após indução da anestesia a intubação por laringoscopia direta não é possível, mas a ventilação sob máscara facial ainda é viável36. A emergência em via aérea “não intubo, não ventilo” é uma contra-indicação a esta técnica, pelo maior tempo exigido para sua execução. Técnica40: 1. Lubrificar o estilete e aplicar substância antiembaçante na lente distal, ou previamente ao uso, mergulhar sua ponta em água quente por alguns minutos. 2. Posicionar o estilete no interior do TT (figura 55). A lente distal não deve ultrapassar a ponta do TT, posicioná-la a 5 mm do bisel. Estilete posicionado a 5 mm do bisel do tubo traqueal. Figura 55. 3. A elevação da mandíbula facilita a progressão do aparelho. Muitas vezes a tração da língua também ajuda na intubação. 4. Inserir inicialmente o estilete + TT na orofaringe pela rima labial direita, deslocando todo o conjunto para a linha média. 5. O “SOS” deve ser inserido em um movimento circular, tangenciando a língua e procurando sempre se preservar a linha média. 6. Nesta progressão procura-se reconhecer por visão direta as estruturas laríngeas presentes no trajeto, como a epiglote, aritenóides, cordas vocais e traquéia. A introdução continua até que a ponta do estilete passe por entre as cordas vocais e atinja a traquéia. Um bom referencial de um correto posicionamento é a visualização dos anéis traqueais. 7. Uma vez confirmada a posição do “SOS”, o TT é liberado de seu fixador e desliza pelo estilete até a traquéia sob visão direta. 8. Remover o estilete e confirmar a intubação. Lembretes importantes: A dificuldade técnica comumente encontrada com o uso dos estiletes ópticos é sua inserção muito profunda, geralmente direcionado ao esôfago. A epiglote deve ser inicialmente identificada como ponto de referência. Após a epiglote ser ultrapassada, normalmente já se visualiza as cordas vocais. Caso não se consiga identificar estruturas de referência, como a epiglote, cordas vocais ou anéis traqueais, o estilete deverá ser retraído e todo o processo reiniciado. Uma maior extensão cervical poderá ser útil em alguns casos. miolo final 0k 56 Black 10/22/04, 12:43 PM Via aérea difícil - 57 Guias para intubação traqueal: Os estiletes-guias foram desenvolvidos com a finalidade de auxiliar a intubação sob laringoscopia direta, ao direcionarem com maior facilidade um TT para a traquéia. O uso destes guias introdutores é particularmente útil, para superar três situações comumente encontradas durante intubações traqueais difíceis41: a. visualização incompleta da glote (a ponta mais fina e angulada para cima do introdutor, pode ser orientada com maior facilidade para a laringe, mesmo às cegas); b. o maior tamanho relativo do TT dificultando a visão da fenda glótica (por ser bem mais estreito que o TT, a passagem do guia introdutor em direção à glote é melhor percebida); c. dentes protrusos, forçando o TT a seguir um caminho mais tortuoso da boca até a abertura glótica (um guia mais fino passa com mais facilidade por este trajeto). Conhecidos desde a década de 40 como “gum elastic bougies”, atualmente são chamados guias introdutores de “Macintosh-Venn-Eschmann” em homenagem a seus idealizadores42,43. São fabricados em plástico (preferencialmente Teflon®), com comprimento de 35 a 65 cm, diâmetro externo variando de 2,8 a 5 mm com sua extremidade distal angulada em aproximadamente 30° a 40°, assumindo formato de “J” (taco de hóquei) (figura 56). Guia “Macintosh-Venn-Eschmann” Figura 56. Estes artefatos, apesar de sua simplicidade, estão entre os instrumentos mais importantes no auxílio da intubação traqueal, principalmente nos casos de laringoscopia com classificação Cormack Lehane grau II (onde somente a parte posterior da glote (aritenóide) é visualizada), grau III (apenas a epiglote pode ser visualizada – nenhuma porção da glote é visível) e até mesmo no grau IV. Existem modelos comerciais que além de servirem de guia para IT possibilitam uma oferta de O2 através de sua luz durante as manobras de laringoscopia. Técnica: 1. Laringoscopia com classificação Cormack - Lehane grau II ou III. 2. Avançar apenas o instrumento (sem o TT) com sua extremidade angulada voltada anteriormente. 3. Se possível, tentar visualizar a ponta curva do guia passando posteriormente à epiglote; caso contrário, direcioná-la “às cegas” para cima, na tentativa de que se encaminhe para a abertura glótica, e daí progrida para a traquéia. Se não houver resistência, continue a avançar o guia mantendo a linha média. 4. Ao se ultrapassar a abertura glótica e deslizar através da laringe até a traquéia, em 90% das vezes é possível perceber “cliques” quando a ponta do guia toca e “salta” os anéis traqueais neste percurso. Se assim for, ele deverá cuidadosamente ser introduzido por mais 15-20 cm, na certeza de que sua ponta fique bem abaixo da glote (figura 57). Ao contrário, caso esta tenha penetrado no miolo final 0k 57 Black 10/22/04, 12:43 PM 58 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia esôfago nada será sentido, uma vez que suas paredes são lisas. Outro indicativo de que o guia está na traquéia é uma resistência à progressão após 24-40 cm causada pelo contato de sua ponta com as vias aéreas menores, o que não ocorre se estiver no esôfago. A presença destes dois sinais é uma forte sugestão de que o mesmo esteja na traquéia44,45,46. Guia posicionado abaixo da glote. Figura 57. 5. Fixar o guia nesta posição mantendo a laringoscopia. Um auxiliar deverá introduzir o TT pela extremidade proximal do guia, deslizando-o através deste até que a extremidade proximal do introdutor seja novamente exposta. Neste momento, o auxiliar mantém o guia firmemente em posição, enquanto o operador controla cuidadosamente o deslizar do TT para a laringe. No caso de ocorrer alguma resistência a esta progressão, e para assegurar que o TT não venha a traumatizar a aritenóide direita neste seu percurso, recomenda-se girar o TT em 90º (1/4 de volta) para a esquerda, antes de que sua ponta ultrapasse a epiglote. 6. Quando o TT estiver corretamente posicionado, retirar o guia. 7. Insuflar o balonete e confirmar a intubação. Complicações: Apesar de raras, foram publicadas algumas complicações com o uso deste introdutor. Em uma delas, após reintubação difícil depois de várias tentativas em pós-operatório imediato de glossectomia (com hematoma e sangramento), ocorreu perfuração na parede lateral da faringe47. Outra seqüela atípica relatada foi a ocorrência de sangramento por trauma à traquéia, com atelectasia do pulmão direito pela presença de coágulos no brônquio correspondente48. O guia introdutor deve ser sempre examinado antes da sua utilização, principalmente os nãodescartáveis, para que a integridade de sua extremidade distal seja confirmada. Há relatos de acidentes em que houve fratura da ponta do guia, com necessidade de broncoscopia para que esta fosse retirada49. Existem vários tipos de guias introdutores no comércio; entretanto, podemos construir um de boa qualidade e com materiais de baixo custo, seguindo as indicações da Dra. Rosemarie M. Johnson no artigo Tips from the Top: CSA Bulletin July-August 1998 e também gentilmente cedidas pelo Dr. James Riopelle, que há anos vem divulgando as vantagens de seu uso, e de como construir estes instrumentos (LSU Medical Center Anesthesiologists at New Orleans’ Charity and University Hospitals)50. miolo final 0k 58 Black 10/22/04, 12:43 PM Via aérea difícil - 59 Como fazer seu próprio “guia” caseiro: 1. Usar um rolo de cabo plástico empregado em construção civil (figura 58), como introdutor de fios de eletricidade em conduítes (encontrado em lojas de material elétrico ou de construção e conhecidos como “Passa-Fio”). Escolher um com diâmetro de aproximadamente 4-5mm. Rolo de material plástico. Figura 58. 2. Cortar no comprimento de 70 cm (figura 59), aparar e lixar as extremidades para que fiquem arredondadas (figura 60). Se for possível, recomenda-se “selar” estas extremidades antes deste acabamento, queimando-as cuidadosamente com uma chama. Isto evita a penetração em sua luz de resíduos e secreções, que dificultariam a posterior limpeza e esterilização desse guia. Cortar 70 cm do rolo de material plástico. Figura 59. Aparar e lixar as extremidades para ficarem arredondadas. Figura 60. 3. Dobrar umas das extremidades (2,5 a 3 cm) em aproximadamente 40º assumindo o formato de “taco de hóquei” (figura 61). miolo final 0k 59 Black 10/22/04, 12:43 PM 60 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Dobrar uma das extremidades em 40° Figura 61. 4. Para maior segurança, marcas de referência em centímetros (10 e 20 cm da ponta) devem ser feitas neste guia com canetas especiais para escrever em plástico ou CD (figura 62). A. guia finalizado, com uma das extremidades em ângulo de 40°; B. guia no interior do tubo traqueal. Figura 62. Recursos especiais: • Laringoscópios especiais • Tubos com ponta articulável Laringoscópios especiais: Articulados - Possuem uma articulação regulável no engate do corpo com a lâmina, o que permite a mudança deste ângulo, e com isso, um acesso mais fácil em pacientes obesos ou com gigantomastia (figura 63). miolo final 0k 60 Black 10/22/04, 12:43 PM Via aérea difícil - 61 Laringoscópio com cabo articulado. Figura 63. Miller - O uso de laminas retas do tipo Miller possibilita uma melhor visualização da laringe em comparação com as lâminas curvas, sendo uma opção em alguns casos de laringoscopia difícil (figura 64). Lâminas de laringoscópio retas tipo Miller. Figura 64. McCoy - É um tipo especial de lamina de laringoscópio com ponta articulada, de forma a melhorar a exposição da laringe (figura 65). Útil em casos de laringoscopia difícil, onde comparativamente às laminas convencionais51-53 leva a uma melhor exposição da laringe em casos Cormack-Lehane graus II e III, mas não com os de grau IV. Lâmina de laringoscópio McCoy, com ponta articulada. Figura 65. miolo final 0k 61 Black 10/22/04, 12:43 PM 62 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Laringoscópio de Bullard. Laringoscópio Wu Scope. Figura 66. Figura 67. Bullard (figura 66)/Wu Scope (figura 67) - São laringoscópios que dispõem de um sistema de fibra óptica rígida combinado a lâminas curvas e retráteis, que permitem a intubação com o paciente em posição neutra. Possibilitam a visualização da abertura glótica mesmo quando há dificuldade no alinhamento dos eixos orofaríngeo e faríngeo-traqueal. Úteis em casos de laringoscopia difícil e principalmente quando não se deseja movimentação cervical, como nos pacientes com espodilite anquilosante, instabilidade cervical, artrite severa, limitação na abertura bucal. Como todos os dispositivos com fibra óptica, o campo visual já restrito é sujeito a maiores limitações na presença de secreção ou sangue54-65. Tubos com Ponta Articulável: EndoFlex e EndoTrol Tubos com recursos especiais foram desenvolvidos no intuito de facilitar a intubação de forma a permitir que um melhor resultado seja alcançado apenas com instrumentos convencionais, minimizando a necessidade do uso de laringoscópios mais caros ou fibroscópios. São tubos que se diferenciam dos comuns por possuírem um fino fio de nylon que desliza através de uma canaleta lateral interna, terminando em um controle deslizante situado na parte proximal do tubo, perto do conector (figura 68). Ao ser acionado, este mecanismo faz com que o ângulo da ponta do tubo possa ser fletido de acordo com o caso, e de forma a assumir uma conformação mais favorável a esta intubação em particular, sem a necessidade de guias externos ou outros instrumentos (figura 69). Este recurso tem se revelado particularmente útil ao permitir manobrar o TT durante a intubação traqueal em pacientes cuja laringe esteja anteriorizada, e também facilita bastante as intubações às cegas. Tubo traqueal com controle deslizante situado na parte proximal do tubo. Flexão da extremidade do tubo traqueal. Figura 68. Figura 69. miolo final 0k 62 Black 10/22/04, 12:43 PM Via aérea difícil - 63 Máscara Laríngea (ML) - A ML é um dispositivo supraglótico para ventilação pulmonar idealizado em 1981 pelo anestesiologista inglês Dr. A.I.J. Brain a partir de exaustivos estudos anatômicos da laringe humana66,67. Tem a forma de um tubo semicurvo, que se inicia em um conector padrão de 15 mm e termina em uma máscara com um suporte periférico inflável, concebida de forma a criar uma vedação hermética à volta da entrada laríngea e possibilitando com isso um acesso às vias aéreas inferiores. Inicialmente empregada apenas no manuseio da via aérea em anestesias convencionais, rapidamente a ML foi consagrada como equipamento indispensável na via aérea difícil2. A enorme vantagem da ML está no fato de dispensar laringoscopia para sua inserção, além da rapidez no acesso e controle da via aérea. Uma vez inserida, a ML se acomoda na hipofaringe com sua face convexa posterior em contato com a parede da faringe, e a anterior na forma de uma pequena máscara inflável se sobrepondo à laringe. Sua ponta se aloja sobre o esfíncter esofagiano superior. A continuidade aérea entre as vias aéreas inferiores e o exterior se faz através de um tubo, de forma análoga a uma sonda endotraqueal (figura 70). A. ML vista posterior; B. ML vista lateral. Figura 70. miolo final 0k 63 Black 10/22/04, 12:44 PM 64 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Atualmente as máscaras laríngeas são fabricadas em silicone especial de padrão médico ou PVC, sendo totalmente isentas de látex. O conceito inicial evoluiu e hoje a ML se apresenta em diversos formatos mais funcionais (figura 71). Exemplos de máscaras laríngeas de diferentes formatos. Figura 71. Máscara Laríngea e o Algoritmo da Via Aérea Difícil - O Algoritmo da Via Aérea Difícil da Sociedade Americana de Anestesiologia2 foi originalmente publicado em 1993, e desde então tornou-se o padrão de excelência mundialmente aceito para o manuseio da VAD. Na época em que este algoritmo estava sendo pesquisado ainda existiam poucos estudos com a ML, que apesar de já reconhecida como um grande avanço no manuseio da VA, inicialmente só foi incluída nesta rotina apenas como uma das alternativas para situações de emergência. Cinco anos mais tarde, a literatura e a experiência com a ML já estavam substancialmente mais desenvolvidas para que sua aplicação no Algoritmo da Via Aérea Difícil fosse revisada. Benumof, em uma importante publicação, considera que pela facilidade em controlar a ventilação e a possibilidade de intubação traqueal por seu intermédio, a ML deveria agora ser indicada em cinco pontos do algoritmo68-70, a saber: 1. ML como conduto para intubação traqueal com fibra óptica no paciente acordado; 2. ML como via aérea definitiva para prosseguir o caso; na situação de não emergência (paciente anestesiado que não pode ser intubado, mas ventila satisfatoriamente com máscara facial); 3. ML como conduto para intubação traqueal com fibra óptica no paciente anestesiado que pode ser ventilado, mas não intubado; 4. ML na situação de emergência “não intubo, não ventilo”, como um dispositivo salva-vidas; 5. ML como conduto para intubação traqueal nos casos “não intubo, não ventilo”. Em outubro de 2002, a Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) publicou uma atualização do Algoritmo da via aérea difícil71 com a ML incluída naquelas situações acima, propostas por Benumof em 1996 (figura 72). miolo final 0k 64 Black 10/22/04, 12:44 PM Via aérea difícil - 65 Máscara Laríngea no Algoritmo ASA 2002. Figura 72. Uso da ML no paciente acordado como recurso para intubação traqueal - Numerosas publicações são favoráveis ao uso da ML como uma opção para intubação traqueal guiada ou não por fibra óptica em pacientes acordados e adequadamente preparados, em relação a métodos altamente estimulantes como a laringoscopia e a broncoscopia rígida. A técnica de inserção da ML por dispensar o uso destes recursos, aliada ao fato de que o seu caminho até o posicionamento final na hipofaringe se dá através de estruturas mais voltadas para a deglutição, fazem com que a ML seja menos reflexógena e portanto, mais tolerada, demandando para a sua inserção um menor grau de anestesia tópica e sedação. As manobras de colocação da ML causam uma menor variação hemodinâmica do que aquelas observadas nos procedimentos comuns de laringoscopia e intubação traqueal. Em posição, a ML tem sua abertura diretamente voltada para a laringe, o que em tese proporciona um acesso direto do TT à glote, e uma visualização privilegiada deste espaço pela fibroscopia óptica. O mais importante é que com o paciente acordado as outras opções de intubação não são eliminadas, e o risco se mantém baixo, mesmo se houver dificuldade na inserção da ML ou do fibroscópio. A tabela 4 relaciona a compatibilidade entre os diferentes tamanhos da ML e os correspondentes tubos traqueais que passam por sua luz70. miolo final 0k 65 Black 10/22/04, 12:44 PM 66 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Tabela 4. Compatibilidade entre o tamanho da ML e o tubo traqueal correspondente Tamanho ML Diâmetro interno do tubo traqueal (DI) n. 1 n. 1,5 n. 2 n. 2,5 n. 3 n. 4 n. 5 3,5 mm 4,0 mm 4,5 mm 5,0 mm 6,0 mm com balonete 6,0 mm com balonete 6,5 - 7,0 mm com balonete Uso da ML como via aérea definitiva na situação de não emergência (paciente anestesiado que não pode ser intubado, mas pode ser ventilado) - Uma das alternativas previstas no Algoritmo da ASA para pacientes anestesiados que não podem ser intubados, mas que ainda podem ser ventiladas com máscara facial, é a de continuar com o procedimento anestésico através da máscara facial. Nestas circunstancias, o uso da ML é uma alternativa comparativamente mais vantajosa que a anterior, mesmo que esta esteja associada a uma cânula orofaríngea. A ML proporciona uma via aérea mais eficiente quanto à ventilação e oxigenação, além de liberar as mãos do anestesiologista para outras atividades importantes, podendo ainda funcionar mais tarde como uma via para uma intubação através de fibra óptica. Uso da ML como conduto para intubação traqueal com fibra óptica no paciente anestesiado, que pode ser ventilado mas não intubado - A ML tem bom desempenho para intubação traqueal (figura 73), tanto no paciente anestesiado como no desperto, uma vez que conserva a VA livre, permitindo a ventilação mesmo durante a passagem do aparelho. A ML também evita a aposição da língua com a faringe, um problema comum da fibroscopia, que faz com que outros artefatos também utilizados na intubação com fibra óptica, como as cânulas de Williams, Ovassapian e Berman, nem sempre funcionem bem em pacientes anestesiados. Máscara laríngea como conduto para fibroscópio. Figura 73. miolo final 0k 66 Black 10/22/04, 12:44 PM Via aérea difícil - 67 Aproveitando que a abertura do bojo do manguito da ML é direcionada para a laringe, em boas condições, uma intubação traqueal com o auxílio de um fibroscópio pode ser realizada muito rapidamente, gastando-se em média 20 a 30 segundos, mesmo em pacientes sob anestesia geral. Uso da ML na situação de emergência “não intubo, não ventilo”, como um dispositivo salva-vidas - Esta talvez seja a situação onde a ML tenha seu maior valor no manuseio da VAD por ser bastante eficaz para assegurar a via aérea em casos de rotina, incluindo pacientes classe III e IV de Mallampati e/ou grau III e IV de Cormack72,73. Daí não ser surpresa que a ML tenha sido reconhecida como um dispositivo “salva-vidas” em situações de emergência “não intubo, não ventilo”. A inserção imediata de uma ML é uma conduta sensata nestes casos, exceto quando patologias de laringe e faringe (tumores, abscessos) impeçam seu correto posicionamento, ou mesmo limitem a troca gasosa. A indicação da ML na situação de emergência “não intubo, não ventilo”, preterindo mesmo o Combitube e a ventilação a jato transtraqueal, reside no fato da ML rapidamente ser capaz de prover na maioria dos casos uma ventilação eficaz e potencialmente menos traumática, além de que sua técnica de inserção já é bem dominada pelos anestesiologistas. Uso da ML como dispositivo para intubação traqueal nos casos “não intubo, não ventilo” - Se a troca gasosa for restabelecida com o pronto uso da ML na situação “não intubo, não ventilo”, consegue-se com isso ganhar um tempo precioso até que outras opções para ventilação possam ser consideradas. Intubação traqueal direta, às cegas através da ML69 - A intubação às cegas pode ser feita com relativo grau de sucesso através da ML em pacientes anestesiados, ou despertos após preparação adequada. Técnica 1. selecionar um tubo traqueal (TT) de diâmetro compatível (tabela 4) e medir seu comprimento em relação à ML, marcando este TT no ponto em que atinja o mesmo tamanho do tubo da ML; 2. inserir a ML de acordo com a técnica usual e insuflar o manguito; 3. confirmar a ventilação através da ML; 4. segurar firmemente o tubo da ML e simultaneamente introduzir através deste, o TT muito bem lubrificado; 5. administrar oxigênio durante todo o procedimento; 6. quando este tubo traqueal estiver saindo através do tubo distal da ML (marca feita no item 1, coincidente com o conector da ML), estender a cabeça para permitir que a ponta deste TT passe anteriormente às aritenóides; introduzir o TT até que se sinta uma resistência, aproximadamente 3 cm mais abaixo; 7. flexionar a cabeça para liberar a ponta do TT da parede anterior da laringe, permitindo sua progressão para a traquéia (manobra de Macintosh); 8. insuflar o balonete do TT e iniciar ventilação manual e certificar seu correto posicionamento, pela ausculta e capnografia; 9. normalmente a ML é deixada em posição com seu manguito desinflado, uma vez que sua retirada pode ser mais difícil com o TT em seu interior. A vantagem da intubação às cegas através da ML é a de ser um método simples, que não requer laringoscópio de fibra óptica. As desvantagens são as mesmas de outras técnicas similares: demora miolo final 0k 67 Black 10/22/04, 12:44 PM 68 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia e um mau posicionamento que podem resultar em trauma e risco de intubação esofágica. Publicações relatam índice de sucesso entre 30 a 93% de intubação às cegas através da ML, dependendo da técnica, experiência, número de tentativas, equipamento utilizado e da aplicação coordenada de pressão cricóide74,75. Contra-indicações ao uso da ML - Em princípio, dadas às características anatômicas do espaço supraglótico, nenhuma das MLs existentes oferece proteção eficaz contra aspiração do conteúdo gástrico. Apesar disto, é interessante notar que a inabilidade no manejo da via aérea difícil, seguida por hipóxia, é o fator responsável por 30% das mortes totalmente atribuídas à anestesia1, enquanto a pneumonite por aspiração, ao contrário, é uma causa bastante infreqüente de mortalidade anestésica. Oitenta e cinco por cento de todas as queixas de má prática relacionadas a problemas respiratórios nos EUA envolveram lesão cerebral ou morte. Ventilação inadequada (33%), intubação esofágica (18%) e intubação traqueal difícil (17%) explicam 68% dessas queixas. A aspiração traqueal representa somente 5% das demandas contra anestesiologistas relacionadas a problemas respiratórios, sendo uma ocorrência incomum da intubação difícil1. Restrições formais da ML76 1. pacientes com maior risco de regurgitação do conteúdo gástrico: a. pacientes que não estejam em jejum; b. hérnia de hiato, obstrução intestinal; c. obesidade extrema ou mórbida; d. gestantes com mais de 14 semanas; e. politraumatizados (estômago cheio); f. pacientes com dor e sob tratamento com opióides; g. neuropatias autonômicas ou qualquer situação em que haja retardo no esvaziamento gástrico; h. estenose pilórica; i. pressão intracraniana aumentada. 2. baixa complacência pulmonar ou alta resistência à ventilação: a. fibrose, DPOC, broncoespasmo, edema pulmonar, trauma torácico; b. grandes tumores cervicais. 3. alterações anatômicas: a. impossibilidade de extensão cervical ou abertura da boca (espondilite anquilosante, artrite reumatóide, instabilidade da coluna cervical); b. afecções faríngeas e orais (abscesso, hematoma, tumor); c. obstrução ventilatória abaixo ou na laringe. As restrições da ML relacionadas a maior risco de regurgitação e baixa complacência pulmonar são clássicas para os casos de rotina. Contudo, nas situações de emergência as vantagens da ML como um dispositivo para garantir vias aéreas superam as contra-indicações. Técnica de inserção da ML76-78 - Uma vez decidido pelo uso da ML, é fundamental que se faça a escolha do tamanho apropriado para o paciente conforme a tabela 5. A ML, pelas suas características como dispositivo de ventilação supraglótica, tem seu sucesso intimamente dependente da correta relação do tamanho de seu manguito com as estruturas perilaríngeas. Se este tamanho não for adequado, a ventilação poderá ser comprometida além da maior possibilidade de vazamentos e complicações, como enchimento gástrico e trauma. miolo final 0k 68 Black 10/22/04, 12:44 PM Via aérea difícil - 69 Tabela 5. Tamanhos de máscara laríngea Tamanho ML Paciente n. 1 n. 1,5 n. 2 n. 2,5 n. 3 (*) n. 4 (*) n. 5 (*) n. 6 Recém-nascido a lactentes até 5 kg Lactentes de 5 a 10 kg Lactentes de 10 kg até pré-escolares de 20 kg Crianças de 20 a 30 Kg Crianças/adolescentes de 30 a 50 kg Adultos de 50 a 70 kg Adultos de 70 a 100 kg Adultos de grande porte (*) Tamanhos MLI - máscara laríngea de intubação. Como desinflar o manguito da ML. Figura 74. 1. Preparo Inicial - Antes do uso, o manguito da ML é totalmente desinflado, de forma que suas bordas fiquem chatas e com formato uniforme (evitando a formação de pregas) (figura 74). Imediatamente antes da inserção, a ML é lubrificada especialmente na face posterior do manguito para facilitar seu deslizar contra o palato e a curvatura da faringe. Esta manobra é feita preferencialmente com geléia neutra hidrossolúvel. 2. Inserção - Manuseie a ML como se fosse uma caneta, com o dedo indicador na junção do manguito e do tubo (figura 75). miolo final 0k 69 Black 10/22/04, 12:44 PM 70 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Posicionar a cabeça e o pescoço como para uma intubação endotraqueal. Em alguns casos, um pequeno coxim sob a cabeça facilita estas manobras. Correto posicionamento para manuseio da ML. Figura 75. Início da inserção da ML. Figura 76. Observar linha preta ao longo do tubo. Figura 77. miolo final 0k 70 Black 10/22/04, 12:44 PM Via aérea difícil - 71 Mantenha o pescoço fletido e a cabeça estendida com uma mão, enquanto com a outra inicie a inserção da ML com sua abertura dirigida para frente e o dorso contra os dentes incisivos do paciente (figura 76). Nesta posição, estando a ML corretamente alinhada, observa-se uma linha preta ao longo do tubo, indicando o lado posterior (convexo) da ML (figura 77). Esta marcação serve de referência e aponta sempre em direção ao nariz do paciente (figura 76). 3. Ainda firmando a ML como se fosse uma caneta e com o dedo indicador na junção do manguito e do tubo, pressione o dorso da ML contra o palato duro de forma que seu coxim esteja aplanado sobre o palato. Antes de continuar com a introdução, verifique se a ponta da ML não está dobrada. O tubo da ML deverá estar quase paralelo em relação ao paciente. Normalmente, a mandíbula se desloca anteriormente apenas com o movimento de báscula da cabeça, expondo a cavidade oral. Se necessário, uma tração anterior complementar da mandíbula pelo próprio anestesista ou assistente facilita a passagem da ML. Durante a inserção da ML, a pressão é sempre feita no sentido posterior, ou seja, em direção ao palato duro e à curvatura da faringe, para que esta mesma guie a ML em seu percurso para a hipofaringe. 4. Com o dedo indicador mantendo pressão contra o palato, a ML é introduzida para baixo, de preferência em um único movimento rápido e confiante (figura 78). Durante este avanço a pressão da face posterior da ML tangenciando o palato e a parede faríngea, deve ser conservada por todo o tempo para evitar o contato da ponta da ML com a epíglote, o que poderia traumatizá-la. Busca-se com esta manobra, inserir a ML o mais profundamente possível na hipofaringe. Dedo indicador pressionando a ML contra o palato durante toda a inserção. Figura 78. 5. A seguir, sem deslocar a ML de posição, use a mão livre para fixar o tubo, enquanto que a outra mão que estava inserindo a ML é retraída da cavidade oral do paciente. Introdução final da ML. Figura 79. miolo final 0k 71 Black 10/22/04, 12:44 PM 72 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Ao mesmo tempo, procure introduzir ainda mais a ML, preferencialmente com um movimento único, até que sinta uma resistência elástica (figura 79). Neste ponto, a ML deverá estar corretamente posicionada, com seu extremo pressionando o esfíncter esofágico superior. 6. Solte a ML, deixando-a totalmente livre. Insufle o manguito com a quantidade de ar recomendada para cada tamanho, de acordo com a tabela 6. Tabela 6. Volume máximo de ar para insuflar o manguito (Nunca exceda os limites volume para cada tipo de ml) Tamanho ML Volume Máximo nº 1 nº 1,5 nº 2 nº 2,5 nº 3 nº 4 nº 5 nº6 4ml 7ml 10ml 14ml 20ml 30ml 40ml 50ml Pressão máxima (60 cm H2O) no manguito da ML. Figura 80. Fixação da ML. Figura 81. miolo final 0k 72 Black 10/22/04, 12:44 PM Via aérea difícil - 73 Utilizando-se o tamanho indicado de ML, normalmente, apenas pouco mais que a metade do volume máximo de ar recomendado (pressão no manguito até 60 cm H2O) será o suficiente para que não haja escape (figura 80). Em dúvida, estes dados se encontram gravados no corpo da ML. Durante o enchimento, é normal se observar um retrocesso de 1 a 1,5 cm do tubo de silicone, devido ao acomodamento do coxim da ML sobre as estruturas supraglóticas. 7. Conecte o circuito ventilatório à ML e assista suavemente a ventilação mantendo a pressão traqueal inferior a 20 cm de H2O, observando a expansão torácica e fazendo ausculta pulmonar, para se ter certeza do correto posicionamento da ML. A fixação da ML é semelhante à de um tubo traqueal. Um protetor antimordedura feito com um pequeno rolo de gaze é colocado entre os dentes, lateralmente à ML. Este cuidado evita que o paciente morda o tubo da ML, o que poderia causar obstrução respiratória e dano ao produto. O conjunto, ML e mordedor, é envolto e fixo por meio de esparadrapo (figura 81). Esta fixação simples permite uma boa estabilidade da ML, evitando que esta gire e saia de posição, além de impedir que o paciente a morda durante seu despertar. Atenção para o correto posicionamento da linha preta longitudinal, que deve estar e permanecer sempre alinhada com o nariz do paciente. Máscara Laríngea Anatômica ou Pré-formada em “L” - São novas ML cujo formato em “L” acompanha a anatomia da orofaringe e faringe de maneira análoga aos antigos tubos endotraqueais do tipo “Oxford”. Esta conformação permite que sua inserção seja rápida, e aparentemente com maior facilidade que as ML convencionais, além de as tornar mais estáveis quando em posição (figura 71). Técnica de Inserção das Máscaras Laríngeas Anatômicas (MLA) 1. Assim como as ML convencionais, o tamanho apropriado de MLA para o paciente deverá ser escolhido de acordo com a tabela 5. 2. Imediatamente antes do uso, o manguito da MLA terá que ser desinflado completamente e de forma uniforme. Para facilitar a progressão pela oro e hipofaringe, sua face posterior deve receber lubrificação feita preferencialmente com um gel hidrossolúvel, que deverá ser espalhado sobre a parede anterior do palato duro, através de movimentos de vai-e-vem. Componentes da máscara laríngea de intubação. Figura 82. miolo final 0k 73 Black 10/22/04, 12:45 PM 74 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia 3. Segurando pelo tubo, deslize a face posterior do manguito da MLA contra o palato duro e em um movimento circular bascule-a suavemente para dentro da cavidade oral, sempre tangenciando o palato duro, introduzindo-a até que seu segmento anterior se aloje totalmente na hipofaringe e uma resistência seja percebida. Neste ponto a MLA estará totalmente inserida e apenas um curto segmento de tubo com seu conector de 15 mm estará exteriorizado. 4. Infle o manguito pneumático até uma pressão de aproximadamente 60 cm H2O, ou no volume máximo recomendado para cada tamanho na tabela 6. Normalmente, apenas a metade deste volume é suficiente para uma vedação adequada. Em dúvida, estes dados se encontram gravados no corpo da MLA. 5. A fixação da MLA é feita da mesma forma que a ML convencional. Máscara Laríngea de Intubação - A Máscara Laríngea de Intubação (MLI) é um recurso para acesso rápido e manutenção das vias aéreas, com opção para ser utilizada como conduto para uma intubação traqueal (IT)79-81. Com a ventilação já assegurada, a MLI pode servir também como guia para passagem de um tubo traqueal (TT) por sua luz, direcionando-o à laringe e traquéia sem a necessidade de laringoscopia e com mínima movimentação cervical, com a vantagem da via aérea ser mantida durante todo o procedimento. A MLI consiste em uma máscara laríngea (ML) montada em um tubo rígido de aço inoxidável em forma de “L” recoberto com silicone, terminando em um conector padrão de 15 mm (figura 82 A e B). Para melhor manuseio do conjunto, uma empunhadura rígida de aço foi adicionada à parte proximal, permitindo que a MLI possa ser inserida e removida com apenas uma das mãos, detalhe importante em situações de difícil acesso do operador à via aérea do paciente. Técnica de inserção da Máscara Laríngea de Intubação 1. A MLI é atualmente disponível em 3 tamanhos, nº 3, 4 e 5; escolher o tamanho apropriado para o paciente conforme a tabela 5. 2. De maneira análoga à ML convencional, antes do uso o manguito da MLI deve ser desinflado completamente e de forma uniforme e sua superfície posterior lubrificada preferencialmente com um Espalhando o lubrificante na parede anterior do palato duro. Deslizando a MLI através de um movimento circular. Figura 83. Figura 84. miolo final 0k 74 Black 10/22/04, 12:45 PM Via aérea difícil - 75 gel hidrossolúvel. Este produto deve ser bem espalhado através de movimentos de vai-e-vem contra a parede anterior do palato duro (figura 83). 3. Bascule, deslizando suavemente a MLI através de um movimento circular único, mantendo sempre o contato de sua face posterior contra o palato e a parede posterior da orofaringe até que esta esteja totalmente inserida na hipofaringe (figura 84). Nunca use a manopla da MLI como alavanca. 4. Infle o manguito pneumático (figura 85) até uma pressão de aproximadamente 60 cm H2O, ou no volume máximo recomendado para cada tamanho na tabela 6. Inflando o manguito da MLI. Figura 85. Técnica para inserir o Tubo Endotraqueal e remover a MLI 1. Com a manopla da MLI fixa, cuidadosamente inicie a passagem do tubo endotraqueal (preferencialmente reforçado, reto e de silicone), bem lubrificado através do conduto de metal da MLI82 (figura 86). Tubos convencionais de PVC, previamente amolecidos por aquecimento em banho-maria, e muito bem lubrificados podem ser alternativamente utilizados, mas com menor índice de sucesso. Certifique-se que o conector do tubo possa ser facilmente removido. A MLI permite a passagem de TT de até 8 mm de diâmetro interno (DI). Início da passagem do tubo traqueal. Figura 86. 2. Avance cuidadosamente o TT até que sua ponta ultrapasse o manguito da MLI (figura 87) e progrida através da laringe para a traquéia. Infle o balão do TT e confirme a intubação. miolo final 0k 75 Black 10/22/04, 12:45 PM 76 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Tubo traqueal posicionado. Figura 87. 3. Retire o conector do tubo e desinfle a MLI. Remova a MLI em um movimento inverso à sua inserção, deslizando a manopla com delicadeza em sentido caudal (figura 88). Use a “barra estabilizadora” ou um guia (figura 89), para manter o TT em posição durante as manobras para a retirada da MLI, até que o tubo possa emergir ao nível dos dentes incisivos. Início da retirada da MLI. Barra estabilizadora. Figura 88. Figura 89. 4. Remova a “barra estabilizadora” e cuidadosamente deixe passar a linha de enchimento do TT e seu balão piloto (figura 90). Final da retirada da MLI. Figura 90. miolo final 0k 76 Black 10/22/04, 12:45 PM Via aérea difícil - 77 5. Recoloque no lugar o conector do TT (figura 91). Verifique novamente a ventilação do paciente e o correto posicionamento do TT. Tubo traqueal em posição. Figura 91. Combitube: É um dispositivo para ventilação que combina as funções de obturador esofágico e tubo traqueal. Foi desenvolvido por Michael Frass em 198783. Combitube e seringas para insuflar os balonetes. Figura 92. O Combitube (figura 92) é um tubo de duplo lúmen com dois balonetes (proximal - orofaríngeo e distal). Um ramo se assemelha a um obturador esofágico, terminando em um fundo cego e com perfurações laterais na altura da faringe. O outro ramo tem sua extremidade distal aberta, de forma similar a um tubo traqueal (figura 93). O Combitube é introduzido às cegas, e devido às suas características, permite uma ventilação adequada independentemente de sua posição final ser esofágica ou traqueal. É fabricado em dois tamanhos: 37F para pacientes de 1,40 a 1,80 m de altura e 41F para os acima de 1,80 m. Este dispositivo é indicado nos casos de VAD “não intubo, não ventilo” como uma das opções de acesso de emergência não-invasivos71. miolo final 0k 77 Black 10/22/04, 12:45 PM 78 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Visão lateral do Combitube. A. lúmen obturador esofágico; B. lúmen traqueal; C. conector longo do lúmen esofágico; D. conector curto do lúmen traqueal; E. perfurações do lúmen esofágico; F. lúmen esofágico com fundo cego; G. abertura distal do lúmen traqueal; H. balonete distal; I. balonete proximal orofaríngeo; J. marca de referência para inserção Figura 93. Técnica de Inserção84,85: 1. O paciente é posicionado em decúbito dorsal horizontal com pescoço em posição neutra (não olfativa) (figura 94). O operador se coloca ao lado da cabeça, com o polegar na orofaringe pinçando a língua contra a mandíbula para obter a maior abertura bucal possível (figura 95). Posicionamento para inserção do Combitube. Figura 94. miolo final 0k 78 Black 10/22/04, 12:45 PM Via aérea difícil - 79 Manobra para obter abertura bucal. Figura 95. 2. Um laringoscópio pode ser usado com a finalidade de elevar a mandíbula, o que facilita a inserção e diminui a incidência de complicações (figura 96). Uso do laringoscópio para facilitar inserção do Combitube. Figura 96. 3. O Combitube é inserido às cegas até que a marca de referência (duplo anel gravado no tubo) esteja alinhada com os dentes incisivos. Insuflar o balonete proximal (orofaríngeo) com 40 a 85 ml para o tamanho 37F e 40 a 100 ml no 41F, selando as cavidades oral e nasal. Em seguida, o balonete distal é insuflado com 5 a 12 ml para o Combitube 37F e 5 a 15 ml, para o 41F (figura 97). Combitube inserido e seqüência de insuflação dos balonetes. Figura 97. miolo final 0k 79 Black 10/22/04, 12:45 PM 80 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia 4. Testar inicialmente a ventilação através do ramo azul (mais longo e cuja extremidade distal termina em fundo cego). Se a ausculta pulmonar for positiva, é sinal que o Combitube ganhou posição esofágica (entrou no esôfago), o que é o mais freqüente, ocorrendo em 94 a 99% das vezes86 (figura 98). Se os sons pulmonares não forem audíveis e o paciente apresentar distensão gástrica, provavelmente o Combitube tenha sido inserido na traquéia. (figura 99). Neste caso, conectar o sistema de ventilação ao ramo transparente (mais curto) e manter a ventilação como um tubo traqueal convencional. Combitube na posição esofágica: a ventilação se faz por orifícios laterais e a aspiração do conteúdo gástrico pelo tubo contíguo. Combitube na posição traqueal: a ventilação se faz através do orifício distal do tubo. Figura 99. Figura 98 Quando a ventilação não for possível pelo ramo azul (o mais longo) e nem pelo branco (o mais curto), provavelmente o Combitube esteja muito introduzido na hipofaringe. Como solução, deve-se desinsuflar os balonetes distal e proximal retroceder o Combitube de 2 a 3 cm. Insuflar novamente os balonetes e verificar a ventilação. Se ainda assim a ventilação não for possível, a conduta é remover o Combitube e reinseri-lo, ou escolher outra alternativa para assegurar a via aérea. As vantagens do uso do Combitube são: 1. necessita de treinamento mínimo, fácil aprendizagem87; 2. permite ventilação satisfatória tanto em posição esofágica como traqueal84,88; 3. efetivo em via aérea difícil e em casos de sangramento 89,90 ou vômitos91 que impeçam a visualização das cordas vocais; 4. sua inserção é rápida, às cegas, com ventilação imediata84,88; 5. não necessita de laringoscópio ou outro instrumento88; 6. exige mínima movimentação cervical84,85,88; miolo final 0k 80 Black 10/22/04, 12:45 PM Via aérea difícil - 81 7. o balão esofágico previne aspiração e permite drenagem efetiva de conteúdo gástrico ou vômitos84. As desvantagens do Combitube86,87 incluem: 1. necessita de pressões altas nos balonetes; 2. não permite acesso à via aérea (aspiração traqueal ou fibroscopia impossível); com exceção de modelos especiais que possuem uma fenda no lugar dos orifícios; 3. não existe tamanho pediátrico. 4. apresenta possibilidade de complicações de alta morbidade e mortalidade. Este dispositivo é contra-indicado 85-87,91 nas seguintes situações: 1. pacientes com altura inferior a 1,40m; 2. reflexos laríngeos presentes; 3. patologia esofagiana conhecida (neoplasia, varizes, estenose e trauma); 4. ingestão de substâncias cáusticas. Há vários relatos de sequelas85,92 ao uso do Combitube, como dor, disfagia, edema, laceração e hematoma de mucosa orofaríngea e edema de língua. As complicações mais graves85,91,93,94 incluem lesão de seio piriforme; enfisema subcutâneo, pneumomediastino, pneumoperitônio e laceração de esôfago evoluindo para mediastinite. A laceração de esôfago é um acidente que pode ter sua incidência diminuída ao se utilizar o Combitube de menor tamanho (37F), inserir sob visão direta (com uso de laringoscópio) e em plano adequado de anestesia85,86. Ventilação a jato transtraqueal (VJTT): A ventilação a jato transtraqueal é realizada através de uma cricotireoidostomia com cateter especial ou cateter-sobre-agulha comum, como os usados em acesso venoso periférico95. É uma técnica relativamente segura e eficaz na situação de emergência “não intubo, não ventilo”. A VJTT é mais rápida, mais simples e apresenta menor sangramento do que a cricotireoidostomia cirúrgica. Entretanto, tem caráter provisório até o estabelecimento de uma via aérea definitiva. A idade não é uma contra-indicação à VJTT, sendo esta a via de escolha para crianças abaixo de 12 anos. Técnica de cricotireoidostomia para VJTT 1. Posicionamento de coxins sob os ombros para maximizar a exposição do pescoço (figura 100), fazer assepsia e anestesia da pele (se a situação permitir). Coxim sob os ombros maximiza a exposição do pescoço. Figura 100. miolo final 0k 81 Black 10/22/04, 12:45 PM 82 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia 2. Imobilizar a laringe entre o polegar e o dedo médio enquanto que o indicador palpa a membrana cricotireóidea (figura 101). Identificando a membrana cricotireóidea. Figura 101. 4. Puncionar na linha média da membrana cricotireóidea (em direção caudal, angulação de 30° com a pele) com cânulas especialmente desenhadas para VJTT ou na falta destas, cateter venoso 14 ou 16G (até mesmo 18G) conectado a uma seringa de 5 ml contendo solução salina (figura 102). Punção da membrana cricotireóidea. Figura 102. 5. Manter pressão negativa na seringa e avançar a agulha até sua passagem pela membrana cricotireóidea e entrada na traquéia. Ar é facilmente aspirado logo que a agulha atinge a traquéia (bolhas de ar no conteúdo líquido da seringa) (figura 103). miolo final 0k 82 Black 10/22/04, 12:45 PM Via aérea difícil - 83 Aspiração positiva para ar indica correto posicionamento na traquéia. Figura 103. 6. Progredir somente o cateter plástico e retirar a agulha. Novamente aspirar ar para confirmar a posição traqueal. 7. Conectar o sistema de ventilação a jato ou manual ao cateter. 8. Acionar o jato de forma intermitente com uma relação de 1:4, para permitir a ventilação com uma troca razoável de gases. Para minimizar o risco de complicações, um assistente deve ser encarregado de manter o cateter em posição correta durante todo o procedimento. Qualquer distração pode acarretar deslocamento do cateter com conseqüências sérias, como: enfisema subcutâneo, pneumotórax e pneumomediastino96. Como utilizar o sistema de ventilação a jato95: O sistema de ventilação a jato possui uma válvula reguladora para o controle da pressão (figura 104). Nunca usar sistemas ligados diretamente à fonte de O2 da sala (figura 105). A pressão máxima deve ser regulada para 25 psi (1,7 kg) e a relação inspiração/expiração (I:E) mantida em 1:4. Componentes do sistema de ventilação a jato. Figura 104. miolo final 0k 83 Black 10/22/04, 12:45 PM 84 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Sistema de ventilação a jato utilizado com válvula reguladora com pressão limitada para 25 psi. Figura 105. Para evitar barotrauma com o uso da VJTT, é muito importante que exista uma saída adequada para os gases (exalação) através de uma via aérea permeável. É recomendável o uso de cânulas naso e/ou orofaríngeas para este fim. Na falta do aparelho próprio para ventilação a jato, é possível oxigenar o paciente com o uso do conjunto balão-válvula ou outros sistemas adaptados de duas maneiras: usando um conector de tubo traqueal de 3 mm diretamente no cateter ou encaixando um conector de tubo traqueal n. 7 no interior de uma seringa de 3 ml sem o êmbolo e conectando esta seringa ao cateter (figura 106, 107 e 108). Adaptação para oxigenação com sistema balão–válvula. Sistemas para oxigenação através do cateter da cricotireoidostomia. Figura 106. Figura 107. miolo final 0k 84 Black 10/22/04, 12:45 PM Via aérea difícil - 85 Sistema simples em “Y” para ventilação através do cateter da cricotireoidostomia. Figura 108. A ventilação VJTT deve ser temporária, pois apesar da oxigenação se manter adequada, há um aumento relativo de PCO2 que em certas ocasiões pode ser significativo. No entanto, este método nos dá tempo para que se estabeleça uma via aérea definitiva. As complicações da VJTT são: enfisema subcutâneo, barotrauma, reflexo de tosse em cada inspiração (pode ser minimizado com injeção de 5 cc de lidocaína a 2% pelo cateter), dobra do cateter, obstrução por secreção ou sangue, punção esofágica e lesão da mucosa pelo uso de gás não umidificado95. Acessos cirúrgicos à Via Aérea: Cricotireoidostomia - A cricotireoidostomia é definida como a abertura da membrana cricotireóidea em sua linha média, com o objetivo de acessar diretamente a traquéia95. É um procedimento indicado para emergências quando o controle da via aérea não for possível por outros meios. É considerado por vários autores como a primeira técnica a ser empregada nos casos “não intubo, não ventilo”. O trauma de face severo é um exemplo no qual a cricotireoidostomia é a técnica de escolha. Nesta situação a intubação via oral ou nasal é impossível e é primordial garantir a VA. A cricotireoidostomia pode ser utilizada como VA definitiva para prosseguir com o caso, é um acesso rápido e com poucas complicações associadas e apresenta menor risco que uma traqueostomia. Há poucas restrições para o uso da cricotireoidostomia e estas são relativas. Uma exceção é a criança, que quando abaixo dos 12 anos, o acesso para ventilação emergencial mais indicado é a VJTT. Outras contra-indicações incluem doenças preexistentes em laringe ou traquéia, como tumores, infecções ou abscessos na área da incisão; hematomas ou outras patologias que dificultem identificar os pontos de referência; coagulopatias e falta de experiência do operador. A mais importante complicação é a falha de técnica com conseqüente localização incorreta da cânula. Outras raras sequelas imediatas como pneumotórax, sangramento, lesão em laringe ou traquéia e as tardias como estenose subglótica, ou mudança permanente da voz são menos freqüentes. miolo final 0k 85 Black 10/22/04, 12:46 PM 86 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Existem vários tipos de kits comerciais apropriados para este procedimento, mas podemos realizar uma cricotireoidostomia com materiais básicos (figura 109), usando apenas: bisturi, pinça cirúrgica tipo Kelly e cânula de traqueostomia infantil ou TT de pequeno calibre. Materiais básicos para cricotireoidostomia: bisturi, pinça cirúrgica tipo Kelly e cânula de traqueostomia infantil ou TT de pequeno calibre. Figura 109. Técnica com materiais básicos 1. se possível, colocar coxim sob os ombros para maximizar a exposição do pescoço e fazer antisepsia e assepsia da região anterior do pescoço; 2. identificar a membrana cricotireóidea (figura 110); Identificação da membrana cricotireóidea. Figura 110. 3. Imobilizar a laringe usando o polegar e o dedo médio enquanto o indicador palpa a membrana cricotireóidea; 4. Fazer incisão vertical na pele e palpar a cartilagem cricóide; 5. Fazer incisão horizontal na membrana cricotireóidea próxima à sua borda inferior e dilatar verticalmente a incisão com uma pinça Kelly ou com o cabo do bisturi (figura 111); miolo final 0k 86 Black 10/22/04, 12:46 PM Via aérea difícil - 87 A. Incisão horizontal na membrana cricotireóidea; B. Dilatação vertical da incisão com o cabo do bisturi. Figura 111. 6. inserir a cânula de cricotireoidostomia, de traqueostomia infantil ou mesmo um TT de calibre pequeno (figura 112); Introdução de cânula de traqueostomia infantil. Figura 112. 7. insuflar o balonete e confirmar o correto posicionamento da cânula. Existem vários kits comerciais que incluem os materiais necessários para esta técnica (figura 113). Conjunto para cricotireoidostomia com bisturi, cateter, seringa, fio-guia e cânula. Figura 113. Outros kits comerciais apresentam cânula de cricotireoidostomia já acoplada a uma agulha para uma rápida inserção (figura 114 e 115). miolo final 0k 87 Black 10/22/04, 12:46 PM 88 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Cânula para cricotireoidostomia. Figura 114. Técnica de inserção da cânula de cricotireoidostomia já acoplada a uma agulha; A. introdução do conjunto cânula + agulha na membrana cricotireóidea; B. aspiração positiva para ar; C. cânula em posição. Figura 115. ALGORITMO VIA AÉREA DIFÍCIL VAD De 1985 a 1990, o Comitê de Defesa Profissional da Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) realizou estudo retrospectivo de casos de má prática que resultaram em processos movidos contra anestesiologistas1. Este estudo demonstrou que os eventos de natureza respiratória foram responsáveis por 34% dos casos; destes, 85% evoluíram para óbito ou seqüela neurológica permanente. miolo final 0k 88 Black 10/22/04, 12:46 PM Via aérea difícil - 89 Acredita-se que a manipulação inadequada das vias aéreas seja responsável por 30% dos óbitos de causa exclusivamente anestésica. Diante dessas evidências, a ASA publicou orientações esquematizadas em um algoritmo para a abordagem da via aérea2,71. Algoritmo: Conjunto de regras e operações bem definidas e ordenadas, destinadas à solução de um problema, ou de uma classe de problemas, em um número finito de etapas. A finalidade do algoritmo VAD é sistematizar a abordagem e o manuseio da via aérea, reduzindo a incidência de eventos adversos. As principais complicações associadas ao manuseio inadequado da via aérea difícil são: óbito, lesão cerebral, parada cardiopulmonar, traqueostomia desnecessária, trauma à via aérea e trauma dental. As condutas sugeridas neste algoritmo podem ser adotadas, modificadas ou rejeitadas por condições clínicas ou restrições. Estas não são definidas como padrão ou exigências absolutas e nem garantem resultado. Se após a avaliação do paciente identificar-se a via aérea como difícil, qual a melhor conduta? O algoritmo sugere: 1. Avaliar a probabilidade e o impacto clínico das seguintes dificuldades: a. Ventilação difícil. b. Intubação difícil. c. Paciente não-cooperativo (crianças, agitação psicomotora, paciente alcoolizado, confuso ou inconsciente). Nestes casos, dificilmente a intubação acordado (IA) será possível, sen do necessária a indução da anestesia. d. Traqueostomia difícil. 2. Sempre administrar O2 suplementar durante os procedimentos. Fornecer oxigênio por máscara facial, cateter nasal ou pelo ramo de trabalho do fibroscópio. 3. Considerar os prós e contras na escolha das técnicas a. Decidir por intubação com o paciente acordado ou tentativa de intubação após indução de anestesia geral? A escolha de técnicas de intubação com o paciente acordado (IA) são as que oferecem maior segurança. Pode-se optar por métodos não-invasivos que incluem, mas não são limitados a: fibroscopia; laringoscópios não convencionais; máscara laríngea como um guia para intubação (com uso de fibroscópio ou não); intubação com estilete guia, estilete luminoso; intubação retrógrada; intubação nasal ou oral às cegas e broncoscopia rígida. A confirmação da ventilação (com tubo traqueal ou máscara laríngea) é sempre realizada com CO2 expirado (capnografia ou método colorimétrico). A decisão de tentar uma intubação traqueal após indução da anestesia em um paciente com via aérea difícil diagnosticada pode se transformar em uma catástrofe, deparando-se com a situação “não intubo, não ventilo”. b. Utilizar técnicas de acesso não-invasivo à via aérea ou acesso invasivo? Esta escolha depende da história pregressa, do exame físico e das doenças existentes. miolo final 0k 89 Black 10/22/04, 12:46 PM 90 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Quando a dificuldade no manuseio da via aérea se deve à limitação da mobilidade do pescoço ou da abertura da boca, a fibroscopia, a intubação nasal às cegas ou o estilete luminoso podem ser empregados. Por outro lado, se o caso é um tumor em laringe, a via aérea cirúrgica é uma opção correta. Como técnicas “invasivas” o algoritmo da VAD sugere traqueostomia cirúrgica ou percutânea e cricotireoidostomia. c. Preservar ou não a ventilação espontânea? Preservar a ventilação espontânea é sempre a técnica mais segura nos casos de VAD diagnosticada ou duvidosa. 4. Desenvolver estratégias primárias e alternativas Os recursos disponíveis para o manuseio da via aérea deverão estar sempre preparados para pronto uso. É importante que unidades como centro cirúrgico, terapia intensiva e prontos-socorros mantenham um “Carro de via aérea difícil” com materiais e instrumentos necessários para esses casos eventuais. A opção por intubação acordado permite três estratégias caso haja falha na técnica não-invasiva escolhida: 1. cancelar a cirurgia; 2. utilizar técnicas invasivas; 3. outras opções que incluem, mas não são limitadas a: cirurgia utilizando máscara facial ou máscara laríngea, anestesia local ou regional para procedimentos periféricos que possam ser interrompidos a qualquer momento. Essas escolhas somente serão viáveis se houver livre acesso à cabeça e a ventilação com máscara for possível e eficaz. O paciente deve ser informado da possibilidade de intubação acordado e a técnica bem explicada (consentimento informado). Algoritmo da VAD para intubação acordado - A figura 116 resume as condutas para a intubação com o paciente acordado. miolo final 0k 90 Black 10/22/04, 12:46 PM Via aérea difícil - 91 Algoritmo da VAD intubação acordado.71 Figura 116. (a) Outras escolhas incluem, mas não são limitadas a: cirurgia utilizando máscara facial ou máscara laríngea, anestesia local ou regional para procedimentos periféricos que possam ser interrompidos a qualquer momento. Essas opções somente serão viáveis se houver livre acesso a cabeça e a ventilação com máscara facial for possível e eficaz. O paciente deve ser informado da possibilidade de intubação acordado. (b) Como técnicas “invasivas” o algoritmo sugere traqueostomia cirúrgica ou percutânea e cricotireoidostomia. # A confirmação da ventilação (com tubo traqueal ou máscara laríngea) é sempre finalizada com a medida do CO2 expirado (capnografia ou método colorimétrico). Algoritmo da VAD após indução da anestesia geral (figura 117) - Se após a indução da anestesia geral, a intubação traqueal não for possível, devemos considerar as seguintes opções: pedir ajuda, retornar à ventilação espontânea ou acordar o paciente. Quando a ventilação com máscara facial é eficiente, observa-se uma situação de não emergência. Nestes casos, podemos recorrer às técnicas não-invasivas de acesso à via aérea que incluem, mas não são limitadas a: fibroscopia; laringoscópios não convencionais; máscara laríngea como um guia para intubação (com uso de fibroscópio ou não); intubação com estilete guia, estilete luminoso; intubação retrógrada; intubação nasal ou oral às cegas e broncoscopia rígida. Temos ainda, a escolha de acordar o paciente e adiar o procedimento, que muitas vezes é a conduta mais sensata. Sempre devemos lembrar que a situação “não intubo, mas ventilo com máscara facial” pode rapidamente se deteriorar por edema e sangramento após várias tentativas de intubação traqueal, tornando-se uma emergência. Nos casos analisados pelo comitê da ASA em catástrofes em via aérea, o cenário mais comum foi a dificuldade progressiva de ventilação com máscara facial após várias e prolongadas tentativas de intubação13. A situação é extremamente grave quando a intubação é impossível e a ventilação com máscara facial se torna ineficiente. Esta emergência é conhecida como “não intubo, não ventilo” e necessita de resolução rápida. A primeira escolha é a inserção de máscara laríngea. Se a ventilação com a máscara laríngea não for adequada, o Combitube® ou a ventilação a jato transtraqueal (VJTT) estão indicados. Pode-se também optar diretamente pelas técnicas invasivas como: traqueostomia cirúrgica ou percutânea e cricotireoidostomia. miolo final 0k 91 Black 10/22/04, 12:46 PM 92 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Algoritmo da VAD após indução da anestesia71 Figura 117. miolo final 0k 92 Black 10/22/04, 12:46 PM Via aérea difícil - 93 *Sempre confirmar ventilação (com tubo traqueal ou máscara laríngea) através do CO2 expirado (capnografia ou colorimétrico). (a) Outras escolhas incluem, mas não são limitadas a: cirurgia utilizando máscara facial ou máscara laríngea, anestesia local ou regional para procedimentos periféricos que possam ser interrompidos a qualquer momento. Essa opções só serão viáveis se houver livre acesso à cabeça e a ventilação com máscara facial for possível e eficaz. O paciente deve ser informado da possibilidade de intubação acordado. (b) Técnicas “invasivas”: traqueostomia cirúrgica ou percutânea e cricotireoidostomia. (c) Técnicas não-invasivas de acesso à via aérea incluem, mas não são limitadas a: fibroscopia; laringoscópios não convencionais; máscara laríngea como um guia para intubação (com uso de fibroscópio ou não); intubação com estilete guia, estilete luminoso ou tubo trocador; intubação retrógrada; intubação nasal ou oral às cegas; broncoscopia rígida. (d) Considerar preparar o paciente para intubação acordado ou cancelar a cirurgia. (e) As escolhas para acesso de emergência, não-invasivo, à via aérea incluem, mas não são limitadas a: Combitube, ventilação a jato transtraqueal (VJTT) e broncoscópio rígido. Mensagens importantes do Algoritmo VAD:13 em dúvida manter paciente acordado e em ventilação espontânea se houver dificuldade acordar o paciente ter plano B e C já preparados sempre planejar estratégias antecipadamente qual técnica escolher? a de sua maior experiência e que cause menor dano Lesão como resultado de Via Aérea Difícil - Trauma em via aérea tem sido fonte de morbidade para os pacientes e processos contra os anestesiologistas97. Trabalho publicado em 1999 relatou que os locais mais freqüentes de lesão foram laringe, faringe e esôfago98. Trauma em esôfago e traquéia (perfuração com seqüelas como pneumotórax, enfisema subcutâneo, abscesso retrofaríngeo e mediastinite) foram associados a intubação difícil. Em um caso de intubação difícil, em que foram necessárias várias tentativas, o paciente deverá ficar sob observação cuidadosa para o diagnóstico imediato de eventuais complicações. SITUAÇÕES ESPECIAIS EM VIA AÉREA DIFÍCIL Gestação: A falha de intubação traqueal na gestante tem uma maior incidência, de 1 para 280, comparada com 1 para 2.330 na população geral. Em vários trabalhos publicados, o manuseio inadequado das vias aéreas foi a principal causa de mortalidade materna relacionada à anestesia99. As alterações anatômicas e fisiológicas da gravidez justificam classificar as pacientes obstétricas como potencialmente portadoras de via aérea difícil. Atualmente, faz-se um menor número de anestesias gerais para procedimentos obstétricos, tendo em vista que na grande maioria das vezes o bloqueio é a técnica de escolha. As indicações para miolo final 0k 93 Black 10/22/04, 12:46 PM 94 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia anestesia geral em obstetrícia são geralmente nas emergências, onde há maior risco de complicações. A avaliação específica da VA deve ser realizada de rotina, lembrando que as diferenças anatômicas próprias da gestação podem dificultar a laringoscopia e IOT. Estas incluem: ganho de peso, aumento das mamas, ingurgitamento de mucosas e maior risco para aspiração do conteúdo gástrico100. O ganho de peso excessivo e as mamas aumentadas dificultam a laringoscopia. A correlação do aumento de peso ao teste de Mallampati sugere que a retenção de fluido, causando edema faríngeo, seria o determinante da VAD99. Na gestante obesa, a incidência de obstrução anatômica parcial de orofaringe é o dobro das não obesas. Em posição supina, fatores anatômicos (como mamas aumentadas e volume abdominal) dificultam a expansão torácica e diminuem a complacência. Há também maior incidência de doenças associadas como a hipertensão e a pré-eclâmpsia99. As mudanças fisiológicas da gravidez no aparelho respiratório são especialmente importantes para o anestesiologista. O ingurgitamento capilar se estabelece, tornando a mucosa das vias aéreas edemaciada e friável, conseqüentemente mais suscetível a sangramento. A capacidade residual funcional é progressivamente reduzida à medida que a gestação avança. O volume residual e o volume de reserva expiratório também diminuem. A menor capacidade residual funcional, associada ao aumento da demanda de oxigênio, explica a ocorrência de rápidas dessaturações nas situações de apnéia (figura 1). Condições preexistentes como micrognatia, dentes incisivos protrusos, abertura limitada de boca, extensão do pescoço limitada, pescoço curto e palato arqueado dificultam ainda mais o manuseio da via aérea da paciente obstétrica. Várias doenças sistêmicas como artrite reumatóide, espondilite anquilosante, diabetes melito, nanismo, esclerose sistêmica, tumores de pescoço e de vias respiratórias prejudicam a abertura bucal ou a extensão do pescoço na gestante. Também a asma, que pode se agravar na gestação, indiretamente complica o manuseio da via aérea. Na tabela 7 estão representados os principais fatores associados à VAD em obstetrícia. Tabela 7. Principais fatores associados à via aérea difícil em obstetrícia Obesidade* Pré-eclâmpsia* Mamas volumosas Extensão e flexão cervicais limitadas Pescoço curto Mucosas friáveis Palato arqueado Falhas na dentição, abertura limitada da boca, micrognatia e macroglossia Doenças da articulação temporomandibular Distância tiro-mentoniana < 5 centímetros Edema Risco aumentado para aspiração Procedimentos emergenciais* * fatores de maior risco miolo final 0k 94 Black 10/22/04, 12:46 PM Via aérea difícil - 95 A gestação está associada a um deslocamento do estômago pelo útero gravídico, que altera a posição do piloro. Ocorre também diminuição do tônus do cárdia e retardo no esvaziamento gástrico, sendo que 25% das parturientes, mesmo em jejum, apresentam combinação desfavorável de volume residual maior que 25 ml e pH inferior a 2,5. A incidência pode ser maior nas obesas, gestações múltiplas e poliidrâmnio. Durante as manobras de laringoscopia e intubação, estas pacientes devem sempre ser consideradas como de alto risco para desenvolvimento de aspiração pulmonar. O preparo para intubação inclui jejum de oito horas e quimioprofilaxia. Se na avaliação pré-anestésica a VA for diagnosticada como difícil, a equipe obstétrica deve ser consultada sobre a possibilidade de instalar precocemente uma analgesia peridural contínua. Este cateter peridural já inserido irá permitir seu uso em um eventual bloqueio peridural para cesariana de emergência, diminuindo significativamente a incidência de anestesia geral99. Nos casos de não emergência obstétrica, onde existe contra-indicação para a anestesia regional e a VAD foi reconhecida, deve ser seguido o algoritmo, que sugere a intubação acordada como a opção mais segura. As alternativas de intubação incluem, mas não são limitadas a: fibroscopia; laringoscópios não convencionais; máscara laríngea como um guia para intubação (com uso de fibroscópio ou não); intubação com estilete guia, estilete luminoso; intubação retrógrada. Na fibroscopia, a via nasal não é indicada pela fragilidade da mucosa, com maior facilidade para sangramento. Em muitas situações de emergências obstétricas, a anestesia geral é a técnica de escolha e justamente nesses casos mais graves, a avaliação da via aérea não é realizada satisfatoriamente. Não se deve esquecer das complicações da anestesia regional, como convulsões por intoxicação pelo anestésico local, raqui total ou mesmo falha de bloqueio, que requerem a intubação traqueal sem preparo para uma VAD. Preparo para indução da anestesia e intubação traqueal6 - É indicada a profilaxia da aspiração do conteúdo gástrico. Nas cesárias eletivas prescrever: ranitidina 150 mg VO e metoclopramida 10 mg VO na noite anterior e 90 minutos antes da cirurgia. O citrato de sódio 30 ml VO é administrado 10 a 20 minutos antes de iniciar a anestesia. Se o procedimento cirúrgico é não eletivo, a ranitidina e a metoclopramida são administradas em injeção endovenosa, e o citrato VO, antes de encaminhar a paciente para a sala de cirurgia. Nas cesáreas de emergência, somente o citrato de sódio é indicado. A administração de ranitidina e metoclopramida por via venosa pode ser considerada logo após a indução, no intuito de reduzir o volume e a acidez gástrica para o período da extubação. Os equipamentos essenciais para o manuseio da VAD na gestante devem estar disponíveis (tabela 8) e o médico treinado para utilizá-los6. Escolher sempre um tubo endotraqueal de calibre inferior ao da não-grávida, normalmente 7,0 ou 6,5. miolo final 0k 95 Black 10/22/04, 12:46 PM 96 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Tabela 8. Sugestões de material básico para VAD na obstetrícia Dispositivos para ventilação com máscara facial Máscaras faciais de vários tamanhos – transparentes Cânulas orofaríngeas e nasofaríngeas Dispositivos alternativos para o manuseio da VA Máscara Laríngea n. 3 e 4 Combitube n. 37 Acessórios para a laringoscopia direta Tubos traqueais de calibre 7,0 ou 6,5. Lâminas retas Cabo de laringoscópio articulado Guias introdutores de intubação tipo “gum bougie” Equipamentos alternativos para a laringoscopia (ter pelo menos 1 deles) Estilete luminoso Laringoscópios não convencionais (exemplos: Bullard/Wu) Fibroscópio e Estiletes ópticos visuais (tipo Shikani) Equipamento para acesso cirúrgico da VA (ter pelo menos 1 deles) Intubação retrógrada Cricotireoidostomia Ventilação a jato transtraqueal O posicionamento correto é imprescindível para a correta laringoscopia da gestante. Para isso, muitas vezes é necessário o uso de vários coxins para que este seja adequado (ver item: posicionamento para laringoscopia – figuras 25 e 26 ). A pré-oxigenação (dois ou três minutos de oxigenação a 100%) é um passo importante no preparo da paciente obstétrica para a intubação traqueal, assim como a posição da mesa em proclive. Por segurança, deve-se ter em mãos um aspirador ligado e testado, durante todo o tempo das manobras de laringoscopia e intubação traqueal. A cartilagem cricóide é identificada durante as manobras de pré-oxigenação. A compressão cricóide (como parte da manobra de Sellick) deve ser aplicada sem interrupção, por um auxiliar desde o início da indução anestésica e durante as manobras de laringoscopia e intubação. É muito discutido qual a pressão eficaz a ser utilizada nesta manobra para prevenir aspiração. Valores de 20 a 30 newtons são provavelmente suficientes para evitar a regurgitação para a faringe na maioria das pacientes. Trabalhos demonstraram que a habilidade do operador em manter uma pressão ideal para oclusão do esôfago por um período prolongado é limitada. Geralmente a compressão cricóide não interfere com a habilidade de ventilação com máscara facial, mas dependendo da pressão aplicada dificulta a laringoscopia. A ventilação sob máscara facial com pressões baixas durante a compressão cricóide, apesar de ser discutível por alguns autores, é possível, e reduz a incidência de dessaturação. Ainda mantendo a compressão cricóide, assim que houver um adequado relaxamento muscular, realiza-se a laringoscopia e a intubação traqueal. Confirmar o correto posicionamento do TT e só depois suspender a compressão cricóide. Na impossibilidade de intubação na primeira tentativa e ao se constatar dificuldade na manipulação desta via aérea, chamar imediatamente por ajuda. A dessaturação ocorre rapidamente na pa- miolo final 0k 96 Black 10/22/04, 12:47 PM Via aérea difícil - 97 ciente obstétrica e há o risco de hipoxemia enquanto se espera o retorno da ventilação espontânea. A chave para resolver a situação de “não intubo, mas ventilo com máscara facial” é não insistir nas tentativas de laringoscopia. As múltiplas tentativas levam a edema e sangramento de via aérea, dificultando a ventilação com máscara facial e tornando a situação muito mais grave. Os acessórios da laringoscopia direta devem ser introduzidos precocemente durante o manuseio da VAD não antecipada, como o guia introdutor tipo “gum elastic bougie”, que é um auxiliar simples, mas valioso (figura 56). Lembrar que a falha de intubação é geralmente seguida por dificuldade de ventilação com máscara facial e possível aspiração pulmonar. Se a tentativa escolhida de intubação falhar, outras técnicas de manuseio da VA devem ser consideradas. Várias publicações relatam casos de uso da máscara laríngea (ML) em obstetrícia. Há controvérsias quanto às vantagens de seu uso em relação à ventilação com máscara facial, já que o uso da ML nestas circunstâncias poderia favorecer a regurgitação. Se o procedimento cirúrgico não for de emergência, há a possibilidade de acordar a paciente e reiniciar as manobras para garantir sua via aérea, com técnicas de intubação acordada. Esta decisão pode não ser a melhor, pois até que a respiração espontânea e os reflexos de proteção se restabeleçam, precisaremos ventilar a paciente com máscara facial, usando pressões baixas e compressão cricóide contínua. Em situação de emergência em via aérea “não intubo, não ventilo”, a tomada de conduta deverá ser rápida e de acordo com o algoritmo da VAD, as opções são: máscara laríngea, Combitube®, ventilação a jato transtraqueal (VJTT) e a cricotireoidostomia6. Nesta situação, o pronto uso da ML é indicado, uma vez que suas vantagens no rápido acesso à via aérea e à ventilação imediata superariam os eventuais riscos de uma regurgitação. Obesidade101: Alterações respiratórias - A obesidade impõe profundas alterações no sistema respiratório e na demanda metabólica. Obesos apresentam consumo de oxigênio e produção de dióxido de carbono aumentados, tanto em repouso quanto durante exercício físico. A atividade metabólica do tecido adiposo, o maior dispêndio energético para locomoção e o alto volume expiratório-minuto necessário para manter a normocapnia são explicações aventadas para justificar o consumo elevado de oxigênio. Além disso, a obesidade pode estar associada com apnéia do sono e síndrome da hipoventilação, que se acredita seja responsável pela redução dos volumes pulmonares, causando hipoxemia e hipercapnia. Na posição vertical, o volume de reserva expiratório e a capacidade residual funcional (CRF) estão diminuídos; nesta situação, o volume corrente pode ser reduzido em função da capacidade de oclusão, o que determina alterações da ventilação e perfusão, com o aumento de shunts e hipoxemia subseqüente. Na posição deitada, a CRF usualmente cai, dificultando as trocas gasosas. Além das alterações funcionais, pacientes obesos podem apresentar também alterações importantes de mecânica ventilatória. Há um conceito geral de que a complacência respiratória total está diminuída pelo comprometimento torácico e pulmonar, sendo o componente torácico o mais importante. A redução da complacência da parede torácica é atribuída à gordura ao redor das costelas e do miolo final 0k 97 Black 10/22/04, 12:47 PM 98 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia tórax. Admite-se que o aumento no volume sangüíneo pulmonar é responsável pela diminuição da complacência pulmonar. Dificuldades esperadas no acesso à via aérea - Problemas potenciais no acesso da via aérea podem ser esperados durante a anestesia em pacientes obesos mórbidos. Estes podem ser enunciados começando por uma extensão limitada do pescoço, mandíbula e língua, que pode dificultar a visualização da laringe e da região epiglótica, ou mesmo a existência de mamas grandes, que irão interferir com o manuseio do laringoscópio. Pacientes obesos, especialmente em decúbito dorsal horizontal, apresentam diminuição rápida da saturação arterial de oxigênio quando em apnéia, em razão de sua baixa reserva e reduzida CRF. Nestas condições, diante de um potencial risco para o acesso à via aérea, deve-se estabelecer um planejamento para a indução anestésica e intubação traqueal, a fim de evitar uma hipoxemia aguda. Uma pré-oxigenação em posição semideitada está indicada previamente à indução anestésica e intubação orotraqueal. O algoritmo para via aérea difícil deverá ser observado, assim como a inspeção cuidadosa da boca e movimentos cervicais. Lâminas de laringoscópio de diferentes tamanhos, máscara laríngea e intubação com o auxílio de fibroscopia devem ser também considerados. Prevendo-se dificuldades maiores para o acesso à VA, esta intubação poderia ser realizada sob anestesia tópica e com o paciente acordado. Uma prática útil é fazer uma laringoscopia sob anestesia tópica e sedação, antes da indução anestésica. A obesidade está associada também a hérnia hiatal, refluxo gastroesofágico, hiperacidez gástrica e esvaziamento gástrico diminuído. Por esses motivos, há risco aumentado de aspiração durante a indução anestésica, estando indicada a profilaxia de rotina com antagonistas H2 e metoclopramida (ver cuidados de prevenção em tópicos anteriores). EXTUBAÇÃO NA VAD Quando extubar um paciente com VAD? Esta questão não é fácil de ser respondida, principalmente naqueles pacientes nos quais houve muita dificuldade na intubação. Eventos adversos relacionados a este período foram responsáveis por 7% dos casos de má prática que resultaram em processos movidos contra anestesiologistas, em estudo retrospectivo realizado pela ASA1. Os critérios usuais para a extubação devem ser seguidos, como: estabilidade hemodinâmica, oximetria e capnometria normais, normotermia, adequados volume corrente e freqüência respiratória, paciente consciente, alerta e com capacidade para tossir e eliminar secreções. Recomendações para a extubação em casos de VAD102 1. Administrar O2 100%; 2. Aspirar orofaringe; 3. Desinsuflar o balonete do tubo traqueal; 4. Inserir um tubo trocador no interior do tubo traqueal (figura 118); 5. Retirar o tubo traqueal através do tubo trocador; 6. Ofertar O2 por máscara facial ou pelo tubo trocador até que haja uma melhor estabilidade hemodinâmica e ventilatória; miolo final 0k 98 Black 10/22/04, 12:47 PM Via aérea difícil - 99 Cuidado: para evitar o barotrauma, assegure que a extremidade distal do tubo trocador esteja acima da carina, preferencialmente de 2 a 3 cm. Tubo trocador e sua utilização. Figura 118. O tubo trocador é um dispositivo que permite a administração de O2 e funciona como um guia para a intubação. São tubos semi-rígidos, de diâmetro menor que o TT, com comprimento de 45 cm para pediatria e 83 cm para adultos (figura 119). Possuem lúmen para a administração de O2, extremidade distal atraumática, conexão do tipo luer lock e/ou 15 mm e marcas graduadas em centímetros para orientar seu posicionamento. Tubo trocador em 2 tamanhos. Figura 119. miolo final 0k 99 Black 10/22/04, 12:47 PM 100 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia Cuidados na administração de O2 através do tubo trocador103: 1. Assegurar a desobstrução da via aérea com o paciente em posição olfativa ótima e uso de cânula oro ou nasofaríngea. 2. Ofertar O2 preferencialmente com baixos fluxos (1 a 2 l/min), que é o suficiente para prover oxigenação apnéica. 3. Quando o sistema de ventilação a jato for utilizado, a incidência de barotrauma pode ser minimizada com os seguintes cuidados: pressão limitada em 15 psi, tempo expiratório longo e uso de tubo trocador de diâmetro adequado ao tubo traqueal conforme tabela 9. Tabela 9. Tamanho do tubo trocador em relação ao tubo traqueal Comprimento do tubo trocador Diâmetro interno do tubo trocador Diâmetro do TT 45 cm 83 cm 83 cm 83 cm 1.6 mm 2.3 mm 3 mm 3.4 mm ≥ 3 mm ≥ 4 mm ≥ 5 mm ≥ 7 mm 4. Remover o tubo trocador após 30 a 60 minutos, se não houver sinais de obstrução ventilatória. As complicações relatadas com o uso de tubo trocador são: barotrauma e lesão do brônquio ou parênquima pulmonar. Problemas associados a extubação102 - Uma potencial VAD não é a única dificuldade que encontramos na extubação. Muitos problemas são leves e transitórios, outros necessitam de rápido diagnóstico e tratamento. Distúrbios hemodinâmicos - Distúrbios hemodinâmicos que incluem aumento da freqüência cardíaca e da pressão arterial ocorrem na maioria dos pacientes no período da extubação traqueal. Essas mudanças são geralmente transitórias e não requerem tratamento, a não ser na presença de afecções, como: cardiopatia, doença hipertensiva da gravidez e hipertensão intracraniana. A extubação com o paciente em plano anestésico pode ser benéfica em muitos casos, mas não é apropriada para os que apresentam VAD ou risco aumentado para aspiração do conteúdo gástrico. Os beta-bloqueadores têm se mostrado eficientes em diminuir a resposta hemodinâmica no período da extubação. Laringoespasmo - As funções básicas da laringe (proteção, respiração e fonação) são derivadas de uma inter-relação complexa entre diversos reflexos polissinápticos medulares. Destas, as funções protetoras são totalmente involuntárias e reflexas. A faringe, epiglote, laringe e cordas vocais atuam na proteção das vias aéreas inferiores contra aspiração de corpos estranhos e secreções, sendo que a mais importante é o “reflexo do fechamento da glote”, que promove uma oclusão desta estrutura durante a deglutição. O exagero fisiológico deste reflexo é o que se denomina “laringoespasmo”, que consiste em um intenso e prolongado fechamento do espaço glótico ou supraglótico, em resposta a um estímulo direto de agentes inalados irritantes, secreções ou corpos estranhos. A estimulação do periósteo, miolo final 0k 100 Black 10/22/04, 12:47 PM Via aérea difícil - 101 plexo celíaco, aferentes cranianos, medulares, óptico, trigêmeo, esplâncnico, radial, vago, intercostais ou dilatação do reto podem também precipitar este fenômeno. Este efeito consiste em um reflexo monossináptico mediado por estímulos em aferentes vagais conduzidos pelo n. laríngeo superior e abolido com seu bloqueio anestésico. Estímulos como a intubação traqueal, especialmente em plano superficial, presença de sangue, secreção ou manipulação direta na laringe podem conduzir a um laringoespasmo. O tratamento consiste em administrar 100% de oxigênio sob máscara e pressão positiva e até o uso de relaxantes musculares como a succinilcolina. Disfunção de cordas vocais - Lesão do nervo vago, ou um de seus ramos, causa paralisia da corda vocal. Esta complicação é rara e pode ocorrer em tireoidectomias e em outras cirurgias na região cervical. Alguns distúrbios pós-operatórios de função das cordas vocais são relacionados à pressão do balonete do tubo traqueal, próximo ao nervo laríngeo recorrente. Apesar do médico anestesista não ter controle sobre as lesões causadas pelo procedimento cirúrgico, a incidência destas complicações por causas anestésicas poderia ser diminuída com medidas simples, como: posicionar o balonete do tubo traqueal a pelo menos 15 mm abaixo das cordas vocais e o insuflar com volume adequado, evitando excesso de pressão. Paralisia unilateral do nervo recorrente provoca rouquidão com melhora em algumas semanas. A paralisia bilateral pode levar a obstrução respiratória e requer imediata reintubação. Edema de laringe - O edema de laringe é uma importante causa de obstrução respiratória após a extubação e é classificado em: supraglótico, retroaritenoidal e subglótico. O edema supraglótico, o mais comum, é resultante de múltiplas tentativas de intubação, manipulação cirúrgica, posicionamento, hematoma, agressiva infusão de líquidos, diminuição do retorno venoso e doenças preexistentes (pré-eclâmpsia, edema angioneurótico). O subglótico é mais freqüente em crianças (principalmente neonatos e lactentes). Os fatores associados a este tipo de edema são: trauma durante a intubação, intubação por mais de uma hora, tosse na presença do TT, mudanças na posição da cabeça e TT de diâmetro maior que o indicado. As causas do edema retroaritenoidal não são muito claras, provavelmente são devidas a trauma e irritação local. O tratamento do edema de laringe depende da gravidade do quadro e inclui posicionar o paciente com a cabeceira elevada, máscara facial com O2 umidificado, inalação com epinefrina racêmica e ocasionalmente reintubação com TT de menor calibre. A prática de administrar esteróides sistêmicos na esperança de reduzir o edema é controversa e estudos são divididos em relação a sua eficácia. Edema pulmonar por pressão negativa - Este tipo de edema pulmonar pode ocorrer após extubação em pacientes respirando espontaneamente, quando há uma obstrução em via aérea. Como resultado desta obstrução, o paciente gera significativa pressão negativa intrapleural que o leva a edema pulmonar pelo ingurgitamento da vascularização e aumento da pressão hidrostática dos capilares pulmonares. Esta condição ocorre minutos após a extubação e usualmente com sinais como secreção pulmonar rósea característica e diminuição na saturação de oxigênio (SpO2). O tratamento consiste em remover a causa da obstrução da via aérea, utilizar a máscara facial miolo final 0k 101 Black 10/22/04, 12:47 PM 102 - Curso de Educação à Distância em Anestesiologia com O2 a 100% e monitorização completa. A reintubação raramente é necessária e a maioria dos casos se resolve sem complicações. Trauma de via aérea - Ao contrário do trauma durante a intubação, o da via aérea na extubação não tem sido muito bem definido. Foram publicados relatos de caso de deslocamento da cartilagem aritenóide após intubações difíceis, bem como em intubações sem complicações. Os sintomas são precoces e podem ser leves, como dificuldade de deglutição e mudanças na voz, ou mais graves, como a obstrução respiratória. O tratamento depende da gravidade do quadro, que pode requerer intubação ou mesmo traqueostomia. Compressão da via aérea - Uma compressão externa das vias aéreas após a extubação causa dificuldade e até obstrução ventilatória. Os casos mais graves são decorrentes de hematomas em região cervical que ocorrem após cirurgias como tireoidectomia e endarterectomia de carótida. Os hematomas devem ser diagnosticados e tratados rapidamente. A nova intubação poderá ser mais difícil pelo edema e distorção da anatomia devido a esta compressão. Aspiração - Estudos publicados em 1976 demonstraram que a função da laringe está comprometida por no mínimo quatro horas após a extubação. Esta alteração na função da laringe, associada ao efeito residual dos anestésicos, deixa o paciente mais vulnerável à aspiração no momento da extubação. A incidência de aspiração é maior do que admitimos, porque em sua maioria os casos são leves e não causam sintomas. A extubação traqueal não é um procedimento desprovido de riscos. Vários fatores devem ser analisados como: facilidade da intubação inicial, condição clínica do paciente, recursos do local onde será realizada a extubação e sua própria habilidade e preferências no manuseio da via aérea. A possibilidade de reintubação deve estar sempre presente. A estratégia escolhida deve oferecer risco reduzido, causar mínimo desconforto e otimizar os objetivos da manutenção da via aérea: oxigenação e ventilação. CONCLUSÃO Alguns de nossos futuros pacientes, talvez 1 em cada 100, serão impossíveis de intubar com as técnicas usuais de laringoscopia direta. Estes indivíduos hoje estão andando, falando, dormindo e respirando tranqüilamente, e em sua grande maioria desconhecem seu potencial problema. Se, eventualmente, aos nos depararmos com um destes pacientes, decidirmos que devam ser intubados, temos que fazer tudo para que esse procedimento seja bem conduzido e de forma eminentemente eletiva com todas as condutas e alternativas já previstas. A última coisa que queremos é sermos obrigados a interferir intempestivamente, e com isso causar algum dano a esta via aérea de maneira a transformar uma conduta antes eletiva em uma situação de emergência desesperadora. Outros enfermos, no entanto, já nos chegam com o diagnóstico de via aérea difícil. A estes, temos que estar adequadamente preparados para oferecer as melhores opções para seu manuseio. Portanto, devemos ficar atentos para não transformarmos um paciente que se apresente com miolo final 0k 102 Black 10/22/04, 12:47 PM Via aérea difícil - 103 intubação impossível sob laringoscopia direta, mas ainda ventile, em um paciente agora impossível de ventilar, por manipulação e trauma iatrogênico em sua via aérea (“não intubo, não ventilo”). Tentativas múltiplas de laringoscopia levam a situações perigosas de sangramento e edema que podem evoluir para dificuldade extrema de ventilação, que se não for rapidamente revertida culmina em dano cerebral e óbito. O ideal seria que cada um desenvolvesse um algoritmo próprio para o manuseio das situações de VAD, utilizando os recursos disponíveis em seu hospital. Melhor ainda se isso for feito em conjunto com outros colegas de equipe e enfermagem104. Organize os materiais para o manuseio da via aérea em um local de fácil acesso. Planeje suas condutas antecipadamente. Não se afobe, a segurança do paciente é o mais importante! Agradecimento: Os autores expressam seus sinceros agradecimentos ao Prof. Dr. Armando Fortuna pelas valiosas sugestões e ajuda. REFERÊNCIAS 1. Caplan RA, Posner KL, Ward RJ. Adverse respiratory events in Anesthesia: a closed claims analysis. Anesthesiology 1990;72(5):828-833. 2. Caplan RA, Benumof JL, Berry FA. Practice guidelines for management of the difficult airway. A report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Management of the Difficult Airway. Anesthesiology 1993;78:597-602. 3. Farmery AD, Roe PG. 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