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ALTERAÇÕES INTRA-HEPÁTICAS DA ESQUISTOSSOMOSE MANSÔNICA: ACHADOS DE IMAGEM Filho, HSL; Souza, LVS; Lopes, PP; Pontes, ABG; Racy, DJ; Pedroso, MHNI; Gomes, ACP; Lima, SS Med Imagem - Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo - SP – Brasil Introdução A Esquistossomose Mansônica (EM) afeta milhões de pessoas no mundo, estimando-se a existência de 200 milhões de pessoas infectadas, estando 600 milhões sob risco2. No Brasil, a área endêmica para esquistossomose abrange 19 estados com aproximadamente 26 milhões de habitantes expostos ao risco. É causada por parasito trematódeo digenético (Schistosoma mansoni) e produz quadro anátomo-patológico hepático característico. Objetivos Demonstrar e estabelecer a relação entre os achados dos diversos métodos de imagem na EM, com base no aspecto da reação inflamatória, fibrose e alterações da vascularização intrahepática características que seguem o curso natural da doença. Materiais e Métodos Foram selecionados e analisados diversos métodos de imagem de pacientes com EM comprovada, sem referência ao estágio da doença. Foram comparados os achados com as características histológicas e hemodinâmicas descritas na literatura. Patologia e Imagem A infecção crônica pelo schistossoma resulta da exposição a cercárias liberadas pelo hospedeiro intermediário (caramujo Biomphalaria), que penetram a pele intacta e desenvolvem-se em vermes adultos macho e fêmea. Estes migram para o leito vascular mesentérico onde depositam ovos, depois carreados pela veia porta aos pequenos ramos portais intra-hepáticos. A injúria hepática é decorrente de um resultado direto da resposta do tecido circunjacente à presença dos ovos (Fig. 1). 1 Fig 1. Ovo em ramo portal com formação de granuloma. (HE - grande aumento). A fibrose hepática de Symmers consiste em uma peripileflebite e pileflebite granulomatosas crônicas e fibrosantes com preservação da arquitetura lobular do fígado e neoformação conjuntivo-vascular. As alterações vasculares são caracterizadas por lesões que adquirem aspecto angiomatóide,que envolvem e acompanham toda a árvore portal. Esta rede capilar foi descrita por Bogliolo4 e oferece alguma circulação colateral a porções do fígado com fluxo portal deficiente, pois estes vasos comunicam-se tanto com a veia porta e artéria hepática 11. Fig.2 Cortes histológicos mostrando fibrose com proliferação angiomatóide (HE pequeno e grande aumento) As conseqüências mais características e sérias da esquistossomose hepática são as manifestações de hipertensão portal pré-sinusoidal, que parecem ser causadas principalmente pelas obstruções vasculares intra-hepáticas5. Nos casos de esquistossomose hepatoesplênica, as alterações nos sistemas portal e arterial são profundas e nenhuma anormalidade é vista nas veias hepáticas. A rede vascular periportal caracterizada por vasos pequenos e comunicantes é vista freqüentemente em torno a ramos portais de todos os tamanhos. A esplenoportografia foi amplamente utilizada para a avaliação da pressão venosa portal causada por bloqueio pré-sinusoidal (Fig. 3). As veias portais tornam-se progressivamente tortuosas a medida que atingem a periferia do fígado e os menores ramos podem ter uma aparência de “saca-rolhas”11( Fig.4). 2 Fig 3. Esplenoportografia normal Fig 4. Esplenoportografia transhepática mostrando vasos portais tortuosos adjacentes aos ramos portais principais. Este procedimento mostra bem a veia esplênica e porta e também as varicosidades colaterais9. (Fig.5) 3 Fig 5. Esplenoportografia em paciente com esquistossomose, mostrando o preenchimento progressivo em 5, 6 e 8 segundos (Figs. 5A, 5B e 5C) da rede venosa periportal. (Sinal de Bogliolo) Em todos os casos de fibrose de Symmers existe um aumento acentuado no leito vascular arterial ao redor dos ramos portais pequenos e médios contribuindo para a formação da rede vascular periportal, compensando o fluxo portal diminuído (Fig. 6). Na EM as veias hepáticas e sinusóides permanecem patentes. Desde que não existe resistência ao fluxo venoso, o fluxo arterial pode ser acentuadamente aumentado10. Fig. 6 Arteriografia do tronco celíaco mostrando aumento do calibre da artéria esplênica e hepática com hipertrofia dos ramos arteriais intra-hepáticos. 4 A periferia do fígado em casos de fibrose de Symmers mostra freqüentemente oclusão dos vasos portais de 0.1 a 0.5 cm de diâmetro11. A Ultrasonografia (US) pode mostrar bem o tecido fibroso em torno da veia porta e seus ramos principais, alterações no contorno e volume hepáticos. Este espessamento é caracterizado por alta ecogenicidade, especialmente em torno a porta hepatis. Este padrão ecogênico é representado por faixas ramificadas representando a fibrose periportal ou como focos ecogênicos arredondados com halo hipoecogênicos6.(Fig. 7) Fig. 7 Ultrassonografia mostrando a hiperecogenicidade periportal Estudos com Doppler permitem a medida do fluxo sanguíneo e velocidade na veia porta e artéria hepática, bem como avaliação do seu calibre. (Fig. 8) Fig 8. Doppler mostrando inversão do fluxo sanguíneo nos segmentos portais, relacionados a hipertensão portal. A US é, portanto, um método que permite a identificação precoce e acurada da fibrose periportal e pode ser utilizada para o diagnóstico da esquistossomose hepática. Os achados da Tomografia Computadorizada (TC) também estão relacionados ao tecido fibroso portal e mostram áreas periportais com baixa atenuação, que impregnam-se pelo meio de contraste uniformemente pelo fígado2,8. A impregnação periportal de contraste caracteriza-se por um realce anelar ou em trilho ao redor das veias portais intra-hepáticas (Figs. 9 e 10). 5 Fig. 9 TC mostrando áreas periportais de baixa atenuação com impregnação pelo meio de contraste iodado. Fig 10. Impregnação periportal adquirindo aspecto anelar e em trilho ao redor das veias portais intra-hepáticas Pode estar relacionado à difusão precoce ou tardia do meio de contraste nas áreas periportais e a rede vascular periportal talvez contribua para a impregnação aumentada. A difusão pode decorrer de dano endotelial1. O aumento dos ramos arteriais, que compensam a diminuição da vascularização portal e as anastomoses entre estes e os ramos portais provavelmente contribuem para a impregnação8,11. Fataar et al demonstraram que a impregnação torna-se homogênea em relação ao fígado em 30-45s, atingindo uma atenuação maior que a do fígado após 60s8.(Fig.11) Dependendo do corte, elas podem ser arredondadas, lineares ou ramificadas, particularmente na região central do fígado2. (Fig. 10) 6 Fig 11. Seqüência dinâmica de cortes tomográficos mostrando impregnação progressiva dos feixes periportais. A Ressonância Magnética (RM) mostra feixes periportais espessos, que na ponderação T1 são isodensos e na ponderação T2, acentuadamente hiperintensos. Esta alteração de sinal pode ser diferenciada da dilatação biliar, pois ductos biliares dilatados possuem intensidade de sinal aumentada em apenas um dos lados da veia porta intrahepática e ramos1 (Fig 12). Fig. 12 - Imagens de RM ponderadas em T1 e T2 mostrando fibrose periportal. Além disso, a RM tem a possibilidade de aquisições multiplanares, permite avaliar a anatomia vascular e a direção do fluxo pode ser analisada na região da veia porta, veias hepáticas e veia cava inferior6 (Fig. 13). 7 Fig. 13 Seqüência de análise de fluxo em “contraste de fase”, perpendicular à veia porta principal, demonstrando fluxo turbulento. Fig.14 Seqüências de RM ponderadas em T1 e T2 e após gadolínio mostrando os feixes periportais e impregnação pelo agente paramagnético Fig 15. Seqüências de RM em T1 e T2 e dinâmica após gadolínio mostrando acentuada impregnação tardia dos feixes periportais pelo agente paramagnético. A RM é o método mais útil para a avaliação da inflamação ativa2. Após a injeção de gadolínio, também ocorre impregnação periportal acentuada3.(Fig 14 e 15) Hammerman et al sugerem que este padrão é mais comum e menos específico do que antes relatado achado em 10 (8%) de 130 exames de TC do abdômen consecutivos. Assim como na TC, não há discriminação entre inflamação periportal granulomatosa nos estágios iniciais ou colaterais arteriais e venosas portais dilatadas no estágio final da 8 doença. No entanto, a ponderação T2 resolve este problema, desde que o alto sinal periportal sugere edema e tecido inflamatório ativo3,5. A medida que a fibrose progride e o fluxo colateral predomina, a diferença de sinal na ponderação T1 e T2 é menos óbvia. Portanto, a RM pode ser útil na discriminação entre os estágios inicial e final da doença3. Discussão A aparência do US e CT na esquistossomose não é específica, com achados similares vistos em pacientes com sarcoma de Kaposi hepático e após quimioterapia3,7. Faixas de baixa atenuação também têm sido descritas na infiltração portal linfocítica, linfedema, proliferação ductal e dano vascular endotelial1,3. É provável que em pacientes submetidos a quimioterapia, a impregnação periportal seja devido à difusão passiva do meio de contraste devido ao dano vascular endotelial induzido pelo quimioterápico7. A impregnação periportal nestas condições pode mimetizar trombose da veia porta, pois o sangue portal relativamente menos opacificado fica rodeado pela impregnação periportal7. A patogênese da impregnação periportal e intensidade de sinal aumentada parece ser variável, incluindo: desvio de sangue para a região periportal resultante de trauma, drenagem linfática diminuída causada por linfonodomegalia ou interrupção cirúrgica, infecção periportal ou inflamação, infiltração tumoral maligna, fibrose periportal, proliferação ductal periportal e trombose de veia portal1. Desde que processos patológicos afetando estas condições são diferentes, a RM pode ser útil na diferenciação das mesmas3. Conclusão O conhecimento dos achados morfológicos e hemodinâmicos da EM permite a melhor avaliação dos achados de imagem, possibilitando confirmar ou inferir o diagnóstico, baseado nos dados clínicos, na totalidade dos casos. A RM é o melhor método para o controle evolutivo da doença. 9 Bibliografia 1 - Ly JN, Miller FH. Periportal Contrast Enhancement and Abnormal Signal Intensity on State-of-the-art MR Images. AJR 2001; 176:891-897 2 - Palmer, PES. Schistosomiasis. Seminars in Roentgenology 1998; 33(1): 6-25. 3 - W UF, Pfluger T, Zoller WG, Kueffer G, Hahn K. MRI of Hepatic Schistosomiasis Mansoni. Journal of Computer Assisted Tomography 1995; 19(5): 811-813 4 - Bogliolo L. Patologia. 5ª ed. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan,1994. 5- Patel SA, Castilho DF, Hibbeln FJ, watkins L. Magnetic Resonance Imaging Appearance of Hepatic Schistosomiasis, with Ultrasound and Computed Tomography Correlation. 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