do palco da vida à vida no palco
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do palco da vida à vida no palco
Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 DO PALCO DA VIDA À VIDA NO PALCO – BREVE APRESENTAÇÃO DA TEORIA E TÉCNICA PSICODRAMÁTICA Ariadne Cedraz* RESUMO Este artigo tem o objetivo de apresentar de forma sucinta o Psicodrama, abordagem terapêutica atualmente usada tanto no âmbito dos consultórios terapêuticos, como em espaços institucionais e organizacionais. O texto aponta de forma resumida a história de Moreno, criador do Psicodrama, bem como situa o leitor no espaço no qual foram criadas as técnicas psicodramáticas. São, ainda, apresentados conceitos fundamentais do Psicodrama como: criatividade, espontaneidade, Conserva Cultural, Tele e Papel. Nesse contexto, são feitas algumas considerações a respeito da maneira pela qual o Psicodrama vê o homem. Por fim, são apresentadas algumas técnicas do Psicodrama que, normalmente, são usadas no setting terapêutico, mas que também podem ser usadas em outras esferas nas quais o Psicodrama pode ser usado. Palavras-chave: Psicodrama. Teatro. Dinâmica de Grupo. 1. Moreno e sua história O surgimento do Psicodrama é recheado de histórias fantásticas sobre seu criador, a saber, Jacob Levy Moreno (1889-1974), figura histórica no panorama da Psiquiatria, da Psicologia, das Ciências Sociais e da Arte. “Diz a lenda” que Moreno nasceu no dia 20 de maio de 1892, num navio não identificado que flutuava sobre o Mar Negro. Tal data é simbólica, pois, exatamente quatrocentos anos antes ocorreu um fato marcante para os judeus na *Graduada em Psicologia e Licenciatura em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe. Psicodramatista pela PROFINT-Profissionais Integrados LTDA. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe.e-mail: [email protected] FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 2 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 Europa: a proclamação de um édito que obrigava a conversão ao catolicismo, de modo que para aqueles que desobedecessem à regra seria certa a expulsão (MARINEAU, 1992). De fato, a data exata do nascimento de Moreno é controversa. Para uns 6 de maio de 1889 seria o correto (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1998); para outros, 18 de maio do mesmo ano (MARINEAU, 1992) é a data que figura o nascimento de Moreno. Embora detalhes mínimos possam contribuir para o total entendimento de um assunto, principalmente quando se considera a dimensão do simbólico – dada a valorização da subjetividade humana a qual foi, inclusive, evidenciada pelo Psicodrama –, a verdadeira data do nascimento de Moreno é o que menos importa neste caso, já que foi a lenda de um nascimento mágico que ganhou força, por ter sido narrada pelo próprio Moreno em sua autobiografia (MARINEAU, 1992). Então, mesmo que seja sabido que não é verdadeira a estória contada por Moreno, foi esta versão que o mesmo assumiu para si e para o mundo. Dessa maneira, o criador do Psicodrama cercou-se de misticismo, característica marcante na sua vida, vendo-se como cidadão do mundo (por ter nascido no meio do mar), entendendo seu nascimento como um marco histórico. Os livros contam que Moreno foi sempre muito expressivo, desde a famosa brincadeira de Deus1 – que é o cerne da ideia de que todos têm uma centelha divina –, desde os passeios com crianças nos jardins de Viena, às sempre comentadas sessões no Teatro da Espontaneidade (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1998; MARINEAU, 1992). Toda a vivência infantil e adolescente de Moreno, bem como a sua inserção no mundo das ciências e publicações, foram de influencia inquestionável para os fundamentos da corrente a ser posteriormente esquematizada por Jacob Levy2 (MARTÍN, 1996). 1 Quando tinha 4 anos, Moreno brincava com outras crianças de “deus e anjos”. Moreno, sendo Deus, voou do alto e na queda fraturou o braço direito (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1998; MARINEU, 1989). 2 Muitos livros dedicam-se ao aprofundamento do tema. Não obstante, não é objetivo do presente artigo fazer um relato completo da vida de Moreno, relacionando-o com a sua obra, de modo que, a partir de então, o foco passa a ser uma visão global da abordagem psicodramática. FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 3 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 Volpe (1990) destaca o dia 1º de abril de 1921 como o início oficial do Psicodrama. Nesta data, Viena vivia um momento histórico muito peculiar de grande efervescência política, e Moreno foi pauta do Komoediem Haus de Viena, apresentando-se sozinho, sem texto, tendo por cenário apenas uma cadeira vermelha sobre a qual repousava uma coroa. Nesta noite, Moreno convidou a plateia para ocupar o lugar do rei e, entre todos os que ousaram se expor, ninguém foi avaliado pelo público como um bom governante. O acontecimento como um todo gerou polêmica e Moreno teve que suportar duras críticas e sanções. 2. Teatro e Psicodrama Entre os anos de 1922 e 1925, Moreno dedicou-se ao chamado Teatro da Espontaneidade. Este era um teatro experimental se constituindo de um espaço ocupado pelos descontentes e rebeldes (VOLPE, 1990). Aos poucos o Teatro da Espontaneidade deu lugar ao “Jornal Vivo” definido por Volpe (1990) como “uma espécie de síntese entre Teatro e Jornal... era alimentado com acontecimentos jornalísticos do dia-a-dia, representados dramaticamente por um grupo de amadores sob a direção de Moreno” (VOLPE, 1990, p.74). Moreno queria transformar a Arte, seu envolvimento com o teatro retratava claramente isso. Entretanto, mesmo que o Jornal Vivo instaurasse uma inovação nas artes cênicas, faltava-lhe certo carisma. O público se mostrava resistente ao exercício da espontaneidade, voltando sempre sua preferência para produtos acabados; além disso, os atores que trabalhavam com Moreno começavam a buscar seus lugares no Teatro profissional, abandonando as experiências em busca de sucesso na área. Todas essas circunstâncias acabaram por levar Moreno ao Teatro Terapêutico, salvando o movimento psicodramático do esquecimento (VOLPE, 1990). O início do Teatro Terapêutico foi marcado pelo caso Bárbara-Jorge. Bárbara, uma atriz que participava frequentemente do Teatro da Espontaneidade, destacava-se por sua atuação em papéis amáveis, doces e românticos. Jorge, também envolvido com arte, conheceu Bárbara e logo depois se deu o casamento FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 4 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 dos dois jovens. Após a união matrimonial, Jorge procurou Moreno para sinalizar que o comportamento de Bárbara em casa era completamente avesso ao das personagens que ela costumava interpretar. Posto isso, Moreno solicitou que Bárbara interpretasse o papel de uma prostituta que era perseguida por um assassino. Foi uma dramatização fascinante que tocou profundamente a plateia. Depois do fato acima narrado, Bárbara, sob orientação de Moreno, passou a desempenhar papéis mais agressivos e seu comportamento em casa, segundo Jorge, melhorou bastante. Então, devido à experiência na dramatização de personagens hostis, Bárbara passou a enxergar-se e, dessa maneira, quando percebia que estava rude (como uma personagem interpretada outrora), mudava seu comportamento (MORENO, 1999; GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988; VOLPE, 1990). Desde então, Moreno notou que algo novo poderia surgir daquelas sessões teatrais. Percebeu-se o potencial terapêutico desse novo Teatro e, desde então, foram desenvolvidas a fundamentação teórica e algumas técnicas que firmaram, no cenário das práticas psi, a relevância da abordagem psicodramática. 3. A teoria psicodramática O Psicodrama baseia-se no método fenomenológico-existencial, entendendo que existe uma intercomunicação entre consciências, ou seja, admite-se a ideia de uma co-consciência, de modo que a subjetividade de um, junto à de outro, se transforma em intersubjetividade (ALMEIDA, 1982). Nesse sentido, a relação terapeuta-paciente, segundo a abordagem psicodramática, ganha proporções inimagináveis em esquemas teóricos mais rígidos como a Psicanálise, por exemplo. Enquanto no tratamento psicanalítico a relação analista-cliente se dá por meio da transferência (considerada fundamental, por ser um veículo que leva ao inconsciente do cliente); no tratamento psicoterápico com enfoque psicodramático, a relação terapeuta-cliente enfatiza a Tele, buscando-a incessantemente. A Tele é um conceito fundamental do Psicodrama. Definida como sendo “a capacidade de perceber de forma objetiva o que ocorre nas situações e o que se FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 5 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 passa entre as pessoas” (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988, p. 49), ou ainda, “a mútua percepção íntima dos indivíduos” (ALMEIDA, 1982, p. 28). Por conseguinte, demarca-se como uma característica marcante da Tele: a bilateralidade; e, de acordo com Moreno, citado por Sugai e Pereira (1995), “... a Tele é algo que surgiu da análise psicoterapêutica das relações interpessoais concretas” (SUGAI & PEREIRA, 1995, p. 95). Diferentemente da Transferência, que é uma referência ao passado, o fator Tele se dá no presente, nos remetendo à Filosofia (moreniana) do Momento, à ideia do aqui e agora, tão ressaltada por Moreno. Além disso, vale dizer que para os psicodramatistas a relação transferencial não é incentivada, enquanto que a relação télica deve ser buscada constantemente 3 (MARTÍN, 1996). O fator Tele seria imprescindível para o bom andamento da terapia e, para tanto, o psicoterapeuta deve assumir uma postura sincera com relação ao desenvolvimento do paciente, bem como com relação aos sentimentos que esse processo causa nele mesmo. Pierre Weil, citado por Almeida (1988), comentando a postura do terapeuta com relação ao paciente, afirma que Moreno indicava a necessidade de uma relação autêntica4, total e espontânea e, além disso, um contato físico caloroso, de forma que a dimensão emocional do terapeuta não deveria ser podada, sendo, inclusive, parte do processo. Todavia, tais observações podem ser mal interpretadas, dando à figura do psicodramatista a imagem estereotipada de uma pessoa extrovertida, que força gestos de acolhimento. 3 Aqui se pretende ressaltar que a Transferência é um conceito freudiano, embora muitos psicodramatistas trabalhem, também, com o referido conceito. Admite-se, comumente, que nenhuma relação pode ser de todo télica, assim sendo, toda relação (e a relação terapeuta-cliente não foge ao padrão) teria momentos télicos, bem como momentos transferenciais. Contudo, a diferença básica entre psicodramatistas e psicanalistas, no que concerne ao tema, é a valorização da tele em detrimento da transferência (no caso dos primeiros) e a alimentação da transferência como pré-requisito essencial para o tratamento (no caso dos segundos). 4 Ao reforçar a autenticidade, Moreno se aproxima da teoria humanista de Carl Rogers, de modo que podem ser feitas muitas relações entre os dois autores citados. FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 6 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 Toda a atitude exigida do terapeuta refere-se “... à autenticidade dos sentimentos a serem transmitidos ao paciente e não à eventual pantomima 5... o se exige do profissional é a disponibilidade para o atendimento, para o encontro clínico, acrescentada da agilidade de ideias e vivacidade afetivo-emocional. Isso quer dizer relação em busca do estado télico” (ALMEIDA, 1988, p. 90). “Ser autenticamente o que se é, significa respeitar o seu próprio estilo, e só assim se pode ajudar o outro para que faça o mesmo” (BUSTOS, 1992, p. 53). Para Bustos (1992), o psicodramatista deve ser portador de uma capacidade natural para estimular mudanças positivas. Essa qualidade é tomada por ele como se fosse um “talento” o qual, associado à capacidade télica, levaria a psicoterapia a aproximar-se homologamente da arte. Peter Kellerman (1998) delineou os papéis profissionais a serem desempenhados pelo psicodramatista os quais se encontram resumidos no quadro abaixo: Papéis Funções Habilidades Ideais Analista Empatizador Compreensão Hermenêuticos Produtor Diretor teatral Encenação Estéticos Terapeuta Agente de Influência Curativos Liderança Sociais mudança Líder grupal Administrador A espontaneidade – outro conceito crucial no Psicodrama – foi definida por Moreno como sendo “... a resposta adequada a uma situação nova ou a nova resposta a uma situação antiga” (MORENO, 1999, p. 51). Moreno entendia a espontaneidade como elemento básico constitutivo do humano e característica diferenciadora entre o homem e a máquina (MORENO, 5 Frequentemente se pensa que o psicodramatista é uma pessoa sempre “feliz”, que está sempre sorrindo, pronto para uma cena. Cabe ressaltar que alguns psicodramatistas preferem trabalhar no nível do verbal. Para uma boa sessão psicodramática não é imprescindível uma cena, lágrimas ou abraços. FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 7 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 1997). Para ele, as patologias da modernidade seriam todas decorrentes do insuficiente desenvolvimento da espontaneidade (SUGAI & PEREIRA, 1995). A espontaneidade fluiria repetidamente e se articularia a outro conceito de importância capital: a criatividade. O autor6 do Psicodrama entendia a criatividade e a espontaneidade como pertencentes a categorias distintas; a primeira pertenceria à categoria da substância, enquanto que a segunda, à categoria dos catalisadores. Não obstante, seria impossível encontrar tanto produtos de criatividade como de espontaneidade puras, uma vez que uma está em função da outra (SUGAI & PEREIRA, 1995). Para Moreno, os maiores fantasmas (ameaçadores do ato criativo) da vida moderna seriam, exatamente, os mecanismos que possibilitaram a civilização e o conforto, a saber, as máquinas e a Conserva Cultural (MORENO, 1997). O Psicodrama defende a ideia de que todo o processo criativo pode vir a se cristalizar numa Conserva Cultural. Poderiam ser aceitos como conservas culturais objetos materiais (dentre eles as obras de arte), comportamentos, usos e costumes que se mantêm idênticos numa dada cultura (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988). Antes do advento da Indústria Cultural o homem era responsável por toda a transmissão de cultura de uma geração para a outra. Entretanto, com o advento da tecnologia, cada vez mais as máquinas (a televisão, o rádio, os livros etc.) passaram a desempenhar esse papel com grande eficácia. Moreno expressava claramente seu temor no que concerne a substituição do Homem pela Máquina e entendia a criatividade como uma poderosa arma nesta luta (MORENO, 1997). Cabe, contudo, notificar que a Conserva Cultural é necessária, ela é parte do ato criador uma vez que é o seu fim. Entretanto, assim como não se pode estagnar no processo, tornando-o interminável, não podemos, também, estagnar no que já está pronto, eternizando-o sem qualquer tipo de questionamento ou transformação. 6 Cabe salientar que Moreno não foi somente autor do Psicodrama, mas, também, ator deste; vivendo-o tanto na vida profissional como na vida pessoal (posto que ele não impôs muros entre uma e outra). Salienta-se, novamente, que todos os conceitos enumerados neste artigo e estudados por muitos autores que enveredaram pela via psicodramática, foram vivenciados na prática por Moreno. FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 8 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 Moreno não defendia a abolição total das conservas. Elas podem servir de ponto de partida para um ato criador (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988). O homem, segundo a concepção moreniana, é um ser relacional (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988) e, vivendo em sociedade, desempenha vários papéis (NAFFAH NETO, 1997). O Papel pode ser definido como sendo um funcionamento assumido por um sujeito em uma dada situação na qual outras pessoas estão envolvidas (NAFFAH NETO, 1997). O Papel traduz a representação de uma função perante indivíduos ou coisas. Pode-se, ainda, dizer que o papel refere-se à conduta assumida por uma pessoa diante da necessidade de enquadrar-se às normas de convivência, as quais são fundamentais já que sempre pertencemos a grupos (SUGAI & PEREIRA, 1995). O desempenho dos papéis é aprendido ao longo da infância, na medida em que o indivíduo vai se inserindo no meio social. A Matriz de Identidade7, no momento do nascimento, é todo o universo que o bebê compreende, não havendo diferenciação entre o externo e o interno, objetos e pessoas, objetivo e subjetivo, eu e outro (MARTÍN, 1996; GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988). Os primeiros papéis a serem desempenhados pelas crianças são os papéis psicossomáticos que possibilitam uma experiência precipuamente corpórea (NAFFAH NETO, 1989; MARTÍN, 1996). Os outros papéis, a saber, psicodramáticos e sociais, proporcionam a vivência da experiência psíquica e contribuem para a formação da rede social, respectivamente (MARTÍN, 1996). Blatner e Blatner (1996) afirmam que os papéis podem ser aprendidos e revistos; podem ser perdidos, tirados ou abandonados, além de modificados ou redefinidos. A personalidade, segundo a abordagem psicodramática, seria entendida como um conjunto de papéis que se intercruzam entre si (SUGAI & PEREIRA, 7 Vale destacar que Matriz de Identidade é mais um conceito do Psicodrama. Trata-se do termo usado para definir o meio no qual o bebê nasce e é acolhido. FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 9 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 1995). Muitos desses papéis pertencem à classe dos papéis sociais como, por exemplo, o papel de pai ou mãe, o papel de filho (a), o papel de marido ou esposa, o papel de profissional, o papel de irmão ou irmã, o papel de amigo (a), o papel de estudante etc. Estes são de fundamental importância para a composição da sociedade e, ao mesmo tempo, dependem da mesma posto que é nela que se dá a sua origem. Assim como há um acúmulo de papéis sociais por cada indivíduo, os papéis psicossomáticos (ligados às experiências mais fisiológicas) e os psicodramáticos (ligados às experiências psíquicas como a imaginação, por exemplo) também se aglutinam aos demais. Moreno evidenciou um espaço entre a cultura e a biologia8, entre o interno e o externo, tendo uma abordagem global do humano. Além disso, a técnica da Realidade Suplementar9 bem como a criação de um mundo suplementar pelo psicótico – ideias defendidas pelo Psicodrama – nos fazem perceber que esta abordagem aqui discutida não dicotomiza, a realidade e a fantasia. A ludicidade também foi muito valorizada por Moreno, isso pode ser visto nas suas brincadeiras de infância e até na sua concepção religiosa10. A ludicidade expressa no Psicodrama foi facilmente difundida pelo fato de que tal abordagem é conhecido, em diferentes áreas, pela gama de jogos dramáticos que popularizou no âmbito das atividades em grupo. Conclui-se por fim, através da leitura de Moreno, enriquecida com outras leituras afins que, os papéis psicosomáticos, psicodramáticos e sociais, funcionam em conjunto. Assim sendo, o conceito de humano adotado pelo Psicodrama não é um conceito rígido, posto que entende o homem em constante transformação, englobando inúmeros aspectos: o corpo biológico deste homem com suas limitações; a sua subjetividade, considerando tanto suas ideias sobre si como as 8 Basta citar que ele teve uma formação médica e entendeu que a Conserva Cultural pode ser o nó que patologiza o humano. 9 A técnica da Realidade Suplementar trata-se da dramatização de uma cena não ocorrida, vivida pelo paciente dentro dos limites da sua subjetividade (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988; BLATNER & BLATNER, 1996). 10 Moreno, durante sua juventude, pertenceu à seita judia espiritualista do hassidismo, a qual privilegiava a alegria, entendendo que em todo homem há uma centelha divina. Esta seita foi a base do chamado seinismo, essência vital das concepções morenianas (MARTÍN, 1996; MARINEAU, 1992). FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 10 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 ideias sobre o mundo; a sua capacidade imaginativa; a sua capacidade criadora e cristalizadora; a sua capacidade lúdica; a sua espontaneidade; seu potencial artístico; seus papéis sociais etc. 4. O Psicodrama na prática e algumas técnicas Moreno (1999) definiu o Psicodrama como sendo a terapia profunda de grupo. As sessões seriam coordenadas por um diretor e vários egos auxiliares. Contudo, atualmente as conjecturas são outras, sendo que se tem em voga o Psicodrama Bipessoal. Rosa Cukier (1992) define o Psicodrama Bipessoal como sendo uma abordagem terapêutica com base no Psicodrama, a qual não se utiliza de egos auxiliares e atende somente um paciente por vez. Bustos (1992) afirma que o objetivo básico do Psicodrama Bipessoal é “conseguir a integração de um indivíduo em seus níveis afetivos, corporais, intelectuais e vinculares (sociais)” (BUSTOS, 1992, p. 72). Poderíamos destacar como principais as seguintes técnicas psicodramáticas: Duplo, Espelho, Inversão de Papéis, Átomo Social e Solilóquio. No Duplo, o terapeuta funciona como suporte na exposição da posição ou dos sentimentos do paciente (BLATNER & BLATNER, 1996), falando para este como se fosse ele mesmo. É uma técnica importante, muito usada no início das terapias. Tem grande valor, mas exige bom nível télico do terapeuta. No Espelho, o paciente se afasta e observa sua ação ou representação sendo repetida por outro (BLATNER & BLATNER, 1996). Assim como o Duplo, o Espelho é uma técnica que auxilia na percepção de si mesmo. Exige do terapeuta disponibilidade para a atuação de um papel que não é seu. Blatner e Blatner (1996) afirmam que a Inversão de Papel pode ser vivenciada de forma similar ao Espelho dando ao paciente um feedback com relação ao seu comportamento não verbal. Nesta técnica (Inversão de Papel) os participantes de uma dada cena trocam de papel; ela é usada para que se possa transcender os limites da egocentricidade (BLATNER & BLATNER, 1996). Da FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 11 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 mesma forma que o Espelho, esta técnica exige, por parte do terapeuta uma disponibilidade corporal e cênica. O Átomo Social seria uma auto-apresentação específica, na qual o paciente apresenta ou ao terapeuta, ou ao grupo, pessoas afetivamente significativas. Para Moreno, trata-se de uma apresentação de suas relações subjetivas. É, de fato, uma técnica comumente utilizada em entrevistas inicias (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988), posto que possibilita um mapeamento das relações sociais do sujeito. Solilóquio é sempre usado com o intendo de exprimir sentimentos ou emoções que íntimas, é uma forma de objetivar ou enunciar o que faz parte do mundo interpessoal de alguém (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988). Pode ser solicitado de várias maneiras e isso fica a cargo do estilo de cada terapeuta, bem como da relação terapeuta-paciente. O Solilóquio indica certo grau de confiança no terapeuta por parte do cliente e é como se fosse uma resposta a perguntas como: o que você está pensando agora? Que sentimentos afloram nesse momento? O Psicodrama dispõe de inúmeras técnicas e em uma dada situação podem ser aplicadas uma infinidade delas. No entanto, é fundamental ressaltar que o uso da técnica psicodramática não deve se dar indiscriminadamente. A escolha desta ou daquela técnica passa por critérios subjetivos de cada terapeuta, que envolvem desde seu estilo pessoal à sua vivência da técnica como paciente – uma vez que se considera ser fundamental, para aquele que conduz trabalhos como psicodramatista, ter vivido a experiência de se submeter à técnica psicodramática como paciente. Contudo, para auxiliar na escolha da melhor técnica em um dado momento, deve-se recorrer sempre à Tele, elemento norteador de todo trabalho com pessoas, segundo a abordagem psicodramática. 5. Da terapia para a vida Embora Moreno tenha se dedicado muito ao tratamento de portadores de sofrimento mental, valendo-se de dramatizações nos palcos da sua clínica de tratamento, ele também corroborou com trabalhos que visavam o desenvolvimento FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 12 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 em ambientes que não estão diretamente associados ao tratamento psicológico, elucidando que a sua produção teórica não se limita ao campo da saúde. Miniccucci (2002) coloca a Sociometria – um conjunto de técnicas delineadas por Moreno para investigar, medir e estudar os vínculos de um grupo (MENEGAZZO, TOMASINI & ZURETTI, 1995) – como um tipo de avaliação importante e significativo para a Dinâmica de Grupo, podendo ser usado em distintos espaços como: família, organizações empresariais, comunidades, entre outros. Do mesmo modo, as técnicas aqui delineadas, não têm seu uso limitado ao psicodrama bipessoal ou grupal, uma vez que os jogos para grupos não se limitam à dimensão da terapia. Na atualidade, inúmeras empresas enveredam para o desenvolvimento de seus colaboradores com o uso de técnicas dramáticas. Há muitos anos usa-se o Role-playing nas organizações como parte integrante de treinamento de colaboradores. Tal técnica foi muito usada por Moreno e refere-se basicamente a um treino que visa a aprendizagem e estruturação de um papel qualquer (MENEGAZZO, TOMASINI & ZURETTI, 1995). Do mesmo modo, o Teatro Espontâneo ainda hoje pode ser usado em organizações como uma forma de avaliar e compreender um dado grupo, além de se constituir como uma boa estratégia para favorecer a evolução e o amadurecimento grupal – o que na dimensão organizacional costuma possibilitar uma sensação de satisfação ao trabalhador e aumento da produtividade na empresa. Dessa maneira, vê-se que Moreno, como sua teoria, trouxe à tona uma forma inovadora de visualizar as relações humanas. Partindo das suas próprias experiências, Moreno é um exemplo de como os acontecimentos da vida tem potência artística e, por meio do seu caminho na arte ele pode encontrar na perspectiva criativa e criadora uma concepção inovadora de tratamento para as desavenças intra e interpessoais, que maltratam os sujeitos e deterioram a saúde. Saindo do palco da sua vida, Moreno trouxe a vida ao palco, para fazer dos dramas uma nova “arte”. Ele fez com que o mundo pudesse se voltasse à possibilidades de trabalho mais criativas, estabelecendo os jogos para grupos como uma maneira de avaliar, estudar, compreender e tratar as pessoas com ludicidade, o FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012 13 Revista Eletrônica da FANESE ISSN 2317-3769 que em si já traz a potencia de diminuir o sofrimento. Pois, afinal, o Psicodrama só tem sentido se puder trazer às pessoas um pouco de alegria, mesmo que inevitavelmente o sofrimento seja parte da existência humana. Antes de Moreno a arte já havia sinalizado: não há tragédia sem dor, assim como não haveria teatro sem a tragédia. Não obstante, Moreno veio fazer da dor um motor para o crescimento e para a criação de novas possibilidades de vida e, por isso, o Psicodrama não pode permanecer para sempre como foi deixado pelo seu autor. É preciso ir além da Conserva Cultural que já está posta e continuar refletindo, produzindo, dramatizando e, sobretudo, vivendo. 6. Referências ALMEIDA, Wilson Castello. Formas de Encontro: Psicoterapia Aberta, São Paulo: Ágora, 1988. ALMEIDA, Wilson Castello. Psicoterapia Aberta – O Método do Psicodrama, São Paulo: Ágora, 1982. BLATNER, Adam & BLATNER, Allee. Uma Visão Global do Psicodrama, São Paulo: Ágora, 1996. BUSTOS, D. Novos Rumos em Psicodrama, São Paulo: Ática, 1992. GONÇALVES, Camila Salles, WOLFF, José Roberto & ALMEIDA, Wilson castelo de. Lições de Psicodrama: Introdução ao pensamento de J. L. Moreno. 2a ed. São Paulo: Ágora, 1988. KELLERMAN, Peter. O Psicodrama em Foco – Seus aspectos terapêuticos, São Paulo: Ágora, 1998. MARINEAU, René F. Jacob Levy Moreno1889-1974, São Paulo: Agora, 1992. MARTÍN, Egenio Garrido. Psicologia do encontro: J. L. Moreno, São Paulo: Ágora, 1996. MENEGAZZO, Carlos Maria; TOMASINI, Miguel Angel & ZURETTI, Maria Mônica. 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