do palco da vida à vida no palco

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do palco da vida à vida no palco
Revista Eletrônica da FANESE
ISSN 2317-3769
DO PALCO DA VIDA À VIDA NO PALCO – BREVE APRESENTAÇÃO DA
TEORIA E TÉCNICA PSICODRAMÁTICA
Ariadne Cedraz*
RESUMO
Este artigo tem o objetivo de apresentar de forma sucinta o Psicodrama, abordagem
terapêutica atualmente usada tanto no âmbito dos consultórios terapêuticos, como
em espaços institucionais e organizacionais. O texto aponta de forma resumida a
história de Moreno, criador do Psicodrama, bem como situa o leitor no espaço no
qual foram criadas as técnicas psicodramáticas. São, ainda, apresentados conceitos
fundamentais do Psicodrama como: criatividade, espontaneidade, Conserva
Cultural, Tele e Papel. Nesse contexto, são feitas algumas considerações a respeito
da maneira pela qual o Psicodrama vê o homem. Por fim, são apresentadas
algumas técnicas do Psicodrama que, normalmente, são usadas no setting
terapêutico, mas que também podem ser usadas em outras esferas nas quais o
Psicodrama pode ser usado.
Palavras-chave: Psicodrama. Teatro. Dinâmica de Grupo.
1. Moreno e sua história
O surgimento do Psicodrama é recheado de histórias fantásticas sobre
seu criador, a saber, Jacob Levy Moreno (1889-1974), figura histórica no panorama
da Psiquiatria, da Psicologia, das Ciências Sociais e da Arte.
“Diz a lenda” que Moreno nasceu no dia 20 de maio de 1892, num navio
não identificado que flutuava sobre o Mar Negro. Tal data é simbólica, pois,
exatamente quatrocentos anos antes ocorreu um fato marcante para os judeus na
*Graduada em Psicologia e Licenciatura em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe.
Psicodramatista pela PROFINT-Profissionais Integrados LTDA. Mestre em Psicologia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora da Faculdade de Administração e Negócios de
Sergipe.e-mail: [email protected]
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Europa: a proclamação de um édito que obrigava a conversão ao catolicismo, de
modo que para aqueles que desobedecessem à regra seria certa a expulsão
(MARINEAU, 1992).
De fato, a data exata do nascimento de Moreno é controversa. Para uns 6
de maio de 1889 seria o correto (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1998); para
outros, 18 de maio do mesmo ano (MARINEAU, 1992) é a data que figura o
nascimento de Moreno.
Embora detalhes mínimos possam contribuir para o total entendimento de
um assunto, principalmente quando se considera a dimensão do simbólico – dada a
valorização da subjetividade humana a qual foi, inclusive, evidenciada pelo
Psicodrama –, a verdadeira data do nascimento de Moreno é o que menos importa
neste caso, já que foi a lenda de um nascimento mágico que ganhou força, por ter
sido narrada pelo próprio Moreno em sua autobiografia (MARINEAU, 1992). Então,
mesmo que seja sabido que não é verdadeira a estória contada por Moreno, foi esta
versão que o mesmo assumiu para si e para o mundo.
Dessa maneira, o criador do Psicodrama cercou-se de misticismo,
característica marcante na sua vida, vendo-se como cidadão do mundo (por ter
nascido no meio do mar), entendendo seu nascimento como um marco histórico.
Os livros contam que Moreno foi sempre muito expressivo, desde a
famosa brincadeira de Deus1 – que é o cerne da ideia de que todos têm uma
centelha divina –, desde os passeios com crianças nos jardins de Viena, às sempre
comentadas sessões no Teatro da Espontaneidade (GONÇALVES, WOLFF &
ALMEIDA, 1998; MARINEAU, 1992).
Toda a vivência infantil e adolescente de Moreno, bem como a sua
inserção no mundo das ciências e publicações, foram de influencia inquestionável
para os fundamentos da corrente a ser posteriormente esquematizada por Jacob
Levy2 (MARTÍN, 1996).
1
Quando tinha 4 anos, Moreno brincava com outras crianças de “deus e anjos”. Moreno, sendo Deus, voou do
alto e na queda fraturou o braço direito (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1998; MARINEU, 1989).
2
Muitos livros dedicam-se ao aprofundamento do tema. Não obstante, não é objetivo do presente artigo fazer um
relato completo da vida de Moreno, relacionando-o com a sua obra, de modo que, a partir de então, o foco passa
a ser uma visão global da abordagem psicodramática.
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Volpe (1990) destaca o dia 1º de abril de 1921 como o início oficial do
Psicodrama. Nesta data, Viena vivia um momento histórico muito peculiar de grande
efervescência política, e Moreno foi pauta do Komoediem Haus de Viena,
apresentando-se sozinho, sem texto, tendo por cenário apenas uma cadeira
vermelha sobre a qual repousava uma coroa. Nesta noite, Moreno convidou a plateia
para ocupar o lugar do rei e, entre todos os que ousaram se expor, ninguém foi
avaliado pelo público como um bom governante. O acontecimento como um todo
gerou polêmica e Moreno teve que suportar duras críticas e sanções.
2. Teatro e Psicodrama
Entre os anos de 1922 e 1925, Moreno dedicou-se ao chamado Teatro da
Espontaneidade. Este era um teatro experimental se constituindo de um espaço
ocupado pelos descontentes e rebeldes (VOLPE, 1990).
Aos poucos o Teatro da Espontaneidade deu lugar ao “Jornal Vivo”
definido por Volpe (1990) como “uma espécie de síntese entre Teatro e Jornal... era
alimentado
com
acontecimentos
jornalísticos
do
dia-a-dia,
representados
dramaticamente por um grupo de amadores sob a direção de Moreno” (VOLPE,
1990, p.74).
Moreno queria transformar a Arte, seu envolvimento com o teatro
retratava claramente isso. Entretanto, mesmo que o Jornal Vivo instaurasse uma
inovação nas artes cênicas, faltava-lhe certo carisma. O público se mostrava
resistente ao exercício da espontaneidade, voltando sempre sua preferência para
produtos acabados; além disso, os atores que trabalhavam com Moreno começavam
a buscar seus lugares no Teatro profissional, abandonando as experiências em
busca de sucesso na área. Todas essas circunstâncias acabaram por levar Moreno
ao Teatro Terapêutico, salvando o movimento psicodramático do esquecimento
(VOLPE, 1990).
O início do Teatro Terapêutico foi marcado pelo caso Bárbara-Jorge.
Bárbara, uma atriz que participava frequentemente do Teatro da Espontaneidade,
destacava-se por sua atuação em papéis amáveis, doces e românticos. Jorge,
também envolvido com arte, conheceu Bárbara e logo depois se deu o casamento
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dos dois jovens. Após a união matrimonial, Jorge procurou Moreno para sinalizar
que o comportamento de Bárbara em casa era completamente avesso ao das
personagens que ela costumava interpretar. Posto isso, Moreno solicitou que
Bárbara interpretasse o papel de uma prostituta que era perseguida por um
assassino. Foi uma dramatização fascinante que tocou profundamente a plateia.
Depois do fato acima narrado, Bárbara, sob orientação de Moreno, passou a
desempenhar papéis mais agressivos e seu comportamento em casa, segundo
Jorge, melhorou bastante. Então, devido à experiência na dramatização de
personagens hostis, Bárbara passou a enxergar-se e, dessa maneira, quando
percebia que estava rude (como uma personagem interpretada outrora), mudava
seu comportamento (MORENO, 1999; GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988;
VOLPE, 1990).
Desde então, Moreno notou que algo novo poderia surgir daquelas
sessões teatrais. Percebeu-se o potencial terapêutico desse novo Teatro e, desde
então, foram desenvolvidas a fundamentação teórica e algumas técnicas que
firmaram, no cenário das práticas psi, a relevância da abordagem psicodramática.
3. A teoria psicodramática
O
Psicodrama
baseia-se
no
método
fenomenológico-existencial,
entendendo que existe uma intercomunicação entre consciências, ou seja, admite-se
a ideia de uma co-consciência, de modo que a subjetividade de um, junto à de outro,
se transforma em intersubjetividade (ALMEIDA, 1982).
Nesse sentido, a relação terapeuta-paciente, segundo a abordagem
psicodramática, ganha proporções inimagináveis em esquemas teóricos mais rígidos
como a Psicanálise, por exemplo.
Enquanto no tratamento psicanalítico a relação analista-cliente se dá por
meio da transferência (considerada fundamental, por ser um veículo que leva ao
inconsciente do cliente); no tratamento psicoterápico com enfoque psicodramático, a
relação terapeuta-cliente enfatiza a Tele, buscando-a incessantemente.
A Tele é um conceito fundamental do Psicodrama. Definida como sendo
“a capacidade de perceber de forma objetiva o que ocorre nas situações e o que se
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passa entre as pessoas” (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988, p. 49), ou
ainda, “a mútua percepção íntima dos indivíduos” (ALMEIDA, 1982, p. 28).
Por conseguinte, demarca-se como uma característica marcante da Tele:
a bilateralidade; e, de acordo com Moreno, citado por Sugai e Pereira (1995), “... a
Tele é algo que surgiu da análise psicoterapêutica das relações interpessoais
concretas” (SUGAI & PEREIRA, 1995, p. 95).
Diferentemente da Transferência, que é uma referência ao passado, o
fator Tele se dá no presente, nos remetendo à Filosofia (moreniana) do Momento, à
ideia do aqui e agora, tão ressaltada por Moreno. Além disso, vale dizer que para os
psicodramatistas a relação transferencial não é incentivada, enquanto que a relação
télica deve ser buscada constantemente 3 (MARTÍN, 1996).
O fator Tele seria imprescindível para o bom andamento da terapia e,
para tanto, o psicoterapeuta deve assumir uma postura sincera com relação ao
desenvolvimento do paciente, bem como com relação aos sentimentos que esse
processo causa nele mesmo.
Pierre Weil, citado por Almeida (1988), comentando a postura do
terapeuta com relação ao paciente, afirma que Moreno indicava a necessidade de
uma relação autêntica4, total e espontânea e, além disso, um contato físico caloroso,
de forma que a dimensão emocional do terapeuta não deveria ser podada, sendo,
inclusive, parte do processo.
Todavia, tais observações podem ser mal interpretadas, dando à figura do
psicodramatista a imagem estereotipada de uma pessoa extrovertida, que força
gestos de acolhimento.
3
Aqui se pretende ressaltar que a Transferência é um conceito freudiano, embora muitos psicodramatistas
trabalhem, também, com o referido conceito. Admite-se, comumente, que nenhuma relação pode ser de todo
télica, assim sendo, toda relação (e a relação terapeuta-cliente não foge ao padrão) teria momentos télicos, bem
como momentos transferenciais. Contudo, a diferença básica entre psicodramatistas e psicanalistas, no que
concerne ao tema, é a valorização da tele em detrimento da transferência (no caso dos primeiros) e a alimentação
da transferência como pré-requisito essencial para o tratamento (no caso dos segundos).
4
Ao reforçar a autenticidade, Moreno se aproxima da teoria humanista de Carl Rogers, de modo que podem ser
feitas muitas relações entre os dois autores citados.
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Toda a atitude exigida do terapeuta refere-se “... à autenticidade dos
sentimentos a serem transmitidos ao paciente e não à eventual pantomima 5... o se
exige do profissional é a disponibilidade para o atendimento, para o encontro clínico,
acrescentada da agilidade de ideias e vivacidade afetivo-emocional. Isso quer dizer
relação em busca do estado télico” (ALMEIDA, 1988, p. 90).
“Ser autenticamente o que se é, significa respeitar o seu próprio estilo, e
só assim se pode ajudar o outro para que faça o mesmo” (BUSTOS, 1992, p. 53).
Para Bustos (1992), o psicodramatista deve ser portador de uma
capacidade natural para estimular mudanças positivas. Essa qualidade é tomada por
ele como se fosse um “talento” o qual, associado à capacidade télica, levaria a
psicoterapia a aproximar-se homologamente da arte.
Peter Kellerman (1998) delineou os papéis profissionais a serem
desempenhados pelo psicodramatista os quais se encontram resumidos no quadro
abaixo:
Papéis
Funções
Habilidades
Ideais
Analista
Empatizador
Compreensão
Hermenêuticos
Produtor
Diretor teatral
Encenação
Estéticos
Terapeuta
Agente de
Influência
Curativos
Liderança
Sociais
mudança
Líder grupal
Administrador
A espontaneidade – outro conceito crucial no Psicodrama – foi definida
por Moreno como sendo “... a resposta adequada a uma situação nova ou a nova
resposta a uma situação antiga” (MORENO, 1999, p. 51).
Moreno entendia a espontaneidade como elemento básico constitutivo do
humano e característica diferenciadora entre o homem e a máquina (MORENO,
5
Frequentemente se pensa que o psicodramatista é uma pessoa sempre “feliz”, que está sempre sorrindo, pronto
para uma cena. Cabe ressaltar que alguns psicodramatistas preferem trabalhar no nível do verbal. Para uma boa
sessão psicodramática não é imprescindível uma cena, lágrimas ou abraços.
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1997). Para ele, as patologias da modernidade seriam todas decorrentes do
insuficiente desenvolvimento da espontaneidade (SUGAI & PEREIRA, 1995).
A espontaneidade fluiria repetidamente e se articularia a outro conceito de
importância capital: a criatividade. O autor6 do Psicodrama entendia a criatividade e
a espontaneidade como pertencentes a categorias distintas; a primeira pertenceria à
categoria da substância, enquanto que a segunda, à categoria dos catalisadores.
Não obstante, seria impossível encontrar tanto produtos de criatividade como de
espontaneidade puras, uma vez que uma está em função da outra (SUGAI &
PEREIRA, 1995).
Para Moreno, os maiores fantasmas (ameaçadores do ato criativo) da
vida moderna seriam, exatamente, os mecanismos que possibilitaram a civilização e
o conforto, a saber, as máquinas e a Conserva Cultural (MORENO, 1997).
O Psicodrama defende a ideia de que todo o processo criativo pode vir a
se cristalizar numa Conserva Cultural. Poderiam ser aceitos como conservas
culturais objetos materiais (dentre eles as obras de arte), comportamentos, usos e
costumes que se mantêm idênticos numa dada cultura (GONÇALVES, WOLFF &
ALMEIDA, 1988).
Antes do advento da Indústria Cultural o homem era responsável por toda
a transmissão de cultura de uma geração para a outra. Entretanto, com o advento da
tecnologia, cada vez mais as máquinas (a televisão, o rádio, os livros etc.) passaram
a desempenhar esse papel com grande eficácia. Moreno expressava claramente seu
temor no que concerne a substituição do Homem pela Máquina e entendia a
criatividade como uma poderosa arma nesta luta (MORENO, 1997).
Cabe, contudo, notificar que a Conserva Cultural é necessária, ela é parte
do ato criador uma vez que é o seu fim. Entretanto, assim como não se pode
estagnar no processo, tornando-o interminável, não podemos, também, estagnar no
que já está pronto, eternizando-o sem qualquer tipo de questionamento ou
transformação.
6
Cabe salientar que Moreno não foi somente autor do Psicodrama, mas, também, ator deste; vivendo-o tanto na
vida profissional como na vida pessoal (posto que ele não impôs muros entre uma e outra). Salienta-se,
novamente, que todos os conceitos enumerados neste artigo e estudados por muitos autores que enveredaram
pela via psicodramática, foram vivenciados na prática por Moreno.
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Moreno não defendia a abolição total das conservas. Elas podem servir
de ponto de partida para um ato criador (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988).
O homem, segundo a concepção moreniana, é um ser relacional
(GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988) e, vivendo em sociedade, desempenha
vários papéis (NAFFAH NETO, 1997).
O Papel pode ser definido como sendo um funcionamento assumido por
um sujeito em uma dada situação na qual outras pessoas estão envolvidas
(NAFFAH NETO, 1997). O Papel traduz a representação de uma função perante
indivíduos ou coisas.
Pode-se, ainda, dizer que o papel refere-se à conduta assumida por uma
pessoa diante da necessidade de enquadrar-se às normas de convivência, as quais
são fundamentais já que sempre pertencemos a grupos (SUGAI & PEREIRA, 1995).
O desempenho dos papéis é aprendido ao longo da infância, na medida
em que o indivíduo vai se inserindo no meio social.
A Matriz de Identidade7, no momento do nascimento, é todo o universo
que o bebê compreende, não havendo diferenciação entre o externo e o interno,
objetos e pessoas, objetivo e subjetivo, eu e outro (MARTÍN, 1996; GONÇALVES,
WOLFF & ALMEIDA, 1988).
Os primeiros papéis a serem desempenhados pelas crianças são os
papéis psicossomáticos que possibilitam uma experiência precipuamente corpórea
(NAFFAH NETO, 1989; MARTÍN, 1996).
Os outros papéis, a saber, psicodramáticos e sociais, proporcionam a
vivência da experiência psíquica e contribuem para a formação da rede social,
respectivamente (MARTÍN, 1996).
Blatner e Blatner (1996) afirmam que os papéis podem ser aprendidos e
revistos; podem ser perdidos, tirados ou abandonados, além de modificados ou
redefinidos.
A personalidade, segundo a abordagem psicodramática, seria entendida
como um conjunto de papéis que se intercruzam entre si (SUGAI & PEREIRA,
7
Vale destacar que Matriz de Identidade é mais um conceito do Psicodrama. Trata-se do termo usado para
definir o meio no qual o bebê nasce e é acolhido.
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1995). Muitos desses papéis pertencem à classe dos papéis sociais como, por
exemplo, o papel de pai ou mãe, o papel de filho (a), o papel de marido ou esposa, o
papel de profissional, o papel de irmão ou irmã, o papel de amigo (a), o papel de
estudante etc. Estes são de fundamental importância para a composição da
sociedade e, ao mesmo tempo, dependem da mesma posto que é nela que se dá a
sua origem.
Assim como há um acúmulo de papéis sociais por cada indivíduo, os
papéis
psicossomáticos
(ligados
às
experiências
mais
fisiológicas)
e
os
psicodramáticos (ligados às experiências psíquicas como a imaginação, por
exemplo) também se aglutinam aos demais.
Moreno evidenciou um espaço entre a cultura e a biologia8, entre o interno
e o externo, tendo uma abordagem global do humano. Além disso, a técnica da
Realidade Suplementar9 bem como a criação de um mundo suplementar pelo
psicótico – ideias defendidas pelo Psicodrama – nos fazem perceber que esta
abordagem aqui discutida não dicotomiza, a realidade e a fantasia.
A ludicidade também foi muito valorizada por Moreno, isso pode ser visto
nas suas brincadeiras de infância e até na sua concepção religiosa10. A ludicidade
expressa no Psicodrama foi facilmente difundida pelo fato de que tal abordagem é
conhecido, em diferentes áreas, pela gama de jogos dramáticos que popularizou no
âmbito das atividades em grupo.
Conclui-se por fim, através da leitura de Moreno, enriquecida com outras
leituras afins que, os papéis psicosomáticos, psicodramáticos e sociais, funcionam
em conjunto. Assim sendo, o conceito de humano adotado pelo Psicodrama não é
um conceito rígido, posto que entende o homem em constante transformação,
englobando inúmeros aspectos: o corpo biológico deste homem com suas
limitações; a sua subjetividade, considerando tanto suas ideias sobre si como as
8
Basta citar que ele teve uma formação médica e entendeu que a Conserva Cultural pode ser o nó que patologiza
o humano.
9
A técnica da Realidade Suplementar trata-se da dramatização de uma cena não ocorrida, vivida pelo paciente
dentro dos limites da sua subjetividade (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988; BLATNER &
BLATNER, 1996).
10
Moreno, durante sua juventude, pertenceu à seita judia espiritualista do hassidismo, a qual privilegiava a
alegria, entendendo que em todo homem há uma centelha divina. Esta seita foi a base do chamado seinismo,
essência vital das concepções morenianas (MARTÍN, 1996; MARINEAU, 1992).
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ideias sobre o mundo; a sua capacidade imaginativa; a sua capacidade criadora e
cristalizadora; a sua capacidade lúdica; a sua espontaneidade; seu potencial
artístico; seus papéis sociais etc.
4. O Psicodrama na prática e algumas técnicas
Moreno (1999) definiu o Psicodrama como sendo a terapia profunda de
grupo. As sessões seriam coordenadas por um diretor e vários egos auxiliares.
Contudo, atualmente as conjecturas são outras, sendo que se tem em voga o
Psicodrama Bipessoal.
Rosa Cukier (1992) define o Psicodrama Bipessoal como sendo uma
abordagem terapêutica com base no Psicodrama, a qual não se utiliza de egos
auxiliares e atende somente um paciente por vez.
Bustos (1992) afirma que o objetivo básico do Psicodrama Bipessoal é
“conseguir a integração de um indivíduo em seus níveis afetivos, corporais,
intelectuais e vinculares (sociais)” (BUSTOS, 1992, p. 72).
Poderíamos
destacar
como
principais
as
seguintes
técnicas
psicodramáticas: Duplo, Espelho, Inversão de Papéis, Átomo Social e Solilóquio.
No Duplo, o terapeuta funciona como suporte na exposição da posição ou
dos sentimentos do paciente (BLATNER & BLATNER, 1996), falando para este
como se fosse ele mesmo. É uma técnica importante, muito usada no início das
terapias. Tem grande valor, mas exige bom nível télico do terapeuta.
No Espelho, o paciente se afasta e observa sua ação ou representação
sendo repetida por outro (BLATNER & BLATNER, 1996). Assim como o Duplo, o
Espelho é uma técnica que auxilia na percepção de si mesmo. Exige do terapeuta
disponibilidade para a atuação de um papel que não é seu.
Blatner e Blatner (1996) afirmam que a Inversão de Papel pode ser
vivenciada de forma similar ao Espelho dando ao paciente um feedback com relação
ao seu comportamento não verbal. Nesta técnica (Inversão de Papel) os
participantes de uma dada cena trocam de papel; ela é usada para que se possa
transcender os limites da egocentricidade (BLATNER & BLATNER, 1996). Da
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mesma forma que o Espelho, esta técnica exige, por parte do terapeuta uma
disponibilidade corporal e cênica.
O Átomo Social seria uma auto-apresentação específica, na qual o
paciente apresenta ou ao terapeuta, ou ao grupo, pessoas afetivamente
significativas. Para Moreno, trata-se de uma apresentação de suas relações
subjetivas. É, de fato, uma técnica comumente utilizada em entrevistas inicias
(GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988), posto que possibilita um mapeamento
das relações sociais do sujeito.
Solilóquio é sempre usado com o intendo de exprimir sentimentos ou
emoções que íntimas, é uma forma de objetivar ou enunciar o que faz parte do
mundo interpessoal de alguém (GONÇALVES, WOLFF & ALMEIDA, 1988). Pode
ser solicitado de várias maneiras e isso fica a cargo do estilo de cada terapeuta, bem
como da relação terapeuta-paciente. O Solilóquio indica certo grau de confiança no
terapeuta por parte do cliente e é como se fosse uma resposta a perguntas como: o
que você está pensando agora? Que sentimentos afloram nesse momento?
O Psicodrama dispõe de inúmeras técnicas e em uma dada situação
podem ser aplicadas uma infinidade delas. No entanto, é fundamental ressaltar que
o uso da técnica psicodramática não deve se dar indiscriminadamente. A escolha
desta ou daquela técnica passa por critérios subjetivos de cada terapeuta, que
envolvem desde seu estilo pessoal à sua vivência da técnica como paciente – uma
vez que se considera ser fundamental, para aquele que conduz trabalhos como
psicodramatista, ter vivido a experiência de se submeter à técnica psicodramática
como paciente. Contudo, para auxiliar na escolha da melhor técnica em um dado
momento, deve-se recorrer sempre à Tele, elemento norteador de todo trabalho com
pessoas, segundo a abordagem psicodramática.
5. Da terapia para a vida
Embora Moreno tenha se dedicado muito ao tratamento de portadores de
sofrimento mental, valendo-se de dramatizações nos palcos da sua clínica de
tratamento, ele também corroborou com trabalhos que visavam o desenvolvimento
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em ambientes que não estão diretamente associados ao tratamento psicológico,
elucidando que a sua produção teórica não se limita ao campo da saúde.
Miniccucci (2002) coloca a Sociometria – um conjunto de técnicas
delineadas por Moreno para investigar, medir e estudar os vínculos de um grupo
(MENEGAZZO, TOMASINI & ZURETTI, 1995) – como um tipo de avaliação
importante e significativo para a Dinâmica de Grupo, podendo ser usado em distintos
espaços como: família, organizações empresariais, comunidades, entre outros. Do
mesmo modo, as técnicas aqui delineadas, não têm seu uso limitado ao psicodrama
bipessoal ou grupal, uma vez que os jogos para grupos não se limitam à dimensão
da terapia.
Na atualidade, inúmeras empresas enveredam para o desenvolvimento
de seus colaboradores com o uso de técnicas dramáticas. Há muitos anos usa-se o
Role-playing
nas organizações como
parte integrante
de
treinamento
de
colaboradores. Tal técnica foi muito usada por Moreno e refere-se basicamente a um
treino
que
visa
a
aprendizagem e
estruturação
de
um papel
qualquer
(MENEGAZZO, TOMASINI & ZURETTI, 1995). Do mesmo modo, o Teatro
Espontâneo ainda hoje pode ser usado em organizações como uma forma de avaliar
e compreender um dado grupo, além de se constituir como uma boa estratégia para
favorecer a evolução e o amadurecimento grupal – o que na dimensão
organizacional costuma possibilitar uma sensação de satisfação ao trabalhador e
aumento da produtividade na empresa.
Dessa maneira, vê-se que Moreno, como sua teoria, trouxe à tona uma
forma inovadora de visualizar as relações humanas. Partindo das suas próprias
experiências, Moreno é um exemplo de como os acontecimentos da vida tem
potência artística e, por meio do seu caminho na arte ele pode encontrar na
perspectiva criativa e criadora uma concepção inovadora de tratamento para as
desavenças intra e interpessoais, que maltratam os sujeitos e deterioram a saúde.
Saindo do palco da sua vida, Moreno trouxe a vida ao palco, para fazer
dos dramas uma nova “arte”. Ele fez com que o mundo pudesse se voltasse à
possibilidades de trabalho mais criativas, estabelecendo os jogos para grupos como
uma maneira de avaliar, estudar, compreender e tratar as pessoas com ludicidade, o
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que em si já traz a potencia de diminuir o sofrimento. Pois, afinal, o Psicodrama só
tem sentido se puder trazer às pessoas um pouco de alegria, mesmo que
inevitavelmente o sofrimento seja parte da existência humana. Antes de Moreno a
arte já havia sinalizado: não há tragédia sem dor, assim como não haveria teatro
sem a tragédia.
Não obstante, Moreno veio fazer da dor um motor para o crescimento e
para a criação de novas possibilidades de vida e, por isso, o Psicodrama não pode
permanecer para sempre como foi deixado pelo seu autor. É preciso ir além da
Conserva Cultural que já está posta e continuar refletindo, produzindo, dramatizando
e, sobretudo, vivendo.
6. Referências
ALMEIDA, Wilson Castello. Formas de Encontro: Psicoterapia Aberta, São Paulo:
Ágora, 1988.
ALMEIDA, Wilson Castello. Psicoterapia Aberta – O Método do Psicodrama, São
Paulo: Ágora, 1982.
BLATNER, Adam & BLATNER, Allee. Uma Visão Global do Psicodrama, São
Paulo: Ágora, 1996.
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GONÇALVES, Camila Salles, WOLFF, José Roberto & ALMEIDA, Wilson castelo de.
Lições de Psicodrama: Introdução ao pensamento de J. L. Moreno. 2a ed. São
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FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE
REVISTA ELETRÔNICA DA FANESE – Vol 1 - Nº1 – DEZEMBRO 2012
14
Revista Eletrônica da FANESE
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