Lesões torácicas e traumatismo da coluna
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Lesões torácicas e traumatismo da coluna
8 ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE Lesões torácicas e traumatismo da coluna: uma complexa associação Thoracic injuries and spinal trauma: a complex association Lesiones torácicas y trauma de columna: una compleja asociación Xavier Soler I Graells1 Ed Marcelo Zaninelli1 Iwan Augusto Collaço2 Adonis Nasr3 William Augusto Casteleins Cecílio4 Gisele Aparecida Borges4 RESUMO ABSTRACT RESUMEN Objetivo: elaborar um perfil epidemiológico da associação entre as lesões da coluna e as torácicas em pacientes politraumatizados. Métodos: levantamento retrospectivo, com revisão de prontuários de pacientes, tendo sido incluídos todos os pacientes que apresentaram lesões na coluna vertebral, com ou sem envolvimento medular associadas a lesões de estruturas torácicas. Foram excluídos os pacientes que evoluíram para óbito ainda na sala de emergência e os que foram transferidos para outro serviço antes da alta hospitalar. Resultados: foram analisados 33 pacientes, com média de idade de 30,8 anos, sendo 91% deles do sexo Introduction: to elaborate an epidemiological profile for the association of spinal and thoracic injuries in patients victims of multiple trauma. Methods: a retrospective review of the charts from patients there were included all patients presenting spinal injuries, with or without neurological involvement, associated with injuries to thoracic structures. There were excluded patients that died in the emergency room and the ones transferred to another hospital before routine discharge. Results: 33 patients met the inclusion criteria, whose mean age was 30.8 years-old, being 91% male, and presenting complete Objetivo: elaborar un perfil epidemiológico de la asociación de las lesiones de columna y lesiones torácicas, en pacientes politraumatizados. Métodos: revisión retrospectiva de las historias clínicas de pacientes que presentaron lesiones en la columna vertebral, con o sin comprometimiento medular, asociadas a lesiones de estructuras torácicas. Fueron excluidos los pacientes que evolucionaron para óbito aun en la sala de emergencia y los que fueron transferidos a otro servicio antes de dar alta hospitalaria. Resultados: se analizaron 33 pacientes, con promedio de edad de 30.8 años, 91% del sexo masculino, siendo que en 12 (36.36%) Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral e do Trauma e Serviço de Cirurgia da Coluna do Hospital do Trabalhador (HT) da Universidade Federal do Paraná UFPR, Curitiba (PR),Brasil. 1 Membros do Grupo de Cirurgia de Coluna e da Disciplina de Ortopedia e Traumatologia do Hospital de Clínicas e Pronto-Socorro do Hospital do Trabalhador (HT) da Universidade Federal do Paraná -UFPR - Curitiba, (PR), Brasil. 2 Professor Titular da Disciplina do Trauma do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - UFPR; Chefe do Pronto-Socorro do HT e Orientador da Liga Acadêmica do Trauma (LiAT - UFPR - HT) - Curitiba (PR), Brasil. 3 Professor Assistente da Disciplina do Trauma do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - UFPR; Orientador da Liga Acadêmica do Trauma (LiAT – UFPR - HT) - Curitiba (PR),Brasil. 4 Acadêmicos de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR - Membros da Liga Acadêmica do Trauma (LiAT - UFPR - HT) - Curitiba (PR),Brasil. Recebido: 18/04/2007 - Aprovado: 28/01/2008 COLUNA/COLUMNA. 2008;7(1):8-13 25_col_7_1.pmd 8 14/3/2008, 16:28 Lesões torácicas e traumatismo da coluna: uma complexa associação 9 masculino. Em 12 (36,36%) vítimas houve lesão neurológica completa. O principal mecanismo de trauma implicado foi ferimento por arma de fogo, seguido de colisões automobilísticas. O seguimento torácico da coluna foi o mais acometido em 54,55% dos casos. Considerando-se conjuntamente todos os casos, optou-se pelo tratamento cirúrgico em dez deles (30,3%) e pelo conservador nos demais. A respeito das lesões torácicas associadas, foi observada principalmente ocorrência de hemotórax (84,84%) e pneumotórax (36,36%). Sobre as complicações intrahospitalares, seis pacientes (18,18%) evoluíram para infecção pulmonar. Houve óbito em 12,12% dos casos, com taxa de sobrevivência ao internamento hospitalar de 87,88%. Conclusões: a incidência de lesões torácicas associadas ao trauma de coluna foi observada especialmente em pacientes adultos jovens do sexo masculino, evidenciando a gravidade e importância do conhecimento da complexidade desta associação. neurological lesion in 12 (36,36%) victims. The most common mechanism of trauma found was gunshot wound, followed by motor vehicle accident. The thoracic segment of spine was the most injured, in 54.55% of cases. Surgical treatment was performed in 10 patients (30,3% of total), and conservative in the other ones. Considering the associated thoracic injuries it was found the occurrence of hemothorax (84,84%) and pneumothorax (36,36%) in the majority of the victims. From the in-hospital complications, there were 6 cases (18,18%) of pulmonary infection. Death was observed in 12,12% of cases, showing a survival rate to in-hospital treatment of 87,88%. Conclusion: the incidence of thoracic injuries along with spinal trauma was found more frequently in male young adult patients, which evidence the severity of such association and the importance of its acknowledgement. víctimas hubo lesión neurológica completa. El principal mecanismo de trauma implicado fue herida por arma de fuego, seguido de colisiones automovilísticas. El seguimiento torácico de la columna fue el mas frecuente, en 54.55% de los casos. Considerándose conjuntamente todos los casos, se optó por tratamiento quirúrgico en 10 de ellos (30.3%) y conservador en los demás casos. Con respecto a las lesiones torácicas asociadas, observamos principalmente una ocurrencia de hemotórax (84.84%) y neumotórax (36.36%). De las complicaciones intrahospitalares, seis pacientes (18.18%) evolucionaron con infección pulmonar. Óbitos ocurrieron en 12.12% de los casos, con una sobrevivencia hospitalar de 87.88%. Conclusiones: la incidencia de las lesiones torácicas asociadas al trauma de columna fue observada especialmente en pacientes adultos jóvenes de sexo masculino, evidenciando la gravedad y la importancia del conocimiento de la complejidad de esta asociación. DESCRITORES: Traumatismo múltiplo; Ferimentos & lesões; Traumatismos da coluna vertebral; Traumatismos torácicos KEYWORDS: Multiple trauma; Wounds and injuries; Spinal injuries; Thoracic injuries DESCRIPTORES: Traumatismo múltiple; Heridas y traumatismos; Traumatismos vertebrales; Traumatismos torácicos INTRODUÇÃO O crescimento da violência urbana, associado ao incremento do potencial lesivo dos agentes agressores, tem proporcionado um aumento na multiplicidade de lesões associadas nos pacientes politraumatizados recebidos nos diversos centros de atendimento a trauma. A coluna vertebral funciona como uma viga móvel, suportando forças em vários eixos e, apesar de sua estrutura óssea articulada, mantida estável por meio de ligamentos e músculos, é uma região muito suscetível e exposta a agressões externas ao organismo. Uma possível lesão traumática da coluna vertebral, com ou sem déficit neurológico, deve ser sempre procurada e excluída em pacientes politraumatizados1. De um modo geral, as lesões traumáticas na coluna representam grande ônus à sociedade. Pacientes que sofrem trauma raquimedular geralmente possuem idade entre 15 e 35 anos e os maiores responsáveis por esse tipo de trauma são os acidentes de trânsito, seguido por acidentes no trabalho e nas atividades esportivas2. Os mecanismos de trauma relacionados à coluna geralmente são de grande energia e, conseqüentemente, outras lesões podem ser encontradas. Dentre tais associações, destacamos as lesões torácicas, que podem resultar em risco imediato de vida e evoluir com altos índices de morbidade e de mortalidade. Para o diagnóstico do quadro neurológico é utilizada a classificação proposta por Frankel, em 19693, na qual os pacientes são divididos em cinco grupos (A até E). O presente estudo visa elaborar um perfil epidemiológico da associação das lesões de coluna e torácicas, em pacientes politraumatizados, atendidos em um Hospital de referência no atendimento ao trauma, na cidade de Curitiba, Paraná, Brasil. MÉTODOS Foi realizado levantamento retrospectivo, com revisão de prontuários de pacientes admitidos no Hospital do Trabalhador (HT), vinculado à Universidade Federal do Paraná COLUNA/COLUMNA. 2008;7(1):8-13 25_col_7_1.pmd 9 14/3/2008, 16:28 Soler I Graells X, Zaninelli EM, Collaço IA, Nasr A, Cecílio WAC, Borges GA 10 (UFPR), na cidade de Curitiba. Como critérios de inclusão, foram analisados todos os pacientes que apresentaram lesões na coluna vertebral, com ou sem envolvimento medular, associadas às lesões de estruturas torácicas. Foram incluídos os pacientes cuja admissão se deu por entrada pelo pronto-socorro do Hospital e que permaneceram internados até a data da alta médica ou do óbito. Também foram considerados pacientes encaminhados de outros serviços. O período considerado estendeu-se entre Julho de 1999 e Julho de 2004. Foram excluídos desta análise os pacientes que evoluíram para óbito ainda na sala de emergência e os que foram transferidos para outro serviço antes da alta hospitalar. Os dados encontrados foram confrontados com a literatura atual. RESULTADOS Para o período considerado, foram encontrados 33 pacientes que corresponderam aos critérios de inclusão. Estes pacientes foram admitidos com trauma na coluna de qualquer segmento, com lesões torácicas evidenciadas durante a investigação, antes ou depois do diagnóstico da lesão de coluna. A idade destes indivíduos variou de 14 a 53 anos, com média de 30,8 anos, sendo que 91% deles eram do sexo masculino (30 pacientes). O escore de trauma revisado (Revised Trauma Score - RTS) calculado variou de 6,38 a 7,84 com média de 7,71. De todos os pacientes analisados, em 12 deles (36,36%) houve lesão neurológica completa (escala de Frankel A). Os mecanismos de trauma implicados podem ser visualizados na Figura 1: quinze pacientes foram vítimas de agressão por arma de fogo (FAF), correspondendo a 45,45% do total. Em dois terços destes casos (dez pacientes) o ferimento foi transfixante ao canal medular, ocorrendo lesão raquimedular em seis deles (60%). Neste grupo de pacientes com lesão neurológica, foi constatado nível A de Frankel em cinco deles e nível B em apenas um. Em um único outro paciente o projétil ficou alojado no corpo vertebral (intraósseo), ocorrendo lesão neurológica cujo nível de Frankel não foi determinado. Em outros quatro pacientes não ficou especificado no prontuário o trajeto do projétil, em dois deles também houve lesão neurológica completa. Foram encontrados 11 pacientes (33,33%) que sofreram algum tipo de colisão automobilística, dos quais apenas quatro (36,36%) utilizavam proteção individual (cinto de segurança ou capacete). Dos que sofreram colisões, três pacientes (27,27%) tiveram lesão raquimedular e com nível A de Frankel em apenas um deles. Os outros mecanismos de trauma identificados referem-se a quedas de outro nível (9,1%), atropelamentos (6,1%) e esmagamentos (6,1%). Em relação aos segmentos da coluna, encontramos acometimento torácico em 54,55% dos casos, cervical em 18,18%, lombar em 12,12% e lesões em múltiplos segmentos em 15,15% (Figura 2). Considerando-se o conjunto dos os casos de trauma de coluna aqui descritos, optou-se pelo tratamento cirúrgico em dez deles (30,3%) e pelo conservador nos demais. No tratamento cirúrgico foi realizada abordagem por via posterior em todos os casos, sendo transpedicular em quatro pacientes. Para cada um dos outros seis pacientes, optou-se por um dos seguintes métodos: Hartchild, Schanz, colocação de placa, parafuso, amarria e retirada do projétil. Independentemente do tipo de tratamento, em sete pacientes (21,21%) foi administrado corticóide (metilprednisolona) por via endovascular, visando recrudescimento do edema medular. Um terço dos pacientes evoluíram para paraplegia (11 casos), e a tetraplegia foi verificada em apenas um caso (3%). A respeito das lesões torácicas associadas, do grupo total de pacientes analisados foi observada a ocorrência de 84,84% para hemotórax e de 36,36% para pneumotórax. Destes pacientes, 11 (33,33%) apresentaram ambas as lesões Figura 1 Mecanismos de trauma encontrados nas lesões associadas de coluna e tórax 54,55% 18,18% 12,1% 15,2% Figura 2 Segmentos da coluna vertebral acometidos nas lesões associadas COLUNA/COLUMNA. 2008;7(1):8-13 25_col_7_1.pmd 10 14/3/2008, 16:28 Lesões torácicas e traumatismo da coluna: uma complexa associação 11 84,8% 36,4% 33,3% 15,2% 12,1% 12,1% 9,1% 3,1% a x as nar íaco x ar rax átic mo stel o card óra ulmon tóra l t m otó o o u o g c m a um de He ent ilo p op eum iafr Pne opn ontusã tura d Fratura ponam o em h m e o ã C H R Tam Les (hemopneumotórax). O tratamento para todos estes casos foi a drenagem torácica em selo d´água, à exceção de um caso, que apresentou discreto hemotórax laminar. As demais lesões foram devidas a contusão pulmonar (15,15%), rotura diafragmática (12,12%), fratura de costelas (12,12%), tamponamento cardíaco (9,09%) e um caso de lesão em hilo pulmonar (3,03%). A Figura 3 ilustra comparativamente a epidemiologia destas lesões. Correlacionando as lesões torácicas com os mecanismos de trauma (Tabela 1), foi verificada a presença de hemotórax em todos os pacientes vítimas de FAF e esmagamentos e em 72,7% das vítimas de colisões automobilísticas. A incidência também é elevada para quedas e atropelamentos. Analisando a ocorrência de pneumotórax, a incidência permanece elevada, especialmente nas vítimas de queda e esmagamento. Nos pacientes vítimas de FAF, houve pneumotórax em 40% deles e em 36,4% das vítimas de colisões, não sendo verificado nos pacientes que sofreram atropelamento. Chama-nos a atenção a incidência de lesões diafragmáticas em agressões por arma de fogo e de fraturas de costelas em vítimas de colisões automobilísticas. Também correlacionamos as lesões torácicas com os segmentos da coluna afetados, conforme Tabela 2. A Figura 3 Lesões torácicas encontradas associadas a trauma de coluna incidência de hemotórax foi observada em 100% dos pacientes com trauma na coluna lombar e em múltiplos segmentos da coluna. Foi extremamente elevada nos traumas envolvendo a coluna torácica (94,5%) e menor naqueles de coluna cervical (33,3%). O pneumotórax também ocorreu com incidência elevada, observado em todos os pacientes vítimas de trauma na coluna cérvicotorácica, e metade daqueles com lesão na coluna tóracolombar e em segmento lombar isoladamente. Na coluna torácica houve pneumotórax em 44,5% dos casos. Destacamos a ocorrência de outras lesões associadas a trauma de coluna cervical, não especificadas neste trabalho, envolvendo estruturas de partes moles do pescoço, presente em dois terços dos pacientes analisados. Das complicações intra-hospitalares documentadas, seis pacientes (18,18%) evoluíram com infecção pulmonar, todos eles apresentando lesão neurológica nível A ou B de Frankel. Dois pacientes (6%) apresentaram úlcera de pressão e dois tiveram infecção no local da ferida operatória. Foram a óbitos 12,12% dos casos (quatro pacientes); a taxa de sobrevivência ao internamento hospitalar foi de 87,88%. TABELA 1 – Correlação das lesões torácicas com os mecanismos de trauma Lesões torácicas FAF n/% Colisões n/% Quedas n/% Atropelamentos n/% Esmagamentos n/% Hemotórax 15/100% 8/ 72,7% 2/ 66,6% 1/ 50% 2/100% Pneumotórax 6/ 40% 4/ 36,4% 2/ 66,6% 0 1/ 50% Contusão pulmonar 2/ 13,3% 2/ 18,2% 0 0 0 Tamponamento cardíaco 2/ 13,3% 1/ 9,1% 0 0 0 Lesão de diafragma 4/ 26,6% 0 0 0 0 Fratura de costelas 1/ 6,6% 3/ 27,3% 0 0 0 Lesão de hilo pulmonar 1/ 6,6% 0 0 0 0 Outras lesões 0 3/ 27,3% 0 2/100% 0 11/100% 3/100% 2/100% 2/100% 15/100% Total de pacientes COLUNA/COLUMNA. 2008;7(1):8-13 25_col_7_1.pmd 11 14/3/2008, 16:28 Soler I Graells X, Zaninelli EM, Collaço IA, Nasr A, Cecílio WAC, Borges GA 12 TABELA 2 – Correlação das lesões torácicas com os segmentos da coluna afetados Lesões torácicas Torácico n/% Cervical n/% Lombar n/% C-T n/% T-L n/% C-T-L n/% Hemotórax 17/ 94,5% 2/ 33,3% 4/100% 2/100% 2/100% 1/100% Pneumotórax 8/ 44,5% 0 2/ 50% 2/100% 1/ 50% 0 Contusão Pulmonar 4/ 22,2% 0 0 1/ 50% 0 0 Tamponamento Cardíaco 1/ 5,6% 0 1/ 25% 0 1/ 50% 0 Lesão de Diafragma 2/ 11,1% 0 1/ 25% 0 1/ 50% 0 Fratura de Costelas 2/ 11,1% 1/ 16,6% 0 0 1/ 50% 0 Lesão de Hilo Pulmonar 1/ 5,6% 0 0 0 0 0 Outras lesões 1/ 5,6% 4/ 66,6% 0 0 0 0 Total de pacientes 18/100% 6/100% 4/100% 2/100% 2/100% 1/100% Obs: Segmentos C-T = Cérvico-torácico; T-L = Toracolombar; C-T-L = Cérvico-toracolombar DISCUSSÃO Em trabalho realizado na Unidade de Lesão Medular Aguda do Hospital Conradie, África do Sul, em meados de 2003, os autores revisaram todos os casos atendidos neste hospital de pacientes vítimas de FAF na coluna vertebral4. Os dados epidemiológicos encontrados foram semelhantes aos expostos neste estudo. Dos 49 pacientes identificados pelo grupo sul-africano, 38 eram homens e 11 mulheres, com media de idade de 27,5 anos (variando de 15 a 51 anos). Observouse lesão medular completa em 38 pacientes (77,55%) e incompleta em oito pacientes (16,33%), sendo que três não tiveram qualquer déficit neurológico. Em 24 casos houve lesão de coluna torácica (48,98%), 13 na coluna cervical (26,53%) e 12 (24,49%) em lombar. Em relação às lesões associadas, foram encontradas 14 ocorrências de hemopneumotórax (28,57%). Na série estudada, houve 6,12% de óbitos (três pacientes), infecção discal em três outros casos, pneumonia em seis pacientes (12,24%) e úlcera de pressão em outros seis. Além disso, foi optado por remoção do projétil em 11 casos (22,44%). Os autores concluem que lesões medulares devido a agressões por arma de fogo, além de prevalentes são causa importante de paralisia pós-traumática. Em relação à remoção do projétil, após o ferimento na coluna por arma de fogo, alguns serviços não acreditam que sua remoção seja essencial e que sua permanência em canal medular ou intraóssea não está relacionada com risco aumentado de complicações infecciosas locais. Investigouse a ocorrência de infecção local após FAF de coluna no Hospital Baragwanath, de Johannesburgo (África do Sul), em uma série de 153 pacientes, com seguimento médio de 28 meses5. Nestes pacientes a taxa geral de infecção relacionada ao projétil foi de 9,8%. Em 81 pacientes (52,94%) o projétil foi mantido onde estava com complicações infecciosas em apenas 7,4%. No entanto, a incidência destas complicações em lesões lombares foi significativamente maior (P>0,05) do que em lesões cervicais ou torácicas. Em um artigo de revisão, os autores afirmam não haver muitas indicações de tratamento cirúrgico para pacientes neurologicamente intactos6. As justificativas para remoção do projétil localizado em canal medular ocorre apenas em casos de evidência de intoxicação por chumbo ou cobre, e recidiva de déficit neurológico após melhora do quadro inicial de lesão neurológica. Afirmam também que déficits neurológicos completos ou incompletos beneficiam-se muito pouco de descompressão cirúrgica, podendo levar a maiores taxas de complicação do que em pacientes tratados conservadoramente. De acordo com esta revisão, o uso de corticóides não tem melhorado os resultados neurológicos de pacientes lesados em medula espinhal, e estão associados a complicações extra-medulares. Estudo retrospectivo da relação custo/benefício para o tratamento endovenoso com esteróides no atendimento de pacientes vítimas de FAF na coluna foi realizado na década de 19907. Os autores analisaram 254 pacientes atendidos entre 1979 e 1994, divididos em três subgrupos, de acordo com o protocolo do National Acute Spinal Cord Injury Study 2: uso de metilprednisolona, dexametasona e sem uso de corticóides. Nenhum benefício neurológico estatisticamente significativo foi demonstrado com o uso dessas drogas, por outro lado, houve aumento de complicações infecciosas associadas ao seu uso (não significativo). Outras complicações foram observadas, gastrointestinais no grupo em uso de dexametasona e pancreatite no grupo da metilprednisolona. O grupo de autores afirma, assim, que pacientes vítimas de FAF na coluna não deveriam ser tratados com corticóides até que sua eficácia terapêutica seja provada em estudos controlados. Em nosso estudo, administramos metilprednisolona endovenosa em sete pacientes (21,21% dos casos), sem benefício comprovado. Outro estudo analisou a associação de complicações respiratórias em pacientes portadores de lesão torácica alta (T1-T6) com lesão medular presente8. Compararam os resultados com lesões torácicas baixas (T7-T12) e lombares, em um estudo retrospectivo com dados provenientes da Pennsylvania Trauma System Foundation (EUA), entre Janeiro de 1993 e Dezembro de 2002. Obtiveram 11.080 COLUNA/COLUMNA. 2008;7(1):8-13 25_col_7_1.pmd 12 14/3/2008, 16:28 Lesões torácicas e traumatismo da coluna: uma complexa associação fraturas de coluna decorrentes de trauma, das quais 4.258 eram de coluna torácica, sendo 596 em região torácica alta, associadas à lesão medular. Para este grupo de pacientes, particularmente, observaram complicações respiratórias em 51,1% (incluindo, além de pneumonia, necessidade de intubação, traqueostomia e broncoscopia), um risco mais elevado em comparação com as lesões torácicas baixas com lesão medular (34,5%) e fraturas torácicas sem lesão neurológica (27,5%). A ocorrência de morte naquele grupo de pacientes foi também significativamente mais elevada, decorrente primariamente das complicações respiratórias apresentadas. Os autores sugerem monitoramente intensivo para o grupo de pacientes lesados medulares em níveis torácicos altos, além de tratamento agressivo das complicações pulmonares para que não ocorra êxito fatal. Na série de pacientes descrita no presente artigo, 18,18% evoluiu para pneumonia e 12,12% foram a óbito. O risco relacionado a procedimentos de proteção e manutenção de vias aéreas (intubação e traqueostomia) não foi calculado. Uma análise das características de pacientes submetidos à cirurgia devido à lesão de coluna torácica alta (T1-T6) foi realizada recentemente9. Foram revisados, retrospectivamente, 32 pacientes, 26 homens (81,25%) e seis mulheres, durante o período de Fevereiro de 1995 e Março de 2001. Destes, 29 (90,62%) tinham fratura multisegmentar, 23 pacientes (71,87%) tiveram lesão neurológica completa, 7 (21,87%) lesão incompleta e em dois casos (6,25%) não houve qualquer déficit neurológico. Além disso, 29 pacientes foram vítimas de acidente automobilístico, dois de quedas e um de esmagamento. Baseados nisso, os autores afirmam que as lesões torácicas altas decorrentes de trauma de alta energia apresentam conseqüências devastadoras para o paciente, sendo melhor tratados por equipe multidisciplinar. 13 O índice fisiológico de trauma RTS é de alta acurácia na avaliação inicial de pacientes em pronto socorro, e seus resultados relacionam-se com previsão de morte intrahospitalar de maneira bastante precisa. O cálculo deste índice envolve três parâmetros facilmente avaliados na sala de trauma, Escala de Coma de Glasgow, pressão arterial sistólica e freqüência respiratória, cada um com um peso de diferente. Nesta série de pacientes, a média de valor obtida para o RTS foi de 7,71, o que implica em probabilidade de sobrevivência entre 97% e 98%10. A despeito deste fato, observamos uma taxa de sobrevivência inferior a 88%. Tal fato pode ser atribuído a uma evolução desfavorável dos pacientes após admissão, provavelmente em virtude das lesões torácicas encontradas, que podem ter sido despercebidas na avaliação inicial. CONCLUSÃO O presente estudo epidemiológico revelou prevalência maciça de acometimento por lesões de coluna em homens na faixa etária de 30 anos, nos quais se evidenciou lesão torácica associada. O mecanismo de trauma predominante foi por arma de fogo, enquanto que as lesões torácicas principais verificadas deveram-se a hemotórax e/ou pneumotórax. O segmento da coluna mais freqüentemente acometido foi o torácico, em mais da metade dos casos e a mortalidade intra-hospitalar para estes pacientes foi mais elevada do que a inicialmente esperada. A alta incidência de lesões torácicas, associadas ao trauma da coluna, observada especialmente em pacientes adultos jovens do sexo masculino, reforça a necessidade do conhecimento da cinemática do trauma a fim de evitar que lesões potencialmente fatais deixem de ser identificadas no atendimento inicial a politraumatizados. REFERÊNCIAS 1. American College of Surgeons. Suporte Avançado de Vida no Trauma para Médicos. Manual de curso para alunos. Chicago: American College of Surgeons; 1997. p.217-30. 2. Franco JS, Schettino LC. Trauma de Coluna e Raquimedular. In: Freire E, editor chefe. Trauma – A doença dos séculos. São Paulo: Atheneu; 2001. p. 1849-63. 3. Frankel HL. Ascending cord lesion in the early stages following spinal injury. Paraplegia. 1969; 7(2):111-8. 4. le Roux JC, Dunn RN. Gunshot injuries of the spine - a review of 49 cases managed at the Groote Schuur Acute Spinal Cord Injury Unit. S Afr J Surg. 2005; 43(4):165-8. 5. Velmahos G, Demetriades D. 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Correspondência Xavier Soler I Graells Av. Getúlio Vargas 2095, Bairro Água Verde, Curitiba (PR), Brasil. CEP: 80250-180 Tels.:+ 55 41 3244-5927 / + 55 41 9192-9187 Fax: + 55 41 3244-4051 E-mail: [email protected] COLUNA/COLUMNA. 2008;7(1):8-13 25_col_7_1.pmd 13 14/3/2008, 16:28