as máscaras da moda
Transcrição
as máscaras da moda
Winnie Bastian Fotos Rômulo Fialdini Alguém disse que eles são a roupa da visão. Definição extremamente feliz, tendo em vista que os óculos, hoje, são mais lembrados por seus aspectos formais do que por sua função corretiva. Situação muito diferente de outras épocas, quando portar esse pequeno objeto era um “fardo” e não uma diversão, como acontece atualmente. Projetados para a produção em grandes séries, os óculos são objetos de desenho industrial com requintes de peças artesanais. Interpretam – ou até provocam – novas linguagens mutáveis de consumo, o que os coloca entre o design e a moda. Objetos que interagem, dialogam com nosso rosto e nossos estados de espírito, os óculos são máscaras que ocultam e revelam, que escondem ou desvelam segredos, dando uma leitura imediata de nossa imagem. E é nesta ambiguidade que reside sua força. O importante não é apenas ver bem, mas ser bem visto; o que já foi uma “bengala”, hoje serve a metamorfoses. AS MÁSCARAS DA MODA Os óculos estão em evidência: viraram cult, estão no centro da moda. Tufi Duek, em recente entrevista a uma revista especializada (View, nº 28), afirma que os “óculos não são acessórios isolados, participam na pró- “Os óculos são próteses e, ao mesmo tempo, possuem uma autonomia estética que transcende a mera função e se torna pura performance” Cristina Morozzi pria criação da moda. E, quando se fala em moda, hoje, tem de se falar também em óculos, não dá para fugir”. Se nos séculos passados os óculos eram tratados como jóias, hoje passam a ser – como acontece com outros objetos cotidianos, na ausência de metais nobres ou pedras preciosas – valorizados pelo design. Além disso, a alta velocidade com que a moda se transforma exige mudança constante dos modelos que, embora efêmeros – com raras exceções, cada coleção permanece cerca de três meses no mercado –, também se Nesta página, acima, óculos Carrera em acetato translúcido fosco. Ao lado, Lagerfeld faz uma releitura do modelo “gatinho” (usual na década de 1950), em monel (liga metálica) com lentes de policarbonato. Na página ao lado, óculos da grife 34 ARC DESIGN tornaram mais ousados, principalmente os solares. Essa ousadia encontra respaldo na alta tecnologia atualmente disponível nos processos produtivos e nos novos materiais, avidamente pesquisados pela indústria. Dois motivos principais impulsionam esta procura: a moda – que pede renovação e, assim, materiais diferen- belga Theo, conhecida pelo humor e ciados – e a preocupação com as cópias: materiais ino- irreverência de suas peças. De cima vadores e modos de produção sofisticados tornam as para baixo: Satisfashion (acetato), N. 5 imitações inacessíveis e antieconômicas. Outro fator (titânio), George Slim (acetato bicolor), relevante na busca pela alta tecnologia é o consumo: Poco e Pico (ambos em titânio) “Nem todo mundo se deixa seduzir pelo lado fashion Ao lado, modelo Aura, da grife japonesa Kata; em propionato de celulose, mais leve do que o acetato. Abaixo, o modelo Ray Ban em monel possui tela metálica que bloqueia a luminosidade lateral. No pé da página, o modelo da grife Vogue aponta a nova tendência nos óculos de sol: armações maiores e visualmente mais “pesadas” ao comprar óculos, mas a tecnologia conquista a to- Acima, em sentido horário: Sole Mio, óculos articuláveis, têm dos...”, afirma um empresário do setor. apenas 1 centímetro de espessura quando dobrados; armação Se a passagem da celulóide – componente plástico desco- metálica para lentes de grau, da Sàfilo; da empresa francesa berto no final do século XIX – ao acetato levou décadas, Lunor, armação inspirada nos modelos do século XVIII e XIX, hoje os materiais evoluem em ritmo surpreendente. Os mas produzida com materiais atuais (acetato e liga de cobre naturais – chifre, osso, marfim, casco de tartaruga e couro –, tão utilizados em séculos passados, perderam seu espaço de forma definitiva no século XX. Ocupando seu lugar, um amplo espectro de plásticos e ligas metálicas possibilita inovação formal e proporciona conforto ao usuário. O acetato, surgido na primeira metade do século XX, continua a ser amplamente utilizado. Tem dividido espaço, contudo, com o Optyl, resina plástica injetável mais adequada à produção industrial em grande escala: com melhor usinagem, permite a execução de produtos mais ergonômicos e com custo menor do que o acetato, cujo processo produtivo baseia-se na pantografia – processo no qual as chapas de acetato são recortadas com base em um gabarito. Outro plástico que vem ganhando espaço é o náilon, uma resina altamente flexível e teoricamente inquebrável. Tem a desvantagem, contudo, de apresentar pouca disponibilidade de cores, suportando apenas as escuras. A co-poliamida, o propionato e o policarbonato, mais leves e mais resistentes do que o plástico convencional, também são alternativas interessantes. Quanto aos materiais metálicos, o tradicional Monel – 36 ARC DESIGN e berílio). Confortável: não possui palhetas de sustentação nasal, sendo sua fixação feita pela ponte. Abaixo, Giorgio Armani explora a transparência do acetato, combinado ao metal. No pé da página, modelo da Chanel com hastes em aço inox: aspecto arrojado graças à acentuada curvatura da lente À esquerda, óculos de Gianfranco Ferrè para leitura; acima, armação metálica de Christian Lacroix com haste trabalhada: resina Foto divulgação plástica colorida injetada manualmente nos orifícios sinuosos liga metálica de níquel (63 a 70%), cobre e ferro – vem, aos poucos, sendo substituído pelo titânio e seus derivados e pelos metais com memória. O titânio tem destaque no universo das armações metálicas: cerca de 50% mais leve – uma armação pode pesar somente 2 gramas! – e duas vezes mais resistente que os metais tradicionais, apresenta altíssima resistência à corrosão, sendo, assim, antialérgico. Material caro em virtude das dificuldades de extração e refino, é utilizado em outras ligas de custo mais acessível – e com praticamente os Acima, Starck Eyes, criação de Philippe Starck em parceria com mesmos benefícios –, como o beta-titânio, um compos- Alain Mikli. A articulação, que exigiu mais de 4 mil horas de to que agrega vanádio e alumínio. pesquisa, imita os movimentos da clavícula humana, conferindo Um dos mais recentes materiais tecnológicos é o me- maior flexibilidade e resistência à armação. A construção da tal com memória, formado por uma liga de níquel (de articulação, que não utiliza parafusos, proporciona pressão 50% a 60%) e – claro – titânio (40% a 50%). O Flexon, equilibrada nas têmporas e melhor fixação das hastes. Acima, Thierry Mugler inova nome comercial pelo qual se tornou conhecido, apre- No pé da página: à esquerda, armação Kata em liga de monel com a lente recortada e biso- senta grande flexibilidade e possui um alto fator de com paládio e lentes de policarbonato; à direita, modelo tada. À esquerda, modelo memória, o que significa que a armação pode ser sub- WHY 3, com hastes em titânio, é o mais recente lançamento da Oakley; possui borrachas hidrofílicas, que possibilitam melhor aderência ao rosto, por absorção do suor 38 ARC DESIGN Lagerfeld em monel polido com haste curva metida a qualquer tipo de torção e, ao ser liberada, retorna à forma inicial. As transformações e a evolução pelas quais passam os objetos são, também no mundo da moda – e dos óculos –, o resultado da invenção de novos materiais tecnológicos. ❉ 39 ARC DESIGN À direita, óculos de Sergio Tacchini: a haste larga continua o desenho da parte frontal, em um modelo propositalmente “pesado”. Abaixo, Du Contra, em acetato tingido: humor revelado ao simular uma armação invertida. Design Mellotica, produzido pela Di Padova Acima, o modelo Overthetop não possui quaisquer dobradiças e envolve completamente o crânio, de modo a facilitar a prática de esportes, como ciclismo e corrida. Produzido pela Oakley. À direita, armação de Paul Smith, em acetato de algodão com dobradiças de metal À esquerda e abaixo, armações da grife inglesa Oliver Peoples. À esquerda, modelo que mescla acetato e alpaca, reproduzindo, com leveza, o modelo gatinho. Abaixo, Cha Cha e Jive (em preto), ambos em acetato de algodão. No pé da página, à esquerda, armação produzida pela empresa francesa Sthenos: as hastes dobráveis se inserem na parte frontal da armação, facilitando seu transporte 40 ARC DESIGN 41 ARC DESIGN