educação para todos - torná-la uma realidade

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educação para todos - torná-la uma realidade
EDUCAÇÃO PARA TODOS
TORNÁ-LA UMA REALIDADE
Mel Ainscow
Universidade de Cambridge Instituto de
Educação
“Education For All: Making it happen” - Comunicação apresentada no
Congresso Internacional de Educação Especial, Birmingham,
Inglaterra, Abril de 1995
Tradução autorizada pelo autor: Ana Maria Bénard da Costa
O Congresso Internacional sobre Educação Especial realizado em Birmingham, Inglaterra, em
Abril de 1995, proporciona aos colegas de todo o mundo a oportunidade de repensarem as suas
concepções e as suas práticas. Passados cinco anos desde o congresso que teve lugar em Cardiff,
é-nos possível, em conjunto, fazer uma avaliação sobre o progresso que foi realizado no sentido
de uma escolarização adequada das crianças e dos jovens que apresentam dificuldades na
aprendizagem. É, no entanto, importante que esta avaliação se processe, igualmente, no contexto
da discussão mais vasta que foi despoletada a partir da Conferência Mundial sobre Educação
para Todos que teve lugar em Jomtien, Tailândia em 1990.
Durante estes cinco anos, desde as conferências de Cardiff e Jomtien, o pensamento relativo a
esta área progrediu. A referência superficial às necessidades educativas especiais, tal como
surgiu a partir das discussões de Jomtien, foi gradualmente substituída pelo reconhecimento de
que a agenda das necessidades especiais deveria constituir um elemento essencial do esforço
para se atingir uma educação para todos. Assim, em vez de se sublinhar a ideia da integração,
acompanhada da concepção de que se devem introduzir medidas adicionais para responder aos
alunos especiais, num sistema educativo que se mantém, nas suas linhas gerais, inalterado,
assistimos a movimentos que visam a educação inclusiva, cujo objectivo consiste em reestruturar
as escolas, de modo a que respondam às necessidades de todas as crianças. (Clark et al., 1995).
Esta orientação inclusiva constituiu uma vertente fundamental da Declaração de Salamanca
sobre os Princípios, Política e Prática na Área das Necessidades Educativas Especiais, aprovada
pelos representantes de 92 governos e 25 organizações internacionais em Junho de 1994
(UNESCO, 1994). Especificamente, a Declaração refere que, no âmbito da orientação inclusiva,
as escolas regulares são:
“os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando
comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a
educação para todos; para além disso, proporcionam uma educação adequada à
maioria das crianças e promovem a eficiência, numa óptima relação custo-qualidade,
de todo o sistema educativo" (página ix).
Implícita a esta orientação está, consequentemente, uma mudança fundamental no que diz
respeito às formas como são encaradas as dificuldades educativas. Esta mudança de concepções
baseia-se na crença de que as mudanças metodológicas e organizativas que têm por fim
responder aos alunos que apresentam dificuldades irão beneficiar todas as crianças
(Ainscow,1995). Na verdade, os que são considerados como tendo necessidades especiais
passam a ser reconhecidos como um estímulo que promove estratégias destinadas a criar um
ambiente educativo mais rico para todos. No entanto, o avanço na implementação desta
orientação está longe de ser fácil e, por conseguinte, as provas relativas a um progresso nesta
área são limitadas, na maior parte dos países.
Numa nota mais positiva, refere-se que, recentemente, se tem assistido em muitos países a uma
preocupação crescente com o conceito de educação para todos e, talvez, a uma maior
consciencialização daquilo que ele implica. No mundo em desenvolvimento, a atenção continua
a focalizar-se no alargamento das oportunidades de acesso ao ensino básico.
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Há, no entanto, um longo caminho a percorrer no que diz respeito a milhões de crianças,
incluindo as que têm deficiências, a quem o direito à escola é ainda negado. (Colclough, 1993;
Mittler, 1993). Tem sido expressa, igualmente, uma grande preocupação acerca da baixa
qualidade do ensino oferecido às crianças em muitas escolas dos países em desenvolvimento
(e.g. Levin e Lockeed, 1993). No mundo desenvolvido, existe o número necessário de lugares
nas escolas. Aqui, o problema consiste em se encontrarem meios de organizar as escolas e as
salas de aula, de modo a que todas as crianças e jovens tenham sucesso na aprendizagem.
Infelizmente, para muitos alunos, a sua participação na escola constitui uma experiência
insatisfatória, deixando-os desencorajados em relação às suas próprias capacidades e desiludidos
acerca do papel da educação na sua vida. (Glasser, 1990; Smith e Thomlinson, 1989).
Contrariando este retrato assaz depressivo das escolas, quer no mundo desenvolvido, quer no
mundo em desenvolvimento, o objectivo desta comunicação é estimular a discussão acerca de
formas possíveis de se avançar. Uma vez que assumimos a concepção da educação para todos, a
nossa preocupação neste Congresso é torná-la realidade. Nesta perspectiva, coloco as seguintes
questões:
. Como podem os professores ser ajudados a organizar as suas salas de aula de modos que
assegurem a aprendizagem a todos os seus alunos?
. Como podem as escolas ser reestruturadas de forma a apoiarem os professores neste esforço?
Na base do meu empenhamento nestas questões, existe a crença de que sabemos mais do aquilo
que pomos em prática. O nosso objectivo deve consistir em utilizar melhor o conhecimento
actualmente existente. Este congresso proporciona uma oportunidade de agregarmos as nossas
ideias e de nos ajudarmos uns aos outros a ver com maior clareza quais são os melhores passos
que devemos dar. Neste espírito de partilha e de entre-ajuda, irei resumir e explicitar algumas
das minhas ideias, focando, em particular, as áreas do aperfeiçoamento dos professores e das
escolas. Isto conduz-me, na conclusão desta comunicação, a apresentar algumas sugestões sobre
as implicações da minha análise no trabalho com as pessoas que têm necessidades educativas
especiais.
A valorização profissional dos professores
Como podemos, então, ajudar os professores a organizar as suas salas de aula, de forma a
assegurarem uma aprendizagem de sucesso a todos os seus alunos? Existe uma ampla fonte de
recursos relacionados com esta questão e que provém dos inúmeros trabalhos de investigação
que têm sido realizados em relação à eficácia do trabalho dos professores (e.g. Bennett, 1991;
Fuller e Clark, 1994; Hopkins et al., 1994; Porter e Brophy, 1988). Podemos também basear-nos
no conhecimento que temos de professores excepcionais que têm sido capazes de criar ambientes
educativos em que os diferentes alunos, com os mais diversificados percursos de escolarização,
conseguem participar, para os quais conseguem contribuir e experimentar sentimentos de
sucesso. No entanto, a minha preocupação nesta comunicação não diz respeito às características
da eficácia mas, antes, à procura de formas de fazer avançar a prática.
Ao longo destes últimos seis anos, aproximadamente, tenho tido o privilégio de trabalhar lado a
lado com colegas de muitos países na prossecução desta tarefa. O nosso trabalho tem sido
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realizado no contexto do projecto da UNESCO de formação de professores, " Necessidades
Especiais na Sala de Aula" (Ainscow, 1993a e b; 1994a e b; Ainscow et al., 1995). Trabalhando
em conjunto, temos tentado desenvolver estratégias, quer a nível da formação inicial, quer da
formação contínua, que sejam capazes de ajudar os professores a adoptar formas de trabalhar que
tenham em conta todos os alunos da classe, incluindo os que apresentem dificuldades de
aprendizagem.
A partir desta experiência extensiva, que implicou cerca de 50 países, descobrimos que alguns
factores são especialmente importantes. Talvez de forma surpreendente, verificámos que a
existência de recursos materiais, embora muito útil, constitui muito raramente o factor-chave.
Muito mais relevante é a forma como a tarefa é conceptualizada. A este respeito parecem ter
importância as seguintes estratégias para a valorização profissional dos professores:
.
Oportunidades de considerar novas possibilidades
.
Apoio à experimentação e reflexão
Vou considerar cada uma separadamente.
Ao encorajarmos os professores a explorarem formas de desenvolver a sua prática, de modo a
facilitar a aprendizagem de todos os alunos, estamos, porventura, a convidá-los a
experimentarem métodos que, no contexto da sua experiência anterior, lhes são estranhos.
Consequentemente, é necessário empregar estratégias que lhes reforcem a auto-confiança e que
os ajudem nas decisões arriscadas que tomaram. A nossa experiência diz-nos que uma estratégia
eficaz consiste em implicar a participação dos professores em experiências que demonstrem e
estimulem novas possibilidades de acção.
No âmbito do Projecto da UNESCO, damos especial relevo à aprendizagem a partir da
experiência. Tendo isto em mente, organizamos seminários, orientados por pessoas altamente
competentes na organização de sessões em que os participantes têm oportunidade de
experimentar uma diversidade de estratégias de aprendizagem activa. Deste modo, são levados a
considerar a vida na sala de aula a partir do ponto de vista dos alunos e, ao mesmo tempo,
relacionar estas experiências com a sua própria prática na escola.
As sessões do seminário dão ênfase a três factores-chave que parecem ter grande influência na
criação de salas de aula mais inclusivas. A primeira relaciona-se com a importância da
planificação para a classe, como um todo. A este respeito, na educação especial, cometemos um
erro táctico ao colocarmos uma ênfase exagerada na planificação individual. Embora isto possa
ter sido apropriado quando o nosso trabalho se realizava em contextos limitados e separados,
toma-se, em grande medida, impraticável no âmbito da integração na escola regular. Neste caso,
a preocupação central do professor tem a ver com a planificação das actividades que dizem
respeito à classe, no seu conjunto. Pode também argumentar-se que uma sobre-valorização na
planificação individual do tipo daquela que tem sido dominante no sector das necessidades
educativas especiais, distrai a atenção em relação a outros factores contextuais que podem ser
utilizados para estimular e apoiar a aprendizagem de cada elemento da classe. Isto leva-nos ao
segundo factor-chave.
Para além de realizar uma planificação que abranja todas as crianças, concluímos que é útil que
os professores sejam estimulados a utilizar de forma mais eficiente os recursos naturais que
podem apoiar a aprendizagem dos alunos. Refiro-me, de forma particular, a um conjunto de
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recursos que estão disponíveis em todas as salas de aula e que, no entanto, pouco têm sido
utilizados: os próprios alunos. Em cada classe os alunos representam uma fonte rica de
experiências, de inspiração, de desafio e de apoio que, se for utilizada, pode insuflar uma imensa
energia adicional nas tarefas e actividades em curso. No entanto, tudo isto depende da
capacidade do professor em aproveitar esta energia. Isto é, em parte, uma questão de atitude,
dependendo do reconhecimento de que os alunos têm a capacidade para contribuir para a
respectiva aprendizagem; reconhecendo igualmente que, de facto, a aprendizagem é, em grande
medida, um processo social. Isso pode ser facilitado através da ajuda concedida aos professores
no desenvolvimento das competências necessárias para organizarem classes que encorajem este
processo social de aprendizagem.
Neste ponto, podemos aprender muito com alguns países em desenvolvimento onde as limitações
de recursos levaram a reconhecer o potencial do "poder dos pares", através do desenvolvimento
dos programas "criança-a-criança" (Hawes,l988). O interesse sentido recentemente em muitos
países ocidentais pelo trabalho de grupo cooperativo levou, também, ao desenvolvimento de
habilitações que capacitam os professores a criar ambientes mais ricos sob o ponto de vista
educativo (e.g. Johnson e Johnson, 1994). Contudo, a introdução destas estratégias parece exigir
mais do que o conhecimento de técnicas. O que é importante é a capacidade de resposta dos
professores ao feedback dado pelos alunos, à medida que se desenvolvem as actividades na
classe.
Isto leva-nos ao que consideramos como o terceiro factor-chave da criação de salas de aula mais
inclusivas, i.e. a improvisação; por outras palavras, a capacidade de ser capaz de modificar
planos e actividades à medida que ocorrem, em resposta às reacções dos alunos na classe. É
essencialmente através deste processo que os professores podem encorajar uma participação
activa e, ao mesmo tempo, ajudar a personalizar para cada aluno a experiência da aula.
Esta orientação acompanha o pensamento actual no inundo da formação dos professores em que
se aceita, de forma crescente, que a prática se desenvolve a partir dum processo
fundamentalmente intuitivo, através do qual os professores ajustam os seus planos de aula, a sua
actuação e as suas respostas à luz do feedback dos elementos da sua classe. (Huberrnan, 1993).
As mudanças na prática, quando ocorrem, parecem muitas vezes envolver pequenos
ajustamentos, à medida que os professores aperfeiçoam os seus repertórios, em resposta a
circunstâncias imprevistas, i.e. o que Schon (l987) refere como "surpresas". Raramente ocorrem
mudanças globais, uma vez que os professores se mostram relutantes em abandonar formas de
trabalhar que
provaram ser eficazes em ocasiões anteriores. Tal como já sugeri, as mudanças significativas
representam um enorme risco para qualquer professor e, além disso, trata-se dum risco que tem
de ser tomado diante duma audiência observadora e potencialmente ameaçadora: a classe. No
entanto, num sentido mais positivo, são as reacções desta mesma audiência que podem estimular
o ajustamento, o qual parece ser um factor importante e necessário no desenvolvimento da
prática.
Para além de se sublinhar a importância de se dar aos professores oportunidades de considerarem
novas possibilidades, a outra estratégia que considerámos útil consiste no apoio à
experimentação na sala de aula através de formas que encorajem a reflexão sobre as actividades.
A chave desta estratégia situa-se na área do trabalho em equipa. Encorajamos, especificamente,
os professores a fomarem equipas e/ou partenariados em que os respectivos membros concordem
em se ajudar uns aos outros a explorar aspectos da sua prática. Em geral, verificámos que é
preferível que as equipas sejam constituídas por grupos de professores que trabalham com alunos
do mesmo grupo etário ou que ensinam as mesmas matérias. Por exemplo, pode-lhes ser
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sugerido que seleccionem um tema de trabalho ou um tópico e que considerem como pode
aquele ser planificado de forma a incorporar estratégias que foram previamente discutidas nas
reuniões da equipa. Encorajam-se, igualmente os professores a formar partenariados de ensino
que podem apoiar-se uns aos outros no processo de desenvolvimento daquilo que foi
previamente planeado. O papel dos membros destas equipas de partenariado consiste em estar
em conjunto na sala de aula, durante determinados períodos de experimentação, algumas vezes
ensinando em simultâneo ou, ocasionalmente, observando-se uns aos outros de forma rnais
sistemática, de modo a proporcionar um feedback e um apoio à medida que são exploradas novas
possibilidades. Estas formas de apoio na classe têm-se revelado extremamente eficazes como
meios de facilitar o aperfeiçoamento das práticas de sala de aula, o que confirma as conclusões
de outros estudos. (e.g. Joyce e Showers, 1988).
Através de todos estes processos de trabalho em equipa e em partenariado é dada uma forte
ênfase àquilo que Gidin (l990) chama "diálogos". Estes vão muito além de simples discussões,
de modo a criar formas de interacção que encorajem o aparecimento de formas alternativas de
encarar tarefas e problemas particulares. Isto leva-nos àquilo que Aoki (l984) chamou "uma
aventura crítica", em que uma comunidade de professores, envolvida numa acção de
aperfeiçoamento, utiliza as suas múltiplas perspectivas como oportunidades para uma
reciprocidade de interpretação. Durante estes diálogos, os professores são estimulados e
empreender formas de reflexão sobre a eficácia daquilo que fazem com os seus alunos, a qual
está para além da simples consideração sobre o facto de serem ou não bem sucedidos. Ajudam,
antes, os professores a considerar o porquê daquilo que fazem, quais as influências que levaram a
estas respostas e, como resultado disso, que outras possibilidades foram encaradas.
Esta forma de reflexão crítica, realizada em colaboração com os colegas, é especialmente
importante na área das necessidades educativas especiais. Neste ponto, a nossa tradição levounos a conceptualizar o trabalho duma forma relativamente estreita, em que foram excluídas
muitas possibilidades que poderiam ter gerado melhores oportunidades para as crianças que
pretendemos ajudar. Especificamente, as nossas tradições levaram-nos a olhar para o nosso
trabalho fundamentalmente em termos técnicos. (Heshusius, 1989; Iano, 1986). Isto conduziu à
preocupação de encontrar os métodos de ensino e os materiais "certos" para os alunos que não
respondem às estratégias estabelecidas. Nesta formulação está implícito o ponto de vista de que
as escolas são organizações racionais que oferecem um conjunto de oportunidades apropriadas;
que os alunos que experimentam dificuldades o fazem por causa das suas limitações ou
desvantagens; e que eles, consequentemente, têm necessidade de uma forma qualquer de
intervenção especial (Skrtic, 1991). A minha ideia é que, através destas concepções, que levam
a procurar as respostas para as crianças consideradas como especiais, somos levados a ignorar
vastas oportunidades de aperfeiçoamento das práticas pedagógicas.
Aceito, evidentemente, que é importante identificar estratégias úteis e prometedoras. No
entanto, pretendo argumentar que é errado assumir que a utilização sistemática da repetição de
determinados métodos conduzirá a uma aprendizagem eficaz, especialmente se se tratar de
populações que têm sido objecto de maus tratos ou exclusão escolares. Esta sobrevalorização
dos métodos tem servido, muitas vezes, para desviar a atenção de questões mais importantes, tais
como: "porque é que numa determinada sociedade, ou numa escola, alguns alunos não
conseguem aprender?"
Consequentemente, é necessário passar de uma visão estreita e mecanicista do ensino para uma
outra de características mais vastas e que tome em consideração factores contextuais mais
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alargados, incluindo dimensões comunitárias e organizacionais (Skrtic, 1991). Em particular, é
importante que, enquanto educadores, rejeitemos o que Bartolome (l994) refere como "métodos
fetichistas", de modo a criar um ambiente educativo determinado pela acção e pela reflexão.
Desta forma, pelo facto de se libertarem da adopção acrítica das chamadas estratégias eficazes,
os professores podem começar a reflectir sobre os processos que lhes permitirão recriar e
inventar métodos de ensino e materiais, partindo das realidades contextuais que podem limitar ou
expandir as possibilidades de desenvolvimento da aprendizagem. Em particular, é importante
que os professores tenham presente que os métodos são construções sociais que se baseiam e
reflectem ideologias que podem impedir-nos de compreender as implicações pedagógicas das
relações de poder no seio da educação .
Enquanto professores, devemos lembrar-nos que as escolas, tal como outras instituições da
sociedade, são influenciadas pelas percepções do status socioeconómico, da raça, da língua e do
sexo. Consequentemente, é necessário questionar a forma como estas percepções influenciam a
dinâmica da classe. Deste modo, os métodos actuais, caracterizados por uma discussão restrita,
devem ser ampliados de forma a revelar o quão profundamente a orientação baseada na
deficiência influencia o modo como encaramos a "diferença". Como professores, devemos estar
constantemente vigilantes e perguntar em que medida esta orientação influenciou a nossa
percepção dos alunos que acabaram por ser considerados como especiais.
As estratégias de ensino não são desenvolvidas nem imaginadas no vazio. A elaboração,
selecção e utilização de determinada abordagem ou estratégia de ensino nasce das percepções
acerca da aprendizagem e acerca dos alunos. Defendo que mesmo os métodos pedagogicamente
mais avançados correm o risco de se tornar ineficazes nas mãos de educadores que, implícita ou
explicitamente, subscrevem um sistema conceptual que encara alguns alunos, na melhor das
hipóteses, como limitados e com necessidade de recuperação, ou, na pior das hipóteses, como
deficientes e sem possibilidade de recuperação.
Nos últimos anos, de facto, o modelo baseado na deficiência tem sofrido imensas críticas no
sector da educação especial (e.g. Ainscow, l991; Barton, 1993; Dyson, 1990; Fulcher, 1989;
Oliver, 1988). Consequentemente, temos assistido a uma mudança de pensamento que transfere
as explicações sobre os insucessos educativos das características das crianças e respectivas
famílias para o processo da escolarização. Isto tem levado à introdução de abordagens baseadas
num ponto de vista interactivo. No entanto, acabei por convencer-me que, apesar das boas
intenções, as abordagens baseadas nesta perspectiva fazem, muitas vezes, surgir uma versão mais
suave, mais liberal e portanto mais restrita do modelo baseado na deficiência que considera as
crianças especiais como tendo necessidade de educação especial, i.e. de abordagens pedagógicas
que não se justificam para as outras crianças. Assim, apesar dos movimentos em prol da
integrarão das crianças ditas com necessidades educativas especiais, com uma ênfase nas
abordagens tais como a diferenciação curricular e um apoio adicional na sala de aula, a
orientação baseada na deficiência continua a estar profundamente enraizada em muitas escolas e
salas de aula.
Paralelamente, as abordagens educativas desenvolvidas no âmbito do projecto da UNESCO, com
a ênfase colocada na aprendizagem activa e no trabalho cooperativo de grupo, podem ajudar a
criar ambientes mais adequados à aprendizagem, em que os alunos são tratados como indivíduos,
embora, ao mesmo tempo, tomem parte em experiências que encorajam a maior realização
possível. No entanto, quando estas abordagens são aplicadas de forma acrítica, podem conduzir
a formas de trabalhar que continuam a manter, em relação a certas crianças, os pontos de vista
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baseados na deficiência. Assim, é necessário ajudar os professores a aperfeiçoar-se como
profissionais mais reflexivos e mais críticos, de modo a ultrapassarem as limitações e os perigos
das concepções baseadas na deficiência. Só deste modo poderemos assegurar que os alunos que
sentem dificuldades na aprendizagem possam ser tratados com respeito e olhados como alunos
potencialmente activos e capazes; só assim, poderemos utilizar as respostas dadas por estes
alunos como estímulos ao aperfeiçoamento dos professores.
Assim, em resumo, tenho vindo a reconhecer que a forma mais apropriada de ajudar os
professores a responder às dificuldades educativas implica a inclusão e a exploração da
influência dum conjunto de factores contextuais nos conceitos e nas práticas profissionais. Deste
modo, é possível, sensibilizar os professores a novas formas de pensar que lhes desvendarão
novas possibilidades para o aperfeiçoamento da sua prática na sala de aula. Isto implica que não
nos limitemos a preocupar-nos com métodos e materiais e que levemos os professores a tornar-se
pensadores reflexivos e a sentirem a confiança suficiente para experimentarem novas práticas, à
luz do feedback que recebem dos seus alunos. Isto também exige da sua parte que se libertem da
orientação baseada na deficiência, a qual continua a exercer uma poderosa influência.
Consequentemente, o processo de reflexão deve incluir uma preocupação com as próprias
concepções dos professores e um exame sobre a forma como estas são moldadas por contextos
factuais mais vastos.
Assim, embora a reflexão seja uma condição necessária para a formação profissional, não é
suficiente. Tem de ser acrescida por confrontações com pontos de vista alternativos. Daí a
necessidade de se criarem oportunidades para realizar experiências de demonstração de formas
diferentes de trabalhar em colaboração com os colegas.
À luz desta conceptualização, considerei importante, no meu trabalho, empenhar-me em
programas de valorização profissional de professores situados dentro das escolas e das salas de
aula. À medida que procuro ajudar os professores a desenvolverem uma forma mais reflexiva de
responder, através da sua prática, às dificuldades educativas, realizo quanto é necessário
considerar a forma como os factores organizacionais influenciam as suas percepções, as suas
atitudes e as suas respostas. Em particular, preciso de adoptar modos de trabalhar que encorajem
formas de colaboração, as quais incluam um compromisso com pontos de vista alternativos. Isto
leva-nos à questão do aperfeiçoamento das escolas.
O aperfeiçoamento das escolas
Até aqui tenho afirmado que a ênfase na aprendizagem através da experiência, a reflexão crítica
e a colaboração pode ajudar os professores na sua tentativa de tornar as suas práticas de sala de
aula mais inclusivas. Esta concepção leva-me a acreditar que estas abordagens precisam de ter
em consideração a influência dos factores escolares. Em particular, a nossa procura de meios
capazes de fomentar a educação para todos deve incluir considerações sobre a forma como as
escolas devem ser organizadas para apoiar tais esforços. Abordarei esta questão, quer sob o
ponto de vista cultural, quer estrutural.
Presentemente existe uma clara evidência de que as normas de ensino são negociadas
socialmente, no contexto da escolarização, dia a dia. (e.g. Rosenholtz,1989; Talbert e
McLaughlin, 1994). Verifica-se que a cultura do local de trabalho tem um impacto directo sobre
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a forma como os professores vêem o seu trabalho e, sem dúvida, vêem os seus alunos. No
entanto, o conceito de cultura é bastante difícil de definir. Schein (l985) define-o como um nível
mais profundo de conceitos e de crenças que são partilhados pelos membros da organização,
actuando a nível inconsciente na definição que a organização faz de si própria e sobre o ambiente
em que se situa. Manifesta-se através de normas que indicam às pessoas o que devem fazer e
como devem actuar.
De forma semelhante, Hargreaves (l995) sustenta que as culturas das escolas podem ser vistas
como tendo uma função de definição da realidade, capacitando os membros da instituição a ter
consciência de si próprios, das suas acções e do seu ambiente. Ele sugere que uma função
corrente de definição da realidade de uma cultura é, frequentemente, uma função de resolução de
problemas herdada do passado. Deste modo, uma forma cultural actual, criada com o objectivo
de resolução de um problema emergente, acaba, frequentemente, por se tornar, amanhã, uma
receita tomada como certa, utilizada para lidar com os assuntos, despojando-os de singularidade.
Hargreaves conclui que se examinarmos as características definidoras da realidade de uma dada
cultura poderemos compreender as rotinas que a organização desenvolveu, como resposta às
tarefas com que se depara.
Penso, sem margem de dúvida, que as escolas que conseguem fazer avançar com sucesso a sua
prática, tendem a influenciar a forma como os professores se percepcionam a si próprios e a
forma como vêem o seu trabalho. Desta forma, a escola começa a adquirir algumas das
características daquilo que Senge (l990) chama uma organização de aprendizagem, i. e. " uma
organização que está permanentemente a expandir a sua capacidade de criar o seu futuro" (p.
14). Ou, para utilizar uma frase de Rosenholtz (l989), torna-se uma escola "em movimento" que
está continuamente à procura de desenvolver e aperfeiçoar as suas respostas aos desafios que
encontra.
É possível que, à medida que as escolas se orientem nestas direcções, as mudanças culturais que
ocorrem possam produzir um impacto sobre as formas através das quais os professores vêem os
alunos cujos progressos constituem matéria de preocupação (i.e. aqueles que hoje se designam
como tendo necessidades educativas especiais). O que pode acontecer é que, à medida que o
clima da escola progride, estas crianças passem a ser vistas a uma luz mais positiva. Mais do
que apresentando problemas que têm de ser ultrapassados, ou, possivelmente, mais do que serem
enviados para um apoio em separado, estes alunos podem passar a ser considerados como uma
fonte de compreensão sobre a forma como o sistema pode ser melhorado, tendo em vista o
benefício de todos os alunos. Neste caso, pode afirmar-se que as crianças indicadas como tendo
necessidades educativas especiais são vozes escondidas que poderão informar e guiar, no futuro,
o desenvolvimento das actividades. Neste sentido, tal como sugeriu a minha colega Susan Hart,
as necessidades especiais são especiais na medida em que nos proporcionam uma compreensão
de possibilidades de aperfeiçoamento que, de outra forma, poderiam passar despercebidas. (Hart,
1992).
Claro que é importante reconhecer que as mudanças culturais necessárias para tornar as escolas
capazes de ouvir as vozes escondidas e de a elas responder, são, em muitos casos, mudanças
profundas. As culturas escolares tradicionais, baseadas numa organização rígida e em equipas
altamente especializadas, orientadas para fins determinados, têm, em geral, dificuldade em se
adaptar a circunstâncias inesperadas. Por outro lado, a presença de crianças que não
correspondem ao “menu” pré-existente na escola encoraja, de alguma forma, os professores para
que procurem uma cultura mais colegial e para que se entre-ajudem na experimentação de novas
respostas educativas. Desta forma, as actividades de resolução de problemas podem
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gradualmente transformar-se nas funções definidoras da realidade da escola inclusiva,
constituintes da sua cultura, i.e. próprias duma escola que responde efectivamente a todas as
crianças da comunidade.
Como poderão, assim, as escolas ser ajudadas a organizar-se de formas que encorajem o
desenvolvimento duma cultura como esta? Uma vez mais, na resposta a esta questão, irei utilizar
a minha experiência do âmbito do projecto de Formação de Professores da UNESCO,
"Necessidades Especiais na Sala de Aula". Para além disso, irei basear-me em conclusões de
uma série de estudos sobre o aperfeiçoamento das escolas que realizei com colegas em
Cambridge (Ainscow e Hopkins, 1992 e 1994; Ainscow et al.,1994; Ainscow e Southworth,
1994; Hopkins et al.,1994). Todas estas conclusões apontam para formas de reorganização das
escolas que possam apoiar o desenvolvimento de actividades capazes de ter um importante
impacto na sua cultura organizacional e, consequentemente, no desenvolvimento das práticas
pedagógicas.
Duma maneira geral, as escolas consideram difícil encarar a mudança (Fullan, 1991). Neste
aspecto, deparam com um duplo problema: se pretendem enfrentar novos desafios não podem
permanecer tal como estão, mas, ao mesmo tempo, precisam de manter alguma continuidade
entre as suas práticas passadas e presentes. Existe, assim, uma tensão entre o progresso e a
permanência. O problema é que as escolas tendem a criar estruturas organizacionais que as
predispõem para um ou para outro caminho. Num pólo extremo, encontramos escolas (ou partes
de escolas) que ficam de tal maneira seguras das suas capacidade de inovação que assumem
depressa demais um número exagerado de iniciativas, prejudicando assim a qualidade do que já
existe. No outro extremo, encontram-se escolas que vêem a mudança com pouco interesse ou
que têm uma experiência muito pobre no que diz respeito a manejar a inovação. Fazer avançar a
prática, implica, assim, um equilíbrio cuidadoso entre a salvaguarda do que existe e a mudança.
Fazer avançar a prática conduz, também, a um outro tipo de dificuldades que são sentidas tanto a
nível individual como organizacional. Trata-se de formas de turbulência que surgem à medida
que se introduzem alterações no status quo. A turbulência pode tomar diversas formas,
envolvendo dimensões organizacionais, psicológicas, técnicas e micro-políticas. No entanto, no
seu âmago encontra-se frequentemente a dissonância que ocorre quando as pessoas lutam para
dar sentido a novas ideias. É interessante notar que há provas de que, sem um período de
turbulência, não é provável que tenham lugar mudanças eficazes e duradouras (Hopkins et al.,
Hopkins, 1994). Neste sentido, a turbulência pode ser vista como uma indicação útil de que as
escolas estão a mudar. A questão consiste em saber como podem os professores lidar com estes
períodos de dificuldade. Que estratégias organizacionais podem ajudar a encorajar a mudança da
prática?
A partir dum conjunto de escolas que fizeram progressos consideráveis em direcção a políticas
mais inclusivas, notamos a existência de certos arranjos organizacionais que parecem ajudar a
encarar os períodos de turbulência. Esses arranjos fazem emergir estruturas de apoio aos
professores na exploração de novas ideias e formas de trabalhar, ao mesmo tempo que asseguram
que a gestão dos procedimentos correntes não seja sacrificada. Mais especificamente, procuram
apoiar a criação do clima de risco em que estas inovações têm lugar. Na tentativa de tornar
claros estes suportes, os meus colegas e eu próprio formulámos uma tipologia de seis
“condições” que parecem ser factores de mudança das escolas. São estas:
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•
Liderança eficaz, não só por parte do director, mas difundida através da escola
•
Envolvimento da equipa de profissionais, alunos e comunidade nas orientações e
decisões da escola
•
Um compromisso relativo a uma planificação realizada colaborativamente
•
Estratégias de coordenação
•
Focalização da atenção nos benefícios potenciais da investigação e da reflexão
•
Uma política de valorização profissional de toda a equipa educativa
Utilizando esta tipologia como um guia, é possível delinear algumas mensagens importantes
acerca da reestruturação que pode ser necessária no âmbito duma escola, se se pretende preparar
os professores para considerarem novas perspectivas na resposta às dificuldades educativas
Em primeiro lugar, em escolas em que observamos um movimento no sentido de se trabalhar de
forma mais inclusiva, assistimos a uma mudança naquilo que se entende por liderança. Esta
mudança envolve uma ênfase nas abordagens de "transformação", que se traduzem em
distribuição de poder, mais do que nas abordagens de "transacção" que se traduzem na
manutenção dos conceitos tradicionais de hierarquia e de controle (e.g. Sergiovanni,l992).
Duma forma geral, esta orientação leva o director a procurar estabelecer, na escola, um clima
encorajador do reconhecimento da individualidade, como algo que deve ser respeitado e
valorizado. Esta visão é criada através da importância dada às actividades de grupo que são
também utilizadas como facilitadoras do clima de resolução de problemas. Tudo isto cria um
contexto no qual as funções de liderança podem ser distribuídas por toda a equipa de
profissionais. Isto significa a aceitação de que a liderança é uma função para a qual muitos
elementos da equipa contribuem, mais do que um conjunto de responsabilidades concentradas
num número reduzido de pessoas.
Um factor igualmente decisivo na modificação das escolas, consiste no envolvimento que se
estende para além da equipa pedagógica e que abrange os alunos, os pais e os membros da
comunidade. É de interesse realçar que este estilo de trabalho é semelhante à "abordagem
incorporativa”, referida por Reynolds (l991) como sendo uma característica das escolas de
grande sucesso. Torna-se importante considerar o argumento de que o grupo crítico que precisa
de ser englobado neste envolvimento é o grupo constituído pelos próprios alunos. A este
respeito, a questão crucial, consiste na capacidade dos professores organizarem as suas salas de
aula e as suas aulas, de tal forma a que os alunos se sintam envolvidos nas actividades propostas.
Neste ponto, é importante o papel conferido às actividades de aprendizagem em grupo. Com
efeito, o trabalho de grupo é uma forma de estabelecer tarefas que encoraja a participação.
Afim de apoiar a equipa pedagógica na exploração de formas alternativas de trabalhar, realça-se
o papel da planificação cooperativa. Esta estratégia deve ser acompanhada por uma procura do
que será adequado a nível local e não do que parece ter sucesso em qualquer outra situação. O
que parece fundamental é, não tanto a planificação em si mesma , mas o processo de
planificação. A participação activa da equipa suscita, em especial, a criação de objectivos
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comuns, a resolução de conflitos e uma base de acção para cada um. Consequentemente, os
benefícios de qualquer actividade de planificação ultrapassam muitas vezes o próprio plano,
proporcionando um nível de compreensão partilhada que constitui um pré-requisito para um
processo alargado de distribuição de poder (empowerment).
Na literatura sobre gestão educativa (e.g. Weick, 1985), referem-se, muitas vezes, as escolas
como “sistemas unidos de forma separada”. Esta separação-união ocorre porque as escolas
constituem unidades, processos, acções e indivíduos que tendem a operar isoladamente. A
separação-união é também estimulada pela ambiguidade de objectivos que caracteriza a
escolarização. Apesar da retórica dos objectivos e finalidades curriculares, as escolas são
constituídas por grupos de pessoas, muitas das quais com perspectivas, valores e crenças muito
diversas acerca da educação. O que observamos nas escolas que progridem são formas variadas
de comunicação que têm como objectivo coordenar as acções dos professores e dos outros
intervenientes, de acordo com uma política previamente acordada. No entanto, todos trabalham
de forma a não impedir que cada professor realize a sua prática, de acordo com as suas
preferências. Ensinar é uma tarefa complexa e imprevisível que requer um elevado grau de
improvisação. Na verdade, como já referi, pode ser sustentado que um sinal determinante das
escolas inclusivas consiste na capacidade dos professores ajustarem as suas práticas à luz do
feedback que recebem dos seus alunos. Consequentemente, os professores devem ter autonomia
suficiente para tomar decisões imediatas que tenham em conta a individualidade dos seus alunos
e a singularidade de cada situação que ocorre. O que é necessário, portanto, é assegurar um
estilo de trabalho bem coordenado e cooperativo que dê aos professores a confiança de que
precisam para improvisar, numa busca das respostas mais adequadas para os alunos das suas
classes; por outras palavras, um sistema mais fortemente unido sem perder os benefícios que
advêm da separação-união.
No decurso da dinâmica de envolvimento com aquelas a que eu chamo “escolas em movimento”,
os meus colegas e eu próprio temos observado que as escolas que reconhecem que a investigação
e a reflexão são processos importantes têm mais facilidade em controlar o seu próprio processo
de mudança e estão melhor colocadas para adaptar as medidas globais apresentadas em toda a
sua extensão pelas políticas actuais a respeito das mudanças desejáveis.
Um aspecto particularmente importante da investigação e da reflexão relaciona-se com a prática
de sala de aula. Dispomos de indicações claras de que o facto de os professores serem
encorajados a ajudarem-se uns aos outros, através da observação mútua, a explorarem as
dimensões do seu trabalho com as crianças, num processo que os leva a trocarem impressões a
respeito das suas práticas, produz um impacto decisivo na sua acção. A criação do partenariado
entre professores é um bom exemplo de como a adopção destas ideias tem necessariamente que
ser harmonizada com adaptações organizacionais que viabilizem a concretização prática das
mesmas.
A presença destas primeiras cinco condições constitui a base do clima que pode apoiar a
valorização profissional dos professores e, deste modo, encorajá-los a procurarem novas
respostas para os seus alunos. No entanto, para que tal aconteça é necessário que as escolas
desenvolvam uma política de valorização da sua equipa de profissionais. Esta precisa de ir muito
além dos padrões tradicionais, em que os professores frequentam cursos no exterior ou, mais
recentemente, em que se utiliza uma acção pontual centrada na escola. Acima de tudo, é
importante referir que, se queremos que a formação dos professores tenha um impacto
significativo sobre o seu pensamento e a sua prática, ela tem de estar intimamente ligada ao
aperfeiçoamento da escola (Fullan, 19921). Assim, deve implicar a formação do pessoal,
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enquanto equipa, não esquecendo, simultaneamente, a aprendizagem de cada indivíduo em
particular.
É importante considerar os seguintes dois elementos das acções de valorização profissional: o
Seminário e o local e em que se realiza (Joyce,1991).
O Seminário é a acção em que se processa a compreensão, em que se apresentam demonstrações
e onde se proporcionam oportunidades de prática. No entanto, tal como já vimos, para que se
realize o transfer das ideias e das competências adquiridas no Seminário para o local de trabalho
(i.e., a sala de aula e a escola), não chega participar nele. A nossa experiência diz-nos que a
capacidade de transfer para a prática diária da sala de aula exige um apoio em serviço. Isto
implica mudanças no local de trabalho e na forma como se organiza a formação do pessoal nas
escolas. Em particular, isto significa que deve existir uma oportunidade imediata para uma
prática apoiada e para a colaboração entre colegas e condições que apoiem a experimentação.
Não podemos concretizar estas mudanças no local de trabalho sem introduzir, na maior parte dos
casos, alterações drásticas nas formas de organizar as nossas escolas. Em especial, implica que
exista tempo para que os professores possam encontrar-se e entreajudar-se, em equipas e em
partenariados, de modo a que possam explorar e desenvolver aspectos da sua prática.
A tarefa das necessidades educativas especiais
Quais são, portanto, as implicações das minhas sugestões acerca da forma como os professores e
as escolas podem ser ajudados a progredir no sentido de procurarem formas de trabalhar mais
inclusivas? Para além disso, o que tem isto tudo a ver com aqueles de entre nós que nos
consideramos especialistas em necessidades educativas especiais?
Em primeiro lugar, verifica-se que tornar uma escola mais inclusiva não é uma tarefa fácil.
Embora eu tenha sugerido, através da análise que apresentei, que existem determinadas
condições que parecem apoiar esta evolução, estas não estão suficientemente consolidadas nas
organizações e podem estar, mesmo, ausentes. O que é necessário, segundo julgo, é uma
reorientação significativa dos recursos e dos esforços, de modo a transformar as organizações
que estão estruturadas no sentido de manter o status quo, em novas formas de trabalhar que
apoiem actividades orientadas para o aperfeiçoamento. A criação de mecanismos que encoragem
o aperfeiçoamento traz aos profissionais uma capacidade de verem de forma mais clara os seus
objectivos e prioridades, produz um maior sentido de confiança e de enriquecimento e e
desenvolve o desejo de experimentar respostas alternativas para os problemas da classe.
Por esta razão, eu considero que os problemas das necessidades especiais devem ser vistos como
parte integrante dum processo mais vasto de aperfeiçoamento da escola. Dito duma forma
simples, isto significa que, ao progredir no seu todo, a escola passa a garantir maior apoio aos
professores, no que respeita às respostas que dão aos alunos que sentem dificuldades na sua
aprendizagem. Actuando deste modo, adopta uma forma de trabalhar que consiste
essencialmente na “ reforma da educação regular de forma a torná-la mais abrangente” (Vislie,
1994). Para além disso, verifica-se que esta evolução irá constituir um benefício para todos os
alunos.
Quais são, então, os papéis dos especialistas neste mundo reconceptualizado das necessidades
educativas especiais? Duma forma geral, parecem possíveis as três opções seguintes:
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. Permanência dos papéis - em que se respondemos àqueles alunos que se debatem com
dificuldades, nas condições educativas existentes e, actuando deste modo, estamos
provavelmente a contribuir para uma manutenção não intencional do status quo.
. Papéis em mudança - em que respondemos àqueles alunos que sentem dificuldades, nas
condições educativas existentes, procurando adaptar essas mesmas condições.
. Papéis em desenvolvimento - em que respondemos aos alunos que se debatem com
dificuldades, nas condições educativas existentes, através da mudança dessas condições,
realizada a partir do trabalho com os colegas, fazendo surgir novas condições que possam
facilitar a aprendizagem de todos os alunos.
Estou perfeitamente consciente de que as pressões exercidas, em muitos países, sobre as escolas,
como resultado de reformas centralizadas e mal concebidas, criam muitos dilemas em relação à
decisão sobre qual é o mais adequado destes papéis. Para além disso, muitos dos que têm em
mãos as tarefas das necessidades educativas especiais podem sentir que não possuem os
conhecimentos e o apoio necessários para negociar com os colegas a introdução do novo papel
“em desenvolvimento”.
Pela minha parte, o meu próprio trabalho é guiado pelos tipos de argumentação apresentados
nesta comunicação. Especificamente, estou a tentar trabalhar com as escolas e os professores na
exploração de conexões possíveis entre as tarefas da valorização profissional dos professores, do
desenvolvimento das escolas e das necessidades educativas especiais (Ainscow, 1995). No
entanto, isto não é, de forma alguma, um caminho fácil de ser seguido. Ao nível pessoal, implica
exigências consideráveis, levando-me a comprometer-me em campos teóricos desconhecidos e a
colaborar com colegas que têm um muito maior conhecimento nestas áreas. Tudo isto pode, por
vezes, levar a um sentimento de não ser competente, uma vez que as antigas ideias e técnicas
relacionadas com uma carreira vivida no mundo estreito das necessidades educativas especiais
surgem como grandemente redundantes no contexto da tarefa que tenho em mãos. No entanto,
duma forma mais positiva, esta reconstrução das necessidades especiais fornece maravilhosas
oportunidades de crescimento e de aprendizagem. Nesta ordem de ideias, o Congresso de
Birmimgham proporciona-nos uma óptima oportunidade para nos apoiarmos uns aos outros no
nosso aperfeiçoamento.
Agradecimentos
Quero agradecer aos meus colegas Maggie Balshaw, Susan Hart, Martyn Rouse e Judy Sebba
que comentaram uma versão inicial desta comunicação.
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