The mold of me - Anna Maria Maiolino
Transcrição
The mold of me - Anna Maria Maiolino
1 O molde: O trabalho em argila de Anna Maiolino Briony Fer ‘Cada conto tem sua própria técnica’ Borges Anna Maiolino começou a trabalhar com argila bastante tarde. Ela estava criando arte desde os anos sessenta, sempre trabalhando numa ampla variedade de mídias – relevos, escultura, desenho, vídeo, performance. Quase nenhuma mídia foi excluída e, no entanto, ela diz: ‘meu primeiro encontro com a argila em 1989 provocou dentro de mim uma tempestade/comoção/perturbação? 1. Em sua recordação, o momento lhe parece como um ponto volátil. Contudo, reexaminando agora o projeto de Maiolino, tem-se a impressão de que esse encontro foi menos um desvio radical do que ela fizera anteriormente, e mais uma volta para casa, um retorno aos fundamentos que simplesmente dramatizam desde o início a lógica de seu trabalho. Quero me concentrar nas suas instalações em argila com isto em mente, para tentar descrever a sua particularidade e, ao mesmo tempo, mostrar como elas se ligam às suas outras obras. Há uma fotografia de 1994, de uma mesa coberta com pequenos pedaços de argila, no estúdio da artista no Rio (ill.00). Eles variam no tamanho e na forma, desde pequenas bolas a formas de longas salsichas, algumas mais gordas outras mais magras, umas 1 Anna Maria Maiolino, entrevistada por Holly Block, in: Anna Maria Maiolino: A Life Line (Vida Afora) The Drawing Center New York 2002 p.00. 2 retas outras torcidas como roscas, mas todas nitidamente arrumadas em filas e grades. A mesa foi posta como parte do processo de trabalho que levaria, no ano seguinte, à sua exposição na Kanaal Art Foundation em Kortrijk (Bélgica), com a curadoria de Catherine de Zegher, onde várias mesas seriam distribuídas por um espaço bem maior, na instalação intitulada Modelled Earth (ill.00). Por sua vez, uma parte disso iria ser incluída na exposição de vanguarda de C. de Zegher: Inside the Visible, apresentada no ICA em Boston e, no ano seguinte, no Whitechapel em Londres. Formas em argila estavam dispostas sobre mesas ou amontoadas no chão. A regularidade dos arranjos acentua a irregularidade das peças. A ordenação da grade abre-se nos aspectos aleatórios das próprias figuras e dos intervalos pequenos e desiguais entre as mesmas. Ainda que muito maiores e mais complexas, as instalações expandem o caráter improvisacional daquela primeira mesa do estúdio, que também poderia ser uma superfície improvisada onde as peças eram deixadas secar, de certo modo temporárias e no limbo, antes que objetos artísticos singulares e completos prontos para a exibição. É notável que, quando Maiolino fala de seu trabalho e sobretudo quando ela fala de sua obra em argila, é para articular uma história sobre origens, de um tipo ou de outro. Ela falou, por exemplo, de ‘primeiras ações de mãos modelando e compactando argila’ 2, o que sugere um gesto quase primordial – o primeiro aparecimento da forma em si. Mas aí, se pensamos que este seja o ponto de origem, há outro, ainda mais remoto, uma memória ainda mais arcaica de mãos mergulhadas na argila molhada ou ‘matéria 2 Anna Maria Maiolino. 3 lamacenta’. 3 Precedendo até a moldagem do material na mão, isto sugere uma sensação puramente táctil. Não há uma imagem, tanto menos uma que mostre o que poderia ser seu aspecto externo, que se aproxime de uma figuração disto na mente. O rumo? de seu trabalho é para um lugar arcaico de sensação táctil, que vem até antes da visão e certamente antes da linguagem. Isto é um começo, ainda antes do começo. E o primeiro evento nunca é um único ponto de origem, mas ele próprio é múltiplo e estilhaçado em muitas constelações. Esta história de origens se desenvolve diante de nossos olhos, e recomeça toda vez que encontramos uma multidão de formas de argila apinhadas numa mesa ou prateleira ou empilhadas contra uma parede. Mais do que realmente nos levar de volta a um passado bem remoto, isto é como seria vivenciar e experimentar coisas no presente. O campo de visão é desprovido de um foco único, e constantemente dispersado – uma porção de coisas pequenas proliferando para preencher um grande espaço. Este é ainda o caso de seus desenhos, que Maiolino também apresenta em grades e séries, e onde um gesto bem simples cria resultados radicalmente diferentes. Os formatos que ela usa chamam atenção para a dinâmica fundamental de todas as histórias de origens – de que eles/ elas? existem somente em retrospecto e como um efeito posterior. O que veio antes: um ponto original ou suas repetições posteriores? A resposta pareceria clara, governada por nossos hábitos mentais de seqüenciar os eventos numa ordem linear e progressiva. Mas estaríamos errados em saltar para tal conclusão porque, obviamente, uma ação ou um gesto - só se tornam aquela original em virtude daquelas que vêm depois dela, à 3 Anna Maria Maiolino, entrevistada por Holly Block, op cit. p.00. 4 luz da repetição. Inversamente, segue-se que neste caso a operação de repetição vem necessariamente antes e, assim, não só precede, mas cria de fato o efeito de uma ‘origem’. As constelações que Maiolino faz são temporais assim como espaciais. Ao colocar a idéia de um primeiro evento em tão íntima proximidade à idéia de repetição, ela mistura preconceitos sobre a temporalidade. A tempestade/comoção/perturbação?, pelo menos para o observador, é tanto acerca da época do trabalho como da natureza do material. Um modelo linear do tempo, estendendo-se continuamente do passado ao presente, é partido em pedaços – assim como as mesas dela são preenchidas por uma ‘acumulação de fragmentos’, como ela disse. 4 O efeito de estilhaçamento e de descontinuidade nunca é tão aparente como na relação que a artista estabelece entre a experiência vivida do trabalho artístico e um passado arcaico e infantil. No encontro com uma de suas instalações, fica logo claro que esses aspectos não podem ser separados. As oposições tombam diante da acumulação que constitui a obra. O sentido do arcaico se torna a atualidade da obra. Parece-me que isto tem lugar ao nível do corpo, e golpeia com uma força visceral, quase violenta. Não são só as pilhas de tiras em forma de fezes que evocam uma fantasia escatológica de excesso excrementício. Mas em todas as multíplices formas diferentes, há a sensação de algum sistema infantil de produção em andamento. Isto tem a ver em parte com uma recusa radical da técnica em favor das ações mais simples, em parte com a força material da idéia dos 4 Anna Maria Maiolino p.00 5 produtos residuais do corpo. A combinação é poderosa pelo fato – mais do que apesar dele – de nunca afinal se resolver, num ou noutro sentido. Maiolino descreveu as mãos como o primeiro molde. Num workshop na Escola de Arte Camberwell em Londres, realizado em conjunto com a exposição em curso, ela o demonstrou ao juntar suas mãos em concha, como se segurasse um pedaço invisível de argila 5. É esta idéia de molde que eu quero ressaltar, não só por ser claramente tão importante para Maiolino, mas também porque parece ser uma sede de impulsos contraditórios. Um molde pode não parecer imediatamente possuir um aspecto temporal. Mas ele o possui, pelo menos na medida em que é a forma que formata outra – sugere um estado contínuo de anterioridade. Um molde sempre vem antes de um objeto no processo de produção. O fato de que é sempre assim – que é destinado a ser repetido naquele processo ad infinitum – aponta um atrito que está latente dentro dele desde o próprio começo. È interessante pensar sobre isto em relação à idéia do protótipo – que é também uma espécie de ‘primeiro produto’. Modernamente, o protótipo ficou inextricavelmente preso à linguagem da indústria, ligado a suposições sobre produção em massa. Mas vale lembrar que a palavra protótipo é usada pelos antropólogos para se referir a um primeiro esquema para produção de imagens ou objetos – Cristo seria um exemplo óbvio. Um molde que é usado para dar forma a um objeto pode naturalmente ser 5 "Workshop" em 30 de maio de 2008 na Camberwell School of Art, Londres. Sou grata a Michael Asbery por me convidar a participar nesse evento, que coincidiu com uma exposição da obra de Maiolino. 6 parte do protótipo mas, ainda assim, mantém sua prioridade – quase como um protoprotótipo. Visto desta maneira, fica bem claro que a inteira abordagem de Maiolino à produção é diametralmente oposta aos tipos de modelos industriais de produção e consumo que foram internalzados por outros movimentos artísticos, como o minimalismo. O trabalho dela coloca a produção muito poderosamente no registro do corpo e seus impulsos. Isto tem uma relação com as condições que prevalecem nos modernos processos de produção mas apenas em termos, penso eu, de uma espécie de bolsão de resistência aos mesmos – operando como seu duplo psíquico e corporal. Está na parada/em jogo? uma pré-história de produção moderna que é não apenas artesanal mas também infantil. Se o molde penetra num mundo de produção – é para a produção de diferença. Cada pedaço de argila a que é dada forma, por mais repetitivo que seja o processo de manufatura pela mão de Maiolino, é distinto de cada um dos outros. Isto inicia não uma mínima, mas uma máxima diferenciação, dramatizada pela estrita aderência a compor/fazer as formas mais básicas em vez daquelas compostas. Mas também franqueia o molde a um tipo diferente de campo temporal. Penso que isto pode ser visto na maneira em que cria um ponto de atrito no intervalo crítico entre um protótipo e um arquétipo. Em outras palavras, no modo em que o molde pressupõe sua própria mitologia de origens, em contraste com um mito de princípios universalizantes que transcendem o tempo. Quando Maiolino remonta as origens de seu método de trabalhar a argila até a maneira pela qual nossos ancestrais fabricavam utensílios, pode parecer que convide a uma retórica de arquétipos intemporais/eternos?. Mas isto 7 é mais próximo à dinâmica do protótipo desenredar-se para trás, até o próprio início, e além do início. Olhando para trás em vez de para adiante, isto é repetição em ordem inversa, criando antes do que encontrando um ponto de origem que retrocede cada vez mais. É certamente relevante aqui que, como Freud insistia, a repetição é o próprio índice da experiência de perda que as crianças têm – mas o mero impulso e o escopo das repetições de Maiolino também torna esta experiência uma de esmagadora infinitude. Onde a infinidade é compreendida como interminável e, por mais antiintuitivo isto possa parecer, como o depósito material do próprio tempo. Mais do que um conceito metafísico, a infinidade é apenas uma acumulação de coisas que não acaba. Isto pode parecer prosaico, mas precipita uma regressão quase vertiginosa, ao mesmo tempo em que percorremos nosso caminho tortuoso através dela e em volta dela. Não são apenas as peças materiais de argila que se acumulam, mas também as associações [de idéias] que resultam delas. Não há uma única metáfora ou analogia que ofereça uma chave à interpretação da obra. Penso que o ponto essencial é que as associações que se acotovelam clamando por atenção vêm não separadamente, e sim em bandos multíplices – que não somente se vinculam à obra mas são parte da lógica aditiva da obra. O preparo do pão pode ser visto como uma entre muitas delas – uma que a própria Maiolino evocou. Não importa que amassar o pão e a argila sejam técnicas bem diferentes, uma projetada para colocar ar dentro do material, a outra para retirá-lo dele. Há um sentimento de uma demanda primordial de trabalhar o material desta maneira. Amassar, evacuar, moldar se torna uma cadeia metonímica de 8 associações que formam o composto do que significa 'fazer’. Em vez de essências, são latências, só para relembrar a idéia de imanência de Lygia Clark 6. Possibilidades residem no material mais propriamente do que o transcendem. É coincidência, mas é apropriado, que em inglês o termo 'mold' [molde] também significa matéria orgânica apodrecendo (pense nos diferentes sentidos de 'leaf mold' [folhas em decomposição] ou fungos). Parece combinar os sentidos mais básicos da natureza (matéria básica se decompondo) e cultura (os primeiros utensílios). O fato que a argila é crua não deve ser subestimado. Isso significa que ela mantém sua qualidade pulverulenta seca e sensação de incompletude (pelo menos do ponto de vista do ceramista). As peças podem também ser recicladas e reutilizadas. Há sempre algo temporário a respeito de material, assim como nos arranjos e nas mesas que as suportam. Tudo isso se acumula. E quanto mais se vê do seu trabalho, tanto mais esta economia de lixo/sobras/resíduos/refugo? e reciclagem vem dominar o sentido que eu tenho dele. Uma narrativa dos inícios se torna impossível de ser extricada daquela dos resíduos/ restos. Cada vez que se encontra a obra é como se se fosse para começar de novo, mas também para seguir seu próprio ritmo, para encontrar conclusões já naqueles inícios. Progressivamente, os agrupamentos amontoados de peças de argila também passam a ter a aparência de outros tantos resíduos. E, naturalmente, eles são bem literalmente o depósito que foi deixado pelo molde, e que será reciclado para fazer outras obras. Um processo de se tornar se transforma em um processo de liquidação/ venda de saldos? . A própria idéia de um molde, que é tanto a coisa que dá forma 6 Lygia Clark, p.00. 9 como aquela que sobra, concentra ambos os aspectos de uma vez. Quando lembro da frase de Borges ‘Cada conto tem sua técnica’, estou tendo isto em mente. Mencionei antes como os desenhos de Maiolino seguem uma lógica similar à de suas instalações em argila. Tendo posto tanta ênfase na materialidade da argila qual ‘matéria lamacenta’, isto pode parecer improvável. De novo, porém, vale relembrar que desde o começo Maiolino parecia estar acentuadamente consciente do que era palpável no papel com que ela trabalhava. Seus livros cortados são talvez a mais vívida demonstração disto, parecendo assemelhar-se a desenhos tridimensionais. Em Point to Point (ill.00), feito em 1976, um fio/cordão? vermelho conecta as capas dianteira e traseira através de um furo cortado através dos papéis, que se expande quando o livro é segurado na mão e aberto. Seus relevos em papel cortado, muitos dos quais datados dos mesmos anos setenta, vasculham através das camadas de papel para revelar um furo ou ausência, que poderia ser circular ou em forma de ovo. As camadas de papel são estratificadas, como se para deixar exposta? a arqueologia do que ela denomina seus Desenho/Objetos (que claramente se relacionam de perto aos Livro/Objetos neste respeito). A poderosa moeda corrente simbólica, ovos frescos, que ela usou em suas performances naquela época, se transforma nos desenhos em crateras de papel com degraus delicados. No filme que ela fez em 1973, chamado In-out anthropophagy, um ovo aparece numa seqüência preenchendo aquele outro molde: a boca. como é descrito por 10 Paulo Venâncio, ‘moldar é o inverso de falar, o outro lado da voz’. 7 Este tipo de cruzar linhas entre as diferentes mídias com que ela trabalha, é um aspecto constante da abordagem de Maiolino ao fazer a arte. A boca é um orifício, o canal para dentro do corpo, a sede de comer, mastigar, beijar, chupar, vomitar e o resto. Se a boca atua como outro tipo de molde, é porque é um recipiente que tanto enche como esvazia. Um molde funciona pela compressão de material, para dentro dele, a fim lhe dar forma. Uma boca, ao se mover, forma sons, assim como a pressão das palmas das nossas mão dá forma a uma bola de argila. Olhando-se para os desenhos seriais de Maiolino, como os da ill.00, o elo pode parecer mais tangencial, mas eu pensar que, no fim das contas, esses saltos laterais são o que mantém a obra tão firmemente unida apesar das diferentes mídias que ela usa. De novo, há um gesto muito simples, que é repetido. Tinta preta é pingada num pedaço de papel branco, e o papel é ligeiramente inclinado e girado, de modo que [a tinta] começa a tomar uma forma. Antes que se torne algo mais do que um gesto o mais provisório, é interrompido. O pedaço de papel liso pode não ser um molde em qualquer sentido reconhecível do qual estivemos falando – e, no entanto, ao movê-lo em torno nas suas mãos, Maiolino faz dele um campo de pressões recíprocas. Os arabescos de tinta são moldados, se eu puder usar essa palavra, por aqueles movimentos da mão. Uma superfície exerce uma pressão sobre outra que cede à mesma. Quão diferente é essa rotação da mão daquela rotação que forma uma bola com a argila? 7 Paulo Venâncio Filho, ‘Dwelling in Space’, in Maiolino Drawing Center, p.50. 11 Quando perguntaram uma vez a Maiolino acerca de um elemento num de seus desenhos que parecia Malevich ela respondeu ‘Quem não tem um Malevich dentro de si?’ 8 Ou um Duchamp, ela acrescentou. Ou talvez um Fontana ou um Manzoni. Esta é uma maneira interessante de pensar sobre influências artísticas. Se lermos entrevistas com ela sobre o assunto, notaremos que ela sempre apara a pergunta inevitável sobre influências. Aceitando que, inevitavelmente ela as teve, mas recusando-se a apontar de quem. Esta idéia de ter a vanguarda histórica e talvez também a néo-vanguarda dentro de si pode ser relacionada a uma noção antropofágica de canibalizar outras culturas. Mas ela também tem falado sobre a arte do passado ter sido deixada sobre ela como uma série de traços ou resíduos – como se eles se depositassem sobre o artista como poeira. A história da arte acaba sendo também uma história de resíduos. Quero concluir não pelo mapeamento das influências sobre sua obra, e sim apontando para a reconfiguração radical do molde, seja como foi empreendida por Maiolino, seja como transformou a arte inovadora na segunda metade do século vinte. Naturalmente, moldes e peças moldadas sempre foram tradicionais na escultura, mas qualquer relação direta, e menos ainda seqüencial, entre o instrumento técnico (molde) e o produto artístico (a peça moldada) é virtualmente impossível de sustentar na arte ambiciosa pós-1950. Nos Estados Unidos poderíamos pensar nas pequenas peças de partes do corpo moldadas por Duchamp, na Europa os gestos dos "acromas" de Manzoni. Tanto Eva Hesse como Bruce Nauman trabalharam de maneiras que derrubaram as distinções convencionais entre molde e peça moldada, ambos usando 8 Em conversação com a autora, 30 de maio de 2008. 12 materiais como gesso e borracha de látex, que iam ao revés dos materiais industriais mais pretensiosos usados pela maioria dos seus contemporâneos. Penso que aqui, o importante é notar o quanto este trabalho nos faz revisar radicalmente nossas idéias acerca do toque do artista. É como se apenas pela mediação do toque do artista através do estado de transição do molde pode o toque ser desligado de velhas idéias da autoexpressão artística. Para revelar, ao invés, um novo tipo de toque puro que desencadeia os efeitos viscerais que eu estive descrevendo. Isto nada tem a ver com o fato de nós, como espectadores, tocarmos literalmente a obra ou não, e sim com as projeções imaginárias que entram em jogo. O escopo de Lygia Clark ao combinar objetos encontrados, como uma pequena pedra num saco plástico transparente, não era simplesmente o de fazer um novo tipo de objeto artístico, mas de repensar inteiramente o que poderia significar fazer arte. A intensidade do envolvimento com o manuseio da coisa chega a superar a questão de seu status estético ou de sua aparência formal. O papel da mão é radicalizado neste contexto. A obra de Maiolino, por mais paradoxal que isto possa parecer, impele ulteriormente as possibilidades de feitura à mão ao alargar os limites do molde ao seu ponto mais extremo assim como mais elástico. Para que a mão se torne o molde é também permitir que ela seja seu próprio objeto de transição – isto é, uma maneira de escapar da bagagem sufocante de auto-expressão que ligava louvores modernistas ortodoxos à mão do artista – ou até mais penetrantemente projetava a mão do escultor como uma espécie de objeto-fetiche. As instalações em argila de Maiolino posicionam o molde como uma operação em vez de uma coisa em si. Assim, embora ela possa ter 13 descoberto tarde a argila, esta reiterou certos impulsos que já existiam em seu trabalho desde o final dos anos sessenta. A dupla-ação posta em jogo – entre recipiente e conteúdo, presença e ausência, material e vazio, tato e visão - se relacionam seja ao seu projeto como um todo, seja à especificidade da argila. Seu trabalho continua a ser novo, e a se ligar à pulsação do que está acontecendo agora no trabalho de artistas bem mais jovens. Quando penso de novo no gesto de explicação de Maiolino : aquela ação de pôr suas mãos em concha a fim de demonstrar a operação do molde, é também, naturalmente, uma ação de oferecimento do que é ainda invisível e desconhecido. Que isto seja indubitavelmente um gesto para o futuro e não para o passado é certamente adequado neste contexto.