Focus 17.1 - RoyalCanin.br
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CapaBrasil171:Focus 17.1 13/04/10 19:22 Página 1 VETERINARY # 17.1 A revista internacional para o Médico Veterinário de animais de companhia V Doença do trato urinário inferior Epidemiologia da urolitíase felina • Como abordar... Gatos com sintomas do trato urinário inferior • Nutrição e distúrbios urinários em gatos esterilizados • Análise quantitativa dos cálculos urinários em cães e gatos • Como tratar... O gato com DTUI – perspectiva do cirurgião • Endo-urologia e radiologia de intervenção do trato urinário • Métodos para medir o potencial de cristalização da urina - RSS vs. APR • Sal, hipertensão e doença renal crônica CapaBrasil171:Focus 17.1 13/04/10 19:22 Página 2 O grande objetivo dos pesquisadores que trabalham para a Royal Canin é compartilhar nosso conhecimento com os nossos colegas da comunidade veterinária, através de variados artigos e livros. ! ! ! -" # # ! " ! #( ! ! ! " ,+ # ! # " ! - ! !# !"1 ! #" ! " ! # # # " ! " " !!+ " !! " $ ! $ ! " ! ! ,+ # ! !# " ! " ! "/ ! #" ! ! # ! $ ! , ! # ! ) ! "0 ! # * ! ,+ + ! # !+ !! !" / #" ( " "# # !! + ! + " ! # & ! . " ! # !" 3 " ' #!4 !") " " ! ! " ! ! " " ! " ! " ! 2 % ! #! ! $ " ! " ! + ! ! ! #" ! " " " ! ! ! , ! !! # & !! ! 1 ! & !! ! ! #" ! # #" ! # " !" # ,+ ! ! ! ! !" ! + ( ,+ ! ! ! " + ! !# ! " #,1 ! + !!# ! + " !! " ! 1 ! Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 1 EDITORIAL Caro Colega, Obrigado pela sua fidelidade e apoio à WALTHAM Focus ao longo dos últimos anos. No momento em que a presente edição marca o início do 17º ano de publicação, a equipe editorial e o editor desejam expressar a sua gratidão. O nosso objetivo consiste em proporcionar ao leitor uma revista de veterinária de alta qualidade, com pareceres estado de arte no campo da medicina veterinária canina e felina. Para tornar a leitura mais agradável, temos o prazer de apresentar o novo aspecto gráfico, com uma nova concepção e melhor utilização das ilustrações. Para esta edição, selecionamos o tema sobre os distúrbios urinários. Ao longo dos últimos anos, tem-se verificado um aumento do número de novos casos de urolitíases por estruvita em felinos, apesar da redução significativa da prevalência desta afecção registada nos anos 90. É muito importante que os clínicos disponham de boa informação sobre este distúrbio, de forma a realizar um tratamento eficaz e, simultaneamente, diminuir a sua prevalência. Por último, a denominação WALTHAM Focus foi alterada para Veterinary Focus. Tendo em conta o volume de circulação de 100.000 cópias, em cerca de 50 países, consideramos da máxima importância a inclusão da palavra “Veterinária” no título! Com os nossos votos de um excelente trabalho! A equipe editorial Denise Elliott, Pascale Pibot, Pauline Devlin, Karyl Hurley e Richard Harvey AGRADECIMENTOS: A ROYAL CANIN DO BRASIL AGRADECE A PROFA. DRA. MITIKA HAGIWARA PELA PRECIOSA CONTRIBUIÇÃO NA REVISÃO DESTA EDIÇÃO DA REVISTA VETERINARY FOCUS. Veterinary Focus, Vol. 17, nº1 – 2007 Consultores Editoriais • Drª Denise A. Elliott, BVSc(Hons), PhD, Dipl. ACVIM, Dipl. ACVN Comunicações Científicas, Royal Canin, EUA • Drª Pascale Pibot, DVM, Directora de Publicações Científicas, Royal Canin, França • Drª Pauline Devlin, BSc, PhD, DirectoraAssistente Veterinária, Royal Canin, RU • Drª Karyl Hurley, BSc, DVM, Dipl. ACVIM, Dipl. ECVIM-CA Assuntos Académicos Globais, WALTHAM Editor Revisão editorial para outras línguas : • Dr. Richard Harvey, PhD, BVSc, DVD, FIBiol, MRCVS • Drª Imke Engelke, DVM (Alemão) • Drª María Elena Fernández, DVM (Espanhol) Secretário Editorial • Drª Eva Ramalho, DVM (Português) • Laurent Cathalan • Drª Paola Oppia, DVM (Italiano) [email protected] • Drª Margriet Bos, DVM (Holandês) • Prof. Dr. R. Moraillon, DVM (Francês) Ilustração • Drª Luciana D. de Oliveira, DVM (Português) • Arnaud Pouzet • Drª Ana Gabriela Valério (Português) Tradução • Drª Wandrea S. Mendes (Português) • Paula Cortes Publicado por: Buena Media Plus PCA: Bernardo Gallitelli Morada: 85, avenue Pierre Grenier 92100 Boulogne – França Telefone: +33 (0) 1 72 44 62 00 Impresso na União Europeia ISSN 0965-4577 Circulação: 100,000 cópias Depósito legal: Fevereiro 2007 Publicado por Aniwa S. A. S. Impresso no Brasil por: Intergraf Indústria Gráfica Ltda. As autorizações de comercialização dos agentes terapêuticos para uso em animais de companhia variam muito a nível mundial. Na ausência de uma licença específica, deve ser considerada a publicação de um aviso de prevenção adequado, antes da administração de tais fármacos. Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 2 SUMÁRIO VETERINARY # 17.1 2007 - 10$/10€ A revista internacional para o Médico Veterinário de animais de companhia A Veterinary Focus é publicada em inglês, francês, alemão, chinês, holandês, italiano, polonês, português, espanhol, japonês, grego e russo Editorial p. 01 © Lanceau Ilustração da capa: cálculo de oxalato de cálcio detectado na bexiga de uma cadela Schnauzer Miniatura esterilizada, com 8,5 anos e 9kg de peso. O cálculo media 18mm de diâmetro. Maine Coon Conhecimento e respeito... As principais raças felinas atuais p. 03 Catherine Bastide-Coste Epidemiologia da urolitíase felina p. 04 Doreen M. Houston Como abordar... Gatos com sintomas do trato urinário inferior p. 10 Jodi L. Westropp Nutrição e distúrbios urinários em gatos esterilizados p. 18 Jean-Jacques Bénet e Morgane Lamarche Análise quantitativa dos cálculos urinários em cães e gatos p. 22 Andrew Moore Como tratar... O gato com DTUI – perspectiva do cirurgião p. 28 Endo-urologia e radiologia de intervenção do trato urinário p. 31 Allyson C. Berent © Lanceau Giselle Hosgood British Shorthair Métodos para medir o potencial de cristalização da urina - RSS vs. APR p. 37 William G. Robertson e Abigail E . Stevenson Ponto de vista ROYAL CANIN... Diluição urinária: fator-chave na prevenção de urólitos de estruvita e de oxalato de cálcio p. 41 Vincent Biourge Sal, hipertensão e doença renal crônica p. 45 Scott A. Brown Guia destacável... Atlas de sedimento urinário p. 47 Visite a biblioteca científica para uma selecção de artigos da Veterinary Focus CONHECIMENTO E RESPEITO 2 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 © Lanceau ALEMANHA ARGENTINA AUSTRÁLIA ÁUSTRIA BAHREIN BÉLGICA BRASIL CANADÁ CHINA CHIPRE COREIA CROÁCIA DINAMARCA EMIRADOS ÁRABES UNIDOS ESLOVÉNIA ESPANHA ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ESTÓNIA FILIPINAS FINLÂNDIA FRANÇA GRÉCIA HOLANDA HONG-KONG HUNGRIA IRLANDA ISLÂNDIA ISRAEL ITÁLIA JAPÃO LETÓNIA LITUÂNIA MALTA MÉXICO NORUEGA NOVA ZELÂNDIA POLÓNIA PORTO RICO PORTUGAL REINO UNIDO REPÚBLICA CHECA REPÚBLICA DA ÁFRICA DO SUL REPÚBLICA ESLOVACA ROMÉNIA RÚSSIA SINGAPURA SUÉCIA SUIÇA TAILÂNDIA TAIWAN TURQUIA Bengal Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 3 CONHECIMENTO E RESPEITO As principais raças felinas atuais Existem cerca de sessenta raças reconhecidas mundialmente. A sua popularidade diverge consideravelmente de acordo com cada país. Por Catherine Bastide-Coste, Comunicações, LOOF (Registo oficial francês de raças de gatos) As raças clássicas, uma situação mista Na maioria das regiões do mundo (particularmente, na Europa), as raças British Shorthair e Siamês encontram-se quase sempre na lista das dez mais populares (Tabela 1), seguida de perto pela raça Persa. Em contrapartida, nos EUA a situação é muito diferente, com a ausência total do British Shorthair. Compilar dados “globais” significativos da Europa Continental torna-se uma tarefa difícil, uma vez que cada país possui o seu próprio registro de felinos domésticos. No entanto, foi possível reunir e comparar alguns elementos, que se apresentam na Tabela 1. Os dados relativos a França já são reconhecidos pelo Ministério da Agricultura (o primeiro caso na Europa). No Japão, a raça Persa é a mais popular, imediatamente seguida pelo American Shorthair. Na Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, os dados são muito semelhantes aos obtidos no Reino Unido. Os Persa estão em declínio A longa supremacia dos Persa tem sido ultimamente desafiada em diversos países. Sobretudo os gatos de raça grande, como o Maine Coon e o Gato das Florestas Norueguesas, estão tornando-se cada vez mais populares. O Ragdoll e o Siberiano registram também um aumento de popularidade. Uma característica que os torna particularmente atraentes é o fato de requererem menos cuidados de higiene e de beleza que os Persa. Raças Exóticas Os criadores estão constantemente em busca de novas raças que suscitem admiração. Nos EUA, a TICA (The International Cat Association) é muito ativa neste campo e, como se pode constatar através da Tabela 1, ultimamente o número de registros da raça Bengal (resultante do cruzamento entre gatos selvagens e gatos malhados) é muito superior ao de qualquer outra raça. Em contrapartida, na Rússia, as raças Sphinx, Scottish Fold e American Curl são as mais populares. Na Austrália, a raça Australian Mist apresenta um índice crescente de popularidade. Tabela 1. Detalhes comparativos dos registros de raças felinas (dados de 2005, majoritariamente) Estados Unidos Reino Unido Europa Continental França CFA TICA GCCF (30.000 registos) FiFe LOOF (17.000 registos) Persa Bengal British Shorthair Gato das Florestas Norueguesas Persa Maine Coon Ragdoll Siamês Persa Burmês Exotic Shorthair Maine Coon Persa Maine Coon Chartreux Siamês Sphinx Burmês Sagrado da Birmânia Maine Coon Abissínio Persa Sagrado da Birmânia British Shorthair Gato das Florestas Norueguesas Fontes: TICA- The International Cat Association (www.tica.org), CFA- the Cat Fanciers Organization (www.cfa.org), FIFe- Fédération Internationale Féline (www.fifeweb.org), GCCF- Governing Council of the Cat Fancy (www.gccfcats.org). Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 3 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 4 Epidemiologia da urolitíase felina Doreen M. Houston DVM, DVSc, Dipl. ACVIM Medi-Cal - Royal Canin Veterinary Diets Guelph, Ontário, Canadá A Drª Houston é formada pela Faculdade de Medicina Veterinária de Ontário (FVO), em 1980. Durante 4 anos trabalhou numa clínica veterinária em Thunder Bay, Ontário, regressando à FVO para prosseguir a sua formação (Internato, Residência e DVSc em Medicina Interna). Obteve o Diploma do Colégio Americano de Medicina Interna Veterinária (ACVIM) em 1991. A Drª Doreen M. Houston ingressou no corpo docente da Faculdade Ocidental de Medicina Veterinária da Universidade de Saskatchewan em 1990, alcançando o título de professora catedrática em 1995. Durante o exercício da sua docência a Drª. Houston recebeu inúmeros prêmios de ensino. Em Julho de 1996, abandonou o meio acadêmico para integrar a equipe de Veterinary Medi-Cal Diets Royal Canin em Guelph, Ontário. Atualmente desempenha as funções de Diretora de Pesquisa e Ensaios Clínicos da Medi-Cal Royal Canin Veterinary Diets, Canadá. A Drª Houston é autora de diversos artigos publicados, de capítulos de livros e de um manual. Introdução Incidência, prevalência e taxa de morbidade proporcional (PMR) são termos usados para descrever a frequência de uma doença (1). Define-se por taxa de incidência da urolítiase o número de novos casos desta 4 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 doença observados numa população, durante um período de tempo definido (habitualmente anual). A incidência de uma doença constitui-se em um dado útil para os epidemiologistas, pois serve para medir o risco da patologia. Define-se por prevalência da urolitíase o número total de animais de companhia de uma população que apresentem urólitos, num momento específico. A prevalência difere da incidência, na medida em que não transmite informação acerca do risco. A proporção de urolitíases na totalidade dos casos observados em uma clínica ou hospital, em um determinado período de tempo, constitui a taxa de morbidade proporcional (PMR). Infelizmente, estes termos são muitas vezes utilizados de forma inadequada ou com alternância do sentido, o que pode dar origem a confusões quando se pretende comparar dados de estudos diferentes. Além disso, nem todos os países editam trabalhos sobre a urolitíase, e os dados publicados relativos a felinos são menos consistentes entre países do que para a espécie canina, com representação de um número inferior de países. Por consequência, é bastante difícil conhecer a verdadeira incidência, prevalência e PMR da urolitíase nos gatos, no mundo. A doença do trato urinário inferior felino (DTUIF ou FLUTD - feline lower urinary tract disease) consiste em um grupo heterogêneo de distúrbios caracterizados por sinais clínicos semelhantes, que incluem hematúria (macroscópica e microscópica), disúria, estrangúria, polaquiúria, micções inapropriadas (periúria, ou sinais de micção irritativa fora da caixa de areia), assim como, obstrução parcial ou total da uretra (2). Historicamente, a taxa de incidência da FLUTD tem registado valores <1% nos EUA e no Reino Unido (3,4). A PMR da FLUTD na América do Norte foi estimada em Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 5 outras zonas do mundo, incluindo a Holanda e a Suiça (6-11). Contudo, desde 2002, tem-se registrado um aumento dos urólitos de estruvita, ultrapassando mesmo os de oxalato, que constituem hoje o tipo de cálculo analisado com maior frequência nos EUA (Tabela 1, Figura 1). Em cerca de 9221 urólitos felinos analisados no Centro de Urólitos do Minnesota em 2005, os tipos de minerais mais comuns foram: estruvita (48%), oxalato (41%) e purina (4,6%) (9). Em 2005 no Canadá, foi submetida à análise uma percentagem idêntica de urólitos de estruvita e de oxalato (10). Em Hong Kong, Itália e Reino Unido, os urólitos de estruvita constituíram o tipo mais comum, para o período de tempo em análise (1998-2000), situando-se o oxalato em segundo lugar (11). As diferenças observadas na proporção de cálculos de oxalato de cálcio e de estruvita nos diferentes países podem estar relacionadas com diversos fatores, incluindo o clima e o modo de vida (11). Em um estudo, os casos de urolitíase registraram aumento na sequência de períodos de clima adverso, durante os quais os animais permaneceram muito mais tempo em ambientes fechados (12). O sedentarismo e o consumo de alimentos com baixo teor de umidade ou secos podem também ter influência (12). Entre os <8% (5). A cistite idiopática é, indiscutivelmente, a causa mais comum de FLUTD relatada a nível mundial em gatos com idades entre 1-10 anos (1,2,6,7). A urolitíase constitui a segunda causa de FLUTD e é responsável por cerca de 13 a 28% das consultas dos gatos com doença do trato urinário inferior (1,2,7). Modificação na tendência dos urólitos analisados Nos gatos, a maioria dos urólitos vesicais são compostos por fosfato de amônio e magnésio (estruvita) ou por oxalato de cálcio. A prevalência de urólitos de estruvita e de oxalato em felinos, modificou-se durante os últimos 20 anos (Tabela 1). Até o final dos anos 80, os cálculos de estruvita analisados em dois dos principais laboratórios dos EUA que realizam testes quantitativos, foram ultrapassados em larga escala pelos urólitos de oxalato (8). Entre 1984 e 2003, a proporção de cálculos de oxalato de cálcio submetidos ao Centro de Urólitos da Universidade do Minnesota aumentou, aproximadamente, de 3 para 40% (9). Em meados dos anos 90, observou-se um decréscimo dos urólitos de estruvita passando o oxalato a ser o tipo de cálculo mais analisado tanto na América do Norte como em Tabela 1. Alteração entre o tipo de urólitos, estruvita e oxalato de cálcio, submetidos à análise, nos EUA, durante as últimas 2 décadas, e no Canadá desde 1998 Tipo de Mineral % Estruvita EUA Canadá % Oxalato EUA Canadá % Urato EUA Canadá 1984 88-90 2.4 1986 1989 85 3 2 1990 1993 1995 1997 65 54 50 42 70-80 10,6 5,6+ 19 27 6,3+ 37 1998* 2001 2002 2003 2004 2005 48* 34 39* 40 39* 42,5 42* 44,9 42,7* 48 45* 45* 55 54* 50 52* 47.4 48* 44.3 49,6* 41 45* 4,3* 2,7* 3,3* 4,2* 3,9* 4,60+ 5,2* 46 6,80+ 5,60+ % de casos *Dados canadenses (O Centro Veterinário de Urólitos do Canadá iniciou sua atividade em Fevereiro 1998) + inclui dados de 1984 e 1986. É observável a predominância da estruvita durante os anos 80 e início dos anos 90; verifica-se um nível predomínio de oxalato no final dos anos 90 e início de 2000; a estruvita volta a registar valores superiores em 2005 (1, 8, 9, 10). 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Estruvita Oxalato 1984 1990 1993 1995 1997 2001 2002 2003 2004 2005 Figura 1. Alteração da proporção de casos analisados de estruvita para oxalato e nova predominância da estruvita, durante os últimos 20 anos, em felinos da América do Norte (9). Ano de estudo Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 5 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 6 Tabela 2. Predisposição decorrente da idade, sexo e raça e outros fatores de risco em potencial de causar urólitos em gatos Tipo de urólito Estruvita Oxalato Urato Cistina Xantina Sílica Fosfato de Cálcio (brushita) Pirofosfatos Cálculos sanguíneos solidificados Raça Idade Gênero EUA Foreign Shorthair; Ragdoll; Chartreux; Oriental Shorthair; DPC*; Himalaia (6); Himalaia e Persa (8); DPC*, DPL** (19); Sem predileção racial (1) Estéril: 3 meses – 22 anos; média 7,2 +/- 3,5 anos (1) Induzido por infecção; qualquer idade (1) 5 anos em média nas fêmeas e <2 anos nos machos (19) 1-2 anos (16) 6,8 +/- 3,7 anos (11) Fêmeas ligeiramente > machos (10, 19) Machos <2 anos mais comum do que em fêmeas <2 anos (19) Machos ligeiramente > fêmeas (13) Macho = Fêmea (11) Canadá DPC*, DPL**, DPSL***; Himalaia; Persa (10) Reino Unido DPC*; Persa (11) EUA Himalaia, Persa (6, 17); Himalaia, Persa, Ragdoll; Shorthair, Foreign Shorthair; Havana Brown, Scottish Fold, Exotic Shorthair (6, 13); Burmês, Persa e Himalaia (16, 17) Canadá Himalaia, Persa (10) Reino Unido DPC*, Persa (11) EUA Nenhuma (19, 22) Canadá Siamês, Mau Egípcio (10) EUA Nenhuma (1) Canadá Nenhuma (10) EUA Nenhuma (1) EUA Nenhuma (1) EUA Nenhuma (1) Canadá Nenhuma (10) Canadá Nenhuma (10) Europa Persa (25) EUA DPC*; DPL** (8) 7 anos; 3 meses – 22 anos Machos > Fêmeas (1) (1,6, 10, 13, 16, 17) Gatos maturos e risco superior entre 10-15 anos (16) Machos = Fêmeas (11) Picos bimodais com 5 e 12 anos (17) 7-10 anos (13) 6,8 +/- 3,5 anos (11) 5,8 anos; 5 meses – 15 anos (1) 4,4 +/- 2 anos (11) Macho = Fêmea (1,6) Machos ligeiramente > fêmeas (10, 19) Meia idade e mais velhos (2) Machos ligeiramente > fêmeas (10) Nenhuma Machos (10) 8 +/- 5 anos; 5 meses – 19 anos (1) 7,1 +/- 3,6 anos (11) Fêmeas > machos (1) Machos > fêmeas (10) Outros • Excesso de peso / inativo • Consumo reduzido de água (1) • Urina alcalina (1) • Vida em ambientes internos(17) • Excesso de peso / inativo • Consumo reduzido de água • Ingestão de dietas acidificantes de urina (17) • Vida em ambientes internos (17) • Hipercalcemia sérica (18) • Consumo reduzido de água • Shunts porto-vasculares • Infecções do trato urinário • Consumo reduzido de água • Vida em ambientes internos • Defeito metabólico congênito (23) • Defeito congênito do metabolismo da purina (24) • Consumo reduzido de água • Consumo reduzido de água • Hiperparatiroidismo primário (19) Nenhuma (10) Machos > fêmeas (8, 10) *Doméstico de Pêlo Curto - ** Doméstico de Pêlo Longo - ***Doméstico de Pêlo Semi-Longo urólitos relatados com menor frequência incluem-se urato de amônio, cistina, sílica, xantina, fosfato de cálcio, pirofosfato e os cálculos de sangue sólidos desidratados (DSBC). Urólitos felinos A informação relativa à idade, sexo e raça dos gatos com urólitos encontra-se resumida na Tabela 2. Estruvita A estruvita é um dos minerais mais comuns na composição dos urólitos e plugs de muco observados nas uretras de felinos (Figura 2). O Himalaia, o Persa e o gato doméstico são as raças referidas com maior frequência, com idade média de 5 a 7 anos (6,10,11). 6 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 Em gatos Rex, Burmês, Abissínio, Azul da Rússia, Sagrado da Birmânia e Siamês, o risco de formação de cálculos de estruvita parece ser mais baixo (6,8,13). Ao contrário do que sucede na espécie canina, no gato a maioria dos urólitos de estruvita é estéril (1,6,13). A infecção por organismos responsáveis pela quebra da urease é rara em felinos e observável, sobretudo, em gatos com menos de um ano de vida, em gatos idosos ou com fatores de comprometimento do hospedeiro (ureterostomias perineais, etc.). Os urólitos de estruvita formam-se devido à supersaturação da urina em magnésio, amônio e fósforo, e com um pH urinário >6,5, situação que pode resultar da depleção do volume intravascular e da retenção de água. Um Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 7 EPIDEMIOLOGIA DA UROLITÍASE FELINA estudo de casos clínicos destacou o aumento do risco pela administração de dietas com teores elevados de magnésio, fósforo, cálcio, cloreto e fibra, níveis moderados de proteína e baixo teor de gordura (14). As dietas contendo 0,15 a 1,0% de magnésio, na matéria seca, estão associadas à formação de urólitos de estruvita. Contudo, a ação do magnésio depende da forma deste mineral e do pH da urina (15). Buffington, et al. relataram que os gatos com administração de 0,5% de cloreto de magnésio não evidenciaram formação de urólitos de estruvita, enquanto que os felinos com 0,5% de óxido de magnésio apresentaram este tipo de cálculo. A diferença em termos de formação de estruvita foi devido ao fato do óxido de magnésio promover a produção de urina alcalina, enquanto o cloreto de magnésio favorece a formação de urina ácida que tem carácter protetor (15). Figura 2. Variabilidade do aspecto dos urólitos de estruvita em felinos. Imagem: cortesia de Andrew Moore, CVUC, Guelph, Ontário, Canadá. Figura 3a. Radiografia laterolateral que evidencia inúmeros cálculos, de pequenas dimensões, radiopacos, na uretra de um gato macho com FLUTD. Radiografia: cortesia do Dr. Brian Crabbe, Port E lgin, Ontário, Canadá. Oxalato de cálcio As raças Himalaia e Persa parecem mais predispostas ao risco de urolitíase por oxalato de cálcio (6,8,10,11,13) (Figuras 3 e 4). Até o momento não existe explicação para o aparente aumento do risco de formação de urólitos de oxalato de cálcio, embora seja associado ao uso frequente de dietas acidificantes com restrição do teor de magnésio, de modo a controlar a formação de urólitos de estruvita (6,13,14,16,17,18). A acidúria persistente pode estar associada a uma acidose metabólica de baixa intensidade, que promove a mobilização óssea de carbonato e de fósforo para os íons tampão de hidrogênio. A mobilização simultânea de cálcio, associada à inibição da reabsorção deste mineral nos túbulos renais provoca o aumento da excreção urinária de cálcio (hipercalciúria). Lekcharoensuk, et al. relataram probabilidade três vezes superior de formação de urólitos de oxalato de cálcio em gatos alimentados com dietas formuladas para induzir pH urinário situado entre 5,99 e 6,15 (13,14). Em 5 gatos com hipercalcemia e urólitos de oxalato de cálcio, a descontinuação de dietas acidificantes ou a administração de acidificantes urinários foi associada à normalização das concentrações de cálcio sérico (18). No entanto, muitos gatos são alimentados com dietas acidificantes e apenas alguns desenvolvem hipercalcemia, acidose metabólica e urolitíase de oxalato de cálcio. Consequentemente, é importante levar em consideração fatores como a hiperabsorção gastrintestinal ou o aumento da excreção renal de cálcio em pacientes com maior susceptibilidade. O aumento da absorção intestinal de cálcio pode resultar do excesso de cálcio dietético, excesso de vitamina D ou hipofosfatemia. Por outro lado, o aumento da excreção renal de cálcio pode ocorrer devido ao decréscimo da Figura 3b. A análise revelou urólitos compostos por 100% de oxalato de cálcio. Imagem: cortesia de Andrew Moore, CVUC, Guelph, Ontário, Canadá. Figura 4. Urólitos de oxalato felinos com aspecto variável. Frequentemente, o diidrato de oxalato de cálcio revela uma aparência laminada, tal como é observável no canto inferior direito da figura. De forma geral, o monoidrato de oxalato de cálcio é arredondado, como o exemplo que se apresenta no canto inferior esquerdo da imagem. Imagem: cortesia de Andrew Moore, CVUC, Guelph, Ontário, Canadá. reabsorção tubular renal (furosemida e corticosteróides), ou ao aumento da mobilização de cálcio das reservas do organismo (acidose, hiperparatiroidismo, hipertiroidismo, excesso de vitamina D) (1,19). Um estudo de casos clínicos demonstrou que os gatos alimentados com dietas com teores reduzidos de umidade e de proteína apresentam maior risco de urolitíase por oxalato de cálcio (14). Foi igualmente Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 7 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 8 relatado aumento do consumo de água, do volume urinário e da excreção de fósforo na urina em felinos com administração de dietas ricas em proteínas, embora a excreção de cálcio não tenha aumentado. A depleção do volume intravascular e a concentração do volume urinário potencializam o risco de supersaturação da urina em cálcio e em oxalato. Os gatos alimentados com dietas úmidas apresentam cerca de 1/3 de probabilidade de desenvolver urólitos de oxalato de cálcio, comparados a gatos que recebem alimentos com pouca umidade(14). Os alimentos ricos em umidade estão associados com o aumento de produção de urina menos concentrada, quando comparadas a dietas com pouca umidade. A piridoxina (vitamina B6) aumenta a transaminação de glioxilato, importante precursor do ácido oxálico, para glicina. Deste modo, a carência em piridoxina aumenta a produção endógena e subsequente excreção de oxalato. Não foi relatada, até o momento, qualquer forma de ocorrência natural desta síndrome. Além disso, a suplementação com vitamina B6 não reduz a excreção urinária de ácido oxálico, comparativamente à administração de dietas contendo níveis adequados desta vitamina (20). Tanto a restrição quanto a suplementação de magnésio dietético estão associadas ao maior risco de urolitíase por oxalato de cálcio em gatos. Consequentemente, no intuito de minimizar os riscos deste distúrbio, as dietas não deverão conter nem um teor muito restritivo, nem suplementação de magnésio (14). Nos humanos é sugerido desde há muito tempo que a suplementação com cloreto de sódio permite aumentar a excreção urinária de cálcio. Contudo, um estudo epidemiológico recente conduzido por Lekcharoensuk, et al. não sustenta esta hipótese, ao descobrir que o aumento de sódio dietético reduz o risco de formação de urólitos de oxalato de cálcio no gato (14). O risco de formação de urólitos de oxalato de cálcio aumenta com a idade. Smith, et al. relataram uma produção urinária em gatos idosos (idade média: 10,63 +/- 1,32 anos) com valores RSS para a estruvita, significativamente inferiores (0,721 +/- 0,585 vs. 4,984 +/- 4,028) e níveis RRS para o oxalato de cálcio bem mais elevados (3,449 +/- 1,619 vs. 0,911 +/- 0,866), em comparação a um grupo de gatos mais jovens (4,06 +/1,02 anos). Os gatos idosos apresentaram um pH urinário acentuadamente mais baixo que os felinos mais jovens (6,08 ± 0,22 vs. 6,38 +/- 0,22, respectivamente). Este decréscimo observado nos animais mais velhos explica, em 8 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 parte, a maximização do risco de formação de urólitos de oxalato de cálcio decorrente do envelhecimento (21). O modo de vida em ambientes fechados é também considerado um fator de risco para urolitíase por oxalato de cálcio (7,12,17). Urato de amônio O urato de amônio é o terceiro urólito habitualmente identificado em gatos. É composto por ácido úrico e pelo sal de amônio monobásico deste ácido (urato ácido de amônio) (1,8). Em comparação com a estruvita e o oxalato, caracteriza-se por uma baixa prevalência e não sofreu alterações significativas durante as últimas 2 décadas (Tabela 1). No Canadá, dos 321 cálculos analisados como urato de amônio, 10 eram provenientes de gatos Siamês (3,1%) e 9 de Maus Egípcios (2,8%) (10). Os urólitos de urato podem formar-se em gatos com shunts portosistêmicos ou qualquer forma grave de disfunção hepática, situações por vezes associadas a um decréscimo da conversão hepática da amônia para uréia que resulta em hiperamonemia. Nesta espécie os urólitos de urato são também observáveis em animais com infecções do trato urinário, condizentes ao aumento de amônia urinária, em gatos com acidose metabólica e urina com elevada acidez, assim como em felinos alimentados com dietas de teor elevado em purinas, como fígado e outras vísceras (22). No entanto, na maioria dos pacientes felinos a patogênese permanece desconhecida (8). Fosfato de cálcio Os urólitos de fosfato de cálcio são pouco comuns no gato. A hidroxiapatita e a apatita carbonatada são as formas habitualmente observadas; a bruxita (diidrato de cálcio, hidrogênio e fosfato) é menos frequente. Os urólitos puros de cálcio e fosfato podem estar associados a hiperparatiroidismo primário, a distúrbios predisponentes à hipercalciúria (hipercalcemia, excesso de vitamina D, acidose sistêmica, excesso de cálcio dietético), ou à hiperfosfatúria (excesso de fósforo dietético), à diminuição do volume urinário, urina muito alcalina e, pelo menos no caso de nefrólitos, à presença de coágulos sanguíneos (1). Estes ocorrem com frequência como um componente menor, juntamente com os cálculos de estruvita e de oxalato de cálcio. Cistina Os urólitos de cistina formam-se em gatos com cistinúria, malformação metabólica congênita caracterizada por uma deficiente reabsorção tubular proximal de cistina e de outros aminoácidos (ornitina, lisina, arginina) (23). Não foi relatada qualquer predisposição óbvia de sexo ou raça, embora o risco seja maior em gatos Siamês (6,19). Acomete sobretudo felinos de meia-idade e idosos (23). Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 9 EPIDEMIOLOGIA DA UROLITÍASE FELINA Sílica Os urólitos de sílica são pouco frequentes. Ainda que com base em dados limitados, não parece existir predisposição de raça, sexo ou idade. No entanto, no Canadá o número de cálculos analisados provenientes de machos foi ligeiramente superior ao de fêmeas (10). Desconhece-se a causa deste tipo de urólitos em gatos. Xantina Os urólitos de xantina são raros e podem resultar de um defeito congênito no metabolismo das purinas ou da administração de alopurinol. Na maioria dos casos não existem fatores de risco identificáveis. Não foi relatada qualquer predisposição aparente de raça, sexo ou idade (24). Risco de reincidência elevado (no intervalo de 3 a 12 meses) (24). Pirofosfato de magnésio e potássio Foram identificados urólitos de pirofosfato de magnésio e de potássio em 4 gatos Persa (25). No Canadá, no total foram analisados 15 deste tipo de urólitos no CVUC (Centro Veterinário de Urólitos do Canadá). A maioria ocorreu em gatos domésticos (66,7%) e 2/3 dos urólitos foram identificados em machos. Cinco ocorreram em gatos de raça (2 Himalaia, 2 Persa e 1 Maine Coon). Outros 9 urólitos apresentaram núcleo de oxalato de cálcio (8) ou de estruvita (1) recoberto por cálculos de pirofosfato (10). Apesar da sua etiologia não estar totalmente elucidada, postula-se que esteja relacionada com uma disfunção enzimática temporária ou permanente que provoque a supersaturação urinária de pirofosfato conducente, por sua vez, à cristalização do urólito (25). Cálculos sanguíneos sólidos desidratados (DSBC) Foram relatados casos de DSBC em felinos da América do Norte (8) com etiologia desconhecida. Em geral, estes cálculos não contêm qualquer material cristalino e muitos são radiolucentes. Urólitos mistos Os urólitos mistos ou compostos consistem em um núcleo de um determinado tipo de mineral e pedra ou concha de outro tipo de mineral. Formam-se em virtude da sobreposição de fatores que promovem a precipitação de um tipo de urólito sobre fatores anteriores que favoreciam a precipitação de outro tipo de mineral. Alguns minerais funcionam também como núcleo de depósito de outro tipo de mineral; por exemplo, todos os tipos de urólito predispõem a infecções do trato urinário, passíveis de originar a precipitação secundária de estruvita. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Osborne CA, Kruger JM, Lulich JP, et al. Feline lower urinary tract diseases. In: Ettinger SJ, Feldman EC (eds). Textbook of Veterinary Internal Medicine, WB Saunders, Philadelphia: 1995; 4: 1805-1832. 14. Lekcharoensuk C, Osborne CA, Lulich JP, et al. Association between dietary factors and calcium oxalate and magnesium ammonium phosphate urolithiasis in cats. J Am Vet Med Assoc 2001; 219: 1228-1237. 2. 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Gatos com sintomas do trato urinário inferior observados em gatos com cálculos vesicais (cálculos císticos), infecções bacterianas do trato urinário, neoplasia, ou outras lesões por massas vesicais. Em cerca de dois terços dos casos, os clínicos não conseguem descobrir uma causa específica para os sinais clínicos, pelo que se referem a esta síndrome como cistite idiopática felina (CIF) (1). Anamnese e exame físico Jodi L. Westropp, DVM, PhD, Dipl. ACVIM Departamento de Medicina e Epidemiologia Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade da Califórnia, Davis, CA 95616 EUA A Drª Westropp realizou o seu curso universitário na Universidade Estadual de Ohio, onde permaneceu até concluir o curso de medicina veterinária, em 1997. Em seguida, completou um ano de internato em medicina e cirurgia de pequenos animais em Nova Iorque. Regressou ao Ohio para efetuar a residência em medicina interna e o PhD. Obteve o Diploma em 2001 e concluiu o Doutorado em 2004. Atualmente, é professora assistente do departamento de medicina e epidemiologia da Faculdade de Medicina Veterinária, na Universidade da Califórnia, em Davis. O seu principal interesse na área da pesquisa centra-se nos distúrbios do trato urinário inferior, em cães e gatos. A Drª Westropp detém também o cargo de diretora do Laboratório de Análise de Cálculos Urinários Gerald V. Ling, na UCD. Introdução A doença do trato urinário inferior (DTUI) nos gatos inclui diversas associações de manifestações: tentativas frequentes e esforço de micção, micções inapropriadas (periúria), micções dolorosas e presença de sangue na urina (hematúria). Estes sinais não caracterizam uma doença específica: podem ser 10 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 A elaboração de uma anamnese completa pode revelar-se muito importante para determinar a presença de poliúria, polidipsia, polaquiúria (micção frequente de pequenos volumes de urina), estrangúria, hematúria, ou se o gato apresenta uma combinação destes sinais clínicos. Por outro lado, a história do paciente auxilia igualmente a decidir quais os diagnósticos mais importantes. É importante obter informações sobre o ambiente, sobretudo em felinos com maior probabilidade de CIF. Deve realizar-se sempre um exame físico minucioso do trato urinário inferior e da região perineal circundante. Diagnóstico Exame de urina e cultura: a urinálise conduzida em gatos com DTUI apresenta resultados variáveis (alterações como hematúria, proteinúria, piúria, cristalúria e densidade), que são pouco característicos de afecções específicas da bexiga. Por exemplo, tanto hematúria como proteinúria, sinais de vasodilatação suburetral e derrame vascular, independentemente da sua etiologia, podem ser temporários – presente em uma micção, mas não na seguinte. Em caso de infecção do trato urinário, pode ser observada piúria. Contudo, este sinal clínico (habitualmente, em quantidades mínimas) pode também manifestar-se numa cistite estéril. Além disso, menos de 2% dos gatos com idade inferior a 10 anos apresentam cistite bacteriana verdadeira , porém, a cultura urinária é geralmente um teste pouco elucidativo. A Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 11 probabilidade de infecção do trato urinário aumenta com a idade, com a presença de cálculos císticos, de ureterostomias perineais (2) e de urina diluída (3). Pode também ser observada cristalúria em diversos gatos sem manifestação de sinais clínicos associados ao trato urinário inferior. No entanto, pode constituir um dado relevante em pacientes com predisposição para a recorrência de cálculos urinários. Uma vez que a CIF é um diagnóstico de exclusão, preconiza-se a realização de análise e cultura urinárias, em gatos com DTUI recorrente e não sujeitos a avaliação anterior. A densidade da urina deve ser cuidadosamente analisada, sobretudo em felinos mais velhos, de modo a verificar a existência de concentração adequada, levando-se em conta que o tipo de dieta (seca >1,040 vs. em lata >1,030) pode inf luenciar o resultado. Consequentemente, o clínico deverá recomendar veementemente a realização de exame de urina em gatos idosos, ou se o felino evidenciar outros distúrbios com presença de isostenúria (ex. hipertiroidismo, insuficiência renal) ou tenha sido submetido a cirurgias anteriores. Radiografia: a radiografia abdominal simples, que abranja todo o trato urinário (incluindo a uretra), pode constituir -se em instrumento diagnóstico de grande utilidade em gatos com DTUI. É aconselhável aplicar enema de água morna antes do exame radiológico para conseguir avaliar completamente a uretra. Aproximadamente 15 a 20% dos pacientes felinos com DTUI apresentam evidências radiográficas de cálculos císticos (4). Em algumas situações, a cistografia contrastada pode ajudar a revelar lesões, como cálculos não radiopacos, massas ou coágulos sanguíneos. Os estudos de contraste são particularmente indicados para gatos mais velhos, com menor probabilidade de CIF. Cistoscopia: Se o gato apresentar episódios recorrentes de DTUI e já tiverem sido efetuados os diagnósticos supramencionados, poderá ser considerada a realização de uma citoscopia. Este procedimento permite visualizar a uretra e a bexiga em baixas e altas pressões, o que facilita a detecção de pequenos cálculos císticos, divertículos, ureteres ectópicos e pequenos pólipos. Caso não seja observável nenhum destes elementos, é possível avaliar o grau de gravidade do edema, de glomerulações (pequenas hemorragias localizadas), da friabilidade e de fibroses. Se o cenário cistoscópico indicar, ocasionalmente, deverá se considerar a realização de biópsia da bexiga para análise histopatológica e eventual cultura. para gatos com DTUI. Caso Nº 1 Onion é uma fêmea esterilizada de raça doméstica de pêlo curto, com 3 anos de idade. Foi levada à consulta devido a um primeiro episódio de periúria, estrangúria e hematúria, ocorrido há um dia e meio. Histórico do animal: Os proprietários adotaram a gata com 2 anos de idade de um abrigo e não tinham observado qualquer problema no passado. Relataram a inexistência de poliúria ou polidipsia. A gata vive exclusivamente em ambiente fechado, sem outros animais de companhia e consome um alimento seco comercial para felinos. Exame físico: De maneira geral, o exame não destacou observações especiais, com exceção de perda de pêlo inguinal bilateral e auto-escoriações óbvias na mesma área (Figura 1). Apresentava bexiga pequena e a gata ressentiu-se durante a palpação deste órgão. Escore de Condição Corporal (ECC) =6/9. Lista de problemas: 1. DTUI caracterizadas sobretudo por periúria, hematúria e estrangúria. 2. Perda de pêlo inguinal e auto-escoriações. Avaliações: O diagnóstico diferencial para as DTUI, num gato com esta idade, inclui: CIF, urolitíase, problemas comportamentais e infecção do trato urinário. Outras afecções, como neoplasia, divertículo da bexiga, outras anormalidades anatômicas ou estenoses uretrais, são menos prováveis em felinos que apresentem estes sinais clínicos e esta anamnese. Provavelmente, a alopecia é auto-induzida em resultado da dor provocada pela doença da bexiga. Em alguns casos individuais, poderá ser considerada a Figura 1. Alopecia simétrica na virilha e abdome ventral, no Caso 1. Os exemplos apresentados a seguir são casos apresentados aos nossos clínicos ou combinações de diversos casos, para ilustrar diferentes diagnósticos e estratégias terapêuticas Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 11 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 12 COMO ABORDAR... Figura 2. Aumento da liberação de norepinefrina (NE) durante período de stress, em gatos com CIF, comparativamente aos controles. 10,000 NE (pg/ml) 7500 CIF 5000 aumento de NE e de outros metabólitos de catecolaminas em gatos com CIF face a um fator de stress ligeiro, em comparação a felinos saudáveis (Figura 2). Qualquer estratégia de tratamento que diminua a descarga do sistema nervoso simpático pode revelar-se importante para a redução dos sinais clínicos, assim como reduzir a nocividade da urina para a parede lesada da bexiga e normalizar a permeabilidade deste órgão. Saudáveis 2500 0 10 20 30 40 Dias existência de distúrbios dermatológicos primários. Plano de diagnóstico: Apesar de se tratar da primeira manifestação de DTUI, o proprietário optou pela realização de procedimentos de diagnóstico adicionais. Foi realizada radiografia abdominal, com o cuidado de incluir todo o trato urinário inferior; não foram detectadas alterações e a bexiga apresentava-se pequena. A análise e cultura urinárias revelaram densidade de 1,049 com> 100 RBC/hpf (Glóbulos vermelhos por campo de ampliação). A cultura urinária apresentou resultado negativo. Diagnóstico: Grande probabilidade de CIF. Recomendações no caso da Onion: As causas de CIF não estão ainda totalmente elucidadas. Felizmente, cerca de 85% dos gatos com CIF não apresentam recorrência subsequente dos sinais clínicos. De acordo com a minha própria experiência, é bastante útil esclarecer aos proprietários sobre a doença, transmitindo os conhecimentos clínicos, para que estes possam compreender os sinais clínicos do animal. Uma premissa universal é que a CIF não constitui um simples distúrbio da bexiga, mas que envolve interações complexas dos dois principais ramos do sistema de resposta corporal ao stress: o sistema nervoso simpático e o sistema endócrino. Nos seres humanos ocorre uma doença semelhante denominada cistite intersticial. Ambas parecem apresentar evolução com ‘‘altos e baixos’’, exacerbado pelos fatores de stress (5). O sistema nervoso simpático age através da liberação de catecolaminas, como a norepinefrina (NE) e a epinefrina, enquanto as glândulas adrenais liberam cortisol e um conjunto de outros esteróides. A CIF caracteriza-se por uma sobreatividade do sistema nervoso simpático (6) e por uma fraca resposta endócrina (7) a fatores de stress que parecem não afetar os gatos saudáveis. Alguns estudos demonstraram 12 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 Além do sistema nervoso simpático, também se observam anomalias no eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA) em gatos com CIF. Após administração de dose elevada (125g) de ACTH sintético, os felinos com esta afecção evidenciaram decréscimo significativo nas respostas de cortisol sorológico, em comparação com os animais saudáveis (8). Muito embora não tenham sido identificadas alterações histológicas óbvias, as áreas constituídas pelas zonas fasciculadas e reticuladas eram consideravelmente menores em secções das glândulas dos gatos com CIF que nos animais saudáveis. Assim, enquanto o sistema simpáticoneural parece encontrar-se totalmente ativado neste distúrbio, o mesmo não sucede com o eixo HPA. É provável que a patofisiologia da CIF envolva interações complexas entre diversos sistemas do organismo. As anomalias não se localizam apenas na bexiga, mas também, nos sistemas ner voso, endócrino, gastrintestinal, comportamental e até cardiovascular (9). Não foi ainda determinado porque estes sistemas se manifestam sob a forma de CIF em certos gatos e em outros não. No entanto, o padrão de imprevisibilidade sustenta a presença de uma alteração subjacente comum que se expressa de forma distinta, com base na susceptibilidade individual. Para que possam proporcionar um tratamento mais adequado a estes doentes, é importante que os clínicos compreendam que esta síndrome não constitui apenas uma “doença da bexiga”, controlável pelo simples uso de terapias dietéticas ou quimioterápicas. Com base nos dados obtidos em pesquisas conduzidas em gatos com CIF, parece tratar-se de uma síndrome dolorosa. No decurso de episódios agudos deve ser prescrita terapia analgésica. Um sedativo ligeiro também pode ser benéfico para diminuir a ansiedade observada durante crises agudas repentinas. Em geral, esta terapia é aplicada durante 4 a 6 dias, prestando especial atenção à existência de micções, ainda que de pequeno volume, especialmente no caso dos machos. No caso da Onion, foi prescrita buprenorfina (0,03mg/kg PO, BID, durante 4 dias). Embora seja preferível utilizar a buprenorfina, as estratégias analgésicas alternativas podem incluir: adesivos de fentanil, butorfanol, oximorfona Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 13 GATOS COM SINTOMAS DO TRATO URINÁRIO INFERIOR ou, eventualmente, fármacos anti-inflamatórios não esteróides, como o meloxicam. Foi também considerado o meio envolvente de ‘‘Onion’’, visto ter-se descoberto que, através do ‘‘enriquecimento’’ do ambiente em que estes gatos se inserem, é possível diminuir a “superatividade” simpática e aumentar o intervalo entre crises (10). Foram efetuadas as seguintes recomendações para esta gata: 1. Caixas de areia: recomendou-se a colocação da caixa de areia numa área sossegada e acessível da casa e proceder seu esvaziamento (diário) e limpeza (semanal) de forma regular. A cobertura da caixa de areia foi retirada, indicando-se o uso de areia para gatos, inodora. 2. Alimentação e água: foi recomendada dieta comercial de manutenção, de apresentação úmida. Os alimentos úmidos são preferíveis para gatos com CIF, uma vez que o aumento do teor de água dilui quaisquer componentes potencialmente nocivos na urina e ajuda a diminuir a dor associada a este distúrbio. Foi demonstrada em estudos diminuição na taxa de recorrência de CIF em gatos alimentados com dieta úmida, em comparação com outros alimentos com dieta seca com idêntica formulação (Urinary S/O®, Royal Canin Veterinary Diet) (11). Proporcionar a opção de escolha entre alimentos secos e úmidos em recipientes adjacentes, separados, ao invés de substituir a dieta habitual por outra nova, permite que o animal expresse as suas preferências. Se os gatos (ou os proprietários) recusarem os alimentos úmidos, devem ser pesquisadas outras formas de aumentar a ingestão de água, de acordo com as particularidades do animal (fontes, torneiras gota-a-gota, etc.). Nesta altura, não foram feitas outras sugestões uma vez que, tal como referido anteriormente, a maioria dos gatos não apresenta episódios recorrentes após a primeira crise de CIF. Além disso, a alteração simultânea de vários elementos no ambiente do gato poderia ser tão “estressante” como não efetuar qualquer alteração. Adendo: Os proprietários da Onion foram contactados 3 dias após a consulta e o gato apresentava-se clinicamente normal. O acompanhamento subsequente, 3 semanas e 3 meses após a consulta, revelou que o gato permanecia assintomático. Nota: No caso de Onion, o diagnóstico foi realizado a pedido do proprietário, no sentido de auxiliar a esclarecer a causa da DTUI. Se os proprietários não estivessem interessados na condução de testes adicionais, ou manifestassem razões de ordem financeira, a terapia com analgésicos e explicações para os proprietários sobre a doença teriam sido suficientes. Na maioria dos casos, a densidade urinária exclui a existência de doença renal subjacente. Contudo, se os sinais clínicos persistirem ou recidivarem, deve ser recomendado veementemente a realização de exames diagnósticos complementares. Caso Nº 2 Casey é um macho esterilizado da raça Himalaia, com 6 anos de idade, levado à consulta na nossa clínica devido a DTUI recorrente e a uma história de obstrução uretral, iniciada há 6 meses. Histórico do paciente: Casey foi levado à consulta veterinária há cerca de dois anos devido a uma história de estrangúria, polaquiúria e hematúria, com duração média de 3 a 4 dias e recaídas com intervalos de 2 a 3 meses. O hemograma completo e o perfil bioquímico realizados há um ano não revelavam alterações. As radiografias abdominais não evidenciavam a presença de cálculos no interior do trato urinário. As diversas culturas urinárias realizadas durante os últimos dois anos apresentavam resultados negativos. Em todas as urinálises foi constatada densidade específica superior a 1,035 e os sedimentos urinários apenas destacavam hematúria e, ocasionalmente, uma ligeira piúria (5-7/CA). Ao longo dos últimos 2 anos foram administrados diversos antibióticos distintos, incluindo amoxicilina com ácido clavulânico e enrofloxacina, sem registo de qualquer melhoria consistente. Há cerca de seis meses Casey foi levado a um serviço de urgências devido a estrangúria persistente, tendo sido diagnosticada obstrução uretral. Foi tratado e recebeu alta após internamento hospitalar durante 3 dias. A dieta de Casey era composta por diversos alimentos secos comerciais para felinos. A caixa de areia era renovada diariamente e lavada com regularidade. O animal dispõe de várias janelas com parapeitos e diversos brinquedos, recomendados pelo veterinário. Casey tem um modo de vida exclusivamente de interior, coabitando com dois outros gatos. Exame físico: O exame físico de Casey não revelou nenhuma alteração. ECC =5/9. Lista de problemas: Os episódios de melhora e piora da DTUI, durante os últimos 2 anos, e a história de obstrução uretral, ocorrida há 6 meses. Avaliação: Uma vez tendo o médico veterinário excluído diversas causas de DTUI na espécie felina, como cálculos císticos e infecções do trato urinário, o diagnóstico diferencial aponta com maior probabilidade para CIF. No entanto os sinais clínicos de Casey persistiram, devendo ser Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 13 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 14 COMO ABORDAR... Figura 3. Plug mucoso composto por estruvita, fragmentos celulares e proteínas. considerados outros diagnósticos diferenciais, como neoplasia, divertículos e coágulos sanguíneos. Na minha opinião, por vezes a obstrução uretral constitui uma manifestação de CIF em felinos machos. É possível que a proteína, os cristais (habitualmente de estruvita), as células e os fragmentos presentes no soro sejam retidos e formem um plug de muco (Figura 3). Plano: Foram consideradas outras possibilidades diagnosticas no caso de Casey devido à ausência de resposta à terapia e persistência dos sinais clínicos. 1. Foi realizado novo hemograma e perfil bioquímico para confirmar a inexistência de sinais de alterações sistêmicas, como doença renal ou anemia. Não foram registadas alterações. 2. Foi efetuado novo exame de urina, sobretudo para avaliar a densidade da urina. Esta apresentou valor de 1,048, não tendo sido detectadas outras alterações nesta consulta. 3. Foi realizada ultrassonografia abdominal para garantir a inexistência de massas, lesões, coágulos sanguíneos, pequenos cálculos não radiopacos, ou cálculos de dimensões reduzidas no interior do trato urinário. 4. Procedeu-se um cistouretrograma contrastado para verificar a inexistência de outras anormalidades anatômicas. Este estudo revelou espessamento da parede da bexiga, sem presença de outras alterações. Todas estas informações são compatíveis com CIF (12). Devido à persistência de sinais clínicos, foi realizada cistoscopia. Durante o exame, a bexiga evidenciou friabilidade e inúmeras pequenas hemorragias petequiais localizadas (glomerulações). A bexiga apresentava um edema moderado, mas com distensão normal (Figura 4). Diagnóstico: CIF e histórico de obstrução uretral. Recomendações no caso de Casey: após o diagnóstico foi agendada outra consulta com os proprietários para discutir o problema do animal e fornecer o máximo de informação sobre medidas para amenizar os sinais clínicos do Casey e espaçar o intervalo entre episódios da doença. Uma lista contendo recursos ambientais foi discutida com os proprietários, e os seguintes detalhes foram obtidos: 1. Casey vive numa casa de dois andares, com 3 quartos, um 14 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 pequeno escritório e uma área de lavanderia. 2. Existiam apenas 2 caixas de areia para 3 gatos (embora os proprietários considerassem adequado), colocadas lado a lado na lavanderia. Os proprietários utilizavam areia higiênica inodora e esvaziavam as caixas sanitárias diariamente. Uma delas era coberta com tampa e ambas as caixas eram minuciosamente limpas duas vezes por mês. 3. Os três gatos partilhavam comedouros e bebedouros, colocados na lavanderia e também na cozinha. Os recipientes eram limpos com regularidade e todos os gatos tinham acesso aos alimentos secos e aos úmidos. 4. Dispunham de janelas com parapeitos num quarto do andar superior, assim como diversos brinquedos que eram usados rotativamente pelos animais. 5. Não possuíam arranhadores para gatos. 6. Casey não dispunha de uma zona de “fuga” dos outros gatos, como por exemplo outro quarto ou um armário. Durante o questionamento referente ao relacionamento entre o Casey e os outros dois gatos, descobrimos que um gato parecia ser dominante e “atacava” frequentemente Casey enquanto este descansava. Recomendações no caso de Casey: 1. Foi prescrita terapia analgésica. Embora o animal não se apresentasse sintomático durante a consulta, foi fornecido butorfanol aos proprietários, com instruções para administrar este medicamento (1mg 2 a 3 vezes ao dia, durante um período máximo de 3 dias) caso se desenvolvessem sinais clínicos. Foi também fornecido um antagonista não seletivo do adrenoreceptor alfa fenoxibenzamina - para utilizar em caso de necessidade. A fenoxibenzamina auxilia a relaxar a uretra, situação que pode revelar-se importante nos machos desta espécie. Como alternativa, poderia prescrever-se o antagonista do adrenoreceptor alfa-1, mais seletivo – Prazosin (CoVM1). Os antagonistas alfa caracterizam-se também por um efeito sedativo. Com esta medicação em casa, os proprietários não teriam necessidade de retornar à consulta com Casey, caso este apresentasse estabelecer novo episódio. O animal não tolera muito bem as viagens de automóvel e não sendo necessário outro diagnóstico, é preferível reduzir o stress associado ao transporte até à clínica veterinária. 2. Com base em estudos anteriores efetuados em gatos com CIF crônica recorrente, demonstramos um aumento das catecolaminas e a má-resposta do eixo hipotalâmicopituitário, durante um fator de stress moderado. Além disso, foi documentado um déficit da função do adrenoreceptor de alfa-2 em gatos com CIF, em comparação com gatos saudáveis sob as mesmas situações de stress (13). Baseado nesses dados, estratégias de tratamento objetivando a redução do tônus simpático no intuito de reduzir estes tipos Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 15 GATOS COM SINTOMAS DO TRATO URINÁRIO INFERIOR Figura 4. Imagem citoscópica da parede da bexiga apresentando várias pequenas hemorragias petequiais. de anomalias tem sido publicadas (10). Nesse ensaio foi recomendado aos proprietários de 46 gatos com CIF, habitantes de ambientes internos, alguns métodos de enriquecimento ambiental multimodal (MEMO) baseados na história ambiental detalhada, tal como a que foi coletada para Casey. Os casos foram acompanhados durante 10 meses através do contato com os clientes para determinar o efeito dos MEMO nas DTUI e em outros sinais. Foram identificadas reduções significativas nas DTUI, no medo, nervosismo, sinais relativos ao trato respiratório, manifestando-se também tendência (P <0,1) para decréscimo da agressividade comportamental. Estes resultados sugerem que os MEMO podem constituir uma abordagem complementar bastante útil para a terapia de gatos com CIF confinados em ambientes fechados, devido à diminuição da atividade noradrenérgica. A autora recomenda fortemente a aplicação da metodologia MEMO, sobretudo em caso de gatos com CIF recorrente. Foi implementada uma estratégia MEMO semelhante para Casey, com as seguintes diretrizes: 1. Introdução de uma caixa de areia adicional, aconselhandose os proprietários a retirar as tampas e a manter o método de limpeza que já era adotado. 2. Foi recomendada a utilização de Feliway®, um ferormônio facial sintético. Os ferormônios são ácidos graxos responsáveis pela transmissão de informações muito específicas entre animais da mesma espécie. Muito embora se desconheçam os mecanismos de ação exatos, de acordo com os relatos, os ferormônios induzem alterações tanto no sistema límbico como no hipotálamo, que alteram o estado emocional do animal (14). Feliway ® (Ceva Sante Animale, Libourne, França), análogo sintético do ferormônio facial que se produz naturalmente nos felinos, foi desenvolvido com o objetivo de reduzir comportamentos relacionados com a ansiedade no gato. Muito embora não tenha sido especificamente testado em gatos com CIF, o tratamento com esta substância apresentou redução no nível de ansiedade manifestado por gatos mediante circunstâncias desconhecidas, resposta potencialmente útil tanto para o paciente como para o proprietário. Foi recomendada a aquisição de um difusor para colocar na parte da casa em que se encontram as caixas de areia. De acordo com a bula, cada difusor tem uma duração de 4 semanas e alcança aproximadamente 650 metros quadrados. 3. Relativamente à dieta, o recurso a alimentos acidificantes não tem demonstrado qualquer benefício no caso de gatos com CIF, exceto talvez em felinos machos com obstruções uretrais secundárias a cálculos de estruvita ou plugs compostos por estruvita. Assim, a autora recomendou a transição gradual para uma dieta úmida, comercial, ligeiramente acidificante. Quando o pH da urina atinge o valor 6,7 ou mais pode ocorrer saturação por cristais de estruvita. Para realizar a alteração alimentar os proprietários foram aconselhados a administrar o novo alimento a Casey no seu comedouro habitual, colocado ao lado de um comedouro diferente contendo a dieta anterior. Colocar ambos os alimentos em comedouros semelhantes poderá facilitar a transição. Se Casey ingerisse a nova dieta de imediato, o alimento anterior poderia ser retirado. Se não ingerisse o novo alimento no período de uma hora, deveria ser retirado repetindo-se o procedimento na refeição seguinte, mas com uma nova dose. Através deste método, a familiarização com a nova dieta deverá processar-se no período de 1 a 2 semanas. 4. Os gatos interagem tanto com as estruturas físicas como com outros animais, incluindo seres humanos, no seu próprio ambiente. O ambiente físico deve contemplar a possibilidade do animal escalar, arranhar, esconder-se e descansar. Considerando que os gatos não se agregam em grupos, os felinos que coabitam numa casa com outros animais da mesma espécie devem dispor de uma área que lhes permita “fugir” dos outros. O modo de vida em ambientes fechados (ou uma densidade elevada de gatos em regime interior/exterior) tem sido relatado como um fator de risco que mascara e perpetua a CIF, bem como outros distúrbios crônicos que afetam os gatos (15). Alguns destes felinos podem mesmo manifestar preferências por ter seus próprios comedouros, bebedouros, caixas sanitárias e áreas de repouso separadas, para evitar a competição por recursos e poder escapar a interações não desejadas. Também pode-se revelar útil ligar um aparelho de rádio para habituar os animais a mudanças súbitas de sons e a vozes humanas, assim como alguns estímulos visuais. Casey deverá ter à sua disposição recipientes para alimentos e água, onde possa comer separadamente dos outros gatos quando desejar. Estes devem ser colocados numa área calma, longe de eletrodomésticos ruidosos e das caixas de areia. 5. Foi recomendado a colocação de um arranhador com Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 15 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 16 COMO ABORDAR... tocas, com diversos níveis. Em geral, os gatos sentem-se “seguros” quando se encontram num nível mais elevado do que a sua “presa” ou ameaça ambiental. Graças a este dispositivo com formato de escada, Casey poderá subir e afastar-se dos outros gatos sempre que quiser. Se a estrutura for colocada perto da janela, o animal poderá contemplar o exterior. 6. Foi igualmente recomendada aos clientes a consulta do seguinte website: www.indoorcat.org, no sentido de obterem ideias adicionais e favorecer a implementação gradual das recomendações anteriormente mencionadas. O contato persistente com os clientes, mantendo-os informados sobre a CIF, tem sido muito útil pois permite certificar que estes se sentem confortáveis e “com controle” da doença do seu gato. O acompanhamento é essencial e a comunicação contínua é benéfica. Após 3 dias, quando os proprietários foram contactados por telefone, informaram que Casey estava se recuperando bem, que tinham adquirido a nova caixa de areia e o arranhador, e que tinham ajustado os recipientes do alimento e da água. Estavam tendo dificuldades em encontrar o Feliway®, e então foram informados sobre um website para os auxiliar. Após três semanas os proprietários tinham implementado lentamente as alterações prescritas e Casey estava bem. O nosso técnico voltou a contactá-los três meses depois; informaram que Casey havia apresentado “urina ensanguentada” 2 semanas antes e que o tinham tratado com os medicamentos prescritos. O episódio durou 36 horas e os proprietários não tinham procurado cuidados veterinários. Os proprietários foram também informados que se a CIF do Casey continuasse a progredir, além de outra terapia MEMO poderíamos prescrever um anti-depressivo tricíclico, tal como amitriptilina ou a clomipramina. Estes medicamentos são, por vezes, usados em casos crônicos graves de CIF após terem sido implementados todos os esforços de enriquecimento ambiental (16). Caso Nº 3 Mischa é uma fêmea esterilizada de raça Siamês Mestiça, com 11 anos de idade, que foi levada ao nosso hospital para avaliação de periúria e hematúria que durava 2 semanas. Após um questionário mais aprofundado, os proprietários não achavam que Mischa apresentasse esforço ao urinar, mas notaram que as gotas de urina encontradas no tapete eram bastante pequenas (o que nos sugeria a presença de polaquiúria). Informaram ainda que a gata lambia com muita frequência a região perineal. Mischa não tinha tido problemas de saúde até aquele momento. Os proprietários não tinham certeza sobre sua ingestão de ração e água porque tinham outros 2 gatos e todos os animais 16 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 partilhavam os mesmos comedouros. Era fornecido aos gatos um alimento seco comercial ad libitum. Mischa só tinha autorização para sair ocasionalmente até o pátio. Exame físico: Não foram detectadas alterações, exceto desconforto à palpação abdominal caudal. A bexiga apresentava-se moderadamente cheia. ECC = 5/9. Problemas: Hematúria, periúria e possível polaquiúria. Avaliação: os diagnósticos diferenciais são semelhantes aos discutidos nos dois casos anteriores, contudo, a maioria dos gatos com CIF são, geralmente, mais jovens e apresentam sinais de DTUI distintos. Deste modo, deve-se encorajar a realização de avaliações diagnósticas em casos como este, uma vez que é menos provável que se trate de CIF. Plano: Foram realizados hemograma, perfil bioquímico, urinálise com cultura e radiografias abdominais. O hemograma e perfil bioquímico apresentavam resultados normais (BUN=25 mg/dL (8,9 mmol/L), creatinina =1,5 mg/dL (134 mmol/L)). A densidade específica da urina era de 1,049. O sedimento urinário revelou > 100 RBC/hpf, sem indícios de piúria, e a cultura era negativa. As radiografias abdominais revelaram a presença de mineraliza-ção renal moderada, suspeitando-se da existência de um urólito no ureter esquerdo (Figura 5). Notou-se uma pequena quantidade de “fragmentos cristalinos” na bexiga, mas não foram identificados verdadeiros cálculos. Recomendou-se a realização de ultrassonografia abdominal, de modo a caracterizar mais detalhadamente os sedimentos da bexiga, a mineralização renal e o cálculo uretral. Este teste evidenciou apenas uma ligeira dilatação do uréter esquerdo. Os rins apresentavam leve diminuição da definição corticomedular e a pélvis renal esquerda estava ligeiramente distendida. O cálculo encontrado no ureter encontrava-se a cerca de 3 cm da bexiga. Não foi notada a presença de outros cálculos. A micção de Mischa foi monitorada no hospital durante as 24 horas seguintes. Pode ser muito útil observar os hábitos urinários e efetuar avaliação direcionada a DTUI sempre que possível, em animais que são levados a consulta devido a distúrbios urinários. Neste caso tivemos sorte e descobrimos que Mischa urinava sem qualquer estrangúria ou polaquiúria. No entanto, verificou-se a presença de hematúria grave. Diagnóstico: Mineralização renal e cálculos uretrais. Plano: Sugeriu-se a realização de CT contrastada para auxiliar a definir a extensão do uréter esquerdo que se Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 17 GATOS COM SINTOMAS DO TRATO URINÁRIO INFERIOR Figura 5. Radiografia lateral do Caso 3, demonstrando cálculos uretrais e mineralização renal. encontrava obstruída, mas os proprietários recusaram. Nesta fase a cirurgia para retirar o cálculo não foi recomendada devido ao fato deste ser um procedimento invasivo, e o gato se encontrar estável e estar bem, e também devido às limitações financeiras dos proprietários. Nos gatos, os cálculos uretrais são muito frustrantes e normalmente reserva-se a cirurgia para casos em que a função renal se encontre gravemente comprometida. As características clínico-patológicas e o manejo de casos de obstrução uretral estão bem descritos na literatura (17,18). A maioria dos cálculos no trato urinário superior dos gatos é composta por oxalato de cálcio (19, 20). Ocasionalmente, encontram-se relatos de cálculos de fosfato de cálcio ou de sangue solidificado (21). Não está disponível qualquer protocolo de dissolução para a urolitíase de oxalato de cálcio, e por isso foi prescrito à Mischa uma dieta úmida, não acidificante, de modo a evitar a reincidência de formação de oxalato do cálcio. As dietas úmidas parecem constituir método mais fácil de aumentar a ingestão de água, o que é benéfico para a redução da carga de solutos e evitar a formação de cálculos (22). Foi escolhida uma dieta não acidificante devido ao presumível componente de oxalato de cálcio do cálculo. Recomendou-se a periódica realização de hemogramas e avaliação da função renal. Procedeu-se também o monitoramento da gata através de ultrassonografia, relativamente ao agravamento progressivo da obstrução uretral. Este caso foi apresentado para ilustrar a importância da coleta detalhada de sinais, do histórico e do exame físico na avaliação de gatos com DTUI. Embora mais de dois terços dos gatos que sofrem de DTUI não apresentem uma causa identificável e seja estabelecido o diagnóstico de CIF, são normalmente gatos mais jovens ou de meia-idade. Os gatos com CIF apresentam normalmente um ou mais sinais dos mencionados nos primeiros dois casos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 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Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 17 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 18 Nutrição e distúrbios urinários em gatos esterilizados: estudo exploratório retrospectivo Introdução Jean-Jacques Bénet, DVM Escola de Medicina Veterinária de Alfort, Departamento de Doenças Contagiosas, Maisons-Alfort, França O Prof. Bénet formou-se na Escola de Medicina Veterinária de Lyon, em 1971. Especializou-se em Microbiologia e Imunologia em 1975 e em Epidemiologia em 1979. Atualmente é Professor na Escola de Medicina Veterinária de Alfort (França), na Unidade de Doenças Contagiosas e é também o docente responsável pela pós-graduação em Epidemiologia. A área de pesquisa do Prof. Bénet centra-se nas zoonoses transmitidas pelos animais de companhia e na tuberculose bovina. Morgane Lamarche, DVM Royal Canin, Aimargues, França Morgane Lamarche é formada na Escola de Medicina Veterinária de Alfort. Trabalhou primeiro num serviço de emergências de pequenos animais e, atualmente, desempenha as funções de diretora-adjunta de produtos na Royal Canin. 18 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 / / 2007 Já estão disponíveis na maioria dos países industrializados alimentos adaptados às necessidades dos gatos esterilizados. Na França, uma variedade de produtos específicos para este setor da população felina é comercializado em clínicas veterinárias desde 1998 (Neutered Cat® Royal Canin). Trata-se de um alimento seco (com 7% de umidade) apresentado sob a forma de croquetes, com características nutricionais direcionadas para a redução dos riscos relacionados com cálculos urinários, frequentes em gatos esterilizados. Este estudo teve como objetivo analisar a relação entre a nutrição e as afecções urinárias em gatos esterilizados. Materiais e métodos Desenho experimental O estudo retrospectivo baseou-se em dois grupos de gatos esterilizados. A um grupo foi administrado o alimento em avaliação (designado por “Grupo A”) enquanto que o outro grupo foi alimentado com outras dietas comercializadas em clínicas veterinárias (“Grupo B”). O estudo foi limitado a alimentos disponíveis no circuito veterinário por razões relacionadas com os próprios produtos (os produtos vendidos em supermercados são mais variados em sua composição e são, normalmente, alimentos úmidos), motivos relacionados aos proprietários (partindo do princípio que os proprietários que adquirem a alimentação na clínica veterinária estão mais preocupados com a Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 19 saúde do seu gato) e por uma questão de rastreabilidade (os clínicos, bem como, os membros de sua equipe podem ajudar a confirmar se o gato tem recebido o mesmo alimento desde o momento da esterilização). Os dados obtidos incluem informações relativas aos últimos 7 anos, que correspondem ao período durante o qual a gama de alimentos se encontrou disponível. Tabela 1. Comparação entre o estado de saúde dos dois grupos estudados Variável Estado Grupo A 40 Não (65,6%) Apresentaram problemas de saúde após a esterilização Sim ddl grau de liberdade IC intervalo de confiança Concepção do plano de amostragem > Seleção dos indivíduos e do plano de amostragem Foi disponibilizado um questionário inicial dirigido aos proprietários de gatos, em regime self-service, em seis clínicas veterinárias da região de Paris, com o objetivo de obter 100 gatos para cada um dos grupos. O principal fator limitante era a obtenção de participantes suficientes para o Grupo A. Foram assegurados os seguintes critérios de seleção: idade compreendida entre 2 e 13 anos, utilização constante do alimento (1 a 8 anos) e, naturalmente, autorização do proprietário para o animal participar do estudo. Organização dos dados recolhidos Nesta consulta foi preenchido um segundo questionário, que incluía uma seção dirigida ao proprietário e outra ao veterinário, na sequência de um exame não invasivo ao gato. Durante uma reunião preliminar com os seis veterinários que participaram da pesquisa, foi acordada a metodologia e aplicação do questionário. A informação recolhida junto aos proprietários baseou-se na condição física do animal, no modo de vida, no alimento (quantidade fornecida, número de refeições diárias, método de fornecimento e consumo de água). No decurso da consulta, o veterinário 21 (34,4%) Grupo B 31 (44,9%) p (1 ddl) RR (IC) 0,02 s 1,46 [1,06–2,01] 38 (55,1%) RR risco relativo s: diferença significativa p ≤ 0,05 recolheu os dados relativos ao peso do animal, estado de saúde prévio à esterilização e distúrbios desenvolvidos após a esterilização (cistite e/ou cálculos urinários). Análise Estatística dos dados Os dados foram introduzidos e processados através do programa informático Sphinx (Copyright C Sphinx Developpement 1986-2003 ). Cada questionário foi processado individualmente e a respectiva informatização foi submetida a verificação dupla. Também se recorreu à Epi-Info 6 (versão 6.04 dfrAbril 2001) para o desenvolvimento dos testes (X2 e teste de Fisher) e cálculo do risco relativo (escala RR, calculada através da percentagem de casos observados em cada um dos grupos, A e B), exceto no caso de resultados não significativos. Estabeleceu-se um limiar de risco de 5% e um intervalo de confiança de 95% para cálculo do risco relativo. Resultados Foram recolhidos 130 questionários: 61 para o Grupo A, 69 para o Grupo B. Figura 1. Dados descritivos e modo de vida dos gatos. Número de gatos 70 60 Grupo A 50 40 Grupo B 30 20 10 0 macho fêmea sexo não sim raça 2 a 9 anos 10 a 13 anos <1 ano adulto idade esterilização exterior interior modo de vida Não significativo (NS) Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 19 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 20 Descrição das amostras Não foram observadas diferenças entre os dois grupos relativamente à demografia da população felina (Figura 1) e dos seus proprietários (idade, categoria sócio-econômica). Saúde Animal > Estado geral de saúde dos animais A proporção de animais com problemas de saúde (levados à consulta pelo menos uma vez devido a uma razão de ordem patológica) antes da esterilização revelou-se semelhante nos dois grupos (3 animais em cada grupo). Contudo, a proporção foi mais elevada no Grupo B após a esterilização, com uma diferença significativa (RR = 1,46 [1,06 – 2,01]) (Tabela 1). > Afecções urinárias Os dados recolhidos referem-se à história e aos registos médicos do animal. Os gatos do Grupo A apresentaram menos distúrbios urinários (Tabela 2) que os gatos do Grupo B, diferença considerada significativa (p <0,001; RR = 4,86 [1,8 – 13,3]). Foi registada menor frequência de cálculos urinários nos gatos do Grupo A (p <0,001; RR = 4,13 [1,24 – 13,7]). Por último, nos animais do Grupo A foram observados menos casos de cistite, comparativamente ao Grupo B (p <0,05; RR = 3,3 [1,16 – 9,45]). Discussão Os 69 gatos do Grupo B foram alimentados com dietas de 4 marcas diferentes. A maioria destes felinos recebeu alimentos “fisiológicos”, no entanto, 20 gatos (29% do grupo) foram alimentados com alimentos veterinários devido a inúmeras razões: obesidade (5 gatos), risco de cálculos urinários (5 gatos), alergia alimentar (4 gatos), distúrbios digestivos (4 gatos) e insuficiência renal (2 gatos). Esta situação influenciou a análise, mas não afetou as conclusões do estudo. Foram obtidos os seguintes resultados significativos (que permitem chegar a uma conclusão, sujeita à análise de fatores de terceira ordem): os gatos alimentados com o produto em estudo (Grupo A) apresentaram menos problemas de saúde após a esterilização (ou seja, um número inferior de consultas na clínica veterinária, das quais pelo menos uma por motivos de ordem patológica) e, do ponto de vista estatístico, menor frequência de casos de cistite que os outros felinos do grupo experimental (Tabela 2), assim como menor porcentagem de formação de cálculos urinários. No Grupo B, o risco de formação de cálculos urinários chega a ser subestimado, devido aos métodos de quantificação utilizados (situação que não se verificaria com a utilização de um plano alternativo). Reconhecendo a imprecisão do termo “cistite”, uma tentativa de melhoramento passaria por estabelecer uma definição mais concisa para este distúrbio. Diversos estudos epidemiológicos demonstraram que a esterilização implica em um aumento dos riscos de doenças do aparelho urinário inferior e, particularmente, de formação de cálculos urinários (1,2). A formulação dos alimentos secos tem também Tabela 2. Tipo de problemas urinários observados nos gatos adultos em estudo – em alguns felinos a cistite e os cálculos urinários estavam relacionados Variável Distúrbios urinários, desde a esterilização Cálculos urinários Cistite Estado Não Sim Grupo A 57 (93%) 4 (7%) Grupo B 47 (68%) 22 (32%) p (1 ddl) <0,001 s RR (IC) 4,86 [1,8–13,3] Não 61 (100%) 55 (80%) <0,001 (f) s 4,13 [1,24–13,7]* Sim 0 (0%) 14 (20%) Não Sim 57 (93%) 4 (7%) 54 (78%) 15 (22%) <0,05 s 3,3 [1,16–9,45] (f) Teste de Fisher s: nível de diferença significativa de 5%. *o risco relativo e o intervalo de confiança foram calculados através da substituição do valor observado (0) para o Grupo A pelo valor (3) determinado com recurso ao nível mais alto de um intervalo de confiança unilateral de 95%, para uma razão da taxa de prevalência de 0/61. 20 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 21 NUTRIÇÃO E DISTÚRBIOS URINÁRIOS EM GATOS ESTERILIZADOS: ESTUDO EXPLORATÓRIO RETROSPECTIVO Tabela 3. Análise dos alimentos (%) Umidade Proteína * Gordura* Fibra bruta* Sódio* MÉDIO 7 36 10 6,7 0,75 Grupo A MÍN 7 28 10 3,7 0,39 MÁX 7 38 15 6,8 0,75 influência no risco da ocorrência de urólitos. Um teor maior de sódio estimula a diurese e, por consequência, produz a diluição urinária que limita a formação de cristais na urina (3). A variedade de alimentos estudada (Grupo A) continha um teor médio de sódio de 0,75% na matéria seca, o dobro do nível contido nos alimentos do Grupo B (Tabela 3). Esta diferença em termos de formulação é um elemento que explica a variação dos riscos observados. Conclusão Este ensaio retrospectivo demonstrou a viabilidade do tema em análise, na prática. Produziu resultados interessantes a favor da variedade de alimentos MÉDIO 7 34 22 3,3 0,30 Grupo B MÍN 5,5 25,5 8,0 0,8 0,23 MÁX 42,7 42,0 23,2 14,8 0,6 *Expressa em porcentagem da matéria seca. estudada, sugerindo que estes produtos exercem efetivamente um impacto na redução dos riscos de distúrbios urinários, justificando pesquisas mais aprofundadas. Os dados obtidos deverão ser confirmados por estudos realizados em larga escala. Os autores agradecem aos Drs. Pascal Bounous, Etienne Calais, Bertrand Hollanders, Maurice Kaiser, Delphine Lacaze-Masmonteil, Jean-Pierre Leroux, Thierry Rabot, assim como aos seus colegas que disponibilizaram a sua preciosa colaboração para a concretização dos objetivos do presente estudo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Lekcharoensuk C, Osborne CA, Lulich JP. Epidemiologic study of risk factors for lower urinary tract diseases in cats. J Am Vet Med Assoc 2001; 218: 1429-1435. 2. Lekcharoensuk C, Lulich JP, Osborne CA, et al. Association between patientrelated factors and risk of calcium oxalate and magnesium ammonium phosphate urolithiasis in cats. J Am Vet Med Assoc 2000; 217: 520-525. 3. Tournier C, Aladenise S, Vialle S, et al. The effect of dietary sodium on urine composition and calcium oxalate relative supersaturation in healthy cats, in Proceedings. 10th ESVCN congress 2006, pp. 189 Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 21 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 22 Análise quantitativa dos cálculos urinários em cães e gatos Introdução Andrew Moore, MSc Centro Veterinário de Urólitos do Canadá, Universidade de Guelph, Serviços Laboratoriais, Guelph, Ontário, Canadá Andrew Moore concluiu o Mestrado em Botânica em 1990 e exerce a função de supervisor do Laboratório de Microscopia Analítica, Serviços Laboratoriais da Universidade de Guelph, desde 1992. Esta unidade laboratorial realiza a identificação de substâncias estranhas em produtos alimentares para a indústria e para o governo, e presta serviços de microscopia como meio complementar de diagnóstico no âmbito das patologias animais e vegetais. Em 1998, Andrew Moore ajudou a criar o Centro Veterinário de Urólitos do Canadá, que efetua análises quantitativas de urólitos para os clínicos canadenses, em parceria com a Medi-Cal/ Dietas Veterinárias Royal Canin. 22 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 A identificação rigorosa do tipo, ou tipos, de minerais contidos num urólito é fundamental para a aplicação do regime preventivo e terapêutico mais adequado. Os urólitos podem ser recolhidos através de micções espontâneas (devendo utilizar-se uma rede de pesca de aquário para a sua coleta), de descargas por uroidropropulsão, aspiração por cateter uretral, citoscopia ou remoção cirúrgica (1,2,3). Todos os urólitos obtidos devem ser submetidos à análise quantitativa em laboratórios especializados para determinar a composição mineral de cada uma das 4 camadas que podem estar presentes (Figura 1). Existem diversas técnicas de análise quantitativa: a microscopia de luz polarizada, a estreptoscopia por infra-vermelhos, a microscopia eletrônica de varredura com microanálise de raio-X e a difração de raio-X, que serão abordadas, individualmente no presente artigo. Centros que disponibilizam este tipo de análise: Centro Veterinário de Urólitos do Canadá, Universidade de Guelph; Centro de Urólitos de Minnesota, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade de Minnesota; Departamento de Urologia de Bona, Alemanha; Laboratório de Análise de Cálculos Urinários, Universidade da Califórnia, Davis, e o Centro de Urólitos de Budapeste. Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 23 Os urólitos que contêm pelo menos 70% de um único mineral são classificados como sendo daquele mineral (4). Os urólitos com núcleo e revestimento de diferentes tipos de minerais são classificados como compostos (4). Os urólitos com <70% de um único componente mineral e sem presença óbvia de núcleo ou revestimento são classificados como mistos (4). Historicamente, a composição dos cálculos tem sido determinada através de exame visual, do aspecto radiográfico, da inferência com base na presença na urina de determinados cristais, e através do uso de kits de teste disponíveis no mercado. Apesar do aspecto físico de inúmeros cálculos constituir um bom indicador da sua composição (4,5), constatou-se que todos os tipos de cálculos podem formar-se com uma grande variedade de formas, tamanhos e cores. Até mesmo os técnicos que já analisaram centenas no nosso laboratório, por vezes são iludidos pela avaliação visual inicial que fazem de alguns cálculos específicos. É importante referir que o aspecto exterior de um cálculo raramente proporciona indicação sobre a composição do interior. O núcleo, que pode divergir bastante das restantes partes do urólito, constitui a chave para um diagnóstico e tratamento rigorosos. Por exemplo, a Figura 2 apresenta um cálculo de grandes dimensões obtido de uma gata esterilizada de raça doméstico de pêlo curto, com 16 anos de idade, que pode ser confundido com um cálculo de sílica. A análise quantitativa demonstrou que o núcleo era constituído por 95% de monoidrato de oxalato de cálcio e 5% de fosfato de cálcio, e a pedra e o revestimento por 100% de monoidrato de oxalato de cálcio. Revestimento Pedra Cristais de superfície Núcleo Figura 1. Camadas do urólito. Figura 2. Oxalato de cálcio, felino. Figura 3. Cálculos caninos de urato de amônio. A Figura 3 é uma boa ilustração das diferenças macroscópicas entre os cálculos de urato de amônio caninos. O aspecto visualizado através da radiografia também não é 100% confiável, seja em relação à forma de cada cálculo, ou da própria visibilidade. Analisamos, recentemente um cálculo de um Shih Tzu constituído sobretudo por estruvita (em geral radiopaca) que, no entanto, se revelou invisível numa radiografia de rotina. O cálculo era muito flexível e poroso o que inviabilizou a sua detecção através deste exame. A presença de um tipo específico de cristal na urina de um cão ou de um gato submetido à remoção de cálculos, constitui um indicador pouco confiável da Figura 4. Micrografia eletrônica de varredura que destaca cristais de estruvita, bruxita e diidrato de oxalato de cálcio, presentes na urina de um cão macho sem raça definida. Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 23 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 24 composição dos urólitos (6). Os tipos de cristais presentes podem ser totalmente diferentes da composição do urólito, eventualmente não passar para a urina e, por vezes, são observados diversos tipos de cristais na mesma amostra de urina. A Figura 4 evidencia cristais de estruvita, brushita e diidrato de oxalato de cálcio, presentes simultâneamente na urina de um cão macho SRD. A análise quantitativa é disponibilizada há vários anos sob a forma de kits comerciais baseados em testes de identificação química, com alterações específicas de cor em contato com porções fragmentadas de um cálculo. A eficácia deste método de análise de urólitos foi revista em outro estudo, sendo estes kits conhecidos por produzir resultados falso positivo e falso negativo (7,8,9) (Tabela 1). Por outro lado, também não estão preparados para detectar a sílica. Análise Quantitativa A análise quantitativa total de um urólito envolve diversas fases e procedimentos analíticos distintos que contribuem individualmente para a sua identificação. Alguns cálculos são mais complexos que outros e, por isso, requerem testes mais exaustivos. O procedimento a seguir descrito é o que se utiliza no Centro Veterinário de Urólitos do Canadá (CVUC). Este centro iniciou a sua atividade em 1998, e realizou até a presente data análises quantitativas em mais de 9.000 cálculos felinos e 31.000 cálculos caninos (10,11). Em primeiro lugar, os cálculos são submetidos a um exame visual minucioso e, em seguida, seccionados em duas partes iguais e analisados num microscópio de dissecação. Procede-se o registro das camadas ou zonas existentes no seu interior, recolhendo cuidado- Figura 5. Cálculo de estruvita felino, com núcleo de urato de amônio. 24 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 samente uma amostra de cada para análise individual. Em termos descritivos, o cerne óbvio ou ponto de início denomina-se “núcleo”, a massa do urólito designa-se por “pedra”, a camada exterior distinta atribui-se a designação “revestimento” e as projeções superficiais ou áreas aguçadas são denominadas “cristais de superfície” (Figura 1). É essencial determinar a existência de um núcleo no interior do cálculo e, em caso afirmativo, qual a sua composição. É também importante conhecer a composição das outras camadas, apesar do manejo/tratamento da urolitíase se basear sobretudo nos elementos que compõem o núcleo, uma vez que é a origem do cálculo. A composição das camadas exteriores pode ser diferente da detectada no núcleo, no entanto, parte-se do princípio de que a totalidade dos urólitos tenha sido removida do paciente e que o tratamento será direcionado para a prevenção da recorrência das condições que induziram a formação do cálculo original. Por exemplo, todos os urólitos predispõem o paciente a infecções do trato urinário. Se a infecção for provocada por bactérias produtoras de urease, os subsequentes depósitos de minerais no urólito terão maior probabilidade de ser de estruvita (12). O tipo de cálculo composto mais comum que tivemos oportunidade de analisar apresenta um núcleo de oxalato de cálcio, rodeado por uma pedra de estruvita, embora também tenham sido observadas pedras de estruvita com um núcleo de urato de amônio, de fosfato de cálcio ou sílica. As Figuras 5 e 6 ilustram dois exemplos diferentes destes tipos de cálculos. Figura 6. Cálculo de estruvita canino, com núcleo de oxalato. Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 25 ANÁLISE QUANTITATIVA DOS CÁLCULOS URINÁRIOS EM CÃES E GATOS Tabela 1. Análise Quantitativa Cristalografia Óptica Denomina-se por cristalografia óptica a principal técnica utilizada na análise de cálculos no Centro de Urólitos. Após identificação visual de cada região do cálculo, recolhe-se uma amostra de cada uma destas áreas. As amostras são individualmente fragmentadas e examinadas em um microscópio de luz polarizada, por imersão em um líquido de índice de refração determinado. Graças à determinação do índice de refração dos diversos componentes cristalinos é possível obter a identidade e a proporção de cada camada. Este método permite identificar e quantificar com rapidez e precisão a maioria dos componentes. Se um cálculo contiver minerais pouco habituais ou metabólitos de fármacos, ou se for constituído por núcleo de dimensões muito reduzidas, diferente do resto do cálculo, utilizam-se técnicas adicionais para confirmar a composição. Microscopia eletrônica O laboratório trabalha com microscópio eletrônico de varredura, equipado com um sistema de microanálise de raios X (espectômetro de dispersão de energia), que permite o exame e análise de amostras muito pequenas. É possível seccionar o cálculo em duas partes, colocá-las sob o microscópio e proceder a análise das diferentes áreas no seu interior. Cada cristal pode ser individualmente ampliado, sem afetar mesmo o núcleo mais diminuto, evitando-se o risco de o perdê-lo por completo durante remoção com bisturi e agulha. Permite igualmente obsevar camadas muito finas no interior do cálculo e determinar a sua composição. Contagem O Tipo de cálculo Oxalato de cálcio Sílica Urato Carbonato Brushita Xantina Falso - 4 4 4 4 4 Falso + 4 O sistema de microanálise de raios X, anexado ao SEM, determina a composição básica de qualquer material examinado, mesmo cristais isolados colocados lado a lado, podem ser analisados separadamente. Os elementos individuais presentes na amostra são identificados através da medição dos raios X emitidos da amostra bombardeada pelo feixe de elétrons do microscópio (Figura 7). O SEM e a microanálise de raios X são muito eficazes para a análise de materiais inorgânicos, como os minerais, embora não consigam diferenciar compostos semelhantes, como a brushita e a apatita, que são formas de fosfato de cálcio, ou materiais orgânicos, como a xantina e o ácido úrico. Para separar estes tipos de compostos é necessário recorrer à análise por infra-vermelho. Espectroscopia por infra-vermelho A análise por infra-vermelho permite identificar grande variedade de materiais orgânicos, incluindo diversos componentes habitualmente observados nos cálculos urinários. É um instrumento inestimável para estabelecer a diferença entre os diferentes tipos de urato, como o urato de amônio e de sódio, o ácido úrico e a xantina. Também pode ser utilizado para diferenciar o monoidrato e o diidrato de oxalato de Si 1000 500 1 2 3 4 KeV Figura 7. Espectro de raios X de um núcleo minúsculo de sílica, num cálculo de oxalato de cálcio canino. Figura 8. Núcleo de um cálculo de estruvita canino. Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 25 Figura 9. Micrografia de luz polarizada dos cristais de carbonato de cálcio no núcleo. Figura 11. Duas metades de um cálculo de estruvita ligadas por um pedaço de sutura, incluindo uma porção de um nó. cálcio, bem como os diferentes fosfatos: bruxita, apatita e o fosfato tricálcio. Um microscópio de infravermelho anexado a um espectrofotômetro de infravermelho com transformador Fourier (FTIR), permite a análise de quantidades microscópicas de material. Esta técnica tem-se revelado muito útil para identificar núcleos muito pequenos ou cristais individuais. No exemplo apresentado abaixo de uma fêmea esterilizada, SRD, com 10 anos de idade, o núcleo do cálculo de estruvita era composto por um aglomerado de minúsculas esferas vermelhas (Figura 8). No microscópio de luz polarizada, parecia tratar-se de carbonato de cálcio, componente pouco habitual dos cálculos caninos ou felinos (Figura 9). A microanálise de raios X no microscópio eletrônico de varredura indicou que as micro-esferas continham apenas cálcio, carbono e oxigênio, dados insuficientes para as distinguir do oxalato de cálcio. No entanto, a análise de infravermelhos produziu um espectro a partir de um único cristal, que correspondeu com exatidão ao espectro de referência do carbonato de cálcio (Figura 10). A análise em FTIR (Fourier Transform Infrared) temse revelado muito importante para a identificação de cálculos pouco comuns. O laboratório recebeu um urólito irregular, de cor verde-escura, recolhido de um macho castrado, Schipperke de 4 anos. O exame inicial através do microscópio de luz polarizada não permitiu identificar a amostra, e a microanálise de raio-X indicou material orgânico com teor elevado de nitrogênio. A análise FTIR determinou a composição do cálculo como sendo 100% diidroxi-2,8 adenina, um metabolito da purina e, consequentemente, o paciente recebeu tratamento para urolitíase de urato. 1.0 0.8 Unidades de absorção Copr. © 1980, 1981-1999 Sadtler. Todos os Direitos Reservados Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 26 Carbonato de Cálcio 0.6 0.4 0.2 0.0 3500 26 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 3000 2500 2000 Número de ondas cm-1 1500 Diversos cálculos são originados por substâncias estranhas que conseguem penetrar na bexiga. A vantagem de uma análise microscópica reside no fato de ser possível identificar até mesmo os componentes menos comuns. Fragmentos de material vegetal ou fibras de madeira são rapidamente identificados através de microscopia luminosa. As partículas metálicas requerem microanálise por raio-X, e para a detecção dos polímeros recorre-se à tecnologia do FTIR. Entre as substâncias mais insólitas detectadas no núcleo de cálculos, podem citar-se fragmentos de agulhas de pinheiro em urólitos de estruvita e uma agulha de costura, ingerida por um cão, que posteriormente migrou para a bexiga (13). 1000 500 Figura 10. Espectro FTIR do carbonato de cálcio. Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 27 ANÁLISE QUANTITATIVA DOS CÁLCULOS URINÁRIOS EM CÃES E GATOS Alguns materiais enviados para análise foram coletados pelos proprietários pensando tratar-se de cálculos da bexiga excretados através da urina. Com base em técnicas de microscopia o laboratório conseguiu identificar em diversos casos pedaços de areia higiênica e pequenos blocos de amido, considerados como cálculos urinários. Os corpos estranhos mais comuns observadas na composição dos núcleos de muitos cálculos são suturas resultantes de cistotomias anteriores. Por vezes, são óbvias logo ao exame visual, quando o cálculo apresenta a forma de um nó (Figura 11), mas com frequência, são apenas pequenos fragmentos ocultos no centro do cálculo. Podem ser identificadas através do microscópio luminoso, mas para confirmar o tipo de material de sutura (sutura de seda, sintética vs. monofilamento, etc.) recorre-se à análise FTIR. Por vezes, são também utilizados métodos de análise suplementares, como a difração por raios X, para facilitar a identificação de amostras pouco comuns. Resumo A análise quantitativa rigorosa dos cálculos caninos e felinos é importante, uma vez que ajuda o veterinário a determinar as causas subjacentes da urolitíase e a prescrever o tratamento mais eficaz para o paciente. As técnicas microscópicas permitem detectar núcleos diminutos, determinar se a sua composição é diferente das restantes zonas do cálculo, conseguindo identificar com precisão os componentes do urólito, frequentemente negligenciados ou incorretamente classificados através de métodos qualitativos. Os dados coletados em conjunto com a amostra enviada para análise também se revelam muito úteis para a pesquisa das causas de urolitíase. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Osborne CA, Kruger JM, Lulich JP, et al. Feline Lower Urinary Tract Diseases. In: Ettinger SJ, Feldman EC (eds). Textbook of Veterinary Internal Medicine. WB Saunders Co, Philadelphia 2000; 5: 1710-1747. 2. Lulich JP, Osborne CA. Catheter assisted retrieval of urocystoliths from dogs and cats. J Am Vet Med Assoc 1992; 201: 111-113. 3. Lulich JP, Osborne CA, Carlson M, et al. Nonsurgical removal of urocystoliths in dogs and cats by voiding urohydropropulsion. J Am Vet Med Assoc 1993; 203: 660-663. 4. Osborne CA, Lulich JP, Polzin DG, et al. Analysis of 77,000 canine uroliths: Perspectives from the Minnesota Urolith Center. In: Osborne CA, Lulich JP, Bartges JW eds. Vet Clin North Am Small Anim Pract 1999; 29: 17-38. 5. Weichselbaum RC, Feeney DA, Jessen CR, et al.. Evaluation of the morphologic characteristics and prevalence of canine urocystoliths from a regional urolith center. Am J Vet Res 1998; 59: 379-387. 6. Buffington CA, Chew DJ. Diet therapy in cats with lower urinary tract disorders. Vet Med 1999; 94: 626-630. 7. Bovee KC, McGuire T. Qualitative and quantitative analysis of uroliths in dogs: definitive determination of chemical type. J Am Vet Med Assoc 1984; 185: 983-987. 8. Osborne CA, Clinton CW, Moran HC, et al. Comparison of qualitative and quantitative analyses of canine uroliths. Vet Clin North Am Small Anim Pract 1986; 16: 317-323. 9. Ruby AL, Ling GV. Methods of analysis of canine uroliths. Vet Clin North Am Small Anim Pract 1986; 16: 293-301. 10. Houston DM, Moore AE, Favrin MG, et al. Feline urethral plugs and bladder uroliths: a review of 5484 submissions 1998-2003. Can Vet J 2003; 44: 974-977. 11. Houston DM, Moore AEP, Favrin MG, et al. Canine urolithiasis: A look at over 16000 urolith submissions to the Canadian Veterinary Urolith Centre from February 1998 to April 2003. Can Vet J 2004; 45: 225-230. 12. Seaman R, Bartges JW. Canine struvite urolithiasis. Comp Cont Educ Pract Vet 2001; 23: 407-420. 13. Houston DM, Eaglesome H. Unusual case of foreign body-induced struvite urolithiasis in a dog. Can Vet J 1999; 40: 125-126. Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 27 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 28 COMO TRATAR... O gato com DTUI perspectiva do cirurgião Embora a maioria dos clínicos e cirurgiões concordem que a cirurgia não constitui a primeira linha de atuação, existem casos em que a inter venção cirúrgica está preconizada ou é escolhida para facilitar o manejo dos gatos com DTUI. A perspectiva sobre as situações em que se deverá recorrer a este procedimento permite melhorar os resultados tanto para o gato, como para a satisfação do cliente. Giselle Hosgood BVSc, MS, PhD, FACVSc, Dipl. ACVS Quais são os procedimentos cirúrgicos mais indicados? Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade do Estado da Louisiana, Baton Rouge, LA 70803, EUA A Drª Hosgood é formada pela Universidade de Queensland e foi interna de cirurgia na Universidade de Murdoch, antes de iniciar a residência cirúrgica na Universidade de Purdue, em Indiana. Atualmente, é Professora e Diretora dos Serviços de Cirurgia de Animais de Companhia da Universidade Estadual da Louisiana. A sua principal área de interesse é a cirurgia de tecidos moles. A Drª Hosgood é autora de inúmeros trabalhos publicados na literatura científica sobre diversos aspectos da cirurgia clínica e experimental. São três os procedimentos cirúrgicos que se utilizam na abordagem da DTUI felina. Indiscutivelmente, o procedimento mais importante, com o qual o clínico deverá estar familiarizado, que não deverá hesitar em realizar e o único imprescindível numa emergência é a cistostomia com sonda. Esta intervenção requer a colocação cirúrgica de uma sonda através da parede ventral do abdome até à bexiga (1). Deve realizar-se, preferencialmente, com o animal anestesiado – embora se trate de uma cirurgia de curta duração – mas também pode ser efetuada sob sedação e anestesia local, se necessário. Foram descritas técnicas percutâneas com cateteres especiais em cães. A colocação de uma sonda de cistostomia diminui a obstrução de fluxo urinário e favorece a subsequente estabilização do animal, ajuda a manter a descompressão em caso de distensão extrema da bexiga, o que facilita a recuperação do músculo detrusor, permite que a uretra se restabeleça da inflamação e trauma induzidos pela doença ou por tentativas de sondagem. Além disso, por se tratar de um sistema fechado para a coleta de urina, facilita o monitoramento da excreção urinária e da recuperação renal. Uma cistostomia com sonda torna desnecessária a colocação de um catéter permanente, passível de aumentar a inflamação da uretra, nos casos em que se A filosofia O manejo clínico da DTUI (Doença do trato urinário inferior) felina evoluiu significativamente ao longo dos últimos 15 a 20 anos, evidenciando progressos consideráveis quanto à compreensão da influência da nutrição e manipulação dietética, à crescente conscientização por parte dos médicos veterinários e proprietários, da qual resulta a detecção precoce dos problemas, assim como o manejo rigoroso dos gatos acometidos. Por consequência, o papel da cirurgia frente a gatos com esta afecção sofreu uma alteração. 28 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 29 permitem a sua inserção. Qualquer cateter interno que permaneça aberto aumenta o risco de contaminação ambiental do tubo, impossibilitando a quantificação da urina. Os outros procedimentos utilizados no manejo da DTUI são a uretrostomia perineal (Figura 1) e a uretrostomia antepúbica. A uretrostomia perineal cria uma abertura uretral no períneo, na uretra membranosa (2,3). A uretrostomia antepúbica produz uma abertura uretral na parede ventral do abdome e constitui, claramente, uma intervenção de emergência (4). Está indicada em situações de danos irreparáveis na uretra membranosa distal, frequentemente originados por tentativas repetidas de cateterismo, que impossibilitam a realização da uretrostomia perineal. A posterior formação de estenoses, que não permitam a ressecção, também pode-se constituir em indicação (Figura 2). Foi descrita uma modificação dos procedimentos, com criação de um óstio transpélvico (5). As indicações para esta intervenção são idênticas às das outras uretrostomias. Relativamente à uretrostomia perineal, as suas indicações por vezes são claras, e em outros casos, controversas. Trata-se de uma intervenção claramente indicada, sempre que existem danos irreparáveis na uretra peniana. Mais preocupante ainda é a tentativa de realizar este procedimento quando a obstrução não pode ser aliviada. A uretrostomia perineal não se constitui em uma intervenção de emergência, sendo mais indicado proceder a cistostomia com sonda nos casos de difícil desobstrução. Uma vez estabilizado o animal, e após o intervalo de tempo necessário para a recuperação da uretra, novas tentativas controladas de reduzir a obstrução poderão ser realizadas. Está fora de questão realizar uretrostomia perineal num gato com episódios recorrentes de obstrução, ao invés de se proceder manejo médico específico rigoroso. Efetuar este tipo de intervenção em um gato com essas características pressupõe uma decisão informada ao cliente. Como não dispomos de um método de predição do futuro que permita saber se o animal voltará a sofrer nova obstrução, não é possível tomar uma decisão com a máxima certeza em situações deste tipo. De qualquer forma, se pode determinar se o sucesso do tratamento ocorreu por causa do procedimento, que previne novas obstruções, ou se o gato realmente não apresenta novos episódios obstrutivos. Quais são as consequências da uretrostomia? As alterações anatômicas associadas à uretrostomia perineal incluem a redução do seu comprimento a provavelmente menos de 1/3, através da remoção da uretra peniana. O novo óstio é criado na zona de maior diâmetro da uretra membranosa, na altura das glândulas bulbouretrais. A consequência prevista para esta alteração consiste na perda dos mecanismos de defesa natural, habitualmente providenciados pela estreita uretra peniana, que evitam sobretudo a contaminação ascendente. Em geral, a primeira manifestação de obstrução uretral em gatos com DTUI não está associada a uma infecção bacteriana (6-8). Este tipo de infecção é mais provável na sequência de manipulação, incluindo cateterismo periódico ou Figura 1. Uretrostomia perineal completa destacando a ampla abertura do óstio, na altura das glândulas bulbouretrais (indicada pela seta), e a uretra aberta, que se prolonga até ao períneo. Figura 2. Aspecto típico da zona de uma uretrostomia perineal estenosada (indicada pela seta), habitualmente secundária a uma dissecação inadequada da uretra na altura das glândulas bulbouretrais. Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 29 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 30 O GATO COM DTUI – PERSPECTIVA DO CIRURGIÃO permanente e obstrução recorrente. É interessante notar que os gatos com DTUI e infecção bacteriana, submetidos a uretrostomia perineal, apresentaram recorrência de infecções do trato urinário, enquanto os felinos saudáveis sujeitos a uretrostomia perineal por outros motivos, não desenvolvem infecções do trato urinário (9,10). Desconhece-se se a recorrência nos gatos com DTUI poderia ser diferente da situação sem a intervenção cirúrgica. Assim, a uretrostomia perineal não pressupõe um risco do animal contrair uma infecção do trato urinário, exceto se apresentar histórico de recorrência de infecções urinárias bacterianas. A uretrostomia antepúbica provoca alterações anatômicas semelhantes, embora reduza ainda mais o comprimento uretral. A localização física do óstio no abdome ventral aumenta o risco de contaminação ascendente. As queimaduras pela urina podem também constituir um problema. Embora a junção vesico-uretral não deva ser afetada, por vezes, a incontinência urinária representa um problema. Num estudo composto por 16 gatos, 13 dos quais com DTUI, foram observadas infecções bacterianas recorrentes do trato urinário em 5 animais e sinais de DTUI em oito (4). Nenhum dos gatos sujeitos a uretrostomia antepúbica por trauma desenvolveu infecção bacteriana do trato urinário, o que coincide com os resultados observados para a uretrostomia perineal. Quais são as complicações da uretrostomia perineal? A hemorragia provocada pelo corte do tecido peniano é a complicação precoce mais frequente, solucionada sem intervenção. A longo prazo, a complicação mais comum é a estenose associada a uma técnica cirúrgica inadequada, a cateterismo permanente e a trauma auto-induzido. Preferencialmente esta cirurgia deverá ser realizada por um clínico experiente. O cateterismo permanente não é indicado. Se for necessário a descompressão urinária da bexiga ou desvio uretral, deverá considerar-se como recurso a cistostomia com sonda. É imperativo reduzir o trauma auto-induzido. Resumo Todos os esforços devem ser realizados para conduzir manejo clínico rigoroso e aplicar estratégias de prevenção em gatos com DTUI. A cistostomia com sonda constitui importante instrumento de manejo, sobretudo em caso de urgência. Face à presença de trauma uretral irreparável, a indicação de uretrostomia é óbvia. A uretrostomia perineal, por si só não está indicada no tratamento da DTUI. Optar pela realização deste procedimento em gatos com obstrução recorrente, mesmo com um manejo clínico rigoroso, deverá ser uma decisão informada e tomada de acordo com a análise individual de cada caso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Stone EA, Barsanti, JA. Catheter cystostomy in urologic surgery of the dog and cat. Lea and Febiger, Malvern 1992, pp. 152-154. 2. Griffin DW, Gregory CR, Kitchell RL. Preservation of striated-muscle urethral sphincter function with use of a surgical technique for perineal urethrostomy in cats. J Am Vet Med Assoc 1989; 194: 1057-1060. 3. 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Obteve uma bolsa de estudos em radiologia interventiva e foi Conferencista Waltham sobre diagnósticos e terapêuticas minimamente invasivas, na Universidade da Pensilvânia e na Universidade Thomas Jefferson. Atualmente, faz parte da equipe veterinária de medicina interna e radiologia interventiva de pequenos animais, da Universidade da Pensilvânia, como especialista em radiologia e endoscopia de intervenção. A principal área de interesse da Drª Berent é a endo-urologia interventiva. Introdução A endocirurgia/endoscopia interventiva (EI) envolve a utilização de equipamento endoscópico em conjunto com outras modalidades contemporâneas de imagiologia endoscópica, como a fluoroscopia e/ ou a ultrassonografia, para a condução de procedimentos terapêuticos e de diagnóstico praticamente em qualquer parte do corpo a que se tenha acesso através de um endoscópio (gastrintestinal, biliar, respiratório, trato urinário, etc.). A radiologia interventiva (RI) utiliza a fluoroscopia, com Este artigo apresenta uma perspectiva resumida sobre alguns dos procedimentos urológicos minimamente invasivos, aplicados com crescente frequência em pacientes veterinários, bem como sobre algumas aplicações futuras mais promissoras da endourologia e RI, atualmente em fase de pesquisa. Equipamento Os procedimentos endocirúrgicos interventivos tradicionais requerem diversos tipos de endoscópios flexíveis e rígidos. A citoscopia rígida é realizada frequentemente em fêmeas para acessar à uretra, bexiga e ureteres. Os diâmetros recomendados situam-se entre 1,9 e 7,5 mm, consoante ao tamanho do paciente. Recorre-se a ureteroscópios flexíveis para explorar a uretra e bexiga de cães macho (2,5 a 3,4 mm), e acesso uretral em todos os animais com dimensões suficientes para permitir a aplicação destes diâmetros. Os nefroscópios rígidos são usados (2,8 a 7,3 mm de diâmetro) em nefrolitotomias percutâneas ou para ablação de tumores do trato urinário superior, numa abordagem anterógrada. Podem ser utilizados diversos tipos de litotriptores e lasers intracorpóreos nestes procedimentos, como os lasers ultrassônicos, pneumáticos, eletroidráulicos, de holmio: laser YAG (ítrio, alumínio, granada), e lasers de tipo díodo. A litotripsia extracorpórea por onda de choque (ESWL) é adequada para nefrólitos, urólitos e cistólitos caninos de menores dimensões. Na maioria dos procedimentos RI comuns a utilização de uma unidade de fluoroscopia tradicional é suficiente. Já Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 31 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 32 um equipamento de fluoroscopia com braço-C comporta a vantagem da mobilidade do intensificador de imagem, permitindo diversas visualizações tangenciais, sem mover o paciente. A ultrassonografia facilita o acesso de agulha percutânea ao interior dos vasos ou a outras estruturas (bexiga urinária, pélvis renal, etc.). São necessários fios condutores de diversos tamanhos, formas e grau de rigidez, bem como cateteres e stents, para cada intervenção (ver abaixo). Técnicas Rim e uréter > Colocação de um stent ureteral Procede-se à colocação de um stent ureteral no caso de diversos distúrbios, para desviar a urina da pelve renal para a bexiga urinária. Esta técnica pode revelar-se útil em pacientes com obstrução ureteral decorrente de uma urolitíase ou neoplasia obstrutiva ureteral ou trigonal (Figura 1), após ureteroscopia, nefrolitotomia percutânea, remoção de um cálculo ureteral (por meio de catéteres ou de litotripsia ureteral), em caso de anastomose ureteral pós-operatória, de laceração ou espasmo ureteral, ou de ureterite. Além disso, a presença de um stent ureteral pode favorecer uma dilatação ureteral passiva, de modo a permitir a passagem de ureterólitos até aí obstrutivos, ou de um ureteroscópio flexível para condução da intervenção ureteral indicada. Em caso de neoplasia ureteral, por exemplo, o acesso da nefrostomia percutânea através de uma técnica anterógrada pode realizar-se sob orientação de ultrassom (Figura 1A) ou fluoroscópica (Figura 2A), passando o fio condutor pelo uréter e interior da bexiga de forma a sair pela uretra (Figura 1B). O dilatador ureteral é inserido em sobreposição ao fio, numa abordagem retrógrada, de forma a dilatar a junção vésico-ureteral (Figura 1C), e então stent uretral pode ser deslocado (Figura 1D). > Nefrolitotomia percutânea (NLPC) A nefrolitíase ou as obstruções ureterais proximais, secundárias a ureterólitos, podem dar origem a insuficiência renal progressiva, piolonefrite intratável, hematúria, cólica ureteral e hidronefrose. Um cálculo bastante pequeno poderá passar, contudo, outros cálculos requerem cirurgia para aliviar a obstrução ou evitar danos permanentes nos néfrons. As nefrotomias, pielotomias ou ureterotomias são cirurgias invasivas e complicadas, passíveis de provocar uma morbidade significativa (1). Recentemente foi realizada uma nefrolitotomia percutânea. Trata-se de um procedimento pouco invasivo que tem como objetivo minimizar a morbidade e preservar ao máximo a função renal. 32 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 Figura 1. Imagem fluoroscópica abdominal lateral de um cão com 6,5kg e uma obstrução do uréter esquerdo, induzida por carcinoma celular transitório (TCC). A. Pielocentese percutânea com um cateter de calibre 18, e ureteropielografia de contraste apresentando hidronefrose (asterisco branco) e hidroureter (setas brancas). Setas pretas = cateter marcador do cólon. B. Colocação anterógrada de fio condutor e cateter hidrofílicos num ângulo de 0.035”(setas brancas), ao longo da obstrução e saindo através do pênis. C. Dilatação ureteral retrógrada com dilatador ureteral de 6Fr, colocado sobre o fio (setas brancas). D. Stent ureteral multifenestrado permanente de 4,7Fr x 12 cm (setas brancas) colocado desde a pélvis renal (asterisco branco) até à bexiga urinária (BU), para descompressão. Como descrito anteriormente, a ureteropielografia retrógrada requer o uso de cistoscopia e fluoroscopia. O acesso por cateter ureteral é mantido para proteger o uréter de uma eventual penetração de fragmentos do cálculo e permitir - se necessário - a repetição da intervenção. A abordagem retrógrada poderá não ser possível em gatos machos ou cães machos de raças pequenas, realizando-se o acesso anterógrado por via percutânea, com orientação fluoroscópica ou ultrassonográfica. Após inserir a agulha percutânea e o fio condutor até à pélvis renal, orientado por fluoroscopia, é introduzido um balão dilatador em sobreposição ao fio, para realizar a dilatação percutânea do trato até à pélvis renal, de forma a atingir as dimensões que permitam a colocação de uma bainha suficientemente grande (Figura 2A), para permitir o acesso do nefroscópio com litotriptor. Procede-se à introdução do nefroscópio através da bainha de acesso e o nefrólito ou urólito proximal é identificado e fragmentado através de litrotripsia laser ultrassônica ou pneumática (Figuras 2B e 3). Se o cálculo for pequeno pode ser extraído através do canal de trabalho do nefroscópio. Os fragmentos são removidos por sucção, pinça de coleta, ou de um cesto urológico pela mesma via. Após a remoção do urólito (Figura 2C), coloca-se uma sonda de nefrostomia percutânea, durante 7 a 14 dias, para permitir o fechamento da via de acesso. Em caso de trauma ou inflamação ureteral, deverá optar-se pela colocação de um stent nefroureteral percutâneo (Figura 2D) ou de um stent ureteral duplo permanente «pigtail» (Figura 1D) mantendo a patência a partir da pele, indo através da pelve renal e descendo pelo ureter até a bexiga. Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 33 ENDO-UROLOGIA E RADIOLOGIA DE INTERVENÇÃO DO TRATO URINÁRIO Figura 3. Yorkshire Terrier, fêmea esterilizada, com 7 anos de idade. Imagem nefroscópica de um nefrólito de oxalato de cálcio no interior da pélvis renal. Trata-se da imagem endoscópica do cão referido na Figura 2B. Figura 2. Imagem fluoroscópica lateral de um cão com nefrólitos bilaterais. A. Após nefrostomia percutânea, introdução de um fio condutor em toda a extensão e de uma guia de segurança (setas brancas), é colocada uma bainha de acesso (seta preta) até ao nefrólito (asterisco branco). B. Posiciona-se um nefroscópio com litotriptor de ultrassons (seta branca) no interior da bainha, o nefrólito é fragmentado (setas pretas) e procede-se à remoção dos fragmentos. C. Imagem fluoroscópica de um rim sem cálculos. D. Colocação de um stent nefro-ureteral (setas brancas) após litotripsia. Se houver suspeita de trauma ureteral, o stent deverá permanecer colocado durante 4 a 6 semanas (2). > Colocação de uma sonda de nefrostomia percutânea As obstruções ureterais, secundárias a ureterólitos ou a tumor canceroso, se forem bilaterais ou se ocorrerem em animais com insuficiência renal concomitante podem desencadear uma hidronefrose grave e/ou azotemia mortal. Alguns pacientes poderão receber cuidados paliativos até à passagem do urólito, no entanto outros requerem uma abordagem cirúrgica. As ureterotomias são cirurgias complicadas e relativamente longas para este tipo de doente que, em geral, se apresentam já debilitados. Uma possibilidade consiste na colocação de sonda de nefrostomia percutânea, para minimizar rapidamente a obstrução e verificar se há função renal adequada, antes de submeter o animal a uma anestesia prolongada para condução da manobra cirúrgica. O acesso à pelve renal com agulha percutânea efetua-se de acordo com o procedimento anteriormente descrito, com orientação ultrassonográfica (Figura 1A). Insere-se um fio condutor na pelve renal, conduzindo-o (se possível) até ao uréter, por expansão do trato com dilatadores sequenciais ou um sistema de dilatação por balão. Um cateter de drenagem com alça de fixação é avançado sobre o fio para formar uma alça no interior da pelve renal (Figura 4). O cateter é ligado a um sistema de coleta de urina e fixado à parede abdominal com sutura «finger-trap» e múltiplos pontos simples separados. A presença de sonda de nefrostomia facilita o acesso à urina produzida pelo rim, bem como a realização de posterior pieloureterografia de contraste ou intervenção ureteral percutânea (litotripsia, NLPC, colocação de um stent, etc). > Ablação de ureter ectópico a laser, guiado por citoscopia Os ureteres ectópicos são uma malformação anatômica congênita, comum em cães com o orifício ureteral em posição distal ao trígono da bexiga, no interior da uretra, vagina, vestíbulo ou útero. Mais de 95% dos canídeos com ureteres ectópicos apresentam um transverso intramural e são candidatos a esta intervenção minimamente invasiva. Foi realizada com sucesso a reparação endoscópica dos ureteres ectópicos em mais de 20 cães, procedimento efetuado por meio de fluoroscopia, citoscopia e laser YAG: diodo ou holmio no decurso da citoscopia de diagnóstico. De forma geral, a correção cirúrgica de ureteres ectópicos revela resultados de incontinência persistente, com intervenção médica concomitante em aproximadamente 40 a 71% dos casos, devido a incompetência do mecanismo do esfíncter uretral (SMI-Sphincter Mechanism Incompetence) (3,4). Até o momento, e de acordo com a experiência da autora, a continência tem sido mantida com (80%) ou sem (60%) medicação concomitante (fenilpropanolamina), graças a esta intervenção. Será necessário conduzir um estudo num número superior de casos com período de acompanhamento mais amplo que permita estabelecer comparação mais precisa entre estes procedimentos. > E SWL (Extracorporeal Shock-Wave Lithotripsy) para a nefro/ureterolitíase A litotripsia extracorpórea por onda de choque constituise em outra alternativa minimamente invasiva para remoção de cálculos do trato superior na pélvis renal, ou nos ureteres. Esta técnica utiliza ondas de choque externas que passam através de meio aquoso, através de orientação fluoroscópica em 2 planos. O cálculo é sujeito a cerca de 1.000 a 3.500 choques, com diferentes níveis de energia, de modo a permitir a sua implosão e pulverização. Aguarda-se cerca de 1 a 2 semanas para permitir a passagem dos fragmentos do cálculo através do uréter até à bexiga urinária. Trata-se de um procedimento realizável com segurança em nefrólitos Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 33 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 34 com menos de 5 mm e em ureterólitos inferiores a 3 mm. Para cálculos de maiores dimensões deverá colocar-se um stent ureteral duplo permanente «pigtail» antes da litotripsia ESWL para facilitar a expulsão dos fragmentos do cálculo. Para cálculos consideravelmente superiores, recomenda-se a NLPC (5-8). Bexiga e uretra > Litotripsia A litotripsia por laser é uma técnica inovadora que envolve a fragmentação intracorpórea de urólitos, com recurso de um citoscópio ou ureteroscópio rígido ou flexível. O primeiro relato de aplicação da litotripsia com laser de holmio data de 1995, em medicina humana (9). O laser de holmio: YAG (ítrio, alumínio, granada) é um laser pulsado de estado sólido que emite luz com 2.100 nm de comprimento de onda de infra-vermelhos (10). A energia é absorvida em menos de 0,5 mm de fluído, o que permite pulverização segura dos urólitos em zonas de dimensões reduzidas, como o interior da uretra, do ureter, da pelve renal ou da bexiga urinária, e risco limitado de danos uroteliais (10). Esta técnica combina a secção de tecidos e propriedades coagulantes, com a capacidade de fragmentar cálculos por contato (10). Fibras de diâmetro reduzido (200, 365, 550 microns) são guiadas através do canal de trabalho de citoscópios/ ureteroscópios, flexíveis ou rígidos, também de pequeno diâmetro. Muito embora os diversos modelos de litotriptores comercializados apresentem ligeiras variações, a duração do pulsado dos lasers de holmio varia entre 250-750 micro-segundos, a energia do pulsado entre 0,2-4,0J/pulsos e a frequência entre 5-45Hz, com potência média situada entre 3,0-100W. A potência deve Figura 4. A. Radiografia abdominal dorsoventral de um cão com 6,5 kg, apresentando ureterólitos e nefrólitos bilaterais, após stent ureteral duplo «pigtail» (a seta branca corresponde ao lado direito; a seta amarela ao lado esquerdo) e colocação de uma sonda de nefrostomia (ponta da seta branca). B. Radiografia lateral do mesmo cão, destacando um «pigtail» do stent ureteral na pélvis renal (seta amarela) e outro na bexiga (seta preta), e a sonda de nefrostomia no rim direito (ponta da seta branca). 34 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 ser selecionada em função da utilização que se pretende dar ao equipamento. A energia do laser concentrase na superfície do urólito, orientada por citoscopia. A energia irradiada pelo laser pulsado é absor vida pela Figura 5. água existente no interior do Imagem citoscópica de litotripsia por laser na bexiga urólito, produzindo um efeito urinária, devido a cálculos fototérmico que provoca a císticos. A fibra azul fragmentação do cálculo. O corresponde ao laser de hólmio: YAG, inserido no canal laser de holmio exerce a sua de trabalho do endoscópio. ação no cálculo através de uma bolha de vapor, que se forma quando a energia do laser pulsado, propagada pela água existente na extremidade da fibra, se imobiliza dentro da bolha (efeito Moses). Se a ponta da fibra estiver posicionada a uma distância igual ou superior a 0,5 mm do tecido, a bolha de vapor desfaz-se, a água absorve a energia e não ocorre qualquer impacto. Se a extremidade se situar a menos de 0,5 mm do cálculo, a bolha de vapor entra em contato com o urólito e pulveriza-o. Quanto mais perto a ponta da fibra estiver do alvo, maior será o efeito. O cálculo deverá ser fragmentado até obtenção de pedaços suficientemente pequenos para serem removidos de forma normógrada através do orifício uretral, seja por via uroidropropulsão de esvaziamento, ou por meio de um cesto para cálculos. Este processo revela-se bastante útil em caso de cálculos ureterais, císticos e uretrais (Figura 5). Todos os tipos de cálculos podem ser fragmentados através de litotripsia por laser (11,12). Outras aplicações urológicas para a litotripsia por laser incluem: a incisão de estenoses uretrais e ureterais; a ablação de carcinoma de células de transição superficiais/ adenocarcinoma prostático, no interior do lúmen uretral, e ablação de pólipos urinários com laser (Figura 6). Os pólipos da bexiga são comuns no cão e podem estar associados a infecções crônicas recorrentes do trato urinário e à formação de cistólitos, frequentemente confundidos com neoplasia cística. É possível remover os pólipos sem intervenção cirúrgica, através da cauterização do pedúnculo por citoscopia associada ao uso de cestos ou de litotripsia por laser. > Colocação de um stent uretral em obstruções malignas As obstruções malignas da uretra são responsáveis pelo mal-estar acentuado, disúria e azotemia não tratável. Mais de 80% dos animais com carcinoma celular Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 35 ENDO-UROLOGIA E RADIOLOGIA DE INTERVENÇÃO DO TRATO URINÁRIO transitório (TCC) da uretra e/ou carcinoma prostático apresentam disúria e destes, aproximadamente 10% desenvolvem obstrução total do trato urinário (13-15). A quimioterapia e a radiação têm sido bem sucedidas no abrandamento do crescimento tumoral, mas a cura total é pouco comum. Face à manifestação de sinais de obstrução, preconiza-se uma terapia mais agressiva. Foram descritas outras abordagens: inserção de tubos de cistostomia, ressecções transuretrais e procedimentos cirúrgicos de desvio, no entanto, são intervenções invasivas potencialmente associadas a um resultado indesejável, devido à drenagem manual da urina, morbilidade, micções frequentes e infecção. A colocação de stents expansores metálicos, por orientação fluoroscópica e abordagem transuretral, pode revelar-se uma alternativa rápida, confiável e segura para a desobstrução uretral, tanto em machos quanto em fêmeas, considerando-se os resultados paliativos evidenciados: 86% bons a excelentes. A colocação de um stent uretral também pode ser útil em doentes com estenoses uretrais benignas ou dissinergia ref lexa, sempre que as terapias tradicionais não Figura 6. Imagem fluoroscópica abdominal lateral de um cão com Carcinoma Celular Transitório prostático e uretral. A. Cistouretrograma de contraste que evidencia extravasamento do contraste para o tecido prostático e atenuação do contraste devido a estreitamento uretral ao nível da próstata. (3) Cateter marcador de 2cm, colocado no interior do reto, para efeito de medição. (4) Medição do diâmetro uretral, caudal à uretra doente. B. Colocação de SEMS parcial durante a visualização fluoroscópica. C. Cistouretrograma de contraste, realizado imediatamente após a colocação de um stent total, que demonstra a desobstrução uretral. produzam resultados, face a recusa ou não indicação da opção cirúrgica. Os casos de mortalidade animal após colocação de um stent uretral resultaram de causas não relacionadas com a obstrução urinária, na sua maioria associados a doença metastática distante (13). Realiza-se um cistouretrograma de contraste, avançando ao longo da constrição maligna com um fio condutor transuretral retrógrado ou anterógrado. Após medição do diâmetro normal da uretra e da extensão da obstrução procede-se à escolha de um stent uretral metálico autoexpansor (SEMS) (aproximadamente com mais 10 a 15% do que o diâmetro uretral e ultrapassando em 1cm a obstrução, em ambas as extremidades, cranial e caudal). O stent é colocado com orientação fluoroscópica, realizando-se novo cistouretograma de contraste para documentar a desobstrução uretral. > Implantação transuretral de colágeno na sub-mucosa Diversas instituições têm recorrido à aplicação de uma injeção de colágeno com monitoramento uretroscópico em casos de USMI. Trata-se de uma intervenção indicada nos casos em que a terapia médica para a SMI não tenha produzido resultados, esteja contra-indicada ou não seja tolerada. De forma geral, o sucesso da intervenção é excelente, muito embora a média de manutenção da continência, relatada após este procedimento, seja de 17 meses, e bastante comum o recurso a de reaplicações daí em diante (16). Procede-se a sondagem da uretra por meio de um citoscópio rígido, identificando-se uma área no seu interior imediatamente caudal ao trígono da bexiga. É inserida uma agulha «heuber» com seringa, previamente Figura 7. Cadela Labrador Retriever esterilizada, com 4 anos de idade, apresentando SMI. A. Imagem citoscópica da uretra, imediatamente caudal ao trígono, anterior à aplicação da injeção de colágeno. B. Agulha Heuber com diâmetro 21, introduzida no canal de trabalho do citoscópio, logo após a primeira injeção de colágeno sub-mucosal. C. Após 3 injeções de colágeno, aplicadas da esquerda para a direita. D. Após a última injeção de colágeno. Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 35 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 36 ENDO-UROLOGIA E RADIOLOGIA DE INTERVENÇÃO DO TRATO URINÁRIO O cateterismo uretral realiza-se por rotina em doentes veterinários. Ocasionalmente, pode revelar-se difícil efetuar um cateterismo retrógrado standard em fêmeas muito pequenas, fêmeas com tumores obstrutivos ou em felinos com dilaceração uretral (Figura 8A), na sequência de tentativas de desobstrução ou secundários a trauma. O cateterismo uretral anterógrado, realizado sob visualização fluoroscópica direta, pode ser efetuado de forma rápida, fácil e segura, em doentes nos quais as tentativas de condução de cateterismo retrógrado de rotina não tenha produzido resultados. Figura 8. Cadela Labrador Retriever esterilizada, com 6 meses de idade e ureteres ectópicos bilaterais, visualizados através de citoscopia. A. Imagem citoscópica do orifício ureteral, na uretra distal (seta preta). B. Ablação por laser do uréter ectópico sob orientação citoscópica. O cateter amarelo encontra-se no interior do túnel ureteral protegendo a parede posterior do uréter (seta preta), enquanto a fibra de laser (seta branca) avança no lúmen ureteral, ao lado do cateter, cortando a membrana fina até ao lúmen uretral. C. Imagem da membrana ureteral, seccionada no interior do lúmen uretral, após intervenção com laser. D. Perspectiva citoscópica trigonal, 6 semanas após a intervenção: o novo orifício ureteral é visível no interior do lúmen vesical (seta branca). Boa cicatrização da membrana lisa (seta amarela). repleta de colágeno no canal de trabalho do citoscópio. Aplica-se uma injeção sub-mucosal, colocando uma vesícula no lúmen uretral. Este procedimento é efetuado em 3 a 4 áreas, de forma a criar um novo estreitamento no interior do lúmen uretral (Figura 7). > Cateterismo uretral anterógrado A cistocentese é realizada sob anestesia geral, com um cateter de 18g, sobre a agulha e através da injeção de contraste para definir a bexiga urinária e a uretra (Figura 8B). Procede-se a introdução de um fio condutor na bexiga, através de abordagem anterógrada e monitorização fluoroscópica, descendente até à uretra e saindo pelo pênis ou pela vulva (Figura 8C). Insere-se um cateter urinário na bexiga (com pontas abertas ou «pigtail») por via retrógrada, em sobreposição ao fio (Figura 8D) e, em seguida, retira-se o fio condutor. O cateter urinário é fixado através do processo de rotina. > Outras situações A hematúria renal idiopática é uma doença muito rara relatada nos cães. A autora possui alguma experiência com este distúrbio e, caso os leitores estejam interessados, terá todo o prazer em compartilhar as suas opiniões. A cistotomia percutânea é analisada no artigo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Kyles A, Hardie E, Wooden E, et al. Management and outcome of cats with ureteral calculi: 153 cases (1984–2002). JAVMA 2005; 226: 937-944. 2. Weisse C, Berent A. Interventional radiology and endosurgery of the urinary system. CVT XIV (in press), 2006. 3. Mayhew P, Lee K, Gregory S, et al. Comparison of two surgical techniques for management of intramural ureteral ectopia in dogs: 36 cases (1994–2004). JAVMA 2006; 229: 389-393. 4. 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Evaluation of long-term effects of endoscopic injection of collagen into the urethral submucosa for treatment of urethral sphincter incompetence in female dogs: 40 cases (1993-2000). JAVMA 2005; 226: 73. Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 37 Métodos para medir o potencial de cristalização da urina - RSS vs. APR William G. Robertson BSc, PhD, DSc O Dr. Robertson é bioquímico clínico e trabalha atualmente no Departamento de Fisiologia (Centro de Nefrologia) da Royal Free and University College Medical School, Londres, Inglaterra. Os principais interesses do Dr. Robertson são a urolitíase e as áreas de pesquisa relacionadas com estas afecções. Ao longo de 40 anos, o seu trabalho de pesquisa incidiu sobretudo sobre o campo da urolitíase humana mas, durante a última década tem supervisionado diversos projetos relacionados com a formação de cálculos em animais de companhia. Além disso, o Dr. Robertson colabora com a Lithoscreen, um serviço de monitorização dos pacientes que ele próprio fundou, com o objetivo de identificar a(s) causa(s) dos cálculos renais e preconizar o tratamento mais adequado para evitar a formação de novos cálculos. Abigail E. Stevenson PhD, BSc, MIBiol, Cbiol A Dra Stevenson formou-se com distinção na Universidade de Stirling, em 1992. Depois de trabalhar durante 6 meses na Universidade de Anchorage, Alasca, como assistente de pesquisa foi nomeada para o cargo de técnica de pesquisa do Centro de Nutrição WALTHAM para Animais de Companhia para estudar o metabolismo da vitamina A e da taurina em felinos. Em 1995, foi promovida a Cientista de Pesquisa, passando a trabalhar na área da saúde do trato urinário, tema sobre o qual apresentou a sua tese de doutorado em 2002. Recentemente, a Dra Stevenson aceitou um cargo na área de Comunicações Científicas da WALTHAM. Para médicos e pesquisadores é extremamente útil conseguir prever a probabilidade de cristalização, em urina recém coletada, dos sais e ácidos responsáveis pela formação de cálculos. Trata-se de um fator que tanto se aplica aos estudos conduzidos em seres humanos como em animais de companhia. No caso dos primeiros, os cinco principais componentes dos cálculos são o oxalato de cálcio (OxCa), o fosfato de cálcio (PCa), o fosfato de amônio magnesiano (FAM ou estruvita), o ácido úrico (AU) e a cistina. Nos animais de companhia, os dois principais constituintes são OxCa e estruvita, embora tenham sido relatados alguns casos de cistina, e de urato de amônio em certas raças de cães, por exemplo, Dálma-tas. Enquanto o PCa e o AU são bastante comuns nos cálculos dos seres humanos, raramente constituem os componentes primários dos cálculos observados nos animais de companhia. O principal fator que determina o potencial de cristalização da urina é o nível de supersaturação das diversas substâncias responsáveis pela formação dos cálculos. O conceito de supersaturação é abordado detalhadamente na presente edição, no artigo assinado por Vincent Biourge (ver página 41). Em síntese, a literatura apresenta dois métodos principais para avaliar a supersaturação urinária – a Supersaturação Relativa (RSS) e a Razão do Produto de Atividade (APR). Ambos os métodos têm origem em estudos realizados em urina humana, no final dos anos 60 (1) e início dos anos 70 (2), mas apenas foram transpostos para o campo dos animais de companhia durante a última década. De forma geral, a RSS foi adotado como método de eleição pela pesquisa veterinária, no RU e na Europa. Nos EUA, tem sido aplicada uma combinação do Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 37 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:23 Página 38 Tabela 1. Resumo dos valores RSS calculados em equilíbrio, em diversas amostras de urina, através dos sistemas SUPERSAT e EQUIL (de 3) RSS do OxCa Solução de equilíbrio RSS da estruvita SUPERSAT EQUIL SUPERSAT EQUIL Solução inorgânica 1,00 ± 0,01 (n=14) 1,01 ± 0,01 (n=14) 0,99 ± 0,02 (n=6) 4,70 ± 0,70** (n=6) Urina humana 1,00 ± 0,06 (n=6) 1,01 ± 0,07 (n=6) 0,99 ± 0,05 (n=6) 6,57 ± 0,67** (n=6) Urina canina 1,21 ± 0,03 (n=6) 1,52 ± 0,03* (n=6) 1,48 ± 0,25 (n=3) 6,61 ± 1,17* (n=3) Urina felina 0,97 ± 0,03 (n=6) 1,14 ± 0,03* (n=6) 1,35 ± 0,15 (n=4) 5,74 ± 0,58* (n=4) * EQUIL > SUPERSAT (P<0.05) ** EQUIL >> SUPERSAT (P<0.01) RSS e do APR. O presente artigo procura estabelecer uma comparação entre as vantagens e desvantagens relativas dos dois procedimentos. previstos em ensaios sobre o equilíbrio a longo prazo do excesso de cristais de cada sal na urina dos humanos, cães e gatos, do que o EQUIL (Tabela 1). O RSS é o algoritmo habitualmente utilizado pela maioria dos profissionais que trabalham no campo da urolitíase humana para avaliar a supersaturação urinária. Os dois programas essenciais utilizados neste cálculo são o SUPERSAT (3) e o EQUIL (4). Ambos requerem a medição das concentrações totais de 12 íons de carga positiva e negativa e do pH de cada amostra de urina. Os dados são introduzidos num dos programas acima referidos, especificamente elaborados para efetuar o cálculo, através de uma metodologia interativa das concentrações de um número considerável de complexos interativos que se formam entre os íons. Estes programas também calculam os coeficientes de atividade dos diversos íons combinando depois, as concentrações relevantes de íons livres e os coeficientes de atividade para obter os produtos de atividade para cada sal potencialmente responsável pela formação de cálculos. Os produtos de atividade são divididos pelos produtos de solubilidade termodinâmica correspondentes aos sais em questão para determinar os seus valores RSS na urina (consultar o artigo do Dr.Vincent Biourge, na página 41). Apesar da sua exatidão como medida do potencial de cristalização de uma determinada urina, a principal desvantagem do método RSS é a considerável quantidade de trabalho analítico, requerido para medir a ampla classe de íons necessários para efetuar o cálculo em cada amostra de urina. Por esta razão foi desenvolvida uma abordagem alternativa, denominada Razão do Produto de Atividade (APR), que requer menos trabalho analítico que o RSS. Na forma original, o APR (na realidade, uma designação inadequada uma vez que não envolve uma razão de verdadeiros produtos de atividade) baseava-se na análise das concentrações totais de cálcio, oxalato, fosfato e no pH. Essa razão era calculada através da divisão dos produtos relevantes das concentrações destas substâncias presentes na urina (a) antes (APt=0) e (b) após 48 horas de incubação com formações iniciais de cristais de OxCa ou de PCa (AP t=48). A principal limitação desta abordagem reside no pressuposto de que todos os complexores importantes dos íons dos sais que formam os cálculos são alvo de medição urinária. Contudo, esta suposição não é fundamentada, não só no caso da urina humana, como também na urina de animais de companhia (5). Existem diferenças mínimas entre os valores RSS calculados pelo SUPERSAT e pelo EQUIL relativamente ao OxCa, embora a diferença seja mais significativa para a estruvita. De forma geral, a estimativa RSS proporcionada pelo SUPERSAT situa-se mais próximo dos valores 38 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 No artigo que redigimos anteriormente sobre este tema (6), analisámos o valor do APR(= APt=0/AP t=48) como medida da supersaturação urinária, particularmente em relação ao OxCa. Concluiu-se que, desde que AP t=48 podia ser influenciado por inibidores, o APR não se constituía em uma medida muito rigorosa do nível real de supersaturação na urina original, e que o RSS seria, com maior probabilidade, um método melhor para a medição deste parâmetro. Desde então foram obtidas mais provas da fraca confiabilidade do APR, preconizando-se a descontinuação do seu uso na forma original. Como o APR é uma função da supersaturação (embora não seja uma medida precisa devido aos efeitos dos Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:24 Página 39 MÉTODOS PARA MEDIR O POTENCIAL DE CRISTALIZAÇÃO DA URINA - RSS vs. APR Considere-se, por exemplo, duas urinas simples que representem exatamente o mesmo produto de atividade inicial (APt=0), mas com concentrações iniciais de cálcio distintas (TCa t=0) e de oxalato (TOx t=0). Urina 1: TCa t=0= 10mmol/L e TOx t=0 = 0,4mmol/L Urina 2: TCa t=0= 5mmol/L e TOx t=0= 0,8mmol/L Ambas representarão o mesmo AP t=0= 4. Suponhamos que ambas possuem um AP t=48 = 1,96 idêntico às 48 horas, o que lhes atribuiria valores idênticos de APR de 4/1,96 = 2,04, de acordo com os autores do cálculo original. Contudo, quando se calcula a quantidade de OxCa precipitado em cada urina, para atingir um AP t=48 de 1,96 às 48 horas, a urina 1 sofrerá uma precipitação de 0,2 mmol/L de OxCa e a urina 2 de 0,376 mmol/L de OxCa, o que representa quase o dobro da urina 1. A lógica Volume de cristais de OxCa (mm3/L) aponta para um maior potencial de formação de cálculos por parte da urina 2 comparativamente à urina 1, muito embora ambas representem os mesmo valores de APR! Continuando a usar as mesmas amostras de urina, consideremos agora que a urina 2 precipita a mesma 100 RSS OxCa 80 17 15 14 60 40 Urina felina Urina canina Urina humana 20 0 0.01 0.1 1 10 Logaritmo oxalato/cálcio (mmol/mmol) Figura 1. Relação entre a cristalúria de OxCa e a razão urinária de Ox/Ca. Logaritmo SSR de OxCa 15 PF* 10 0.01 g CaOx/ 20 mL 0.10 g CaOx/20 mL 1.00 g CaOx/20 mL 5 PS** 0 0 2 4 6 8 10 Tempo (dias) Figura 2. Efeito da baixa densidade (concentração de cristais) e do tempo de incubação na abordagem da RSS em equilíbrio, na urina humana. *Produto de formação, ** Produto de solubilidade 15 APR calculado inibidores de cristalização sobre a taxa de obtenção de equilíbrio entre a solução e os cristais), poderá argumentar-se que constitui um método razoável de medição global da supersaturação e da atividade inibitória, em conjunto. De fato, à primeira vista esta teoria poderá ter algum mérito. No entanto, o APR acaba por ser uma função de outros fatores, tal como a supersaturação e os inibidores. Estima-se que, no total, resulte no mínimo de cinco fatores: (a) do nível de supersaturação inicial da urina, (b) das concentrações dos vários inibidores e promotores urinários, (c) do oxalato inicial: razão inicial de oxalato: cálcio na urina (Figura 1), (d) da fraca densidade da mistura de cristais e urina (ex. massa de cristais adicionada por unidade de volume de urina) (Figura 2) e (e) do tempo de incubação (arbitrariamente, estabelecido em 48 horas, pelos criadores originais deste método) (Figura 3). Uma vez que os primeiros quatro fatores podem influenciar a curva do produto de atividade real, por oposição ao tempo de incubação de uma urina com excesso de cristais de OxCa ou PCa, a inclinação da curva de supersaturação pode variar consideravelmente em termos de forma, frente à alteração de qualquer uma destas variáveis (ex. como na Figura 2). Muito embora a baixa densidade e o tempo de incubação sejam estabelecidos de forma arbitrária, as variações na razão oxalato: cálcio podem dar origem a diferenças acentuadas na quantidade de OxCa precipitada (Figura 1). Presumivelmente, a quantidade de OxCa precipitada (ex. cristalúria) é a variável que determina o risco de formação de cálculos com o maior grau de proximidade. PF* 0.01 g CaOx/ 20 mL 0.10 g CaOx/20 mL 1.00 g CaOx/20 mL 10 5 SP** 0 0 2 4 6 8 10 Tempo (dias) Figura 3. Efeito da baixa densidade (concentração de cristais) e do tempo de incubação no valor do APR na urina humana, calculado através dos dados da Figura 2. *Produto de formação, ** Produto de solubilidade Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 39 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:24 Página 40 MÉTODOS PARA MEDIR O POTENCIAL DE CRISTALIZAÇÃO DA URINA - RSS vs. APR quantidade de OxCa que a urina 1 durante 48 horas. Esta situação traduz-se num APR calculado de 1,96 na urina 1, tal como sucedeu anteriormente, e um APR de 1,39 na urina 2, o que sugere que esta última comporta um potencial de formação de cálculos bastante inferior à da urina 1, ainda que ambas precipitem a mesma quantidade de cristais de OxCa! Podem aplicar-se os mesmos argumentos à medição do APR no caso da estruvita. Em resumo, tanto o numerador como o denominador da expressão para determinar o APR são suspeitos, no caso do OxCa, ou no caso da estruvita. O numerador do APR calculado através do sistema EQUIL sobrestima a RSS para o OxCa e para a estruvita (sobretudo no caso do último) na urina de cães e gatos. O denominador da expressão do APR depende consideravelmente da baixa densidade de cristais e do tempo de incubação, utilizados nos estudos de equilíbrio. Assim, esta medição, também denominada “atividade inibitória”, pode ser artificialmente induzida para produzir um resultado baixo ou alto, consoante as condições do ensaio. O denominador também está dependente da RSS da urina original e da razão urinária de Ox/Ca. Embora o risco de formação de cálculos seja uma função decorrente ou do aumento do nível de supersaturação – em termos dos sais de formação de cálculos – ou da diminuição do nível de atividade inibitória na urina, o APR por si só, e na sua forma original, não pode ser usado de forma confiável para avaliar globalmente o potencial de formação de cálculos de uma amostra de urina, uma vez que depende, em larga escala, das condições dos estudos de equilíbrio, do RSS e do Ox/Ca da urina original, como anteriormente mencionado. Em teoria, o melhor método para medir o risco de formação de cálculos será o RSS (calculado através do SUPERSAT, e não do EQUIL, pelas razões indicadas na Tabela 1) em conjunto com as concentrações dos inibidores reais de cristalização, com valores determinados na urina. Na rotina apenas se realiza a medição do citrato e do magnésio na urina dos animais de companhia, dentre os inibidores detectáveis da urina humana. Destes, o citrato constitui um potente inibidor da cristalização dos sais de cálcio, muito embora na urina dos animais de companhia seja observado apenas em concentrações muito baixas, sendo improvável que possua alguma relevância para a determinação do risco de formação de cálculos. O magnésio é um inibidor muito fraco da cristalização dos sais de cálcio, e não evidenciou qualquer diferença na urina de animais com formação de cálculos e na urina de animais em que esse fenômeno não se produziu. Ainda não foi determinada a existência ou inexistência de inibidores não identificados de cristalização na urina dos animais de companhia. Até o presente momento a medição da supersaturação urinária através da RSS continua a ser o método mais eficaz para determinar o risco de formação de cálculos em gatos e em cães. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 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Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:24 Página 41 PONTO DE VISTA ROYAL CANIN Diluição urináriaum fator-chave na prevenção de urólitos de estruvita e de oxalato de cálcio PONTOS-CHAVE ➧ A forma mais fácil de reduzir a supersaturação urinária e, consequentemente, os riscos de formação de cristais, é aumentar o volume da urina. ➧ O aumento do teor de cloreto de sódio (NaCl) na dieta aumenta a ingestão de água, bem como, a produção de urina e diminui a supersaturação urinária. Vincent Biourge, DVM, PhD, Dipl. ACVN, Dipl. ECVCN Centro de Pesquisa Royal Canin, Aimargues, França O Dr. Biourge é formado pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Liége (Bélgica), em 1985. Foi assistente no Departamento de Nutrição durante 2 anos, antes de ingressar no Hospital Veterinário da Universidade de Pensilvânia (Filadélfia, EUA) e, mais tarde, no Hospital Veterinário da Califórnia (Davis, EUA) onde realizou o doutorado e residência em Nutrição Clínica. Em 1993, apresentou sua tese de doutorado em Nutrição, na Universidade da Califórnia, e obteve o diploma do Colégio Americano de Nutrição Veterinária. Em 1994, entrou para o Centro de Pesquisa Royal Canin, em Aimargues (França), como Diretor de Comunicação Científica e Nutricionista. Desde Janeiro de 1999, é o responsável pelo programa de pesquisa nutricional Royal Canin. pH urinário, estruvita e oxalato de cálcio Em meados dos anos 80 a descoberta de que um pH urinário alcalino (pH >6,5) constituía o principal fator da patofisiologia dos cristais e cálculos de estruvita, levou a indústria a reformular as suas dietas (1,2). De ➧ Pode ser formulada uma única dieta acidificante, moderadamente suplementada com NaCl, tanto para a prevenção de urólitos de estruvita e de oxalato de cálcio, como para a dissolução de cálculos de estruvita. acordo com os especialistas, a generalização das chamadas “dietas acidificantes” conseguiu induzir uma diminuição assinalável da prevalência de gatos com sinais de obstrução uretral levados às clínicas veterinárias (1). Por outro lado, também iniciaram-se os debates dentro da comunidade veterinária sobre os potenciais riscos para a saúde, associados à superacidificação (2). O fato é que a patofisiologia dos urólitos de OxCa não foi ainda totalmente elucidada e que a sua associação às dietas acidificantes pode resultar da confusão com outros fatores, como o aumento da esperança de vida dos animais de companhia, bem como de alterações introduzidas na formulação dos alimentos ao longo deste período(3). Além disso, esta associação não se aplica aos cães, para os quais as dietas acidificantes são muito menos comuns. Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 41 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:24 Página 42 PONTO DE VISTA ROYAL CANIN Figura 1. Zonas de supersaturação relativa (RSS). (modificado a partir de 7) Contrariamente aos cristais de estruvita, a solubilidade dos cristais de oxalato é muito reduzida. No caso do OxCa, é quase impossível obter um valor de RSS inferior a 1. RSS OxCa 12 Estruvita 2,5 O produto de solubilidade termodinâmica consiste na quantidade máxima de um determinado sal que pode ser dissolvida num solvente (ex. água), a uma dada temperatura (ex. 37°C) e com um determinado pH (ex. 6.0). - RSS <1 significa que a urina se encontra sub-saturada e que não se produzirá a formação de cristais, mas sim a sua dissolução (Figura 1). - RSS >1 significa que a urina se encontra supersaturada e que pode ocorrer formação de cristais, mas não a sua dissolução. SUPERSATURAÇÃO INSTÁVEL Cristalização espontânea Rápido crescimento de cristais Produto de formação SUPERSATURAÇÃO METASTÁVEL Sem dissolução de cristais Sem cristalização espontânea Produto de solubilidade SUB-SATURAÇÃO Sem cristalização Dissolução dos cristais Num meio complexo como a urina, é possível observar um RSS de OxCa ou de estruvita acima de 1, sem ocorrer precipitação espontânea de cristais (6), nível que se classifica como supersaturação metastável (Figura 1). Neste nível de saturação, os cristais de OxCa não se formam espontaneamente, mas podem surgir em presença de um núcleo. Com base em estudos epidemiológicos que associam o potencial das dietas acidificantes aos riscos de formação de cálculos de OxCa, uma corrente de pesquisadores acredita que o pH urinário constitui o fator mais importante na prevenção da recorrência de urólitos de OxCa (4). De acordo com esta teoria, é impossível formular uma dieta que previna, simultaneamente, a formação de cálculos de estruvita e de OxCa, uma vez que o primeiro requer pH urinário baixo, enquanto o segundo requer pH mais alcalino. Com teores mais elevados de minerais na urina, os cristais produzem-se de forma espontânea em alguns minutos a horas e designa-se por supersaturação instável (Figura 1). O limite entre a supersaturação metastável e instável é denominado produto de formação. Estudos de precipitação cinética de urina demonstraram que a RSS do produto de formação se situa em 2,5 no caso da estruvita e em 12 para o OxCa. O cálculo do RSS, com base na urina de cães e gatos alimentados com dieta específica, pode ser utilizado para estudar o efeito exercido por esse alimento no potencial de cristalização da urina (5,6). Tanto as dietas comerciais, como experimentais, foram pH urinário e supersaturação relativa Considerado isoladamente, o pH da urina não permite avaliar o risco de formação de cristais de OxCa no trato urinário, sendo que a supersaturação urinária relativa (RSS) constitui uma ferramenta bem mais eficaz. Tratase do método utilizado com maior frequência em seres humanos e que já foi validado, tanto em urina canina, como felina (5), (Consultar artigo de B. Robertson e A. Stevenson, na página 37). 42 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 Alimento seco Alimento úmido Produto de formação RSS OxCa A formação, crescimento e dissolução dos cristais urinários depende das concentrações dos minerais de que são compostos (ex: cálcio e oxalato) e passíveis de reagir livremente entre si (5). É possível calcular as frações de cálcio e oxalato. O produto das concentrações dessas frações livres denomina-se produto de atividade. Define-se a RSS de um determinado sal como a razão do produto de atividade, dividido pelo produto de solubilidade termodinâmica para o sal em questão. Dados individuais de 125 dietas Produto de solubilidade 5 5.5 6 6.5 RSS de OxCa reduzida apesar do pH baixo 7 7.5 8 8.5 pH urinário Figura 2. Relação entre o pH urinário e os cristais de oxalato de cálcio (OxCa) em gatos saudáveis. Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:24 Página 43 DILUIÇÃO URINÁRIA- UM FATOR-CHAVE NA PREVENÇÃO DE URÓLITOS DE ESTRUVITA E DE OXALATO DE CÁLCIO saudáveis, o que sugere que a RSS pode constituir instrumento de grande utilidade para identificar formações de cálculos nesta espécie (3). avaliadas através deste método pelos nossos serviços no Centro WALTHAM de Nutrição Animal, assim como por outros pesquisadores. Como previsto, os estudos comprovaram que as dietas caninas e felinas podem ser formuladas para induzir urina sub-saturada (RSS <1), no caso da estruvita, e que os principais acionadores são o pH e/ou o teor de umidade do alimento. Em todas as dietas, a urina dos cães e gatos saudáveis situou-se próxima da saturação, ou super-saturada no caso do OxCa (RSS≥1) (Figura 2). Contudo, a RSS de OxCa apresenta-se abaixo do produto de formação (RSS OxCa=12), não se observando cristalização espontânea. Sódio dietético, teor de umidade do alimento e supersaturação relativa O sódio dietético (ou cloreto de sódio) e o teor de umidade do alimento são extremamente eficazes para estimular o consumo de água e a diurese em cães e gatos (8). O aumento da diurese promove a diluição urinária e, consequentemente, diminui a concentração de minerais de baixa solubilidade. O aumento do volume urinário favorece também o fluxo urinário e a frequência das micções, inviabilizando a nucleação e a agregação de cristais urinários (7). Quando se comparam os valores do pH urinário com os níveis RSS de OxCa associados a diversas dietas felinas comerciais e experimentais, o pH urinário parece ser um indicador pouco confiável de RSS de OxCa (Figura 2). Estes resultados sugerem fortemente que a formulação de dietas baseadas apenas no pH urinário não permite prever os seus efeitos sobre o potencial de cristalização do OxCa da urina! A pesquisa realizada nas nossas instalações e os estudos publicados sobre cães e gatos demonstram que o aumento do sódio dietético (0,7 a 1,3g/ 400kcal de energia metabolizável), o teor elevado de umidade do alimento, ou ambos, constituem instrumentos valiosos para reduzir a RSS do OxCa (8,10-12) (Figuras 3 e 4). Um estudo prospectivo que procedeu a avaliação da eficácia de dieta formulada para a prevenção simultânea de urólitos de estruvita (acidificante) e de OxCa, constatou que os níveis elevados de umidade e de sódio reduzem o potencial de cristalização urinária conducente à formação de cálculos nos cães (3). Além disso, não foi observada qualquer recorrência nos cães estudados, ao longo de um ano de acompanhamento (3), o que sugere que as dietas que reduzem o RSS em A utilização do RSS para avaliar o potencial de cristalização da urina proporcionou também resultados interessantes. Por exemplo, a urina de cães de raça pequena é mais saturada que a urina de cães de tamanho grande (7) (Figura 3). Este fato explica a maior incidência de cálculos urinários em cães de porte pequeno, comparativamente aos de raças grandes. Os cães com predisposição para a formação de cálculos apresentam RSS de OxCa significativamente mais elevado que cães Influência da raça e do sódio dietético o RSS de OxCa Influência da raça e do teor de umidade do alimento sobre o RSS de OxCa Estudo realizado em 8 Labrador Retriever e 8 Schnauzer Miniatura. Os valores com letras distintas são significativamente diferentes RSS de oxalato de cálcio 15 11,28 9,83 13,21 8,5a 10 Alimento Seco (Teor de umidade: 7%) Alimento em lata (Teor de umidade: 73%) 5 0 Retriever Labrador Schnauzer Miniatura Raça RSS de oxalato de cálcio 25 20 13,87ab 20 15 10 8,97a 9,13ab 5,42ab 5,73b 3,62b 5 0 Labrador Retriever 0.05 g/100kcal (ex. 0.2% num alimento com 4000kcal/kg) 0.20 g/100kcal (ex. 0.8% num alimento com 4000kcal/kg) 0.30 g/100kcal (ex. 1.2% num alimento com 4000kcal/kg) Schnauzer Miniatura Raça Estes gráficos ilustram 3 fatores que afetam o RSS de OxCa: - Raça: cães de raça pequena alimentados com a mesma dieta (como os Schnauzers Miniatura) produziram urina mais concentrada em OxCa (RSS de OxCa mais elevada) que os cães de raça grande (como os Labradores), o que explica parcialmente a razão dos cães de pequeno porte evidenciarem maior predisposição para a formação de urólitos de OxCa que os cães de raça grande. - Teor de umidade do alimento: um elevado teor de umidade, em geral induz RSS mais baixo. Esta diferença é significativa no caso dos Schnauzer Miniatura. - Sódio Dietético: a RSS de OxCa diminui significativamente face ao aumento do teor de sódio do alimento. Nos Schnauzer Miniatura, um teor moderado de sódio (1.2%) revelou efeito mais acentuado que o aumento de umidade para 73%. Figura 3. Influência da raça, teor de umidade e sódio dietético no RSS de OxCa. Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 43 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:24 Página 44 DILUIÇÃO URINÁRIA- UM FATOR-CHAVE NA PREVENÇÃO DE URÓLITOS DE ESTRUVITA E DE OXALATO DE CÁLCIO Figura 4. Relação entre a supersaturação relativa (RSS) do sódio dietético e do oxalato de cálcio (OxCa). Na < 0,5% Na > 0,5% 20 18 Alimento seco Alimento úmido 16 RSS de OxCa 14 12 Produto de formação 10 8 6 4 Produto de solubilidade poderiam promover a formação de cálculos de oxalato de cálcio em cães e em gatos, recomendando-se, por isso, a incorporação de baixo teor de Na (1,11) nos alimentos formulados para o manejo da DTUI. Apesar da maior ingestão de sódio estar associada ao aumento da excreção de cálcio, a concentração deste mineral não aumenta, devido ao acréscimo concomitante do volume urinário, sendo observada uma diminuição significativa do RSS de OxCa (11). Conclusão Foi demonstrado que o RSS constitui instrumento valioso para avaliar o efeito dos 0 fatores dietéticos na saturação urinária. No 0.00 0.20 0.40 0.60 0.80 1.00 1.20 1.40 1.60 1.80 2.00 entanto, são necessários estudos mais Na Dietético (% MS) aprofundados para compreender a patofisiologia dos urólitos de OxCa, as variações cães saudáveis são também eficazes em cães com individuais e as especificidades das raças, bem como, urólitos de OxCa. O maior teor de umidade diminuiu para descobrir outras estratégias que possam influenciar igualmente o RSS do OxCa em gatos com predisposição as concentrações em minerais da urina. para a formação de cálculos (12). 2 Estudos epidemiológicos conduzidos sobre os fatores dietéticos e a prevalência de cálculos de OxCa em cães e gatos apresentaram conclusões semelhantes quanto aos benefícios do sódio e do teor de umidade da dieta (2,13,14). Sódio dietético e excreção de cálcio Tanto os nossos resultados, como os estudos publicados, sugerem fortemente que o aumento do teor de umidade e/ou de NaCl em dieta acidificante, reduz os riscos de formação de cristais de OxCa e de estruvita (3,7,10-12). Até à data, não existem dados publicados que sustentem um eventual efeito nocivo desta estratégia nutricional em gatos saudáveis. A ligação entre o Na dietético e a excreção urinária de Ca levou a teoria que as dietas com teor elevado de sódio REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. 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Markwell PJ, Smith BHE, McCarthy KP. A non-invasive method for assessing the effect of diet on urinary calcium oxalate and struvite relative supersaturation in the cat. Animal Technology 1999; 50: 61-67. 7. Stevenson AE, Markwell P. A comparison of urine parameters produced by healthy Labradors and Miniature Schnauzers. Am J Vet Res 2001; 62: 17821786. 44 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 8. Burger I, Anderson RS, Holme DW. Nutritional factors affecting water balance in dog and cat. In: Anderson RS (ed). Nutrition of the Cat and Dog. Pergamon Press, Oxford 1980, pp. 145-156. 9. Biourge V, Devois C, Morice G, et al. Increased Dietary NaCl significantly increases urine volume but does not increase urinary calcium oxalate supersaturation in healthy cats. Proceedings of the 19th American Congress of Veterinary Internal Medicine, Denver, Colorado, 2001, pp. 866. 10. Hawthorne AJ, Markwell PJ. Dietary sodium promotes increased water intake and urine volume in cats. 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Em virtude da importância do teor corporal de NaCl torna-se evidente a complexidade do seu equilíbrio, que depende de mecanismos de regulação renais, hormonais e neurais. Scott A. Brown, VMD, PhD, Dipl. ACVIM Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade da Geórgia, Athens, Geórgia, EUA O Dr. Brown é formado em Medicina Veterinária em 1982, na Universidade da Pensilvânia. Completou internato e residência em Medicina Interna de Pequenos Animais no Hospital Escolar da Universidade da Geórgia, em 1986. Em 1987 obteve a certificação em Medicina Interna pelo Colégio Americano de Medicina Interna Veterinária. Entre 1984 e 1989, o Dr. Brown concluiu seu Doutorado em Patofisiologia Renal, na Universidade da Geórgia. Desde 1989 faz parte do corpo docente desta Universidade, com cargo conjunto nos Departamentos de Fisiologia e de Medicina de Pequenos Animais, onde é atualmente Professor de Fisiologia. As suas áreas de interesse na pesquisa incidem na progressão da doença renal crônica e na hipertensão sistêmica. Foi sugerido que em gatos com doença renal crônica (DRC) possa existir relação entre a pressão sanguínea elevada, aporte excessivo de sal (NaCl) e a expansão do volume de fluído extracelular. O sódio e o cloro são os principais eletrólitos do fluído extracelular e, de uma forma geral, restritos a este compartimento de fluído. Deste modo, alterações no teor corporal total de NaCl irão eventualmente conduzir a alterações correspondentes no volume de fluído extracelular. Como o volume de fluído extracelular constitui fator As alterações do teor corporal de NaCl são devidas à diferenças entre o aporte e a excreção. Infelizmente, a regulação fisiológica do aporte gastrintestinal e da excreção fecal é muito reduzida. Por causa disso, os mecanismos centrais de regulação do sódio localizam-se nos rins, nos quais variações do aporte de NaCl conduzem a alterações compensatórias da excreção urinária (1). Apesar da capacidade do rim para manter o equilíbrio do teor corporal total de NaCl se tratar de um mecanismo renal inerente, pode ser modulada por uma variedade de fatores neurohumorais e por processos patológicos. Por exemplo, existem sensores de volume nos átrios, no ventrículo direito, e em inúmeros vasos sanguíneos. A distensão destes receptores de volume (geralmente, devido à expansão do volume de fluído extracelular) provoca um aumento da excreção renal de sódio, mediada pela secreção da hormônio natriurético atrial e, também, por alteração da atividade nervosa renal. Existem, adicionalmente, outros fatores hormonais que modulam o controle renal de NaCl. É neste grupo de fatores que se incluem a angiotensina e a aldosterona, ambas responsáveis por um decréscimo da excreção renal de sódio. Assim como foi referido anteriormente, os gatos com DRC apresentam uma elevada prevalência de hipertensão sistêmica (2,3). Uma vez que a alteração da função renal pode influenciar a pressão sanguínea através dos efeitos exercidos sobre a excreção de sódio e sobre a homeostase dos fluídos corporais, tem Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 45 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:24 Página 46 SAL, HIPERTENSÃO E DOENÇA RENAL CRÔNICA sido colocada a hipótese de que a suplementação da dieta com sal poderia agravar a hipertensão em gatos com DRC, através da indução de uma expansão de volume. Efetivamente já foram estudados os efeitos da ingestão de sódio dietético sobre a pressão sanguínea. Em várias linhagens de ratos que apresentavam redução da massa renal, o consumo de teores elevados de NaCl aumentou a pressão arterial, efeito que se designa por sensibilidade ao sal (4). No entanto, algumas linhagens de ratos são insensíveis ao sal (5), porque os seus rins conseguem compensar as alterações na ingestão de NaCl impedindo assim, oscilações da pressão sanguínea. Curiosamente, a maioria das pessoas revela também relativa insensibilidade ao sal. Estudos realizados em cães saudáveis demonstraram que o aumento da ingestão de NaCl de 8 para 120mol/kg não afeta a pressão sanguínea, sugerindo que os cães saudáveis são insensíveis ao sal (6). Este fato significa que, nestes animais, a regulação renal do teor corporal total de NaCl é eficiente e capaz de responder adequadamente a alterações no consumo de sal. Embora se pudesse pressupor que os cães com DRC fossem eventualmente sensíveis ao sal, alguns estudos experimentais em cães com azotemia induzida, semelhante às Fases II e III da DRC definidas pela IRIS, indicaram não ser esse o caso (7), uma vez que a variação da ingestão de NaCl não afetou a pressão sanguínea destes animais. Embora seja provável a ocorrência de variação animal individual, devida a fatores genéticos, ambientais e patológicos, os cães saudáveis e os cães nas fases I-III da DRC não parecem ser particularmente sensíveis ao sal. E quanto aos gatos com DRC? Serão sensíveis ao sal assim como acontece com algumas linhagens de ratos, ou se assemelharão mais aos cães e aos seres humanos? Recentemente, um estudo experimental conduzido em gatos, sobre azotemia induzida num grau semelhante ao das Fases II e III da DRC (IRIS), a alteração na ingestão de sal não produziu qualquer efeito sobre a pressão sanguínea (8). Além disso, o nível mais baixo de consumo de NaCl foi associado aos valores mais reduzidos para a TFG (taxa de filtração glomerular), à caliurese hipocalêmica inadequada e à ativação do sistema reninaangiotensina-aldosterona. Estes resultados de insensibilidade ao sal da pressão sanguínea foram espantosamente semelhantes aos observados em gatos saudáveis (8). Analisados em conjunto, os estudos conduzidos em cães e gatos sugerem que em ambas as espécies, nem a pressão sanguínea, nem a hipertensão sistêmica são sensíveis ao sal. Uma vez que ambos os grupos objetos de estudo apresentavam azotemia semelhante à encontrada na Fase III, ou numa fase mais precoce da DRC, será necessário realizar estudos adicionais para determinar se os gatos ou os cães na Fase IV da DRC evidenciam, igualmente, uma insensibilidade ao sal. Não foi surpreendente constatar que a restrição alimentar de NaCl ativa o eixo renina-angiotensina-aldosterona em gatos com DRC, uma vez que este sistema hormonal age no sentido de impedir alterações no equilíbrio do sódio corporal. Enquanto a ativação deste sistema hormonal minimiza os efeitos da restrição de sal sobre a pressão sanguínea, a angiotensina II (9,10) e a aldosterona (11,12) podem provocar fibrose cardíaca e renal contribuindo para a progressão da DRC. Deve prestar-se especial atenção aos efeitos potencialmente nocivos da ativação deste sistema hormonal nos pacientes. Assim, sempre que seja preconizada ingestão reduzida de NaCl, deve considerar-se a administração de inibidores do eixo renina-angiotensina-aldosterona, tais como os IECA’s (inibidores da enzima conversora da angiotensina) e/ou os antagonistas dos receptores da aldosterona ou da angiotensina II. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Brown SA, Brown CA, Jacobs G, et al. Effects of the angiotensin converting enzyme inhibitor benazepril in cats with induced renal insufficiency. Am J Vet Res 2001; 62: 375-383. pressure measurements in partially nephrectomized dogs. Am J Vet Res 1994; 55: 160-165. 2. Elliott J, Barber PJ, Syme HM, et al. Feline hypertension: clinical findings and response to antihypertensive treatment in 30 cases. J Small Anim Pract 2001; 42: 122-129. 8. Buranakarl C, Mathur S, Brown SA. 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Aldosterone-induced organ damage: plasma aldosterone leveland inappropriate salt status. Hypertens Res 2004; 27: 303-310. 6. Krieger JE, Liard JF, Cowley AW. Hemodynamics, fluid volume, and hormonal responses to chronic high-salt intake in dogs. Am J Physiol 1990; 259: H1629- H1636. 12. Zhou X, Ono H, Ono Y, et al. Aldosterone antagonism ameliorates proteinuria and nephrosclerosis independent of glomerular dynamics in L-NAME/SHR model. Am J Nephrol 2004; 24: 242-249. 7. Greco DS, Lees GE, Dzendzel G, et al. Effects of dietary sodium intake on blood 46 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:24 Página 47 GUIA DESTACÁVEL Atlas de sedimento urinário PONTOS-CHAVE ➧ A urina deve ser avaliada imediatamente após sua coleta. ➧ Habitualmente, a urina apresenta quantidades reduzidas de cristais. ➧ Um gato pode ter cálculos, sem presença de cristais. ➧ Na urolitíase, o tipo de cristais observado pode não refletir o tipo de cálculo presente. Cálculos radiopacos Cálculos de estruvita • Em geral, os cálculos são brancos ou amarelos e duros; transformam-se em pó quando triturados. Cálculos de oxalato de cálcio Cristais de monoidrato de oxalato de cálcio • Os cálculos apresentam frequentemente contornos bastante irregulares. Cálculos não radiopacos ➧ A viagem de carro até à clínica é suficiente para aumentar o pH urinário do gato. De fato, o pH da urina sofre alterações por ação do stress, podendo sofrer um acréscimo de 1,4 em consequência da alcalose induzida pela hiperventilação. Gato Cão Fêmea ≥ Macho 2 a 6 anos de idade Sem predisposição racial Gatos de interior Obesidade Esterilização Fêmea >> Macho 2 a 8 anos de idade Schnauzer Miniatura / Cocker Spaniel / Bichon Frise / Shih Tzu / Yorkshire Terrier / Poodle Miniatura • Os cristais de estruvita podem • Associado a infecções do trato ser um dos componentes dos urinário em cães. plugs uretrais. OXALATO DE CÁLCIO Cristal de diidrato de oxalato de cálcio ✂ evidenciam cristais quando analisadas 24 horas após a coleta, versus 24% quando observadas imediatamente. Predisposição e idade média de ocorrência ESTRUVITA Cristais de estruvita ➧ Um estudo demonstrou que 92% das amostras urinárias Gato Cão Fêmea ≥ Macho 7 a 9 anos de idade Persa / Burmês Gatos de interior Obesidade Esterilizado Macho >> Fêmea 5 a 12 anos de idade Schnauzer Miniatura / Lhasa Apso / Yorkshire Terrier / Caniche Miniatura / Bichon Frise • Cristal de monoidrato; frequentemente associado a intoxicação por etilenoglicol. CISTINA Gato Macho > ou = Fêmea ± 3,5 anos de idade (4 meses a 12 anos) Cristais de cistina Cálculos de cistina Nenhum Cão Macho > Fêmea ± 5 anos de idade (1 a 8 anos) Teckel / Bulldog Inglês / Terra Nova / Staffordshire Bull Terrier / Welsh Corgi / Basset Hound • Pode estar associado a um distúrbio de reabsorção tubular renal. URATO DE AMÔNIO Gato Cão Macho > Fêmea Se não existir shunt porto-sistêmico, em caso contrário Sem predisposição Cristais de urato Cálculos de urato Macho = Fêmea ± 3,5 anos de idade sem shunt > 1 ano com shunt Dálmata / BulLdog Inglês / Schnauzer Miniatura • Observado com frequência em animais com doença hepática ou shunt porto-sistêmico. Vol 17 No 1 / / Veterinary Focus / / 47 Portugues_BRASIL 17.1:Focus 13/04/10 19:24 Página 48 ATLAS DE SEDIMENTO URINÁRIO NORMAL • Baixo número de eritrócitos e leucócitos. • Escassas células epiteliais escamosas ou cilindros hialinos. • Presença de cristais de bilirrubina na urina canina concentrada, sobretudo em machos. A presença deste tipo de cristais em gatos é sempre uma situação anômala. Cilindro hialino Bilirrubina PATOLÓGICO Leucócitos Eritrócitos Células epiteliais transitórias Células transitórias neoplásicas Aumento de leucócitos - infecção do trato urinário - urolitíase - neoplasia Aumento de cilindros eritrocitários - glomerulonefrite - trauma Aumento de eritrócitos - cistite - urolitíase - trauma (cistocentese, etc.) - contaminação (próstata, prepúcio) Aumento de cilindros hialinos - febre - doença glomerular primária - congestão passiva do rim Células epiteliais transitórias - infecção - neoplasia Aumento de cilindros leucocitários - pielonefrite - nefrite intersticial Bactérias - infecção (especialmente, se a presença de bactérias estiver associada a um aumento de leucócitos) - contaminação - amostra exposta durante excessivo tempo à temperatura ambiente, antes da análise. Fosfato de cálcio amorfo: formação em pH neutro e alcalino, podem ser observados na urina de gatos saudáveis. Fosfato de cálcio – brushita: formação em pH ácido, pouco comum. Xantina: formação em pH ácido e neutro. Situação rara e sempre anômala. Poderá resultar da administração de alopurinol. Tirosina: formação em pH ácido. Situação rara e sempre anômala. Indica a presença de doença hepática. Sulfonamida – metabolitos urinários: formação em pH ácido e neutro. Carbonato de cálcio: formação em pH neutro e alcalino. Muito raro. 48 / / Veterinary Focus / / Vol 17 No 1 ✂ CRISTAIS ATÍPICOS CapaBrasil171:Focus 17.1 13/04/10 19:22 Página 3 A revista Veterinary Focus é publicada por Royal Canin e está disponível em IVIS, www.ivis.org em 7 línguas diferentes. Veterinary Focus disponibiliza informação State-of-the-Art em medicina canina e felina. A maior biblioteca on-line para veterinários, disponibilizando livros, comunicações, manuais, um calendário, publicidade classificada e muito mais. Acesso ilimitado para veterinários, estudantes veterinários e técnicos. " " #( ! ! ! $ ! ! # ! # " ! ! !# !"1 ! ! " ! # # # !!+ " ,+ + ! / #" ( " "# !! + ! + " ! # & ! #" " " "/ ! #" ! ! # ! $ ! , ! " # ! ) ! "/ ! # * ! ! ! " # !+ !! !" # ! #! ! $ " # ! " #" ! " " " ! ! ! , ! . !! ! 1 ! & !! ! ! #" ! # 3 " ' #!4 !") " " ! " ! " ! 2 % ! " ! + ! ! ! ( !! # & " + ! !# ! " ! + " !! " ! ! " ! #" # " !" ! ! ! ! !" ! + ,+ ! ! ! -" ! #,1 ! + !!# # # ! ! " ! 1 ! ! " ! ,+ # ! # ,+ ! ,+ !! " $ !# " ! " ! " ! ! CapaBrasil171:Focus 17.1 13/04/10 19:22 Página 4 ROYAL CANIN NO MUNDO África do Sul China Grécia Noruega Royal Canin África do Sul +27.11.801.5000 Au Yu (Shanghai) Pet Food Company Ltd. +86.21.54.402.729 / +86.21.54.402.760 PPFI Ltd. +30.210.89.43.945 / 89.41.987 Royal Canin Noruega +47.23.14.15.40 [email protected] www.royal-canin.cn Polónia Alemanha Holanda Royal Canin Alemanha +49.221.93.70.60.0 Royal Canin Holanda +31.41.33.18.418 www.royalcanin.nl www.royal-canin.de Coreia do sul Royal Canin Coreia +82.2.569.3231 www.royalcanin.no www.royalcanin.com Royal Canin Polónia +48.12.259.03.30 ww.royalcanin.pl www.royalcanin.com Hungria Argentina Royal Canin Argentina +54.11.4748.58.58 www.royal-canin.com.ar Dinamarca Royal Canin Dinamarca +45.89.15.35.55 Royal Canin Hungria +36.23.430.565 www.royal-canin.hu Porto Rico Royal Canin Porto Rico +1.787.622.79.55 www.royalcanin.com www.royalcanin.dk Índia Austrália Royal Canin Austrália +61.1300.657.021 www.royalcanin.com.au Áustria Royal Canin Áustria +43.1.879.16.69-0 www.royal-canin.at Royal Canin Ibérica +34.91.449.21.80 Royal Canin SA-India Liaison Office + 91.222.651.5242 www.royalcanin.es www.royalcanin.com Espanha Royal Canin E.U.A. +1.800.592.6687 www.royalcanin.us Filipinas Royal Canin Bélgica + 32.24.25.21.00 Royal Canin Filipinas +63.2.894.5179 / +63.2.817.9443 Brasil Royal Canin Brasil +55.19.3583.9000 Royal Canin Portugal +351.21.712.32.10 www.royalcanin.com República Checa Estados Unidos da América Inglaterra Bélgica www.royalcanin.be Portugal www.royalcanin.com Finlândia Royal Canin Finlândia +358.207.47.96.00 Crown Pet Foods +44.19.35.600.800 Rep Office Royal Canin +420.221.778.391 www.royalcanin.com www.royalcanin.co.uk Rússia Itália Royal Canin Itália +39.02.49.80.880 www.royalcanin.it Japão Royal Canin Japão +81.3.5643.5971 ZAO Ruscan +7.495.221.82.90 www.royal-canin.ru Suécia Royal Canin Suécia +46.31.74.24.240 www.royalcanin.fi www.royalcanin.co.jp www.royalcanin.se Canadá França México Suiça Royal Canin Canadá +1.416.364.0022 Royal Canin S.A +33.4.66.73.03.00 Royal Canin México +52.55.58.11.60.62 Royal Canin Suiça +41.43.343.74.74 www.royalcanin.ca www.royal-canin.fr www.royalcanin.com.mx www.royal-canin.ch www.royalcanin.com.br Visite a biblioteca científica para uma selecção de artigos da Veterinary Focus
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