VII JORNADA DE DIREITO CIVIL Ministro Ruy Rosado
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VII JORNADA DE DIREITO CIVIL Ministro Ruy Rosado
VII JORNADA DE DIREITO CIVIL Ministro Ruy Rosado Coordenador Geral da Comissão Científica Professor Roberto Rosas Coordenador Científico Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino Coordenador Científico Responsabilidade Civil Desembargador Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira Coordenador Científico Parte Geral Professora Ana de Oliveira Frazão Coordenadora Científica Contratos Professor Gustavo José Mendes Tepedino Coordenador Científico Coisas Professor Otávio Luiz Rodrigues Júnior Coordenador Científico Família e Sucessões Professor Paulo Roberto Roque Antonio Khouri Coordenador Científico Obrigações Grupo Comissão de Trabalho 1 Responsabilidade Civil Quantidade Proposições 44 2 Parte Geral 3 Sigla Páginas RC 2/45 48 PG 47/94 Contratos e Obrigações 65 CO 96/160 4 Coisas 41 DC 162/202 5 Família e Sucessões 79 FS 204/282 Brasília/DF, 28 e 29 de setembro de 2015. 1 COMISSÃO RESPONSABILIDADE CIVIL RESPONSÁVEL: MIN. PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO RC - Proposição 1.1 Parte da legislação: C/C - LIVRO III- DOS FATOS JURÍDICOS Artigo: 186 Enunciado proposto (resumo da proposição): A indenização por dano moral, como função punitiva, deve ser compreendida, para que faça sentido, como instrumento de calibração econômica do comportamento do agente ofensor. O chamado dano moral não se verifica somente quando há lesão relativa à ofensa aos direitos de personalidade do sujeito, mas também quando um sujeito comete ato ilícito. Justificativa: 1-A força normativa dos fatos e a situação excepcional consolidada – sentenças que fazem uso corrente de expressões pedagógicas, preventivas, dissuasórias – de nítido caráter punitivo, suplanta eventual inercia legislativa ou hiato existente entre os direitos legislados e a realidade social. 2-A configuração do dano moral no plano do ato ilícito existência no plano normativo de regra que impõe dever legal de não lesar - impõe como obrigação correlata a de indenizar nos casos de violação da norma por um comportamento contrário ao de indenidade, sendo o ato ilícito qualquer ato praticado por terceiros que repercuta danosamente na esfera patrimonial ou no aspecto do homem como ser moral. 3-Para muito além da possibilidade de instrumento preventivo e de controle de acesso ao judiciário, as indenizações punitivas exercem forte proteção aos vulneráveis, nos moldes dos processos coletivos, que hoje vem obtendo resultados reais e não devem mais ser entendidas como inviabilização da atividade econômica e sim como contrapeso aos reiterados ilícitos praticado. 4-Obstáculo sempre presente nos debates acerca da impossibilidade de se adotar a indenização como pena e exemplo de superação e legalidade a Lei 12.529/09, art. 37 Seção III, prevê a “pena” por infração, afastando por completo a impossibilidade de tais aplicações na seara civil. Ressalte-se que essa cisão é oriunda do Código Civil dos Franceses onde ocorreu a separação do direito civil e o direito penal, cisão essa que não mais se coaduna com nosso ordenamento jurídico que já possui fundamentos próprios com rica personalidade e maturidade. 2 RC - Proposição 1.2 Parte da legislação: Responsabilidade Civil – Da Obrigação de Indenizar Artigo: 186 e 927 do Código Civil c/c 9º do CDC (Lei nº 8.078/90) Enunciado proposto (resumo da proposição): O cigarro é um produto de periculosidade inerente, que o consumidor, no exercício do seu livre-arbítrio, decide usar ou consumir, circunstância que exclui a responsabilidade civil, porque o dano provocado pelo tabagismo decorre de culpa exclusiva da vítima, e, ainda, não há como estabelecer nexo causal entre o tabagismo e doenças estatisticamente a ele relacionadas, possível somente quando evidenciado quão relevante foi o cigarro para o dano. Justificativa: O cigarro não é um produto defeituoso, mas um produto de periculosidade inerente (STJ - REsp 1.113.804/RS, Relator em. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 24/6/2010) que o consumidor, no exercício do seu livre-arbítrio, decide usar e consumidor, circunstância que exclui a responsabilidade civil (STJ – REsp 886347/RS, Rel. Des. HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO, convocado do TJ/AP, DJe de 08/06/2010). Na lição da Professora TERESA ANCONA LOPEZ, titular do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP, a liberdade de fumar é um direito humano tanto quanto a liberdade de não fumar, e é dever do Estado tutelar e tornar harmônicas essas duas liberdades quando estiverem em rota de colisão, repudiando-se o “higienismo estatal”. (Cfr. Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: e experiência brasileira do tabaco, p. 15/17, Ed. Quartier Latin do Brasil, São Paulo, verão de 2008) Estatisticamente, o câncer de pulmão, em especial, e outras doenças, em geral, são comumente associadas ao tabagismo, mas essas doenças são multifatorias, ou seja, podem ser causadas por diversos fatores, dentre eles a alimentação, álcool, carga genética e o modo de vida. O nexo causal pressupõe, portanto, a comprovação inequívoca ou a determinação de quão relevante foi o cigarro para a ocorrência do dano. 3 RC - Proposição 1.3 Parte da legislação: Código Civil (Lei 10.406/2002) – Títulos III (Dos Atos Ilícitos) e IX (Da Responsabilidade Civil) Artigo: 186 e 927 Enunciado proposto (resumo da proposição): O simples inadimplemento de uma obrigação contratual não gera dano moral, salvo se dele também decorrer reflexamente lesão de ordem extrapatrimonial para o contratante atingido. Justificativa: O inadimplemento de uma obrigação contratual não gera em princípio dano moral, como já decidiu reiteradas vezes o Superior Tribunal de Justiça (cf. REsp 1471838/PR, Rel. Min. Ricardo Villa Bôas Cueva). Entretanto, quando há reflexo deletério também sobre os atributo da personalidade, os danos morais tornam-se devidos a despeito de terem como causa o descumprimento parcial ou total do contrato. Já no ano de 1911 Corte de Cassação Francesa reconhecia a existência da chamada cláusula de segurança do passageiro, permitindo à doutrina concluir que excepcionalmente seria possível que o descumprimento de certas obrigações contratuais poderia gerar danos de ordem imaterial (PLANIOL, Marcel; RIPERT, Georges. Tratado practico de derecho civil francés: las obligationes. Habana: Cultural, 1946, t. VI, p. 667). A demonstração dessa tese também foi feita com especial habilidade no âmbito da Common Law no já clássico livro de Grant Gilmore The death of contract. (2. ed. Columbus: Ohio University, 1995). A jurisprudência atual do STJ reconhece a possibilidade de reflexos extrapatrimoniais a partir do inadimplemento contratual em situações como a recusa de cobertura em planos de saúde (1286839/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino), interrupção no fornecimento de energia elétrica (AgRg no AREsp 655.900/MG, Rel. Min. Moura Ribeiro), hospedagem (AgRg no AREsp 629.677/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro), dentre várias outras. Assim, dependendo do objeto da relação contratual, torna-se possível a existência de danos morais surgidos em razão de seu inadimplemento. 4 RC - Proposição 1.4 Parte da legislação: Responsabilidade Civil (Código Civil) Artigo: 187 e 927, CC/2002 Enunciado proposto (resumo da proposição): O dano temporal ou cronológico é configurado enquanto categoria lesiva extrapatrimonial autônoma e distinta do dano moral-psicológico, tutelando a compensação de agressões indevidas ao tempo – bem jurídico escasso, irreversível, intangível e ininterrompível –, com fundamento no princípio da reparação integral dos danos à pessoa e na abertura semântica do sistema de responsabilidade civil. Justificativa: Na atualidade, o tempo – bem jurídico relevante por ser escasso, intangível, ininterrompível e irreversível (DESSAUNE, “desvio produtivo do Consumidor”, 2011, p. 108) –, é mais que dinheiro, sendo também (qualidade de) vida, liberdade e dignidade. A tendência de especificação dos danos extrapatrimoniais (dano estético, dano pela perda de uma chance, biológico etc) e o crescente valor jurídico do tempo na sociedade pós-moderna aumenta o interesse social na tutela autônoma do tempo humano. Em 2005, o desembargador André Gustavo C. de Andrade (“Dano moral em caso de descumprimento de obrigação contratual”), defendeu que o tempo desperdiçado seria compensável como dano moral. Em seguida, Marcos Dessaune popularizou o tema na obra “Desvio Produtivo do Consumidor” (2011), porém assinalou que sem regulação jurídica própria, provavelmente, o desvio produtivo seria um “um mero ‘novo fato gerador de dano moral’” (p. 133-135). Em março de 2014, propôs-se a autonomia do dano temporal (MAIA, RDC 95) em relação ao dano moralpsicológico por força da especificidade do bem jurídico “tempo”. Em agosto de 2014, reconheceu-se a autonomia do dano temporal em relação ao dano moral no processo n. 0005804-43.2014.8.26.0297 (Jales-SP), abrindo-se caminho jurisprudencial para o debate. O dano temporal é lesão extrapatrimonial distinta do dano moral-psicológico, tutelando as especificidades do bem jurídico tempo, compensável graças ao “princípio da reparação integral” (ver obra homônima de SANSEVERINO, 2010, p. 257 ss.) das lesões à integridade humana e da abertura semântica do sistema de responsabilidade civil. 5 RC - Proposição 1.5 Parte da legislação: Responsabilidade Civil (Código Civil) Artigo: 187 e 927, CC/2002 Enunciado proposto (resumo da proposição): A indenização compensatória por dano temporal ou cronológico – categoria lesiva autônoma de dano extrapatrimonial relacionada ao bem jurídico tempo –, pode ser cumulada com o pleito indenizatório de dano patrimonial e/ou compensatórios de outros danos de natureza extrapatrimonial quando, a partir do mesmo evento lesivo, outros bens jurídicos além do tempo tenham sido lesionados, tudo em conformidade com o princípio da reparação integral e da tutela da dignidade humana. Justificativa: O direito brasileiro passa por uma fase de especificação contínua dos danos extrapatrimoniais. Nesse ponto, exemplificativamente, cita-se o dano estético (Teresa Ancona Lopes, In: “Dano Estético”), o dano pela perda de uma chance (STJ, REsp 1.254.141/PR; REsp 1291247/RJ), o dano à vida de relação (vide: Paulo Sanseverino, “Princípio da reparação integral: Indenização no Código Civil”, p. 301 ss). Em decorrência da incipiência da categoria lesivo-temporal, podem surgir dúvidas acerca de sua cumulabilidade com outras formas de dano extrapatrimonial ou mesmo com o dano patrimonial. Pois bem, relembra-se que o dano estético – após anos de amadurecimento da discussão –, foi reconhecido não somente como categoria autônoma e ainda foi aceita sua cumulabilidade via enunciado sumular: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral” (Enunciado Sumular n. 387/STJ). Na mesma esteira interpretativa, o dano temporal poderá ser cumulado com outras categorias de dano extrapatrimonial decorrentes do mesmo evento lesivo, quando as consequências atingirem múltiplos bens jurídicos (ex.: tempo, moral-psique, patrimônio, chance etc). Ou seja, se um mesmo evento lesivo causar dano temporal, patrimonial e/ou moralpsicológico (entre outras categorias extrapatrimoniais), nada impede a cumulação de pleitos compensatórios em nome do princípio da reparação integral dos danos suportados pela dignidade de integridade humana. 6 RC - Proposição 1.6 Parte da legislação: Código Civil, Parte Especial, Livro I, Tít. V, Dos contratos em geral. Artigo: 422. Enunciado proposto (resumo da proposição): “O interesse negativo, na responsabilidade civil pré-contratual, é limitado ao dano positivo, que resultaria da inexecução do contrato.” Justificativa: Fundamento teórico: Teoria da culpa in contrahendo e a do Dano da confiança. O novo Código Civil não recepcionou uma fórmula para tratar da responsabilidade na fase das negociações dos contratos. A expressão normativa utilizada para designar a atuação da responsabilidade contratual é a do art. 422. Tal dispositivo, com formato de cláusula geral, faz menção expressa às hipóteses de conclusão e execução do contrato. Reconheceu-se, porém, no art. 422, uma forma de expressar a responsabilidade civil pré-contratual, através do Enunciado n° 25 da I Jornada de Direito Civil, mas não se tem referência quanto à extensão do dano. A noção de interesse contratual negativo permitiu como melhor compreender e situar o limite do dano na fase de negociação. No caso, o interesse negativo não se confunde com o dano positivo, que decorre da inexecução do contrato. A questão controvertida que se coloca, e não é resolvida de forma normativa, diz respeito à possibilidade do ressarcimento com base no interesse negativo superar o seu equivalente positivo. O próprio Jhering afirmara que uma pretensão ao ressarcimento por dano na culpa in contrahendo não poderia ser superior àquilo que se conseguiria com a execução do contrato. O entendimento que prevalece é no sentido de reconhecer a responsabilidade apenas do interesse negativo, já que o que se pretende aqui, com a reparação, é compensar o prejudicado decepcionado com o negócio frustrado e tal compensação não guarda nenhuma relação com o objeto do contrato não estabelecido, que constitui a prestação principal e, como não chegou a se estabelecer, não pode ser incluída no montante do dano. 7 RC - Proposição 1.7 Parte da legislação: Código Civil e Lei de Propriedade Intelectual (nº9297-96). Artigo: Art. 422 do Código Civil. Enunciado proposto (resumo da proposição): Não se caracteriza como dano moral de per se o atraso ou o não pagamento de prestações correspondentes, pelo exercício da defesa das instituições de seguridade social e de previdência, pública ou privada, no qual se questiona, por desconhecimento ou dúvida, a qualidade de beneficiário. Justificativa: O pagamento das prestações de seguridade social e previdenciárias se submete ao preenchimento dos requisitos legais e contratuais, dentre entre eles a comprovação da qualidade de beneficiário do destinatário de tais pagamentos. Persistindo eventuais questionamentos quanto a essa qualidade de beneficiário, está justificado que as instituições de seguridade social e de previdência, pública ou privada, por dever diligência com os valores sob sua guarda, não procedam ao pagamento até que seja ultimada a devida averiguação do preenchimento desse requisito. Por decorrência lógica dessas premissas, tais instituições não incorrem em nenhuma agressão aos interesses psico-físicos do segurado e ou à dignidade da pessoa humana ao protelar ou não efetuar os pagamentos das prestações correspondentes, pois está fazendo uso de uma prerrogativa inerente às suas atribuições. 8 RC - Proposição 1.8 Parte da legislação: Responsabilidade Civil Artigo: 884 e 886 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): Constitui enriquecimento sem causa, assim definido no art. 884 do Código Civil, qualquer invasão na esfera jurídica de outrem que tenha como efeito direito e imediato a geração de riqueza para o ofensor. O lucro que o ilícito gera para o ofensor têm natureza jurídica distinta do dano por este causado ao lesado. Assim, a compensação a que se refere o art. 886 do CC somente ocorre quando, além da reparação do dano e retorno do lesado ao status quo ante, este, de algum modo recebeu parte significativa do lucro gerado pela lesão sofrida. Justificativa: O lucro gerado pela invasão na esfera jurídica de outrem não deve ser absorvido pelo ofensor, sendo da essência do enriquecimento sem causa a sua imediata restituição ao lesado, independentemente do dano moral ou material que do ilícito tenha advindo. Não se ajusta à lógica do sistema jurídico, pautado pelo respeito à boa fé e à função social do contrato e pela prevenção ilícito, que, em situações dessa natureza, em função de, ao lesado garantir-se a indenização pelo dano sofrido, possa o ofensor reter para si todo o proveito econômico gerado pela afronta ao direito de outrem. Caso contrário, estaria o artigo 886 do Código Civil, instituindo um direito de opção: cumprir a lei ou descumprila mediante o pagamento apenas da indenização pelo dano causado, retendo consigo todo o lucro que dessa lesão possa eventualmente advir. 9 RC - Proposição 1.9 Parte da legislação: Código Civil de 2002 Artigo: 927 Enunciado proposto (resumo da proposição): O dano à imagem restará configurado quando presente a utilização indevida deste bem jurídico, independentemente da concomitante lesão a outro direito da personalidade, sendo dispensável a prova do prejuízo do lesado ou do lucro do ofensor para a caracterização do dano moral por se tratar de modalidade in re ipsa. Justificativa: Ainda que o Código Civil aparentemente não tenha atribuído uma tutela autônoma ao direito à imagem, condicionando, salvo exceções, a possibilidade de sua compensação à concomitante lesão da honra de seu titular, este entendimento parece questionável, se analisado de acordo com as disposições constitucionais previstas no art. 5º, incisos V e X, que conferiram autonomia à compensação pelo dano à imagem. Na legalidade constitucional, torna-se necessário valorizar a vontade da pessoa humana, que deverá expressar o seu consentimento de forma expressa ou tácita, mas sempre inequivocamente. Conforme entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça, em regra, diante da violação do direito à imagem nascerá para o seu titular o direito à compensação pelo dano moral na modalidade in re ipsa. Nesta hipótese, não seria necessário prova concreta do prejuízo de ordem moral para a vítima e nem do efetivo lucro do ofensor, bastando a própria violação à exteriorização da personalidade da vítima. Neste sentido, conferir Maria Celina Bodin de Moraes em Danos à Pessoa Humana: uma leitura civil constitucional dos danos morais e o Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I, organizado por Gustavo Tepedino et al. Julgados selecionados: REsp 138.883, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 05.10.1998; ERESP 230.268/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 04.08.2003; REsp 794.586/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 21.03.2012; REsp 299.832/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 27.02.2013; REsp 1.432.324/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 04.02.2015. 10 RC - Proposição 1.10 Parte da legislação: DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR Artigo: 927 Enunciado proposto (resumo da proposição): O patrimônio do ofendido não pode funcionar como parâmetro para o arbitramento de indenização por dano extrapatrimonial, não podendo o quantum ser reduzido em função da baixa capacidade econômica da vítima. Justificativa: O modelo de responsabilidade civil por dano extrapatrimonial previsto no Código Civil atribuiu ao juiz ampla discricionariedade na fixação da indenização. Para tanto, deverá ele se valer de critérios previstos no Código - extensão do dano (artigo 944), grau de culpa do ofensor (artigo 944, parágrafo único) e culpa concorrente da vítima (artigo 945); e outros, sugeridos pela doutrina, que tenham em vista o objetivo pedagógico, punitivo e desestimulante da indenização. No exercício deste arbitramento, não pode o magistrado valer-se da condição econômica do ofendido, sob pena de atribuir menor indenização àqueles que detenham menor patrimônio. Este entendimento violaria o princípio da reparação integral, pois permite fixar indenizações desproporcionais ao dano causado; afrontaria o princípio da igualdade (artigo 5º, caput, Constituição Federal), pois introduz critério discriminatório no cálculo do quantum indenizatório; e não se revela compatível com a cláusula constitucional de proteção da dignidade humana. Ademais, ao receber indenização, não há, em rigor técnico, enriquecimento sem causa por parte da vítima (artigo 884). A exclusão do critério da capacidade econômica da vítima, todavia, não exclui a obrigação de fixar a indenização de modo proporcional e razoável. 11 RC - Proposição 1.11 Parte da legislação: DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR Artigo: 927 Enunciado proposto (resumo da proposição): A indenização pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitido o ressarcimento in natura, na forma de retratação pública ou outro meio, desde que requerido pelo ofendido. Justificativa: Não há, no Código Civil, norma que imponha a indenização pecuniária como meio exclusivo para reparação do dano extrapatrimonial. Causado dano desta natureza, nasce para o ofensor a obrigação de reparar (artigo 927), o que deverá ocorrer na forma de uma compensação em dinheiro e/ou de ressarcimento in natura, conforme tem admitido a doutrina (por todos: SCHREIBER, Anderson. Reparação Não-Pecuniária dos Danos Morais. In: Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin (Org.). Pensamento crítico do Direito Civil brasileiro. Curitiba: Juruá Editora, 2011). No plano constitucional, tal entendimento revela-se compatível com o quanto dispõe o art. 5º, inciso V, que, dirigido ao ofendido, assegura o direito de resposta, além de indenização em função do dano causado. Por último, o ressarcimento in natura revela-se compatível com uma lógica de despatrimonialização da responsabilidade civil, de modo a garantir ao ofendido a reparação integral do dano, o que nem sempre é alcançado mediante simples pagamento em dinheiro. 12 RC - Proposição 1.12 Parte da legislação: Direito das Obrigações Artigo: 927, parágrafo único Enunciado proposto (resumo da proposição): Considerando que a circulação de veículos é uma atividade que, por sua natureza, implica risco para os direitos de outrem, responde o seu condutor de forma objetiva pelos danos causados. Sua responsabilidade, porém, é excluída pelas causas normais de exclusão do nexo de causalidade, como força maior, fortuito externo, fato de terceiro e fato exclusivo da vítima. Justificativa: Apesar de se tratar de atividade lícita e útil, a circulação de veículos implica notáveis riscos para todos, haja vista as mais de 50.000 mortes no trânsito a cada ano, só no Brasil. Assim, é razoável imputar-se a quem cria tais riscos, a responsabilidade pela reparação dos danos concretizados, independentemente de culpa, tal como acontece na maioria dos países europeus. O fato de se tratar de responsabilidade objetiva, porém, não significa que o proprietário/condutor do veículo seja sempre responsável, pois as causas normais de exclusão da causalidade também afastam o dever de reparar os danos, como é o caso da força maior, o fortuito externo, o fato de terceiro e o fato exclusivo da vítima. Assim, se um condutor sofre mal súbito, perde o controle do veículo e atropela um transeunte, deve reparar os danos resultantes, mesmo que não tenha havido com culpa (fortuito interno). Já outro condutor que, dirigindo prudentemente, vem a atropelar um pedestre que repentinamente atravessa correndo a pista, colocando-se na trajetória do veículo, não responde pelos danos causados. A exclusão da responsabilidade se daria não por ausência de culpa, mas por exclusão do nexo de causalidade. Não se ignora a opinião quase unânime que ainda prevalece no sentido de que a expressão “atividade”, constante deste dispositivo, deveria ser interpretada no sentido de atividade empresarial ou assemelhada. Todavia, aceita a ideia de que a responsabilidade civil moderna procura proteger as vítimas e não punir o causador dos danos, penso estarmos maduros para ampliar a exegese do referido dispositivo legal. 13 RC - Proposição 1.13 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 927, parágrafo único Enunciado proposto (resumo da proposição): A responsabilidade civil do provedor Internet pelos danos à pessoa humana nas redes sociais é objetiva, por envolver atividade de risco, consistindo a notificação do provedor em condição de procedibilidade. Justificativa: Em face da rede social, que trava relações de hospedagem dos dados fornecidos pelo usuário, incide o regime de responsabilidade civil objetiva, pela atividade de risco, seja pelo Código Civil ou pelo Código de Defesa do Consumidor. A referência à responsabilidade subjetiva pressupõe um erro de conduta, consistente em negligência ou imprudência, incompatíveis com a segurança das informações que transitam na Internet. Afirma Bruno Miragem (Responsabilidade por danos na sociedade da informação e proteção do consumidor: defesas atuais da regulação jurídica da Internet. Revista de Direito do Consumidor. n. 70. Abr-jun./2009. p. 51 ) que , mesmo nas relações privadas que não sejam de consumo, regidas pelo Código Civil, a atividade habitualmente desenvolvida é capaz por si só de ocasionar a responsabilidade por risco da atividade, nos termos do parágrafo único do art. 927 do Código Civil”. Assim decidiu o STJ no REsp 1117633-RO, 2ª t, j.09.03.2010, rel.Min.Antonio Herman Benjamin) e no REsp 1.175.675-RS(4ª t, j.09.08.2011). No mesmo sentido, a doutrina de Guilherme Magalhães Martins ( Responsabilidade civil por acidente de consumo na Internet. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.368. ) A notificação do provedor Internet, prevista no art. 19 da Lei 12.965/14, constitui mera condição de procedibilidade, para as ações de reparação de danos movidas em face daqueles prestadores, não implicando um juízo de valor ensejador de culpa. 14 RC - Proposição 1.14 Parte da legislação: Código Civil/2002 Artigo: Art. 927, caput Enunciado proposto (resumo da proposição): Configura-se indenizável a violação verificável ao “projeto de vida” individual, consubstanciado na perda arbitrária, ou grave comprometimento, das expectativas legitimamente alcançáveis pela pessoa humana no exercício de suas liberdades fundamentais, em consonância com princípio da confiança. Justificativa: Extraível do julgamento do caso Loayza Tamayo vs. Peru pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – CorteIDH (1998), o conceito de “Projeto de Vida” distingue-se das concepções de “lucro cessante” e de “dano emergente”, na medida em que se vincula diretamente à realização integral da pessoa ofendida, considerando sua vocação, aptidões, circunstâncias, potencialidades e aspirações, que lhe permitam estabelecer razoavelmente determinadas expectativas e alcançá-las. Seu fundamento situa-se, portanto, na dignidade da pessoa humana e em seu espaço legítimo de autodeterminação (SCHÄFER; MACHADO, A reparação do dano..., 2013), em consonância com diversos julgamentos da CorteIDH (v.g.: Cantoral Benavides vs. Perú, 2001; Gelman vs. Uruguay, 2011). Nesse aspecto, cumpre destacar a necessidade de harmonização normativa entre o vigente Código Civil (2002) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), especialmente em face de precedente do c. Supremo Tribunal Federal que qualifica o citado tratado internacional protetivo de direitos humanos na condição de norma interna supralegal (RE-349.703/RS). No âmbito da jurisprudência nacional, a concepção jurídica do “projeto de vida” encontra substrato perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal em julgamento de questões vinculadas à união homoafetiva (RESP-1.183.378/RS; RE477.554/MG) e à paternidade (RESP-922.462/SP; RE-363.889/DF), sempre em conexão com a perspectiva jurídico-axiológica de caráter dinâmico e duradouro da dignidade da pessoa humana. 15 RC - Proposição 1.15 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 927 Enunciado proposto (resumo da proposição): São válidas as cláusulas de não-indenizar nas associações civis, salvo nas hipóteses de dolo, morte, lesão grave, danos extrapatrimoniais ou contrariar normas de ordem púbilca. Justificativa: A previsão de normas internas de não indenizar nas associações civis (fruto da autonomia da associação e vontade vinculante de seus associados) são perfeitamente lícitas e acarretam a irresponsabilização do entidade associativa segundo entendimento do STJ abaixo: “Clube social. Furto. Validade da cláusula estatutária que estabelece não responder o clube por furto de bens do associado que ocorra em suas dependências. Respeito à autonomia da vontade, uma vez inexistente ofensa a norma jurídica, cuja observância seja inarredável, ou a algum princípio ético”. (STJ – RESP 86.137-SP – 3a T. – Rel. Min. Eduardo Ribeiro – DJ 24/03/98). Diante disto, a princípio, as cláusulas de não-indenizar ou excludentes de responsabilidade previstas nos estatutos sociais das associações são lícitas, notadamente quando tratar de questões eminentemente patrimoniais. Apesar desta licitude a priori das cláusulas de não-indenizar nas associações civis, existem limites para a validade das mesmas. São inválidas as cláusulas de não indenizar que prevejam exclusão de responsabilidade em caso de dolo, morte e lesão grave, danos extrapatrimoniais ou contrariedade a normas de ordem pública. 16 RC - Proposição 1.16 Parte da legislação: Responsabilidade Civil. Da obrigação de indenizar (arts. 927 a 954 do Código Civil). Artigo: 927 e 187 do Código Civil. Enunciado proposto (resumo da proposição): O art. 187 do CC pode ser aplicado para o abuso praticado no âmbito do processo, a gerar a correspondente responsabilidade civil do agente (art. 927 do CC). Justificativa: Em Jornadas anteriores existiram tentativas de aprovação de enunciado tratando do abuso praticado no âmbito do processo civil, todas sem sucesso (III, IV e V Jornadas). Todavia, tendo em vista a emergência do Novo Código de Processo Civil, que consagra a boa-fé objetiva em vários de seus dispositivos, passa a ser ainda mais imperiosa a necessidade de uma ementa doutrinária sobre o tema. Cabe apontar que julgado recente do Superior Tribunal de Justiça bem aplicou a responsabilidade civil decorrente do abuso no âmbito processual. Conforme o aresto, “o ato ilícito é um gênero do qual são espécies as disposições insertas nos arts. 186 (violação do direito alheio) e 187 (abuso de direito próprio) do CC. Ambas as espécies se identificam por uma consequência comum, indicada no art. 927, ou seja, a reparação. Havendo excesso quanto ao limite imposto pelo fim econômico ou social do direito exercido, pela boa-fé ou pelos bons costumes, está caracterizado o abuso de direito. Nas hipóteses específicas de execução, o CPC traz regra segundo a qual ‘o credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução’ (art. 574). Esse dispositivo, de natureza idêntica ao art. 187 do CC, pois ambos visam ao ressarcimento na hipótese de danos decorrentes de abuso de direito, é utilizado em casos de emprego abusivo da ação executiva"” (STJ, REsp 1.245.712/MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 11.03.2014). A proposta é direta e objetiva, não oferecendo qualquer risco para a tutela do acesso à justiça. 17 RC - Proposição 1.17 Parte da legislação: CC - Responsabilidade Civil Artigo: 927, parágrafo único e 944, caput e parágrafo único Enunciado proposto (resumo da proposição): O principio da reparação integral constitui o parâmetro essencial para a fixação da indenizaçãdo por dano material, entretanto, no que respeita à responsabilidade fundada no risco da atividade desenvolvida pelo causador do dano, é essencial que o julgador, em face do disposto no parágrafo único do art. 944 do CC, analise se houve, também, ação ou omissão culposa antes de fixar a indenização. Como a responsabilidade civil cumpre uma função essencial de prevenção do ilícito, constituiria um estímulo à negligência ou imprudência de quantos desenvolvem atividades potencialmente de risco, não pudessem ser favorecidos com a redução equitativa da indenização fixada, quando for manifesto ser o dano resultado absoluto do risco da atividade, sem contribuição culposa, ainda que mínima, para o resultado danoso. Justificativa: Dentre as funções da responsabilidade civil sobressai a prevenção do ilícito e a solidariedade social, o que garante ao lesado a plena reparação dos danos sofridos. A cláusula geral de responsabilidade objetiva potencializa o cumprimento dessas funções e põe o dano no centro do sistema. É imperioso, contudo, que não se perca de vista que, quanto maior o risco da atividade, mais numerosos devem ser os deveres de cuidado adotados. Portanto, sobrevindo o dano material, atuará como forte estímulo para a adoção desses deveres, em certa pedida eficientes, que os que desenvolvem atividade de risco sejam beneficiados por uma redução equitativa da indenização. A culpa mínima, conjugada ao exercício de uma atividade lícita, porém de risco, deve justificar uma indenização equilibrada, contudo, sem desprendimento do interesse maior que é a recomposição da situação jurídica do lesado. A redução equitativa, pressupõe, essencialmente, demonstre o ofensor que a prevenção foi o norte principal da sua atividade e que o dano sobreveio, pura e simplesmente do risco e da imprevisibilidade dos fatos da vida, não de uma aposta vazia na sorte ou na fatalidade. Portanto, sendo a reparação integral fundamento essencial do sistema de responsabilidade civil objetiva, a regra de exceção prevista no parágrafo único do art. 944 do CC deve ser utilizada para enaltecer e premiar os bons, os zelosos, os que apostam na prevenção, mas são sorteados para reparar o dano gerado na loteria do risco. 18 RC - Proposição 1.18 Parte da legislação: Da responsabilidade civil; Da indenização Artigo: Art. 927, Art. 944 e Art. 945. Enunciado proposto (resumo da proposição): A fixação da indenização devida nos casos de responsabilidade civil objetiva deverá ser realizada equitativamente, observando-se as circunstâncias concretas e de acordo com múltiplos parâmetros como, dentre outros, a culpabilidade das partes e a relação pessoal de causalidade com o evento danoso. Justificativa: No direito civil contemporâneo o princípio da reparação integral, norma regente do procedimento de fixação da indenização devida, não implica absoluta equivalência entre dano real e dano indenizável, inclusive no que concerne aos casos de responsabilidade civil objetiva. No contexto das Jornadas de Direito Civil, mesmo, nota-se esta orientação a partir de interpretação do enunciado 459, que trata da repercussão do nexo de causalidade nos casos de responsabilidade civil objetiva. A responsabilidade civil objetiva nasceu sob o signo da equidade, visando sanar deficiências do modelo subjetivo identificadas principalmente nas relações assimétricas, como entre Poder Público e cidadão, na de emprego ou na de consumo. Quando o Código Civil institui cláusula geral de responsabilidade civil objetiva, abre-se um novo campo, muito próprio, que é o da responsabilidade objetiva na relação paritária, entre pessoas que se relacionam sem subordinação de qualquer natureza. Na responsabilidade civil objetiva observa-se a independência do vínculo de responsabilidade de qualquer juízo acerca da ilicitude da conduta do responsável, a quem é atribuído o dever de indenizar com base em critérios de política legislativa. Advoga-se a necessidade de formulação de regime próprio de fixação da indenização nas hipóteses de responsabilidade objetiva, orientado pelo princípio da equidade, que operaria como critério metodológico para seleção de parâmetros materiais de avaliação da relação entre as partes, visando o arbitramento justo da indenização, modelo semelhante ao aplicado na fixação da compensação devida em razão de dano moral. 19 RC - Proposição 1.19 Parte da legislação: Título IX da Responsabilidade Civil – Capítulo I – Obrigação de indenizar Artigo: 931 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): O art. 931 aplica-se aos produtos com periculosidade inerente em qualquer relação jurídica, independentemente de haver defeito nos referidos produtos postos em circulação no mercado pelos empresários individuais e pelas sociedades empresárias. Justificativa: O art. 931 do CC traz uma hipótese de responsabilidade valorada pelo critério objetivo no sistema brasileiro, ampliando o sentido de fato do produto posto no art. 12 do CDC, sem com ele conflitar (Enunciados CJF 42 e 190), bem como incide nos casos de risco do desenvolvimento (Enunciado CJF 43) em qualquer relação jurídica (Enunciado CJF 378). Os casos abarcados pelo art. 931 são atingidos pelas excludentes do critério objetivo de valoração da responsabilidade (Enunciado 562). Essa responsabilidade dos empresários individuais e das sociedades empresárias que colocam produtos em circulação no mercado independe de defeito no produto, cujo risco está vinculado ao empreendimento ou a atividade. Nessa linha, o art. 931 se aplica aos produtos com periculosidade inerente ou latente (unavoidably unsafe product or servisse) colocados no mercado pelos empresários individuais e pelas sociedades empresárias. Para Herman Benjamin esses produtos “trazem um risco intrínseco atado a sua própria qualidade ou modo de funcionamento” (BEJAMIN, Antônio Herman; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo R. Manual de direito do consumidor. 4.ed. São Paulo: RT, 2012, p. 151), como as facas, cordas, sacos, travesseiros, os cigarros, as armas, entre outros, inclusive pelo fato de poderem trazer riscos desconhecidos por quem o adquire, como nos casos de medicamentos e agrotóxicos. Para ser considerado com periculosidade inerente, esta deve ser normal em relação ao produto e previsível (em relação a quem adquire), a fortalecer o dever de informação daquele os empresários e das sociedades empresárias no mercado acerca dos produtos por eles postos em circulação. 20 RC - Proposição 1.20 Parte da legislação: Responsabilidade Civil Artigo: 931 Enunciado proposto (resumo da proposição): O Art. 931 não é repetição e não se confunde com a disposição do Art. 12 do CDC, pois estabelece um modelo de responsabilidade das empresas e dos empresários pelos produtos postos em circulação independentemente do reconhecimento da relação de consumo. Justificativa: O Art. 12 do CDC estabelece um modelo de responsabilidade civil destinado à responsabilidade pelo fato de produto, porém tal responsabilidade é destinada às relações de consumo. O Art. 931 é mais abrangente, porque destina-se à responsabilidade civil pelos danos de produtos postos em circulação. No entanto, como o próprio dispositivo refere, é direcionado aos casos de responsabilidade objetiva para além das situações previstas em lei, por isso, pode ser aplicado em virtude dos danos decorrentes de produtos nas relações que o empresário estabelece com outros empresários ou com qualquer pessoa, sem que seja necessária a relação de consumo. Com o dispositivo, perde espaço a necessidade de demonstrar, muitas vezes de maneira artificial, a existência de uma relação de consumo, porque o próprio dispositivo trata de uma modalidade de responsabilidade objetiva para os casos de fato de produto para além dos casos previstos no CDC. Mesmo nas relações empresariais em que o comprador ou o destinatário do produto não controla o processo produtivo de um insumo ou um produto de uso industrial, ainda assim poderá responsabilizar o fabricante com fundamento no Art. 931. Se o produto causar dano ao adquirente, impõe-se a responsabilidade do empresário ou da empresa que fornece o produto com fundamento no Art. 931 (a jurisprudência pátria, ainda que de maneira tímida, confirma o posicionamento Apl. 00055687320088260565 TJSP, Apl. 70064376981 TJRS, Apel. 70058820853 TJRS). O enunciado visa evitar a aplicação alargada e equivocada do CDC para casos regulados no Código Civil. 21 RC - Proposição 1.21 Parte da legislação: Responsabilidade Civil Artigo: 931 Enunciado proposto (resumo da proposição): O fabricante responde pelos danos provocados pelos produtos que coloca em circulação nos termos do Art. 931. Não há responsabilidade solidária entre o fabricante e o empresário que somente revende o produto. Justificativa: O Art. 931 estabelece a responsabilidade civil objetiva do empresário individual e das empresas pelos danos decorrentes de produtos postos em circulação, sem contudo fazer a distinção entre a atividade exercida pelo empresário (comerciante ou fabricante). A omissão pode acarretar equívocos, pois uma interpretação literal poderia sugerir que fabricante comerciante são responsáveis solidários. A interpretação acarretaria um modelo de responsabilidade civil nas relações comerciais mais severo do que o previsto no próprio CDC, que é destinado à proteção do consumidor (no CDC a responsabilidade do comerciante é subsidiária). A norma do Art. 931 do CCB é dirigida ao fabricante, pois o comerciante não detém o conhecimento técnico sobre o produto; em geral, recebe os produtos em embalagens lacradas e por isso não tem como controlar, prever ou prevenir as suas consequências danosas, tampouco tem condições de alterar ou controlar as técnicas de fabricação. O fabricante é o “titular do processo produtivo segundo o qual, o produto é idealizado ou concebido e fabricado” (Calvão da Silva, 2008, p. 129) e por isso tem condições de controlar o perigo e prevenir os danos potenciais do produto, podendo, suportar as consequências danosas, através de uma distribuição equitativa do risco para eventual reparação do dano. A responsabilidade pelo fato do produto é naturalmente do fabricante e somente excepcionalmente deve ser dirigida ao comerciante. O enunciado visa evitar o equívoco de vincular o comerciante à responsabilidade civil pelo fato do produto com base no Art. 931 (Apl. 70058820853 TJRS, TJ-SP - AI: 00491604320138260000). 22 RC - Proposição 1.22 Parte da legislação: Da Obrigação de Indenizar Artigo: 932, III, do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): A responsabilidade civil reparatória do empregador pelos atos de seus empregados e ou prepostos deve decorrer da comprovada relação de causa entre a prática do ilícito e orientações ou exigências fornecidas pelo próprio empregador. Para que a responsabilização civil ganhe mobilidade vertical em um contexto hierárquico, deve ficar demonstrado que o ato ilícito necessariamente decorreu de atitudes (ativas ou passivas) daquele não diretamente envolvido em sua prática, ainda que para isso se considere a inversão do onus probandi. Justificativa: Tornou-se comum a responsabilização civil indenizatória de empregadores por atos ilícitos praticados por seus funcionários, independentemente da análise do contexto que os motivou. Essa interpretação adere ao entendimento de uma mobilidade vertical na categorização da responsabilidade civil sem maiores critérios avaliativos, o que possibilita a responsabilização direta e automática de um empregador pelos atos de seus empregados quando praticados no exercício de sua função, ainda que esses atos decorram de uma postura particular e completamente discricionária do próprio funcionário. A relação causal entre o ato ilícito praticado e potenciais atitudes do empregador que o desencadearam deve restar provada, sob pena de se atribuir indevida responsabilidade civil a quem não contribuiu para o ilícito. De forma exemplificativa, admitir a responsabilidade de uma empresa em um acidente automobilístico por desatenção de seu funcionário emerge como correto quando se apura a imposição de uma pesada jornada de trabalho, mas se transfigura como errado quando se comprova que o “cenário laborativo” em que trabalhava o empregado em nada colaborou para tanto. Tendo em vista a maior facilidade do empregador para provar esses parâmetros de orientação e trabalho, ao magistrado cabe considerar a possibilidade, caso a caso, de inversão do ônus da prova. 23 RC - Proposição 1.23 Parte da legislação: Responsabilidade Civil por fato de terceiro. Artigo: CC, art. 932, inciso I. Enunciado proposto (resumo da proposição): O genitor que objetiva se eximir do dever de reparação de um ato praticado por seu filho menor não pode invocar em seu favor o fato de não possuir a guarda do mesmo, considerando caber a ele o dever legal de supervisionar os interesses do menor (art. 1.583, §5º do CC), ressalvadas as hipóteses de ocorrência de alienação parental. Justificativa: Sendo a responsabilidade dos pais pelos filhos menores calcada na teoria objetiva da responsabilidade civil (art. 933 do CC), conforme enunciado 450 da V Jornada de Direito Civil, o genitor que eventualmente não possuir a guarda do menor também deve, em regra, ser responsabilizado. Não cabe, portanto, a não atribuição do dever de reparação ao genitor que voluntariamente deixa de cumprir os deveres constitucionais (art. 229 da CF) e infraconstitucionais (e.g. art. 1.634 do CC) para com o menor, o que inclusive caracterizaria o benefício gerado da própria torpeza do ato de omissão. Ademais, deve-se excluir deste entendimento as situações em que o afastamento das obrigações familiares for decorrente de alienação parental, já que nestas hipóteses o genitor não deu causa à perda parcial ou total dos poderes-deveres inerentes ao exercício do poder familiar. 24 RC - Proposição 1.24 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 932, inciso I Enunciado proposto (resumo da proposição): A responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos menores prevista no artigo 932, inciso I, do Código Civil, não obstante objetiva, pressupõe a demonstração de que a conduta imputada ao menor, caso o fosse ao um agente imputável, seria entendida como culposa. Em outras palavras, a responsabilidade objetiva dos pais pressupõe a concorrência culposa do filho menor na causação do dano. Justificativa: A alteração do regime de responsabilidade dos pais pelos atos dos filhos menores foi uma das inovações do Código Civil de 2002, passando-se da culpa presumida para a imputação objetiva. Por isso, ao lado de outras situações relacionadas à responsabilidade por ato de terceiro, seu fundamento não mais reside na inobservância de um dever de vigilância, mas na necessidade “de se garantir ressarcimento à vítima” (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, vol. II, p. 830). Não obstante esta necessidade, mas especialmente tendo em conta que não se trata de uma imputação que encontra propriamente o seu fundamento no exercício de uma atividade de risco, é que se exige parcimônia por parte do interprete no sentido de delimitar o alcance da sua abrangência. Em razão disso, a mais abalizada doutrina tem sustentado “que objetiva é a responsabilidade dos pais [...] e não das pessoas pelas quais são responsáveis”, de modo que, para a sua incidência, “será preciso a prova de uma situação que, em tese, em condições normais, configure a culpa do filho menor”, interpretando-se o dispositivo “no sentido de que, praticado o ato em condições de ser considerado culposo se nas mesmas condições tivesse sido praticado por pessoa imputável” (CAVALIERI FILHO, Programa de Responsabilidade Civil. 6ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 203). Se assim não for, chegar-se-ia ao extremo de uma mesma situação submeter-se a uma regra de imputação objetiva apenas porque cometida por um menor, quando não o seria se praticada por um imputável. Neste sentido inclina-se a jurisprudência do STJ, conforme se infere em REsp n.º 777327/RS, 3ª Turma, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 01/12/2009. 25 RC - Proposição 1.25 Parte da legislação: Código Civil de 2002 Artigo: 932, III, do Código Civil de 2002. Enunciado proposto (resumo da proposição): A instituição hospitalar privada responde, objetivamente, na forma do art. 932, III, do Código Civil, pelos atos culposos praticados por médicos integrantes de seu corpo clínico. Justificativa: Trata-se de proposta de alteração do Enunciado 191, aprovado durante a III Jornada de Direito Civil, a fim de que nele conste expressamente a indicação de que a responsabilidade hospitalar, na hipótese de incidência do art. 932, III, do Código Civil, é objetiva em relação àquele que expiou o dano. Tal proposta tem por objetivo afastar a interpretação, já adotada esporadicamente por alguns Tribunais, no sentido de que a responsabilidade civil do hospital dependeria da demonstração de culpa do profissional técnico por ela contratado. Tal entendimento assenta-se na premissa de que se não houver a demonstração de culpa do profissional, tendo ele agido corretamente, não haveria dano indenizável, pelo hospital. Todavia, tal posicionamento reduz, indevidamente, a aplicação da responsabilidade civil objetiva dos estabelecimentos hospitalares, especialmente porque a premissa não é necessariamente verdadeira, já que o art. 932, III, do Código Civil não submete a responsabilidade do empregador à demonstração de culpa do seu empregado e, ademais, pode conduzir à exclusão da teoria do risco do serviço prestado. 26 RC - Proposição 1.26 Parte da legislação: Capítulo I do Título IX do Código Civil Artigo: 932 Enunciado proposto (resumo da proposição): Os pais respondem solidariamente com a instituição de ensino pelos danos decorrentes de atos praticados por seus filhos menores no ambiente escolar, ressalvado eventual direito de regresso dos genitores em face da instituição. Justificativa: Conforme consolidado no enunciado 450 da V Jornada de Direito Civil e na jurisprudência majoritária dos tribunais superiores, a responsabilidade dos pais pelos atos danosos praticados por seus filhos menores decorre do exercício do poder familiar, não sendo exigível que, quando do momento da conduta, os filhos estejam na companhia de seus genitores. Nesse sentido posicionou-se a Quarta Turma do STJ no julgamento do REsp 1074937/MA, em 01/10/2009. Essa ampliação na interpretação do âmbito da responsabilidade civil decorre do fato de que o Código Civil de 2002 busca garantir maior proteção à vítima, possibilitando seu retorno ao status quo ante, mediante reparação integral. Tal assertiva resta comprovada ao se analisar a elevação dos casos de responsabilidade objetiva previstos no novel diploma legal (artigos 734; 927, parágrafo único; 931; 932; 933; 936; 937 e 938, todos do Código Civil), em especial seu artigo 187, que, ao qualificar o abuso de direito como ato ilícito, permite a responsabilização do titular desse direito independentemente de culpa. Portanto, em respeito à nova ótica da responsabilidade civil contemporânea, ao postulado da reparação integral e à ideia de que a responsabilização dos pais decorre do poder familiar, deve-se entender pela solidariedade entre os genitores e a instituição de ensino, pelos danos decorrentes de atos de seus filhos menores no ambiente escolar. Contudo, ressalva-se àqueles eventual direito de regresso em face desta, sempre que o dano advier de conduta culposa da instituição. 27 RC - Proposição 1.27 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Art. 932, I c/c 928 c/c 1.583 Enunciado proposto (resumo da proposição): Diante da guarda compartilhada, a responsabilidade civil por dano material é daqueles que estiverem com o menor em sua companhia. Justificativa: Necessária a interpretação extensiva do art. 932, I do Código Civil porque a guarda compartilhada pode ir além dos pais, como por exemplo com os avós e nesse caso, quando estiverem na companhia dos avós e estes menores praticarem algum dano, estes serão responsabilizados. Como exemplo de guarda compartilhada diferenciada podemos citar o seguinte REsp: CIVIL E PROCESSUAL. PEDIDO DE GUARDA COMPARTILHADA DE MENOR POR TIO E AVÓ PATERNOS. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. SITUAÇÃO QUE MELHOR ATENDE AO INTERESSE DA CRIANÇA. SITUAÇÃO FÁTICA JÁ EXISTENTE. CONCORDÂNCIA DA CRIANÇA E SEUS GENITORES. PARECER FAVORÁVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. A peculiaridade da situação dos autos, que retrata a longa co-habitação do menor com a avó e o tio paternos, desde os quatro meses de idade, os bons cuidados àquele dispensados, e a anuência dos genitores quanto à pretensão dos recorrentes, também endossada pelo Ministério Público Estadual, é recomendável, em benefício da criança, a concessão da guarda compartilhada. II. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1147138/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 11/05/2010, DJe 27/05/2010) 28 RC - Proposição 1.28 Parte da legislação: Responsabilidade Civil Artigo: CC, art. 934 Enunciado proposto (resumo da proposição): O direito de regresso previsto no art. 934 do Código Civil não se restringe às hipóteses do artigo 932. Justificativa: O CC, art. 934, procura disciplinar o direito de regresso daquele que indenizar a vítima, sem que seja o causador direto do dano e, pois, o obrigado principal. Trata-se de reconhecer a quem não causou diretamente o dano – mas mesmo assim é chamado a indenizar a vítima – o direito de cobrar do causador direto do dano e principal obrigado aquilo que houver pago à vítima a título de indenização. A parte final do artigo – referindo-se à relação de descendência entre o causador direto do dano e o pagador da indenização como uma excludente do direito de regresso – pode conduzir à crença de que a disposição se refira exclusivamente às hipóteses de responsabilidade indireta por fato de terceiros do art. 932, o que é reforçado pelo fato de que os artigos 933 e 934 estão em aparente “sintonia” funcional com o art. 932. Ocorre que o direito de regresso daquele que, chamado a indenizar por dano causado por terceiro, venha a pagar em lugar do causador direito do dano e principal devedor não se limita às hipóteses do CC, art. 932. A exemplo do que ocorre nas relações de consumo, na fiança, nas locações de veículos etc., pode eventual participante do fato econômico (que não haja causado dano, mas que obtenha proveito da transação) vir a ser chamado a responder, reconhecendo-se-lhe o direito a cobrar do causador direto e devedor principal aquilo que houver pago à vítima. O enunciado, portanto, procura conferir à disposição legal a interpretação que melhor define seu alcance, evitando uma indevida restrição de sua aplicabilidade às hipóteses do art. 932 do Código Civil. 29 RC - Proposição 1.29 Parte da legislação: Responsabilidade Civil e Criminal Artigo: 935 Enunciado proposto (resumo da proposição): A independência de que trata o artigo 935 se aplica na hipótese de julgamento do mérito por uma ou outra searas quando não seja afastada criminalmente a autoria ou a existência do fato. Quando a sentença criminal decidir pela não-autoria ou inexistência do fato, a atipicidade produzirá efeitos no âmbito cível. São aceitáveis divergências quanto ao enquadramento jurídico de fatos e atos, mas não pode haver dúvida quanto à ocorrência de um ou outro. Justificativa: Este enunciado é no sentido contrário à atual jurisprudência do STJ. No julgamento do REsp 1.484.286 o Recorrente foi condenado ao pagamento de perdas e danos decorrentes de acidente veicular a despeito de ter sido absolvido criminalmente por atipicidade. O Relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que a jurisprudência do STJ pela independência entre as justiças cível e criminal impunha que se ignorasse, ali, a ausência do reconhecimento de culpa em sede penal. Destacou, contudo, que sua opinião pessoal era pela alteração deste entendimento. Segundo o Ministro, em casos de atipicidade reconhecida na justiça criminal não se pode falar em responsabilidade porque não pode haver culpa onde não há autoria ou inexiste fato. Segundo o Ministro afirmou em sessão de julgamento, sem autoria não há que se falar em imperícia, imprudência, negligencia (culpa) ou dolo que justifiquem tanto a responsabilidade criminal quanto a civil. Este raciocínio exposto pelo Em. Ministro em sessão parece mais coerente do que o atual entendimento do STJ. Seria anomalia jurídica o reconhecimento de qualquer responsabilidade civil face a ação ou omissão não acontecidos ou que o magistrado criminal diga que um evento não aconteceu e o cível diga que sim. São aceitáveis divergências quanto ao enquadramento jurídico de fatos e atos, mas não pode haver dúvida quanto à ocorrência de um ou outro. 30 RC - Proposição 1.30 Parte da legislação: Responsabilidade Civil. Da obrigação de indenizar (arts. 927 a 954 do Código Civil). Artigo: 938 do Código Civil. Enunciado proposto (resumo da proposição): A responsabilidade civil tratada pelo art. 938 do CC é objetiva. Justificativa: Trata-se de proposta aprovada com unanimidade pela comissão de responsabilidade civil na VI Jornada de Direito Civil, mas vetada pelo plenário, por falta de compreensão da redação anterior. Assim, propõe-se nova redação, de forma mais direta e objetiva. O enunciado demonstra a superação do modelo de culpa presumida pelo Código Civil de 2002, tendo sido consagrada a responsabilidade objetiva pelo art. 938 do CC, diante de um risco criado pelo habitante do prédio. A proposta está baseada na melhor doutrina (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 637; GODOY, Cláudio Luiz Bueno. Código Civil comentado. Coord. Ministro Cezar Peluzo. São Paulo: Manole, 2007. p. 782; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 215-216; VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010. p. 893; ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Código Civil Anotado. São Paulo: Método, 2005, p. 406; GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 10ª Edição, 2012, p. 230). Da jurisprudência, concluindo pela responsabilidade objetiva em casos tais, por todos: TJMG, APCV 3004817-41.2009.8.13.0313, Rel. Des. Cabral da Silva, julgado em 17/07/2012, DJEMG 25/07/2012; TJRS, AC 13004-17.2011.8.21.7000, Passo Fundo, Nona Câmara Cível, Rel. Des. Leonel Pires Ohlweiler, Julg. 29/02/2012, DJERS 09/03/2012; TJSP, APL 9084673-60.2006.8.26.0000, Ac. 5530053, Santos, Vigésima Quinta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Vanderci Álvares, Julg. 26/10/2011). 31 RC - Proposição 1.31 Parte da legislação: Responsabilidade civil Artigo: 940 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): A cobrança judicial de obrigação alimentar comprovadamente paga, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, atrai a incidência da restituição em dobro prevista no art. 940 do Código Civil. Justificativa: A atribuição de valores à execução de alimentos, notadamente quando proposta pelo violento expediente da prisão civil, deve se pautar por um rigoroso detalhamento de cálculos, de modo a evitar que a liberdade do devedor seja restringida por valores não abrangidos pela obrigação alimentar remanescente. Ciente das consequências processuais da descuidada elaboração de cálculos, a incidência da cominação estatuída pelo art. 940 do Código Civil servirá de desestímulo ao credor que insiste em atribuir à execução valor que lhe seja mais favorável, na expectativa de que sua atitude não seja reprimida à luz da teoria da irrepetibilidade das verbas alimentares. 32 RC - Proposição 1.32 Parte da legislação: Título IX – Da Responsabildiade Civil, Cap. I – Da Obrigação de Indenizar Artigo: 940 Enunciado proposto (resumo da proposição): A penalidade do art. 940 do Código Civil se aplica também ao que demanda judicialmente por dívida que nunca existiu, e não apenas pelas dívidas pagas ou cobradas a maior. E, depois da entrada em vigor do CC/02, tendo sido demonstrado pelo devedor o pagamento parcial ou total, ou a inexistência da dívida, o dolo na cobrança indevida será presumido contra o cobrador, que para se eximir da penalidade deve provar a sua boa-fé ou o erro escusável. Justificativa: Pela vetusta jurisprudência do STF (súmula 159 do STF) e do STJ (p. ex.: REsp nº 1.964-RN, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, DJ 02.04.90) restou pacificado que, no caso do art. 1.531 do CC/16 (atual 940 do CC/02), era indispensável a prova pelo devedor de que o credor estaria com má-fé na sua demanda por dívida já paga ou em excesso. Essa orientação inutilizou a aplicação da penalidade no sistema individualista do CC/16 e está agora a ser inadvertidamente reproduzida sob a égide da nova sistemática civil, devendo, portanto, ser refeita a releitura do instituto do art. 940 do CC/02 orientada pelos princípios da socialidade, operabilidade e eticidade. Assim, feita essa releitura e com vistas à operabilidade do referido dispositivo, há que se reconhecer que ele versa sobre a cobrança judicial indevida perpetrada com má-fé ou erro inescusável de (i) dívidas quitadas totalmente; (ii) dívidas quitadas parcialmente; e (iii) dívidas que nunca existiram. A responsabilidade é subjetiva, mas com uma particularidade, pois compete ao credor a demonstração de que a sua cobrança colocada em dúvida pelo devedor não é de má-fé ou que seu erro seria escusável. Há, desse modo, uma presunção juris tantum contra o pretenso credor. O devedor deverá fazer prova apenas de eventual pagamento ou de que a cobrança é excessiva, mas não é possível lhe imputar o dever de provar a volição da parte adversa. 33 RC - Proposição 1.33 Parte da legislação: Código Civil de 2002 Artigo: 944 Enunciado proposto (resumo da proposição): Na quantificação do dano moral ocorrido no ambiente virtual deverá ser levada em consideração a facilidade com que o conteúdo lesivo pode ser transmitido e armazenado por terceiros, em nível global, o que tornaria remota a sua efetiva exclusão da rede. Justificativa: A facilidade com que as pessoas têm acesso a conteúdos íntimos e dados de terceiros no ambiente virtual vem provocando frequentes violações aos direitos da personalidade. Verifica-se que as diversas oportunidades de compartilhamento de conteúdo promovidas por determinados sites e aplicativos, bem como a extrema simplicidade para a criação de contas pessoais, grupos e postagens, acabam contribuindo com a divulgação e a exposição injustificada de bens e direitos de terceiros. Neste sentido, cf. o REsp 1.168.547. Em 2012, a Min. Nancy Andrighi salientou o interesse coletivo que envolve a controvérsia referente aos danos a direitos da personalidade nas redes sociais por conteúdo de terceiro, em razão de sua enorme difusão e da crescente utilização deste meio como artifício para a consecução de atividades ilegais (REsp 1.308.830). A preocupação mostra-se justa, tendo em vista que o espaço virtual permite a rápida expansão do dano, o que se mostra especialmente grave nos casos denominados de pornografia de vingança, hipóteses em que ocorre a divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado. De forma a tutelar integralmente a pessoa humana e garantir as funções preventiva e compensatória da responsabilidade civil, parece adequado que na quantificação do dano moral ocorrido no ambiente virtual seja levada em consideração, para elevar o valor da compensação, a facilidade com que o conteúdo lesivo pode ser transmitido e armazenado por terceiros, em nível global, o que tornaria difícil a sua efetiva exclusão e o restabelecimento do status quo ante. 34 RC - Proposição 1.34 Parte da legislação: Código Civil. Artigo: Art. 944. Enunciado proposto (resumo da proposição): Para a incidência do dever de indenizar do adquirente de imóvel desmatado, decorrente da responsabilidade civil ambiental, é dispensada a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta e o dano, uma vez que a obrigação tem natureza real. Ou seja, a posição de garantidor da preservação ambiental decorre automaticamente da relação de posse ou propriedade. Justificativa: Na verificação do dano ambiental dimana uma dificuldade para precisar qual foi a conduta poluente, a sua data e, ainda, o seu Autor. Por isso, para a efetividade da responsabilização por danos ao meio ambiente não basta lançar mão de sua sedimentada natureza objetiva, na modalidade de risco integral (fixada, por exemplo, no recurso especial repetitivo 1.354.536-SE, noticiado no informativo 538 do Superior Tribunal de Justiça). É preciso corroborar a sua incidência ao possuidor ou proprietário do bem - seja por aquisição originária ou derivada - tão somente pela comprovação do dano ambiental e a relação de posse ou propriedade, sendo dispensada a comprovação do nexo etiológico. Tal peculiaridade decorre de sua natureza real ou propter rem, que, em prol da efetiva tutela do bem jurídico difuso e tem o condão de tornar solidária a responsabilidade entre o causador do dano e o poluidor. O enunciado está em consonância com os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, Resp 1.056.540-GO, noticiado no Informativo 404 e Resp 1.179.316-SP. 35 RC - Proposição 1.35 Parte da legislação: Código Civil. Artigo: Art. 944. Enunciado proposto (resumo da proposição): A responsabilidade civil por dano ambiental público é imprescritível, uma vez que não há direito adquirido a poluir e o dano é renovado constantemente pelas condutas danosas permanentes ou instantâneas com efeitos permanentes. Justificativa: O enunciado vai ao encontro da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça de que as infrações ao meio ambiente são de caráter continuado, motivo pelo qual as ações de pretensão de cessação dos danos ambientais são imprescritíveis. Citese, por exemplo, o AgRg no REsp 1421163 / SP, julgado em 06/11/2014 36 RC - Proposição 1.36 Parte da legislação: Código Civil. Artigo: Art. 944. Enunciado proposto (resumo da proposição): A responsabilidade civil por dano ambiental tem natureza bifronte ou ambivalente. A indenização do dano ambiental público, ou dano social, pode assumir caráter punitivo, com finalidade pedagógica e dissuasória. O caráter corretivo da indenização por danos metaindividuais não gera enriquecimento sem causa, já que o valor da indenização é destinado à coletividade e concretiza o princípio da função social da responsabilidade civil. Justificativa: A doutrina e jurisprudência costumam mencionar a natureza bifronte do dano ambiental, como se vê, por exemplo, no Resp 1.374.284, julgado sob o rito do art. 543-C, e Resp 1.373.788. No recurso especial 1.354.536, julgado sob o rito dos recursos repetitivos fixou-se a tese de que o explorador de atividade econômica é alçado automaticamente à posição de garantidor da preservação ambiental. Tudo isso para possibilitar a equação econômica de internalização das externalidades negativas geradas por sua atividade, sendo irrelevante a consideração sobre a licitude de sua conduta. Nesse julgado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu, ainda, inadequado conferir à reparação civil do dano ambiental moral individual caráter punitivo imediato. Em interpretação contrario sensu o dano ambiental público, que tem caráter de dano social, admite caráter punitivo. O Professor Antônio Junqueira de Azevedo admite o caráter punitivo do dano social no artigo “Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social.”. Cumpre trazer à baila ainda o Enunciado 456, aprovado na V Jornada de Direito Civil do CJF, em que se reconheceu a existência do denominado dano social. O próprio Superior Tribunal de Justiça já admitiu sua existência, em obter dictum. Outro exemplo de dano social foi o caso de uma fraude ocorrida em um sistema de loterias, em que o TJ/RS, no Recurso Cível 71001281054. 37 RC - Proposição 1.37 Parte da legislação: Da Responsabilidade Civil – Dever de reparação civil integral para os atos de improbidade administrativa. Artigo: Art. 944, caput e parágrafo único do Código Civil combinado aos artigos 5º e 12, caput e incisos I, II e III da Lei nº 8.429, de 02.06.1992. Enunciado proposto (resumo da proposição): A reparação civil decorrente dos atos de improbidade administrativa deverá sempre ser integral, não se aplicando a regra excepcional do parágrafo único do art. 944 do Código Civil que considera o grau de culpa do agente infrator como elemento de dosagem da indenização. Justificativa: A exceção prevista no parágrafo único do art. 944 do Código Civil nos remete à importância do juízo de equidade, diante das circunstâncias que possam gerar conseqüências anormais no resultado do dano. Em se tratando de atos de improbidade administrativa, acentua-se a necessidade do diálogo entre as fontes (Código Civil e Lei de Improbidade Administrativa), na medida em que os agentes públicos condenados nas ações civis públicas por improbidade administrativa costumam veicular a proposição defensiva de redução dos valores a ressarcir, relacionando-os às avaliações mais favoráveis dos graus de reprovação de suas condutas. Contudo, a tese que defendemos, neste enunciado, é a de que, em se tratando de danos causados por atos de improbidade administrativa, tal alternativa deve ser descartada, pois sobreleva a importância do adequado ressarcimento ao Erário Público, o que, por si só, afasta o poder de disponibilidade do juízo a respeito de tais verbas públicas. Sendo assim, a reparação civil pelos danos causados, em decorrência dos atos de improbidade administrativa, deve ser integral, sejam as condutas lesivas tipificadas nos arts. 9º, 10º ou 11º da Lei de Improbidade Administrativa. Vale menção o que já foi decidido, por este Colegiado, a respeito do caráter pedagógico ou mesmo punitivo da responsabilidade civil, e que constou no Enunciado nº 379 da Jornada IV. Além disso, o próprio Enunciado 46 da Jornada I, retificado pelo Enunciado nº 380 da Jornada IV, deixa clara a importância do cuidado que devemos ter ao interpretar a redução da indenização ao princípio da reparação integral do dano. 38 RC - Proposição 1.38 Parte da legislação: Responsabilidade Civil (Código Civil) Artigo: 944, caput, e parágrafo único do artigo 953, ambos do CC/2002 Enunciado proposto (resumo da proposição): O dano temporal ou cronológico – por ser categoria lesiva autônoma e específica de dano extrapatrimonial –, deve ter sua compensação pecuniária fixada em base equitativa por arbitramento judicial a partir das peculiaridades do caso concreto e do postulado da proporcionalidade, aplicando-se, por analogia, o parágrafo único do artigo 953 do CC/2002, buscando razoabilidade e equilíbrio no valor compensatório a fim de evitar o enriquecimento sem causa, desestimular o desrespeito ao tempo humano alheio e ainda compensar a perda de tempo irrecuperável. Justificativa: Certamente, a “indenização mede-se pela extensão do dano” (art. 944, CC/2002). Porém, a doutrina e a jurisprudência sempre tiveram dificuldades para quantificar danos de natureza extrapatrimonial. Nesse contexto, a solução mais adequada para quantificação da compensação do dano temporal é indicada pela doutrina de Paulo de Tarso Vieira Sanseverino: “No Brasil (...) tem-se a regra específica do art. 953, parágrafo único, do CC/2002 (...) no caso de ofensa contra a honra. (...) Na falta de norma expressa, essa regra pode ser estendida, por analogia, às demais hipóteses de prejuízo sem conteúdo econômico” (In: Princípio da Reparação Integral, 2010, p. 281, g.n.). Assim, a compensação do dano temporal deve ocorrer por apreciação judicial equitativa conforme as peculiaridades do caso concreto. Não é recomendável a utilização do parâmetro “hora de trabalho”, sob o risco de converter o dano temporal – categoria extrapatrimonial que atinge bem irrepetível (o tempo) –, por via transversa, em mecanismo de obtenção de lucros cessantes, este sim eventualmente aferível por hora de trabalho desperdiçada. O dano temporal é desconectado de prejuízo material ou moral-psicológico, embora estes possam também decorrer do mesmo fato lesivo. Assim, a nova categoria lesiva do dano temporal – inconfundível com a perda da uma chance, com o dano moral e com lucro cessante, pois tutelam bens jurídicos diferentes –, deve levar em consideração a gravidade do abuso no desperdício de tempo alheio, a reincidência do agente e ser fixado por arbitramento equitativo nos mesmos moldes do dano moral, mutatis mutandis. 39 RC - Proposição 1.39 Parte da legislação: Parte Especial – Livro I – Do Direito das Obrigações – Título IX – Da Responsabilidade Civil Artigo: Arts. 944, caput e 948, II, do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): Em homenagem ao princípio da reparação integral do dano (art. 944, caput, CC), no caso de pluralidade de credores de pensão alimentar decorrente de homicídio (art. 948, II, CC), a cota do que faltar ou perder o direito acrescerá aos demais até que cesse o direito do último pensionista. Justificativa: Na liquidação do dano material, sob a ótica da reparação integral do dano em caso de homicídio, o inciso II do artigo 948 do Código Civil prevê que o responsável pela ofensa que ceifou a vida da vítima assuma a manutenção daqueles que guardavam relação de dependência com ela. De acordo com a situação fática, essa verba pode ser rateada em favor de vários credores sucessíveis entre si como, por exemplo, o cônjuge ou companheiro sobrevivente e seus filhos. Se um deles falecer, não se extinguirá o dever indenizatório. Na realidade, a cota do que faltar deve ser rateada entre os demais sobreviventes, pois na ótica de recompor no ofendido, a perda que sofreu, é pertinente presumir-se que se a vítima estivesse viva, a sua renda seria redistribuída entre os seus dependentes acaso um deles viesse a falecer. Sob tal premissa, nesse caso, parece correto admitir a existência de direito de acrescer em favor dos credores sobreviventes, somente se extinguindo o dever indenizatório quando cessar o direito do último pensionista como já se orientou o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.155.739/MG, sob a relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi. A despeito de pequena vacilação na aplicação dessa regra, entendemos pertinente a aprovação do enunciado que pode ser de grande valia aos magistrados no momento de estabelecer a liquidação de sentença. 40 RC - Proposição 1.40 Parte da legislação: Da Responsabilidade Civil – Da Indenização Artigo: Art. 949. Enunciado proposto (resumo da proposição): Quando a lesão for causada por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não, o ofensor indenizará o ofendido apenas nos valores não cobertos pelo seguro DPVAT. Justificativa: Em tempos hodiernos a vida nas cidades está cada vez mais ligada com a mobilidade urbana e a locomoção das pessoas. Neste viés, percebe-se que diariamente pessoas sofrem acidentes ocasionados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga. Tem vigência em nosso ordenamento jurídico a Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974, que dispõe sobre o seguro DPVAT. Nesta esteira, vale ressaltar que as pessoas que sofrem lesões em decorrência da situação acima apresentada são indenizadas na forma da Lei nº 6.194/74. Por vezes, o ofensor paga todo o tratamento e as despesas necessárias ao ofendido e depois, este, ingressa requerendo o seguro DPVAT pelo mesmo motivo, recebendo ao final, duas vezes. Assim, obrigar o ofensor a indenizar o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim de sua convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido, seria contribuir para que o ofendido se aproveitasse da situação e recebesse valores maiores do que os devidos, descaracterizando a boa-fé nas obrigações do nosso direito privado. Por esta razão, revela-se prudente, primeiro verificar o que será indenizado pelo seguro DPVAT, para, após, imputar a responsabilidade em indenizar para o ofensor, naquilo em que o referido seguro não alcançar, todavia, foi necessário para o restabelecimento do ofendido. 41 RC - Proposição 1.41 Parte da legislação: Direito das Obrigações, Título IX (DA RESPONSABILIDADE CIVIL), Capítulo II Artigo: Art. 950. Enunciado proposto (resumo da proposição): A hipótese prevista no art. 950 configura dano patrimonial. Consequentemente, caso a vítima exerça o direito potestativo previsto no parágrafo único do mesmo dispositivo legal, o valor do pensionamento deverá ser fixado equitativamente pelo juiz, de forma a representar o valor material do prejuízo, considerando inclusive o rendimento financeiro que o valor aplicado poderia render. Como regra, não deverá o arbitramento representar apenas o resultado da multiplicação dos valores mensais pelo número de meses indicados pela expectativa média de vida da vítima. Justificativa: Partindo da premissa de que o art. 950 disciplina hipótese de dano material, o princípio da reparação integral impõe que se observe seus limites inerentes, um dos quais é de que o valor da indenização não supere o valor do prejuízo. Receber um valor mensal ao longo dos anos tem um determinado significado econômico. Receber antecipadamente toda a soma dos valores mensais tem um significado econômico bastante distinto, quer para quem recebe, quer para quem paga. Exemplificativamente: um motorista de ônibus que receba R$2.000,00 de salário mensal sofre danos causados por outrem. Como resultado das lesões, tal motorista não mais pode dirigir ônibus, mas pode ser cobrador, cujo salário é de R$1.000,00. Seu prejuízo mensal, à luz do art. 950, é de R$1.000,00, que ele receberia em forma de pensionamento mensal ao longo de sua vida. Caso ele tivesse 30 anos de idade ao sofrer as lesões e se supusesse que ele teria uma expectativa de vida de 75 anos, e exercesse o direito potestativo previsto no parágrafo único, não seria o caso de simplesmente multiplicar R$1.000,00 por 520 (45 anos vezes 12 meses), pois somente com os rendimentos financeiros da aplicação de tal vultosa quantia ele teria um rendimento bastante superior aos mil reais. Além disso, ignora-se qual seria realmente a duração da vida da vítima. Daí porque é prudente que o juiz fixe o valor do capital a ser pago de uma só vez considerando todas essas variáveis. 42 RC - Proposição 1.42 Parte da legislação: Parte Especial – Livro I – Do Direito das Obrigações – Título IX – Da Responsabilidade Civil Artigo: Art. 951 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): A realização de cirurgia plástica estética ou embelezadora atrai para o médico uma obrigação de resultado. Diante da ocorrência do dano haverá presunção de culpa, cujo efeito é a inversão do ônus da prova. Justificativa: Há muito que a doutrina e jurisprudência majoritárias são concordes em admitir que a cirurgia plástica estética ou embelezadora acarreta para o médico uma obrigação de resultado ante a assunção do compromisso com o efeito embelezador prometido. Contudo, não nos parece correta a assertiva que já vimos em arestos e doutrina de que em razão de se tratar de obrigação de resultado, dispensada estaria a prova da culpa, somente se livrando o médico do dever de reparação se provar o rompimento do nexo causal como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, sob pena de se vulnerar os artigos 14, § 4º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, 186 e 951, do Código Civil que afastam a responsabilidade civil objetiva na hipótese de lesão perpetrada por profissional liberal. Desta forma, harmonizando a natureza da obrigação, as normas jurídicas apontadas, a dificuldade extremada da produção de prova segundo a ótica da culpa provada e a necessidade de se dar ao médico a possibilidade de provar a inexistência de erro médico, a melhor orientação é a que consta do enunciado, conforme se verificou, por exemplo, em acórdão da lavra do Ministro Luis Felipe Salomão publicado no Informativo nº 491/2012 (REsp nº 985.888/SP) e, mais recentemente, no Agravo Regimental em Recurso Especial nº 574.627-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Vieira Snseverino, julg. em 25/03/2015. 43 RC - Proposição 1.43 Parte da legislação: Responsabilidade Civil. Da obrigação de indenizar (arts. 927 a 954 do Código Civil). Artigo: 953 do CC Enunciado proposto (resumo da proposição): A interpretação do art. 953, parágrafo único, do Código Civil não pode conduzir à conclusão de que a reparação moral exclui a material, sendo cabível a cumulação de ambas as indenizações nos casos de crimes contra honra. Justificativa: Relativamente à indenização por injúria, difamação ou calúnia (crimes contra a honra), o art. 953 do Código Civil adota a possibilidade de reparação, podendo o dano atingir tanto a honra subjetiva quanto a honra objetiva da vítima. Na dicção do parágrafo único do dispositivo, caso o ofendido não possa provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização. Não pode existir dúvida sobre a plena cumulação dos danos materiais e morais em casos de lesões à honra, na linha da Súmula 37 do STJ. Como pontua Cláudio Bueno de Godoy "mesmo o CC/2002 ao prever uma indenização equitativa, no parágrafo do artigo presente, parece indicar uma indenização moral. Entretanto, vem bem a calhar a alteração proposta no Projeto de Lei 276/2007 para explicitar que 'a indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação dos danos materiais e morais que delas resultem ao ofendido'. E, como regra geral, fixada a indenização material de acordo com a extensão do prejuízo e a moral por arbitramento judicial" (GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Código Civil Comentado. Coord. Ministro Cezar Peluso. São Paulo: Manole, 4ª Edição, 2010, p. 956). Assim, plenamente justificada a proposta, afastando-se qualquer dúvida quanto à cumulação dupla de danos reparáveis nos casos expostos. 44 RC - Proposição 1.44 Parte da legislação: Responsabilidade Civil Artigo: CC, art. 953 e 954 Enunciado proposto (resumo da proposição): Nos artigos 953 e 954 do Código Civil, a ausência de prova a que se refere o legislador diz respeito à extensão do prejuízo, não à sua existência. Justificativa: A partir das expressões “Se o ofendido não puder provar prejuízo material” (CC, art. 953, p. ún.) e “se este não puder provar prejuízo” (CC, art. 954, caput), o legislador nos permite a seguinte pergunta: a ausência de prova mencionada nos artigos se refere à existência do prejuízo ou apenas a sua extensão? Assim redigido, o CC parece apontar para a existência do prejuízo, o que conduziria a resultados absurdos. No art. 953, o CC condiciona a indenização ao fato de não ter o autor conseguido provar “prejuízo material”. Ora, essa indenização equitativa, que deverá o juiz fixar caso o autor não consiga provar prejuízo material, é indenização por dano material ou moral? Se por prejuízo material, o juiz estará condenando por danos materiais sem prova da ocorrência de danos. Afinal, Se o autor não conseguiu provar (a existência de) danos materiais o juiz deveria julgar improcedente o pedido. A fixação de indenização, nesse caso, implica em admitir-se condenação sem prova do dano. Tratando-se de prejuízo moral, teremos uma subsidiariedade entre o dano material e o dano moral. Seria interpretar assim o dispositivo: “caso o autor não consiga provar prejuízo material, o juiz fixará equitativamente uma indenização por dano moral”. O enunciado, portanto, tem o objetivo de esclarecer que os arts. 953 e 954 do CC não autorizam condenação em indenização por danos materiais cuja existência não foi provada, referindo-se apenas à ausência de provas sobre a extensão do prejuízo material, permitindo ao juiz que, nesse caso, defina o valor da indenização por arbitramento, valendo-se da equidade como critério de decisão. 45 46 COMISSÃO PARTE GERAL RESPONSÁVEL: DES. ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA PG - Proposição 2.1 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 3 e 4 Enunciado proposto (resumo da proposição): Presume-se a capacidade civil das pessoas com deficiência, sendo exceção sua incapacidade (art. 84, § 3º e art. 85, § 2º, da Lei 13.146/15), a ser demonstrada por opinião multidisciplinar em processo judicial e limitadamente às situações jurídicas patrimoniais. Justifica-se a incapacidade excepcional do deficiente com base na isonomia constitucional (art. 3º, III, CF), sendo a curatela um instrumento para realizála, limitadamente aos atos previstos no art. 1.782 do CO. Justificativa: Verifica-se que a Lei 13.146/15 não pretende abolir a possibilidade de qualificar o deficiente mental como incapaz absoluta ou relativamente, embora, invertendo a lógica anterior, torne sua interdição medida excepcional e limitada a específicos atos patrimoniais, tal como autoriza o art. 84, § 1º, da Lei 13.146/15. Daí porque não constam mais no rol dos incapazes, como previam os artigos 3º, II, e 4º, II, do CO, embora esses dispositivos já condicionassem a incapacidade à inexistência do “necessário discernimento para a prática desses atos” (incapacidade absoluta) e ao “discernimento reduzido” (incapacidade relativa). Desse modo, embora incluído no rol dos incapazes, o deficiente com pleno discernimento para participar da vida civil era considerado capaz antes mesmo da referida reforma. Note-se que o art. 84, § 1º, do estatuto, autoriza, “quando necessário”, que a pessoa com deficiência seja submetida à curatela, limitadamente as situações patrimoniais, como complementa seu artigo 85. E sabe-se que a curatela é mecanismo de suprimento da incapacidade, a pressupor ausência de discernimento suficiente para atuar pessoalmente nos atos da vida civil. Admitir o deficiente mental necessariamente como capaz é atribuir autonomia a quem não tem o substrato da consciência para exercê-la, de modo que o deficiente desprovido de discernimento seria injustamente excluído da tutela diferenciada e protetiva do ordenamento, como é o caso da responsabilidade civil subsidiária (art. 928 do CO), da anulabilidade e nulidade dos atos que pratique (art. 171, I, CO; e art. 166, I, CO). 47 PG - Proposição 2.2 Parte da legislação: Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015 e Código Civil Artigo: 6º da lei nº 13.146/99 e arts. 3º e 4º do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): O art. 6º da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, estabelece presunção de validade de todos os atos da vida civil realizados pela pessoa com deficiência, o que justifica as alterações introduzidas nos arts. 3º e 4º do Código Civil. Justificativa: A lei 13.146, de 06.07.2015, tem como finalidade precípua não apenas a denominada inclusão das pessoas com deficiência, como também o reconhecimento da igualdade entre essas pessoas e aquelas outras que não tem deficiência que implique limitações ao exercício efetivo, concreto de sua vida física e emocional. Houve uma preocupação do legislador no sentido de assegurar a igualdade entre pessoas deficientes e não deficientes, determinando a superação dos obstáculos a essa igualdade, seja mediante a utilização de equipamentos físicos padronizados, seja assegurando instrumentos jurídicos voltados para a verificação da vontade do deficiente. Entre eles, a decisão apoiada. É com este norte – o de estabelecer a igualdade – que se deve ler e interpretar o texto da referida lei. No caput do art. 6º consta que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa. Deduz-se daqui a presunção de validade de todos os atos da vida civil por ela praticados, hipótese confirmada pela modificação introduzida por essa lei nos arts. 3º e 4º do Código Civil. Os incisos do art. 6º, anunciados pela expressão inclusive, têm como finalidade ressaltar possibilidades, decisões pessoais e atos em relação aos quais o legislador considerou relevante a sua previsão expressa, certamente por força do quanto está definido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, em que se respalda a lei. Essa exemplificação não permite que se conclua que apenas em relação às manifestações de vontade ali descritas ou de natureza similar pode haver essa presunção de validade. Assim sendo, realizado o ato por vontade da pessoa deficiente, a invalidade do mesmo por ausência de discernimento deverá ser judicialmente comprovada. 48 PG - Proposição 2.3 Parte da legislação: Código Civil e 13.146/2015 Artigo: CO, arts. 4o, III, 104, I e 171, I e Lei 13.146/2015, art. 5o, caput Enunciado proposto (resumo da proposição): Mesmo com a entrada em vigor da Lei 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a anulabilidade dos atos e negócios jurídicos praticados pelas pessoas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, não depende de sentença de interdição, resguardados os direitos de terceiro de boa-fé. Justificativa: Desde o CO-1916, passando pela redação original do CO-2002, consolidou-se o entendimento de que os atos e negócios realizados pelos enfermos e deficientes mentais, sem discernimento para a prática, eram nulos independente da sua declaração via sentença de interdição. A jurisprudência, tanto do STF (RE 88916) como do STJ (REsp 9.077/RS e 296.895/PR) diferenciava as situações, de forma que: a) nas ações de nulidade em que o incapaz já era interditado ao tempo do ato ou negócio, exigia-se apenas a prova da própria interdição; b) nas ações em que o incapaz não era interditado ao tempo da celebração do ato/negócio jurídico, exigia-se a demonstração inequívoca da existência da afecção que retirasse o discernimento e conferia-se proteção ao terceiro de boa-fé. A entrada em vigor da Lei 13.146/2015 fará com que as pessoas que, por causa transitória ou permanente, em geral, não puderem exprimir a sua vontade, passem a ser relativamente incapazes; mas a mesma lei diz, também, em seu art. 5o, caput, que tais pessoas devem ser protegidas de toda forma de negligência. Daí que, harmonizando essas duas premissas, há de se concluir que, embora anuláveis os atos e negócios celebrados pelas pessoas definidas pelo art. 4o, III do CO, com a redação dada pela Lei 13.146/2015, eventual ação desconstitutiva não pode ter como condição sine qua non de procedência a prévia interdição judicial. Assim, se o sujeito que sofre causa transitória ou permanente que o impeça de exprimir a vontade praticar ato ou negócio quando ainda não interditado, a ação anulatória pode ser procedente, mas dependerá de prova inequívoca da incapacidade e será resguardada a boa-fé subjetiva de terceiro. 49 PG - Proposição 2.4 Parte da legislação: Capacidade Civil / Emancipação Artigo: CO, art. 5º, parágrafo único, inciso I. Enunciado proposto (resumo da proposição): Em ocorrendo a prática de ato ilícito por menor voluntariamente emancipado (CO, art. 5º, §único, I), não há a responsabilização solidária dos genitores, salvo quando o ato de emancipação vier a ser anulado ou tornado nulo judicialmente. Justificativa: A emancipação voluntária (CO, art. 5º, §único, I) é ato permitido pela legislação civil, consistindo em ato jurídico perfeito quando respeitados os requisitos exigidos legalmente. Assim, não se pode presumir, em hipótese de ato ilícito praticado por menor emancipado voluntariamente, que o ato emancipatório ocorreu com o fito de desonerar os genitores de suas obrigações ou mesmo de serem responsabilizados civilmente por atos praticados pelo menor após a emancipação. Jurisprudência dominante do STJ: ARgAI 1.239.557/RJ e REsp 122.573/PR Jurisprudência minoritária do STJ: REsp 764.488/MT 50 PG - Proposição 2.5 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 11 do CO/02. Enunciado proposto (resumo da proposição): Art. 11: A readequação da naturalidade, quando lastreada na autonomia da vontade, na livre busca da felicidade e na dignidade humana, afigura-se como um direito da personalidade. Justificativa: Embora o mais comum seja a retificação do nome, o STJ admite a alteração da naturalidade do indivíduo nas ações de retificação de registro civil (REsp 1194378/MG), nas hipóteses de erro material. Porém, é possível que isso ocorra também como decorrência do direito à identidade pessoal. Figure-se uma pessoa que venha a nascer em uma dada região do país, por um acaso do destino, apenas de passagem, mesmo sem raízes ou qualquer vínculo com o Estado da Federação onde ocorreu o parto. Talvez jamais conheça, tampouco visite, após o natalício, o lugar onde foi trazida ao mundo, cuja cultura lhe é estranha, cujas tradições não se lhe incorporam, ou seja, uma origem imposta pela vida. Em tese, podemos conceber um cearense, filho de tradicionalíssima família gaúcha, que aprecia a iguaria do Chimarrão, identifica-se com a história dos Farrapos, brada o hino do Estado do Rio Grande do Sul, expressa-se como um genuíno sulista, torce pela vitória do time alegrense, descende de gaúchos, dentre outros tantos elementos. Com isso, à luz da dignidade humana, da autonomia da vontade, da livre busca da felicidade, é de se reconhecer a possibilidade de retificação do registro civil, no que toca à naturalidade, por razões de autoatribuição, sentimento de pertencimento, autorreconhecimento, condição, laços culturais, ascendência, tradição etc. Ora, se até mesmo o gênero biológico pode ser readequado, para harmonizar-se com a orientação sexual do indivíduo, inclusive com alteração do nome, ainda que sem a promoção da cirurgia de transgenitalização, o que se dirá a naturalidade. Esta, como mais um elemento da personalidade, traduz uma projeção da dignidade humana. No Direito, quilombola é quem se considera como tal (art. 2º, Decreto 4.887/2003). Assim caminha o Direito quando se trata de aspectos da personalidade: no autorreconhecimento. 51 PG - Proposição 2.6 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 12 Enunciado proposto (resumo da proposição): Art. 12. Os descendentes na forma do art. 12 do CO e na falta do titular do direito, possuem legitimidade para requerer a anulação de registro de adoção quando não existir relação sócio afetiva entre o adotante e o adotado. Justificativa: A proteção posmortem da personalidade da pessoa diz respeito a interesses próprios desta mesma pessoa enquanto em vida. Daí que, em defesa desses direitos da personalidade o CO prescreveu a legitimidade para exercer providencias o cônjuge, aos descendentes e ascendentes e aos colaterais até quarto grau, ou seja, a lesão é feita à personalidade de falecido, mas em face da não transmissibilidade dos direitos da personalidade, é atribuída aos sucessores legais legitimação processual para a defesa, proteção e reivindicação de tais direitos. Assim, sendo um dos fatores primordiais para concessão da adoção a vinculação afetiva entre adotado e adotante e se esta condição nunca existiu ou se a mesma se perdeu, não mantendo mais os laços afetivos entre as partes pode qualquer descendente requerer a revogação da adoção que nunca existiu de fato, mas apenas de direito, ou seja, no papel. 52 PG - Proposição 2.7 Parte da legislação: Lei 13.146, de 06 de julho de 2015 Artigo: 13 Enunciado proposto (resumo da proposição): Ainda que haja risco de morte ou de emergência em saúde, a pessoa com deficiência não deve ser submetida a tratamento médico que previamente recusou em declaração de vontade por ela firmada, pessoalmente ou mediante decisão apoiada. Justificativa: A lei 13.146, de 06.07.2015, tem como finalidade precípua não apenas a denominada inclusão das pessoas com deficiência, como também o reconhecimento da igualdade entre essas pessoas e aquelas outras que não tem deficiência que implique limitações ao exercício efetivo, concreto de sua vida física e emocional. Impõe o respeito à autonomia privada e à autodeterminação, afastando a liberdade de gerir a sua própria vida, os seus interesses patrimoniais e não patrimoniais, apenas quando restar efetivamente demonstrada a impossibilidade de escolha, de discernimento. A dificuldade de expressar a sua vontade, antes capaz de ensejar a incapacidade para os atos da vida civil, é agora superada pelo instituto da decisão apoiada. Houve uma preocupação do legislador no sentido de assegurar a igualdade entre pessoas deficientes e não deficientes, determinando a superação dos obstáculos a essa igualdade, seja mediante a utilização de equipamentos físicos padronizados, seja prevendo instrumentos jurídicos voltados para a verificação da vontade do deficiente. Ora, o dispositivo em análise, o art. 13, estabelece a obrigatoriedade da intervenção médica quando há risco de morte ou de emergência em saúde, sem fazer qualquer menção à possibilidade de prévia declaração em sentido contrário. Seguiu a linha da Resolução nº 1021/80 do Conselho Federal de Medicina (transfusão de sangue). Não havendo dispositivo similar na legislação constitucional e civil em relação às pessoas consideradas não deficientes, afronta o princípio da igualdade e a finalidade da própria lei expressamente se autorizar a intervenção médica, mesmo que previa e validamente recusada. 53 PG - Proposição 2.8 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 14 Enunciado proposto (resumo da proposição): A validade da disposição pós-morte, total ou parcial, do corpo humano, com fins científicos ou altruísticos, depende de autorização dada, em vida, pelo próprio de cujus. Em observância aos prolongamentos dos efeitos jurídicos pós-morte dos direitos da personalidade, notadamente, no caso, o direito ao próprio corpo, a concessão de autorização por cônjuge ou parente tem caráter subsidiário, devendo ser buscada apenas em caso de inexistência de manifestação de vontade do próprio morto a esse respeito. Justificativa: O art. 4º da lei nº 9.434/97 regulamenta a retirada de órgãos do corpo de pessoas falecidas para fins de transplante, prevendo, para tanto, a necessidade de autorização de cônjuge ou parente do morto. Verifica-se, porém, que tal previsão vai de encontro com aquele direito subjetivo, integrante do rol dos direitos da personalidade, que é o verdadeiro autorizador da prática de transplantes, qual seja, o direito ao próprio corpo. O direito ao próprio corpo apresenta vertente voltada ao corpo vivo (integridade física), mas também importante aspecto referente ao corpo morto (cadáver), sendo disciplinado, a esse respeito, no artigo 14 do Código Civil, o qual é cristalino ao afirmar um direito à “disposição gratuita do próprio corpo”. Isto é, o dispositivo em questão não deixa dúvidas ser titular do direito ao próprio corpo, inclusive ao corpo morto, o “futuro de cujus”. O exercício de tal direito terá por agente, então, a própria pessoa, que deverá, em vida, manifestar-se acerca da destinação total ou parcial de seu cadáver (= “tecidos, órgãos e partes do corpo”, para usar a mesma redação da legislação especial). Diante do exposto, de rigor a interpretação sistemática do ordenamento jurídico nacional, à luz da melhor doutrina dos direitos da personalidade, para dar prevalência à externalização de vontade realizada em vida pelo de cujus, tal qual demanda o artigo 14 do Código Civil. E, em caráter subsidiário, aplicar-se-ia a regra do artigo 4º da lei 9.434/97, a fim de buscar obter autorização de cônjuge ou parente à doação de órgãos, apenas em caso de inexistência de externalização de vontade a esse respeito do verdadeiro titular do direito ao próprio corpo (morto). 54 PG - Proposição 2.9 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 15 Enunciado proposto (resumo da proposição): Alteração da redação do en. 403, CJF, com: (i) supressão do atual inciso “a”; (ii) remissão ao enunciado 138 para a escolha ou recusa de tratamento por incapazes; e (iii) inclusão da expressão “escolha de tratamento médico”, em adição à “negativa de tratamento médico”. Assim ficaria a redação: “Art. 15. O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no art. 5º, VI, da Constituição Federal, aplica-se também à escolha ou negativa de tratamento médico, inclusive com recusa à transfusão de sangue, com ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguintes critérios: a) manifestação de vontade livre, consciente e informada, observando-se quanto aos incapazes o enunciado 138; e b) oposição ou escolha que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante” Justificativa: A doutrina evoluiu no sentido de se reconhecer a vontade de incapazes em relação às situações existenciais, em homenagem à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, CRFB), o que culminou na edição do en. 138, CJF. Não há razão, contudo, para a negativa da tutela da vontade dos incapazes com razoável discernimento apenas em relação à inviolabilidade de consciência e de crença, tal como faz a alínea “a” do en. 403 em sua atual redação. Afinal, a autonomia sobre o corpo e sobre a vontade é, assim como outros direitos da personalidade, ligada aos atributos da pessoa humana. A vontade do incapaz é considerada para o exercício dos demais direitos da personalidade; a redação atual do en. 403, todavia, prevê a desconsideração da manifestação volitiva do incapaz apenas para a escolha de tratamento médico, o que importa em diminuição da tutela da inviolabilidade de consciência. A escolha informada e consciente de tratamento médico não pode ficar ao alvedrio dos médicos, do Estado ou mesmo dos pais, em visão típica de modelo social patriarcal. A proposta objetiva não a vinculação absoluta à vontade dos incapazes, mas apenas que ela seja levada em consideração pelas comunidades médica e jurídica. A inclusão da referência à escolha de tratamento médico é relevante, pois a atual redação dá a falsa noção de que a recusa de transfusão de sangue pelos membros do grupo religioso Testemunhas de Jeová importa em pura recusa de tratamento médico. Porém, os religiosos não descartam tratamentos e cirurgias sem sangue (http://www.jw.org/pt/testemunhas-de-jeova/perguntasfrequentes/por-que-testemunhas-jeova-nao-transfusao-sangue/, acesso em 19 de julho de 2015) 55 PG - Proposição 2.10 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 20 Enunciado proposto (resumo da proposição): A autorização da pessoa biografada ou de coadjuvantes é inexigível para publicação de obras literárias ou audiovisuais. O uso de nome, imagem e história não enseja indenização ao biografado, se funcionário público ou pessoa pública, ou aos coadjuvantes. O biógrafo responde, independentemente de culpa, por inverdades. É do prejudicado o ônus da prova da inverdade, salvo quanto a calúnias, a serem provadas pelo biografado, mediante critério de preponderância de provas. Justificativa: A primeira parte do enunciado reproduz a conclusão da ADI 4815. A segunda parte, desdobra a conclusão do STF: a liberdade de biografar pressupõe que a publicação da biografia, por si só, não gere dever de indenizar. No entanto, se o biografado não é pessoa pública, reserva-se o direito à reparação. A terceira parte, recupera o direito à proteção à honra e à imagem-atributo do biografado e dos coadjuvantes. A responsabilidade objetiva decorre do próprio risco da atividade do biógrafo. No entanto, somente são indenizáveis as inverdades. Fatos verdadeiros, ainda que difamatórios, não são indenizáveis. A última parte diz com o ônus da prova da inverdade. Propõe-se sua imposição ao biografado ou coadjuvante prejudicado. Para isso, há pelo menos três fundamentos. Primeiro, o prejudicado será o autor da ação – art. 333, I, CPC. A imposição do ônus da prova ao biógrafo representaria inversão do ônus. Segundo, a inversão do ônus seria indesejável, por restringir, de forma oblíqua, a liberdade de biografar. Terceiro, o biógrafo é assistido pela prerrogativa do sigilo de fonte – art. 5º, XIV, CF. Essa prerrogativa seria ameaçada pela inversão do ônus. A exceção, quanto ao ônus da prova, é relativa às calúnias. Tendo em vista a presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF), a legislação penal impõe a quem atribui o crime o ônus da prova da verdade das declarações – art. 138, §3º, CP. A presunção também se aplica no âmbito cível. No entanto, deve ficar claro que não se exige o mesmo grau de certeza para a condenação no processo penal. Aplica-se o standard probatório da preponderância, na medida em que está sendo debatida reparação de danos, não pena. 56 PG - Proposição 2.11 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 20 Enunciado proposto (resumo da proposição): Art. 20: A tutela do direito à imagem, em face de sua previsão constitucional, é independente da ofensa a qualquer outro direito da personalidade. Justificativa: Historicamente já se admitiu que a tutela da imagem estava fundamentada no direito à honra, “cuja proteção foi, desde cedo, vista como corolário da tutela da dignidade humana”. Hoje, entretanto, o disposto no art. 5º, X da Constituição Federal não deixa dúvida quanto à independência do direito à imagem em relação aos demais direitos da personalidade. Antes mesmo do surgimento da referida disposição constitucional, Pontes de Miranda já afirmava que se perdeu muito tempo até a distinção entre o direito à honra e o direito à imagem, bem como que o direito à imagem não se confunde com o direito à intimidade, isto é, “o direito a que se exclua o tornar-se conhecido algum fato, qualidade ou a pessoa mesma”. Particularmente no que toca à honra, Roxana Borges muito bem destacou que a “exposição ou captação não autorizada da imagem de alguém, para ser ilícita, não requer a ofensa à honra da pessoa retratada ou filmada, assim como é indiferente a intenção, dolosa ou culposa, daquele que indevidamente a utiliza”. Desse modo, deve-se reconhecer a autonomia do direito à imagem, de tal forma que não se faz necessária, para sua lesão, a ocorrência de violação a outros bens jurídicos, como a intimidade, a identidade, a honra etc. Seja como for, faz-se também mister o reconhecimento da constante intersecção dos diferentes aspectos da personalidade. Por conseguinte, não há nenhum sentido na previsão do art. 20 do CO, que faz depender a violação do direito à imagem da ocorrência de lesão à honra, à boa fama ou à respeitabilidade, bem como ao exigir a existência de destinação econômica. A imagem é violada puramente pela sua utilização sem autorização. Por fim, vale notar que o enunciado proposto complementa o de número 279 e está em consonância com a Jurisprudência do STJ. 57 PG - Proposição 2.12 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 21 Enunciado proposto (resumo da proposição): A declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto dos arts. 20 e 21 do CO pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI n. 4815, não afasta a necessidade de autorização do biografado para a reprodução da sua imagem em documentários e filmes baseados na biografia. Justificativa: A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4815, relatora Ministra Cármen Lúcia, empregou a técnica de declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto em relação aos arts. 20 e 21, de sorte que continua a ser necessária a autorização do biografado para a reprodução da sua efígie na própria biografia ou em documentários e filmes nela baseados. A rigor, a decisão do Supremo Tribunal Federal se fundou em incompatibilidade dos arts. 20 e 21 do Código Civil com os arts. 5.º, IV, IX, XIV, e 220, §§1.º e 2.º, da Constituição Federal, o que demonstra a subsistência de necessidade de autorização para a veiculação de outros direitos da personalidade, como a imagem e o nome. Três exemplos recentes justificam as razões do presente enunciado, a saber, os documentários e os filmes baseados nas vidas de Cazuza, Tim Maia e Garrincha. A proteção a imagem é composta por 3 acepções, sendo elas a imagem-retrato aquela que descreve características físicas da pessoa; a imagem-atributo, que descreve características imateriais como personalidade e comportamento, e a imagem-voz, que é caracterizada pelo timbre. A decisão do STF refere-se apenas à imagem-atributo, de modo que não abrange a imagem-retrato, o que importa na desnecessidade de autorização tão somente para que se produzam livros e filmes a respeito da vida de alguém. 58 PG - Proposição 2.13 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 21 Enunciado proposto (resumo da proposição): Art. 21 do Código Civil de 2002 - A depender do caso concreto, o direito ao esquecimento pode ser assegurado por uma tutela judicial inibitória, salvo quando houver interesse público na divulgação do fato supostamente desabonador, a exemplo da publicação de biografias. Justificativa: Recentemente, o STF entendeu ser inexigível o assentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais (ADIn 4815), asseverando que os excessos devem ser coibidos repressivamente (por meio do direito de resposta, de uma indenização por danos morais ou pela responsabilização criminal por delito contra a honra). Com isso, o STF negou o direito ao esquecimento (este reconhecido no Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil) quando em confronto com a liberdade de publicar biografias, mas sem eliminar a possibilidade de seu reconhecimento em outros casos concretos. É hora, pois, de reafirmar a existência do direito ao esquecimento. Esta é a posição conciliadora de Gustavo Tepedino (Opinião Doutrinária acerca da interpretação conforme a Constituição dos arts. 20 e 21 do CO, Organizações Globo, 15.06.2012, p. 25), ao afirmar que o direito ao esquecimento cede espaço ao interesse público inerente à publicação de biografias. Sobretudo, mais do que ser reconhecido, o caso concreto pode exigir que o direito ao esquecimento seja protegido por uma tutela judicial inibitória, conforme admitiu o STJ em dois precedentes (REsp 1.334.097/RJ e REsp 1.335.153/RJ). Isso porque a violação do direito à honra não admite a restitutio in integrum. A compensação financeira apenas ameniza o abalo moral, e o direito de resposta proporcional ao agravo sofrido também é incapaz de restaurar o bem jurídico violado, visto ser impossível restituir o status quo. Como afirma Marinoni, é dever do Juiz encontrar, dentro de uma moldura, a técnica processual idônea à proteção do direito material, de modo a assegurar o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV, CF/88). Disso se conclui que não se pode sonegar a tutela judicial inibitória para resguardar direitos dessa natureza, pois nenhuma outra é capaz de assegurá-los de maneira tão eficiente. 59 PG - Proposição 2.14 Parte da legislação: Parte Geral do Código Civil de 2002 Artigo: Art. 50 do Código Civil de 2002 Enunciado proposto (resumo da proposição): A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional, que prescinde de ação própria para ser deduzida, cabendo ao interessado o ônus de demonstrar, arrimado em arcabouço probatório idôneo, a satisfação dos requisitos do art. 50 do Código Civil (desvio de finalidade ou confusão patrimonial). Justificativa: A desconsideração da personalidade jurídica é exceção ao princípio da autonomia da personalidade da pessoa jurídica (art. 20 do Código Civil de 1916), a permitir a responsabilização dos sócios por suas obrigações. De gênese jurisprudencial, passou a ser prevista no art. 50 do Código Civil de 2002 e decorre da primazia do princípio da boa-fé, consubstanciando importante instrumento vocacionado a coibir a fraude nas relações jurídicas. O Novo Código de Processo Civil versa sobre o assunto nos arts. 134/137. O afastamento do véu da personalidade da pessoa jurídica se dá episodicamente, sem redundar na formal dissolução da pessoa jurídica, e em caráter de estrita excepcionalidade, podendo ser operacionalizada por mero incidente processual, daí prescindir da propositura de ação autônoma. Com isso, a discussão dar-se-á nos autos do processo na qual deduzida, carreando-se o ônus da prova ao interessado (art. 333, I, do Código de Processo Civil), impondo-lhe demonstrar cabalmente o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, esteado em arcabouço fático idôneo e não em meras conjecturas. A fixação de balizas à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica se impõe a fim de evitar sua banalização, em detrimento da segurança que deve nortear as relações jurídicas. 60 PG - Proposição 2.15 Parte da legislação: Das Pessoas Jurídicas (Livro I, Título II, Capítulo I, do Código Civil Brasileiro de 2002) Artigo: Artigo 50, CO/02 Enunciado proposto (resumo da proposição): A desconsideração da personalidade jurídica pode ser requerida em qualquer fase do processo, inclusive durante o cumprimento de sentença e na ação de execução baseada em título executivo extrajudicial, conforme dispõe o artigo 134 do novo Código de Processo Civil. Justificativa: Travou-se ampla divergência acerca da possibilidade de o credor pleitear a desconsideração da personalidade jurídica na fase de cumprimento de sentença ou em sede de ação de execução fundada em título executivo extrajudicial. O STJ adotou entendimento favorável à decretação da desconsideração da personalidade jurídica incidentalmente nos autos do processo de execução, com a subsequente inclusão dos sócios no polo passivo, considerando, assim, desnecessário o ajuizamento de ação autônoma de conhecimento com esse fim (REsp 418385/SP). Por outro lado, delineouse corrente contrária, segundo a qual a desconsideração da personalidade jurídica somente poderia ser pleiteada e decretada na fase de conhecimento, em caso de título executivo judicial, ou em ação de conhecimento autônoma, na hipótese de título executivo extrajudicial, não havendo que se falar em decretação incidental à execução, sob pena de violar a garantida do contraditório aos sócios, que, até então, eram terceiros à relação jurídico-processual em curso. O novo CPC pacificou a controvérsia, ao prever expressamente, em seu artigo 134, a admissibilidade da formulação do pedido de desconsideração da personalidade jurídica em qualquer fase do processo. Desse modo, com a entrada em vigor do diploma processual, dissipa-se a divergência, sendo autorizado ao credor requerer a desconsideração da personalidade jurídica na fase de cumprimento da sentença e na ação de execução fundada em título executivo extrajudicial. 61 PG - Proposição 2.16 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Art. 50 Enunciado proposto (resumo da proposição): A aplicação da desconsideração expansiva da personalidade jurídica em âmbito administrativo observará os parâmetros do art. 50 do Código Civil, quando não fundamentada exclusivamente em outro ato normativo ou na Constituição Federal. Justificativa: A doutrina e a jurisprudência têm compreendido como um dos desdobramentos da desconsideração da personalidade jurídica a possibilidade de expansão dos seus efeitos para atingir o patrimônio dos sócios ou acionistas que, diante das circunstâncias e prova avaliadas, fraudulentamente constituíram uma nova pessoa jurídica para se furtar de sanções impostas ou transferiram-na para terceiros ou para outra pessoa jurídica do mesmo grupo econômico (MS 32.494, rel. Min. Celso de Mello, DJe. 12.11.2013; RMS 15.166, rel. Min. Castro Meira, DJ 8.09.2013). Trata-se da denominada desconsideração expansiva da personalidade jurídica em âmbito administrativo, que admite a projeção dos seus efeitos para atingir o patrimônio dos sócios sob o pressuposto de que a matéria não estaria sujeita à reserva de jurisdição (TCU 189/2001, 75.295/1994-7, rel. Min. Guilherme Palmeira). Com isso, tem se evitado que os sócios e acionistas de uma pessoa jurídica suspensa, impedida de participar de licitação, contratar com a Administração Pública ou declarada inidônea, possam criar uma nova pessoa jurídica para participar de licitação com o Poder Público. Não obstante tal aspecto, é essencial a adoção de algumas cautelas e elementos objetivos de justificação racional na aplicação destes desdobramentos da desconsideração da personalidade jurídica. E, para tanto, os parâmetros definidos pelo art. 50 do CO poderiam ser utilizados quando não fundamento o ato em outro ato normativo ou na Constituição Federal. A circunstância de o STF e o STJ admitirem tais poderes implícitos requer sejam apontados alguns critérios objetivos para não se obstar de maneira infundada o exercício da atividade econômica. 62 PG - Proposição 2.17 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 50 do Código Civil, 28 do CDC e 133 do CPC/15 Enunciado proposto (resumo da proposição): A interpretação sistêmica dos artigos 50 do CO/2012, 28 do CDC e 133 do CPC/15 autoriza a desconsideração inversa da personalidade jurídica do sócio, nos mesmos moldes da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, bastando seja evidenciado que o sócio faz uso indevido da pessoa jurídica para camuflar o seu patrimônio pessoal ou blindar o patrimônio das várias empresas que se estruturam como grupo econômico empresarial, ainda que desenvolvam atividade econômica substancialmente diferenciada. Justificativa: No âmbito do capitalismo global e transnacional não é incomum a formação de grupo econômico entre empresas que desenvolvem atividade econômica substancialmente diferenciada, coordenadas pelo objetivo de gerar riqueza para um grupo específico de sócios e empresários. Em situações tais, várias pessoas jurídicas são constituídas com integralização de bens particulares de sócios que, no momento seguinte cedem suas quotas societárias para terceiros com os quais já se relacionam no âmbito de holdins de participação ou holdings familiares, sendo a desconsideração inversa da personalidade jurídica dos sócios o fio condutor dessas construções de blindagem patrimonial, concebidas, inicialmente, como medida gerencial de planejamento tributário, mas que, podem se transformar em instrumento de fraude aos credores. Tendo o CPC 2015 previsto, expressamente, a desconsideração inversa da personalidade jurídica, o art. 50 do CO ao trata do abuso de personalidade jurídica, envolve a pessoa jurídica e os sócios pessoa física. 63 PG - Proposição 2.18 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Art. 50 combinado com Art. 187 Enunciado proposto (resumo da proposição): Em caso de abuso de direito da personalidade da pessoa física, que se sujeita a ser interposta pessoa para ocultar bens ou desviá-los em favor do interponente, é possível a desconsideração da personalidade da pessoa física para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações que recaem sobre o interponente sejam estendidos aos bens da pessoa interposta. Justificativa: A “inexistência” de patrimônio dos executados judiciais pode ter duas causas: uma real e outra ficta. A insolvência real é aquela em que o devedor, pelas adversidades da vida, efetivamente não consegue produzir riquezas a ponto de pagar seus credores. Já a insolvência ficta se verifica nos casos em que o executado continua com ostentoso padrão de vida, mas formalmente nada tem em seu nome, pois continuam exercendo normalmente suas atividades negociais em nome alheio (laranjas). Vige hoje a regra da pessoalidade das obrigações (art. 591 do CPC), sendo verdadeira exceção a possibilidade de extensão da responsabilidade para alcançar terceiros. O art. 50 do Código Civil é uma dessas exceções previstas no ordenamento, assim como também o é a simulação (art. 167, CO), a fraude contra credores (art. 158, CO) e a fraude à execução (art. 593, CPC). No entanto, a Jurisprudência tem alargado as hipóteses legais de extensão da responsabilidade para além daquelas literalmente previstas em lei, como, v. g., a desconsideração inversa da personalidade da pessoa jurídica. Embora sejam esses institutos eficazes à repressão das fraudes e abuso de direito, visam à nulificação, anulação ou ineficácia de negócio jurídico, respectivamente, (de)limitando o objeto sobre o qual se satisfará a responsabilidade, muito diferente do que gera a extensão da responsabilidade pela desconsideração da personalidade, que o alarga, de modo a poder ser constrito todo o patrimônio do terceiro que será chamado à responsabilidade pelo abuso de direito, o que pode e deve ser perfeitamente também aplicado para chamar à responsabilidade as pessoas físicas interpostas. 64 PG - Proposição 2.19 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Art. 53 Enunciado proposto (resumo da proposição): Os “fins não econômicos” a que se refere o art. 53 do Código Civil não impedem o exercício de atividade empresarial pelas associações, desde que o lucro obtido não seja distribuído entre os associados e se reverta em prol dos objetivos estatutários. Justificativa: O Código Civil de 2002 optou por seguir a vertente doutrinária cujo parâmetro vinculase ao exercício da atividade não econômica da associação, em detrimento da essência de seu campo de atuação (arts. 53 e 981). Com isso, as associações foram relacionadas, em grande medida, ao caráter filantrópico, religioso, cultural e social das suas funções. Francesco Ferrara preferia se valer da finalidade e da variabilidade do número de membros como critérios, de modo que contesta a natureza não econômica das atividades como diferencial entre sociedades e associações, pois seria plenamente admissível que o fizessem em benefício da consecução dos seus próprios fins, contanto que sem visar estritamente o lucro e distribui-lo entre seus integrantes (FERRARA. Teoría de las personas jurídicas. 2. ed. Granada: Comares, 2009, p. 341-342). E, de fato, o não exercício de atividade econômica não deveria ser eleito como fator específico das associações. Primeiro, em virtude da inapropriada confusão entre os conceitos de atividade econômica e finalidade exclusivamente lucrativa. Segundo, porque nada obsta que desempenhe atividades econômicas vinculadas aos seus objetivos. Por sinal, esta é uma das hipóteses ligadas à imunidade tributária de associações de assistências social sem fins lucrativos, (art. 150, VI, “c”, da CF; AgRg/AI 785.459/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 19.12.2011). Terceiro, nenhum óbice se erige até mesmo contra o exercício de atividade econômica organizada e habitual, destinada à circulação de riquezas por uma associação, ou seja, a sua caracterização como empresa, desde que não isto não seja a sua meta existencial e não distribua os lucros entre os associados. 65 PG - Proposição 2.20 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 3 Enunciado proposto (resumo da proposição): As taxas de manutenção criadas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo. Justificativa: As associações de moradores podem expressar a existência dos chamados condomínios de fato, todavia, conforme o disposto no artigo 5o, inciso XX da Constituição Federal, ninguém é obrigado, nem pode ser compelido, a se manter associado. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. REsp 444.931/SP. 66 PG - Proposição 2.21 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 53 e 1113 Enunciado proposto (resumo da proposição): As associações civis podem se transformar em sociedades empresárias, desde que não haja proibição legal. Justificativa: Exposição de motivos: Permite-se a transformação das associações civis em sociedades empresárias desde que não haja proibição legal pelos seguintes motivos: a). pelo princípio da preservação da pessoa jurídica, não faz sentido extinguir uma pessoa jurídica (que tem função social muito importante na sociedade) quando pode preservála, ainda que em outra roupagem; b). a dissolução de associações civis é extrema conforme exegese do art. 5º, XIX da Constituição Federal; c). inexiste proibição legal para transformar associação civil em sociedade empresária, o que faz incidir o art. 5º, II da Constituição Federal; d). grande parte da doutrina prevê a possibilidade de transformação de associação civil em sociedade empresária como Alfredo de Assis Gonçalves Neto, o ex-Presidente da JUCESP Amando Luiz Rovai, Wendel de Brito Lemos Teixeira e Modesto Carvalhosa; e). o art. 1113 do Código Civil permite a transformação sem fazer qualquer ressalva ou limitação no que tange às associações civis; f). o art. 27,§9º da lei 9615/98 (Lei Pelé) admite transformação de associação civil desportiva em sociedade empresária; g). a Receita Federal do Brasil por meio da Solução de Consulta nº 7 de 03 de junho de 2002 aceita tal transformação de associação civil de ensino superior em empresa; h). na prática, tem-se conhecimento de várias associações que se transformaram em empresas (Clubes de futebol profissional, instituições de ensino etc, inclusive a BOVESPA – Bolsa de Valores de São Paulo); i) a interpretação que deve ser adotada ao artigo 2033 do Código Civil, que se refere de forma categórica à cisão e à transformação das pessoas jurídicas. 67 PG - Proposição 2.22 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 55 Enunciado proposto (resumo da proposição): A possibilidade de instituição de categorias de associados com vantagens especiais admite a atribuição de pesos diferenciados ao direito de voto, desde que isso não acarrete a sua completa supressão em relação a matérias submetidas obrigatoriamente à assembleia. Justificativa: O direito de voto e o de representação em assembleias é apontado por Pontes de Miranda como modalidades de direitos específicos preferentes. Somente haverá a possibilidade de estipulação de padrões diversificados de voto quando em contraste com os direitos específicos gerais de que são titulares todos os indivíduos. O poder de veto da escolha de administradores seria um bom exemplo. O CO 2002 tratou no art. 59 das competências da assembleia geral para alterar o estatuto, mediante um quorum em que considerados todos os integrantes, sem qualquer menção à possibilidade de exclusão de voto de alguma categoria. Ou seja, o voto é direito comum a todos os associados quanto às matérias deliberadas em assembleia e, ao que tudo indica, não era admitida a sua exclusão em 1916, e continua a não ser em 2002. A liberdade de associação não autoriza, assim, que a representação seja fulminada mediante a exclusão de um direito comum a todas as categorias, conforme o art. 58 CO. Importante esclarecer, todavia, que, uma coisa é a vedação da exclusão do direito de voto, outra bem diversa é a previsão de critérios diferenciadores de voto, segundo a categoria do associado. Para efeito de controle normativo dos padrões deliberativos, basta investigar se o associado concordou previamente com a configuração de alguma especificidade do seu voto, se o ato constitutivo o previu ou se constou da própria deliberação permitida por ele (art. 58 do CO). Estes balizadores da definição dos critérios diferenciados de voto devem guardar estrita observância com elementos justificadores do discrímen concebido. 68 PG - Proposição 2.23 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 61 e parágrafos Enunciado proposto (resumo da proposição): O art. 61 do Código Civil e seus parágrafos são inconstitucionais por impor à associação civil a destinação de seu patrimônio à instituição com fins idênticos ou semelhantes, afrontando a liberdade de associação e propriedade privada. Justificativa: Exposição de motivos: O art. 61 do Código Civil de 2002 e seus parágrafos aniquila parte importante do núcleo essencial do direito fundamental de associação, pois seria a mesma coisa de conceder validade e eficácia a um dispositivo do Código Civil que obrigasse os cidadãos destinassem grande parte de seu patrimônio quando de seu falecimento para alguma entidade ou para o Estado. Trata-se de confisco (afrontante à propriedade privada). Outrossim, parte tal dispositivo de uma premissa falsa de que todas as associações são beneficiadas pelo Estado, quando na verdade é apenas uma parte destas que recebe apoio estatal e normalmente insuficiente. Como se não bastasse, é desarrazoável e desproporcional exigir que pessoas se aventurem em criar uma associação com todas dificuldades inerentes e risco de insucesso, atuem em substituição do Estado, coloquem seu tempo e dinheiro em tal empreitada e ainda tenham que ser mais lesados ainda ao não poderem repartilhar o patrimônio da associação na hipótese de dissolução. O mandamento constitucional de estímulo do associativismo e não intervenção na organização e funcionamento das associações (art. 174, §2º e art. 5º, XVII e XVIII da Constituição Federal) foram totalmente desobedecidos com a redação do art. 61 do Código Civil. Assim, da forma atual, o art. 61 do Código Civil e seus parágrafos são inconstitucionais. 69 PG - Proposição 2.24 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 62, parágrafo único Enunciado proposto (resumo da proposição): O art. 62, parágrafo único, com redação dada pela Lei n.º 13.151/2015, deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações com fins lucrativos. Justificativa: O art. 62, parágrafo único possuía redação extremamente restritiva originalmente, que foi objeto de alargamento interpretativo através dos enunciados 8 e 9 da I Jornada de Direito Civil. Em 2006 foi apresentado Projeto de Lei no Senado com o objetivo de evitar interpretações restritivas na matéria, visto que poderiam representar o encerramento de importantes fundações, inclusive aquelas com fins científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente. Com isso, houve modificação legislativa em julho de 2015 que pode conceder nova margem de discussão sobre a licitude de algumas fundações. Diante das circunstâncias, torna-se adequado reafirmar o enunciado 9 da I Jornada de Direito Civil, o qual é mais abrangente que o enunciado 8. 70 PG - Proposição 2.25 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 93 Enunciado proposto (resumo da proposição): Além de se diferenciar das pertenças, as partes integrantes devem ser classificadas como essenciais ou não essenciais. Justificativa: Muito embora no Código Civil em vigor, quanto aos “bens reciprocamente considerados” tenha sido adotado o modelo de matriz alemã, a doutrina em geral, e, por conseguinte, a jurisprudência, não atentaram para o fato de que ao se distinguir as pertenças das partes integrantes, as últimas devem ser classificadas como partes integrantes essenciais ou não essenciais. Uma coisa pode ser classificada como parte integrante essencial, como parte integrante não essencial, ou como pertença, em decorrência do grau de vinculação que ela possui com a coisa principal. A pertença possui um grau mínimo de vinculação com a coisa principal, pois a conexão entre elas não é física, mas apenas espacial, estabelecida por um critério econômico-social (usos do tráfico). O grau de vinculação mais intenso é o da parte integrante essencial, enquanto o da parte integrante não essencial é médio, pois, embora ambas possuam conexão física com a coisa principal, a parte integrante essencial não pode ser separada da coisa principal sem que isso importe em destruição ou diminuição de seu valor ou das outras partes que compõe a unidade, ao contrário da parte integrante não essencial, que pode ser separada sem que isso importe em destruição ou diminuição de seu valor ou das outras partes que compõem a unidade. Em razão dessa distinção, a parte integrante essencial não pode ser objeto de direito real em separado da coisa principal e sempre terá a consorte da coisa principal, ao contrário da parte integrante não essencial, a qual pode ser objeto de direito real em separado da coisa principal, e pode não ter a consorte da coisa principal, por declaração da vontade dos figurantes de um negócio jurídico. 71 PG - Proposição 2.26 Parte da legislação: Código Civil e Constituição Federal Artigo: CO, Art. 102; CF, arts. 183, § 3o e 191, parágrafo único Enunciado proposto (resumo da proposição): A imprescritibilidade (impossibilidade de usucapião) dos bens públicos alcança não só os de uso comum do povo e de uso especial, como também os de natureza dominical. Justificativa: Na forma com que foram redigidos os arts. 183, § 3º e 191, parágrafo único da Constituição Republicana de 1988, a referência a impossibilidade de usucapião de imóveis públicos é genérica, sem ressalva. Isso leva a crer que não se tratou de uma simples forma de redigir o texto constitucional, de arte a permitirem-se interpretações restritivas (considerando inusucapíveis apenas os bens de uso comum e os de uso especial). Infere-se da norma que o legislador constituinte fez uma opção política de impedir a usucapião de imóveis públicos em geral (o que é elastecido pelo art. 102 do CO para qualquer espécie de bem), ao que tudo indica, para evitar as indevidas apropriações das coisas públicas, as quais, ainda que não devidamente aproveitadas, conservam seu potencial de servir à coletividade, enquanto, se usucapida pelo particular, servirá apenas ao interesse exclusivo deste. É o que concluiu há muito o STF, ainda na vigência do CO-1916, através da Súmula 140, pela qual “desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”. A circunstância de se tratarem de coisas que não são fora do comércio (CO, art. 101) não influencia na conclusão, tanto porque o contrário é possível (usucapião de coisas fora do comércio, como, por exemplo, de bens gravados com cláusula de inalienabilidade - REsp 418.945/SP, julgado em 15/08/2002, DJ 30/09/2002, p. 268), como porque o critério utilizado pelo legislador quanto à imprescritibilidade é independente daquele formulado para a inalienabilidade, tanto que tratadas em dispositivos distintos, a primeira no art. 102 do Código Civil e a segunda em seus arts. 100 e 101. 72 PG - Proposição 2.27 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 108 Enunciado proposto (resumo da proposição): O valor de 30 salários mínimos constante no art. 108 do Código Civil brasileiro, em referência à forma pública ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelo Fisco. Justificativa: A matéria já foi objeto do enunciado 289 em que afirma que “O valor de 30 salários mínimos constante no art. 108 do Código Civil brasileiro, em referência à forma pública ou particular dos negócios jurídicos que envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas partes contratantes, e não qualquer outro valor arbitrado pela Administração Pública com finalidade tributária.”. No entanto, o STJ decidiu de forma diversa no REsp n.º 1.099.480/MG (Relator Marco Buzzi, julgado em 02/12/2014) com a finalidade de conferir maior “segurança jurídica” aos negócios que envolvem bens imóveis. A proposta de enunciado serve como uma atualização do enunciado 289 em conformidade com a atual posição do STJ. 73 PG - Proposição 2.28 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 112 e 113 Enunciado proposto (resumo da proposição): Art. 112 e 113. Na interpretação dos negócios e atos jurídicos deve-se buscar a primazia da realidade dos fatos. Justificativa: A primazia da realizada fática sobre a forma amplia a noção de que operador jurídico, no exame das declarações volitivas, deve atentar mais a intenção dos agentes do que ao envoltório formal através de que transpareceu a vontade (art. 112 do CO). O princípio da verdade real sobre a forma constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio. Não deve, contudo ser banido unilateralmente do operador do direito. Desde que a forma não seja da essência do ato, o interprete e aplicador do direito deve investigar e aferir se a substancia da regra foi atendida na prática efetivada entre as partes, ainda que não seguida estritamente à conduta especificada pela legislação. Isto ocorre porque o interprete há de conduzir-se tendo em mente o sentido teleológico da convenção, a partir do qual estará em condições de penetrar no elemento anímico que se encontra alojado, expressa e implicitamente, em cada uma das disposições projetadas. Não se trata, é bom ressalvar, de perquirir a vontade individual de cada um dos sujeitos envolvidos no litígio antes da formalização da avença, indagando-lhes as intenções mais recônditas, mas de descobrir e aviventar a essência do complexo volitivo que forma a unidade no ato ou negócio jurídico. A visão do julgador não está na letra do negócio ou ato jurídico celebrado, mas nas atitudes dos envolvidos (OLIVERIA, James Eduardo. Código Civil. Anotado e comentado. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 129-132). Em síntese, “o que importa é a vontade real, e não a vontade declarada” (Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Curso de Direito Civil. Parte Geral e LINDB, 13ª Ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 510). 74 PG - Proposição 2.29 Parte da legislação: Da Condição, do Termo e do Encargo (Parte Geral, Livro III, Título I, Capítulo III da Lei 10.406 de 10.01.2002) Artigo: 136 Enunciado proposto (resumo da proposição): Art. 136: A extinção do encargo de execução continuada a ser cumprido por pessoa jurídica beneficiária, na hipótese em que inexista estipulação de termo final ou disposição legal específica, dar-se-á, analogicamente, nas mesmas circunstâncias do art. 1.410, inciso III do Código Civil. Justificativa: Não se pode conceber ônus a ser cumprido por prazo ilimitado ou perpétuo. Tal ideia importa em absurdo jurídico. Além disso, o princípio da função social da propriedade vem relativizando, ponderadamente, as denominadas cláusulas limitadoras da propriedade. Tal abrandamento é perceptível mormente nas hipóteses em que a limitação – cogitadas sua finalidade e adequação aos princípios constitucionais – vem sendo contrária à fruição da propriedade não apenas por seu titular mas também pelo grupo social. A manutenção indefinida do encargo acaba por comprometer a livre circulação do bem e o cumprimento de sua própria função social. Sendo a beneficiária da liberalidade uma pessoa jurídica – cuja existência pode durar indefinidamente – e havendo estipulação de encargo de execução continuada sem demarcação de seu termo final, torna-se imperiosa a definição do momento da extinção do ônus. Neste sentido, a proposta sugere como parâmetro o inciso III do art. 1.410 do Código Civil, cujo fundamento prende-se a mesma ratio limitadora. Tal parâmetro, contudo, não deve ser observado quando outras disposições legais regulem a duração máxima da atividade a ser executada pela pessoa jurídica responsável, como bem exemplificam os acórdãos dos REsp nº 219.808-MG e 23.915-MG, divulgados pelo informativo 213 do STJ. A matéria interessa a inúmeras pessoas jurídicas de caráter filantrópico que, favorecidas, mas com limitação decorrente do encargo, pretendem promover a circulação ou a adequada exploração do bem após terem se desincumbido de seu ônus. 75 PG - Proposição 2.30 Parte da legislação: Parte Geral Artigo: CO, art.138, 145, 151, 156, 157 e 158 Enunciado proposto (resumo da proposição): Aplicam-se aos negócios jurídicos processuais previstos no art.190 do Novo Código de Processo Civil os defeitos dos negócios, constantes no código civil (erro ou ignorância, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores), e os seus efeitos. Justificativa: Novidade no atual Código de Processo Civil, o art.190 do NCPC admite um autorregramento da vontade processual das partes. Como tal, o negócio jurídico acima, além de possuir necessariamente os mesmos elementos de validação de qualquer outro negócio jurídico (art.104, CO) – atentando-se para o seu objeto mais restrito (por envolver exercício de função essencialmente pública, que é a jurisdição), precisa externar manifestações de vontades (dos envolvidos) livres de qualquer mácula, subjetiva e/ou objetiva. Justifica-se, assim, a conclusão acima exposta, ao passo que o art.190, parágrafo único, NCPC, limita o controle judicial aos casos de nulidade, abusividade em contrato de adesão ou manifesta vulnerabilidade. No entanto, as hipóteses de anulação de qualquer negócio jurídico (não por analogia, mas por aplicação direta) devem justificar o controle judicial negociado. Ademais, a falta desse controle acabaria por convalidar vício em negócio jurídico processual que poderia repercutir no direito material versado. Além disso, outra não foi a opção do legislador que, inclusive, protegeu o hipossuficiente no negócio jurídico (mesmo sem qualquer hipótese de anulação). Logo, ainda mais se justificaria o controle judicial em casos de anulação por defeito de anulabilidade no consentimento. 76 PG - Proposição 2.31 Parte da legislação: Parte Geral Artigo: 167 CO (simulação) Enunciado proposto (resumo da proposição): Sendo a simulação causa de nulidade do negócio jurídico, a mesma pode ser alegada e conhecida em sede de embargos de terceiro, pois não se confunde com o vício social da fraude contra credores, que deve ser alegado em ação própria. Justificativa: Com o advento do código civil de 2002 e o fortalecimento do princípio da boa-fé nas relações jurídicas, o “vício social” da simulação passou a receber tratamento jurídico distinto daquele conferido aos demais vícios do negócio jurídico. Diferentemente das consequências impostas aos negócios jurídicos que contenham os vícios do erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores, os quais podem ensejar a anulação do negócio (art. 171, II, 177 e 182 CO), no caso do negócio jurídico simulado, a consequência será a de nulidade (art. 167, 166, VII, 168 e 169 CO). Ocorre que ainda tem sido frequente, no âmbito dos tribunais, aplicar-se à simulação tratamento jurídico análogo àquele conferido à fraude contra credores, invocando-se, inclusive, a Súmula 195/STJ (editada em 1997). Contudo, salvo melhor juízo, referido tratamento jurídico conferido à simulação se mostra equivocado na vigência do código civil atual, pois tecnicamente a simulação não se encontra mais inserida no capítulo destinado a tratar dos “defeitos do negócio jurídico”, mas sim no capítulo seguinte, que regula o sistema das invalidades do negócio jurídico. Assim, tratando-se de hipótese que gera a nulidade absoluta do negócio, aplicase o disposto nos artigos 168, caput e parágrafo único e 169 do mesmo diploma legal, os quais estabelecem, inclusive, que o juiz deverá se pronunciar a respeito de hipótese de nulidade “quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas”, pronunciando-se, portanto, de ofício. 77 PG - Proposição 2.32 Parte da legislação: Da fraude contra credores (Livro III, Título I, Capítulo IV, Seção VI do Código Civil Brasileiro de 2002) Artigo: Artigo 171, inciso II, CO/02 Enunciado proposto (resumo da proposição): A fraude contra credores enseja a ineficácia sucessiva (inoponibilidade) da alienação ou oneração fraudulenta dos bens em favor do credor que a pleiteou, não havendo que se falar em anulabilidade. Justificativa: O artigo 171, II, do CO/02 dispõe que a fraude contra credores ensejaria a anulabilidade do negócio jurídico. No entanto, a doutrina e a jurisprudência do STJ (AgRg no AREsp 413.948/RS) sustentam, com acerto, que o ato praticado em fraude contra credores é válido, sendo que o reconhecimento da fraude contra credores em sede de ação pauliana enseja, em verdade, a ineficácia sucessiva da alienação ou oneração fraudulenta apenas em favor do exequente que tenha pleiteado o seu reconhecimento em juízo. Isso porque, caso se tratasse de anulabilidade, os bens alienados ou gravados fraudulentamente retornariam ao patrimônio do executado, prestando-se, assim, a satisfazer as dívidas por ele adquiridas com diferentes credores. No entanto, o que ocorre é que, uma vez reconhecida a fraude contra credores em ação própria, a alienação ou oneração fraudulenta será considerada ineficaz apenas em relação ao exequente que a tenha pleiteado em juízo. Diz-se sucessiva a ineficácia, tendo em vista que “o negócio jurídico fraudulento nasce plenamente eficaz, inclusive perante a execução em curso, de modo que a responsabilidade incidente sobre o bem alienado só se configura mediante o exercício bem-sucedido da ação pauliana” (ZAVASCKI, 2004, p. 210). O entendimento ora exposto é ratificado pelos artigos 792, §1º e 137 do novo CPC, os quais dispõem que a alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente, sendo certo que, tradicionalmente, tanto a jurisprudência quanto a doutrina processual pátrias tratam da fraude contra credores e da fraude à execução – que, afinal, são espécies do gênero alienação fraudulenta de bens − como sendo ambas ensejadoras de ineficácia. 78 PG - Proposição 2.33 Parte da legislação: Compra e Venda Artigo: 182 e 1034,II. Enunciado proposto (resumo da proposição): A invalidade do ato constitutivo de pessoa jurídica, seja fundação, associação civil, EIRELI ou sociedade tem como efeito a dissolução judicial. A disposição do Art. 182 do Código Civil deve ser interpretada em consonância com o disposto no Art. 1034, I do mesmo Código. Justificativa: A aplicação da disposição do Art. 182 do Código Civil aos atos constitutivos de pessoas jurídicas precisa ser interpretada de modo sistemático, pois sua aplicação literal pode provocar efeitos desastrosos, especialmente em pessoas jurídicas cujo ato constitutivo teve a invalidade (seja nulidade ou anulabilidade) reconhecida muitos anos após o início de suas atividades. As pessoas jurídicas mantém relações ao longo de anos com terceiros, além dos sócios, associados ou instituidores, não sendo possível a restituição fática de muitos efeitos. Contratos de trabalho, obrigações fiscais, etc., não podem ser resolvidos por “indenização”, tampouco é plausível a extinção da personalidade jurídica como efeito da nulidade. Uma interpretação literal do Art. 182 não se coaduna com os fins da norma. O Direito Societário contém disposição que pode servir de baliza interpretativa ao Art. 182, que é o disposto no Art. 1.034, I, que prevê a dissolução das sociedades. No regime da dissolução o liquidante irá promover os fins previstos no Art. 182, que é o de liquidar o patrimônio, apurando ativos e passivos, para, ao final, restituir o acervo aos titulares legítimos. Embora essa matéria seja pacífica em relação às sociedades, a ausência de disposição equivalente ao Art. 1.034, I na regulamentação das fundações, associações civis ou mesmo EIRELIs torna importante a edição do enunciado proposto. 79 PG - Proposição 2.34 Parte da legislação: Código Civil brasileiro Artigo: Art. 187 do CO brasileiro Enunciado proposto (resumo da proposição): Previsibilidade de conduta culposa e dano não são pressupostos necessários à caracterização da ilicitude civil prevista no enunciado normativo do art. 187 do CO brasileiro. A ilicitude, capaz de gerar restrições a um direito geral de liberdade pelo estabelecimento de obrigações de fazer e não-fazer, resta caracterizada a partir do exercício de ponderação entre liberdades colidentes, sendo orientada a proporcionalidade em concreto pelos elementos do fim econômico ou social, da boa-fé e dos bons costumes. Havendo dano a caracterizar hipótese de responsabilidade civil, conduz-se o exame do caso à interpretação conjunta dos enunciados normativos dos arts. 187 e 927 do CO brasileiro. Justificativa: O art. 187 do CO brasileiro preocupa-se em disciplinar caso de conduta ilícita gerada a partir de uma restrição de liberdade imposta pelo caso concreto e só aferível após a solução resultante da análise de um conflito de liberdades por meio da ponderação. Um ato ilícito, no caso, não identificado a partir de um elemento subjetivo relacionado ao agente – a previsibilidade da conduta culposa -, mas configurado por uma situação objetiva e concreta, decorrente do exame da conduta humana a partir das condições fáticas e jurídicas impostas pela realidade do caso e testadas por meio de uma proporcionalidade aplicada ao caso. O enunciado normativo permite ainda que se identifiquem os elementos que condicionam, de forma ideal, a análise da conduta avaliada em concreto no enunciado normativo. Ou seja, o que se torna esperado da conduta humana em determinada situação de conflito de liberdades, no sentido de que a conduta sob exame atenda o que reste definido, para as peculiaridades do caso, por fim econômico ou social, por boa-fé ou por bons costumes. Torna-se essencial examinar em que medida restou ameaçada a confiança depositada pelo indivíduo na relação de convivência (boa-fé). É uma confiança que se fará determinada por dados empíricos da tradição (bons costumes) e das características especiais do caso concreto trazido à apreciação do intérprete (fim econômico ou social). 80 PG - Proposição 2.35 Parte da legislação: Código Civil/2002 Artigo: Art. 189 Enunciado proposto (resumo da proposição): Nas pretensões decorrentes de doenças profissionais ou de caráter progressivo, o cômputo da prescrição iniciar-se-á somente a partir da ciência inequívoca da incapacidade do indivíduo e da origem, natureza e extensão dos danos causados. Justificativa: Considerando a premissa jurídico-axiológica, segundo a qual a pessoa humana qualificada na concreta relação jurídica em que se insere, de acordo com o valor social de sua atividade, figura na condição de categoria central do atual direito privado, e não mais o sujeito de direito neutro, anônimo e titular de patrimônio (TEPEDINO, Do sujeito de direito..., 2006), imperioso concluir por uma interpretação que se harmonize com os direitos fundamentais e os princípios constitucionais (FACHIN, Teoria crítica..., 2003). A jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça evidencia-se em consonância com a proposta ora apresentada, nos termos do julgamento do RESP-291.159/SP. De forma similar, ilustra o Tema de Recurso Repetitivo n.º 875/STJ. Entretanto, a presente proposta de enunciado possui amplitude mais larga, na medida em que não se restringe às situações de “acidente típico”, nem somente ao “teste fático da invalidez”, eis que dirige sua incidência para as hipóteses de doença profissional ou de caráter progressivo, com conjugada avaliação acerca da origem, natureza e, especialmente, da extensão dos danos que lhe sejam originários, diante de sua evolução diferida no tempo. 81 PG - Proposição 2.36 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 198, I Enunciado proposto (resumo da proposição): A execução de alimentos do menor impúbere prescreve somente após decorrido o prazo de dois anos da data em que completar 16 anos de idade. Justificativa: Dispõe o artigo 198, inciso I do Código Civil quanto a não ocorrência da prescrição em relação aos incapazes de que trata o artigo 3º do Código Civil. Ressalta-se sua incidência em ações de execução de alimentos nas quais o alimentado é menor impúbere, em razão da disposição do artigo 206, § 2º do Código Civil. Neste, o Código Civil traz expresso o prazo prescricional de dois anos para pretensão de prestação de alimentos, contados a partir da data em que se vencerem, argumento que muito tem sido usado para diminuir ou mesmo suprimir o montante do débito do alimentando. Não se olvide que os alimentos são direitos sociais esculpidos no artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil e devem ser garantidos, especialmente ao menor, posto que sua pretensão depende da atuação atenta dos operadores do Direito. 82 PG - Proposição 2.37 Parte da legislação: Parte Geral. Artigo: 199, inciso I Enunciado proposto (resumo da proposição): Inclui-se como interrupção de prescrição aquisitiva a expedição de decreto expropriatório para a afetação pública da propriedade (extracomercialidade superveniente) com a posterior alienação de bem publico para particulares, sendo incomputável os efeitos da prescrição aquisitiva para fins da usucapião, quando existente clausulas de condição resolutiva e/ou suspensiva no ato administrativo, de modo que interrompe o prazo prescricional para a aquisição de propriedade mediante usucapião, seja para os beneficiados a tal título, seja para terceiros, iniciando sua contagem quando do termino imposto na clausula da condição resolutiva e/ou suspensiva. Justificativa: Havendo decreto expropriatório (extracomercialidade superveniente) com a posterior alienação de bem publico para particulares é incomputável os efeitos da prescrição aquisitiva para fins de usucapião, quando existe clausulas de condição resolutiva e/ou suspensiva. A jurisprudência do STJ é pacifica nesse sentido: STJ; REsp 1.092.010; Proc. 2008/0213697-0; SC; Segunda Turma; Rel. Min. Castro Meira; Julg. 12/04/2011; DJE 15/09/2011; STJ - REsp 6.578-0 - PR - 1ª T - Rel. Min. Milton Luiz Pereira - DJU 09.05.94; STJ, 2.º T., REsp 21222-BA, rel. min. Hélio Mosimann, v.u., j. 10.12.1993, DJU 11.4.1994, p. 7626 – JSTJ 70/198 e STJ; RESP 21222; BA; Segunda Turma; Rel. Min. Hélio de Melo Mosimann; Julg. 10/12/1993; DJU 11/04/1994; pág. 07626.. Em se tratando de terra pertencente à União, Estado ou Municipio, ou mesmo já arrecadada e alienada mediante condição resolutiva a ocupação da área por qualquer pessoa será tida como mera detenção, não convalidando a posse até a decorrência do prazo imposto pela condição resolutiva ou suspensiva. 83 PG - Proposição 2.38 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Art. 202, parágrafo único Enunciado proposto (resumo da proposição): Admite-se a prescrição intercorrente pela interpretação do art. 202, p.u., do CO, de modo a permitir o reinício do prazo interrompido se o credor, intimado pessoalmente para dar andamento ao processo, permanecer inerte. Justificativa: O art. 202, p.u., do CO, disciplina o termo inicial para o reinício da contagem do prazo prescricional interrompido por uma das hipóteses previstas pelos incisos do referido artigo. Se a causa interruptiva é extrajudicial, o reinício ocorre a partir do próprio ato interruptivo. Já se causa é judicial, o prazo reinicia a partir do trânsito em julgado, tendo a parte o mesmo prazo de prescrição da pretensão para exigir o cumprimento da sentença (Súmula 150 do STF). Embora não haja referência expressa à prescrição intercorrente no art. 202, p.u., do CO, a correta interpretação do dispositivo permite extrair norma admitindo essa categoria jurídica. Justifica-se que o prazo prescricional interrompido fique paralisado durante o curso do processo, e até o trânsito em julgado, em razão de inexistir inércia do titular e até mesmo condições de adotar outro comportamento que não seja aguardar o desfecho do processo, sendo o tempo consumido para a entrega da jurisdição inerente ao mecanismo da justiça. Ao contrário, se o processo é paralisado por causa imputável ao próprio titular da situação jurídica, ao manter-se em estado de letargia, desaparece aquela causa justificadora da paralisação, a justificar o reinício do curso do prazo, deixando a situação jurídica de merecer tutela do ordenamento jurídico. Impõe-se apenas a intimação para que dê andamento ao processo, configurando-se assim a inércia decorrente da desídia do credor e autor da demanda judicial. 84 PG - Proposição 2.39 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 202 Enunciado proposto (resumo da proposição): A limitação legal quanto ao impedimento da interrupção prevista no art. 202 do Código Civil apenas se justifica quando for decorrente de idêntico instrumento jurídico conforme rol taxativo previsto nos incisos de referido dispositivo. Caso haja justificativa jurídica para que o interessado se utilize de mais de uma hipótese de interrupção, a mesma pode se dar por mais de uma vez se observada a boa-fé objetiva. Justificativa: Referida regra de interrupção da prescrição limitada em uma única vez (constante do art. 8º do Decreto 20.910/1932 e do art. 202 do Novo Código Civil) possui apenas uma única interpretação válida: só se interrompe a prescrição uma única vez quando a interrupção decorre de idêntico instrumento/meio jurídico. Isto se justifica pelo fato de que, havendo interrupções decorrentes de instrumentos jurídicos distintos (ex. protesto cambial e ajuizamento de ação), é destituída de sentido a interpretação de que apenas o primeiro ato interrompe o lapso prescricional. 85 PG - Proposição 2.40 Parte da legislação: Código de Processo Civil Artigo: 205, caput Enunciado proposto (resumo da proposição): Aplica-se a regra do artigo 205, caput, do Código Civil para pretensões de nulidade de registro imobiliário, quando praticadas pelo ente público com o objetivo de retomada de bem imóvel de particular. A imprescritibilidade determinada pelo parágrafo único do artigo 191 da Constituição Federal é aplicável somente nos casos em que o particular pretender adquirir imóvel do patrimônio público; não o contrário. Entendimento que se coaduna com o princípio da segurança jurídica dos atos administrativos. Justificativa: A pressão social por reforma agrária tem impelido a União Federal a buscar por alternativas para a resolução dessa questão, e uma delas tem sido a tentativa de transferir para o patrimônio público áreas de posse e domínio histórico do particular, alegando nulidades em seu registro imobiliário e invocando a imprescritibilidade dessa pretensão, baseada no art. 191 da Constituição Federal. Em que pese a prevalência do interesse público sobre o privado, a regra contida na norma constitucional citada não possui adequação com a citada pretensão, e nem assim pode ser interpretada por se tratar de mandamento com caráter excepcionalíssimo e exclusivo. Pretensões direcionadas à nulidade de matrículas imobiliárias com desconstituição de sua cadeia dominial, quando praticadas pelo ente público, também devem ser alvo da figura jurídica da prescrição (art. 205, caput, do Código Civil), notadamente porque essa nulidade incidirá sobre atos intrínsecos à atividade registral, com natureza estatal e exercida em caráter privado por delegação do próprio Poder Público, correlacionada ao senso e noção de segurança jurídica dos atos administrativos. Há que se reconhecer o princípio da continuidade do registro imobiliário como pilar de sustentação para a estabilidade dos negócios jurídicos que o envolvem, razão pela qual a adoção da aplicação da prescrição no caso apontado se faz necessária. 86 PG - Proposição 2.41 Parte da legislação: Código Civil. Título IV, Capítulo I, Seção IV Artigo: 205 Enunciado proposto (resumo da proposição): Por não se tratar de dano decorrente de acidente de consumo, tampouco de enriquecimento sem causa, mas de pagamento indevido, a pretensão ao ressarcimento da taxa de serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI) e da comissão de corretagem adimplidas em razão do compromisso de compra e venda de bem imóvel prescreve em 10 (dez) anos, nos termos do artigo 205 do Código Civil. Justificativa: Ab initio, destaca-se que, embora a relação jurídica seja disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, a análise da prescrição será com esteio no Código Civil. Isso porque a lei consumerista apenas insculpe no seu art. 27 o lapso prescricional para os casos de reparação pelos danos decorrentes de acidente de consumo. Logo, por se aplicado o Código Civil nesse ponto, questiona-se qual prazo prescricional deve incidir. Deveras, enquanto o instituto de enriquecimento sem causa prescreve em 3(três) anos, com base no art. 206, § 3º, IV, o de pagamento indevido, por falta de previsão específica, caduca em 10 (dez) anos, nos termos do art. 205. Tratando-se de institutos disciplinados diversamente pelo legislador, a ação de enriquecimento sem causa será ajuizada somente se não houver regra específica regulando a relação jurídica entre as partes. Se houver, poderá ser utilizado esse instituto como princípio e não como regra. Com base nessa premissa, as cobranças da taxa SATI e da corretagem não se alicerçam na devolução por enriquecimento sem causa, mas na restituição de pagamento indevido em razão da existência de cláusulas contratuais consideradas abusivas e devidamente discutidas com espeque nas regras próprias do CDC (v.g. arts. 39, V e 51, III e IV). Em suma, a pretensão ao ressarcimento da taxa SATI e da corretagem, por dizer respeito a valores pagos indevidamente e sem interstício específico para demandar, prescreve em 10 (dez) anos, aplicando-se o prazo geral do art. 205 do CO. 87 PG - Proposição 2.42 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 205 e 206, § 3o, V Enunciado proposto (resumo da proposição): O prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se somente à responsabilidade extracontratual, destinando-se à responsabilidade contratual o prazo genérico de dez anos previsto no art. 205 do Código Civil. Justificativa: No julgamento do REsp 1276311/RS (Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 17/10/2011), o Superior Tribunal de Justiça inaugurou o entendimento de que, em se tratando de responsabilidade contratual “o caso não se amolda a nenhum dos prazos específicos do Código Civil, incidindo o prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205, do mencionado Diploma”. Em outros julgados posteriores, a Corte Superior já se manifestou novamente no mesmo sentido, a exemplo do AgRg no REsp 1344043/DF (Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 04/02/2014) e do REsp 1222423/SP (Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/09/2011, DJe 01/02/2012). Pode-se questionar de qual seria o motivo de se entender que a expressão “pretensão de reparação civil” não abarca a responsabilidade contratual. É que, consoante regra de hermenêutica já consagrada, não se pode dar interpretação extensiva às regras sobre prescrição, que implicam em perda de direito por quem o tem. Trata-se de franca aplicação analógica, aos fatos jurídicos em geral, do art. 114 do Código Civil de 2002. A interpretação restritiva das normas sobre prescrição já foi reconhecida pelo STJ nos julgamentos do REsp 799.744/DF (Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2006, DJ 09/10/2006, p. 300) e do REsp 1273311/SP (Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/10/2013, DJe 10/10/2013) 88 PG - Proposição 2.43 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Art. 206, § 3º, V. Enunciado proposto (resumo da proposição): É de 3 anos, pelo art. 206, § 3º, V, do CO, o prazo prescricional para a pretensão indenizatória da seguradora contra o causador de dano ao segurado, pois a seguradora sub-roga-se em seus direitos. Justificativa: Controverte-se sobre o prazo prescricional aplicável na hipótese de sub-rogação, pela seguradora, nos direitos do segurado. De acordo com o art. 786 do CO, “paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”. Como sabido, é de 1 ano o prazo prescricional da pretensão do segurado contra a seguradora e vice-versa (art. 206, § 1º, II, CO). Em regra, o termo inicial para a contagem do prazo recai sobre a ciência do fato gerador da pretensão, excepcionada a hipótese do seguro de responsabilidade civil, cuja contagem é feita após a citação na ação ajuizada pelo terceiro prejudicado. No caso de segurado vítima de dano, a relação jurídica é obrigacional e absolutamente diversa, sendo o ato ilícito sua fonte. O segurado torna-se credor do autor da lesão. Sendo a sub-rogação a substituição naquela relação jurídica, automaticamente o prazo prescricional do credor originário (segurado) passará a ser o da seguradora, ou seja, o prazo para a responsabilidade civil prevista pelo art. 206, § 3º, V, do CO. Essa posição vai ao encontro do que admitia o Egrégio STJ antes da entrada em vigor do CO/02 (REsp 191162/DF), embora aplicando-se o prazo geral de 20 anos, pois não havia prazo específico para a pretensão de responsabilidade civil, ao contrário do que ocorre no CO/02 (3 anos), cujo art. 206, § 3º, V, do CO, aplica-se tanto para a responsabilidade contratual como para a extracontratual (Enunciado 419 da V Jornada de Direito Civil). E no mesmo sentido existe precedente no STJ posterior ao CO/02 (REsp 1162649 / SP). 89 PG - Proposição 2.44 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 215, § 1º, inciso VII. Enunciado proposto (resumo da proposição): “A declaração de vontade das partes na escritura pública lavrada por tabelião pode ser manifestada e formalizada mediante assinatura eletrônica ou certificado digital, do modo como aplicado no processo judicial eletrônico.” Justificativa: A evolução constante da tecnologia e da informática aplicada aos atos jurídicos está a exigir a modificação de procedimentos até agora adotados no ambiente físico, com a progressiva utilização dos meios digitais. Assim passou a ocorrer no âmbito do processo judicial eletrônico, regulado pela Lei 11.419/2006, e que representa uma realidade no Poder Judiciário. As atividades notariais e registrais também seguem a evolução tecnológica, e a adoção da assinatura eletrônica e do certificado digital para a formalização e lavratura de escrituras e procurações deve seguir esses novos procedimentos, que agilizam e facilitam a execução desses atos, inclusive com maiores padrões de segurança jurídica. O art. 11 da Lei 11.419/2006 equipara os documentos digitais a toda modalidade de documento físico ou analógico, e a validade dos atos de declaração de vontade manifestados em meio eletrônico encontra previsão expressa no art. 10 da Medida Provisória 2.200/2001, que institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP/Brasil. A jurisprudência do STJ vem consolidando o conceito e aplicação da assinatura eletrônica e do uso dos certificados digitais nos processos judiciais (2ª Seção, AgRg na Rcl 23601/SP; 2ª Turma, AgRg no REsp 1500361/RS; 3ª Turma, AgRg no AREsp 620586/RS; 4ª Turma, AgRg no AREsp 187151/SP) e o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015, art. 205) consagrou, em definitivo, o uso da assinatura eletrônica nos atos judiciais. 90 PG - Proposição 2.45 Parte da legislação: Geral Artigo: 219, §5º Enunciado proposto (resumo da proposição): À luz do art. 2.028 do Código Civil, o juiz somente poderá reconhecer de ofício a prescrição, com o fundamento do art. 219, §5º do Código Civil, se já houver transcorrido mais da metade do prazo estabelecido na lei revogada; caso contrário deverá observar o art. 10 do novo Código de Processo Civil. Justificativa: Sabe-se que as novas leis processuais, em regra, têm aplicabilidade imediata, entretanto alguns prazos que já estão em contagem podem ter um procedimento diverso. De acordo com o art. 219, §5o do Código Civil, o juiz pode pronunciar, de ofício, a prescrição, contudo o Código de Processo Civil de 2015 impede que o juiz decida, em qualquer grau de jurisdição, sem a manifestação das partes. A prescrição, enquanto instituto de direito material, foi tratada de forma anômala e equivocada no art. 219 do novo Código de Processo Civil. Ignorou - se seus atributos, em especial o fato de apenas atingir a pretensão e não o direito. Não pode, portanto, se submeter à característica da aplicação imediata de prazos processuais, o que requer seja pensada uma regra de transição como a do enunciado ora proposto, como medida de compatibilização entre o Código Civil de 2002 e o novo Código de Processo Civil. Por isso, estas situações devem ser combinadas com o art. 2.028 do Código Civil, o qual garantirá um período de transição maior, promovendo sua efetiva aplicação. Sendo assim, nos casos em que já se passaram mais da metade do tempo estabelecido pela lei revogada, o juiz poderá determinar a prescrição de ofício, caso contrário, deverá seguir a nova lei, sendo necessária a manifestação das partes. De fato, o que se busca é uma limitação no uso do art. 219, §5o do Código Civil pelos magistrados, permitindo que o Novo Código de Processo Civil seja efetivamente implantado, já que o princípio do contraditório efetivo o permeia completamente. 91 PG - Proposição 2.46 Parte da legislação: Da prova (Livro III, Título V, do Código Civil Brasileiro de 2002) Artigo: 221 Enunciado proposto (resumo da proposição): O instrumento público lavrado por oficial público incompetente ou sem a observância das formalidades legais, desde que assinado pelas partes, ostenta a mesma eficácia probatória do instrumento particular, na forma do artigo 407, do novo Código de Processo Civil. Justificativa: O novo Código de Processo Civil equipara o instrumento público ao particular, no que concerne à sua força probante, sempre que lavrado por oficial público incompetente ou inobservadas as formalidades prescritas em lei para o ato. Considerando-se, por outro lado, que o artigo 221 do Código Civil de 2002 destina-se precisamente a conceituar o instrumento particular, contemplando os seus requisitos legais, afigura-se recomendável a edição de enunciado que agregue o teor da norma processual ao disposto na codificação civil pátria, de modo a promover salutar interpretação sistemática de nosso ordenamento jurídico. 92 PG - Proposição 2.47 Parte da legislação: Lei 13.105/2015 (novo CPC) Artigo: Art. 332, §1º Enunciado proposto (resumo da proposição): O juiz deve decretar ex officio a prescrição ou a decadência, mesmo nos casos em que se aplique a Lei 13.105/2015 Justificativa: A redação original da Lei 10.406/2002 previa que “Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz.”. A palavra “pode” suscitou dúvidas, de forma que foi aprovado o enunciado 154, afirmando que “O juiz deve suprir, de ofício, a alegação de prescrição em favor do absolutamente incapaz.” (a matéria também foi objeto dos enunciados 155 e 295). A Lei 11.280/2006 revogou o art. 194 do CO e modificou o art. 219, §5º do CPC para constar que “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”. Consolidou-se a posição de que a prescrição deveria ser pronunciada ex officio. A Lei 13.105/2015 (novo CPC) trouxe redação que pode trazer margem para dúvida, suscitando novamente conflitos já vivenciados na jurisprudência. O art. 332 no novo CPC dispõe que o juiz “julgará liminarmente improcedente” o pedido formulado na inicial em determinadas hipóteses previstas nos respectivos incisos. No entanto, relegou topograficamente as hipóteses de prescrição e decadência para o §1º e afirmou que o juiz “poderá” julgar liminarmente improcedente em tais casos (“§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.”). A imprecisão terminológica e o formato adotado pode permitir a compreensão de que não há dever de julgar liminarmente improcedente o pedido formulado nas hipóteses de prescrição e decadência. 93 PG - Proposição 2.48 Parte da legislação: Parte Geral Artigo: CO, art. 422 Enunciado proposto (resumo da proposição): A aplicação do venire contra factum proprium exige: 1) duas condutas de uma mesma pessoa; 2) identidade das parte envolvidas; 3) desenvolvimento do tema numa mesma situação jurídica; 4) que o fato anterior tenha criado uma situação de confiança; 5) um dano ou potencial dano decorrente da contradição. Justificativa: A boa fé objetiva possui um cunho interpretativo (art.113, CO), restritivo de direitos (art.187, CO) e integrativo (art.422, CO). Neste último, destaca-se o venire contra factum proprium. A crescente aplicação dessa expressão da boa fé objetiva nos planos contratual (o que inclui o aspecto pré e pós contratual) e processual (art.5º, NCPC), acaba por exigir uma maior especificação dos seus requisitos elementares, afinal, se o diagnóstico for equivocado, o remédio a ser prescrito também será equivocado e, além de não melhorar os sintomas que o paciente tem sentido, podem torná-los ainda piores. Desse modo, é essencial que haja mais de uma conduta da mesma pessoa, à medida que, se o segundo fato decorrer de evento da natureza (fato jurídico stricto sensu), por exemplo, não há que se imputar qualquer deslealdade ao beneficiado. Outrossim, é preciso que ambas as condutas humanas contraditórias tenham se desenvolvido no âmbito da mesma situação jurídica, numa espécie de preclusão material do sujeito que já optou por uma via! Por fim, a existência de dano decorrente (efetivo ou potencial) exige a alteridade dos efeitos da mudança de comportamento, sendo suficiente, para tanto, a produção de dano na outra parte envolvida ou em terceiro diretamente relacionado. Com isso, almeja-se conferir maior objetividade e, por conseguinte, maior convergência, na qualificação jurídica do tema nos casos concretos, sobretudo diante da recente processualização da matéria (em relação aos negócios jurídicos processuais). 94 95 COMISSÃO DE CONTRATOS E OBRIGAÇÕES RESPONSÁVEIS: ANA DE OLIVEIRA FRAZÃO E PAULO ROBERTO ROQUE ANTONIO KHOURI CO - Proposição 3.1 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 393 e 424. Enunciado proposto (resumo da proposição): É nula a cláusula contratual inserida no âmbito dos contratos de adesão, em relações de consumo ou não, que imponha ao aderente a assunção dos riscos por caso fortuito ou força maior. Justificativa: Como se sabe, o art. 393, in fine do CC/02 traz uma exceção à regra de que "[o] devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior", permitindo que o devedor, por expressa disposição contratual, assuma esses riscos. Desta forma, é da natureza das obrigações que o devedor não responda pelos danos advindos de caso fortuito e força maior, sendo possível apenas por livre manifestação de vontade. Paralelo a isso, é cada vez mais comum a existência de cláusulas contratuais que imponham esta assunção de risco ao aderente nos contratos de adesão. Contudo, é inconteste que a celebração de contratos de adesão importa, em certa medida, na mitigação à liberdade de contratar, já que apenas uma das partes conserva a faculdade de estabelecer as cláusulas, cabendo a outra, apenas, a escolha de contratar ou não. Ciente disso, o art. 424 CC/02 estabelece que "[...] são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio". Por certo, a assunção dos riscos pelos danos advindos de caso fortuito e força maior representam uma renúncia à regra da irresponsabilidade. Assim, o art. 393 precisa ser interpretado em sintonia com o art. 424, de modo que se reconheça a nulidade da cláusula contratual que imponha ao aderente a renúncia à regra da irresponsabilidade pelos danos causados por caso fortuito e força maior. Esse também parece ser o entendimento de Gustavo Tepedino (in, Código Civil Interpretado, v. I). Com isso, mostra-se relevante a manifestação dessa Comissão de Trabalho a fim de contribuir para a melhor interpretação dos dispositivos legais mencionados. 96 CO - Proposição 3.2 Parte da legislação: Código Civil Artigo: arts. 394, 395 e 475 Enunciado proposto (resumo da proposição): A concessão de prazo de graça não implica novação objetiva, renúncia ao direito de o credor pleitear o ressarcimento que a mora der causa, desde o primeiro vencimento, e afasta do credor o ônus de provar a essencialidade do inadimplemento. Contudo, obsta o exercício de qualquer ação do credor perante o devedor ao logo do tempo suplementar. Justificativa: Pouco investigado no direito Brasileiro (vide Pontes De Miranda. Tratado ..., t XXVI. p. 11-12), o Nachfrist (prazo de graça ou suplementar) tem origem no § 323 BGB, o qual admite a concessão do prazo suplementar com efeito resolutivo, tanto na hipótese de falta de entrega como na de entrega defeituosa ou não conforme. A relevância do prazo de graça se avulta em vista do DL 538/2012 e D. 8.327/2014 (CISG) que valoriza e protege a posição do credor que estende o termo final do cumprimento da prestação (arts. 24 e 44). O novo posicionamento do direito nacional (D. 8.327/2014) reforça a tendência da máxima utilidade e conservação do contrato, colocando-se a resolução pelo inadimplemento ou pela mora, enquanto negócio jurídico fixo (Fixgeschäft), como ultima ratio e mediante demonstração da essencialidade do inadimplemento ou da inutilidade do tardio cumprimento da prestação. Com efeito, entram em questão os arts. 394, 395 e 475 do Código Civil, por estabelecerem um rígido sistema temporal de cumprimento da prestação e de consequências pelo descumprimento, sem tutelar os interesses do credor que lança mão do Nachfrist. Por esse, confere-se prazo suplementar e somente quando vencido o segundo prazo configurar-se o direito resolutório do contrato, mesmo que não seja essencial o inadimplemento. Assim: valoriza-se a conservação do contrato; impede-se que o credor exerça qualquer direito contra o devedor ao longo do tempo estendido, sob pena de venire contra factum proprium; afasta do credor o ônus de provar a essencialidade do inadimplemento; não configura renúncia do credor a eventual direito ressarcitório pela mora do primeiro prazo. 97 CO - Proposição 3.3 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 421 Enunciado proposto (resumo da proposição): É imprescindível avaliar os componentes psicológicos das relações contratuais para a definição do equilíbrio sócio-econômico entre as partes. Justificativa: A lei civil, embora tradutora do costume, não consegue desenhar a relação do fato social com a individualidade dos agentes atuantes numa sociedade, ainda mais quando essa apreciação é sempre dificultada pelo fato de se tratarem de valores intangíveis. Ora, o espectro social se agiganta, desconstituindo a realidade das relações (exemplo: durante a vigência da Constituição de 1824, a preservação dos direitos humanos, expressamente mencionada, excluía escravos, não considerados na espécie. Eram coisas). Ora, a dificuldade científica das considerações psicológicas se apresenta, até porque, não raro, o julgador se projeta inconscientemente, no fato, sem se dar conta de mecanismos de transferência e autodefesa, que acabam por influenciar o julgado. Daí, a ratificação da necessidade de se exponenciar a observação dos critérios científicos psicológicos. Sobre a matéria Pontes de Miranda esboçou preocupações traduzidas na obra “À margem do Direito” (Ensaio de Psicologia Jurídica: Bookseller, Campinas, 2002), cujo estímulo está em o autor ter considerado a psicologia jurídica teoria basilar do direito. 98 CO - Proposição 3.4 Parte da legislação: Código Civil Artigo: CC, arts. 421 e 422 Enunciado proposto (resumo da proposição): Aplicam-se aos negócios jurídicos de direitos autorais o disposto sobre a função social dos contratos, boa-fé e demais princípios contratuais. Justificativa: Os princípios contratuais estabelecidos nos artigos 421 e 422 do Código Civil alcançam todos os negócios jurídicos privados, mesmo com relação àqueles direitos estabelecidos em leis especiais. As características sistêmicas do ordenamento jurídico asseguram sua unidade, ao par que as axiológicas reafirmam a centralidade da constituição, e, na medida em que boa-fé e função social são princípios representativos da eticidade e solidariedade, como nos ensinam os professores Miguel Reale e Judith Martins Costa, exige-se sua efetividade e penetrabilidade por todo o sistema jurídico, a fim de propiciar a construção unitária do ordenamento, tema em que merecem destaques as contribuições do professor Gustavo Tepedino. Justifica-se este enunciado pela necessidade de consolidação deste entendimento paradigmático e consequente redução de recursos repetitivos e casos judiciais em torno do tema. 99 CO - Proposição 3.5 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 294 Enunciado proposto (resumo da proposição): A cessão de crédito é negócio jurídico de natureza causal, de forma que o devedor poderá opor ao cessionário a nulidade do negócio jurídico subjacente. Justificativa: Como dispõe o próprio artigo 294 do Código Civil, o devedor pode opor, perante o cessionário, as exceções e objeções que tinha contra o cedente. Uma destas é a nulidade do negócio jurídico subjacente por ilicitude dos motivos, conforme exposto no artigo 166, IV, do Código Civil. Ademais, a causa da atribuição reside no negócio subjacente, de modo que o acordo de transmissão não tem o condão de alterar aquela. 100 CO - Proposição 3.6 Parte da legislação: Código Civil Artigo: CC, arts. 421 e 425 Enunciado proposto (resumo da proposição): As garantias contratuais não se restringem às pessoais, às reais, às tipificadas no Código Civil ou na Legislação Especial. Com suporte na liberdade contratual e, portanto, em concretização da autonomia privada as partes podem pactuar garantias atípicas. Justificativa: A dicotomia pessoais/reais não exaure o universo das garantias contratuais. “Apesar da correção da bipartição tradicional, desde sempre houve figuras que a ela não se podiam reconduzir, como os privilégios gerais ou a separação de patrimónios, tendo a evolução da prática vindo ainda a admitir outros casos especiais de garantia, como a transmissão da propriedade com esse fim ou as garantias especiais sobre certos direitos.” (LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Garantias das Obrigações. Coimbra: Edições Almedina, 2008, p. 15). Segundo Vera Maria Jacob de Fradera: “as clássicas garantias fidejussórias, fiança e aval, não esgotam todas as hipóteses possíveis de prestação de garantia, do tipo pessoal, admitindo-se, neste âmbito, contratos inominados e atípicos”. (FRADERA, Vera Maria Jacob de. Os contratos autônomos de garantia. In: Revista Ajuris, vol. 53, nov 1991. Porto Alegre, p. 242). A liberdade contratual, consubstanciada na autorregulamentação dos interesses particulares, abrange a faculdade de contratar e não contratar, a liberdade de escolha da pessoa com quem contratar, bem como a liberdade de fixar o conteúdo do contrato. No direito de escolher o conteúdo do contrato encontra-se encartado o de construir a garantia contratual que convém às partes. Ensina Vera Maria Jacob de Fradera que “as prestações de garantia não se submetem a numerus clausus nem a nomenclatura exaustiva.” (Idem). O aprofundamento das garantias, em sua dimensão de atipicidade, é questão da maior relevância diante da cláusula geral de negócio jurídico processual prevista no art. 190 do CPC/2015. 101 CO - Proposição 3.7 Parte da legislação: Código Civil Artigo: CC, arts. 421 e 425 Enunciado proposto (resumo da proposição): Da conjugação dos arts. 421 e 425 do Código Civil com o art. 190 do CPC/2015, em diálogo de fontes, deriva a norma segundo a qual as partes possuem a faculdade de estabelecer, via negócio jurídico processual, técnicas processuais diferenciadas objetivando a efetiva e célere implementação de garantias contratuais. Justificativa: Uma vez que permite a criação de técnicas processuais adequadas e efetivas para a arquitetura e a implementação de garantias contratuais, o negócio jurídico processual (art. 190/CPC 2015) surge como novo instrumental que necessariamente deverá ser estudado com atenção pelo ângulo da teoria geral das obrigações e dos contratos. Abrese, pois, a perspectiva de um renovado Direito das Garantias para a realidade jurídica brasileira. Um vasto campo de estudos e de trabalhos se estende aos profissionais que atuam na área jurídica. Ante o fato de a cláusula geral em foco permitir negócios jurídicos processuais atípicos, fica instituído no ordenamento jurídico nacional, de forma inovadora, a possibilidade de qualquer particular definir programas contratuais com o suporte de garantias eficientes. Cuida-se de uma abertura sem precedentes, a demonstrar que garantias contratuais adequadas e operáveis não são privilégios reservados apenas a grupos detentores de poder econômico. Impossível, doravante, pensar em garantias contratuais sem considerar a participação do negócio jurídico processual. 102 CO - Proposição 3.8 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 423 Enunciado proposto (resumo da proposição): Nas contratações de adesão, havendo conflito de conteúdo entre cláusulas resolutivas expressas, deve prevalecer a que se mostrar mais favorável aos interesses do aderente, em sintonia com o que dispõe o artigo 423, do Código Civil. Justificativa: A lei brasileira, diferentemente da legislação europeia, não possui um diploma específico para as contratações de adesão fora das relações de consumo. Dessa forma, nos contratos de adesão firmados entre particulares, existem inúmeras cláusulas que geram manifesto desequilíbrio entre as partes, prejudicando a análise dos termos do contrato. Todavia, observando-se o Código Civil e os princípios dele derivados, verifica-se que atualmente não são aceitos, pelos nossos tribunais, contratos de adesão manifestamente injustos. Afinal, se todas as cláusulas de um contrato são elaboradas por apenas uma das partes envolvidas no negócio, e à outra parte cabe apenas a faculdade de aderir ou não à contratação, é evidente que a nulidade das cláusulas contratuais neste contrato não pode ser restringida apenas à hipótese prevista no art. 424. O que se defende é que o art. 424 apenas exemplificou um dos tipos de nulidade comuns nas contratações de adesão. Contudo, nas contratações de adesão, uma cláusula muito comum é aquela que encerra antecipadamente o vínculo contratual quando há outra cláusula em que são previstos prazos determinados. Neste caso, se o encerramento prematuro do contrato não se mostra favorável aos interesses do aderente, o melhor seria – em sintonia com o disposto no art. 423 – prestigiar a cláusula que estabelece o vínculo por prazo determinado. Ademais, o contrato que cumpre com a sua função social não é aquele encerrado antecipadamente, mas sim o contrato devidamente cumprido conforme estipulação das partes. 103 CO - Proposição 3.9 Parte da legislação: Código Civil Artigo: CC, art. 424 Enunciado proposto (resumo da proposição): A cláusula de exclusão de responsabilidade insertada no contrato de adesão civil ou interempresarial é válida, desde que não comprometa direito resultante da própria natureza do negócio e sejam observadas a boa-fé objetiva e a função social do contrato. Justificativa: Na nova visão do Direito Civil-Constitucional as cláusulas de irresponsabilidade perderam força, pois na prática, elas, às vezes, se mostram abusivas e distanciadas da nova principiologia do direito contratual, em especial, pela sua desconexão com os princípios da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1, III, CRF/88) e da Solidariedade (Art. 3, I, CRF/88). Por outro lado, mesmo diante da unificação do Direito Privado (no que se tange ao Direito Obrigacional) com o Código Civil de 2002, não se pode olvidar que nas relações civis e principalmente as interempresariais, onde as partes contratantes (Empresário x Empresário) são profissionais e objetivam o lucro e a eficiência dos contratos (Cf. ROPPO, Enzo. O contrato...), a cláusula de irresponsabilidade torna-se por vezes necessária e imperiosa para viabilidade econômica do contrato. Assim, não ocorrendo renúncia antecipada do aderente a direito resultante da própria natureza do negócio e, ainda, havendo estrita observância aos princípios da boa-fé objetiva e função social, a referida cláusula deve ser considerada válida nos contratos de adesão civis e interempresariais. 104 CO - Proposição 3.10 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 441 Enunciado proposto (resumo da proposição): O art. 441, do Código Civil, deve ser interpretado no sentido de abranger também os contratos aleatórios, desde que a álea recaia sobre a existência da coisa e não sobre sua qualidade. Justificativa: Segundo a literalidade do dispositivo, a garantia contra vícios redibitórios se aplicaria apenas aos contratos comutativos diante da incerteza dos contratantes inerente aos contratos aleatórios. Entretanto, a interpretação do art. 441 deve ser revisitada à luz do princípio do equilíbrio contratual, para abranger também os contratos aleatórios, desde que a álea se refira apenas à existência da coisa. Com efeito, se a álea se circunscrever à quantidade da coisa contratada, não abrangendo sua qualidade, a parte que recebeu a coisa defeituosa, mesmo que em virtude de contrato aleatório, poderá se valer da garantia por vícios redibitórios. Caso, por outro lado, a álea recaia sobre a qualidade da coisa, há de se afastar necessariamente a aplicação da disciplina pertinente aos vícios redibitórios, vez que as partes assumiram o risco de a coisa a ser entregue se encontrar com vício de qualidade que a torne imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminua o valor. Caberá, portanto, ao intérprete, diante do caso concreto, estabelecer com precisão os limites da álea do negócio, verificando se nela se insere a qualidade da coisa, sua quantidade ou ambas. 105 CO - Proposição 3.11 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 464 e 170 Enunciado proposto (resumo da proposição): Na adjudicação compulsória, o suprimento da vontade da parte pelo juiz se limita à conversão do contrato preliminar em definitivo, vedado ao juiz interferir de forma discricionária e injustificada na autonomia privada das partes. Justificativa: Determina o Art. 464 do Código Civil que, esgotado o prazo determinado no contrato preliminar, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar. Dispositivo semelhante se encontra no 466-B do Código de Processo Civil de 1973, que determina que, caso uma das partes não cumprir obrigação de concluir um contrato, a outra parte poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado. Não é prerrogativa do Estado-juiz interferir na relação jurídica contratual, de modo que o suprimento da vontade das partes não pode abalar a autonomia da vontade das partes ao celebrar contrato preliminar. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, o Código de 2002 dá primazia à execução específica da obrigação de fazer contida no contrato preliminar. Dessa forma, não pode o juiz, na ocasião da adjudicação compulsória, interferir no conteúdo das cláusulas contratuais, limitando sua atuação à garantia do cumprimento da obrigação de celebrar o contrato definitivo. 106 CO - Proposição 3.12 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 464 e 170 Enunciado proposto (resumo da proposição): Ainda que o contrato preliminar contenha alguma causa de nulidade ou de anulabilidade, o juiz poderá realizar a adjudicação compulsória para outro negócio jurídico cujos requisitos estejam cumpridos. Justificativa: De acordo com o descrito no Art. 170 do Código Civil, quando um negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este outro quando atender à vontade das partes. O Artigo 464, por sua vez, indica que o juiz poderá suprir a vontade da parte inadimplente no sentido de tornar definitivo o contrato preliminar. À luz da operabilidade, princípio norteador da comissão redatora do Código Civil de 2002, é possível que seja feita a adjudicação compulsória do contrato preliminar para o negócio jurídico que tiver seus requisitos atendidos no negócio primitivo defeituoso. A atuação do juiz está limitada pelo objetivo pretendido pelas partes, de maneira que a conversão do contrato preliminar não invade a esfera de autonomia da vontade dos contratantes, mas viabiliza sua preservação. 107 CO - Proposição 3.13 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 472 Enunciado proposto (resumo da proposição): Na contratação escrita, desde que não haja solenidade obrigatória, admite-se que o distrato não seja pactuado formalmente, podendo ser provado por qualquer meio idôneo que reflita de forma inequívoca essa intenção das partes. Justificativa: Embora o art. 472 do Código Civil diga que o distrato faz-se da mesma forma que o contrato, verifica-se, que os contratos em regra são consensuais, ou seja, não dependem de forma solene ou escrita para gerarem vínculos jurídicos. “O art. 472 do Código Civil não prescreve que o distrato deve obedecer à forma utilizada para a celebração do contrato originário, mas que deve ser implementado “pela mesma forma exigida para o contrato” originário. Não é, pois, exatamente a forma do contrato originário que subordina a forma do distrato. O que define a forma do distrato é a forma exigida pela lei para o contrato originário. Portanto, a coincidência formal entre contrato e distrato nem sempre é obrigatória. Só o será nas hipóteses de contratos de forma especial”. Nesse sentido, eventual distrato que tenha sido celebrado de forma tácita, seja através de comunicações via e-mail ou telegrama, nestes casos, havendo uma prova irrefutável de que as mesmas partes que contrataram também resolveram colocar fim antecipado de forma consensual ao vínculo jurídico, não importa nessa situação se a forma do contrato celebrado foi ou não foi obedecido. Deve-se prestigiar a vontade das partes. Se o princípio do consensualismo é a regra nas relações contratuais, com muito mais razão a autonomia da vontade manifestada quanto ao encerramento prematuro do vínculo contratual, de forma bilateral, deve ser prestigiado, assim procedendo estará fazendo valer a boa-fé nos contratos e respeitando a vontade das partes. 108 CO - Proposição 3.14 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 475 Enunciado proposto (resumo da proposição): Embora a cláusula resolutiva expressa opere de pleno direito, o credor não fica dispensado de notificar o devedor a respeito do exercício do direito potestativo de resolução, especialmente quando a prestação ainda lhe for útil, em atenção ao princípio da boa-fé objetiva. Justificativa: A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito, dispensando intervenção judicial. Ocorrendo o inadimplemento contratual que dá ensejo ao exercício do direito potestativo de resolução contratual, parece legítimo exigir que o credor notifique o devedor quanto à opção adotada, notadamente quando a prestação ainda possa ser considerada útil. Tal exigência decorre da própria aplicação do princípio da boa-fé objetiva e visa, em última análise, preservar os interesses de ambas as partes. 109 CO - Proposição 3.15 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 477 Enunciado proposto (resumo da proposição): Quando, por fato superveniente ao contrato, o adimplemento da prestação no vencimento pelo devedor tornar-se faticamente impossível ou demasiadamente improvável, o credor poderá pedir a resolução antecipada do contrato por culpa do devedor em nome da “quebra antecipada do contrato", também conhecida como antecipatory breach ou anticipatory repudiation. Justificativa: A despeito da inexistência de previsão legal específica, a "quebra antecipada do contrato" é plenamente acolhida pelo Código Civil, que, iluminado pelos raios principiológicos da Constituição Federal e vestido pelas diretrizes da eticidade e socialidade, condena ofensas à boa-fé objetiva, ao abuso de direito e à função social dos contratos. O art. 477 do Código Civil prevê a “exceção de inseguridade”, segundo a qual o credor poderá servir-se dos mecanismos de cautelas lá previstos quando verificar que o adimplemento da prestação no vencimento pelo devedor é duvidoso. É possível, porém, extrair desse dispositivo, por analogia, e dos princípios supracitados, além da própria aplicação analógica do art. 476 do Código Civil, a quebra antecipada do contrato, que permite a própria resolução do contrato por inadimplemento antecipado do devedor no caso de o cumprimento da prestação no vencimento se tornar impossível. Por fim, afirmam Cristiano Chaves de Farias e de Nelson Rosenvald: “Trata-se de situação que se vem tornando corriqueira na construção civil, quando o adquirente da unidade percebe que o prazo de entrega do imóvel aproxima-se. Apesar de beneficiado pelo prazo, o incorporador demonstra desídia, pois a construção ainda não começou a ser erguida ou, então, está apenas em sua fase inicial. Não haveria razão para o adquirente aguardar o prazo avençado com a construtora para só então postular pelos seus direitos. O ato de descumprimento antecipa os efeitos resolutórios e indenizatórios, que só se verificariam normalmente após o nascimento da pretensão". 110 CO - Proposição 3.16 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 478 Enunciado proposto (resumo da proposição): A excessiva onerosidade de que trata o artigo 478 deverá autorizar tanto o pedido de revisão quanto de resolução do contrato, admitindo-se que tais pedidos sejam formulados não apenas pelo devedor como também pelo credor. Justificativa: O art. 478 do Código Civil há de ser interpretado extensivamente, do ponto de vista objetivo, no sentido de permitir que o devedor pleiteie, ao lado da resolução, também a revisão do contrato, com fundamento no princípio da conservação dos contratos e nos arts. 317, 480 e 620 do Código Civil. Sob o aspecto subjetivo, de outra parte, o art. 478 do Código Civil, na esteira do art. 620 do Código Civil, deve ser interpretado no sentido de admitir que também o credor formule o pedido de revisão ou resolução do negócio por excessiva onerosidade, quando houver desvalorização objetiva da contraprestação a ser auferida e a prestação do credor ainda não tenha sido integralmente executada, a configurar onerosidade indireta. Afinal, em contratos bilaterais sinalagmáticos, as partes figuram reciprocamente como credoras e devedoras de determinadas prestações. 111 CO - Proposição 3.17 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 488 Enunciado proposto (resumo da proposição): No contrato de compra e venda civil, para fins de fixação de preço, excetuado se um dos contratantes é cooperativa, não se aplica o artigo 488 e seu parágrafo do Código Civil. Justificativa: A teoria contratual que envolve a compra e venda não pode mais ser estudada e interpretada de forma isolada e sob um prisma exclusivamente estrutural, mas, sim, deve ser estudada de forma contextualizada e funcionalizada (AMARAL, Francisco. Direito Civil., p. 367). Afinal, sob a perspectiva estrutural a compra e venda, a partir de seus elementos caracterizadores, pode desencadear uma multifuncionalidade, tomando como base os pressupostos fáticos, jurídicos e econômicos para os quais ela pretende atingir. Assim, a compra e venda pode ser civil, enquanto realizada entre particulares; pode ser uma compra e venda interempresarial, quando envolve o exercício de atividades empresariais de uma das partes, levando em conta o mercado; finalmente, a compra e venda pode ser de consumo (L. 8.078/90). Se a compra e venda se dá entre particulares, não havendo preço, não se aplica o artigo 488, e por isso, trata-se de um contrato inexistente, em virtude da ausência de um dos seus pressupostos. Se a compra e venda é empresarial, ela valoriza os usos e costume, submetendo-se com mais intensidade à incidência da função social do contrato e da boa-fé (Gerson Luiz Carlos Branco, p. 36), e às regras de mercado e concorrência e, por isso, mais sensível à incidência do artigo 488. Finalmente, caso o contrato de compra e venda é conexo a outro, o artigo 488 pode ser utilizado para fixação de preço, conforme as circunstâncias do negócio firmado entre as partes e, nesse caso, a maioria das vezes, integrará regras de contratos interempresariais. 112 CO - Proposição 3.18 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 488 Enunciado proposto (resumo da proposição): O Art. 488 do Código Civil somente é aplicável aos contratos de compra e venda entre empresários e nas relações de consumo. Inexistindo ajuste sobre o preço no contrato de compra e venda quando não for celebrado entre empresários ou fora das relações de consumo, não haverá contrato, tal como prevê o art. 482 do Código Civil. Justificativa: A unificação legal das obrigações civis mantém um regime diferenciado para a compra e venda. Entre outras modalidades, continua vigente no nosso Direito o regime da compra e venda mercantil, assim como o de compra e venda nas relações de consumo, em verdadeira multifuncionalidade de um determinado modelo jurídico. Essa diferença não está somente no regime diferenciado dos vícios redibitórios, ou na possibilidade de emissão de duplicatas, do regime diferenciado da oposição de exceções, ou até mesmo na consideração de que o acordo sobre o preço não é essentialia negotia na compra e venda empresarial. Assim, na compra e venda civil clássica, continua sendo essencial para a formação do contrato o ajuste das partes sobre o preço ou sobre critérios para sua fixação. 113 CO - Proposição 3.19 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 496 Enunciado proposto (resumo da proposição): A falta de consentimento do descendente para a alienação da coisa, na hipótese do art. 496, do Código Civil, pode ser suprida pelo juiz. Justificativa: Paira controvérsia doutrinária acerca da exegese do art. 496, do Código Civil, diante da recusa de um dos descendentes a venda da coisa pelo ascendente. Uma corrente entende que “O consentimento é insuprível pelo juiz, que não poderá investigar a justiça ou não do motivo da recusa, por ser direito potestativo.” (Paulo Lôbo, Direito Civil: Contratos, Editora Saraiva, 2001, p. 233). Já a outra afirma que é possível desde que haja prova da reciprocidade/equivalência das prestações argumentando, ainda, que a recusa imotivada/ilimitada caracteriza abuso de direito (art. 187, do Código Civil). É como pensam Luiz Guilherme Loureiro, que cita Silvio Rodrigues (Curso Completo de Direito Civil, Editora Método, 3ª ed., 2010, pp. 490/491) e Nelson Rosenvald (Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência, Coordenador: Cezar Peluso, Editora Manole, 2015, p. 528). A razão está com a segunda corrente porque não faz sentido privilegiar ato caprichoso, desmotivado, do descendente que, em tal circunstância, nega-se a anuir com o negócio jurídico. 114 CO - Proposição 3.20 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 389 Enunciado proposto (resumo da proposição): É lícita a estipulação de cláusula de não indenizar ou de limitação da indenização, salvo norma especial em sentido contrário. A cláusula não valerá, entretanto, se violar as normas cogentes, a ordem pública ou os bons costumes, bem como nas hipóteses de dolo e culpa grave. Em qualquer caso, a eficácia da cláusula é restrita ao dever de indenizar, não afetando a exigibilidade da obrigação contratada. Justificativa: A cláusula de não indenizar vem crescendo de importância, tornando-se comum em contratos com partes sofisticadas (Epstein, Richard. Beyond Forseability: consequential damages in the law of contract, p. 93). A sua aceitação nem sempre foi pacífica (Pereira, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. v. II, 2010, p. 347), mas é hoje admitida pelo STJ (REsp 13.027/RJ, REsp 31.124-3/SP, 49.332/DF). Os limites de sua validade e eficácia permanecem, entretanto, pouco explorados. Quanto à validade, o respeito às normas cogentes, à ordem pública e aos bons costumes goza de consenso (REsp 9.787/RJ), não se podendo dizer o mesmo para os casos de culpa grave e dolo. Em doutrina, José de Aguiar Dias defendia que o dolo deveria ser excluído do âmbito da cláusula por razões de ordem pública. Contudo, afirmava que a culpa grave não poderia ser a ele equiparada, por lhe faltar o elemento da intenção, presente no dolo (Dias, José de Aguiar. Cláusula de Não-Indenizar, 1980, p. 97/100). De todo modo, a razão parece estar com tese contrária que entende a distinção entre dolo e culpa grave irrelevante no particular, tendo em vista as dificuldades práticas de se diferenciar entre um e outro (Prata, Ana. Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, 2005, p. 289/297), devendo ambos estarem a salvo da cláusula de não indenizar (REsp 23815/RJ). Com relação à eficácia, é de se lembrar a ressalva de José de Aguiar Dias – por vezes esquecida – de que a cláusula direciona-se à indenização decorrente do inadimplemento, não impossibilitando o credor de continuar a exigir a obrigação contratada (ob. cit., p. 97/100). 115 CO - Proposição 3.21 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 389 Enunciado proposto (resumo da proposição): O art. 389 do CC não faz referência à culpa como elemento da hipótese legal do inadimplemento, podendo o ordenamento eleger outros critérios jurídicos para a imputação de responsabilidade pelo não cumprimento de uma obrigação. Justificativa: Parece não ter havido grande percepção por parte da doutrina civilista pátria quanto ao fato de que o art. 389 do CC não faz referência ao elemento da culpa como essencial à configuração do inadimplemento. Com a exceção de poucos autores, a exemplo de MARCOS BERNARDES DE MELLO, a doutrina continua a fazer referência ao adimplemento como fato jurídico do não cumprimento culposo (ao invés de não imputável) de uma obrigação, com reflexos na jurisprudência, e em descompasso com novas figuras que contemporaneamente vem surgindo no campo do cumprimento e do não cumprimento das dívidas. 116 CO - Proposição 3.22 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 394 Enunciado proposto (resumo da proposição): Configura-se a mora quando há o cumprimento imperfeito da obrigação. Justificativa: No direito brasileiro, a mora não é apenas temporal, sendo também qualitativa. O simples atraso configura mora, porém, para além do simples atraso, entregar a obrigação em forma não prevista ou em quantitativo diferente do que fora previsto em contrato também qualifica a posição do devedor como devedor moroso. Ao contrário da mora temporal, em que a obrigação ainda não foi prestada, na mora pelo descumprimento da forma ou lugar convencionado, por lógica, pressupõe-se que a obrigação (dar ou fazer) foi parcialmente cumprida, mas de modo diverso da pactuada. Haverá assim esse tipo de mora sempre que o comprador ou usuário receber a coisa ou o serviço que não corresponde exatamente à descrição previamente estipulada, ou, correspondendo, recebê-la em local diverso. (GUIMARÃES, Paulo. Vícios do Produto e Serviço por Qualidade, Quantidade e Insegurança. RT, 2004, p. 128). Embora o CC/2002 não preveja expressamente, o cumprimento imperfeito da obrigação também está coberto pelo conceito de mora do ordenamento jurídico. É que, para cumprir a sua obrigação, o devedor deve fornecê-la como prevista no contrato. Assim, o cumprimento imperfeito equivale ao cumprimento com atraso, pois, embora a obrigação esteja sendo cumprida, não está sendo cumprida na forma contratualmente prevista. Daí que o cumprimento imperfeito da obrigação encerra uma violação positiva do contrato e, assim procedendo, está se diante de uma situação de mora e o devedor deve sofrer todas as conseqüências do cumprimento imperfeito da obrigação tal qual sofreria na situação em que simplesmente atrasasse o cumprimento da obrigação. 117 CO - Proposição 3.23 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 396, 408, 421, 422 e 942. Enunciado proposto (resumo da proposição): A mora solvendi ou debitoris é fundada em dois pressupostos, quais sejam, o cumprimento imperfeito ou retardamento da obrigação e a culpa. Se ausentes, exclui-se a mora por falta do elemento objetivo ou subjetivo, conforme o caso. Muito embora se presuma culposo o inadimplemento, admite-se ao devedor produzir prova de caso fortuito, força maior, ato ou fato do credor e de terceiro, notadamente quando o comportamento destes afrontar os deveres laterais ou anexos internos e os de respeito e abstenção externos, de forma a comprometer, direta ou indiretamente, a execução da obrigação, sem prejuízo da responsabilidade civil extracontratual, individual ou solidária. Justificativa: O sistema de cláusulas gerais implementado pelo Cód. Civil de 2002 trouxe mudanças em relação ao anterior, que se apresentava rígido e inflexível, limitando a interpretação do juiz em cada caso. No modelo vigente, as normas são genéricas e abstratas, cujos valores devem ser preenchidos pelo magistrado, que formula a regra concreta do caso. Nessa tarefa, os princípios constitucionais da dignidade humana, solidariedade e igualdade substancial, são importantes fontes de alinhamento e aproximação do Cód. Civil à realidade das pessoas, enquanto sujeitos de direito. A esta margem de intepretação do sistema de janelas abertas, o comportamento das partes e de terceiros deve ser orientado pelos princípios da boa-fé objetiva, probidade e função social. Com relação ao inadimplemento relativo das obrigações, estabelece o art. 396 do CC: “Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”. Nesse contexto, é inadmissível considerar em mora o devedor se o credor ou o terceiro atentou contra os deveres anexos internos das obrigações, ou faltou ao dever de respeito e abstenção externos, respectivamente, por evidente falta de imputabilidade. Assim, afasta-se a mora solvendi, além do caso fortuito e de força maior: [i] por ato ou fato do credor, que importe a violação dos deveres laterais ou anexos; [ii] por ato ou fato do terceiro, que viole o dever de abstenção e respeito às obrigações. A conclusão não encontra óbice no art. 396 do Cód. Civil, e confere função social à mora (CC, art. 421), sem prejuízo da responsabilidade civil extracontratual, individual ou solidária, do credor e do terceiro (CC, art. 942, caput, 2ª parte). 118 CO - Proposição 3.24 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 502 Enunciado proposto (resumo da proposição): Na comercialização de imóvel na planta, o incorporador responde por todas as despesas da fase de construção, inclusive de individualização das matrículas. A unidade de uso privativo só pode ser reputada pronta após os atos registrais da conclusão da obra, quando se torna possível a abertura de matrículas para as novas unidades. Se o terreno incorporado ainda não foi totalmente pago, deverá sê-lo com o produto da venda das futuras unidades, providenciando o incorporador, às suas expensas, a transmissão de domínio através de escritura pública, devidamente registrada. Se a construção foi financiada, incumbe ao incorporador providenciar, às suas expensas, a liberação parcial da hipoteca ou alienação fiduciária, conforme o caso. Justificativa: Estas proposições simples evitariam a judicialização existente hoje, como se observa da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo - Apelação Cível nº 400939543.2013.8.26.0405, de 20.03.2014 e da Apelação Cível nº 0054948-21.2012.8.26.0405 de 18.12.2014. Os incorporadores estão transferindo contratualmente para os compradores de imóvel na planta, várias obrigações inerentes à incorporação, anteriores à conclusão da obra. Dentre essas despesas destacam-se: as de demolição, averbação da construção, cancelamento da hipoteca da construtora, registro da instituição de condomínio e até a de ligação da energia elétrica, que em alguns Estados custa R$ 8.000,00. Entregam as chaves do imóvel com documentação irregular, sem recolher o INSS sobre a obra e sem averbar a construção. Portanto, se o enunciado estabelecer com clareza que o incorporador deve entregar o imóvel com a matrícula individualizada, todas as despesas anteriores estarão quitadas por ele porque o Registro de Imóveis assim o exige para averbar a construção. É forçoso lembrar que os bens imóveis não se transferem pela tradição, mas tão somente pelo registro na matrícula, a teor do artigo 1.245 do Código Civil. Por fim, estas proposições contemplam as exigências do artigo 55 da Lei nº 13.097 de 25.01.2015 que implantou no Brasil o Princípio da concentração, e passou a exigir a apresentação da certidão de propriedade no momento da compra. 119 CO - Proposição 3.25 Parte da legislação: Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Artigo: Art. 43, inciso II Enunciado proposto (resumo da proposição): Na comercialização de imóveis sob o regime de incorporação imobiliária, é válida a cláusula contratual que fixa prazo de tolerância de 180 dias para a conclusão da obra. Justificativa: É praxe de mercado estipular-se, no âmbito de contratos relativos à aquisição de imóveis construídos sob o regime de incorporação imobiliária, um prazo de tolerância de 180 dias em relação ao prazo estimado para a conclusão da obra. Trata-se de disposição coerente com as inúmeras particularidades inerentes ao desenvolvimento de um empreendimento imobiliário, o qual está sujeito a eventos previsíveis e imprevisíveis que impactam a sua duração além do inicialmente esperado. Embora o tema ainda suscite debates, a jurisprudência tende a reconhecer como válida a cláusula que fixa prazo razoável de tolerância quanto a eventual atraso na conclusão da obra, de modo que, somente a partir do escoamento deste período adicional, seja imputada ao incorporador a obrigação de indenizar o adquirente pelos danos advindos da persistência no atraso até então tolerado. 120 CO - Proposição 3.26 Parte da legislação: Código Civil e Decreto-lei 911/69 Artigo: Código Civil, artigo 1.368-B, § único, parágrafo único, Decreto-lei 911/69, art. 2º, § 2º. Enunciado proposto (resumo da proposição): A notificação realizada através do Cartório de Títulos e Documentos para constituição em mora do devedor fiduciário de bem móvel gera presunção de conhecimento do conteúdo do documento registrado. Justificativa: Pela redação conferida pela Lei 13.043/2014 ao §2º do artigo 2º, do Decreto-lei 911/69, a mora do devedor fiduciário de bem móvel decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento. Não há óbice à comprovação da mora através de notificação extrajudicial através do cartório de títulos e documentos. O Oficial de Registro de Títulos e Documentos é profissional do direito dotado de fé pública, o que importa na atribuição de autenticidade, segurança jurídica, publicidade e eficácia aos atos praticados na serventia extrajudicial (Art. 1º, Lei 8.935/94). Estes atributos garantem aos registros, averbações e notificações realizadas pelo Oficial do Registro de Títulos e Documentos a presunção relativa de veracidade. Notificação extrajudicial é ato por meio do qual se pode dar conhecimento oficial e legal do conteúdo de um documento a terceiros. Com efeito, quando o apresentante de um título ou documento solicitar a realização de notificação extrajudicial do registro ou averbação respectivos, esta gozará de presunção relativa de veracidade do conhecimento do conteúdo do respectivo título ou documento. Portanto, o ônus da prova inverte-se em desfavor do devedor, cabendo a este, caso alegue não haver recebido a notificação ou desconhecer seu conteúdo, produzir prova apta a derrubar a presunção constituída pela fé pública do Oficial. 121 CO - Proposição 3.27 Parte da legislação: Código Civil. Artigo: Arts. 411 e 412 Enunciado proposto (resumo da proposição): A cláusula penal moratória pode ser cumulada com perdas e danos dentro dos termos previstos no art. 411 do CC. É lícita, entretanto, convenção sobre o caráter compensatório da cláusula penal moratória, a fim de substituir as perdas e danos decorrentes da mora. Justificativa: Dentre as funções das cláusulas penais, está a liquidação das perdas e danos. Para a penal compensatória, o papel é claro e decorre do CC 408, que fala em “alternativa”. O mesmo não ocorre, porém, para a penal moratória. O CC 411 limita-se a declarar a possiblidade de exigência da obrigação ao lado da penalidade, sendo omisso quanto às perdas e danos. O CC 416 p.u. ainda piora a questão por não discriminar as penais compensatória e moratória ao tratar da necessidade de acordo para indenização suplementar. A confusão causou polêmica. Alguns tiveram a penal moratória também como substitutiva de perdas e danos (TJSP, Apelação 0145260-85.2012.8.26.0100; R. Limongi França. Teoria e prática da cláusula penal, 1988, p. 304), enquanto outros a viram como punitiva, admitindo cumulação com os prejuízos da mora (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. v. II. 1988, p. 106/107; Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. t. XXVI, 2012, p. 179). O STJ inclina-se pela segunda corrente, no que parece correto (AgRg no AREsp 525.614/MG, AgRg no Ag 741.776/MS). A penal moratória é um plus à obrigação principal. (Judith Martins-Costa. Comentários ao Novo Código Civil. v. V, t. II. p. 457). O silêncio do CC 411 sobre as perdas e danos não basta para impedir a exigência desses, que vem do CC 389, 395 e 402. Raciocínio inverso implica lógica invertida. O CC 411 não se refere às perdas e danos por desnecessidade. O CC 416 p.u. deve se restringir ao CC 408 que afasta as perdas e danos ao falar em “alternativa”. Nada impede, porém, que as partes atribuam caráter compensatório à penal moratória (Pontes de Miranda, p. 171). 122 CO - Proposição 3.28 Parte da legislação: Código Civil. Artigo: Arts. 411 e 412 Enunciado proposto (resumo da proposição): A limitação ao valor da obrigação principal do art. 412 do CC refere-se à cláusula penal compensatória. A cláusula penal moratória sujeita-se ao limite de 10% do valor da obrigação principal previsto no art. 9 da Lei de Usura. Justificativa: Normalmente, se diz que o art. 9 da Lei de Usura refere-se ao mútuo, estando o limite para as cláusulas penais no CC 412. A posição é antiga (RE 93281), mas goza de falso consenso. Parte da doutrina a ela se opõe, afirmando que a Lei de Usura fala em “contratos” (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. t. XXVI, 2012, p. 159/161; Judith Martins-Costa. Comentários ao Novo Código Civil. v. V, t. II. 2004, p. 462/464). No STJ, a questão ainda não parece pacífica. Há precedentes que aplicam o limite da Lei de Usura às penais moratórias (REsp 229.776/SP) e que o limitam ao mútuo (REsp 151.458/RS, EDcl no REsp 85.356/SP). A restrição da Lei de Usura ao mútuo parece curiosa, contudo. Primeiro, a usura relaciona-se a juros, que existem também em outros contratos (e.g. mandato). Segundo, o próprio limite de juros da Lei de Usura não vale mais para o mútuo, que é regido pelo CC 591. Terceiro, aplicável o teto de 10% ao mútuo, ele não bastaria para substituir as perdas e danos no caso de penal compensatória. Assim, melhor seria relaxar a interpretação do art. 9 da Lei de Usura para todos os contratos. Desse modo, ele cuidaria da penal moratória, já que a penal compensatória indeniza perdas e danos e não comportaria limitação de 10%. A exegese seria ainda corroborada pela análise econômica do direito, que aponta para a ineficiência de penas punitivas e para os incentivos que ela dá ao credor de dificultar o adimplemento contratual. (Richard A Posner. Economic Analysis of Law. 2011, p. 159/163) Como plus às perdas e danos, elas já vão além da reparação integral, sendo interessante o teto de 10%. 123 CO - Proposição 3.29 Parte da legislação: Decreto-Lei nº 745/1969 Artigo: Art.1 Enunciado proposto (resumo da proposição): Nos contratos de compromisso de venda e compra de imóveis não loteados, a mora referida no art. 1º, do Decreto-Lei nº 745/69, com a nova alteração trazida pela Lei 13.097/2015, caracteriza-se pelo encaminhamento da interpelação por via judicial ou por intermédio de cartório de Registro de Títulos e Documentos, desde que dirigido ao endereço declarado pelo adquirente no contrato, não sendo necessário o seu efetivo recebimento. Nesses casos, não purgada a mora no prazo de 15 (quinze) dias e havendo cláusula resolutiva expressa, a resolução não precisa ser declarada pela via judicial, ocorrendo de forma automática. Justificativa: Embora o art. 474, do Código Civil, permita a resolução dos contratos de pleno direito (quando prevista clausula resolutiva expressa nesse sentido), a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo possui firme entendimento de que, nos contratos de promessa de compra e venda, a resolução dos contratos requer (i) constituição da mora, por intermédio de encaminhamento de notificação para esse fim; (ii) declaração judicial da resolução do contrato. Ocorre que a prática forense demonstra que os vendedores têm enormes dificuldades em localizar os compradores para que seja encaminhada a notificação. Além disso, o longo trâmite da ação judicial com o fito de resolver o contrato traz prejuízos enormes às partes, a considerar que o imóvel fica indisponível para comercialização, além de o vendedor ter de remunerar, ao final da ação, pelo período em que ocupou o bem. Nesses termos, a jurisprudência paulista, com intuito de facilitar a resolução desses contratos, passou a entender que a constituição em mora do comprador dá-se pelo simples encaminhamento da notificação no endereço declarado no contrato, sendo desnecessário o efetivo recebimento. Nessa mesma toada, de forma a facilitar a extinção do contrato, a recém-promulgada Lei 13.097/2015 trouxe nova redação ao Decreto-Lei nº 745/69, determinando a possibilidade de resolução automática do contrato, quando ultrapassados quinze dias sem a purgação da mora. Todavia, embora a Lei 13.097/2015 seja clara, alterando a sistemática da jurisprudência antes consolidada, parte da doutrina insiste no fundamento de que, mesmo diante de referida Lei, a ação judicial torna-se necessária para a declaração da resolução. 124 CO - Proposição 3.30 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 533, inciso II Enunciado proposto (resumo da proposição): A troca ou permuta envolvendo valores desiguais entre ascendentes e descendentes não é anulável na hipótese de o referido negócio jurídico beneficiar o ascendente. Justificativa: A essência desse dispositivo é evitar que haja uma diminuição patrimonial que venha a prejudicar a legítima. Ora, se na hipótese, a troca ou permuta for realizada mediante valores desiguais, sendo que o bem repassado ao ascendente for de maior valor do que o bem repassado ao descendente, não haverá qualquer prejuízo à legítima, muito ao contrário, esta aumentará de valor, beneficiando os herdeiros. Neste sentido: TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina, in Código Civil Interpretado, conforme a Constituição da República, vol. II, Renovar, 2006, p. 203, verbis: “Deve-se, contudo, atentar para que se interprete a expressão “valores desiguais” em conformidade com a “ratio” do art. 496 do CC, que é a de que atos tendentes a refletir uma diminuição patrimonial que prejudique a legítima devam ser coibidos.” 125 CO - Proposição 3.31 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 538 Enunciado proposto (resumo da proposição): Nas escrituras de doação com cláusulas restritivas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade que tenham por objeto bens que integrem a legítima dos herdeiros necessários, é indispensável a apresentação de justa causa, nos mesmos moldes preconizados no caput do artigo 1,848 do Código Civil. Justificativa: Reza o artigo 1846 do Código Civil que “pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima”, levando a que a bom tempo a lei exija do testador a apresentação de justa causa (art. 1848, caput, CC) para a chamada deserdação bona mente. A justificativa deve ser feita de modo expresso e circunstancial no ato de liberalidade, indicando porque a cláusula se mostra indispensável, uma vez que sua função primaz é a de tutelar o beneficiário contra alienações que o privem do objeto da liberalidade, pondo em risco, às vezes, a própria subsistência ou outro aspecto importante de sua dignidade como a moradia. Exemplificamos com a situação de um filho dependente químico que, por diversas vezes, fora internado em clínica de recuperação sem êxito. Equivocadamente, a lei silencia essa exigência com relação à doação. Para essa lacuna há que se buscar refúgio na analogia e não na concepção de que normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente. A lei não cuida de restrição, mas sim de ponderação entre a garantia da propriedade e a proteção da dignidade humana. Vejamos. Se um pai com dois descendentes sucessíveis entenda por bem gravar a legítima de um dos filhos com cláusula restritiva por meio de testamento deverá apresentar justa causa. Entrementes, se fizer uma doação nas mesmas condições, não haverá necessidade da apresentação da justa causa. Não há lógica nesse raciocínio. Além do que o entendimento em contrário favorece a fraude à lei, pois pela via transversa da doação, exclui-se a incidência de norma cogente. 126 CO - Proposição 3.32 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 541, parágrafo único. Enunciado proposto (resumo da proposição): Na doação manual, o valor assumido pelo bem doado é aquele constante do momento em que ocorreu a liberalidade, e, incorrendo a posterior valorização do bem doado, permanece incólume a doação, se no momento da liberalidade o bem era tido objetivamente como de pequeno valor monetário. Justificativa: Na doação manual, constante no artigo 541, parágrafo único do CC/02, permanece válida e eficaz a doação mesmo se, após a tradição, o bem doado valoriza-se. Exemplificando, se determinado jovem jogador de futebol, após estrear profissionalmente nos gramados, doa para um determinado familiar, a camisa de seu debute, vindo posteriormente esse jogador a se tornar uma grande estrela e ídolo do esporte, aquela camisa, obviamente, terá valorizado monetariamente ante a cobiça de aficionados pelo jogador. Todavia, a doação realizada permanece incólume, pois ao tempo em que ocorreu a doação o bem objeto da doação era tido objetivamente como de pequeno valor. Em outras palavras, o momento apto para se verificar a caracterização do pequeno valor é a do momento exato em que ocorreu a liberalidade, entendimento que decorre da boa-fé objetiva. Eventual discussão sobre a validade da doação manual bem móvel potencialmente valorizável, depende da casuística para verificação da má-fé dos contratantes. Assim, a posterior valorização do bem doado nas doações manuais não descaracteriza o negócio jurídico, como regra. 127 CO - Proposição 3.33 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 562 Enunciado proposto (resumo da proposição): A mora do donatário caracteriza-se independentemente de interpelação quando circunstâncias objetivas evidenciem o descumprimento voluntário do encargo. Justificativa: O respeito à boa-fé objetiva, à estabilidade das relações e à função social da propriedade atraem, na situação, o instituto da supressio. O prazo para revogação da doação – inexistindo termo pré-estipulado para cumprimento do encargo – não pode restar ao alvedrio do doador. Exacerbada tal possibilidade, o disponente, ainda que os fatos exteriorizem o descumprimento do encargo, poderia, mesmo após o transcurso de longa extensão de tempo, interpelar ao donatário para só então, segundo seu arbítrio, iniciar-se o prazo para o exercício do pleito revocatório. A orientação proposta já foi objeto de consideração na Apelação Cível nº 20070110243703, julgada pela 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, cujo acórdão, resultante da relatoria do Des. Dr. Ângelo Canducci Passareli, foi publicado na página 182 do DJE de 18/12/2013. Do mesmo modo, a orientação já estava firmada nos ensinamentos de Washington de Barros Monteiro, citado em acórdão oriundo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (RT, 204;252). O enunciado proposto, porém, afasta-se da expressão “manifesta intenção”, adotada pelo autor citado, por entender que o descumprimento, ainda que voluntário, pode não decorrer de intenção deliberada neste sentido. Também Maria Helena Diniz, às fls. 251 e 252 da 23ª Edição revista e atualizada do volume 3 de seu Curso de Direito Civil Brasileiro (São Paulo: Saraiva, 2007.) alinha-se à interpretação proposta. 128 CO - Proposição 3.34 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 581 Enunciado proposto (resumo da proposição): O art. 581 do Código Civil garante ao comodante o direito de retomar o imóvel, mesmo antes de findo o prazo ou o uso outorgado, inclusive no caso dele estar emprestado para habitação do comodatário, desde que o comodante tenha necessidade imprevista, urgente e devidamente justificável perante o Juiz, não se podendo exigir a desocupação do bem quando a finalidade for para fins residenciais, antes de 30 (trinta) dias da comunicação da denúncia contratual, por analogia ao disposto no art. 46, § 2º, da Lei nº 8.245/91. Justificativa: O direito à moradia é um dos mais relevantes direitos sociais, tendo sido expressamente consagrado pelo Texto Constitucional, face à nova redação do seu art. 6º, fornecida pela Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000. Mesmo antes do status constitucional do direito à moradia, tal proteção encontrava-se assegurada como corolário ao princípio da dignidade da pessoa humana(art. 1º, III, CF/88). O art. 581, do CC/2002, ao garantir o direito do comodante retomar o bem por necessidade imprevista e urgente, não prevê qualquer prazo para a sua devolução. No caso de imóvel, se o comodatário o usa para os fins de habitação, um prazo mínimo de desocupação deve ser concedido, considerando as diversas implicações que uma retomada abrupta pode ocasionar. Inexistindo prazo legal expressamente fixado para esta finalidade, deve-se usar o primeiro critério de integração ao direito previsto na Lei de Introdução ao Código Civil, no caso a analogia(art. 4º, I, da LINDB). A Lei nº 8.245/91 garante ao locatário em seu art. 46, § 2º, nos casos de locação por tempo indeterminado, o direito de, apenas, devolver o bem após 30(trinta) dias da denúncia contratual. A denúncia contratual, por sua vez, somente pode ser oponível ao comodatário, a partir de sua ciência. Embora os regimes contratuais sejam diversos(locação e comodato), a finalidade do prazo de desocupação visa proteger os mesmos direitos do morador ou habitante, seja qual for o regime jurídico aplicável. 129 CO - Proposição 3.35 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 582 Enunciado proposto (resumo da proposição): Na hipótese de mora do comodatário, na restituição do bem, o aluguel pode ser arbitrado em valor superior ao de mercado, competindo ao Poder Judiciário controlar eventual abuso em sua fixação. Justificativa: No termo convencionado (ou após a notificação, na hipótese de ser celebrado por prazo indeterminado), o comodatário deve restituir o bem. Nesse sentido, dispõe o art. 582, na sua parte final, que o “o comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante”. A norma não indica quais critérios devem guiar o intérprete no arbitramento do aluguel. Consideramos que não é justo ou correto à luz do direito, oferecer idêntico tratamento ao comodatário inadimplemento e ao locatário comum. Desta forma, o aluguel fixado ao comodatário inadimplente pode ser superior ao valor de mercado. Eventual abuso na fixação unilateral poderá ser discutido judicialmente. A justificativa é coerente com a jurisprudência do STJ. Nesse sentido: “O arbitramento, embora não deva respeito à média do mercado locativo, deve ser feito com razoabilidade, respeitando o princípio da boa-fé objetiva, para evitar a ocorrência de abuso de direito e do enriquecimento sem causa do comodante. 3. Razoável o arbitramento do aluguel pelo comodante em valor inferior ao dobro da média do mercado locativo”. REsp 1175848/PR, 3. T., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 18/09/2012. DJe: 26/09/2012. No mesmo sentido, AgRg no AREsp 281.064/DF, 4. T., Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 16/05/2013. DJe 31/05/2013. 130 CO - Proposição 3.36 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 389, 395 e 404 Enunciado proposto (resumo da proposição): Pelo princípio da integral reparação do dano, cabível a condenação da parte inadimplente ao reembolso daquilo que se pagou a título de honorários advocatícios contratuais, que não se confundem com os sucumbenciais. Se excessivo o valor pretendido, é permitida a sua revisão pelo juiz. Justificativa: Pelo princípio da reparação integral do dano a parte considerada inadimplente deve reembolsar aquilo que foi pago a título de honorários advocatícios contratuais. Essa verba deriva do disposto nos artigos 389, 395 e 404, todos do Código Civil, e reclama demonstração do efetivo desembolso, já que se trata de dano emergente, cujo montante, se excessivo, desafia modulação pelo Juiz (artigo 421, CC). A matéria não está pacificada perante o Superior Tribunal de Justiça, conferindo-se: considerando devida a verba: AgRg no Recurso Especial n. 1.312.613-MG, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: “A previsão contratual de honorários advocatícios em caso de inadimplemento da obrigação decorre diretamente do art. 389 do CC, não guardando qualquer relação com os honorários de sucumbência; considerando indevida a verba: “...a mera contratação de advogado para defesa judicial de interesses da parte não enseja, por si só, dano material passível de indenização, porque inerente ao exercício regular dos direitos constitucionais de contraditório, ampla defesa e acesso à Justiça”(Recurso Especial n. 1.507.864-RS, Relator Ministro Moura Ribeiro). 131 CO - Proposição 3.37 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 591 Enunciado proposto (resumo da proposição): Na interpretação dos contratos de cartão de cartão de crédito, ainda que contratados com instituições reconhecidamente não financeiras, não se aplica o disposto no art. 591 do Código Civil, mas o juiz poderá utilizar-se do disposto nos arts. 187 do mesmo Código para reduzir as taxas de juros à média do mercado, conforme aquelas fixadas para as operações bancárias. Justificativa: É comum que supermercados e redes de lojas, não reconhecidos como instituições financeiras, para implementação de suas vendas, ofertam e contratam com os consumidores operações de mútuo próprias, do tipo cartão de crédito parcelado e vinculadas à compra e venda de suas mercadorias, com previsão de cobrança de juros compensatórios acima do disposto no art.591 do CC ou na Lei de Usura – Decreto 22.626/33. Como essa modalidade de contratação tem por finalidade implementar a compra e venda de mercadorias, cujos custos da cadeia aquisitiva já se encontram impactados pelas taxas de juros das operações bancárias, tal como a contratação de mútuo perante um agente financeiro para subsidiar a própria operação, desvalorização da moeda e etc., não se justifica dar tratamento diferenciado ao das taxas praticadas pelo mercado financeiro, unicamente pelo fato de consistirem suas operações em vendas diretas aos consumidores. Demais disto, os usos e costumes da população, fontes originárias do direito, tem nesse tipo de contratação uma aceitação preliminar, que reclama a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, consoante o disposto no art.113 do CC, porque o consumidor conhece previamente as taxas cobradas, sendo razoável interpretar o contrato de forma a equilibrá-lo, preservando-se a real intenção das partes, com a aplicação do art.187 do CC para reduzir as taxas de juros reconhecidamente abusivas ao patamar médio daquelas praticadas pelo mercado, sem afronta ao disposto no art.591 do CC, equiparando-os aos denominados intermediários financeiros, consoante o §único do art.17 da lei 4.595/64. 132 CO - Proposição 3.38 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 603 Enunciado proposto (resumo da proposição): As partes contratantes podem estabelecer indenização diversa daquela prevista pelo artigo 603 do Código Civil como repercussão da denúncia unilateral, imotivada e exercida antes do termo final de um contrato de prestação de serviços firmado por prazo determinado. Justificativa: O artigo 603 do Código Civil versa sobre as repercussões da denúncia unilateral do contrato de prestação de serviços firmado por prazo determinado que vem a ser encerrado imotivadamente pelo tomador de serviços antes do seu termo final. Uma das repercussões é a exigibilidade da remuneração vencida e a outra é a fixação de perdas e danos pelo descumprimento do prazo contratual, a qual será equivalente à metade do que seria devido ao prestador caso o contrato fosse cumprido até o seu termo final original. O enunciado propõe a interpretação de que tal parâmetro indenizatório não é cogente, mas, sim, disponível às partes contratantes que poderão, portanto, estabelecer uma prefixação de danos em patamares distintos, ou mesmo prever que serão indenizados somente os danos efetivamente sofridos, a serem comprovados pelas vias ordinárias. 133 CO - Proposição 3.39 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 658 e 667 Enunciado proposto (resumo da proposição): No mandato oneroso, em que o mandatário exerce por ofício ou profissão lucrativa e recebe remuneração para tal, é presumida sua culpa pelos prejuízos causados ao mandante por ato próprio ou daquele para quem substabelecer, sem autorização, os poderes que devia exercer pessoalmente. Justificativa: O dever de diligência está presente em vários contratos no Código Civil (mandato, comissão, corretagem, agência e distribuição). Assim, o mandatário deve agir na execução de suas incumbências como se estivesse gerindo seu próprio negócio. No caso do mandato oneroso não se pode adotar a mesma regra (culpa clássica) para a responsabilização do mandatário. Em razão da remuneração devida ao mandatário quando exerce o mandato por ofício ou profissão lucrativa não deve ser ônus do mandante, que paga pelos serviços do primeiro e dele espera o fiel cumprimento, provar a culpa do primeiro pelos prejuízos causados por ato próprio ou daquele a quem substabelecer desautorizado pelo segundo. Os deveres de boa fé objetiva e probidade na execução do contrato devem estar relacionados à vantagem pecuniária auferida pelo mandatário, inclusive que decorre de seu ofício ou profissão e, em regra, é estipulada unilateralmente por ele. A conduta ímproba do mandatário que viola o art. 667 do CC (substabelecendo sem autorização ou faltando com a diligência que se lhe espera) é ainda mais grave, porque ele recebeu a remuneração prevista em lei ou no contrato, conforme os usos ou fixada por arbitramento. O descumprimento do dever de diligência somada à vantagem pecuniária recebida como contraprestação pela fiel execução do mandato deve ser considerado para que se presuma a culpa pelos prejuízos advindos ao mandante. Permanece, contudo, necessidade da verificação da culpa para a configuração da obrigação de indenizar, porém caberá ao mandatário provar o contrário ou outra causa de exclusão de responsabilidade. 134 CO - Proposição 3.40 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 663 Enunciado proposto (resumo da proposição): O Código Civil admite o mandato com ou sem representação. Justificativa: A representação voluntária e o mandato muitas vezes se complementam, por serem institutos voltados à facilitação dos negócios. Atualmente, parte de prestigiosa doutrina critica o Código Civil por não prever sobre o mandato sem representação. Aduzem que “a orientação adotada pelo codificador brasileiro de 2002 foi de legislar sobre um contrato de mandato representativo” (TEPEDINO. Revista Forense, v. 386, p. 126; SCHREIBER. A representação no novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). A Parte Geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civilconstitucional, 2003, p. 229-253; OLIVEIRA, Eduardo A. de. Comentários ao novo Código Civil, 2008, p. 375). No entanto, entende-se que o Código Civil prevê, expressamente, mandato com ou sem representação, no art. 663, do Código Civil: “sempre que o mandatário estipular negócios expressamente em nome do mandante, será este o único responsável; ficará, porém, o mandatário pessoalmente obrigado, se agir no seu próprio nome, ainda que o negócio seja de conta do mandante”. Na primeira parte, mandato com representação; na segunda, sem representação. O mandato com representação é mais usual, mas o que define o contrato não é a representação, mas sim agir por conta do mandante. A diferença é agir em nome do mandante ou em nome próprio, com aplicação de regras distintas para cada caso, separando-se efeitos concretos das relações realizadas, mas sempre como contrato de mandato: a outorga do poder de representação não tipifica o mandato, apenas colore o modelo contratual (PAIS DE VASCONCELOS. Contratos Atípicos, 1995, p. 37 s.). 135 CO - Proposição 3.41 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 724 e 725 Enunciado proposto (resumo da proposição): É abusiva cláusula que transfere ao adquirente o ônus do pagamento de comissão de corretagem em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, considerando a relação contratual entre a construtora e o corretor, que inviabiliza a liberdade de escolha pelo consumidor. Justificativa: É certo que nas aquisições de imóveis na planta, a empresas construtoras necessitam da intermediação de corretores de imóveis, posto que é primordial a existência destes profissionais para o sucesso do empreendimento. Diferentemente da venda de um único bem, em que é possível a negociação direta entre o proprietário e o adquirente, o mesmo não ocorre com essa simplicidade nas vendas e compras de imóveis em massa. Nestas contratações, a intermediação de corretores de imóveis assume elevada e primordial importância. Ou seja, quem precisa da intermediação (construtora) é quem contrata os corretores para fazer essa intermediação. Logo, normalmente o sujeito pessoa física ou jurídica que adquire o imóvel para si, sem finalidade de repassar a outrem, não necessitam desse serviço. Em suma, a comissão decorrente do contrato de corretagem constitui obrigação de quem incumbe a realização da corretagem. Se a construtora vendedora necessita dos serviços corretor por ser imperiosa a concretização da sua atividade fim é dele a obrigatoriedade de pagamento, sendo nula a estipulação contratual que contrarie essa obrigação. Assim, a corretagem incumbe a realização da corretagem, ou seja; ao vendedor (Araken de Assis. Contratos inominados, 2ª Ed. RT, 2009, p. 285 e Ac. n. 868203, 2014111090356ACL, Rel. João Luis Fischer Dias, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do DF, 05/05/2015, p. DJE 22/05/2015, p. 279) (Resp. 1288450/AM. Rel. Min. João Otávio de Noronha. 3ª T. J. 24/02/2015, DJE 27/02/2015). (Rizzardo, Arnaldo. Contratos. 11ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 792). 136 CO - Proposição 3.42 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 724 e 725 Enunciado proposto (resumo da proposição): A vendedora é a responsável pelo pagamento da comissão de corretagem quando o comprador dirige-se diretamente ao stand de vendas para a aquisição do imóvel. Justificativa: As construtoras contratam corretores para a intermediação da venda de seus imóveis, mesmo quando os compradores dirigem-se diretamente aos stands onde, por localizarem nos canteiros de obras ou em locais próximos, imaginam estar negociando com os próprios representantes dos vendedores. E mesmo que as negociações, na prática, sejam feitas por meio de corretores escolhidos pelas construtoras, não há qualquer possibilidade de interferência na forma de indicação daqueles que irão intermediar a venda porque se trata de inconteste ação para comercialização de imóveis. Como se nota, os corretores não são contratados pelos promitentes compradores, mas pelos vendedores para os quais, como verdadeiros representantes destes, de fato, prestam assistência de forma a viabilizar e a concluir o negócio. Nesse diapasão, os vendedores devem ser os responsáveis pelo pagamento da comissão de corretagem insculpida no art. 725 do Código Civil. 137 CO - Proposição 3.43 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 740 § 2º, segunda parte Enunciado proposto (resumo da proposição): Em se tratando de contrato de adesão, é ônus da transportadora provar a não ocorrência da hipótese do art. 740 § 2º, segunda parte, do Código Civil. Justificativa: Considerando que o ‘overbooking’ é prática comum nos aeroportos brasileiros e o passageiro, mesmo quando deixa de embarcar, por vontade íntima, pode obter o ressarcimento da passagem na hipótese do art. 740 § 2º, segunda parte. O dispositivo legal diz textualmente que “salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar”, poderá o passageiro obter o ressarcimento do valor da passagem. Considerando a inviabilidade concreta do passageiro provar tal fato, sem a contribuição da empresa transportadora, e a proteção legal que o consumidor possui em nosso sistema positivo, fica evidente que a inversão do ônus da prova representa medida adequada e justa para conferir efetividade ao dispositivo legal invocado. 138 CO - Proposição 3.44 Parte da legislação: Código Civil e Decreto n. 19.473/30 Artigo: Código Civil, arts. 495, 744 e 754; Decreto n. 19.473/30, art. 8º Enunciado proposto (resumo da proposição): Não poderá o vendedor sobrestar a entrega da coisa em trânsito (stoppage in transitu), condicionando sua entrega ao pagamento de caução pelo comprador insolvente/falido, caso tenha sido contratado transporte de carga com emissão de conhecimento e endosso ao terceiro de boa fé, que fará jus ao recebimento da carga na condição de proprietário. Justificativa: Conforme o art. 495 do CC, o vendedor não está obrigado a entregar a coisa e poderá obstar sua entrega, se o comprador cair em insolvência (ou falir). É regra do right of stoppage in transitu, oriunda dos usos marítimos, positivada no Brasil nas vendas a prazo (art. 198 do CCo, art. 1.131 do CC 1916). Caso a coisa em trânsito fosse entregue ao comprador, o vendedor não poderia reivindicá-la (art. 1.267, caput, do CC), ficando sujeito às regras do concurso de credores; somente a caução prestada pelo comprador liberaria sua entrega pelo transportador. O rigor do art. 495 é temperado pela proteção ao terceiro adquirente, que embora não tome parte no contrato de compra e venda, não poderá ser afetado pela insolvência do comprador. Tal ocorre porque o transportador, ao receber a carga, deverá emitir o conhecimento, qualquer que seja a modalidade de transporte contratada, nos termos do art. 744 do CC. Com a emissão do conhecimento a mercadoria em trânsito passa a estar representada nele e, caso seja negociado (endossado), o endossatário passará a exercer direito autônomo e literal, desvinculado da compra e venda e das relações anteriores. Em que pese o direito do vendedor ao recebimento do preço, as obrigações do contrato de compra e venda são inoponíveis ao terceiro de boa fé e mediante a transferência do conhecimento. Tal qual a legislação especial (art. 8º do Dec. n. 19.473/30), o art. 754 do CC dispõe que as mercadorias devem ser “a quem apresentar o conhecimento endossado”, sinalizando o direito do endossatário ao recebimento, mesmo tendo o comprador caído em insolvência, como se subentende em razão da inexistência de vinculação ou ressalva ao art. 495 do CC. 139 CO - Proposição 3.45 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 397, parágrafo único Enunciado proposto (resumo da proposição): Tendo em vista a eficácia ex tunc da declaração de nulidade de cláusula contratual, a constituição da mora do devedor segue a regra de mora ex personae no caso de obrigação decorrente de invalidade de cláusula contratual, de maneira que a mora não se configurará com o trânsito em julgado da sentença de invalidação, e sim da interpelação judicial ou extrajudicial pela qual o credor exige a prestação. Justificativa: A declaração de nulidade de cláusula contratual produz eficácia ex tunc (art. 182 do Código Civil), razão por que quem se escora nessa cláusula e nega cobrança fundada na sua nulidade após ser interpelado deve assumir os riscos e ser tido por incurso em mora desde essa interpelação. Nesse sentido, o STJ, por exemplo, entende que a operadora de plano de saúde que, com base em cláusula contratual posteriormente declarada nula, nega cobertura médico-hospitalar ao consumidor é tida por incursa em mora desde a data da interpelação (geralmente, a citação, uma modalidade de interpelação judicial) relativamente à sua obrigação de indenizar os danos materiais e morais, o que autoriza a cobrança dos encargos moratórios, especialmente os juros de mora. A referida Corte aplica, portanto, a regra do art. 397, parágrafo único, do Código Civil a esse caso, que representa hipótese de responsabilidade civil contratual. Confira-se este julgado: STJ, REsp 1177371/RJ. Como há quem defenda que a incidência dos juros de mora somente ocorre após o trânsito em julgado da sentença que declara a nulidade de cláusula contratual, sob o argumento de que, até esse momento, a conduta se baseava em um contrato firmado por ambas as partes, convém a edição de enunciado rejeitando esse entendimento que, na prática, encoraja grandes empresas a inserirem cláusulas abusivas em seus contratos e a negarem-se a reconhecer o direito do consumidor com olhos em, durante o longo período do processo judicial, fazer, impunemente, do valor devido ao consumidor um rentável “capital de giro”. 140 CO - Proposição 3.46 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 757 e 768 Enunciado proposto (resumo da proposição): É lícita a cláusula excludente do risco de embriaguez no seguro de automóvel, aplicada tal exclusão ao condutor do veículo, segurado ou não, que se encontre em estado de embriaguez no momento da ocorrência do sinistro. Justificativa: Ao determinar que o segurador se obrigue apenas a garantir riscos predeterminados, o artigo 757 deixa claro que o segurador pode delimitar previamente os riscos cobertos pelo contrato, delimitação esta que pode ser nas formas objetiva (em relação às circunstâncias do risco), subjetiva (em relação às pessoas), temporal (em relação ao período de cobertura) e espacial (em relação ao território). E é com base no critério da delimitação do risco que a seguradora estabelece o valor do prêmio a ser pago pelo segurado, parte integrante da mutualidade. Sendo o risco da condução do veículo por pessoa em estado de embriaguez consideravelmente mais gravoso, é perfeitamente lícito ao segurador excluir objetivamente esta modalidade de risco, deixando de enquadrá-lo no cálculo do prêmio. Ressalte-se que o art. 306 do CTB com a redação dada pela Lei nº 12.760, de 2012, tipifica como crime a condução de veículo sobre influência de álcool. Assim, cobrir o risco da condução do veículo por qualquer pessoa em estado de embriaguez seria um desserviço à política de combate à violência no trânsito, bem como estimularia as pessoas a continuarem a cometer uma modalidade de crime que, segundo o entendimento do STJ, é considerado como de perigo abstrato, que dispensa a demonstração da efetiva potencialidade lesiva da conduta, bastando o simples fato de o condutor se colocar ao volante em estado de embriaguez. 141 CO - Proposição 3.47 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 757 e 768 Enunciado proposto (resumo da proposição): Segundo a interpretação sistemática dos artigos 421, 422 e 768, do Código Civil, no contrato de seguro, em que é aplicável o Código de Defesa do Consumidor, a direção de veículo segurado sob a influência de álcool, desde que devidamente comprovada, exclui a condição de vulnerabilidade de seu condutor, em razão do que fica caracterizada hipótese de agravamento de risco, seja ele causador ou não do acidente, pelo que, em consequência, se perde o direito à garantia ou ela é reduzida, conforme as circunstâncias do caso, o que não prejudica, contudo, havendo culpa do segurado, terceiro vitimado pelo sinistro. Justificativa: O contrato de seguro pode se compreendido como de consumo ou interempresarial. Propõe o presente Enunciado para as situações firmadas entre consumidor e seguradora. Conforme ensina António Menezes Cordeiro, “seguro apresenta-se como uma relação obrigacional complexa” (Direito dos seguros, p. 526), assim, concorrem com as prestações fundamentais outras condutas entre as partes. O Poder Legislativo alterou o Código Brasileiro de Trânsito, por meio da Lei 12.760/2012, no artigo 306, tornando mais intensa as consequências e penalidades em detrimento do condutor de veículo que tem sua condição alterada em virtude da influência do álcool. A gravidade de conduzir veículo após a ingestão de bebida alcoólica envolve questões de segurança no intuito de se reduzir acidentes de trânsito. No STJ, posiciona-se favorável quando se discute responsabilidade civil caracterizando como perigosa se o condutor está embriagado. No mesmo STJ, se a discussão envolve contrato de seguro, o Tribunal afasta a condição de embriaguez e mantém a cobertura, favorável ao segurado conforme o julgado: “A embriaguez do segurado, por si só, não pode ser considerada causa de agravamento de risco, a exonerar, em qualquer hipótese, a seguradora, em caso de acidente de trânsito. Precedentes. Seguro de veículo. acidente automobilístico. embriaguez do condutor. Empréstimo do veículo. Agravamento do risco não configurado. Indenização devida. Correção monetária. Juros de mora”.(RESP nº 1.071.144 - SP (2008/0149795-2. Rel. Maria Isabel Gallotti). 142 CO - Proposição 3.48 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 757 e 790 c/c 6º, 22, 28 e 37 Enunciado proposto (resumo da proposição): No seguro de vida, a simples declaração de ausência do segurado não importa na caracterização do risco objeto do contrato, exigindo-se, para o recebimento da indenização securitária, o reconhecimento da morte presumida, com a abertura da sucessão definitiva após o decurso do decênio do trânsito em julgado da sentença declaratória da ausência, sem prejuízo das hipóteses do art. 7º do Código Civil. Justificativa: Na dicção do art. 22 do Código Civil, a declaração de ausência tem lugar quando uma pessoa desaparece do seu domicílio sem que dela se tenha notícia e sem deixar representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, determinando o juiz, na mesma sentença, a arrecadação os bens do ausente. Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou procurador, em se passando três anos, proceder-se-á, a requerimento de qualquer interessado, a abertura da sucessão provisória (art. 26 do CC), cuja sentença só produzirá efeito cento e oitenta dias depois de publicada pela imprensa; mas, logo que passe em julgado, proceder-se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens, como se o ausente fosse falecido (art. 28 do CC). A sucessão definitiva, no entanto, ocorrerá somente dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória (art. 37 do CC), quando se presume a morte do ausente, nos exatos termos do art. 6º do CC. Nesse contexto, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 7º do Código Civil, só se cogita da caracterização do sinistro ou do risco contratualmente coberto pelo seguro sobre a vida de outrem (morte do segurado) após a decretação da sucessão definitiva do ausente, quando é lícito presumir a sua morte (art. 6º do CC), e, portanto, é exigível a indenização securitária (arts. 757 e 790 do CC). Confira-se, nesse sentido, precedente do STJ oriundo do REsp 1298963/SP, rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, publicado no DJe de 25/02/2014. 143 CO - Proposição 3.49 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 763 Enunciado proposto (resumo da proposição): No seguro garantia, estando o tomador em atraso com o pagamento do prêmio, o segurado perderá o direito a indenização se não purgada a mora até a ocorrência do sinistro, desde que previamente notificado. Justificativa: O “seguro garantia” teve grande desenvolvimento no mercado de grandes riscos, principalmente quanto à garantia para execução de obras de infraestrutura, tanto para segurados públicos como privados. Essa realidade trouxe alguns questionamentos de ordem prática, como os relacionados à correta qualificação dessa espécie de garantia como contrato de seguro típico. Principalmente em relação segurados públicos, contratantes de obras de grande porte, com empreiteiras de reconhecida capacidade, tornam essa discussão atual e relevante. Alguns defendem que a indenização dessa modalidade de seguro, em ocorrendo o sinistro objeto da garantia, seria exigível pelo segurado mesmo em caso de inadimplemento do prêmio por parte do tomador do seguro. Como contrato típico, o seguro garantia deve observar princípios e regras da legislação positiva, em especial a do art. 763 do CC, quando estiverem em análise os efeitos da mora do tomador, que é quem contrata o seguro em benefício do segurado. Trata-se de contrato oneroso por definição, sendo o prêmio um dos seus elementos essenciais. Ressalva-se como única exceção o entendimento do Superior Tribunal de Justiça constante da súmula 257, segundo a qual no seguro de responsabilidade civil obrigatório, cujo legítimo interesse, diferentemente do seguro garantia, repousa no terceiro e não no segurado, admite-se o pagamento da indenização, em caso de sinistro, sem o respectivo pagamento do prêmio. 144 CO - Proposição 3.50 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 765 Enunciado proposto (resumo da proposição): Contraria a boa-fé objetiva a negativa de cobertura por parte da seguradora, apoiada em cláusula abusiva de limitação de risco, que esvazia a finalidade do contrato. Justificativa: Não há que se confundir cláusulas meramente limitativas de risco com cláusulas que visam, deliberadamente, afastar a responsabilidade da seguradora pelo próprio objeto nuclear da contratação, as quais são inequivocamente abusivas. Cláusulas limitativas prestam-se a afastar riscos adicionais relacionados com o objeto da contratação, de modo a responder pelos riscos somente na extensão contratada. No entanto, se as mesmas acabam por desnaturar a própria finalidade do contrato de seguro, assumindo a função de excludente da própria essência do risco assumido, contrariam o melhor direito, mormente, por chancelar recusa injusta de cobertura securitária. 145 CO - Proposição 3.51 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 765 e 766 Enunciado proposto (resumo da proposição): O segurado que, no preenchimento de declaração pessoal de saúde, omite ser portador de doença ou lesão preexistente por ele conhecida, que vier a ser causa do evento danoso, perde direito à garantia do seguro, independentemente de exigência de exame médico prévio pela seguradora. Justificativa: A leitura de ementas de alguns julgados do STJ que não exprimem com fidelidade o conteúdo dos acórdãos tem levado juízes e tribunais a decidir que, diante de doença preexistente omitida e conhecida pelo proponente, o pagamento do capital segurado é devido, a despeito da quebra da boa-fé que rege o seguro, sob a equivocada premissa, baseada nas ementas dos acórdãos do STJ, de que a realização do exame seja condição para a negativa em qualquer hipótese. Entretanto, o conteúdo dessas mesmas decisões apenas indica solicitação do exame em caso de indícios da preexistência da doença e de má-fé do proponente, ou quando este declara padecer de alguma moléstia. Decisões subsequentes ao REsp 86095/SP-96 mostraram o verdadeiro entendimento da Corte, pelo seu conteúdo e não pelas ementas (v. AgIn 702216/RS; REsp 576088/ES; REsp 402457/RO, voto Aldir Passarinho - In sep. RT, a. 99-Out/10-V.900, p. 32/44; AgRg no REsp 1362993/MG). É importante salientar que o STF quando julgava essas questões decidiu: "as seguradoras se obrigam a se fiar nas informações do segurado, com base nas quais dimensionam a sua responsabilidade e taxam o prêmio devido, por isso a lei as protege das declarações inexatas." (STF. 2ª Turma. Ver. Forense 82/635). A substituição do sistema legal de declarações do segurado pelo dos exames médicos (invasivos, constrangedores e dispendiosos a ponto de onerar substancialmente o custo do seguro), importaria em inversão da presunção de boa-fé de que devem gozar as declarações do segurado, caracterizando indevida derrogação dos arts. 765 e 766 do CC. 146 CO - Proposição 3.52 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 765 e 766 Enunciado proposto (resumo da proposição): Não se justifica a negativa de cobertura diante de condutas, omissões ou declarações ambíguas que não guardem relação com o sinistro. Justificativa: Por certo, em contrato de seguro, é dever das partes guardar a estrita boa-fé na sua execução e informar todas as circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta, sob pena de perda do direito à garantia, consoante o disposto nos artigos 765 e 766 do Código Civil. No entanto, declarações inexatas ou ambíguas, até mesmo omissões, não justificam a negativa de cobertura securitária se não guardarem relação com a causa do sinistro, haja vista que não acarretariam concretamente o agravamento do risco. Destaca-se que há caso em que informações inverídicas que influenciaram na ocorrência do sinistro foram desconsideradas frente ao adimplemento do que foi contratado por longo período de tempo (vide REsp: 1080973). A seu turno, mostra-se desarrazoado, não obstante a necessidade de veracidade das declarações nesses contratos, chancelar a negativa de pagamento de indenização quando verificadas informações irrelevantes em desacordo com a realidade dos fatos, as quais não concorreram para a ocorrência do dano. Tal entendimento já foi esposado em diversas decisões do E. Superior Tribunal de Justiça, a exemplo, REsp: 1175577, no qual se entendeu que para a seguradora se desincumbir da obrigação securitária, deveria restar demonstrado que a conduta do segurado foi causa determinante do sinistro, além de se evidenciar dolo ou culpa grave por parte do mesmo. 147 CO - Proposição 3.53 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 784 Enunciado proposto (resumo da proposição): O vício de construção, por constituir espécie de vício intrínseco de que trata o art. 784, do Código Civil, não se inclui nas garantias do seguro habitacional, salvo se declarado pelo segurado ou por quem o represente. Justificativa: Em virtude da multiplicidade de casos a tratar da matéria, cuja repercussão geral tem importância reconhecida pelos tribunais superiores, a questão acerca da natureza do vício de construção a envolver os imóveis adquiridos pelos mútuos habitacionais do SFH, e garantidos pelo seguro habitacional do SFH, mostra-se atual e relevante. Nas Condições Gerais da extinta apólice do SFH, previstas na Circular SUSEP Nº 111, de 3 de dezembro de 1999 (item 3.2 – Cláusula 3ª - Riscos Cobertos – Condições Particulares para os Riscos de Danos Físicos), de forma inequívoca, a cobertura do Seguro do SFH resta adstrita aos danos físicos ocorridos no imóvel por causa de natureza externa. Por óbvio, o contrato de Seguro Habitacional reproduz, em seu clausulado, o princípio geral insculpido pelo art. 784 do Código Civil, segundo o qual, salvo se declarado pelo segurado e aceito pelo segurador, o vício inerente ao interesse segurado, ou de natureza intrínseca, não está garantido pelo contrato de seguro, cuja cobertura alcança somente eventos de natureza externa, súbita e de causa acidental. 148 CO - Proposição 3.54 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 787, § 2º Enunciado proposto (resumo da proposição): No seguro de responsabilidade civil eventual transação judicial entre o segurado e a vítima (terceiro prejudicado), mesmo sem o conhecimento da seguradora, não implica a perda do direito ao recebimento da indenização pelo segurado exceto se restar comprovado o prejuízo do segurador. Justificativa: O princípio da boa-fé norteia o seguro, obrigando as partes a atuarem com a máxima honestidade na interpretação dos termos do contrato e na determinação do significado dos compromissos assumidos. Assim, o segurado se obriga a descrever com clareza e precisão a natureza do risco que deseja cobrir e ser verdadeiro em todas as declarações posteriores, relativas a possíveis alterações do risco ou à ocorrência do sinistro. O segurador, por seu lado, é obrigado a dar informações exatas sobre o contrato e a redigir o seu conteúdo de forma clara para que o segurado possa compreender os compromissos assumidos por ambas as partes. É o respeito à ética negocial (art. 765/CC). No seguro de responsabilidade civil, o art. 787, § 2º, do Código Civil, veda ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou mesmo indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa da seguradora. Entretanto, a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, acertadamente vem mitigando tal regra se, no caso concreto, restar demonstrado que o segurado agiu de boa-fé, ou seja, pautou a sua conduta em estrita observância aos dever lateral de probidade e que o acordo celebrado não resultou em prejuízo para a seguradora. Nesse sentido: TJSP, APC 1184204007, 34ª CDPr, rel. Des. EMANUEL OLIVEIRA, j. 02/02/2009 e STJ, REsp 1.133.459/RS, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª T., j. 21/08/2014, DJe: 03/09/2014. 149 CO - Proposição 3.55 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 798 Enunciado proposto (resumo da proposição): É licita a cláusula do contrato de seguro de pessoa que estabeleça que a cada aumento substancial de capital deva ser observado novo prazo de carência. Justificativa: Assim não fosse, haveria margem para burla ao objetivo da norma, permitindo que o segurado mal intencionado, para driblar a carência, realizaria um contrato com valor simbólico para, só depois de vencida essa carência, realizar um aumento substancial do capital, ou seja, enquanto aguardasse o transcurso da carência inicialmente estabelecida, desembolsaria um prêmio mínimo, sabedor de que nesse período o capital segurado, maior que a reserva técnica que houvesse, com certeza não seria pago, certeza essa agora consubstanciada pela decisão tomada pela Segunda Seção do STJ, em sede de uniformização de jurisprudência, no julgamento do Recurso Especial nº 1334005/GO, que por sete votos a um, decidiu que a seguradora não tem obrigação de indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de seguro de vida, solidificando entendimento no sentido de que o artigo 798 do Código Civil apresenta um critério temporal objetivo, não dando margens a interpretações subjetivas quanto à premeditação ou à boa-fé do segurado. Posto assim, ocorrendo o suicídio depois de vencida a primeira carência, o beneficiário fará jus ao capital sem o aumento, se este aumento ainda estiver na carência. 150 CO - Proposição 3.56 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, arts. 828, II e 838, II Enunciado proposto (resumo da proposição): O fiador dito solidário ou principal pagador não se subordina ao regime jurídico da solidariedade típica (direito de reembolso – art. 283 do CC), mas tem como consequência do seu adimplemento a sub-rogação nos direitos e preferências do credor. Justificativa: Uma corrente da jurisprudência (com destaque aqui para julgados do STJ) equipara a figura do fiador solidário ou “garante solidário” ao “devedor solidário”, isto é, entende que o fiador que se posiciona como “garante solidário” ou “principal pagador” é um codevedor solidário na relação jurídica obrigacional principal. Dentro dessa construção, poderia ser visualizada uma assunção cumulativa de dívida, no caso do fiador solidário que adimple a dívida do devedor afiançado. Mas pode-se identificar uma segunda corrente, baseada no pensamento de PONTES DE MIRANDA: a posição do referido autor a respeito do fiador "garante solidário" tende para considerá-lo como um fiador sem os benefícios de ordem e de excussão (o que, ademais, é dito expressamente no art. 828, II do CC). Uma "solidariedade atípica" (em que há a possibilidade de o credor exigir a dívida integralmente, e desde o primeiro momento, do devedor principal ou do fiador, mas em que permanecem coexistindo, e em interdependência, a relação principal e a de fiança). Não haveria, aí, uma assunção cumulativa de dívida. Nessa solidariedade atípica, só o que há de semelhante ao regime jurídico da solidariedade é a possibilidade de cobrança direta do fiador... mas as demais regras sobre solidariedade não incidiriam, inclusive na questão das consequências do adimplemento pelo devedor (fiador que adimple: sub-rogação; devedor solidário que adimple: crédito em relação à quota do codevedor, a chamada pretensão ao reembolso ou pretensão de regresso). A favor da segunda corrente (aqui defendida), tem-se que o art. 838, II do CC se refere à subrogação mesmo em se tratando de devedor solidário. 151 CO - Proposição 3.57 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 835 c/c arts. 395 e 421 Enunciado proposto (resumo da proposição): O art. 835 do Código Civil atribui ao fiador de um contrato o direito potestativo de exonerar-se extrajudicialmente da responsabilidade decorrente da garantia desde que a fiança tenha sido prestada por tempo indeterminado. Todavia, o direito à exoneração deverá ser interpretado e exercido de acordo com os parâmetros estabelecidos pela “função social do contrato”, com vistas a proteger a causa do contrato de fiança, que vem a ser a de assegurar o adimplemento exato e fiel do contrato garantido. Dessa forma, a mora ou inadimplemento do afiançado representará fato impeditivo ao exercício do direito de exoneração da fiança, mesmo que a garantia esteja a viger por tempo indeterminado. Justificativa: A notificação exoneratória do Art. 835 do Código Civil é espécie do gênero “causas de extinção do contrato supervenientes à sua formação”; é, na verdade, uma resilição (rectius, denúncia) do vínculo sob a forma de um direito potestativo. E este direito potestativo à exoneração existe para proteger o fiador que assegurou o adimplemento de um afiançado não-inadimplente, isto é, aquele cujos deveres contratuais têm sido cumpridos, pois as obrigações assumidas, desde que legítimas, devem ser fielmente executadas. Assim, se pelo contrato de fiança o fiador garante que o devedor principal adimplirá a sua obrigação, o não-cumprimento (mora) da obrigação principal tem o efeito de atingi-lo e também torná-lo inadimplente perante o credor principal se tiver subscrito a fiança na condição de principal pagador ou responsável solidário, pois o fiador, ao prometer fato de terceiro (o adimplemento), torna-se responsável por dívida alheia. Dessa forma, não teria sentido permitir a exoneração do fiador tão logo o devedor principal – a pessoa em quem depositou confiança, isto é, a pessoa que o fiador confiou que iria adimplir -, deixasse de cumprir o contrato sobrejacente à garantia. Ao admitirse tal exegese estar-se-ia transformando a fiança em garantia de papel, como bem restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal ao ter julgado o RE 407.688 (j. em 08/02/2006), que foi relatado pelo Exmo. Sr. Min. Cezar Peluso. 152 CO - Proposição 3.58 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 849 Enunciado proposto (resumo da proposição): A transação, que possui natureza jurídica de contrato, pode ser anulada por qualquer das causas que levam a anulação dos negócios jurídicos em geral. Justificativa: A transação, no atual Código Civil, foi colocada no Título referente às “várias modalidades de contratos”, ao contrario de sua alocação do código anterior, na parte relativa aos “meios extintivos de obrigações”, com efeitos meramente declaratórios. A transação, até por exigir consenso entre duas ou mais partes, possui natureza contratual e, a alocação do instituto na capítulo relativo as “várias espécies de contrato” reforça o propósito do legislador em reconhecer a sua natureza contratual. Dessa forma, a restrição contida hoje no artigo 849, que constitui uma imprópria repetição do código anterior, não mais se aplica ao instituto. Enquanto contrato, a “transação” pode vir a ser anulada por qualquer das causas que levam a anulação dos negócios jurídicos em geral, não ficando limitada às hipóteses previstas no caput do artigo 849, do Código Civil.” Neste sentido: PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira, atualizado por Regis Fichtner, in Instituições de Direito Civil, Vol. III, 11ª edição, Forense, 2003, p. 513, verbis: O art. 849 do Código de 2002 repete uma impropriedade vinda do Código de 1916, ao declarar que a transação “só” se anula por defeito do consentimento (art. 849). É inexato, pois é atacável, como todo contrato, por qualquer das causas que levam à anulação dos negócios jurídicos em geral. Sofre, ainda, de ineficacia, se a situação fátia tomada como seu suporte material não corresponder à realidade ou anular-se”. 153 CO - Proposição 3.59 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 413 Enunciado proposto (resumo da proposição): Comprovado prejuízo decorrente diretamente do inadimplemento que seja igual ou superior ao valor da cláusula penal, esta não se revela excessivamente onerosa, mesmo em caso de cumprimento parcial da obrigação principal; não devendo, nesses casos, o magistrado reduzir o valor da cominação, sob pena de penalizar o contratante lesado. Justificativa: É certo que, ao lidar com palavras com interpretação aberta como “equitativamente”, e, ainda, trechos como “manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”, o juiz, ao tentar aplicar ao caso concreto, pode se equivocar, ignorando em alguns casos até os autos processuais e tirando de sua própria psique a solução para que seja “respeitada” a igualdade na relação entre as partes. Acontece que, agindo desta forma, acaba prejudicando uma das partes na relação, ferindo a própria equidade. A interpretação das normas deve respeito aos autos processuais, e, não sendo suficiente, aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de forma objetiva e criteriosa. Estes princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito, implícitos no devido processo legal (art. 5º, LV- Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal) e na segurança jurídica (art. 5º, XXXVI - A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada), dentre outros princípios constitucionais, evitam a utilização de razões puramente pessoais que subvertem os procedimentos institucionais utilizados, que deveriam ser empíricos. Desta forma, para a aplicação em situações onde há grande margem de interpretação, não se pode fugir da realidade. São necessários instrumentos limitadores dos excessos do Estado e seus representantes, respeitando-se a macrojustiça. Não se pode fazer algo que derive de justa medida sem critérios para isso. Desta forma, fecha-se a interpretação da norma de forma favorável a todos. 154 CO - Proposição 3.60 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 475 Enunciado proposto (resumo da proposição): O reconhecimento do adimplemento substancial impede o exercício do direito de resolução por parte do credor. Para a sua caracterização, deve-se levar em conta aspectos quantitativos e qualitativos, a serem extraídos dos valores do ordenamento e da cláusula geral da boa-fé objetiva. Justificativa: A jurisprudência brasileira, com apoio na doutrina (Enunciado 361 da IV JDC – CFJ), já absorveu a teoria do adimplemento substancial, que se fundamenta no ordenamento brasileiro na cláusula geral da boa-fé objetiva e não pode dela se desprender. A fim de auxiliar o intérprete na difícil tarefa de identificar, nos casos concretos, a presença do adimplemento substancial, propõe-se aqui que não se deve observar somente “a quantidade de prestação cumprida”, mas saber se a parte adimplida da obrigação, ainda que incompleta ou imperfeita, mostrou-se capaz de satisfazer essencialmente o interesse do credor, ao ponto de deixar incólume o sinalagma contratual. Para isso, o intérprete deve levar em conta na ponderação não apenas dados quantitativos da prestação, mas igualmente o aspecto qualitativo, fazendo-se o cotejo entre os interesses relevantes que repousam e influenciam a relação jurídica concreta, com base nos valores do ordenamento e na cláusula geral da boa-fé objetiva, bem como levando-se em conta as consequências que a resolução ou a conservação do contrato trariam para as partes. Em razão disso, é necessária uma abordagem qualitativa na aferição do adimplemento substancial, ao lado do aspecto quantitativo, a denotar que o reconhecimento do cumprimento da essencialidade da prestação, que impede o poder resolutório do credor, não depende apenas de critérios puramente matemáticos ou do interesse exclusivo do credor, mas da composição dos interesses das partes no caso concreto, levando-se em consideração a conduta das partes, as consequências da eventual resolução e outros valores, sobretudo constitucionais, que possam influenciar a decisão do magistrado. 155 CO - Proposição 3.61 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 233 Enunciado proposto (resumo da proposição): A patrimonialidade é requisito da relação obrigacional. Justificativa: Nesta proposição, entende-se que, do conceito de obrigação, quanto à prestação, é indispensável o requisito da patrimonialidade, já que é justamente ela que diferencia a obrigação dos deveres jurídicos lato sensu. Para merecer a conceituação de obrigação, o dever, quando não cumprido, deve ser suscetível de se transformar num valor econômico, já que é este o elemento distintivo da obrigação com os deveres que não são propriamente jurídicos – como os deveres morais e religiosos – e com os deveres jurídicos de outra natureza – como o dever do falido auxiliar o administrador judicial com zelo e presteza, no exemplo citado por Washington de Barros Monteiro (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, vol. 5, 37ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 23). Assim, mesmo no caso em que não se fixar um valor, a lei o admite como implícito, convertendo em equivalente pecuniário a obrigação a que o devedor culposamente falta (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, vol. II, 22ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 21-23). Logo, o interesse não precisa ser econômico, bastando o objeto da prestação ter conteúdo patrimonial, devendo ser suscetível de valoração o que se presta (GOMES, Orlando. Obrigações. Revista, atualizada e aumentada, de acordo com o Código Civil de 2002, por Edvaldo Brito. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pp. 24). 156 CO - Proposição 3.62 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 422. Enunciado proposto (resumo da proposição): Sem prejuízo das sanções por práticas antitruste, são leoninas, restritivas e abusivas as cláusulas de retrocessão, que obrigam o cessionário a transmitir ao cedente as melhorias e aperfeiçoamentos técnicos obtidos pelo emprego do conhecimento, objeto do negócio, nos contratos de transferência de tecnologia. Justificativa: Reconhece-se o caráter acessório, necessário e proporcional no âmbito de um contrato de transferência de tecnologia de uma cláusula que disciplina o conhecimento adquirido pela experiência vivida na aplicação das novas técnicas, mas transferir a titularidade em branco dessas novas melhorias é forma abusiva de contratação e deve ser considerada não escrita. 157 CO - Proposição 3.63 Parte da legislação: Código Civil e Lei 9297/96 Artigo: Código Civil, art. 422, e Lei de Propriedade Intelectual (nº 9297/96). Enunciado proposto (resumo da proposição): Ocorrerá a supressio, e, portanto, a cessação da obrigação respectiva, se, nos contratos de cessão de marca, ao longo do prazo de vigência do negócio, as cláusulas abertas que permitem a interpretação em favor do cedente estiverem fora dos limites do registro marcário e nem redundem em concorrência desleal. Justificativa: Vista como modalidade de abuso de direito e dentro de uma perspectiva objetivista da boa-fé, a supressio não deve permitir que o não exercício de um determinado lapso de tempo autorize de modo absoluto uma interpretação em favor do cedente nos contratos de cessão de marcas. 158 CO - Proposição 3.64 Parte da legislação: Código Civil e Lei 8.245/91 Artigo: Código Civil, art, 473, § único, e Lei 8.245/91 Enunciado proposto (resumo da proposição): O disposto no parágrafo único do art. 473 do Código Civil aplica-se aos contratos regidos por lei especial. Nessa linha, se a locação não residencial de imóvel urbano prorrogar-se por tempo indeterminado (art. 56, § único, da Lei nº 8.245/91) e o locatário realizar investimentos consideráveis sem que o locador, ciente da situação, alerte-o sobre a intenção de retomada, a denúncia vazia só produzirá efeitos – com o início do prazo de desocupação – depois de decorrido o tempo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. Justificativa: O art. 473, caput, do Código Civil e o art. 57 da Lei nº 8.245/91 regulam a resilição unilateral; o primeiro nos contratos em geral, e o segundo no contrato de locação não residencial de imóvel urbano. O mesmo art. 57 estabelece ainda o prazo para a desocupação do imóvel pelo inquilino, enquanto o § único do art. 473 da lei civil impede a produção dos efeitos da denúncia, modulando, por consequência, a eficácia da extinção da relação locatícia e o início da fluência do prazo de desocupação do imóvel. A ratio legis é proporcionar à parte prejudicada pela resilição unilateral a obtenção do objetivo previsto no contrato, conforme a sua natureza e os investimentos realizados. Essa norma tem forte inspiração na boa-fé objetiva, vedando o comportamento contraditório. Os investimentos do inquilino podem ser concretizados por vários meios: realização de construções e benfeitorias no imóvel; aquisição de equipamentos, estoque ou matéria-prima; obtenção de financiamentos; investimentos em treinamento, marcas e patentes, dentre outros. Nesta esteira, sem uma notificação eficaz, e, por conseguinte, sem o início e a fluência do prazo de desocupação aludido no art. 57 da Lei nº 8.245/91, o locador que, ciente dos investimentos, deixou de informar ao inquilino a sua intenção de retomada, não poderá pedir o despejo liminar, por faltar um dos requisitos do art. 59, §1º, VIII. Jurisprudência de suporte: (1) TJSP. 25ª. Câmara de Direito Privado. AI nº 0109528-86.2011.8.26.0000. Rel. Des. Sebastião Flávio. J. 21/09/2011, unânime; (2) TJSP, 12ª Câmara de Direito Privado, AI nº 7.148.853-4, Rel. Des. Rui Cascaldi, J. 13/06/2007, unânime. 159 CO - Proposição 3.65 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Código Civil, art. 421. Enunciado proposto (resumo da proposição): Na elaboração do contrato deve ser observada a toda a legislação vigente, tanto a geral quanto a específica, em observância ao Princípio da Compatibilidade Vertical. Nos contratos imobiliários, além da legislação geral e específica, devem ser observados também os princípios do Direito Registral, de modo a assegurar o acesso do título translativo ao Registro de Imóveis para efetivar a transmissão na forma prevista pelo art. 1.245 do Código Civil. Nos contratos de previdência complementar deve ser observada a previsão constitucional para aquela categoria profissional quanto ao tempo de contribuição e limite de idade. Deve-se observar ainda a previsão do Regulamento de Pessoal da empresa para aquela categoria específica, a fim de aportar os recursos adequadamente. Justificativa: Em regra, o contrato deve estar embasado na legislação vigente ao tempo de sua celebração. Os contratos imobiliários, tanto os de aquisição quanto os de locação devem estar amparados na legislação geral (Código Civil) e na específica (Lei de Incorporação, de Parcelamento de solo, do Inquilinato, etc.) a fim de estabelecer cláusulas válidas. Na formação dos contratos imobiliários devem ser observados também os Princípios do Direito Registral, como por exemplo, o Princípio da Continuidade Registral, que exige o encadeamento dos atos de registro como os elos de uma corrente. Por força desse princípio, o alienante (vendedor/cedente/doador) deve obrigatoriamente figurar na matrícula do imóvel como titular de domínio. Se não estiver registrada a transmissão anterior, será obrigatório registrá-la primeiro. Os contratos de previdência complementar, em razão de seu caráter de complementaridade de um direito fundamental de segunda geração, devem ser norteados pela previsão constitucional (imprescritibilidade quanto ao fundo de direito e prescrição progressiva – AgRg no REsp 1317807/RS). Além disso, é imperioso verificar a que categoria o trabalhador pertence, sobretudo nas estatais porque no período de transição entre o regime estatutário e o celetista surgiram várias categorias, com direitos diferentes; com verbas diferentes, para as quais são necessários aportes. Também é imperioso observar o teor dos estatutos e regulamentos para aplicação ou não do limite de idade e do redutor etário, observando-se rigorosamente a regra do direito intertemporal (EDcl no REsp 1125913/RS). 160 161 COMISSÃO DIREITO DAS COISAS RESPONSÁVEL: GUSTAVO JOSÉ MENDES TEPEDINO DC - Proposição 4.1 Parte da legislação: Lei nº 5.709/1971 Artigo: Arts. 1º e 15 Enunciado proposto (resumo da proposição): A constituição de direito real de garantia, inclusive propriedade fiduciária, sobre imóvel rural em favor de pessoa jurídica estrangeira ou brasileira equiparada a estrangeira independe de autorização, que, entretanto, será exigível como requisito para a adjudicação, consolidação ou outro meio de aquisição da propriedade pelo credor em processo de execução da dívida garantida, nos termos da Lei nº 5.709/1971 (CPC/2015, arts. 876 e 879, e Lei nº 9.514/1997, § 7º do art. 26). Justificativa: A aquisição de imóveis rurais por estrangeiros depende de autorização do INCRA ou do CSN (Lei nº 5.709/1971), não havendo restrição à constituição de garantia real. Não obstante, alguns notários e oficiais de Registro de Imóveis fazem objeção à constituição de garantia fiduciária, apesar de o contrato de alienação fiduciária não operar transmissão de propriedade, tanto que sobre ele não incide ICMS nem ITBI (LC 87/1996, art. 3º, VII, e CF, art. 156, I); além disso, a propriedade fiduciária não se equipara, “para quaisquer efeitos, à propriedade plena de que trata o art. 1.231” (CC, art. 1.367). Os contratos de garantia, entre eles o de alienação fiduciária, não são alcançados pela restrição da Lei nº 5.709/1971 por se tratar de regra de exceção, sendo certo que, como ensina Carlos Maximiliano, “a exceção [vedação de aquisição de imóvel rural por estrangeiro] confirma a regra nos casos não excetuados [permissão de constituição de direito real de garantia em favor de estrangeiro]” (Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 20. ed., 2011, nºs 272 e 286). O credor fiduciário, como qualquer outro credor com garantia real, poderá vir a adquirir o bem objeto da garantia em procedimento de execução, mas essa eventualidade não constitui obstáculo à contratação e ao registro da garantia, pois a autorização só se tornará exigível se ocorrer a execução, ocasião em que o credor fiduciário estrangeiro ou a ele equiparado deverá apresentar a autorização do INCRA, dispensada do cumprimento desse requisito a instituição financeira estrangeira por força do § 4º ao art. 2º da Lei nº 6.634/1979, com a redação dada pela Lei nº 13.097/2015. 162 DC - Proposição 4.2 Parte da legislação: Lei 9.514/1997 Artigo: Arts. 26, 27, 30 e 37-A Enunciado proposto (resumo da proposição): A ação de reintegração de posse nos contratos de alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel pode ser proposta a partir da consolidação da propriedade do imóvel em poder do credor fiduciário e não apenas após os leilões extrajudiciais previstos no art. 27 da Lei 9.514/1997. Justificativa: A interpretação sistemática da Lei 9.514/1997 permite concluir que com a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, extingue-se toda e qualquer intermediação possessória e a relação jurídica que originou o escalonamento da posse em direta e indireta, conforme entendimento exposto por Moreira Alves (Da alienação fiduciária em garantia. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 201). Dessa forma, a consolidação da propriedade gera o término do desdobramento da posse e o credor fiduciário, proprietário e antigo possuidor indireto da coisa, passa a condição de possuidor pleno do imóvel, desaparecendo a propriedade fiduciária resolúvel. A permanência do devedor fiduciante no imóvel, inadimplente com suas obrigações e após devidamente constituído em mora caracteriza ato de esbulho e enseja a propositura de ação de reintegração de posse para a retomada do bem pelo credor. Não haveria, assim, necessidade para que a ação de reintegração de posse ocorresse apenas após a realização dos leilões, como à primeira vista pareceria supor da leitura da Lei 9.517/1997. Esse é o entendimento de autores como Sebastião José Roque (Da alienação fiduciária em garantia, p. 191), Marcelo Terra (Alienação fiduciária de imóvel em garantia, p. 51), Afrânio Carlos Camargo Dantzger (Alienação fiduciária de bens imóveis. 2. ed., p. 76), Renan Miguel Saad (A alienação fiduciária sobre bens imóveis, p. 256) e do Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.155.716/DF), em acórdão relatoriado pela Ministra Nancy Andrighi. 163 DC - Proposição 4.3 Parte da legislação: Código Civil Brasileiro de 2002. Artigo: 421, 422 e 1.418 do CC/02. Enunciado proposto (resumo da proposição): O entendimento exposto na Súmula 308 do STJ deve ser aplicado também à hipótese de alienação fiduciária firmada entre a construtora e o agente financeiro. Justificativa: Em que pese o direito de sequela inerente à garantia real hipotecária, o e. STJ, em diversos precedentes, afastou esse direito constituído por construtoras em favor de instituições financeiras nas quais o bem dado em garantia era um imóvel objeto de contrato de promessa de compra e venda. O entendimento ensejou a edição da Súmula n.º 308 do e. STJ. Ocorre que, posteriormente à consolidação dessa jurisprudência, as construtoras começaram a firmar pacto de alienação fiduciária, transferindo a propriedade resolúvel do imóvel ao credor fiduciário. Apesar de na alienação fiduciária haver transferência de propriedade, o que não ocorre na garantia hipotecária, o entendimento sumular merece ter sua interpretação estendida, abarcando o pacto de alienação fiduciária firmado entre a construtora e a instituição financeira, considerandoo também ineficaz perante o adquirente do bem, o qual faz jus à outorga da escritura para que possa exercer todas as faculdades inerentes ao domínio, entendimento que confere máxima efetividade à boa-fé objetiva contratual e à função social dos contratos, conforme artigos 421 e 422 do CC/02. Não bastasse isso, o artigo 1.418 do CC/02 permite ao promitente comprador, titular de direito real, exigir a outorga da escritura definitiva de compra e venda não só do promitente vendedor, mas também de terceiros, a quem os direitos forem cedidos, o que corrobora a necessidade de proteção do adquirente do imóvel. 164 DC - Proposição 4.4 Parte da legislação: Código Civil, art. 474, e Decreto-Lei nº 745/1969, art. 1º e parágrafo único Artigo: 474, e Decreto-Lei nº 745/1969, art. 1º e parágrafo único Enunciado proposto (resumo da proposição): O inadimplemento da obrigação do promitente comprador de imóvel não loteado, caracterizado pela não purgação da mora no prazo da interpelação de que trata o DL 745/1969, pode ser certificado por Tabelião que promover o protesto do correspondente documento de dívida (Lei 9.492/1997). Justificativa: O art. 62 da Lei nº 13.097/2015 deu nova redação ao art. 1º do Decreto-lei nº 745/1969 e a ele acrescentou um parágrafo, dispondo que, nos contratos de promessa de compra e venda com cláusula resolutiva expressa, a não purgação da mora no prazo da interpelação caracteriza o inadimplemento absoluto da obrigação do promitente comprador e opera de pleno direito a resolução do contrato. A lei é omissa quanto à prova da não purgação da mora. Trata-se de grave lacuna, que pode comprometer a segurança jurídica do procedimento, em prejuízo do promitente comprador. A questão é relevante, pois a hipótese é de extinção do contrato por inadimplemento caracterizado pela não purgação da mora, cuja certificação, por constituir documento decisivo, deve ser atribuída a agente dotado de imparcialidade e fé pública, a exemplo dos procedimentos de resolução da promessa de venda de imóveis loteados (Lei nº 6.766/1979, art. 32) e de consolidação da propriedade na execução do crédito fiduciário (Lei nº 9.514/1997, § 7º do art. 26), nos quais a notificação e a certificação da não purgação da mora são legalmente atribuídas ao oficial do Registro de Imóveis. A omissão do Decreto-lei nº 745/1969 pode ser suprida pelo protesto do documento de dívida (Lei nº 9.492/1997), promovido por delegatário igualmente dotado de fé pública e imparcialidade, ao qual incumbe efetivar a notificação do promitente comprador, receber a quantia devida e emitir a certidão da não purgação da mora, que instruirá o requerimento a ser dirigido ao oficial do Registro de Imóveis para cancelamento do registro do contrato. 165 DC - Proposição 4.5 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 519 Enunciado proposto (resumo da proposição): O art. 519 do Código Civil derroga o art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/1941 naquilo que ele diz respeito a cenários de tredestinação ilícita. Assim, ações de retrocessão baseadas em alegações de tredestinação ilícita não precisam, quando julgadas depois da incorporação do bem desapropriado ao patrimônio da entidade expropriante, resolver-se em perdas e danos. Justificativa: O art. 1.150 do Código Civil de 1916 estipulava que, caso o bem expropriado não recebesse a finalidade pela qual a desapropriação havia sido feita, ele seria oferecido ao proprietário original. Em 1941, o Decreto-Lei nº 3.365 impôs limites aos direitos do exproprietário, afirmando que pedidos de retrocessão seriam necessariamente resolvidos em perdas e danos se apreciados depois da incorporação do bem desapropriado ao patrimônio da entidade expropriante. O Código Civil de 2002, lei posterior, regulou a mesma matéria de maneira diferente e incompatível com a anterior em seu art. 519. O art. 519 do CC/2002 derroga, em parte, o art. 35 do DL nº 3.365/1941, afastando sua incidência nos casos em que houver tredestinação ilícita: o direito que ele prevê não é limitado ou condicionado de qualquer maneira pela "incorporação" do bem expropriado à Fazenda Pública. A regulação do direito de preempção em relação a bens públicos foi, inclusive, expressamente referida na Exposição de Motivos do CC/2002 como um "ponto fundamental" de seu livro sobre Direito das Obrigações ("22. Nesse contexto, bastará, por conseguinte, lembrar alguns outros pontos fundamentais, a saber: (...) y) Inclusão, entre os casos de preempção ou preferência, de norma aplicável quando o Poder Público não der à coisa expropriada o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos."). 166 DC - Proposição 4.6 Parte da legislação: Posse - Código Civil Artigo: 1196 Enunciado proposto (resumo da proposição): Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício ou a possibilidade de exercício de ingerência sócio-econômica sobre a coisa, de forma plena ou desdobrada, independentemente de ter a propriedade ou outro direito real ou pessoal, inclusive podendo tê-la adquirido indevidamente, caso que responderá por tal fato quando assim a lei definir. Justificativa: A definição de possuidor do artigo 1196 do Código Civil, que repete o artigo 486 do CC de 1916, não da a correta dimensão da definição de possuidor, mormente por vincular a posse a propriedade, coisa que sabemos nem sempre existir, ademais a principal evolução do conceito é desvincular o fenômeno possessório da propriedade que muitas vezes se confrontam como no caso do Usucapião. observe-se a justificação do PL 6960/2002 que propunha a alteração do referido dispositivo, em que pese manter a equivocada inerência entre a Posse (fato) e a propriedade ou outro direito real suscetível de posse, "trazia considerável evolução em sintonia com a CF, no que concerne às teorias sociológicas da função social da propriedade. Vale registrar, que foram as teorias sociológicas da posse, a partir do início do século XX, na Itália com SILVIO PEROZZI, na França com RAYMOND SALEILLES e, na Espanha, com ANTONIO HERNANDEZ GIL, que relativizaram bastante as célebres teorias objetiva e subjetiva de JHERING e SAVIGNY, como também tornaram-se responsáveis pelo novo conceito desses importantes institutos no mundo contemporâneo". “Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência sócio-econômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da vida, que se manifesta através do exercício ou possibilidade de exercício inerente à propriedade ou outro direito real suscetível de posse.” (NR) grifo nosso! aqui deveria ser dito independentemente de ter a propriedade ou outro direito real ou pessoal. 167 DC - Proposição 4.7 Parte da legislação: Posse e Propriedade Artigo: 1.196 CC; Artigos 56 e 57 da Lei 11.977/2009 Enunciado proposto (resumo da proposição): É indispensável o procedimento de demarcação urbanística para regularização fundiária social de áreas ainda não matriculadas no Cartório de Registro de Imóveis, como requisito à emissão dos títulos de legitimação da posse e de domínio. Justificativa: A Lei 11.977/2009 estabelece como instrumento da regularização fundiária de interesse social o auto de demarcação urbanística, que é ato administrativo destinado ao levantamento da situação da área e caracterização da ocupação. O auto de demarcação deverá ser instruído com planta e memorial descritivo da área a ser regularizada, nos quais constem suas medidas perimetrais, área total, confrontantes, coordenadas preferencialmente georreferenciadas dos vértices definidores de seus limites, planta de sobreposição do imóvel demarcado com a situação da área constante do registro de imóveis e certidão da matrícula ou transcrição da área a ser regularizada. A redação do artigo 56 da Lei 11.977/2009 confere a possibilidade de lavratura do auto demarcação pelo Poder Público, uma vez que se área já estiver suficientemente delimitada e descrita na matrícula do imóvel a ser regularizado, inexiste fundamento que justifique este procedimento. Por outro lado, na hipótese em que a área objeto da futura regularização ainda não esteja devidamente matriculada, será indispensável a lavratura do auto de demarcação urbanístico para que sejam apuradas as medidas perimetrais, área total, limites e coordenadas do imóvel. Tal necessidade se impõe diante do postulado axiológico da especialidade objetiva, que exige a perfeita identificação dos imóveis em suas respectivas matrículas. Ademais, se faz importante para determinar os eventuais interessados na impugnação da área que será regularizada, consoante o disposto no §1º do art. 57 da Lei 11.977/2009. 168 DC - Proposição 4.8 Parte da legislação: Código Civil de 2002 Artigo: 1208 Enunciado proposto (resumo da proposição): O prazo de usucapião corre no exercício da posse injusta, iniciando logo após cessar a resistência aos atos de violência, clandestinidade ou precariedade. Completados os requisitos e o prazo da usucapião considera-se justa a posse. Justificativa: O Enunciado proposto tem o objetivo de afastar interpretação promovida por parte da doutrina no sentido de que o prazo de usucapião só corre após 1 ano e 1 dia da cessação da violência ou da clandestinidade. Também deixa aberta a possibilidade de usucapião da posse injusta precária diante da inércia do titular do direito de propriedade, na linha já consagrada no Enunciado 237/CJF 169 DC - Proposição 4.9 Parte da legislação: Posse e Propriedade – Código Civil Artigo: 1208 Enunciado proposto (resumo da proposição): Devem ser também incluídos como forma autorizadora de defesa e aquisição os atos advindos de posse precariedade, desde que haja o devido convalescimento e não cumprindo o possuidor ofendido com o seu poder-dever de retomar a coisa, assim como nos casos da violenta e ou clandestina, como já reconhece a jurisprudência no caso de interversio possessionis no comodato, entre outros. Justificativa: Essa já é a orientação do enunciado 237 do CEJ e do Enunciado 301 da IV Jornada de Direito Civil , do CJF e STJ que trata da intervesio possessionis, mesmo em situações que envolvam a boa fé, assim o reconhecimento da possibilidade de convalescimento da posse precária, assim como ocorre nos atos violentos e clandestinos indica uma razoabilidade e racionalidade, inclusive de cunho constitucional, em homenagem a princípio da equidade, uma vez que os atos de aquisição violenta e clandestinos de posse implicam numa ofensa muito maior ao Ordenamento jurídico do que os atos precários que venham a convalescer e que por inércia do possuidor que tem o poderdever de zelar e retomar a coisa permanece inerte. 170 DC - Proposição 4.10 Parte da legislação: Posse e Propriedade – Código Civil Artigo: 1210, § 1º Enunciado proposto (resumo da proposição): A ação material para a legitima defesa ou desforço imediato da posse, só é cabível quando a situação fática envolver a própria dignidade pessoal do possuidor, sob pena de ofensa ao artigo 1º, inc. III da Constituição Federal, uma vez que cabe ao Estado as garantias individuais e coletivas da sociedade em momento diferido, ou seja, em casos que não represente lesão e ameaça imediata que necessite de reação atual. Justificativa: Nada apropriado que em pleno século XXI esteja um ordenamento jurídico a prestigiar o conflito envolvendo pessoas a fim de defender e resguardar a posse de coisas, seria a efetiva coisificação da natureza humana, permitir que se coloque em risco a integridade física, a vida de pessoas a fim de defender bens, é o suprasumo do materialismo, e não se diga que aqui a coisa integra a dignidade humana, isso só poderia ocorrer envolvendo uma situação primitiva de sobrevivência. Deve o Estado em tais circunstâncias coibir qualquer ato que atente contra a dignidade humana. Se a situação envolver a própria dignidade da pessoa que eventualmente estiver possuindo algo que será desapossado acessoriamente ai entramos no campo de legitima defesa pessoal vinculada ao direito penal, mas a simples situação de desapossamento, não deve ser coibida pelo próprio ofendido, este é um dever primordial e fundamental do Estado de garantir uma convivência pacífica e ordenada. É sua plena e total responsabilidade resguardar o interesse possessório e patrimonial das pessoas a fim de garantir segurança jurídica e paz social e não repassar levianamente esse ônus ao cidadão. in Repersonalização da Posse, editora NOTADEZ, 2011 - ISBN 978-85-99315-43-9. 171 DC - Proposição 4.11 Parte da legislação: Direito das Coisas – Título III – Capítulo II (Da aquisição da propriedade imóvel) Artigo: 1210, §2º Enunciado proposto (resumo da proposição): A vedação da “exceptio proprietatis”, no âmbito das ações possessórias típicas, não afasta a possibilidade de alegação de propriedade ou de outro direito real em face de terceiro. Justificativa: É reconhecida a absoluta separação entre os juízos possessórios e petitório, bem como a natureza autônoma da posse em relação à propriedade (Enunciados 78, 79 e 492). Nesse sentido, é o teor do art. 1210, §2º, do Código Civil, e da primeira parte do art. 557 do Código de Processo Civil de 2015. O que não exclui, como destacado na parte final desse dispositivo do CPC/2015, a possibilidade de alegação do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real em face de terceira pessoa. 172 DC - Proposição 4.12 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1225, inciso VII; 1.417; 1.492. Enunciado proposto (resumo da proposição): “A Súmula 308 do STJ somente se aplica para afastar os efeitos do registro da hipoteca em face da promessa de compra e venda não registrada, na hipótese de falência do incorporador ou construtor.” Justificativa: A Súmula 308 do STJ enuncia: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.” Essa súmula, diante dos efeitos do registro imobiliário (Código Civil, art. 1.492; Lei 6.015/1973, arts. 167, inciso I, item 2, e 279), demonstra-se francamente contra-legem, tendo em vista que os direitos reais (CC, art. 1.225) somente se constituem mediante o competente registro no cartório de imóveis, inclusive o direito do promitente comprador (CC, art. 1.417). Essa súmula teve nítida inspiração social, e foi editada, exatamente, para superar o grave problema decorrente da falência da incorporadora Encol S.A., no ano de 1999, quando milhares de promissários compradores, cujos contratos não podiam ser registrados diante da irregularidade jurídica dos empreendimentos daquela construtora, eram classificados como meros credores quirografários, enquanto as instituições financeiras iriam exercer seus privilégios como credores com garantia real. As diversas decisões do STJ que fundamentaram a edição dessa súmula dizem respeito, diretamente, à situação de insolvência da empresa construtora. Assim, o presente enunciado procura afastar a aplicação da Súmula 308 de outras hipóteses em que o direito real decorrente da hipoteca registrada deve ser respeitado diante de outros títulos não levados a registro (Lei 6.015/1973, art. 279). 173 DC - Proposição 4.13 Parte da legislação: Direitos Reais Artigo: Art. 1228, §§ 1º e 2º Enunciado proposto (resumo da proposição): “Aplicam-se às relações de direitos autorais o disposto sobre a função social da propriedade.” Justificativa: Em 2011 o Superior Tribunal de Justiça, ao decidir o Recurso Especial 964.404, estabeleceu, por unanimidade, como paradigma que a à proteção autoral sobre os bens literários, artísticos ou científicos deve ser coadunada com a função social da propriedade, e destacou que as limitações opostas aos direitos autorais têm por objetivo a harmonização entre direitos fundamentais, tais como o direito à cultura, educação, privacidade. Seu principal efeito é a conformação da interpretação das limitações estabelecidas na Lei 9.610/98 como extensiva. Esta posição já havia sido acatada pelo Supremo Tribunal Federal (RE 115.505) ao discutir a legislação especial anterior, sem contudo enfrentar a questão a partir dos direitos fundamentais. A posição do STJ reflete o entendimento da doutrina contemporânea consolidada a partir da primeira década deste século, onde se destacam, em especial, as seguintes obras que dão pleno suporte à posição consolidada pelo STJ: SOUZA, Allan Rocha. Função Social dos Direitos Autorais: uma interpretação civil constitucional. Campos: editora da Faculdade de Direito de Campos, 2006; LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos direitos de autor: releitura na perspectiva do direito civil contemporâneo. 2007. 299 f. Tese (Doutorado em Direito Civil), Faculdade de Direito. UERJ; CARBONI, Guilherme. Função social do direito de autor. Curitiba: Juruá Editora, 2006. Justifica-se este enunciado pela necessidade de consolidação deste entendimento paradigmático e consequente redução de recursos repetitivos e casos judiciais em torno do tema. 174 DC - Proposição 4.14 Parte da legislação: Direito das Coisas Artigo: Art. 1.228, §§ 4º e 5º, do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): A desapropriação judicial é modo originário de aquisição da propriedade e, como tal, opera-se independentemente da concordância do expropriado e desvincula-se de quaisquer vícios, ônus ou gravames inerentes à relação jurídica anterior. Justificativa: O instituto previsto no artigo 1.228, §§ 4º e 5º, do Código Civil, é modalidade de desapropriação e, como tal, tem natureza jurídica de aquisição originária da propriedade, pois não há participação volitiva do antigo proprietário. Com efeito, após o juiz da causa reconhecer o preenchimento dos requisitos legais (§ 4º), o direito do expropriado passa a recair tão somente sobre a indenização correspondente (§ 5º). Cumpre destacar que, como corolário da ausência de liame negocial, os possuidores adquirem a propriedade em sua plenitude, livre dos vínculos anteriores. Disso decorre que, no plano registral, a transcrição da desapropriação prescinde da observância do princípio da continuidade, respeitando-se, entretanto, o princípio da especialidade objetiva. 175 DC - Proposição 4.15 Parte da legislação: Dos Direitos Reais – Da Propriedade Artigo: 1.228 e seguintes da Lei 10.406/2002 (Código Civil) Enunciado proposto (resumo da proposição): "Aos proprietários de bens imateriais (marcas, patentes, desenhos industriais, modelos de utilidade e obras artísticas) são garantidos os direitos e proteções atinentes aos proprietários da coisa material, podendo seu legítimo detentor, usar, gozar, dispor, reaver e se insurgir contra quem injusta ou abusivamente impeça a plena fruição desses direitos". Justificativa: A relevância da temática está na existência, até hoje, de discussão doutrinária a respeito da natureza jurídica dos direitos da propriedade intelectual e do regime jurídico aplicável, a despeito do uso inequívoco, seja no texto da Constituição Federal, seja nas leis especiais (Lei 9.279/96 e 9.610/96) do termo “propriedade”: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; Com efeito, muito se debate acerca dos direitos e níveis de proteção conferidos aos titulares das criações e invenções, provenientes do campo da estética ou da técnica, justamente diante da imaterialidade dos bens compreendidos na propriedade intelectual. Sendo assim, é imprescindível que sejam dissipadas quaisquer dúvidas acerca das faculdades e garantias, inclusive a nível fundamental, conferidas aos proprietários de tais bens imateriais. 176 DC - Proposição 4.16 Parte da legislação: Código Civil de 2002 Artigo: 1238 Enunciado proposto (resumo da proposição): O Oficial do Registro de Imóveis deve proceder à abertura de nova matrícula ao registrar de sentença de usucapião em todas as suas modalidades, exceto na hipótese da usucapião familiar (1.240-A), por não se revelar como forma de aquisição originária da propriedade. Justificativa: O Enunciado proposto tem o objetivo de padronizar o comportamento adotado nos Estados Brasileiros a respeito do registro da sentença de usucapião. Em vários Estados, os Oficiais Registradores promovem simples registro da sentença na matrícula existente gerando insegurança na aquisição do imóvel por terceiros quanto à existência de ônus sobre os bens. A abertura da matrícula consagra a usucapião como modalidade de aquisição originária da propriedade. A exceção fica por conta da usucapião familiar (art. 1.240-A do Código Civil) que não constitui modalidade de aquisição originária da propriedade, pois o cônjuge ou companheiro já é proprietário de parte do imóvel, não podendo utilizar o instituto para desconstituir ônus existentes sobre o bem. 177 DC - Proposição 4.17 Parte da legislação: Usucapião Artigo: 1238 e 1242 Enunciado proposto (resumo da proposição): A ata notarial que atesta a posse na usucapião extrajudicial (art. 1.071 do Novo CPC) não faz prova plena do lapso temporal e da continuidade da posse como requisito para a usucapião (arts. 1.238 e 1.242 do CC). Justificativa: A ata notarial é um instrumento eficaz para transformar fatos atestados pelo tabelião (art. 384 do novo CPC Lei 13.105/2015) em prova documental produzida por instrumento público, constituindo-se prova plena (art. 215 do CC). Na usucapião extrajudicial trazida pelo novo CPC, a ata notarial lavrada por tabelião apresenta-se como requisito para atestar o tempo da posse. A ata notarial pode produzir prova de fatos atestados pelo tabelião no momento presente, contudo a análise de períodos passados, bem como da continuidade da posse pelo lapso temporal necessário à configuração da usucapião (arts. 1.238 e 1.242 do CC) restará prejudicada. Diante disso, em se tratando de ata notarial que documente a situação fática da posse, não se pode concluir pela prova plena da posse tal como preceitua o art. 215 do CC. 178 DC - Proposição 4.18 Parte da legislação: Usucapião de imóvel rural Artigo: Artigo 1.239 do Código Civil; Artigos 176, §1º, II, 3, ‘a’, e 225, §3º da Lei 6.015/1973 Enunciado proposto (resumo da proposição): O georreferenciamento de imóvel rural objeto de ação de usucapião confere efetividade ao princípio da especialidade objetiva. Justificativa: O princípio registral da especialidade objetiva impõe que o bem imóvel, para efeito de registro público, seja plenamente identificado, a partir de indicações precisas de suas medidas, características e confrontações. De acordo com o art. 176, § 1o, II, 3, "a", da Lei n. 6.015/1973, a identificação do imóvel rural constitui requisito essencial da matrícula. A norma do artigo 225 da Lei 6.015/1973, por sua vez, determina que, em processos judiciais, as partes indiquem com precisão as características, confrontações e a localização do imóvel. Com intuito de aprimorar a determinação dos limites do imóvel rural e de evitar o surgimento de efeitos indesejados decorrentes das descrições vagas e imprecisas (sobreposições de área), o §3º do artigo 225 determina que, nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidas a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA. Essa individuação é indispensável à garantia de segurança das relações jurídicas e obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência, seja derivada ou originária, de imóvel rural, segundo prevê o § 4º do artigo 176 da Lei 6.015/1973 e como já foi reconhecido pelo STJ no REsp nº 1.123.850/RS. 179 DC - Proposição 4.19 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1239 Enunciado proposto (resumo da proposição): Art. 1239 do Código Civil. É possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural. (Revogados os Enunciados 308 e 313 do CFJ, em sua 4ª Jornada). Justificativa: A usucapião especial é modalidade de aquisição originária da propriedade que surgiu no mundo jurídico para valorizar a fixação do homem no campo. Daí porque é exigido que pessoa tenha sua moradia no local e lá execute trabalho produtivo. De outro lado, a C. F e o C.C não fixaram um patamar mínimo para a área passível de usucapião. Exige-se, apenas, que a área não pode ser superior a 50 hectares. Frente à anomia, os Tribunais vinham entendendo que tal área não poderia ser inferior ao módulo rural da região a que pertence, como exigido pelo artigo 65 do Estatuto da Terra. Sob tal matiz foram editados os Enunciados 308 e 313, pelo CFJ (4ª Jornada). Entretanto, diferentes teses doutrinárias seguiam em direção oposta. Demais disso, algumas decisões passaram a absorver essa tendência, como a exarada pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo (Processo CG n° 2010/00120171) e algumas proferidas pelo TJSP (apelação nº. 990.10.243.764–7, Rel. Des. Francisco Eduardo Loureiro e AC 297.150–4/1–00, da 1ª. C. de D. Privado, Rel. Des. De Santi Ribeiro, 02/09/2008). Recentemente, decisão da 4ª Turma do STJ colocando termo às controvérsias fixou entendimento no sentido de que é possível a aquisição da propriedade, através da usucapião especial, de área menor do que o módulo rural estabelecido para a região, considerando que ele atua como instrumento voltado, primordialmente, para a função social. Por tal, incentiva a produtividade da terra e protege aqueles que a ocupam. Demais disso, consideraram que o 191 da CF e o artigo 1.239 do CC nada determinarem a respeito. Em sendo assim, não cabe ao interprete discriminar onde o legislador não discriminou. 180 DC - Proposição 4.20 Parte da legislação: Código Civil de 2002 Artigo: 1240-A Enunciado proposto (resumo da proposição): Art. 1.240-A. O requisito “abandono do lar” deve ser interpretado pela ótica do instituto da usucapião como “abando da posse do imóvel sobre o qual está assentado o lar”, não se confundindo com o descumprimento dos deveres conjugais ou convivenciais. Justificativa: O Enunciado proposto tem o objetivo de esclarecer a interpretação do artigo 1.240-A, facilitando a sua aplicação. Afasta-se, com a redação adotada, a investigação da culpa na dissolução do vínculo convivencial e marital, objetivo este também buscado pelo legislador constitucional com a Emenda Constitucional 66/10. Não há razão para introduzir na usucapião um requisito que diz respeito ao direito de família, sendo certo que a doutrina especializada no direito de família também tem procurado afastar tal análise. 181 DC - Proposição 4.21 Parte da legislação: Direito das Coisas – Título III – Capítulo II (Da aquisição da propriedade imóvel) Artigo: 1240-A Enunciado proposto (resumo da proposição): Não é admissível o reconhecimento extrajudicial da modalidade de usucapião de que cuida o art. 1240-A do Código Civil. Justificativa: O Código de Processo Civil de 2015 suprimiu o procedimento especial de usucapião, fomentando, inclusive, consoante art. 1071, o reconhecimento extrajudicial dessa modalidade de aquisição originária de direitos reais. Destarte, na impossibilidade do procedimento extrajudicial, deve-se observar o procedimento comum. A despeito da impugnação extrajudicial, nos termos do § 10 do referido art. 1071, aponta-se como inviável o reconhecimento cartorial da modalidade de usucapião de que cuida o art. 1240-A do Código Civil. O denominado usucapião familiar ou por meação pressupõe a discussão sobre o que se entende por “abandono do lar”. Em observância a algumas diretrizes para interpretação desse requisito, inclusive reconhecidas no Enunciado 499 (aprovado na VI Jornada de Direito Civil), tem-se que essa modalidade de aquisição é incompatível com o procedimento extrajudicial. A discussão sobre descumprimento de deveres conjugais e a necessária alteração do regime patrimonial do casamento – consequência natural dessa aquisição patrimonial – pressupõem necessariamente tutela jurisdicional. A alteração patrimonial pode ter manifesta externalidade. Nesse sentido, sobrevém o conteúdo do § 2º do art. 1639 do Código Civil. Ainda que se defenda a natureza aquisitiva originária do usucapião, bem como se propugne a desjudicialização das pretensões, para melhor observância dos requisitos do art. 1240-A, bem como para a tutela de legítimos interesses de terceiros, aponta-se como inaplicável o reconhecimento extrajudicial do denominado usucapião familiar. 182 DC - Proposição 4.22 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1240-A Enunciado proposto (resumo da proposição): Aquele que adquiriu a propriedade em conformidade com o disposto no art, 1240-A, não estará impedido de pleitear novamente o mesmo direito em relação a outro imóvel, desde esteja diante da mesma situação fática, caracterizada pelo abandono do lar por diferente parceiro e não possua mais o imóvel anterior. Justificativa: A Lei 12.424/11, ao acrescentar o art. 1240-A ao C.C, introduziu uma modalidade de usucapião, conhecida como usucapião especial urbano por abandono do lar. Trata-se de norma que coloca sob seu abrigo aquele que, abandonado pelo ex-cônjuge ou exmarido, sem ter outro imóvel, tenha exercido por 2 anos, ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m², de propriedade comum, para sua moradia ou de sua família. O instituto já ensejou a edição do enunciado CFJ nº 499, sob um viés conceitual. Entretanto, em razão de situações de ordem prática, relacionadas à restrição prevista no parágrafo único do referido artigo, surgiram dúvidas quanto à aplicabilidade da norma. Com efeito, resta disposto que esse direito, só é passível de ser reconhecido, ao mesmo possuidor, por uma vez. Em sendo assim, indaga-se se tal modalidade se aplica, por mais de uma vez, à mulher casada que, após ter sido abandonada e permanecido no imóvel comum por dois anos, valeu-se da referida regra para adquirir a propriedade do mesmo. Ou seja, frente à mesma situação fática, com diferente parceiro em relação a outro imóvel de propriedade comum, ela terá legitimidade para pleitear o direito, desde que não possua mais o imóvel anterior. Tal se dá porque, além dos fundamentos já apontados no Enunciado 499, resta clara que a intenção do legislador ao empreender essa importante alteração ao Código Civil guarda íntima relação com o direito à moradia consagrado no art. 6º da Constituição Federal. Se tal não fosse, teria que valer-se da usucapião extraordinária, prevista no art. 1238 do CC ou no art. 183 da Constituição Federal, que se revela de maior complexidade. 183 DC - Proposição 4.23 Parte da legislação: Da Propriedade - Da Usucapião Artigo: 1.240-A, CC Enunciado proposto (resumo da proposição): O requisito “abandono do lar” pressupõe a tutela da família e não importa em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Justificativa: O trato atual das relações familiares fez emergir, dentre outros, os princípios da responsabilidade (SANCHES, 2013) e da afetividade (CALDERÓN, 2013), que conferem outra coloração às diversas categorias do direito de família. Se mostra inconcebível qualquer interpretação da expressão abandono do lar que busque retomar a averiguação da culpa na dissolução do vínculo conjugal, visto ser esta uma questão já superada no direito de família brasileiro, máxime após a Emenda Constitucional 66/2010. Do mesmo modo, não se pode vislumbrar na figura do abandono do lar uma mera sanção a um dos cônjuges ou conviventes. Calha, aqui, a alteração de enfoque que se percebe na própria responsabilidade civil: muito mais do que se sancionar um culpado, o que na maioria das vezes não é simples, para o foco atual que visa a recomposição da vítima. O que se mostra indicado é que se traduza a expressão abandono do lar como um abandono familiar, no sentido de um desamparo da família por um daqueles que deveria ser seu provedor. Em outras palavras, retrate o não atendimento das responsabilidades familiares e parentais incidentes no caso concreto, um desassistir que venha a trazer dificuldades materiais e afetivas para os familiares que restaram abandonados. Exemplificando: não prestar alimentos, não contribuir para as despesas do lar, não manter os vínculos afetivos com os demais integrantes da família, dentre outros (CALDERÓN; IWASAKI, 2014). 184 DC - Proposição 4.24 Parte da legislação: Usucapião Artigo: 1241 Enunciado proposto (resumo da proposição): A concordância expressa do titular da propriedade é requisito para a usucapião extrajudicial (art. 1.071 do Novo CPC e art. 1.241 do CC). Justificativa: A realidade contemporânea da sociedade de risco traz consigo um aumento significativo de demandas apresentadas ao Poder Judiciário, ao mesmo tempo em que a garantia do acesso à justiça como princípio constitucional e processual se mostra cada vez mais presente, em especial no texto do Novo CPC. Nesse novo cenário, percebe-se que para garantir efetividade ao direito pleiteado, entregam-se algumas questões ao foro extrajudicial, visando garantir o citado acesso, bem como buscando celeridade na resposta estatal. A usucapião extrajudicial nasce nesse panorama, na tentativa de reconhecer o direito de propriedade de forma mais célere e facilitada, na perspectiva da função social da posse. O instrumento trazido pelo art. 1.071 do Novo CPC (Lei 13.105/2015), além de não afastar a via jurisdicional da usucapião preceituada no artigo 1.241 do Código Civil, relativiza a usucapião como modo originário de aquisição da propriedade. Isso porque no inciso II e no parágrafo 2º do citado artigo, percebe-se a necessidade da concordância expressa do proprietário, então titular do direito real de propriedade constante na matrícula do imóvel. O requisito da manifestação de vontade expressa do proprietário do imóvel pode colocar em dúvida o modo originário de aquisição da propriedade, bem como, na prática, poderá inviabilizar a modalidade extrajudicial. 185 DC - Proposição 4.25 Parte da legislação: Da aquisição da Propriedade Imóvel – Usucapião. Artigo: 1243 c/c 1238, Parágrafo único. Enunciado proposto (resumo da proposição): A accessio e a successio possessionis estabelecidas no disposto no art. 1423 do Código Civil, aplica-se a usucapião extraordinária qualificada pela moradia-trabalho, prevista no parágrafo único do art. 1238 do Código Civil. Justificativa: Criou-se na doutrina e em alguns julgados do TJRGS (Apelações nºs. 70051416626 e 70032449159) que para aquisição da propriedade através da usucapião extraordinária prevista pelo art. 1238, § único (moradia/trabalho), exige-se do postulante a posse pessoal pelo prazo de 10 anos, sem reconhecimento da accessio ou successio possessionis previstas pelo art. 1243 do CC. Na verdade a regra estabelecida pelo art. 1238, § único, do CC, exige o prazo de 10 anos de posse “se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo". E só. Não estabelece em nenhum momento o caráter pessoal da posse pelo prazo de 10 anos pelos autores da demanda. A possibilidade de soma da posse com os antecessores está prevista pelo art. 1.243, cuja redação determina a aplicação para “os artigos antecedentes” (inclusive para o § único do art. 1238), exige apenas dois requisitos para a usucapião extraordinária, além de 10 anos de posse: continuidade e pacificidade. Entendo que o exegeta não deve criar obstáculos que a lei não exige para garantia de direitos fundamentais como à moradia, com observância na função social da propriedade. A interpretação deve ser ampla sempre em benefício, mas jamais em prejuízo do cidadão. O Superior Tribunal de Justiça não se pronunciou explicitamente sobre a questão. Nos julgados existentes, ressalta apenas a necessidade da observância dos requisitos legais (prazo de 10 anos, continuidade, pacificidade e moradia/trabalho), bem como aplicação das regras de transição (REsp 1314413/MG e REsp 1088082/RJ). 186 DC - Proposição 4.26 Parte da legislação: Da aquisição da Propriedade Imóvel – Usucapião. Artigo: 1243-A Enunciado proposto (resumo da proposição): Adquire também a propriedade o Condomínio que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, administra uma área de coisa comum, adquirida pelos Condôminos, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Justificativa: Existe uma lacuna na Legislação ao tema da usucapião pelos Condomínios, em particular os Horizontais, embora irregulares foram constituídos e administram áreas comuns dos Condôminos, porém não possuem matrícula individualizada do imóvel, ou seja, da área comum, no respectivo Cartório, causando inclusive lesão aos cofres públicos, principalmente no tocante ao recolhimento do IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano. Importante frisar que cabe ao possuidor usucapir do imóvel, referente à sua moradia, mas ao comprar um imóvel, em condomínio irregular, de forma horizontal, principalmente de casas, possui um quinhão da parte do todo da área comum, que cabe ao Condomínio administrar e o Condomínio ao usucapir a área comum estará resguardando o patrimônio de todos os demais condôminos. Por fim, cabe ressaltar que a área comum do Condomínio invariavelmente possui a sede da Administração; ruas; calçadas; praças; quadras de esporte; área ambiental, etc. 187 DC - Proposição 4.27 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1.245 Enunciado proposto (resumo da proposição): O parágrafo 6º do art. 26 da Lei 6.766/79, com a redação dada pela Lei 9.785/99, aplicase ao compromisso de compra e venda posterior ao loteamento desde que referente ao mesmo imóvel. Justificativa: O § 6º do art. 26 da Lei 6.766/79 determina que os compromissos de compra e venda valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, provando-se a quitação. Tem-se entendido que o preceito só se aplica na primeira transferência do domínio. Tal entendimento não se justifica. Se a chamada escritura definitiva é considerada inócua e inútil para a primeira venda, não pode deixar de sê-lo também para as vendas seguintes. A mesma razão da lei está presente em ambas hipóteses. É irrelevante a lei ter se referido a lote. Evidentemente referiu-se a lote de terreno. Lote não tem significado próprio. O importante é a realidade do terreno e não a mera expressão lote, que é um simples termo partitivo, que não tem autonomia, que apenas indica uma fração de uma outra realidade que é o terreno, o imóvel. Este continua indefinidamente com seu carisma jurídico. Continuará tendo que respeitar os ônus relativos aos recuos, finalidade do uso e demais restrições – art. 45 da Lei 6.766/79. Se o novo proprietário tem de suportar os ônus e restrições que incidem sobre o imóvel por força da Lei 6.766/79, ele, proprietário, também precisa gozar da vantagem concedida por essa mesma lei ao afastar a exigência da tal escritura definitiva. A proposta é coerente com o Enunciado 87 da I Jornada: “Considera-se também título translativo, para fins do art. 1.245 do novo CC, a promessa de compra e venda devidamente quitada (arts. 1.417 e 1.418 do CC e § 6º do art. 26 da Lei n. 6766/79. 188 DC - Proposição 4.28 Parte da legislação: Da Aquisição da Propriedade Móvel Artigo: 1260 Enunciado proposto (resumo da proposição): Aquele que possuir participação societária alheia como sua, continuamente, durante três (com justo título e boa fé) ou cinco anos (independentemente de título ou boa fé), sem que haja contestação por parte do sócio titular, da sociedade ou dos demais sócios, bem como em não exercendo o sócio titular, nesse interregno, seus direitos de sócio, adquirir-lhe-á a propriedade. Justificativa: Não raro, sócios de sociedades as abandonam, deixando de exercer, durante anos, seus direitos e deveres de sócio. Para suprir tal omissão, e com isso manter a subsistência da sociedade, é comum que outro(s) sócio(s) se aposse(m), no campo dos fatos, da participação societária do sócio titular omisso e, sendo a participação societária um bem móvel, é legítimo que adquiram a propriedade caso preenchidos os requisitos legais da usucapião. Exemplos outros não faltam, como o caso de um sócio que se retira faticamente da sociedade e um terceiro passa a exercer normalmente os direitos daquele, como recebendo lucros. 189 DC - Proposição 4.29 Parte da legislação: Aquisição da Propriedade Móvel, Posse Artigo: 1260, 1261 c/c 1196 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): Os bens imateriais são sujeitos à posse bem como à usucapião nos termos dos artigos 1.196, 1.260 e 1.261 do Código Civil. Justificativa: Com o advento da sociedade da informação, “[a]s principais fontes de lucro - dos grandes lucros em especial, e portanto do capital de amanhã - tendem a ser, numa escala sempre em expansão, ideias e não objetos materiais” (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2001, p. 173). Desta forma, com a crescente litigiosidade envolvendo bens imateriais, como verbi gratia as propriedades intelectuais, seria arbitrária a exclusão da transmudação de titularidade de tais bens via usucapião. Aliás, “Acolhida por sábia jurisprudência a posse de coisas incorpóreas, pode-se dizer cortada, em definitivo, a noção naturalista da posse, de caráter meramente isagógico, e entreaberto o espaço para a admissão de um critério econômico e um critério axiológico-normativo na velha noção de posse” (MARTINS-COSTA, Judith Hoffmeister. Usucapião de coisa incorpórea: breves notas sobre um velho tema novo in TEPEDINO, Gustavo, FACHIN, Luiz Edson. O Direito e O Tempo, Embates Jurídicos e utopias contemporâneas. Editora Renovar; Rio de Janeiro, 2008, 643). Não foi à toa, portanto, que o STJ consagrou a possibilidade de usucapião sobre bens incorpóreos quando editou o verbete de súmula 193: “O DIREITO DE USO DE LINHA TELEFONICA PODE SER ADQUIRIDO POR USUCAPIÃO”. 190 DC - Proposição 4.30 Parte da legislação: Aquisição da propriedade móvel. Artigo: 1272 a 1274 do Código Civil. Enunciado proposto (resumo da proposição): Os artigos 1.272 a 1.274 do Código Civil tratam do instituto da "comistão", e não da "confusão", como equivocadamente está descrito nos artigos 1.273 e 1.274 do referido diploma legal, bem como na denominação da seção VI, do capítulo III, do título III, do livro III da parte especial da mencionada lei Justificativa: Orlando Gomes ensinava que a "comistão" é uma das formas de aquisição da propriedade móvel, e que é conceituada como "a mistura de coisas sólidas pertencentes a diferentes donos, sem que se possam separar e sem que produza coisa nova" (GOMES, Orlando. Direitos Reais. 9º ed. Rio de Janeiro: Forense: 1985. p. 171). Darcy Bessone também elenca a "comistão" como forma de aquisição da propriedade móvel, e a conceitua como sendo a mistura de coisas secas pertencentes a proprietários diferentes (BESSONE, Darcy. Direitos Reais. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 155). Ocorre que o Código Civil denominou o referido instituto na seção VI, do capítulo III, do título III, do livro III da parte especial, equivocadamente como "comissão", erro esse repetido nos artigos 1.273 e 1.274 do citado diploma legal. Os professores Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, apontam a existência de tal equivoco, ao afirmar, no comentário do artigo 1.272 do Código Civil, que: "A comistão - designada erroneamente de "comissão" no título desta Seção -, por sua vez significa mistura de coisas sólidas, a exemplo da junção de duas partes de feijão (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 570. v.III). Corrobora do referido entendimento, Marco Aurélio Bezerra de Melo, que, ao indicar em sua obra as formas de aquisição da propriedade móvel, não denomina o referido instituto como "comissão", mas sim como "comistão". (MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 171). 191 DC - Proposição 4.31 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1276 Enunciado proposto (resumo da proposição): A posse impeditiva da arrecadação prevista no art. 1276 do Código Civil, é posse efetiva e qualificada por sua função social. Justificativa: A arrecadação é uma modalidade de aquisição da propriedade pelo Poder Público em razão de abandono do imóvel por seu titular, portanto, uma atuação em beneficio da sociedade, com tom de punição ao proprietário moroso no cumprimento da função social da propriedade imobiliária. Presente, portanto, na arrecadação, o interesse público. No entanto, o legislador, resolveu impedir a deflagração do procedimento de arrecadação na hipótese do imóvel se encontrar na posse de outrem. Evidente que o legislador se refere a alguém que esteja dando efetiva utilização ao imóvel através da moradia, cultivo ou desenvolvimento de atividade de interesse social e econômico e que por óbvio não tenha relação jurídica com o proprietário, posto que se tiver, o imóvel não estará em estado de abandono. Essa posse de outrem, não pode ser a posse simples, aquela resultante, por exemplo, da circunstancia de ter cercado o imóvel, ter impedido que outros o invadissem, tamanha a importância dada pelo legislador de proteção daquele que a está exercendo. Certamente que se refere à posse-trabalho ou possemoradia referida por Miguel Reale lastreada no principio da socialidade, diversa da posse resultante dos “critérios formalistas da tradição romanista, a qual não distingue a posse simples, ou improdutiva, da posse acompanhada de obras e serviços realizados nos bens possuídos” (O Projeto do Novo Código Civil, 2ª ed., SP, Saraiva, 1999, p.33). 192 DC - Proposição 4.32 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1276 Enunciado proposto (resumo da proposição): A posse de outrem referida no art. 1276 do Código Civil que impede a aquisição da propriedade pela arrecadação do Poder Público, impede, de igual modo, enquanto ela durar a reivindicação do proprietário que abandonou a coisa. Justificativa: A possibilidade de reivindicar o imóvel que se encontra na posse de outrem injustamente é o elemento de tutela que evidencia a força do direito de propriedade. No entanto, essa proteção só se faz presente quando o titular do bem cumpria com a função social da propriedade e que agora está impedido de fazê-lo em razão de ato ou fato de terceiro. Conforme leciona boa parte da doutrina, a propriedade (ou o direito de propriedade) que não cumpre com sua função social perde a proteção constitucional e nesse sentido não merece a proteção do sistema, proteção última exercida através da reivindicação. Neste sentido é a orientação de: SILVA, Jose Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, RT, 1991, p. 239, p. 251, p. 681; GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de l988, 2ª ed, R.T., 1991, p.244, p. 249, p. 251, p.316; FACHIN, Luiz Edson. A Justiça dos Conflitos no Brasil. In: A Questão Agrária e a Justiça. Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 284; Desse modo, se a posse de outrem, exercida em imóvel que estava em estado de abandono quando do ingresso desse outrem, que passa a exercer uma posse efetiva, com função social, posse qualificada portanto, tem o condão de impedir a arrecadação do bem pelo Poder Público, que age no interesse público, deve ter também o condão de impedir a reivindicação do titular do direito, moroso no cumprimento com a função social, que age no interesse particular. Permitir tal reivindicação seria premiar o proprietário inerte em face do possuidor atuante, que exerce posse-moradia ou posse-trabalho. 193 DC - Proposição 4.33 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1293 Enunciado proposto (resumo da proposição): Na redação do art. 1.293, "agricultura e indústria" não são qualificadores do prejuízo que pode ser causado pelo aqueduto, mas finalidades que podem justificar sua construção. O art. 1.293 do Código Civil, assim, fornece amparo direto para a instituição de aquedutos que beneficiem a agricultura e a indústria. Tais aquedutos fundamentam-se em autorização legislativa expressa encerrada no art. 1.293, não em relação de mera compatibilidade entre eles e o Código Civil. Não é preciso recorrer ao art. 117 do Código de Águas para justificar a existência de aquedutos que possuam tal finalidade. [Nota de esclarecimento, para os fins do art. 17, §2º do Regimento da VII Jornada: esta proposta de enunciado pressupõe a revisão do Enunciado nº 245.] Justificativa: Houve um erro de revisão no art. 1.293 do Código Civil durante sua tramitação no Senado: onde se lê "...e, desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de águas...", deve-se ler "...e, desde que não cause prejuízo considerável, à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de águas...". O art. 1.293, da maneira em que inicialmente aprovado pela Câmara dos Deputados, possuía uma vírgula depois da palavra "considerável". Assim, aquedutos poderiam ser instituídos para quatro finalidades: (a.) primeiras necessidades, (b.) agricultura e indústria, (c.) escoamento de águas e (d.) drenagem de terrenos. O parâmetro do "prejuízo considerável" foi sugerido pelo Dep. Francisco Amaral (Emenda nº 675 da Câmara) como meio de impedir que, em todas essas quatro hipóteses, a construção de aquedutos pudesse causar lesões sérias ao direito de propriedade de terceiros. O Relator Especial da matéria aceitou essa emenda em parte: manteve o critério do "prejuízo considerável" para as hipóteses (b.), (c.) e (d.), mas deliberadamente retirou a hipótese (a.) ("primeiras necessidades") de seu alcance. Com esse conteúdo, o texto foi aprovado pelos Deputados. O Sen. Josaphat Marinho, na revisão ortográfica geral que fez no Projeto de Código Civil (Emenda nº 332 do Senado), enganou-se ao ajustar o art. 1.293: pensando que a vírgula que estava entre "considerável" e "à agricultura" era redundante, ele retirou-a. Essa vírgula, contudo, não deveria ter sido suprimida: ela era crucial para que o texto do art. 1.293 tivesse o sentido que os demais parlamentares queriam atribuir a ele. 194 DC - Proposição 4.34 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1361 Enunciado proposto (resumo da proposição): Além do escopo de garantia, pode a propriedade fiduciária ser constituída para outras finalidades previstas em lei, ou definidas pelas partes, sendo o acordo de fidúcia, neste caso, eficaz entre elas. Justificativa: Embora se referindo genericamente à propriedade fiduciária, o artigo 1361 do Código Civil limita-se ao escopo de garantia. Ocorre, entretanto, que a garantia não é a única função que pode desempenhar a propriedade fiduciária e isso se demonstra até pela legislação em vigor, pois a Lei 6404 de 12/12/1976, que dispõe sobre as sociedades por ações, em seu artigo 41, oferece exemplo de constituição de propriedade fiduciária para administração de patrimônio. Também, na adoção do patrimônio de afetação, previsto na Lei 4591, de 10/12/1964 (Art. 31-A) ou no regime fiduciário sobre créditos imobiliários, previsto na Lei 9514, de 20/11/1997, verifica-se a constituição de propriedade fiduciária, para preservação patrimonial. Não fora isso, inexiste proibição legal de celebração de negócio fiduciário, valendo o contrato de fidúcia somente entre as partes, já que, em se tratando de bem imóvel, prevalece o que constar do registro imobiliário, e em se tratando de coisa móvel, a tradição transmite a propriedade (arts. 1245, §2º, e 1267 do Código Civil). Não há, pois, como deixar de reconhecer que o Código ficou aquém das finalidades da propriedade fiduciária. Bibliografia: Luigi Cariota–Ferrara (I negozi fiduciari. Padova, 1933), René Jacquelin (De la fiducie. Paris, 1891), Nicoló Lipari (Il negozio fiduciario. Milano, 1971), Mariano Navarro Martorell (La propiedad fiduciaria. Barcelona, 1950), Giuseppe Messina (Negozi fiduciari. Milano, 1948) e Otto de Souza Lima (Negócio fiduciário. Tese. USP, 1959). 195 DC - Proposição 4.35 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1.365 e 1.428 Enunciado proposto (resumo da proposição): A vedação ao pacto comissório não afasta a possibilidade de as partes celebrarem o chamado pacto Marciano, a permitir, diante do inadimplemento do débito, a apropriação do objeto da garantia pelo credor pelo valor justo, precificado pelo mercado ou arbitrado por terceiro independente ao tempo do vencimento da dívida, mediante o pagamento da diferença entre o preço estipulado e o saldo devedor. Justificativa: A proibição do pacto comissório visa a impedir que o credor, valendo-se de sua situação jurídica vantajosa, incorpore o objeto da garantia ao seu patrimônio pelo saldo devedor, pelo preço ajustado ao tempo da celebração do contrato, ou pela quantia por ele mesmo estimada. O problema não está, portanto, na possibilidade de o credor se apropriar direta e permanentemente do bem como mecanismo de satisfação da dívida, mas na forma pela qual seu valor é fixado para efeito da apropriação. Por essa razão, afigura-se lícito e legítimo estipular-se, no título constitutivo da garantia, o Pacto Marciano, pelo qual as partes acordam, diante do inadimplemento da dívida, a apropriação do objeto da garantia pelo credor, pelo valor precificado pelo mercado ou arbitrado por terceiro independente ao tempo do vencimento da dívida, o que garante que se atribua à coisa preço justo, a afastar o risco de prejuízo ao devedor. Nesses termos, a diferença entre o valor da dívida e o preço atribuído ao bem deve ser entregue ao devedor, a fim de que se efetive a incorporação definitiva do objeto ao patrimônio do credor. 196 DC - Proposição 4.36 Parte da legislação: Código Civil, Lei n. 9.514/1997 Artigo: Arts. 1.366 e 1.430, Código Civil e Art. 27, § 5o, Lei n. 9.514/1997 Enunciado proposto (resumo da proposição): Sempre que não houver relação de consumo, pode ser afastada pelas partes, por disposição contratual expressa, a regra contida no art. 27, § 5o, da Lei n. 9.514/1997, aplicando-se a norma constante nos arts. 1.366 e 1.430 do Código Civil, de modo que o devedor, neste caso, continua responsável pelo saldo remanescente se o valor do imóvel dado em garantia fiduciária não for suficiente para o integral pagamento do credor. Justificativa: O § 5o do art. 27 da Lei n. 9.514/1997 consubstancia regra particular, haja vista que as demais espécies de garantia real, inclusive as modalidades de alienação fiduciária atinentes aos direitos e bens móveis, se submetem à norma geral insculpida nos arts. 1.366 e 1.430 do Código Civil, segundo a qual, uma vez executada a garantia, o devedor continua a responder pessoalmente pelo eventual saldo. Dada a especificidade desta regra, que tem por finalidade proteger o contratante vulnerável, notadamente no financiamento imobiliário (por todos, v. Melhim Namem Chalhub, Negócio Fiduciário, Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 264-266), sua aplicação pode ser validamente afastada por contratantes em relações paritárias. Nessa esteira, em razão do caráter de ordem pública do sistema de proteção do consumidor, não é possível o afastamento de tal preceito uma vez configurada relação de consumo. 197 DC - Proposição 4.37 Parte da legislação: Direito de Superfície. Artigo: 1.369 do Código Civil e 21 do Estatuto da Cidade. Enunciado proposto (resumo da proposição): O Direito Real de Superfície só poderá ser concedido por escritura pública, independentemente do valor do bem, em razão das determinações expressas contidas nos artigos 1.369 do Código Civil e 21 do Estatuto da Cidade, não se aplicando nesse caso, o artigo 108 da codificação civil, que permite a instituição de Direitos Reais sobre imóveis, de valor inferior a 30 salários mínimos, por meio de instrumento particular. Justificativa: O artigo 108 do Código Civil estabelece que a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos, que visem constituir, transferir, modificar ou renunciar, qualquer Direito Real que recaia sobre bem de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos. Já os artigos 1.369 do Código Civil e 21 do Estatuto da Cidade, exigem para a instituição do Direito de Superfície, que o negócio jurídico seja realizado por escritura pública. Como o artigo 108 do Código Civil é norma geral, por tratar de qualquer Direito Real, e os artigos 1.369 do Código Civil e 21 do Estatuto da Cidade são normas especiais, pois tratam, exclusivamente do Direito de Superfície, os últimos prevalecem sobre o primeiro, pois a presente antinomia deve ser resolvida aplicando-se um dos critérios de resolução de conflitos entre regras jurídicas, em que a norma especial prevalece sobre a geral (lex specialis derogat legi generali). 198 DC - Proposição 4.38 Parte da legislação: “Do usufruto” Artigo: 1.403, II, Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): Não há solidariedade passiva entre o nu proprietário e o usufrutuário de imóvel no tocante ao imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, sendo esse o único responsável quando apenas ele detém o direito de usar e fruir exclusivamente do bem. Justificativa: É cada vez mais recorrente a inscrição do nome do nu proprietário nos órgãos de restrição de crédito e cadastros informativos em virtude do não pagamento do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana relativo a imóveis sobre os quais recaem usufruto. Todavia, essa inscrição e até mesmo o ajuizamento de execução fiscal em face do nu proprietário já foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça que, em análise ao artigo 1.403, II, do Código Civil, entendeu que a legitimidade passiva seria exclusivamente do usufrutuário. Há dois precedentes paradigmáticos que lideram o firmamento de tal entendimento em nossa Corte Superior, quais sejam: REsp 203.098/SP e REsp nº 691714/SC. 199 DC - Proposição 4.39 Parte da legislação: Direito do Promitente Comprador do Imóvel. Artigo: 1.417 do Código Civil. Enunciado proposto (resumo da proposição): O Direito Real do Promitente Comprador do Imóvel pode ser concedido por instrumento particular, independentemente do valor do bem, em razão da determinação expressa contida no artigo 1.417 do Código Civil, não se aplicando, nesse caso, o artigo 108 do referido código, que exige a escritura pública para a instituição de Direitos Reais sobre bens imóveis, de valor superior a 30 salários mínimos. Justificativa: O artigo 108 do Código Civil estabelece que a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos, que visem constituir, transferir, modificar ou renunciar, qualquer Direito Real que recaia sobre bem de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos. Já o artigo 1.417 do Código Civil permite que o Direito Real do Promitente Comprador do Imóvel seja instituído por instrumento particular. Como o artigo 108 do Código Civil é norma geral, por tratar de qualquer Direito Real, e o artigos 1.417 do referido código é norma especial, pois trata, exclusivamente do Direito Real do Promitente Comprador do Imóvel, o último prevalece sobre o primeiro, pois a presente antinomia deve ser resolvida aplicando-se um dos critérios de resolução de conflitos entre regras jurídicas, em que a norma especial prevalece sobre a geral (lex specialis derogat legi generali). 200 DC - Proposição 4.40 Parte da legislação: Penhor, hipoteca e anticrese Artigo: 1.419 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): As garantias do penhor, da anticrese e da hipoteca estão sujeitas a finalidades de função social que exigem considerar as circunstâncias econômicas e as alterações na renda do devedor no momento da execução da dívida. Justificativa: O artigo 421 do Código Civil condiciona a liberdade de contratar ao cumprimento da função social. Como a constitutividade das garantias reais está ligada ao contrato, estende-se a funcionalização ao penhor, à anticrese e à hipoteca. Deve-se levar em conta ainda que a hipoteca constitui garantia que viabiliza a aquisição da moradia; justifica-se a funcionalização de modo a proteger o devedor nas situações de crise econômica e de alteração de renda, a exemplo do que ocorre na Espanha a partir da Lei 1/2013 de 14 de maio. Por outro lado, o princípio da acessoriedade deve observar aplicação maleável de modo a incorporar na relação interna entre débito e garantia finalidades de função social. 201 DC - Proposição 4.41 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1.420, § 1º, e 1.361, § 3º Enunciado proposto (resumo da proposição): Os contratos de hipoteca e de alienação fiduciária da propriedade superveniente de bem imóvel são passíveis de registro em data contemporânea à da celebração do contrato (Lei nº 6.015/1973, art. 167, I, nº 29). Justificativa: A constituição de direitos reais de garantia real sob condição suspensiva, incidente sobre propriedade superveniente, embora só produza efeito após o implemento da condição, é eficaz desde a data do registro do contrato (CC, § 1º do art. 1.420 e no § 3º do art. 1.361). O registro fundamenta-se no art. 167, I, 29, da Lei nº 6.015/1973 e tem efeito apenas assecuratório, mas, uma vez implementada a condição, produz efeito constitutivo, sem necessidade de novo registro, bastando para tal a averbação do evento que caracteriza o implemento. Observa Serpa Lopes que o registro “[...] produz uma retroação [...]:1°) se a venda sob condição suspensiva for transcrita no próprio dia do contrato, a condição, verificando-se, retroage ao próprio dia, tanto entre as partes como em relação a terceiros; 2°) se for transcrita medio tempore, o efeito da condição não vale, em relação a terceiros, senão do dia da transcrição; 3°) se for transcrito somente depois da verificação da condição, o seu efeito, ao invés de decorrer do dia do contrato, produz-se do dia da transcrição.” (SERPA LOPES, Miguel Maria de, Tratado dos Registros Públicos. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1955; 3. ed., v. III, p. 375). Assim, vindo a se concretizar a aquisição “por quem não era dono” (CC, art. 1.420), considera-se constituída a garantia: “assim é que a aquisição do domínio, a alienação da propriedade, a constituição da obrigação etc reputam-se realizadas contemporaneamente à declaração de vontade, não obstante a condição somente verificar-se ulteriormente” (Enneccerus, apud Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, atualizadora Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 20. ed., 2004, v. I, p. 566). 202 203 COMISSÃO FAMÍLIA E SUCESSÕES RESPONSÁVEL: OTÁVIO LUIZ RODRIGUES JÚNIOR FS - Proposição 5.1 Parte da legislação: Dos Alimentos Artigo: 18 da Lei n° 5.748/68, Lei de Alimentos Enunciado proposto (resumo da proposição): "A prisão civil por alimentos não é pena, mas medida executiva coercitiva. Assim, não há que se falar em progressão de regime em casos de prisão civil por alimentos." Justificativa: "O regime prisional do devedor de alimentos é necessariamente o com as características do regime fechado, não havendo que se falar em regime fechado propriamente dito, posto a prisão civil não ser pena, mas modo coercitivo de execução. Ademais, houve mudança superveniente na redação da prisão civil no novo código de processo civil, o qual fala em regime fechado e duração da pena (art. 528, parágrafo 4º do Novo Código de processo Civil), podendo ensejar a discussão abordada no enunciado.” 204 FS - Proposição 5.2 Parte da legislação: Livro V (Do Direito das Sucessões); Título III (Da Sucessão Testamentária; Capítulo VI (Das Disposições Testamentárias) Artigo: art. 187 e art. 1.900, do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): É nula a disposição testamentária quando o testador exceder os limites impostos pela boa fé, pelo fim econômico e social, ou pelos bons costumes (art. 187, do Código Civil). Justificativa: Há, no Código Civil, limites/controles materiais do negócio jurídico testamento. Esse controle pode ser ‘interno’ e ‘externo’. O controle ‘interno’ está ligado às restrições imperativas do ordenamento: arts. 1.789, 1.801, 1.846, 1.848, 1.898, art. 1.900. O controle material ‘externo’ se refere às características específicas da relação em concreto, ou seja, da análise do conteúdo concreto de determinado testamento. Trata-se, em síntese, da aplicação da boa-fé objetiva e do cumprimento da finalidade social e econômica (art. 187, do Código Civil) ao negócio jurídico testamento. O controle externo indica fatores que não estão ligados ao sujeito – a análise se afasta da subjetividade (culpa, por assim dizer) – mas sim inerentes à ação do sujeito, objetivamente considerada. Trata-se, portanto, de condenação jurídica do exercício inadmissível de direitos. O que se faz aqui é o controle (restrição) da liberdade de testar a partir da aplicação da cláusula geral de ilicitude prevista no art. 187, do Código Civil. Dessa forma, os quatro critérios objetivos (fim econômico, fim social, boa-fé e bons costumes, estudados), funcionam como determinantes da licitude do exercício dos direitos subjetivos, remetendo às variadas formas de coibição e remoção do ilícito. E frise-se, a análise é objetiva, isto é, é o juízo de valor exclusivamente sobre o comportamento (sobre os atos praticados), despreocupado da análise sobre a “consciência” de quem os praticou, em outras palavras, da assunção culposa do comportamento que viola a norma. Trata-se, por assim dizer, do controle da licitude no exercício de direitos (subjetivos), categoria mais ampla (e conceitualmente mais correta) do que o antigo abuso de direito. 205 FS - Proposição 5.3 Parte da legislação: Constituição Federal Artigo: 226 e 227 Enunciado proposto (resumo da proposição): O princípio da afetividade não trata sobre afeição, sentimento ou tutela sobre qualquer tipo de cuidado, mas reconhece as escolhas legítimas, públicas e conscientes do(s) agente(s) na constituição familiar, repercutindo em responsabilidades. Logo, o referido princípio integra-se aos outros princípios gerais de direito e demais normativos legais, não sendo absoluto, devendo sua aplicação ser analisada conforme o caso concreto. Justificativa: A afetividade, independente de questões sentimentais, é a inserção da autonomia da vontade dentro do direito de família, seja na concepção de uma criança, nas três constituições de filiação (biológica, adotiva ou afetiva), na constituição de uniões solenes ou tácitas, os agentes constituidores assumem responsabilidade sobre seus efeitos (autorresponsabilidade). A vontade, como expressão deliberativa decisória, para Kant é regida pela razão prática, de natureza epistêmica, força fundamentadora da moralidade. Não se deve confundir a autonomia da vontade com a autonomia privada, também tão alardeada no “novo direito de família”. A autonomia privada é uma potestas, a capacidade individual de deliberar, ou melhor, a liberdade de iniciativa. Na autonomia privada, a norma resulta diretamente da deliberação, do consenso, pela estipulação livre, capaz (pressupõe racional) e legítima das partes igualmente reconhecidas. Na autonomia da vontade o dever é um pressuposto racional, a autorresponsabilidade é inerente a deliberação, e seus efeitos vinculantes nem sempre são previsíveis e aceitáveis pelas partes, mas devem ser assumidas. É no sentido de uma autorresponsabilidade voltada ao “outro”, que Luc Ferry entende a afetividade. A afetividade é expressão privada do valor sagrado maior da modernidade, a Dignidade da pessoa. A família constituída pela vontade de seus integrantes livres e capazes gerará, pela força da autorresponsabilidade e da alteridade, gerará efeitos vinculantes, inclusive patrimoniais. 206 FS - Proposição 5.4 Parte da legislação: Código de Processo Civil de 1973 (Lei n.º 5.689/1973), art. 733; Código de Processo Civil de 2015 (Lei n.º 13.105/2015), art. 528; Lei de Alimentos (Lei n.º 5.478/1968), art. 19. Artigo: CC 733 Enunciado proposto (resumo da proposição): “Deve o magistrado, em sede de execução de alimentos avoengos, analisar as condições do(s) devedor(es), podendo aplicar medida coercitiva diversa da prisão civil ou determinar seu cumprimento em modalidade diversa do regime fechado (prisão em regime aberto ou prisão domiciliar) se o executado comprovar situações que contraindiquem o rigor na aplicação desse meio executivo e o torne atentatório à sua dignidade, como corolário do princípio de proteção aos idosos e garantia à vida.” Justificativa: É cediço que a prisão civil, como meio executivo máximo, se destina à maior celeridade possível à cobrança de crédito sensível à sobrevivência do alimentando. No entanto, tal não pode se dar em prejuízo à sobrevivência do alimentante. No caso dos alimentos prestados por avós, ainda, apresenta-se o caráter subsidiário da verba, pois só se dá na impossibilidade ou insuficiência das condições econômicas dos pais. Por outro lado, não se pode descurar que os avós presumivelmente já prestaram a assistência material necessária para que esses genitores chegassem à idade adulta e tivessem filhos. A solidariedade intergeracional não dispensa, e nem pode dispensar, os avós de contribuírem para com o sustento dos netos, mas não se pode descurar que já fizeram o possível quando contavam com o vigor da juventude e, chegados à fase da velhice, precisam de maiores cuidados consigo. A obrigação avoenga não pode ser colocada no mesmo patamar da obrigação materna ou paterna. Não por menos, o Conselho da Justiça Federal já aprovou o Enunciado n.º 342 na IV Jornada de Direito Civil: Assevere-se que muitos avós, talvez a maioria dos pleiteados, já são idosos, fase da vida em que a saúde, via de regra, está mais debilitada. Assim, nem sempre estão em condições de arcar com alimentos, mesmo após fixados em título judicial, pois podem advir problemas de saúde a exigir gastos excepcionais com tratamentos médicos. Com o enunciado, visa-se trazer, em analogia, a prisão domiciliar para os alimentos avoengos – como hipótese excepcional. A presente interpretação é compatível com precedente do STJ (RHC 38824-SP), julgado em 17/10/2013, de relatoria da Min. Nancy Andrighi. 207 FS - Proposição 5.5 Parte da legislação: Código de Processo Civil – Lei 13.105 de 16/03/2015 Artigo: 610 e seu § 1º Enunciado proposto (resumo da proposição): Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial. Justificativa: . A só existência de testamento não serve de justificativa para impedir que o inventário seja levado a efeito extrajudicialmente. Muitas vezes as disposições testamentárias não tem natureza patrimonial. Em outros casos, claros são os seus termos, não ensejando qualquer dúvida dos herdeiros e dos beneficiados quanto a última manifestação de vontade. Inclusive muitos juízes, quando do registro do testamento, têm autorizado o uso da via extrajudicial, sem que tal afete a higidez do procedimento levado a efeito perante o tabelião. A justiça paulista foi a pioneira, tendo a Corregedoria Permanente se manifestado favoravelmente a esta prática. De qualquer modo, persiste a possibilidade de ser discutidas, na via judicial, eventuais controvérsias sobre a validade do testamento ou de alguma de suas cláusulas. Certamente esta é uma medida para desafogar a já tão congestionada justiça, não envolvendo os magistrados em processo no qual nada tem a decidir, além de assegurar às partes uma solução mais rápidas a uma questão que não necessita da chancela judicial. 208 FS - Proposição 5.6 Parte da legislação: Código Civil e CF-88 Artigo: art.1511 e 1.723 do CC e art. 226, § 3º CF-88 Enunciado proposto (resumo da proposição): Não se deve igualar ou desigualar a união estável ao casamento, aprioristicamente. Justificativa: Que união estável e casamento configuram formas de entidades familiares não há dúvida, mas nem por isso se deve, aprioristicamente, por posições pessoais, partidárias, etc, se adotar o posicionamento de que a ambos se deve aplicar os mesmos direitos e obrigações ou que nenhuma disposição referente a um se aplique ao outro, devendo-se analisar, no caso concreto, a possibilidade ou não de equiparação dos institutos, porquanto não há texto expresso de norma que os iguale ou desiguale. 209 FS - Proposição 5.7 Parte da legislação: Do direito de família. Do direito pessoal. Do casamento. Disposições gerais. Artigo: 1.514 Enunciado proposto (resumo da proposição): O direito de realização do casamento deve ser estendido aos casais homoafetivos, em contraposição à restrição explicitada no artigo ao se citar a expressão “homem e mulher”, no sentido de proporcionar aos companheiros todas as garantias e prerrogativas advindas do vínculo conjugal. De forma a garantir a igualdade formal estabelecida pela própria Constituição Federal, deve-se afastar a situação perpetuada de desigualdade criada pela norma civil que se esquiva do reconhecimento do vínculo conjugal em relações homoafetivas. Justificativa: O modelo familiar contemporâneo é resultado de um processo lento de evolução traçado em meio às transformações sociais, culturais e econômicas onde a família atua. Apesar da atual necessidade de adaptação da legislação infraconstitucional, conforme se depreende da situação abordada e formalmente instruída pela Resolução do CNJ nº 175, optou o legislador por não incluir, à moldura da norma civil, as construções familiares já existentes, formadas por casais homossexuais. Ao longo da história, a família sempre gozou de um conceito sacralizado, servindo de paradigma a formação patriarcal e sendo aceito, exclusivamente, o vínculo heterossexual. Durante o século XX, com a constitucionalização do Direito de Família, as relações familiares passaram a ser guiadas pelos princípios constitucionais, que primavam pela dignidade da pessoa humana a partir da igualdade entre homens e mulheres, refletindo em uma repersonalização das relações familiares. A finalidade da lei não é tornar a vida imóvel e cristalizá-la, mas sim permanecer em contato com ela, seguir sua evolução e a ela se adaptar. O Direito tem um papel social a cumprir, exigindo que este se adeque às novas situações que se apresentam. O novo modelo da família funda-se sob os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, incorporando uma nova roupagem axiológica ao Direito de Família. Sendo assim, visível é a necessidade de interpretação extensiva do citado dispositivo legal, tornando aplicável aos casais homoafetivos a celebração do casamento e a formação do vínculo conjugal. 210 FS - Proposição 5.8 Parte da legislação: Livro IV da Parte Especial do Código Civil e Lei nº 13.146/15 Artigo: 1518 do Código Civil e art. 114, da Lei nº 13.146/15 Enunciado proposto (resumo da proposição): A pessoa com deficiência mental ou intelectual sob regime de curatela tem plena autonomia e aptidão para titularizar e exercer posições jurídicas quanto às situações jurídicas existenciais, inclusive a faculdade de se casar e, com a vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, não necessita da autorização de seu curador para contrair matrimônio. Justificativa: O Estatuto da Pessoa com Deficiência ( Lei nº 13.146/15) consolida orientação doutrinária contemporânea e, assim, estabelece no seu art. 85, caput, que a curatela se restringe aos atos de natureza patrimonial e que envolverem a pessoa deficiente mental ou intelectual. E, em reforço a tal aspecto, o texto legal prevê que a curatela não abrange o direito ao matrimônio curatelado. Diante de tal perspectiva, em cumprimento à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – internalizados pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, a correta interpretação acerca do art. 1518, do Código Civil, deve ser a que admite a plena autonomia do curatelado em exercer a faculdade de se casar e, portanto, que não exige autorização do curador para a prática de tal ato. O Estatuto da Pessoa com Deficiência apenas consolida tal interpretação ao alterar a redação do art. 1518 do Código Civil e, assim, não mais prever curador no referido dispositivo legal (art. 114, da Lei nº 13.146/15). 211 FS - Proposição 5.9 Parte da legislação: Livro IV da Parte Especial do Código Civil e Lei nº 13.146/15. Artigo: 1548 e 1550 do Código Civil e art. 114, da Lei nº 13.146/15. Enunciado proposto (resumo da proposição): À luz do sistema introduzido pelo Estatuto de Pessoa com Deficiência, o casamento contraído por pessoa com deficiência mental, intelectual ou sensorial não é nulo, nem anulável, tendo sido revogado implicitamente o art. IV, do art. 1550, do Código Civil. Justificativa: O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15) alterou significativamente o regime das invalidades do casamento pois, além de revogar expressamente o inciso I do art. 1548, do Código Civil (art. 114 , do Estatuto), também revogou implicitamente a regra prevista no inciso IV, do art. 1550, do Código Civil. A deficiência da pessoa não afeta sua plena capacidade civil (art. 6º, do Estatuto), inclusive para se casar ou constituir união estável e, ainda que a pessoa venha a ser interditada, a curatela não abrangerá o direito ao casamento e à formação de nova família (art. 85, § 1º, do Estatuto). A explicação para revogação do inciso IV, do art. 1550, do Código Civil – que tratava da hipótese de casamento anulável por incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, seu consentimento – também decorre da separação clara entre as situações jurídicas existenciais e as situações jurídicas patrimoniais envolvendo a pessoa com deficiência. Ademais, o art. 1550, § 2º, do Código Civil (na redação introduzida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência) prevê que a manifestação de vontade de pessoa com deficiência mental ou intelectual para se casar pode ser direta ou, se assim o entender, por meio de seu curador ou responsável. Desse modo, não há mais a causa de anulação do casamento que antes era prevista no art. 1550, IV, do Código Civil. 212 FS - Proposição 5.10 Parte da legislação: CC - Do Casamento – Capítulo IX: Da Eficácia do Casamento Artigo: 1.565, §1º, Enunciado proposto (resumo da proposição): É possível a supressão de patronímico pelo casamento desde que não haja prejuízo à ancestralidade com a manutenção do sobrenome materno ou paterno. Justificativa: O princípio da imutabilidade do nome da Lei 6.015/1973 merece ser adequado ao cenário civil-constitucional que a sucede, com a prevalência da tutela do princípio da dignidade da pessoa humana e todos os seus atributos – os direitos da personalidade (arts. 11 e 12, CC). Em acórdão paradigmático, manifestou o Min. Castro Filho: “O art. 1565, § 1º, do Código Civil [...] diz que, pelo casamento, é facultado aos nubentes acrescer ao seu o sobrenome do outro. Conquanto o vocábulo acrescer indique, realmente, acréscimo, o dispositivo não deve suscitar interpretação restritiva. A lei é feita para facilitar, simplificar, e não para atormentar e dificultar a vida das pessoas. Exigir que uma pessoa, ao se casar, permaneça com o seu sobrenome e adote o do cônjuge pode gerar inconvenientes. Ora, a norma em apreço traz uma faculdade mediante a qual o nubente poderá, ou não, adotar o patronímico do outro. É uma opção que fica a critério do cônjuge, desde que não cause prejuízos a terceiros. É de se ter presente que o acréscimo de um só apelido pode gerar problemas de cacofonia, com repercussão na integridade moral do contraente, ou pode não convir a extensão exagerada do nome escolhido, o que leva à conclusão que o dispositivo tido por violado permite, até mesmo, a supressão de um dos apelidos de família, sem que se ofenda a lei e os interesses que ela protege. Aliás, essa interpretação prestigia o fim social da lei, marca que o legislador quis imprimir de forma inexorável no Código Civil de 2.002.” (REsp 662.799/MG, Rel. Min. Castro Filho, 3ª Turma, julgado em 08/11/2005, DJ 28/11/2005, p. 279). No mesmo sentido, REsp 1.433.187/SC, julgado em 26/05/2015. 213 FS - Proposição 5.11 Parte da legislação: Livro IV da Parte Especial do Código Civil e Lei nº 13.146/15. Artigo: 1565, §2º, do Código Civil e art. 18, § 4º, VIII, da Lei nº 13.146/15. Enunciado proposto (resumo da proposição): O direito ao planejamento familiar através do acesso ou casais às técnicas de reprodução assistida, se insere também nas ações e serviços do SUS (Sistema Único de Saúde), ensejando prestações do Poder Público para garantir a efetividade do direito à reprodução (art. 18, § 4º, VII, da Lei nº 13.146/15). Justificativa: O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15) ao prever a “atenção sexual e reprodutiva, inclusive o direito à fertilização assistida” (art. 18, §4º, VII) no rol das ações e dos serviços de saúde pública garantidos às pessoas com deficiência, na realidade reconhece que cabe ao Poder Público assegurar o exercício dos direitos reprodutivos de todos os casais ou pessoas que, no exercício do planejamento familiar, tenham dificuldade para a procriação. As ações e serviços de saúde pública também abrangem os métodos e as técnicas de reprodução assistida, sendo dever do Estado fornecê-los às pessoas e casais que se insiram no exercício do direito ao planejamento familiar. 214 FS - Proposição 5.12 Parte da legislação: Da Dissolução da Sociedade e do vínculo Conjugal Artigo: art. 1.571 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): "A expedição do mandado de averbação do divórcio independe do trânsito em julgado da ação originária que persiste discutindo demais aspectos da dissolução do matrimônio." Justificativa: A culpa como requisito intrínseco a decretação da separação/divórcio foi praticamente extirpada do ordenamento jurídico brasileiro. Assim, com o advento da emenda constitucional número 66 de 2010 e a extinção da separação judicial, a vontade (interesse de agir) de se divorciar é elemento suficiente para a concessão do divórcio. Portanto, a imediata expedição do mandado de averbação do divórcio não mais depende do trânsito em julgado da ação que discute demais elementos oriundos do matrimônio, como “culpa”, alimentos, partilha de bens e guarda de eventual filho. 215 FS - Proposição 5.13 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1.571, IV, 1.581 e 1.723 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): Na ação destinada a dissolver o vínculo matrimonial ou de união estável, inclusive na tutela assecuratória desse direito, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada ou alternada do animal de estimação do casal, ainda que sua existência seja anterior ao início do relacionamento afetivo, distribuindo entre seus membros os ônus e obrigações de cuidado. Justificativa: Ainda que a matéria relativa ao exercício de determinadas prerrogativas sobre um animal de estimação comporte discussões que desatam as controvérsias ora no âmbito do Direito das Coisas, ora no Direito de Família, uma ordem jurídica que reconhece a centralidade do afeto como fundamento das relações de convivência deve prestigiar a existência de laços emotivos que se formam entre os membros de um par e o animal que é destinatário de sua estima, ainda que a existência desse animal seja anterior ao próprio casal. O vínculo emocional que se forma entre pessoa e animal, que por muitos chega a ser comparado a uma relação filial, ao ser rompido pela separação do casal pode causar sofrimento psicológico ao cônjuge ou companheiro que de sua convivência tornou-se privado. Atento ao fato de que o postulado da dignidade humana se espraia às mais variadas relações juridicamente apreciáveis, propõe-se enunciado que se destina a orientar a solução de conflitos fundados no exercício dos poderes fáticos de um cônjuge ou companheiro sobre o animal de estimação que esteve presente no cotidiano do casal durante o relacionamento. Optou-se por termo neutro (“custódia”), inspirado no direito estrangeiro (animal custody), a fim de permitir adequado amadurecimento do tema e como forma de evitar a banalização de terminologias destinadas às relações humanas (guarda compartilhada) ou que se revelem insuficientes ao adequado tratamento da matéria (posse compartilhada). 216 FS - Proposição 5.14 Parte da legislação: Código Civil Artigo: art. 1.574 Enunciado proposto (resumo da proposição): O instituto da separação tornou-se desnecessário diante da EC 66/2010, razão pela qual é inconstitucional a sua manutenção por violação ao princípio da proporcionalidade. Justificativa: É notório a tentativa feita de manutenção do instituto da separação via novo CPC. No entanto, tal se consubstancia em burla ao legislador constituinte reformador, ferindo o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes, já que é inadequado, pois desconexo com o fim almejado, possível pelo simples divórcio; desnecessário, por se traduzir em uma opção pela ação mais gravosa para os interesses dos particulares, os quais deverão posteriormente se utilizar do divórcio e sem proporcionalidade em sentido estrito, porquanto se prevista apenas a opção consensual, o custo-benefício de separar e depois divorciar não indica a sua manutenção. 217 FS - Proposição 5.15 Parte da legislação: Sucessão e regime de bens Artigo: Arts. 1576, 1830, 1845 e 1641 Enunciado proposto (resumo da proposição): O regime de bens somente regerá a relação patrimonial dos cônjuges em caso de separação ou divórcio. Na hipótese de óbito, essa relação será regida pelas regras de direito sucessório e o regime de bens se limitará a viabilizar a distinção entre o que é devido a título de meação e o acervo hereditário. Não se confunde regime de separação de bens com a separação obrigatória de bens de que trata o art. 1.641 do CC/2002. Justificativa: Em julgados recentes (REsp n. 1.472.945/RJ, REsp 1.382.170/SP), o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que o direito sucessório é inerente à condição de cônjuge sobrevivente a despeito do regime de bens, de modo que a relevância deste último no que toca ao patrimônio do cônjuge sobrevivente se limita a justificar as proporções da legítima em virtude da conservação da meação – ou ausência de meação. Em seminário realizado na AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) esta questão foi escolhida pelo Ministro Ricardo Villas Boas Cueva como tema de apresentação pelo fato de que representa uma ruptura com o entendimento anterior da Corte, segundo o qual o cônjuge sobrevivente, na hipótese de separação convencional de bens, não seria admitido como herdeiro necessário. A vigência do CC/2002 e sua interpretação textual levaram o STJ a rever o posicionamento e a acentuar que não se confundem o regime de separação de bens e a separação legal obrigatória de bens, da qual trata o art. 1641. É relevante o debate porque explora a necessidade de um cônjuge recorrer a novos recursos caso deseje favorecer ou desfavorecer o outro cônjuge na superveniência da sua morte. 218 FS - Proposição 5.16 Parte da legislação: Código Civil Artigo: § 2º do 1.583 Enunciado proposto (resumo da proposição): A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o legislador, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais. Justificativa: Segundo a redação do § 2º, do art. 1.583, do Código Civil, dada pela Lei 13.058/2014, o tempo de convívio dos pais com os filhos na guarda compartilhada deve ser equilibrado, tendo em vista o interesse dos filhos e as condições fáticas. Contudo, a interpretação do termo equilibrado deve ser feita tomando-se como base duas premissas: (i) a guarda compartilhada não implica, necessariamente, convivência familiar livre. A organização do cotidiano dos filhos – ou fixação das visitas, para utilizar termos mais tradicionais – é de suma relevância, a fim de se evitar abusos no exercício da autoridade parental. (ii) No que tange a tal organização, a Lei 13.058/2014, deu nova redação ao § 3º do art. 1.584, que facultou ao juiz basear-se em estudo técnico-profissional para se orientar quanto à convivência entre os pais, com vistas a uma divisão equilibrada do tempo dos filhos. Note-se que a lei não diz igualitária, pois afinal, a arquitetura da rotina dos menores deverá seguir os seus interesses e não uma divisão que necessariamente deva ser equânime entre os pais. Prova de tal afirmativa é o comando que determina a fixação da moradia dos filhos, que deve ser norteada pelo interesse desses; se a divisão de tempo fosse obrigatoriamente igualitária, a moradia deveria ser fixada na casa de ambos, o que não é a orientação legal. 219 FS - Proposição 5.17 Parte da legislação: Código Civil Artigo: § 3º do art. 1583 do CC Enunciado proposto (resumo da proposição): Dupla residência A fixação de uma base de moradia dos filhos, quando da adoção da guarda compartilhada, prevista no § 3º do art. 1583 do CC não induz a uma residência única, já que com o compartilhamento as crianças e os adolescentes desfrutarão de dois lares, estimulando-se a manutenção de vínculos afetivos e de responsabilidade, com ambos os genitores, essenciais para o desenvolvimento biopsiquico das crianças e dos jovens. Justificativa: A lei 13.058/2014 consolidou a igualdade parental entre os genitores, estabelecendo uma efetiva participação do pai e da mãe, na educação e cuidado dos filhos, mediante o equilíbrio do tempo de convívio, fundado na coresponsabilidade entre estes, o que alicerça a guarda compartilhada. Dessa forma, o compartilhamento equilibrado do tempo dos genitores com os filhos, ganhou relevância jurídica e fora alçado ao modelo legal vigente, já que muito frequente se tornou a situação de pais morando em casas separadas. Hoje no Brasil são mais de 20 milhões de crianças e jovens chamados de “filhos do divórcio”. A mudança social e o fortalecimento da busca do projeto pessoal de cada integrante da família (família eudemonista) fez nascer novos modelos familiares, dentre eles, as famílias multinucleares, onde os filhos desfrutam de dois lares, estimulando a manutenção de vínculos afetivos e de responsabilidade, essenciais para o desenvolvimento biopsiquico das crianças e dos jovens. As pessoas mantinham-se casadas ou unidas, em desconformidade com o seu projeto de felicidade, somente por convenção social ou para que os filhos permanecessem na presença do pai e da mãe. Assim, a previsão legal de que os filhos tenham estabelecida uma base de moradia não pode significar a existência de residência única. Não há qualquer estudo validável que, comprove prejuízo na adoção da dupla residência, se o processo de adaptação for efetivado de forma respeitosa e amorosa. 220 FS - Proposição 5.18 Parte da legislação: Código Civil Artigo: §2º do art. 1.583 do CC. Enunciado proposto (resumo da proposição): Guarda Compartilhada O equilíbrio da convivência paterno e materno-filial, previsto no §2º do art. 1583 do CC, decorrente da guarda compartilhada deve ser reconhecido, como sendo em 50% (cinquenta por cento) do tempo para cada um dos genitores, em razão da igualdade parental existente entre estes. Na hipótese de ocorrência de circunstâncias que impeçam o alcance desse coeficiente, deve-se garantir um mínimo de 35% (trinta e cinco por cento) do tempo, para aquele que permanece em menor período com o infante, pois do contrário, a guarda torna-se unilateral. Justificativa: A lei 13.058/2014 que, consolida a igualdade parental entre os genitores, resultou de uma forte mobilização social, em busca da efetiva participação do pai e da mãe, na educação e cuidado dos filhos, mediante o equilíbrio do tempo de convívio, pelo qual se expressa a co-responsabilidade entre estes. A guarda compartilhada foi adotada pelo legislador, como o modelo legal vigente, tornando a guarda unilateral concedida a um dos genitores como medida de exceção. Ante o princípio da menor participação do Estado nas relações parentais, a forma de compartilhamento deve ser estabelecida, sempre que possível, pelos próprios integrantes daquele núcleo familiar. No entanto, se os genitores não conseguem exercitar essa autonomia, muitas vezes, em razão de mágoas, ressentimentos e inaceitações, decorrentes da separação, resta ao Poder Judiciário estabelecer os parâmetros e a forma de divisão do tempo de convivência, observando-se para isso, o necessário equilíbrio entre ambos, da forma preconizada no § 2º do art. 1583 do CC. O equilíbrio deve ser reconhecido como sendo em 50% (cinquenta por cento) do tempo para cada um dos genitores, em razão da igualdade parental existente entre estes. Na hipótese de ocorrência de circunstâncias que impeçam o alcance desse coeficiente, deve-se garantir um mínimo de 35% (trinta e cinco por cento) do tempo, para aquele que permanece em menor período com o infante, pois do contrário, a guarda torna-se unilateral, nos termos do que vem demonstrado pela forte e mais abalizada literatura internacional. 221 FS - Proposição 5.19 Parte da legislação: Guarda dos Filhos Artigo: Art. 1.583, §1º, CC Enunciado proposto (resumo da proposição): A concessão de guarda unilateral do filho comum a um dos genitores não retira do outro as faculdades inerentes ao poder familiar, limitando-se o direito de tê-lo em sua companhia nos termos do acordo existente entre o par parental ou da decisão judicial. Justificativa: Há razoável imprecisão na definição do conceito de guarda. Ora se trata como guarda o poder de ter consigo os filhos (guarda no sentido de custódia física dos filhos), ora como o poder-dever de decidir sobre a vida dos filhos (guarda no sentido de exercício de um poder decisório). Enquanto o art. 1.634, CC, indica que ambos os pais têm o exercício do poder familiar, sendo a guarda uma das faculdades que lhe são inerentes (conf. Inc. II), o art. 1.583, CC, deixa transparecer que só aquele que tenha a guarda terá o exercício do poder familiar. O caráter assistemático da lei torna comum a confusão entre o exercício do poder familiar e o exercício da guarda física. É preciso esclarecer, portanto, que ambos os pais, independentemente de exercerem a guarda, estão aptos ao exercício do poder familiar, com faculdades inerentes a isso. A perda da guarda só retira do genitor a custódia física dos filhos nos períodos ali estabelecidos. 222 FS - Proposição 5.20 Parte da legislação: Guarda dos Filhos Artigo: Art. 1.583, §2º, CC Enunciado proposto (resumo da proposição): Na guarda compartilhada, entende-se por divisão equilibrada do tempo de convívio com os filhos aquela que atenda aos interesses da criança e do par parental, podendo ser fixado um lar de referência, com visitas ao outro cônjuge, ou, se isso não for possível, ser estabelecida a alternância de domicílios ao longo do tempo. Justificativa: O regime da custódia física dos filhos não pode ser inferido da simples escolha por um regime de guarda específico. Pais divorciados podem manter a guarda compartilhada, com divisão equânime do tempo de convivência, o que é raro, ou sem que o tempo de convivência com os filhos seja dividido em duas metades iguais, o que é mais comum. Com isso, em algumas situações, a guarda compartilhada pode aproximar-se da guarda unilateral, sobretudo quando há fixação de um lar de referência e quando a custódia dos filhos em favor de um dos genitores está adstrita, por exemplo, a finais de semana (próxima, portanto, ao simples exercício de direito de visita). 223 FS - Proposição 5.21 Parte da legislação: Código Civil. Livro IV – Do Direito de Família. Título I – Do Direito Pessoal. Subtítulo I – Do Casamento. Capítulo XI – Da Proteção da Pessoa dos Filhos Artigo: § 2° do artigo 1.583 (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014) Enunciado proposto (resumo da proposição): A divisão, de forma equilibrada, do tempo de convívio dos filhos com a mãe e com o pai, imposta na guarda compartilhada pelo § 2° do artigo 1.583 do Código Civil, não deve ser confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto da guarda alternada, pois nesta não só se denota a divisão equânime do tempo de permanência dos filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor que se encontra na companhia do filho. Justificativa: A legislação brasileira prevê o instituto da guarda compartilhada desde 2008, quando entrou em vigor a Lei n. 11.698, que alterou a redação do §1° do artigo 1.583 do Código Civil. Tal norma dispõe que se compreende por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Com a edição da nova lei da guarda compartilhada, Lei n. 13.058, de 2014, manteve-se a definição do instituto, porém modificou-se o §2° do referido artigo, a fim de determinar que na guarda compartilhada o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai. Assim, se anteriormente à Lei n. 13.058, de 2014 já havia confusão acerca dos institutos da guarda compartilhada e da guarda alternada, após o novo texto legal, que impõe o compartilhamento da custódia física, a situação se agravou, pois muitos juristas os citam como se tratassem de um único instituto. Ressalta-se que a guarda alternada não está prevista no ordenamento jurídico brasileiro, e que consiste no exercício exclusivo alternado da guarda por um período determinado. Portanto, é importante diferenciar os institutos, pois o que se busca na divisão do tempo de convívio dos filhos com os pais na guarda compartilhada é a convivência da criança com ambos os genitores, proporcionando o fortalecimento dos vínculos afetivos, e permitindo tanto à mãe quanto ao pai que participem efetivamente na criação e educação de seus filhos, de forma igualitária. Lembrando-se, sempre, que tal divisão deve ser feita consideradas as condições fáticas e os interesses dos filhos. 224 FS - Proposição 5.22 Parte da legislação: Família e Sucessões Artigo: 1.583 Enunciado proposto (resumo da proposição): A fixação de guarda compartilhada não exclui, por si só, a fixação do regime de visitas ou convivência. Justificativa: A Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014, modificou o parágrafo segundo do artigo 1.583 do Código Civil, para determinar que na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos. A nova determinação legal não diminui a importância da fixação do regime de visitas ou convivência para o atendimento do melhor interesse dos menores, principalmente os de pouca idade. Isso porque a determinação do período de convivência com cada um dos genitores permite a organização da rotina da criança, assim com a criação e o cumprimento das expectativas do menor. Respeitado o equilíbrio determinado pela lei, deve ser determinado, sempre que possível, um regime de convívio com dias e horários. Inclusive, tal definição poderá permitir a averiguação do cumprimento ou não do dever de visitas, tanto por parte do que partilha a residência com a menor, quanto pelo que tem outro endereço. Com essa interpretação, cumpre-se o artigo 1.583 sem violação do artigo 1.589, ambos do Código Civil. 225 FS - Proposição 5.23 Parte da legislação: Família e Sucessões Artigo: 1.583 Enunciado proposto (resumo da proposição): Guarda compartilhada determina compartilhamento de responsabilidades com fixação de domicílio único ao menor, não se confundindo com guarda alternada. Justificativa: O estímulo à fixação da guarda compartilhada está consubstanciado nas modificações do Código Civil operadas pela Lei nº 11.698, de 2008, e pela Lei nº 13.058, de 2014. A alteração mais recente determinou que na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai. Com isso, a noção de guarda compartilhada - compartilhamento de responsabilidades - aproximouse do conceito de guarda alternada - divisão igualitária do tempo dos filhos entre os genitores. Ocorre que a guarda alternada é uma espécie de revezamento de guarda unilateral entre os pais, sendo que cada um deles é agente das decisões tomadas no período de sua responsabilidade. Na guarda compartilhada, ao contrário, a repartição de responsabilidades e decisões é constante. A guarda compartilhada, como afirma a legislação, sempre tem em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos, o que não é resguardado pelo modelo da guarda alternada e com ele não pode se confundir. 226 FS - Proposição 5.24 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1.583 § 2º Enunciado proposto (resumo da proposição): Artigo 1.583 § 2º: o “tempo de convívio com os fílhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai” deve ser entendido como divisão proporcional de tempo, da forma que cada genitor possa se ocupar dos cuidados pertinentes ao filho, em razão das peculiaridades da vida privada de cada um, afastando-se o entendimento de guarda alternada, que é instituto não acolhido pelo nosso ordenamento pátrio. Justificativa: A instituição da guarda compartilhada em pela Lei 11.698 de 2008, trouxe grande novidade para o direito de família, qual seja o de tornar menos burocrática a relação de convivência entre pais que não detinham a guarda unilateral e o filho do casal que se separava. A guarda compartilhada, instituto inspirado na doutrina e jurisprudência da época, não foi suficientemente conceituada na legislação civil, definindo-a tão somente como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto”. A novidade jurídica, de redação insuficiente, resultou aqui ou ali em prolação de sentenças com oferecimento aos pais da chamada guarda alternada, que não tem aplicação em nosso sistema jurídico. Na modalidade de guarda alternada, “existe um revezamento em períodos exclusivos de guarda, cabendo ao outro o direito de visitas”, conforme lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho em sua obra Novo Curso de Direito Civil, vol 6, Ed. Saraiva, 2012, p. 609. Podemos concluir que na guarda alternada permanecem os efeitos da guarda exclusiva, apenas viabilizando a cada genitor , por períodos proporcionalmente considerados, 50% (cinquenta por cento) do tempo a cada qual, entregando ao outro o direito de visitação regulamentada e que a expressão “tempo de convívio de forma equilibrada” foge ao conceito de guarda alternada, porquanto entrega o exercício permanente das principais decisões acerca dos filhos, a ambos, e a proporcionalidade é para a guarda física, uma vez que os pais estão separados. 227 FS - Proposição 5.25 Parte da legislação: Do Direito Pessoal – Capítulo XI: Da Proteção da Pessoa dos Filhos Artigo: 1.583, §2º, CC Enunciado proposto (resumo da proposição): A nova guarda compartilhada indica uma nova percepção de igualdade parental e que não afasta a incidência do melhor interesse da criança e (ou) ignora os laços de afetividade entre pais e filhos. Justificativa: A Lei nº 13.058/2014 traz um novo paradigma no exercício do poder familiar pela guarda compartilhada: o da igualdade parental (DIAS, 2015). Entretanto, a noção de convívio equilibrado não se dá pela divisão aritmética cronológica que os filhos deverão passar com cada genitor, mas sim, a partir da premissa de que as desigualdades dessa família pós-nuclear devem ser balanceadas considerando a qualidade do tempo dedicado à prole e os critérios de afetividade. Em que pese a revogação do inciso I deste dispositivo na Lei nº 11.698/2008, qual seja, o “afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar”, não se pode afastá-lo na definição do compartilhamento da guarda, bem como no regime de convivência. Outro elemento balizador desse instituto é o do melhor interesse da criança e do adolescente, princípio cogente da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e que se impõe a todo o Direito de Família, que englobaria os incisos II e III igualmente revogados: “saúde e segurança” e “educação”. 228 FS - Proposição 5.26 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1.583, §2º, CC Enunciado proposto (resumo da proposição): Os atuais dispositivos legais que regulam a definição da guarda e o estabelecimento da convivência familiar não impedem que sejam utilizados como fatores de deliberação, nos respectivos casos concretos: (i) o vínculo de afetividade entre cada um dos pais com os seus filhos; (ii) o melhor interesse da criança e/ou do adolescente. Justificativa: A Lei nº 13.058/2014 incentiva a uma corresponsabilidade entre os pais com o fito de alcançar uma igualdade parental substancial, especialmente no que tange à guarda de filhos e à convivência familiar. A alteração legislativa modificou dois dispositivos do Código Civil (art. 1.583 e art. 1.584). Ao assim proceder, o novo texto revogou o anterior inciso I do art. 1.583, CC, (com redação conferida pela Lei nº 11.698/2008), que estabelecia como fatores para definição da guarda de filhos em casos de dissenso: “I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança; III – educação”. Esses critérios, de certa forma, já eram citados pela doutrina como presentes na própria redação originária do art. 1.584 no Código Civil de 2002, que vinculava a concessão da guarda “a quem tiver melhores condições de exercê-la” (vide a doutrina de Maria Helena Diniz). Portanto, é possível constatar que vincular a definição da guarda de filhos aos critérios da afetividade e do melhor interesse da criança e do adolescente (como saúde, educação e segurança) estão presentes na cultura jurídica brasileira desde 2002 (implícitos na redação originária do Código Civil e explícitos na reforma da guarda de 2008). Como a alteração processada em 2014 retirou tais fatores do texto legal, parece recomendável esclarecer que é possível a utilização de tais critérios para a definição da guarda de filhos e da convivência nos casos de dissenso entre os pais. Tanto a afetividade como o melhor interesse da criança e do adolescente possuem vasto respaldo doutrinário e jurisprudencial quando do trato desses temas, o que justifica a presente proposição. 229 FS - Proposição 5.27 Parte da legislação: Código Civil - Família Artigo: 1.583 c/c 1.694 c/c 1.701 Enunciado proposto (resumo da proposição): A guarda compartilhada não implica, necessariamente, em ausência de pagamento de pensão alimentícia. Justificativa: São duas situações distintas: guarda compartilhada refere-se às diretrizes de criação e educação do menor de forma geral, ao passo que a pensão alimentícia decorre da necessidade x possibilidade x probabilidade. 230 FS - Proposição 5.28 Parte da legislação: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho” (...) “será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor” (...) “A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução das prerrogativas atribuídas ao seu detentor” Artigo: Art. 1.584, §§ 2º e 3º Enunciado proposto (resumo da proposição): A ausência de acordo entre pai e mãe não impõe, necessariamente, a guarda compartilhada, que somente deve ser aplicada quando as circunstâncias fáticas permitirem o melhor desenvolvimento da criança ou adolescente, sendo vedada a aplicação de redução de prerrogativas que impeçam a convivência familiar da criança ou adolescente com o genitor(a) que altera ou descumpre cláusula de guarda unilateral ou compartilhada. Justificativa: Por compartilhamento da guarda deve ser compreendido não apenas a partilha da presença da criança e/ou do adolescente, mas sim de toda as consequências, responsabilidades, atribuições e ônus que a autoridade parental representa. Portanto, a interpretação legislativa não pode ficar adstrita à literalidade dos dispositivos ora analisados, pois tal restrição poderia impor situações de grandes e insuperáveis dificuldades para a criança e/ou adolescente, mormente em situações de conflitos irresolúveis entre pais e mães. Deve existir o mínimo de diálogo e entendimento possível a respeito do compartilhamento entre os pais/mães em conflito, pois o melhor interesse da criança ou adolescente deve prevalecer para a fixação da guarda e imposição de diminuição de prerrogativas, de acordo com as circunstâncias fáticas e analisadas concretamente. Por outro lado, há que se resguardar a convivência familiar e mensurar as hipóteses passíveis de exceção do estado convivencial, que somente poderá ser imposto quando a companhia do genitor ou genitora representar risco ao desenvolvimento equilibrado da criança e/ou adolescente, de tal forma que as hipóteses de redução de prerrogativas devem considerar o seu melhor interesse. Atualização dos Enunciados 518, 336 e 102. 231 FS - Proposição 5.29 Parte da legislação: Código Civil Artigo: § 2º do artigo 1.584 Enunciado proposto (resumo da proposição): A guarda compartilhada, quando não houver acordo entre o pai e a mãe, só deve ser aplicada, conforme prevê o § 2º, do art. 1.584 do Código Civil, após demonstração, por meio de estudo técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, de que a medida atende ao melhor interesse do filho. Justificativa: De acordo com a redação do § 2º, do art. 1.584, do Código Civil, dada pela Lei 13.058/2014, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um deles declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. Não apenas por sua literalidade, mas principalmente em razão do conteúdo derrogado, segundo o qual, quando não houvesse acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, seria aplicada, “sempre que possível”, a guarda compartilhada, o novo dispositivo passou a ser interpretado como norma imperativa. Nestes termos, não haveria alternativa para o julgador e seria possível afirmar que a guarda compartilhada é a regra no tocante à guarda, visto ser a modalidade que se aplica ainda quando não há acordo entre os pais, e a guarda unilateral a exceção. Impõe-se, contudo, seja feita a interpretação do mencionado § 2º, à luz do princípio constitucional do melhor interesse da criança e do adolescente, para que se resguardem seus direitos, com absoluta prioridade, como determina o art. 227 da Constituição da República. Indispensável, portanto, que a aplicação da guarda compartilhada, especialmente quando há desacordo entre os pais, somente ocorra se realizados previamente estudos técnico-profissionais que possam verificar e demonstrar cabalmente que a medida atende o melhor interesse do(s) filho(s). Sem esta cautela, a guarda compartilhada poderá se tornar, nesses casos, até um instrumento para eventual alienação parental. 232 FS - Proposição 5.30 Parte da legislação: Código Civil (Lei 10.406/2002).LIVRO IV - Do Direito de Família /TÍTULO I - Do Direito Pessoal / SUBTÍTULO I - Do Casamento / CAPÍTULO XI - Da Proteção da Pessoa dos Filhos Artigo: Art. 1.584, inciso II, §2º do Código Civil (Lei 10.406/2002). Enunciado proposto (resumo da proposição): Tendo em vista que o exercício da guarda compartilhada exige consenso quanto ao modo de exercício do poder familiar e, não se restringe apenas a distribuição de tempo de convívio, há de se ter grande cautela na aplicação do §2º do Art. 1.584 do C.C. pelo juiz, no caso concreto, dando este preferência ao uso de métodos alternativos de resolução de conflito como conciliação e mediação em consonância com o art. 694 do NCPC. Justificativa: O §2º do art. 1.584 do Código Civil, com redação dada pela lei nº 13.058, de 2014 determina que: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.” Na prática forense é razoável o entendimento de que a guarda compartilhada deve resultar de consenso entre os genitores para que estes possam exercer conjuntamente o poder familiar, sendo a guarda compartilhada a forma mais adequada de guarda para o(a) filho(a) por traduzir-se em um entendimento dos genitores de que foi o casal marido e mulher que não existe mais, todavia o casal pai e mãe permanece enquanto o(a) filho(a) for vivo(a). Pelas máximas da experiência percebemos nas audiências que, normalmente, quanto mais recente a separação/divorcio, na maioria dos casos, ambos os genitores estão magoados e não conseguem atingir esta compreensão da guarda compartilhada e a decretação desta pelo juiz, num momento delicado como este pode acabar desatendendo o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente pois colocará a mesma no meio de uma situação conflituosa onde ambos os genitores ainda não conseguiram separar entre sí as situações de marido e mulher e de pai e mãe. Assim, tentar ao máximo chegar ao acordo, seja através da conciliação ou da mediação seria a medida mais prudente para se evitar uma guarda compartilhada que, provavelmente, não se desenvolveria em sua boa plenitude, pois a mesma depende, essencialmente, de consenso. 233 FS - Proposição 5.31 Parte da legislação: Código Civil Artigo: art. 1584, § 5o. Enunciado proposto (resumo da proposição): Juridicamente a afetividade deve ser verificada de modo objetivo, mediante a análise de fatos jurídicos concretos. Essa dimensão objetiva da afetividade pode ser comprovada pela presença de fatos sociais representativos de uma relação afetiva (atividades exteriorizadoras de afeto). Por outro lado, sua dimensão subjetiva (que envolve o afeto anímico em si) é diretamente inapreensível pelo Direito, de modo que será presumida quando atestada a presença da sua dimensão objetiva. Justificativa: A afetividade vem sendo reiteradamente citada pela doutrina contemporânea do direito de família brasileiro, o que denota a sua atual relevância. O Superior Tribunal de Justiça frequentemente faz remissão à afetividade no trato dos conflitos familiares, em especial quando da deliberação de temas da parentalidade: filiação, guarda e convivência familiar (por exemplo: STJ, REsp 1356981). A legislação de família pontualmente traz a afetividade como critério relevante, tal qual se percebe na parte final do § 5º do art. 1584, CC. Diante disso, é necessário densificar o sentido jurídico que deve ser conferido à afetividade. A presente proposta de enunciado sugere uma objetivação do significado jurídico da afetividade, de modo a torná-la apreensível pelo Direito. Este proceder fará que a afetividade seja percebida juridicamente de acordo com os meios de prova e critérios de julgamento já regularmente utilizados. Consequentemente, a verificação da sua presença dar-se-á a partir da análise de fatos jurídicos concretos (tal qual ocorre com outros termos de acepção igualmente subjetiva), in casu, a partir de atividades exteriorizadoras de afeto (dimensão objetiva). Nessas situações, quando comprovada a sua dimensão objetiva restará presumida a sua dimensão subjetiva (que envolve a presença do afeto anímico em si). Este proceder parece estar adequado ao que deliberou o STJ, no seguinte acórdão “(...) Desse modo, há que se conferir à parte o direito de produzir as provas destinadas a comprovar o estabelecimento das alegadas relações socioafetivas, que pressupõem, como assinalado, a observância dos requisitos acima referidos. (...)” STJ, REsp 1328380. 234 FS - Proposição 5.32 Parte da legislação: Parte Especial Artigo: 1.589 do Código Civil, parágrafo único. Enunciado proposto (resumo da proposição): Direito de visitação avoenga Com base no princípio da intervenção mínima do Estado no direito de família, a previsão do parágrafo único do artigo 1.589 do Código Civil, sobre o direito de visitação dos avós, não abrange a hipótese em que ambos os pais a rejeitem, em razão de histórico familiar conflituoso entre eles ou de ausência de qualquer relação socioafetiva com o(s) neto(s). Justificativa: A motivação do legislador, ao apresentar o Projeto de Lei n. 4.486, de 2001, que resultou na promulgação da Lei n. 12.398/2011, acrescentando o parágrafo único ao art. 1.589 do Código Civil e dando nova redação ao inciso VII do art. 888 da Lei n. 5.869/1973, para estender aos avós o direito de visita aos netos, surgiu da realidade fática, bem exposta no parecer da CCJ e da redação que analisou o projeto oriundo do Senado, ressaltando-se que nossa sociedade almejava uma lei que estendesse o direito de visita também aos avós em casos de separação e divórcio dos pais, viuvez ou ausência de um deles. Na ocasião elucidou-se que “em casos de separação, não raras vezes, o diálogo desaparece da vida dos pais do menor. [...] A outra família, dependendo do conflito, fica afastada. São situações dolorosas que os avós acabam tendo que se render [...]. Esse tipo de situação também se dá em casos de viuvez, onde o cônjuge supérstite, ao casar-se novamente, ou por qualquer outra razão, impede maiores aproximações com a família do de cujus.”. O direito de visita dos avós não se aplica quando ambos os pais rejeitem a convivência da criança com o(s) avó(s), em razão de situação familiar conflituosa ou mesmo de ausência de qualquer relação socioafetiva com o(s) neto(s), sendo, em qualquer caso, dos avós o ônus da prova de que a visitação trará benefícios ao menor. 235 FS - Proposição 5.33 Parte da legislação: CCB/2002, livro IV,. Artigo: 1.593 e 1.596 Enunciado proposto (resumo da proposição): Em face do prestígio da filiação socioafetiva, possível o reconhecimento da multiparentalidade quando restar comprovado a existência de vínculo de filiação com mais de duas pessoas. Justificativa: Deve-se ao IBDFAM a construção do conceito de família e de filiação tendo como elemento identificador o vínculo da afetividade. Com isso a Justiça passou a emprestar efeito jurídico ao afeto. Apesar da ausência de previsão legislativa, a expressão “ou outra origem”, constante da parte final do art. 1.593 do CC, permitiu o reconhecimento da socioafetividade como forma de parentesco. No entanto, não são excludentes a filiação biológica e a filiação socioafetiva, que se constrói a partir da posse do estado de filho. Encontra-se superado o conceito de adoção unilateral, em que ocorre a troca do nome do genitor no registro do filho, como também a mera declararação de ascendência genética, quando é reconhecida a filiação biológica sem alteração registral. Diante da realidade dos dias de hoje, em que filhos convivem com os novos parceiros dos pais; em que o uso das técnicas de reprodução assistida exige a participação de mais pessoas no processo procriativo, vem a justiça reconhecendo a multiparentalidade, ou seja, autorizando que conste no registro de nascimento de uma pessoa mais de duas pessoas. O registro múltiplo é o que melhor atende o interesse do filho, pois lhe assegura todos os direitos previdenciários e sucessórios com relação a todos os pais. 236 FS - Proposição 5.34 Parte da legislação: CCB/2002, livro IV Artigo: 1.593 e 1.596. Enunciado proposto (resumo da proposição): É possível o registro de nascimento dos filhos de casais homoafetivos, diretamente no Cartório do Registro Civil, sendo dispensável a propositura de ação judicial. Justificativa: Em 2011, o STF reconheceu a união estável homoafetiva como entidade familiar (STF, ADI 4.277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05/05/2011). No mesmo ano, o STJ autorizou a habilitação ao casamento civil (STJ, REsp 1.183.378 - RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 25/10/2011). Em 2013, o CNJ proibiu que fosse negado acesso ao casamento, ao reconhecimento da união homoafetiva e sua conversão em casamento. (Resolução 175/2013). Em 2010, 0 STJ admitiu a adoção por casais homoafetivos (STJ, REsp 889.852-RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27/04/2010). Em 2013, o CFM assegurou o uso das técnicas de reprodução assistidas aos casais homoafetivos (Resolução 2.013/2013) Ora, se os homossexuais podem casar, podem adotar, podem ter filhos por procriação assistida, nada justifica que não possam registar os filhos em nome de ambos, quando do nascimento. Impor o uso da via judicial vem em prejuízo do filho que não tem assegurado o direito à identidade, além de ficar alijado de outros previdenciários e sucessórios. Também o genitor não poder usufruir da licença natalidade quando do nascimento do filho ou inscrevê-lo no plano de saúde. 237 FS - Proposição 5.35 Parte da legislação: Direito de Família - Das relações de Parentesco - da Filiação. Artigo: 1.596 do Código Civil c/c 45; caput, § 13 do art. 50 e art. 197-E, caput e § 1º, todos do ECA (Lei nº 8.069/90). Enunciado proposto (resumo da proposição): Na hipótese de adoção consentida de criança e de adolescente, os pais biológicos podem eleger os adotantes, exigindo-se destes a habilitação no CNA (Cadastro Nacional de Adoção) e do juiz a verificação se o ato apresenta reais vantagens para o adotando e se a motivação é legítima. Justificativa: A adoção de criança e de adolescente pressupõe o consentimento dos pais ou do representante legal do adotando (art. 45, caput, do ECA); o desconhecimento dos pais ou a destituição dos pais do poder familiar (art. 45, § 1º, do ECA). Com o advento do CNA (Cadastro Nacional de Adoção), instituído inicialmente por ato administrativo do CNJ, e, em especial, com as inovações legislativas introduzidas pela Lei nº 12.010/2009, que deu tratativa legal a esse cadastro, surgiu um pudor excessivo quanto à preterição da ordem cronológica de habilitações dos pretendentes à adoção, prevista como regra no art. 197-E caput e § 1º do ECA, excepcionada nas hipóteses elencadas pelo § 13 do art. 50 do mesmo diploma legal. Ocorre que a adoção precedida de destituição do poder familiar não guarda qualquer similitude com a adoção precedida de consentimento dos pais. Na primeira, há a perda do poder familiar por infração dos deveres previstos no art. 22 do ECA e, nesse caso, não se cogita de consentimento; na adoção consentida, por alguns chamada de adoção dirigida ou intuitu pesonae, os pais do adotando encontram-se investidos do poder familiar e, no exercício desse poder, expressam o consentimento para com o ato. Nesse contexto, os pais do adotando podem, validamente, eleger ou escolher os adotantes, consoante melhor interpretação do art. 166 do ECA, exigindo-se destes a habilitação no CNA (Cadastro Nacional de Adoção), destinada a apurar a aptidão para o ato, e verificação, pelo juiz, se o ato apresenta reais vantagens ao adotando, ou seu melhor interesse, e se a motivação é legítima. 238 FS - Proposição 5.36 Parte da legislação: Livro IV – Direito de Família; Título I – Do Direito Pessoal; Subtítulo II – Das relações de parentesco; Capítulo II – Da Filiação Artigo: 1597, II do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): “A hipótese de presunção de paternidade prevista no artigo 1597, II, do Código Civil aplica-se, também, nos casos de dissolução da sociedade conjugal por divórcio” Justificativa: Quando da redação do artigo, o divórcio somente poderia ser concedido com prévia separação judicial ou de fato. Nesse sentido, não se poderia aplicar a hipótese de presunção de paternidade nos 300 dias após a dissolução do casamento em casos de divórcio. Após a Emenda Constitucional n. 66, pela interpretação teleológica dada pela maioria da doutrina civilista, bem como larga jurisprudência e orientação do CNJ (ver Resolução 35 do CNJ, especialmente artigo 52), não há prazo mínimo para concessão da separação ou divórcio. Assim, faz-se necessária a interpretação extensiva de forma a considerar a presunção de paternidade nos 300 dias que se seguirem à dissolução do casamento por divórcio. 239 FS - Proposição 5.37 Parte da legislação: Código Civil – Livro IV – Título I – Subtítulo II – Capítulo II. Artigo: Artigo 1.603 Enunciado proposto (resumo da proposição): A filiação socioafetiva pode coexistir no registro civil de pessoas naturais, livro A, com a filiação biológica, desde que comprovada, em processo judicial, que garanta o contraditório, a completude da relação parental. Justificativa: Na busca de subsídios teóricos e jurisprudenciais para pavimentar a proposta de enunciado, inauguramos o raciocínio com a citação da doutrina de Belmiro Pedro Welter, que defende que o ser humano é, a um só tempo, um ser biológico, afetivo e ontológico, admitindo a coexistência de vínculos maternos e (ou) paternos simultâneos. O funcionamento da família depende da morfologia da sociedade, de modo que as formações e transformações familiares não podem passar despercebidas pelo Direito. Nesse cenário, surge a teoria da multiparentalidade, que busca resguardar, no caso concreto, a dignidade da pessoa humana proclamada em uma moderna concepção de família. Por fim, deve ser ressaltado, que a presente proposta de enunciado não ampara uma aplicação simplista e irrestrita da teoria da multiparentalidade a todo e qualquer arranjo familiar, pois, não se fecha os olhos aos complicadores advindos do emprego da citada teoria, tais como, a multihereditariedade, possibilidade de pleitear alimentos, acréscimo de sobrenome, vínculos de parentesco etc. Apesar de embrionário, o tema já chegou ao alcance do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.328.380-MS, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, data de publicação 21.10.2014, e decisão proferida no SE 004525, relator Cesar Asfor Rocha, data de publicação 2.8.2010). 240 FS - Proposição 5.38 Parte da legislação: Livro IV, Direito de Família, Título I, Direito Pessoal Artigo: 1.631 Enunciado proposto (resumo da proposição): A assertiva de que durante o casamento e a união estável o poder familiar compete aos pais afronta o princípio constitucional da isonomia entre os filhos (Constituição Federal, art. 227, § 6º), eis que a investidura dos pais no poder familiar independe do estado civil deles. Justificativa: O poder familiar consiste no encargo que a lei atribui aos pais de assistir, criar e educar os filhos menores de 18 anos (Constituição Federal, art. 229), assegurando-lhes todos os direitos que lhes são reconhecidos como pessoa. Instituto de proteção do menor incapaz, consiste, precipuamente, em deveres a que se obrigam os pais em face do filho e em virtude dos quais se lhes outorgam direitos instrumentais (Código Civil, art. 1.634). Por sua vez, a titularidade e o exercício do poder familiar são atribuídos exclusivamente ao pai e à mãe, bastando que a paternidade e a maternidade estejam legalmente estabelecidas, independentemente do estado civil dos pais e sem qualquer outro condicionante. Até porque, se a própria Constituição Federal concebe outras formas de constituição de família que não apenas a oriunda do matrimônio e da união estável (Constituição Federal, art. 226, §§ 3o e 4o), se todos os filhos são iguais em direitos e obrigações, havidos ou não da relação de casamento ou por adoção (Constituição Federal, art. 227, art. 6o), se todos os filhos menores estão sujeitos ao poder familiar (Código Civil, art. 1.630), afronta a Constituição Federal a disposição geral de que o poder familiar compete aos pais durante o casamento e a união estável. A norma contém indevido condicionamento da função paterna ao estado de família dos pais. 241 FS - Proposição 5.39 Parte da legislação: Livro IV, Direito de Família, Título I, Direito Pessoal Artigo: 1.636 Enunciado proposto (resumo da proposição): Norma de conteúdo vazio e contrário ao disposto no artigo 5º, inciso I, artigo 226, §5º e artigo 227, §6º, todos da Constituição Federal, deveria ser suprimido do ordenamento substantivo. Justificativa: Conforme a ordem jurídica constitucional, estando o poder familiar desvinculado do estado civil dos pais (CF, art. 227, § 6º), reconhecido ao pai e à mãe em igualdade de condições (CF, art. 5º, inc. I c/c art. 229), não como direito, mas como dever a ser exercido no interesse e em benefício do filho (CF, art. 227, caput), não mais havendo a figura do chefe de família (CF, art. 226, art. 5º), resta superada a necessidade de garantir “direitos” ao poder familiar a qualquer dos pais que venha a contrair matrimônio ou estabelecer união estável, e, de conseqüência, o exercício do poder familiar sem interferência do outro cônjuge ou companheiro. Por tais razões, conclui-se que o art. 1.636, do Código Civil é de conteúdo normativo vazio e deveria ser suprimido do texto legal. 242 FS - Proposição 5.40 Parte da legislação: Artigo 1.640, parágrafo único, do Código Civil (Do Regime de Bens entre os Cônjuges); Artigo 1.829 do Código Civil (Da Ordem da Vocação Hereditária). Enunciado proposto (resumo da proposição): O cônjuge sobrevivente casado pelo regime da separação de bens, tanto pelo regime obrigatório (art. 1829 CC) quanto pelo regime convencional (art. 1640, parágrafo único CC) não concorrerá com os descendentes. No entanto, concorrerá com os ascendentes, e na falta destes será o único herdeiro, independente do regime de bens adotado, em observância à ordem da sucessão legítima prevista no art. 1829 do CC. Justificativa: Há inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da qualidade de herdeiro necessário do cônjuge sobrevivente casado pelo regime convencional da separação total de bens. No dia 31/07/2015 foi divulgada pelas redes sociais a decisão monocrática do Ministro do STJ, Marco Buzzi, (REsp 1.466.647/RS), na qual o cônjuge viúvo foi afastado da condição de herdeiro necessário, nos seguintes termos: “considerando que o cônjuge sobrevivente, no caso em questão não pode ser considerado herdeiro necessário e que a falecida não deixou descendentes nem possuía ascendentes vivos na data do seu óbito, é inegável que a única herdeira legítima é a sua irmã recorrente, nos termos do art. 1.829, inciso IV, do Código Civil”. (grifo nosso). Tal decisão gerou ainda mais discussão entre os juristas. Cabe ressaltar, que não se trata de jurisprudência dominante do STJ, pois o REsp 992749/MS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, citado na decisão monocrática, reconhece apenas que não há ocorrência de concorrência hereditária com os descendentes do falecido, ou seja, situação completamente diferente. O art. 1.829 do CC apresenta a ordem da vocação hereditária, e faz ressalvas à concorrência do cônjuge com os descendentes, em atenção ao regime de bens adotado. Entretanto, tais ressalvas são feitas apenas na concorrência com os descendentes, conforme se observa no inciso I. Já na concorrência com os ascendentes, a referida norma legal (inciso II) não apresenta qualquer restrição, e determina em seguida, o cônjuge sobrevivente como o terceiro da lista da ordem sucessória, sendo, nesse caso, o único herdeiro, também independente do regime de bens (inciso III). 243 FS - Proposição 5.41 Parte da legislação: Código Civil Artigo:_art.1.641 Enunciado proposto (resumo da proposição): Não se aplica à união estável o disposto no art. 1.641 do Código Civil, nos termos do Enunciado nº 125 da I Jornada de Direito Civil. Justificativa: Trata-se de questão tormentosa, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Levando-se em conta que os notáveis do Direito Civil aprovaram o enunciado 125 na primeira jornada, mister que a conclusão ali exposta possa se expandir em sua inteireza, no caso, a não aplicação do disposto no art. 1.641 para as pessoas maiores de 70 anos que optaram por constituir família a partir da união estável. Ademais, tendo em vista que o dispositivo alude expressamente ao “casamento”, é possível entender que o silêncio do legislador foi eloquente, no sentido de não se aplicar tal regramento para quem está em união estável. Tendo em vista que não há Jurisprudência dominante no âmbito do c. STJ, cito como julgados contra e a favor, respectivamente, o REsp 1.369.860 e o REsp 1171820. 244 FS - Proposição 5.42 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1.650 Enunciado proposto (resumo da proposição): A legitimidade para demandar a decretação de invalidade do ato praticado sem outorga, consentimento ou suprimento judicial, prevista no art. 1.650 do Código Civil, estende-se também aos sucessores por título aquisitivo inter vivos de bens havidos à sociedade conjugal ou em regime de união estável, sendo, inclusive, oponível como matéria de defesa em face de credores que pretendam a satisfação de seu crédito contra a meação do cônjuge ou companheiro faltoso que tenha praticado o ato. Justificativa: Limitar a legitimidade para demandar a invalidade de ato praticado sem outorga, consentimento ou suprimento judicial, prevista no art. 1.650 do Código Civil, ao cônjuge ou seus herdeiros não atende à evolução das relações jurídicas e às transformações sofridas pela concepção moderna da sociedade conjugal (casamento ou união estável). Toda sociedade conjugal é espécie de um gênero maior de associação de pessoas (CF, art. 5º, XVII e XX). Embora sociedade despersonificada, o casamento e a união estável contam com regime patrimonial especial, consistente do regime de bens. O regime de bens, legal ou convencionado pelos consortes, goza de plena publicidade e representa para a sociedade conjugal a proteção legal da propriedade (CF, art. 5º, XXII e XXIII), ou seja, constitui-se num regime especial de propriedade. Enquanto as sociedades não personificadas não possuem patrimônio destacado do de seus sócios, confundindo-se ambos, a lei distingue entre o patrimônio da sociedade conjugal e o patrimônio de seus membros (cônjuges ou companheiros). A primeira pertencem os bens e obrigações que entram na comunhão. Aos segundos, individualmente, os bens e obrigações particulares. Permitir ao credor, assim constituído por ato ou negócio em que haja intervindo apenas um dos consortes sem a outorga ou consentimento do outro, ou sem suprimento judicial, satisfazer seu crédito contra a meação do devedor implica admitir possa o terceiro interferir e modificar o regime de bens da sociedade conjugal, o que implica violação ao direito de propriedade da sociedade conjugal, porquanto a meação só deve ocorrer como critério de partilha quando se dissolve a sociedade. 245 FS - Proposição 5.43 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1.650 Enunciado proposto (resumo da proposição): A restrição prevista no art. 1.650 do Código Civil ao cônjuge e seus herdeiros para demandar a decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, consentimento ou suprimento judicial não impende a qualquer interessado demandar a decretação de ineficácia dos mesmos atos. Justificativa: O art. 1.650 do Código Civil repete a fórmula prevista no art. 239 do código precedente e não atende aos reclamos que derivam de situações decorrentes da evolução transformação observadas nas relações jurídicas da sociedade moderna. Por outro lado, o plano da eficácia pressupõe o da validade, o que significa ser possível admitir um ato ou negócio jurídico como válido, porém desprovido de eficácia, enquanto aptidão para produzir efeitos jurídicos, relativamente a alguém. O terceiro que haja adquirido bem à sociedade conjugal não pode ser prejudicado em seu direito para a satisfação do credor cujo título formou-se apenas com a manifestação de vontade de um dos membros da sociedade conjugal (casamento ou união estável), portanto, de modo imperfeito, já que para seu aperfeiçoamento deveria conter a outorga, consentimento ou suprimento judicial. A limitação da legitimidade para demandar a invalidade do ato, prevista no art. 1.650 do Código Civil, deixa a descoberto de qualquer proteção o terceiro quanto à arguição de invalidade do título, mas não lhe retira a legitimidade para arguir sua ineficácia em razão do vício de aperfeiçoamento consistente da falta de outorga, consentimento ou suprimento judicial, a fim de preservar a integridade do direito por ele (terceiro) adquirido, uma vez que o ato de disposição de que deriva esse direito aperfeiçoou-se melhormente porque realizado com a sociedade conjugal, isto é, o assentimento de seus membros (cônjuges ou companheiros), traduzindo direito qualitativamente melhor consoante as premissas legais e constitucionais (CF, art. 5º, XVII, XX, XXII e XXIII). 246 FS - Proposição 5.44 Parte da legislação: Código Civil. Artigo: 1.657 do Código Civil. Enunciado proposto (resumo da proposição): A exigência prevista no art. 1.657 do Código Civil pode ser suprida pela averbação do pacto antenupcial no imóvel de propriedade de um ou de ambos os cônjuges, para fins de produção de efeitos perante terceiros, que venham a celebrar negócios jurídicos envolvendo o aludido bem. Justificativa: O objetivo do dispositivo é claro: não se pode permitir que, exarada uma certidão de distribuição de algum dos cônjuges, com o objetivo de realizar negócios relativos a um ou mais imóveis, não se quedem ignorantes os terceiros em relação à existência de pacto antenupcial que venha a influenciar os poderes dispositivos em relação ao aludido bem, ou mesmo em relação à sua propriedade. No entanto, se o pacto está averbado no próprio imóvel, e consta da certidão de ônus reais, a inocorrência de registro do pacto no livro especial de distribuição, no domicílio dos cônjuges (que em muitos casos não coincidirá com o local da coisa) não pode ser empecilho para que este seja oponível perante um terceiro que, por outro modo - dotado igualmente de publicidade e de fé pública - tomou conhecimento de seu conteúdo. 247 FS - Proposição 5.45 Parte da legislação: Código Civil de 2002 – Lei 10.406/2002 Artigo: 1.669 Enunciado proposto (resumo da proposição): Prevista, no ato de disposição do bem, a extensão da cláusula de incomunicabilidade aos frutos, estes não ingressam na comunhão, ainda que se percebam ou vençam durante o casamento. Justificativa: A norma contida no artigo 1.669 do Código Civil de 2002, tal como redigida, indica que os frutos de bens gravados com cláusula de incomunicabilidade (art. 1.668, I) integrarão, obrigatoriamente, o patrimônio comum dos cônjuges sempre que percebidos, ou vencidos, na constância do matrimônio. Contudo, o mesmo diploma legal não impede que, no ato de disposição do bem, as cláusulas restritivas a ele impostas sejam estendidas aos seus frutos que serão, eventualmente, percebidos (ou vencerão) no futuro. Em tal hipótese, doutrina e jurisprudência reconhecem a incomunicabilidade dos frutos, em exceção à previsão genérica do mencionado art. 1.669, conforme ilustra recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça (Terceira Turma, REsp 1.164.887-RS, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 29.4.2014). Portanto, a fim de conferir interpretação sistemática ao ordenamento jurídico, é conveniente explicitar que é lícito gravar com incomunicabilidade também os frutos do bem objeto de disposição (ou daquele sub-rogado em seu lugar), por meio de cláusula expressa no respectivo ato, de modo a mantê-los no patrimônio particular do cônjuge beneficiado. 248 FS - Proposição 5.46 Parte da legislação: Capítulo V Do Regime de Participação Nos Aquestos. Artigo: Art. 1.679 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): No casamento entre pessoas capazes e em idade de escolher o regime de bens que lhes convier, se for escolhido o regime da separação total de bens, em caso de divórcio, vigerá o regime da participação final nos aquestos, se nada a respeito tiver sido dito no pacto antenupcial, a fim de se preservar a boa-fé nas reações de família e a vedação do enriquecimento sem justa causa de um dos cônjuges na dissolução da sociedade conjugal. Justificativa: O relator Min. Sidney Bentti já relatou acompanhado dos Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi e João Otávio de Noronha no AgRg no REsp 1211658 / CE AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL, processo 2010/0159453-0, em 16.04.2013, no sentido de que: “A necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana e de outras garantias constitucionais de igual relevância vem mitigando a importância da análise estritamente financeira da contribuição de cada um dos cônjuges (...) qual cede espaço à demonstração da existência de vida em comum e comunhão de esforços para o êxito pessoal e profissional dos consortes, o que evidentemente terá reflexos na formação do patrimônio do casal.” Da ementa extrai-se o seguinte: “No regime da separação total de bens, à mingua de cláusula excludente expressa no pacto antenupcial, comunicam-se os adquiridosna constância do casamento pelo esforço comum dos cônjuges.” Ademais, o STJ desde 2007 é do entendimento que “a cláusula do pacto antenupcial que exclui a comunicação dos aquestos impede o reconhecimento de uma sociedade de fato entre marido e mulher para o efeito de dividir os bens adquiridos depois do casamento" (REsp 404.088/RS, Rel. p/ Ac. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, DJ 28.5.07). Assim, no regime da separação total de bens, em caso de divórcio, vigerá o regime da participação final nos aquestos, se nada a respeito tiver sido dito no pacto antenupcial. 249 FS - Proposição 5.47 Parte da legislação: Código Civil. Artigo: 1.694, §1º. Enunciado proposto: Salvo expressa disposição em contrário, os alimentos fixados ad valorem incidem sobre todos os rendimentos percebidos pelo alimentante que possuam natureza remuneratória, inclusive terço constitucional de férias, 13º salário, participação nos lucros e horas extras. Justificativa: Em que pese inexistir disposição legal que discipline a alíquota e a base de cálculo dos alimentos fixados ad valorem, referindo o Código Civil apenas à fixação de acordo com o binômio “necessidade do reclamante” e “recursos da pessoa obrigada”, compulsando as decisões do STJ verifica-se que a Corte já sedimentou posicionamento pelo qual os alimentos fixados em percentual sobre os rendimentos do alimentante incidem sobre todas as verbas de natureza remuneratória por ele recebidas. A consolidação inclusive é citada na fundamentação das próprias decisões: “há consenso de que se o valor percebido ostentar caráter remuneratório dará ensejo à incorporação do percentual equivalente na pensão alimentícia” (STJ. Terceira Turma. REsp. nº 1.261.247/SP. Rel. Min. Nancy Andrigui. J. 16/04/2013); “a pensão alimentícia deve incidir sobre todas as verbas que possuam natureza salarial, excluindose, apenas, aquelas que possuam caráter indenizatório” (STJ. Quarta Turma. EDcl. no A.I. nº 1.214.097/RJ. Rel. Min. Marco Buzzi. J. 08/11/2011). Relativamente a incidência sobre as verbas em espécie, as decisões prolatadas entre 1998 e 2015 revelam o reconhecimento da incidência sobre terço de férias (1.152.681/MG, 865.617/MG, 686.642/RS, 645.594/ES, 622.800/RS, 547.411/RS e 158.843/MG); 13º salário (1.332.808/SC, 1.152.681/MG, 1.106.654/RJ, 865.617/MG, 645.594/ES, 622.800/RS e 547.411/RS), participação nos lucros (1.214.097/RJ e 1.332.808/SC) e horas extras (1.098.585/SP), todas sob o fundamento de tratarem-se de verbas de natureza remuneratória, o que justifica a aprovação do enunciado. 250 FS - Proposição 5.48 Parte da legislação: Dos Alimentos Artigo: 1.703 Enunciado proposto (resumo da proposição): A estipulação judicial de guarda compartilhada não elide, por si só, a pretensão de alimentos dos filhos em face de qualquer dos pais. Justificativa: Atualmente, o direito vem prestigiando a fixação de guarda compartilhada para a proteção dos filhos. Conforme histórico precedente do STJ: "A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais"; "a guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial" (REsp 1251000/MG, 3. T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23/08/2011. DJe 31/08/2011) Contudo, o fato do magistrado identificar a utilidade da guarda compartilhada não deve interferir no direito aos alimentos do filho. Conforme o art. 1703, os pais, ainda que separados, contribuirão na medida de suas condições. Os alimentos são fundamentais para o sadio desenvolvimento da personalidade das pessoas. Entretanto, na sua fixação, deve ser enfocada individualmente a efetiva possibilidade dos responsáveis. Desta forma, quando caracterizado que um dos pais possua melhores condições para prover o sustento do filho, pode ser arbitrada a pensão alimentícia, a despeito da guarda compartilhada, em prol do melhor interesse do menor. 251 FS - Proposição 5.49 Parte da legislação: Família e Sucessões Artigo: 1.723 do Código Civil e 226, § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil Enunciado proposto (resumo da proposição): A união homoafetiva elevada ao patamar de entidade familiar e com os mesmos efeitos jurídicos da união estável. Justificativa: A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça elevou a união homoafetiva ao patamar de entidade familiar e com os mesmos efeitos jurídicos da união estável. Destarte, é necessária afastar a terminologia tecnicamente equivocada de que a convivência entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem a ocorrência dos impedimentos do art. 1.521 do CC/02, constitui união estável. Não compete ao Poder Judiciária a alteração do texto legal, mas sim a aplicação das normas abstratas ao caso em concreto. De fato, o texto dos artigos 1.723 do Código Civil e 226, § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher. De tal modo que a união estável serviu de parâmetro para elevar a união homoafetiva ao patamar de entidade familiar e não para abranger a união entre pessoas do mesmo sexo. 252 FS - Proposição 5.50 Parte da legislação: DIREITO DE FAMILIA Artigo: 1.723 e 1.727 Enunciado proposto (resumo da proposição): A proteção da família em seu sentido mais amplo deve abranger, inclusive, a multiplicidade da entidade familiar, em hipóteses excepcionais. Justificativa: A monogamia constitui um dos princípios basilares do nosso Direito de Família legislado, ao lado da afetividade, da busca da felicidade, da isonomia de gênero e do melhor interesse da criança e do adolescente. Entretanto, todo e qualquer princípio está sujeito à colisão com outros princípios e até mesmo com outras regras, submetendo-se, portanto, a contínua e permanente operação de ponderação. Da mesma forma que se reconhecem direitos ao casamento putativo, a despeito de sua invalidade ou mesmo inexistência, em prol do princípio da boa fé, é de se reconhecer também juridicidade às uniões paralelas quando, através de uma operação de ponderação e sopesamento, se puder afastar o princípio monogâmico no caso concreto. Negar efeitos jurídicos do Direito de Família ao segundo par conjugal implica favorecer a irresponsabilidade e enfraquecer tanto o princípio monogâmico como o dever de fidelidade. Na medida em que o "infrator" sabe que o segundo relacionamento não lhe impingirá obrigações nem acarretará direitos, ele se sentirá muito mais à vontade para infringir a lei. 253 FS - Proposição 5.51 Parte da legislação: CC Artigo: Art. 1725 Enunciado proposto (resumo da proposição): A celebração de contrato de convivência, mediante escritura pública averbada no livro 3 do Cartório de Registro de Imóveis, autoriza a exigência de outorga uxória do companheiro para a realização de contratos de fiança e para a alienação ou a gravação de ônus real aos bens imóveis do casal. Justificativa: Atualmente, o contrato de convivência firmado pelo casal em união estável não tem efeitos contra terceiros. Assim, seus efeitos ficam restritos a determinar o regime de bens adotado pelo casal, sem que isso afete necessariamente a relação desses indivíduos com terceiros que venham a fazer negócios com eles, ou seja, sem a necessidade da outorga uxória para a validade do negócio firmado. No casamento, por outro lado, o pacto antenupcial, ou quando esse não existe, a certidão de casamento, tem necessariamente o condão de afetar terceiros, exigindo-se a outorga uxória. Essa diferença entre os dois institutos acarreta uma menor proteção legal à união estável e, dessa forma, acaba tornando essa instituição, principalmente no que tange à proteção do patrimônio do casal, mais frágil do que a primeira, sem nenhum objetivo social ou econômico relevante, mas sim pautado no formalismo cartorial. Para eliminar essa diferenciação protetiva entre os dois institutos, o enunciado ora proposto defende que, quando o casal registrar/averbar o contrato de convivência ou decisão declaratória da existência união estável junto da escritura do imóvel no livro três do Ofício de Registro de Imóveis, seja exigível a outorga uxória para alienação ou gravação de ônus real dos/nos bens imóveis seja válida, nos moldes do art. 1647, inciso I do Código Civil Brasileiro. O entendimento ora proposto vem sendo adotado nas cortes estaduais e foi reconhecido recentemente pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento de recurso especial (vide REsp 1424275/MT). 254 FS - Proposição 5.52 Parte da legislação: Código Civil Artigo: Art. 1.725 Enunciado proposto (resumo da proposição): É válida a cláusula que define o regime de bens entre o casal na união estável, incluída em contrato escrito celebrado ainda na constância do namoro. O namoro é a relação entre duas pessoas que, mesmo não estando impedidas de casar, não formam uma entidade familiar. Nesse contexto fático, é lícito ao casal fazer disposições patrimoniais com eficácia diferida, inserindo a eventual superveniência da união estável como condição suspensiva da cláusula negocial. Justificativa: O enunciado se justifica pelas dificuldades jurídicas advindas do relacionamento de namoro, que, apesar de não constar expressamente no Código Civil, tem ampla aceitação social e aparece em muitos precedentes do Superior Tribunal de Justiça. A figura serve basicamente para diferenciar pessoas desimpedidas de casar, que têm arranjos de convivência que não objetivam a constituição de família, daquelas que têm esse objetivo e estão enquadradas na disciplina da união estável. O namoro não tem efeitos patrimoniais, mas a união estável apresenta a mesma dinâmica do regime de bens do casamento, por força do art. 1.725 do CC. O enquadramento do casal na união estável, nos moldes do art. 1.723, é uma regra cogente. São inválidas as disposições contratuais que tentam afastar esse regime jurídico. O presente enunciado esclarece que a definição do regime de bens da união estável, que é viabilizada pelo art. 1.725, pode ser pactuada pelo casal ainda no namoro, mas com eficácia suspensa até o momento da efetiva configuração da união estável, respeitado o requisito da forma escrita do contrato. O chamado “contrato de namoro” é lícito apenas para efeitos patrimoniais, utilizando a eventual configuração da união estável como condição suspensiva. Serve para dar uma maior segurança jurídica aos casais em relação à disciplina dos seus bens. 255 FS - Proposição 5.53 Parte da legislação: Direito de Família Artigo: Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. Enunciado proposto (resumo da proposição): À luz do macroprincípio da dignidade da pessoa humana e do valor jurídico da responsabilidade afetiva, o concubinato a que se refere o artigo 1.727 do Código Civil é uma categoria jurídica baseada na estabilidade das relações afetivas, significando “família paralela” – diferente da categoria de “relações adulterinas” – em que a presença de ostensividade e boa-fé garante a produção de efeitos jurídicos no campo de Família, e não apenas de Obrigações, sempre que da relação de concubinato se extraírem elementos concretos de assistência mútua, comunhão de vida e interesse de constituir família, pois os impedimentos presentes no artigo 1.521 do CC se referem apenas à categoria do casamento (espécie), e não à condição existencial de “família” (gênero). Justificativa: A CF de 1988 deixou de associar o conceito de “família” a qualquer fórmula para sua composição, livrando-a das históricas amarras da “família constituída pelo casamento”, inaugurando o princípio da pluralidade familiar. Família é gênero, casamento é espécie. Nesse contexto, o CC de 2002 trouxe várias categorias jurídicas da condição existencial de “família”, como o casamento, a união estável e o próprio concubinato (art. 1.727), que não se confundem. Os demais artigos do CC sobre concubinato se prestam apenas à proteção patrimonial da primeira família constituída. Para o CC, o concubinato é tanto uma composição familiar que é até suficiente para dar fim ao dever de prestar alimentos (art. 1.708). O art. 1.727 do CC encerra apenas mais uma categoria jurídica – e não uma proibição. Se as bases do Direito Privado são autonomia da vontade, liberdade e dignidade da pessoa humana, não se deve promover uma leitura restritiva. O concubinato representa a escolha livre e consciente de manter famílias estáveis simultâneas. O Direito deve ser o espelho da dinâmica social, que há muito apresenta como uma de suas facetas a constituição simultânea de relações afetivas estáveis, duradouras, com o objetivo de constituição de uma família e ostensividade – ainda que com a presença de um impedimento ao casamento. A existência de tais requisitos, demonstrando a boa-fé dos integrantes, deve ensejar a produção de efeitos jurídicos no campo de Família, pois inserida a família paralela no âmbito da pluralidade familiar constitucional e da autonomia da vontade do Direito Privado, sob pena de se perpetuar o tema da simultaneidade familiar em um ranço histórico de irresponsabilidade afetiva. 256 FS - Proposição 5.54 Parte da legislação: CC Artigo: Art. 1.767, I a V (com redação pela Lei 13.146/15) Enunciado proposto (resumo da proposição): Após o advento da Lei 13.146/15, o art. 1.767, I passa a prever hipótese de incapacidade relativa. Justificativa: A proposta versa sobre o ajuste da extensão da curatela ao novo regime de incapacidades inaugurado pela Lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). O advento da Lei 13.146/15 provocou relevantes repercussões no regime das incapacidades na forma originalmente prevista no Código Civil. A revogação dos incisos I a III do art. 3º (incapacidade absoluta) e a nova redação do art. 4º, III (incapacidade relativa) fazem com que o art. 1.767, I, também modificado, passe a referir hipótese de incapacidade relativa e não mais de incapacidade absoluta. 257 FS - Proposição 5.55 Parte da legislação: Capítulo V Do Regime de Participação Nos Aquestos. Artigo: Art. 1.772 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): Devem ser considerados os sentimentos externados pelos portadores de deficiências psíquicas – especialmente idosos – nas searas patrimoniais e existenciais de sua vida civil, de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana o princípio do melhor interesse do idoso. Tais sentimentos externados devem ser considerados por tratarem-se de expressões dos direitos da personalidade, no que restar de sua capacidade de exercício. Atende para a Nova Lei Federal dos Portadores de Deficiências, de 2015, que não considera mais portadores de enfermidades mentais incapazes, o que justifica limite à curatela, que deverá ser meramente parcial na vida civil dos enfermos em sua saúde psíquica. Justificativa: É sabido que na velhice são mais comuns declínios psíquicos estreitamente relacionados ao envelhecimento. Embora os velhos precisem de auxílio nos atos da vida civil, idosos, portadores de deficiências mentais mais graves continuam a ter percepções e sentimentos que devem ser considerados. Tomem-se como exemplo, a escola em que se adaptam as pessoas com quem demonstram se sentir bem em nível familiar e social, as instituições de atendimento que se afinam com suas necessidades, as pessoas com que se identificam e para quem querem deixar seu patrimônio. Tais manifestações são dotadas de algum cunho volitivo e devem ser consideradas para que, pessoas em situação de vulnerabilidade por vicissitudes da idade, não tenham seus direitos da personalidade limitados de forma abusiva em seus reflexos existenciais e patrimoniais. As vulnerabilidades dos idosos devem ser consideradas a fim de proteger seus próprios interesses, de acordo com o princípio do melhor interesse do idoso, apresentado mim, BARLETTA, Fabiana Rodrigues em tese de Doutorado defendida na PUC- Rio em 2008 e publicada pela Editora Saraiva em 2010, intitulada O Direito à Saúde da Pessoa Idosa. 258 FS - Proposição 5.56 Parte da legislação: CC Artigo: 1.774 c/c 1.735. Arts. 1.775-A e 1.783-A (com redação pela Lei 13.146/15) Enunciado proposto (resumo da proposição): Os impedimentos ao exercício da tutela aplicam-se às hipóteses de curatela compartilhada e de tomada de decisão apoiada. Justificativa: A proposta versa sobre a extensão das hipóteses de impedimentos ao exercício da curatela também aos novos institutos oriundos da edição da Lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Os impedimentos para o exercício da curatela, havidos no art. 1.735 por força da norma de remessa contida no art. 1.774 do Código Civil, elencam hipóteses de pessoas que não reúnem o conjunto de condições necessárias para o encargo curatelar, por inaptidão pessoal, falta de idoneidade, colisão de interesses ou incompatibilidades. O advento da curatela compartilhada e da tomada de decisão apoiada, trazidos pela Lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), justifica a extensão de tais impedimentos a estes novos institutos, mantendo-se a coerência e a consistência da proteção das pessoas cujas vulnerabilidades merecem amparo legal. 259 FS - Proposição 5.57 Parte da legislação: PARTE ESPECIAL - TÍTULO I – DA SUCESSÃO EM GERAL CAPÍTULO I Artigo: 1.784 - Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Enunciado proposto (resumo da proposição): A herança é uma universalidade. Pelo princípio da saisine, aberta a sucessão, a totalidade dos bens é transmitida a todos os herdeiros, em regime de copropriedade, assim permanecendo até se ultimar a partilha. Nessa fase o espólio responde, tanto ativa quanto passivamente pela herança. O quinhão do herdeiro somente estará efetivamente individualizado e transmitido após o registro do formal de partilha na matrícula do imóvel. Após o registo poderá ele transmitir o domínio através de escritura pública; poderá demandar e ser demandado. Justificativa: É grande o número de ações propostas equivocadamente contra herdeiros antes da conclusão do inventário, quando a herança ainda permanece indivisa. Por outro lado, existem ações propostas contra o espólio com inventário concluído e registrado. Sem tomar partido na discussão acerca da natureza jurídica do formal de partilha, se é ou não título translativo, o fato é que nosso sistema registral exige o registro para transmissão de domínio, tanto do contrato quanto do formal de partilha. Bem andou o legislador quando, ao elaborar a redação do artigo 1.784 do Código Civil atual, excluiu a palavra “domínio” existente no artigo 1.572 do CC/1916. De fato, a abertura da sucessão desencadeia a transmissão da herança, mas da totalidade dos bens. Todos podem usar e gozar dos frutos civis, defender os bens e até dispor (mas só por cessão – artigo 1793 a 1795 do Código Civil/2002). A transmissão de domínio só é possível após o registro do formal de partilha. A falta de registro das partilhas é considerada pelo STJ como omissão e, apesar de se permitir a defesa através de embargos de terceiro, o STJ impõe ao adquirente faltoso o ônus de pagar os honorários da parte contrária, como punição pela penhora indevida (Súmula 303 do STJ). 260 FS - Proposição 5.58 Parte da legislação: Especial Artigo: 1.791 Enunciado proposto (resumo da proposição): Por força do Princípio da Saisine (Código Civil, art. 1.791), a posse exercida pelo de cujus transmite-se de forma imediata aos sucessores, tão logo aberta a sucessão. Portanto, tendo em vista ainda a natureza eminentemente fática da posse (ex.: arts. 1.204 e 1.206), sua transmissão independe de inventário e partilha ou arrolamento. Justificativa: A posse, dado seu caráter fático, e também por força do aludido Princípio da Saisine, transmite-se aos sucessores de forma imediata, assim que aberta a sucessão. De tal modo, para que os sucessores possam exercer a posse, prescinde-se de sua inclusão em processos de inventário e partilha ou arrolamento. Ademais, a demonstração da posse, via de regra, é questão de alta indagação, que demanda ampla dilação probatória, muitas vezes mediante oitiva de testemunhas, inspeção judicial e até mesmo prova pericial. Por tais razões, incidem ainda óbices de natureza processual (CPC, art. 984; novo CPC, art. 612). 261 FS - Proposição 5.59 Parte da legislação: Especial Artigo: 1.793, §§ 2º e 3º Enunciado proposto (resumo da proposição): As cláusulas de ineficácia previstas no Código Civil, art. 1.793, §§ 2º e 3º, impossibilitam o adquirente ou cessionário de haver para si a propriedade do bem objeto do negócio jurídico, vedando assim sua habilitação em processo de inventário e partilha. Todavia, não o impedem de acionar os herdeiros alienantes ou cedentes através das vias ordinárias, para se ressarcir das perdas e danos que tenha sofrido, sob pena de restar lesada a boa-fé objetiva (art. 422) e caracterizado enriquecimento sem causa (art. 884). Justificativa: Em razão das referidas cláusulas de ineficácia, resta defeso ao adquirente ou cessionário a obtenção da propriedade de bens através dos negócios jurídicos em questão. Assim, deve ser coibida sua habilitação no processo de inventário e partilha, ou arrolamento, inclusive sob pena de se gerar tumulto processual, ampliando o objeto do processo, com questões de alta indagação (CPC, art. 984, novo CPC, art. 612). Todavia, vale ressaltar que os dispositivos legais em questão, embora prevendo corretamente cláusulas de ineficácia, são omissos quanto à situação do terceiro, que muitas vezes pratica negócios jurídicos com os herdeiros agindo de boa-fé. De tal modo, deve ser assegurada ao terceiro a utilização das vias processuais adequadas, para que possa se ressarcir das perdas e danos que tenha suportado, para que não reste lesada a boa-fé objetiva (art. 422) e caracterizado o enriquecimento sem causa (art. 884) dos herdeiros, em detrimento do adquirente ou cessionário. 262 FS - Proposição 5.60 Parte da legislação: Especial Artigo: 1.793, §§ 2º e 3º Enunciado proposto (resumo da proposição): As cláusulas de ineficácia previstas no Código Civil, art. 1.793, §§ 2º e 3º, impossibilitam o adquirente ou cessionário de haver para si, de forma imediata, a propriedade do bem objeto do negócio jurídico. Todavia, não impedem a aquisição da propriedade por meio de usucapião, inclusive mediante o instituto da acessão da posse (art. 1.243), quando presentes os pressupostos e requisitos pertinentes. Justificativa: Em razão das referidas cláusulas de ineficácia, resta defeso ao adquirente ou cessionário a obtenção da propriedade de bens diretamente através dos negócios jurídicos em questão. Todavia, pode ele adquirir a propriedade valendo-se da usucapião, inclusive acrescendo à sua posse a dos herdeiros (alienantes ou cedentes) e do próprio de cujus. Para tanto, deve ser perquirido no caso concreto a presença de justo título e a boa-fé, bem como do lapso temporal referente à modalidade de usucapião. Tal entendimento prestigia a Função Social da Propriedade e do Contrato (CRFB, art. 5º, XXIII, c/c Código Civil, art. 421, art. 1.228, § 1º e art. 2.035, parágrafo único). 263 FS - Proposição 5.61 Parte da legislação: Código Civil Artigo: 1798 Enunciado proposto (resumo da proposição): Art. 1798, CC – O filho concebido por inseminação artificial homóloga post mortem só terá direito sucessório se a inseminação ocorrer até dois anos após a morte do doador e desde que este tenha deixado expressa manifestação de vontade quanto a essa possibilidade. Justificativa: O tema relacionado ao Direito Sucessório do filho, concebido por inseminação artificial homóloga post mortem, vem agregando infindáveis discussões acerca das implicações jurídicas decorrentes, dada a ausência de norma específica que regulamente todos os pontos que se revelam controvertidos. Iniciativas foram engendradas buscando a razoável convergência das oposições, inclusive, através dos Enunciados do CJF nºs 107, 127 e 267. Em sendo assim, imprime-se novo impulso aos estudos, especialmente face à resistência das teses focadas em salvaguardar os interesses patrimoniais dos herdeiros nascidos ou concebidos quando da morte do autor da herança. Ou seja, visam afastar a insegurança jurídica decorrente de uma possível revisão de seus quinhões hereditários. Entretanto, após sopesados todos os relevantes argumentos doutrinários, evidencia-se que o justo direcionamento da questão impõe o seu enfrentamento pelo viés de uma interpretação sistemática do disposto nos artigos 1.597, 1.798, 1.799 do CC. Resulta, igualmente, da aplicação analógica do limite temporal adotado na hipótese de prole eventual (CC 1.800 § 4º, CC). Tal formalidade, como um todo, produzirá efeitos tanto na esfera do direito de família como no campo do direito sucessório, evitando alterações na partilha por um período demasiadamente longo. De outro lado, preserva-se a vontade do doador em conferir, ao fruto decorrente, legitimidade para sucedê-lo na condição de herdeiro necessário. Tal direção mantém preservados, além dos interesses da criança, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade entre os filhos. 264 FS - Proposição 5.62 Parte da legislação: Direito das Sucessões – Da Vocação Hereditária – Da não Legitimação para Suceder – Dos Legados – Do Legado de Alimentos Artigos: 1.801 e 1.802 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): A nulidade prevista no art. 1802 do Código Civil não se aplica de pleno direito à hipótese de legado de alimentos instituído em favor das pessoas não legitimadas a suceder (art. 1.801); ressalvando-se aos interessados a oportunidade de fazer prova de eventual ato fraudulento na elaboração desta disposição testamentária. Justificativa: Os alimentos são “prestações para a satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si”, conforme leciona o professor Orlando Gomes. Com eles, proporciona-se assistência aos desamparados, assegurando-lhes a sobrevivência e os padrões qualitativos indispensáveis à vida digna. A obrigação alimentar garante notadamente os direitos fundamentais à vida e à dignidade da pessoa humana. Nesta conformidade, o legado de alimentos é instituição testamentária motivada pela caridade e pela solidariedade. Tal disposição tem caráter eminentemente assistencial e não configura fonte de enriquecimento do legatário. Por outro lado, quando o Código Civil prevê determinadas pessoas que não podem ser instituídas herdeiras ou legatárias (art. 1801), de modo geral está buscando preservar a segurança e a livre manifestação de vontade do testador. São situações excepcionais, nas quais se busca evitar o enriquecimento ilícito de alguns agentes que poderiam alterar ou induzir indevidamente a vontade do disponente. Por fim, destaque-se que o Direito das Sucessões deve seguir a orientação constitucional de conceber a pessoa humana como alvo central de sua tutela e proteção. Em respeito à efetividade do direito à vida digna consubstanciado no legado de alimentos, conclui-se que os impedimentos sucessórios não podem prevalecer indiscriminadamente. Assim, deve-se presumir válida, pelo menos a princípio, a mencionada disposição testamentária. Contudo, na medida em que os artigos 1.801 e 1.802 têm fundamento grave e relevante, resguarda-se aos interessados a demonstração em juízo de eventuais fraudes que tenham maculado a instituição do legado. 265 FS - Proposição 5.63 Parte da legislação: CAPÍTULO VII - DA PETIÇÃO DE HERANÇA Artigo: 1.824 DO CÓDIGO CIVIL Enunciado proposto (resumo da proposição): O termo inicial da prescrição da Ação de Petição de Herança começa a correr a partir do trânsito em julgado da ação que reconheceu a filiação, quando a ação investigatória for proposta posteriormente à abertura da sucessão ou, quando proposta antes, o trânsito em julgado ocorrer depois do óbito do autor da herança. Justificativa: Deve-se entender que o prazo prescricional para a ação de petição de herança somente tem início quando surgiu o direito de herdar, que só vai acontecer, quando a filiação ainda não foi reconhecida, com o trânsito em julgado da ação investigatória. Admitir que o prazo prescricional de 10 anos, em qualquer hipótese, tenha início com a abertura da sucessão, fere o direito daquele que ainda não foi reconhecido como herdeiro. Adotase, nessa hipótese, a teoria da actio nata, que encontra suporte no art. 189 do Código Civil (Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.). Somente haverá a violação ao direito quando o prejudicado já foi reconhecido como herdeiro; do contrário, não haveria interesse para ele pleitear seu direito à herança. 266 FS - Proposição 5.64 Parte da legislação: Da Ordem da Vocação Hereditária Artigo: Art. 1829, inc. I Enunciado proposto (resumo da proposição): O regime de comunhão parcial de bens somente assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de herança em concorrência com os descendentes sobre os bens adquiridos após o casamento. Os bens particulares, isto é, aqueles adquiridos antes do casamento, devem ser partilhados exclusivamente entre os descendentes. Justificativa: A partilha dos bens particulares com o cônjuge sobrevivente desrespeita a vontade manifestada ao se casar do titular do patrimônio. É divergente do senso comum de como será dividido o patrimônio pós-morte, pois o homem médio não tem conhecimento das consequências jurídicas da concorrência. Por outro lado, os casamentos duram cada vez menos, sendo as famílias brasileiras atualmente marcadas pela recomposição de núcleos, de modo que a partilha dos bens particulares com o novo cônjuge acarreta estado de absoluta perplexidade entre os descendentes, porque além de serem obrigados a entregar o patrimônio de seu genitor (a) para uma pessoa que não contribuiu para sua formação, nada receberão quando falecer o padrasto/madrasta concorrente. Assim, a proposta de enunciado ora apresentada considera a realidade social, a vontade do titular do patrimônio, o paradigma da autorresponsabilidade e o princípio basilar do direito de família e sucessões, segundo o qual o patrimônio deve se manter no mesmo grupo familiar. A proposta, ao integrar o arcabouço jurídico, constitucional e legal, privilegia o princípio da autonomia da vontade, uma vez que se o titular do patrimônio quiser destinar bens para seu cônjuge poderá fazê-lo, doando em vida bens advindos de sua metade disponível, sem se sujeitar a determinação estatal. A proposta contribui para o desenvolvimento da sociedade, pois conscientiza as pessoas de que devem lutar por sua subsistência. E, por fim, a proposta, desestimula casamentos por interesses econômicos e não afetivos. Jurisprudência : REsp 992.749/ MS, 3ª T – Rel. Min. Nancy Andrighy, DJ 05.02.2010. REsp 1.377.084 – MG (2013/0083914-0) – DJ 15/10/2013. 267 FS - Proposição 5.65 Parte da legislação: Sucessão Legítima Artigo: Art. 1.831 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): Na concessão do direito real de habitação ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente, deverão ser consideradas as condições econômicas do beneficiário, notadamente o fato de o consorte supérstite possuir imóvel próprio que possa lhe prover a moradia. Justificativa: O Estado deve garantir assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, em concretização da dignidade da pessoa humana. Questiona-se se essa proteção encontra-se na disciplina da sucessão hereditária, sendo esta criticada por sua neutralidade, já que raras vezes a lei estabelece a divisão da herança com base em critérios concretos de proteção da pessoa do sucessor (ex: Lei 10.050/2000). Ao cônjuge foi garantido o direito real de habitação, independentemente do regime de bens, sobre o único imóvel residencial do monte a ser inventariado. Critica-se dito dispositivo ao argumento de que este não se atentou para as condições econômicas do sobrevivo, que pode ter recebido em partilha enorme acervo patrimonial ou possuir imóvel próprio para moradia. Diante da inserção da mulher no mercado de trabalho e do princípio da igualdade de gêneros, bem como diante da longevidade atual, é preciso repensar a concessão do direito real de habitação, sendo possível verificar situações em que haja de um lado filhos menores do falecido ou pais idosos e dependentes e de outro o cônjuge supérstite são e independente, sobretudo quando há no monte um único imóvel residencial. Assim, é salutar proteger o cônjuge, mas não se pode garantir-lhe uma proteção excessiva e em descompasso com a sua realidade, em especial quando em concorrência com outros herdeiros, merecedores de especial proteção, devendo a sucessão ter em vista a pessoa do sucessor, ou seja, as suas características e aspectos individuais e, em especial, a sua relação com o autor da herança. 268 FS - Proposição 5.66 Parte da legislação: Direito das Sucessões Artigo: 1.844 Enunciado proposto (resumo da proposição): O art. 1.844 refere-se ao companheiro sucessível, dentro das condições estabelecidas no art. 1.790, caput . Não estando o companheiro apto a suceder, como nas hipóteses em que todo o acervo hereditário é composto de bens adquiridos anteriormente ao início da união estável, a herança será devolvida ao Município , ao Distrito Federal ou à União. Justificativa: Se o companheiro sobrevivente só participa da sucessão no tocante aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, no exato teor do art. 1.790, indaga-se se a herança , quando integrada exclusivamente por bens particulares, passaria ao companheiro ou seria devolvida ao Município, Distrito Federal ou União, tal como previsto no art. 1.844. O art. 1.844 refere-se ao companheiro sucessível, dentro das condições estabelecidas no art. 1.790, caput , que lhe assegura direito sucessório apenas no tocante aos bens adquiridos onerosamente na constância da relação estável. Ou seja, se o companheiro não estiver apto a suceder, como nas hipóteses em que todo o acervo hereditário é composto de bens adquiridos anteriormente ao início da união estável, a herança será devolvida ao Município , ao Distrito Federal ou à União. Ao fazer alusão à “herança” do companheiro, a norma contempla a “herança possível” do companheiro, no caso, restrita aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. 269 FS - Proposição 5.67 Parte da legislação: Família e Sucessões Artigo: 1.845 Enunciado proposto (resumo da proposição): Em caso de falecimento, o cônjuge supérstite será sempre herdeiro necessário. Quando o regime de bens da constância matrimonial for o da separação convencional de bens, aquele cônjuge concorrerá à herança do falecido com os descendentes. Justificativa: O Código Civil de 2002 fornece uma maior proteção ao cônjuge supérstite, conferindo, inclusive, cota hereditária em concorrência com os demais descendentes, nos bens particulares, para que não fique desprotegido. Neste sentido é o entendimento das Jornadas Direito Civil, conforme se apreende do enunciado 270 que dispõe in verbis: “O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.' Por fim, vale destacar o entendimento convergente do STJ que recentemente julgou o RECURSO ESPECIAL Nº 1.382.170 - SP (2013/0131197-7). 1. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil). 2. No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do Código Civil. Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil. 270 FS - Proposição 5.68 Parte da legislação: Código Civil – Livro V – Título II – Capítulos I e II. Artigo: Artigos 1.845 e 1.829, I. Enunciado proposto (resumo da proposição): Ainda que casado sob o regime da separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e concorre com os descendentes. Justificativa: O regime de bens adotado pelo casal visa regular a administração dos bens no curso do casamento e em vida, inclusive para facilitar partilha em caso de rompimento do vínculo conjugal. Outro direcionamento foi dado pelo legislador no que pertine a regulação dos bens após a morte, razão pela qual o cônjuge sobrevivente, independente do regime de bens adotado, assume a condição de herdeiro. Entendimento modificado recentemente no STJ. Exceção feita apenas ao regime de separação obrigatória por expressa vedação legal (art. 1.641, do CC 2002 Jurisprudência: 2ª Seção do STJ (T3 e T4): AgRg EREsp 1.472.945/RJ, d.j.: 24.6.2015 e REsp 1.382.170/SP, 22.4.2015. 271 FS - Proposição 5.69 Parte da legislação: Livro V - Direito das Sucessões; Título II – Da Sucessão Legítima; Capítulo III – Do Direito De Representação Artigo: 1851 e 1854, do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): “Há direito de representação nos casos de comoriência”. Justificativa: Parece claro que o direito de representação é concedido as filhos de herdeiros prémorto. Nasce, no entanto, a dúvida se o direito de representação deve ser concedido aos filhos do herdeiro que falece simultaneamente ao autor da herança, em casos de comoriência. Maioria da doutrina não tem admitido o direito de representação, mas a jurisprudência tem se mostrado no sentido de concedê-lo aos filhos de herdeiros mortos em comoriência. Da leitura do artigo 1851, do Código Civil, vê-se a possibilidade de se reconhecer o direito de representação em casos de comoriência, uma vez que o artigo não faz menção à necessidade de pré-morte, estabelecendo apenas que os parentes do falecido podem suceder em todos os direitos em que ele sucederia se vivo fosse. Significa então, que ele pode ter morrido conjuntamente com o autor da herança, não havendo necessidade de ter morrido antes. Não reconhecer o direito de representação aos filhos de herdeiro falecido em concomitância com o autor da herança gera uma situação de verdadeira injustiça. 272 FS - Proposição 5.70 Parte da legislação: Direito das Sucessões Artigo: 1.859 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): O prazo decadencial de 5 (cinco) anos previsto no art. 1.859 do CC alcança apenas as anulabilidades diversas de dolo, erro e coação – já que estas são anuláveis no prazo decadencial de 4 anos, nos termos do art. 1.909 do CC. Embora o art. 1.859 do CC use a expressão “impugnar a validade”, o prazo nele previsto não se aplica às nulidades ou invalidades absolutas, uma vez que a nulidade não se convalida e não se submete a prazo decadencial. Justificativa: O art. 1.859 do CC possui a seguinte redação: “Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro.” Note-se que o artigo se refere ao direito de “impugnar a validade”. Nesse sentido, boa parte da doutrina defende que o legislador criou um prazo decadencial para impugnar qualquer tipo de invalidade. Assim, também as invalidades absolutas ou nulidades estariam sujeitas ao prazo decadencial de 5 anos. Seria uma exceção à regra de que as nulidades não se submetem a prazo decadencial. A doutrina majoritária critica a má técnica legislativa do dispositivo e entende que o artigo deve ser interpretado à luz da Parte Geral do Código Civil. De fato, as nulidades, por serem invalidades absolutas, não se convalidam e nem se submetem a prazo decadencial. O testamento, enquanto negócio jurídico unilateral, não deve possuir um regime jurídico diferente dos demais negócios jurídicos. Logo, a aprovação do enunciado sob exame resolveria um importante impasse doutrinário. 273 FS - Proposição 5.71 Parte da legislação: Direito das Sucessões – Da Sucessão Testamentária – Do Testamento Particular Hológrafo Simplificado – Caducidade Artigo: 1.879 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): O testamento hológrafo simplificado, previsto no art. 1.879 do Código Civil, perderá sua eficácia se, nos 90 dias subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua confecção, o disponente não testar por uma das demais formas testamentárias ordinárias. Justificativa: O testamento é negócio jurídico eminentemente solene. O ordenamento jurídico prevê diversas solenidades específicas para cada forma testamentária ordinária ou especial, visando à salvaguarda da liberdade de testar e à preservação da autenticidade das manifestações de vontade do testador. Excepcionalmente, o Código Civil permite que, em circunstâncias extraordinárias (que deverão ser declaradas na cédula), o disponente elabore testamento particular de próprio punho sem a presença de testemunhas. As formalidades são flexibilizadas em função da excepcionalidade da situação em que se encontra o testador, permitindo-se que este exerça sua manifestação de última vontade. Ocorre que, em se verificando o desaparecimento das mencionadas circunstâncias extraordinárias, não se justifica a subsistência do testamento elaborado com mitigação de solenidades. Destaque-se que esta é a regra aplicável para as formas especiais de testamento (marítimo, aeronáutico e militar), para as quais de modo geral se aplica um prazo de caducidade de 90 dias, contados a partir da data em que se faz possível testar pelas formas ordinárias. Por essa razão, conclui-se que, não havendo mais o contexto de excepcionalidade, o testamento hológrafo simplificado perde sua razão de ser, devendo o testador se utilizar de uma das formas testamentárias revestidas das devidas e necessárias solenidades. 274 FS - Proposição 5.72 Parte da legislação: Família e Sucessões Artigo: 1.991. Desde a assinatura do compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante. Enunciado proposto (resumo da proposição): O pagamento de dívidas do espólio é um ato que ultrapassa a simples administração que exerce o inventariante, sendo necessário para a sua prática o deferimento da expedição do Alvará Judicial, após o juiz ouvir todos os interessados. Justificativa: O espólio que tenha que assumir pagamento de dívida, há que fazê-lo por intermédio de seu representante legal, o inventariante, sendo exigível que se proceda através de alvará judicial, após ouvidos os interessados, conforme preceito contido no artigo 992, III, do Código de Processo Civil. Portanto, se alguém, não qualificado representante legal do espólio, ou mesmo o inventariante sem o Alvará Judicial assumir obrigações cambiárias em nome deste, o fará indevidamente e, caso seja movida a execução contra o espólio, o seu representante legal (verdadeiro) ou mesmo um terceiro deve opor exceções, vez que a subscrição do título, representativo da obrigação não se deu por pessoa autorizada e na forma da lei. Assim, o executado ou embargante, ou até mesmo o Juízo da execução, deve examinar e verificar se o representante do espólio teve a necessária cautela para declarar que o fez em nome do representado através de Alvará Judicial, pois do contrário, o inventariante, assumindo qualquer obrigação, só o faz em seu nome e sob sua responsabilidade, e nunca como representante do espólio. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. NOVO HAMBURGO, 3 DE JUNHO DE 2015. 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NOVO HAMBURGO. Processo nº 0000800-24.2014.8.21.0019. Defiro o pedido formulado às fls. 363/4, quanto a Expedição de Alvará para adimplemento das dívidas fiscais existentes em nome do espólio, pois é atribuição do inventariante, nos termos do artigo 992, inciso III, do Código de Processo Civil a quitação dos débitos do espólio............. Intimem-se. 275 FS - Proposição 5.73 Parte da legislação: Família e Sucessões Artigo: 1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia. Enunciado proposto (resumo da proposição): O herdeiro que deixar de apresentar bens no inventário perde o direito sobre eles, desde que tal comportamento seja movido por má-fé. Justificativa: O instituto Sonegados existe para que os herdeiros e/ou interessados na herança (legatário, testamenteiro, credores do espólio e eventuais cessionários) tenham a exata noção de que ao descumprir seu dever jurídico e moral de informar os bens que receberem através de doação do de cujus, quando este ainda era vivo (colação), ou informar no processo de inventário os bens que estão em sua posse ou em posse de terceiros, incorrerão em pena civil consistente na perda do direito sucessório do bem sonegado. Para a terceira Turma, do STJ, sonegação de bens no inventário só deve gerar punição em caso de má-fé. Segundo relatório do Min. João Otávio de Noronha, em RECURSO ESPECIAL Nº 1.267.264 - RJ (2011/0108267-7) “Não caracterizado o dolo de sonegar, afasta-se a pena da perda dos bens” (CC, art. 1.992). Ou seja, não caracterizada a intenção de prejudicar ou fraudar o outro não há que se falar em perda dos bens. Diz o ministro que: "É dever do inventariante e dos herdeiros apresentar todos os bens que compõem o acervo a ser dividido", para quem é natural pensar que o sonegador age com o propósito de dissimular a existência do patrimônio. Mas a lei, segundo Noronha, prevê punição para o ato malicioso, movido pela intenção clara de sonegar. Assim, para que se justifique a aplicação da pena, comentou o ministro, é necessária "a demonstração inequívoca de que o comportamento do herdeiro foi inspirado pela fraude, pela determinação consciente de subtrair da partilha bem que sabe pertencer ao espólio". 276 FS - Proposição 5.74 Parte da legislação: Família e Sucessões Artigo: 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube. Enunciado proposto (resumo da proposição): O acervo sucessório responderá pelas dívidas deixadas pelo falecido e não pelas dívidas pessoais dos herdeiros que responderão pela sua quota parte. Justificativa: Os credores dos herdeiros poderão habilitar-se nos autos do inventário. Porém, o que não se pode confundir são as dívidas do espólio e as dívidas dos herdeiros, pois o acervo sucessório como um todo responderá pelas dívidas deixadas pelo falecido, englobando de maneira geral todo o patrimônio a ser partilhado. Porém, no que tange as dívidas pessoais dos herdeiros só responderá a sua quota parte. Assim, o credor irá requerer que seja identificada a quota parte do herdeiro devedor, tendo preferência no pagamento do crédito. O herdeiro que possua dívidas poderá até renunciar a herança, mas é garantido aos credores aceitá-la em seu nome. Assim da quota parte do herdeiro devedor será cobrada a dívida e o restante voltará para o acervo sucessório. TJSP. APL. 00001885320148260664 SP 0000188-53.2014.8.26.0664. Relator. Guilherme Santini Teodoro. 21/10/2014. 2ª Câmara de Direito Privado. Habilitação de crédito. Petição inicial. Indeferimento. Correção. Via inadequada. Falta de interesse processual. Herança responde pelo pagamento de dívidas do falecido, não de herdeiros. Aplicação dos artigos 1.017 do CPC e 1.997 do CC. Sentença mantida. Apelação não provida 277 FS - Proposição 5.75 Parte da legislação: Direito das Sucessões Artigo: 2.002 e 2.003 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): A colação serve para equalizar as legítimas dos herdeiros necessários. Embora historicamente o instituto tenha sido aplicado aos descendentes, o Código Civil de 2002, por meio de seus arts. 2.002 e 2.003, estendeu o dever de colacionar aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) e ao companheiro, salvo quando a doação tiver saído do patrimônio disponível do autor da herança. Justificativa: Historicamente, a colação objetivava equalizar as legítimas dos descendentes. A título de exemplo, o filho que recebeu doação do pai deve devolver o bem doado a título de antecipação de legítima, a fim de não ser privilegiado em relação aos seus irmãos. Esta regra é excepcionada pela possibilidade de o pai doar bens do seu patrimônio disponível. O Código Civil de 2002, por meio do parágrafo único de seu art. 2.003, estendeu expressamente o dever de colacionar ao cônjuge. Persiste, portanto, uma discussão sem solução na doutrina: a colação alcança (1) apenas os descendentes (posição tradicional); (2) apenas os descendentes e o cônjuge (posição baseada na interpretação literal dos arts. 2.002 e 2.003); ou (3) todos os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes, cônjuge) e o companheiro, por força de interpretação teleológica do instituto. Deve prevalecer a terceira corrente (3), já que a finalidade da colação é igualar as legítimas. A legítima é a metade devida aos herdeiros necessários. Logo, o dever de colacionar não se limita aos descendentes e ao cônjuge; mas estende-se outrossim aos ascendentes e ao companheiro. Os ascendentes devem ser alcançados, porque são herdeiros necessários, assim como os descendentes e o cônjuge. E o companheiro também tem o dever de colacionar, porque deve receber direitos e deveres equivalentes aos do cônjuge. 278 FS - Proposição 5.76 Parte da legislação: Direito das Sucessões – Colação Artigo: 2.004 Enunciado proposto (resumo da proposição): Para as sucessões a serem abertas sob a vigência do Código de Processo Civil de 2015, será considerado, para efeito de colação, o valor que os bens doados tiverem ao tempo da abertura da sucessão, conforme preceitua o art. 639 do diploma processual, dispositivo esse que possui forte carga de norma material e, assim, revoga tacitamente o art. 2.004 do Código Civil. Entretanto, em sendo o bem doado transferido onerosamente pelo donatário em momento anterior à abertura da sucessão, aquele será o valor a ser colacionado, desde que compatível com o praticado no mercado à época da alienação. Justificativa: O art. 2.004 do Código Civil estabelece, se interpretado de forma literal, que a colação dos bens recebidos a título de adiantamento de legítima pelos herdeiros necessários seja feita com base no valor que tinham à época da liberalidade. Entretanto, interpretação sistemática do regramento jurídico do instituto, conforme bem elucidado pelo Enunciado 119 da I Jornada de Direito Civil, impõe que a colação com base no valor da liberalidade ocorra exclusivamente nos casos em que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário, como forma de se evitar o enriquecimento ilícito de um herdeiro em detrimento de outros. Já o regramento trazido pelo CPC de 2015 rompe com a previsão da legislação civilista e revoga tacitamente o supramencionado art. 2.004. Com efeito, o art. 639 da lei processual impõe que, para as sucessões a serem abertas a partir 18 de março de 2016, calcular-se-ão os bens a serem conferidos na partilha pelo valor que tiverem ao tempo da abertura da sucessão, como forma de mais bem efetivar o princípio da igualdade das legítimas no momento em que estas se constituem. Isso porque, a despeito de o dispositivo constar em lei processual, traz preceito de natureza material a ser aplicado nas sucessões abertas sob sua égide. Todavia, nos casos em que o donatário haja alienado onerosamente o bem por valor diverso do que teriam à época da abertura da sucessão, como forma de se evitar que este responda com seu próprio patrimônio pela diferença, colacionar-se-á este último valor, em respeito à segurança jurídica. 279 FS - Proposição 5.77 Parte da legislação: Direito das Sucessões Artigo: 2.004 e 2.007 do Código Civil Enunciado proposto (resumo da proposição): Embora previstos no capítulo intitulado “Da Colação”, a colação e a redução da doação inoficiosa não se confundem. Conforme o art. 2.004 do CC, a colação, em dinheiro ou em espécie, ocorrerá pelo valor do bem ao tempo da liberalidade. Já a redução da doação inoficiosa, consoante a melhor interpretação do art. 2.007 do CC, implica restituição do bem em espécie, quando ainda estiver em poder do donatário, ou pagamento em dinheiro do valor do bem ao tempo da abertura da sucessão. Justificativa: O capítulo IV do Título IV do Livro do Direito das Sucessões chama-se “Da Colação”. Não obstante, o capítulo abrange, em seus artigos 2.004 e 2.007, dois institutos que, conforme a melhor doutrina, não se confundem. Trata-se da colação propriamente dita (art. 2.004, CC) e da redução da doação inoficiosa (art. 2.007). Entre nós, Euclides de Oliveira propôs que os dois institutos não sejam tratados como um só. A colação, por exemplo, é obrigação do descendente e do cônjuge (para alguns, também do ascendente), mas certamente não se estende a quem não é herdeiro. Por outro lado, a redução da doação inoficiosa estende-se a terceiros estranhos à herança, desde que tenha havido doação que viole a legítima. Existe uma infindável celeuma na doutrina sobre o tema, à qual basta fazer alusão. Se aprovado, o enunciado ora sob exame consolidará o posicionamento da doutrina brasileira a respeito do tema. Seria um ganho notável, tendo em vista a relevância prática do instituto da colação nos inventários feitos em todo o país. A questão está a merecer uma urgente consolidação doutrinária, já que não há julgados do STJ sobre o tema. 280 FS - Proposição 5.78 Parte da legislação: Sucessão Artigo: Art. 2.010 Enunciado proposto (resumo da proposição): Embora os alimentos familiares pagos ao descendente menor não sejam colacionáveis por força do art. 2.010 do Código Civil, não sucede o mesmo se os alimentos forem pagos ao descendente maior que não possua restrições físicas significativas à sua capacidade laboral ou à prole dele, pois, nesse caso, o montante desembolsado deverá ser equiparado a uma liberalidade para fins de colação, vedado, porém, em nome da irrepetibilidade dos alimentos, condená-los à reposição em espécie prevista no parágrafo único do art. 2.003 do Código para a hipótese de o acervo ser insuficiente à igualação das legítimas. Justificativa: Gastos ordinários com filhos maiores são colacionáveis, conforme o art. 2.010 do Código Civil. Se esses gastos ordinários forem feitos sob a forma coativa dos alimentos do art. 1.694 do CC, eles devem ser colacionáveis da mesma maneira, salvo se o filho sofrer de restrições físicas que o inabilitem ao trabalho em homenagem à solidariedade familiar e aos princípios da boa-fé objetiva, da vedação do abuso de direito e da dignidade da pessoa humana. Idêntico raciocínio se aplica se os alimentos forem pagos aos descendentes desse filho maior e capaz ao trabalho (ou seja, aos casos de alimentos pagos ao neto), pois o avô somente foi responsabilizado a arcar com os alimentos por conta da insuficiência financeira do pai do alimentado. Todavia, em razão da irrepetibilidade dos alimentos, não convém que os alimentos colacionados obriguem o herdeiro a incorrer em dívida perante os demais herdeiros legítimos por meio do dever de reposição pecuniária de que trata o parágrafo único do art. 2.003 do CC. Para aprofundamento, ver este texto: Pensão Alimentícia e Colação: uma conciliação entre irrepetibilidade dos alimentos, a solidariedade familiar e o direito sucessório. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/ Senado, jun./2015 (Texto para Discussão nº 177). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 24 de junho de 2015. 281 FS - Proposição 5.79 Parte da legislação: Do Inventário e da Partilha - Cap. VII – Da Anulação da Partilha. Artigo: Art. 2.027,§ ún, CC/02. Enunciado proposto (resumo da proposição): “O prazo para exercer o direito de anular a partilha amigável judicial, decorrente do término de sociedade conjugal, se extingue em 1 (um) ano da data do trânsito em julgado da sentença homologatória, consoante dispõem o artigo 2.027, parágrafo único do Código Civil de 2002 e o artigo 1.029, parágrafo único do Código de Processo Civil (art. 657, parágrafo único, do Novo CPC).” Justificativa: Parte majoritária da jurisprudência e da doutrina brasileira aplica o artigo 178, do CC/02, que trata da decadência e estabelece o prazo de quatro anos, para casos de anulação de partilha amigável judicial oriunda do término de sociedade conjugal. Todavia, é correto adotar a linha de entendimento adotada por Rolf Madaleno, quando afirma: “embora o artigo 2.027 integre o quinto livro do Código Civil, pertinente ao Direito das Sucessões, Título IV, do inventário e da partilha, suas regras são aplicáveis às partilhas dos bens conjugais e da união estável.”. O artigo 2.027, § único, estabelece o prazo ânuo para o exercício desse direito de anulação em detrimento do prazo quadrienal do art. 178 do mesmo diploma legal. Todavia, a incidência do prazo mais diminuto tem razão de ser. Não se trata de um mero contrato de direito civil. Diferentemente, o acordo de partilha é organizado por advogados constituídos, mediante tratativas e anseios subjetivos das partes. Posteriormente, é levado ao Poder Judiciário, para após exame do promotor designado do Ministério Público, ser devidamente homologado pelo Estado-juiz, caso preenchidos os requisitos e formalidades legais. Razoável, assim, que o prazo decadencial para anular este acordo, ou alguma cláusula inerente, seja diminuto em relação aos aplicáveis aos contratos comuns, pois estes últimos são elaborados com mais liberdade, sem a prévia guarida do MP e a chancela do Judiciário, empregados assim de menos segurança jurídica. O mesmo não ocorre para os pactos firmados fora do leito judicial, pois os divórcios administrativos ficam mais expostos e fragilizados, razão pela qual incide o prazo do art. 178, CC/02. 282