Tayana RELATORIO FINAL_2013 pibic - GEDMMA
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Tayana RELATORIO FINAL_2013 pibic - GEDMMA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA CURSO DE HISTÓRIA Bolsista: Tayanná Santos Conceição de Jesus Orientador: Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior ANÁLISE DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM TORNO DA CONSTITUIÇÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA DE TAUÁ-MIRIM São Luís – MA 2013 1 ____________________________________________ Tayanná Santos Conceição de Jesus Bolsista ____________________________________________ Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior Orientador ANÁLISE DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM TORNO DA CONSTITUIÇÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA DE TAUÁ-MIRIM Relatório apresentado Institucional Científica de – ao Bolsas PIBIC, na Programa de Iniciação Universidade Federal do Maranhão. São Luís – MA 2013 2 RESUMO A partir de recorrentes ameaças de serem deslocadas de seus territórios por conta da atração de grandes empreendimentos promovida pelos governos federal, estadual e municipal, onze comunidades da Zona Rural II de São Luís, Maranhão, decidem buscar a consolidação de uma Reserva Extrativista – a RESEX de Tauá-Mirim – para salvaguardar seus direitos territoriais. Relacionados a essa busca, existem vários conflitos de cunho socioambiental e no presente relatório buscamos analisá-los a partir de discussão teórica e apanhado de situações empíricas, levando em consideração a diferença de lógicas relativas a tempo, espaço ou território, desenvolvimento e economia presentes nos discursos das comunidades, empresas e governos, observando também sua busca pela efetivação de interesses e objetivos próprios. Como método realizamos entrevistas, revisão bibliográfica e coleta de panfletos e cartazes que contivessem a temática estudada. Palavras-chave: Conflitos. Reserva Extrativista. Desenvolvimento. 3 LISTA DE SIGLAS ALCOA – Empresa de Alumínio ALUMAR – Consórcio de Alumínio do Maranhão GEDMMA – Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente GTA – Grupo de Trabalho da Amazônia IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade MONAPE – Movimento Nacional dos Pescadores MPF – Ministério Público Federal MPX – Empresa de energia do grupo EBX e da alemã E.ON. NEA – Núcleo de Educação Ambiental PNMA – Plano Nacional de Meio Ambiente RESEX – Reserva Extrativista SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação UEMA – Universidade Estadual do Maranhão UFMA – Universidade Federal do Maranhão VALE – Companhia Vale do Rio Doce 4 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................06 2 OBJETIVOS...............................................................................................................08 2.1 Objetivos Gerais........................................................................................................08 2.2 Objetivos Específicos................................................................................................08 3 METODOLOGIA.......................................................................................................09 4 PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS................................................................10 5 RESULTADOS...........................................................................................................11 5.1 O espaço dos conflitos...............................................................................................11 5. 2 Lógicas distintas dos grupos em conflito.................................................................14 5. 3 Análise e classificação dos conflitos........................................................................27 6 CONCLUSÕES...........................................................................................................33 REFERÊNCIAS..........................................................................................................35 APÊNDICES...............................................................................................................38 5 1 INTRODUÇÃO Antes da tentativa de implementação de um polo siderúrgico em São Luís – MA1, onze comunidades2 da Zona Rural II de São Luís buscavam salvaguardar seus territórios por meio da criação de uma reserva extrativista. Bem antes, onze comunidades – mas não só elas – formavam-se no local que futuramente seria conhecido como zona rural, mesclando distintas heranças étnicas, sendo filhos de exescravos africanos, indígenas e que depois tornaram-se camponeses, agricultores, pescadores e extrativistas. No decorrer desse período longo de gestação cultural – no mínimo duzentos anos3 – em outras consciências foi-se imprimindo a ideia de que terras como estas eram vazios demográficos4 e num contexto de necessário desenvolvimento nacional deveriam tornar-se produtivas. Buscamos demonstrar por meio desta breve retrospectiva que não segue os moldes cronológicos vigentes, sendo mais comparável às idas e voltas da memória expressa na oralidade (ASSUNÇÃO, 2008), que um território nunca é completamente vazio e que a área pretendida tanto para a consolidação da RESEX de Tauá-Mirim, quanto para a implementação de grandes empreendimentos já se fazia viva em suas múltiplas territorialidades antes do olhar do progresso focar nela os seus objetivos. A presente pesquisa encontra-se em fase de conclusão, já que estamos em sua última etapa: a análise dos conflitos socioambientais. Para melhor estruturação argumentativa, dividimos os resultados em três tópicos: 1) O espaço dos conflitos – 1 Segundo Alberto Cantanhede, o Beto do Taim, os debates relativos à implementação do polo siderúrgico ganharam repercussão entre as comunidades em 2005 (MIRANDA, MAIA e GASPAR, 2009: 177). Essa fala também é expressa por Maria Máxima Pires, a Dona Máxima de Rio dos Cachorros (informação proveniente de entrevista feita em 06.07.13). 2 São as seguintes: Taim, Rio dos Cachorros, Cajueiro, Porto Grande, Vila Maranhão, Limoeiro, Parnauaçu, Portinho, Embaubal, Jacamim, Amapá e Tauá-Mirim. No momento atual, por conta de várias questões, inclusive a ocupação territorial não-regulamentada de empreendimentos, Cajueiro foi retirado do traçado inicial da reserva e também foram incorporadas áreas ao sul, englobando mais ainda a ilha de Tauá-Mirim (Ver Imagem 01, no Anexo). 3 Em entrevista realizada em 06.07.13 pela pesquisadora, Dona Máxima de Rio dos Cachorros, afirmou que a partir da contagem de idade dos moradores mais antigos da comunidade, pode-se estabelecer uma ocupação territorial de no mínimo duzentos anos (alguns idosos têm 90 anos e seus pais viveram também até essa faixa etária). Além disso, através de algumas idas aos encontros do curso de educação ambiental promovido pelo Núcleo de Educação Ambiental do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (NEA/GEDMMA) pudemos observar a fala corrente entre jovens de Taim e Rio dos Cachorros relativas à existência de cultura material como bolas de ferros e um tanque de escravos, o que pode significar antiga ocupação territorial feita por sujeitos escravizados, remetendo, talvez ao século XVII, quando chegam à Capitania do Maranhão e Grão-Pará as primeiras levas de cativos. 4 Referências como essa surgem visivelmente a partir do Governo Vargas, com a famosa Marcha para o Oeste, aprofundando-se nos governos militares. 6 especificando a historicidade de ocupação do território e os aspectos gerais do confronto atual entre comunidades, governos e empresas; 2) Lógicas distintas dos grupos em conflito– delimitando os conceitos utilizados pelos grupos no momento dos enfrentamentos, além de suas estratégias de luta; 3) Análise e classificação dos conflitos – indicação dos principais embates entre os grupos e a classificação desses conflitos. 7 2 OBJETIVOS 2. 1 Objetivo Geral Identificar e analisar conflitos socioambientais no Maranhão decorrentes de projetos de desenvolvimento instalados a partir do final da década de 1970 e, atualmente, em vias de instalação. 2. 2 Objetivos Específicos Considerando o conflito socioambiental atualmente existente entre grandes empreendimentos (localizados nas proximidades do Complexo Portuário e da Zona Industrial) e os moradores dos povoados que reivindicam a criação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, localizada na Zona Rural II do município de São Luís – MA, buscamos elementos para a análise dos conflitos socioambientais em torno da constituição da referida reserva extrativista, considerando o conjunto dos sujeitos envolvidos e tendo como objetivos específicos: Pesquisa e caracterização dos conflitos existentes em torno do controle sobre o uso dos recursos naturais, principalmente relacionados à exploração mineral e à pesca; Análise de conflitos gerados em função dos impactos sociais ou ambientais produzidos pela ação dos empreendimentos em torno da área da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim e quais os efeitos destes impactos no modo de vida das populações tradicionais; Identificação da relação entre conflitos socioambientais e as diferentes concepções sobre modos de vida e uso da natureza na área de estudo. 8 3 METODOLOGIA Para a execução dessa pesquisa foram utilizadas as seguintes metodologias: Revisão bibliográfica, para nivelamento teórico; Trabalho de campo na área de estudo, com observação do cotidiano e de eventos importantes; uso de diário e caderno de campo para registro etnográfico e uso de máquina fotográfica, filmadora ou gravador; Realização de entrevistas; Acompanhamento e registro do noticiário sobre conflitos socioambientais veiculados nos diversos tipos de imprensa e das audiências públicas e processos de licenciamentos dos empreendimentos a serem instalados na região do entorno da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim; Levantamento de material como panfletos, relatórios, documentos, diagnósticos, laudos, páginas eletrônicas produzidos pelos diferentes agentes sociais envolvidos no conflito socioambiental em questão. 9 4 PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS Para a execução desse projeto foi realizada a revisão bibliográfica referente ao tema abordado, sendo que grande parte desses estudos foram feitos nas reuniões semanais do Grupo de Estudo: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)5. Além disso, foi feito o acompanhamento de notícias relativas aos conflitos ambientais relacionados à constituição da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, no qual foi levantada uma série de panfletos tanto do governo do Estado do Maranhão, como de empresas que estão pleiteando sua instalação na área pretendida para a criação da RESEX de Tauá-Mirim. Além desses panfletos, acompanhamos notícias e propagandas referentes a estas questões tanto do governo estadual como do municipal. Focamos em produções executadas pelos grupos que identificamos como os agentes principais no conflito: comunidades e governo estadual do Maranhão. Dessa maneira, lemos vários textos produzidos por tais grupos, como panfletos, entrevistas, artigos em jornais e revistas, além de outros documentos avulsos. Foram realizadas idas a campo durante os dois últimos anos com visitas específicas às comunidades Taim, Rio dos Cachorros e Jacamim e também ao Ministério Público Federal. Algumas visitas referem-se a reuniões com as comunidades e outras ao curso de Educação Ambiental desenvolvido pelo NEA/GEDMMA, além da realização de entrevistas com duas lideranças comunitárias (Rosana Mesquita e Maria Máxima Pires) e duas jovens da primeira etapa curso de educação ambiental (Leila Letícia e Rafaela Mesquita). 5 O Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio-Ambiente (GEDMMA) é vinculado à Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e tem como uma de suas linhas de pesquisa os conflitos ambientais no Maranhão. Segundo Alves (2010: 258), “atualmente outras questões tem ampliado os horizontes das pesquisas, destacando-se a articulação política das comunidades para enfrentar e disputar na esfera pública os seus direitos de permanecerem em seus territórios.” 10 5 RESULTADOS 5. 1 O espaço dos conflitos Entender o imbróglio entre comunidades tradicionais, empresas e governos é possível a partir da compreensão de que na história do Brasil a luta pela terra é de longa duração. Dessa forma, como ponto de partida para o entendimento dessa questão, vale o retorno aos inícios da formação do território hoje conhecido por República Federativa do Brasil. A colonização europeia do Brasil iniciada em 1500 se efetuou pela necessidade por parte de Portugal, reino da União Ibérica, de obter riquezas a partir da terra. Primeiro busca-se o metal precioso, já que nesse momento o continente europeu, que começa a envelhecer face ao novo recém-descoberto, sofre da auri sacra fames, a fome de ouro (FEBVRE, 2004). Conhecemos o desenrolar dessa história e podemos perceber que se não há desde logo o ouro no solo do litoral “arranhado pelos caranguejos”, a otimização do tempo e do espaço será buscada com as plantagens de gêneros agrícolas, como cana-deaçúcar, algodão, café, seguindo o sentido dado pelos colonizadores às terras brasílicas: produtora de riquezas para a metrópole (PRADO JÚNIOR, 2011). A terra não deixa de ser em nenhum momento da colônia o bem principal dos colonizadores, o que se estende ao Império, passando pela República Velha, chegando à Nova República, ao Regime Ditatorial e à Contemporaneidade. Em todos esses períodos, arbitrariamente datados por historiadores que tinham em mente a ficção das rupturas bruscas das épocas, os sujeitos que não aparecem nas crônicas, nos tratados, nos escritos filosóficos e teológicos como aqueles denominados "grandes homens" destacados nessa literatura, vêm engendrando estratégias de sobrevivência variadas. Se não aparecem na documentação, é indício de que mais do nunca ali eles estavam presentes (THOMPSON, 1998). O Maranhão passou por todos esses momentos históricos e também possui as suas etapas, já que a historiografia local não esquece os ensinos da historiografia geral. Enquanto estas terras não eram Brasil, mas a colônia de Maranhão e Grão-Pará, o problema das terras não deixou de acompanhar sua existência. Sesmarias eram doadas, como no Brasil6, aos que tinham cabedal (GORENDER, 1978). Mais tarde, com a 6 No período colonial, Brasil e Maranhão e Grão-Pará eram colônias distintas (MOTA, 2012). 11 doação de lotes para construção de casas que a Câmara Municipal passava a ofertar, os sujeitos pobres buscavam de todas as formas burlar os “rígidos” processos de loteamentos e doação que para eles, mais do que para os outros, se fazia nos rigores da lei (MOTA e MANTOVANI, 1998). No Maranhão das fábricas do século XIX, uma população de sujeitos pobres egressos da escravidão e também fugidos de secas que se alastravam em outros locais, como no Ceará, constituíram o corpo de indivíduos engajado no trabalho fabril. Ainda aqui a terra é bem de poucos e objeto de contradições. O pobre que construía sua casa nos bairros operários em formação deveria se encaixar nas disposições fixas feitas pela câmara e dissolvidas no imaginário geral: casa com cobertura de telha era para quem tinha condição, o pobre deveria cobrir sua moradia com palha, pois se pusesse telha, significaria que roubara de algum lugar (CORREIA, 2006). Nas fímbrias do sistema dominante, os pobres constituíram sua sobrevivência. Dando um salto temporal, no Maranhão dos tempos ditatoriais, as velhas casas de palha ainda constituem a paisagem, só que nesse tempo elas tiveram como complemento o fogo. A terra mais uma vez é disputada. Para construir uma São Luís melhor, o “sujo” e o “feio” devem ser ocultados. Desse modo, pobreza como símbolo de sujeira e feiura é o estigma que os sujeitos marginalizados carregam desde os primeiros tempos de Maranhão. A terra nunca foi sua, mesmo que ali vivessem há muito tempo. No começo enfatizei a colonização iniciada em 1500 e isso foi posto de forma intencional, pois o ponto que gostaria de enfocar é que antes do "descobrimento" vivências próprias se faziam nas terras posteriormente chamadas Brasil. Inúmeros povos tinham seus próprios deuses, técnicas agrícolas, tipos de moradia, organizações políticas, maneiras de fazer a guerra (FAUSTO, 2000). E essas terras, imemorialmente, eram suas. No processo colonizatório, a expulsão desses indivíduos de suas terras e sua cristianização civilizatória os empurrará para a formação do grupo de sujeitos escravizados e posteriormente marginalizados, constituindo seus descendentes como aquelas pessoas que na atualidade lutam pela terra de seus antepassados. Como esse grupo é heterogêneo, as comunidades que atualmente ocupam a Zona Rural II de São Luís estão nele inseridos. A terra é sua sobrevivência e ainda hoje há grupos dominantes chamando-a de sua. Desse modo, como delineei de início, 12 entender o imbróglio entre comunidades tradicionais, empresas e governos é possível quando se compreende que na história do Brasil a luta pela terra é de longa duração. Após as considerações iniciais, apresento o espaço estudado. Situado “na porção sudoeste da Ilha do Maranhão, no município de São Luís” (DAMASCENO, 2000), desde os anos 1970, com a chegada de empresas como VALE e ALUMAR, há a latência do conflito pelo território. Apoiado na ideia de progresso e, posteriormente, desenvolvimento, o governo do Estado pautado nos ditames do governo federal esteve durante esse tempo incisivamente criando e pondo em prática políticas desenvolvimentistas no Maranhão, e para São Luís, a capital, grandes projetos foram atraídos. Tudo isso se apóia na velha e durável ideia que insiste em pensar o futuro do Maranhão como seu retorno a um passado glorioso, presente no discurso dos Novos Atenienses, no ideal de elite letrada, na pretensa fundação francesa, no Novo Tempo de 1966. Precisa-se desenvolver o Estado na atualidade para que ele retorne ao seu lugar original de glória assim como buscou-se ressuscitar os velhos poetas ilustres para retornar ao passado glorioso e mítico da São Luís civilizada e europeia, que sempre se situou no passado das mentes das classes dirigentes (LACROIX, 2001). O Novo Maranhão que nunca chega é o pretendido para a atualidade dos grandes projetos. E a nova terra é a mesma de antes onde sempre habitaram populações distintas com lógicas próprias de vida. O ideal de vazio demográfico nunca foi tão falso. Esse espaço dos conflitos é o espaço da luta pela terra e sua apropriação. E como essa apropriação desejada é a feita pelo grande capital, logicamente, as outras apropriações devem ser suplantadas7 para o eternamente evocado bem geral da nação. Dessa maneira, para não verem-se expulsas das terras de seus antepassados, moradores de onze comunidades da Zona Rural II de São Luís buscaram os aparatos legais para assegurarem sua permanência na terra. Antes mesmo da possibilidade de implantação de um Polo Siderúrgico em São Luís, segundo D. Máxima8, a ideia de criar uma Reserva Extrativista9 já estava em pauta, pois a ameaça de expulsão era visível. 7 Análise inspirada no Capítulo XXIV de O Capital, de Karl Marx e Friderich Engels, disponível em http//: pendientedemigracions.ucm.es/info/bas/es/marx-eng/capital1/24.htm Acesso em 01.09.2013. 8 Entrevista realizada pela pesquisadora em 06.07.13. 9 Modalidade de Unidade de Conservação prevista pelo SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação). 13 Durante esses últimos anos, a tramitação da RESEX de Tauá-Mirim se faz a lentos passos, pois como tentamos demonstrar até aqui, o território é objeto de cobiça de governos e empresas. Por último, o governo do Estado pronunciou-se a respeito, enviando uma carta ao Ministério do Meio Ambiente demonstrando sua posição a respeito do decreto da reserva. A atual governadora do Maranhão, Roseana Sarney, deixa claro que para ela a conservação ambiental e social não deve embargar o desenvolvimento do Estado, embargando, por outro lado, a continuidade de modos de vida duradouros e eficazes (OFÍCIO 061/2011 GG). Este é o espaço estudado nesta pesquisa durante os últimos dois anos e arduamente revisitado para atualização de seus problemas que se mostram antigos e concretos. Nesse espaço, como anteriormente coloquei, estão em jogo lógicas distintas, as quais passo a apresentar. 5.2 Lógicas distintas dos grupos em conflito Segundo Acselrad (2004: 26), Os conflitos ambientais são aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por impactos indesejáveis – transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. Na busca pela implementação da RESEX de Tauá-Mirim enfrentam-se lógicas distintas de apropriação dos recursos ambientais, noção de território, contagem de tempo, entre outras, que são fatores imprescindíveis para se compreender os embates resultantes desse encontro de grupos variados (MENDONÇA, 2006). Em primeiro lugar, diretamente associado ao que apresentei no tópico anterior, é necessário destacar a diferença da noção de território que os grupos envolvidos têm, pois o conceito de território pode abranger múltiplos significados, desde área delimitada por limites geográficos até limites simbólicos, como áreas de culto, por exemplo (CARVALHO, 2009). Os grupos afetados pela chegada de empreendimentos que inviabilizam seu modo de vida, segundo Almeida (2004: 106), possuem “elementos de autodefinição e de consciência de suas próprias necessidades. A partir deles pode-se 14 afirmar que fatores étnicos e identitários mostram-se capazes de delinear suas diferenças em relação a outros grupos”, como as grandes empresas. No decorrer da pesquisa percebemos que há inúmeros territórios nos locais estudados (CARVALHO, 2009). Terras de santo, locais de culto, locais de trabalho, moradias, espaços de nascimento, terras utilizadas por igrejas, entre outros, são territórios físicos e simbólicos que possuem representatividade e importância variada. Os patrimônios naturais (terra, água, mangue), assim como os culturais (árvores sagradas, locais onde alguém nasceu, praias encantadas) possuem grande importância para comunidades tradicionais que há muito tempo sobrevivem valorizando práticas semelhantes passadas de pai para filho. Em algumas idas a campo pudemos tomar conhecimento de locais onde pessoas admitem haver alguma manifestação mágica, como poços e igarapés, além da atribuição a alguns membros das comunidades de poderes sobrenaturais10. Dona Máxima11, falando sobre a ligação que as pessoas de sua comunidade, Rio dos Cachorros, têm com os elementos naturais, afirma haver uma nascente, a Nascente da Vovó, para a qual muitas pessoas que chegam à comunidade são levadas a fim de serem apresentadas. Se a água ficar turva quando esses indivíduos passarem, é sinal de que a nascente não os aceitou, e o contrário admite sua presença no local. Em um encontro de educação ambiental, cuja temática era sobre a história das comunidades, várias lendas foram apresentadas pelos estudantes12 e também uma precisa localização de locais encantados, como um tanque de escravos13, que também é histórico, por remeter ao escravismo brasileiro, necessitando, portanto, de estudos mais apurados na área arqueológica para a efetividade dessas afirmações. As árvores mágicas são elementos do cotidiano das comunidades, algumas sendo consideradas como moradias de seres fantásticos. Os locais de parto também são valorizados por essas pessoas. A exemplo disso, Dona Máxima, levando um grupo de 10 Lendas como a de um homem-lobo colorem a imaginação de jovens e adultos nessas comunidades (Informação proveniente de caderno de campo – 10.12.11). 11 Entrevista realizada pela pesquisadora em 06.07.13. 12 O registro dessas lendas encontra-se nos arquivos do GEDMMA. 13 Não há nenhum estudo arqueológico conhecido sobre essa ruína nem de outros artefatos de cultura material como moedas e bolas de ferro que aparentam remeter ao período colonial brasileiro, contudo, a afirmativa de que esse poço seja de escravos alicerça-se em relatos dos antigos contados para alguns membros das comunidades que também já contam com idade avançada (informação proveniente de caderno de campo – 10.12.11). 15 pesquisadores à sua casa, mostrou no meio do caminho o local onde nasceu, que pode ser encontrado a partir da localização de uma árvore que ela consegue distinguir precisamente no meio de tantas outras iguais, aos olhos de pesquisadores acostumados com objetos e estruturas encontrados no ambiente urbano, como condomínios e carros. Dona Maria Roxa, ao visitar o Parque Ambiental da ALUMAR, lembrou com tristeza que em determinado local havia nascido seu pai. Patrimônios como igrejas e casas de culto também são contabilizados como territórios dessas pessoas, e mesmo sendo físicos e simbólicos ao mesmo tempo, demonstram como há uma profunda riqueza cultural14 no seio destas comunidades, cuja sobrevivência vem se fazendo secularmente. Observando as variadas definições de território dadas pelos sujeitos ao espaço no qual vivem, podemos compreender o impacto da homogeneização territorial que surge com a chegada de um empreendimento. Território passa a ser apenas o local para usufruto do capital que deve ser apropriado logicamente vislumbrando o lucro e manutenção do sistema. Tal confronto fica visível quando há a tentativa de um pescador continuar pescando no espaço aquático que agora é propriedade privada. Vemos exemplos variados na falas de pescadores como Beto do Taim e Clóvis, de Cajueiro. Para entender as proposições que coloco acima, vale ressaltar o que disse Nicos Poulantzas (Apud CASTELLS, 1999), Uma característica específica do Estado capitalista é que ele absorve o tempo e o espaço sociais, estabelece as matrizes de tempo e espaço e monopoliza a organização do tempo e do espaço que se transformam, por meio da ação do Estado, em redes de dominação e poder. Perpassando o campo do simbólico, as definições que as empresas e as populações tradicionais dão à natureza não são as mesmas. Se vista de um lado como parte de sua vivência e ser vivo a quem deve-se respeitar como um igual, por outro é vista como ser inanimado e que existe apenas como usufruto dos seres humanos, respondendo à suas necessidades. Tais lógicas não são semelhantes e por referirem-se a um mesmo elemento geram embates entre os grupos que as possuem. A segunda igreja e o terreiro de culto afro-brasileiro mais antigo de São Luís – Igreja de São Joaquim e Terreiro do Egito – estão localizados em Vila Maranhão e Porto Grande (MIRANDA, MAIA e GASPAR, 2009: 185) 14 16 Ressaltando a importância das frutas e legumes produzidos no local, Dona Máxima, em uma reunião, afirmou que sem legumes como o quiabo, a abóbora, o tomate e o maxixe da Zona Rural, as “badaladas” comidas típicas de São Luís não poderiam ser preparadas, e que esse patrimônio, se degradado, não possui reparação15. A violência dos conflitos é dada também nesse campo de construção de imagens que segundo a concepção de imaginário dada por Jacques Le Goff (1994) é tão viva e real quanto a “realidade”. Não é apenas relacionado a elementos com os quais as populações tradicionais estão diretamente relacionadas no dia-a-dia que ocorrem os embates entre lógicas distintas. Imaginar que essas pessoas não compreendem os conceitos e objetivos inseridos no âmbito e feitura das grandes empresas interessadas no seu local de vivência seria esquecer que esses agentes possuem estratégias de sobrevivência16 e que uma delas consiste em compreender o que a implementação de uma empresa fará no local. Em vários momentos dessa pesquisa, percebeu-se uma constante atualização de membros das comunidades em relação aos empreendimentos que chegavam à área. No trajeto para o encontro de educação ambiental já referido, uma das participantes, ao passar no local onde se instalaram os empreendimentos indicou com precisão os nomes das empresas antigas, das que chegavam e suas especialidades, incluindo os objetivos das mesmas em relação à área habitada pelas comunidades que desejam a criação da RESEX. Em entrevista realizada pela pesquisadora com as estudantes Leila Letícia de Jesus dos Santos (Taim) e Rafaela Mesquita dos Santos (Jacamim)17 pôde-se perceber a referida atualização em relação aos empreendimentos. Questionadas sobre o nome das primeiras empresas que viram chegar, elas destacaram uma série de nomes muitas vezes desconhecidos pelos demais membros da sociedade civil. E sobre a compreensão do tamanho da luta que enfrentam para que a reserva extrativista saia do papel, Rafaela afirmou: Informação proveniente de caderno de campo – 10.12.11. Relacionado à possível implantação de um polo siderúrgico, Mendonça (2006: 76) afirma que “além da ação dos moradores, a partir do ano de 2004 diversos setores da sociedade ludovicense constituídos por professores, estudantes universitários, intelectuais, profissionais liberais, técnicos e políticos locais, em conjunto com lideranças dos bairros que possivelmente seriam deslocados, iniciaram a organização de uma forte resistência à implementação do empreendimento (...)”. 17 Informação obtida a partir de reunião em 04.08.12, no Taim, cujo registro está no caderno de campo. 15 16 17 Quando as empresas chegaram, muitas pessoas que eram agricultores e lavradores, pelo próprio consumismo, foram impulsionados a trabalharem nesses empreendimentos, porque o capitalismo é uma bola, né, ou você adere, ou ele te engole, e a gente acabou, muitos de nós acabaram se levando.18 [grifo nosso] Assim como os grupos afetados buscam se atualizar em relação ao discurso das empresas, seus representantes também buscam entender melhor as causas de luta das populações afetadas, o que não significa que as aceitem como legítimas (ALVES, 2010; ALMEIDA, 2010). A presença maciça de sujeitos vinculados a empresas como também aos governos é visível durante reuniões que discutam questões ambientais, por exemplo, e também em seminários. A atualização do discurso também é observável, de acordo com ESTEVA (2000) e COUTINHO (2011), já que a temática ambiental atualmente está em voga. Dessa maneira, vemos surgirem produtos que levam em seus rótulos o selo verde, e empresas que tem em seus slogans a frase “em prol do meio-ambiente” e com inúmeros comprovantes que “atestam” sua responsabilidade ambiental. Visitando o site de VALE, ALUMAR e MPX pudemos notar essas formulações, tendo como exemplo fundamental o Relatório de Sustentabilidade (2012) anualmente emitido pela VALE, respondendo às novas demandas conquistadas pelas lutas de grupos que no passado eram considerados fatalistas por falarem da iminente catástrofe provocada pela poluição, desmatamento e suplantação de grupos que historicamente preservam o espaço natural (SHIVA, 2000 e SACHS, 2000). Os produtos dessas indústrias, a partir disso, chegam aos consumidores como frutos de um desenvolvimento sustentável politicamente correto, que, no entanto, esconde toda a trajetória de conflitos que envolve a sua fabricação19. Empresas como Vale e ALUMAR, nesse sentido, criaram parques botânicos próximo às suas instalações, para de certa forma “compensar” os danos causados ao meio-ambiente por sua implantação20. Segundo Beto do Taim, se um membro das Entrevista realizada pela pesquisadora em 04.08.12. Segundo Acselrad (2004: 21), “a incorporação de preocupações ecológicas pela valorização das capacidades adaptativas da técnica e da eficiência industrial (...) pode ser vista também como um modo de reação discursiva que preserva a distribuição de poder sobre os recursos ambientais em disputa”. 20 De acordo com o § 1º do Artigo 14 da Lei Nº 6.938 de 31 de agosto de 1981, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), “(...) é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. (...)”, sendo que poluidor, de acordo com a mesma lei, é “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação 18 19 18 comunidades afetadas deseja visitar o local, necessita agendar a visita com meses de antecedência, sendo que muitas vezes nem consegue agendá-la (MIRANDA, MAIA e GASPAR, 2009). O parque botânico da VALE, construído sobre território destituído de populações tradicionais com a chegada da mineradora, recebe alunos de várias escolas de São Luís e municípios vizinhos, e um dos principais discursos dos guias (funcionários da empresa) é o de que a Vale se preocupa com a preservação do meioambiente. Ministrando palestras para os alunos, presenteando-lhes com kits de “como reciclar o lixo” e mostrando-lhes uma mínima parte de natureza que sobrou de sua implantação, passam ao público a pseudo identidade de empresa ecologicamente correta21. Rosana Mesquita, atual líder da Associação dos Moradores do Taim, conta que em um determinado dia22 membros das comunidades já citadas foram convidados pela ALUMAR para conhecerem o seu parque botânico, visita que há muito tempo tinham solicitado. Compreendendo que poderia ser uma espécie de armadilha para mostrar uma imagem totalmente diferente da real para jovens das comunidades, os membros que fariam a visita resolveram levar pessoas de todas as faixas etárias, desde crianças até idosos, inclusive uma senhora que morou no local onde hoje se encontra o parque botânico, a Dona Maria Roxa23. Chegando ao local, ao invés dos guias conduzirem a excursão, quem o fez foi a referida senhora, contando histórias sobre o espaço e mesmo contradizendo os guias. Muitos jovens ficaram impressionados e também indignados por terem perdido importante território que continha suas raízes. No fim, Dona Maria Roxa ainda afirmou: “Sabe por que eu fiquei com raiva? A ALUMAR tirou a gente daqui”24. Através desse breve relato podemos observar que não só os representantes das empresas atualizam-se e empenham-se em encontrar novas formas de garantir seus objetivos, mas também os membros das comunidades afetadas. Estas pessoas sofrem frequentes constrangimentos para deixarem seus locais de vivência e através de várias ambiental.”, e ainda, empresas como a VALE e a ALUMAR são consideradas, seguindo informações do Anexo VIII da citada lei, como potencialmente poluidoras de nível alto, por serem indústrias relacionadas à extração e tratamento de minerais (VALE) e à metalurgia (ALUMAR), daí, a criação de parques botânicos como mínima forma de compensação ambiental. 21 Informações provenientes do caderno de campo, sem data exata da informação. 22 Curiosamente no dia em que o ICMBio faria uma visita técnica para reconhecimento da área na qual será implantada a RESEX, em meados de maio de 2012. 23 Entrevista feita pela pesquisadora em 04.08.12. 24 Idem. 19 estratégias conseguem responder a estes constrangimentos, como o que ocorreu numa corriqueira visita ao parque botânico da ALUMAR. Embora ocorra a criação de estratégias dentro das empresas que objetivam passar para a sociedade em geral sua responsabilidade com a vida e com o meio ambiente, basta conhecer a área pleiteada para a implementação da RESEX de TauáMirim e poderemos compreender como no âmbito dos empreendimentos não são sustentadas as mesmas lógicas de preservação do meio ambiente que as comunidades possuem e tem sido satisfatórias durante o longo tempo de habitação do local25 (SHIVA, 2000). A maioria dessas empresas, “mesmo fazendo uso de uma retórica de ‘gestão ambiental’ e de um ‘gerenciamento voltado para a sustentabilidade’, parece não estar levando em conta seu elevado poder de destruição dos recursos ambientais” (ALMEIDA, 2010: 104), já que a construção de parques botânicos seria uma pequena compensação pelos inúmeros danos causados por elas ao meio ambiente. Em contraposição, temos comunidades com histórico longo de habitação no local e que, mesmo causando impactos ao ambiente, possuem lógicas de apropriação que consistem em utilizar seus recursos sem degradá-lo, pensando sempre que deverão dispor dele posteriormente. Baseando-se nessa lógica, por exemplo, a extração de madeira dos mangues da região foi proibida por algumas associações de moradores, haja vista que tal vegetação não poderia ser reposta (SANT’ANA JÚNIOR et. al., 2009: 219). Convocando reuniões e promovendo cursos, as organizações sociais das comunidades aprendem com grupos parceiros como melhor aproveitar os recursos ambientais sem degradar a natureza, como a prática da reciclagem do lixo e seu não descarte em espaços aquáticos, como rios e nascentes. Tais práticas muitas vezes são consideradas pelo grande capital como mínimas e inúteis, já que o mesmo “(...) só reconhece o cálculo das perdas e dos lucros, as cifras da produção, a medida dos preços, dos custos e dos ganhos” (LÖWY, 2005: 68 – 69). Como os valores do capital apenas “se medem em 10, 100, 1.000 ou 1.000.000” e ele não reconhece outras medidas que não essas, acaba dissolvendo e destruindo “os valores qualitativos, e, em primeiro lugar, os valores éticos” (Idem: 69). 25 Para melhor entendimento desse enunciado, ver Laudo Sócio-econômico e Biológico para criação da Reserva Extrativista do Taim, 2007. 20 Como exemplo disso, representantes de grandes empreendimentos, por “desconsiderarem a lógica de utilização dos recursos naturais” das populações afetadas pelos mesmos (ALMEIDA, 2010: 105), acabam também responsabilizando indivíduos pelos danos ao meio ambiente, esquivando-se, desse modo, de falar sobre o caráter inerentemente destruidor da natureza que o próprio sistema capitalista possui (LÖWY, 2005: 72 – 73). Esses embates, como recorrentemente observo, têm em vista a apropriação da terra, vista como meio por alguns indivíduos e grupos. A partir das considerações anteriores, passo agora a delinear mais incisivamente estratégias de luta dos grupos envolvidos na disputa pela terra, mesmo que algumas tenham sido colocadas anteriormente. Observamos que a possível implantação da RESEX de Tauá-Mirim tem suscitado inúmeros debates, tanto por parte de grupos colaboradores como das próprias empresas interessadas na área, já que embora quase sempre sua lógica de mercado não compactue com “gastos” na preservação do ambiente e de possíveis grupos humanos afetados, as mesmas estão se atualizando no discurso ecológico de “responsabilidade socioambiental”, pois segundo Almeida (2004: 41), “o que está em jogo em estratégias empresariais desta ordem é a propriedade da terra visando o controle efetivo de toda a evolução das espécies vegetais e o controle do conhecimento absoluto da flora”. Ou seja, no jogo político de disputas por quem controla os recursos naturais vale mesmo apropriar-se de discurso contrário à sua atuação26. Em outro sentido, as populações tradicionais se atualizam, buscando cada vez mais compreender aquilo que pretendem construir. Simpósios, congressos, reuniões e amostras em geral sobre questões relacionadas aos conflitos ambientais têm contado com participação maciça das comunidades, como foi o ocorrido na inauguração da sede do ICMBio27 em São Luís – MA, no III Seminário Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente e na I Jornada Internacional de Ciências Sociais28. Segundo Alves (2010: 261), “(...) o discurso da ‘responsabilidade social’ tem sido um instrumento sistematicamente utilizado, vislumbrando-se os efeitos supostamente benéficos (indenização, capacitação profissional, contratação de mão-de-obra local nos empreendimentos, programas de geração de emprego e renda, projetos de habitação e equipamentos urbanos, computadores e escolas).” 27 O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, criado em 2007, é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Cabe ao Instituto “executar as ações do Sistema Nacional das Unidades de 26 21 Uma das estratégias é compreender como atuam as empresas, como já foi citado anteriormente. Na época dos debates sobre a criação do Polo Siderúrgico, Beto do Taim afirma que as comunidades começaram a discutir os certificados dos produtos da ALUMAR, pois “a ALCOA tem [inúmeros] certificados internacionais, de reconhecimento do produto, inclusive o que reconhece a boa relação com a comunidade, o cuidado com o meio ambiente, todos são prêmios que agregam valor ao produto deles, então nós começamos a questionar” (MIRANDA, MAIA e GASPAR, 2009: 180). Noutros casos, as próprias comunidades mobilizam-se para que ocorram reuniões discutindo a reserva29. Vê-se mediante esses exemplos que as discussões sobre a implementação da reserva continuam ocorrendo e que a atualização das informações faz-se necessária para que as pessoas obtenham melhores meios de luta, como a ida a eventos que discutem a temática dos conflitos ambientais. Contudo, os confrontos derivados dessa iniciativa não são poucos. É perceptível que os interesses do Estado e do município não são convergentes com os interesses das populações tradicionais locais, aparentando ser antagônicos muitas vezes, como ocorre no caso da RESEX de Tauá-Mirim. Observamos desde o início da pesquisa que, a partir de panfletos do governo estadual, como o ProMaranhão (2012), a ligação entre empresas e governos é visível a fim de beneficiar as primeiras em detrimento das populações tradicionais, como no momento da mudança do Plano Diretor do Município (MIRANDA, MAIA e GASPAR, 2009). No acompanhamento realizado das notícias e de panfletos referentes à temática pudemos perceber algumas informações que foram questionadas depois. Em uma propaganda da gestão municipal de João Castelo30 apareceu a afirmativa de que o “asfalto já chegou à Zona Rural de São Luís”, porém, questionada sobre a veracidade dessa afirmativa, a liderança Rosana Mesquita afirmou que embora apareça a colocação Conservação, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as Unidades de Conservação instituídas pela União” (Fonte: http//: www.icmbio.gov.br. Acesso em 01.03.12). 28 Os dois últimos eventos ocorreram na Universidade Federal do Maranhão. O primeiro dos dois ocorreu no primeiro semestre de 2012 e o segundo no primeiro semestre de 2013. 29 Segundo Beto, estes são alguns dos parceiros que as comunidades possuem: Paróquia Vila Nova, Coordenação de Pescadores, Movimento Nacional de Pescadores (MONAPE), Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Fórum Carajás, IBAMA, ICMBio, GEDMMA, Gabinetes Parlamentares de Helena Hulley e Rose Salles, Universidade Dom Bosco, UEMA e Igreja Católica. (Informação proveniente do caderno de campo – 12.11.11). 30 Mandato ocorrido entre janeiro de 2009 e dezembro de 2012. O atual prefeito de São Luís é Edivaldo Holanda Júnior. 22 do asfalto como uma ação exclusiva da prefeitura, como um de seus deveres, ela demonstra que foi com muita pressão que eles puderam conseguir esse benefício, já que membros das comunidades tiveram “que ficar cinco dias [acampados] na estrada” e precisaram “parar as mineradoras e as empresas que estavam na estrada dos povoados”31. Sobre a dúbia atuação do poder público, em entrevista concedida aos pesquisadores Ana Caroline Pires Miranda, Maiâna Roque da Silva Maia e Rafael Bezerra Gaspar em 2008 (2009: 177 - 204), Beto do Taim afirmou que no âmbito das discussões sobre a criação do polo siderúrgico houve alguns momentos em que o poder público municipal demonstrou apoio ao grupo de empresas responsável pela criação do polo, modificando o Plano Diretor do município de São Luís para distanciar as comunidades das discussões sobre o referido empreendimento32. Segundo Beto, a Vale do Rio Doce33 “não precisou nem se manifestar no processo, porque ela tinha a estrutura oficial, o que é uma contradição, inclusive do ponto de vista constitucional, pois o Estado é para mediar conflito e não pra assumir o conflito, e aqui foi assim”. Atualmente a discussão continua e expandiu-se a ponto de chegar à população em geral, por meio de jornais, telejornais, programas de rádio etc.34, ainda que de forma dissolvida. Surgem no contexto das manifestações que ocorreram no presente ano cujas pautas eram as mais diversas. Na internet, a menção à RESEX de Tauá-Mirim é feita por site sobre conflitos ambientais, como o da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e Saude no Brasil e blogs individuais, sem haver a divulgação das iniciativas nas comunidades em redes televisivas de maior abrangência. Outra popularização do tema é feita através de trabalhos acadêmicos, o que nem sempre chega à maioria da população, e também através de filmes e documentários, que ainda são poucos. 31 Entrevista realizada pela pesquisadora em 04.08.12. Que, segundo Beto, foi um grande impedimento para o desenvolvimento das comunidades. “Um outro prejuízo que não está contabilizado, é que todas essas comunidades aqui estavam discutindo projetos produtivos, de produção, com o Banco do Nordeste, com a Agência do Maranhão, que estavam com um pacote de projetos para o Taim, o Jacamim e várias outras comunidades pra financiar a pesca e a agricultura. Quando se abre essa discussão do polo siderúrgico, os projetos foram engavetados, porque o banco não queria assumir riscos, pois não vão botar dinheiro e depois essas comunidades não vão ser indenizadas ou vão ser remanejadas (...)” 33 Atualmente denominada apenas Vale. 34 Para mais informações ver jornais consultados na monografia de graduado de Bartolomeu Rodrigues Mendonça (2006). 32 23 A discussão da criação da reserva e também da chegada dos empreendimentos é realizada nas instâncias públicas, meio acadêmico e principalmente entre as comunidades. Vale ressaltar que lideranças de Rio dos Cachorros e Taim35, por exemplo, estão envolvidas significativamente na militância por essa causa, marcando presença em eventos e reuniões que discutam a causa ambiental. No projeto de educação ambiental executado pelo GEDMMA, os líderes Beto do Taim, Dona Máxima e Rosana Mesquita fazem-se presentes na maioria dos encontros, enfatizando sempre a importância da criação da RESEX e a significativa contribuição que os jovens podem trazer interessando-se pela causa. É necessário ressaltar a presença dos jovens nesse longo processo de disputa. Verificou-se nessa pesquisa a grande ênfase que as lideranças dos povoados dão à atuação da juventude, assinalando sempre que os jovens devem interessar-se pela constituição da referida unidade de conservação. Segundo Beto do Taim, faltam escolas suficientes de nível médio nas comunidades e de acordo com D. Máxima, muitos adultos e jovens foram alfabetizados por uma única professora, conhecida por “minha mestra”36, que ainda é viva. Com essa carência, os jovens seguem para as escolas de São Luís, enfrentando dificuldades como deslocamento e acesso37, além de ouvir discursos que podem retirar seu foco da Zona Rural. Tal problemática pode desenvolver respostas distintas à vivência que esses jovens possuem, já que muitos acabam querendo distanciar-se de suas comunidades de origem por verem dificuldades estruturais que lhes impediriam o acesso a recursos profissionais e educacionais (MENDONÇA, 2006). Beto alertou, no mesmo encontro de Educação Ambiental, que não há problemas no fato dos jovens desejarem estudar e especializarem-se, mas anseia que utilizem seus conhecimentos em prol da luta e sobrevivência das comunidades, tornando-se engenheiros agrônomos, engenheiros de pesca, cientistas sociais, entre outros. 35 Dona Máxima, Beto do Taim e Rosana Mesquita. Retirado da entrevista realizada por Ana Maria Pereira dos Santos e Elizângela Maria Barboza, em 2008, presente em Sant’Ana Júnior et. al (2009). 37 Os ônibus Rio dos Cachorros e Porto Grande, conquista das comunidades, passam de 1 em 1 hora em dias de semana e não tem parada em todas as comunidades da região. Além disso, como ressalta D. Máxima na referida entrevista, muitas das escolas em que os jovens conseguem vaga estão localizadas em bairros muito distantes da Zona Rural II, como Cidade Operária, Cohatrac, Anil, etc. (SANTOS e BARBOSA, 2009: 213). 36 24 A demanda de funcionários para as empresas situadas ao redor das comunidades também influencia na atuação desses jovens. Segundo D. Máxima (SANTOS e BARBOSA, 2009: 214 - 215), com a pouca escolarização, o jovem “termina o 2º grau e vai tentar trabalhar em loja, vai tentar vaga nessas empresas e muitas vezes não são chamados porque não tem qualificação adequada para isso também”. E ainda completa: Muitos jovens aqui terminaram o 2º grau, e também a gente vê isso como um desafio pra nós que já passamos por essa fase, que somos mães, a gente tem pensado nisso porque a nossa juventude termina o 2º grau, antigamente (...) a gente estudava, meu pai pelo menos dizia assim: ‘ – Bom, precisa aprender a botar o nome e pronto’, porque a qualidade de vida que se tinha não exigia muito (...). Então, era isso o que bastava, a escola que tinha era no Maracanã, que foram, depois para Pedrinhas e temos aqui uma assistente social, que se formou e mora aqui e tem orgulho de dizer, a Jacinilde, que nasceu aqui (...). E a juventude termina o 2º grau e não tem nada pra fazer, a gente agora que está buscando qualificação porque termina o 2º grau e aí vai fazer o que, vai trabalhar do que (...). Vai pescar? Já não tem mais peixe no rio, quer dizer já acabou com a autoestima nesse sentido, dessa atividade. Analisando essa conjuntura, pode-se ressaltar que a qualificação profissional constitui-se em uma das muitas estratégias criadas por esses indivíduos para garantirem sua sobrevivência no local face às novas demandas do mercado de trabalho, já que esses agentes estão constantemente se atualizando para melhor se armarem e conseguirem atingir seus objetivos nessa disputa desigual de forças. Compreender essas estratégias de luta é imprescindível para o reconhecimento de que as lutas socioambientais já não são mais “questões sem sujeito”, pois há nos últimos tempos o reconhecimento de que (...) a construção desses sujeitos é coletiva e se vincula ao advento de vários movimentos sociais que passaram a expressar as formas peculiares de uso e de manejo dos recursos naturais por povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, seringueiros, quebradeiras de coco babaçu, ou seja, pelas denominadas ‘populações tradicionais’(ALMEIDA, 2010: 44). Nesse sentido, a questão ambiental de controle dos recursos naturais se faz presente na atual discussão, pois está vinculada diretamente à vivência das referidas comunidades. Estas pessoas, conforme se autointitulam, são pescadores, agricultores e extrativistas, cuja dependência com o meio ambiente é visível. No decorrer dessa pesquisa notou-se em vários momentos a reclamação de membros das comunidades em relação a modificações nos hábitos alimentares e na 25 demanda de alimentos produzidos por eles. No dia 12 de novembro de 201138, um senhor da comunidade do Taim reclamou que hoje há menos peixe do que ontem e que mesmo o caranguejo anda diminuindo. D. Máxima, em uma de suas falas ressaltando a importância da Zona Rural II em relação à zona urbana de São Luís, afirmou que, para ela, em vários sentidos, as comunidades são como “uma mãe de peito grande”39, pois alimenta a todos, tanto pessoas da Zona Rural como da Zona Urbana. Desde os primeiros anos da chegada de grandes empresas na região40 houve uma drástica mudança nos hábitos alimentares das pessoas devido ao impacto ambiental causado pela presença de algumas empresas. Em reunião do dia 12 de novembro de 2011, no Taim, D. Máxima fez uma reclamação que já tornou-se corrente entre os habitantes próximos ao Rio dos Cachorros. Falou que com a chegada de um matadouro clandestino há o descarte de sangue dos animais abatidos no rio, interferindo na produtividade dos peixes. Assim, nos últimos anos, os moradores da região tiveram que modificar seus hábitos, comendo menos peixe e passando a comer mais caranguejo41. Em seu discurso, D. Máxima demonstra que dá muita importância ao ambiente onde vive, falando sempre do valor das árvores frutíferas da região, como mangueiras, jaqueiras, coqueiros, etc. No encontro de Educação Ambiental já citado, para demonstrar a importância dessas árvores, promoveu um lanche com essas frutas, ressaltando que tais alimentos são muito mais nutritivos do que os industrializados e artificiais. Nota-se que nos quintais das moradias dessas comunidades há grande quantidade de árvores e criação de animais que fazem parte da alimentação, como galinhas. Uma característica importante da convivência dessas pessoas com o meioambiente é que durante todo o tempo em que vivem na região, os impactos que causaram ao ambiente foram mínimos, como consta no laudo socioambiental feito pelo IBAMA (2007). Para ressaltar a importância dessa convivência e da própria natureza, na fala de um dos presentes na reunião do dia 12 de novembro de 2011 ouviu-se o seguinte discurso: 38 Depoimento de anotações do caderno de campo coletado em reunião na comunidade do Taim. A reunião foi realizada no dia 12 de novembro de 2011, no Taim. 40 Os entrevistados discordam em relação ao ano exato da chegada das primeiras empresas, mas concordam que foi na década de 90 do século XX. 41 Ver, também, entrevista já citada de Beto Cantanhede (MIRANDA, MAIA e GASPAR, 2009). 39 26 Pés de manga, caranguejo, o rio – todos são recursos que as pessoas dispõem para sobreviver, dispõem de momentos certos que já conhecem (períodos propícios para a pesca, por exemplo). Dispõem desses recursos, diferente de nós (moradores da zona urbana) que vivemos trabalhando para no outro mês não termos certeza se o trabalho vai prover o sustento. 42 Sem vislumbrar a realidade social e cultural dessas comunidades, as empresas acabam impondo outras lógicas de uso do meio ambiente que prejudicam as suas relações já firmadas há muito tempo. 5. 3. Análise e classificação dos conflitos Para tentarmos analisar os conflitos que ocorrem entre comunidades, empresas e governos, a partir da coleta de dados durante o trabalho de campo construímos uma classificação baseada em grupos associados a temas. Pensamos em três grupos de conflitos gerais: acesso à terra, degradação ambiental e lógicas distintas. Dentro desses grupos, elencamos subgrupos: para acesso à terra, usufruto e controle do espaço e produtos; para degradação ambiental, solo, água, ar, gêneros agrícolas e animais e saúde; para lógicas distintas, assédio moral e conflito físico. Desse modo, o fluxograma demonstra as classificações: Usufruto da terra Acesso à Terra Controle do espaço e produtos Solo, água e ar Degradação ambiental Saude Gêneros agrícolas e animais Assédio moral Lógicas distintas Conflito físico Fluxograma 01: Grupos e Subgrupos de Conflitos 42 Informação proveniente do caderno de campo (12.11.11), sem indicação de quem realizou a fala. 27 Os conflitos elencados através da fala dos entrevistados e observação direta foram, a grosso modo, os seguintes: a) Empresa restringindo o acesso dos pescadores ao rio por conta da privatização dele a partir da compra de território feita pela empresa; b) Empresas adentrando o território das comunidades aos poucos, sem autorização; c) Despejo de sangue de animais no rio por matadouro clandestino; d) Espécies vegetais modificadas por conta da poluição e descarte de resíduos químicos nas águas; e) Baixa produtividade de peixes e crustáceos por conta da chegada de empreendimentos no território próximo às comunidades; f) Derivado da baixa produtividade de peixes e crustáceos, ida de indivíduos para outras ocupações profissionais dentro das empresas e na zona urbana, mas com baixa remuneração devido a pouca qualificação profissional; g) Agressão moral a moradores das comunidades através da fala de representantes dos governos e das empresas; h) Derivada da agressão moral, desqualificação dos discursos dos moradores das comunidades; i) Como desdobramento também da agressão moral, impedimento de acesso dos moradores das comunidades aos espaços das empresas, como parques botânicos e cursos d’água antes públicos. Como pode-se perceber, alguns conflitos são derivados de outros, mas não deixam de formar um conflito único por somarem-se neles características específicas como nos itens a, h e i. Obtivemos as informações para compor esses itens através de entrevistas direcionadas realizadas com os moradores de algumas comunidades, nos dias seguintes: a) Leila Letícia de Jesus dos Santos, da comunidade Taim, em 04.08.12; b) Rafaela Mesquita dos Santos, da comunidade Jacamim, em 04.08.12; c) Rosana mesquita, da comunidade Taim, em 04.08.12; d) Maria Máxima Pires, da comunidade Rio dos Cachorros, em 06.07.13. 28 As informações dadas por Alberto Cantanhede, do Taim, foram coletadas durante conversas aleatórias sem que houvesse gravação em arquivo de áudio. Apresentados os dados, partimos para a classificação segundo o esquema proposto anteriormente: 1) Acesso à Terra: itens a e b; 1) Usufruto da terra: item a e c; 2) Controle do espaço e produtos: n. c.; 2) Degradação ambiental: itens c, d e e; 1) Solo, água e ar: itens c, d e e; 2) Saude: itens c e d; 3) Gêneros agrícolas e animais: itens d e e; 3) Lógicas distintas: itens a, b, c, f, g, h e i; 1) Assédio moral: itens a, b, g, h e i; 2) Conflito físico: itens b e i. A partir desta classificação, alguns esclarecimentos são necessários a respeito dos itens classificatórios e do modo como os conflitos foram incorporados nestes itens. Acesso à Terra: pensamos esse item como um grupo de conflito geral por conta da abrangência contida nos termos acesso e terra. Acesso significa aqui as direções e os meios tomados para chegar a algo e terra o conjunto de elementos naturais pertencentes a um espaço geográfico que, no caso da área estudada engloba tanto terras, como águas, daí os subgrupos usufruto da terra, e controle do espaço e produtos. Utilizamos usufruto levando em consideração o seguinte significado associado ao termo: ato de aproveitar algo (FERREIRA, 2004). Como usufruto da terra entendemos o acesso a terra e espaços aquáticos a fim de aproveitamento por parte de um grupo para fins próprios, como o descarte de resíduos. Controle do espaço e produtos estaria mais associado ao impedimento de um grupo utilizar determinado espaço ou produto relacionado ao espaço pelo outro grupo, visto como o que detêm o controle do mesmo. Aqui não seria apenas utilizar o espaço, mas controlá-lo e impedir o acesso a ele através de avisos ou mesmo força humana, como seguranças. 29 Entendemos degradação ambiental como as atividades que possibilitam alterações nos ciclos naturais de animais e plantas e também na qualidade da terra, das águas, do ar, além da precarização da saúde das pessoas, já que se degradados os elementos naturais com os quais os indivíduos estão em contato permanente e deles retiram sua sobrevivência, também haverá aumento de doenças. Formulamos o item gêneros agrícolas e animais porque a alteração direta na constituição de frutos e animais é bastante perceptível e não cabe apenas em uma categoria geral. O grupo geral lógicas distintas foi pensado porque apesar de estar imbricado em quase todos os outros conflitos, existem aspectos específicos nele próprio que estão mais situados na ideologia. Ou seja, os aspectos ideológicos estão, no presente estudo, associados incisivamente também nas falas dos indivíduos estudados e não devem deixar de aparecer como um grupo especial de conflitos. Entendemos assédio moral como as atitudes que causam constrangimento em outrem, podendo ser observáveis na fala das pessoas. Conflito físico já seria quando um grupo tenta diretamente ameaçar outro por meio do destacamento de força humana, como seguranças, para impedir a mobilização do outro, ou mesmo durante a expulsão de um grupo de pessoas de determinados locais, como reuniões e audiências públicas. Dessa maneira, a partir das explicações anteriores é necessário explicar a classificação dos conflitos elencados nos grupos específicos. De acordo com o esquema construído, o primeiro grupo de conflitos ficou da seguinte forma: Usufruto da terra: AeC Acesso à Terra: A, B e C Controle do espaço e produtos: N. C. Fluxograma 02: Grupo Acesso à Terra Os conflitos ligados à acesso à terra foram: empresa restringindo o acesso dos pescadores ao rio por conta da privatização dele a partir da compra de território feita pela empresa, empresas adentrando o território das comunidades aos poucos, sem 30 autorização das mesmas e despejo de sangue de animais no rio por matadouro clandestino. Relacionado à usufruto da terra ficaram apenas o primeiro e o terceiro conflito, à controle do acesso territorial ficou o primeiro conflito e a controle dos produtos não elencamos nenhum, por isso N. C., ou seja, não consta. O segundo grupo de conflitos foi organizado da seguinte maneira: Solo, água e ar: C, D e E Degradação ambiental: C, D e E Saude: CeD Gêneros agrícolas e animais: DeE Fluxograma 03: Grupo Degradação Ambiental Dessa forma, como conflitos relacionados à degradação ambiental elencamos despejo de sangue de animais no rio por matadouro clandestino; espécies vegetais modificadas por conta da poluição e descarte de resíduos químicos nas águas e baixa produtividade de peixes e crustáceos por conta da chegada de empreendimentos no território próximo às comunidades. Especificamente inseridos no grupo solo, água e ar estão todos os três conflitos, no grupo saúde, os dois primeiros e no grupo gêneros agrícolas e animais os dois últimos. O terceiro grupo geral ficou definido dessa forma: Assédio moral: Lógicas distintas: A, B, C, F, G, H e I A, B, G, H e I Conflito físico: BeI Fluxograma 04: Grupo Lógicas Distintas Nesse grupo, apenas os conflitos d e e ficaram de fora. Expliquemos: 31 O conflito d, espécies vegetais modificadas por conta da poluição e descarte de resíduos químicos nas águas e o conflito e, baixa produtividade de peixes e crustáceos por conta da chegada de empreendimentos no território próximo às comunidades, estão, a nosso ver, mais relacionados à poluição e à interferência nos ciclos naturais de animais e plantas. Mesmo que as formas de descarte de resíduos químicos estejam relacionadas a uma lógica de um determinado grupo, para nós se relaciona mais com a degradação ambiental de forma direta, assim como o conflito e, à interferência nos ciclos naturais, que não está diretamente relacionada a uma lógica de um grupo. Finalmente, o esquema geral da classificação dos conflitos é o seguinte: Usufruto da terra: AeC Acesso à Terra: A, BeC Controle do espaço e produtos: N. C. Solo, água e ar: C, DeE Degradação ambiental: C, D e E Saude: C e D Gêneros agrícolas e animais: D e E Assédio moral: A, B, G, H, e I Lógicas distintas: A, B, C, F, G, H e I Conflito físico: B e I Fluxograma 05: Classificação Final dos Conflitos 32 6 CONCLUSÕES Durante os dois últimos anos observamos o espaço que compreende a área pretendida para a implementação da RESEX de Tauá-Mirim e também para a construção de grandes empreendimentos. Além de pesquisas centradas na documentação oficial e pesquisas acadêmicas, buscamos o auxílio de alguns sujeitos envolvidos no conflito, especialmente pessoas ligadas às comunidades. Tal escolha deveu-se à não pretensão dessa ser uma pesquisa neutra, levando em consideração que as ciências humanas na atualidade consideram que nenhum estudo é neutro, já que o simples fato de se escolher estudar algo está carregado de subjetividades do pesquisador. A escolha por estudar esse conflito foi feita por considerarmos a questão da terra no Maranhão algo não-resolvido, apenas levemente remediado por políticas de compensação mínimas, como casas populares e também núcleos para indivíduos realocados. Desde o início do presente relatório enfocamos a longa duração do problema entre o Estado e os grupos de ocupam os territórios da nação, vistos de um modo homogeneizante, não compatível com a realidade. A partir da classificação dos conflitos elencados no decorrer desta pesquisa percebemos que antigos problemas como o acesso aos bens43 naturais ainda persistem. Observamos também que critérios como ancestralidade e longo tempo de habitação de um território por determinados sujeitos não é respeitado pelo grande capital que tem como seu porta-voz o Estado, embora existam políticas atuais como o próprio SNUC. No fim das contas, tem prevalecido o interesse do capital ao invés da sobrevivência das pessoas. No Maranhão, esta questão é ainda mais grave. Capitania onde as relações escravistas foram as mais duras no seio das duas colônias portuguesas (Brasil e Maranhão e Grão-Pará); estado onde as relações patrimonialistas e personalistas persistem há longo tempo e permeiam a burocracia estatal que deveria facilitar as relações, na concepção weberiana de burocracia. A relação entre esses dois enunciados 43 Utilizamos este termo pois o mesmo está cravado na consciência social e apesar dos estudos e debates recentes a respeito da mercantilização da natureza, outros termos ainda não são utilizados nas relações cotidianas. 33 é simples: como diz Dona Máxima44, “o pobre no Maranhão nasce abortado”. O estudo de apenas uma trajetória pode elucidar bem o que quero colocar aqui: Dona Máxima, na infância, saiu de Rio dos Cachorros e foi com seus pais morar na comunidade Tabatinga, na Madre Deus, em São Luís. Ali viveu até o momento em que a interventoria de João Castelo decidiu acabar com a comunidade por conta da construção da barragem do Bacanga, durante o governo militar de Garrastazu Médici. Ela e sua família foram para a comunidade Sá Viana e de lá também tiveram que sair por conta de outro empreendimento governamental: ampliação da Universidade Federal do Maranhão. De volta a Rio dos Cachorros ela ainda vê-se diante da iminência de expulsão de sua família, já que estas terras também seriam úteis ao Brasil. Por esse motivo, ela compreende que o pobre, no Maranhão, sempre vê-se expulso dos locais que constrói como seus espaços, já que nem sempre é senhor de sua terra. Apesar disso, observamos ainda algumas possibilidades de vitória nessa luta pela criação da RESEX de Tauá-Mirim. As onze comunidades estão cada vez mais mobilizadas e com a ampliação dos estudos sobre conflitos ambientais em várias áreas do conhecimento, elas ganham parceiros na luta. Apesar de no Maranhão ainda não haver uma clara associação entre desenvolvimento do estado e preservação de modos e vidas tradicionais, percebemos que talvez novos tempos cheguem com a força crescente dos grupos historicamente abortados. Não tempos que relembrem a pretensa grandeza do passado maranhense, mas tempos que tenham em si o novo da multiplicidade que é o maranhense. Esta pesquisa, em fase de conclusão, ainda possui lacunas, contudo proporcionou a escrita de vários artigos e apresentação de trabalhos e a partir da coleta dos dados, também proporcionou o seu desdobramento em monografia, que está sendo escrita no presente momento pela pesquisadora. 44 Informações provenientes de entrevista feita pela pesquisadora em 06.07.13, em Rio dos Cachorros. 34 REFERÊNCIAS ACSELRAD, Henri (Org.). Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará – Fundação Heinrich Böll, 2004. ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Amazônia: a dimensão politica dos “conhecimentos tradicionais”. 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