VIOLÊNCIA CONTRA A GESTANTE: um risco duplo
Transcrição
VIOLÊNCIA CONTRA A GESTANTE: um risco duplo
VIOLÊNCIA CONTRA MULHER DURANTE A GRAVIDEZ: um risco duplo Monteiro CFS1, Veloso LUP2, Monteiro MSS3 INTRODUÇÃO Ao trazer para o debate questões de saúde da mulher, a violência assume especial relevância por se constituir em séria ameaça à mulher, pelo local de maior ocorrência - a família, pelo perfil do agressor, em geral do convívio íntimo, com graus de parentesco familiar ou conjugal, e pela forma como essa violência atinge a mulher. O abuso contra a mulher vem sendo discutido em vários setores. Na saúde, a Política Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher traz orientações para delinear o perfil do atendimento às mulheres em situação de violência, humanizar e qualificar a atenção em saúde, priorizando a organização de estratégias de fortalecimento para implementação de redes integradas de atenção às mulheres em situações de violência doméstica e sexual1. No contexto das agressões, a violência doméstica contra a mulher caracteriza-se por um padrão de conduta coercitivo de abusos físicos, sexuais e psicológicos, já apontados em muitos estudos, estimando, inclusive, a prevalência dessa violência. Entretanto, nesse leque de abusos, há ainda lacuna nas investigações sobre o impacto dessa violência durante o período gestacional, a idade de maior ocorrência, as situações de estresse que provocam na gestante, bem como a sua repercussão sobre o baixo peso dos bebês ao nascerem e sua prematuridade2. Esse é, sem dúvida, um importante tema a ser discutido, pois a violência, seja ela física, sexual, psicológica ou emocional, torna-se ainda mais séria quando a mulher se encontra grávida, com conseqüências significativas para a saúde tanto da mulher quanto da criança. 1 Doutora em Enfermagem. Professora da graduação e do Mestrado em Enfermagem da UFPI.Docente da NOVAFAPI. Grupo de Estudos Sobre Violência, Saúde Mental e Enfermagem. 2 Mestranda em Enfermagem da UFPI. Grupo de Estudos Sobre Violência, Saúde Mental e Enfermagem. 3 Graduanda em Medicina da FACID. Grupo de Estudos Sobre Violência, Saúde Mental e Enfermagem. VI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERM AGEM OBSTÉTRICA E NEONATAL _____________________________________________________________________________________________________ Com o presente texto, trago para debate neste Congresso uma proposta de discussão acerca da violência que incide sobre a mulher no seu ciclo gravídico. Neste sentido nos interessa, sobretudo, compartilhar esse fenômeno em sua complexidade e levantar reflexões da nossa prática e interrogar sobre nosso posicionamento. O PANORAMA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER GRÁVIDA Práticas violentas durante a gravidez podem afetar mulheres de diferentes condições sociais, econômicas e demográficas. Não há, pois, imunidade para o abuso durante a gravidez. Isso significa que muitas mulheres podem estar vulneráveis a ela durante esse período. Entretanto, estudos têm demonstrado que entre as mulheres que foram maltratadas antes da gravidez, estas se encontram mais propensas ao risco do abuso durante a gestação do que aquelas que nunca experimentaram abuso. Embora não se dispondo de dados conclusivos, alguns centros de pesquisas vêm, desde a década de 90, apontando a gravidez como fator de risco para a violência doméstica, mostrando que essa violência pode iniciar depois, antes ou durante a gestação; ou pode ainda alterar o padrão quanto à freqüência e gravidade dessas agressões durante o período. Dentre esses estudos, podemos citar o elaborado por pesquisadores da Universidade de Toronto que investigaram 548 mulheres, em pré-natal ou admitidas para o parto, e constataram em 10,9% delas já sofriam de violência antes da gravidez e 6,6% durante a gravidez. Entre os fatores correlacionados, foram apontadas “instabilidades sociais" (que inclui baixa idade, solteira, menor nível de escolaridade, desemprego e gravidez não-planejada), "estilo de vida precário" (que inclui dieta inadequada, uso de álcool, uso de drogas e problemas emocionais) e ainda "problemas de saúde física" (que inclui os problemas de saúde e outros)³. Semelhante resultado foi encontrado pela Unidade de Investigação Epidemiológica e de Serviços de Saúde do México, onde foram investigadas 383 mulheres. Dessas, 120 (31,1%) relataram terem sido expostas à violência psicológica e/ou física e/ou sexual por parte de seu parceiro durante a gravidez atual, enquanto 10% reportaram violência combinada e 21% violência isolada 4. VI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERM AGEM OBSTÉTRICA E NEONATAL _____________________________________________________________________________________________________ No Brasil, alguns estudos realizados em cenários diferentes apontam também a existência de violência contra a mulher grávida. Em Campinas (SP), os resultados trazem a prevalência de violência de 14,8% entre 1379 gestantes acompanhadas em pré-natal5. Estudo realizado em maternidade de Pernambuco identifica a prevalência da violência na gravidez, através de pesquisa realizada com 420 puérperas internadas numa maternidade do Estado, no qual os pesquisadores obtiveram uma taxa de 7,4% de violência física praticada pelo parceiro íntimo antes e durante a gestação. Os resultados mostram que o padrão de violência alterou-se durante a gravidez, tendo cessado em 43,6%, diminuído em 27,3% e aumentado em 11% dos casos. Neste estudo, foi encontrado elevada prevalência de violência física doméstica (cerca de 13%) entre as mulheres que tiveram o parto assistido em maternidade. Os principais fatores de risco associados foram baixa escolaridade, história de violência na família da mulher e consumo de álcool e desemprego dos parceiros. A mortalidade neonatal foi elevada entre as vítimas de violência6. No Piauí, o resultado de uma investigação qualitativa para descrever como as adolescentes se relacionavam com seus familiares antes e após a descoberta da gravidez revela que nem todas as adolescentes que participaram do estudo tiveram da família o apoio e a aceitação diante da descoberta da gravidez. Para a maioria das depoentes, a revelação da gravidez gerou conflitos e presença de violência que se manifestava tanto na forma física, através de espancamento, como na forma psicológica, pelo proxenetismo e pela indução ao abortamento 7. Esses estudos mostram realidades em vários locais, constatando que a violência à mulher durante o período gestacional surge como uma violação aos direitos reprodutivos e sexuais da mulher. CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA DURANTE O PERÍODO GESTACIONAL VI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERM AGEM OBSTÉTRICA E NEONATAL _____________________________________________________________________________________________________ Entre as conseqüências, encontram-se abortos, parto e nascimento prematuro, baixo peso ao nascer e até morte materna e fetal, conforme estudos revelados pelo Informe Mundial sobre a Violência e a Saúde8. A violência durante a gravidez pode resultar em significativas repercussões para o bebê, gerando agravos à sua saúde. Entre esses fatores, início tardio da atenção pré-natal, riscos obstétricos que incluem os sangramentos, abortamentos, partos prematuros e os fatores emocionais que dificultam a possibilidade da mulher em cuidar de si própria e do bebê, expressado, principalmente, nas alterações de humor como os estados depressivos, a ansiedade e a baixa auto-estima. As conseqüências do abuso durante a gravidez atingem a saúde física, sexual e emocional das mulheres, e o impacto de diferentes tipos de violência e de múltiplos eventos dessa natureza por longo tempo parece tornar-se cumulativo, em alguns casos podendo levá-las ao suicídio9. Outras conseqüências presentes durante a gravidez, e após, em mulheres que sofreram violência de seus parceiros, tanto física quanto sexual e psicológica, podem ter como indicadores efeitos emocionais, depressão, angústia, baixa autoestima, isolamento social, tentativa e idéias suicidas persistentes. Podem também ser observadas Infecções genitais e do trato urinário, ou mesmo podem postergar o início do pré-natal ou realizar menor número de consultas. Em muitos casos, verifica-se que o acesso inadequado ou tardio da mulher à assistência pré-natal pode originar-se da proibição pelo companheiro para essa procura ou pelo intenso estresse psicológico vivenciado pela mulher durante a gravidez como resultado do seu abuso. Outro aspecto a ser considerado refere-se à vergonha e o medo de ser descoberta pelos profissionais da saúde. Assim, ela vai se afastando da assistência adequada e se tornando mais exposta à violência pelo agressor. A alta prevalência da violência praticada por parceiro íntimo na gestação, apontada em vários estudos, indica sua associação com diversos fatores de saúde sexual, reprodutiva e mental, o que mostra a relevância de se tomar à violência nesse grupo como questão de saúde. A(O) ENFERMEIRA(O) DESVELANDO A VIOLÊNCIA DURANTE O PERÍODO GRAVÍDICO VI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERM AGEM OBSTÉTRICA E NEONATAL _____________________________________________________________________________________________________ É possível identificar pesquisadores preocupados em levantar dados sobre como os profissionais de enfermagem percebem a violência intrafamiliar vivenciada pela mulher grávida. Um desses estudos tem discutido que essa percepção é influenciada pela experiência vivida no próprio ambiente doméstico quando passaram pelo período gestacional. Essas profissionais associam dificuldades enfrentadas pelas mulheres grávidas, citando sentimentos de fragilidade, elevadas reações emotivas e temperamentais como inerentes ao período pelo qual passam e não conseguem perceber e associar como resultante de violência pelo parceiro10. A violência vivenciada pela gestante ainda é de difícil abordagem nas relações pessoais e profissionais. As mulheres que vivenciam essas situações sentem-se coibidas em declarar as agressões de parceiros e familiares. Por outro lado, há ainda alguns atos de violência que não são reconhecidos por familiares, nem por essas mulheres – muito menos pelos profissionais de saúde. Durante a consulta pré-natal, o profissional de saúde que atende essa mulher, talvez o único contato dela com o sistema de saúde, tem a oportunidade de identificar casos de violência. Entretanto, antes de fazer perguntas sobre violência, deve garantir um ambiente seguro e de confidencialidade, buscando estabelecer relações de confiança e conhecer toda a rede de atenção à mulher vítima de violência para os encaminhamento necessários. Embora a violência seja multi-causal e de difícil abordagem, o profissional de saúde, ao buscar dialogar com a gestante sobre relacionamentos, filhos, lazer e a própria percepção da gestante sobre sua gravidez, deve estar sempre atendo para captar respostas que indicam situações de violência. Na atenção básica, alguns relatos têm mostrado experiências valorosas no enfrentamento da violência contra a mulher por parte da enfermagem. Um desses relatos aponta o acolhimento e a escuta como fatores importantes de cuidado, pois a mulher, ao perceber que pode contar com pessoas dispostas a ajudá-la, certamente se sentirá mais motivada a mudar sua realidade. Mostra também que estreitar o vínculo com famílias vulneráveis à violência doméstica tem ajudado a diminuir os abusos por parte do companheiro, o qual também percebe que a mulher não está só e que seu comportamento é sabido por outros¹¹. No entanto, é através de espaços de debates sobre a ocorrência e importância, da capacitação dos profissionais e da construção de novos saberes VI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERM AGEM OBSTÉTRICA E NEONATAL _____________________________________________________________________________________________________ acerca da violência na gestação que essa violência se torna visível. O profissional de saúde encontra-se em posição privilegiada, pois, na maioria das vezes, independentemente da situação de violência que a mulher vivenciou, ou mesmo como ela se encontra, o serviço de saúde é o lugar que a mulher elege para buscar ajuda. CONCLUSÕES Ao final da apresentação deste panorama da violência que incide sobre a mulher grávida pelo parceiro, é possível registrar aspectos fundamentais para dar continuidade à discussão desse tema, quer seja nos serviços, no levantamento de outros dados e/ou em espaços de debate coletivo. Enfim, é preciso que essa temática seja ainda mais discutida e analisada pelo setor saúde e pela enfermagem, pois o abuso praticado contra a mulher grávida tem prevalência considerada e em geral traz serias conseqüências à mãe e ao filho. Nesse sentido, o setor saúde desempenha hoje um importante papel na detecção, divulgação e combate dessa violência, ou mesmo na redução de problemas de saúde reprodutiva relacionadas à violência. É para lá que as gestantes se encaminham em busca de atendimento, e nesse momento o profissional deve estar atento aos sinais presentes ou sugestivos de violência, dando especial atenção à escuta e ser conhecedor da rede de atenção para o enfrentamento da violência, a fim de poder orientar e fazer os encaminhamentos necessários. REFERENCIAS 1. Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes. 1ª ed. Brasília (DF); 2004. 2. Audi CAF, Corrêa MAS, Latorre MRDO, Santiago SM. Associação entre violência doméstica na gestação e peso ao nascer ou prematuridade J. Pediatr. (Rio J.) 84(1) Porto Alegre jan./fev. 2008. VI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERM AGEM OBSTÉTRICA E NEONATAL _____________________________________________________________________________________________________ 3. Stewart DE, Cecutti A. Physical abuse in pregnancy. Can Med Assoc J 1993;149(9):1257-63. 4. Doubova SV, Pámanes-González V, Billings DL, Torres-Arreola LP. Violencia de pareja en mujeres embarazadas en la Ciudad de México. Rev. Saúde Pública [periódico na Internet]. 2007 Ago [citado 2009 Maio 17]; 41(4): 582-590. Disponível em:http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489102007000400012&lng=pt. doi: 10.1590/S0034-89102007000400012. 5. Menezes TC, Amorim MMR, Santos LC, Faúndes Al. Violência física doméstica e gestação: resultados de um inquérito no puerpério. Rev. Bras. Ginecol. Obstet. [serial on the Internet]. 2003 June [cited 2009 May 17] ; 25(5): 309-316. Available from:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010072032003000500002&lng=en. doi: 10.1590/S0100-72032003000500002. 7. Monteiro CFS, Costa NSS, Nascimento PSV, Aguiar YA. A violência intra-familiar contra adolescentes grávidas. Rev. bras. enferm. [periódico na Internet]. 2007 Ago [citado 2009 Maio 17] ; 60(4): 373-376. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003471672007000400002&lng=pt. doi: 10.1590/S0034-71672007000400002 8. Organização Panamericana de Saúde- OPS. Informe Mundial Sobre la Violência y la Salud. Washington (USA); 2002. 9. Day VP, Telles LEB, Zoratto PH, Azambuja MRF, Machado DB, Silveira MB, et al. Violencia doméstica e suas diferentes manifestações. R. Psiquiatr, 2003; 25 (suplemento 1): 9-21. 10. Medina ABC, Penna LHG. A percepção de enfermeiras obstétricas acerca da violência intrafamiliar em mulheres grávidas. Texto contexto - enferm. [periódico na Internet]. 2008 Set [citado 2009 Maio 17] ; 17(3): 466-473. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010407072008000300007&lng=pt. doi: 10.1590/S0104-07072008000300007 VI CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERM AGEM OBSTÉTRICA E NEONATAL _____________________________________________________________________________________________________ 11. Biehler CM. A enfermagem frente à violência doméstica: experiência em Unidade de Saúde. In:Luz AMH, Mancia JR, Motta MGC. As amarras da violência: a família, as instituiçõese a enfermagem (organizadoras). Brasília: ABEN, 2004. 128-134.