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Dez anos, de quê? Por Eugenio Pereira de Paula Júnior1 Parte I Em 2013 comemoro duas coisas; 10 anos no Curso de Psicologia e 20 anos de docência oficial. Quem me conhece e descobri que são poucos de vocês, e me acompanha nesta trajetória, sabe meu posicionamento crítico quanto à formação do Psicólogo e inicialmente eu havia pensado em começar por uma leitura crítica destes dez anos. Porém, já estou cansando deste papel de “do contra” e de ser o “torto” neste curso. Então vou tentar fazer esta fala de uma forma mais “comemorativa” e deixar a crítica mais no meio, nem no começo nem no fim. Farei isso com uma ajuda de Edgar Alan Poe e seu corvo, do qual extraí a seguinte passagem; Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter, In there stepped a stately raven of the saintly days of yore. Not the least obeisance made he; not an instant stopped or stayed he; But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door Perched, and sat, and nothing more. (E.A. POE, 1854). Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça, Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais. Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento, Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais, Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais, Foi, pousou, e nada mais. (POE tradução de F. PESSOA, 1924) Adaptando aqui e ali, fica que esse corvo, não eu, mas da crítica à formação do Psicólogo, me acompanha de longa data e sempre invade os espaços quando falo aos psicólogos que sua formação sempre estará aquém do que se precisa. E eis que ele 1 Texto apresentado na Mesa redonda: 10 anos do curso de Psicologia das Faculdades Dom Bosco. entra e se aloja nos umbrais desta sala, e que, ao invés de ser o busto de Palas Atena, fosse o de Psichê, mas deixemos ele ali, no momento oportuno ouviremos seu crocitar. Dado este preambulo farei assim; Para a primeira parte selecionei 10 frases de Psicólogos famosos, uma para cada ano, com uma pequena reflexão pessoal. Depois, já lá pelo meio, ouviremos o corvo e, quiça, nos livraremos dele... Por fim farei uma análise destes 10 anos com uma pergunta para cada ano e, talvez, possamos respondê-las hoje ou... nos próximos 10 anos. Então, começando pelas frases (atribuídas a esses autores); 1- Tudo aquilo que não enfrentamos em vida, acaba sendo nosso destino (C. G. JUNG). Esta frase me fez pensar quantos alunos fugiram de minhas aulas ou de desafios mais nobres, eis minha dica, não temam a nada, e tudo poderão enfrentar. 2 - Eduque-o como quiser; de qualquer maneira há de educá-lo mal. (S. S.FREUD). Nossa ambição ou simples desejo de educadores é dar-lhes a melhor formação, mas parece que estaremos sempre aquém do que vocês e a Psicologia merecem... 3 - A educação é aquilo que sobrevive depois que tudo o que aprendemos foi esquecido (B. F. SKINNER). Olhando as duas frases, e pensando um pouco, vejo que não é fácil ser educador, né? 4 - Se lhe for dada a escolha entre uma biblioteca e uma luta, sem dúvida você irá a luta. (W. REICH). Não é para deixa-los com remorso, mas penso que nestes 10 semestres você poderia ter ido uma vez mais na biblioteca e uma vez menos na balada, uma coisa importante em Psicologia é encontrar o equilíbrio. 5 - Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face (J. L. MORENO). Embora sejamos psicólogos, poucas vi e vejo isso entre nós mesmos psicólogos, pessoas e humanos. Trocamos o face à face pelo “Face”... 6 – "O conteúdo da maioria dos livros didáticos é perecível, mas as ferramentas de autodirecionamento (autonomia) servirão bem ao longo do tempo” (A. BANDURA). Aqui assenta-se um grande desafio aos educadores e psicólogos de plantão. Precisamos aprender a pensar e agir como psicólogos e não apenas recitar a história ou técnicas da Psicologia que lemos nos livros. 7 – É mais fácil lutar por princípios do que aplicá-los. (A. ADLER). Vejam que esta ideia corrobora a anterior, de Bandura, pois pelos livros aprendemos apenas a defender linhas teóricas ou conceitos psicológicos, mas pouco sabemos da sua aplicação. 8 – A ciência esta muito mais envolvida com a criação e o desenvolvimento de zonas de sentido do que uma apreensão finalista da realidade (F. Gonzáles REY). Penso que o Prof. Fernando fecha bem essa trilogia, que esta na hora, como sempre esteve, de superarmos o conhecimento pronto, acabado e consumível para seguirmos em direção de uma práxis, transitória e criadora de novas realidades. 9 – "É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade..." (Nise da SILVEIRA). Se precisamos ou quisermos ser agentes de mudança deveríamos ser como foi Nise da Silveira. 10 – Toda unanimidade é burra (N. RODRIGUES). Concordam com isso? Sei que Nelson Rodrigues não tem diploma de psicólogo, mas nosso diploma seria um pouco menor se não lêssemos um pouco daquele que soube ler, de forma grandiosa, a alma humana “pelo buraco da fechadura...” (como Nelson se definia). Parte II Agora sim, uma vez que cheguei ao meio da apresentação, não vou me furtar ao que tenho me dedicado nestes 20 anos de profissão e outros tantos de vida. Porém não desenrolarei aquele rosário de críticas, que para muitos parece apenas pessimismo, mas que entendo ser o ponto de partida na busca de sua superação e não, como ouvi neste ano, apenas para polemenizar. Nestes 10 anos aqui vi, tristemente, a Psicologia e a Educação dobrando-se à lógica e aos ditames do capitalismo ou, pior ainda, à perversão do capitalismo, que mercantiliza tudo e sempre justificada pela frase “mas o sistema é assim”. Começo com Eduardo Costa; "Na primeira noite eles se aproximam, roubam uma flor do nosso jardim e não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada." (Eduardo Alves da Costa - No caminho com Maiakóvski, 1985) Pensei que a missão da Psicologia e do psicólogo fosse o enfrentamento disso, ainda mais depois da resolução 02/2006, que trata do juramento do psicólogo que diz; "Como psicólogo, eu me comprometo a colocar minha profissão a serviço da sociedade brasileira, pautando meu trabalho nos princípios da qualidade técnica e do rigor ético. Por meio do meu exercício profissional, contribuirei para o desenvolvimento da Psicologia como ciência e profissão na direção das demandas da sociedade, promovendo saúde e qualidade de vida de cada sujeito e de todos os cidadãos e instituições." (CFP, 2006) E já fazem cinco anos que esse compromisso é assumido pelas turmas que se formam; Isto posto nosso corvo volta ao umbral desta sala e ficará, ali, nos olhando e, quem sabe, vez ou outra, ouviremos algum crocito seu. Parte III Levanto aqui 10 perguntas, uma para cada ano, e vejamos com lidamos com elas; Pergunta 1 – Não poderia deixar de ser aquela feita pelo profa. Carolina Martuscelli Bori quando da visita para autorização da abertura deste curso. Que psicólogo vocês querem formar aqui? Um psicólogo com formação científica ou de senso comum? Como estamos respondendo isso nestes 10 anos? Pergunta 2 - Nestes 10 anos uma disputa tem sido muito árdua. Pois há vinte anos venho ouvindo e lendo dos grandes educadores que o “bom professor não deve dar aulas, mas fazer, nas aulas, com que o aluno pense com autonomia e liberte-se da relação de dependência do docente”, mas na mesma intensidade ouço a frase “você tem que nos dar aula!” ou “eu vim aqui para assistir aula”. Então fico pensando, quem será que está certo? os alunos/clientes ou os educadores/pensadores? Pergunta 3 – Estamos atingindo o perfil do egresso, descrito no portal da faculdade? Vocês sabem do estou falando, né? Isso mesmo da: “Formação de profissionais que reconheçam a diversidade teórica, conceitual e metodológica que marca a Psicologia como campo científico e suas claras implicações para a prática profissional do psicólogo. Formação de profissionais com postura crítica, capacidade de problematização e investigação para a busca de soluções. Produção e socialização de um saber comprometido com as necessidades de desenvolvimento psicossocial da população, em especial com segmentos populacionais excluídos de benefícios e serviços fundamentais a um padrão de vida digno” (DBES, 2013). Resta agora definir o que é “diversidade, postura crítica, saber comprometido e desenvolvimento psicossocial”, para saber se estamos respondendo essa pergunta. Pergunta 4 – Nestes 10 anos os cursos de Psicologia aumentaram vertiginosamente, será que a qualificação profissional aumentou na mesma proporção? Pergunta 5 – Voltando ao nosso juramento; qual tem sido nosso serviço para a “sociedade brasileira”, sabemos o que é “qualidade técnica, rigor ético e qualidade de vida”? Pergunta 6 – Porque a cada ano vejo os alunos cada vez mais descrentes e desrespeitosos com a sua formação e educadores cada vez menos crentes com seu trabalho? Ou de outra forma, quem de vocês tem como meta profissional ser professor? Que sintoma é esse? Pergunta 7 – Qual foi a maior contribuição que eu (individualmente) dei para cada um dos 159 Psicólogos que se apresentou na minha frente como aluno/cliente neste tempo? Pergunta 8 – O que acontece com vocês alunos/clientes nestes 10 semestres? Pergunta 9 – O que estão fazendo os (11) primeiros psicólogos formados? Como será que eles responderiam a pergunta da Profa. Carolina Bori? Pergunta 10 – Quantas crianças de Morretes tiveram seu destino orientado para o sucesso? Quantos casamentos foram salvos, quantos abusos foram evitados, quantos filhos reencontraram com seus pais e irmãos com a ajuda de nossos alunos, quantos empregos foram conquistados, quantos pacientes hospitalizados foram agraciados por nossa competência? A quantas famílias oferecemos um alento e a esperança de outro futuro? Espero não ter esgotado as questões que estes dez anos suscitaram... Por fim desejo ver, nos próximos dez anos, que a lógica capitalista e a sociedade moderna sejam suplantadas pelos fundamentos da Psicologia e pelos quatro saberes da UNESCO, sendo assim; 1 - que saibamos Psicologia; 2 - que saibamos fazer psicologia; 3 - que saibamos ser psicólogos e; 4 - que saibamos conviver como Psicólogos, para conduzir nossa profissão em direção à uma outra sociedade, bem melhor do que esta que testemunhamos nos últimos dez anos. Voltando à pergunta tema desta mesa; dez anos de quê? Consigo responder assim. Dez anos de trabalho duro, dez anos de alegrias e satisfações, dez anos de frustrações e decepções, dez anos de conquistas e reconhecimentos pessoais e profissionais, dez anos de esperança nas próximas gerações que, apesar da ingenuidade que achar que a vida é fácil, serão capazes de vencer os desafios futuros. Parabéns Psicologia Dom Bosco!