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comparação com a métrica observada nos desenhos que constam do projecto original85. Observem-se então, os princípios de composição do projecto de António Varela. 6.4.2.2. A bandeira do pórtico de entrada da administração Como foi referido anteriormente, através das observações efectuadas no local, foi possível confirmar, no que diz respeito ao aspecto formal do conjunto do edificado, a utilização de uma “lógica elementar e purista das linhas horizontais e verticais” (Fernandes, 1993, p.58), e na qual se destacam pontualmente alguns elementos iconográficos, como os logótipos da empresa colocados a baixo-relevo nas platibandas das fachadas e sempre presentes de qualquer ponto de vista do exterior. Efectivamente, são facilmente observáveis, no desenho geral do conjunto, certos princípios modernistas preconizados por António Varela por esta altura, ao encontro da contenção e sobriedade na utilização das linhas, dos efeitos cromáticos, dos materiais e das texturas, numa linguagem onde impera essa ideia dos «grandes lisos»86. 85 “A geometria, diferentemente da medida, é auto-reguladora e quaisquer erros podem ser vistos imediatamente.” In PENNICK, Nigel, Geometria Sagrada – Simbolismo e intenção nas estruturas religiosas, Editora Pensamento, São Paulo, 1998 [seg. ed. original, Sacred Geometry – Symbolism and Purpose in Religious Structures, 1980]. 86 Segundo uma expressão de Carlos Ramos, pela mesma época. V. supra, 3.3.2. 303 A ornamentação do conjunto edificado resume-se apenas às intenções publicitárias do conjunto iconográfico dos logotipos da empresa, a alto-relevo nas fachadas do exterior, assim como no interior. No total, os logotipos encontrados são apenas dois: o primeiro logotipo da empresa e o segundo, posterior ao primeiro na data de sua concepção. O primeiro apresenta-se sob forma de «diamante» hexagonal em Fig. 237 – Lázaro Lózano, AEL, primeiro logótipo da empresa, por cima da entrada da baixo-relevo, incorporando as inicias da empresa em perspectiva cónica administração [foto de com dois pontos de fuga. Data da fundação da empresa nos Anos Vinte e 1999]. foi criado por Lázaro Lózano [fig.297]. O segundo apresenta-se sob forma de um triângulo representando uma vela latina, em cima, e o seu respectivo reflexo na água, estilizado por linhas horizontais, em baixo, sendo o todo englobado por um círculo que confere unidade ao conjunto. É posterior ao segundo, e data aproximadamente da segunda parte dos Anos Vinte, tendo sido criado por Fig. 238 – Lázaro Lózano, Lázaro Lózano87. Normalmente apresentado em artes gráficas sob fundo empresa, na platibanda branco, surge na fachada da secção de fabrico com fundo amarelo [fig. 238] e na fachada da secção de cheio a branco com contorno azul. AEL, segundo logótipo da da fachada da secção de fabrico [foto de 1999]. Este segundo logotipo foi maioritariamente utilizado pela empresa, substituindo o primeiro na maior parte dos suportes onde foi utilizado (fábricas, embarcações, latas, publicidade, etc.)88, pelo que se depreende com natural evidência a sua utilização sistemática no projecto de António Varela em Matosinhos. Já o primeiro apenas surge na fachada exterior, por cima da entrada da administração, junto à Praça Passos Manuel, assinalando as iniciais da empresa: «A.E.L.» [fig.237]. 87 88 V. supra, 6.1.e fig.170. Ibidem. 304 Contudo, ao se acederem os degraus de acesso ao átrio da administração89, depara-se ao observador outra figura, aparentemente em nada comparável com qualquer tipo de imagens veiculadas pela empresa noutro locais [fig.239-240. Fig. 239 – Metrologia da Trata-se da anteriormente referida bandeira do pórtico que delimita o interior do edifício do átrio exterior com saída para a praça Passos Manuel. bandeira do pórtico da administração [foto de 1999]. O conjunto do átrio é assim composto pelo vão da porta [fig.241] colocado debaixo do vão superior, sendo este mais largo do que o vão da porta, constituindo a sua bandeira [fig.239-240]. Esta bandeira apresentava-se com secções de vidro, actualmente destruídas, intercaladas no suporte da caixilharia em cimento anteriormente referida. Convém referir que este desenho da bandeira é inexistente em toda a iconografia da empresa, não se encontrando nenhuma analogia com quaisquer das outras imagens veiculadas por esta, tanto no que respeita outras unidades fabris anteriores, assim como na sua frota, publicidade, objectos diversos, etc. Neste contexto, pertence unicamente à fábrica da autoria de António Varela, e parece enquadrar o logótipo da empresa numa Fig. 240 – Metrologia da configuração geométrica mais complexa. administração [foto de 1999]. bandeira do pórtico da Destas considerações surge uma primeira pergunta: qual a razão que terá levado Varela a utilizar um desenho aparentemente diferente, quando o próprio emprega sistematicamente o principal logotipo da empresa na composição geral do projecto90? Sendo a empresa detentora de uma imagem de marca «forte e depurada»91, integrando um «espírito moderno» 89 À data de elaboração do nosso levantamento efectuado em 1999 e até à presente data permanece esta entrada da fábrica pela praça Passos Manuel completamente murada (tal como o resto dos acessos ao interior de todo o quarteirão, assim vedados devido ao seu estado de ruína), e é impossível a sua visualização a partir da rua. Nestas condições, o seu acesso e completa observação apenas se pode efectuar pelo interior, através de um acesso à AEL pela Rainha do Sado, que comunica no seu interior com os armazéns de 1941. 90 Assinale-se que este desenho da caixilharia não consta do desenho do alçado da administração entregue por Varela com vista a aprovação do projecto, em 1938. No entanto, apesar de não ter sido encontrado nenhum desenho de pormenor do autor sobre este desenho da caixilharia em particular, somos levados a considerar que devido a um grande número de analogias com outros desenhos encontrados neste e noutros contextos de obras comprovadas do autor, a evidência de sua paternidade poderá ser considerada como certa. 91 V. supra, 6.1 e 6.3.1. 305 veiculado por uma geração de artistas colaboradores, porque razão surge aqui este caso particular? Tendo em conta todo o cuidado aplicado pelo autor na imagem geral do edifício, revelando o seu espírito metódico e racional, não nos parece ser esta solução formal, – ainda mais tratando-se da “entrada nobre” do edifício – o simples produto de uma razão meramente ornamental, o que não parece fazer sentido se tivermos em conta o espírito de seu autor. Parece aqui ter existido uma intenção evidente ao colocar uma entrada de luz na parte superior deste vão, e, à primeira vista, a composição com base no elemento circular também parece estabelecer uma analogia evidente com o segundo logotipo da empresa, que também era ordenado com base no círculo [fig.170-238]. É também óbvia a integração do logotipo Fig. 241 – Metrologia da vão do pórtico empresarial, à semelhança dos exemplos de outras fábricas, como é da administração possível observar na entrada da administração da conserveira Pinhais, uma [foto de 1999]. das poucas unidades ainda em actividade em Matosinhos, situada alguns quarteirões acima. Contudo, o conjunto da caixilharia revela uma geometrização que se desenvolve para além do elemento circular que originalmente integrava o logótipo e ao qual este é manifestamente extemporâneo [fig.234]. Seria então necessário «compreender» esta figura geométrica que aqui surge «do nada», aparentemente sem qualquer vínculo residual, e que «emerge» de forma insólita exactamente no lugar mais representativo do espaço: a entrada da administração. Para compreender seria então necessário observar o seu traçado geométrico. 306 Fig. 242 – AEL, estudo metrológico da bandeira do pórtico de entrada da administração, com base no levantamento efectuado no local. Em termos gerais, pode considerar-se a caixilharia da bandeira uma composição de três momentos, representados por três formas geométricas regulares: um círculo, inserido num quadrado ladeado por quatro quadrados menores (um em cada canto), perfazendo o todo um rectângulo maior na sua periferia exterior. É uma composição regular, simétrica e concêntrica. Até este ponto revela-se o objecto em plena conformidade com os princípios compositivos do autor, no que respeita a utilização de formas puras, tanto tridimensional como bidimensionalmente, assim como pelo uso de um esquema concêntrico e unitário. Coloca-se deste modo a conjectura, equacionando o que de facto poderá ter presidido a esta insólita composição uma intenção do autor, ao assinalar, formalmente, uma presença simbólica de seu método compositivo, como forma de assinatura pessoal. Nesse caso estar-se ia então perante uma atitude ritualista, podendo assemelhar-se – embora sem um carácter «vinculativo» –, à tradição do ofício do artesão, perante a qual este assinava a obra feita e da qual são exemplo as siglas ou marcas dos pedreiros medievais92. 92 «Les marques d’appartenance», ou marcas de obediência, segundo designação de Franz Rziha: veja-se a este respeito RZIHA, Franz, Études sur les marques des tailleurs de pierre – La Géométrie secrète – l’histoire, les rites & les symboles des Compagnos tailleurs de pierre du Saint-Empire Romain Germanique & de la Grande Loge de Strasbourg, ed. francesa: Éditions de la Maisnie/La Nef de Salomon, Paris, 1993, [segundo a edição original alemã de 1883]. 307 Seguindo esta analogia, convém relembrar alguns estudos efectuados sobre este assunto, tendo-se verificado uma regra segunda a qual uma sigla pessoal é composta com base numa rede, matriz ou traçado regulador, correspondente à «casa-mãe», corporação ou confraria à qual cada indivíduo pertenceria. Através deste sistema codificado também era possível reconhecer e contabilizar o trabalho pessoal realizado numa obra colectiva. Nos finais do século XIX, Franz Rziha elaborou um extenso estudo pioneiro sobre marcas de pedreiros, considerando duas grandes categorias que integravam diferentes tipologias: Rziha também distingue na sua obra dois grandes tipos de marcas: as marcas «utilitárias» e as marcas de «obediência»93. Por analogia, considerando o carácter tanto pessoal como simbólico da marca de António Varela na bandeira do pórtico de entrada da administração da fábrica, somos levados a colocar a hipótese de defini-la com um duplo carácter: utilitário e simbólico. Utilitário, porque pode ser considerada como uma marca de origem, designando o próprio autor; simbólico, porque designante de um sistema hierofânico, logo sagrado em essência, pertencente a um sistema geométrico canónico em particular94. Pelos exemplos encontrados na obra do António Varela, tudo leva a crer que este «padrão» pode entender-se como uma forma de «assinatura» do autor nas suas composições, no que poderá dizer respeito a pelo menos determinado período de sua carreira. Para além de outros projectos de sua Fig. 243 – AEL, vista frontal da bandeira do pórtico da 93 Segundo Franz Rziha, estas tipologias estruturam-se do seguinte modo: 1) nas marcas utilitárias: a) as marcas de propriedade, que designam o proprietário; b) as marcas de origem, designando o autor do objecto; c) os sinais comerciais, que identificam o objecto durante o seu transporte; d) os ideogramas científicos, de carácter matemático, geométrico, astronómico, químico, etc.; e) os símbolos de manipulação na obra, sendo estes portanto os símbolos habitualmente utilizados pelos operários par indicar a colocação das peças no seu devido local da obra, tais como utilizadas pelos carpinteiros ou pelos pedreiros; f) os sinais secretos ou numerados, utilizados como escrita ou sistema codificado. 2) nas marcas de obediência: a) as marcas pessoais, utilizadas por diversas pessoas, fosse para marcar a sua designação específica de obediência a uma determinada loja ou confraria, fosse como forma de “cachet” actual; b) as marcas de família, utilizadas maioritariamente pela burguesia, como símbolo da casa ou da propriedade familiar, como contraponto aos símbolos heráldicos utilizados pela nobreza; c) os sinais do domínio da simbólica, e em particular as formas geométricas de estrutura regular e concêntrica: o círculo, o triângulo, o quadrado, o hexagrama, o pentagrama, etc, assim como as suas composições. Idem, ibidem, pp.1-2. 94 V. infra, 6.4.2.2.1. administração. 308 autoria nos quais foi possível identificar o mesmo «modus operandi»95, poderá ainda assinalar-se o único quadro assinado pelo próprio [fig.244] – e simultaneamente talvez o mais enigmático –, no qual se pode observar um padrão geométrico similar ao da bandeira do pórtico [fig.243], e que se apresenta sob modo de «óculo»96. Fig. 244 – António Varela, guache sobre papel (ass. “António Jorge”, s.d.) Existem indícios que podem levar a considerar esta singular composição como um auto-retrato do período de juventude, pintado por volta de finais dos Anos Dez ou princípios de Vinte, onde a atmosfera é mais uma vez preenchida por traços de melancolia ou um eventual sentimento de «perda», numa personagem enigmática que olha para fora do quadro como quem interroga ou escuta a obscuridade, numa paisagem deserta e sob um horizonte quase imperceptível de uma floresta densa, numa vigília próxima da atmosfera lunar ou paulista que também parece sobressair do seu retrato pintado por Eduardo Viana [fig.50]. Os signos são «densos», mas os seus significados poderão ser múltiplos. Seja como for – auto-retrato, ou não? –, os limites da sua interpretação tornam-se especulativos (o onírico, a temática lunar, a palidez cromática, a vestimenta e a morfologia, etc.) pelo que nos fica a percepção sígnica da sua geometria. 95 V. infra, Cap.7: Outras obras à luz de uma mesma interpretação. Tema recorrente no projecto da Casa da rua de Alcolena. Veja-se a este respeito 7.4. A casa da rua de Alcolena e a colaboração com Almada Negreiros: maturidade e crepúsculo para um novo «começar». 96 309 Já por esse caminho pode considerar-se o seu simbolismo marcadamente em torno da figura do círculo, que parece ter sido uma verdadeira «obsessão» geométrica de Varela, tendo-se exprimido através de vários elementos na sua produção arquitectónica mais emblemática, onde se pode incluir – para além da fábrica de Matosinhos –, a Fábrica da Afurada, o Mercado de Coimbra, a Mirante e a Casa da rua de Alcolena97. Poderá mesmo parecer que, à semelhança de Jorge Segurado – na «adopção» icónica da figura do quadrado e do quadrado rodado –, terá Varela «adoptado» o círculo como sua «figura-mater», ou como sua «assinatura». Tais «signos» parecem sobretudo enquadrar-se nos processos de padronização dos «elementos geométricos psíquicos»98 que, pela mesma altura, Fernando Pessoa febrilmente estudou, não sendo de estranhar a identificação na obra de Varela de processos típicos do «grupo fechado» a que pertencia, à imagem de Almada Negreiros e Jorge Segurado. Sendo a simbologia do círculo esotericamente conotada como «uterina»99 ou «celestialmente unitária»100 , poderá talvez simbolizar a manifestação de quem o adoptou, ao querer «abraçar» uma «plenitude», ou uma reintegração espiritual do «ser». Não nos parece, de qualquer modo e no contexto psíquico e místico destas complexas personagens, um simples «fait-divers» a ignorar. Consequentemente, na evidência da mesma forma representada, poderá considerar-se o mesmo padrão geométrico utilizado por analogia; deste modo é possível abordar a sua observação conforme uma 97 No que designamos, expressamente, como a «família simbólica» das obras do autor. Veja-se a este respeito o Capítulo 7: Outras obras à luz de uma mesma interpretação. 98 Cf. FREITAS, Lima de, Pintar o Sete: ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, Colecção Arte e Artistas, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1990, p.57 [1ª Ed. 1977]. V. supra, 2.5. De Pessoa a Almada: «a invenção do dia claro» como legado hermético na construção da modernidade portuguesa, nota 49. 99 Veja-se a este respeito DURAND, Gilbert, Les structures anthropologiques de l'imaginaire – introduction à l'archétypologie générale, Dunod, Paris, 1992 [1ª ed. 1960] e idem, Beaux-arts et archétypes – la religion de l’art, Presses Universitaires de France, Paris, 1989, entre outros. 100 Idem, ibidem. 310 metodologia de Geoffrey Broadbent101 , segundo o qual o processo de analogia pode manifestar-se através de dois modos: 1) por processo da Razão, pelo estudo das relações canónicas. 2) por processo da Metáfora, pelo estudo das relações icónicas. Através desta estrutura é possível observar que o desenho canónico decorre do processo de analogia da razão, enquanto que o desenho icónico decorre da analogia da metáfora. Contudo, tal não significa que a determinado desenho canónico não corresponda uma conotação metafórica ou mesmo simbólica, enquanto portadora de um ou de múltiplos significados, seja por intenção deliberada do seu transmissor, seja pela possibilidade de interpretação livre, o que é inerente à propriedade de transmigração não restritiva do seu potencial conteúdo. Importa referir que qualquer estudo de um elemento geométrico torna-se objectivo por via canónica, e subjectivo por via icónica, sendo o processo de analogia o meio de análise operativa ou especulativa, ou ainda complementar, consoante o caso. Devido às suas propriedades operativas particulares, as figuras geométricas puras, (triângulos pitagóricos e sólidos platónicos, por exemplo) eram consideradas desde a Antiguidade como manifestações da ordem do Cosmos, por transferência do mesmo arquétipo: a manifestação do «Uno Divino» no espaço físico. Icónicamente e canonicamente, foram Fig. 245 – Piet Mondrian, também um tema recorrente da modernidade plástica por via do linhas e cinza, óleo sobre Composição com quatro tela, 1926. 101 Veja-se a este respeito BROADBENT, Geoffrey, e al., Metodologia del diseño arquitectónico, Editora Gustavo Gili, Barcelona, 1971, e BROADBENT, Geoffrey, Design in Architecture. Architecture and the Human Sciences, David Fulton Publishing, Londres, 1988. Muito embora o autor estabeleça ainda outros critérios de análise ao processo de concepção do desenho arquitectónico, retemos estes dois (razão e metáfora), dentro do quadro do estudo canónico e icónico das obras de António Varela, assim como pelo que permitem uma aproximação à reflexão almadiana, entre o Logos e o Mito (v. supra, 2.5: De Pessoa a Almada: «a invenção do dia claro» como processo de construção da modernidade portuguesa, e infra, Cap.7: Outras obras à luz de uma mesma interpretação). 311 abstraccionismo geométrico, na exploração dos seus limites cognitivos e meta-simbólicos102 [fig.245-248]. Assiste-se, no presente caso particular da «marca» de António Varela, a uma transferência de um mesmo arquétipo, pela dupla analogia de uma entidade simultaneamente icónica, mas também, como tudo leva a crer, canónica. Vejamos então e em primeiro lugar, a questão do Cânone. 6.4.2.2.1. Estudo do Cânone Deste modo, tendo em conta que os objectivos desta parte se enquadram no estudo de «representação» da fábrica, procurou-se o traçado regulador subjacente à composição do desenho da bandeira do pórtico da administração, no sentido de se compreender o «modus operandi» do autor na composição geral da fábrica. Como foi referido, o desenho da bandeira é uma figura regular, simétrica e concêntrica; assim sendo, somos confrontados, à partida, com duas constatações: Em primeiro lugar, de que se trata de uma estrutura polar103 [fig.246], com base no círculo inscrito. 102 Sobre a questão mítico-simbólica e os ideais teosóficos de Piet Mondrian, veja-se o Cap.3, nota 78. 103 Segundo Matila Ghyka, deve-se a Ernst Moessel a divulgação, no século XX, de uma teoria combinatória, denominada por hipótese de Moessel, na sua obra Die Proportion in Antike und Mittelalter, [ed. C.H.Beck, Munique]. Esta teoria de Moessel apresenta-se, segundo Ghika, como um ponto de vista prático e racional, e consiste na partição ou segmentação polar do círculo fundamental ou círculo de orientação. Graças a este sistema de verificação ou ajuste proporcional gráfico, é possível, de certo modo, sintetizar e conciliar as leis da analogia, da repetição da forma fundamental, da identidade e da variedade, do Igual e do Semelhante: “distintas denominações de um mesmo princípio ou de uma mesma comprovação, derivam, com efeito, dos conceitos de simetria e de analogia, tal como os entendiam os antigos. (...) A proporção geométrica (...) significava para eles, o mesmo que em Vitrúvio, ou seja, a comensurabilidade entre o todo e as partes, correspondência determinada por uma medida comum entre as diferentes partes do conjunto, e entre estas partes e o todo (é a definição de Vitrúvio, e a palavra simetria conserva, de todo diferente da sua significação actual, desde os finais do século XVII).” [trad. do autor], In GIKHA, Matila C., El Numero de Oro – ritos y ritmos pitagoricos en el desarrolo de la civilizacion 312 Em segundo lugar, de que se trata, igualmente, de uma estrutura reticular [fig.247], pela delimitação de um quadrado, sendo este inscrito num rectângulo maior. Este rectângulo incorpora ainda, quatro quadrados menores. Fig. 246 – Figura básica de uma estrutura geométrica polar. A forma de se poder desenhar com rigor uma trama polar e reticular simultaneamente, será sobrepondo as duas, mantendo o centro geométrico comum, o que decorre, por um lado, das propriedades geométricas do sistema polar e, por outro, da manifestação arquetípica da hierofania, ou «simbolismo do centro»104. Numerosos padrões, matrizes, ou sistemas com propriedades Fig. 247 – Figura básica de uma estrutura geométrica recticular. concêntricas foram estudados por vários autores de referência (Ernst Moessel, Frederik Lund, Jay Hambidge, Matila Ghyka, entre outros). Destas matrizes geométricas universais destacam-se duas principais, tendo sido inicialmente reunidas e publicadas por Franz Rziha em 1883 [fig.249], e apelidadas pelo autor como as «figuras-mãe» de todos os sistemas combinatórios da corporação medieval da Bauhütte105. Segundo Rziha, estas duas matrizes organizam-se segundo sistemas generativos, sendo estes, o sistema «Ad Quadratum106» e o sistema «Ad Triangulum». occidental, Editorial Poseidon, Barcelona, 1978, Primeiro volume – os ritmos, pp. 13 -14 [conforme a edição original francesa, Le nombre d’or]. Veja-se ainda a este respeito Cap.2, nota 74. 104 105 V. infra, 6.4.2.2.2. RZIHA, Franz, Études sur les marques des tailleurs de pierre – La Géométrie secrète – l’histoire, les rites & les symboles des Compagnons tailleurs de pierre du Saint-Empire Romain Germanique & de la Grande Loge de Strasbourg, ed. francesa: Éditions de la Maisnie/La Nef de Salomon, Paris, 1993, p.48 [segundo a edição original alemã de 1883]. 106 Sobre o sistema da quadratura, veja-se, em particular, LUND, F. Macody, Ad Quadratum, [2 vols.], ed. Batsford, Londres e ed. Morançé, Paris, 1922; a segunda parte, Ad Quadratum II, foi editada pela Aktiesel det Lundske Forlag, Farsund, Noruega. 313 Fig. 248 – Piet Mondrian, composição com traços cinzentos, óleo sobre tela, 1918. Fig. 249 – As quatro chaves da quadratura e as quatro chaves da triangulação, segundo o estudo de Franz Rziha sobre a Bauhütte,1883. Estas «chaves» [fig.249] terão evoluído no espaço e no tempo, de forma que foi possível a Rziha restabelecer os seus sistemas combinatórios do período renascentista, já com a integração de elementos circulares: daqui derivam o sistema quadrilobado e o sistema trilobado, de maior grau de complexidade – que se podem observar, a título de exemplo, na composição manuelina –, os quais não será necessário abordar no presente estudo107. Todo um sistema combinatório deriva destas duas «figuras-mãe», fundadas pela utilização sistemática do quadrado, do triângulo e do círculo. De acordo com Rziha, as siglas mais antigas remontam na sua utilização ao período romano e românico, tendo a sua origem no sistema da quadratura, pela simples divisão geométrica do quadrado. São por isso apelidadas de «figuras-mãe», com base na quadratura, e importa aqui especificar: a utilização do quadrado ou quadratura, decorre, ao longo do tempo, de quatro processos de utilização: 1). A divisão geométrica do quadrado [fig.250]. Fig. 250 – Divisão geomértrica do quadrado. 107 RZIHA, Franz, Études sur les marques des tailleurs de pierre – La Géométrie secrète – l’histoire, les rites & les symboles des Compagnons tailleurs de pierre du Saint-Empire Romain Germanique & de la Grande Loge de Strasbourg, ed. francesa: Éditions de la Maisnie/La Nef de Salomon, Paris, 1993, p.65 [segundo a edição original alemã de 1883]. 314 Por simples divisão do quadrado pelas suas diagonais principais formam-se quatro menores, traçando-se as suas diagonais internas formase uma «figura-mãe» na qual é possível integrar toda uma série de marcas lineares do período romano, românico e princípio do período gótico108. 2). A inscrição de quadrados menores em quadrados maiores ou princípio gráfico dos quadrados reduzidos [fig.251-252-253]. Este procedimento, também denominado de quadratura reduzida, constrói-se com base nas diagonais e linhas divisórias do quadrado de origem, obtendo-se um novo traçado que se pode expandir ad infinitum: é uma forma de potencialização da chave109 . 3). A rotação ou interpenetração dos quadrados ou princípio de rotação do quadrado de origem ou ainda princípio de interpenetração de Fig. 251-‐252-‐253 – Princípio gráfico dos quadrados da mesma dimensão [fig.254]. quadrados reduzidos ou quadratura reduzida, por Este traçado é facilmente observável em inúmeras tipologias potencialização. arquitectónicas concêntricas e octogonais, como por exemplo, no caso das cidades estrelares renascentistas ou nas charolas templárias. É ainda outra forma de potencialização da chave110. 4). A quadratura combinada [fig.255-256-257-258-259]. Fig. 254 – Princípio de rotação do quadrado de origem ou Ao retomar-se numerosas vezes a divisão, a redução e a rotação, obtêm-se figuras mais complexas que, no entanto, fazem coexistir as princípio de interpenetração de quadrados da mesma dimensão. propriedades geométricas das anteriores num mesmo padrão, no qual se podem arbitrar vários segmentos consoante a necessidade111 . Fig.255-‐256-‐257-‐258-‐259 – Exemplos de progressão da quadratura combinada. 108 Idem, ibidem, p.49. 109 Idem, ibidem, p.49. 110 Idem, ibidem, p.50. 111 Idem, ibidem, p.50. 315 O que significa que na quadratura combinada podem sintetizar-se dois princípios, designadas como potencializações da chave112: 1. O princípio da redução, por inscrição de quadrados menores em quadrados maiores ou princípio gráfico dos quadrados reduzidos [fig.260]. Fig.260 – Princípio de redução 2. O princípio de rotação, por interpenetração dos quadrados [fig.261]. Estes dois movimentos combinam-se geometricamente no que Fig.261 – Princípio de rotação poderemos convencionar de quadratura combinada de primeiro grau [fig.262]. É a partir do primeiro grau da quadratura combinada que podem construir-se outros níveis de complexidade, redefinindo os dois movimentos de redução e de rotação, tanto para o interior, como para o exterior (movimento de contracção e movimento de expansão) [fig.263]. Fig.262 – Quadratura combinada de 1º grau: sobreposição dos dois Este segundo grau é particularmente rico em propriedades geométrico-aritméticas, na medida em que permite a integração da movimentos anteriores num só padrão. récticula estática de razão 1/1 [fig.247] no sistema dinâmico da razão 1/√2 e que implicitamente decorre do princípio de rotação [fig.261], harmonizando, deste modo e num único e mesmo sistema operativo, o «mensurável» e o «incomensurável», integrando rectângulos √2 Fig.263 – Quadratura comensuráveis e em íntima relação com o quadrado e rotações angulares combinada de 2º grau: o primárias. [fig.263]. (interior) projecta os seus terceiro duplo quadrado vértices no primeiro duplo Assim se torna possível toda uma organização de esquematizações quadrado (exterior), reintegrando com este de carácter misto e de propriedades diversas: estático e dinâmico, movimento ternário a récticula mensurável e incomensurável, polar e recticular, etc., consoante as e dinâmico da razão √2, «necessidades» de composição do desenho. linear de 1/1 no sistema polar harmonizando o mensurável e o incomensurável. 112 Veja-se ainda este respeito, idem, ibidem, p.59. 316 Fig.264-‐265 – Sobreposição da vista frontal da bandeira da fábrica da AEL na quadratura combinada de 2º grau e esquema geométrico da sua caixilharia com base na mesma matriz. Como se pode observar pela sobreposição da vista frontal na matriz [fig.262], pode considerar-se possível que Varela tenha utilizado o método da quadratura combinada, na elaboração do desenho da caixilharia da bandeira da fábrica de Matosinhos [fig.264-265]. Esta matriz, padrão, «rede» ou «chave» parece, assim, constituir-se como a «figura-mãe» dos traçados reguladores que presidem aos mecanismos de pré-composição do autor, na organização do processo compositivo do desenho arquitectónico, como adiante se poderá verificar. 6.4.2.2.2. Estudo do ícone 6.4.2.2.2.1. Simbologia da quadratura A quadratura combinada de segundo grau [fig.88] tem um significado particular, pois estabelece analogias com vários exemplos de iconografia simbólica, em particular sobre a figura geralmente designada como o triplo recinto (Triple Enceinte ou Emblème des Trois Enceintes)113. Aqui tratamos da sua organização simbólica, não sendo o estudo abrangido pelo rigor geométrico, mas pelas analogias arquetipais que podem decorrer da manifestação da sua essência. 113 Sobre a Triple Enceinte ou Emblème des Trois Enceintes, veja-se CHARBONNEAU-LASSAY, Louis, L’Ésotérisme de quelques symboles géométriques chrétiens, Éditions Traditionnelles, 11, Quai Saint-Michel – Paris Ve, 1985, pp.1-3. 317 Embora seja impossível reunir em toda a sua abrangência este vasto tema em tão curto espaço, aqui se sintetizam algumas considerações, segundo alguns autores apontados como referências fundamentais na matéria. Se considerarmos os estudos levados a cabo por René Guénon e Louis Charbonneau-Lassay, consideram-se como sendo algumas das hipóteses mais prováveis do significado da «Triple Enceinte», desde os tempos mais remotos, a representação do Homem em diferentes estados de sua vida, ou ainda “une sucéssion de trois principaux degrés d’initiation” (Charbonneau-Lassay, p.7) 114 , tendo-se registado a sua presença em espaços tão diversificados como pedras neolíticas ou templos, como é o caso do Parténon ou do Templo de Saturno – assim o relata o filósofo Cébes, no século V a.C115 [fig. 265-267-268-269-270-271]. Platão também descreve a Atlântida como uma composição de três círculos concêntricos, ligados por pontes no sentido dos quatro pontos cardeais. O «Triplo Recinto» também é representado no simbolismo Fig. 266-‐267-‐268-‐269-‐270-‐ 271 – várias representações do triplo recinto em diferentes lugares e em judaico-cristão pela disposição espacial da Jerusalém Celeste, que seria diferentes épocas segundo composta, segundo o Apocalipse de S. João, “por uma planta baixa de De cima para baixo: disco formato quadrado e muralhas que formavam três vezes quatro portões” 116 (Jung, 1992, p.243) . Louis Charbonneau-‐Lassay. funerário ou roda solar em osso de uma sepultura merovíngia em Amailoux, dois grafites templários da Poderiam multiplicar-se ad infinitum as referências à mesma figura, torre de menagem do castelo de Chinon (1308); pois do ponto de vista da antropologia do imaginário, são numerosos os grafite sobre pedra da exemplos construídos ou simplesmente idealizados quando se trata de redonda de Loudun processos de esquematização de estruturas arquetipológicas universais. É a antiga torre de menagem (Viena)); decoração de uma das pedras da antiga Igreja mesma figura arquetípica que se encontra nas mandalas: as traduções de Ardin (St. André-‐sur-‐ tibetanas revelam o seu significado profundo apelidando-a literalmente de da quadratura reduzida, e centro. Segundo Jung, representam o «Eu» do Homem transposto para um plano cósmico de dimensão iniciática. Da mesma forma se encontram nos Sèvres) segundo o princípio grafite da Abadia de Seuilly (séc. XIV-‐XV). 114 CHARBONNEAU-LASSAY, Louis, L’Ésotérisme de quelques symboles géométriques chrétiens, Éditions Traditionnelles, Quai Saint-Michel – Paris Ve, 1985, p.7. 115 Idem, ibidem, pp.8-9. 116 JUNG, Carl Gustav, O Homem e os seus Símbolos, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1991 p.243. [ed. original: Man and his symbols, Dell Publisher, Nova Iorque, 1964]. 318 mitos indianos da criação do mundus, no mito da fundação da Roma quadrata117 descrita por Plutarco, assim como nas rosáceas românicas e góticas, como manifestação hierofânica: “Toda a construção, religiosa ou secular, baseada no plano de uma mandala é uma projecção da imagem arquetípica do interior do inconsciente humano sobre o mundo exterior. A cidade, a fortaleza e o templo tornam-se símbolos da unidade psíquica e, assim, exercem influência específica sobre o ser humano que entra ou vive naquele lugar.” (Id., ibid., p.242)118. Jung e o seu comentador Jolan Jacobi insistiram particularmente sobre a importância universal do simbolismo da mandala: Jung descreve o fenómeno do seguinte modo: “Estas coisas não podem ter sido inventadas, devendo ressurgir de profundezas esquecidas para expressar as mais elevadas percepções e as mais sublimes intuições do espírito, unindo assim o carácter singular da consciência moderna com o passado milenar da humanidade.” (Id., ibid., p.243). Segundo Gilbert Durand, discípulo de Gaston Bachelard, esta figura encontra-se ligada a toda uma simbólica floral, labiríntica, assim como ao simbolismo da casa, servindo de receptáculo dos deuses, sendo o próprio «palácio» dos deuses. Nas religiões monoteístas é assimilada à imagem do Paraíso, no centro do qual reina o deus supremo, e no qual o tempo é abolido por uma inversão ritual de transformação da terra mortal e Fig. 272 – pedra de Suèvres, corruptível em «terra de diamante» incorruptível, actualizando desta forma de Louis Charbonneaux-‐ a noção de «paraíso terrestre»119. período neolítico, desenho Lassay. 117 A descrição da Roma quadrata por Plutarco é interpretada por Jung da seguinte forma: “A cidade fundada sob esta cerimónia solene tinha uma forma circular. No entanto, a velha e famosa descrição de Roma refere-se à urbs quadrata, à cidade quadrada. De acordo com uma teoria que tenta explicar esta contradição a palavra quadrata deve ser entendida como quadripartida, isto é, a cidade circular dividida em quatro partes por duas artérias principais que corriam de norte a sul e de este a oeste . o ponto de intersecção coincidia com o mundus mencionado por Plutarco. De acordo com outra teoria, a contradição pode ser entendida como um símbolo, isto é, como a representação visual do problema matematicamente insolúvel da quadratura do círculo, que tanto preocupava os gregos e que deveria ocupar um lugar tão significativo na alquimia. Estranhamente, também Plutarco, antes de descrever a cerimónia do traçado do círculo por Rómulo, refere-se a Roma como Roma Quadrata. Para ele Roma era, a um tempo um círculo e um quadrado.” Idem, ibidem, p.242. 118 V. infra, 6.4.2.3. 119 Cf. DURAND, Gilbert, Les structures anthropologiques de l’imaginaire – introduction à l’archétypologie générale, Dunod, Paris, 1992, p.282. 319 Durand, que apesar de concordar com a interpretação holística de Jung, considera, no entanto, que a interpretação primordial da mandala deverá manter-se “plus mesurée et ne signifier que la quête d’un labyrinte initiatique” (Durand, 1992, p.282), sendo mais uma forma de suficiência da «intimidade psíquica» do que um movimento egocêntrico de afirmação. Nesse sentido, as concepções aritmológicas ou zodiacais da quadripartição do universo serão sempre subordinadas à figura mística da mandala como centro isomórfico do repouso «suficiente na profundidade» da psique120. 6.4.2.2.2.2. Interpretação aritmológica da bandeira do pórtico “Pour trois raisons, le ciel se manifeste rond. La première est semblance: parce que notre monde sensible est fait à la ressemblance du monde archétypique et ideal qui est dans l’entendement divin: et ce monde là n’a ni commencement ni fin. La deuxième est utilité: car parmi les corps isopérimètres, le sphérique est le plus approprié. Et puisque le monde contient toutes choses, cette figure lui convient. La troisième est nécessité: car si le monde avait une autre figure, triangulaire ou quadrangulaire, il s’ensuivrait que certaines places seraient sans corps, et certains corps sans place. Ce qui est impossible. Cela devient bien apparent dans les figures angulaires se mouvant alentour.” (Freitas, 1993, p.90) 121 O significado celeste da figura arquetípica do círculo encontra-se desta forma explicada pelo astrónomo e matemático português do século XVI: o céu é portanto redondo por «semelhança» arquetípica, por «utilidade» enquanto contentor, e por «necessidade». 120 Cf. idem, ibidem, p.282: mais «silenciosa», esta qualificação de Gilbert Durand parece enquadrar-se no perfil reservado e no modus operandi de António Varela. 121 NUNES, Pedro, Tratado da Esfera do Mundo, in FREITAS, Lima de, 515 Le lieu du mirroir – Art et numérologie, Albin Michel, Paris, 1993, p.90. 320 Na mesma linha de raciocínio, Lima de Freitas comenta que esta necessidade decorre da capacidade própria do círculo em inscrever os ângulos de todas as figuras geométricas concêntricas, pela razão de que o número de polígonos que se podem inscrever no círculo é infinito, assim como pelo facto dos polígonos simbolizarem, segundo o conhecimento pitagórico, toda a manifestação do Ser enquanto limite ou cristalização de uma das inesgotáveis possibilidades contidas no círculo: “Si l’on considère ainsi les divisions régulières du cercle, génératrices des polygones parfaits qu’il est possible d’y inscrire, et si l’on accepte leurs qualifications symboliques et métaphysiques comme découlant du nombre de côtés, de la valeur des angles et des proprietés géométriques de ces figures, on concevra aisément que les polygones réguliers constituent, en quelque sorte, des figures archétypiques «Qui sont dans l’intelligence divine» (ou tridimensionellement les polyèdres réguliers, appelés «corps platoniques»). Ensuite, on comprendra qu’elles règlent, à leur tour, en tant que modèles parfaits, l’apparition d’un nombre infini de figures imparfaites, précisément celles dont est composé le monde crée.” (Id., ibid., pp.90-91). É possível notar, através do estudo aritmológico, que o número de lados das figuras regulares ou perfeitas (ou o número correspondente de divisões iguais do círculo) traduz o arquétipo em correspondências numerais (assim como o traçado dos polígonos regulares o traduz em figuras geométricas)122. Do mesmo modo, é possível constatar que uma figura geométrica perfeita, assim como o número dos seus lados, exprime uma mesma realidade através de duas linguagens diferentes: a aritmologia estrutural e a aritmologia dimensional. A artimologia, como estudo da simbólica dos números e da geometria das formas simples, apresenta-se como um “ramo derivado do conhecimento matemático pitagórico donde retém todo o carácter simbólico e religioso” (Cunha, 1997, p.11). A aritmologia divide-se também em dois caminhos distintos: a aritmologia estrutural e a aritmologia dimensional, donde importa definir com mais exactidão estes dois termos: 122 Veja-se a este respeito, JOUVEN, Georges, Les nombres cachés, Dervy, Paris, 1978 e idem, La Forme Initiale – Symbolisme de l’Architecture Traditionelle, Dervy, Paris, 1985. 321 A aritmologia estrutural diz respeito ao estudo da simbólica das formas ou figuras geométricas simples ou regulares: a recta, o quadrado, o duplo quadrado, o círculo, os polígonos regulares, o cubo, a esfera “que pela sua pureza os arquitectos tradicionais utilizam para desenhar a estrutura das edificações, tanto em planta como nos planos elevados” (id., ibid., p.12), sendo “fisicamente observável por qualquer um que se disponha a fazê-lo.” (id., ibid., p.12). A aritmologia dimensional diz respeito ao “valor das cotas das medidas da aritmologia estrutural, expressa em números privilegiados em unidades de medidas sagradas” (id., ibid., p.211). Pela mesma razão, a aritmologia dimensional “só é perceptível aos que conhecem os números privilegiados e o valor das unidades em presença” (id., ibid., p.211). Se o estudo da aritmologia estrutural relativo à bandeira do pórtico da AEL pôde ser efectuado através das figuras 264 e 265, paralelamente, também será necessário ter em conta o seu estudo dimensional. Como foi anteriormente observado, a caixilharia da bandeira forma Fig. 273 – relação das um círculo inscrito num quadrado, que por sua vez se inscreve num unidades da bandeira da rectângulo maior, onde se podem observar quatro quadrados menores [fig. do Sol. AEL com o quadrado mágico 273]. Consequentemente, a mais pequena unidade observável à vista é aquela que forma os quadrados menores, o que significa que também é possível regular o conjunto por aquilo que parece constituir a unidade de base. Neste caso obtêm-se a leitura de um rectângulo de seis por quatro e, tendo em conta o seu traçado regular com base na quadratura, também se pode considerar o seu prolongamento numa figura quadrada com a mesma unidade de base: deste modo obtêm-se um quadrado de seis por seis, que 322 em aritmologia dimensional pode ser referente ao «quadrado mágico do Sol»123. [fig.274]. Através deste princípio, é fácil observar que o módulo deste quadrado, sendo composto por seis unidades de lado, integra no total 36 casas [6x6=36]. A soma interna de 36 é nove, sendo que o quadrado mágico de nove [3x3] é o primeiro de todos os quadrados mágicos. Contudo, o simbolismo do número nove é bastante complexo: com Fig.274 – quadrado mágico do Sol ou de Ouro. efeito, pelo estudo da aritmosofia verifica-se que quanto mais elevado for um número, maior o seu grau de complexidade, pelo que nos limitaremos a descrever as suas conotações simbólicas mais comums. Sendo nove a «totalidade dos princípios criadores»124, é também «3x3», ou seja, a tripla soma da Trindade, representando a manifestação divina em três planos: o Espírito, a Alma e a Matéria125. Outra conotação essencial do nove, intimamente ligada à anterior, reside no seu carácter de renovação de um ciclo, pois ele é oito (a plenitude da matéria) mais o Uno Divino, sendo de todos os sistemas de numeração o último número simples que marca o começo do desenvolvimento da série numérica: de facto, nove é o último ternário da série de números126 . Consequentemente, do ponto de vista metafísico, o nove representa a solidariedade cósmica, também expresso pela união do quatro (a forma, a matéria) com o cinco (o elemento formado, a fundação do reino, o pentagrama, o anima mundi). O nove será assim “a integração do ser na fonte comum de todos os seres” (Serro, 1997, p.104), ou ainda como definido por Duns Scott, (1273-1308): “relação extrínseca do corpo às partes do centro resultando da disposição das partes no corpo” (id., ibid., p.107), etc. 123 Veja-se a este respeito GANDRA, Manuel, Da face oculta do rosto da Europa – Prolegómenos a uma História Mítica de Portugal, Hugin, Lisboa, 1997, pp.128-129. 124 Veja-se a este respeito SERRO, Luís, O Número de Ouro como reitor da concepção arquitectónica, Universidade Lusíada, Lisboa, 1997, p.101. 125 Idem, ibidem, p.101. 126 Idem, ibidem, p.101. 323 Numa tentativa de síntese, é possível pensar que será sobretudo devido ao simbolismo do quaternário terreno aliado ao quinto elemento, que se poderá eventualmente entender a relação iconográfica entre o círculo e os quatros elementos quadrados, como arquétipo que preside à composição desenhada por António Varela. Com efeito, se o quatro é de facto entendido essencialmente como o simbolismo da terra, já o cinco corresponde ao elemento formado, ou seja, ao Homem como arquétipo supremo da criação. Do mesmo modo, e como o faz observar Carl Jung, se o quatro ou o quaternário surge na história dos símbolos como expansão do Uno, já a estrutura pentagonal do cinco coloca em evidência o Uno como centro do quadrado: a este respeito comenta Marie-Louise von Franz: “Cette quintessence ne vient pas seulement s’ajouter comme cinquième aux quatre éléments habituels, mais elle représente l’unité des quatre la plus raffinée et la plus subtilment spirituelle que l’on puisse imaginer. Elle est soit inicialement présente en eux et extraite d’eux, soit produite par la circulation de ces éléments l’un dans l’autre. Tandis que le pentagone, avec ses cinq angles, géométrise le nombre cinq dans sa force quantitative et additive, la quintessence est représentée par le quinconce comme centre de quatre.” (Freitas, 1993, p.93)127 Este significado do cinco representado como um quatro centrado marca a emergência da consciência do conhecimento que, simultaneamente, divide e distingue as diferentes polarizações da totalidade do «continuum» universal reunificando-as na visão do sujeito, ou seja, o ser humano consciente do «Anima Mundi»: “Le cinq est le centre du quatre. Le carré représente la totalité du royaume ainsi que chaque temple; on l’utilisait comme élément de base pour tracer tous les camps militaires et les plans des villes.”(id., ibid., p.93). 127 FRANZ, Marie-Louise von, Nombre et temps – psichologie des profondeurs et physique moderne, ed. La Fontaine de pierre, Paris, 1978, in FREITAS, Lima de, 515 Le lieu du mirroir – Art et numérologie, Albin Michel, Paris, 1993, p.93. 324 Símbolo da «quinta-essência» nas religiões orientais, também assim Fig. 275 – Consagração de foi considerado na tradição neopitagórica e neoplatónica no ocidente, como um altar dos cristãos número do conhecimento. Na tradição ocidental, o cinco, como símbolo da de Champeaux e Dom fundação do reino divino, preside e orienta a consagração do altar cristão. O altar constitui assim um microcosmo e a sua consagração no primitivos, segundo Gérard Sébastien Sterckx. macrocosmo, tanto pela disposição dos elementos como pela própria liturgia128 [fig.275]. “L’autel constitue un microcosme et sa consécration préfigure et commence de réaliser liturgiquement celle de l’univers. Par deux fois, le pontife trace sur la table d’autel cinq croix: nous savons que c’est le schéma de l’expansion spatiale; la première au centre, là où le ciel touche la terre, là où la présence divine se communique aux hommes et transmute la matière absolue transparente aux échanges spirituels; les quatre autres selon deux diagonales rayonnant en étoile autour du centre et joignant les coins de l’autel, dont la table rectangulaire tient lieu de la totalité spatiale. Pour la premier tracé, le pontife se sert d’eau bénite, et c’est à une purification qu’il procède: il refait le déluge et ramène le cosmos à son état préformel [...] il le baigne en même temps dans l’eau de vie et renouvelle le mystère de la genèse d’une nouvelle humanité issue de Noé [...] qui va repeupler la terre en rayonnant autour de l’autel élevé à Dieu sur la Montagne du salut où l’arche l’a abordé. La prière que le consécrateur récit alors exprime que tout cela est inclus dans le geste de Jacob dressant sa pierre, l’oignant et faisant d’elle un lieu de sacrifice et une porte du ciel. Ce qui fait le lien avec le second tracé des cinq croix, cette fois-ci avec l’huile dite des catéchumenes.” (id., ibid., pp.95-96)129. Fig. 276 – Pormenor de All Saints Church, Hawkhurst, Kent, Grã-‐ Pela observação do mesmo gesto arquetípico, o desenho de António Bretanha. Varela parece aparentar-se à representação dos quatro elementos e da quinta-essência, pela presença dos quatro quadrados menores e do círculo interior, representando os quatro elementos terrenos e a quinta-essência ou quinto elemento, o uno indivisível, como podem ser observados em numerosas composições mandálicas de disposição concêntrica segundo o «princípio do 4+1»130. De duas figuras apresentadas como exemplos, destacaríamos a primeira, pela proporção geométrica com base na quadratura [fig. 276] e a Fig. 277 – Estandarte de Las Navas de Tolosa, séc. XIII, Mosteiro de las Huelgas, Burgos, Espanha. 128 Idem, ibidem, p.95. 129 CHAMPEAUX, Gérard de, e STERCKX, Dom Sébastien, Introduction au monde des symboles, Éd. Zodiaqe, Paris, 1966, in idem, ibidem, pp.95-96. 130 Idem, ibidem, p.95. 325 segunda, pela sua semelhança ao nível da composição do círculo inscrito num quadrado ligados por quatro eixos ou «braços» [fig. 277], sem no entanto estes últimos cruzarem o interior do círculo, respeitando deste modo o princípio do «uno indivisível», regendo-se da mesma forma que o centro da cruze celta. Note-se ainda que a mandala musulmana integra no interior do seu círculo a quadratura combinada no primeiro grau. No caso da bandeira da A.E.L., do mesmo modo é possível considerar, que à metáfora iconográfica parece acrescentar-se a relação canónica, facilmente observável nesta mesma figura, que indica, no seu centro, a sua matriz: ou seja, o princípio da quadratura combinada. Mas se também se trata de um sistema canónico, seria necessário considerar a verificação da métrica do alçado do vão de entrada no seu todo pelo mesmo modus operandi, ou seja, através da observação da composição geométrica do autor, efectuada, como tudo leva a crer, com base na mesma matriz: o sistema «ad Quadratum», potencializado na sua combinação de segundo grau [fig. 263]. 6.4.2.3. Estudo geral do pórtico de entrada da administração Fig. 278 – Alçado do vão exterior da entrada da administração da fábrica: levantamento cotado (em metros), do conjunto da bandeira, vão da porta e escadas, a partir da cota de passeio da praça Passos Manuel. 326 6.4.2.3.1. Sobre a questão da ubiquidade do centro Sendo o processo um sistema operativo, por excelência, verificam-se os mesmos métodos compositivos como formas de «orientar» o espaço a edificar, fazendo corresponder à obra uma identificação sagrada, interior e singularizada, por oposição a um espaço profano, exterior131. Este fenómeno constitui, em si mesmo, o que se designa por hierofania: convém relembrar, a este respeito, uma reflexão de Mircea Eliade: “(...) a dialéctica da hierofania supõe uma escolha mais ou menos manifesta, uma singularização. Um objecto torna-se sagrado na medida em que incorpora (...) «outra coisa» que ele próprio. Por agora, pouco importa que essa «outra coisa» se deva simplesmente à sua forma regular, à sua eficiência ou à sua «força» (...) o que pretendemos evidenciar é que uma hierofania supõe uma escolha, um nítido desprendimento do objecto hierofânico em relação ao restante meio (...). O desprendimento do objecto hierofânico fazse, na maior parte dos casos, a respeito de si mesmo, visto que ele apenas se torna uma hierofania no momento em que deixa de ser um simples objecto profano, e adquire uma nova «dimensão»: a da sacralidade.” (Eliade, 1964, p.25)132. Fig. 279 – Ideograma de Anu, deus do céu assírio. Esta nova «dimensão», sacralizada, implica portanto a existência de um centro gerador: “É «centro» todo o espaço consagrado, isto é, todo o espaço no qual podem ter lugar as hierofanias e as teofanias” (id., ibid., p.314). O simbolismo do centro, como arquétipo, abarca múltiplas noções, entre as quais a do “espaço «criacional» por excelência, o único onde pode começar a Criação” (id., ibid., p.318) [fig. 279]. Do mesmo modo, “Nada pode começar, fazer-se, sem uma orientação prévia, e toda a orientação implica a aquisição de um ponto fixo” (id., 1965, p.113)133. Ao considerarse esse ponto como uma manifestação simbólica do sagrado, poder-se-á 131 Segundo Nigel Penick, “Os princípios norteadores da geometria sagrada transcendem as considerações religiosas sectárias. (...) A aplicação universal dos princípios idênticos de geometria sagrada em lugares separados no tempo, no espaço e por crenças diferentes atesta a sua natureza transcendental. Assim, a geometria sagrada foi aplicada nos templos pagãos do Sol, nos relicários de Ísis, nos tabernáculos de Joevá, nos santuários de Marduk, nos santuários erigidos em honra dos santos cristãos, nas mesquitas islâmicas e nos mausoléus reais e sagrados. Em todos os casos, uma cadeia de princípios imutáveis conecta essas estruturas sagradas.” In PENNICK, Nigel, Geometria Sagrada – Simbolismo e intenção nas estruturas religiosas, Editora Pensamento, São Paulo, 1998, p.9 [ed. original, Sacred Geometry – Symbolism and Purpose in Religious Structures, 1980]. Da extensa bibliografia sobre o tema, para além das obras de Carl Jung, Mircea Eliade, Gaston Bachelard e Gilbert Durand, veja-se ainda CENTENO, Yvette, e FREITAS, Lima de, A simbólica do Espaço – Cidades, Ilhas, Jardins, Editorial Estampa, 1991, e ROSENAU, Helen, A Cidade Ideal – Evolução Arquitectónica na Europa, 1982, Editorial Presença, Lisboa, 1988. 132 ELIADE, Mircea, Traité d’histoire des religions, Payot, 1964, p.25. 133 ELIADE, Mircea, Le sacré et le profane, Gallimard, 1965, p.113. 327 revelar não só no seu centro geométrico (o seu «axis-mundi»134), assim como na sua representação no múltiplo, pela observação do mesmo gesto arquetípico. Se bem que, tal como nas composições mandálicas, o quadrado se encontre de forma inextricável ligado ao círculo, parece, no entanto, que certas diferenças observadas por individualidades como Guénon, Jung, Arthus ou Bachelard deveriam ser tomadas em consideração. Segundo Durand, alguns autores demonstraram existirem alguns aspectos diferenciados no simbolismo do centro, pela procura de diferenças semânticas entre as figuras fechadas circulares e as figuras angulares: Gaston Bachelard135 também estabelece uma nuance subtil entre o refúgio quadrado e o refúgio circular, sendo este a imagem do refúgio natural, ou do ventre feminino. As figuras fechadas quadradas ou rectangulares acentuam o seu simbolismo nos temas psicológicos da defesa da integridade interior (o recinto quadrado é o símbolo da cidade, da fortaleza ou da citadela – vejase o caso da Jerusalém Celeste). Por outro lado, o espaço circular representa o jardim, o fruto, o ovo ou o ventre materno (veja-se o caso da Fig. 280 – Lima de Freitas, Traçado regulador da Vesica figura da Vesica Piscis136 ) [fig.280], deslocando a acentuação simbólica Piscis, comummente para a voluptuosidade secreta da intimidade: segundo Durand, “Il n’y a mística» ou ainda «o olho do guère que le cercle ou la sphère qui, pour la rêverie géométrique, presente s.d. un centre parfait.” (Durand, 1992, p.284). O mesmo autor nota que também designada por «amêndoa peixe». Tinta e aparo s/ papel, Arthus define o carácter do círculo: “de chaque point de la circonférence le regard est tourné vers le dedans. L’ignorance du monde extérieur permet 134 De origem pitagórica, designa, simbolicamente, o eixo de fundação de um determinado espaço através da sua representação num ponto fixo. 135 Veja-se a este respeito Chap. X – La phénoménologie du rond, in BACHELARD, Gaston, La poétique de l’espace, Presses Universitaires de France / Quadrige, Paris, 2004, pp.208-214 [1ª ed. 1957]. 136 Sobre a figura da Vesica Piscis, também denominada por olho de peixe, amêndoa mística ou amêndoa dos iniciados, vejam-se ainda os vários ensaios de Lima de Freitas sobre neopitagorismo e geometria sagrada, dois quais convém destacar o texto da comunicação Le point de la Bauhütte et la Vesica Piscis, apresentada no convénio de Roma sobre Números e formas geométricas com base da simbologia, em 1978, e inserido no volume Pintar o sete – Ensaios sobre Almada Negreiros, o Pitagorismo e a Geometria Sagrada, pp.151-175 [compilação do autor sobre conferências e ensaios da década de 70 mas somente editados pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda em 1990]; veja-se ainda, do mesmo autor e sobre o mesmo tema, Almada e o Número, Editora Soctip, Lisboa, 1990, pp.96-105 [1ª edição, Arcádia, 1977]. 328 l’insouciance, l’optimisme...”(id., ibid., p.284)137, o espaço curvo, fechado e regular, apresenta-se desta forma como símbolo de «paz e segurança»138. Durand, à semelhança de Eliade, também qualifica o simbolismo do centro pela sua qualidade de fenómeno de repetição: “L’espace sacré possède ce remarquable pouvoir d’être multiplié indéfiniment. L’histoire des religions insiste à juste titre sur la facilité de multiplication de «centres» et sur l’ubiquité absolue du sacré: la notion d’espace sacré implique l’idée de répétition primordiale qui a consacré cet espace en le transfigurant. L’homme affirme là son pouvoir d’éternel recommencement, l’espace sacré devient prototype du temps sacré (...). C’est précisément dans ce phénomène d’ubiquité du centre que l’on saisit bien le caractère psychologique de ces organisations archétypales pour lesquelles l’intention psychique, l’obsession du geste ordinaire, compte toujours plus que la démarche objective et que les objections positivistes”139. É através da repetição deste gesto primordial que se desenvolve o Mito do Eterno Retorno, como paradigma metafísico do mesmo arquétipo. Deste fenómeno de ubiquidade decorre o princípio metafísico de que «o Uno se manifesta no Múltiplo», sendo «Uno» e «Múltiplo» simultaneamente (coincidentia opositorium)140. Do mesmo modo podem considerar-se vários «centros» na composição de António Varela, sendo estes, no entanto, a representação do mesmo «uno indivisível», pela observância do mesmo gesto arquetípico, revelando princípios compositivos idênticos em diferentes ordens de grandeza quantitativas, e mantendo a estrita observação das mesmas propriedades qualitativas, tanto a pequena escala como a grande escala, ou seja: quer a nível do pórtico da entrada, como paradigma do microcosmo, quer a nível de todo o complexo fabril, como paradigma do macrocosmo. 137 ARTHUS, Le Village. Test d’activité créatrice, Hartman, Paris, 1949, p.265, in DURAND, Gilbert, Les structures anthropologiques de l’imaginaire – introduction à l’archétypologie générale, Dunod, Paris, 1992, p.284. 138 Cf. Idem, ibidem, p.284. 139 Idem, ibidem, pp.284-285. 140 Ou «coincidência dos opostos», sendo esta, exactamente, a propriedade ubíqua que decorre da multiplicidade dos centros interpretativos. 329 6.4.2.3.2. Estudo metrológico do pórtico Pelo mesmo processo, poder-se-á considerar, através de uma observação aritmológica, o mesmo processo mental para verificação da métrica a diferentes escalas, não só na área da bandeira, como foi anteriormente demonstrado, como de todo o conjunto do pórtico de entrada da administração, em toda a largura como em toda a altura, do primeiro degrau ao tecto, com base na mesma matriz geradora do desenho da caixilharia da bandeira da entrada: a quadratura combinada de segundo grau [fig.281-282] e, finalmente, de todo o conjunto da fábrica141. Fig. 281-‐282 – Sobreposição do alçado do vão interior da entrada da administração da fábrica no sistema da quadratura combinada de segundo grau e comparação com a figura geométrica da bandeira, aumentada três vezes (razão 1/3). Representa-se neste caso o centro da quadratura no centro geométrico do alçado do pórtico, como omphalus da figura antropomórfica desenhada, fazendo coincidir a proporção do quadrado exterior com a altura máxima do alçado, incluindo a escada, a partir da cota do passeio e até ao tecto, imediatamente por cima do remate superior da caixilharia da bandeira [fig. 281]. Já na figura 282 pode observar-se a razão de 1/3 entre a proporção do círculo da bandeira e a largura total do vão do pórtico considerado em 141 V. infra, 6.4.2.4. e fig. 287-289-290-293. 330 toda a sua largura, representado pela mesma imagem do círculo aumentado três vezes. Esta proporção também se encontra na altura do vão da porta, sendo a altura desta a dimensão da altura do módulo da bandeira repetido duas vezes, para o baixo, o que perfaz em três módulos de bandeira sobrepostos em altura desde a cota do átrio exterior até ao tecto. No entanto, se tivermos em conta a tradição pitagórica, será o pentágono a figura-mãe que preside a todas as matrizes regulares e esta razão de 1/3 compreende-se ao considerarem-se algumas das algumas propriedades deste último, pois segundo a mesma tradição, todos estes sistemas matriciais (o ad Quadratum, o ad Triangulum, o sistema quadrilobado ou o sistema trilobado) podem determinar-se segundo o mesmo [fig.283]. 6.4.2.3.2.1. Método do pentágono Fig. 283 – sobreposição tripla do alçado do pórtico de entrada da administração, da quadratura combinada de segundo grau, do pentágono e do seu pentagrama potencializado, com base no mesmo centro geométrico comum, correspondente ao centro do pórtico. Designa-se por pentagrama a estrela de cinco pontas incluída no pentágono, e iniciaticamente denominada «Penta-Alfa» segundo a mesma tradição pitagórica. Por potencialização desenvolve-se no seu interior uma segunda estrela: esta relação entre a grande estrela e a pequena estrela 331 evidenciando, nas suas partes, proporções áureas, é conhecida desde a Antiguidade. É bem sabido que o seu conhecimento foi transmitido a Pitágoras durante o seu período de estadia no Egipto, sendo mais tarde divulgado na civilização helénica através da Escola Pitagórica, da qual nos ficam os testemunhos de Heródoto. Platão estabelece no Timeu o seu modelo filosófico com base no «Número de Ouro», tendo o seu conhecimento sido disseminado por todo o Mediterrâneo, prevalecendo nas confrarias romanas, assim como, mais tarde, nas confrarias medievais. Ficam alguns testemunhos escritos deste último período, como os desenhos de Villard de Honnecourt, no século XIII, de Piero della Francesca, Luca Paccioli, Leonardo da Vinci, até aos estudos de carácter arqueológico de Franz Rziha no século XIX e, já no século XX, através da divulgação de obras de autores como Matila Ghyka, René Guénon, Jay Hambidge, Frederik Lund, Ernst Moessell, Dom Néroman142, entre outros, assim como nas obras pictóricas e de investigação dos portugueses Almada Negreiros, Lima de Freitas e Paulo-Guilherme d’Eça Leal143, já no fim do Século XX, entre os numerosos estudos levados a cabo desde então. Contudo, por não considerarmos oportuno aprofundar aqui as numerosas propriedades aritmológicas do pentágono e do pentagrama, assim como o estudo do número de ouro, restringir-nos-emos à sua relação directa com o alçado do pórtico da fábrica, mantendo-nos, da forma mais simples possível, no universo do presente objecto de estudo (a fábrica da AEL e os princípios de composição de António Varela). Das numerosas propriedades do número de ouro, retenhamos a sua principal propriedade, a que Leonardo da Vinci apelidou de Divina Proporção, ou seja, a relação ou secção áurea, pela sua dupla progressão, aritmética e geométrica: «A relação áurea exprime-se pela divisão de um segmento de forma a que a parte menor esteja para a parte maior assim como a parte maior está para o todo». 142 Veja-se a este respeito Cap.2.5. Para além das obras dos autores anteriormente mencionados, veja-se ainda LEAL, PauloGuilherme d’Eça, O Dilúvio de Quéops – novas comunicações sobre a esquecida ciência egípcia, Livros Horizonte, Lisboa, 1993. 143 332 Deste modo, ao considerar-se a parte maior como uma unidade, o total do segmento será Φ (phi) e a parte menor (ou resto), o seu inverso [1/Φ]. Donde se obtém a seguinte equação: Φ = 1+(1/Φ) Considerando as suas demonstrações como passíveis de grande ocupação de espaço, restringir-nos-emos à aceitação das suas veracidades axiomáticas, ou seja: sendo Φ um número irracional ilimitado, ou dízima infinita não periódica, é o resultado da expressão: Φ = 1+√5 = 1,618034...e, do mesmo modo: 1 = 1 -√5 = 0,618034... 2 Φ 2 Outra propriedade importante do número de ouro reside no facto de ser o único número do qual o seu quadrado é igual à soma de si próprio mais a unidade: Φ2 = Φ+1 Através do estudo tanto estrutural como dimensional, parece evidenciar-se uma aproximação da métrica observada no conjunto do pórtico, com as proporções áureas do pentágono e do seu pentagrama inscrito, pelo que seria interessante centrar a observação nas larguras dos três vãos presentes, que consideraremos, respectivamente: módulo a), módulo b) e módulo c) [fig.284]. 333 Fig. 284 – relação da proporção áurea com as três medidas dos vãos, observados em largura: a): largura do vão total da entrada; b): largura do vão da bandeira; c): largura do vão da porta. Sendo: a) largura do vão total da entrada ≈ envergadura do pentagrama médio. b) largura do vão da bandeira ≈ lado do pentágono médio. c) largura do vão da porta ≈ envergadura do pentagrama menor. Coloca-se deste modo em evidência a métrica destes três vãos através da proporção áurea da figura canónica, ou seja: pela relação da envergadura do pentagrama médio com o lado do pentágono médio, igual à relação do lado do pentágono médio com a envergadura do pentagrama menor, ou seja: a_ b = b c = Φ Por analogia, será então possível considerar que a largura do vão total da entrada está para a largura do vão da bandeira aquilo que a largura 334 do vão da bandeira está para a largura do vão da porta, nesse caso, considera-se: a_ b ≈ b c ≈ Φ Contudo – e ao contrário da perfeição da figura canónica –, sendo esta relação apenas aproximada e nunca absoluta, é possível, no entanto, definir a sua margem de aproximação a Φ através da tradução destes valores pelos valores das cotas reais observadas durante o levantamento no terreno [fig.278], a que se recorre, visto não terem sido encontrados os desenhos originais desta parte do projecto do autor144. Considerando: – largura do vão total da entrada: a = 2,50 m. – largura do vão da bandeira: b = 1,68 m. – largura do vão da porta: c = 1,02 m. Obtém-se desta forma: 2,50_ = 1,488... 1,68 e: 1,68 = 1,647... 1,02 Donde se pode observar que estes valores tendem para o valor absoluto de Φ, ou seja, aproximadamente 1,618 (considerando por aproximação: 1,488...< Φ >1,647...). De facto, o valor do número de ouro não é numerologicamente possível de exprimir, pelo que somente a geometria o torna observável, de forma que os valores encontrados durante o levantamento nunca seriam perfeitos, mesmo tratando-se do caso de uma construção exemplar que não tivesse sofrido descompensações145. Contudo, através da conhecida série 144 A que se recorre, visto não terem sido encontrados os desenhos originais desta parte do projecto do autor. 145 V. supra 6.4.2.1 335 de Fibonacci, é facilmente observável que a sua evolução tende a aproximar-se de Φ: a série desenvolve-se somando o resultado de um número com o seu anterior, começando por 1: 1; 1; 2; 3; 5; 8; 13; 21; 34; 55; 89; 144; 233; 377; 610; 987; 1597; 2584; 4181; etc... Esta série tem uma relação com o número de ouro, o que se deve ao facto do resultado do quociente entre dois termos sucessivos (a razão) tender, no infinito, para este, por aproximações sucessivas da relação de duas razões sucessivas, reduzindo cada vez mais as suas margens de aproximação: 1/1=1; 2/1= 2; 3/2 =1,5; 5/3=1,666; 8/5=1,6; 13/8=1,625; 21/13=1,615; 34/21=1,619; 55/34=1,617; 89/55=1,6181; 144/89=1,6179; 233/144=1,61805; etc… Pelo que se pode concluir que a relação entre a largura do vão da bandeira e a largura do vão da porta (quociente 1,647...) é mais aproximado de Φ do que a relação entre a largura do vão total da entrada e a largura do vão da bandeira (quociente 1,488...), encontrando-se no entanto os dois valores perto do princípio da série fibonacciana, entre a razão 3/2 e a razão 5/3: razão 3/2 =1,5 enquanto que: razão 5/3=1,666... No entanto, seria necessário voltarmos a salientar que estas aproximações são estruturalmente imperfeitas, o que se deve às imprecisões da construção e não ao princípio compositivo do projecto de Varela, sendo este verificável na sua essência como estrutura geométrica canónica perfeita, logo, em harmonia com o Número de Ouro. Contudo, verifica-se que a razão 3/2 e a razão 5/3 são o inverso aritmético dos harmónicos 2/3 (diapente) e 3/5, (respectivamente 0,666... e 0,6). Efectivamente, no meio musical ou harmónico, 2/3 equivale a uma quinta dominante e 3/5 a uma sexta menor. Considerando o âmbito deste 336 estudo, não nos cabe aqui aprofundar esta demonstração, pelo que nos limitamos a uma verificação geral que se pode retirar desta observação146. Em suma, se considerarmos como aceitáveis os valores observados como aproximações harmónicas, também se podem verificar as relações dos valores dos vãos como progressão geométrica do Número de Ouro. Convém também referir que a progressão aritmética é, por definição, uma sucessão de números dos quais cada termo se obtém adicionando ao termo anterior um valor constante, ou seja, a razão da progressão: (1; 1+r; 1+2r; 1+3r; 1+4r...)147. A progressão geométrica também é, por definição, uma sucessão de números, dos quais cada termo se obtém multiplicando o termo anterior pelo valor constante, sendo este a razão da progressão: (1; r; r2; r3; r4...)148. O que significa que se considerarmos c como 1 (primeiro valor da série), b como Φ (a razão) e a como Φ2 (a progressão da razão), obtém-se, por analogia, a progressão geométrica do pórtico, tendo em conta a progressão geométrica do número de ouro, ou seja: Se c =1 então b = 1,618... e a = 2,618... 146 Sobre as relações do número de ouro entre o meio musical, o meio artimético e o meio geométrico, vejam-se, entre outros, NÉROMAN, Dom, Le Nombre d’Or – Clé du monde vivant, Dervy, Paris,1981; GHIKA, Matila, El Numero de Oro – ritos y ritmos pitagoricos en el desarrolo de la civilizacion occidental, Editorial Poseidon, Barcelona, 1978 [seg. ed. original francesa, Le nombre d’or] e DOCZI, György, The Power of Limits – Proportional Harmonies in Nature, Art, and Architecture, Shambhala – Boston and London, 1994. 147 Sobre a progressão aritmética e geométrica do número de ouro, veja-se, entre outros, NÉROMAN, Dom, Le Nombre d’Or – Clé du monde vivant, Dervy, Paris, 1981, p.27. 148 Idem, ibidem, p.27. 337 Ao retomarmos as medidas dos vãos do pórtico, verificamos que os valores reais multiplicados tendem a aproximar-se de uma relação constante: Valores da progressão geométrica Valores observados do número de ouro: nos três vãos do pórtico [fig. 278]: os valores da progressão c = 1 Quadro 4: comparação entre geométrica do número de c = 1,02 m. b = 1,618... b = 1,68 m. nos três vãos do pórtico da a = 2,618... a = 2,50 m. fábrica da A.E.L. de ouro e os valores observados Matosinhos. Pelo que também se verifica uma aproximação geométrica ao número de ouro. Partindo das relações observáveis entre as três larguras dos vãos em estudo, foi possível identificar essas mesmas três dimensões noutras partes da construção: o que significa que estas três medidas podem constituir os três módulos que presidem à composição do alçado, sendo possível identificá-los noutros segmentos [fig.285]. Fig. 285 – disposição dos módulos a), b) e c) por diversos segmentos do alçado do pórtico: estudo dimensional aproximado, com margem de erro máxima observada inferior a 5%, nomeadamente na relação do módulo c) com a altura da bandeira e na relação do módulo b) com a largura do degrau de soleira. Note-‐se que o vão também é, na sua totalidade, um duplo quadrado, ou rectângulo ½. 338 6.4.2.3.2.2. Método do duplo quadrado Uma outra forma de observação da proporção áurea no pórtico consiste em tomar em consideração a aproximação de suas dimensões máximas ao rectângulo harmónico de 1/2, ou seja, o rectângulo√4, também denominado de rectângulo de duplo quadrado149. De facto, através do levantamento efectuado, verificou-se que o perímetro do alçado não totaliza exactamente a proporção do duplo quadrado. No entanto, a margem de aproximação não excede os 3,2%, verificável entre a diagonal real A’D’, e a diagonal geométrica AD do duplo quadrado, o que se considerou como negligenciável, pelo que se optou por evidenciar os valores (em metros) da diagonal do alçado, representados com a sua correcçã Fig. 286 – Verificação da proporção áurea no pórtico pelo método do duplo quadrado (margem de erro: 3,2%, entre A’D’ segmento real e AD segmento geométrico). o Valores absolutos da progressão Valores métricos relativos à Quadro 5 – correspondência geométrica do número de ouro diagonal do vão do pórtico (por entre os valores absolutos da aproximação): progressão geométrica do pelo duplo quadrado para: bc = 1 (lado do quadrado) ab = 0,618... (1/Φ) ac = 1,618... (Φ) bc = ac = Φ ab bc = 2 ,50 m. Número de Ouro e os valores ab = 1 ,54 m. métricos relativos à diagonal ac = 4,05 m. ,62 ≈ Φ bc 2,50 ≈ 4,05 ≈ 1 1,54 2,50 do vão do pórico da A.E.L. (segundo a fig. 286). 149 DOCZI, György, The Power of Limits – Proportional Harmonies in Nature, Art, and Architecture, Shambhala, Boston and London, 1994, p.9. 339 geométrica, com vista a facilitar a observação [fig.286 - quadro 5]. Para os valores da progressão geométrica de AC = Φ, BC = 1 e AB = 1/Φ, verifica-se, por analogia, que o segmento real A’C tende a aproximar-se do valor de Φ, o segmento real BC tende a aproximar-se do valor de 1 e o segmento real A’B tende a aproximar-se de 1/Φ, considerando deste modo A’C como o todo, BC como a parte e A’B como o resto, pelo que se pode igualmente verificar a aproximação geométrica do pórtico ao número de ouro, através do método do duplo quadrado150. 6.4.2.4. Estudo geral da fábrica A observação do traçado regulador do pórtico de entrada da administração e de sua bandeira, como composição decorrente do sistema «ad Quadratum» levaram à identificação do mesmo processo a outras escalas e em outros desenhos. Através deste processo é possível reconhecer a regra de simetria, no sentido clássico e operativo do termo, ou seja, no que respeita uma repetição das mesmas proporções a diferentes escalas e em diferentes partes do conjunto. 6.4.2.4.1. Planta geral da fábrica Como foi observado, o sistema «Ad Quadratum» integra simultaneamente as propriedades de um sistema polar assim como de um sistema reticular: deste modo, para se poderem confirmar as propriedades da quadratura na planta geral da fábrica, será necessário e suficiente reconhecer-lhe: 1. Um centro gerador, conforme a propriedade polar do sistema. 2. Um módulo estrutural, conforme a propriedade reticular do mesmo sistema 150 Sobre a verificação do Número de Ouro pelo método do duplo quadrado, veja-se, entre outros, NÉROMAN, Dom, Le Nombre d’Or – Clé du monde vivant, Dervy, Paris, 1981, pp. 63-65. 340 De facto, a composição da fábrica revela-se de forma clara pela observação da planta: uma disposição dos espaços que se organizam de jusante (entrada da matéria-prima, pela rua Heróis de França) a montante (armazém de cheio, com saída pela rua Roberto Ivens), encadeando sucessivamente no seu interior as diferentes secções de fabrico, transformação, armazenamento, etc151. Face à evidência de uma disposição destes módulos numa organização em série e em cadeia, é possível denotar uma evidente disposição do conjunto deste complexo fabril em torno da secção de fabrico, fruto de um gesto elementar que caracteriza a modelação da maior parte das tipologias fabris. A secção de fabrico, como elemento nuclear do conjunto, define-se em planta como um grande rectângulo: este rectângulo é um duplo quadrado (1/2), encontrando-se geometricamente inscrito num quadrado maior que se estende para sul. Este quadrado maior é coincidente no seu canto de sueste com a creche e no seu canto de sudoeste num ponto situado fora dos limites do terreno, já na rua João Chagas. Por analogia, este quadrado maior, (que inscreve o duplo quadrado definindo a secção de fabrico), pode ser tomado como o mesmo módulo do quadrado que inscreve o círculo da bandeira a pequena escala152. Deste modo é possível retomar a mesma sobreposição da figura 66, segundo o módulo que define o quadrado que inscreve o círculo, pelo que se denota ser o comprimento da fachada da secção de fabrico o módulo linear da composição a esta escala maior [fig. 287]. 151 152 V. supra, 6.4.5. V. supra, fig. 282. 341 A coincidência do traçado com o desenho da planta (fig.287) revela um processo de analogia com o modus operandi (fig.288) observado na Fig. 287-‐288 – Progressão geométrico-‐aritmética do sistema ad quadratum e do bandeira e no alçado do pórtico da administração, à razão de 1/50. Esta traçado da bandeira e do nova coincidência parece justificar a composição geral dos módulos, assim administração com a planta como a repartição essencial do interior – o que não significa que a sua sub- pórtico de entrada da geral da fábrica segundo o projecto original de António articulação siga invariavelmente um processo de mimetismo do traçado Varela: os dois traçados em geométrico –, antes justificando a sua acção como «fio condutor» no da composição da fábrica. desenvolvimento geral da métrica, assumindo-se como um mecanismo fundador e essencialmente regulador da composição. conjunto regulam os módulos De notar que: 16,6666667... = [5/3]x10; e: [5/3] =1,6666667...(terceira razão da série de Fibonacci). Deste modo obtém-‐se, em ordem crescente: 1x3x[5/3]x10 = [5/3]x30 = 50; e em ordem decrescente: ___50 ___ = 1 [5/3]x30 342 6.4.2.4.2. Alçado norte Verificando-se a analogia do sistema da quadratura como acção reguladora da métrica na composição da planta, torna-se interessante Fig. 289 – Alçado norte: correspondência do mesmo traçado com a observar a sua operatividade no alçado da secção de fabrico (alçado métrica dos vãos e de «principal», por excelência, junto à avenida), no qual a correspondência da desenhados, sobreposto à métrica ao sistema «Ad Quadratum» e à figura geométrica da bandeira outros elementos mesma escala da planta (v. Fig.111]. pode ser observada com clareza. O eixo horizontal define um friso ao 343 longo de todo o conjunto, delimitando o piso superior, em cima, do piso inferior, em baixo [fig.289]. 6.4.2.4.3. Planta dos armazéns Também é possível observar os armazéns desenhados por António Varela, como ampliação do projecto inicial da fábrica, inaugurada em 1939, prosseguindo na mesma leitura espacial e geométrica. Estes dois armazéns definem o espaço do terreno da ampliação em todo o seu comprimento e largura, desde o limite do lote, rematando na rua Roberto Ivens, a nascente, até ao pátio com saída para a rua Heróis de França, a poente, e destinavam-se ao armazenamento e estiva de produto para exportação, devido a um aumento exponencial da produção face à encomenda massiva no contexto bélico da Segunda Guerra Mundial. Varela tem aqui um problema essencialmente de composição de fachadas, na necessidade de conferir alguma homogeneidade ao conjunto edificado. Estes armazéns compõem-se por dois módulos rectangulares, sendo interligados por um módulo quadrado, subdividido entre um átrio a céu aberto e um espaço interior inicialmente destinado à estiva153. Fig. 290 – Continuidade do sistema ad quadratum na composição dos armazéns de 1941, situados entre a AEL e a sua congénere, a Rainha do Sado: os eixos dos quadrados geométricos a sul do anterior limite da fábrica (alçado sul do projecto de 1938) regulam a definição da métrica dos três módulos dos armazéns. 153 V. supra, 6.3.4.2. 344 Pela junção do desenho da planta geral da fábrica com o desenho da planta dos armazéns, foi possível observar que os três módulos que compõem esta ampliação de 1941 sugerem uma continuidade do mesmo modus operandi, através do prolongamento dos eixos dos quadrados da estrutura geométrica da figura de origem, delimitando desta forma as dimensões dos três módulos (dois rectângulos √2 e um quadrado central) [fig.290]. 6.4.2.4.4. Alçados dos armazéns Os alçados dos armazéns sugerem uma simplicidade de linhas de aparência neoclássica. São duas fachadas de desenho idêntico, uma a nascente, confinando com a rua Roberto Ivens e outra a poente, recuada em relação a rua Heróis de França, intercalada por um pátio de forma trapezoidal de acesso à rua154, constituindo-se assim como os limites exteriores do volume prismático que se prolonga no interior. Fig. 291 – Armazéns de 1941, vista do lado da rua Roberto Ivens, articulando-‐se em continuidade com a fachada da 1ª fase [secção de cheio, 1938]. 154 Idem. 345 Em comparação com o projecto da fábrica, de 1938, o que mais se destaca à vista é a nítida diferenciação do remate superior destas peças, onde já não impera o denteado escalonado de influência «Art Déco» que se pode observar no vasto prisma da secção de fabrico, situada a norte, mas um frontão curvo mas que confere ao conjunto um aspecto geral marcadamente clássico [fig.291-292]. A curvatura do frontão é gerada pelo traçado da circunferência original que rege a quadratura, confirmando a presença de um ângulo de dezasseis graus pela sua triangulação, segundo o mesmo princípio Fig. 292 – António Varela, canónico que regula a inclinação do denteado escalonado da secção de do alçado sul). armazéns de 1941 (pormenor fabrico. Fig. 293 – AEL, armazéns de 1941,alçado da rua Heróis de França, a poente : correspondência com o sistema ad quadratum e a bandeira do pórtico da administração. Se, por um lado, este frontão curvo contrasta, em aparência, com o denteado escalonado da secção de fabrico datado de 1938, verifica-se, contudo, que os ângulos formados pela triangulação do escalonamento dos frontões da secção de fabrico do projecto anterior também perfazem dezasseis graus de lado, pelo que tudo leva a crer que decorrem do mesmo 346 gesto arquetípico, como forma de analogia para com princípios de composição clássicos [fig.293]. Por outro lado, convém referir que a utilização do frontão curvo poderá ser um indício de «contaminação» – ou de um exercício experimental, por mimesis, nesta ampliação para a A.E.L. –, do alçado principal da fábrica da Afurada que por essa altura Varela também elaborou, sendo bastante nítidas as analogias entre os dois desenhos155 . De qualquer modo, também se verifica neste alçado o que foi possível verificar na planta dos armazéns156, ou seja: que Varela, ao compor este novo projecto para a firma, elaborou um desenho que, apesar de diferente pela utilização do elemento do frontão curvo ao invés de elementos angulares, operou sempre – e ainda – em continuidade com o traçado do projecto anterior. O regime de continuidade manifesta-se através de um processo de analogia no que respeita à utilização do mesmo traçado regulador, mantendo deste modo a relação harmónica do edificado, embora alterando a sua plasticidade pela inclusão de elementos novos, mas que apesar de tudo parecem complementar-se num jogo de continuidades. Este «jogo», que poderá parecer à primeira vista algo eclético nada tem de arbitrário, sendo aqui extremamente subtil em matéria de conjugação formal. Convém não esquecer que Varela era, também, à sua maneira, um «esteta», e talvez seja através destes pequenos gestos que melhor se pode compreender a «filosofia conceptual» do autor, que como modernista do seu «tempo», aqui parece ter operado na consciência da lógica pitagórica, nos problemas de continuum e do descontínuo, de avanços e recuos de uma «modernidade», e poderá dar indícios, numa leitura mais profunda, de um processo hermeticamente «pneumático». Tendo em vista uma maior clarificação dos processos compositivos de Varela, para além deste caso, afigura-se da maior pertinência o estudo dos mecanismos compositivos noutros projectos de sua autoria, por 155 156 V. infra, 7.2. V. supra, fig.290. 347 analogias, metamorfoses ou rupturas, num «sistema» que parece ter evoluído no espaço e no tempo. Foi neste sentido que também se observaram outras obras que elaborou pela mesma época e nos anos seguintes, nas quais também foi possível identificar, por analogias sistémicas, correspondências ou coincidências entre esquemas compositivos: por esta razão, também considerámos fundamental a questão do estudo da fábrica da Matosinhos como objecto, pela recorrência, por parte do seu autor, a um modus operandi que parece sistémico, num «diálogo» constante entre o círculo e a quadratura. Assim, convencionámos apelidá-lo, e unicamente para efeitos do presente estudo, de «cânone de Varela». Através da métrica observada no pórtico de entrada da administração, na planta geral e nos alçados da fábrica de Matosinhos da AEL, tornou-se possível compreender que o seu autor terá recorrido a um traçado regulador particular, o sistema «Ad Quadratum», como matriz ou rede que rege a composição através de propriedades simétricas, sendo as partes comensuráveis ao todo. O seu autor recorre à analogia canónica, através de um processo racional e operativo. Recorre igualmente à analogia icónica, através de um processo metafórico e simbólico, qualificativo do espaço. Estes dois processos mentais de metodologia de projecto encontramse indissociados e são complementares, pelo que decorrem do mesmo gesto arquetípico, que parece manifestar-se através de uma metodologia operativa e simbólica, como foi possível observar pelo estudo aritmológico do pórtico de entrada da administração. Foi nesse sentido que se observou a métrica de outras obras que o autor elaborou pela mesma época, onde foi possível identificar correspondências entre alguns desenhos e o sistema «Ad Quadratum». Infelizmente em alguns desses casos há uma ausência dos desenhos 348 originais de António Varela. Algumas destas obras encontram-se em avançado estado de ruína, como é o caso da fábrica de conservas de Manuel Pereira Júnior, junto à foz do rio Douro, no sítio da Afurada. Esta fábrica também é focalizada no capítulo seguinte157, revestindo-se de um particular interesse, pois permite compreender de que modo evoluiu a abordagem modernista de António Varela na arquitectura industrial, iniciada pioneiramente com a complexidade do projecto da Fábrica nº6 da Algarve Exportador Limitada. Esses outros casos também permitem identificar analogias que pela sua evidência nos devolvem à fundamentação do estudo da fábrica da AEL como momento «operativo», pelo recurso, por parte do seu autor, a esquematizações bastante similares em torno dos «elementos geométricos psíquicos»158. Fica assim observado que António Varela, arquitecto da primeira geração modernista portuguesa, terá procurado, a partir deste período de sua carreira, uma via «pessoal», ou um «caminho próprio», uma «interpretação» da modernidade, estabelecendo relações de continuidade entre esta, marcada pelo estudo explícito do seu carácter maioritariamente funcionalista, e o uso implícito de uma metodologia de desenho que se orientou, como tudo leva a crer, para valores e princípios próprios da «Tradição» pitagórica. É sobre este paradigma que parecem evoluir algumas das obras e dos projectos mais marcantes do autor, sendo objecto de estudo do último capítulo, os quais, muito embora com programas diferentes, parecem «geneticamente» reagrupáveis, e talvez permitam, à luz deste contexto, serem identificados como «a família simbólica» de Varela. 157 V. infra, 7.2. Segundo a terminologia de Fernando Pessoa. V. supra: 2.5: De Pessoa a Almada: «a invenção do dia claro» como legado hermético na construção da modernidade portuguesa, nota 49. 158 349 OUTRAS OBRAS À LUZ DE UMA MESMA INTERPRETAÇÃO CAPÍTULO 7 “Encontrar sem buscar é coisa difícil e rara. Achar aquilo que se procura é coisa cómoda e fácil. Ignorar e buscar (aquilo que se procura) é impossível.”1 Arquitas de Tarento Procurou-se organizar neste capítulo um fio condutor, uma lógica que possa conduzir a um olhar convergente sobre o pensamento de António Varela. Pelas leis da geometria, leituras de lugares e de programas diferentes parecem associar-se, senão em torno de uma regra, pelo menos Fig. 294 – Almada Negreiros, Auto-reminisciência, tinta e aparo sobre papel, espólio de António Varela com dedicatória do autor, ass. e dat.: Paris,[19]49. na procura de uma «direcção única». Aparentemente paradoxal, essa mesma «direcção», tal como no olhar da Vesica, ou do Ponto da Bauhütte, embora de aparência complexa, não é estática, parecendo desdobrar-se numa multiplicidade de manifestações ou de «centros» interpretativos. Mas este segundo movimento não é restritivo e parece mesmo admitir a contradição, a negação, evitando o falso paradoxo, excluindo-se a ideia de um Varela «refém» da interpretação de uma modernidade dogmática ou de hermenêuticas redutoras. Convém esclarecer que o aspecto de «invisibilidade» dos traçados é, no fundo, bastante natural. Na sua relação com a concepção do desenho arquitectónico, é bem possível que não tenham sido sistematizados de forma tão «directa» pelo autor, tal como aqui se ensaiam, existindo antes como esquemas mentais que utilizaria no todo ou apenas com recurso a algumas das suas propriedades, consoante as necessidades de cada caso. Em termos gerais, é necessário compreender que os traçados geométricos fazem parte de «esquemas mentais» mais ou menos 1 In NEGREIROS, José de Almada, Ver, Editora Arcádia, Lisboa, 1982 [ed. original do autor, Lisboa, 1943]. 350 350 conscientes, que na maior parte das vezes nem chegam a materializar-se e, quando tal acontece, apenas se manifestam sob esquissos, e quase imediatamente se tornam dispensáveis a partir do momento em que se «fixa» um determinado desenho ou composição. Daí a sua invisibilidade ou inexistência como prova documental: não sendo um fim em si mesmos, mas pontos de partida que servem para fixar uma determinada ordem na composição, fazem parte de elementos aparentemente pouco relevantes, entre outros facilmente degradáveis ou mais ou menos «descartáveis» que, salvo raras excepções, mais facilmente se excluem na maior parte dos arquivos pessoais, espólios ou legados particulares (fig.295). Mas esta condição de meio, e não de fim, não inviabiliza o ensaio e a verificabilidade de padrões que pelo seu potencial de síntese, permitem análises de determinadas propriedades geométrico-artiméticas e podem fornecer indícios de esquematizações operativas que «geneticamente» permitem relacionar obras que só na aparência parecem diferentes, sendo o carácter especulativo destas análises inversamente proporcional ao grau de verificabilidade objectiva que decorre da demonstração geométricoaritmética, assim como do número ou do tipo de analogias que permitem estabelecer dentro ou fora da mesma obra. Tal nos parece ser o valor e a relevância do estudo geométrico. Fig. 295 – António Varela, desenho, caneta sobre papel, s.d. Reconhecendo antes a capacidade multiplicadora desses vários «centros», parece o conjunto destas obras de Varela comungar da «unidade plural» do pensamento do autor, contribuindo para uma tentativa de leitura de síntese do seu trajecto pessoal, que nasce, como tudo indica, da multiplicidade do uno. 351 7.1. A PROPOSTA PARA O MERCADO DE COIMBRA Fig. 296 – António Varela, Mercado de Coimbra, alçado nascente, 1937. A singularidade deste projecto de 1937 reside em vários aspectos: primeiro, tem a particularidade de ser um exercício individual de Varela, datado da década em que colaborava assiduamente com Jorge Segurado. Em segundo lugar, parece preceder de um ano a concepção do projecto da fábrica de Matosinhos e permite a comparação de traçados no que respeita a uma outra interpretação do sistema da quadratura combinada. A sua observação só é possível graças à sua publicação na mesma revista Arquitectura e Edificação e Cerâmicas / Reunidas2, onde também se publicou a Fábrica de Matosinhos da A.E.L.3 e o Lar da Misericórdia das Caldas da Rainha4. Projecto não edificado, tem o interesse de revelar, à semelhança da fábrica, valores de organização funcional e uma composição que revela semelhanças não só com esta, mas também com a Fábrica da Afurada, entre outras analogias possíveis que se podem estabelecer, tal como se pode verificar. A encomenda deste equipamento destinava-se a completar o sistema abastecedor da cidade de Coimbra num bairro residencial localizado num terreno de cota elevada e em declive no sentido poente/nascente. O trabalho topológico de Varela parece orientar-se segundo esta característica essencial do lugar e permitiria deste modo criar um miradouro direccionado para o sol nascente. Podemos ser levados à consideração de se tratar de um momento simbólico do percurso, sobretudo tendo em conta 2 Cf. A Arquitectura Portuguesa e Cerâmica e Edificação / Reunidas (A.P.C.E./R), n° 41, 3° série, Agosto de 1938, pp.14-19. 3 V. supra, 6.3.4. 4 V. supra, 4.3.3. 352 que este tipo de equipamento «vive» sobretudo com o despertar do «astrorei» e rege a sua actividade segundo o seu ciclo ascendente. Parece, em todo o caso, revestir-se este momento poético de uma conotação simbólica não-restritiva. Do ponto de vista do programa, este miradouro também previa o apetrecho das dependências subsidiárias do mercado: os armazéns das lojas, o espaço de armazenamento dos utensílios do mercado, a habitação do guarda, os armazéns frigoríficos e as instalações sanitárias que, situadas no exterior, serviriam a um tempo tanto o mercado como os visitantes do miradouro. Fig. 297 – António Varela, Mercado de Coimbra, corte longitudinal norte-‐sul, 1937. O sistema construtivo foi desenvolvido em parceria com o engenheiro Pacheco de Sousa e consistiria, à semelhança da fábrica de Matosinhos, edificada um ano depois, de uma estrutura de pilares e vigas em betão armado e uma cobertura em fibro-cimento assente sobre asnas metálicas [fig.297]. As paredes seriam de alvenaria de pedra e as guarnições dos vãos em «cantaria da região»5. No interior, previa-se um revestimento dos pavimentos e das paredes laváveis, composto por elementos cerâmicos até quatro metros de altura, o que parece justificar-se por motivos de higiene e limpeza. No resto do edifício seria aplicado o «sistema cavanite» projectado, típico da época, como substituição do recurso à pedra natural, e que permitiria – tal como mais tarde viria a empregar nas fachadas da Fábrica de Matosinhos –, a expressão esterotómica de um aparelho regular. 5 O artigo não menciona nenhum outro indício a este respeito, embora pareça tratar-se de um aparelho de granito. 353