Ensaios Pedagógicos

Transcrição

Ensaios Pedagógicos
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
IV Seminário Nacional
de Formação
de Gestores
e Educadores
SECRETARIA
DE EDUCAÇÃO
ESPECIAL
BRASÍLIA --1DF
2007
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Especial
Departamento de Políticas de Educação Especial
Coordenação Geral de Articulação da Política de Inclusão
Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)
Centro de Informação e Biblioteca em Educação (CIBEC)
Ensaios pedagógicos. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Especial, 2007.
194 p.
ISBN: 978-85-60331-25-3
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores -Educação Inclusiva : direito à diversidade.
1. Educação inclusiva. 2. Inclusão educacional. I. Brasil.
Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. II. Título.
CDU 376
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IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Apresentação
Ensaios Pedagógicos
A coletânea de textos que compõe os Ensaios Pedagógicos aqui apresentados é o
resultado das palestras que pautaram o IV Seminário Nacional do Programa Educação
Inclusiva: direito à diversidade, realizado pela Secretaria de Educação Especial do
Ministério da Educação (MEC), envolvendo os 147 municípios-pólo do Programa, os 26
Estados e o Distrito Federal no debate sobre a elaboração de uma política nacional de
educação especial na perspectiva da educação inclusiva.
Os Ensaios Pedagógicos refletem o contexto de redefinição das políticas públicas e
afirmação de um sistema educacional inclusivo; um momento marcado pela ampliação
da pesquisa educacional que passa a reconhecer os limites e dificuldades para enfrentar
os desafios colocados a partir de uma visão mais complexa. Assim, suas contribuições
permitem refletir sobre a realidade educacional e articular diferentes saberes em torno
das questões educacionais, como o trabalho docente, as práticas pedagógicas e as relações
entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, bem como ações
que rompem com a visão reducionista de eqüidade e assumem o compromisso com a
visão emancipatória de articulação do direito à igualdade e valorização das diferenças
na escola.
Ao discorrer acerca do processo de discussão, construção e implementação da
Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, o artigo
Educação Especial: a travessia na tempestade, das autoras Cláudia Pereira Dutra e Cláudia
Maffini Griboski
Griboski, situa-se em torno de três eixos: o movimento da educação inclusiva, a
necessidade de configuração de uma nova política nacional de educação especial e as
ações e estratégias de implementação dessa proposta educacional articuladas pela
Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação. Permeado pela premissa de
reconhecimento do direito à educação de qualidade e emancipadora para todos os
alunos, o artigo explicita os princípios condutores da organização dos sistemas de ensino
para a transformação em sistemas educacionais inclusivos, problematizando os
fundamentos integracionistas da Política Nacional de Educação Especial de 1994.
O artigo diz que o momento atual de reconfiguração das ações político-organizacionais
da educação especial instaura um novo tempo de atuação coletiva, reafirmando a
autonomia como finalidade da educação.
Denise de Oliveira Alves e Kátia Aparecida Marangon Barbosa
Barbosa, objetivando discutir
as concepções advindas dos paradigmas de integração e inclusão na educação, no artigo
Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva –
problematizações conceituais, discorrem a respeito dos conceitos de educação especial
e sua função no sistema de ensino, lançando princípios orientadores para a
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reinterpretação do atendimento educacional especializado, à luz dos pressupostos da
educação inclusiva. Na proposição teórica, as autoras indicam o movimento de inclusão
como uma ruptura quanto aos paradigmas de educação especial anteriores e investem
nessa concepção como possibilidade de transformar os sistemas de ensino em espaços
de aprendizagem e participação de todos os alunos, por meio do trabalho colaborativo
entre profissionais da educação comum e profissionais da educação especial.
No artigo Educação Inclusiva: mais qualidade à educação, David Rodrigues
questiona o uso do termo “qualidade” como um valor normativo e absoluto, que ignora
os contextos educativos e, desse modo, as condições históricas em que se define o
conceito. O autor traz à tona a importante relação entre a qualidade e a inclusão,
chamando atenção para a valorização da prática educacional inclusiva e das turmas
heterogêneas representativas da comunidade. Em contraposição à idéia de qualidade
associada a critérios meritocráticos de competição e seleção, propõe inverter essa lógica
definindo qualidade como “uma gama alargada de saberes, competências e atitudes
que se reporte a diferentes atores, diferentes capacidades e a diferentes objetivos de
aprendizagem”. Para contribuir com o debate no Brasil, aborda políticas públicas de
educação inclusiva, dando ênfase no fortalecimento da escola para responder aos diversos
desafios postos pela inclusão.
Em Berço das desigualdades, José Pacheco inspira-se na obra de Sebastião
Salgado, nas imagens de crianças vítimas das desigualdades, para afirmar que a “escola,
concebida como berço de oportunidades ainda é um berço de desigualdades”. Assim,
questiona no âmbito das políticas educacionais, as medidas avulsas para atender a
questões de natureza global, que ultrapassam as fronteiras da escola e da sala de aula.
Também alerta as escolas para uma massificação que significa o tratamento aos desiguais
como se fossem iguais, que se confirma nos processos de exclusão e resistência a uma
pedagogia diferenciada; processos podem ser superados pelo potencial transformador
dos professores.
aermann Eizirik
Eizirik, propõe
O artigo A inclusão como dispositivo, de autoria de Marisa FFaermann
a análise da inclusão pelo seu avesso, ou seja, a exclusão. Segundo a autora, pensar a
inclusão escolar como um projeto revolucionário, em processo de implantação, demanda
a gestação de uma mentalidade inclusiva, constituinte de novas formas de subjetividade.
A contextualização referenciada nos pressupostos de Michel Foucault indica três tópicos
de análise: a inclusão como dispositivo; os dispositivos de poder; e o desafio da diferença.
Na análise, a educação inclusiva é concebida como uma prática revolucionária, uma vez
que desaloja poderes e saberes instituídos e conduz à articulação de estratégias
transformadoras, que não consistem em repetição, mas em inovação; em gestar o novo,
o fazer educacional desconhecido a partir do embate com o tradicional, com o
estabelecido.
Sob o título Sobre o especial na e o especial da educação – breves considerações,
Maria T
eresa Mantoan diferencia as expressões da e na educação, ensejando ampliar o
Teresa
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IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
debate para a tomada de posição quanto aos rumos que a educação brasileira deve
seguir. A autora pontua que, seguindo os pressupostos fundadores da educação inclusiva,
dentre esses, o princípio de uma escola para todos, o especial na educação refere-se ao
complemento da formação dos alunos com deficiência, ou seja, o atendimento
educacional especializado, que deve assegurar o prosseguimento da escolarização nas
escolas comuns, sem assumir a condição de substituir a escolarização. Por sua vez, o
especial da educação refere-se à ressignificação da escola comum no que tange ao
atendimento às diferenças e à superação dos ditames modernos enrijecedores da prática
educativa. De acordo com a autora, compreendendo o especial na e da educação especial
sob o referencial do reconhecimento e valorização das diferenças, poderão ser construídos
novos pilares para a sustentação da escola.
Inserindo na discussão, Claudio Roberto Baptista apresenta reflexões no artigo
Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos quanto ao futuro da inclusão
escolar? As questões pontuadas discorrem sobre como provocar mudanças e qual a direção
para que a educação inclusiva se consolide. Provoca todos para a tarefa do diálogo que
não simplifique os desafios postos para instituição da nova política anunciada e permita
realizar um movimento no movimento. Diante da intensidade das perguntas, chama
atenção para o envolvimento de outros setores para a viabilização do processo inclusivo
no ensino comum, que não se restringe a educação especial. Atento ao conceito de
“necessidades educacionais especiais” que tem orientado a política educacional,
considera os efeitos de abandonar o termo associado ao contexto e adotar parâmetros a
partir da deficiência que podem valorizar o diagnóstico e acentuar os rótulos. Propõe um
aprofundamento da dimensão pedagógica, função da sala de recursos e ação do professor,
considerando o desafio de pensá-los de forma articulada a um projeto geral que valorize
a inclusão.
No artigo, O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva,
Soraia Napoleão FFreitas
reitas e Antônio do Carlos do Nascimento Osório incentivam essa
reflexão, considerando que currículo pode ser um instrumento de compreensão e
organização do conhecimento fragmentado e disciplinar, consolidado por meio de
estruturas reguladoras, fruto das relações de poder e dos conflitos culturais. Situando
suas referências no contexto da educação inclusiva e das mudanças na política de
educação especial, analisam a perspectiva curricular que tem o aluno como centro do
processo de aprendizagem e sujeito do próprio conhecimento. Assim problematizam
o currículo anunciado como redenção de justiça e cidadania, inserindo este no espaço
dinâmico e contraditório das disputas e conflitos, não como receptáculo de conteúdos.
Ao pensá-lo como eixo articulador das concepções macro e micro estrutural,
aproximando as práticas pedagógicas e práticas sociais exercidas, são identificadas as
possibilidades de construção de um currículo crítico que não represente seletividade
social e pedagógica.
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Eduardo José Manzini
Manzini, partindo da constatação da crescente presença de alunos
com deficiência nas classes comuns de ensino regular, incentivada por meio de
campanhas sobre inclusão e pela legislação que respalda o direito ao trabalho, educação
e acessibilidade, escreve sobre a Formação continuada do professor para atender à
Educação Inclusiva. Nesse contexto, destaca as leis que já influenciam os cursos de
formação de professores, a inserção de disciplinas voltadas ao atendimento a alunos
com deficiência em vários currículos de pedagogia e as pesquisas que indicam avanço
na busca de preparação por parte dos docentes. Sobre a formação continuada, aponta
que os planos de aula precisam ser revitalizados tornando possível o ensino reflexivo e
a colaborativo, que a opção teórica que fundamenta a prática precisa ser compreendida
pelo docente, de forma que possibilite conduzir, explicar, avaliar, reformular seu plano
de ensino, assim “criar condições para que o seu aluno consiga tomar posse do currículo
que ele precisa”.
Soraia Napoleão de FFreitas
reitas e Denise de Souza Fleith
Fleith, contemplando a reflexão
acerca das diferentes manifestações presentes no contexto escolar, introduzem a temática
Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação e a formação
docente sob a ótica da diversidade e da inclusão. Para as autoras, o movimento de
valorização das diferenças sociais, emocionais, cognitivas, físicas e culturais e por uma
educação que atenda às necessidades dos alunos, implica modificar suas práticas, de
modo a contemplar diferentes estilos e ritmos de aprendizagem, habilidades e interesses
em sala de aula. Assim, a formação inicial e continuada de professores deve indicar
respostas compatíveis às propostas educacionais inclusivas, criando estratégias para a
inclusão dos alunos superdotados que têm acesso à educação em classes comuns, porém
não encontram oportunidades educacionais adequadas aos seus interesses e
competências. Relacionam a resistência à implementação de políticas nesta área as
compreensões equivocadas e estereotipadas acerca dos alunos com altas habilidades/
superdotação, que desconsideram as importantes relações entre as características
individuais e os fatores socioculturais envolvidos nessa definição.
Maria Amélia Almeida
Almeida, no artigo Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo
Brasil em relação a outros países buscou pontuar os principais acontecimentos políticos,
sociais e legais que marcaram o percurso brasileiro e mundial da educação especial em
direção à consolidação da proposta de educação inclusiva. O artigo demarca a relação
existente as políticas públicas e os principais eventos sociais, e como esses definiram as
ações educacionais das pessoas com deficiência. Nos encaminhamentos finais, a autora
ressalta que os sentimentos de insegurança, incerteza e desassossego, que poderão
permear a prática do professor no processo de implementação da Política Nacional de
Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva, podem transformar-se em
possibilidades de mudança e transformação dos sistemas de ensino brasileiros.
Sob o título Inclusão de surdos: pela peça que encaixa nesse quebra-cabeça, Ronice
Müller de Quadros
Quadros, defende que no caso da inclusão dos surdos a peça que se encaixa
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IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
na política é a garantia de uma educação de qualidade na língua de sinais. Diante das
políticas públicas que defendem o direito dos alunos freqüentarem as escolas da sua
comunidade, reforça que deverão ter condições escolares na “escola da esquina do seu
bairro”, o que impõe uma educação que assegure as questões lingüísticas. Considerando
as alternativas para eliminar as barreiras nas comunicações nas escolas com matrícula de
alunos surdos, questiona a viabilidade econômica de disponibilizar intérpretes, bem como
as questões metodológicas que deixam a desejar. Ao concluir, manifesta que os surdos
apesar de insatisfeitos com algumas propostas pedagógicas, estão interessados no sucesso
das políticas educacionais, existindo, portanto, possibilidade de negociação e
aproximação, em uma perspectiva que consolide os princípios da inclusão e a garantia
dos direitos humanos.
adeu Marques da
Outro importante enfoque estabelecido por Ricardo T
Tadeu
Fonseca
Fonseca, em seu artigo Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso
ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência, situa a atuação do Ministério
Público para a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e,
paradoxalmente, as condições de exclusão e ausência de cidadania ainda presentes.
Na análise registra a relação entre as transformações no mundo do trabalho, a
globalização, os avanços da tecnologia e a crise de valores humanos que marcam
nosso tempo, destacando que as respostas à crise são geradas no seu interior pela
afirmação dos movimentos que emergem na defesa dos direitos humanos. Para a
superação das barreiras físicas e atitudinais que limitam a participação das pessoas
com deficiência enfatiza a idéia de sociedade inclusiva, destacando a Convenção da
ONU aprovada em 2006, como instrumento jurídico importante para que os direitos
já construídos anteriormente sejam efetivamente aplicados às pessoas com
deficiência, dentre eles o direito ao trabalho.
A mobilização social e o protagonismo das pessoas com deficiência são debatidos
por Martinha Clarete Dutra no texto Inclusão social da pessoa com deficiência: uma
questão de políticas públicas, no qual defende um movimento pedagógico das políticas
voltado às pessoas com deficiência, de forma que passem atender ao princípio de
desenvolvimento da autonomia, independência e emancipação da pessoa com
deficiência. Nesse percurso, alerta para o controle social que pode ser consolidado por
meio da atuação dos Conselhos de defesa de direitos das pessoas com deficiência,
paritários e representativos, que têm competência para propor, avaliar e acompanhar as
ações para a inclusão e garantia dos direitos.
Na perspectiva contribuir para reduzir a distância existente entre a produção acadêmica
e a realidade educacional, José Geraldo Silveira Bueno apresenta o artigo intitulado
A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar e Desigualdades Sociais,
referente ao trabalho do grupo de pesquisa coordenado por ele na PUC/SP. Desse modo,
explicita duas frentes de estudos, uma referente aos processos de escolarização e seletividade
escolar e outra sobre políticas e práticas de inclusão escolar; também ressalta as tendências
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da produção discente do Programa em um balanço que reflete as trajetórias investigativas do
grupo, voltadas aos processos de inclusão e exclusão escolar.
Conforme Dulce Barros de Almeida
Almeida, apesar de importantes avanços alcançados, a
universidade brasileira tem sido marcada pela exclusão das camadas menos favorecidas,
dentre elas as pessoas com deficiência. Buscando discutir tais questões, traz o artigo
O papel da universidade diante da inclusão, identificando processos de massificação da
educação superior sem democratização do acesso. Ao mesmo tempo em que reafirma a
responsabilidade do Estado na política de educação superior, chama cada instituição a
reverter o quadro atual e desafia todos os educadores a refletir sobre as políticas de
combate a exclusão e oportunidades oferecidas para que todos possam usufruir seus
direitos enquanto cidadãos. Para contribuir, faz um relato de ações efetivadas pela
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, avançadas em relação à
inclusão escolar e a formação comprometida de modo a beneficiar pessoas marginalizadas
do processo educacional.
Luzia Lima-Rodrigues apresenta o artigo Percursos de Educação Inclusiva em
Portugal: dez estudos de caso, que reflete as iniciativas do projeto realizado pelo Fórum
de Estudos de Educação Inclusiva -- Universidade Técnica de Lisboa. O estudo buscou
identificar as representações/percepções da comunidade escolar relativas aos aspectos
facilitadores e às barreiras para a inclusão, relacionando-as com as perspectivas mais
recentes da inclusão. Assim, a autora descreve as etapas do projeto, incluindo a seleção,
os instrumentos utilizados para caracterizar as escolas e para conhecer a opinião dos
entrevistados, os procedimentos e a análise dos discursos. Conclui que as “boas práticas”
não são as melhores práticas nem receitas perfeitas para a inclusão, mas o percurso
realizado pelas escolas para se tornarem mais inclusivas.
A partir de um breve histórico que envolve a organização dos movimentos das
pessoas com deficiência, fins da década 1970 e início dos anos 1980, Joiran Medeiros
da Silva descreve sobre a Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão,
citando as lutas que alavancaram uma mudança de postura com relação às pessoas com
deficiência. Seu olhar volta-se para a importância da educação inclusiva na rede pública
estadual, processo iniciado em 1991 e considerado inovador por desativar as classes
especiais e efetuar a matrícula de todos os alunos nas classes comuns do ensino regular.
Diante dos questionamentos da viabilidade da inclusão, destaca a criação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), contribuindo na formação continuada de
professores e o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade que fortalece o trabalho
da Superintendência de Educação Especial na sustentação do processo de escolarização
dos alunos com necessidades educacionais especiais.
Na introdução do texto Educação Inclusiva: um processo em construção, Mércia
Maria Melo dos Santos , lança a reflexão sobre o porquê pensar em uma política de
inclusão e o significado de incluir, percebendo que falar de inclusão é também falar
de exclusão. Buscando pensar em tais questões, se a escola persegue direito
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IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
educacional de todos os alunos, faz um relato das ações da educação especial no
município de Recife demonstrando que os avanços acontecem e que há uma gradativa
transformação no sistema educacional. Ao considerar que a inclusão não diz respeito
apenas às pessoas com deficiência e que não basta o acesso físico na escola para
modificar a realidade excludente, a autora defende a necessidade de gerar serviços
de apoio para o processo inclusivo.
ieira de FFigueiredo
igueiredo
Para Rita V
Vieira
igueiredo, em A construção da Escola Inclusiva: uma meta
possível, transformar as escolas visando à inclusão e ao acesso de todos os alunos no
ensino regular exige investimento, especialmente na formação dos professores para
responder a diversidade dos seus alunos e possibilitar uma mudança na cultura da escola.
Essa nova organização da gestão e do ensino é abordada a partir de uma visão de
redimensionamento da organização do tempo e do espaço educativo e do seu sistema
de valores, que deve ser pautado no compromisso de toda a comunidade. Para ilustrar
esse processo, a autora traz o relato de uma professora que nos permite penetrar no
cotidiano da sala de aula, ouvir sua voz e compartilhar uma experiência que englobou
aspectos do planejamento, estratégias e apoios pedagógicos, da relação no grupo de
alunos, da reflexão e formação docente e da contribuição do grupo de pesquisa da
Universidade Federal do Ceará.
A inclusão na educação infantil é o objeto do trabalho desenvolvido por Marilda
Moraes Garcia Bruno
Bruno, em A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas
públicas e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil. A perspectiva é enfocar
o conceito de educação infantil como direito social, em contraposição ao assistencialismo
que historicamente referendou as práticas nessa área, introduzindo concepções mais
atuais sobre o espaço privilegiado da educação infantil para conviver com a diversidade
cultural e social e combater a exclusão das crianças com deficiência. Ao discutir as políticas
públicas analisa que as preocupações com a inclusão educacional de crianças com
deficiência são recentes no Brasil e que a integralidade dos direitos está longe de ser
garantida. Ressalta que o atendimento educacional especializado deve iniciar na educação
infantil, envolvendo a escola, a família e a comunidade; sendo à oferta limitada de vagas
e de professores com formação para lidar com a diversidade e atuar na educação infantil,
um grande desafio a ser enfrentado.
ontes e Rebecca Monte Nunes Bezerra
Por fim, Patrícia Albino Galvão P
Pontes
Bezerra, no artigo
A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das pessoas com deficiência
à educação, discorrem acerca dos direitos constitucionais das pessoas com deficiência,
dentre esses, a educação. As autoras defendem a construção de uma sociedade e de
uma escola inclusiva e problematizam as práticas educacionais realizadas em escolas e
classes especiais, considerando estas formas de exclusão social. Tendo como princípio
que o convívio com a diversidade favorece a construção da cidadania, o artigo descreve
as ações que o Ministério Público do Rio Grande do Norte, em parceria com a Empresa
de Correios e Telégrafos, articulou para a identificação das pessoas com deficiência que
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não freqüentavam a escola. Diante da realidade encontrada, as autoras pontuam as
providências que foram implementadas para a promoção da inclusão educacional.
Espera-se que os textos compilados nessa produção possam qualificar o debate
visando, não a superação dos impasses subjacentes ao contexto de implementação da
educação inclusiva no Brasil, mas um aprofundamento que amplie a capacidade de diálogo
e interação na construção de uma política renovada de educação especial inserida na
proposta global de educação inclusiva.
Claudia Pereira Dutra
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IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Sumário
Educação Especial: a travessia na tempestade ........................................................... 13
Claudia Pereira Dutra e Cláudia Maffini Griboski
Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva – problematizações conceituais .................................................................. 23
Denise de Oliveira Alves e Kátia Aparecida Marangon Barbosa
Educação Inclusiva: mais qualidade à educação ....................................................... 29
David Rodrigues
Berço das desigualdades ........................................................................................... 37
José Pacheco
A Inclusão como dispositivo ...................................................................................... 39
Marisa Faermann Eizirik
Sobre o especial na e o especial da educação -- breves considerações ..................... 49
Maria Teresa Eglér Mantoan
Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos quanto ao
futuro da inclusão escolar? ........................................................................................ 55
Claudio Roberto Baptista
O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva ........................... 63
Soraia Napoleão Freitas e Antônio Carlos do Nascimento Osório
Formação continuada do professor para atender à Educação Inclusiva ................... 77
Eduardo José Manzini
Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação e a
formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão ...................................... 85
Soraia Napoleão Freitas e Denise de Souza Fleith
Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em relação a outros países ..... 95
Maria Amelia Almeida
11
Inclusão de surdos: pela peça que encaixa nesse quebra-cabeça ............................ 105
Ronice Müller de Quadros
Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso ao mercado de
trabalho para as pessoas com deficiência ................................................................ 109
Ricardo Tadeu Marques da Fonseca
Inclusão social da pessoa com deficiência: uma questão de políticas públicas ........ 117
Martinha Clarete Dutra
A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar e
Desigualdades Sociais ............................................................................................. 121
José Geraldo Silveira Bueno
O papel da universidade diante da inclusão ........................................................... 133
Dulce Barros de Almeida
Percursos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso ......................... 141
Luzia Lima-Rodrigues e David Rodrigues
Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão ............................ 149
Joiran Medeiros da Silva
Educação Inclusiva: um processo em construção .................................................... 157
Mércia Maria Melo dos Santos
A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível .............................................. 163
Rita Vieira de Figueiredo
A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e da prática
pedagógica no contexto da Educação Infantil ......................................................... 173
Marilda Moraes Garcia Bruno
A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das pessoas com
deficiência à educação ............................................................................................ 187
Patrícia Albino Galvão Pontes e Rebecca Monte Nunes Bezerra
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IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Educação Especial: a travessia na tempestade
Claudia Pereira Dutra1
[email protected]
Cláudia Maffini Griboski2
[email protected]
1 Da repetição ao movimento
(...) o presente tende a eternizar-se como monotonia da novidade programa e
monocultura da diversidade reprimida ou tolerada, devorando tanto o passado
como o futuro. É esta a nossa condição actual. Vivemos num tempo de repetição,
e a aceleração da repetição produz simultaneamente uma sensação de vertigem
e uma sensação de estagnação (SANTOS, 2006, p. 67).
Vivemos um processo de ampla discussão a respeito da Política Nacional de
Educação Especial, que reflete um momento de efervescência no campo do debate
acadêmico, das propostas pedagógicas e das políticas educacionais envolvendo a análise
da complexidade dos conceitos de inclusão e atendimento às necessidades educacionais
especiais dos alunos no âmbito do sistema de ensino regular. Uma época que não mais
se assenta em pressupostos, até pouco tempo vigentes, da defesa dos espaços segregados
de ensino, da repetição das dificuldades das escolas e sistemas de ensino, das suspeitas
sobre os riscos de mudança ou da conformidade com o que estava naturalizado.
Considerando o contexto histórico e político da produção desse movimento,
passamos a chamá-lo de travessia na tempestade por estar configurado em um conjunto
de reflexões situadas como conhecimentos e opções que se reconhecem e buscam uma
intervenção sobre a realidade, gerando um processo de intensificação da ação
transformadora capaz de provocar deslocamento no pensamento normativo. Diante do
que estava estabelecido como uma polarização entre chamados radicais e os
autoproclamados responsáveis, ou seja, entre os defensores da inclusão incondicional e
aqueles da inclusão sempre que possível, o campo da educação especial passa, de fato,
a discutir o propósito da educação inclusiva e buscar sua implementação.
1
2
Secretária de Educação Especial – SEESP/MEC.
Diretora de Políticas de Educação Especial – SEESP/MEC.
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Educação Especial: a travessia na tempestade
Stainback (1990), enfatizando esse movimento de transformação, aponta os efeitos
prejudiciais da exclusão e os benefícios que a inclusão traz para os alunos, os professores,
para a vida das pessoas com deficiência e toda a sociedade:
Em geral, os locais segregados são prejudiciais porque alienam os alunos. Os
alunos com deficiência recebem, afinal, pouca educação útil para a vida real, e
os alunos sem deficiência experimentam fundamentalmente uma educação
que valoriza pouco a diversidade, a cooperação e o respeito por aqueles que
são diferentes. Em contraste, o ensino inclusivo proporciona às pessoas com
deficiência a oportunidade de adquirir habilidades para o trabalho e para a vida
em comunidade. Os alunos com deficiência aprendem como atuar e interagir
com seus pares no mundo “real”. Igualmente importante, seus pares e também
os professores aprendem como agir e interagir com eles (STAINBACK, 1999,
p. 25).
No sistema educacional brasileiro, observa-se que nos últimos anos acontece
uma mudança desde a perspectiva dos pais, dos profissionais da educação e da
organização das escolas que cada vez mais estão atentos para uma reestruturação
do sistema educacional e a construção de uma escola inclusiva, agora entendida
como um projeto coletivo. Consolida-se como premissa básica que o objetivo a ser
alcançado é uma educação inclusiva que não rejeite nenhum aluno, que reconheça
todos como sujeitos de direito à educação e mobilize os elementos necessários para
sua autonomia, participação e aprendizagem, promovendo novos valores e práticas
educacionais.
A partir da reflexão acerca da concepção tradicional da educação, dos seus padrões
de homogeneidade e seletividade usados como referência para a organização de políticas
curriculares que, muitas vezes, foram indiferentes à discriminação e aos preconceitos
presentes no âmbito da escola, somos desafiados a construir caminhos que para, além
de garantir o acesso de todos à escola, levem a assumir a tarefa de reestruturar a educação
especial, visando superar totalmente a idéia de uma modalidade que substitui à
escolarização nas turmas comuns do ensino regular.
Sánchez (2005) afirma que a educação inclusiva centra-se em como apoiar as
qualidades e as necessidades de cada um e de todos os alunos na escola:
Requer pensar na heterogeneidade do alunado como uma situação normal do
grupo/classe e pôr em macha um delineamento educativo que permita aos
docentes utilizar os diferentes níveis instrumentais e atitudinais como recursos
intrapessoais e interpessoais que beneficiem todos os alunos (SÁNCHEZ, 2005,
p.12).
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IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Nessa travessia, a perspectiva de criar as escolas inclusivas que respondam às
necessidades de seus alunos exige uma revisão da Política Nacional de Educação Especial
– 1994 que foi fruto da concepção integracionista, cujo modelo condicionava o acesso
nas classes comuns do ensino regular àqueles alunos considerados aptos ou adaptados
às condições e ritmo de aprendizagem da turma. As novas diretrizes propostas devem
ultrapassar o modelo que incrementa as escolas e classes especiais, formando um sistema
separado ao ensino regular e potencializar um projeto compartilhado de inclusão nas
escolas públicas.
O debate tem se efetivado por meio dos Seminários do Programa Educação
Inclusiva: direito à diversidade, envolvendo gestores dos 147 municípios-pólos e
Dirigentes Estaduais de Educação Especial dos 26 Estados e o Distrito Federal, da
Comissão formada com representantes da Federação Nacional das Apaes (Fenapae),
da Federação Nacional das Pestalozzi (Fenasp), da Federação Nacional de Síndrome
de Down, da Federação Nacional de Educação de Surdos (Feneis), da União Brasileira
de Cegos (UBC), dos dirigentes do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), do
Instituto Benjamin Constant (IBC), da Coordenadoria Nacional de Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência (Corde), do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos das
Pessoas Portadoras de Deficiência (Conade), do Ministério da Saúde (MS) e do Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), da Confederação Nacional de
Trabalhadores de Educação (CNTE), do Conselho Nacional de Educação dos Estados
(Consed), da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e outros
fóruns com Instituições de Educação Superior vinculados a programas de educação
especial e educação inclusiva. Para acompanhar esse processo de elaboração da nova
política nacional de educação especial, foi instituído um Grupo de Trabalho, nomeado
pela Portaria Ministerial nº 555/2007, composto por professores de instituições de
educação superior, coordenado pela Secretaria de Educação Especial.
Sem uma solução única e capaz de servir de modelo a todas as escolas, muitas são
as questões colocadas pelos diferentes atores que fazem parte desse amplo espaço de
reflexão que se forma em torno da construção da política nacional de educação especial.
O interessante é perceber que todos já têm claro que esse é um processo que não tem
volta, a sociedade exige a garantia dos seus direitos e as experiências de inclusão
educacional já conseguem indicar as principais razões de se lutar por ela.
2 Por que uma nova política de educação especial?
Os fundamentos de uma nova política de educação especial na perspectiva da
educação inclusiva já estão colocados e apontam para uma reestruturação dos sistemas
de ensino que permita à educação especial deixar de ser um lugar para onde a família ou
a escola encaminham o aluno e passa a integrar o projeto pedagógico das escolas. Dessa
forma, a educação especial constitui-se como um campo de conhecimento e, no que se
15
Educação Especial: a travessia na tempestade
refere ao ensino, realiza o atendimento educacional especializado e a oferta do conjunto
de serviços e recursos, presente nas relações curriculares que se estabelecem no universo
da escola e dos sistemas de ensino.
As principais premissas que indicam as razões para a adoção de uma política
nacional de educação especial fundamentada nos princípios de educação inclusiva se
referem à força do movimento social que impulsiona a concepção e a construção de
uma sociedade inclusiva; a perspectiva das políticas públicas que redireciona as ações
para sustentabilidade do processo de inclusão; e a ênfase nas práticas pedagógicas e de
gestão democrática que conduzem para a mudança da cultura da escola.
A primeira premissa diz respeito ao movimento da educação inclusiva que passa a
exigir dos sistemas de ensino uma postura diante da exclusão educacional, tornando
visível à questão estrutural do sistema público de educação que por muitos anos não
incorporou a inclusão como um princípio. Ao disseminar os princípios da inclusão, ao
denunciar a discriminação de alunos com deficiência e ao afirmar que todos os alunos
devem estar na mesma escola tendo acesso ao currículo comum, o movimento social faz
uma ressignificação do sentido dado à igualdade e às diferenças passando a reverter o
falso quadro de igualdade de oportunidades educacionais que envolvem a realidade das
pessoas com deficiência.
A visibilidade do movimento pela inclusão, que se refere não apenas às pessoas
com deficiência, impulsiona a valorização da diversidade como um fator de qualidade
da educação que tradicionalmente foi vista na escola sob o prisma negativo. A educação
inclusiva traz à tona a questão do direito de todos a educação e o atendimento às
necessidades educacionais especiais dos alunos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, enfatizando o acesso, a
participação e a aprendizagem. Nessa visão, promover a participação e o respeito às
diferenças significa enriquecer o processo educacional, reconhecendo a importância
do desenvolvimento das potencialidades, saberes, atitudes e competências de todos
os alunos.
A segunda premissa diz respeito ao posicionamento do Ministério da Educação
desencadeando uma ação direta com gestores e educadores de todo o País, que passa a
afirmar os referenciais da educação inclusiva e promover a articulação para a sua
concretização. A participação dos dirigentes de educação especial nos seminários e cursos
de formação continuada tem sido embasada no conceito da emancipação dos sujeitos,
que os faz protagonistas dessa transformação e não meros receptores de informações
técnicas ou metodologias de ensino. Assim, a mudança de postura da gestão educacional
no âmbito nacional, estadual e municipal diante dos desafios colocados pela inclusão
torna-se um dos elementos fundamentais desse processo.
A partir do diálogo e da colaboração entre todos os segmentos foi sendo alcançado
um grau elevado de pactuação em torno da proposta gestada que passa a ser
compartilhada, possibilitando na sua realização agregar outros interlocutores e construir
16
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
condições de autonomia. Nesse cenário, outro diálogo importante tem se efetivado com
os órgãos consultivos diante da necessidade de alteração das diretrizes nacionais da
educação especial na educação básica para que possam incidir no âmbito da gestão
educacional possibilitando ultrapassar os entraves postos nos documentos anteriores
que permitem a manutenção dos pilares de sustentação da política de integração,
contrariando os princípios de uma escola inclusiva.
A terceira premissa refere-se às novas práticas pedagógicas e de gestão que fazem
da sala de aula e de toda a escola um ambiente democrático de descoberta e construção
do conhecimento, permitindo refletir sobre o conjunto de mudanças que envolvem a
reestruturação dos sistemas de ensino que orientou para a escolarização de pessoas com
deficiência em espaços segregados e currículos adaptados. Ultrapassando a concepção
de deficiência como uma limitação do aluno que não estabelece a sua relação com as
barreiras presentes no ambiente, a escola passa a se constituir como um espaço
preferencial para o desenvolvimento de competências e o incentivo às diferentes
manifestações de ordem social, afetiva ou cognitiva, possibilitando aos alunos interagir
com autonomia na sociedade.
A partir das experiências de educação inclusiva o ensino regular deixa de ser
concebido como espaço de regulação da média dos alunos e a educação especial como
o lugar de acolhimento dos alunos considerados fora dos padrões estabelecidos pelas
práticas de conhecimento que repetem modelos homogeneizadores de ensino. A escola,
pensada para todos os que dela foram excluídos e para aqueles que dentro dela são
excluídos, afirma a relação entre a inclusão escolar e a qualidade do processo educacional
ao eliminar os preconceitos, ampliar valores e construir aprendizagens, beneficiando a
comunidade inserida nesse contexto de convivência com as diferenças.
3 Implementação da Política Nacional de Educação Especial
O movimento em torno de implementação da Política Nacional de Educação
Especial na perspectiva da educação inclusiva impulsiona as transformações para um
redimensionamento da educação brasileira, que de fato seja para todos, que dê conta
de uma renovação que considere a diversidade humana, que tenha como meta eliminar
todas as barreiras e possibilitar o acesso e a participação plena das pessoas com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, construindo
uma sociedade inclusiva. No centro dessa discussão, está a sua relação com a formação
dos professores, o atendimento educacional especializado e as condições de
acessibilidade.
A reflexão acerca da formação de professores para a atuação na perspectiva da
educação inclusiva assume posição de destaque nas abordagens que propõem
redimensionar o trabalho docente, ultrapassando a visão de um ensino e um espaço que
se organiza com base na deficiência, passando a pensar uma educação geral que inicia
17
Educação Especial: a travessia na tempestade
por anular as formas excludentes de organização de sistemas paralelos de ensino e
impulsiona as transformações no âmbito da escola pública. A efetivação dessa proposta
tem proporcionado o diálogo entre diferentes posicionamentos quanto à necessidade
de redimensionar a ação pedagógica e reinterpretar as funções dos profissionais que ali
atuam.
A alteração na formação de professores representa muitos desafios ao mesmo tempo
em que apresenta também possibilidades de desenvolvimento da competência
profissional do educador para atender as diferenças na escola. Esse contexto implica
uma redefinição curricular que responda às necessidades de formação dos professores
do ensino regular fundamentada na inclusão de todos os alunos e nas dimensões
fundamentais da diversidade e heterogeneidade. A formação para o atendimento
educacional especializado implica o desenvolvimento dos conhecimentos específicos
nas diferentes áreas do ensino especial, que de forma complementar ou suplementar à
escolarização, se caracterizam como constituinte da formação integral do aluno e para o
acesso ao currículo.
A formação na perspectiva da educação inclusiva exige dos professores uma busca
constante de informações e revisão de suas práticas, consolidada a partir da participação
em cursos de formação continuada e desenvolvimento profissional. Esse processo conduz
a uma mudança de atitude, à aquisição de novas competências profissionais e ao
desenvolvimento do trabalho compartilhado entre os docentes e outros profissionais da
educação, que contribua para a qualidade do ensino em toda a escola. Assim, é importante
que a formação docente contemple os conhecimentos acerca da aprendizagem e da
construção do conhecimento, posicionando-se em favor de um projeto pedagógico que
tenha presente um planejamento de atividades e um processo avaliativo que desenvolva
as potencialidades, a criatividade e a emancipação dos alunos.
A presença dos alunos com deficiência na escola comum faz com que a
organização da escola seja repensada no que se refere às tecnologias, recursos e
conhecimentos necessários para fazer avançar no desenvolvimento de um currículo
dinâmico e flexível que promova a aprendizagem de todos os alunos. Para tanto, uma
questão determinante na formação é a tomada de decisão do professor sobre as
metodologias e estratégias pedagógicas a serem utilizadas de modo a beneficiar o
processo educacional inclusivo.
A formação de professores deve contemplar a dimensão da educação para todos
no contexto das diferentes formas de aprender e de ensinar, interagindo por meio de
estudos que levem adiante os pressupostos trazidos pela Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência, aprovada pela em 2006, de assegurar um sistema de
educação inclusiva em todos os níveis de ensino em ambientes que maximizem o
desenvolvimento acadêmico e social, compatível com a meta de participação plena
garantindo o acesso ao ensino inclusivo, gratuito e de qualidade.
18
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
A implementação da política de educação inclusiva traz no seu bojo o fortalecimento
da oferta do atendimento educacional especializado, trazendo clareza do seu significado
para a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento
e altas habilidades/superdotação. A concepção de atendimento educacional especializado
ultrapassa o entendimento desse como atividade concernente à área da saúde ou como
mera repetição de atividades pedagógicas, concebidas tradicionalmente como reforço
escolar, exigindo mudanças estruturais na escola comum que passa incorporar ao
atendimento educacional especializado, envolvendo a realização de atividades que
diferem daquelas do ensino comum, caracterizadas como fundamentais para o
desenvolvimento pessoal do aluno e para sua autonomia no processo de escolarização.
Na atual discussão, a oferta do atendimento educacional especializado realizado
em todas as escolas é planejada com o objetivo de eliminar as barreiras encontradas no
acesso à escolarização e de promover o desenvolvimento do aluno. Esse atendimento
está configurado como um processo que se aprimora a partir das alternativas de interação
e envolvimento na proposta educacional e que se amplia conforme as necessidades dos
alunos, centrando-se nas formas específicas de cada um posicionar-se, demonstrar seus
interesses e desejos na relação com o conhecimento.
Outro aspecto importante para a implementação da política nacional de educação
especial diz respeito à disponibilidade nos sistemas de ensino de condições de
acessibilidade. O uso das tecnologias trouxe possibilidades que vão desde a formação
de professores para o uso de metodologias de ensino até a apropriação pelo aluno dos
instrumentos que viabilizam seu acesso ao currículo escolar, a informação e promovem a
sua independência. Cabe a escola, além da identificação dos recursos da comunidade,
organizar e disponibilizar as diferentes formas de acessibilidade que facilitem o
desenvolvimento do processo educacional, garantindo o acessibilidade a todos os espaços
da escola, nas comunicações, mobiliários, materiais didáticos e pedagógicos, favorecendo
o estabelecimento das relações sociais.
4 Estratégias e ações
Como estratégia de transformação dos sistemas educacionais em sistemas
educacionais inclusivos teve início em 2003, o Programa Educação Inclusiva: direito à
diversidade, enfocando a formação de gestores e educadores e a afirmação da escola
como espaço fundamental para a valorização da diversidade e garantia de cidadania.
O programa visa à garantia do direito de acesso de todos à escolarização, ao
desenvolvimento de projetos pedagógicos inclusivos, à organização do atendimento
educacional especializado na rede pública e à criação de redes de apoio à inclusão. Com
147 municípios-pólo, o Programa deflagrou uma ampla disseminação da formação
docente e a sensibilização da comunidade escolar para a implementação da política de
educação inclusiva.
19
Educação Especial: a travessia na tempestade
Além da formação, o Programa tem apoiado a implantação de salas de recursos
multifuncionais em escolas dos municípios-pólo e a distribuição de referenciais
pedagógicos que muito têm contribuído para a organização do atendimento
educacional especializado, os serviços e recursos específicos para ampliação das
atividades ofertadas aos alunos que visem atender as suas especificidades de
aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades/superdotação.
O Programa, representando um marco na trajetória da educação especial, que torna
imperativo discutir a qualidade do atendimento educacional especializado, realiza o
Curso de Formação de Professores para o Atendimento Educacional Especializado, na
modalidade a distância, ofertado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), formando
1.470 professores nos municípios brasileiros. Os referenciais sobre o atendimento
educacional especializado nas áreas da deficiência mental, visual, auditiva e física são
utilizados a partir de uma metodologia de estudo de caso possibilitando que os professores
compartilhem suas vivências e discutam a sua prática profissional realizada nas salas de
recursos multifuncionais da sua escola.
Ainda no contexto do Programa, tem se desenvolvido desde 2005, nas escolas
indicadas pelos municípios-pólo, o Projeto Educar na Diversidade que se propõe a
trabalhar nas escolas as práticas e culturas inclusivas. O MEC tem desenvolvido oficinas
nacionais para formar os professores multiplicadores do material de formação docente.
A formação compreende os eixos que vão desde a gestão da escola, a prática pedagógica,
o planejamento de aulas inclusivas e a diversidade de gênero, raça, deficiência a partir
de histórias que são analisadas pelos professores. Uma perspectiva que tem como
pressuposto a valorização das diferenças na escola, que possibilita uma ressignificação
da forma de ver a pessoa com deficiência estigmatizada historicamente em razão de suas
características físicas, mentais ou sensoriais.
Em 2007, no contexto do Plano de Aceleração do Crescimento, o lançamento do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) traz o foco para o desenvolvimento
humano e social e estabelece a educação como prioridade. O Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação define-se como a conjugação de esforços dos Entes
Federados, em colaboração com as famílias e a comunidade para a melhoria da qualidade
da educação básica.
As diretrizes do Plano indicam para a promoção da aprendizagem, da educação
infantil e da alfabetização, da jornada ampliada, da matrícula do aluno na escola mais
próxima da sua residência, da formação dos professores e o combate a repetência e
evasão. Destacando-se, ainda, a garantia do acesso e da permanência nas classes comuns
do ensino regular e o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos
fortalecendo a inclusão nas escolas públicas.
Na educação especial, o PDE institui o Programa Nacional de Formação Continuada
de Professores na Educação Especial com o objetivo de formar uma Rede Nacional para
20
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
a oferta de cursos sobre o atendimento educacional especializado destinado aos
professores da educação básica; o Programa de Implantação de Salas de Recursos
Multifuncionais com o objetivo de organizar os recursos para o atendimento educacional
especializado nas escolas públicas da rede regular de ensino; o Programa Incluir:
Acessibilidade na Educação Superior com a finalidade de criar Núcleos de Acessibilidade
nas Instituições Federais de Educação Superior para promoção do acesso e permanência
das pessoas com deficiência e; o Programa de Acompanhamento e Monitoramento do
acesso e permanência na escola das pessoas com deficiência beneficiárias do Benefício
de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), prioritariamente aquelas na faixa
etária de zero a dezoito anos.
O Programa Nacional de Formação Continuada de Professores na Educação
Especial, pautado nos pressupostos da educação inclusiva que qualifique a ação docente
e garanta o efetivo direito à educação e à escola de qualidade, busca superar a carência
de formação de professores na área da educação especial e desconstituir as barreiras que
impedem ou restringem o acesso, a permanência, aprendizagem e participação dos alunos
na escola. Os cursos de formação continuada de professores, na modalidade a distância,
para o atendimento educacional especializado realizam-se no âmbito da extensão,
aperfeiçoamento e especialização. A meta do Programa é formar, até 2011, vinte mil
professores por ano, configurando um movimento indispensável para efetivar as mudanças
e avançar na concepção da educação inclusiva. Nesse contexto, coloca-se o grande desafio
de acompanhar o desenvolvimento do Programa e propor por meio da formação
alternativas para romper a fragmentação do trabalho escolar, tornando mais consistente
a ação coletiva do professor que atua na sala de aula comum e do professor que realiza
o atendimento educacional especializado, no desenvolvimento do processo educacional
dos alunos.
Ao concluir essa reflexão acerca da política nacional de educação especial,
compreende-se que a educação brasileira instaura um novo tempo onde a relação entre
todos atores da escola reafirma a autonomia como a finalidade da educação. Uma
transformação que se faz no movimento, que desafia vencer as contradições, incertezas,
resistências e as práticas repetitivas que acabaram por manter um sistema educacional
segregado e passa a fazer uma travessia para um sistema educacional que busca construir
uma escola inclusiva e persiga a implementação das mudanças necessárias para uma
educação de qualidade.
Referências
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deficiência. Brasília:
Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Coordenadoria Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência, 2007.
21
Educação Especial: a travessia na tempestade
SÁNCHEZ, P. A. A educação inclusiva: um meio de construir escolas para todos no século
XXI. Revista Inclusão
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SANTOS, B. de S. A gramática do tempo
tempo: para uma nova cultura política. São Paulo:
Cortez, 2006.
Inclusão: um guia para educadores. Trad. Magda França
STAINBACK, S.; STAINBACK, W. Inclusão
Lopes. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
22
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva – problematizações conceituais
Denise de Oliveira Alves1
[email protected]
Kátia Aparecida Marangon Barbosa2
[email protected]
O contexto atual convida a comunidade escolar a repensar o papel da educação
na sociedade e seu processo organizacional. Retornar a perguntas como “Qual a função
da escola?” “Como e para que se ensina e se aprende?” , as quais , num momento inicial,
parecem simples em suas indagações, demonstram-se extremamente desafiantes quando
nos propomos a respondê-las, tendo em vista a complexidade que envolve os processos
de ensinar e aprender, bem como a construção de uma escola de qualidade para todos
os alunos.
Tal dificuldade de resposta é justificada pela ambigüidade que a escola
contemporânea assume: ora aparelho ideológico do estado, reprodutora do sistema;
ora como meio privilegiado de transformação social, capaz de desestruturar a hegemonia
dominante e de promover a inclusão, por meio da democratização do acesso ao
conhecimento e, conseqüentemente, da possibilidade de atuação e participação social.
Nesse entendimento, a educação especial na perspectiva da educação inclusiva
problematiza as práticas educacionais hegemônicas e passa a utilizar categorias
conceituais interligadas ao conceito de diferença, como possibilidade de compreender
a relação eu/outro na dinâmica da constituição da identidade e subjetividade do sujeito.
Essa concepção defende que o conhecimento e a convivência com a diferença
promoverão o desmantelamento das práticas rotuladoras, classificatórias da
aprendizagem e dos preconceitos historicamente constituídos em relação à pessoa com
deficiência. Com isso, a função da escola, as concepções de conhecimento, ensino e
aprendizagem precisam urgentemente ser revistas, uma vez que definem as ações
educacionais que interferem diretamente no percurso escolar do aluno e na sua
constituição como sujeito pensante.
A educação inclusiva visa garantir os direitos constitucionais da pessoa com
deficiência, atentando principalmente para a escolarização com qualidade e a
1
2
Coordenadora Geral de Articulação da Política de Educação Inclusiva – Secretaria de Educação Especial (SEESP/MEC).
Coordenadora Geral de Desenvolvimento da Educação Especial (SEESP/MEC).
23
Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva – problematizações conceituais
participação nas diferentes esferas sociais. Diante desses pressupostos, assume sua posição
de resistência à educação elitizada e investe na promoção de uma educação que considera
a diversidade humana e a valorização das diferenças como recurso de aprendizagem.
Seus pressupostos deflagram a descontinuidade dessa com relação ao modelo da
integração, pois a inclusão não procede da integração nem tão pouco resulta de seu
aperfeiçoamento. Ao contrário, é construídas sobre outras bases epistemológicas que
implicam ruptura com os modelos anteriores. De acordo com Bachelard (2004, p. 40),
“chega sempre uma hora em que não se tem mais interesse em procurar o novo sobre os
traços do antigo, em que o espírito científico não pode progredir senão criando novos
métodos”.
Assim, os complexos desafios do contexto educacional contemporâneo não podem
mais ser compreendidos pelo olhar reducionista da modernidade, nem são passíveis de
resolução pela elaboração de respostas simplistas. O movimento de educação inclusiva
passa a questionar as práticas e concepções teóricas da educação especial, exigindo que
os sistemas de ensino se organizem de forma diferenciada, investindo na flexibilidade
curricular, na dinamicidade pedagógica e na potencialidade de aprendizagem de todos
os alunos.
Logo, a ruptura com as práticas educacionais integracionistas deve estar
amparada por um processo de esclarecimento conceitual, definidor das concepções
e estratégias de organização escolar. Conforme pontua Mantoan, “a distinção entre
integração e inclusão é um bom começo para esclarecermos o processo de
transformação das escolas, de modo que possam acolher indistintamente todos os
alunos nos diferentes níveis de ensino” (2006, p. 18). Segundo a autora, a inclusão
escolar questiona as políticas e organizações da educação especial e,
contraditoriamente à integração, propõe que a inserção escolar seja realizada de
forma radical, completa e sistemática. Com isso, a inclusão possibilita suprimir a
subdivisão dos sistemas escolares em especial e comum, impulsionando a articulação
das práticas da educação especial com a escolarização comum, na busca de
alternativas para a reestruturação dos sistemas de ensino.
Pode-se, analisando a realidade escolar à luz dos novos desenvolvimentos
conceituais, inferir sobre as causas do esgotamento do modelo de integração: primeiro,
por fundamentar-se no entendimento simplista de que espaços segregados e
homogeneizados pelo critério da deficiência constituem o lócus privilegiado de
aprendizagem para alguns alunos; segundo, por sua especificidade organizacional que
não impulsiona o processo de revisão da escola como um todo, favorecendo para que a
mesma continuasse a se organizar apenas para alguns alunos, àqueles que, via-de-regra,
muito pouco precisariam dela para aprender.
Os principais referenciais legais na área -- Política Nacional de Educação Especial
(1994), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) Lei nº 9.394/96 e as
Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001) -- conceituam
24
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
a educação especial como uma modalidade de ensino que deve acontecer,
preferencialmente, na classe comum do ensino regular. Pode-se inferir que, segundo essa
perspectiva, o termo “preferencialmente” favorece o entendimento de que a escolarização
da pessoa com deficiência pode ou não acontecer na escola comum.
O funcionamento da educação especial no sistema de ensino, tendo em vista essa
prerrogativa, ocorreu de forma paralela, ou seja, a educação especial acabava por substituir,
a escolarização comum ou, então, se instituíam práticas educativas nas quais o período
de participação em sala de aula, junto com os outros alunos, era reduzido, com o objetivo
de possibilitar o atendimento educacional especializado. Materializam tal concepção as
práticas escolares fragmentadoras do espaço e do tempo de aprendizagem, que
propunham que os alunos com deficiência acompanhassem somente parte do currículo
comum e, na outra parte do seu tempo de escolarização, participassem de atendimentos
especializados, que eram caracterizados como momentos de reforço escolar ou
atendimentos da saúde.
Logo, percebe-se que, seguindo essa orientação, a organização da educação especial
se dava de forma desarticulada à educação comum, em espaços segregados e seguindo
princípios de redução curricular e restrições quanto à aprendizagem dos conteúdos
sistematizados.
Na configuração educacional inclusiva, o projeto pedagógico redefine seus
pressupostos, investindo em conceitos orientadores como a gestão democrática, a
participação e a autonomia. Nessa proposição, o currículo passa a ser problematizado,
tendo como objetivo principal assegurar a especificidade pedagógica e o caráter
educacional, não priorizado pela proposta integracionista de educação.
O modelo integracionista propunha o atendimento educacional especializado
entendido como a promoção de intervenções clínicas, pautadas basicamente na oferta
de serviços relacionados à área da saúde, entendendo essas práticas como constituintes
do currículo. Esse entendimento, no que tange à organização pedagógica, defende a
adaptação curricular, ou seja, o professor pré-define os conteúdos e conceitos que devem
ser aprendidos pelos alunos da educação especial, investindo em planejamentos
pedagógicos restritos, em métodos e estratégias de ensino limitadas e elaboradas com
centralidade na deficiência e não na possibilidade que cada aluno com deficiência tem
de aprender.
Por vez, a educação inclusiva propõe que todos os alunos devem ter acesso aos
conhecimentos previstos na organização curricular da escola. Assim, o atendimento
educacional especializado passa a ser reinterpretado, constituindo-se como meio para
que o aluno com deficiência possa acessar os conteúdos curriculares como todos os
demais alunos.
Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial deve se configurar como
uma modalidade de ensino que assume o princípio da transversalidade. Tal pressuposto
diz respeito ao fato da educação especial perpassar todos os níveis, etapas e modalidades
25
Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva – problematizações conceituais
de ensino, sendo intrinsecamente articulada à educação comum. O princípio da
transversalidade reposiciona a educação especial que, por meio do atendimento
educacional especializado, garante os recursos necessários à escolarização da pessoa
com deficiência durante sua trajetória educacional.
Diante da proposição de uma nova Política Nacional da Educação Especial, o
atendimento educacional especializado, presente nos marcos legais desde a Constituição
Brasileira (1988), assume o papel de potencializar a utilização dos recursos e serviços
especiais para que todos os alunos tenham acesso à escolarização nas classes comuns
do ensino regular, constituindo-se por um conjunto de estratégias, recursos e serviços
disponibilizados e organizados de acordo com as necessidades dos alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
O objetivo central desse atendimento passa a ser a promoção da acessibilidade ao
currículo escolar, tendo em vista a premissa de que a escola comum é o espaço privilegiado
de aprendizagem para todos os alunos. Logo, o atendimento educacional especializado
viabiliza o acesso ao currículo e não pode jamais substituir a escolarização.
Nessa perspectiva, a educação especial, como campo de conhecimento, adquire
outra configuração, abarcando, na sua organização, o atendimento educacional
especializado, a aquisição e produção de materiais, a formação docente e a orientação/
acompanhamento à família.
No que tange ao atendimento ao aluno, o atendimento educacional especializado
refere-se à elaboração de estratégias e recursos para a aprendizagem da língua brasileira
de sinais, da língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do sistema
Braille, soroban, orientação e mobilidade, para o desenvolvimento dos processos mentais
superiores, para o enriquecimento curricular, entre outros.
Quanto à aquisição e produção de materiais, os eixos da educação inclusiva
orientam a articulação dos sistemas federal, estadual e municipal de ensino na promoção
da disponibilização de serviços, profissionais e recursos necessários para que o aluno
tenha condições de freqüentar e participar efetivamente do processo de escolarização.
Sugere-se que a produção de materiais seja realizada na própria escola do aluno, produto
de um trabalho conjunto entre o professor da sala de aula comum e o professor do
atendimento educacional especializado e, quando necessário, que a produção do material
e as adequações nele necessárias sejam viabilizadas por meio de convênios ou parcerias.
A formação continuada de professores consiste no processo de instrumentalização
do professor, que exige a interface entre os conhecimentos teóricos da área e a prática
educativa. Sob esse prisma, a escola e seus alunos constituem-se em lócus de estudo do
professor, uma vez que a sua prática e a sua realidade organizacional passam a ser
elementos de estudo. A pesquisa torna-se, então, estratégia de formação continuada e
permea o fazer educacional do professor, visto que a investigação do cotidiano escolar
possibilita a análise investigativa da prática, favorecendo a capacidade de diagnóstico e
intervenção fundamentada.
26
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Por sua vez, a orientação/acompanhamento à família refere-se à necessária
comunicação que deve haver entre a escola, o atendimento especializado e a família do
aluno, buscando a inter-relação necessária para o prolongamento das ações educacionais
para o cotidiano do aluno.
Portanto, a reconfiguração da educação especial pressupõe um movimento de
discussão da organização da escola em seu aspecto global, questionando os fundamentos
da prática educativa e reformulando sua atuação no sistema de ensino.
Como reflexões conclusivas (sempre provisórias), cabe ressaltar que a problematização
dos modelos de integração e inclusão, bem como as concepções de atendimento educacional
especializado que advém de cada modelo, consolidam as bases para a superação dos
princípios integracionistas ainda presentes nas práticas educacionais direcionadas aos
alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação. Nesse sentido, a crítica aos limites da integração, ao mesmo tempo em
que nos permite a percepção dos mecanismos de segragação inerentes a esse modelo de
escola, paradoxalmente, fornece elementos para a construção de uma outra proposta
educacional, ancorada nos princípios da inclusão, desafiando-nos a combinar, como
nos ensina Giroux (1997), “estratégias de oposição com estratégias de reconstrução” de
uma nova ordem educacional.
A formulação da nova Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva assenta-se nas proposições teóricas e no desenvolvimento conceitual
atual, conjugados ao reconhecimento das respostas positivas dadas pelos sistemas de
ensino diante da demanda de uma escola para todos. Tal realidade testemunha o
nascimento de uma nova cultura, de um novo ethos educacional, configurando-se, no
presente, não como “porto seguro”, como apregoavam as teses positivistas, mas como
caminhos plenos de possibilidades e alternativas.
Na busca por estratégias organizacionais que promovam a educação inclusiva, a
discussão precisa ser aperfeiçoada pela ampliação do diálogo com as diferentes
organizações que se dedicam ao trabalho com essa modalidade de educação, os
profissionais nela inserida e as pessoas que utilizam tais recursos e serviços específicos
durante sua trajetória escolar.
Referências
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27
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especializado:
deficiência visual.São Paulo: MEC/SEESP, 2007.
SANTOS, B. S. A crítica da razão indolente
indolente: contra o desperdício da experiência. Para
um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São
Paulo: Cortez, 2002.
SILVA, A.; LIMA, C. O. P.; DAMÁZIO, M. F. M. Atendimento educacional especializado
especializado:
pessoa com surdez. São Paulo: MEC/SEESP, 2007.
28
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Educação Inclusiva: mais qualidade à educação
David Rodrigues1
[email protected]
“Hoje ouvi na rádio uma notícia que um cidadão qualquer tinha ganho um concurso na televisão
e, por conseqüência, tinha adquirido o título de ‘O Melhor Motorista’. A notícia não deu mais
detalhes e eu fiquei a pensar: o que é ser ‘o melhor motorista’? Será o que consegue andar mais
rápido? (Em pista? Num terreno acidentado?) Será o que conhece o funcionamento da mecânica
do carro? Será o que sabe controlar o carro em situaç ões de emergência? Será o que cumpre as
regras de trânsito? Será um motorista prudente? Será o que conduz mais confortavelmente para
os passageiros? Talvez nenhum destes ‘bons motoristas’ consiga ser ‘o melhor’ em dois desses
itens… Bom, parece que as únicas pessoas que sabem o que é um bom motorista são os
jurados desse concurso…”
1 Qualidade em Educação
O termo “qualidade” é largamente usado em Educação. Parece tão consensual que
é profusamente usado tanto pelo discurso político como pelos próprios professores e
investigadores. Contudo, existem vários olhares sobre a qualidade e, em cada um, diversos
conceitos.
Existe um olhar diacrónico sobre o que se considera qualidade. Ao longo da história
da Educação, “qualidade” tem assumido diferentes conceitos e significados. O que se
considerava qualidade há 30 anos não é certamente o que se considera hoje.
Pode existir também um olhar sincrónico. Por exemplo no ano de 2007, “qualidade”
pode ter significados diferentes em razão do lócus geográfico de que se fala e, sobretudo,
em decorrência dos diferentes participantes no processo educativo. Será que quando se
fala de qualidade o termo quer dizer o mesmo para pais, alunos, gestores, professores,
políticos, etc.? Algumas acepções do conceito de “qualidade” aproximam-na da satisfação
do cliente. Resta perguntar, em Educação, quem é o cliente? Os pais? A sociedade? Os
alunos? E se são vários, eles podem ser igualmente satisfeitos com o mesmo serviço? A
diversidade dos contextos educativos é tão grande que parece difícil falar de qualidade
em termos absolutos ou essenciais; teremos certamente que nos referir à qualidade como
valor relativo resultante da interação do processo educativo com diferentes condições
1
Doutor em Ciências da Motricidade Humana na área de Educação Especial e Reabilitação (UTL/FMH) Professor da
Universidade Técnica de Lisboa. Coordendor do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (www.fmh.url.pt/feei)
29
Educação Inclusiva: mais qualidade à educação
ecológicas. Em maio de 2007, ao consultar o suplemento de Educação do jornal Folha
de S. Paulo, em que era feito um amplo balanço da educação brasileira, ficou a dúvida
sobre qual conceito de qualidade a educação brasileira seria analisada: vista como uma
estrutura “atrasada” em razão de padrões dos países mais ricos do mundo ou como uma
estrutura “avançada” em decorrência dos sensíveis progressos efetuados na última década?
A qualidade não é, pois, um termo que tenha valor normativo absoluto, por muito
que os discursos políticos e institucionais pareçam não ter dúvidas sobre isso. Os
indicadores que se selecionam (e os outros que se ignoram), as formas e os momentos
em que se avalia a qualidade são decisões políticas e, portanto, socialmente construídas
em decorrência dos objetivos que se deseja alcançar em determinado contexto.
A qualidade filia-se, assim, mais nas negociações e relações de poder que em um consenso
inquestionável e “natural” (cf. Barroso, 1998).
Talvez devêssemos, implicando múltiplos fatores e dirigindo-se a diferentes
“clientes”, usar o termo sempre no plural (“qualidades”) porque se trata de diferentes
atores e de diferentes âmbitos a serem analisados.
A Inclusão, analisando os documentos produzidos por organizações internacionais
(nomeadamente as Nações Unidas e a Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura -- Unesco) bem como o impacto que tiveram nas legislações nacionais
de múltiplos países, tem de ser considerada como um dos fatores que atualmente é
valorizado em termos de aferição da qualidade de um sistema educativo. Sobre a relação
entre Inclusão e qualidade, Nóvoa (2005) afirma que “(…) é preciso manter a tensão entre
a qualidade e a equidade principalmente num período em que a situação econômica
tende a valorizar a ‘qualidade total’ em lugar da ‘qualidade para todos’”.
O certo é que o termo “qualidade” tem sido mais associado a sistemas educacionais
seletivos, competitivos e “meritocráticos” que a sistemas mais universais e inclusivos. Há
pouco tempo, em Portugal, a re-instalação de exames nacionais no fim de cada ciclo da
escolaridade básica foi saudada por vários partidos como uma importante medida em
favor da qualidade da educação.
2 Qualidade e Educação Inclusiva
O tema central dessa conferência é a discussão da forma como a Educação Inclusiva
relaciona-se com a qualidade.
O assunto não é pacífico porque, como vimos, o conceito comum de qualidade
encontra-se ligado à excelência acadêmica e ao desempenho de altos padrões de informação
e conhecimento. É uma qualidade que é concebida principalmente pelas competências
acadêmicas que os alunos adquirem e aferida por processos comparativos transnacionais.
Assim, a Inclusão na escola regular de alunos com alguns tipos de problemas pode ser
encarada como um contratempo para atingir tal “qualidade acadêmica”.
30
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Para muitos profissionais e mesmo para o senso comum, quanto mais heterogênea
e mais diversa é uma classe ou uma escola, mais problemas haverá com o aproveitamento
dos alunos e conseqüentemente menor será a qualidade atingida. Os argumentos sobre
essa posição são que se gasta demasiada energia em tentar articular a diversidade e que
se perde tempo com alunos com dificuldades, o qual poderia ser usado para fazer progredir
alunos sem dificuldades, enfim, que a qualidade se encontra ligada à homogeneidade
dos alunos.
Se adotarmos como parâmetro de qualidade um gama alargada de saberes,
competências e atitudes, se usarmos um conceito lato de qualidade em que essa se
reporte a diferentes actores, diferentes capacidades, a diferentes objetivos de
aprendizagem, verificamos que a posição descrita antes, apesar da sua aparente solidez,
é uma posição que só pode recrutar a seu favor a evidência ilusória do senso comum
(LIMA-RODRIGUES et al. 2007). Senão, vejamos:
1. A percepção da diferença contribui para a construção da identidade e tem, por
isso, papel determinante na aprendizagem. Não se pode construir uma identidade
senão em um ambiente diverso. Nunca agradeceremos o suficiente aos outros
por nos ajudarem a entender e a estruturar o que somos a partir da diferença que
neles percebemos.
2. Quando olhamos a qualidade no contexto do currículo global da escola (mesmo
no sentido restrito de nível acadêmico), verificamos que não são sempre os mesmos
alunos que têm dificuldades nas mesmas situações. Todos têm, portanto, uma
contribuição para a qualidade global da turma e da escola com os seus insucessos
e os seus erros. Dessa forma, a qualidade assume-se no campo das heurísticas de
ensino e não no campo dos resultados. Uma educação de qualidade, nesse
aspecto, será a que é capaz de dinamizar a aprendizagem em grupos de alunos
que podem ter conforme os momentos, matérias e contextos, apresentar (todos!)
dificuldades e proficiência.
3. Fazer depender a aprendizagem da interação direta e individual com o professor
é um modelo desatualizado de ensino e aprendizagem. Os materiais, os colegas,
os documentos, o meio, a pesquisa são contextos que devem ser acionados para
potenciar a aprendizagem de todos. Grandes teóricos da aprendizagem como
Piaget, Vigotsky e Brunner proporcionaram grandes contribuições para
conhecermos o quão indispensáveis à aprendizagem podem ser as mediações, os
materiais e os contextos. Só é possível responder a classes heterogêneas se for
criado, na sala de aula, um ambiente de trabalho em que o aluno disponha de
autonomia e de meios de aprendizagem e de ensino que não se resumam à
interação direta com o professor.
4. As dificuldades de uns podem ser usadas como estratégias para outros. Sabemos
que o “erro” tem uma função educacional importante se poder ser analizado,
contextualizado e ter entendida a sua correção. É conhecido o exemplo das pessoas
31
Educação Inclusiva: mais qualidade à educação
que têm problemas, por exemplo a matemática e que finalmente superam as
suas dificuldades quando a começam a… ensinar. Um ambiente de aprendizagem
rico e diversificado é proveitoso para quem ensina e para quem aprende.
5. Enfim, são as turmas heterogêneas e complexas as que proporcionam experiências
aos alunos para viver, negociar e progredir em sociedades que são elas próprias
complexas e conflituais.
Assim, quando nos perguntamos se a Educação Inclusiva (EI) promove a qualidade,
temos também de pensar nos alunos concretos e no seu processo de aprendizagem e
não nas “ideias feitas” que formulamos sobre a homogeneidade. (Por falar nisso: já
pensaram que sucesso desportivo teria uma equipe de futebol constituída pelos melhores
onze jogadores do mundo, mas... todos goleiros?)
Defendemos que existe uma relação próxima entre EI e qualidade. Não pode
haver qualidade em uma escola que tanto persiga a homogeneidade que a afaste da
composição que deve ter como a escola de todos os alunos da comunidade em que se
insere. Não pode haver inclusão se a preocupação da escola for nivelar (“normalizar”)
o ensino para adequá-lo ao inexistente “aluno médio”. Uma educação que se reporte
a uma tipologia de alunos e que recorra a um leque restrito de experiências de
aprendizagem irá prejudicar por falta de atenção e respostas alunos cujas motivações,
necessidades, capacidades e socialização os afastam do ritmo da maioria dos seus
colegas (RODRIGUES, 2007).
Precisamos de progresso no conhecimento dos fatores que podem levar as escolas
a serem mais inclusivas e, dessa forma, terem mais qualidade. Antes de tudo recolhendo,
sistematizando, aproveitando tudo o que a escola já é capaz de fazer. Ainscow (2007)
afirma que “as escolas sabem mais do que o que usam” e assim se todas as escolas
tiverem condições para usarem tudo o que podem e sabem fazer, ir-se-á verificar um
enorme avanço.
No entanto, o que a escola sabe e tem não é certamente suficiente para
empreender esse processo de inovação: é fundamental que se apoiem as escolas
para serem capazes de assumir novos desafios. Só quem se sente apoiado ousa fazer
algo de diferente e de novo. Esse apoio significa que a escola deve estar convicta de
que dispõe de meios humanos e materiais que lhe permita iniciar um processo de
inovação. A EI é, em muitos aspectos, não uma evolução da escola integrativa mas
antes uma ruptura com a escola tradicional (RODRIGUES, 2006). Por isso, é preciso
que as escolas que querem desenvolver uma política inclusiva sejam apoiadas e se
sintam apoiadas para empreender projetos criativos, originais e de qualidade para
os alunos. A escola tem de se tornar uma organização mais coesa, mais confiante nos
seus projetos e capaz de responder solidariamente aos desafios que se lhe deparam.
Sem que a escola seja reforçada com mais e melhores recursos, a Inclusão pode tornar-se
uma retórica temporária e superficial.
32
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Claro que essa empresa não é fácil: Conseguir a qualidade para todos os alunos
por meio da Inclusão é uma tarefa muito mais árdua que construir uma aparente qualidade
para alguns alunos por meio do reforço de práticas uniformizadoras e complacentes com
a exclusão.
A Inclusão é cúmplice da(s) qualidade(s). Não queremos uma inclusão que “sucateie”
a escola: todos os alunos têm direito a serem estimulados ao nível máximo das suas
capacidades. A diversidade deve ser encarada como uma exigência de qualidade não
como um folclore “para inglês ver”. Talvez pudéssemos desenvolver projetos educacionais
subordinados à idéia “reconhecer mais qualidade à diversidade e dar mais diversidade à
qualidade”.
3 Políticas públicas e EI
O presente Seminário relaciona-se com a discussão ao nível nacional das políticas
de Educação Especial e de EI no Brasil. Não esquecendo o meu “lugar de fala” como não
brasileiro e como mero convidado, gostaria de deixar algumas reflexões genéricas colhidas
da experiência do meu país e de outros a que tenho tido acesso e que, talvez, nesse
momento de debate nacional, possam ter alguma pertinência.
Antes quero realçar a importância que tem o desenvolvimento da escola como
instituição. Sem uma escola pública que ofereça formas de organização, de oportunidades
de aprendizagem, de diversificação do currículo de apoio à aprendizagem do aluno, etc.
será muito difícil contextualizar a EI como uma ilha de qualidade em uma escola precária.
Alguns aspectos dessa “escolarização essencial” (RODRIGUES, 2006) são bem conhecidos
e consensuais. Precisamos, por exemplo, de uma escola que funcione durante os dois
turnos do dia, que tenha transporte e alimentação para os alunos, que funcione sem
interrupções letivas que possam afetar o processo de aprendizagem, que possua um
corpo docente competente, estável e comprometido e salas de aula com um número de
alunos razoável (o número muito difundido no Brasil de 35 (“no mínimo”) alunos por
turma parece muito excessivo quando cotejado com outras realidades).
Por vezes, a Inclusão é vista como uma inevitabilidade modernista. Seria preciso
criar escolas inclusivas porque é essa a tendência internacional e a que mais
consistentemente defende os interesses da qualidade educativa para o aluno com
necessidades educativas especiais. Entretanto, a Inclusão não deve ser feita a qualquer
preço (especialmente se esse preço for barato…). Assumir uma política pública de Educação
Inclusiva implica necessariamente um investimento sustentado e prolongado em recursos
que possam tornar a escola capaz de responder competentemente a diversos tipos de
desafios: o desafio da valorização da diferença, o da diversificação do currículo, do
planeamento educacional e o das heurísticas de ensino. Esse processo de fortalecimento
da escola implica certamente que nela se desenvolvam ações concretas de formação
continuada.
33
Educação Inclusiva: mais qualidade à educação
A inclusão não é uma conversão (para usar um termo religioso); é uma inovação
educacional que, como todo processo de inovação, necessita de se desenvolver em um
clima de confiança. Essa confiança advém do fato de a escola sentir que possui os meios
para enfrentar os desafios que a inclusão implica. Assim não é por meio de ações de
sensibilização ou de transmissão de aspectos teóricos que se cria essa confiança
(RODRIGUES, 2007). Trata-se de desenvolver um processo de apoio situado nos
problemas concretos da escola.
Cada país encontrará face aos seus valores e práticas os melhores caminhos para
desenvolver uma escola de qualidade. O que procuramos discutir nesse texto é a
importância de fortalecer a escola pública por meio de políticas que apoiem os professores
na criação de respostas. A Inclusão não pode ser inevitável só porque é a única resposta
possível; ela tem de se afirmar como sendo a melhor resposta possível, a que proporciona
a melhor qualidade educativa para as aprendizagens de todos os alunos. Dispomos de
investigação e conhecimento que nos prova que, se a escola regular se comprometer
com uma política de qualidade inclusiva, se torna vantajosa em relação às escolas especiais
(cf: Humberto; Rodrigues, 2006).
Assim, em síntese, diríamos que há aspectos “intrínsecos” à escola que as políticas
públicas devem incentivar e promover: o trabalho cooperativo, as lideranças dinâmicas,
a promoção da relação entre as escolas e as famílias e as comunidades. Contudo, existem
também fatores “extrínsecos”, isto é, aqueles que, por não serem objetos de políticas de
apoio podem tornar ineficaz o esforço da escola: os recursos humanos e materiais, o
apoio ao desenvolvimento profissional dos professores através de políticas que favoreçam
o estabelecimento de parcerias de formação entre escolas de formação ou congéneres e
as escolas que desenvolvem modelos inclusivos.
4 Para terminar…
Conheci no Brasil, no Estado de São Paulo, um menino chamado Igor. Esse menino
tem paralisia cerebral e muita dificuldade em caminhar (ainda que caminhe) e dificuldades
na comunicação e na aprendizagem. Educado durante anos em uma Associação de Pais e
Amigos de Excepcionais (Apae), foi sugerido à sua mãe que o matriculasse em uma escola
regular. As dificuldades foram muitas: logo na matrícula foi dito à Irma, mãe o Igor, que se
ela insistisse talvez a Apae pudesse recebê-lo de volta… a escola não tinha recursos para
atender a alunos “desses”. Foi dito, ainda, que como a escola não tinha recursos, ela deveria
ficar com ele durante o dia na escola. “Como?” Disse a mãe. “Mas eu tenho de trabalhar…”.
Duas semanas depois de Igor entrar na escola, a mãe foi chamada para lhe dizerem que o
seu filho não poderia continuar lá porque os alunos tinham de mudar freqüentemente de
sala e o Igor, por causa das suas dificuldades de locomoção, demorava muito tempo a
chegar e quando chegava estava sempre atrasado. A mãe disse o que era óbvio: “Porque é
que a escola não se organiza para que todas as aulas tenham lugar na mesma sala e assim
deixar de existir esse problema?”.
34
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Assim, de pequenas vitórias em pequenas vitórias, o Igor ficou firme na escola. No fim
do ano, o professor chamou a mãe para lhe dizer algo maravilhoso: que a escola “tinha
aprendido muito com o Igor”. E sabem o que mais? Um filme sobre dança com jovens, em
que o Igor participava foi selecionado entre os 30 melhores filmes do mundo no 3º Festival
Internacional de Filmes sobre Deficiência realizado no Rio de Janeiro em agosto de 2007.
O jornal da sua cidade natal, estourando de orgulho, titulava em página inteira
“Jundiaienses entre os melhores do mundo” (Jornal de Jundiaí, 3 de julho de 2007, pág. 3).
“Melhores do mundo”? Pois claro que são, por causa a persistência da Irma, por
causa da persistência do Igor, por causa da humildade da sua escola em aprender com
ele, em lugar só pensar em o ensinar. E tudo isto acontece numa de uma sociedade que
se deslumbra com quem chega ao cimo da montanha, mas cria todas as barreiras a quem
quer calçar as botas para começar o caminho.
Esta me parece ser uma boa estória sobre o lado solar e lunar na Inclusão.
Referências
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Portugal: dez estudos de caso. Lisboa: FEEI, 2007.
Inclusiva em Portugal
BARROSO, J. A “qualidade”. In: FONSECA, Protes da et al. A evolução do sistema educativo
e o PRODEP
PRODEP. Lisboa: DAPP, 1998.
LIMA-RODRIGUES, L. et al. Percursos de Educação Inclusiva em Portugal
Portugal: dez estudos
de caso. Lisboa: FEEI, 2007.
HUMBERTO, J.; RODRIGUES, D. Análise de dois contextos educativos para jovens com
deficiência mental profunda. In: RODRIGUES, D. Investigação em Educação Inclusiva
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v. 1. Lisboa: FEEI, 2006.
NÓVOA, António. Les états de la politique dans l’espace européen de l’éducation. In:
LAWN, Martin; NÓVOA, António (Coord.). L’Europe réinventée
réinventée. Regards critiques sur
l’espace européen de l’éducation. Paris: L’Harmattan, 2005. p.197-224.
RODRIGUES, D. Dez ideias mal-feitas sobre a educação Inclusiva. In: RODRIGUES, David.
(Org.). Educação e Inclusão
Inclusão: doze olhares sobre a educação inclusiva. S. Paulo: Summus,
2006.
______. Notas sobre a investigação em Educação Inclusiva. In: RODRIGUES, David.
Inclusiva, v. 1, Lisboa: FEEI, 2007.
Investigação em Educação Inclusiva
______. Dimensões da formação para a Educação Inclusiva. Revista Inclusão
Inclusão. Brasília:
MEC, 2007. No prelo.
35
36
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Berço das desigualdades
José Pacheco1
[email protected]
Releio o Berço das desigualdades. A cada voltar de página desse livro de Sebastião
Salgado, novas imagens confirmam o título. As palavras de Cristóvão são tão concisas
quanto discretas e não reduzem o impacto das fotografias que legendam.
O olhar penetrante das crianças “desiguais” invade-nos e faz-nos crer que, somente
por humana presunção, acreditaremos viver o tempo da História. Na verdade, habitamos
a Proto-História do Homem. No tempo que nos coube em sorte viver, os homens dirimem
os seus conflitos pelas armas. Matam em nome de um credo. Usurpam territórios em
nome da paz. Edificam tribunais e prisões em nome da justiça. As frágeis e absurdas
instituições do nosso tempo são reflexos de uma humanização precária. E a instituição
Escola, concebida como berço de oportunidades, ainda é um “berço de desigualdades”.
O espaço público da Educação ultrapassou a exiguidade das paredes da sala de
aula, mas muitos ainda não perceberam essa mutação. Por seu turno, as medidas políticas
que visam reformar a instituição são centradas em vícios institucionais jamais questionados,
e sempre medidas avulsas. Sucedem-se decretos e despachos, decorrentes das conclusões
de gongóricos relatórios produzidos por inúteis grupos de estudo. Acumulam-se no
ministério e nas universidades dispendiosos “estudos”, que não logram ir além de óbvias
e ressequidas “recomendações”.
Somemos à ineficácia dos políticos e “estudiosos” o papel nefasto dos opinion
makers, que, impunemente, vertem nos jornais a sua ignorância. Bem nos avisava Hannah
Arendt: “tudo quanto é real ou autêntico é atacado pela força esmagadora da ‘tagarelice’
que irresistivelmente emana do domínio público, determinando cada aspecto da vida
quotidiana, antecipando e aniquilando o sentido ou o sem-sentido de tudo”. E não
esqueçamos a febre dos rankings. Guardo-os no ficheiro das anedotas sem piada.
Vivemos imersos em diferentes culturas, mas as medidas de política educativa
aplicam-se, indiferenciadamente, em todos os países. As realidades brasileiras são
condicionadas por influências transnacionais, em um projeto de modernidade ainda por
cumprir. Aferimos o estado do nosso sistema educativo por meio de estudos comparativos,
como se fosse possível reduzir a realidade a cifras, ou comparar o que é, diametralmente,
diferente. As leis preconizam que se deve assegurar uma formação geral comum a todos,
proporcionar aos alunos experiências que favoreçam a sua maturidade física e socioafetiva
1
Mestre em Educação da Criança pela Universidade do Porto/Portugal. Coordenador de vários projetos, destacando-se, entre
eles, o projeto “Fazer a Ponte” (distinguido com o primeiro lugar do concurso “Experiências Inovadoras no Ensino”).
37
Berço das desigualdades
e criar condições de promoção do sucesso escolar e educativo a todos os alunos. Porém,
convivemos com o “insucesso educativo” como se a expressão não fosse, em si mesma,
paradoxal. Como pode a palavra “educativo” ser adjetivo da palavra insucesso?
Jovens portadores de desigualdades acorrem às escolas, por via de um processo
de massificação. Tratando os “desiguais” como se fossem iguais, “em pé de igualdade”,
como geralmente acontece, não apenas mantemos a desigualdade, como a aumentamos.
Não fora a dedicação e o anônimo esforço de muitos e bons profissionais da educação,
há muito o neoliberalismo teria extinto a instituição Escola, como empresa falida.
Ainda há quem resista e quem me confidencie vivências que confirmam processos
de exclusão. Eu escrevo, denuncio. Posso fazê-lo, porque exponho fatos e não estou
exposto a processos disciplinares, que ainda fazem calar muitas vozes. Como a do professor
que me escreveu: “A tristeza vem quando me deparo com a realidade das nossas escolas”.
Pergunto-me por que será que muitos professores resistem tanto a uma pedagogia
diferenciada, quando, para mim e para tantos outros professores, a sua pertinência é tão
óbvia.
Foi a mesma voz que relatou um incidente crítico, que me custou a acertá-lo.
A colega dá-me licença? -- E, sem aguardar resposta, a “colega” entrou na sala.
É o que faz deixar vir para a escola esses marginais lá do bairro! Tínhamos uma
escola tão bonita e, agora! -- E vai dar um sonoro par de tapas em um dos alunos “feios,
porcos e maus”.
Grita um catraio da “fila dos bons”: Não foi esse que partiu o vidro, minha senhora!
Ai não foi? Então, pronto! Já fica com ela, para quando fizer besteria!
Na fila dos burros, onde vegeta o “desigual” contemplado com a bofetada, não há
quem saiba ler o “quadro da belezura”, no qual os caladinhos escrevem os seus nomes,
no fim de cada aula. Nem o “quadro da feiura”, em que escrevem os seus nomes aqueles
que não conseguem completar as suas tarefas escolares no tempo preestabelecido, ou
que as terminam antes do tempo e usam o restante em ameno falatório. A fila dos
“desiguais”, o “lixo da escola” -- foi a expressão que eu escutei em uma escola “igual”, há
muitos anos -- aguarda a hora do intervalo, espera o fim do dia, desespera.
Felizmente para os “desiguais”, nem todas as escolas são “iguais”. Creio na remissão
das escolas, porque creio no potencial transformador dos seus professores. E acredito
que a Escola resgatará o seu papel de “berço de oportunidades”.
38
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
A Inclusão como dispositivo
Marisa Faermann Eizirik1
[email protected]
Todos trazemos em nós uma revolução. Fomos criados para construir pirâmides
e versos, descobrir continentes e mundos, e caminhar, sempre, com um saco
de interrogações na mão e uma caixa de possibilidades na outra.
Nizan Guanaes
Na discussão que tenho feito sobre a inclusão, como contra-face da exclusão, as
contribuições de Michel Foucault têm sido muito valiosas, partindo do entendimento de
que pensar a inclusão como um dispositivo inserido em poderosas redes de saber/poder,
em regimes de verdade que funcionam como sistemas de exclusão, que regulam e
disciplinam as práticas sociais, as relações institucionais, a produção de subjetividade.
Nessa perspectiva, vou desenvolver alguns tópicos que considero fundamentais como
ferramentas para pensar a educação inclusiva como processo, acreditando que conceitos
são ferramentas para pensar e agir sobre o mundo e que precisamos constituir uma
mentalidade inclusiva. Os tópicos são: a inclusão como dispositivo, o olhar – escutar –
perceber; os dispositivos de poder, o desafio da diferença.2
1 A Inclusão como dispositivo
Até que ponto rupturas nos dispositivos de exclusão, dando abertura às experiências
de inclusão, não estariam intrinsecamente ligados à produção de novas subjetividades,
compreendendo subjetividade como um processo sempre provisório, a relação consigo,
que se estabelece por meio de uma série de procedimentos que são propostos e prescritos
aos indivíduos, em todas as civilizações, para fixar sua identidade, mantê-la ou transformála, em razão de um certo número de fins.3
1
Psicóloga, doutora em Educação/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), professora e pesquisadora/UFRGS.
Não tratarei mais profundamente as temáticas da diferença e da exclusão, dimensões que considero fundamentais para a
análise do processo de inclusão, pois já as terei abordado no artigo publicado pela Revista Inclusão (MEC) de outubro de 2007.
3
oucault: um pensador do presente
Ler mais em EIZIRIK, Marisa F. Michel FFoucault:
presente. Ijuí: Editora Unijuí, 2005, 2. ed.
2
39
A Inclusão como dispositivo
Será que não precisamos inventar uma subjetividade que possa lidar com o
estranhamento, produzir estratégias e táticas em que as diferenças façam parte da
experiência, e não o mesmo, o igual, a repetição?
Poderemos tolerar, e mesmo experimentar, o sentimento de orfandade que advém
da perda das certezas, da vertigem produzida pelas rupturas nos modelos preestabelecidos,
do embate com a realidade que é turbulência, perturbação, desordem, convívio com a
diferença, num equilíbrio sempre provisório, móvel, multifacetado, complexo?
Hoje vivemos uma revolução: a da inclusão. Inclusão como contra-face da
exclusão. Revolução porque está produzindo um turbilhão de movimentos que invadem
todas as áreas, entram pelos mecanismos legais e forçam a presença – nas empresas,
nas escolas, nos lugares públicos, nas diferentes formas de cultura, lazer e diversão, na
sexualidade.
Como vamos lidar com esse desafio? Como a escola está enfrentando a realidade
de incluir em seu cotidiano, em seus processos de ensino regular, o aluno portador de
necessidades educativas especiais? Essa necessidade vem não apenas dos instrumentos
legais, que visibiliza o movimento que atravessa a sociedade que, sacudida do torpor e
da acomodação diante dos lugares separados, das possibilidades limitadas, dos
impedimentos, exige uma educação inclusiva.
A educação inclusiva é uma prática revolucionária e, como tal, desaloja poderes e
saberes, produz necessidades e expectativas, induz a mudanças e aprendizagens, implica
sofrimentos, frustrações, expectativas, mas também, prazer e alegria.
Um processo dessa natureza pode se assemelhar a uma guerra – metáfora que
utilizo aqui – pois entendo que se trata de uma luta, um combate: contra as formas de
olhar e atuar no mundo, contra o mesmo, o igual; contra o desejo de não se desacomodar;
contra as prerrogativas de poder já estabelecidas e asseguradas; contra os nichos de
saber consolidados.
2 Olhar
Olhar,, escutar
escutar,, perceber
Uma das rupturas mais importantes que balança nosso mundo contemporâneo se
refere à revolta em relação ao desejo de totalidade, aos universais englobantes,
deterministas, reducionistas, instalados e fechados. Vivemos a complexidade do singular.
Defendemos ardentemente nossa característica de sermos seres únicos, irrepetíveis.
Experimentamos o desafio da diferença, que provoca desarranjos, rupturas, desordens,
deslocamentos, revoluções. Revoluções são atos de movimento que não se dão no vazio,
nem acontecem sem luta, sem resistência, sem jogo de oposições.
Imerso em contradições, “nosso” mundo ao mesmo tempo em que se revolta e se
recusa ao fechado, ao dogmático, ao instalado, não gosta da revolta nem da crítica, pede
a cada um para adaptar-se, submeter-se à comunicação e às imagens. Diz Badiou:4
40
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
É um mundo rápido e sem memória, em que as opiniões são frágeis e
extremamente móveis. A única universalidade que conhece é a do dinheiro.
Cada um defende sua particularidade. É um mundo obcecado pela segurança...
onde é preciso calcular e proteger o seu futuro. É o mundo da carreira e da
repetição. Um mundo onde o acaso é perigoso. Um mundo onde não devemos
nos abandonar nos encontros.
Podemos praticar alguma forma de resistência “nesse” mundo?
Ao desenvolver algumas idéias acerca das formas de pensar e conceber o mundo
de forma diferente, ou os riscos dessa aventura acredito, como Campbell,5 que “todos
estamos procurando uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências
de vida... tenham ressonância no interior de nosso ser e de nossa realidade mais íntimos...”
Como realizar essa procura?
Morin6 afirma que precisamos de um princípio de conhecimento que não somente
respeite, mas também revele o mistério das coisas. Para ele, as disciplinas separadas
fragmentam o objeto do conhecimento complexo, conhecimento que fica aprisionado,
na medida em que não se comunica, não se inter-relaciona, nem por complementaridade
ou por oposição.
Em nosso mundo contemporâneo, temos uma visão excessiva, uma escuta
polifônica, transparência absoluta. Tudo se mostra ao olhar, à escuta. Tudo parece o
mesmo, tudo é produzido para ser visto e ouvido. Não há mais véus nem mistérios.
Estamos em permanente movimento, com a urgência da rapidez, da velocidade,
pressionando e comprimindo nossas agendas, nossas experiências, nossos modos de
viver. Com isso, achatamos a paisagem, que fica mais plana, nossa visão tem menor
profundidade, nossa audição se confunde em meio a uma multiplicidade de sons. Sob o
impacto da velocidade, perdemos a espessura.
Cardoso7 propõe uma interessante ruptura entre ver e olhar.
O ver, em geral, conota no vidente uma certa discrição e passividade ou, ao
menos, alguma reserva. Nele, um olho dócil, quase desatento, parece deslizar
sobre as coisas; e as espelha e registra, reflete e grava. Diríamos mesmo que aí
o olho se turva e se embaça, concentrando sua vida na película lustrosa da
superfície, para fazer-se espelho...como se renunciasse à sua própria espessura
e profundidade para reduzir-se a esta membrana sensível em que o mundo
imprime seus relevos.
4
BADIOU, A. Para uma nova teoria do sujeito: conferências brasileiras
brasileiras. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002. p. 13.
CAMPBELL, J. O poder do mito
mito. São Paulo: Palas Athena, 1990. p. 5.
6
MORIN, E. Ciência com consciência
consciência. Lisboa: Europa/América, s/d.
7
CARDOSO, Sérgio. O olhar viajante (do etnólogo). In: NOVAES, A. et al. O olhar
olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
p. 348.
5
41
A Inclusão como dispositivo
Com o olhar é diferente. Ele remete, de imediato à atividade e às virtudes do
sujeito e atesta a cada passo nesta ação a espessura da sua interioridade. Ele
perscruta e investiga, indaga a partir e para além do visto e parece originar-se
sempre da necessidade de “ver de novo” (ou ver o novo), como intento de
“olhar bem” Por isso é sempre direcionado e atento, tenso e alerta no seu
impulso inquiridor... Como se irrompesse sempre da profundidade aquosa e
misteriosa do olho para interrogar e iluminar as dobras da paisagem...
Entre o ver o olhar é a própria configuração do mundo que se transforma. O ver é
espontâneo, desprevenido , enquanto o olhar é intencional. A visão é totalizante enquanto
o olhar é descontínuo, fragmentado, dilacerado. Rompe com a superfície lisa. “O impulso
inquiridor do olho nasce justamente da descontinuidade, desse inacabamento do mundo”.
Essas mesmas características se impõem ao escutar. Quanto podemos escutar os
sons com um tom inquiridor, como procura, como instigador de possibilidades de
compreender a realidade em suas múltiplas facetas?
Conceber o pensamento sob o signo da viagem, aconselhava Nietzsche,8 e não sob
o signo da parada, seria fugir do imobilismo, da crença do inverno, que não suportaria o
vento do degelo. Pensar é mudar. Trocar de pele, olhar diferentemente para o que se
conhece, escutar diferentemente o que se pensa saber, como um viajante, um estrangeiro.
Viajar, porém, não é dado a todos. Há os acomodados, que transitam pelos espaços
conhecidos e ordenados. Recusam-se ao enfrentamento dos obstáculos, às angústias
das desordens. Aos inquietos – curiosos ou insatisfeitos – o desconhecido instiga e desafia.
“Desdenham o homogêneo e o contínuo; são sensíveis às diferenças e atentos aos limites.
Afrontam obstáculos e vazios, são impelidos para o espaço aberto”.
Viagem, todavia, supõe distância e proximidade, tempo, espaço, inclusões,
exclusões, potência e impotência, aventura e frustração; pressupõe, também, um entre,
uma passagem, uma travessia.
As viagens são sempre “experiências de estranhamento, desarranjos nos territórios,
fissuras e fendas, experiências desestruturantes, empreitadas no tempo”. Nesse sentimento
de estranheza, de “alheamento” e distância, o mundo do viajante não se estreita, se abre,
não se bloqueia, mas experimenta a vertigem da desestruturação, sempre, em alguma
medida, marcada pela perda ou morte, de alguma verdade, certeza, convicção, preconceito.
O estranhamento proporcionado pelo olhar e a escuta viajantes não ocorrem em
relação apenas ao outro, mas também a nós próprios, pois acontecem desenraizamentos e
aberturas para diversas e fecundas experiências de viver e aprender. Viagens em intensidade.
Isso implica, necessariamente, combate, lutas e enfrentamentos, o que descortina
a dimensão do poder.
8
Cf. LEBRUN, G. Passeios ao léu
léu. Ensaios. São Paulo, Brasiliense, 1983.
42
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
3 Os dispositivos de poder
Ao introduzir a força como dimensão histórica da luta, do combate, no exercício
das diferentes formas de relação entre sujeitos e instituições, Foucault9 destaca que o
“poder não se dá, nem se troca, nem se retoma. Ele se exerce. Só existe em ato. A força
não está nunca no singular, ela está em relação com outras forças”. O poder é um exercício,
“uma ação sobre a ação dos outros, sobre ações atuais e eventuais, futuras ou presentes
(...) é um conjunto de ações sobre ações possíveis (...) tendo o pressuposto inalienável da
liberdade”. Liberdade compreendida como o infindável questionamento da experiência,
que ocorre por meio das ações e opções de acordo com um campo de possibilidades.
Os campos institucionais são atravessados por relações de poder, por dispositivos
que são máquinas invisíveis, quase mudas e cegas, porém são elas que fazem ver e falar,10
e, também, não ver e calar. Eles se inscrevem em um campo de possíveis e de interditos
e se traduzem e se implantam como modos de existência. As formas de saber e as forças
que constituem o poder atuam articuladas, formando uma malha fina, microfísica, que
percorre todo o tecido social.11
Há dois conjuntos de mecanimos de poder: -- disciplinares, que atingem corpo,
indivíduos, e instituições; -- reguladores, que advém do Estado, das leis, e da população.12
Esses poderes não estão no mesmo nível, não se excluem. São articulados um ao outro.
• Produzem formas de pensar.
• Induzem comportamentos.
• Constroem práticas.
O elemento que circula entre poder disciplinar e o regulamentador é a norma.
Qual é discurso e poder da norma?13 Eliminar, segregar, fragmentar, fazer cisuras, normalizar
a sociedade.
Excluir faz parte dos códigos de existência. Historicamente, os processos de exclusão
acompanham a vida social, institucional, pessoal e até mesmo íntima. Muitas e
diferenciadas são as formas de exclusão, sejam como apartheid social, racial, religioso,
de gênero, de estado mental, civil ou econômico, para citar algumas.14
9
FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In: RABINOW, P.; DREYFUS, H. Michel FFoucault,
oucault, uma trajetória filosófica: (para além
hermenêutica). Rio de Janeiro: Forense Universitária,1995.
do estruturalismo e da hermenêutica)
10
Ler mais em DELEUZE, G. O que és un dispositivo? In: BALBIER, et al. Michel Foucault Filósofo. Barcelona, Gedisa, 1990:
155-163.
11
FOUCAULT, M. Microfísica do poder
poder. Machado, Roberto (Org.). Rio de Janeiro: Graal, 1986.
FOUCAULT, M. Les Anormaux -- Cours au Collège de France, 1974-75. Paris, Gallimard/Seuil, 1999. p. 44-48. In: FOUCAULT,
M. A verdade as formas jurídicas
jurídicas. Rio de Janeiro: Nau: PUC, 1996.
12
FOUCAULT, M. Em defesa da Sociedade
Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
13
Ler mais em CANGUILHEM, G. O normal e o patológico
patológico. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000.
14
Ler mais em EIZIRIK, M. F. Por que a diferença incomoda tanto? In: EIZIRIK, M. F. Educação e escola: a aventura
institucional
institucional. Porto Alegre: Editora AGE, 2001.
43
A Inclusão como dispositivo
A sociedade e as instituições desenvolvem mecanismos de separação, rotulação,
localização -- de pessoas, grupos, idéias. Esses mecanismos são poderosos produtores de
verdades e de ações, que regulam a vida das pessoas. Ao fazer isso, porém, produzem
uma complexidade enorme de outros tantos movimentos, atravessado que é o campo
social por forças de várias ordens, naturezas e intensidades.
O que está em jogo é determinar quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos,
em suas relações, esses diferentes dispositivos de poder que se exercem, em diferentes
níveis da sociedade, em campos e com extensões tão variadas.
Importa fazer a análise do poder, dos jogos de exclusão, dos regimes de verdade
que separam e deixam fora do sistema grandes contigentes de pessoas, pela exclusão do
trabalho, da família, do discurso, da participação plena na sociedade.
É preciso atingir a consciência das pessoas e as instituições, simultaneamente, bem
ali, onde ambas se suportam, na criação de ideologias, e na sua cristalização, amparadas
em fortes instrumentos de poder que, ao mesmo tempo que criam, são também mantidos
e sustentados pelos mesmos mecanismos.
4 O desafio da diferença
Não seria a educação inclusiva um projeto revolucionário, que precisaria “decifrar
as dissimetrias, os desequilíbrios, as injustiças, as violências, que funcionam apesar da
ordem das leis, sob a ordem das leis, através das ordens das leis e graças a elas”15
Não seria necessária uma certa desordem para instalar novas ordens de sentido?
É importante definir o conceito de desordem que não é uma noção simétrica da ordem.
Compreende a idéia de álea, contendo também as idéias de agitação ou de dispersão e
quando se trata de um ser vivo, as idéias de ruído e de erro. É a desordem que permite a
não predição, a indeterminação, desvios e flutuações, abrindo o espaço para a
transformação. Nesse aspecto, Morin chama a atenção para a necessidade de proteger o
desvio, apesar das forças institucionais o reprimirem a todo o custo. Acredita ser necessário
tolerar e favorecer os desvios no seio dos programas e instituições, a fim de criar um
campo intelectual aberto, no qual se debatem e se combatem teorias e visões de mundo.
Crise, então, para Morin, significa progressão de incertezas; mas isso não significa
confusão, ou que estejamos perdidos nela. Crise quer dizer que perdemos a evolução
linear, o devir pré-programado, o futuro autorizado, mas ganhamos um complexo de
idéias críticas.
Sabemos que as evoluções podem significar regressões, e desenvolvimentos podem
trazer subdesenvolvimentos, pois evolução implica rupturas e transformações radicais,
15
Foucault, M. Em defesa da sociedade
sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
44
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
das quais conhecemos, muitas vezes, os perigos e nem sempre sabemos qual seu curso
ou sua finalização.
Apontar essas rupturas sísmicas, subterrâneas; trazer à luz e discutir os antagonismos
fundamentais, abrir caminhos para a transformação e a metamorfose são os objetivos da
concepção epistemológica da complexidade, que defende a possibilidade de criação
advinda da perda da ilusão da infalibilidade, de certeza do progresso.
Trata-se de uma racionalidade que integra os paradoxos do movimento, da liberdade,
da diferença e integrando-os convida a um convívio com a pluralidade, mas essa entendida
como criação, como uma proposta de uma visão de ciência, de mundo, de sociedade, de
sujeito. Criação que pressupõe uma ação que, consciente dos riscos, possa enfrentá-los
com ousadia, humildade e coragem, nas mil encruzilhadas da hesitação e da dúvida.
A autonomia é enfatizada, acompanhada da exigência de responsabilidade,
inteligência e criatividade, exigindo a participação de todos e de cada um no jogo da
complexidade. Nesse jogo, seria preciso, mais que nunca, compreender a lógica sinfônica,
como já foi dito, do inesperado, da surpresa, e onde a incerteza é um ingrediente básico
para dialogar com o mistério do mundo.
Esse mistério, esse jogo, essa lógica precisam penetrar na ordem das relações,
provocando deslocamentos para novos núcleos de sentido, buscando emergências de
outras ordens, onde o risco e a aventura sejam companheiros efetivos dos caminhos de
(con)viver com a complexidade.
Quais os elementos que estão na raiz da questão da diferença?16
• a (re) descoberta da finitude constitutiva da vida.
• a necessidade de conviver com a alteridade e os abalos inevitáveis no autoconhecimento e na auto-estima.
• o exercício da sensibilidade, o desenvolvimento da escuta e o acolhimento à
pluralidade.
• a experiência de olhar a diversidade do mundo com diferentes lentes, enfrentando
suas contradições e paradoxos.
• o abalo narcisista que significa a ruptura da imagem idealizada, e a necessidade
de reformulá-la, trazendo em seu bojo simbólicas formas de nascer e de morrer.
Não será o narcisismo a fragilidade para aceitar a diferença?
Talvez pudéssemos exercitar a estrangereidade em nossas práticas cotidianas, que
é própria de quem não é do lugar, acabou de chegar, pode ver e escutar o que, os que lá
estão, não são capazes de perceber – como acontece quando experimentamos algo pela
primeira vez, com frescor, originalidade, entusiasmo, encantamento.
16
EIZIRIK, M. F. Por que a diferença incomoda tanto? In: EIZIRIK, M. F. Educação e escola: a aventura institucional
institucional. Porto
Alegre: AGE, 2001. p. 37-57.
45
A Inclusão como dispositivo
Há um desconforto com esse estrangeiro que é ao mesmo tempo íntimo e secreto,
duplo e opaco, destituído de forma, que inspira horror e que queremos ver fora, mas que
retorna, constantemente, como fantasma, estranha presença do que nos é tão familiar e
tão (in)visível.
Uma possibilidade seria misturar múltiplas experiências, criar algum caminho novo
ou uma nova forma de pensar. Quem sabe embarcar numa viagem como a realizada por
Dante em A Divina Comédia: “É preciso olhar com os olhos bem abertos e poder voltar
a perguntar-nos tudo, questionarmos tudo”.
Isso significa a construção de uma estética da aprendizagem, buscando na raiz
etimológica aesthesis, ou seja, sensibilidade, uma força motriz revitalizante para pensar
e agir nesse campo, em que ensinar e aprender exigem que olhemos, escutemos,
percebamos nossas realidades por meio de múltiplas lentes, em um exercício permanente
e excitante, como é a própria vida.
O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar, a estrada
permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem
parentes do futuro.
Mia Couto, Terra Sonâmbula
Referências
ara uma nova teoria do sujeito
BADIOU, A. P
Para
sujeito: conferências brasileiras. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 2002.
CAMPBELL, J. O poder do mito
mito. São Paulo: Palas Athena, 1990
CARDOSO, Sérgio. O olhar viajante (do etnólogo). In: NOVAES, A. et al. O olhar
olhar. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 347-360.
CANGUILHEM, G. O normal e o patológico
patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
DELEUZE, G. O que és un dispositivo? In: BALBIER, et al. Michel Foucault Filósofo.
Barcelona, Gedisa, 1990. p. 155-163.
EIZIRIK, M. F. Educação e escola
escola: a aventura institucional. Porto Alegre: Editora AGE,
2001.
______. Michel
Foucault
Foucault: um pensador do presente. 2. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2005.
46
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade
sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
_______. Microfísica
do poder
poder. MACHADO, Roberto (Org.). Rio de Janeiro: Graal, 1986.
______. A verdade as formas jurídicas
jurídicas. Rio de Janeiro: Nau: PUC, 1996..
_______. Les
Anormaux. Cours au Collège de FFrance,
rance, 1974-75
1974-75. Paris, Gallimard/Seuil,
1999. p. 44-48.
______. Vigiar e punir
punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
LEBRUN, G. Passeios ao léu
léu. Ensaios. São Paulo, Brasiliense, 1983.
MORIN, E. Ciência com consciência
consciência. Lisboa: Europa/América, s/d.
RABINOW, P.; DREYFUS, H. Michel FFoucault,
filosófica: (para além do
oucault, uma trajetória filosófica
estruturalismo e da hermenêutica.) Rio de Janeiro: Forense Universitária,1995.
47
48
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Sobre o especial na e o especial da educação -- breves considerações
Maria Teresa Eglér Mantoan1
[email protected]
“Não fora um conjunto de equívocos, imprecisões, dissonâncias entre os
propósitos de uma escola para todos e sua operacionalização, teríamos,
certamente, avançado muito mais na direção da inclusão escolar.
Esses percalços devem-se a questões de ordem conceitual e organizacional e
entre elas podemos identificar o que chamamos de indiferenciação entre o
especial na educação e o especial da educação.
Não se trata aqui de jogar com as palavras, mas de se expor o que é pertinente
a cada uma dessas situações, que podem interferir decisivamente para que o
ensino especial e o ensino regular tomem rumos compatíveis ou não com os
propósitos da escola inclusiva.”
O especial na educação escolar compreende os serviços oferecidos pela Educação
Especial ao ensino escolar. Esses serviços preparavam alunos com deficiência para uma
possível integração em turmas das escolas comuns e/ou substituíam o ensino regular,
quando não havia condições de esses alunos serem encaminhados às escolas comuns.
Há ainda muitos resquícios desse entendimento do especial na educação, que justificam
a manutenção das classes especiais e escolas especiais.
Como campo de conhecimento, a Educação Especial continua inalterada, na sua
concepção, buscando o entendimento do processo educacional de alunos com deficiência
e com altas habilidades. A concepção modifica-se, no entanto, quando se trata da
presença da Educação Especial, como modalidade, no ensino escolar. Presente em todas
as etapas dos níveis básico e superior de ensino, ela passa a ser complemento da formação
de alunos com deficiência, perdendo sua condição de substituir o ensino comum,
curricular em escolas e classes especiais.
O atendimento educacional especializado (AEE) constitui esse complemento, que
é assegurado aos alunos que dele necessitarem. Para freqüentá-lo, os alunos com
deficiência em idade de cursar o Ensino Fundamental e as demais etapas do ensino
1
Doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas; Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em
Ensino e Diversidade (LEPED) do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); autora de
várias obras com o tema inclusão; e professora da graduação e do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação
--- Unicamp.
49
Sobre o especial na e o especial da educação -- breves considerações
básico devem, obrigatoriamente, estar matriculados e freqüentando as turmas de sua
faixa etária, nas escolas comuns.
No Capítulo III, Da Educação, da Cultura e do Desporto, artigo 205 a Constituição
diz, em seu art. 208, que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de: [...]”atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino”.
O direito ao atendimento educacional especializado (AEE) está igualmente previsto
nos artigos 58, 59 e 60 da Lei nº 9.394/96 – LDBEN e, para não ferir a Constituição, ao
usar o termo Educação Especial, deve fazê-lo, segundo sua nova interpretação, com base
no que a Constituição inovou, ao prever o “atendimento educacional especializado e
não mais a Educação Especial”, como constava das legislações anteriores.
A Educação Especial, quando presente no ensino escolar, de acordo com essa nova
concepção, atinge necessariamente a escola comum em seus fundamentos e práticas.
De fato, se os alunos com deficiência passam a realizar seus estudos em escolas
comuns, esse alunos, assim como outros que foram excluídos das escolas comuns,
constituem uma forte pressão para que o ensino comum seja revisto em suas bases teóricometodológicas e em sua organização pedagógica.
É certo também que os alunos com deficiência são a grande preocupação dos
professores, gestores das escolas comuns para que elas se tornem inclusivas, mas sabemos
que a maior parte dos alunos que fracassa na escola são aqueles que não vêm do ensino
especial, mas que possivelmente acabarão nele!
Na perspectiva de um ensino para todos, o especial na educação assegura o
prosseguimento dos estudos de alunos com deficiência, nas escolas comuns, por meio
do atendimento educacional especializado, que provê meios de que esses alunos
necessitam para eliminar/reduzir barreiras que suas deficiências impõem em maior ou
menor grau ao aproveitamento escolar, nas turmas comuns de ensino regular. O AEE,
contudo, não tem poderes para avaliar/definir quem está ou não em condições de cursar
o ensino comum. O direito de todos à educação incumbe-se do acesso e permanência
de todos os alunos, com e sem deficiência, às escolas comuns.
O que entendemos como especial da educação provém dos princípios da inclusão
escolar e provoca uma re-significação da educação comum, no seu sentido mais pleno.
Reconhece-se o especial da educação quando a escola atende às diferenças, nas salas
de aula, sem discriminá-las, sem estabelecer regras específicas para se planejar, para avaliar
o desempenho de alguns de seus alunos (currículos adaptados, atividades facilitadas,
avaliações especiais da aprendizagem). O especial refere-se ao conjunto de condições
que qualificam as escolas para a inclusão escolar, como propõem a nossa Constituição
Federal de 1988 e a Declaração de Salamanca e é depreendido do acolhimento de
todos os alunos, indistinta e espontaneamente, da atenção das escolas ao que pode
produzir situações de exclusão e suas implicações, como o fracasso escolar, a evasão e
outras.
50
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Mudanças que estão sendo implementadas em sistemas públicos e particulares de
ensino visando à inclusão continuam, na maioria das vezes, entendendo o especial da
educação, a partir de marcos teóricos que não conseguem superar os preceitos
igualitaristas e universalistas da Modernidade.
Esses marcos apregoam a disciplinarização, a padronização, a precaução contra a
incoerência, a indeterminação, a indefinição e tudo o mais que possa desestabilizar as
escolas, insistindo em manter a sua ânsia pelo lógico, pela negação das condições que
produzem as diferenças. A orientação é incompatível com o especial da educação inclusiva.
Temos dificuldade de incluir todos nas escolas, porque a multiplicidade incontrolável
e infinita das suas diferenças inviabiliza o cálculo, a definição desses sujeitos e não se
enquadra na cultura de igualdade das escolas.
A diferença é difícil de ser recusada, de ser negada, desvalorizada e o especial da
educação e o especial na educação que não conseguem assimilá-la, em um quadro
interpretativo includente, reproduzem o igualitarismo essencialista, em que se a exclusão
se perpetua. Há, então, de se mudar de quadro referencial e definir o especial da e na
educação com base no reconhecimento e valorização das diferenças, demolindo os pilares
nos quais a escola tem se firmado até agora.
A igualdade abstrata não propiciou a garantia de relações justas nas escolas.
A igualdade de oportunidades, que tem sido a marca das políticas igualitárias e
democráticas no âmbito educacional, também não consegue resolver o problema das
diferenças nas escolas, pois elas escapam ao que essa proposta propõe, diante das
desigualdades naturais e sociais.
Em sua obra Teoria da Justiça, Rawls (2002) opõe-se às declarações de direito do
mundo moderno, que igualaram os homens em seu instante de nascimento e
estabeleceram o mérito e o esforço de cada um, como medida de acesso e uso de bens,
recursos disponíveis e mobilidade social. Para esse filósofo político, a liberdade civil com
suas desigualdades sociais e a igualdade de oportunidades com suas desigualdades
naturais são arbitrárias do ponto de vista moral; ele propôs uma política da diferença,
estabelecendo a identificação das diferenças como uma nova medida da igualdade.
Ele assim pronunciou-se:
[...] Assim, somos levados ao princípio da diferença, se desejamos montar o
sistema social de modo que ninguém ganhe ou perca devido ao seu lugar
arbitrário na distribuição de dotes naturais ou à sua posição inicial na sociedade
sem dar ou receber benefícios compensatórios em troca (p. 108).
O referido autor, caminhando na mesma direção das propostas escolares inclusivas,
defende que a distribuição natural de talentos ou a posição social que cada indivíduo
51
Sobre o especial na e o especial da educação -- breves considerações
ocupa não são justas, nem injustas. O que as torna justas ou não são as maneiras pelas
quais as instituições (no caso, as educacionais) fazem uso delas. Ele sugere, então, uma
igualdade democrática, que combina o princípio da igualdade de oportunidades com o
princípio da diferença (idem, ibid., p. 79).
A sugestão de Rawls tem opositores, por ser contra à noção de mérito. Para os
que lutam por uma escola verdadeiramente inclusiva, na mesma linha argumentativa
de Rawls (idem, ibid.), o merecimento não parece aplicar-se devidamente aos que já
nascem em uma situação privilegiada socialmente, aos que já tiveram a oportunidade
de se desenvolver, a partir das melhores condições de vida e de aproveitamento de
suas potencialidades; o mérito deve ser proporcional ao ponto de partida de cada
um.
Rawls (idem, ibid.), ao combinar os dois princípios, reconhece que as desigualdades
naturais e sociais são imerecidas e precisam ser reparadas e compensadas, e o princípio
da diferença é o que garante essa reparação, visando à igualdade.
O autor ressalta ainda que a igualdade de oportunidades é perversa, quando garante
o acesso, por exemplo, à escola comum, de pessoas com alguma deficiência de nascimento
ou de pessoas que não têm a mesma possibilidade das demais de passar pelo processo
educacional em toda a sua extensão, por problemas alheios aos seus esforços. Entretanto,
não lhes assegura a permanência e o prosseguimento da escolaridade em todos os níveis
de ensino.
Mais um motivo para se firmar a necessidade de repensar e de romper com o
modelo educacional elitista de nossas escolas e de reconhecer a igualdade de aprender
como ponto de partida, e as diferenças no aprendizado, como processo e ponto de
chegada.
Joseph Jacotot2 traz um olhar original sobre a igualdade, que se emaranha nas
questões de direito, de política, de promessas constitucionais. Para esse professor de
idéias extravagantes para a sua época e para a atualidade, a igualdade não seria alcançada
a partir da desigualdade, como se espera atingi-la, até hoje, nas escolas; acreditava em
uma outra igualdade, a igualdade de inteligências. Jacotot defendia o ser humano como
ser cognoscente, capaz de aprender, de conhecer e defendia essa capacidade de toda
submissão – uma inteligência não pode submeter uma outra. Em uma palavra, a
emancipação da inteligência proviria dessa igualdade de capacidade de aprender, que
vem antes de tudo, que é ponto de partida para qualquer tipo ou nível de aprendizagem
e não o seu resultado!!!
2
Educador que viveu de 1770 a 1840. Foi trazido do esquecimento da história da pedagogia do século XIX por Rancière e
outros filósofos que se propõem a entender a educação pelo seu avesso.
52
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
O professor, portanto, não deveria negar essa capacidade, esse “lugar do saber”
que é anterior a qualquer aprendizagem e que cada aluno tem de ocupar no seu percurso
educacional. Não reconhecendo a emancipação intelectual nessa perspectiva
revolucionária, estaríamos ferindo o princípio de igualdade intelectual e, assim,
embrutecendo esse aluno com um ensino explicativo e limitador, que o assujeita à verdade
do mestre, sem contestações.
Rancière (2002) relembra os ensinamentos de Jacotot, quando diz:
Há desigualdade nas manifestações da inteligência, segundo a energia mais ou
menos grande que a vontade comunica à inteligência para descobrir e combinar
relações novas, mas não há hierarquia de capacidade intelectual (p.49).
As grandes lições desse mestre são mais um argumento em favor da necessidade
de combinar igualdade com as diferenças e de nos distanciarmos dos que se apegam
unicamente à cultura da igualdade de oportunidades liberal e do mérito para defender a
escola do seu caráter excludente, que bane os que por desigualdades significativas de
nascimento e/ou desigualdades sociais não conseguem preencher os requisitos de um
padrão de aluno previamente estipulado.
A escola insiste em afirmar que os alunos são diferentes quando se matriculam
em uma série escolar, mas o objetivo escolar, no fim desse período letivo, é que eles
se igualem em conhecimentos a um padrão que é estabelecido para aquela série,
caso contrário serão excluídos por repetência ou passarão a freqüentar os grupos de
reforço e de aceleração da aprendizagem e outros programas embrutecedores da
inteligência.
A indiferença às diferenças está acabando, passando da moda. Nada mais desfocado
da realidade atual do que ignorá-las e isolá-las em categorias genéricas, típicas da
necessidade moderna de agrupar os iguais, de organizar pela abstração de uma
característica qualquer, inventada, e atribuída de fora.
Os alunos jamais deverão ser desvalorizados e inferiorizados pelas suas diferenças,
seja nas escolas comuns, como nas especiais. Esses espaços educacionais não podem
continuar sendo lugares da discriminação, do esquecimento, que é o ponto final dos
que seguem a rota da proposta da eliminação das ambivalências com que as diferenças
afrontam a Modernidade.
A intenção de destacar o especial na e da educação, nesse texto, é a nossa
contribuição para esquentar o debate e a oportunidade de firmarmos uma posição diante
dos rumos a serem tomados pela nossa educação nesses tempos de (in) decisão e de
inquietude.
53
Sobre o especial na e o especial da educação -- breves considerações
As mudanças propostas pelas novas políticas educacionais para o ensino regular e
especial ensejam a recolocação de questões, o reencontro das dúvidas, o confronto de
nossas pretensões com as incertezas, com a incompletude, com a instabilidade do
conhecido.
Enfrentar idéias, posicionamentos, situações novas, que exigem desprendimento e
desconfiança de todo saber que nos nutriu e com o convencionalismo de nossas
concepções e práticas, não é fácil, mas possível!
Referências
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante
ignorante. Cico lições sobre a emancipação intelectual.
Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça
justiça. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
54
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos quanto
ao futuro da inclusão escolar?
Claudio Roberto BAPTISTA1
[email protected]
As reflexões que integram o presente texto partem de algumas premissas que
precisam ser destacadas para que se torne compreensível o ponto de vista de quem
escreve. As intensas mudanças que têm caracterizado a educação especial contemporânea
encontram resistências que perpassam vários âmbitos constitutivos da nossa vida em
comum. Do plano legislativo à prática cotidiana. Das diretrizes curriculares às sensações
evocadas diante daqueles que insistentemente chamamos “diferentes”. Da ausência de
responsabilidade anunciada (“isso não nos diz respeito”) ao movimento de circunscrever
o fenômeno da inclusão em um circuito delimitado da educação especial (“isso é com
vocês!”).
Como reagir a esse estado atual? Como provocar mudanças, e em que direção,
para que a perspectiva inclusiva se consolide? Essas parecem ser perguntas que orientam
as ações que têm nos reunido como interessados. Há uma percepção de uma parcela
dos profissionais envolvidos com a educação especial de que o avanço oportunizado
pelos dispositivos legais, para favorecer a inclusão escolar, estaria estagnado e que
seria o momento de colocar em discussão esses dispositivos. Essa perspectiva poderia
produzir efeitos quanto à mudança no plano das leis que orientam a escolarização?
Certamente sim. Essa perspectiva poderia associar essas mudanças legais às alterações
que constituiriam a escola brasileira como uma escola inclusiva? Esse é nosso grande
desafio.
Dentre os tantos pontos de partida para essas questões, temos um: a definição de
uma Política Nacional e as responsabilidades dos gestores em seus diferentes níveis. Nesse
sentido, a Secretaria de Educação Especial do MEC tem provocado instâncias integrantes
da sociedade brasileira para instituir um movimento de revisão do texto que constitui a
Política Nacional de Educação Especial. Ou melhor, de proposição de uma nova Política
de Educação Especial. Para tanto, alguns pesquisadores da área, dentre os quais me
incluo, integram uma comissão assessora que tem trabalhado na busca de palavras e na
interação com interlocutores. Substancialmente, é esse nosso trabalho: buscar palavras
e dialogar. Não é pouco, considerando o universo deslizante das palavras, seus equívocos,
1
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). www.ufrgs.br/faced/pos
55
Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos
quanto ao futuro da inclusão escolar?
seus múltiplos sentidos, suas armadilhas... Não é pouco, considerando que o diálogo é
uma tarefa árdua que nós perseguimos sempre, ensinamos a nossos alunos que esta é a
verdadeira direção do ato educativo, mas apenas raramente somos capazes de instituir
diálogos.
Pretendo, considerando essa meta, com esse texto, apresentar o ponto de vista de
que falo; abordar brevemente os sentidos e as direções desse movimento de instituição
de uma Política Nacional de Educação Especial; refletir sobre algumas armadilhas que
identifico associadas à nossa tendência de simplificar os desafios e acreditar
demasiadamente na potência daquilo que se anuncia como novo. Abordarei de forma
conjunta os dois primeiros itens para depois ocupar-me do terceiro e, então, buscar um
fechamento reflexivo.
1 Pontos de partida
Represento um grupo de pesquisa (Nepie2 -- UFRGS) da área da educação
especial que tem se ocupado na análise da política nos seus desdobramentos em
termos de uma política do cotidiano, investigando as relações entre o discurso político
e as práticas educativas como constituidores de sujeitos. Minha disposição, portanto,
de integrar um grupo que se ocupa das palavras e do diálogo é intensa, porém
reconheço que a riqueza desses encontros está na possibilidade de nos deixar
interpelar, sem pretensão alguma de uma coesão que impeça a identificação das
diferenças que nos constituem.
Até o presente momento, podemos dizer, a respeito da instituição de uma “nova
política de educação especial”, que o sentido de provocar movimento pode ser visto
como aquele de valorizar a política “instituinte”, para resgatar um termo tão caro à
pedagogia institucional (MEIRIEU, 2002; BAPTISTA, 2004). Essa reconfiguração
viabiliza-se por meio de uma ampliação de interlocutores que têm diferentes canais de
inserção social e institucional, como ocorre com pesquisadores, gestores, educadores
em diferentes níveis. Pode ser compreendida como uma ação política de fazer com
que a tarefa de escrita coletiva de um texto seja uma oportunidade de construção,
pelas palavras e pelo diálogo, de uma perspectiva que se encontra anunciada, porém,
como destaquei nas premissas iniciais, tão carente de pontos de afirmação. Desse modo,
talvez tenha maior importância nossa oportunidade de confrontar nossas opiniões e
rever nossos pontos de vista que a inscrição da palavra que se assume como “a política”.
Pensar desse modo é reconhecer que o texto ao qual chegaremos será necessariamente
2
Núcleo de Estudos em Políticas de Inclusão Escolar (Niepie): www.ufrgs.br/faced/pesquisa/nepie
56
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
parcial e, provavelmente, contraditório em certos aspectos, mas que vale a pena investir
na política como essa ação de “ocupar-se das coisas públicas”(ROSSO, 1998). Assumir
esse ponto de vista é também entender-se como partícipe de um movimento que
congrega planos muito diferenciados e complexos que estão em mutabilidade contínua.
Por isso, como ocorre com nossa ação de docentes, fazemos movimento no movimento,
pois cada aluno que muda com a experiência educativa nada tem de estático e plácido.
Se pretendemos movimento, na política, devemos ser capazes de fazer movimento no
movimento.
2 Direções e tensões na instituição de uma política de educação especial
Temos discutido insistentemente as vantagens de uma educação que acolha a todas
as crianças, independentemente de suas características e de suas limitações. Porém, esse
debate tem se restringido aos responsáveis pela educação especial. Essa afirmação vale
tanto para o plano acadêmico (quem investiga os processos inclusivos?) quanto para
aquele da gestão (quem se ocupa da inclusão nas redes de ensino?). Em ambos os casos,
nossa resposta tende a ser: aqueles “da educação especial”. Diante de uma
intencionalidade de intensificação da inclusão como diretriz, identifico como necessário
para a elaboração de uma Política Nacional de Educação Especial o envolvimento de
setores não específicos da área, a começar pelos gestores nacionais que são responsáveis
pela educação chamada regular. Quanto mais nos resignarmos diante da ação que se
anuncia dirigida à inclusão, tendo como partícipes os responsáveis pela educação especial,
mais teremos seus efeitos no cotidiano das escolas, em razão da não-implementação de
mudanças que deveriam ocorrer no ensino comum para dar viabilidade a processos
inclusivos. Não serão apenas os responsáveis pela educação especial a indicar como o
ensino comum deverá ser modificado para dar conta da escolarização de alunos com
deficiência ou com necessidades educativas especiais. Essas indicações podem ter sentido
quando se referem ao plano dos estudos, da pesquisa, mas os gestores, com
responsabilidades diretas na vida dos sistemas de ensino, deverão ser mobilizados nas
diferentes áreas que constituem a escolarização e não apenas os setores específicos ligados
à educação especial. Esse, segundo acredito, é um fenômeno que acaba se reproduzindo
do Ministério da Educação às mais remotas escolas rurais. Insisto: quem se ocupa de
inclusão escolar? Quais as nossas habilidades e oportunidades de diálogo com os
responsáveis pelo ensino comum? Quais as responsabilidades assumidas por gestores e
professores do ensino comum na direção de uma política de inclusão escolar? Em geral,
as iniciativas de investigação (TEZZARI, 2006; BAPTISTA; DORNELES, 2004) têm mostrado
que continua havendo uma responsabilidade circunscrita: quem se ocupa de inclusão é,
na melhor das hipóteses, o responsável pelo setor de educação especial das secretarias,
o professor especializado, o professor de sala de recursos; mas também pode ocorrer a
compreensão de que quem se ocupa é a instituição especializada que se “transforma”
57
Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos
quanto ao futuro da inclusão escolar?
em pólo assessor, com a difícil tarefa de “tradução” de práticas típicas da educação especial
para o contexto do ensino comum. Quanto mais distante do ensino comum estiver o
responsável, mais intenso será o abismo entre o conhecimento específico pedagógico e a
possibilidade de uma ação planejada pelos docentes. Talvez essa seja nossa urgência
número um: admitir que essa cisão é prejudicial aos processos inclusivos e que é algo
que evoca nossa responsabilidade compartilhada. Todos compactuamos, por meio da
nossa naturalidade ou da nossa ausência de iniciativa, com uma lógica que mantém as
fragmentações na escola. Resta saber quais são nossas capacidades articuladoras, não
apenas para fazer com que a relação profissional do educador especializado se torne
mais sintônica com a ação do colega do ensino comum, mas para fazer com que os
gestores que não são da educação especial passem a se ocupar de fenômenos que dizem
respeito à inclusão escolar. Nosso diálogo e nosso movimento de assunção de
responsabilidades começam na escolha das palavras para o possível diálogo. É dessas
palavras que desejo me ocupar a seguir.
3 O ato de escolher palavras
No início desse texto, afirmei que a palavra é o terreno da possibilidade de diálogo e,
igualmente, o terreno de muitos equívocos em decorrência do caráter deslizante dos
sentidos. A psicanálise nos ensinou que não existe a palavra livre desse risco, assim como
o fizeram autores como Vigotsky e Bateson. No entanto, penso ser interessante uma ação
reflexiva que consiga antecipar alguns riscos. O que ocorreu nas últimas duas décadas foi a
valorização de um termo que, embora conceitualmente muito diferente de “deficiência”,
passou a substituir essa palavra na educação especial: necessidades educativas ou
educacionais especiais. Esse conceito, muito mais amplo, por envolver também alunos
que apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem, tem sido o conceito
predominante em nível internacional e orientador das políticas educacionais no Brasil. As
vantagens dirigidas ao conceito estariam ligadas à sua capacidade de envolver o contexto,
pois a produção das chamadas dificuldades de aprendizagem, todos sabemos, tem nos
contextos de referência dos alunos uma forte dimensão constitutiva. A escola contribui
para que as crianças tenham dificuldades, até mesmo acentuadas, de aprendizagem. Quanto
aos efeitos desse conceito na organização dos sistemas de ensino, podemos identificar um
esforço de identificação de um continuum entre o aluno do ensino comum, o aluno do
ensino comum que demanda algum apoio pedagógico (laboratório de aprendizagem ou
oficinas) e o aluno do ensino comum que demanda o atendimento especializado oferecido
em salas de recursos por educadores com formação em educação especial.
Em outra direção, temos acompanhado a emergência de críticas de muitos estudiosos
da área quanto à generalização do termo “necessidades educativas especiais”, para ter
se tornado muito amplo e envolver alunos que não necessariamente precisariam do
atendimento educacional especializado.
58
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Em alguns documentos internacionais, a conceituação envolve crianças que vivem
em condições de desvantagem que podem contribuir para que haja dificuldades na escola
ou que têm suas dificuldades associadas às dimensões culturais ou lingüísticas. Assim,
pode-se dizer que, pela imprecisão do diagnóstico, poderíamos ter crianças identificadas
como alunos com necessidades especiais sem que o fossem. Esse fenômeno não é exclusivo
do atual momento histórico e nem desse conceito. Devemos retomar essa questão.
Reconheço uma disposição por parte de vários setores responsáveis pela atual discussão
sobre a política de educação especial, para propor que abandonemos o conceito
“necessidades educacionais especiais” e passemos a identificar o aluno da educação
especial como aquele com deficiência, com altas habilidades e com transtornos globais
de desenvolvimento.
Quais os efeitos de uma decisão dessa natureza para a política brasileira relativa
à educação especial? O ponto de partida que identifico como organizador de minha
leitura é: não existe conceito que nos livre dos problemas, pois estamos em um
território que, para além das palavras, tem representado a “periferia” (BAPTISTA,
2006). A educação especial, a educação popular, a educação de jovens e adultos são
campos de conhecimento e atuação que têm tido uma posição secundária quando
nos referimos às políticas (considere-se os recursos econômicos o número de
atendimentos, a emergência de elementos de divulgação). Reafirmo, portanto, que
seria uma ilusão a crença de que reduziríamos os problemas da educação especial,
restringindo o conceito e abandonando um termo considerado “vago”. Não
resolveremos nossos problemas com base nessa restrição por dois motivos específicos
que merecem muita atenção.
Primeiro, porque a idéia de que, ao restringir, garantiremos o atendimento
especializado a quem de fato necessita é falsa. Falsa quando consideramos o número
de oferta de vagas comparado ao universo de pessoas que seriam o contingente
potencial da educação especial. A oferta extremamente reduzida foi analisada por
Odeh (2000), em estudo que mostrava como, contraditoriamente ao que se pensa,
os alunos com necessidades especiais já se encontram matriculados no ensino comum
e não se beneficiam de serviços de apoio. Esse movimento que a autora chama de
“integração não-planejada” tem suas vantagens e seu lado perverso. A vantagem seria
a não-identificação do aluno, permitindo que o mesmo tenha a chance de tentar a
escolarização, ainda que em uma escola que não está devidamente preparada para
essa tarefa. O lado perverso é aquele que, em razão do tipo de escola que temos
(não da ausência de identificação do aluno), o que ocorre freqüentemente é a
produção de sujeitos não escolarizados e que acabam abandonando a escola, com
um forte sentimento de que o “erro” estaria nele (“eu não fui feito para essa
experiência”).
O que fazer? Em quais situações seria compreensível que se defendesse a restrição
conceitual, com ênfase em alguns grupos de sujeitos? A primeira questão a ser respondida
59
Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos
quanto ao futuro da inclusão escolar?
é relativa à definição. Para esse debate, escolho um grupo de sujeitos que têm no
diagnóstico um tema polêmico, o que não é verdade para todos os quadros de
deficiência. No entanto, esses sujeitos têm sido aqueles que constituem o maior
contingente de alunos da educação especial.3 Refiro-me ao aluno com deficiência
mental. A quem cabe definir o aluno com deficiência mental? Quem se ocupará da
diferenciação entre esse aluno e aquele com dificuldades de aprendizagem?
Historicamente, apesar de termos freqüentemente evocado a responsabilidade de
“equipes multidisciplinares”, sabemos que duas áreas têm sido responsáveis por essa
identificação: a psicologia e a medicina. Na última década, com base na ênfase ao
conceito necessidades educativas especiais, o trabalho do educador especializado
tem sido valorizado na identificação inicial do aluno. Apesar disso, nossos indicadores
numéricos, como mostra o censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep), continuam sendo pautados nas categorias associadas à
deficiência. Portanto, há ao menos dois planos diferenciados de consideração do
sujeito: um mais genérico para indicar de quem devemos nos ocupar e outro mais
restritivo, que é acionado no momento de quantificar esses alunos. Como fortalecer
uma tendência de valorização do diagnóstico inicial realizado pelos educadores
especializados e, contemporaneamente, defender o retorno a parâmetros mais
restritivos associados à deficiência? No caso da deficiência mental, esse movimento
terá como efeito a valorização da ação profissional dos psicólogos e dos médicos
para efetuar a identificação ou para decidir sobre a avaliação inicial desse sujeito.
O recurso à área da saúde ocorre ainda hoje, mesmo tendo como parâmetro as
necessidades especiais e mesmo em redes de ensino nas quais o educador
especializado tem seu trabalho extremante valorizado. Creio que essa tendência
deverá se acentuar. O que faremos com nosso esforço histórico para garantir uma
avaliação contextualizadora e a ocorrência de oportunidades que, muitas vezes, são
favorecidas pela ausência de um rótulo explícito como “deficiente mental”? Quais os
riscos de, apesar de nossa boa intenção atual, contribuirmos para uma valorização
de uma concepção biologizante na avaliação desses alunos? Se houve, durante muito
tempo, o processo de diagnóstico de deficiência mental imposto a alunos com
dificuldades de aprendizagem, que garantias temos de que essa não será a direção
provável com a revalorização desses conceitos no plano da política? Não tenho essas
respostas, mas sinto-me na obrigação de destacar esse risco. Resta a tarefa de nossa
contínua “busca pelas palavras”.
3
De acordo com o Censo escolar do Inep/2006, os alunos com deficiência mental correspondem a aproximadamente 40% do
total de alunos da educação especial. Caso consideremos as possíveis relações desse grupo de sujeitos com o segundo
contingente numérico (14% -- condutas típicas), a tendência seria de aumento do número total de alunos com essa deficiência.
Esclareço que apesar de serem grupos distintos, ambos têm a indefinição de parâmetros identificadores como características
e, além disso, há sobreposições entre os dois grupos.
60
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
4 A dimensão pedagógica
No que se refere à dimensão pedagógica do debate atual sobre a Política Nacional
de Educação Especial, penso que merecem atenção dois pontos que nos auxiliam a
pensar os sujeitos e os espaços da educação.
Quanto aos sujeitos, tenho observado a predominância de uma referência ao
conceito de “pessoa” nos debates atuais sobre a “nova política”. Apesar de reconhecer a
importância do termo o qual teve seu lugar de destaque na Constituição de 1988 – a
Constituição chamada Cidadã --, entendo que uma política de educação deveria focalizar
um personagem mais definido e dar ênfase ao “aluno”. Esse foi o termo enfatizado pela
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996.
Quanto aos espaços educacionais, considero que as diretrizes da atual política,
além de assegurarem o ensino comum como espaço de todos os alunos, deveriam indicar
o privilégio da dimensão pedagógica associada a dispositivos didáticos como a sala de
recursos e como a ação do professor especializado na condição de “professor de apoio”.
Devemos nos interrogar sobre as metas da implementação desses dispositivos e sobre
suas relações com o projeto político-pedagógico da rede de ensino em questão. A sala
de recursos é um dispositivo potente nos processos inclusivos em razão de sua atuação
complementar, porém não avançaremos no uso desse espaço se não houver um
investimento na sua qualificação pedagógica, o que tem precária relação com a concepção
dessa sala como um espaço físico diferenciado, com materiais típicos do ensino
especializado, podendo resultar em uma espécie de microclínica no interior da escola.
Nosso desafio, portanto, é pensar dispositivos que estejam articulados a um projeto geral
que valorize os processos inclusivos.
5 Para concluir
Considero que vivemos um momento privilegiado e desafiador. Temos acesso às
informações; temos disposições legais que já indicavam uma diretriz “inclusiva” que agora
tende a se intensificar; temos conhecimento acumulado sobre a prática pedagógica. No
entanto, temos também desafios associados às dimensões de nossa tarefa histórica de
pensar a educação no Brasil, em paralelo com as demais prioridades nacionais. Ao
debatermos a Política Nacional de Educação Especial, a dinâmica de um diálogo plural
pode ser um bom indício. Contudo, é importante que não tenhamos tantas ilusões.
Ainda há muito a fazer. Trata-se de valorizar um processo de escolhas de palavras e de
fortalecer a ação dirigida aos contextos em movimento, o que deveria nos implicar ainda
mais. Penso que um dos efeitos desejáveis desse momento histórico seria aquele de
intensificar a responsabilização dos gestores estaduais e municipais, visto que a Educação
Básica é um âmbito de responsabilidade prioritária desses gestores. Assim, devemos
continuar nossa busca pelas palavras, apostando no diálogo como estratégia e como
61
Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos
quanto ao futuro da inclusão escolar?
meta de nosso trabalho. Considero que nossa ação deva buscar a ampliação dos
implicados nesse processo, reduzindo a centralização da responsabilidade pela inclusão
na educação especial; deva intensificar a dimensão pedagógica ao pensarmos os
dispositivos que pretendemos colocar em ação; deva ser pautada na cautela com relação
à escolha reflexiva de palavras, reconhecendo a complexidade dessa tarefa.
Referências
BAPTISTA, Claudio. Ciclos de formação, educação especial e inclusão: frágeis conexões?
In: MOLL, Jaqueline (Org.). Ciclos na vida, tempos na escola
escola. Criando possibilidades.
Porto Alegre: Artmed, 2004.
______. (Org.). Inclusão e escolarização
escolarização: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Mediação,
2006.
BAPTISTA, Claudio; DORNELES, Beatriz. Políticas de inclusão escolar no Brasil: descrição
e análise do município de Porto Alegre. In: PRIETO, Rosângela (Coord.). Políticas de
inclusão escolar no Brasil
Brasil: descrição e análise de sua implementação em municípios das
diferentes regiões. Trabalho encomendado do GT-15 Educação Especial na 27ª Reunião
Anual da ANPEd. Caxambu, 2004.
fazer: a coragem de começar. Porto
MEIRIEU, Philippe. A pedagogia entre o dizer e o fazer
Alegre: Artmed, 2002.
ODEH, Muna M. O atendimento educacional para crianças no hemisfério sul e a
integração não-planejada: implicações para as propostas de integração escolar. Revista
Brasileira de Educação Especial
Especial, n. 6, p. 27-42, 2000.
ROSSO, Andrea. Bateson, a mente aperta. École
École, n. 57, fev. 1998.
TEZZARI, Mauren. Inclusão Escolar e rede de apoio: a Sala de Integração e Recursos
(SIR) como possibilidade de serviço de atendimento especializado. Anais do VI Seminário
de Pesquisa em Educação da Região Sul – ANPEd-Sul
ANPEd-Sul, Santa Maria, 7 a 9 de junho de
2006.
62
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva
Soraia Napoleão Freitas1
[email protected]
Antônio Carlos do Nascimento Osório2
osó[email protected]
Trata-se, em suma, de interrogar o caso de uma sociedade que desde há mais
de um século se fustiga ruidosamente por sua hipocrisia, fala profilaxamente
de seu próprio silêncio, obstina-se em detalhar o que não diz, denuncia poderes
que exerce e promete liberar-se das leis que fazem funcionar (FOUCAULT,
1988, p.14).
O presente artigo tem como objetivo incentivar reflexões acerca do currículo, como
um dos instrumentos que se dimensiona e se adequa de diferentes maneiras, “ditas”
pedagógicas, em lidar com o conhecimento de forma disciplinar, fragmentada e
redistribuída, por interesses e valores, os quais se alojam por meio de dois pilares
consolidados como dispositivos reguladores.
O primeiro pilar estrutura-se a partir de uma análise sócio-histórica que permita
entender o currículo como fruto de relações de poder, coordenado por interesses
econômicos dominantes, que utilizam os mesmos mecanismos de repressão, de controle
e de domínio, chegando até o aluno. O segundo tem suas origens nos conflitos de ordem
cultural, no valor pelo qual se define um currículo e se postula imperativos disciplinares,
metodológicos, avaliativos, como “prescrições de prudência” em regras de imanência, de
variações contínuas e de polivalência. Tudo isso se encaminha para uma melhor
segregação, quando enunciamos um currículo que deveria dar conta de alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e alunos com superdotação/altas
habilidades.
1
Professora Associada I, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Rio
Grande do Sul. Líder do Grupo de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq):
“Educação Especial: interação e inclusão social”. Coordenadora do Programa de Apoio à Pesquisa em Educação Especial
(Proesp)/MEC/Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) da UFSM.
2
Professor Associado I, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS),
da Linha de Pesquisa “Educação e Trabalho”, e Coordenador dos Grupos de Estudos/CNPq: “Educação, trabalho e formação
profissional” e “Investigação acadêmica nos referenciais foucaultianos”. Coordenador do Programa de Apoio à Pesquisa em
Educação Especial Proesp/MEC/Capes da UFMS.
63
O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva
Essas polêmicas históricas e sociais ganham sentido no momento que se discute e
se encaminha uma política para a educação especial, a partir dos pressupostos de que
ela é definida como um conjunto de ações que perpassa os níveis e modalidades de
ensino, nos modelos normativos estruturantes no País, compreendendo o atendimento
educacional especializado, os serviços e recursos específicos que favorecem a interação
entre as características pessoais dos alunos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades e o contexto familiar e social, promovendo
aprendizagem a partir das condições individuais de cada aluno. Com isso, assume-se o
compromisso social, agora não mais só teoricamente, de que o aluno é o centro da
aprendizagem e o sujeito do próprio conhecimento.
Assenta-se, então, a perspectiva da educação inclusiva que se fundamenta em rupturas
nas estratégias e tecnologias do poder, inerentes a uma sociedade organizada pela exclusão,
constituindo-se em uma proposta de organização do sistema educacional que reconhece
o direito de todos de compartilhar de um mesmo espaço pedagógico, promovendo a
igualdade, valorizando as diferenças, potencializando a participação dos alunos no currículo
(comum) da escola e garantindo sua aprendizagem de acordo com suas condições
individuais. É a ruptura da homogeneização dos sujeitos, da uniformidade do saber.
O currículo, nesse contexto de enfrentamento, continua sendo um desafio
fundamental e contraditório para os educadores e, ao mesmo tempo, os limites e as
possibilidades de uma real mudança educacional, assentada na perspectiva de que todos
podem aprender, mas não por aquilo que os “outros querem” que o aluno aprenda, mas
sim pelo que “possa” aprender, a partir de suas condições cognitivas.
Ao enunciarmos a expressão “currículo”, associada à escolaridade de forma geral
(educação infantil, ensino fundamental, médio, superior, profissional) ou específica (educação
especial, educação de jovens e adultos), no contexto, emergem sempre as questões de
ordem social: o fracasso escolar e os limites daquilo que se pensa sobre o “ato de educar”
e o que efetivamente se “pratica” na realidade escolar. Há um isolamento entre os reais
fatores que interferem na prática pedagógica. Em um princípio geral, analisa-se a questão
educacional em um espaço reduzido aos muros da instituição escolar ou a quem se destina,
fragmentando em especificidades, distanciando-se cada vez mais do que é educação em
sua totalidade. Isso permite melhor controle daquilo que se prática como pedagógico.
Se, por um lado, é difícil estabelecer as razões e os motivos, à distância entre o
“pensar” e “fazer”, o currículo concebido como um elemento pedagógico é o segundo
grande distanciamento. O currículo deve estar sempre voltado à dinamicidade histórica de
um mundo que tem registrado como regras gerais a complexidade, o ambíguo e o imprevisto.
Por outro, é fácil localizar os diferentes momentos em que o currículo foi utilizado como
meio tático de desmobilização e controle, do ponto de vista de ser responsabilizado
pela preparação para melhoria de condições humanas.
A promessa de uma educação igual para todos geralmente provém de grupos
dominantes para amansar e justificar a maioria da população, dimensionando o currículo
como elemento responsável para uma melhor cidadania. Entretanto, é importante
elucidar que essa possibilidade currículo/cidadania, em uma perspectiva emancipatória,
64
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
pode permitir entender que o “conhecimento” e “poder” não estão disponíveis a todos.
Ao contrário, são duramente disputados ou, na maioria das vezes, negados, fazendo
essa contradição parte integrante da dinamicidade dialética da história do ato
pedagógico e, ao mesmo tempo, torna-se, pelos educadores, um elemento
reivindicatório da categoria.
É a partir dessas idéias, à distância, conversando, concordando ou discordando,
que os autores desse artigo, com experiências diferenciadas, mas tendo um mesmo ideal,
entendendo algumas contradições, conflitos e fragilidades da educação brasileira se
aproximam, buscando articular as noções de algumas concepções teóricas e
metodológicas sobre o de currículo e suas relações de poder na institucionalização nas
diferentes práticas da pedagogia, entendida como ciência que deveria dar suporte,
buscando desvendar a formação de “saber” e tentando escapar de velha discussão teoria/
prática. O elo é o currículo e a educação especial, não em suas especificidades, mas
como parte de um todo na rede de domínio e saber. Nossas preocupações com o currículo
são acrescidas das dificuldades que os envolvidos com a educação sentem ao tentar
dirigi-lo em um processo de aprendizagem que vise a um exercício mais adequado à
cidadania e diretamente à melhoria das condições de vida.
Não existem aqui preocupações de dirimir polêmicas, pelo contrário, nossa
pretensão é oferecer maneiras passíveis de reflexões e provocar inquietações, em um
prisma teórico e metodológico pertinente em dimensionar o currículo em uma perspectiva
de efetividade social, que enseje um exercício mais adequado à cidadania. Lida-se com
diferentes tendências, na tentativa de evidenciar os diferentes “olhares” sobre o currículo.
O que nos motiva é que, culturalmente, a idéia de currículo está repleta de
irregularidades e estranhezas, daí sempre suas concepções, na maioria das situações,
serem relativizadas, marcadas historicamente por contradições e incoerências, deixando
evidente que quando falamos de currículo, pensamos em disciplinas, conteúdos,
atividades, metodologias avaliações de uma forma isolada do processo aprendizagem,
mais distante ainda do exercício da cidadania.
Para lidar com nosso propósito, organizamos esse artigo em dois eixos interligados
no conjunto das inter-relações enunciadas. O primeiro refere-se ao “Currículo”, em que
tentamos situá-lo em dimensões conjunturais, preservando as práticas sociais e
pedagógicas, referendadas por alguns princípios teóricos e metodológicos, afirmando
algumas correlações que não se limitam aos “fazeres escolares” e que normalmente são
desconsideradas pelos educadores e pela própria sociedade. O segundo eixo busca refletir
o “Currículo em uma compreensão pedagógica centrada na educação especial”, embora
saibamos que isso se configure em uma particularidade, apenas para efeitos de
complementações de idéias, porque o currículo, como instrumento de controle social,
nunca teve especificidades para qualquer grupo de alunos. A condição do aluno soma e
respalda a idéia da segregação, de impossibilidade do professor, da escola e da própria
sociedade.
65
O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva
Em um cenário mais amplo, o Estado Brasil encontra-se, hoje, em fase de transição
e de renegociação frente à nova ordem econômica mundial, gerindo a crise de identidade
nacional oriunda das diferentes “crises” institucionais, encabeçadas pela ausência de
definições e omissão de compromissos do próprio Estado, como unidade integradora
dos diferentes conflitos de ordem socioeconômica.
Esse fato agrava-se quando, no momento atual, “o fenômeno de escolarização
em massa” é algo que se propaga e existe certo consenso de associá-lo como fator
preponderante, não só para o progresso utópico de sociedade igual para todos, mas,
acima de tudo, da crença positiva que isso deverá produzir indivíduos capazes.
Martins (1992), quando se referiu ao termo educação, também nos possibilitou
entender um outro ângulo conceptivo do currículo, como sendo um elemento que assume
características de um “meio” para o ser humano se deslocar em determinado caminho,
não envolvendo uma determinação rígida imposta, mas supondo uma aplicabilidade
necessária às relações sociais, culturais e de poder.
Hamilton e Gibbons (1980, p.15 apud GOODSON) destacam outra condição
diante dessa realidade: a importância da compreensão das expressões “classe e currículo”,
por elas terem adentrado o vocabulário educacional em um momento de transformação
em que a escolarização passou a ser vista como uma “atividade de massa”. Isso explica,
em parte, porque uma classe especial.
Nessa perspectiva, o campo pedagógico torna-se novamente um referencial rico
dessa situação conflitiva. É possível, pinçando a questão da educação especial, considerar
como uma possibilidade de diferentes enfoques. Tem sido freqüente examiná-la no ângulo
de que o governo, o Estado ou a sociedade e os movimentos sociais permitem, concedem,
impedem ou limitam.
Essas posições, muitas vezes antagônicas, deixam a sociedade e seus indivíduos,
na condição de sujeitados aos conflitos dessas representações e de sua construção social,
(controle direto) de qualquer um de seus segmentos, como objeto de interesses políticos
difusos.
A mediação dessa contradição só poderá ser garantida após a definição de
comprometimentos coletivos que explicitem um novo caminho, que dêem uma concreta
visibilidade social capaz de ser entendida, assimilada e defendida conscientemente por
todos os segmentos da sociedade, não só pelo poder estatal, mas por todos que se dizem
comprometidos. A princípio, esses todos têm os mesmos propósitos: reserva de domínio.
Dessa realidade “passada”, “presente” e, quem sabe, “futura”, vários
reordenamentos são postos como elementos de mediação e com características
apaziguadoras entre os poderes constituídos e as necessidades da sociedade, não, com
isso, que algum desses poderes organizativos detenham o monopólio do poder. Nossa
preocupação passa a ser a perspectiva curricular diante de uma totalidade de relações
que são sociais e culturais, como elemento mediador da sociedade entre a transformação
e o processo de conhecimento do aluno.
66
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
A educação é uma das necessidades constituídas – uma “invenção histórica”
gestada desde o século XVIII, na Europa, como um condicionante estratégico, visando
apaziguar emergências sociais. Por conta disso, não basta conhecer suas origens, é preciso
repensar permanentemente sua representação social na sociedade contemporânea.
É necessário, portanto, atualizá-la, estar em pauta constantemente.
Indiscutivelmente, o momento atual é configurado positivamente pelo provisório
paradigmático, requerendo mudanças de atitudes de todos os sujeitos sociais que, até
então, se postaram como comprometidos com uma transformação social.
No caso da educação, cobra-se tardiamente seu princípio, seus significados de
validade, enquanto uma formação escolar, sinalizando as possibilidades concretas nos
domínios de conhecimentos, não mais restritos às especificidades de um determinado
saber, de uma determinada teoria ou do mundo do trabalho, mas, essencialmente, quais
são as condições de aprendizagem de cada aluno. Nem “todos” deverão saber as mesmas
coisas. Nem “todos” deverão ter as mesmas habilidades, mas todos deverão ser
escolarizados, independentes do grau de conhecimento adquirido. Embora a exigência
seja o contrário.
Da forma que se configura, o currículo nos remete ao conceito de dispositivo,
como uma das “estratégias de relações de força que sustentam saber e por eles são
sustentados” (FOUCAULT, 2000, p. 246). Portanto, o currículo presta-se a cumprir
determinada urgência social, não querendo, com isso, resolver a problemática em si,
mas, muito pelo contrário, agravando os próprios compromissos a que se destina,
principalmente aquele cujo respeito se relaciona à diversidade social ou à inclusão escolar.
Assim, é importante mencionar que o currículo como elemento de inserção social,
na medida do possível, diante desses contextos enunciados, deve desenvolver uma reflexão
voltada para uma dinamicidade do processo de escolarização, tendo como foco central a
“prática pedagógica” como o único campo verdadeiro e real do “fazer educacional”.
Por essa razão, a preocupação não apenas com a gestão da escola na perspectiva
da educação inclusiva, mas na interligação entre as concepções que fundamentam as
ações organizacionais da estrutura educacional, das políticas afirmativas, da instituição
escolar, da organização do trabalho da sala de aula e da aprendizagem do aluno, tendo
o currículo como eixo articulador.
Dessa forma, macro e microestrutural, talvez seja possível avançar sobre as questões
não só relacionadas às práticas pedagógicas, mas também às práticas sociais exercidas,
ao buscar compreender a necessidade de configurar outras relações entre o “domínio do
saber” (conhecimento científico) e o domínio do “saber fazer” (conhecimento prático) na
organização curricular, na atuação com os alunos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e alunos com superdotação/altas habilidades, marginalizados pela
suas características pessoais. Elas se alojam nos preconceitos sociais, considerados como
desvalorizados, pois fogem aos padrões de uma regularidade valorativa de cunho cultural,
do “belo” e do “bonito”.
67
O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva
As possibilidades desse início de aproximação indicam para um exercício de
compreensão curricular, como um dos movimentos que tende a não se limitar ao ato de
identificar o “estruturante” (pedagógico) ou a “estrutura” (currículo), muito menos
interpretar, em termos de um “sistema” de campo específico, de forma isolada de outras
dinâmicas contextuais, não descartando, assim, sua vinculação às demais tendências
oriundas do movimento positivista, não se limitando, com isso, a uma organização pontual
de determinado saber, mas, sim sua compreensão exercida como mecanismo de domínio
e controle.
Em traços gerais, o currículo, compreendido como campo de conhecimento e de
verdade, só pode ser explicitado a partir de uma leitura diferenciada sobre a realidade
social e escolar. Esse princípio de “ver a realidade” em contextos distintos e com “olhares
diferenciados”, mas interligados entre si, caracteriza-se em uma perspectiva que se delineia
com três princípios: o primeiro, “reduzir um determinado tipo de realidade a outro”
(sociedade/escola); o segundo, “a realidade verdadeira” nunca é expressa (a organização
curricular); e o terceiro, a natureza do verdadeiro transparece já no cuidado que põe a
escapar. A que servem as disciplinas de um currículo? Para que serve o aluno?
As tentativas de desvelar esses princípios sempre foram no universo pedagógico, o
que é um equívoco, procurando integrar o primeiro com o segundo, sem nada sacrificar
das suas propriedades e relações inerentes, ou seja, uma sucessão regulada de certo
número de operações estruturais, nunca desvelando o aluno como sujeito de seu processo
de aprendizagem. O aluno sempre foi visto como alguém que não sabe, por isso deve ir
à escola para aprender? Se for, o quê?
Tradicionalmente, o termo currículo evoca a solidariedade entre os elementos de
um todo burocrático sem a presença do aluno, correspondendo às idéias de “arquitetura”,
“organismo”, “organização”, sem distinguir o essencial do acessório, porém, essa idéia
hoje está esgotada. É necessário que os componentes curriculares se tornem compreensíveis em razão do todo, incluindo o aluno como sujeito social, independentemente
de seus limites e possibilidades de conhecimento.
O currículo não detém qualquer especificidade, mas representa as confluências
de um universo de contradições de toda a ordem social, fruto de uma realidade
dinâmica, com fonte de variações e de transformações, possíveis, sim, de se tornarem
inteligíveis aos fenômenos socioculturais e pedagógicos. É necessário, então, rupturas
de modelos arcaicos de currículo, partindo do princípio que o aluno já tem uma
experiência cultural.
Contudo, o currículo não se esgota na referência ao caráter sistemático de um
objeto como uma totalidade irredutível ou a soma das partes. Portanto, o currículo não
é apenas um conjunto de disciplinas e atividades escolares como sistema fechado. Não
há lugar para termos absolutos. Há simplesmente relações de dependência mútua, valores
relativos, negativos e opositivos. Diante disso, não existe um currículo adaptado. O
currículo é ou não é um currículo? Sua categorização ou adjetivação permite uma
68
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
segregação respaldada pelos próprios responsáveis pelo aluno, ou seja, pela própria
sociedade.
Importa, sobretudo, reconhecer entre as relações pedagógicas, seletivas e
discriminatórias, não tanto aquilo por que se assemelham, mas aquilo por que se
diferenciam, deduzido o eixo semântico (ou eixos semânticos), ordenando e valorizando
as diferenças, de tal modo que os conjuntos considerados surjam como variantes uns
dos outros; e o conjunto desses, como o produto de uma combinatória, que garanta um
significado real à diversidade ou à diferença, abrindo, assim, para as possibilidades de
uma inclusão, acima de tudo, social.
Assim, ao contrário de diversas acepções, o currículo não pode ser definido por
conteúdos, mas somente como um sistema de leis lógicas que caracteriza a sua
especificidade, que é o fundamento da inteligibilidade e comunicabilidade humana. Assim,
o currículo é, portanto, mais um sistema simbólico, demarcado como burocrático e
perverso, um instrumento segregador.
Lévi-Strauss (1970, p. 54) afirma que é “da natureza da sociedade” que ela se
exprima simbolicamente, nos seus costumes e instituições, e que as condutas
individuais nunca são simbólicas por si mesmas. Elas são os elementos, a partir
dos quais os sistemas simbólicos, que sempre serão coletivos, se constroem.
Sobrepõem-se, pois, à ordem do real e à do imaginário, uma terceira, a do simbólico.
O sentido do que é um currículo não está nas expressões, mas nas relações que tais
expressões estabelecem.
O conhecimento do uno e do semelhante é substituído pelo conhecimento
relacional; a semelhança não existe em si: é apenas um caso particular da diferença; a
significação é, pois, diferencial.
O currículo, portanto, não conduz à supressão do sentido. As “grades” curriculares,
assim como os parâmetros curriculares e os temas transversais, não se situam nas
significações imediatamente perceptíveis. No entanto, não esgota a integralidade do
sentido: no limite, há sempre um excesso de significação irredutível e de caráter
reacionário, descomprometido.
O aluno está marcado pela excentricidade: o eixo dos significantes não coincide
com o eixo dos significados. Representam um tipo de sujeito, enquanto o produzem: o
sujeito não está, afinal, no centro de si mesmo. Mesmo assim, explicita-se que o aluno
não é o centro da aprendizagem. Ele é periférico ao poder das relações pedagógicas,
independentemente de suas condições pessoais. Portanto, independe do simbólicocultural do sujeito.
Por seu turno, Foucault (1988), a par de uma arqueologia do saber, na qual os
procedimentos da “continuidade” e “totalidade” históricas são objetos de percuciente
crítica, elabora uma genealogia do poder, procurando desmontar esses mecanismos e
descrever os diversos dispositivos de domínio ou de repressão.
69
O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva
É nessa contradição sutil e pervertida que adentra a educação inclusiva, com
base fundamentalmente no respeito às diferenças, passando a considerar o currículo
como uma organização essencialmente centrada em uma atitude política do educador,
constituída por nexos entre o conhecimento e o saber, não como um controle, mas
como possibilidades.
Observamos que, pinçando alguns autores, de diferentes tendências teóricas,
em comum, está a necessidade de buscar alternativas curriculares que explicitem um
real sentido da escolaridade ou, quem sabe, da própria educação, embora o sentido da
escolaridade esteja demarcado pela própria construção da história das sociedades,
associada aos poderes explícitos e implícitos, concedidos ou não, de questões de ordem
políticas, sociais, econômicas e pedagógicas.
Silva (2000, p. 64) revela a necessidade dos educadores trabalharem na
perspectiva da construção de um currículo crítico, ou seja, um currículo que permita
compreender a natureza relacional dos processos sociais, que rompa com a tradição do
senso comum de “fetichizar” a vida social e esconder as relações que as constituem e
complementa:
[...] é o próprio conhecimento e o próprio currículo que devem ser vistos
como produtos de relações sociais. O conhecimento e o currículo não
são coisas, como a noção de “conteúdos” – tão entranhada no senso
comum educacional – nos leva a crer. O conhecimento e o currículo
corporificam relações sociais. Isso significa não apenas ressaltar seu caráter
de produção, de criação, mas, sobretudo, seu caráter social. Eles são
produzidos e criados através de relações sociais particulares entre grupos
sociais interessados.
Nesse entendimento, conhecimento e currículo são produções sociais, marcados
pelas relações e pelos interesses que configuram as noções e intenções políticas marcadas
por um imaginário social.
Silva (2000) esclarece que compreender as relações sociais como um dispositivo
pedagógico permite um triplo movimento: primeiro, possibilita inserir a educação e o
currículo na moldura de suas conexões com as relações sociais mais amplas, com relações
de classe, gênero, raça, dentre outros dispositivos seletivos. Segundo, permite estabelecer
um dos objetivos centrais de uma pedagogia e um currículo, ou seja, de ter em vista o
caráter constituído e relacional do conhecimento trabalhado e produzido no currículo.
Terceiro, o conhecimento e o currículo devem ser vistos como construções e produtos de
relações sociais, particulares e históricas, possibilitando vê-los como artefatos históricos
e sociais.
70
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Osório (2000, p. 104) destaca que os currículos praticados pelos diferentes níveis
e modalidades da educação nacional “poderiam/podem” ser caracterizados como
“generalizados/generalizantes”. Eram/são normalmente constituídos em uma arquitetura
composta por nomes de disciplinas e distribuição de hora/aula pelas séries (ou ciclos) e
pelo estabelecimento de conteúdos, geralmente, correspondentes a índices de livros ou
interesses pessoais dos professores, tentando demarcar seus poderes e necessidades de
superação.
Logo, o currículo concebido como um conjunto de disciplinas e de atividades
escolares ditas significantes, é burocrático e reducionista. Só é possível entendê-lo como
fruto das relações sociais dominantes, tendo clareza de que essas relações são,
essencialmente, dinâmicas de poder, normalmente individuais, embora carreguem uma
idéia coletivizada.
Assim, se entendermos o currículo como caminho que desejamos que nossos
alunos percorram, independentes de suas condições cognitivas, mas a partir de suas
possibilidade individuais, estaremos rompendo com uma tradição histórica e social do
próprio currículo, presente até os dias atuais. São “grades” arrancadas. Em decorrência
dessa realidade, o currículo envolve concepções teóricas e operacionais desde suas origens
ditas pedagógicas, nesse particular:
[...] o currículo ficou reduzido simbolicamente a um mero “corredor” de
passagem para o percurso necessário à obtenção de um certificado ou diploma
– “critério de exigência formal” – ou um depósito escolar para justificar-se a
segregação social pela instituição pedagógica, criando as categorias de
“aprovados” e “reprovados”, ou pior, os que têm condições de “aprender” e
os que “não aprendem”, sem explicitar as razões, as causas e os critérios de tal
situação (OSÓRIO, 2000, p. 115).
Diante disso, o currículo até hoje tem sido um instrumento de seletividade social
pedagógica. Ele classifica os indivíduos a partir de critérios implícitos e explícitos de
educação, tendo como estratégia elementos subjetivos ou descontextualizados dos reais
propósitos da educação, mas que servem aos diferentes interesses da sociedade e da
própria escola.
Perrenoud (2001) informa que o currículo constitui uma ferramenta mantenedora
das relações de poder na sociedade, difundida na organização escolar e afirma que ele
pode-se apresentar como uma das formas de fabricar as desigualdades escolares,
padronizando caminhos de aprendizagens ao escolher programas elitizados ou
desvinculados dos interesses ou da realidade do aluno, reforçando o distanciamento
entre uns e outros alunos.
71
O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva
Contraditórios a essa sedimentação curricular, surgem os discursos de inclusão,
pressupondo que a escola e o currículo que está posto funcionem perfeitamente, o que
é um crime social, pois a escola que está posta é segregativa, eliminatória, portanto,
discriminatória. No momento atual, exige-se um outro espaço pedagógico que atenda a
“todos” aqueles que querem viver possibilidades de aprendizagem, nem que seja
diferenciada, mas respeitada, independentemente de condições sociais, de ser ou não
deficiente, menino ou menina, jovem ou idoso, pobre ou rico.
Logo, o currículo precisa ser repensado, em seus diferentes contextos sociais,
culturais e educacionais em níveis e modalidade de ensino, para que possam ser
formuladas e encontradas soluções compatíveis com a urgente necessidade de melhoria
das propostas educativas de nossas escolas, para, então, podermos falar de uma educação
para todos – utopia milenar.
Emerge, nessa perspectiva, o entrelaçamento, nesse caso, entre a educação geral
e a educação especial, de forma que sustente uma proposta de educação para todos,
tanto nas suas dimensões relacionadas às políticas públicas (mas essencialmente que
intervenha diretamente nas práticas pedagógicas) quanto das possibilidades e das ações
para que o processo de inclusão educacional seja implementado. O que talvez seja um
dos maiores desafios educacionais.
Esse fato implica pensar nas relações entre os alicerces da educação geral e da
educação especial, em rupturas necessárias e determinantes para uma possível
ressignificação do que é uma escola e, portanto, um currículo pensado e exercitado
para uma transformação social, não como uma correção ou adequação a valores
culturais e sociais impostos.
Assim, a educação das pessoas com deficiência, no contexto do ensino regular
ou em formas de atendimento especializado, exige uma atitude política dos professores,
independentemente dos aparatos reguladores ou incentivos políticos gerais. É necessário
rever não só seus referenciais teórico-metodológicos, mas se perguntar para que tem
servido a educação? Indiscutivelmente, é necessário um enfrentamento dos discursos
produzidos até então, ideativos de uma pedagogia da exclusão. A diferença é uma
realidade objetiva e a educação precisa ser pensada como um fenômeno concreto, uma
atitude pedagógica emancipatória.
Ferreira (1995) considera que a educação especial vive um importante momento,
pois está inserida em um contexto favorável para ampliar reformas na educação geral,
com vistas a assegurar uma educação de qualidade aos alunos com deficiência, garantindo,
dessa forma, a possibilidade de se começar a pensar no sucesso escolar,
independentemente de quem é o aluno, com ou sem diferenças.
A educação inclusiva deve ser vista, portanto, como uma parcela das conquistas,
ainda restrita e imaginária, de inclusão social, figurando ao lado de definições relativas a
políticas de distribuição de renda, de emprego, de moradia, de transporte e,
principalmente, da própria educação.
72
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Sob esse ângulo, a educação tem, como finalidade primordial, favorecer a todos
o acesso ao conhecimento historicamente produzido pela humanidade e mediando os
alunos, a capacidade de eles utilizarem esse conhecimento, tanto para a produção de
novos saberes, como para o exercício da cidadania, respeitando a diversidade cultural e
suas características pessoais.
Visto a relevância e a complexidade da estruturação e aplicação das estratégias
de ensino para a viabilização de uma aprendizagem que respeite as diferenças e se
caracterize como uma atitude política do professor, é imprescindível discutir a respeito
do currículo, das concepções de ensino e aprendizagem, de avaliação/terminalidade que
permeiam a estruturação de novas práticas pedagógicas.
Tal necessidade justifica-se tendo em vista a possibilidade da promoção de
estratégias de aprendizagem desafiadoras e estimulantes, processo facilitado pela
articulação de um currículo permeado por conteúdos de interesse e possibilidades dos
alunos, a partir de suas experiências de vida. Sob esse prisma, a avaliação também
precisa ser transformada, superando seu papel tradicionalmente difundido de prática
de seleção e exclusão escolar, mas articulando-se de forma diferenciada, de modo a
permitir que os processos avaliativos sirvam de estruturadores dos elementos que darão
continuidade ao fazer pedagógico.
Nesse sentido, pensa-se que os elementos fundantes da prática pedagógica –
planejamento, currículo e avaliação – precisam ser utilizados como mediadores para
acolher e desenvolver as potencialidades do aluno, considerando suas diferentes
capacidades cognitivas, considerando uma prática pedagógica que permita a todos o
acesso ao conhecimento.
Perrenoud (2001, p. 21) discorre sobre como a escola faz para fabricar sucessos e
fracassos. Para aprofundar sua reflexão, o autor distingue três mecanismos complementares:
1) o currículo, ou o caminho que desejamos que os alunos percorram
(necessidade de considerar que nem todos os alunos partem do mesmo ponto
e não dispõe dos mesmos recursos para avançar);
2) ajuda que o professor proporciona para que cada aluno possa percorrer o
caminho (surge o problema da indiferença às diferenças, a ajuda padronizada
promoverá a chegada dos mais bem preparados enquanto os demais não
atingirão os objetivos);
3) modo de avaliação (contribui expressivamente para minimizar ou dramatizar
as desigualdades de aprendizagem, ou ainda, “a avaliação cria suas próprias
desigualdades, quando inclina a estimativa das competências a favor dos bons
ou de crianças socialmente favorecidas; mesmo sendo eqüitativa, ela fabrica
desigualdade por meio da realidade dos desvios)”.
73
O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva
Sob esse prisma, diferenciar, na prática pedagógica, deve ser organizar as intenções
e as atividades, de modo que cada aluno seja confrontado constantemente ou ao menos
com bastante freqüência com as situações didáticas mais fecundas para ele, ou ainda,
individualizar as informações e as explicações dadas pelo professor, as atividades e o
trabalho dos alunos em sala de aula e em casa, a observação e a avaliação. Nas palavras
do mesmo autor:
O desejo de diferenciação acrescenta outra dificuldade à busca dessas
atividades: o sentido de uma atividade ou de uma situação varia de uma criança
para outra, segundo sua personalidade, suas aspirações, seus interesses, seu
capital cultural, sua relação com o jogo e com o trabalho. Assim, é preciso
diferenciar as atividades globais ou os papéis individuais no contexto das mesmas
para que cada um encontre nelas um sentido e a oportunidade de aprendizagens
também significativas (PERRENOUD, 2001, p. 36).
É necessário atentar que, diferenciar pedagogicamente, ou seja, individualizar os
percursos de aprendizagem não significa, em nenhum momento, desprezar a interação
entre os indivíduos. A relação entre os pares exerce papel fundamental na aprendizagem
dos educandos e o confronto das diferentes capacidades cognitivas entre aluno/aluno e
aluno/professor é que facilitam a problematização das situações e o compartilhamento
de conhecimentos.
Assim, discutir sobre a elaboração das mediações que os professores formulam
para trabalhar com a diversidade dos alunos em sala de aula, considerando as diferentes
capacidades cognitivas na prática educativa, pode revelar pressupostos que indicam os
fatores que agravam o fracasso escolar e auxiliar da transformação dos aspectos
pedagógicos.
Nesse sentido, essa discussão demonstra preocupação não apenas com o que
os professores pensam sobre o ensino e a consideração das diferentes capacidades
cognitivas dos alunos nesse processo, mas também com a ação de ensinar e sua relação
com as concepções sobre esse ensinar. Dessa forma, poderá ser possível avançar sobre
as questões pedagógicas, à medida que se buscar compreender as relações existentes
entre o domínio do saber (conhecimento científico) e o domínio do saber fazer
(conhecimento prático).
Propor-se a atuar pedagogicamente na concepção de educação inclusiva significa
pensar a diferença de um campo político, no qual experiências culturais, comunitárias e
práticas sociais são colocadas como integrantes da produção dessas diferenças. Logo,
colocar a diferença em um âmbito político exige outras posturas e fundamentações legais
e requer que todas as instâncias sociais construam práticas que respeitem a dignidade
humana e promovam a ética nas relações.
74
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
O processo de inclusão deve ser compreendido como um processo interativo
e dinâmico, resultante da influência mútua de múltiplos fatores (RODRIGUES, 1998).
A característica dinâmica do processo verifica-se na medida em que esse procura
sistematicamente novos equilíbrios, novas formulações em razão da mutabilidade dos
ambientes em que se processa. Estar incluído não é um valor estabelecido e adquirido:
é, sobretudo, possuir e dominar alguns instrumentos que permitam novas relações com
a comunidade escolar.
Sob esse aspecto, a responsabilidade da inclusão não se limita a alunos com
deficiência, mas destina-se a todos eles, amparados pela comunidade escolar, e representa
uma oportunidade, um objetivo para que a escola não caminhe para um grupo de pessoas
homogêneas, como ocorreu milenarmente. Assim, se a sociedade quer assegurar o direito
à educação e à igualdade de oportunidades terá de refletir sobre as condições de acesso,
acessibilidade e de sucesso que é capaz de propiciar aos seus alunos.
A influência dessa atitude pedagógica de reconstruir um novo sentido para o
currículo, a partir das necessidades que o momento histórico exige, tendo como eixo o
aluno, deverá gerar transformações não só pedagógicas, mas da própria sociedade, o
que implica deter, com clareza, o próprio sentido de realidade ou, até mesmo, a totalidade
dos fenômenos observados, mas indiscutivelmente o próprio sentido da aprendizagem
voltada para o aluno.
É a partir da prática pedagógica que se reconstrói a teoria, o saber escolar e a
diversidade social, tendo como pano de fundo as diferentes relações individual/
coletiva e vice-versa. É um novo fazer pedagógico que se explícita em uma nova
relação de conhecimento, realidade e verdade. É o currículo a partir das necessidades
dos alunos.
Todavia, essa nova postura de conceber o currículo tem um local determinado
para uma ação exeqüível: a escola, que é fruto das contradições sociais, as mais diversas
possíveis, que comprometem, em muito, seus objetivos, desvirtuando suas atribuições
institucionais. Isso representa uma contradição, mesmo assim ela é um espaço em
potencial de resistência, uma possibilidade concreta de mudanças iniciais da conjuntura
em que vivemos, pois ela ainda continua sendo uma instituição de processo de construção.
É uma abertura não preconceituosa, mas efetivamente comprometida com uma
transformação social, com responsabilidade e compromisso.
Referências
FERREIRA, Julio Romero. A exclusão da diferença
diferença. 3. ed. Piracicaba: São Paulo: UNIMEP,
1995. V. 1. 99p.
75
O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva
FOUCAULT, M. A arquelogia do saber
saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988.
______.V
punir: história da violência nas prisões. Tradução 23. Petrópolis: Vozes,
Vigiar e punir
2000.
Currículo: teoria e história. Tradução de Atílio Brunetta. Petrópolis:
GOODSON, Ivor F. Currículo
Vozes, 1995.
LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural II
II. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1970.
OSÓRIO, Antônio Carlos do Nascimento. O currículo escolar como lugar de uma imersão
social e compreensão pedagógica. In: OSÓRIO, Antônio Carlos do Nascimento. (Org.).
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PERRENOUD, Philippe. A pedagogia na escola das diferenças
diferenças: fotos de fragmentos de
uma sociedade do fracasso. Porto Alegre: Artmed, 2001.
RODRIGUES, D. Paradigma da educação inclusiva: reflexão sobre uma agenda possível.
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Revista do Instituto de Estudos da Criança
SILVA, Tomaz Tadeu da. Descolonizar o currículo: estratégias para uma pedagogia crítica
– dois ou três comentários sobre o texto de Michael Apple. In: COSTA, Marisa Vorraber
(Org.). Escola básica na virada do século
século: cultura, política e educação. 2. ed. São Paulo:
Cortez, 2000.
76
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Formação continuada do professor para atender à E ducação
Inclusiva
Eduardo José Manzini1
[email protected]
1 Introdução
A presença de alunos com deficiência em salas de aulas de ensino comum é hoje
uma realidade cada vez mais constante. Desde a promulgação das Leis de Diretrizes de
Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), que indicou o atendimento do aluno com
deficiência preferencialmente nas salas de ensino comum, pôde-se verificar não só o
respaldo legal para essa ação política, mas uma série de empreendimentos para sensibilizar
familiares, professores e alunos em relação à chegada de alunos com deficiência para
conviverem com seus pares.
Uma série de campanhas, principalmente executadas por meio de rádio e televisão,
cujo poder de formação de opinião é bem conhecido, começou a divulgar os direitos à
inclusão de pessoas com deficiência. Tais campanhas, projetadas por órgãos do governo,
como o Ministério do Trabalho, Educação e Ministério da Justiça, dentre outros,
contemplaram posição afirmativa sobre a inclusão social e educacional de pessoas com
deficiência. Nessas campanhas, foram veiculados temas como acessibilidade, direito à
educação e direito ao trabalho.
Algumas dessas campanhas foram patrocinadas por associações, como a Associação
de Síndrome de Down, que demonstrava várias situações de empregos de jovens com
Síndrome de Down que acabavam por mexer com o estigma e preconceito que,
porventura, estivesse presente na audiência.
Essa fase de sensibilização foi precedida, e seguida, por várias leis na tentativa de
garantir os direitos das pessoas com deficiência para conviverem, ao mesmo tempo e no
mesmo espaço, com pessoas sem deficiência. Essas leis incidem em muitas instâncias,
como, por exemplo, no direito ao trabalho, educação e direito a acessibilidade.
Em termos de direitos ao trabalho, foram promulgadas, já há oito anos, as Leis nº
8.112 e nº 8.213 (BRASIL, 1999a; 1999b) que, respectivamente, definem em até 20% o
percentual de vagas em concursos públicos e que determinam uma cota de vagas para a
pessoa com deficiência, que varia de 2% a 5%, junto às empresas privadas que possuem
mais de 100 funcionários.
1
Docente do Programa de Pós-graduação em Educação e do Departamento de Educação Especial da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), Campus de Marília, São Paulo.
77
Formação continuada do professor para atender à educação inclusiva
Como salientaram Tanaka e Manzini (2005), a partir dessas leis foi possível observar
uma oferta crescente de vagas para pessoas com deficiência nas empresas, veiculada,
principalmente, por meio da mídia, despertando a ilusória idéia de que, finalmente, o
mercado de trabalho estava receptivo a essa população. Com certeza, muitas empresas
foram multadas por não atender à lei e, atualmente, há uma discussão sobre a exigência
legal para a redução do número de funcionários (menor que 100) para obrigar às empresas
a contratar empregados com deficiência. Isso parece ser interessante para ampliar a
inclusão social, que deveria ocorrer via trabalho (MANZINI, 1989).
Em termos promoção de condições de acessibilidade, houve uma série de leis
(BRASIL, 2005a,b,c,d,e) e normas (ABNT, 1994) na tentativa de garantir vários direitos e
promover a acessibilidade em transporte, acesso a estabelecimentos públicos, em
comunicação, em serviços de atendimento, em estruturas físicas e arquitetônicas.
Em termos de educação, algumas leis já influenciam diretamente nos cursos de
formação de profissionais e professores, como exemplo, a Portaria Ministerial do MEC, nº
3.284 de 7/11/2003 (BRASIL, 2005e), que indicou as condições necessárias para o processo
de autorização e credenciamento de cursos, que incidiu sobre a necessidade de adequação
das condições de espaço e equipamentos das instituições do ensino superior, para atender
à demanda de alunos com deficiência nas faculdades e universidades.
Mais especificamente sobre a pessoa surda, a Lei nº 10.436 de 24/4/2002 (BRASIL,
2005b) obriga o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) nos Cursos de Fonoaudiologia
e Magistério, em nível médio e superior. Essa legislação é ainda reforçada pela a Lei nº
5.296 de 02/12/2004 (BRASIL, 2005f), que indicou a presença do interprete em Libras
nas instituições do ensino superior a partir de dezembro de 2005 e indicou também,
que, no prazo de três anos, 23% dos cursos das instituições deverão apresentar a Libras
como disciplina curricular, iniciando-se nos cursos de Educação Especial, Fonoaudiologia
e Pedagogia, ampliando-se, gradativamente, para as demais licenciaturas.
Já é possível vislumbrar, em vários currículos de cursos de pedagogia, a inserção de
disciplinas que objetivam promover a formação do futuro professor no atendimento a
alunos com deficiência em situações de ensino comum. Isso tem ocorrido mais
rapidamente em faculdades particulares que estão modificando o perfil dos cursos na
direção da inclusão.
Assim, atualmente, ao optar pela carreira docente, implicitamente, o futuro professor
já está obrigado -- segundo Lei nº 7.853 de 24/10/1989 (BRASIL, 2005d), que dispõe
sobre discriminação e crime -- a atender alunos com ou sem deficiência, não sendo mais
a população de alunos com deficiência somente da alçada do professor especializado.
Dessa forma, a inclusão do aluno com deficiência no ensino regular deve ser
entendido como um processo legal, como um processo que envolve a sensibilização
da sociedade quanto aos direitos desses alunos e, principalmente, no caso da educação,
é um processo que visa garantir a formação do futuro professor para atender ao aluno
com deficiência.
78
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
A partir dessas considerações iniciais, poder-se-ia questionar:
1) estariam todos os professores preparados para atender a alunos com deficiência?
2) como ficaria, diante da temática inclusão, os professores que já estão atuando
em escolas e que não possuem formação para atender a alunos com deficiência?
3) como essa formação para atender a alunos com deficiência em sala do ensino
comum poderia, efetivamente, ocorrer?
2 Preparação do professor em uma abordagem inclusiva: educação continuada
As pesquisas indicam que o principal argumento que dificulta o processo de inclusão
escolar se refere à não-preparação dos professores. Esses relatos já estão disponíveis há
mais de 20 anos no Brasil. O segundo dado, que as pesquisas que trabalham com o
tema formação de professores indicam, é que o professor apresenta um medo inicial ao
saber que vai receber um aluno com deficiência e esse sentimento se atenua com o
passar das semanas e meses (MONTEIRO; MANZINI, 2005; MONTEIRO, 2006).
Em boa parte dos casos estudados sobre inclusão de alunos com deficiência no
ensino regular, os professores tentam buscar alguma forma para preparar-se diante do
novo. Alguns deles indicam, posteriormente ao receberem alunos com deficiência, que
nem necessitaram desse preparo adicional. Outros revelam que as formas de preparação
profissional vão desde a busca de apoio interno na escola até serviços que estão fora
dela, como cursos adicionais.
Parece claro, retornando ao ponto sobre a preparação do professor, que a preparação
para o trabalho de ensino não termina com o curso de graduação. Ou seja, a preparação é
um processo dinâmico e contínuo. Hoje, em várias áreas de atuação profissional, a
preparação após a graduação é uma regra. Isso ocorre com dentistas, médicos, engenheiros,
fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos. Contudo, esse
idealismo ainda não está totalmente presente na formação dos profissionais da educação.
Esse fato pode ser interpretado em dois sentidos. Por um lado, ainda é uma profissão com
baixa remuneração que dificulta o investimento e, por outro, o próprio profissional ainda
não concebe esse investimento como importante fator de desenvolvimento profissional
(fala dos próprios pedagogos que participam de cursos, como, por exemplo, de
especialização), ou seja, esse parece ser um componente cultural que está presente.
Em várias situações de formação continuada de professores -- cursos financiados
por governo federal e municipal -- foi possível observar o descompromisso de uma parcela
dos professores em participar, assiduamente, nos horários estabelecidos e usufruírem
totalmente das condições apresentadas pelos setores administrativos dos órgãos
governamentais. Em uma dessas ocasiões, foi possível vivenciar a intervenção de uma
das promotoras do evento, discutindo esse fato com o grupo de professores, que ocorreu
no início de um encontro do programa da Secretaria de Educação Especial (SEESP-MEC)
sobre formação de educadores e gestores em uma abordagem inclusiva.
79
Formação continuada do professor para atender à educação inclusiva
Apesar de a remuneração do profissional da educação ser abaixo do mérito, não é
possível desconsiderar os investimentos iniciados nos últimos dez anos em relação à
formação continuada do professor para receber, em suas salas de aulas do ensino comum,
alunos com deficiência. Esse investimento tem sido estimulado por alguns municípios,
estados e governo federal. Principalmente em nível federal, houve um aumento
considerável de publicações impressas e acessíveis, on line, tratando do assunto ensino
do aluno com deficiência. O que se pode discutir é o alcance, em termos de demanda
necessária, para atender a todos os professores.
Nesse sentido, hoje, já é possível coletar relatos de professores que se consideram
preparados para atender a algumas categorias de deficiência.
Um segundo ponto de discussão refere-se ao tipo de formação continuada. Ao
pesquisar a literatura da área, pode-se classificar a formação continuada do professor
para atender à educação inclusiva em, pelo menos, quatro caminhos: 1) a formação
continuada por meio de cursos, extra-sala de aula; 2) a formação continuada em serviço,
com ênfase na preparação direta, por meio de supervisão; 3) a formação, com informações
coletadas na sala de aula, e discutidas com o professor, chamada de educação reflexiva;
e 4) a formação com auxílio de um profissional externo à escola, chamada de colaborativa.
A formação por meio de cursos pode ocorrer em congressos, eventos e cursos de
especialização. Na última década, no Brasil, houve uma grande proliferação de eventos
que tratam de educação inclusiva, quer como eventos específicos ou cuja temática a
inclusão esteja embutida em grandes eventos na área de educação. Também houve
proliferação de cursos de especialização e, mais recentemente, cursos à distância. Uma
segunda modalidade, ainda alicerçada por meio de cursos ou conjunto de palestras, que
parece ser mais proveitosa, dirige-se aos programas contínuos, como os promovidos pelo
SEESP, do qual participam os municípios pólos ou como os promovidos pela Secretaria
de Educação, via Departamento de Educação Especial, da Cidade de Curitiba, Paraná.
Esse tipo de formação envolve um grupo grande (mais de 100) ou médio de pessoas (50),
que se encontra, periodicamente, para receber informação e para, em grupos de trabalho,
constituir os alicerces para as ações inclusivas. Porém, os conteúdos discutidos podem
não chegar até a sala de aula. Para que isso ocorra, são necessárias ações políticas e
técnicas dos grupos que administram à educação nas localidades onde os professores e
gestores trabalham, principalmente, ações que envolvam a avaliação e o acompanhamento
dos programas em situações reais de ensino, ou seja, dentro da sala de aula.
As outras três formas de educação continuada são localizadas em uma escola ou
pequeno grupo de escolas e envolvem, ou um único professor, ou um pequeno grupo de
professores. Na supervisão direta, um professor ou outro profissional mais experiente no
assunto, auxilia e apóia o professor do ensino comum, que tem alunos com deficiência,
em sua sala de aula. Esse apoio ocorre em situações pontuais e específicas dentro da sala
de aula. Esse deveria, até mesmo, ser um dos papeis do professor especializado numa
concepção de inclusão (MELLO, 2003).
80
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Na forma reflexiva do professor, o caminho é discutir as experiências dos professores
para promover as trocas de procedimentos que deram certos, em salas de aulas, bem
como levar o professor a refletir sobre os procedimentos que ainda não havia observado
até então. Isso pode ocorrer entre um professor e um promotor de reflexão ou em
pequenos grupos de professores (ADAMUZ, 2002; MELLO, 2003; LEITE, 1997; 2003).
No intitulado ensino colaborativo, atualmente, em prática no Brasil e sendo
realizado em vários Estados da Federação, geralmente, um pesquisador em educação,
externo à escola, adentra a ela e busca formar um elo de colaboração com os profissionais
na escola na tentativa de discutir, refletir e resolver possíveis problemas ou dificuldades
oriundas do processo de ensino e aprendizagem em sala de aula (JESUS; BAPTISTA;
VICTOR, 2006).
3 Dificuldades e necessidades para o estabelecimento de uma educação
continuada: predisposição do professor
professor,, planejamento e base teórica
As vivências da prática profissional têm indicado que, nas três últimas modalidades,
aqui intituladas como supervisão, ensino reflexivo e colaborativo, a predisposição do
professor em participar é imprescindível para que as ações em sala de aula possam fluir e
se estabelecer como mudanças e transformações de estruturas, tanto administrativas como
de ensino.
Principalmente nas abordagens de ensino sob supervisão, ensino colaborativo e
reflexivo, é imprescindível de o professor possuir, em seu poder, uma programação de ensino
preestabelecida e que possa ser contemplada a outros, externos a sala de aula. Ou seja,
um planejamento que possa ser visualizado, pré-avaliado e materializado nos planos de
aula. Nossa realidade tem demonstrado que, em várias situações de ensino, os planos de
aula estão dentro das gavetas, esquecidos e abandonados. Dessa forma, um agente externo
tem pouca chance de, efetivamente, promover a reflexão e colaboração. O planejamento
do professor é um instrumento imprescindível para que a inclusão ocorra. Os interpretes
de Libras necessitam desse planejamento para servir de referência na identificação do
vocabulário a ser traduzido; os professores especializados precisam saber da programação
para ajustarem o auxílio e supervisão; os agentes externos colaborativos necessitam do
planejamento para não interpretarem ou realizarem uma leitura equivocada da prática
pedagógica do professor; as agentes, de acordo com uma abordagem reflexiva, necessitam
do planejamento para promover a reflexão, que deve nortear-se pelos conteúdos e ações,
algumas das quais já preestabelecidas nos planos de aula.
Uma outra dificuldade em promover as ações no âmbito da educação continuada
refere-se, ainda, à dificuldade de compreensão conceitual sobre aquilo que se faz na
prática, ou seja, qual teoria estaria embasando e explicando a prática pedagógica do
professor. Essa tem sido, na prática de educação continuada, um dos conteúdos a serem
discutidos.
81
Formação continuada do professor para atender à educação inclusiva
Esse parece ser um dos pontos importantes para a profissão docente: em qual teoria
aportar a própria prática pedagógica? como explicar aquilo que é feito pedagogicamente
em sala de aula ao ensinar português, matemática ou ao trabalhar com alfabetização?
Sem dúvida, o objeto de trabalho do professor é o ensino. Assim, o professor deveria
ter bastante claro uma opção teórica para promover o processo de ensino e aprendizagem.
Uma base teórica sobre ensino e aprendizagem é fundamental para a educação de alunos
com ou sem deficiência.
Exatamente por esses argumentos que a educação continuada é uma necessidade.
A preparação não pode ser entendida como algo absoluto a ser alcançado, mas um
processo de formação, contínua e dinâmica. Sem dúvida, essa formação é necessária
para o ensino numa abordagem inclusiva.
Um professor bem preparado é aquele que tem claro e definido, na prática e na
teoria, como conduzir o processo de ensino, como explicar a aprendizagem, como avaliar
e reformular seu plano de ensino frente ao planejamento preestabelecido. Não se tratar,
portanto, de adequar o currículo, mas como criar condições para que o seu aluno consiga
tomar posse do currículo que ele precisa.
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comum. 2002. 123 f. Tese (Doutorado
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82
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
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84
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Educação de alunos com características de altas habilidades/
superdotação e a formação docente sob a ótica da diversidade e da
inclusão
Soraia Napoleão Freitas1
[email protected]
Denise de Souza Fleith2
[email protected]
Uma das metas de uma sociedade democrática é a de garantir espaços sociais
e educacionais que possibilitem o convívio harmonioso na diversidade. Conforme expresso
no Documento Subsidiário à Política de Inclusão do Ministério da Educação (BRASIL,
2005), “a capacidade que uma cultura tem de lidar com as heterogeneidades que a
compõem tornou-se uma espécie de critério de avaliação de seu estágio evolutivo,
especialmente em tempos de fundamentalismos e intolerâncias de todas as ordens como
este em que vivemos” p. 7). Assim, a construção das práticas de inclusão social e
educacional deve ser vista como um processo essencial para determinação dos rumos de
uma sociedade.
No contexto escolar, avança o movimento de valorização das diferenças
sociais, emocionais, cognitivas, físicas e culturais e de busca por um processo
educativo inclusivo e de qualidade que atenda às necessidades dos alunos.
Entretanto, Mitjáns Martinez (2005) chama atenção para o perigo de se adotar
uma concepção restrita e simplista de inclusão educacional. Anache (2005) explica
que “não é colocando um aluno na escola do ensino regular que se garantirá a
efetivação de sua educação” (p. 131). Segundo Mitjáns Martinez, a idéia de inclusão
implica criar condições de aprendizagem e desenvolvimento para todos os alunos.
Para isso, é preciso, inicialmente, refletir sobre as concepções e representações
vigentes no contexto escolar acerca da inclusão e de quem é o aluno a ser incluído.
Na verdade, implica discutir os conceitos de normalidade/anormalidade e de
diferença/semelhança.
1
Professora Drª. do Departamento de Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Líder do Grupo de
Pesquisa CNPq Educação Especial: interação e inclusão social, Coordenadora do Programa de Apoio à Pesquisa em Educação
Especial Proesp/MEC/Capes da UFSM. E-mail: [email protected]
2
Professora Dr a. do Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde do Instituto de
Psicologia da Universidade de Brasília. Pesquisadora do CNPq. E-mail: [email protected]
85
Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação
e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão
Trabalhar sob a ótica da inclusão exige, ainda, dos educadores repensar e modificar
suas práticas de forma a contemplar diferentes estilos e ritmos de aprendizagem,
habilidades e interesses em sala de aula. Mantoan (1997) conclui que “a inclusão é
um motivo para que a escola se modernize e os professores aperfeiçoem suas práticas”
(p. 17).
Dessa forma, articular as temáticas “formação docente, diversidade e inclusão”
torna-se uma tarefa desafiadora quando a sociedade e o sistema escolar buscam meios
de garantir a todos os alunos o cumprimento dos seus direitos e deveres previstos
constitucionalmente. A responsabilidade pela inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais é de toda a comunidade escolar e representa uma oportunidade
para que a escola questione e modifique suas práticas padronizadas e homogeneizadoras.
Assim, se a sociedade quer assegurar o direito à educação e à igualdade de oportunidades
terá de refletir sobre as condições de acesso e de sucesso que é capaz de dar aos seus
alunos.
Logo, entendemos que a formação inicial dos professores precisa também ser
repensada em seus diferentes níveis, para que soluções compatíveis com a urgente
necessidade de melhoria das propostas educativas de nossas escolas possam ser
formuladas e encontradas. Sob esse prisma, é no entrelaçamento entre a educação geral
e a educação especial que se encontra a base para a proposta de educação para todos,
tanto nas suas dimensões relacionadas às políticas públicas, da formação de professores
e das práticas pedagógicas, quanto das possibilidades e das ações para que o processo
de inclusão educacional da pessoa com necessidades educacionais especiais seja
implementado. Desse modo, a educação dessas pessoas, seja no contexto do ensino
regular ou em formas de atendimento especializado, permite aos professores rever seus
referenciais teórico-metodológicos e os incentiva, diante do enfrentamento das diferenças
de seus alunos, a buscar por uma formação continuada.
Tendo em vista a relevância e a complexidade da estruturação e implementação
das estratégias de ensino para a viabilização de uma aprendizagem que respeite as
diferenças e se caracterize como inclusiva, é imprescindível que o processo formativo
docente considere as especificidades dos alunos com altas habilidades/superdotação.
Segundo Delou (2007), a maioria dos alunos superdotados não são identificados em
sala de aula. Estar matriculado garante o acesso ao ensino regular, mas para que alunos
com altas habilidades/superdotação sejam incluídos é preciso mais. É fundamental neste
processo de inclusão um professor especializado que seja sensível às necessidades deste
aluno e crie oportunidades educacionais mais avançadas e desafiadoras condizentes
com seu ritmo de aprendizagem, interesses e competências.
No Brasil, além de terem pouca visibilidade, os superdotados constituem ainda
um grupo que é pouco compreendido. Observa-se, até mesmo, resistência à
implementação de programas ou serviços de atendimento ao superdotado, fruto de
uma série de idéias errôneas sobre este aluno. Segundo Alencar e Fleith (2006),
86
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Uma dessas idéias é a supervalorização de fatores genéticos, colocando-se em
segundo plano o papel do ambiente para o desenvolvimento de habilidades e
competências. Tal idéia seria responsável pela consideração do superdotado como
um privilegiado, que apresentaria recursos intelectuais inatos superiores,
considerando-se injusto e antidemocrático oferecer-lhe mais privilégios sob a forma
de participação em programas educacionais especiais, nos quais os demais alunos
seriam excluídos. Observa-se também resistência a propostas de implementação
de programas especiais para o superdotado, com o argumento de que seria um
absurdo investir nesta área, quando se tem um contingente significativo de
analfabetos e portadores de necessidades educacionais especiais, nas áreas visual,
auditiva ou física, que permanecem sem um atendimento especializado (p. 53).
Além de uma compreensão inadequada acerca das necessidades do aluno com altas
habilidades/superdotação, a falta de informação acerca de suas características leva-os, muitas
vezes, a serem identificados equivocadamente como autista, hiperativo ou portador de
algum distúrbio de aprendizagem, como déficit de atenção, ou de problemas de conduta
comportamental (ALENCAR; VIRGOLIM, 1999; BAUM, OWEN; DIXON, 1991;
HARTNETT, NELSON; RINN, 2004; MONTGOMERY, 2003). Embora não seja possível
estabelecer um perfil único de aluno superdotado, algumas características são mais
comumente encontradas nesse grupo (veja Quadro 1).
Quadro 1. Características do aluno com altas habilidades/superdotação
Alto grau de curiosidade.
Boa memória.
Atenção concentrada.
Persistência.
Independência e autonomia.
Interesse por áreas e tópicos diversos.
Facilidade de aprendizagem.
Criatividade e imaginação.
Iniciativa.
Liderança.
Vocabulário avançado para sua idade cronológica.
Riqueza de expressão verbal (elaboração e fluência de idéias).
Habilidade para considerar pontos de vistas de outras pessoas.
Facilidade para interagir com crianças mais velhas ou com adultos.
Habilidade para lidar com idéias abstratas.
Habilidade para perceber discrepâncias entre idéias e pontos de vista.
Interesse por livros e outras fontes de conhecimento.
Alto nível de energia.
Originalidade para resolver problemas.
Fonte: Alencar; Fleith, 2001.
87
Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação
e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão
Acredita-se, ainda, que o aluno superdotado apresenta um excelente desempenho
acadêmico em todas as disciplinas curriculares. Na realidade, a baixa motivação, o tédio
e ausência de desafios na vida escolar podem gerar falta de compromisso, desinteresse e
pouco envolvimento com as atividades de sala de aula. Além disso, o aluno com altas
habilidades é visto como uma ameaça à autoridade dos professores, que se sentem
intimidados pelo questionamento, perguntas e críticas desse aluno.
Predomina ainda em nossa sociedade o estereótipo do indivíduo superdotado
como excêntrico, instável emocionalmente e isolado socialmente. Entretanto, estudos
têm revelado maior estabilidade emocional e ajustamento social por parte do aluno
com altas habilidades (ALENCAR; FLEITH, 2001). Entretanto, isso não significa afirmar
que os alunos com um potencial superior são “imunes” a qualquer desajuste emocional
ou social. É importante esclarecer, contudo, que não é a superdotação que “provocará”
tais desajustes, mas a maneira como ocorre a interação entre esse indivíduo e o ambiente;
ou seja, em que extensão suas necessidades estão em sintonia com as oportunidades
oferecidas ao longo de sua vida.
Nessa perspectiva, atender às necessidades singulares dos alunos com altas
habilidades/superdotados significa considerar os fatores socioculturais e a história de
cada um, bem como suas características pessoais. Trata-se de garantir condições de
aprendizagem a todos os alunos, tanto por meio de incrementos na intervenção
pedagógica quanto de medidas extras que atendam às necessidades individuais.
A atenção à diversidade, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999a),
deve concretizar-se em medidas que levem em consideração não só o que o aluno
dispõe, mas seus interesses e motivações.
Tradicionalmente, a pessoa com altas habilidades/superdotação é vista como mais
inteligente em relação a uma média. Na sociedade ocidental, o conceito de inteligência
fundamenta-se no pensar, no abstrair e na possibilidade de processar a informação. Essa
concepção, marcadamente influenciada pela produção e competição implantada pelo
sistema capitalista, valoriza as destrezas, os conhecimentos e o raciocínio. Entretanto, em
outras culturas ou mesmo dentro de subgrupos da cultura ocidental, a ênfase pode estar
em aspectos menos intelectivos como o sentimento, a criação artística, dentre outros.
A definição de quem são as pessoas com altas habilidades/superdotação envolve o
entendimento de conceitos de inteligência, e esse não possui aceitação universal, assim
como o conceito de altas habilidades (PÉREZ, 2006). Alencar e Fleith (2001) destacam
que a “superdotação é um conceito ou constructo psicológico a ser inferido a partir de
uma constelação de traços ou características de uma pessoa” (p. 52).
A Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994) considera portadores de
altas habilidades/superdotados aqueles que apresentam desempenho acima da média
ou potencialidade elevada em aspectos isolados ou combinados de áreas como
capacidade intelectual, aptidão acadêmica, pensamento criador, capacidade de liderança,
talento especial para artes cênicas, plásticas, musicais e habilidades psicomotoras.
88
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
A Lei nº 9.394/96 (LDBEN), no capítulo de Educação Especial (BRASIL, 1996, p.
22) estava assumindo que:
PESSOA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS: É a que apresenta, em
caráter permanente ou temporário, algum tipo de deficiência física, sensorial,
cognitiva, múltipla, condutas típicas ou altas habilidades, necessitando, por
isso, de recursos especializados para desenvolver mais amplamente o seu
potencial e/ou superar ou minimizar suas dificuldades. No contexto escolar,
costumam ser chamadas de pessoas portadoras de necessidades educativas
especiais.
Nela já se incorporava o termo altas habilidades, utilizado pelo Conselho Europeu
para Altas Habilidades, que o Ministério de Educação passou a adotar no caso dos
superdotados.
A LDBEN (BRASIL, 1996, p. 14-5) inclui os alunos com altas habilidades/
superdotados, ao prever o seu atendimento no inciso II do Artigo 59, que trata da
“aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados” e,
no inciso IV, que garante a educação especial para o trabalho também “[...] para aqueles
que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora”,
assim como já o fizera a Política Nacional de Educação.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares (BRASIL, 1999b,
p. 23), a expressão necessidades educacionais especiais refere-se às necessidades de
crianças e jovens decorrentes de sua elevada capacidade ou de suas dificuldades para
aprender e que essas necessidades estão associadas “portanto, a dificuldades de
aprendizagem, não necessariamente vinculada a deficiência(s)”. O Parecer CNE/CEB nº
17 (BRASIL, 2001) reconhece os alunos com altas habilidades/superdotados, como um
dos segmentos da comunidade discriminados e à margem do sistema educacional:
É o caso dos superdotados, portadores de altas habilidades, “brilhantes” e
talentosos que, devido a necessidades e motivações específicas – incluindo a
não aceitação da rigidez curricular e de aspectos do cotidiano escolar – são
tidos por muitos como trabalhosos e indisciplinados, deixando de receber os
serviços especiais de que necessitam, como, por exemplo, o enriquecimento
e aprofundamento curricular. Assim, esses alunos muitas vezes abandonam o
sistema educacional, inclusive por dificuldades de relacionamento (p. 19).
A Resolução nº 02/01, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
na Educação Básica, fundamentada no Parecer nº 17/01, afirma que a ação da educação
89
Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação
e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão
especial se amplia, passando a abranger não apenas as dificuldades de aprendizagem
relacionadas a condições, disfunções, limitações e deficiências, mas também aquelas
não vinculadas a uma causa orgânica específica. Muitas vezes, em razão de dificuldades
cognitivas, psicomotoras e de comportamento, alunos são freqüentemente negligenciados
ou mesmo excluídos dos apoios escolares.
Nesse contexto, assume-se que todo e qualquer aluno pode apresentar, ao longo
de sua aprendizagem, alguma necessidade educacional especial, temporária ou
permanente. De acordo com a Resolução nº 02/01, alunos com altas habilidades são
aqueles que, durante o processo educacional, grande facilidade de aprendizagem que
os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. A diretriz com base
no artigo nº 59 da LDB/96 expressa ser necessário assegurar currículos, métodos, técnicas,
recursos educativos e organização, específicos para atender às necessidades dos
educandos com necessidades especiais.
Para atendimento às necessidades educacionais do aluno superdotado,
recomendam-se práticas que possibilitem a esse aluno (ALENCAR; FLEITH, 2001):
(1)
(2)
(3)
(4)
(5)
(6)
Desenvolver ao máximo seus talentos e habilidades.
Ter uma existência feliz e de realização.
Fortalecer um autoconceito positivo.
Ampliar suas áreas de experiência.
Desenvolver uma autoconsciência social.
Apresentar uma produtividade criativa.
Nesse sentido, práticas de enriquecimento curricular e aceleração de ensino têm
sido indicadas na literatura como umas das mais apropriadas para atender aos alunos
com altas habilidades. O enriquecimento curricular diz respeito a oportunidades de
experiências de aprendizagem diversas das que o currículo normalmente apresenta.
Conforme esclarecem Alencar e Fleith (2001), “o enriquecimento consiste em solicitar
ao aluno o desenvolvimento de projetos originais em determinadas áreas de
conhecimento. Ele pode ser levado a efeito tanto na própria sala de aula como através
de atividades extracurriculares” (p. 133).
A aceleração de ensino, por sua vez, implica cumprir o programa escolar em menos
tempo, procedimento que pode ser implementado de muitas formas. Como bem explicam
Sabatella e Cupertino (2007):
O conceito de aceleração pode ser traduzido em várias práticas, que variam de
saltar séries até a flexibilização do currículo para que etapas possam ser
cumpridas em tempo menor que o estabelecido. Ela também pode ocorrer
por um aumento do ritmo do ensino-aprendizagem, proporcionando
oportunidades mais compactas para abranger os conteúdos da grade curricular
90
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
em menos tempo, com atividades durante as férias, períodos de contra-turno,
cursos à distância ou obtendo créditos em exames especiais, que possibilitem
dispensa de algumas disciplinas (p. 73).
Portanto, planejar alternativas de atendimento ao aluno com altas habilidades,
que atinjam suas reais necessidades e expectativas dos pais e correspondam à filosofia
educacional das escolas, sem entrar em conflito com o ensino regular, é um trabalho que
deve ser executado com habilidade e critério3. Um ponto importante a ser destacado é
que o professor no cotidiano escolar precisa reconhecer e responder às necessidades
diversificadas de seus alunos, bem como, acomodar diferentes potencialidades, estilos e
ritmos de aprendizagem, assegurando, com isso, uma educação de qualidade. Porém, só
a formação do professor não é o suficiente para o estímulo da criatividade e das
inteligências individuais dos alunos, pois, além da ação docente em sala de aula existem
outros fatores que devem ser considerados, como o currículo apropriado e flexibilizado
que conduzirá a práticas pedagógicas realmente heterogêneas.
O professor da escola inclusiva deve avançar em direção à diversidade, deixar de
ser mero executor de currículos e programas predeterminados, para se transformar em
responsável pela escolha de atividades, conteúdos ou experiências mais adequadas ao
desenvolvimento das capacidades fundamentais dos seus alunos, tendo em conta suas
necessidades. Conhecer, portanto, as características individuais dos alunos com
características de altas habilidades/superdotação e as diferentes formas de manifestação
de suas singularidades é condição para que se estabeleça o vínculo necessário entre o
ensino e a aprendizagem. Evidentemente não é tarefa do professor estabelecer
diagnósticos, mas uma postura de observação que lhe permita identificar as preferências
e facilidades de cada um, assim como suas limitações.
O trabalho docente, por meio do estímulo das habilidades cognitivas, da
criatividade e da motivação em sala de aula, pode ser um instrumento para a flexibilização
do currículo nas séries iniciais do ensino fundamental, uma vez que não é difícil reconhecer
a relevância do estímulo à capacidade criadora discente no âmbito da educação escolar,
nem o seu papel e importância para o desenvolvimento cultural do aluno. Nesse
desenvolvimento cultural, a memória, a fantasia e a imaginação são funções psicológicas
complexas e dialeticamente inter-relacionadas.
3
Para obter uma descrição detalhada das práticas educacionais de atendimento ao superdotado, consulte a série A construção
de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação, publicado pela Secretaria de Educação Especial do
MEC (2007).
91
Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação
e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão
Faz-se necessário que os professores e as escolas se convençam da necessidade e
da viabilidade de transformação da sua prática, para que busquem construir condições
adequadas ao trabalho de inclusão de todos os alunos. A ausência de tal convicção
impede a construção de um currículo suficientemente amplo e adequado para atender
às necessidades desses alunos e da sociedade e impede, também, a redefinição de critérios
de agrupamento de alunos, de avaliação de rendimento e de valorização de conquistas.
Com base na complexidade do ato educativo, consideramos necessárias transformações
nas propostas formativas de professores, tanto em sua dimensão teórica como prática,
promovendo e facilitando o uso de metodologias e estratégias didáticas que gerem modos
de pensamento e ação próprios a profissionais críticos e reflexivos, capazes de trabalhar
coletivamente.
O princípio fundamental da escola ou ensino inclusivo é que todos os alunos, sempre
que possível, aprendam juntos, independentemente de suas dificuldades ou talentos,
deficiência, origem socieconômica ou origem cultural em escolas e salas de aula, onde
todas as necessidades são satisfeitas. Stainback e Stainback (1999) diz que “para conseguir
realizar o ensino inclusivo, os professores em geral e especializados, bem como os recursos,
devem aliar-se em um esforço unificado ao consistente” (p. 25).
A inclusão reforça a prática de que as diferenças são aceitas e respeitadas. No entanto,
para que isso aconteça realmente, são necessárias mudanças sociais, bem como um esforço
mútuo de todos os incluídos na prática inclusiva. Incluir e garantir uma educação de
qualidade para todos é, atualmente, o fator mais importante na redefinição dos currículos
escolares, desafiando a coragem das escolas em assumir um sistema educacional “especial”
para todos os alunos. É nesse contexto que as atuais políticas públicas de educação se
inserem.
A perspectiva de educação para todos constitui um grande desafio, pois a realidade
indica uma numerosa parcela de excluídos do sistema educacional, sem possibilidade
de acesso à escolarização. Vale lembrar que:
Incluir não significa apenas colocar no próprio ninho o estranho que vem de
fora, seqüestrando-o de sua vida plena; ao contrário, requer um sair de si e ir
ao seu encontro, ofertando-lhe aquilo de que, efetivamente necessita. Incluir
significa ouvir e responder àquilo que um outro pede pela sua própria voz.
(TUNES; BARTHOLO, 2006, p. 147).
Enfrentar esse desafio é condição essencial para atender à expectativa de
democratização da educação, em nosso país, e às aspirações de todos que almejam seu
desenvolvimento e progresso.
92
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
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Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação
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94
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em relação a
outros países
Maria Amelia Almeida1
[email protected]
No decorrer da história da humanidade, vamos perceber que as pessoas com
deficiência têm sido vulneráveis a práticas de infantilismo e de segregação. Em muitos países,
essas práticas, de alguma forma, estavam relacionadas com o medo da sociedade de que
“tais defeitos” pudessem comprometer a raça humana (BRADDOCK; PARRISH, 2002).
De acordo com Hardman, Drew e Egan (2005), na segunda metade do século
XVIII, reformas humanitárias indicaram uma era de otimismo em relação ao tratamento
e, eventual cura daqueles que se desviavam da norma. No entanto, ainda segundo esses
autores, quando o “desvio” não era curado e continuava sendo um problema social
preocupante, muitos profissionais se convenceram de que era necessário esterilizar e
segregar um grande número desses “degenerados mentais e sociais”. Em alguns países,
algumas leis apresentavam orientações para esterilização de pessoas com deficiência
mental e/ou epilepsia e criminosos. Além do mais, muitas pessoas eram forçadas a deixarem
as suas comunidades para receberem “cuidados especiais” em ambientes isolados da
sociedade. Esses lugares se tornaram conhecidos como “instituições” e receberam
diferentes nomes, como: escola residencial, hospital, colônia, asilo... Essas instituições
foram estabelecidas para oferecer treinamento e alguma forma de educação em um
ambiente protetor, no qual passariam as suas vidas.
Nos anos 1900, muitas tentativas de “ressignificação” dessas instituições foram feitas.
Por exemplo, no início dos anos 1950, nos Estados Unidos a Associação Americana de
Psiquiatria envidou todos os esforços para inspecionar e qualificar tais instituições. Esse
trabalho resultou em uma chamada geral de atenção ao público sobre a falta de
intervenções terapêuticas e das condições deploráveis que se encontravam os residentes
(BLATT; KAPLAN, 1974; WOLFENBERGER, 1975). Talvez em resposta a esses dados, os
pais de crianças com deficiência nos Estados Unidos começam a se organizarem e a
fundarem organizações de proteção às pessoas com deficiência, como por exemplo United
Cerebral Palsy (UCP), National Association for Retarded Children (NARC).
1
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos. Atua nas áreas
de Comunicação Alternativa e Ampliada, Currículo Funcional, Ensino e Consultoria Colaborativa para a Inclusão, Inclusão de
Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho.
95
Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em
relação a outros países
É importante ressaltar, que nos anos 1800, na época do império, foram criados no
Brasil dois importantes institutos, hoje denominados Instituto Benjamim Constant e
Instituto Nacional de Educação de Surdos . Porém tais institutos escolares foram criados
para atender às demandas educacionais de seus residentes. Segundo Jannuzzi (2004, p.
12), o “Imperial Instituto para Meninos Cegos, nome dado ao Instituto Benjamin Constant
por ocasião de sua criação, “destinava-se ao ensino primário e alguns ramos do secundário,
ensino de educação moral e religiosa, de música, de ofícios fabris e trabalhos manuais”.
Ainda segundo Jannuzzi (2004, p. 14) “essas duas instituições para deficientes foram
intermediadas por vultos importantes da época , que procuravam transmitir ensinamentos
especializados aceitos como fundamentais para esse alunado”. Portanto, a criação dessas
duas instituições nada se assemelha à criação das instituições que descrevemos
anteriormente. Pelo contrário, seus objetivos era o de oferecer o que de melhor havia em
termos de Educação para surdos e cegos naquela época.
No fim da década de 1950, do outro lado do mundo, em 1959, o “Princípio
Normalização” era Promulgado na Dinamarca por sugestão de Bank-Mikkelsen (1969),
que tinha como principal objetivo: “Deixar a pessoa com deficiência mental obter uma
existência o mais próximo possível do normal”. Esse princípio “revolucionou” o mundo
e o atendimento das pessoas com deficiência mental, principalmente, em ambientes
segregados da sociedade passa a ser questionado, da mesma forma que aconteceu nos
USA no início dos anos 1950.
Nessa mesma ocasião, em 1961, aprova-se no Brasil a Lei nº 4.024/61 – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (20 de dezembro de 1961), que em seus Artigos
2 e 88 , estabelecia:
“A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola”.
“A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema
geral de ensino, afim de integrá-los na comunidade”(BRASIL, Lei nº 4024/61).
Diante de tudo o que estava acontecendo em outros países, em que se discutia se
as pessoas com deficiência podiam ou não “obter uma existência o mais próximo possível
do normal” (BANK-MIKKELSEN, 1969) em nosso país era aprovada uma lei que permitia
às crianças com deficiência serem educadas no sistema geral de ensino. Talvez o problema
maior dessa lei foi afirmar que a educação das crianças com deficiência “deveria” e não
o “teria” que enquadra-se no sistema geral de ensino. Ou seja, a expressão “no que for
possível”, acabou por manter as crianças com deficiência fora da rede comum de ensino,
uma vez que “muitos” concluíram “que não era possível” educá-las nas escolas comuns
de ensino com isso muitas escolas especiais continuaram sendo criadas.
Em outros países, os questionamentos sobre a educação de crianças com deficiência
em ambientes segregados continuava sendo questionado. Assim é que, em 1968, Lloyd
Dunn, lança nos Estados Unidos uma publicação a qual questiona, de forma muito
incisiva, os serviços de Educação Especial para alunos com deficiência mental leve.
Também na Escandinávia, dez anos após ser promulgado, finalmente o “Princípio de
96
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Normalização” foi sistematizado na Dinamarca e colocado na literatura por Nirge no
capítulo da monografia: “Mudando os padrões dos serviços residenciais para deficientes
mentais” (KUGEL; WOLFENSBERGER, 1969). Essa publicação causou uma grande
revolução em vários países e o trabalho com os alunos com deficiência mental passou a
ser totalmente reformulado.
Nesse mesmo ano, em 1969, foi aprovada uma nova Constituição Brasileira, que
afirmava:
“O direito à educação deve ser igual a todos” e “O ensino de 1º grau obrigatório
para todos, dos sete aos 14 anos, gratuito, nos estabelecimentos de ensino” (BRASIL,
1969).
Podemos, então deduzir que como a lei proclamava que a Educação era direito de
todos os brasileiros na faixa etária de 7 a 14 anos, subentende-se que esse direito estendiase também a todos os alunos que apresentassem deficiência, transtornos, superdotação.
Um ano após a aprovação da Constituição (BRASIL, 1969), a Espanha aprovava
sua Lei Geral da Educação de 1970, que previa que “a educação dos surdos-mudos e
cegos poderia ser realizada tanto nas escolas especiais quanto nas escolas regulares”. Ou
seja, após séculos de segregação, a uma lei educacional espanhola concede, pelo menos,
aos alunos surdos e cegos, o direito de estudarem nas escolas comum da rede de ensino,
direito esse garantido no Brasil desde 1961 pela Lei nº 4.024/61 (GONZÁLES, 2007).
Em 1971, o Brasil aprovou mais uma Lei de Educação, a Lei nº 5.692/71 (11 de
agosto de 1971), que em seu Artigo 9º estabelecia que: “Os alunos que apresentem
deficiências físicas e mentais, que se encontrem em atraso considerável quanto à idade
regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo
com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação. Será que em relação
aos alunos especiais, a Lei nº 5.692/71, foi um progresso ou retrocesso se comparada
com a Lei 4.024?
Como competia aos Conselhos de Educação fixarem normas em relação à educação
desses alunos, dois pareceres importantes surgiram:
Em 1972 foi aprovado o Parecer CFE nº 848/72 do Conselheiro Valnir Chagas, que
estabelecia: “Os excepcionais estão incluídos na obrigatoriedade escolar dos sete aos
14 anos, com direitos a que levem em conta as suas características individuais prolongando
o ensino gratuito até o limite da real educabilidade de cada aluno e 1974 foi aprovado o
Parecer 1.682/74, da Conselheira Terezinha Saraiva, que estabelecia que “O
acompanhamento e a avaliação dos deficientes deverão constituir processo contínuo e
trabalho cooperativo, abrangendo aspectos relativos à capacidade intelectual, interesses,
atitudes,competência social, aproveitamento escolar”.
Esses dois pareceres, à época, foram muito importantes para os alunos superdotados,
com deficiência e outros transtorno, pois enquanto o primeiro incluía esses alunos na
obrigatoriedade escolar dos 7 aos 14 anos, ou outro estabelecia que o acompanhamento
e a avaliação dos “deficientes” deveriam constituir um processo contínuo. Porém, o que
97
Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em
relação a outros países
houve com o parecer da Conselheira Terezinha Saraiva, que ainda hoje, a todo
momento, nos deparamos com jovens e adultos com deficiência mental que não
aprenderam a ler e a escrever e muito menos estão preparados para o trabalho? Será
que nunca foram avaliados no percurso de sua vida escolar que não estavam
aprendendo? Ou será que pelo fato do parecer do Conselheiro Valnir Chagas “prolongar
o ensino gratuito até o limite real de sua educabilidade” fez com que se acreditasse
que não era preciso investir tão fortemente na sua educabilidade, visto que “teriam
mais tempo” para aprender?
Assim, enquanto no Brasil, as leis vinham garantindo a educação de alunos especiais
na rede comum de ensino desde 1961, é somente em 1975 que Portugal e Estados
Unidos garantem uma educação menos segregada para esses alunos. Dessa forma, em
Portugal “são criadas as primeiras equipes de Ensino Especial que tinham por objetivo
promover a integração familiar, social e escolar das crianças e jovens portadores de
deficiências sensoriais ou motoras, com capacidade de acompanhar o currículo escolar”
(LIMA-RODRIGUES et al. 2007). Posteriormente, esse apoio à integração incorporou
também as crianças com deficiência mental, segundo os mesmos autores. Nesse mesmo
ano, nos Estados Unidos da América do Norte foi aprovada a Lei nº 94.142 – Educação
para Todas as Crianças Excepcionais – que assegurava às crianças com necessidades
especiais o direito à “Educação pública, gratuita e apropriada a todas as crianças
excepcionais de 3 a 21 anos em ambientes o menos segregado possível”. Assim, uma
nova terminologia entra na área de Educação Especial:
1. “Mainstreaming”, situação que garante às crianças “excepcionais”: (a) matrícula
nas escolas com seus pares normais; (b) garantia de serviços especiais enquanto estiverem
matriculadas em classes regulares; (c) oportunidade de interagir o máximo possível com
seus pares em ambientes não segregados”;
2. Processo de “desegregação”, que consiste na retirada das “pessoas com
necessidades especiais” dos ambientes segregados (escolas especiais, instituições
residenciais).
3. Processo de “desinstitucionalização”, que consistiu na retirada das “pessoas com
necessidades especiais”, que viveram toda as suas vidas em instituições segregadas da
sociedade e devolução das mesmas às suas respectivas famílias ou colocando-as em
“casas lares” em bairros residenciais.
Todas essas leis, tanto as brasileiras, quanto as portuguesas, espanhola, americana,
favoreceram mais a integração escolar e educativa, que segundo Blanco (1998) significou
um processo de inserção da pessoa deficiente preparada para conviver em sociedade se
caracterizando como um movimento de luta por direitos com o objetivo de incorporar à
escola comum crianças com deficiência que freqüentaram sistemas segregados de ensino
por muitos anos.
Em 1986 Portugal publica a nova Lei de Bases do Sistema Educativo (nº 46/86 de
14/10/1986), que proclama nos artigos 17º e 18º “igualdade de oportunidade e o direito
98
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
de todas as crianças à educação, independentemente das suas características físicas,
sociais e étnicas. A Educação Especial é definida como modalidade integrada no sistema
geral de educação, prestando apoio às estruturas regulares de ensino, de acordo com as
necessidades de cada aluno. Prevê o ensino em instituições especiais quando o tipo e o
grau de deficiência da criança exigir” (FELGUEIRAS, 1994).
Nesse mesmo ano, nos Estados Unidos da América, a Lei 94.142 de 1975
denominada “Educação para todas as crianças excepcionais” foi renomeada para “Ato
Educacional para Indivíduos com Deficiência” – IDEA (HEWARD, 2006), que tem como
principais garantias:
1. Rejeição zero. As escolas devem aceitar todas as crianças com necessidades
especiais. Este princípio deve ser aplicado independente da natureza e severidade
da deficiência.
2. Todos os alunos com deficiência são elegíveis a uma educação pública, gratuita
e de qualidade.
3. As escolas devem utilizar-se de identificação e avaliação não discriminatória
envolvendo métodos multidisciplinares para determinar se a criança tem uma
deficiência e, se tiver, indicar no tipo de atendimento educacional especializado
que vai precisar.
4. As crianças devem ser educadas com outras crianças não deficientes em
ambientes não segregados e só podem ser removidas para classes ou escolas
separadas apenas quando a severidade de sua deficiência não permitir que
recebam educação apropriada em classes da educação geral.
5. As escolas devem garantir os direitos das crianças com deficiência e de seus pais.
6. A participação dos pais e dos filhos com deficiência (quando possível) nos
processos de decisões. As escolas devem colaborar com pais e aluno com
deficiência no planejamento e implementação dos serviços de Educação
Especial.
Apesar dos avanços, essas leis continuam garantindo a integração dos alunos com
especiais nas escolas da rede comum de ensino.
Em 1988, é aprovada no Brasil a nova Constituição Brasileira, cujo Artigo 208 prevê
como dever do Estado:
“Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência
preferencialmente na rede regular de ensino”. Ou seja, o “preferencialmente” acabou
sendo uma espécie de sinônimo do “no que for possível”, estabelecido na Lei nº 4.024
de 1961.
Um ano depois da aprovação da nova Constituição foi aprovada a Lei nº 7.853
(24/10/89), que estabelece “normas gerais para o pleno exercício dos direitos individuais
e sociais das pessoas portadoras de deficiência e sua efetiva integração social”. O Inciso
1 do artigo 2º define as medidas a serem tomadas pelos órgãos da administração direta
e indireta na área de Educação:
99
Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em
relação a outros países
1. Inclusão da Educação Especial no sistema educacional como modalidade
educativa;
2. A inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e
públicas;
3. Oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimentos públicos
de ensino;
4. Oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar
e escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados,
por prazo igual ou superior a um ano, educandos portadores de deficiência;
5. O acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais
educandos, até mesmo material escolar, merenda escolar e bolsa estudo;
6. Matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e
particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no
sistema regular de ensino.
Logo em seguida, também foi aprovada a Lei nº 8.069 (1990), que é o Estatuto da
Criança e do Adolescente, que em seu Artigo 54 estabelece que é “Dever do Estado
assegurar à criança e ao adolescente atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.
Nesse mesmo ano, no período de 5 a 9 de março de 1990, ocorreu a Conferência
de Jomtien, na Tailândia, ocasião em que foi aprovada a Declaração Mundial sobre
Educação para Todos, que afirma: “As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas
portadoras de deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que
garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de
deficiência, como parte integrante do sistema educativo”.
Quatro anos depois, em 1994, a Declaração de Salamanca é proclamada na Espanha
da qual foram signatários mais de 80 países e preconiza:
1. Direito fundamental da criança à educação;
2. Os sistemas educacionais devem levar em conta a vasta diversidade;
3. As pessoas com necessidades especiais devem ter acesso à rede regular de ensino;
4. As escolas regulares devem ter orientação inclusiva;
Nesse mesmo ano, foi publicada no Brasil a Política Nacional de Educação Especial,
que traz algumas definições de integração.
Em 1996, foi aprovada no Brasil mais uma educacional, a Lei nº 9.394/96 – Lei de
Diretrizes e Bases da Educacional Nacional (20/12/1996) e da mesma forma que a
Constituição de 1988, também preconiza “Atendimento educacional especializado
gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular
de ensino” (Artigo 4.III). Mais uma vez, o “preferencialmente” está presente em mais uma
lei brasileira.
O Capítulo V é dedicado à Educação Especial:
Artigo 58: Define o que é Educação Especial para efeitos legais da lei.
100
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Artigo 59: Estabelece o que os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com
necessidades especiais.
Artigo 60: Reafirma que é de responsabilidade do poder público a ampliação do
atendimento aos alunos com necessidades especiais na própria rede pública de ensino
regular, independentemente das instituições caracterizadas para fins de apoio técnico e
financeiro, pelos órgãos normativos dos sistemas de ensino.
Em 1997, Portugal aprovou o Despacho Conjunto nº 106 (01/07/97) que indica
para um sistema educativo único, englobando simultaneamente, a educação regular e a
especial, centrando-se na inclusão de todos os alunos.
Em 2001, foi aprovado no Brasil o documento Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica que indica que “a educação especial de ver ocorrer nas
escolas públicas e privadas da rede regular de ensino, com base nos princípios da escola
inclusiva” (página 42). Mais adiante, o documento torna claro que “Extraordinariamente,
os serviços de educação especial podem ser oferecidos em classes especiais, escolas
especiais, classes hospitalares e em ambientes domiciliares” (página 42). Mais uma vez,
as chances de inclusão dos alunos especiais na rede comum de ensino ficam diminuídas,
uma vez que o termo “extraordinariamente”, talvez da mesma forma que o
“preferencialmente” ou “no que for possível” abrem a possibilidade para que todos os
alunos com deficiência se enquadrem nesses serviços.
Em 2005, em Portugal o Despacho nº 106 é reformulado pelo Despacho nº 10856/
05 (13/05/05) onde refere como função principal dos recursos e apoios educativos
especializados , a construção de uma “Escola Inclusiva”, que promova a “Inclusão sócioeducativa”dos alunos Necessidades Educacionais Especiais (LIMA-RODRIGUES et al.
2007).
Da mesma forma que em Portugal, o Brasil também se preocupa com a construção
de uma “Escola Inclusiva” que também possa promover a inclusão de todos os alunos
com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades/superdotação.
Para tanto, está sendo construído no Brasil o documento: “Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”, que tem sido apresentado em vários
eventos e em diferentes ocasiões com os vários segmentos da sociedade na tentativa de
uma ampla discussão.
Ao encerrar esse trabalho, gostaria de resgatar o que a pesquisadora Marisa Faermann
Eizirik nos disse no “IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores”
realizado em Florianópolis em setembro de 2007 acerca dos incômodos que a diferença
traz e “ousar” fazer uma comparação com o documento da nova Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva que poderá trazer sensações de:
estranhamento, proximidade, sofrimento, insegurança, incerteza, desassossego,
desconforto, mudança. O mais importante de todos esses incômodos é a “mudança”
que eles podem provocar. Vamos então acreditar que, finalmente, após 46 anos de
aprovação de documentos que indicam a possibilidade de alunos com deficiência,
101
Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em
relação a outros países
transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades/superdotação serem atendidos
nas escolas de ensino comum, esse documento provoque no Brasil a verdadeira
“mudança” que tanto ensejamos!
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103
104
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Inclusão de surdos: pela peça que encaixa nesse quebra-cabeça
Ronice Müller de Quadros1
[email protected]
“Contrário ao modo como muitos definem surdez – isto é, como um
impedimento auditivo – pessoas surdas definem-se em termos culturais e
lingüísticos.”
Wrigley, 1996, p. 13.
Inclusão depende das diferentes possíveis traduções que se aplicam às práticas
políticas na educação. A tradução feita nesse artigo no caso específico dos surdos
brasileiros é no sentido de garantir uma educação com qualidade na língua de sinais
em que seja privilegiada a experiência visual com pares surdos. O espaço em que isso
pode se tornar realidade depende da realidade local, mas definitivamente a opção da
escola pública deve ser garantida. Vejam que educação de surdos tem sido motivo de
debate em vários países, pois é uma das peças do quebra-cabeça da Educação Inclusiva
que não se encaixa. Ela não se encaixa porque a peça que serviria nesse quebra-cabeça
de modo como vem sendo traduzida deveria ter outra forma. Nesse artigo, serão
apresentadas as formas dessas peças e propostas algumas alternativas, considerando a
realidade das políticas públicas de educação e os sonhos dos surdos para possibilitar
um espaço de negociação.
A educação de surdos na perspectiva das políticas públicas estão voltadas para a
garantia de acesso e permanência do aluno surdo nas escolas regulares de ensino.
Entende-se “dentro da rede regular de ensino” que o aluno surdo deverá ter condições
escolares na escola da esquina do seu bairro. No entanto, ao mesmo tempo, com a
legislação vigente garantindo o direito lingüístico ao surdo de ter acesso aos conhecimentos
escolares na língua de sinais, esse “dentro da rede regular na escola da esquina de seu
bairro” impõe uma construção de uma educação que garanta as questões lingüísticas
impostas. Imaginem ter aulas em uma língua que não é a língua falada na escola em
qualquer escola em que haja, pelo menos, um surdo matriculado. Os próprios articuladores
1
Ronice Muller de Quadros é Doutora em Letras (ênfase em Lingüística), Pedagoga e Interprete de Língua de Sinais Brasileira,
atua como professora e pesquisadora na Universidade Federal de Santa Catarina. Outros artigos e discussões a respeito da
educação de surdos e a língua de sinais podem ser acessados na sua página: www.ronice.ced.ufsc.br . As pesquisas relacionadas
com esse artigo recebem apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
Programa de Educação Especial.
105
Inclusão de surdos: pela peça que encaixa nesse quebra-cabeça
que encabeçam as políticas públicas de educação chegam à conclusão de que isso seria
extremamente dispendioso e acabaria criando situações garantidas por lei, mas sem serem
concretizadas.
O poder público cria, então, algumas estratégias para manter a idéia de que a
educação de surdos deva ser disponibilizada no ensino regular. Uma delas seria a de
oferecer o intérprete de língua de sinais onde houver surdos matriculados. De qualquer
maneira, a distância entre o prescrito e o executado, em alguns estados brasileiros, está
fazendo com que os próprios surdos ou seus familiares estejam acionando judicialmente
o estado, exigindo o ensino na língua de sinais brasileira. Assim, vemos os efeitos da
política de Educação Inclusiva, mesmo que ainda as escolas deparem-se com a inexistência
de intérpretes de língua de sinais para atender à demanda imposta por essa política
educacional.
Alguns mecanismos já vêm sendo criados e algumas instituições de ensino começam
a formar esse profissional. Atualmente, foi aprovado o Curso de Letras Libras Bacharelado
na Universidade Federal de Santa Catarina que graduará profissionais para assumirem
tal demanda. Além dessa ação, há várias iniciativas de instituições de ensino para formar
intérpretes de língua de sinais em nível de pós-graduação.
Algumas pesquisas começam a despontar no país apresentando resultados sobre
as funções desse profissional no espaço escolar e o que tem sido reportado é que, apesar
do intérprete romper uma barreira comunicativa na rede regular de ensino, as questões
metodológicas deixam a desejar, ignorando aspectos culturais e sociais que fazem parte
do processo educacional deixando, muitas vezes, a criança surda à margem da escola
(LACERDA, 2000a, 2000b). Assim, estamos diante de um impasse, uma vez que as
orientações das políticas públicas são para garantir o acesso ao conhecimento na rede
regular de ensino por meio da língua de sinais brasileira com o intérprete de língua de
sinais.
A peça do quebra-cabeça das políticas públicas, no entanto, não é a peça que os
surdos projetam. A educação de surdos na perspectiva dos surdos é norteada pela
reivindicação de uma escola pública de qualidade em língua de sinais com professores
bilíngües e professores surdos. Os movimentos surdos criticam a manutenção dos surdos
nos espaços das escolas que estão estruturadas para ensinar e aprender em português
com alunos que crescem ouvindo e falando essa língua, ou seja, as proposições são
contrárias às propostas de inclusão nessa perspectiva. Os movimentos surdos clamam
por inclusão em uma outra perspectiva. Dá para se perceber que os surdos entendem
inclusão como garantia dos direitos de terem acesso à educação de fato consolidadas
em princípios pedagógicos que estejam adequados aos surdos. As proposições
ultrapassam as questões lingüísticas, incluindo aspectos sociais, culturais, políticos e
educacionais (QUADROS, 2003). Nesse sentido, os surdos sonham com espaços em
que a língua de sinais seja a língua de instrução em um ambiente cultural e social que
106
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
favoreça o fortalecimento das heranças surdas para consolidação de um grupo que se
diferencia a partir da experiência visual.
A escola que os surdos querem e a escola que o sistema apresenta ainda não são
convergentes. A peça que os surdos apresentam não se encaixa na forma como as escolas
públicas estão organizadas. A educação no país ainda reflete os princípios da política de
integração traduzidos como a colocação de surdos na rede regular que ensina na língua
portuguesa. Esse é o grande entrave do processo inclusivo dos surdos na educação,
impondo um desafio para as propostas governamentais, no sentido de garantir os direitos
dos surdos.
A implementação de uma política de inclusão deve estar acompanhada do
diálogo com os movimentos surdos, que apesar de insatisfeitos, estão interessados
no sucesso da educação de surdos. A partir dessa iniciativa, podemos processar uma
aproximação entre o “querer” e o fazer na educação instaurando um espaço de
negociação. Esse espaço de negociação permitira a reorganização de todas as peças
do quebra-cabeças ou, até mesmo, a criação de outros quebra cabeças que garantam
uma educação com qualidade aos surdos brasileiros. A peça do quebra-cabeça dos
surdos não apresenta o formato para se encaixar no quebra-cabeça da escola que
está aí. No entanto, existe a possibilidade de negociação para tornar essa peça mais
próxima à peça que se espera por parte dos que definem como a educação deve ser,
em uma perspectiva que consolida os princípios da inclusão e a garantia dos direitos
humanos.
Para concluir tal trabalho, escolhi as palavras de Miranda (2001), que por meio
da sua experiência visual, conseguiu captar brilhantemente a importância das
interações entre os surdos como decisivas na construção da subjetividade e identidade
dos surdos:
Considerando que a cultura surda mostra uma nostalgia curiosa em relação a
uma “comunidade imaginária”e que é barbaramente ou profundamente
transformada, senão destruída no contato com a cultura hegemônica, ela age
como reguladora da formação da identidade surda, que se reaviva novamente
no encontro surdo-surdo
surdo-surdo. Este encontro é um elemento chave para o modo
de produção cultural ou de identidade, pois implica num impacto na “vida
interior”, e lembra da centralidade da cultura na construção da subjetividade
do sujeito surdo e na construção da identidade como pessoa e como agente
pessoal.
107
Inclusão de surdos: pela peça que encaixa nesse quebra-cabeça
Referências
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108
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso ao
mercado de trabalho para as pessoas com deficiência
Ricardo Tadeu Marques da Fonseca1
[email protected]
1 Da igualdade formal à igualdade real
A atuação do Ministério Público do Trabalho demostrou a importância do esforço
em prol da inserção das pessoas com deficiência no trabalho. A lei brasileira, por estímulo
constitucional, estabelece ação afirmativa categórica nesse sentido, fixando cotas de
reserva de vagas, tanto na esfera pública, quanto na privada. De outra parte, a condição
de exclusão das pessoas com deficiência do convívio social é milenar e reveladora do
quão distante estão essas pessoas de condições mínimas de cidadania erigidas desde o
princípio da cultura ocidental.
O direito de livre expressão, de ir e vir, de votar e ser votado, bem como os direitos
sociais de educação, habitação, trabalho, saúde estão, até certo ponto, conquistados,
apesar das ameaças e insuficiências constantes em relação ao povo. O grupo das pessoas
com deficiência, no entanto, não usufrui desses direitos por causa da inadequação do
próprio Direito e das estruturas físicas nas cidades e nas empresas para lhes permitir a
fruição dessas liberdades e conquistas. A par disso, assinale-se que os direitos sociais e as
próprias liberdades individuais vêm sendo francamente agredidas, não só no terceiro
mundo, como nos países do capitalismo central. A doutrina de segurança nacional, o
Tribunal de Guantânamo, a polícia mundial norte-americana e a pretensa hegemonia
ideológica da globalização econômica trazem riscos concretos à permanência dos direitos
humanos, submetidos que podem ficar ao poder econômico e das armas.
A compreensão da importância da História como instrumento de validação da
correlação de forças e da origem e destino da vida em sociedade impeliu à discussão que
se trava nesse trabalho. Como se falar em emprego especial para pessoas com deficiência
se o próprio emprego se encontra estruturalmente ameaçado? É justa essa preferência?
São as questões que emergem ao se analisar as ações afirmativas de que se cuidam.
A História, porém, fornece elementos suficientes para que se compreenda que as
transformações que se travam no mundo do trabalho, em razão da tecnologia e da
1
Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho – 9ª Região, Especialista e Mestre em Direito do Trabalho pela
Universidade de São Paulo (Usp) e Doutor pela Universidade Federal do Paraná.
109
Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso
ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência
globalização econômica, incitam mudanças na forma da prestação de serviços, mas
substancialmente não a alteram, pois, apesar das inovações expressas na
terceirização, no teletrabalho e na prestação autônoma de serviço, dos quais vêm
se servindo as empresas, a partir da política do downsizing e da reengenharia, que
estiveram muito em voga nos anos 1980 e 1990, o Direito do Trabalho mantém-se
íntegro. Seus princípios oferecem respostas firmes, visto que dizem respeito à
dignidade da pessoa e ao fato de que ela, a dignidade, está fora do mercado.
O naufrágio das políticas econômicas neoliberais que acenavam com a pujança
dos Tigres Asiáticos, como argumento para justificar a precarização do trabalho,
evidenciou-se ante a constatação de que a perda de poder de consumo da classe
trabalhadora acaba por impedir a própria evolução do mercado e de que as pessoas
não se conformam com imposições econômicas sobre valores humanos que se
lapidaram a partir da modernidade. Veja-se, por exemplo, a rejeição do povo francês
à lei do primeiro emprego.
A crise desses valores só encontra resposta neles mesmos a partir da
dinamização daquelas promessas do século XVIII e XIX para que assumam dimensões
coletivas amplas e se aperfeiçoem para abarcar a diversidade humana, que não é
burguesa ou proletária, tão somente. Perpassa a luta de classes, sem desprezá-la,
mas reafirma novos valores que vão sendo incorporados pelo conhecimento
acumulado e aprendido, até mesmo, pela luta de classes. A afirmação das minorias
fez a diferença depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Revolucionou o Direito Constitucional, reafirmando-o a partir de princípios com
força de norma, princípios que humanizaram o Direito, dirigido às pessoas, para
sua dignidade. Dessa forma, o trabalho das pessoas com deficiência e as ações
afirmativas que o garantem não são contrários ao clamor de justiça universal,
confirmam-no na medida em que esse grupo traz a tona, com suas reivindicações,
questões de inclusão social que aperfeiçoam os direito humanos, a partir da
chamada igualdade real entre as pessoas; tão real que se reforça nas diferenças e
delas emerge.
A ignorância generalizada sobre as competências das pessoas com deficiência
impede-lhes o acesso às condições mínimas de cidadania, como se afirmou. Sufoca-lhes
o excesso de proteção assistencial e familiar. A despeito disso, rompem o véu milenar de
opressão estética, cultural e comportamental e brandem bandeiras até então
desconhecidas e que fortalecem as lutas de todas as minorias, fazendo com que o discurso
economicista se coloque no seu lugar, uma vez que as condições humanas, que se
evidenciam a partir das limitações ínsitas a toda a humanidade, também emprestam a
alavanca que permite a superação de fronteiras físicas, sociais, políticas e tecnológicas.
Cada vez que se cria um novo equipamento tecnológico ou se supera uma barreira cultural,
as pessoas todas ganham espaço em sociedade e as pessoas com deficiência, antes
estigmatizadas, não mais se limitam, pois se verifica que a limitação não está nelas e sim
110
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
na capacidade da humanidade em lhe propiciar oportunidades. Essa é a importância da
idéia de sociedade inclusiva: a igualdade na incorporação da diferença.
O Direito do Trabalho veio como o primeiro instrumento jurídico que tratou da
igualdade substancial, visto que o confronto direto entre capital e trabalho evidenciou a
insuficiência da mera afirmação formal de que todos são iguais perante à lei. Suas bases
axiológicas possibilitaram o lançamento dos alicerces das ações afirmativas que são as
mesmas, na medida em que as confirmam e reproduzem, voltadas agora para grupos
menores, cuja projeção corta verticalmente as forças em conflito. Ele foi a ação afirmativa
possível naquele momento, uma vez que o processo de lapidação dos direitos humanos
não permitia outra percepção. De qualquer modo, os instrumentos que forjaram o Direito
do Trabalho são os mesmos que aqui se aplicam para defender as ações afirmativas em
prol das pessoas com deficiência.
Nesse trabalho, analisa-se, portanto, a origem do Direito do Trabalho, sua inclusão
nas constituições, o novo Direito Constitucional que valoriza a dignidade da pessoa,
justamente para se verificar as razões que, a partir dos anos 1980, viabilizaram o Direito
Internacional em prol das pessoas com deficiência, bem como as normas de ação
afirmativa que vieram pelo Judiciário, nos países da Comonn Law, e pelas leis, nos países
do Direito codificado. A própria construção do conceito de igualdade formal à igualdade
substancial, à igualdade real acompanha a implementação de formas de combate à
discriminação, discriminando, até mesmo, positivamente, determinados grupos que foram
historicamente excluídos do acesso à cidadania. As mulheres, os negros e os índios, por
exemplo, ocuparam seu espaço apenas a partir do fim do século XIX e início do XX,
depois de muita violência que contra eles se perpetrou. A violência contra as pessoas
com deficiência era calada, caridosa, mas tão veemente quanto à escravidão dos negros,
ou à espoliação da terra dos índios, ou à submissão que se impôs às mulheres. Nenhum
dos direitos humanos universais o são, efetivamente, mas a concretização de sua existência
se faz a partir das novas demandas da História, que são provocadas pela ação política
constante.
O Direito pode ser um instrumento de opressão ou libertação, dependendo da
forma que seja utilizado. É o que se vê com o novo Direito Civil que busca novas fronteiras
que transcendem o patrimonialismo patriarcal que o gerou e que se dirigem à defesa da
dignidade da pessoa, da sua personalidade. O Direito Civil passa a se nutrir de valores
constitucionais, plurais, em prol da dignidade da pessoa, tal como fizera o Direito do
Trabalho, desde de sua origem. O novo Direito do Trabalho, por seu turno, colhe, do
Direito Civil contemporâneo, novos elementos que o revalidam. Enquanto se fala na
privatização das relações laborais, todavia, defende-se a publicização das relações civis e
de consumo. As regras que protegem as pessoas com deficiência, por sua vez, evidenciam
a necessidade de ambos, o Direito do Trabalho e o Direito Civil, todos balizados em
princípios constitucionais que estão acima do mercado. Esse é o impulso que mobilizou
esse estudo, de vez que a vivência desse Membro do Ministério Público do Trabalho e
111
Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso
ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência
cidadão com deficiência propiciou elementos pessoais e profissionais que aqui se fundem
e oferecem recursos que atestam o que até aqui se disse e se procurará demonstrar
doravante.
2 Convenções da Organização Internacional do T
rabalho
Trabalho
Convém, agora, expor-se o conteúdo da Convenção nº 111,2 de 1958, ratificada
pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 62.150, de 19/01/68, adotada na 42ª
Conferência Geral da OIT, que fixa critérios gerais sobre discriminação no trabalho.
Em seu preâmbulo, a Convenção em apreço toma por referência axiológica a
Declaração de Filadélfia3 para sublinhar que todos os seres humanos, sem distinção de
raça, de crença ou de sexo, têm direito a perseguir seu bem-estar material e seu
desenvolvimento espiritual em condições de liberdade e dignidade, de segurança
econômica e em igualdade de oportunidades. Regula, destarte, os critérios de combate à
discriminação no trabalho em catorze artigos. Define o termo discriminação (art. 1º),
para fins de aplicação de seus dispositivos, da seguinte forma:
a) qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em motivos de raça,
cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que
tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento
no emprego e na ocupação; b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência
que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de
tratamento no emprego ou ocupação que poderá ser especificada pelo Membro
interessado mediante prévia consulta às organizações representativas de
empregadores e trabalhadores, quando estas organizações existam, e a outros
organismos apropriados.4
2
OIT, Convenios y recomendaciones... op. cit., p. 1037-1040.
2"Em maio de 1944, a Conferência Internacional do Trabalho – a Assembléia-Geral da Organização – reunida em Filadélfia, nos
Estados Unidos, aprovou uma declaração relativa aos fins e objetivos da OIT, conhecida pela Declaração de Filadélfia. Em uma
época do pós-guerra e da reconstrução, a Declaração reafirma os princípios orientadores da OIT, nos quais se deveria inspirar
a política dos países-membros. São esses princípios os seguintes: o trabalho não é uma mercadoria; a liberdade de expressão e
de associação é uma condição indispensável para um progresso constante; a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo
para a prosperidade de todos; todos os seres humanos, qualquer que seja a sua raça, a sua crença ou o seu sexo, têm direito de
efetuar o seu progresso material e o seu desenvolvimento espiritual em liberdade e com dignidade, com segurança econômica
e com oportunidades iguais” (Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/html/oit.htm>. Acesso
em: 14 de setembro de 2004).
4
OIT – Organização Internacional do Trabalho. Convenios y recomendaciones internacionales del trabajo – 1919-1984 –
adoptados por la Conferencia Internacional del Trabajo, p. 1037.
3
112
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Exclui da esfera da discriminação qualquer exigência concernente à qualificação
profissional específica a determinados postos de trabalho. Exorta os membros signatários
(arts. 2º e 3º) a adotarem políticas públicas, em parceria com representantes de empregadores
e trabalhadores, com o fito de proporcionar igualdade de oportunidades para empregos e
ocupações, eliminando, assim, qualquer forma de discriminação a esse respeito. Excluem do
campo da discriminação (arts. 4º e 5º) medidas adotadas em face de pessoas que exerçam
atividades prejudiciais ao Estado, assim como medidas de proteção que se adotem em outras
convenções ou recomendações da OIT, além de outras (medidas) decorrentes de consultas
prévias a organizações de empregados e empregadores em favor de pessoas, cuja situação
acarrete necessidade de compensação em face de discriminação notória, como o sexo, a
deficiência, os encargos de família ou o nível social ou cultural. Estabelece critérios para a sua
vigência (arts. 6º a 10º), determinando, para tal, um lapso de tempo de doze meses após a
ratificação por parte de, pelo menos, dois membros e, em cada país, doze meses após o
registro da respectiva ratificação pelo Diretor-Geral da OIT, o qual deve sempre ser comunicado
das ratificações e comunicar a todos os membros o universo das ratificações ocorridas, para
que a Convenção se faça obrigatória em todo o território do país-membro. A denúncia da
Convenção poderá ser feita após dez anos da sua entrada em vigor. Finalmente (arts. 11 a
14), cuida dos procedimentos de revisão e de divulgação internacional de suas normas.
A Convenção nº 159, de 1983, assume importância primordial, de vez que
representa a posição mais atual do organismo internacional em comento e será, por isso,
verificada. O seu princípio basilar esteia-se na garantia de um emprego adequado e da
possibilidade de integração ou reintegração das pessoas com deficiência nas sociedades.
Em razão das condições práticas e das possibilidades nacionais, todo Estado que a
ratificar deve formular e aplicar uma política nacional sobre readaptação profissional e
emprego de pessoas com deficiência e garantir que as medidas, efetivamente, beneficiem
as pessoas com deficiência de todas as categorias. Essa política deve ter base no princípio
da igualdade de oportunidades entre os trabalhadores com deficiência, de um ou de
outro sexo, e os demais trabalhadores (sem excluir a possibilidade de que se tomem
medidas positivas especiais em favor daqueles). A Convenção dispõe a obrigatoriedade
da consulta às organizações representativas de empregadores e de trabalhadores, assim
como as que representam as pessoas com deficiência, acerca da aplicação dessa mesma
política. As pessoas com deficiência devem dispor de serviços de orientação, de formação,
de colocação, de emprego ou de outras finalidades, bem adaptados as suas necessidades.
Tais serviços devem promover-se igualmente nas zonas rurais e nas comunidades
apartadas. O Convênio dispõe, além disso, medidas em favor do desenvolvimento da
formação e da disponibilidade de assessores especializados.5
5
OIT – Organização Internacional do Trabalho. Resúmenes de normas internacionales del trabajo, p. 29.
113
Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso
ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência
3 Convenção Internacional de direitos da pessoa com deficiência da ONU
Inicialmente, faz-se mister um comentário sobre o contexto em que se insere a
importante ocorrência de dezembro de 2006, que revelou a adoção, pela Assembléia
Geral das Nações Unidas, do 8º documento internacional de Direitos Humanos
produzido pela própria ONU, qual seja a Convenção Internacional de Direitos da Pessoa
com Deficiência. A leitura do preâmbulo, que a muitos pareceria supérflua, é na verdade
fundamental para a compreensão do alcance do texto da norma internacional e para a
compreensão da circunstância política que o gerou.
A produção normativa da Organização das Nações Unidas iniciou-se após a Segunda
Guerra, logo após a fundação do próprio organismo internacional e o registro daquelas
normas é reiterado no preâmbulo aqui comentado. Assim é que o item “d” do preâmbulo
enumera-os, o que se reiterará para facilitar a argumentação. São os seguintes: Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção
Internacional para Proteção dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias.
Também à guisa de reforço argumentativo, retomam-se alguns itens do preâmbulo,
os das letras “a”, “b” e “c” para sublinhar, dessa feita, que a principal força motriz da
atuação da ONU é a preservação da dignidade inerente da família humana e da paz
mundial, bem como a relevância dos direitos e liberdades atinentes aos pactos
internacionais patrocinados pela Organização das Nações Unidas; tudo para garantir
a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação dos Direito
Humanos. O direito ao trabalho é um Direito Humano universal assegurado desde a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1789. Esse direito só se realiza
plenamente, porém, com a implementação de outros inerentes à liberdade, à educação,
à moradia, à alimentação, à saúde, à habilitação e reabilitação, por exemplo. Trata-se
da mencionada inter-relação e interdependência dos Direitos Humanos, que são, por
isso mesmo, indivisíveis. Não há liberdade sem igualdade, tampouco essa sem aquela
e ambas jamais prosperarão se medidas relativas à fraternidade humana não se
implementarem.
No entanto, observa-se que há Convenções voltadas a minorias ou a grupos
vulneráveis como mulheres, crianças, negros, imigrantes, etc. É que logo se percebeu que
uma lei votada pela maioria pode oprimir minorias, tal como ocorreu com a eleição de
Hitler e as leis por ele propostas. Desse modo, a função da Convenção em comento é a
de assegurar todos os Direitos Humanos a esse grupo vulnerável, as pessoas com
deficiência, que em razão de barreiras físicas e atitudinais, não alcançou, até o presente,
direitos mínimos inerentes às liberdades e à dignidade humana.
114
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
O direito ao trabalho está contido no artigo 27 da Convenção, cujo teor,
sinteticamente é o de assegurar a liberdade de escolha de trabalho, adaptação física e
atitudinal dos locais de trabalho, formação profissional, justo salário em condição de
igualdade com qualquer outro cidadão, condições seguras e saudáveis de trabalho,
sindicalização, garantia de livre iniciativa no trabalho autônomo, empresarial ou
cooperativado, ações afirmativas de promoção de acesso ao emprego privado ou público,
garantia de progressão profissional e preservação do emprego, habilitação e reabilitação
profissional, proteção contra o trabalho forçado ou escravo, etc.
Como se vê, o dispositivo é bastante amplo mas de abrangência exemplar, e não é
possível cogitar de se abandonar qualquer das disposições nele contidas. Com efeito,
essas diretrizes foram estabelecidas, a princípio, em diversas Convenções da Organização
Internacional do Trabalho, organismo pertencente à ONU e mais antigo que a própria
ONU, visto que fundado em 1919, logo após a Primeira Guerra Mundial. São as
Convenções nº 105, contra o trabalho forçado, nº 111 contra qualquer discriminação
no trabalho e acima de todas, a Convenção nº 159 de 1983, cuja temática é o trabalho
da pessoa com deficiência. Desse modo, não se verifica nenhuma inovação especial no
campo laboral no que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência. Isso do ponto
de vista jurídico. A grande inovação parece ser o fato de que a ONU adotou a Convenção
em prol das pessoas com deficiência, nela agrupando tudo que já se havia construído em
Convenções anteriores da própria ONU e, no particular, pela OIT.
Em síntese, a legislação brasileira em favor da pessoa com deficiência no trabalho é
a seguinte: artigo 7º, XXXI, da Constituição Federal, que proíbe discriminação para
admissão e remuneração em razão de deficiência; o artigo 37, também da Constituição,
que no inciso VIII garante reserva de vagas na Administração Direta e Indireta, além da
legislação ordinária expressa pela Lei nº 7.853/89, que assegura no artigo 2º uma política
pública de acesso ao emprego público e privado; a Lei nº 8.112/90, que estabelece a
reserva de 5% a 20% dos cargos da Administração Direta e Indireta a pessoas com
deficiência; a Lei nº 8.213/91, que no artigo 93 fixa cotas de 2% a 5% de emprego para
pessoas habilitadas ou reabilitadas nas empresas com mais de 100 empregados e,
finalmente, o Decreto nº 3.298/99 que regulamenta as leis anteriores, além do Decreto
nº 5.296/04 que regulamenta as Leis nº 10.048 e nº 10.098 ambas de 2000, para o
transporte público adaptado e remoção de barreiras arquitetônicas.
Verifica-se assim, com essa pequena síntese, que o Brasil está caminhando par e
passo com a Convenção, mas a importância da ratificação é fundamental para que se
supere a flagrante fragilidade da eficácia das normas acima enumeradas, fragilidade que
se deve a problemas inúmeros, como o próprio benefício de prestação continuada que
desestimula o emprego em prol de uma política assistencial exacerbada, como a falta de
fiscalização, por déficit material e humano, a falta de sanção nas leis, que não prevêem
penas, a concentração de direitos em demasia em normas de caráter meramente
regulamentar, como os Decretos nº 3.298 e nº 5.296 e etc.
115
Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso
ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência
A Convenção, assim, universaliza o direito das pessoas com deficiência e, ao
contrário do que alguns pensam, não significa um gueto institucional. É sim, sem sombra
de dúvida, um instrumento jurídico adequado para que direitos nunca antes aplicados
sejam efetivamente estendidos às pessoas com deficiência. É um instrumento jurídico
certo para que os Direitos Humanos universais se viabilizem para esse grupo específico e
para que eles se afirmem como um bem universal. Embora o Brasil tenha auferido méritos
com sua política de emprego para pessoas com deficiência, visto que desde 2000, desde
a edição do Decreto nº 3.298 em dezembro de 1999, pôde-se estimar a contratação de
cerca de 100 mil pessoas com deficiência por empresas e pela Administração Direta e
Indireta, segundo observações empíricas que decorrem de estatísticas do Ministério do
Trabalho. Muito há de se fazer, até mesmo aperfeiçoarem-se os métodos estatísticos de
avaliação, pois há pessoas com deficiência em demasia que ainda não tiveram chances
reais e isso deve ser superado.
116
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Inclusão social da pessoa com deficiência: uma questão de políticas
públicas
Martinha Clarete Dutra1
[email protected]
Políticas públicas são ações governamentais que visam à resolução de problemas
coletivos. Conforme Azanha (1998, p.102), um “problema nacional”, como problema
governamental, só existe a partir de uma percepção coletiva. O autor lembra que a
consciência não cria a realidade, mas essa pode ser determinante para gerar pressão
social, que, por sua vez, pode, a partir da concepção coletiva, transformar um fato em
um problema de governo.
Ser caracterizado como um problema governamental é pressuposto primordial
para desencadear o processo de definição e elaboração de uma política.
Esse processo deve transpor o espaço restrito dos gabinetes tanto do executivo,
quanto do legislativo. Os segmentos sociais interessados devem atuar, diretamente, na
construção desse novo paradigma.
Quando o tema em pauta é a inclusão social da pessoa com deficiência, não se
pode negar o longo período de segregação social vivido por tais pessoas.
Para pessoas com deficiência, a conquista de direitos vem ocorrendo por meio da
organização social, pelo fim da tutela e pelo protagonismo histórico de cada um de nós,
fortalecido pelo movimento de controle social das políticas públicas.
Como “as definições são sempre encarnadas, isto é, indivíduos concretos e grupos
de indivíduos servem como definidores da realidade [...] é preciso entender a organização
social que permite aos definidores fazerem suas definições” (BERGER; LUCKMAN, 1990,
p. 157).
Nesse sentido, vivemos um momento histórico fecundo. Percebe-se uma tomada
de posição da sociedade civil que, ao rever o conceito de democracia participativa,
estabelece diálogo franco com o poder público na tentativade construir juntos ações
capazes de gerar autonomia e sepultar a concepção de que toda pessoa com deficiência
deve ser tutelada por profissionais, amigos e familiares.
Nessa esteira, surgem os Conselhos de defesa de direitos da pessoa com deficiência
na década de 1990.
1
Mestre em Políticas de Educação. Universidade Norte do Paraná (Unopar).
117
Inclusão social da pessoa com deficiência: uma questão de
políticas públicas
A maior responsabilidade de tais órgãos concentra-se no poder de mobilização
social no momento de definição, elaboração e controle social das políticas públicas de
atenção ao segmento da população que representa.
Por sua vez, os gestores públicos, ao estabelecer comunicação direta com a
sociedade civil, desenvolvem um novo aprendizado, inédito em nossa cultura. “Nada
sobre nós, sem nós”. Ao definir uma política relativa à pessoa com deficiência, caberá ao
setor competente, debater com os segmentos interessados as principais diretrizes da ação.
A partir desse debate, de forma conjunta, dar-se-á a elaboração da política.
A mudança de paradigma, tratando-se da pessoa com deficiência, reside no fato
de que tais pessoas foram, historicamente, consideradas incapazes para tomar quaisquer
decisões em sua vida. Como estarão habilitadas a se tornar definidoras e agentes de
controle de políticas públicas?
Sem esse pedagógico movimento, não haverá legitimidade na ação. Toda política
pública deve ter por princípio o desenvolvimento da autonomia, independência,
emancipação das pessoas com deficiência. Esse é o tripé em que os conselhos de direitos
da pessoa com deficiência vêm se consolidando.
Os conselhos são mecanismos de defesa de direitos e promoção da cidadania.
Órgãos, fundamentalmente, responsáveis pela articulação desse segmento social,
tanto no momento de definição e elaboração de políticas, quanto no exercício efetivo
do controle social dessas medidas.
Por isso, a importância de ser paritário e representativo.
Preferencialmente, à pessoa com deficiência, caberá o protagonismo do processo
de discussão das políticas relativas a essa população.
Conselho é uma instância superior de deliberação colegiada, de natureza
permanente.
Seu primordial objetivo é assegurar às pessoas com deficiência o pleno exercício
dos direitos individuais e sociais.
Suas principais atribuições e competências são: propor, acompanhar e avaliar as
políticas relativas aos direitos da pessoa com deficiência, com capacidade de interiorização
das ações, dispondo de autonomia administrativa e financeira; acompanhar e avaliar os
planos, programas e projetos da política municipal, estadual e nacional para inclusão da
pessoa com deficiência e propor as providências necessárias à sua completa implantação
e ao seu adequado desenvolvimento, até mesmo as pertinentes a recursos financeiros e
as de caráter legislativo; acompanhar o planejamento e avaliar a execução das políticas
municipais, estaduais e municipais da acessibilidade à educação, saúde, trabalho,
assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer, urbanismo e outras relativas
à pessoa com deficiência; acompanhar a elaboração e a execução da proposta
orçamentária da esfera de governo a que se vincula, sugerindo as modificações necessárias
à consecução das políticas para inclusão da pessoa com deficiência; zelar pela efetivação
do sistema descentralizado e participativo de defesa dos direitos da pessoa com
118
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
deficiência; propor a elaboração de estudos e pesquisas que visem à melhoria da
qualidade de vida da pessoa com deficiência; propor e incentivar a realização de
campanhas que visem à prevenção de deficiências e à promoção dos direitos da pessoa
com deficiência; acompanhar, mediante relatórios de gestão, o desempenho dos
programas e projetos da política municipal, estadual ou nacional para inclusão da pessoa
com deficiência; manifestar-se, de acordo com os limites de sua atuação, acerca da
administração e condução de trabalhos de prevenção, habilitação, reabilitação e inclusão
social de entidade particular ou pública, quando houver notícia de irregularidade,
expedindo, quando entender cabível, recomendação ao representante legal da entidade;
avaliar anualmente o desenvolvimento da política Estadual/Municipal/Nacional de
atendimento especializado à pessoa com deficiência de acordo com a legislação em
vigor, visando à sua plena adequação. Desse modo, todos os municípios e Estados
brasileiros devem constituir um Conselho de direitos da pessoa com deficiência,
interlocutores legítimos entre a sociedade civil e o poder público.
A construção de uma sociedade para todos deve ser feita a várias mãos, de forma
participativa e compartilhada.
“O êxito consiste em ter êxito. Não em ter situação de êxito. Condição de palácio
toda terra larga tem. Mas, onde estará o palácio se não o construirmos?” Fernando Pessoa.
Referências
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119
120
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar
e Desigualdades Sociais
José Geraldo Silveira Bueno1
[email protected]
1 Introdução
Queria agradecer ao honroso convite para participar do IV Seminário Nacional
de Formação de Gestores e Educadores, organizado pela Secretaria de Educação
Especial do MEC, evento muito significativo para os rumos das políticas educacionais
e, ao mesmo tempo, desculpar-me diante desse público por não ter para relatar
nenhuma experiência de êxito de inclusão escolar, que constitui o grande eixo desse
encontro.
E não a tenho exatamente porque já faz muitos anos que não estou mais na linha
de frente da educação, pois desde 1993 concentrei toda a minha energia na formação
de mestres e doutores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História,
Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Como não tinha para relatar qualquer experiência desse tipo, pensei inicialmente
em declinar do convite, não por qualquer desconsideração sobre a importância do evento,
mas porque não tinha praticamente nada a apresentar para o público que presumia
compor o encontro e, portanto, frustrar as expectativas tanto de seus organizadores quanto
dos participantes.
Entretanto, na perspectiva de evitar a ampliação de um fosso que já existe entre a
produção acadêmica e a realidade educacional, resolvi aceitar o convite e apresentar
aos senhores o que temos produzido de investigações envolvendo a relação entre
processos de escolarização e deficiências/necessidades educacionais especiais, esperando,
de alguma forma, que ele possa oferecer alguma contribuição para os presentes.
Nesse sentido, dividi minha apresentação em dois tópicos: o primeiro procura
explicitar como o grupo de pesquisa que coordeno na PUC/SP se organizou e que
perspectiva de investigação o norteia; o segundo tópico apresenta um balanço inicial
das dissertações e teses produzidas por mestrandos e doutorandos incorporados a ele.
1
Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor titular da PUC/São Paulo,
no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade.
121
A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão
Escolar e Desigualdades Sociais
2 O Grupo de Pesquisa Inclusão/exclusão escolar e processos de escolarização
Desde a última reformulação do Programa realizada em 1997, a sua organização
acadêmica tem se pautado pela centralização de professores, alunos e colaboradores
externos em grupos de pesquisa cuja característica comum reside no fato de serem
relativamente largos em termos de seu escopo, mas com foco em determinadas temáticas
comuns a todos os seus membros.
Assim, desde 1997, mas com iniciativas precursoras desde 1993 (quando iniciamos
o processo de reformulação acadêmica que redundou as nova estrutura a partir de
1997), um conjunto de quatro professores desenvolveu estudos e pesquisas ao abrigo
de amplo grupo de pesquisa denominado “Escola: entre saberes, professores e alunos”,
norteados por eixo que persegue as relações entre escola e cultura, com aporte
privilegiado das Ciências Sociais, especialmente das vertentes críticas da sociologia da
educação.
Com o desenvolvimento de estudos sob esse amplo espectro, fomos nos
aproximando gradativamente de focos mais precisos, à busca de aprofundamentos
específicos em estudos mais delimitados. Tudo isso redundou, em 2006, em um
desmembramento do amplo projeto em três outros, com menor escopo, mas com maior
concentração temática.
É nessa direção que o grupo denominado “Inclusão/exclusão escolar e desigualdades
sociais” foi criado, tendo por finalidade incorporar professores, alunos e pesquisadores
voltados a estudos e investigações sobre os processos de inclusão e exclusão escolar,
com base em referências teóricas da sociologia da educação, tais como Bourdieu (1982,
1998, 2004), Charlot (1996, 2000, 2001), Lahire (1997, 2002) Enguita (1998), Paugam
(1996), Nogueira, Romanelli e Zago (2003).
Nosso intuito é de que os estudos nele realizados possam contribuir como referência
para análises dos processos de escolarização, tanto no que se refere ao seu caráter de
seleção e classificação social, quanto o de promotor de possibilidades de acesso aos
bens culturais necessários à inserção social.
É essa face dupla do caráter da escola brasileira, especialmente da escola básica,
que tem constituído nossas duas frentes para estudos e investigações:
- processos de escolarização e seletividade escolar; e
- políticas e práticas de inclusão escolar.
De acordo com esse escopo, têm recebido atenção especial as políticas e práticas
de escolarização de crianças com deficiências e/ou necessidades educacionais especiais,
por entendermos que elas constituem uma das expressões, muito peculiar, dessa
contradição entre a democratização do acesso e permanência e os processos de seleção
e de exclusão de alunos na escola brasileira.
Para tanto, além de estudos e pesquisas desenvolvidos pelos docentes e
pesquisadores participantes do grupo, temos produzido um número relativamente
122
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
significativo de dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre a relação entre
deficiência/necessidades educacionais especiais e processos de escolarização.
Para esse evento, vou realizar pequeno e preliminar balanço sobre as tendências
da nossa produção discente por considerar que ela é a expressão mais evidente dos
caminhos que estamos procurando construir em nossas trajetórias de investigação.
Assim, apresento em seguida um pequeno balanço dessa produção, englobando
as dissertações e teses defendidas e em andamento, no período entre 1996 e 2007, por
meio dos seguintes indicadores:
-
distribuição entre dissertações de mestrado e tese de doutorado;
distribuição anual;
distribuição por orientador;
distribuição por tema específico; e
distribuição por tipo de deficiência/necessidades educacionais especiais.
3 As tendências da produção discente do Programa
A distribuição entre a dissertações e teses do programa que se voltam para a análise
de relação entre deficiência/necessidades educacionais especiais estão apresentadas na
Tabela 1.
Tabela 1
Dissertações e teses sobre processos de escolarização e deficiênfia/necessidades
educacionais especiais defendidas e em andamento
PEPG em EHPS-PUC/SP (1996/2007)
Dados autor, 2007.
Pelos dados apresentados, pode-se verificar que, apesar do maior número de
dissertações de mestrado, a quantidade de teses de doutorado é significativa, ainda mais
se considerarmos que o prazo para defesa dessa última (4 anos) é muito superior ao das
dissertações (2,5 anos, no máximo).
123
A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão
Escolar e Desigualdades Sociais
Além disso, pode-se observar, também, que a tendência parece ser de manutenção de
teses envolvendo a escolarização de alunos com deficiência/necessidade educacional especial,
pois o número de produções em andamento no presente ano sinaliza para isso (4 produções).2
A Tabela 2 apresenta a distribuição anual dessa produção.
Tabela 2
Distribuição anual das dissertações e teses de educação especial
PEPG em EHPS-PUC/SP (1996/2007)
(*) Quatro dessas cinco produções estão em andamento com previsão de defesa até 09/07.
Dados autor, 2007.
O fato de não ter ocorrido defesas de teses doutorado e de dissertações de mestrado
entre os anos de 1997 e 2000 pode ser explicado pela pouca divulgação do abrigo de
orientações voltadas à educação especial, visto que o Programa não possui uma linha
específica sobre esse campo, mas procura incorporá-lo no conjunto de grupos e linhas
de pesquisa que desenvolve.
Tanto no mestrado quanto no doutorado, a distribuição é relativamente equilibrada entre os anos que compõem o período, mas a do doutorado é um pouco mais evidente, uma vez que no primeiro ela oscila entre nenhuma e quatro produções anuais,
enquanto que no segundo varia entre uma e três produções anuais.
Apesar de em alguns anos não ocorrer defesas de mestrado (2001 e 2002) ou de
doutorado (1996 e 2002), verifica-se que, em termos globais, não existe um ano que não
tenha havido uma defesa, pelo menos, de tese ou de dissertação.
A distribuição das produções por orientador está apresentada na Tabela 3.
2
Nesse trabalho, estão as dissertações e teses defendidas e aquelas com previsão de defesa até o fim do presente ano, embora
existam algumas em andamento cuja previsão de defesa ultrapassam esse limite. Como não existe garantia total de que todos
os alunos cheguem a termo, resolvi não incluí-las.
124
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Tabela 3
Distribuição por orientador das dissertações e teses de educação especial
PEPG em EHPS-PUC/SP (1996/2007)
Dados autor, 2007.
A grande concentração de orientações em um professor explica-se pela sua trajetória pregressa no campo da educação especial, mas o mais significativo é o fato de que
professores não oriundos dessa área passarem a incorporar alunos com interesse nesse
tema, exatamente por integrarem o grupo de pesquisa e por participarem ativamente de
interlocução qualificada dentro do próprio grupo.
É interessante destacar, também, que, das quatro produções orientadas por pesquisadores que não são especialistas da educação especial, três delas são teses de doutorado,
em razão da vasta experiência e renomada competência dos professores envolvidos.
Na Tabela 4, encontramos os dados sobre os temas das dissertações e teses.
Tabela 4
Dissertações e teses por temas de pesquisa PEPG em EHPS-PUC/SP (1996/2007)
Dados autor, 2007.
125
A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão
Escolar e Desigualdades Sociais
Dois campos temáticos foram os mais incidentes (trajetórias escolares e práticas
pedagógicas), somando mais de 62% de toda a produção, enquanto os demais foram
bem menos aquinhoados.
Isso revela a ênfase que o grupo de pesquisa tem dado a análises das práticas pedagógicas envolvendo alunos com deficiência/necessidades educacionais especiais desenvolvidas em escolas, bem como tem procurado avaliar concretamente os resultados da
escolarização a que esses alunos foram submetidos, por meio de suas trajetórias de
escolarização.
Cabe ressaltar, no entanto que, enquanto houve uma distribuição equâmine entre
as dissertações e teses que trataram das trajetórias escolares, com relação às práticas
pedagógicas, o número de dissertações foi bem superior ao de teses.
Sobre os demais temas específicos, é interessante verificar que houve uma distribuição bastante equilibrada entre dissertações e teses, mas é digno de nota indicar que,
com relação ao tema formação docente, não houve nenhuma dissertação defendida,
mas apenas uma tese de doutorado.
Os dados sobre o tipo de deficiência/necessidades educacionais especiais abordado por essa produção estão contidos na Tabela 5.
Tabela 5
Dissertações e teses por tipos de deficiência/necessidades educacionais especiais
PEPG em EHPS-PUC/SP (1996/2007)
Dados autor, 2007.
Verifica-se, em primeiro lugar, que as maiores incidências residem em produções
que trataram a questão de duas formas: não especificando o tipo de deficiência ou englobando diversos tipos, e que foram aqui caracterizadas pela denominação “geral”.
Além dessas, dois tipos de deficiência mereceram mais atenção: a deficiência mental e a auditiva, também com sete produções cada.
126
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
As demais deficiências/necessidades educacionais especiais foram muito pouco
investigadas (uma produção cada), cabendo ressaltar o fato de que o campo da "altas
habilidades" foi o único, entre os três, que foi objeto de tese de doutorado.
Além disso, enquanto as produções e teses sobre as deficiências mental e auditiva
tiveram uma distribuição relativamente equilibrada, na categoria "geral" houve uma
maior incidência de dissertações de mestrado.
Esse foi o pequeno balanço sobre a produção docente do Programa com foco na relação entre processos de escolarização e deficiência/necessidades educativas especiais e que
mostram as principais tendências de nossos estudos que podem ser assim sintetizadas:
- distribuição relativamente equilibrada tanto em relação às dissertações e teses,
quando aos anos de defesa;
- grande concentração em um orientador, com participação bem menor dos demais envolvidos no grupo;
- privilegiamento das trajetórias escolares e práticas pedagógicas como temas específicos das investigações; e
- concentração em investigações que tratam das deficiências/necessidades educacionais especiais em geral, bem como da deficiência mental e auditiva e pouca ênfase em estudos sobre a deficiência visual, física e altas habilidades.
Com essa apresentação, espero ter dado um breve panorama sobre as nossas trajetórias de investigação e que não pretendem ser a única possível nem a mais qualificada,
mas apenas uma das possibilidades no campo da pesquisa educacional, que, a nosso
juízo, deve ser plural e diversificada.
A fim de oferecer indicações que possam ser de algum interesse aos participantes,
apresentamos a bibliografia que tem sido mais utilizada por nosso Grupo, bem como o
rol de dissertações e teses produzidas e em andamento.
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FERNANDES, Florestan. Luta de raças e de classe. Teoria e debate
debate, n. 2, março, São
Paulo: 1982.
128
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
FERRARO, Alceu R. Diagnóstico da escolarização no Brasil. Revista Brasileira de Educação
ção, n. 12, set./dez., 1999.
FERREIRO, Emilia.; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita
escrita. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1986.
mudança. Lisboa: Mc Graw-Hill,
HARGREAVES, Andy. Os professores em tempos de mudança
1996.
GOFFMAN, Erving. Estigma
Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4.
ed. Rio de Janeiro: Zahhar, 1982.
LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares
populares: as razões do improvável. São Paulo:
Ática, 1997.
______. Homem plural
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MARTINS, José de Souza. Exclusão e desigualdade social
social. São Paulo: Paulus, 1997.
NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G.; ZAGO, N. Família e escola
escola: trajetórias de
escolarização em camadas médias e populares. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
PAUGAM, Serge. L'exclusion, l'état des savoirs
savoirs. Paris: La Découverte, 1996.
TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil
Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1976.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem
linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
______. A formação social da mente
mente. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
WEREBE, Maria José Garcia. Grandezas e misérias do ensino no Brasil
Brasil. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968.
WILLIS, Paul. Aprendendo a ser trabalhador
trabalhador. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.
ZAGO, Nadir. Quando os casos contrariam as previsões estatísticas
estatísticas: os casos de êxito
escolar nas camadas socialmente desfavorecidas. Paideia: Ribeirão Preto, jan./jul., 2000.
______. Processos de escolarização nos meios populares: as contradições da
obrigatoriedade escolar. In: NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G.; ZAGO, N. Família e
escola
escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 2003.
129
A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão
Escolar e Desigualdades Sociais
ANEXO
ROL DAS DISSERT
AÇÕES E TESES DEFENDIDAS E EM ANDAMENT
O
DISSERTAÇÕES
ANDAMENTO
1996/2007
Concluídas
Dissertações de Mestrado
CUKIERKORN, Mônica Moreira de Oliveira Braga. A escolaridade especial do deficiente
auditivo: estudo crítico sobre os procedimentos didáticos especiais. Ano de defesa: 1996.
auditivo
Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno.
SILVA, Fabiany de Cássia Tavares. O jogo como procedimento didático no ensino do
deficiente mental
mental. Ano de defesa: 1996. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno.
MARTINS, José Luiz Germano. Educação inclusiva: formação de grupamentos afetivos,
intelectuais e recreativos entre deficiente mental incluído em escola regular e seu grupo
de pares. Ano de Defesa: 2007. Orientador: José Geraldo Silveira Bueno.
SANTOS, Roseli Albino dos. A trajetória escolar de alunos atendidos em classes especiais
da rede estadual paulista
paulista. Ano de defesa: 2002. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno.
MOREIRA, Cláudia da Silva Moreira. A trajetória escolar de portadores de deficiência
visual no ensino regular
regular,, atendidos em sala de recursos
recursos. Ano de defesa: 2002. Orientador:
Jose Geraldo Silveira Bueno.
SANTOS, Wanderley José Pereira dos. Do ensino médio à universidade
universidade: a trajetória de
alunos surdos formados em escola especial. Ano de defesa: 2002. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno.
ILLIANO, Fernanda Cortez. Trajetória curricular de uma escola de surdos
surdos: entre a escola regular e as demandas do alunado. Ano de defesa: 2002. Orientador: Jose Geraldo
Silveira Bueno.
XAVIER, Alexandre Guedes Pereira. Ano de defesa: 2004. Deficiência e trabalho
trabalho: uma
anatomia política. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno.
SIQUEIRA, Benigna Alves. A inclusão de crianças deficientes no ensino regular
regular: limites
e possibilidades de participação em sala de aula. Ano de defesa: 2004. Orientador: Jose
Geraldo Silveira Bueno.
130
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
SOUZA, Alberto Alves de. A progressão escolar de alunos deficientes em classes comuns
muns. Ano de defesa: 2005. Orientador: Marcos Cezar de Freitas.
VIANA, Edson Alves. A trajetória de escolarização e acesso à profissão docente de professores deficientes no ensino público de São Paulo
Paulo. Ano de defesa: 2006. Orientador:
José Geraldo Silveira Bueno.
DANTAS, Mauriza de Moura. Surdos. Práticas cotidianas de ensino da língua escrita em
classe especial para surdos
surdos. Ano de defesa: 2006. Orientador: José Geraldo Silveira Bueno.
Teses de Doutorado
DELOU, Cristina Maria Carvalho. Sucesso e fracasso escolar de alunos considerados
superdotados
superdotados: um estudo sobre a trajetória escolar de alunos que receberam atendimento em salas de recursos de escolas da rede pública de ensino. Ano de defesa: 2001.
Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno
SILVA, Fabiany de Cássia Tavares. As relações entre ensino, aprendizagem e deficiência mental
tal: desenhando a cultura escolar. Ano de defesa: 2003. Orientador: Alda Junqueira Marin.
MICHELS, Maria Helena. A formação de professores de educação especial na UFSC
(1998-2001)
(1998-2001): ambigüidades estruturais e a reiteração do modelo médico-psicológico.
Ano de defesa: 2004. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno.
LUNARDI, Geovana Maria. Nas trilhas da exclusão
exclusão: as práticas curriculares da escola no
atendimento às diferenças dos alunos. Ano de defesa: 2005. I: Maria das Mercês Ferreira
Sampaio.
OLIVEIRA, Mércia Aparecida da Cunha. Práticas de professores em salas de aula com
alunos incluídos
incluídos. Ano de defesa: 2005. Orientador: Alda Junqueira Marin.
CUKIERKORN, Mônica Moreira de Oliveira Braga. As trajetórias escolares de deficientes auditivos na rede pública municipal de São Paulo
Paulo. Ano de defesa: 2005. Orientador:
Jose Geraldo Silveira Bueno.
DALLABRIDA, Adarzilse Mazzuco. As famílias com filhos deficientes e a escolha da
escola
escola: o caso do Colégio Coração de Jesus. Ano de defesa: 2006. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno.
SANTOS, Roseli Albino dos. Processos de escolarização e deficiência
deficiência: trajetórias escolares singulares de ex-alunos de classe especial para deficientes mentais. Ano de defesa:
2006. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno.
131
A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão
Escolar e Desigualdades Sociais
Em andamento
Dissertações de Mestrado
CHAMBAL, Luís Alfredo. Os processos de escolarização dos alunos com necessidades
educativas especiais em Moçambique
Moçambique. Ano de defesa: 2007. Orientador: José Geraldo
Silveira Bueno
LYKOROPOULOS. Cristiana Beatrice
Beatrice. Inclusão escolar de alunos deficientes: da implantação das políticas à realização pelas escolas. Previsão de defesa: 2007. Orientador: José
Geraldo Silveira Bueno
PASSOS. Viviane Saladino. A expectativa de mães de crianças com paralisia cerebral
grave frente à escolarização
escolarização. Previsão de defesa: 2007. Orientador: José Geraldo Silveira
Bueno
Tese de Doutorado
MENDONÇA, Suelene Regina Donola. Trajetórias escolares e sociais de alunos surdos:
entre as marcas da deficiência e a origem social. Previsão de defesa: 2007. Orientador:
José Geraldo Silveira Bueno
132
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
O papel da universidade diante da inclusão
Dulce Barros de Almeida1
[email protected]
A universidade brasileira, apesar de todas as reformas e avanços alcançados ao
longo de sua história, ainda tem sido marcada pela exclusão de alunos que não satisfazem
às suas exigências e, por conseguinte, alunos com algum tipo de deficiência ou acometido
por alguma síndrome.
A reforma da universidade em qualquer época tem sido um evento co-natural
à essência de uma instituição que necessita sobreviver às contradições do
avanço das forças produtivas e das novas relações sociais e de trabalho
(SGUISSARD, 2004, p. 648).
As justificativas, que camuflam a realidade, têm como foco mais a pessoa que a
própria universidade que foi construída e concebida em um modelo elitista em um
momento histórico em que poucos tinham acesso ou mesmo possibilidades de
adentrá-la, haja vista a sociedade vigente e, conseqüentemente, a formação inadequada
ou inexistente proporcionada às camadas menos favorecidas, incluindo nessa categoria,
as pessoas com deficiência.
Ressalta-se ainda que, se houve uma expansão considerável da oferta de educação
superior no Brasil nos últimos 40 anos, isso deve-se basicamente à proliferação das
instituições privadas que, com algumas exceções, conseguiram reverter o sentido do bem
público para o sentido do bem rentável.
Houve, considerando que a partir da década de 1990 e início do atual século, a
massificação das universidades ocasionada, sobretudo pela expansão dessas instituições
privadas de ensino superior, não se pode afirmar que houve a democratização de acesso.
Para Peixoto (2006, p. 6), “A democratização ocorre quando há ampliação do acesso,
mas com as condições para um funcionamento que garante a qualidade.”
Nessa linha de pensamento, recorremos à Boaventura Souza Santos ao afirmar que:
1
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é professora adjunta da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Goiás, tanto na graduação quanto no Programa de Pós-Graduação
133
O papel da universidade diante da inclusão
Em vez de democratização, houve a massificação e depois, já no período pósmassificação, uma forte segmentação do ensino superior com práticas de autêntico
dumping social de diplomas, sem que nenhuma medida eficaz tenha sido tomada
(SANTOS, 2004, p. 67).
Entretanto, não obstante às reformas e à expansão, por quais passaram as
universidades em razão de exigências econômicas, não se pode deixar de cobrar do
Estado o seu papel de mantenedor responsável por uma política na qual a universidade
continue sendo considerada um bem público e direito de cidadania, pois é ele (Estado)
o maior responsável no que se refere à sua oferta e subvenção.
No presente trabalho, concebe-se como universidade, de responsabilidade
do Estado, aquela instituição que por ser realidade histórica e social, compreende o
seu espaço enquanto lócus de resistência diante de modelos impostos, sente
constantemente desafiada a cumprir o seu papel em uma sociedade que se quer
democratizar e, portanto, ao mesmo tempo em que preserva e socializa, produz
conhecimento e cria cultura.
Em que mudamos? Até que ponto pode-se afirmar que a universidade, hoje, como
bem público e espaço de produção e construção do conhecimento, tem sido aberta a
todos que dela necessitam? E, se há limitações nesse sentido, como fica a formação inicial
das pessoas que se sentem excluídas no que diz respeito, principalmente, à participação
no desenvolvimento sustentável do país?
Se a própria universidade (mesmo em se tratando de instituição privada)
contribui com a banalização do processo de formação do docente e do pesquisador
ao privilegiar o lucro financeiro determinado pelo mercado (mercantilização do
conhecimento) em detrimento a uma formação sólida que prima pela produção do
saber, sem levar em consideração o seu papel no que diz respeito à transformação
social, no entendimento de uma parcela considerável de docentes, tal como na do
filósofo Adão Peixoto vinculado à Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Goiás (FE/UFG):
A universidade só se constitui enquanto tal se submeter constantemente seu
fazer ao crivo da reflexão, da crítica, da dúvida, para repensar, avaliar,
experimentar e transformar sua ação com vistas a aperfeiçoar suas atividades e
a contribuir para a construção de uma sociedade mais solidária (PEIXOTO,
2006, p. 8).
E quanto aos professores universitários, vinculados à educação, como contribuir
com a reversão de um modelo de universidade excludente, ainda que seja parte dele?
Enfim, não se pode entender que a exclusão social, naturalizada no País, é de
134
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
responsabilidade apenas da universidade, entretanto há de se reconhecer a sua coparticipação em todo esse processo excludente, pois como instituição social, agregada
ao modelo vigente, há limitações quanto à democratização de acesso.
Segundo Boaventura Souza Santos citado por Pires (2004), para reconquistar a
legitimidade perdida, a universidade pública terá de reforçar sua responsabilidade social,
estabelecer um relacionamento sinergético com a escola pública, melhorar as condições
de acesso, dar maior atenção à extensão, aprender a atuar em rede, adotar procedimentos
participativos de avaliação e rever mecanismos internos e externos de democratização,
entre outros.
Assim, apesar de não haver desconhecimento das iniciativas do atual governo
na questão da ampliação e democratização do acesso à universidade, que até então
foi reduzido e elitizado, na tentativa de se mudar o perfil do aluno ingressante, seja
por meio da introdução do Programa de Quotas ou do Programa Universidade para
Todos (Prouni), cada instituto que compõe o eixo universitário tem sua parcela de
responsabilidade de se tentar reverter o quadro atual, sobretudo as Faculdades de
Educação (FE) que se constituem em foco de formação docente das universidades
brasileiras.
Concordamos com o Professor Benno Sander (2007, p. 1), Presidente da Associação
Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), ao afirmar que
A formação dos profissionais da educação é tarefa primordial da universidade e
de suas faculdades e centros de educação e cursos de licenciatura. Estreitamente
associada à docência universitária está a pesquisa científica, protogonizada pelos
programas de pós-graduação e voltada para a construção e difusão do conhecimento em matéria de políticas públicas e gestão da educação.
Assim, institucionalmente, cabe a todos os educadores, a partir da construção do
Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição a que pertence, a reflexão quanto à política
de combate à exclusão implementada e o que tem sido oferecido de oportunidades
para que todas as pessoas possam usufruir dos seus direitos e assim se constituírem de
fato como cidadãos emancipados.
Nesse sentido, a Universidade Federal de Goiás reconhece que o trabalho que
vem sendo desenvolvido se apresenta ainda de forma fragmentada, haja vista as ações
dos diversos institutos/faculdades que são realizadas por iniciativa própria sem se constituir
em um propósito único institucional, ou seja, o de incluir qualquer aluno que necessite
da promoção adequada à acessibilidade
Entretanto, há o reconhecimento de que a Faculdade de Educação (FE/UFG), em
específico, tem se preocupado com a qualidade de ensino proporcionada, tanto na
formação inicial quanto na formação continuada dos professores, a partir do entendimento
135
O papel da universidade diante da inclusão
de que essa formação será revertida, basicamente para alunos da Educação Básica e que
poderá beneficiar pessoas até então, marginalizadas e excluídas do processo educacional.
Assim, ao se tomar algumas posições e agir pontualmente,
[...] reafirma a docência como a base da identidade do pedagogo e propõe-se
a formar professores que compreendam as complexas relações entre a educação
e a sociedade, pensem e realizem a existência humana, pessoal e coletiva, e
o trabalho pedagógico com vistas à transformação da realidade social, à superação
dos processos de exploração e dominação, à construção da igualdade, da
democracia, da ética e da solidariedade (UFG/FE/PPP, 2003, p. 14).
Com essa concepção, consolidada, mas fruto de enfrentamentos e resistências
ainda nos anos de 1980, a FE/UFG tem tentado contribuir, de forma séria e comprometida,
na reversão desse quadro de exclusão ainda presente na educação brasileira.
Em resumo, serão apresentadas algumas ações da FE/UFG, hoje, de caráter mais
institucional, que têm representado avanços em relação à questão da inclusão escolar:
• Inserção de conteúdos específicos sobre a Educação Especial e a Educação
Inclusiva nos Planos de Curso de disciplinas vinculadas aos estágios
obrigatórios;
• Execução de “Projetos de Extensão -- Prática de Ensino e Formação Continuada
de Professores” em escolas-campo, estaduais especiais e inclusivas, envolvendo,
principalemente, reflexões quanto à prática pedagógica desenvolvida;
• Realização de Cursos de Especialização, com disciplinas específicas sobre
a Educação Especial e Inclusiva, tendo como conseqüência diversas
produções monográficas;
• Realização de Grupo de Estudo, sistematizado, no interior da FE/UFG já
no ano de 1998, envolvendo diversas instituições públicas e privadas para
se compreender melhor a educação especial na perspectiva da educação
inclusiva – totalizando 140 horas;
• Realização de mesas-redondas, comunicações orais e minicursos sobre
pessoas com deficiência e inclusão escolar nos Simpósios da Faculdade de
Educação/UFG que ocorrem anualmente;
• Publicações específicas, objetivando a divulgação e sensibilização da
comunidade em geral sobre questões pertinentes à Educação Especial e
Inclusiva na Faculdade de Educação ou no interior da UFG, tais como em
Jornais e na Revista INTER-AÇÃO nº 31, julho/dezembro, 2006, tendo
como tema Educação Inclusiva, com artigos de autores de reconhecimento
local e nacional;
136
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
• Atendimento às solicitações de diversas instituições públicas e privadas e
instituições representativas das pessoas com deficiência, para proferir
palestras em congressos, encontros, fóruns, cursos, seminários, simpósios,
reuniões e grupos de estudos entre outros, tanto em âmbito local, regional,
quanto nacional;
• Produção, publicação e apresentação de trabalhos para trocas de
experiências sobre à Educação Especial e Inclusiva nos espaços
proporcionados pelos Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino
tais como no IX ENDIPE em Águas de Lindóia/SP/1998; no X ENDIPE no
Rio de Janeiro/RJ/2000; no XI ENDIPE em Goiânia/GO/2002; no XII ENDIPE
em Curitiba/PR/2004 e no XIII ENDIPE em Recife/PE/2006;
• Participação junto às Pró-Reitorias de Extensão, Comunitária, Graduação,
Pesquisa e Pós-Graduação, em discussões, encaminhamentos e tomada
de decisões quanto à acessibilidade de pessoas com necessidades
educativas especiais no interior da UFG, internamente e em âmbito mais
amplo, seja socializando informações, seja produzindo projetos;
• Participação no Fórum Nacional de Educação Especial das Instituições de
Ensino Superior, sob a coordenação da UFMS, com apoio da Secretaria de
Educação Especial (Seesp/MEC), realizados no fim dos anos de 1990 e início
dos anos 2000;
• Participação no Grupo de Pesquisa do “Laboratório de Estudos e Pesquisas
em Ensino e Diversidade” (Leped/FE/Unicamp), sob a coordenação da Profª.
Drª. Maria Teresa Eglér Mantoan, desde março de 1999;
• Participação na produção de vídeo sobre “Direitos humanos e cotidiano”
para se discutir questões específicas sobre as pessoas com deficiência à luz
dos direitos humanos, produzido pelo Curso de Radio e TV da UFG, com
120 minutos de duração, em VHS/NTSC nos anos de 1990;
• Participação efetiva desde 1996 em congressos, cursos, seminários, fóruns
e encontros entre outros, de âmbito regional, nacional e internacional,
para se discutir os novos rumos da educação especial frente aos desafios
da inclusão escolar, como parte da política da FE/UFG em apoiar e incentivar
a qualificação docente;
• Desenvolvimento do Projeto de Extensão – Curso de Formação Continuada
de Professores da Rede Pública de Ensino em Braille e Sorobã – 2002/
2003 – 60 h – envolvendo três turmas compostas por um total de 120
alunos/professores;
• Introdução da disciplina “Educação e Diversidade” no Programa de PósGraduação em Educação (PPGE) da FE/UFG a partir de 2005, vinculada à
Linha de Pesquisa – Formação e Profissionalização Docente;
137
O papel da universidade diante da inclusão
• Introdução da disciplina “Noções Básicas de Libras”, por meio de concurso
público para professor substituto, como parte dos Núcleos-Livres,
componentes curriculares obrigatórios dos cursos da UFG, por força do
Decreto nº 5.626 de 22/12/2005;
• Acompanhamento e orientação de mestrandos e doutorandos que
desenvolvem pesquisas na área de Educação Especial/Inclusiva por meio
do PPGE da FE/UFG a partir do ano de 2004;
• Desenvolvimento do Projeto de Pesquisa intitulado “A educação especial/
inclusiva no contexto dos programas de pós-graduação: estudo e análise
interinstitucional”, com início em março de 2006 e encerramento em 30/
06/2007, financiado pelo Proesp/Capes;
• Desenvolvimento do subprojeto intitulado “A produção acadêmica sobre
a formação de professores para a educação inclusiva” vinculado ao projeto
maior “A produção acadêmica sobre professores: estudo interinstitucional
da Região Centro-Oeste” do Núcleo de Formação de Professores – Nufop/
FE/UFG – 2004/2006;
• Coordenação do Exame Nacional de Certificação de Proficiência em Libras
e de Certificação de Proficiência em Tradução e Interpretação de Libras/
Língua Portuguesa/Libras, denominado Prolibras, ocorrido na própria FE/
UFG no presente ano;
• Participação em encontros promovidos pela Secretaria de Educação
Especial – Seesp/MEC no ano de 2006 e no decorrer do presente ano,
originando produtos tais como artigos de revistas e livros;
• Participação em bancas de qualificação e defesa de dissertação de mestrado
e tese de doutorado em universidades públicas e privadas em Goiás e em
outros Estados;
• Parecerista de artigos com temas sobre a Educação Especial e Educação
Inclusiva para instituições públicas ou privadas, em diversos estados
brasileiros;
• Publicação em revistas, jornais, livros, anais de eventos nacionais e
internacionais, com temas referentes à Educação Especial e à Inclusão
Escolar objetivando a socialização e intercâmbios diversos;
• Lançamento do livro “Educação: diversidade e inclusão em debate”, sob a
nossa organização e prefaciado pela Profª Drª Teresa Eglér Mantoan, no
presente ano, tendo como autores mestrandos e doutorandos do Programa
de Pós-Graduação da FE/UFG;
• Introdução da disciplina/Núcleo Livre – Educação Especial e Inclusão Escolar
na FE, com o objetivo de atender às solicitações dos alunos da UFG, a
partir do 2º semestre/2007;
138
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
• Introdução da disciplina “Inclusão Educacional” no Curso de Especialização
– Tecnologias Aplicadas ao Ensino de Biologia/UFG, com início previsto
para o 2º semestre/2007;
• Participação na Mesa Redonda: “Crianças com necessidades especiais” -IX Congresso Nacional de Pediatria – Região Centro- Oeste, promovido
pela Faculdade de Medicina da UFG, a ser realizado no período de 8 a 12
de outubro de 2007, no Centro de Convenções de Goiânia(GO).
Enfim, a FE/UFG reconhece o seu papel diante dos desafios postos pela sociedade
brasileira e, apesar das resistências e enfrentamentos constantes, tem assumido o seu
papel de formador, voltado para uma educação de qualidade para todos e acredita que
com esses exemplos de ações e posicionamentos poderá possibilitar uma formação mais
ética e, em conseqüência, poderá contribuir com a construção de uma sociedade mais
justa, cooperativa e solidária, por entender o compromisso da educação com a formação
humana, priorizando os valores éticos, a sensibilidade, a criatividade e o espírito crítico
que são aspectos fundamentais na formação de qualquer pessoa.
“Nossa capacidade de alcançar a unidade na diversidade será a beleza e o teste de
nossa civilização” Gandhi
Referências
PEIXOTO, A. J. Projeto “Universidade, pesquisa e profissionalização”
profissionalização”. Programa de PósGraduação da FE/UFG. Goiânia/GO, 2006.
PIRES, V. A contra-reforma universitária: uma universidade diferente é possível... Revista
de Ciência da Educação
Educação. Campinas/SP: v. 25, n. 88, p. 639-1094, Especial. Out. 2004.
p. 1071-1075.
rimestral da Associação
SANDER, B. Por uma escola de qualidade para todos. Boletim T
Trimestral
Nacional de P
olítica e Administração da Educação
Política
Educação. Niterói, RJ: n.2, abril-junho 2007.
p. 1.
SANTOS, B. S. de. A universidade no século XXI
XXI: para uma forma democrática e
emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2004.
139
O papel da universidade diante da inclusão
SGUISSARD, V. Universidade: reforma e/ou rendição ao mercado? Mercantilização
do conhecimento e deserção do Estado. Revista de Ciência da Educação
Educação. Campinas/SP:
v. 25, n. 88, p. 639-1094, Especial. Out. 2004. p. 647-651.
olítico
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS. Faculdade de Educação. Projeto P
Político
olítico-Pedagogia, 2003.
Pedagógico do Curso de Pedagogia
140
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Percusos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso
Luzia Lima-Rodrigues1
[email protected]
David Rodrigues2
[email protected]
1 Introdução
O projecto Boas Práticas em Educação Inclusiva (BPEI), que deu origem ao livro
Percursos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso (LIMA-RODRIGUES at
al., 2007), surgiu a partir de uma iniciativa da Equipe de Investigação do Fórum de Estudos
de Educação Inclusiva (FEEI) – Departamento de Educação Especial e Reabilitação da
Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa.
O objetivo principal do estudo foi identificar e conhecer as representações/percepções
de vários intervenientes da comunidade educativa, relativamente aos aspectos facilitadores
(“boas práticas”) e às “barreiras” à Inclusão existentes em cada uma das escolas estudadas.
Decorrente desse objetivo, tivemos a preocupação de relacionar tais representações/
percepções com as mais recentes perspectivas sobre Inclusão, veiculadas pela literatura
científica nacional e internacional. Assim, tentamos encontrar e descrever exemplos de
“boas práticas” em Inclusão, ocorridos de Norte a Sul de Portugal, em Escolas do 1º Ciclo
do Ensino Básico (1º CEB – equivalente à 2ª e 3ª série do Ensino Fundamental, no Brasil).
O Projecto BPEI foi composto de duas vertentes relacionadas entre si: i) a realização
de formações sobre a temática em análise e ii) a realização de uma investigação de âmbito
nacional, envolvendo duas escolas de cada uma das cinco Direções Regionais de Educação
do Continente português, perfazendo um total de dez escolas.
No que diz respeito à formação, foram realizados minicursos sobre conceitos e
práticas bem-sucedidas de Inclusão, referenciadas na literatura nacional e internacional.
Na vertente da investigação, foram realizados dez estudos de caso a partir de documentos
da escola e de entrevistas efectuadas aos diversos intervenientes educativos (representante
do conselho executivo, professor do ensino regular, professor de apoio educativo e
encarregados de educação de um aluno com e de um aluno sem Necessidades
Educacionais Especiais – NEE).
1
2
Professora Doutora, Faculdade de Motricidade Humana. Fórum de Estudos de Educação Inclusiva/Portugal.
Professor Doutor, Faculdade de Motricidade Humana. Fórum de Estudos de Educação Inclusiva/Portugal.
141
Percusos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso
Com o estudo desses casos, pretendemos conhecer quais os aspectos facilitadores
e as estratégias adotadas pelas escolas para superarem as “barreiras” à Inclusão, bem
como perceber quais as “barreiras” ainda existentes, segundo a representação/percepção
dos entrevistados. Paralelamente, foi feita uma recolha de dados estruturais e documentais,
para a caracterização das escolas.
Sob a coordenação e organização da Professora Doutora Luzia Lima-Rodrigues e a
supervisão do Professor Doutor David Rodrigues, o Projecto BPEI contou com duas equipes
de trabalho:
– a “Equipe de Investigadores do FEEI”, composta por Mestres na área da
Educação Especial e da Saúde, delineou os processos de formação e de
investigação, realizou as entrevistas, a respectiva análise e discussão dos dados
e elaborou o documento final para a publicação do estudo; e
– a “Equipe de Investigadores Estagiários do Instituto Piaget de Almada”,
composta por alunos finalistas (2006-2007) das Licenciaturas em “Motricidade
Humana” (Instituto Superior de Estudos Interculturais e Transdisciplinares – ISEIT)
e “Professores do Ensino Básico – 1º Ciclo” (Escola Superior de Educação – ESE),
que colaborou com a Equipe de Investigadores.
2 Seleção das escolas
Para conhecer exemplos de “boas práticas” em Educação Inclusiva em Portugal,
seria importante encontrar potenciais escolas distribuídas por todo o país e situadas
tanto em áreas urbanas como em áreas rurais ou da periferia dos grandes centros urbanos.
O Projecto estudou casos situados nos diversos contextos, considerados sociologicamente
padrão (rural e urbano), onde se inserem “as escolas portuguesas”.
O critério subjacente à seleção das escolas foi a existência de uma turma onde
estivesse incluído, no ano letivo de 2005-2006, um aluno com NEE de Carácter
Prolongado, acompanhado por um Professor de Apoio Educativo. As entrevistas
realizadas incidiram sobre os intervenientes educativos vinculados à referida turma,
nomeadamente:
–
–
–
–
–
Professor do Ensino Regular.
Professor de Apoio Educativo.
Encarregado de Educação de um aluno com NEE.
Encarregado de Educação de um aluno sem NEE.
Representante do Conselho Executivo.
142
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
3 Instrumentos
Para caracterizar as escolas
escolas, foi criado o Guião (roteiro) de Recolha de Dados
Estruturais, utilizado para o levantamento dos dados necessários. Foi feita também a
análise de conteúdo dos seguintes documentos: Projeto Educativo do Agrupamento;
Projeto Curricular; Regulamento Interno e Projeto Curricular de Turma. Embora não tenha
sido solicitado pela equipe de investigação, foram também disponibilizados, em alguns
casos, o Projecto Curricular do 1º Ciclo do Ensino Básico, o Plano Anual de Atividades
do Agrupamento e ainda “outra documentação”.
Para conhecer a opinião dos intervenientes educativos sobre “boas práticas” e
“barreiras” à Inclusão, foram construídos três roteiros de entrevistas, para: i) o
representante do conselho executivo, ii) os professores do ensino regular e de apoio
educativo, e iii) os encarregados de educação de um aluno com e de um aluno sem NEE.
A análise de conteúdo das entrevistas foi realizada por meio de um quadro, com categorias
criadas a priori, com base nos conceitos de diversos autores (AINSCOW, 2007; BOOTH;
AINSCOW, 2002; EGGERTSDÓTTIR, R.; MARINÓSSON, G., 2005; FLORIAN, 2007,
2003; LIMA, 2005; LINDSAY, 2003; LIPSKY; GARTNER, 1998; MARCHESI, 2005;
RODRIGUES 2001, 2003, 2006a, 2006b; RODRIGUES, KREBS; FREITAS, 2005;
TILSTONE, FLORIAN; ROSE, 2003). À posteriori, a partir dos temas emergentes, surgiram
as categorias: “Processo de Inclusão” (relacionada com as “barreiras” identificadas no
decurso de tornar aquela escola mais Inclusiva) e “Percepção e Atitudes” (relacionada
com a opinião do interveniente sobre “Inclusão”, com a aceitação dos alunos portadores
de deficiência e demais “diferenças” e com a “opinião sobre a escola”). Assim, a análise
das entrevistas foi realizada seguindo uma metodologia de análise de conteúdo e em
conformidade com as seguintes categorias e subcategorias:
CA
TEGORIAS
CATEGORIAS
1 Preparação para a escolarização
SUBCA
TEGORIAS (e/ou indicadores)
SUBCATEGORIAS
• Preparação dos alunos (Há preparação dos
alunos para o processo de inclusão do futuro
colega?)
• Preparação dos professores e agentes
educativos (Há preparação para o processo
de inclusão do futuro aluno?)
• Equipamentos da escola (Há aquisição/
adequação dos equipamentos e materiais de
apoio, antes do ingresso do aluno com NEE
na escola?)
143
Percusos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso
2 Currículo e planos educ. individuais • Planeamento para grupos heterogéneos (Há
planeamento para grupos heterogéneos?)
• Adaptações curriculares individualizadas
(Há adaptações curriculares individualizadas
para os alunos?)
• Participação dos encarregados de educação
e de outros técnicos (Há participação dos
encarregados de educação e de outros técnicos na elaboração dos planos curriculares
individuais?)
3 Prática de sala de aula
• Estratégias e objetivos de avaliação (Há
estratégias e objetivos diferenciados de
avaliação?)
• Equipa de intervenção (Há colaboração
entre professores e entre professores e outros
técnicos?)
• Organização e ambiente de sala de aula
(Há adequação da organização e do ambiente
de sala de aula?)
• Estratégias de ensino (Há estratégias individualizadas?)
• Interação entre os alunos (Há uma interação entre os alunos planeada pelos professores?)
4 Colaboração e coordenação
• Colaboração e coordenação dentro da
escola (Há? Que tipos de iniciativas foram
identificadas?)
• Colaboração e coordenação entre a escola
e outros serviços (Há? Que tipos de iniciativas
foram identificadas?)
• Colaboração entre a escola e a família (Há?
Que tipos de iniciativas foram identificadas?)
5 Serviços de apoio
• Participação dos especialistas (Há participação ativa e efetiva dos especialistas nas
actividades da escola?)
• Prestação do apoio (Quais são as modalidades e locais de apoio?)
144
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
• Serviços externos presentes na escola (Há
transferência de serviços externos para dentro
da escola?)
• Recursos humanos (Há recursos humanos
suficientes?)
• Recursos materiais/financiamento (Há recursos materiais e financiamento suficientes?)
6 Desenvolvimento profissional
• Desenvolvimento profissional na escola (Há
actividades de desenvolvimento profissional
ocorridas dentro da escola?)
• Parcerias (Há parcerias para atividades de
desenvolvimento profissional?)
• Conteúdos (Há e quais são os conteúdos
do desenvolvimento profissional centrados
em problemas concretos?)
7 Avaliação e reflexão
• Avaliação e reflexão da escola (Há processos de avaliação/reflexão sobre o trabalho
efectuado?)
8 Processo de inclusão
• Quais foram as barreiras e as boas práticas
identificadas no decorrer do processo de
tornar a escola mais inclusiva?
9 Percepção e atitudes
• Opinião sobre “Inclusão”.
• Opinião sobre a aceitação dos alunos portadores de deficiência e demais “diferenças”.
• Opinião sobre a Escola.
Por fim, cabe ressaltar que todos os instrumentos utilizados no estudo foram
submetidos à apreciação da Comissão Nacional de Proteção de Dados e considerados
isentos de notificação.
4 Procedimentos
Efetuados os contatos iniciais com os órgãos de gestão de cada escola e, após a sua
disponibilidade e receptividade, procedeu-se à formalização do pedido, por escrito.
145
Percusos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso
Posteriormente, os contactos visaram: i) apresentar mais detalhadamente os objetivos
do projeto e os procedimentos gerais para a recolha de dados, ii) agendar previamente
todas as entrevistas a serem realizadas, e iii) encaminhar, antecipadamente, o “Guião de
Recolha de Dados Estruturais”.
Quando da visita dos membros da Equipa de Investigação do FEEI às escolas para a
realização das entrevistas, eram também recolhidos os dados estruturais, a fim de evitar
uma possível dispersão de informações.
As entrevistas, realizadas pelos membros da Equipe de Investigadores do FEEI, foram
gravadas em áudio, transcritas integralmente pelos membros da Equipe de Investigadores
Estagiários do Instituto Piaget de Almada, e encontram-se disponíveis para consulta nos
arquivos do FEEI.
5 Caracterização das escolas e análise dos discursos
A caracterização de cada uma das dez escolas foi realizada a partir da análise dos
vários documentos facultados pelos respectivos Conselhos Executivos, bem como dos
dados estruturais recolhidos.
Uma vez transcritas as entrevistas, efetuamos uma análise detalhada do conteúdo
das mesmas, cujos dados foram sistematizados em um total de 160 quadros, tabelas e
memorandos. Foi a partir desses dados sistematizados que elaboramos a “análise dos
discursos” dos diversos intervenientes. São análises que colocam em evidência os aspectos
mais relevantes e significativos encontrados em cada uma das Categorias/Indicadores de
“Boas Práticas”/Factores Facilitadores à aprendizagem e participação. Tratam-se de dados
de opinião que surgem exclusivamente das representações/percepções dos intervenientes
educativos sobre as práticas pedagógicas e vivências educativas de uma determinada
escola, inserida em uma comunidade educativa.
O estudo de cada caso é finalizado com uma discussão reflexiva e crítica dos dados
emergentes, tentando compreender quais foram as soluções encontradas por cada escola,
o que Ainscow (2005) chama de “alavancas para a mudança”.
6 À Guisa da conclusão
Apresentadas as conclusões do trabalho, ressaltamos que “boas práticas” em
Educação Inclusiva não são “as melhores práticas existentes”, nem a receita perfeita para
todos os males das escolas. São, tal como as encontrámos nos dez estudos de caso
realizados, os percursos trilhados pelas escolas na intenção de se tornarem mais inclusivas.
Não há prática, nem escola, nem sociedade, nem Inclusão perfeitas. Há, sim, aquilo que
de melhor as escolas podem (e sabem) fazer, diante das barreiras à aprendizagem e
participação que enfrentam.
146
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
É bem verdade que encontramos casos de escolas, como bem apresentado no
prefácio do Professor Mel Ainscow, que sabem mais do que o que usam. Ou seja,
parafraseando Vygotsky, deparamo-nos com escolas cujo “desenvolvimento potencial”
estava bem distante do “desenvolvimento real”. Com isso, constatamos que não são só
os recursos que garantem um bom percurso inclusivo. “Não se faz Inclusão com meia
dúzia de tostões”, dizia-nos um dos entrevistados – com o qual concordamos plenamente.
Entretanto, as escolas com mais barreiras à aprendizagem e participação que encontrámos,
nem sempre sofriam escassez de recursos materiais ou humanos. Careciam sim de
rentabilizar os recursos existentes para potencializar “boas práticas”.
Apesar disso, verificamos que (segundo a nossa própria percepção e os resultados
da investigação que, intensamente, realizamos durante dois anos) a Inclusão em Portugal,
até ao ano letivo de 2005-2006, seguia um caminho com dificuldades, seguramente
com necessidade de ajustes mas, mesmo assim, com grande potencial e com resultados
positivos concretos. A avaliação desse processo é, certamente, essencial para informar as
mudanças de política que é necessário realizar. Acreditamos que as mudanças devem
também alicerçar-se sobre o conhecimento da realidade que a investigação implica.
Esperamos que os novos modelos que se estão a implementar na área da Inclusão
possam contar com estudos desse tipo: estudos que permitam discutir, com uma base
fortemente ancorada na prática, os valores que pretendemos desenvolver na Educação
Inclusiva.
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Percusos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso
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148
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão
Joiran Medeiros da Silva1
[email protected]
“A inclusão é o privilégio de conviver com as diferenças”
Maria Teresa Eglér Mantoan, 2005
1 Um breve histórico
Até fins dos anos 1970, a questão da deficiência no Brasil sempre foi encaminhada
pelos técnicos, professores ou responsáveis considerados “especialistas” na área. A meta
principal desses grupos era o atendimento assistencialista e segregador das pessoas com
deficiência nas diversas instituições educacionais públicas e privadas.
Em 1979, acompanhando um movimento mundial deflagrado pela Organização
das Nações Unidas (ONU) ao instituir para 1981 o Ano Internacional das Pessoas
Deficientes (AIPD), alguns grupos organizados dirigidos por pessoas de várias áreas de
deficiência começaram a se reunir para preparar seus segmentos. Como conseqüência,
em 1980, em Brasília (DF), aconteceu o I Encontro Nacional de Entidades de Pessoas
com Deficiência que contou com a presença de cerca de mil participantes,
representantes de cegos, surdos, deficientes físicos e hansenianos, vindos de todo o
Brasil.
Nesse encontro, o Rio Grande do Norte foi representado pela recém-criada
Associação de Deficientes Físicos do RN, fruto de um trabalho conjunto entre a Comissão
Estadual do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, instituída pelo Governo do
Estado e segmentos de pessoas com deficiência.
Aprovou-se a primeira pauta de lutas do grupo, criou-se a primeira entidade
representativa – Coalisão Nacional –, englobando todas as áreas, e definiu-se a
política a ser adotada no ano seguinte, o AIPD. Dentre outras políticas sociais, o
RN priorizou o acesso à educação com o lema “Plena Participação e Igualdade”,
difundido pelo AIPD.
1
Professor Especialista em Educação, Subcoordenador de Educação Especial do RN – Seec/Suesp.
149
Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão
Na oportunidade, setores da educação do estado, com assento na Comissão
Estadual do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência (Ceaipd), preparam em 1981
e 1982 o I e o II Encontro da Participação e Igualdade, em que se discutiu a plena
participação dos deficientes na sociedade.
Paralelamente ao surgimento de várias entidades representativas das pessoas com
deficiência e, pode-se dizer, como uma das conseqüências de suas reivindicações, o
governo brasileiro começava a se estruturar de forma a criar uma política em favor desse
segmento social. Em 1987, o então Presidente cria por decreto a Coordenadoria Nacional
para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência (Corde), recriada pelo Congresso
em outubro de 1989 pela Lei nº 7.853.
Esta lei não só incumbe o Ministério Público da defesa dos interesses da pessoa
com deficiência, mas também define como crime a discriminação. Nesse instante histórico,
a Corde Estadual e a Secretaria Estadual de Educação, por meio da Subcoordenadoria
de Educação Especial (Suesp) e o Ministério Público do RN, iniciam uma série de palestras,
cursos, oficinas e apresentações de teatro de bonecos, visando informar e formar
educadores e entidades civis organizadas, quanto à criminalização do preconceito e às
barreiras arquitetônicas, principalmente no tocante ao Artigo 8º que preceitua punição
com reclusão e multa para quem “recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer
cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer
curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta”.
A constituição brasileira de 1988 traz uma mudança de postura em relação às pessoas
com deficiência. O paternalismo é tema que dá lugar à equiparação de oportunidades. A
tutela, substituída pela plena cidadania. Esses novos paradigmas estão calcados nos
direitos da pessoa humana que pressupõem a cidadania, como o direito de ser tratado
pelos outros como semelhante. Essas são premissas básicas para a inclusão da pessoa
com deficiência porque é direito de todos fazer parte da sociedade, participando de
forma direta e efetiva.
2 A importância da educação inclusiva na rede pública estadual do RN: um
novo olhar que faz a diferença
No início dos anos 1990, sob a influência dos ditames constitucionais e, diante das
novas incumbências do Ministério Público na garantia de uma escola para todos, a
educação inclusiva no Brasil passou a ser objeto de discussões, análises, reflexões e
preocupações de professores e pesquisadores da área no que tange a atuação da escola
pública. Essas discussões foram sendo assumidas pelos que respondiam pela Educação
Especial, no Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educação Especial,
cuja opção pela construção de um sistema educacional pautado na educação inclusiva
vinha se desenhando em resposta à Declaração Mundial de Educação para Todos, em
Jomtien, Tailândia, 1990 e, posteriormente, em 1994, na Espanha, por ocasião da
150
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Conferência Mundial sobre as Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade,
mais conhecida como Declaração de Salamanca.
Em 1991, em consonância com os postulados do Direito à Educação para Todos, a
Rede Pública Estadual de Ensino do RN, por meio da Subcoordenadoria de Educação
Especial, inicia seu processo de inclusão escolar defendendo a diversidade dos grupos
humanos independentemente de sua deficiência.
O projeto na época foi considerado inovador e revolucionário, configurando-se
nos primeiros passos para a revisão e o redimensionamento da prática pedagógica da
comunidade escolar. Dele, constaram o desmonte das classes especiais e o remanejamento
dos alunos para o Ensino Regular, efetuando-se a matrícula de todas as crianças das
séries iniciais de escolarização, em classes comuns. Rompe-se com a visão de integração
estruturada a cerca de vinte anos no fazer da Educação Especial do Estado, tendo base
na reinterpretação dos conceitos integradores. Nesse sentido, as palavras de Mantoan
(2005) reforça nossa análise quando diz:
A diversidade humana está sendo cada vez mais reconhecida, valorizada e
considerada como condição primeira para a implementação de arrojados projetos
sociais e educacionais. É nessas e em outras ocasiões similares que constatamos
o peso e a importância da diversidade como meio pelo qual aprendemos mais
sobre nós mesmos e sobre os outros. A intenção de incluir todos os alunos nas
escolas comuns implica que reconheçamos as diferenças e a multiplicidade
de saberes e das condições sobre as quais o conhecimento é aplicado. E de
transitar por novos caminhos, estabelecendo teias de relações entre o que se
conhece e o que se há de conhecer, nos encontros e nas infinitas combinações
entre os conteúdos disciplinares.
Esses novos caminhos de respeito às diferenças defendidos pela professora Maria
Teresa Mantoan provocaram inúmeras resistências em todo sistema educacional do
Estado. As escolas por meio de seu corpo de educadores e gestores questionavam a
viabilidade da prática educacional inclusiva, pois não acreditavam que assim o aluno
viesse a “aprender”, nem eles viessem a “ensinar”, por desconhecimento de como “lidar”
com essas pessoas. Por sua vez, alegavam falta de condições de trabalho; salários baixos;
elevado número de alunos por salas; inadequação física das escolas; falta de um programa
de formação continuada para capacitar as equipes escolares, entre outras. Todos os
questionamentos são bastante procedentes, uma vez que, ainda que seja importante o
esforço dos diversos organismos públicos e particulares, em realizar cursos para atender
às necessidades de formação, orientação e fundamentação dos educadores, essas
atividades revestem-se de eventos descontínuos de curta duração e sem o necessário
controle social de sua aplicabilidade na escola, destino fim da ação de capacitação.
151
Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão
Em 1998, cria-se na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) uma
base de pesquisas e estudos sobre a Educação de Pessoas com Necessidades Especiais,
sob a coordenação de professores do departamento de educação e participação decisiva
de técnicos e professores da área de Educação Especial da Secretaria de Educação do
Estado e do Município de Natal, além de alunos da pós-graduação em educação e da
graduação (bolsistas de iniciação científica).
Essa base muito contribuiu e ainda vem contribuindo com o aperfeiçoamento
do processo de formação continuada dos professores, ajudando a reduzir
preconceitos ainda existentes, principalmente no tocante a possibilidade de sucesso
obtida na relação ensino/aprendizagem das pessoas com necessidades educacionais
especiais.
Constatados esses entraves e diante de novos paradigmas de inclusão escolar, a
Secretaria Estadual de Educação, por meio de sua Subcoordenadoria de Educação Especial
(Suesp), juntamente com outros atores municipais e instituições privadas de atendimento
educacional especializado e o Conselho Estadual de Educação – RN, em 1996, formaliza
uma proposta de regulamentação dos princípios normativos e legais pela Resolução nº
01/96. Essa resolução configura-se em um dos marcos da garantia ao acesso e à
permanência com qualidade de todos os alunos na Rede de Ensino Regular do Estado
do RN, visto que prever ações de formação continuada do professor, e aquisição de
equipamentos para as escolas, ao mesmo tempo em que encoraja a prática pedagógica
dos diversos atores envolvidos, junto ao aluno recém-chegado.
O Rio Grande do Norte, desde o início da década de 1990, do século XX, tem
trabalhado na direção de um ensino inclusivo, compreendido como a “prática da inclusão
de todos -- independentemente de seu talento, deficiência, origem cultural – em escolas
e salas de aula provedoras, nas quais todas as necessidades dos alunos são satisfeitas”
(STAINBACK, 1999, p. 21).
Em 2003, o Rio Grande do Norte, aderiu ao Programa de Educação Inclusiva: direito
à diversidade, lançado pelo MEC, que surge como política pública de desenvolvimento
de sistemas educacionais inclusivos em 144 municípios-pólo, em todos os estados
brasileiros, e no Distrito Federal.
O foco dessa política recai na possibilidade real de se conviver com as diferenças
humanas, em uma atmosfera de aprendizagem e respeito ao caráter heterogêneo e
singular, peculiares à natureza humana, portanto rechaçando práticas educacionais
excludentes.
O fim gradual das práticas educacionais excludentes do passado proporciona a
todos os alunos uma oportunidade igual para terem suas necessidades
educacionais satisfeitas dentro da educação regular. O distanciamento da
segregação facilita a unificação da educação regular e especial em um sistema
único. Apesar dos obstáculos, a expansão do movimento da inclusão, em direção
152
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
a uma reforma educacional mais ampla, é um sinal visível de que as escolas
e a sociedade vão continuar camihando rumo a práticas cada vez mais inclusivas
(STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 44).
3 Instâncias de sustentação às escolas no desenvolvimento dos serviços e ações
que favoreçam a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais
No contexto de um processo sempre evolutivo de práticas educacionais inclusivas
e, tendo como suporte o Programa de Educação Inclusiva: direito à diversidade, em 2003,
a Suesp direciona seu trabalho, para fortalecer e aperfeiçoar as instâncias de sustentação
ao processo de escolarização das pessoas com necessidades educacionais especiais, nas
classes comuns da Rede Regular de Ensino, por meio dos seguintes serviços e ações
educacionais:
• Equipe de assessoramento técnico pedagógico a professores, equipe técnica
das escolas, técnicos das coordenações de Educação Especial das 16 (dezesseis)
Diretorias Regionais de Ensino (Direds), sediadas nos municípios do RN,
universidades públicas e privadas, organizações não-governamentais, prefeituras
municipais e famílias com orientação nas áreas de Educação Especial;
• Serviço de intinerância: consiste no assessoramento às escolas com o objetivo
de garantir o processo de escolarização de alunos com necessidades educacionais
especiais, orientando as equipes técnicas e as famílias quanto às possibilidades
de aprendizagem efetiva, além de registrar e analisar dados mediante produção
de relatórios individuais e coletivos, encaminhar alunos aos serviços de apoio
especializado, caso necessário, promover a formação continuada em serviço da
própria equipe e aos demais docentes lotados nas escolas da rede. A equipe é
composta por 24 (vinte e quatro) professores, revezando-se nos três turnos,
atendendo escolas no município de Natal (RN) e na grande Natal.
3.1 Apoio pedagógico especializado
• Centros de educação especial: centro de atendimento especializado nas áreas
pedagógica, psicológica, psicopedagógica, psicomotora, fonoaudiológica e artes,
com unidades em Natal (510 alunos), Mossoró (100 alunos), Areia Branca (72
alunos), Santa Cruz (90 alunos) e Apodi (129 alunos), desenvolvendo atividades
de apoio ao processo de escolarização nas classes comuns da rede regular de
ensino.
• Centro de apoio pedagógico para atendimento às pessoas com deficiência visual
-- Profª Lapissara Aguiar – CAP/RN: projeto instituído pela Secretaria de
153
Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão
•
•
•
•
Educação Especial do Ministério da Educação (Seesp/MEC), em parceria com
os estados, visando oferecer subsídios aos sistemas de ensino para o
atendimento aos educandos com deficiência visual. Esse Centro garante às
pessoas cegas e às pessoas de baixa visão (visão subnormal) o acesso ao
conteúdo programático desenvolvido na escola de Ensino Regular, por meio
da produção do material didático pedagógico em braille e sua transcrição para
a escrita comum, até mesmo assessorando em provas, testes de concursos,
vestibulares, entre outros. Esse serviço é destinado, prioritariamente, a alunos
cegos ou de baixa visão matriculados na Rede Pública Estadual desde a
Educação Infantil a Superior. O CAP no RN possui unidades em três municípios:
Natal, Mossoró e Currais Novos.
Centro estadual de capacitação de educadores e de atendimento às pessoas
com surdez: projeto instituído pela Secretaria de Educação Especial do Ministério
da Educação, em parceria com os estados, visando oferecer subsídios aos sistemas
de ensino para o atendimento aos educandos com deficiência auditiva e surdos.
Esse Centro capacita e orienta profissionais da educação da rede regular de
ensino, assegurando o princípio da igualdade e da oportunidade na
escolarização, bem como oferece apoio pedagógico aos educandos surdos e
orientação as suas famílias. O CAS no RN possui unidades em dois municípios:
Natal e Mossoró.
Núcleo de altas habilidades/superdotação: projeto instituído pela Secretaria de
Educação Especial do Ministério da Educação, em parceria com os estados,
visando oferecer subsídios aos sistemas de ensino para o atendimento a alunos
com nível de aprendizagem escolar acima da média, de sua faixa etária, série e/
ou habilidades específicas, tais como pintura, dança, música, esporte e outras.
Esse Núcleo encontra-se em fase de implantação de seu atendimento, contando
com uma equipe interdisciplinar já capacitada pelo MEC/Seesp.
Salas de Apoio P
edagógico Especializada (Sapes): Apoio Pedagógico oferecido
Pedagógico
no espaço escolar para alunos com necessidades educacionais especiais, em
turno contrário ao de sua aula. Esse Apoio funciona em 10 (dez) escolas da rede
pública estadual em Natal e 38 (trinta e oito) salas de apoio distribuídas nas
Direds.
Oficinas de linguagem: Serviço pedagógico oferecido aos educandos que
apresentam dificuldades na área da comunicação e expressão: oral e escrita.
3.2 Eliminação de barreiras físicas e ambientais nas escolas
• Acessibilidade física e ambiental das escolas: a Secretaria Estadual de Educação
e Cultura (Seec/RN) tem buscado eliminar as barreiras arquitetônicas e ambientais
das escolas, por meio de reformas nos seus prédios e construção de novos
154
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
estabelecimentos já adaptados. Boa parte dessas intervenções são feitas com
recursos próprios do estado e, outras, via projeto MEC/FNDE/Seesp.
• Equipamentos e materiais pedagógicos para as escolas: aquisição de
equipamentos, materiais e mobiliários escolares fundamentais para o
desenvolvimento das atividades pedagógicas, em classes comuns do Ensino
Regular, nos Centros Especializados, Salas de Apoio Pedagógico e/ou Salas de
Recursos Multifuncionais. Algumas dessas aquisições são com recursos próprios
do estado e, outras, via projetos MEC/FNDE/Seesp.
• Transporte Escolar Adaptado: A Seec/RN, mesmo sabendo que as frotas de
transportes públicos devem garantir o direito de ir e vir de todas as pessoas,
adquiriu com recursos próprios, em 2005, 3 (três) microônibus adaptados a
pessoas com deficiências motoras graves, com o objetivo de garantir seu acesso
e permanência na escola e em atendimentos especializados oferecidos por
instituições/associações não governamentais, em dois turnos diários.
3.3 Programa de formação continuada
Realização de cursos de capacitação para professores, equipes técnicas das
escolas estaduais, coordenações de educação especial nas Direds, centros de apoio
especializados, salas de apoio pedagógico e organizações não-governamentais de
atendimento especializado, com o objetivo de compartilhar saberes que
fundamentem a prática pedagógica dos educadores, favorecendo assim, a
aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais em classes comuns
do Ensino Regular.
4 Refletindo sempre para não concluir
É notório que avançamos muito na garantia dos direitos fundamentais da pessoa
humana. A educação como um direito social para todos reveste-se em um passo
importante para a conquista e usufruto de outros direitos. Entre eles, o direito das pessoas
com necessidades educacionais especiais conviverem com qualidade em uma escola
verdadeiramente inclusiva. Esse é nosso sonho, essa é a nossa busca.
Bem sabemos que essa conquista exige uma mudança de foco, causa-nos
perplexidades por que desmonta com a seletividade social, com a seriação
compartimentalizada do conhecimento e com nossas prisões ideológicas e
racionalistas.
Incluir a todos sem exceção é um exercício doloroso, é um aprendizado que exige
crescimento pessoal e proporciona uma identidade social saudável, rica e humana. É por
essas e outras teses que acreditamos na escola como um espaço privilegiado de trocas
155
Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão
democráticas, de saberes compartilhados e de respeito as múltiplas culturas que formam
seu mosaico.
Como todo o processo exige, estamos sempre refletindo sobre nossas práticas,
removendo novas barreiras, articulando frentes para novos desafios e essencialmente
acreditando que é possível aprender na diferença para sermos diversos.
Referências
BIELER, R. B. (Org.). Ética e legislação
legislação: os direitos da pessoas portadoras de deficiência
no Brasil. Rio de Janeiro: Rotary Club, 1990.
COSTA, Disiane de Fatima Araujo da. Portadores de deficiência -- inclusão de alunos
ensino: abordagem de direitos e processos de
nas classes comuns da rede regular de ensino
efetivação. 2. ed. Natal/RN: Efe Três D, 2006.
MARTINS, Lucia de Araujo Ramos et al. (Org.). Inclusão
Inclusão: compartilhando saberes.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar
escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São
Paulo: Moderna, 2003.
_________. Inclusão é o privilégio de conviver com as diferenças
diferenças. Entrevista a Revista
Nova Escola. Maio/2005.
_________. Inclusão ou o direito de ser diferente na escola. Revista Construir Notícias
Notícias.
Recife, ano 3, nº 16, p. 12-13, Maio/Junho, 2004.
QUEIROZ, Patricia. Educação inclusiva e gestão escolar
escolar. Entrevista a Revista Gestão em
Rede. Brasília: CONSED, outubro/2002.
STAINBACK, W.; STAINBACK, S. Inclusão
Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 1999.
UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas
especiais
especiais. Brasília: CORDE, 1994.
156
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Educação Inclusiva: um processo em construção
Mércia Maria Melo dos Santos1
[email protected]
Por que precisamos pensar em uma política de inclusão?
É possível refletir no que significa incluir? Há tantos excluídos que talvez fosse mais
fácil falar de exclusão.
A inclusão muitas vezes ainda nos parece complexa, difusa, inviável, improvável...
A inclusão é um processo dinâmico, envolvente, participativo, educativo e
profundamente social. Por meio dela, aprendemos a vivermos juntos uns com os outros
nas nossas diferenças, nos enriquecendo e, ao mesmo tempo, desenvolvendo valores
mais humanos de respeito e aceitação do outro.
Observamos que aceitamos melhor o sentido de diferenças quando elas não afetam
o compartilhar dos nossos direitos com aqueles que não consideramos nossos pares.
Assim, como fica essa tal diferença expressa na presença de deficiências sejam elas físicas,
mentais, sensoriais, comportamentais, etc?
As diferenças são construídas histórica, social e politicamente. As diferenças são
sempre diferenças e existem independentemente da autorização, da aceitação e do
respeito por elas.
Como pessoas vivemos em diferentes espaços sociais. Como fica a presença de
pessoas com deficiências/diferentes nas várias instituições sociais? E na escola?
1 A escola persegue o direito de todos?
Atualmente, já parece que há um entendimento sobre ela como um direito de
todos, mas como fica a qualidade dessa educação?
Ter acesso à escola não é tarefa tão fácil, melhorou nos últimos anos e até podemos
observar grande avanços.
No entanto, como fica a educação de todos em um espaço que sempre foi tão
seletivo, elitista e excludente? Podemos acrescentar que diante de um olhar mais atrás,
já encontramos palpáveis mudanças.
1
Professora Especialista. Gerente de Educação Especial. Secretaria de Educação, Esporte e Lazer – Prefeitura do Recife.
157
Educação Inclusiva: um processo em construção
Graças às leis e às iniciativas do poder público é possível observar que documentos
internacionais são assinados com o firme propósito de implantar uma política pública de
educação para todos. Também se trabalha na direção da inclusão, para romper com as
discriminações, as exclusões, com as barreiras que impedem milhares de crianças e jovens
e adultos terem acesso à escola.
Em um país com tanta desigualdade, a primeira providência é trabalhar para educar
o povo para a necessidade de romper com marcas dolorosas de uma história de exclusão
logo, a escola é o foco de ação governamental nesse sentido.
Fazem-se necessárias também outras ações políticas e, para tanto, se utilizar de
alguns recursos e de reformas em políticas focalizadas.
A Educação Especial no Município de Recife, com base na política de inclusão
social da Rede, vem procurando desenvolver ações que atendam e amplie o direito
educacional dos alunos com necessidades especiais, desde a educação infantil, ensino
fundamental, educação de jovens e adultos até o ensino médio. O Censo Educacional
de 2000 constatou que existiam 706 alunos com necessidades educacionais especiais
inclusos nas escolas municipais do Recife e que de 2000 a 2004 esse percentual cresceu
71,9%. Temos 111 escolas que possuem alunos inclusos. O atendimento nas creches
municipais cresceu 200% em quatro anos.
Inclusão em creche – Condutas típicas. Creche Municipal V
ovô Artur
Vovô
2 Os avanços acontecem
Hoje, contamos com 1.164 alunos especiais participando das Escolas da Rede
Municipal de Recife, nas mais variadas áreas:
158
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
• Altas habilidades;
• Baixa visão;
• Cegueira;
• Deficiência física;
• Paralisia cerebral;
• Deficiência mental;
• Múltiplas deficiências;
• Pessoas com surdez;
• Surdocegueira;
• Síndromes; e
• Transtornos invasivos do desenvolvimento.
Aluno com baixa visão em classe regular e deficiência física
Escola Municipal Reitor João Alfredo
3 Educação é um direito de todos?
Enquanto uns defendem que a escola é o espaço de conhecimento, socialização,
domínio de habilidades para a vida futura, outros defendem que a escola é um espaço
de favorecimento para o desenvolvimento social, das habilidades, para a ruptura de
estereótipos e fortalecimento da socialização.
Vemos uma gradativa transformação no sistema educacional inclusivo e um foco
específico para aqueles que são vulneráveis à marginalização e exclusão. A Educação
Inclusiva diz respeito à capacidade de atender a todos, até mesmo aos superdotados.
Grupo de leituras do complexo
Estudos sobre leituras do complexo
Parceria NAAH/S/Psicologia
Cognitiva -- UFPE
159
Oficina de música
Educação Inclusiva: um processo em construção
Entendemos também que Educação Inclusiva não se refere somente às pessoas
com deficiência, assim o atendimento complementar para aqueles que apresentam Altas
Habilidades precisa ser concretizado para que os potencias existentes não sejam
desperdiçados.
É possível reinventar a escola com o objetivo de atender toda a diversidade humana.
Natação adaptada no Sport Clube do Recife
4 Mas não basta a inclusão física
Como fazer? Pensa-se que a tarefa é mais árdua do que ela se apresenta nos textos
legais uma vez que entre o legal, o legítimo, há o afetivo que não pode e não deve ser
desconsiderado.
É possível modificar essa realidade excludente? Faz-se necessário tomar esse projeto
de escola para todos nas mãos de cada um, sem delegar ao outro o que é de
responsabilidade nossa.
Precisam ser gerados serviços de apoio para um processo inclusivo, pressupondo
uma ação coletiva que modifique a essência do sistema educacional. Não é possível
discriminar aqueles que não aprendem como os outros, olhando a diversidade humana
existente em cada comunidade escolar. O aluno e família fazem parte do processo
educacional e é necessário que todos sejam participantes desse mesmo processo.
A Escola Inclusiva precisa valorizar a diversidade como um recurso valioso para a
vida escolar e para o desenvolvimento de todos.
O desenvolvimento físico deve ser também perseguido quando visamos à totalidade
do ser humano, daí a necessidade de um investimento de corpo para um desenvolvimento
integral do aluno.
160
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Natação adaptada no Sport Clube do Recife
Projeto Judô para Vida no Sport Clube do Recife
XXII Jogos Escolares das Escolas Municipais do Recife
5 Serviços de apoio
Para funcionar como facilitador nesse processo de inclusão se faz necessária uma
equipe interdisciplinar bem articulada, competente para trabalhar com os recursos
humanos e materiais envolvidos nas escolas.
Os professores especializados precisam envolver toda comunidade escolar e também
as famílias para que esses alunos tenham espaço aberto na sociedade.
Contamos em Recife com Professor Especializado, Salas de Apoio Pedagógico
Especializado (Sapes), os Centros de Apoio Pedagógico (CAPs) e Classe Especial, nas escolas
regulares da rede de Ensino.
Não basta implantar os serviços, é preciso trabalhar em um projeto de reconstrução
constante para que a escola exerça o seu papel social.
As mudanças são necessárias para que os serviços não mantenham a dicotomia
entre regular/comum e especial, perpassando por uma revisão curricular e avaliação do
161
Educação Inclusiva: um processo em construção
desempenho escolar. A gestão escolar e o envolvimento da comunidade poderão estar
organizados na elaboração do projeto pedagógico inclusivo da escola.
A Educação Inclusiva é bastante abrangente e vai além das primeiras séries, passando
por todas as etapas do aprendizado, atingindo também a Educação de Jovens e Adultos,
contando até mesmo com a profissionalização dos mesmos.
Logo, devemos lutar pela reorganização e reestruturação de nossas escolas e
combater toda forma de discriminação, universalizando o acesso à educação para todos,
respeitando as necessidades individuais.
Seja a Educação Inclusiva uma prática de vida escolar e social na qual possa atender
de forma racional, responsável e responsiva às necessidades de seus cidadãos.
É inegável que precisamos continuar caminhando para superar preconceitos e
segregação, isso é um desafio que depende de um esforço coletivo: do governo, da
sociedade, professores, gestores, alunos, família e todos que estão envolvidos no processo
da educação.
É necessário que a Educação Inclusiva esteja alicerçada na democracia e na
autonomia.
Referências
JERUSALINSKY, A. Psicanálise e desenvolvimento infantil
infantil. Porto Alegre: Artes e Ofícios,
2000.
MEC. Educação inclusiva, documento subsidiário à política de inclusão
inclusão. Brasília:
Secretaria de Educação Especial, 2007.
MONTOYA, A.O.D. Piaget e a criança favelada
favelada: epistemologia genética, diagnóstico e
soluções. Petrópolis: Vozes, 1996.
UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas
especiais
especiais. Brasília: CORDE, 1994.
UNICEF. Saúde na Escola
Escola: tempo de Crescer. Recife: 2004.
162
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível
Rita Vieira de Figueiredo1
[email protected]
Para transformar a nossa escola em uma escola que acolhe e inclui todas as crianças,
é preciso que os gestores escolares e os dirigentes educacionais tenham consciência da
urgência em se fazer investimentos de natureza diversas nas nossas redes de ensino. No
entanto, inicio meu discurso sobre a construção da Escola Inclusiva refletindo sobre um
desses investimentos: a formação do professor. Gosto de pensar na formação de
professores (inspirada no poema de Guimarães Rosa) sob a perspectiva de que o belo da
vida é essa possibilidade de que todos nós somos inacabáveis, estamos sempre mudando,
afinando (acertando) e desafinando (errando). Essa talvez seja a Verdade Maior e o
aprendizado da própria existência, da própria vida.
O permanente movimento na sociedade humana implica o redimensionamento
de papéis das agências ou instituições sociais e dos profissionais que as integram. Nesse
contexto, a formação de professores passa por uma redefinição das competências e das
principais funções a eles atribuídas. A formação inicial, bem como a formação continuada
de professores visando à inclusão de todos os alunos e o acesso deles ao ensino escolar,
precisa levar em conta princípios de base que os instrumentalizem para a organização
do ensino e a gestão da classe, bem como princípios éticos, políticos e filosóficos que
permitam a esses profissionais compreenderem o papel deles e da escola diante do desafio
de formar uma nova geração capaz de responder as demandas do nosso século. No que
consiste a educação, o cotidiano da escola e da sala de aula exige que o professor seja
capaz de organizar as situações de aprendizagem considerando a diversidade de seus
alunos. Essa nova competência implica a organização dos tempos e dos espaços de
aprendizagem, nos agrupamentos dos alunos e nos tipos de atividades para eles
planejadas. Dentre outros aspectos do ensino e da gestão da classe, oferecer uma
variedade e uma sequenciação organizada de atividades, facilita a possibilidade de realizar
um programa educativo adaptado às necessidades reais dos alunos para que possam
adquirir e consolidar suas aprendizagens. Nessa perspectiva de ensino, o professor situa-se
como mediador, considerando aspectos tais como: atenção às diferenças dos alunos; a
1
Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará. Doutora (Ph.D) em psicopedagogia pela Université
Laval, Québec, Canada.
163
A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível
importância de oferecer diferentes situações de aprendizagem; a organização dos alunos
de forma que possibilite interações em diferentes níveis, de acordo com os propósitos
educativos (grupo-classe, grupos pequenos, grupos maiores, grupos fixos).
Para ser capaz de se situar em uma nova organização de ensino e de gestão da
classe o professor precisa redimensionar seu sistema de crenças e valores. Dentre as
diversas crenças que respaldam as práticas pedagógicas, ainda é muito forte a idéia de
controle, especialmente no que se refere ao espaço da sala de aula. As mesas e as
cadeiras ainda são organizadas de forma que todos dirijam o olhar para a professora,
que, na maioria das vezes, está na frente dando as orientações do que os alunos devem
fazer e, quase sempre, utilizando o quadro. Os materiais didáticos pedagógicos não
ficam ao alcance das crianças, a professora controla o material e a forma como espaço
é organizado.
De acordo com Soares e Figueiredo (2007), o espaço é realmente um elemento
essencial da abordagem educacional; É preciso revisitar essa noção de espaço educativo:
o espaço em torno da escola; espaço hospitaleiro e acolhedor; espaço apropriado para
diferentes idades e níveis de desenvolvimento; espaço organizado e espaço ativo; espaço
que documenta; espaço que ensina. Compreender esse espaço é compreender uma gama
de possibilidades partindo da prática educativa dos professores.
Para organizar situações de ensino e o espaço da sala de aula com o intuito que
todos os alunos possam ter acesso a todas as oportunidades educacionais e sociais
oferecidas pela instituição escolar, gestores e professores devem ter consciência de que o
ensino tradicional deverá ser substituído por uma pedagogia de atenção à diversidade.
O paradigma de escola que inclui, remete à reflexão de conceitos relativos à
diversidade e à diferença. É importante assinalar -- embora pareça óbvio -- que diversidade
e diferenças são manifestações eminentemente humanas, elas resultam das diferenças
raciais e culturais, e também das respostas dos indivíduos relativamente à educação nas
salas de aula. A diversidade é tão natural quanto a própria vida. Essa diversidade é formada
pelo conjunto de singularidades, mas também pelas semelhanças, que une o tecido das
relações sociais. Entretanto, parece que, na tentativa de garantir a promoção da igualdade,
a escola está confundindo diferenças com desigualdades. Aquelas são inerentes ao
humano enquanto estas são socialmente produzidas. As diferenças enriquecem, ampliam,
são desejáveis porque a identificação/diferenciação, contribuem para o crescimento. As
desigualdades, ao contrário, produzem inferioridade.
A escola, para se tornar inclusiva, deve acolher todos os seus alunos,
independentemente de suas condições sociais, emocionais, físicas, intelectuais,
lingüísticas, entre outras. Ela deve ter como princípio básico desenvolver uma
pedagogia capaz de educar e incluir a todos, aqueles com necessidades educacionais
especiais, e também os que apresentam dificuldades temporárias ou permanentes
na escola, pois a inclusão não se aplica apenas aos alunos que apresentam algum
tipo de deficiência.
164
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Na compreensão de Booth e Ainscow (2000), a inclusão e a exclusão exprimem-se
por três dimensões inter-relacionadas. São elas: política inclusiva, cultura inclusiva e
práticas inclusivas. A primeira refere-se à inclusão como o centro do desenvolvimento e
de transformação da escola, permeando todas as ações que visem à melhoria da
aprendizagem e à participação de todos os alunos. Com efeito, são consideradas como
apoio às atividades que ampliem e fortaleçam a capacidade da escola de responder, de
forma eficaz, à diversidade dos seus alunos. Esse aspecto deve ser uma meta primordial
dos gestores educacionais
A dimensão da cultura inclusiva traz a possibilidade de se criar na escola uma
comunidade acolhedora e colaboradora, em que todos sejam respeitados e valorizados.
A comunidade inclusiva é a base para que todos os alunos obtenham êxito em suas
aprendizagens.
A dimensão das práticas educativas reflete as duas já apresentadas: a política
e a cultural. Esse aspecto assegura que todas as atividades, tanto as de sala de aula
como as extra-escolares, promovam a participação e o engajamento de todos os
alunos, considerando os seus conhecimentos e as suas vivências dentro ou fora do
âmbito escolar. Nessa perspectiva, o ensino e os apoios se integram, a fim de
promover, gerir e suprir barreiras nas aprendizagens, bem como nas dificuldades
de participação efetiva do todos os alunos nas práticas pedagógicas. De acordo
com Booth e Ainscow (2000), a mudança necessária para tornar a escola inclusiva
transita pelas três dimensões. Desse modo, é o desenvolvimento de uma cultura
inclusiva que possibilita mudanças na política e, conseqüentemente, nas práticas
pedagógicas. Assim, é fundamental olhar para escola na sua totalidade e articular
as práticas educativas e intervenções no interior da escola na óptica dessas
dimensões.
Para que o respeito a diversidade se efetive nas práticas educativas se faz necessário
um clima global sensível, que possibilite melhorar a situação de cada membro da
comunidade educativa, pautada no compromisso e nas atitudes, em que alunos, gestores
e professor se percebam partícipes de uma comunidade em que possam encontrar apoio
mútuo.
No percurso da inclusão os professores irão ampliar e elaborar suas competências
e habilidades a partir das experiências que já têm. A formação continuada considera a
formulação dos conhecimentos do professor, sua prática pedagógica, seu contexto social,
sua história de vida, suas singularidades e os demais fatores que o conduziram a uma
prática pedagógica acolhedora.
Nessa perspectiva, os professores também são aprendentes. Leva-se em conta a
diversidade e as diferenças que compõem o corpo docente da escola. É nesse lugar que
o professor avança no modo de produzir a sua ação e, assim, vai transformando a sua
prática. De acordo com Soares e Figueiredo (2007),
165
A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível
Para transformar a escola é importante considerar o ponto de vista de cada
professor, respeitar as diferenças de percursos, pois, apesar destes profissionais
compartilharem experiências semelhantes, cada um reage de acordo com as
características de sua personalidade, seus recursos intelectuais, emocionais,
afetivos, seu estilo de aprendizagem, crenças, experiências pessoais e
profissionais, entre outras. É importante ter uma escuta da prática pedagógica
destes profissionais, criar situações para que possam refletir sobre o que significa
aquela forma de atuar em sala de aula. Portanto, não se pode esperar que, na
formação dos professores, todos desenvolvam no mesmo ritmo e no mesmo
nível todas as competências necessárias ao trabalho profissional.
Com bases nos princípios da escola inclusiva, a formação dos professores só poderá
acontecer inscrita no espaço coletivo, que possibilitará uma mudança de cultura na escola,
criando mecanismos para o desenvolvimento de uma cultura colaboradora, em que a
reflexão sobre o próprio trabalho pedagógico seja um de seus componentes. Assim, educar
na diversidade implica também vias formativas, que contemplam aspectos: teóricos e
práticos que refletem nas bases atitudinais de todos os profissionais da escola. A atenção
ao princípio da diversidade assegura que todos os alunos possam dividir um espaço de
aprendizagem, de interação e cooperação, no qual professores, alunos, adultos, crianças e
famílias possam conviver com semelhanças e diferenças, o que legitima o contexto da
diversidade. O sentimentos dos professores nesse processo de construção de uma prática
inclusiva é vivido de forma bastante peculiar por cada um deles que se mobiliza para essa
experiência. Para ilustrar esse processo, permito-me apresentar aqui um texto escrito por
uma professora da rede municipal de Fortaleza que embarcou no desafio de transformação
da sua prática pedagógica. Finalizo minhas reflexões desejando que a voz a dessa professora
possa ser porta-voz de tantas outras que, no anonimato do cotidiano, lutam para transformar
a escola brasileira em uma escola de qualidade para todas as nossas crianças.
Relato da experiência: a voz da professora2
Bem vindo à Holanda
1987 por Emily Perl Knisley
“Ter um bebê é como planejar uma fabulosa viagem de férias para a Itália!
Você compra um monte de guias, conhece a moeda local, faz um curso de
2
O texto completo está publicado no Encontro de Pesquisa Educacional do Norte Nordeste (EPENN), Maceió, julho, 2007.
166
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
línguas, em fim faz planos maravilhosos! O Coliseu. O Davi de Michelangelo.
As gôndolas de Veneza. É tudo muito excitante. Após meses de antecipação,
finalmente chega o grande dia! Você arruma as malas e embarca. Algumas
horas depois você aterrissa. O comissário de bordo chega e diz: – “Bem
vindo à Holanda!”. –“Holanda!?!” diz você –“o que quer dizer com
Holanda!?!? Eu escolhi Itália! Eu deveria ter chegado à Itália. Toda minha
vida eu sonhei em conhecer a Itália”. Mas houve uma mudança de plano
de vôo. Eles aterrissaram na Holanda e é lá que você deve ficar. A coisa
mais importante é que eles não te levam a um lugar horrível, desagradável,
cheio de pestilência, a fome e doença. É apenas um lugar diferente. Logo
você deve sair e comprar novos guias. Deve aprender uma nova linguagem.
E você irá encontrar um novo grupo de pessoas que nunca encontrou antes.
É apenas um lugar diferente. É mais baixo e menos ensolarado que a Itália.
Mas, após alguns minutos, você poderá respirar fundo e olhar ao redor...
E começar a notar que a Holanda tem moinhos de vento, tulipas e até
Rembrants e Van Goghs. Mas, todos que você conhece estão ocupados
indo e vindo da Itália... E estão sempre comentando sobre o tempo
maravilhoso que passaram lá. E você dirá: “Sim, lá era onde deveria estar.
Era tudo o que eu havia planejado”. Porém... Se você passar a sua vida
remoendo o fato de não haver chegado à Itália nunca estará livre para
apreciar as coisas belas e muito especiais... Sobre a Holanda”.
Sou professora de Educação Infantil há 16 anos e venho por meio desse relato
descrever um pouco sobre como foi receber uma criança com Síndrome de Down na
minha sala de aula. Gostaria de comentar primeiramente que esse trecho, que utilizo
como abertura dessa escrita, exemplifica um pouco o meu sentimento como educadora,
ao receber pela primeira vez em minha sala de aula uma criança com Síndrome de Down.
Quando li esse texto, percebi que eu me sentia como essa mãe que estava à espera de
uma criança normal. Como educadora, eu realmente havia me preparado para fazer essa
viagem à Itália e estive lá durante muito tempo da minha história como professora, mas,
de repente houve uma mudança no plano de vôo e eu aterrissei em outro país. Eu me
senti assim no momento em que eu recebi a Emanuela, aluna de 8 anos, em minha sala
de 1ª série do ensino fundamental regular.
Logo que soube que uma criança com deficiência mental viria para minha sala,
senti-me muito insegura e ansiosa (as pessoas temem o que não conhecem ou o que
ainda não vivenciaram, isso é fato!). Eu não acreditava que alunos com deficiência
conseguiriam aprender e pensava que ter uma criança com deficiência mental em classe
poderia, no máximo, trabalhar sua linguagem oral, socialização e coordenação motora
ampla e fina. Quando muito, acreditava nos benefícios para a própria pessoa com
deficiência sem, contudo, pensar que esses benefícios poderiam ocorrer para os demais
alunos e para os adultos que compunham o corpo de profissionais da escola, até mesmo
para mim, como pessoa e como educadora. Foi necessário rever meus conceitos e
167
A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível
práticas. Sempre levei em conta as diferenças na aprendizagem de todos os meus
alunos, reconhecia que cada um aprende de uma forma e em um ritmo próprio. A
diferença foi agora tomar consciência disso na prática. A Emanuela me fez ver isso!
A socialização de Emanuela com o grupo não poderia ter sido melhor. A aluna
chegou ao mês de agosto, começo do segundo semestre do ano letivo de 2006. Percebi
que logo no início, ao seguir com ela na fila até a sala de aula, muitas pessoas nos olhavam
com curiosidade. Algumas mães chegaram a me perguntar: Você é a professora daquela
meninazinha?!
As crianças de sala a acolheram com alegria e a perceberam fisicamente como outra
criança qualquer. Emanuela interagiu desde o começo muito bem com os colegas,
participando dos momentos de rodinha, no qual se expressava livremente sobre os
assuntos abordados na aula. Ela sempre se coloca e fala suas opiniões.
A inclusão vem gerando tolerância e aprendizagem para os que estão diariamente
na escola e para a comunidade em geral. A chegada dessa aluna provocou uma grande
reflexão em todos da escola. Durante processo de adaptação de Emanuela, em alguns
momentos, o grupo cobrou dela o cumprimento de regras que foram estabelecidas no
início do ano, afinal, o grupo já constituído e consciente das regras estabelecidas, não
aceitava o descumprimento dessas regras. Em uma conversa com a pesquisadora que
vem acompanhando o processo de inclusão da Emanuela na escola, discuti sobre esse
aspecto e a sua indicação foi a de que eu deveria agir com a circunstância da mesma
forma como conduziria com qualquer outra criança. Então, percebi a necessidade de
conversarmos sobre o assunto na sala, com a presença da Emanuela, pois era uma nova
integrante que deveria estar a par dos combinados de convivência desse grupo que agora
fazia parte. As regras passaram a ser lidas diariamente, o que anteriormente a sua entrada,
não era mais necessário, exceto ocorresse alguma transgressão, uma vez que o grupo já
as tinha internalizado.
No decorrer de algumas atividades desenvolvidas em sala, percebi que o grupo
verbalizava a forma com que ela participava e realizava algumas produções, por exemplo:
o nível do seu desenho, de sua evolução escrita, a velocidade com que realizava as tarefas
propostas, a dificuldade de percepção que manifestava em algumas situações... Essa
circunstância percebida por mim na sala de aula, me despertou para a necessidade de
trazer uma discussão sobre as diferenças na sala de aula a fim de fomentar o respeito e a
valorização destas diferenças. Como no início do ano tínhamos trabalhado o assunto
corpo humano, decidi rever esse conteúdo, agora em uma perspectiva inclusiva.
Observamos e discutimos sobre as características físicas das pessoas: peso, altura, cor da
pele, cabelo, olhos, sobre os sentimentos de tristeza, alegria, sobre gostos etc. Assim,
juntos percebemos que todos são diferentes, pensam diferentes, agem diferentes, e que
devemos respeitar essas diferenças humanas. Muitas histórias (poesia, músicas, literatura
infantil) que tratavam sobre esse assunto foram contadas, desenhadas, copiadas e/ou
reescritas em grupo.
168
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Em relação ao planejamento pedagógico para as aulas, no início, eu fazia como
sempre fiz, não tinha nenhuma alteração maior, mas com a chegada de Emanuela, em
alguns momentos, eu senti cada vez mais a necessidade de, em alguns momentos, utilizar
estratégias que promovessem o seu aprendizado, mas não sabia quais. Hoje, acrescento
já desde o planejamento, atividades e/ou estratégias que utilizarei com ela, caso ela não
acompanhe o ritmo do grupo ou as proposições feitas. Outros alunos se beneficiaram
enormemente dessas mesmas estratégias e apoios ofertados.
Nessa caminhada para Educação Inclusiva tive o total apoio da pesquisadora da
universidade Federal do Ceará que me acompanha e que ali faz um trabalho sobre a
atenção à diversidade e a construção de uma escola inclusiva, acolhedora e de
aprendizagem para todos os alunos. Assim, no dia-a-dia, fui impelida a me tornar uma
professora-pesquisadora sobre a deficiência e fui buscando estratégias escolares e
procedimentos didáticos mais adequadas para trabalhar com a Emanuela e com a minha
turma toda. Algumas dessas estratégias fracassaram, não surtiam o efeito esperado, outras
eu percebia que se adequavam mais, que ela respondia melhor, que ocasionavam melhor
envolvimento da aluna e, portanto, cumpriam sua função pedagógica de fazê-la avançar
na construção de conhecimentos, da consolidação de novas aprendizagens, fazendo-a
avançar no plano do desenvolvimento global. Fui fazendo opções por procedimentos
que lhe proporcionassem mais autonomia e interação com o grupo. A cada dia aprendo
um pouco mais com ela, observando-a, utilizando novas estratégias que possam de alguma
forma favorecer cada vez mais o seu desenvolvimento social e cognitivo.
Nas minhas observações, tendo o foco sobre a Emanuela, a busca era identificar
suas potencialidades e suas necessidades, além da seleção das formas de apoio que
poderiam melhor ajudá-la a superar as dificuldades. Percebi que ela participava das
situações recreativas com mais satisfação. A partir dessa constatação, passei a planejar
mais atividades corporais e artísticas, para o grupo, visando principalmente a Emanuela.
Assim, explorava cada vez mais as atividades que desenvolvessem percepções,
coordenação motora, seqüência de movimentos, ritmos, etc. Emanuela executava essas
atividades de forma mais lenta, mas sempre chegava ao objetivo proposto. Em todas as
situações de sala, eu procurava estar sempre ao seu lado, estimulando-a e orientando-a
no que fosse necessário para que ela concluísse a tarefa.
Percebi também o quanto à turma toda ganhava com a sua presença; vi também a
importância de não priorizar somente à aprendizagem dos conteúdos educacionais em
detrimento da aprendizagem da vida. Comecei a perceber suas respostas em diversos
momentos da roda (momento principal em que socializamos os assuntos estudados,
conversamos, ouvimos histórias, cantamos, rezamos) e a identificar que Emanuela
demonstrava coerência em relação ao assunto. Eu sempre estava estimulando-a a falar:
Emanuela demonstra um vocabulário rico em palavras, mesmo algumas sendo
pronunciadas com dificuldades.
169
A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível
Nas atividades que tinham como objetivo favorecer a escrita e a leitura, Emanuela a
princípio, não se interessava muito, sempre que solicitada a participar juntamente com
seu grupo demonstrava inquietação e desinteresse, não concluindo a atividade. Passei a
ficar mais perto dela, interferindo, perguntando, estimulando e parabenizando pelos
seus progressos e mostrando a turma o que ela realizava (faço isso comumente com os
alunos do grupo). Observei seu nível de escrita e a planejei situações didáticas objetivando
interações com crianças de outros níveis, fazendo agrupamentos, favorecendo a cooperação
e oportunizando a troca de conhecimentos entre todos. Emanuela encontra-se no nível présilábico, mas já identifica boa parte das letras do alfabeto e associa as letras aos nomes
dos colegas de sala. Ela ainda não reconhece o valor sonoro das palavras e sua escrita é
representada utilizando sempre as letras do seu nome. Percebo ultimamente que ela
ampliou o seu interesse pelas atividades que envolvem linguagem escrita, já manifesta
vontade de estar em contato com livros de histórias, se interessa pelas leituras, desenha,
faz recontos, mesmo ainda sem atribuir uma seqüência de fatos, ou produzir escritas
convencionais.
Em relação à matemática, os objetivos de trabalho foram sempre desenvolvidos por
meio de uma atividade recreativa ou jogo de regras, por isso não tive a necessidade de
rever estratégias nesta área, pois Emanuela participa com interesse dos objetivos propostos.
Nunca aprendi tão verdadeiramente sobre o que representava a palavra processo.
A cada dia percebo que cada criança tem características, interesses, capacidades e
necessidades de aprendizagem que lhe são próprias. Vale ressaltar que qualquer criança
mesmo aquelas ditas normais, podem em qualquer período de sua escolarização, enfrentar
dificuldades para aprender ou para ser aceita na comunidade escolar. Essas dificuldades
de aprendizagem surgem no dia-a-dia da escola e todas as mudanças geradas para superar
tal situação e as tentativas de responder às necessidades de aprendizagem das crianças,
são formas de inclusão. Assim, começo a perceber que a inclusão não depende de
diagnósticos médicos ou da identificação de categorias de deficiências, na qual muito
mais se discrimina o sujeito por suas características individuais do que se caminha para
uma compreensão das diferenças. Cada vez mais percebo que a inclusão é um
posicionamento que cria oportunidades para todos os alunos aprenderem por meio do
uso de estratégias diversificadas de ensino.
Aprendi ainda que lidar pedagogicamente com essas crianças não se restringe apenas
à participação em formações especializadas ou cursos de capacitações voltados para as
deficiências, pois é primordialmente à reflexão sobre a prática em sala de aula que deve
se somar ao conhecimento científico. Sei da necessidade e da importância de se buscar
mais e mais conhecimentos sobre o tema inclusão. Relembrando o texto lido,
anteriormente citado, acredito que a mudança do meu vôo me levou a perceber que
neste lugar diferente também há muitas coisas semelhantes, boas e especiais. Aprendi
nesse percurso que são de singularidades e de diferenças que nos constituímos como
humanos!
170
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Os sistemas de ensino e os programas curriculares deveriam se organizar de modo
que levassem em conta todas as diferentes características e necessidades das crianças. As
escolas deveriam apresentar um meio mais eficaz para combater as atitudes
discriminatórias em relação a qualquer condição diferenciada de seus alunos, criando
comunidades verdadeiramente acolhedoras em busca de construir uma sociedade mais
justa e tolerante e, assim, alcançar a educação para todos.
Agradeço a toda equipe do grupo de pesquisa Gestão da Aprendizagem na
Diversidade, coordenado pela professora Rita Vieira de Figueiredo da Universidade Federal
do Ceara, que tem contribuído para essa discussão, pela presença de pessoas com
necessidades educacionais especiais nas turmas da educação comum, que vem mostrando
a todos nós educadores, às escolas e à sociedade em geral a necessidade já antiga de
transformar concepções e práticas para atender a todos os alunos, sem discriminação de
qualquer natureza. Trata-se sem dúvida de uma proposta justa, eminentemente humana
e de legalidade jurídica, que garante a todos o direito de aprender a aprender, aprender
a fazer, aprender a ser e a aprender a conviver... nas diferenças.
Adriana Freire, hoje, educadora inclusiva!
Referências
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2000.
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e significado: possibilidades de inclusão no contexto de exclusão social. Revista Pedagogia
em Debate
Debate. PUC Curitiba, 2006.
LUSTOSA, Francisca Geny; FREIRE, Adriana Melo. Bem vindos a Inclusão! Relatos de
uma professora sobre a experiência de receber alunos com deficiência no sistema regular
de ensino. EPENN, Maceió, 2007.
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inclusiva na educação infantil
infantil. Prelo Recife, 2000.
THURLER, M. G. Inovar no interior da escola
escola. Porto alegre: Artmed, 2001.
171
172
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas
e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil
Marilda Moraes Garcia Bruno1
[email protected]
1 Introdução
O conceito de educação infantil como direito social é relativamente recente no
ideário da política brasileira. Constituiu-se com a luta dos movimentos sociais no fim
da década de 1980, a partir da Constituição Federal de 1988, quando foi assegurado
o direito e a garantia de acesso a todas as crianças a creches e pré-escolas nas suas
comunidades. A educação infantil foi concebida como dever do Estado e opção da
família.
Até esse período, a política vigente para a infância era de cunho social e
assistencialista. A creche, sem fins educativos, tinha como meta compensar as carências,
o abandono, a pobreza e outras mazelas sociais. As crianças de 0-6 anos eram atendidas
em creches mantidas por instituições sociais e comunitárias, tendo em vista minimizar os
riscos sociais pelas ações eminentemente centradas no cuidar. Essa política assistencial
não se destinava a todas as crianças, apenas ao atendimento de crianças sem deficiências.
O processo de legitimação da exclusão desse grupo social pode ser entendido,
conforme Bourdieu (1999, p.193), como diferentes tipos de “gratificações econômicas e
simbólicas correspondentes às diferentes formas desta relação que se define o grau em
que se enfatiza objetivamente a pertinência ou a exclusão”.
Esse processo de relação excludente e assistencialista começa a ser superado pelos
princípios socioantropológicos e éticos da educação infantil como direito social garantido
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)/1996. Essa legislação concebe
a educação infantil como a primeira etapa da educação básica nacional, com metas e
objetivos voltados não só para o cuidar como também para o educar.
Por esse viés sociocultural e democrático, a educação infantil torna-se espaço
privilegiado para lidar com a diversidade, diferenças culturais, sociais, bem como para
combater a situação de desigualdade e exclusão em que viviam as crianças com deficiência.
1
Doutora em Educação pela UNESP/Marília/SP, Professora da Faculdade de Educação e Programa de Pós-Graduação da UFGD;
Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Inclusiva Gepei.
173
A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e
da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil
Passados mais de dez anos da promulgação dessa legislação, torna-se importante analisar
a viabilização de programas e estratégias utilizadas para a implementação da política de
inclusão na educação infantil.
Esse ensaio tratará inicialmente de discutir a inclusão na Educação Infantil a partir
do contexto político nacional, focalizando o discurso, o texto, as estratégias, as
contradições e os desafios presentes nesse campo. A seguir, serão apresentadas algumas
contribuições de estudos e pesquisas que nos sinalizam como se desenvolve a
operacionalização da proposta de inclusão nos Centros de Educação Infantil. Por fim,
retratará a prática de inclusão explicitada por meio das experiências, dos dados
estatísticos, de pensamentos e ações manifestos pelas singularidades e interesses dos
diferentes atores sociais que elaboram as políticas públicas.
2 A política pública de inclusão no contexto da educação infantil: o discurso e
o texto
Esse estudo parte do princípio de que as políticas públicas são ações complexas
invisíveis, em constante modificação e transformação. A política, conforme Palumbo (1994,
p. 350), “é um processo, uma série histórica de interações, ações e comportamentos de
muitos participantes”. O autor comenta que uma proposta política não pode ser
observada, tocada ou sentida. Ela tem de ser inferida a partir da série de ações e
comportamentos intencionais de muitas agências e funcionários governamentais
responsáveis pela sua implementação ao longo do tempo.
Por esse caminho, proponho-me a analisar as políticas públicas para a inclusão
educacional na educação infantil, as leis, os programas, os referenciais curriculares e as
estratégias educacionais, verificando as possíveis interdependências e relacionamentos
no seu processo de elaboração e implementação.
A preocupação com a inclusão de crianças com deficiência no cenário educacional
brasileiro é recente. Surgiu com o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) criado pela
Lei nº 8.069/1990. Esse documento trata da proteção integral da criança e estabelece o
direito à educação como prioritário para o pleno desenvolvimento humano e preparo
para o exercício da cidadania. Assegura a todas as crianças “a igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola, o direito de ser respeitado por seus professores e
o acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.”(Art. 35).
A política nacional de educação inclusiva assume as recomendações da Declaração
de Jomtien (Tailândia, 1990) e da Declaração de Salamanca (1994), a qual enfatiza que
o êxito da escola inclusiva depende: da identificação precoce, da avaliação, da
estimulação de crianças com necessidades educativas especiais, desde as primeiras idades,
e da preparação para a escola como forma de impedir condições incapacitantes.
Seguindo esses princípios, a Política Nacional de Educação Infantil (1994) concretiza-se
por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)/1996, que assegura a conquista
174
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
democrática da igualdade de direitos em relação à educação infantil, concebe-a como a
primeira etapa da educação básica, que tem por finalidade o desenvolvimento integral
de “todas” as crianças, do nascimento aos seis anos (art. 58), até mesmo as com
necessidades educacionais especiais.
Assim a LDB trouxe, como responsabilidade dos sistemas municipais de educação,
a estruturação e a organização de creches (0-3 anos) e pré-escolas (4-6 anos), hoje cinco
anos, mediante apoio financeiro e técnico dos estados e da União.
Para a implementação dessa proposta, foi elaborado o Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil (Brasil, 1998), que enfatizava como eixo do projeto
pedagógico a diversidade, a interação, a comunicação, o brincar, a socialização das crianças
por meio de sua participação nas diversificadas práticas sociais, sem discriminação de
espécie alguma. A recomendação para a inclusão de crianças com necessidades
educacionais especiais foi feita nesse documento de forma ligeira e superficial.
De forma um pouco mais abrangente, o Plano Nacional de Educação (2001) orienta
a ampliação do atendimento educacional na educação infantil, de programas de detecção
precoce para identificação das alterações no processo de desenvolvimento e de medidas
de prevenção na área da deficiência visual e auditiva. As Diretrizes Nacionais de Educação
Especial na Educação Básica (2001) colocam como desafio para os sistemas estaduais,
municipais e comunidades escolares construírem uma educação que atenda à diversidade
e às necessidades educacionais especiais de todos os seus alunos.No que concerne à
Educação Infantil, esse documento não aprofunda questões de âmbito político, de
organização do sistema e da elaboração de projetos pedagógicos.
Cabe pontuar que os Planos Municipais de Educação, nessa última década, têm se
esforçado para ampliar o atendimento dos Centros de Educação Infantil em muitos
municípios brasileiros. Não obstante, os direitos adquiridos tanto pelas crianças das classes
populares quanto pelas crianças com deficiências estão longe de serem garantidos na sua
integralidade. Observa-se a falta de diretrizes políticas específicas para essa população,
ausência de articulação e integração entre os níveis responsáveis pela elaboração e
implementação dessas políticas e, principalmente, a falta de previsão de recursos financeiros
para a expansão da rede de educação e a baixa qualidade dos projetos educativos.
Dados levantados (MEC/INEP, 2002) apresentavam indicadores de que apenas
13,47% das crianças brasileiras tinham acesso a creches nas suas comunidades. Bobbio
(1999), ao discutir as teorias democráticas e pluralistas da sociedade, pondera que o
estado alarga a participação do poder político estreitamente ligado ao poder econômico.
Enfatiza que o poder e a democracia não estão nas instituições do governo local, mas
nos grupos menores, formais e informais. “É nessas comunidades, na capacidade de se
formar rapidamente sob a pressão das necessidades imediatas que reside o verdadeiro
espírito da democracia” (p.17). Esse teórico reconhece a importância dos grupos, dos
diferentes interesses de uma sociedade complexa, da luta pelo poder, do jogo de forças,
e dos conflitos entre o momento de força e o momento de consenso.
175
A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e
da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil
Nesse sentido, tornou-se consenso desde as Diretrizes Nacionais de Educação
Especial na Educação Básica (2001) que o atendimento educacional especializado deve
iniciar-se em creches e pré-escolas, mediante ações conjuntas da escola, da família e da
comunidade. No entanto, o que se observa no mundo fático é que os programas de
intervenção precoce (0-3 anos) ocorrem em instituições especializadas, muitas delas
destituídas dos princípios da educação inclusiva.
Embora o avanço conceitual da legislação, enfrentam-se, na prática, três grandes
desafios para a inclusão na educação infantil. Primeiro, a limitação de ofertas de vagas
na faixa etária de 0-5 anos em creches e pré-escolas; crianças pobres e deficientes
freqüentam creches comunitárias, sem espaço e tempo adequados para o brincar e o
aprender. O segundo, é a falta de professores com formação para lidar com a diversidade,
com as especificidades das crianças pequeninas e com as necessidades educacionais
especiais. Em terceiro plano, nem por isso menos importante, os profissionais
capacitados na área da educação especial, que raramente são habilitados no campo
da educação infantil.
Em relação às políticas de educação infantil, Kramer (2006, p. 802) pondera que os
direitos das crianças “consideradas cidadãs foram conquistados legalmente sem que exista,
no entanto, dotação orçamentária que viabilize a consolidação desse direito na prática”.
Ela indica para a necessidade de consolidação de um projeto educativo para a infância,
com a exigência de formação de profissionais para educação infantil, assim como o
reconhecimento de sua condição de professores.
Observa-se na prática, principalmente nas regiões periféricas dos grandes centros
urbanos e nas cidades do interior, que o atendimento ocorre em creches comunitárias
na esfera da assistência. Os profissionais que atuam nessa faixa etária, tanto professores
como recreadores, não têm formação no campo das especificidades da infância e do
conhecimento pedagógico que lhes permita trabalhar com os conceitos de
interculturalidade, flexibilidade, adequação curricular e educação bilíngüe.
Pesquisadores de orientação sociológica pós-moderna como Ball e Bowe (1992)
nos ajudam a refletir sobre a distância existente entre a política pública e a prática
na área educacional. Esses autores enfatizam a natureza complexa e controversa da
política educacional, explicam a diferença entre a política como texto e política como
discurso. A primeira diz respeito a representações codificadas de maneira complexa,
terá leituras diferenciadas de acordo com a pluralidade de leitores. Os textos são
produtos de múltiplas agendas e influências e sua formulação envolve intenções e
negociações dentro do Estado e no processo de formulação da política. Nesse
processo, apenas algumas influências e agendas são reconhecidas como legítimas e
algumas vozes são ouvidas.
No Brasil, o discurso da política de inclusão social e educacional surgiu no governo
neoliberal e foi ampliado pelo atual governo de cunho socialista e pluralista. Entretanto,
as agendas de ambos os governos não aprofundaram o debate sobre os meios, os fins
176
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
e as estratégias para a implementação da política de ampliação da rede de educação
infantil. Assim, os discursos ampliam-se, generalizam-se e contraditoriamente,
distanciam-se dos fundamentos e princípios que os balizaram: assegurar a igualdade
de oportunidades, o direito à diferença e a escola de qualidade para todos desde o
nascimento.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Brasileira (Fundeb)/2007,
regulamentado pela Lei nº 11.494/2007, traz como promessa contemplar investimentos
para educação integral da criança desde o nascimento. Parece-nos que não prioriza
especificamente esse nível de ensino, pois os recursos serão destinados na mesma
proporção que aos demais níveis e modalidades de educação. O que traz de novo é o
investimento na formação continuada de professores e o incentivo à pesquisa no campo
da educação infantil.
Ball (1994) discute que as políticas deveriam ser analisadas em termos de seus
impactos nas relações e nas interações com as desigualdades existentes. Os efeitos gerais
da política tornam-se evidentes quando aspectos específicos de mudanças e um conjunto
de respostas são observados na prática. Sugere que a análise da política deve envolver o
conjunto de proposta, as questões mais amplas, as políticas locais e as amostras de
pesquisas.
Seguindo essa tendência analítica das políticas sociais passemos a apreciar o que
dizem os estudos e pesquisas sobre o processo de inclusão de crianças com deficiência
na educação infantil.
3 Programas e estratégias para a inclusão na educação infantil: o que falam os
estudos e pesquisas
A análise discursiva das políticas de educação infantil indica avanço significativo
no que diz respeito ao caráter de proteção, acesso, universalização e redistribuição
das políticas educacionais sociais, atribuindo maior responsabilidade aos municípios
quanto à expansão, estruturação e implementação de sistemas educacionais
inclusivos.
Dados de avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP, 2003) indicam que a ampliação de creches foi de 7,3% e na pré-escola o
crescimento foi na ordem de 3,7%. Entretanto, para cumprir as metas do Plano Nacional
de Educação seria necessário, no mínimo, quadruplicar esses dados. Há grandes capitais
brasileiras com índice menor de 10% da população infantil com acesso a creches e préescolas.
Estratégia consistente para a implementação de políticas de inclusão educacional
foi o Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade (MEC/Seesp, 2003). Programa
concebido como um novo tempo, destina-se a apoiar estados e municípios na tarefa de
reorientar as escolas para que se tornem inclusivas e de qualidade. Conforme Alves e
177
A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e
da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil
Barbosa(2006), esse programa materializa a política pública de desenvolvimento de
sistemas educacionais inclusivos em 147 municípios-pólos em todos os estados brasileiros
e no Distrito Federal.
Tive a oportunidade de participar como mediadora de grupos de discussão e
formação de gestores e professores em alguns municípios, o que me permite avaliar essa
importante iniciativa. Entendo que essa ação constitui-se como o início do debate acerca
da diversidade cultural, dos direitos sociais; serviu para desmistificar conceitos, combater
preconceitos, trabalhar com os marcos legais e sensibilizar gestores e educadores para o
compromisso com a escola inclusiva.
Outra medida política favorável à implementação da escola inclusiva diz respeito
ao Programa Pró-libras, o projeto Educação de Surdos, com materiais para estudo a
distância e a criação do sistema de suporte por meio da organização de salas de recursos
multifuncionais destinadas ao atendimento educacional especializado no contexto da
escola.
No âmbito da educação infantil, foram elaborados pelo MEC/Secretaria Nacional
de Educação Especial, em parceria com universidades, especialista e instituições
especializadas, o documento Saberes e Práticas da Inclusão (2003) com o objetivo de
apoiar as creches e pré-escolas com informações sobre as necessidades educacionais
especiais, estratégias didático-metodológicas específicas, recursos especiais e condições
de acessibilidades para responder às necessidades dessa população.
Esses programas e estratégias governamentais para a implementação e
operacionalização da política de inclusão foram medidas adotadas no âmbito do Ensino
Fundamental. As capacitações ocorreram na maior parte dos municípios-pólos,
envolvendo profissionais que atuam a partir das séries iniciais de escolarização. O debate
sobre a política e a prática pedagógica nos centros de educação infantil está ainda por
ser efetivado.
Em virtude desse fato, verifica-se que os documentos sobre a inclusão na educação
infantil não têm chegado aos Centros de Educação Infantil. São poucos os municípios
que realizaram discussões, capacitações e estudos sobre os princípios e fundamentos da
inclusão e construíram propostas para a inclusão nesse nível de ensino.
Laplane (2006), em estudo sobre as condições para a implementação de políticas
de Educação Inclusiva no Brasil, questiona sobre a dificuldade de implementar políticas
de Educação Inclusiva em nosso país; enfatiza a larga brecha entre as políticas e as práticas.
Entende que a contradição no âmbito educacional remete às condições sociais amplas e
à tendência excludente da dinâmica social (2006, p. 710).
Essa relação do discurso político com a prática envolve, de acordo com Bowe e Ball
(1992), identificar processos de resistências, acomodações, subterfúgios entre os
profissionais e o delineamento de conflitos e diferentes interesses na esfera da prática
cotidiana.
178
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Pesquisa realizada em todos os estados brasileiros (Bueno et al. 2003) verificou
que há uma ênfase em relação à organização de serviços destinados a educandos com
deficiência no ensino regular. Entretanto, não há indicação em relação a integração entre
a educação especial e o ensino regular.
Pesquisas sobre as práticas educativas no contexto da educação infantil são poucas em
nosso meio. Tetzchner et al. (2005) estudam a inclusão de crianças com deficiência e
necessidades de comunicação suplementar e alternativa na educação pré-escolar; mostraram
os benefícios que os ambientes e as práticas inclusivas podem acarretar para crianças que
estão desenvolvendo a comunicação. Concluem que ambientes segregados e escolas especiais
não têm influência positiva no desenvolvimento de linguagem dessa população.
Estudos de Bruno (1999, 2003) sobre a prática pedagógica evidenciaram a ausência
de discussão sobre a construção de espaços inclusivos nos Centros de Educação Infantil;
há falta de escuta e acolhida dos pais e crianças com deficiência, de reflexões sobre as
atitudes, posturas e adequação da prática pedagógica para o atendimento das
necessidades educacionais especiais. A autora defendeu o atendimento educacional
especializado com programas de intervenção precoce centrados na família e voltados
para a inclusão das crianças desde cedo em creches, mediante ação compartilhada entre
os serviços de educação especial e os Centros de Educação Infantil.
Monte (2006) estudou a inclusão de crianças com deficiência mental a partir das
concepções e perspectivas de educadoras de creches do Distrito Federal, as quais não se
perceberam como agentes de mudança em direção à inclusão, mas como expectadoras
que dependem de fatores externos, como por exemplo, vontade política, financiamento
da educação e formação para atuar com crianças com necessidades educacionais
especiais. Das creches pesquisadas, quarenta e cinco educadoras indicaram que estão
distantes de terem condições de oferecer atendimento educacional inclusivo e de
responder de forma efetiva às necessidades educacionais especiais das crianças, cujo
atendimento ainda é muito inspiente.
Laplane (2006) discute as propostas centradas nos aspectos práticos da inclusão:
formação, o repertório de ensino e sentimentos dos professores em relação aos alunos
com necessidades especiais. Enfoca a complexidade, limites e possibilidades dessa tarefa;
sugere ser mais produtivo discutir a questão no terreno das práticas educativas que difundir
um discurso ingenuamente otimista que proclama a celebração da diversidade, sem
oferecer ao educador elementos necessários para situar-se na realidade que irá enfrentar
(2006, p. 711).
Os resultados de pesquisas sobre a inclusão de crianças com deficiência visual na
educação infantil, na Bahia, realizado por Galvão (2004) e Araújo (2007) revelam alguns
obstáculos: ausência de vagas para crianças com deficiência nas regiões periféricas,
formação insuficiente do professor da sala regular, condições precárias das escolas,
inadequação do material didático e pedagógico, indiferença do professor e
desconhecimento quanto às condições perceptivas dessas crianças.
179
A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e
da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil
Para a criança surda, a educação bilíngüe desde cedo é prioritária; o acesso à língua
de sinais permite que “desfrutem da possibilidade de adentrar o mundo da linguagem
com todas as suas nuances”(QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 20). As autoras ponderam
que isso depende da escola, de decisões político-pedagógicas; em cada estado brasileiro
há diferentes proposta, há escolas com professores que desconhecem libras, não têm
estrutura, recursos humanos para garantir aos alunos surdos o direito à educação, à
comunicação e à informação.
Parece-nos que essas questões até aqui levantadas não dependem apenas da escola.
Torna-se, então, necessário retomarmos as questões sobre a formulação das políticas
públicas. Bowe e Ball (1992) discutem três contextos principais de elaboração das
políticas: o contexto da influência, o contexto da produção do texto e o contexto da
prática. Esses contextos estão relacionados, apresentam arenas, lugares, grupos de
interesses e cada um deles envolve disputas e embates.
As pesquisas apresentadas deixam transparecer que os gestores, professores e pais
de crianças com necessidades educacionais especiais, embora não excluídos do processo
de elaboração do texto da política, ainda não se articularam no contexto para o debate
sobre as barreiras, os desafios e as perspectivas para a implementação de ações, tendo
em vista a melhoria das condições estruturais e a qualidade da prática pedagógica nos
Centros de Educação Infantil.
4 O contexto da prática: experiências exitosas e desafios
A educação de qualidade com a construção de um currículo voltado para
diversidade cultural e atendimento às necessidades específicas e educacionais especiais
é o grande desafio que enfrentam os Centros de Educação Infantil em nosso meio.
O Brasil, não obstante os dados levantados nas pesquisas, já apresenta experiências
pontuais, bem-sucedidas de inclusão de crianças com deficiência em vários estados
da federação.
Dados da evolução da educação especial no Brasil levantados pelo Censo Escolar
Secretaria Nacional de Educação Especial MEC/INEP/2007 indicam que a política de
inclusão de alunos com deficiência avançou no período de 1998-2006, em um percentual
de 193% das matrículas em classes comuns do ensino regular.
Nesse mesmo período, as matrículas em escolas especiais tiveram um crescimento
de 56%, com índice de 89% dos municípios brasileiros que ofertam atendimento na
educação especial.
Esse avanço não se observa no âmbito da educação infantil; 80% das matrículas de
crianças com deficiência ocorrem em creches e pré-escolas de Instituições Especializadas
(MEC/INEP/2003). Levanta-se a hipótese de que com as atuais relações sociais e políticas
vigentes (dependência das famílias e do poder público das instituições filantrópicas) a
exclusão social, especialmente dos grupos mais vulneráveis, tende a reforçar políticas
180
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
assistencialistas e privatizantes, limitando de forma significativa as possibilidades das
escolas públicas (FERREIRA, 2006, p.109).
Persistindo a contradição, o Censo MEC/INEP/2007 evidencia o mesmo quadro de
exclusão: são 370.530 matriculas de crianças na educação infantil na faixa etária de 0-4
anos, das quais apenas 3.845 estão matriculadas em classes regulares e 30.279 em escolas
e classes especiais (88,7%). Na pré-escola, há um total de 78.864 de matrículas, sendo
que 57.804 (73,3%) encontram-se em escolas ou classes especiais e 21.060 em escolas
regulares.
Os dados revelam a ausência de políticas específicas e diretrizes para a inclusão de
crianças com necessidades educacionais especiais nessa etapa de ensino. O vazio deixado
pelos diferentes níveis de governo abre a brecha para o fortalecimento das escolas especiais
que se constituem, principalmente no interior do país, nas únicas possibilidades de
educação e atendimento educacional especializado para as crianças com deficiência.
Cabe refletirmos com Ball, Bowe, 1992 e Mainardes, 2006, que os discursos políticos
são construídos e as políticas públicas são iniciadas no contexto de influência, ou seja,
onde os grupos de interesses disputam para influenciar a definição das finalidades sociais
da educação e do que significa ser educado. Os atores do contexto de influência são as
redes sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do legislativo. Os
autores enfatizam que é nesse contexto que os conceitos ganham legitimidade e formam
um discurso de base para a política. Indicam ainda os meios de comunicação, as comissões
e grupos representativos como lugares de articulação e de influência.
Esse quadro pode ser revertido com a disposição política e mediante a participação
das universidades na formação inicial e continuada de professores para a construção da
inclusão nos Centros de Educação Infantil.Várias universidades brasileiras já desenvolvem
ações de extensão voltadas à formação de professores do ensino fundamental.
Essa discussão precisa acontecer no âmbito da educação infantil, tendo em vista a
melhoria da qualidade de formação humana e social do professor, conseqüentemente,
das crianças desde pequenas. Nesse sentido, a UFGD reviu o seu projeto político
pedagógico e oferece as disciplinas voltadas à diversidade e à inclusão educacional:
Currículo e Diversidade Cultural, Educação Indígena, Fundamentos da Educação Inclusiva,
Educação Especial nas quais enfatiza o estudo das necessidades específicas e educacionais
especiais e introdução aos estudos de Libras. Realiza, por meio do Grupo de Estudos e
Pesquisa em Educação Inclusiva da UFGD, seminários, colóquios, oficinas de trabalho e
estudos com grupos focais envolvendo gestores, coordenadores, professores, pais,
acadêmicos de Pedagogia e Licenciatura Indigena para a discussão sobre as
intencionalidades, a dimensão epistemológica e prática com reflexões críticas sobre as
atitudes, posturas, saberes, práticas pedagógicas e, principalmente, sobre as ações para
implementação da política de inclusão na educação infantil.
Esses estudos levam em consideração que os profissionais que atuam no
contexto da prática não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos. Eles
181
A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e
da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil
vêm com suas histórias, experiências, valores e propósitos (...) Políticas serão interpretadas
diferentemente, uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são
diversos. A questão é que autores dos textos políticos não podem controlar os significados
de seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente
mal entendidas, réplicas podem ser superficiais. Além disso, interpretação é uma questão
de disputa (BALL; BOWE, 1992, p. 22). Essas são as contradições no âmbito da educação
infantil que precisam ser superadas.
Um bom começo nesse sentido são as ações do Governo Estadual de Santa Catarina
que promoveu a reestruturação da Política de Educação de Surdos, com providências
técnico-administrativas para implementar o ensino da língua de sinais mediante a presença
de professor intérprete em escolas -- pólos na educação básica. Propôs a contratação de
instrutores de língua de sinais para atuarem na condução do processo de aquisição de
línguas de sinais pelos surdos da educação infantil e séries iniciais (QUADROS, 2006,
p.145). Cabe ao governo oferecer a oportunidade, ao cidadão e sua família decidirem
pela escolha da língua e da forma de comunicação.
5 Considerações finais
A educação infantil como direito social e legitimação da cidadania pelo acesso ao
conhecimento, participação e produção da cultura, é prática ainda não proporcionada a
todas as crianças brasileiras, sejam elas com necessidades educacionais especiais ou não.
As políticas públicas de educação infantil no Brasil constituem-se em fronteiras
indefinidas: transfere-se a responsabilidade às instituições assistenciais e comunidade
para organizarem programas educacionais voltados à realidade social e às necessidades
da infância.
Essa indefinição amplia o número de crianças com deficiência, principalmente nas
regiões periféricas e nas pequenas cidades, sem creches e pré-escolas, cujas famílias
trabalhadoras ou desempregadas necessitam de Centros de Educação Infantil que
garantam o acesso ao conhecimento, à aprendizagem, espaços lúdicos, experiências
culturais, para que exerçam a função educativa e complementar ao papel da família.
As pesquisas e os dados analisados sinalizam que as diretrizes políticas para a
inclusão escolar são mais efetivas em relação ao ensino fundamental do que em relação
à educação infantil. Nesse campo, o discurso é vago, nebuloso, inconsistente, pois permite
que o sistema de educação infantil transfira a responsabilidade pelo atendimento em
creches e pré-escolas às instituições especializadas, muitas delas com o perfil segregador
e assistencialista.
Tenho pontuado a importância das escolas especiais para a oferta do atendimento
educacional especializado, defendido o redimensionamento do papel da escola especial
e das salas especiais, que deveriam funcionar como sistema de apoio, suporte às famílias
e à inclusão escolar (BRUNO, 1999, 2000, 2003).
182
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Compreendo a educação em uma perspectiva sociocultural (BRONFENBRENNER,
1996; JOHNSON, 2006) em uma interação face a face, a partir de uma perspectiva
relacional, isto é, valorizando o como as pessoas interagem entre si, se comunicam; como
os discursos se articulam, as propostas e programas se organizam; como os atores da
política interagem com o ambiente e com a cultura na qual estão imersos.
O grande desafio que se impõe à Educação Inclusiva é o reconhecimento do outro,
de suas possibilidades, das necessidades específicas, das educacionais especiais, das
diferenças culturais, dos códigos lingüísticos e da experiência social. Respeitar as diferenças
na educação infantil significa, sobretudo, oferecer espaço e tempo adequados e próprios
para a infância, com experiências coletivas, espaços organizados para aprendizagem por
meio do lúdico, do movimento; do uso de múltiplas linguagens, das diferentes formas de
expressão, arte, cultura como forma de conhecer.
A pedagogia para a infância, democrática, de qualidade para acolher a diversidade
e atender às necessidades educacionais especiais, depende das relações socioculturais
mais amplas, das intenções, ações políticas concretas e das contradições da prática: dos
interesses e do jogo de poder entre os envolvidos. Depende, ainda, no meu entender,
das interações e relações que o grupo estabelece entre si, das negociações, dos projetos,
das metas, dos planos, da formação de professores e, principalmente, de como a
comunidade escolar se aproxima e enfrenta os conflitos sociais.
Finalizo compactuando com Kramer (2006) na defesa de uma pedagogia da infância:
o tempo da infância é o tempo de aprender e de aprender com as crianças, “numa
perspectiva de educação em que o outro é visto como um eu em que está em pauta a
solidariedade, o respeito às diferenças e o combate à indiferença e à desigualdade” (2006,
p. 811).
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especiais
186
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das
pessoas com deficiência à educação
Patrícia Albino Galvão Pontes1
Patrí[email protected]
Rebecca Monte Nunes Bezerra2
[email protected]
A escola atual tem um grande desafio: garantir o acesso a todos os indivíduos. Esta
é a escola de todos, na qual nenhum aluno é excluído e todos fazem efetivamente parte
do sistema educacional de ensino.
A educação é o primeiro dos direitos sociais a ser elencado pela nossa Constituição
Federal.3 Assim, em razão da fundamentalidade desse direito, não é possível admitir que
ele seja negado a qualquer pessoa, independentemente do motivo.
A Constituição Federal, em seu art. 3º, IV, afirma que um dos objetivos da República
Federativa do Brasil é a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, dispondo, ainda, em seu
artigo 5º, XLI que qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais será punida na forma da lei.
Nesse particular, a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência (Convenção da Guatemala)4
traz a impossibilidade de tratamento desigual com base na deficiência, definindo a
discriminação como “toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência,
antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de
deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular
o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das demais pessoas portadoras de
deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais”(art. I, 2, “a”, da
Convenção de Guatemala).
1
Promotora de Justiça da Comarca de Macaíba (RN) e Coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de
Defesa da Pessoa com Deficiência, do Idoso, das Comunidades Indígenas e das Minorias Étnicas do Ministério Público do
Estado do Rio Grande do Norte.
2
Promotora de Justiça da Comarca de Natal (RN), Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte.
3
Art. 6º da Constituição Federal: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância; a assistência social aos desamparados, na forma desta Constituição”.
4
Esta Convenção foi ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 198, de 13 de junho de 2001, e promulgado pelo Decreto
nº 3.956, de 8 de outubro de 2001, da Presidência da República, fazendo parte, portanto, do ordenamento jurídico brasileiro.
187
A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das
pessoas com deficiência à educação
Desse modo, admitir que a criança tenha apenas acesso ao atendimento educacional
especializado, seja ele prestado em uma escola especial, seja em escola regular, significa
conceder tratamento diferenciado unicamente em razão da deficiência, excluindo o
exercício do direito fundamental à educação. Trata-se, portanto, de prática discriminatória
e, conseqüentemente, vedada por nosso ordenamento jurídico brasileiro.
A segregação das pessoas com deficiência em escolas especiais ou em classes
especiais, ainda que nas escolas regulares, é uma forma de exclusão social violando
frontalmente os princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da igualdade.
Toda forma de preconceito é indigna e afronta todas as noções que se possa ter sobre
Justiça.
A Constituição Federal de 1988 reconhece a importância do direito fundamental à
educação ao prescrevê-lo, em seu artigo 205, como um direito de todas as pessoas,
visando ao seu pleno desenvolvimento, ao seu preparo para o exercício da cidadania e à
sua qualificação para o trabalho.5
Portanto, não há margem no texto constitucional para se admitir a possibilidade
de exclusão de qualquer pessoa do sistema educacional. É um direito básico da pessoa
humana o de fazer parte da sociedade (direito dirigido a todas as pessoas em decorrência
da igualdade), direito que significa não apenas a cidadania garantida no papel, mas a sua
efetiva participação, sem ter de ser isolada ou privada do convívio social.
O convívio social, por natureza, é plural. É importante reconhecer que a sociedade
é feita de diferentes, pois o normal é a diversidade. A luta não é para que todos sejam
considerados iguais, mas para que todos tenham igualdade de oportunidades.
Uma sociedade inclusiva é benéfica para todas as pessoas. O convívio com a
diversidade favorece a construção da cidadania. Dessa forma, serão formados adultos
conscientes, pois aqueles que, na infância, desfrutaram da presença de crianças e
adolescentes com deficiência em sua escola, não duvidarão da capacidade dessas pessoas
e, com certeza, quando adultos, estimularão a inclusão de todos em um mesmo ambiente
(seja escola, trabalho, lazer...). Essa é a forma mais eficaz de combate ao preconceito.
Há de se ressaltar que a educação não visa unicamente à transmissão dos conteúdos
curriculares. O artigo 205 da Constituição Federal deixa claro o seu intuito ao declarar
como objetivos de tal direito o pleno desenvolvimento da pessoa, a sua preparação para
o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho.
A educação tem um alcance muito mais abrangente que a transmissão de conteúdos.
Ela visa desenvolver plenamente os indivíduos e formar cidadãos. Dessa forma, todos
5
Art. 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
188
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
podem ser beneficiados pela educação, até mesmo aqueles que apresentem dificuldades
em assimilar as noções de matemática ou física, por exemplo, em razão de possuir uma
deficiência mental. Assim, retirar de alguém tal direito é simplesmente anular as chances
do seu desenvolvimento como pessoa e como cidadão.
É importante se garantir que todos os alunos estudem juntos, que freqüentem o
mesmo espaço escolar e participem de todas as atividades culturais e sociais da escola.
Em algumas situações, pode ocorrer que o aluno com deficiência, além de freqüentar
a sala de aula de sua escola, também necessite de atendimento educacional especializado,
visando ao seu melhor desenvolvimento e aprimoramento de suas habilidades. Nesse
aspecto, garante a Constituição Federal, em seu artigo 208, inciso III, que esse atendimento
deve ser oferecido preferencialmente na rede regular de ensino, e é importante ressaltar
que a preferência estabelecida pela Constituição Federal refere-se ao atendimento
educacional especializado e não à educação da pessoa com deficiência.
O atendimento educacional especializado não se constitui em um sistema paralelo
de ensino com níveis e etapas próprias. Com efeito, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional define tal atendimento como uma modalidade educacional que perpassa por
todos os níveis escolares, desde a educação infantil até o ensino superior. Dessa forma, o
referido atendimento diferencia-se substancialmente da escolarização, devendo ser
oferecido em horário diverso do dessa, justamente para possibilitar que os alunos nela
atendidos possam freqüentar as turmas de ensino regular, não podendo o mesmo
funcionar como um substitutivo da educação escolar.
Tal modalidade educacional deve ser entendida como um instrumento, um
complemento que deve estar sempre presente na Educação Básica e Superior para os
alunos que dela necessitarem, visando à melhoria da qualidade das respostas educativas
que a escola pode oferecer e à conseqüente facilitação do processo de aprendizagem.
Como exemplo, podemos citar o ensino do sistema Braile, da LIBRAS, do Português para
o surdo, entre outros.
Assim a efetiva inclusão do aluno com deficiência implica possibilitar o acesso ao
ensino e não apenas à escola. Portanto, não basta a simples inserção dos alunos com
deficiência nas escolas regulares. Há de se proporcionar o acesso pleno à sala de aula
regular e às demais atividades oferecidas pela escola, favorecendo o acesso total ao
conhecimento.
Para tanto, é imprescindível garantir a quebra das barreiras arquitetônicas existentes
na edificação escolar (e não somente na sua entrada), a existência de intérprete e de
professor de língua de sinais, a oferta de material didático em Braille, ensino do Braille,
entre outras ações. É importante, também, que todos os alunos, mesmo aqueles que
não possuem deficiência, se beneficiem desse conhecimento do aprendizado em língua
de sinais e escrita e leitura do Braille, a fim de facilitar a comunicação entre todos.
É tempo de mudar as escolas, as atitudes, os pensamentos, o ambiente como um todo.
Inclusão significa transformação. Sem esse redimensionamento no atual panorama escolar,
189
A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das
pessoas com deficiência à educação
poder-se-á falar em outra coisa, mas não de inclusão. Mittler (2003) acredita que o maior
obstáculo para a mudança está dentro de nós mesmos, seja nas nossas atitudes, seja nos
nossos medos.
Os professores precisam conscientizar-se de que o seu papel é educar os seus alunos,
mas não os que ele escolhe, mas sim os que a ele chegam. Os diretores, também, têm de
assumir a sua função, cobrando do Poder Executivo os suportes necessários para a
concretização desse novo paradigma educacional. As Secretarias de Educação têm de
incluir em suas prioridades a formação continuada dos docentes, pois não se deseja
transferir o desafio unicamente para o professor. Esse desafio é de todos.
Do mesmo modo, os pais precisam reivindicar o Direito à Educação de seus filhos,
sem se conformarem com as rejeições praticadas. Todos têm de se envolver nesse processo,
que não é fácil, diga-se de passagem, mas que é necessário e irreversível.
Diante de tudo isso, o Ministério Público também deve assumir uma postura bastante
ativa nessa área, e é ele também responsável pela inclusão educacional. A ele cabe,
entre tantas outras ações, a de verificar se as escolas estão adotando uma política inclusiva,
exigindo a adoção das medidas necessárias para o sucesso desta empreitada.
A Constituição Federal de 1988 conferiu uma nova feição ao Ministério Público,
na medida em que o incumbiu da defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis,
instrumentalizando o Promotor de Justiça de mecanismos efetivos de exigibilidade desses
direitos.
Portanto, o Ministério Público tem importante papel nesse processo de
transformação. Cabe a este órgão a verificação das condições de acessibilidade das escolas
públicas e particulares, instaurando inquérito civil contra o Município ou Estado e contra
o proprietário, a fim de assegurar o pleno acesso a todas as pessoas. Dessa forma, após a
vistoria técnica por profissional habilitado, pode-se celebrar o Termo de Ajustamento de
Conduta onde o representante legal do estabelecimento de ensino assume o compromisso
de ajustar a sua conduta às normas legais, concedendo-se prazos para a execução das
adaptações. Caso o responsável não aceite assinar o mencionado Termo, caberá ao
Promotor de Justiça o ajuizamento de ação civil pública para restaurar o direito violado.
Ao atuar pela garantia da implementação da educação inclusiva, deve o Ministério
Público exigir que seja assegurada uma escola para todas as pessoas, respeitando e
atendendo as diferenças existentes. Assim, além da acessibilidade, deve-se exigir o
oferecimento de material didático adaptado, a capacitação permanente dos professores
e demais profissionais envolvidos no processo educacional, o oferecimento de serviços
de apoio especializados, entre outros.
O Ministério Público do Rio Grande do Norte, reconhecendo a importância dessa
tutela, desde o ano de 2003, adotou como meta institucional a inclusão educacional
das pessoas com deficiência na rede regular de ensino. Os Promotores de Justiça de todo
o Estado expediram recomendações às Secretarias de Educação para que elas adotassem
uma política de educação inclusiva.
190
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
Porém, não bastava impedir a recusa da matrícula ou garantir a acessibilidade, era
preciso levar à escola as crianças e adolescentes que ainda estavam excluídos do sistema
de ensino. Contudo, como encontrá-las para que lhes fosse assegurado o direito à educação?
Com esse intuito, foi firmada uma parceria com a Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos, por meio da qual os carteiros da Capital do Estado, ao percorrerem os seus
bairros de atuação, procuravam identificar se existiam pessoas com deficiência que não
freqüentavam ou nunca freqüentaram a Escola, preenchendo um formulário previamente
fornecido pelo Ministério Público.
Tais formulários, após preenchidos pelos carteiros, eram enviados para as
Promotorias de Justiça e as famílias eram chamadas para uma audiência a fim de
perquirir os reais motivos da exclusão escolar, oportunidade em que se teve, muitas
vezes, o conhecimento de que a ausência da escola por parte de algumas crianças e
adolescentes era motivada por puro desconhecimento do direito daqueles à educação.
Além disso, foram identificados alguns casos de crime de recusa de matrícula, bem
como de carência de material didático adaptado e de ajudas técnicas disponibilizados,
de precário fornecimento de órteses pelo Poder Público e do próprio serviço de saúde,
entre outros.
Assim, diante da situação encontrada, o Promotor de Justiça tomava uma ou mais
das seguintes providências: 1) encaminhamento da criança ou adolescente com deficiência
à escola mais próxima de sua residência; 2) expedição de recomendação ao diretor da
Escola para o recebimento de determinada aluno com deficiência; 3) encaminhamento
à Secretaria Estadual de Educação para que, por intermédio da Coordenação da Educação
Especial, providenciasse e acompanhasse o processo de inclusão escolar da criança ou
adolescente, indicando, ainda, quais as ajudas técnicas necessárias ou o atendimento
educacional especial que melhor se apresentava para contribuir com o desenvolvimento
pessoal do aluno; e 4) abertura de processo criminal contra eventuais diretores ou
professores que tivessem recusado a matrícula das referidas pessoas, entre outras.
Em relação à falta de acessibilidade nas escolas, foi firmada uma parceria com o
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que financiou o pagamento de uma
Arquiteta, a qual realizou vistorias e emitiu laudos em relação a todas as escolas públicas
e privadas, até mesmo pré-escolas, em alguns municípios de nosso Estado, em um total
aproximado de 550 (quinhentos e cinqüenta) edificações escolares.
De posse dos laudos, os Promotores de Justiça passaram a firmar os termos de
ajustamento de conduta com os representantes legais dos estabelecimentos de ensino, a fim
de torná-los totalmente acessíveis a todas as pessoas, no menor espaço de tempo possível.
Tais ações vêm sendo implementadas em vários municípios do Rio Grande do Norte,
se aperfeiçoando nas parcerias realizadas, como é o caso do envolvimento de Agentes
de Saúde -- pertencentes ao Programa Saúde da Família -- que, ao realizarem suas visitas
domiciliares, identificam as pessoas com deficiência que estão fora da escola,
encaminhando as informações ao Promotor de Justiça da respectiva localidade.
191
A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das
pessoas com deficiência à educação
Também foi celebrada, posteriormente, uma parceria que persiste ainda hoje
com o Centro de Reabilitação Infantil, órgão ligado à Secretaria de Saúde Pública
Estadual, responsável pelo atendimento de crianças e adolescentes com deficiência
de todo o Rio Grande do Norte, o qual também se incumbiu da identificação daqueles
que estão fora da rede regular de ensino, realizada nas ocasiões em que são aqueles
atendidos.
Em razão das recomendações às Secretarias de Educação, esse assunto precisou ser
debatido junto aos professores e diretores de escolas. Assim, os Membros do Ministério
Público passaram a ministrar palestras para a comunidade escolar para tratar dos aspectos
legais da inclusão educacional, ocasiões em que eram relatados fatos e procedimentos
inclusivos de sucesso e divulgados alguns programas federais e estaduais existentes,
estimulando-se a prática da inclusão escolar e divulgando-se o direito de todos à
educação.
Outra ação preventiva adotada consistiu na celebração de ajustamento de conduta
com o órgão responsável pela expedição de alvarás de construção e reforma e da carta
de “habite-se”, para somente serem aprovados para construção os projetos que
respeitassem totalmente as normas de acessibilidade. Assim, evita-se a construção ou
reforma de edificações ou espaços urbanos de forma inacessível.
Uma medida que foi adotada pela Secretaria Estadual de Educação, que se
transformou em regra para as escolas estaduais do Rio Grande do Norte, foi a realização
de matrícula antecipada para os alunos com deficiência, precedendo o período da
matrícula comum. Apesar de se instituir um período diferenciado para esses alunos, não
se trata o referido ato de discriminação, sendo oferecido à pessoa com deficiência mais
uma oportunidade de divulgação do seu direito à educação (uma vez que a matrícula
antecipada é precedida de ampla divulgação), podendo aquela optar por matricular-se
no período comum de matrícula, disputando as vagas existentes. A matrícula antecipada
possibilita à escola saber, com antecedência, que receberá um aluno com algum tipo de
deficiência e, com isso, obter mais tempo para se adaptar, a fim de inseri-lo
adequadamente. Entretanto, vale ressaltar, mais uma vez, que se trata a matrícula
antecipada de uma faculdade e não uma imposição ao aluno com deficiência, sendo
ilegal a proibição de inscrição em estabelecimento regular de ensino no período comum
para todos os outros alunos, porque já expirou o prazo concedido antecipadamente.
Com tais ações, pode-se observar um aumento significativo de inclusão de alunos
com deficiência na escola comum da rede regular de ensino.
As críticas à inclusão na educação consistem no despreparo da escola atual e dos
professores para aderirem a este novo sistema. Assim, alguns pregam a chamada “inclusão
responsável”, o que significa, na prática, a exclusão de alguns alunos do sistema
educacional, por meio da escolha feita pelos diretores e professores de quem nele pode
se integrar. A Constituição Federal, quando prescreve o direito à educação, não confere
a ninguém o poder de decidir quem dela poderá desfrutar.
192
IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores
A despeito dessa forma de agir, há de se considerar a missão constitucional da
escola, tendo a mesma de assumir o seu papel e encontrar as respostas educativas para
as necessidades de todos os alunos passando, necessariamente, por uma reconceituação
do que seja fracasso escolar. Fracasso segundo o que? Tendo como referência as atitudes
de quem? Conforme os padrões previamente determinados, desconsiderando as
peculiaridades e a diversidade na sala de aula?
As dificuldades de aprendizagem são inerentes ao processo escolar. Sempre existiram
e sempre existirão, independentemente do aluno possuir ou não alguma deficiência.
Nesta nova perspectiva, remete-se o problema não ao aluno, mas à escola a fim de que
esta ofereça o suporte necessário para o alcance do aprendizado.
Mantoan (2005) afirma que o movimento inclusivo nas escolas, por mais que seja
ainda muito contestado pelo caráter ameaçador de toda e qualquer mudança, é irreversível
e convence a todos pela sua lógica e pela ética de seu posicionamento social.
Um mundo inclusivo não é apenas possível, ele é saudável e necessário para todas
as pessoas. Assim, apesar da reversão do quadro atual ser lenta, ela é plenamente viável.
As barreiras e as dificuldades existem, mas não podem afastar, em hipótese alguma, a
validade e necessidade do processo.
E o Ministério Público, como órgão encarregado de zelar pela efetividade dos direitos
consagrados à pessoa com deficiência, assume, nesse contexto, o papel de agente
transformador, com o fim de tornar a sociedade inclusiva e elevar a referida parcela da
população à condição de cidadã, garantindo a plenitude de sua dignidade humana.
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