Ensaios Pedagógicos
Transcrição
Ensaios Pedagógicos
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL BRASÍLIA --1DF 2007 Ministério da Educação Secretaria de Educação Especial Departamento de Políticas de Educação Especial Coordenação Geral de Articulação da Política de Inclusão Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP) Centro de Informação e Biblioteca em Educação (CIBEC) Ensaios pedagógicos. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2007. 194 p. ISBN: 978-85-60331-25-3 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores -Educação Inclusiva : direito à diversidade. 1. Educação inclusiva. 2. Inclusão educacional. I. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. II. Título. CDU 376 2 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Apresentação Ensaios Pedagógicos A coletânea de textos que compõe os Ensaios Pedagógicos aqui apresentados é o resultado das palestras que pautaram o IV Seminário Nacional do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, realizado pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação (MEC), envolvendo os 147 municípios-pólo do Programa, os 26 Estados e o Distrito Federal no debate sobre a elaboração de uma política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Os Ensaios Pedagógicos refletem o contexto de redefinição das políticas públicas e afirmação de um sistema educacional inclusivo; um momento marcado pela ampliação da pesquisa educacional que passa a reconhecer os limites e dificuldades para enfrentar os desafios colocados a partir de uma visão mais complexa. Assim, suas contribuições permitem refletir sobre a realidade educacional e articular diferentes saberes em torno das questões educacionais, como o trabalho docente, as práticas pedagógicas e as relações entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, bem como ações que rompem com a visão reducionista de eqüidade e assumem o compromisso com a visão emancipatória de articulação do direito à igualdade e valorização das diferenças na escola. Ao discorrer acerca do processo de discussão, construção e implementação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, o artigo Educação Especial: a travessia na tempestade, das autoras Cláudia Pereira Dutra e Cláudia Maffini Griboski Griboski, situa-se em torno de três eixos: o movimento da educação inclusiva, a necessidade de configuração de uma nova política nacional de educação especial e as ações e estratégias de implementação dessa proposta educacional articuladas pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação. Permeado pela premissa de reconhecimento do direito à educação de qualidade e emancipadora para todos os alunos, o artigo explicita os princípios condutores da organização dos sistemas de ensino para a transformação em sistemas educacionais inclusivos, problematizando os fundamentos integracionistas da Política Nacional de Educação Especial de 1994. O artigo diz que o momento atual de reconfiguração das ações político-organizacionais da educação especial instaura um novo tempo de atuação coletiva, reafirmando a autonomia como finalidade da educação. Denise de Oliveira Alves e Kátia Aparecida Marangon Barbosa Barbosa, objetivando discutir as concepções advindas dos paradigmas de integração e inclusão na educação, no artigo Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva – problematizações conceituais, discorrem a respeito dos conceitos de educação especial e sua função no sistema de ensino, lançando princípios orientadores para a 3 reinterpretação do atendimento educacional especializado, à luz dos pressupostos da educação inclusiva. Na proposição teórica, as autoras indicam o movimento de inclusão como uma ruptura quanto aos paradigmas de educação especial anteriores e investem nessa concepção como possibilidade de transformar os sistemas de ensino em espaços de aprendizagem e participação de todos os alunos, por meio do trabalho colaborativo entre profissionais da educação comum e profissionais da educação especial. No artigo Educação Inclusiva: mais qualidade à educação, David Rodrigues questiona o uso do termo “qualidade” como um valor normativo e absoluto, que ignora os contextos educativos e, desse modo, as condições históricas em que se define o conceito. O autor traz à tona a importante relação entre a qualidade e a inclusão, chamando atenção para a valorização da prática educacional inclusiva e das turmas heterogêneas representativas da comunidade. Em contraposição à idéia de qualidade associada a critérios meritocráticos de competição e seleção, propõe inverter essa lógica definindo qualidade como “uma gama alargada de saberes, competências e atitudes que se reporte a diferentes atores, diferentes capacidades e a diferentes objetivos de aprendizagem”. Para contribuir com o debate no Brasil, aborda políticas públicas de educação inclusiva, dando ênfase no fortalecimento da escola para responder aos diversos desafios postos pela inclusão. Em Berço das desigualdades, José Pacheco inspira-se na obra de Sebastião Salgado, nas imagens de crianças vítimas das desigualdades, para afirmar que a “escola, concebida como berço de oportunidades ainda é um berço de desigualdades”. Assim, questiona no âmbito das políticas educacionais, as medidas avulsas para atender a questões de natureza global, que ultrapassam as fronteiras da escola e da sala de aula. Também alerta as escolas para uma massificação que significa o tratamento aos desiguais como se fossem iguais, que se confirma nos processos de exclusão e resistência a uma pedagogia diferenciada; processos podem ser superados pelo potencial transformador dos professores. aermann Eizirik Eizirik, propõe O artigo A inclusão como dispositivo, de autoria de Marisa FFaermann a análise da inclusão pelo seu avesso, ou seja, a exclusão. Segundo a autora, pensar a inclusão escolar como um projeto revolucionário, em processo de implantação, demanda a gestação de uma mentalidade inclusiva, constituinte de novas formas de subjetividade. A contextualização referenciada nos pressupostos de Michel Foucault indica três tópicos de análise: a inclusão como dispositivo; os dispositivos de poder; e o desafio da diferença. Na análise, a educação inclusiva é concebida como uma prática revolucionária, uma vez que desaloja poderes e saberes instituídos e conduz à articulação de estratégias transformadoras, que não consistem em repetição, mas em inovação; em gestar o novo, o fazer educacional desconhecido a partir do embate com o tradicional, com o estabelecido. Sob o título Sobre o especial na e o especial da educação – breves considerações, Maria T eresa Mantoan diferencia as expressões da e na educação, ensejando ampliar o Teresa 4 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores debate para a tomada de posição quanto aos rumos que a educação brasileira deve seguir. A autora pontua que, seguindo os pressupostos fundadores da educação inclusiva, dentre esses, o princípio de uma escola para todos, o especial na educação refere-se ao complemento da formação dos alunos com deficiência, ou seja, o atendimento educacional especializado, que deve assegurar o prosseguimento da escolarização nas escolas comuns, sem assumir a condição de substituir a escolarização. Por sua vez, o especial da educação refere-se à ressignificação da escola comum no que tange ao atendimento às diferenças e à superação dos ditames modernos enrijecedores da prática educativa. De acordo com a autora, compreendendo o especial na e da educação especial sob o referencial do reconhecimento e valorização das diferenças, poderão ser construídos novos pilares para a sustentação da escola. Inserindo na discussão, Claudio Roberto Baptista apresenta reflexões no artigo Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos quanto ao futuro da inclusão escolar? As questões pontuadas discorrem sobre como provocar mudanças e qual a direção para que a educação inclusiva se consolide. Provoca todos para a tarefa do diálogo que não simplifique os desafios postos para instituição da nova política anunciada e permita realizar um movimento no movimento. Diante da intensidade das perguntas, chama atenção para o envolvimento de outros setores para a viabilização do processo inclusivo no ensino comum, que não se restringe a educação especial. Atento ao conceito de “necessidades educacionais especiais” que tem orientado a política educacional, considera os efeitos de abandonar o termo associado ao contexto e adotar parâmetros a partir da deficiência que podem valorizar o diagnóstico e acentuar os rótulos. Propõe um aprofundamento da dimensão pedagógica, função da sala de recursos e ação do professor, considerando o desafio de pensá-los de forma articulada a um projeto geral que valorize a inclusão. No artigo, O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva, Soraia Napoleão FFreitas reitas e Antônio do Carlos do Nascimento Osório incentivam essa reflexão, considerando que currículo pode ser um instrumento de compreensão e organização do conhecimento fragmentado e disciplinar, consolidado por meio de estruturas reguladoras, fruto das relações de poder e dos conflitos culturais. Situando suas referências no contexto da educação inclusiva e das mudanças na política de educação especial, analisam a perspectiva curricular que tem o aluno como centro do processo de aprendizagem e sujeito do próprio conhecimento. Assim problematizam o currículo anunciado como redenção de justiça e cidadania, inserindo este no espaço dinâmico e contraditório das disputas e conflitos, não como receptáculo de conteúdos. Ao pensá-lo como eixo articulador das concepções macro e micro estrutural, aproximando as práticas pedagógicas e práticas sociais exercidas, são identificadas as possibilidades de construção de um currículo crítico que não represente seletividade social e pedagógica. 5 Eduardo José Manzini Manzini, partindo da constatação da crescente presença de alunos com deficiência nas classes comuns de ensino regular, incentivada por meio de campanhas sobre inclusão e pela legislação que respalda o direito ao trabalho, educação e acessibilidade, escreve sobre a Formação continuada do professor para atender à Educação Inclusiva. Nesse contexto, destaca as leis que já influenciam os cursos de formação de professores, a inserção de disciplinas voltadas ao atendimento a alunos com deficiência em vários currículos de pedagogia e as pesquisas que indicam avanço na busca de preparação por parte dos docentes. Sobre a formação continuada, aponta que os planos de aula precisam ser revitalizados tornando possível o ensino reflexivo e a colaborativo, que a opção teórica que fundamenta a prática precisa ser compreendida pelo docente, de forma que possibilite conduzir, explicar, avaliar, reformular seu plano de ensino, assim “criar condições para que o seu aluno consiga tomar posse do currículo que ele precisa”. Soraia Napoleão de FFreitas reitas e Denise de Souza Fleith Fleith, contemplando a reflexão acerca das diferentes manifestações presentes no contexto escolar, introduzem a temática Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão. Para as autoras, o movimento de valorização das diferenças sociais, emocionais, cognitivas, físicas e culturais e por uma educação que atenda às necessidades dos alunos, implica modificar suas práticas, de modo a contemplar diferentes estilos e ritmos de aprendizagem, habilidades e interesses em sala de aula. Assim, a formação inicial e continuada de professores deve indicar respostas compatíveis às propostas educacionais inclusivas, criando estratégias para a inclusão dos alunos superdotados que têm acesso à educação em classes comuns, porém não encontram oportunidades educacionais adequadas aos seus interesses e competências. Relacionam a resistência à implementação de políticas nesta área as compreensões equivocadas e estereotipadas acerca dos alunos com altas habilidades/ superdotação, que desconsideram as importantes relações entre as características individuais e os fatores socioculturais envolvidos nessa definição. Maria Amélia Almeida Almeida, no artigo Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em relação a outros países buscou pontuar os principais acontecimentos políticos, sociais e legais que marcaram o percurso brasileiro e mundial da educação especial em direção à consolidação da proposta de educação inclusiva. O artigo demarca a relação existente as políticas públicas e os principais eventos sociais, e como esses definiram as ações educacionais das pessoas com deficiência. Nos encaminhamentos finais, a autora ressalta que os sentimentos de insegurança, incerteza e desassossego, que poderão permear a prática do professor no processo de implementação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva, podem transformar-se em possibilidades de mudança e transformação dos sistemas de ensino brasileiros. Sob o título Inclusão de surdos: pela peça que encaixa nesse quebra-cabeça, Ronice Müller de Quadros Quadros, defende que no caso da inclusão dos surdos a peça que se encaixa 6 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores na política é a garantia de uma educação de qualidade na língua de sinais. Diante das políticas públicas que defendem o direito dos alunos freqüentarem as escolas da sua comunidade, reforça que deverão ter condições escolares na “escola da esquina do seu bairro”, o que impõe uma educação que assegure as questões lingüísticas. Considerando as alternativas para eliminar as barreiras nas comunicações nas escolas com matrícula de alunos surdos, questiona a viabilidade econômica de disponibilizar intérpretes, bem como as questões metodológicas que deixam a desejar. Ao concluir, manifesta que os surdos apesar de insatisfeitos com algumas propostas pedagógicas, estão interessados no sucesso das políticas educacionais, existindo, portanto, possibilidade de negociação e aproximação, em uma perspectiva que consolide os princípios da inclusão e a garantia dos direitos humanos. adeu Marques da Outro importante enfoque estabelecido por Ricardo T Tadeu Fonseca Fonseca, em seu artigo Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência, situa a atuação do Ministério Público para a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e, paradoxalmente, as condições de exclusão e ausência de cidadania ainda presentes. Na análise registra a relação entre as transformações no mundo do trabalho, a globalização, os avanços da tecnologia e a crise de valores humanos que marcam nosso tempo, destacando que as respostas à crise são geradas no seu interior pela afirmação dos movimentos que emergem na defesa dos direitos humanos. Para a superação das barreiras físicas e atitudinais que limitam a participação das pessoas com deficiência enfatiza a idéia de sociedade inclusiva, destacando a Convenção da ONU aprovada em 2006, como instrumento jurídico importante para que os direitos já construídos anteriormente sejam efetivamente aplicados às pessoas com deficiência, dentre eles o direito ao trabalho. A mobilização social e o protagonismo das pessoas com deficiência são debatidos por Martinha Clarete Dutra no texto Inclusão social da pessoa com deficiência: uma questão de políticas públicas, no qual defende um movimento pedagógico das políticas voltado às pessoas com deficiência, de forma que passem atender ao princípio de desenvolvimento da autonomia, independência e emancipação da pessoa com deficiência. Nesse percurso, alerta para o controle social que pode ser consolidado por meio da atuação dos Conselhos de defesa de direitos das pessoas com deficiência, paritários e representativos, que têm competência para propor, avaliar e acompanhar as ações para a inclusão e garantia dos direitos. Na perspectiva contribuir para reduzir a distância existente entre a produção acadêmica e a realidade educacional, José Geraldo Silveira Bueno apresenta o artigo intitulado A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar e Desigualdades Sociais, referente ao trabalho do grupo de pesquisa coordenado por ele na PUC/SP. Desse modo, explicita duas frentes de estudos, uma referente aos processos de escolarização e seletividade escolar e outra sobre políticas e práticas de inclusão escolar; também ressalta as tendências 7 da produção discente do Programa em um balanço que reflete as trajetórias investigativas do grupo, voltadas aos processos de inclusão e exclusão escolar. Conforme Dulce Barros de Almeida Almeida, apesar de importantes avanços alcançados, a universidade brasileira tem sido marcada pela exclusão das camadas menos favorecidas, dentre elas as pessoas com deficiência. Buscando discutir tais questões, traz o artigo O papel da universidade diante da inclusão, identificando processos de massificação da educação superior sem democratização do acesso. Ao mesmo tempo em que reafirma a responsabilidade do Estado na política de educação superior, chama cada instituição a reverter o quadro atual e desafia todos os educadores a refletir sobre as políticas de combate a exclusão e oportunidades oferecidas para que todos possam usufruir seus direitos enquanto cidadãos. Para contribuir, faz um relato de ações efetivadas pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, avançadas em relação à inclusão escolar e a formação comprometida de modo a beneficiar pessoas marginalizadas do processo educacional. Luzia Lima-Rodrigues apresenta o artigo Percursos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso, que reflete as iniciativas do projeto realizado pelo Fórum de Estudos de Educação Inclusiva -- Universidade Técnica de Lisboa. O estudo buscou identificar as representações/percepções da comunidade escolar relativas aos aspectos facilitadores e às barreiras para a inclusão, relacionando-as com as perspectivas mais recentes da inclusão. Assim, a autora descreve as etapas do projeto, incluindo a seleção, os instrumentos utilizados para caracterizar as escolas e para conhecer a opinião dos entrevistados, os procedimentos e a análise dos discursos. Conclui que as “boas práticas” não são as melhores práticas nem receitas perfeitas para a inclusão, mas o percurso realizado pelas escolas para se tornarem mais inclusivas. A partir de um breve histórico que envolve a organização dos movimentos das pessoas com deficiência, fins da década 1970 e início dos anos 1980, Joiran Medeiros da Silva descreve sobre a Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão, citando as lutas que alavancaram uma mudança de postura com relação às pessoas com deficiência. Seu olhar volta-se para a importância da educação inclusiva na rede pública estadual, processo iniciado em 1991 e considerado inovador por desativar as classes especiais e efetuar a matrícula de todos os alunos nas classes comuns do ensino regular. Diante dos questionamentos da viabilidade da inclusão, destaca a criação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), contribuindo na formação continuada de professores e o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade que fortalece o trabalho da Superintendência de Educação Especial na sustentação do processo de escolarização dos alunos com necessidades educacionais especiais. Na introdução do texto Educação Inclusiva: um processo em construção, Mércia Maria Melo dos Santos , lança a reflexão sobre o porquê pensar em uma política de inclusão e o significado de incluir, percebendo que falar de inclusão é também falar de exclusão. Buscando pensar em tais questões, se a escola persegue direito 8 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores educacional de todos os alunos, faz um relato das ações da educação especial no município de Recife demonstrando que os avanços acontecem e que há uma gradativa transformação no sistema educacional. Ao considerar que a inclusão não diz respeito apenas às pessoas com deficiência e que não basta o acesso físico na escola para modificar a realidade excludente, a autora defende a necessidade de gerar serviços de apoio para o processo inclusivo. ieira de FFigueiredo igueiredo Para Rita V Vieira igueiredo, em A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível, transformar as escolas visando à inclusão e ao acesso de todos os alunos no ensino regular exige investimento, especialmente na formação dos professores para responder a diversidade dos seus alunos e possibilitar uma mudança na cultura da escola. Essa nova organização da gestão e do ensino é abordada a partir de uma visão de redimensionamento da organização do tempo e do espaço educativo e do seu sistema de valores, que deve ser pautado no compromisso de toda a comunidade. Para ilustrar esse processo, a autora traz o relato de uma professora que nos permite penetrar no cotidiano da sala de aula, ouvir sua voz e compartilhar uma experiência que englobou aspectos do planejamento, estratégias e apoios pedagógicos, da relação no grupo de alunos, da reflexão e formação docente e da contribuição do grupo de pesquisa da Universidade Federal do Ceará. A inclusão na educação infantil é o objeto do trabalho desenvolvido por Marilda Moraes Garcia Bruno Bruno, em A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil. A perspectiva é enfocar o conceito de educação infantil como direito social, em contraposição ao assistencialismo que historicamente referendou as práticas nessa área, introduzindo concepções mais atuais sobre o espaço privilegiado da educação infantil para conviver com a diversidade cultural e social e combater a exclusão das crianças com deficiência. Ao discutir as políticas públicas analisa que as preocupações com a inclusão educacional de crianças com deficiência são recentes no Brasil e que a integralidade dos direitos está longe de ser garantida. Ressalta que o atendimento educacional especializado deve iniciar na educação infantil, envolvendo a escola, a família e a comunidade; sendo à oferta limitada de vagas e de professores com formação para lidar com a diversidade e atuar na educação infantil, um grande desafio a ser enfrentado. ontes e Rebecca Monte Nunes Bezerra Por fim, Patrícia Albino Galvão P Pontes Bezerra, no artigo A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das pessoas com deficiência à educação, discorrem acerca dos direitos constitucionais das pessoas com deficiência, dentre esses, a educação. As autoras defendem a construção de uma sociedade e de uma escola inclusiva e problematizam as práticas educacionais realizadas em escolas e classes especiais, considerando estas formas de exclusão social. Tendo como princípio que o convívio com a diversidade favorece a construção da cidadania, o artigo descreve as ações que o Ministério Público do Rio Grande do Norte, em parceria com a Empresa de Correios e Telégrafos, articulou para a identificação das pessoas com deficiência que 9 não freqüentavam a escola. Diante da realidade encontrada, as autoras pontuam as providências que foram implementadas para a promoção da inclusão educacional. Espera-se que os textos compilados nessa produção possam qualificar o debate visando, não a superação dos impasses subjacentes ao contexto de implementação da educação inclusiva no Brasil, mas um aprofundamento que amplie a capacidade de diálogo e interação na construção de uma política renovada de educação especial inserida na proposta global de educação inclusiva. Claudia Pereira Dutra 10 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Sumário Educação Especial: a travessia na tempestade ........................................................... 13 Claudia Pereira Dutra e Cláudia Maffini Griboski Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva – problematizações conceituais .................................................................. 23 Denise de Oliveira Alves e Kátia Aparecida Marangon Barbosa Educação Inclusiva: mais qualidade à educação ....................................................... 29 David Rodrigues Berço das desigualdades ........................................................................................... 37 José Pacheco A Inclusão como dispositivo ...................................................................................... 39 Marisa Faermann Eizirik Sobre o especial na e o especial da educação -- breves considerações ..................... 49 Maria Teresa Eglér Mantoan Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos quanto ao futuro da inclusão escolar? ........................................................................................ 55 Claudio Roberto Baptista O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva ........................... 63 Soraia Napoleão Freitas e Antônio Carlos do Nascimento Osório Formação continuada do professor para atender à Educação Inclusiva ................... 77 Eduardo José Manzini Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão ...................................... 85 Soraia Napoleão Freitas e Denise de Souza Fleith Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em relação a outros países ..... 95 Maria Amelia Almeida 11 Inclusão de surdos: pela peça que encaixa nesse quebra-cabeça ............................ 105 Ronice Müller de Quadros Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência ................................................................ 109 Ricardo Tadeu Marques da Fonseca Inclusão social da pessoa com deficiência: uma questão de políticas públicas ........ 117 Martinha Clarete Dutra A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar e Desigualdades Sociais ............................................................................................. 121 José Geraldo Silveira Bueno O papel da universidade diante da inclusão ........................................................... 133 Dulce Barros de Almeida Percursos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso ......................... 141 Luzia Lima-Rodrigues e David Rodrigues Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão ............................ 149 Joiran Medeiros da Silva Educação Inclusiva: um processo em construção .................................................... 157 Mércia Maria Melo dos Santos A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível .............................................. 163 Rita Vieira de Figueiredo A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil ......................................................... 173 Marilda Moraes Garcia Bruno A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das pessoas com deficiência à educação ............................................................................................ 187 Patrícia Albino Galvão Pontes e Rebecca Monte Nunes Bezerra 12 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Educação Especial: a travessia na tempestade Claudia Pereira Dutra1 [email protected] Cláudia Maffini Griboski2 [email protected] 1 Da repetição ao movimento (...) o presente tende a eternizar-se como monotonia da novidade programa e monocultura da diversidade reprimida ou tolerada, devorando tanto o passado como o futuro. É esta a nossa condição actual. Vivemos num tempo de repetição, e a aceleração da repetição produz simultaneamente uma sensação de vertigem e uma sensação de estagnação (SANTOS, 2006, p. 67). Vivemos um processo de ampla discussão a respeito da Política Nacional de Educação Especial, que reflete um momento de efervescência no campo do debate acadêmico, das propostas pedagógicas e das políticas educacionais envolvendo a análise da complexidade dos conceitos de inclusão e atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos no âmbito do sistema de ensino regular. Uma época que não mais se assenta em pressupostos, até pouco tempo vigentes, da defesa dos espaços segregados de ensino, da repetição das dificuldades das escolas e sistemas de ensino, das suspeitas sobre os riscos de mudança ou da conformidade com o que estava naturalizado. Considerando o contexto histórico e político da produção desse movimento, passamos a chamá-lo de travessia na tempestade por estar configurado em um conjunto de reflexões situadas como conhecimentos e opções que se reconhecem e buscam uma intervenção sobre a realidade, gerando um processo de intensificação da ação transformadora capaz de provocar deslocamento no pensamento normativo. Diante do que estava estabelecido como uma polarização entre chamados radicais e os autoproclamados responsáveis, ou seja, entre os defensores da inclusão incondicional e aqueles da inclusão sempre que possível, o campo da educação especial passa, de fato, a discutir o propósito da educação inclusiva e buscar sua implementação. 1 2 Secretária de Educação Especial – SEESP/MEC. Diretora de Políticas de Educação Especial – SEESP/MEC. 13 Educação Especial: a travessia na tempestade Stainback (1990), enfatizando esse movimento de transformação, aponta os efeitos prejudiciais da exclusão e os benefícios que a inclusão traz para os alunos, os professores, para a vida das pessoas com deficiência e toda a sociedade: Em geral, os locais segregados são prejudiciais porque alienam os alunos. Os alunos com deficiência recebem, afinal, pouca educação útil para a vida real, e os alunos sem deficiência experimentam fundamentalmente uma educação que valoriza pouco a diversidade, a cooperação e o respeito por aqueles que são diferentes. Em contraste, o ensino inclusivo proporciona às pessoas com deficiência a oportunidade de adquirir habilidades para o trabalho e para a vida em comunidade. Os alunos com deficiência aprendem como atuar e interagir com seus pares no mundo “real”. Igualmente importante, seus pares e também os professores aprendem como agir e interagir com eles (STAINBACK, 1999, p. 25). No sistema educacional brasileiro, observa-se que nos últimos anos acontece uma mudança desde a perspectiva dos pais, dos profissionais da educação e da organização das escolas que cada vez mais estão atentos para uma reestruturação do sistema educacional e a construção de uma escola inclusiva, agora entendida como um projeto coletivo. Consolida-se como premissa básica que o objetivo a ser alcançado é uma educação inclusiva que não rejeite nenhum aluno, que reconheça todos como sujeitos de direito à educação e mobilize os elementos necessários para sua autonomia, participação e aprendizagem, promovendo novos valores e práticas educacionais. A partir da reflexão acerca da concepção tradicional da educação, dos seus padrões de homogeneidade e seletividade usados como referência para a organização de políticas curriculares que, muitas vezes, foram indiferentes à discriminação e aos preconceitos presentes no âmbito da escola, somos desafiados a construir caminhos que para, além de garantir o acesso de todos à escola, levem a assumir a tarefa de reestruturar a educação especial, visando superar totalmente a idéia de uma modalidade que substitui à escolarização nas turmas comuns do ensino regular. Sánchez (2005) afirma que a educação inclusiva centra-se em como apoiar as qualidades e as necessidades de cada um e de todos os alunos na escola: Requer pensar na heterogeneidade do alunado como uma situação normal do grupo/classe e pôr em macha um delineamento educativo que permita aos docentes utilizar os diferentes níveis instrumentais e atitudinais como recursos intrapessoais e interpessoais que beneficiem todos os alunos (SÁNCHEZ, 2005, p.12). 14 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Nessa travessia, a perspectiva de criar as escolas inclusivas que respondam às necessidades de seus alunos exige uma revisão da Política Nacional de Educação Especial – 1994 que foi fruto da concepção integracionista, cujo modelo condicionava o acesso nas classes comuns do ensino regular àqueles alunos considerados aptos ou adaptados às condições e ritmo de aprendizagem da turma. As novas diretrizes propostas devem ultrapassar o modelo que incrementa as escolas e classes especiais, formando um sistema separado ao ensino regular e potencializar um projeto compartilhado de inclusão nas escolas públicas. O debate tem se efetivado por meio dos Seminários do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, envolvendo gestores dos 147 municípios-pólos e Dirigentes Estaduais de Educação Especial dos 26 Estados e o Distrito Federal, da Comissão formada com representantes da Federação Nacional das Apaes (Fenapae), da Federação Nacional das Pestalozzi (Fenasp), da Federação Nacional de Síndrome de Down, da Federação Nacional de Educação de Surdos (Feneis), da União Brasileira de Cegos (UBC), dos dirigentes do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), do Instituto Benjamin Constant (IBC), da Coordenadoria Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência (Conade), do Ministério da Saúde (MS) e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), da Confederação Nacional de Trabalhadores de Educação (CNTE), do Conselho Nacional de Educação dos Estados (Consed), da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e outros fóruns com Instituições de Educação Superior vinculados a programas de educação especial e educação inclusiva. Para acompanhar esse processo de elaboração da nova política nacional de educação especial, foi instituído um Grupo de Trabalho, nomeado pela Portaria Ministerial nº 555/2007, composto por professores de instituições de educação superior, coordenado pela Secretaria de Educação Especial. Sem uma solução única e capaz de servir de modelo a todas as escolas, muitas são as questões colocadas pelos diferentes atores que fazem parte desse amplo espaço de reflexão que se forma em torno da construção da política nacional de educação especial. O interessante é perceber que todos já têm claro que esse é um processo que não tem volta, a sociedade exige a garantia dos seus direitos e as experiências de inclusão educacional já conseguem indicar as principais razões de se lutar por ela. 2 Por que uma nova política de educação especial? Os fundamentos de uma nova política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva já estão colocados e apontam para uma reestruturação dos sistemas de ensino que permita à educação especial deixar de ser um lugar para onde a família ou a escola encaminham o aluno e passa a integrar o projeto pedagógico das escolas. Dessa forma, a educação especial constitui-se como um campo de conhecimento e, no que se 15 Educação Especial: a travessia na tempestade refere ao ensino, realiza o atendimento educacional especializado e a oferta do conjunto de serviços e recursos, presente nas relações curriculares que se estabelecem no universo da escola e dos sistemas de ensino. As principais premissas que indicam as razões para a adoção de uma política nacional de educação especial fundamentada nos princípios de educação inclusiva se referem à força do movimento social que impulsiona a concepção e a construção de uma sociedade inclusiva; a perspectiva das políticas públicas que redireciona as ações para sustentabilidade do processo de inclusão; e a ênfase nas práticas pedagógicas e de gestão democrática que conduzem para a mudança da cultura da escola. A primeira premissa diz respeito ao movimento da educação inclusiva que passa a exigir dos sistemas de ensino uma postura diante da exclusão educacional, tornando visível à questão estrutural do sistema público de educação que por muitos anos não incorporou a inclusão como um princípio. Ao disseminar os princípios da inclusão, ao denunciar a discriminação de alunos com deficiência e ao afirmar que todos os alunos devem estar na mesma escola tendo acesso ao currículo comum, o movimento social faz uma ressignificação do sentido dado à igualdade e às diferenças passando a reverter o falso quadro de igualdade de oportunidades educacionais que envolvem a realidade das pessoas com deficiência. A visibilidade do movimento pela inclusão, que se refere não apenas às pessoas com deficiência, impulsiona a valorização da diversidade como um fator de qualidade da educação que tradicionalmente foi vista na escola sob o prisma negativo. A educação inclusiva traz à tona a questão do direito de todos a educação e o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, enfatizando o acesso, a participação e a aprendizagem. Nessa visão, promover a participação e o respeito às diferenças significa enriquecer o processo educacional, reconhecendo a importância do desenvolvimento das potencialidades, saberes, atitudes e competências de todos os alunos. A segunda premissa diz respeito ao posicionamento do Ministério da Educação desencadeando uma ação direta com gestores e educadores de todo o País, que passa a afirmar os referenciais da educação inclusiva e promover a articulação para a sua concretização. A participação dos dirigentes de educação especial nos seminários e cursos de formação continuada tem sido embasada no conceito da emancipação dos sujeitos, que os faz protagonistas dessa transformação e não meros receptores de informações técnicas ou metodologias de ensino. Assim, a mudança de postura da gestão educacional no âmbito nacional, estadual e municipal diante dos desafios colocados pela inclusão torna-se um dos elementos fundamentais desse processo. A partir do diálogo e da colaboração entre todos os segmentos foi sendo alcançado um grau elevado de pactuação em torno da proposta gestada que passa a ser compartilhada, possibilitando na sua realização agregar outros interlocutores e construir 16 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores condições de autonomia. Nesse cenário, outro diálogo importante tem se efetivado com os órgãos consultivos diante da necessidade de alteração das diretrizes nacionais da educação especial na educação básica para que possam incidir no âmbito da gestão educacional possibilitando ultrapassar os entraves postos nos documentos anteriores que permitem a manutenção dos pilares de sustentação da política de integração, contrariando os princípios de uma escola inclusiva. A terceira premissa refere-se às novas práticas pedagógicas e de gestão que fazem da sala de aula e de toda a escola um ambiente democrático de descoberta e construção do conhecimento, permitindo refletir sobre o conjunto de mudanças que envolvem a reestruturação dos sistemas de ensino que orientou para a escolarização de pessoas com deficiência em espaços segregados e currículos adaptados. Ultrapassando a concepção de deficiência como uma limitação do aluno que não estabelece a sua relação com as barreiras presentes no ambiente, a escola passa a se constituir como um espaço preferencial para o desenvolvimento de competências e o incentivo às diferentes manifestações de ordem social, afetiva ou cognitiva, possibilitando aos alunos interagir com autonomia na sociedade. A partir das experiências de educação inclusiva o ensino regular deixa de ser concebido como espaço de regulação da média dos alunos e a educação especial como o lugar de acolhimento dos alunos considerados fora dos padrões estabelecidos pelas práticas de conhecimento que repetem modelos homogeneizadores de ensino. A escola, pensada para todos os que dela foram excluídos e para aqueles que dentro dela são excluídos, afirma a relação entre a inclusão escolar e a qualidade do processo educacional ao eliminar os preconceitos, ampliar valores e construir aprendizagens, beneficiando a comunidade inserida nesse contexto de convivência com as diferenças. 3 Implementação da Política Nacional de Educação Especial O movimento em torno de implementação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva impulsiona as transformações para um redimensionamento da educação brasileira, que de fato seja para todos, que dê conta de uma renovação que considere a diversidade humana, que tenha como meta eliminar todas as barreiras e possibilitar o acesso e a participação plena das pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, construindo uma sociedade inclusiva. No centro dessa discussão, está a sua relação com a formação dos professores, o atendimento educacional especializado e as condições de acessibilidade. A reflexão acerca da formação de professores para a atuação na perspectiva da educação inclusiva assume posição de destaque nas abordagens que propõem redimensionar o trabalho docente, ultrapassando a visão de um ensino e um espaço que se organiza com base na deficiência, passando a pensar uma educação geral que inicia 17 Educação Especial: a travessia na tempestade por anular as formas excludentes de organização de sistemas paralelos de ensino e impulsiona as transformações no âmbito da escola pública. A efetivação dessa proposta tem proporcionado o diálogo entre diferentes posicionamentos quanto à necessidade de redimensionar a ação pedagógica e reinterpretar as funções dos profissionais que ali atuam. A alteração na formação de professores representa muitos desafios ao mesmo tempo em que apresenta também possibilidades de desenvolvimento da competência profissional do educador para atender as diferenças na escola. Esse contexto implica uma redefinição curricular que responda às necessidades de formação dos professores do ensino regular fundamentada na inclusão de todos os alunos e nas dimensões fundamentais da diversidade e heterogeneidade. A formação para o atendimento educacional especializado implica o desenvolvimento dos conhecimentos específicos nas diferentes áreas do ensino especial, que de forma complementar ou suplementar à escolarização, se caracterizam como constituinte da formação integral do aluno e para o acesso ao currículo. A formação na perspectiva da educação inclusiva exige dos professores uma busca constante de informações e revisão de suas práticas, consolidada a partir da participação em cursos de formação continuada e desenvolvimento profissional. Esse processo conduz a uma mudança de atitude, à aquisição de novas competências profissionais e ao desenvolvimento do trabalho compartilhado entre os docentes e outros profissionais da educação, que contribua para a qualidade do ensino em toda a escola. Assim, é importante que a formação docente contemple os conhecimentos acerca da aprendizagem e da construção do conhecimento, posicionando-se em favor de um projeto pedagógico que tenha presente um planejamento de atividades e um processo avaliativo que desenvolva as potencialidades, a criatividade e a emancipação dos alunos. A presença dos alunos com deficiência na escola comum faz com que a organização da escola seja repensada no que se refere às tecnologias, recursos e conhecimentos necessários para fazer avançar no desenvolvimento de um currículo dinâmico e flexível que promova a aprendizagem de todos os alunos. Para tanto, uma questão determinante na formação é a tomada de decisão do professor sobre as metodologias e estratégias pedagógicas a serem utilizadas de modo a beneficiar o processo educacional inclusivo. A formação de professores deve contemplar a dimensão da educação para todos no contexto das diferentes formas de aprender e de ensinar, interagindo por meio de estudos que levem adiante os pressupostos trazidos pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela em 2006, de assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, compatível com a meta de participação plena garantindo o acesso ao ensino inclusivo, gratuito e de qualidade. 18 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores A implementação da política de educação inclusiva traz no seu bojo o fortalecimento da oferta do atendimento educacional especializado, trazendo clareza do seu significado para a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. A concepção de atendimento educacional especializado ultrapassa o entendimento desse como atividade concernente à área da saúde ou como mera repetição de atividades pedagógicas, concebidas tradicionalmente como reforço escolar, exigindo mudanças estruturais na escola comum que passa incorporar ao atendimento educacional especializado, envolvendo a realização de atividades que diferem daquelas do ensino comum, caracterizadas como fundamentais para o desenvolvimento pessoal do aluno e para sua autonomia no processo de escolarização. Na atual discussão, a oferta do atendimento educacional especializado realizado em todas as escolas é planejada com o objetivo de eliminar as barreiras encontradas no acesso à escolarização e de promover o desenvolvimento do aluno. Esse atendimento está configurado como um processo que se aprimora a partir das alternativas de interação e envolvimento na proposta educacional e que se amplia conforme as necessidades dos alunos, centrando-se nas formas específicas de cada um posicionar-se, demonstrar seus interesses e desejos na relação com o conhecimento. Outro aspecto importante para a implementação da política nacional de educação especial diz respeito à disponibilidade nos sistemas de ensino de condições de acessibilidade. O uso das tecnologias trouxe possibilidades que vão desde a formação de professores para o uso de metodologias de ensino até a apropriação pelo aluno dos instrumentos que viabilizam seu acesso ao currículo escolar, a informação e promovem a sua independência. Cabe a escola, além da identificação dos recursos da comunidade, organizar e disponibilizar as diferentes formas de acessibilidade que facilitem o desenvolvimento do processo educacional, garantindo o acessibilidade a todos os espaços da escola, nas comunicações, mobiliários, materiais didáticos e pedagógicos, favorecendo o estabelecimento das relações sociais. 4 Estratégias e ações Como estratégia de transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos teve início em 2003, o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, enfocando a formação de gestores e educadores e a afirmação da escola como espaço fundamental para a valorização da diversidade e garantia de cidadania. O programa visa à garantia do direito de acesso de todos à escolarização, ao desenvolvimento de projetos pedagógicos inclusivos, à organização do atendimento educacional especializado na rede pública e à criação de redes de apoio à inclusão. Com 147 municípios-pólo, o Programa deflagrou uma ampla disseminação da formação docente e a sensibilização da comunidade escolar para a implementação da política de educação inclusiva. 19 Educação Especial: a travessia na tempestade Além da formação, o Programa tem apoiado a implantação de salas de recursos multifuncionais em escolas dos municípios-pólo e a distribuição de referenciais pedagógicos que muito têm contribuído para a organização do atendimento educacional especializado, os serviços e recursos específicos para ampliação das atividades ofertadas aos alunos que visem atender as suas especificidades de aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. O Programa, representando um marco na trajetória da educação especial, que torna imperativo discutir a qualidade do atendimento educacional especializado, realiza o Curso de Formação de Professores para o Atendimento Educacional Especializado, na modalidade a distância, ofertado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), formando 1.470 professores nos municípios brasileiros. Os referenciais sobre o atendimento educacional especializado nas áreas da deficiência mental, visual, auditiva e física são utilizados a partir de uma metodologia de estudo de caso possibilitando que os professores compartilhem suas vivências e discutam a sua prática profissional realizada nas salas de recursos multifuncionais da sua escola. Ainda no contexto do Programa, tem se desenvolvido desde 2005, nas escolas indicadas pelos municípios-pólo, o Projeto Educar na Diversidade que se propõe a trabalhar nas escolas as práticas e culturas inclusivas. O MEC tem desenvolvido oficinas nacionais para formar os professores multiplicadores do material de formação docente. A formação compreende os eixos que vão desde a gestão da escola, a prática pedagógica, o planejamento de aulas inclusivas e a diversidade de gênero, raça, deficiência a partir de histórias que são analisadas pelos professores. Uma perspectiva que tem como pressuposto a valorização das diferenças na escola, que possibilita uma ressignificação da forma de ver a pessoa com deficiência estigmatizada historicamente em razão de suas características físicas, mentais ou sensoriais. Em 2007, no contexto do Plano de Aceleração do Crescimento, o lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) traz o foco para o desenvolvimento humano e social e estabelece a educação como prioridade. O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação define-se como a conjugação de esforços dos Entes Federados, em colaboração com as famílias e a comunidade para a melhoria da qualidade da educação básica. As diretrizes do Plano indicam para a promoção da aprendizagem, da educação infantil e da alfabetização, da jornada ampliada, da matrícula do aluno na escola mais próxima da sua residência, da formação dos professores e o combate a repetência e evasão. Destacando-se, ainda, a garantia do acesso e da permanência nas classes comuns do ensino regular e o atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos fortalecendo a inclusão nas escolas públicas. Na educação especial, o PDE institui o Programa Nacional de Formação Continuada de Professores na Educação Especial com o objetivo de formar uma Rede Nacional para 20 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores a oferta de cursos sobre o atendimento educacional especializado destinado aos professores da educação básica; o Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais com o objetivo de organizar os recursos para o atendimento educacional especializado nas escolas públicas da rede regular de ensino; o Programa Incluir: Acessibilidade na Educação Superior com a finalidade de criar Núcleos de Acessibilidade nas Instituições Federais de Educação Superior para promoção do acesso e permanência das pessoas com deficiência e; o Programa de Acompanhamento e Monitoramento do acesso e permanência na escola das pessoas com deficiência beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC), prioritariamente aquelas na faixa etária de zero a dezoito anos. O Programa Nacional de Formação Continuada de Professores na Educação Especial, pautado nos pressupostos da educação inclusiva que qualifique a ação docente e garanta o efetivo direito à educação e à escola de qualidade, busca superar a carência de formação de professores na área da educação especial e desconstituir as barreiras que impedem ou restringem o acesso, a permanência, aprendizagem e participação dos alunos na escola. Os cursos de formação continuada de professores, na modalidade a distância, para o atendimento educacional especializado realizam-se no âmbito da extensão, aperfeiçoamento e especialização. A meta do Programa é formar, até 2011, vinte mil professores por ano, configurando um movimento indispensável para efetivar as mudanças e avançar na concepção da educação inclusiva. Nesse contexto, coloca-se o grande desafio de acompanhar o desenvolvimento do Programa e propor por meio da formação alternativas para romper a fragmentação do trabalho escolar, tornando mais consistente a ação coletiva do professor que atua na sala de aula comum e do professor que realiza o atendimento educacional especializado, no desenvolvimento do processo educacional dos alunos. Ao concluir essa reflexão acerca da política nacional de educação especial, compreende-se que a educação brasileira instaura um novo tempo onde a relação entre todos atores da escola reafirma a autonomia como a finalidade da educação. Uma transformação que se faz no movimento, que desafia vencer as contradições, incertezas, resistências e as práticas repetitivas que acabaram por manter um sistema educacional segregado e passa a fazer uma travessia para um sistema educacional que busca construir uma escola inclusiva e persiga a implementação das mudanças necessárias para uma educação de qualidade. Referências BRASIL. Legislação federal básica na área da pessoa portadora de deficiência deficiência. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2007. 21 Educação Especial: a travessia na tempestade SÁNCHEZ, P. A. A educação inclusiva: um meio de construir escolas para todos no século XXI. Revista Inclusão Inclusão. Brasília, v. 1, n.1, out/2005, p. 7-18. SANTOS, B. de S. A gramática do tempo tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006. Inclusão: um guia para educadores. Trad. Magda França STAINBACK, S.; STAINBACK, W. Inclusão Lopes. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. 22 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva – problematizações conceituais Denise de Oliveira Alves1 [email protected] Kátia Aparecida Marangon Barbosa2 [email protected] O contexto atual convida a comunidade escolar a repensar o papel da educação na sociedade e seu processo organizacional. Retornar a perguntas como “Qual a função da escola?” “Como e para que se ensina e se aprende?” , as quais , num momento inicial, parecem simples em suas indagações, demonstram-se extremamente desafiantes quando nos propomos a respondê-las, tendo em vista a complexidade que envolve os processos de ensinar e aprender, bem como a construção de uma escola de qualidade para todos os alunos. Tal dificuldade de resposta é justificada pela ambigüidade que a escola contemporânea assume: ora aparelho ideológico do estado, reprodutora do sistema; ora como meio privilegiado de transformação social, capaz de desestruturar a hegemonia dominante e de promover a inclusão, por meio da democratização do acesso ao conhecimento e, conseqüentemente, da possibilidade de atuação e participação social. Nesse entendimento, a educação especial na perspectiva da educação inclusiva problematiza as práticas educacionais hegemônicas e passa a utilizar categorias conceituais interligadas ao conceito de diferença, como possibilidade de compreender a relação eu/outro na dinâmica da constituição da identidade e subjetividade do sujeito. Essa concepção defende que o conhecimento e a convivência com a diferença promoverão o desmantelamento das práticas rotuladoras, classificatórias da aprendizagem e dos preconceitos historicamente constituídos em relação à pessoa com deficiência. Com isso, a função da escola, as concepções de conhecimento, ensino e aprendizagem precisam urgentemente ser revistas, uma vez que definem as ações educacionais que interferem diretamente no percurso escolar do aluno e na sua constituição como sujeito pensante. A educação inclusiva visa garantir os direitos constitucionais da pessoa com deficiência, atentando principalmente para a escolarização com qualidade e a 1 2 Coordenadora Geral de Articulação da Política de Educação Inclusiva – Secretaria de Educação Especial (SEESP/MEC). Coordenadora Geral de Desenvolvimento da Educação Especial (SEESP/MEC). 23 Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva – problematizações conceituais participação nas diferentes esferas sociais. Diante desses pressupostos, assume sua posição de resistência à educação elitizada e investe na promoção de uma educação que considera a diversidade humana e a valorização das diferenças como recurso de aprendizagem. Seus pressupostos deflagram a descontinuidade dessa com relação ao modelo da integração, pois a inclusão não procede da integração nem tão pouco resulta de seu aperfeiçoamento. Ao contrário, é construídas sobre outras bases epistemológicas que implicam ruptura com os modelos anteriores. De acordo com Bachelard (2004, p. 40), “chega sempre uma hora em que não se tem mais interesse em procurar o novo sobre os traços do antigo, em que o espírito científico não pode progredir senão criando novos métodos”. Assim, os complexos desafios do contexto educacional contemporâneo não podem mais ser compreendidos pelo olhar reducionista da modernidade, nem são passíveis de resolução pela elaboração de respostas simplistas. O movimento de educação inclusiva passa a questionar as práticas e concepções teóricas da educação especial, exigindo que os sistemas de ensino se organizem de forma diferenciada, investindo na flexibilidade curricular, na dinamicidade pedagógica e na potencialidade de aprendizagem de todos os alunos. Logo, a ruptura com as práticas educacionais integracionistas deve estar amparada por um processo de esclarecimento conceitual, definidor das concepções e estratégias de organização escolar. Conforme pontua Mantoan, “a distinção entre integração e inclusão é um bom começo para esclarecermos o processo de transformação das escolas, de modo que possam acolher indistintamente todos os alunos nos diferentes níveis de ensino” (2006, p. 18). Segundo a autora, a inclusão escolar questiona as políticas e organizações da educação especial e, contraditoriamente à integração, propõe que a inserção escolar seja realizada de forma radical, completa e sistemática. Com isso, a inclusão possibilita suprimir a subdivisão dos sistemas escolares em especial e comum, impulsionando a articulação das práticas da educação especial com a escolarização comum, na busca de alternativas para a reestruturação dos sistemas de ensino. Pode-se, analisando a realidade escolar à luz dos novos desenvolvimentos conceituais, inferir sobre as causas do esgotamento do modelo de integração: primeiro, por fundamentar-se no entendimento simplista de que espaços segregados e homogeneizados pelo critério da deficiência constituem o lócus privilegiado de aprendizagem para alguns alunos; segundo, por sua especificidade organizacional que não impulsiona o processo de revisão da escola como um todo, favorecendo para que a mesma continuasse a se organizar apenas para alguns alunos, àqueles que, via-de-regra, muito pouco precisariam dela para aprender. Os principais referenciais legais na área -- Política Nacional de Educação Especial (1994), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) Lei nº 9.394/96 e as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001) -- conceituam 24 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores a educação especial como uma modalidade de ensino que deve acontecer, preferencialmente, na classe comum do ensino regular. Pode-se inferir que, segundo essa perspectiva, o termo “preferencialmente” favorece o entendimento de que a escolarização da pessoa com deficiência pode ou não acontecer na escola comum. O funcionamento da educação especial no sistema de ensino, tendo em vista essa prerrogativa, ocorreu de forma paralela, ou seja, a educação especial acabava por substituir, a escolarização comum ou, então, se instituíam práticas educativas nas quais o período de participação em sala de aula, junto com os outros alunos, era reduzido, com o objetivo de possibilitar o atendimento educacional especializado. Materializam tal concepção as práticas escolares fragmentadoras do espaço e do tempo de aprendizagem, que propunham que os alunos com deficiência acompanhassem somente parte do currículo comum e, na outra parte do seu tempo de escolarização, participassem de atendimentos especializados, que eram caracterizados como momentos de reforço escolar ou atendimentos da saúde. Logo, percebe-se que, seguindo essa orientação, a organização da educação especial se dava de forma desarticulada à educação comum, em espaços segregados e seguindo princípios de redução curricular e restrições quanto à aprendizagem dos conteúdos sistematizados. Na configuração educacional inclusiva, o projeto pedagógico redefine seus pressupostos, investindo em conceitos orientadores como a gestão democrática, a participação e a autonomia. Nessa proposição, o currículo passa a ser problematizado, tendo como objetivo principal assegurar a especificidade pedagógica e o caráter educacional, não priorizado pela proposta integracionista de educação. O modelo integracionista propunha o atendimento educacional especializado entendido como a promoção de intervenções clínicas, pautadas basicamente na oferta de serviços relacionados à área da saúde, entendendo essas práticas como constituintes do currículo. Esse entendimento, no que tange à organização pedagógica, defende a adaptação curricular, ou seja, o professor pré-define os conteúdos e conceitos que devem ser aprendidos pelos alunos da educação especial, investindo em planejamentos pedagógicos restritos, em métodos e estratégias de ensino limitadas e elaboradas com centralidade na deficiência e não na possibilidade que cada aluno com deficiência tem de aprender. Por vez, a educação inclusiva propõe que todos os alunos devem ter acesso aos conhecimentos previstos na organização curricular da escola. Assim, o atendimento educacional especializado passa a ser reinterpretado, constituindo-se como meio para que o aluno com deficiência possa acessar os conteúdos curriculares como todos os demais alunos. Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial deve se configurar como uma modalidade de ensino que assume o princípio da transversalidade. Tal pressuposto diz respeito ao fato da educação especial perpassar todos os níveis, etapas e modalidades 25 Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva – problematizações conceituais de ensino, sendo intrinsecamente articulada à educação comum. O princípio da transversalidade reposiciona a educação especial que, por meio do atendimento educacional especializado, garante os recursos necessários à escolarização da pessoa com deficiência durante sua trajetória educacional. Diante da proposição de uma nova Política Nacional da Educação Especial, o atendimento educacional especializado, presente nos marcos legais desde a Constituição Brasileira (1988), assume o papel de potencializar a utilização dos recursos e serviços especiais para que todos os alunos tenham acesso à escolarização nas classes comuns do ensino regular, constituindo-se por um conjunto de estratégias, recursos e serviços disponibilizados e organizados de acordo com as necessidades dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. O objetivo central desse atendimento passa a ser a promoção da acessibilidade ao currículo escolar, tendo em vista a premissa de que a escola comum é o espaço privilegiado de aprendizagem para todos os alunos. Logo, o atendimento educacional especializado viabiliza o acesso ao currículo e não pode jamais substituir a escolarização. Nessa perspectiva, a educação especial, como campo de conhecimento, adquire outra configuração, abarcando, na sua organização, o atendimento educacional especializado, a aquisição e produção de materiais, a formação docente e a orientação/ acompanhamento à família. No que tange ao atendimento ao aluno, o atendimento educacional especializado refere-se à elaboração de estratégias e recursos para a aprendizagem da língua brasileira de sinais, da língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do sistema Braille, soroban, orientação e mobilidade, para o desenvolvimento dos processos mentais superiores, para o enriquecimento curricular, entre outros. Quanto à aquisição e produção de materiais, os eixos da educação inclusiva orientam a articulação dos sistemas federal, estadual e municipal de ensino na promoção da disponibilização de serviços, profissionais e recursos necessários para que o aluno tenha condições de freqüentar e participar efetivamente do processo de escolarização. Sugere-se que a produção de materiais seja realizada na própria escola do aluno, produto de um trabalho conjunto entre o professor da sala de aula comum e o professor do atendimento educacional especializado e, quando necessário, que a produção do material e as adequações nele necessárias sejam viabilizadas por meio de convênios ou parcerias. A formação continuada de professores consiste no processo de instrumentalização do professor, que exige a interface entre os conhecimentos teóricos da área e a prática educativa. Sob esse prisma, a escola e seus alunos constituem-se em lócus de estudo do professor, uma vez que a sua prática e a sua realidade organizacional passam a ser elementos de estudo. A pesquisa torna-se, então, estratégia de formação continuada e permea o fazer educacional do professor, visto que a investigação do cotidiano escolar possibilita a análise investigativa da prática, favorecendo a capacidade de diagnóstico e intervenção fundamentada. 26 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Por sua vez, a orientação/acompanhamento à família refere-se à necessária comunicação que deve haver entre a escola, o atendimento especializado e a família do aluno, buscando a inter-relação necessária para o prolongamento das ações educacionais para o cotidiano do aluno. Portanto, a reconfiguração da educação especial pressupõe um movimento de discussão da organização da escola em seu aspecto global, questionando os fundamentos da prática educativa e reformulando sua atuação no sistema de ensino. Como reflexões conclusivas (sempre provisórias), cabe ressaltar que a problematização dos modelos de integração e inclusão, bem como as concepções de atendimento educacional especializado que advém de cada modelo, consolidam as bases para a superação dos princípios integracionistas ainda presentes nas práticas educacionais direcionadas aos alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação. Nesse sentido, a crítica aos limites da integração, ao mesmo tempo em que nos permite a percepção dos mecanismos de segragação inerentes a esse modelo de escola, paradoxalmente, fornece elementos para a construção de uma outra proposta educacional, ancorada nos princípios da inclusão, desafiando-nos a combinar, como nos ensina Giroux (1997), “estratégias de oposição com estratégias de reconstrução” de uma nova ordem educacional. A formulação da nova Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva assenta-se nas proposições teóricas e no desenvolvimento conceitual atual, conjugados ao reconhecimento das respostas positivas dadas pelos sistemas de ensino diante da demanda de uma escola para todos. Tal realidade testemunha o nascimento de uma nova cultura, de um novo ethos educacional, configurando-se, no presente, não como “porto seguro”, como apregoavam as teses positivistas, mas como caminhos plenos de possibilidades e alternativas. Na busca por estratégias organizacionais que promovam a educação inclusiva, a discussão precisa ser aperfeiçoada pela ampliação do diálogo com as diferentes organizações que se dedicam ao trabalho com essa modalidade de educação, os profissionais nela inserida e as pessoas que utilizam tais recursos e serviços específicos durante sua trajetória escolar. Referências BACHELARD, G. Le nouvel espirit scientifique scientifique. 3 ed. Paris: PUF, 1966. BATISTA, C. A. M. Educação inclusiva inclusiva: atendimento educacional especializado para deficiência mental. Brasília: MEC/SEESP, 2006. BATISTA, C. A. M. et al. Atendimento educacional especializado especializado: orientações gerais e educação a distância. Brasília: MEC/SEESP, 2006. 27 Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva – problematizações conceituais BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial Especial. MEC/SEESP: Brasília, 1994. ______. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. ______. Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Básica. MEC/SEESP, 2001. Educação Básica FÁVERO, E. A. G. Atendimento educacional especializado especializado: aspectos legais e orientações pedagógicas. São Paulo: MEC/SEESP, 2007. GIROUX, H. Os professores como intelectuais intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre. Artes Médicas, 1997. GOMES, A. L. L. et al. Atendimento educacional especializado especializado: deficiência mental. São Paulo: MEC/SEESP, 2007. MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar escolar: o que é? por quê? como fazer? 2. ed. São Paulo: Moderna, 2006. SÁ, E. D.; CAMPOS, I. M.; SILVA, M. B. C. Atendimento educacional especializado especializado: deficiência visual.São Paulo: MEC/SEESP, 2007. SANTOS, B. S. A crítica da razão indolente indolente: contra o desperdício da experiência. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São Paulo: Cortez, 2002. SILVA, A.; LIMA, C. O. P.; DAMÁZIO, M. F. M. Atendimento educacional especializado especializado: pessoa com surdez. São Paulo: MEC/SEESP, 2007. 28 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Educação Inclusiva: mais qualidade à educação David Rodrigues1 [email protected] “Hoje ouvi na rádio uma notícia que um cidadão qualquer tinha ganho um concurso na televisão e, por conseqüência, tinha adquirido o título de ‘O Melhor Motorista’. A notícia não deu mais detalhes e eu fiquei a pensar: o que é ser ‘o melhor motorista’? Será o que consegue andar mais rápido? (Em pista? Num terreno acidentado?) Será o que conhece o funcionamento da mecânica do carro? Será o que sabe controlar o carro em situaç ões de emergência? Será o que cumpre as regras de trânsito? Será um motorista prudente? Será o que conduz mais confortavelmente para os passageiros? Talvez nenhum destes ‘bons motoristas’ consiga ser ‘o melhor’ em dois desses itens… Bom, parece que as únicas pessoas que sabem o que é um bom motorista são os jurados desse concurso…” 1 Qualidade em Educação O termo “qualidade” é largamente usado em Educação. Parece tão consensual que é profusamente usado tanto pelo discurso político como pelos próprios professores e investigadores. Contudo, existem vários olhares sobre a qualidade e, em cada um, diversos conceitos. Existe um olhar diacrónico sobre o que se considera qualidade. Ao longo da história da Educação, “qualidade” tem assumido diferentes conceitos e significados. O que se considerava qualidade há 30 anos não é certamente o que se considera hoje. Pode existir também um olhar sincrónico. Por exemplo no ano de 2007, “qualidade” pode ter significados diferentes em razão do lócus geográfico de que se fala e, sobretudo, em decorrência dos diferentes participantes no processo educativo. Será que quando se fala de qualidade o termo quer dizer o mesmo para pais, alunos, gestores, professores, políticos, etc.? Algumas acepções do conceito de “qualidade” aproximam-na da satisfação do cliente. Resta perguntar, em Educação, quem é o cliente? Os pais? A sociedade? Os alunos? E se são vários, eles podem ser igualmente satisfeitos com o mesmo serviço? A diversidade dos contextos educativos é tão grande que parece difícil falar de qualidade em termos absolutos ou essenciais; teremos certamente que nos referir à qualidade como valor relativo resultante da interação do processo educativo com diferentes condições 1 Doutor em Ciências da Motricidade Humana na área de Educação Especial e Reabilitação (UTL/FMH) Professor da Universidade Técnica de Lisboa. Coordendor do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (www.fmh.url.pt/feei) 29 Educação Inclusiva: mais qualidade à educação ecológicas. Em maio de 2007, ao consultar o suplemento de Educação do jornal Folha de S. Paulo, em que era feito um amplo balanço da educação brasileira, ficou a dúvida sobre qual conceito de qualidade a educação brasileira seria analisada: vista como uma estrutura “atrasada” em razão de padrões dos países mais ricos do mundo ou como uma estrutura “avançada” em decorrência dos sensíveis progressos efetuados na última década? A qualidade não é, pois, um termo que tenha valor normativo absoluto, por muito que os discursos políticos e institucionais pareçam não ter dúvidas sobre isso. Os indicadores que se selecionam (e os outros que se ignoram), as formas e os momentos em que se avalia a qualidade são decisões políticas e, portanto, socialmente construídas em decorrência dos objetivos que se deseja alcançar em determinado contexto. A qualidade filia-se, assim, mais nas negociações e relações de poder que em um consenso inquestionável e “natural” (cf. Barroso, 1998). Talvez devêssemos, implicando múltiplos fatores e dirigindo-se a diferentes “clientes”, usar o termo sempre no plural (“qualidades”) porque se trata de diferentes atores e de diferentes âmbitos a serem analisados. A Inclusão, analisando os documentos produzidos por organizações internacionais (nomeadamente as Nações Unidas e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura -- Unesco) bem como o impacto que tiveram nas legislações nacionais de múltiplos países, tem de ser considerada como um dos fatores que atualmente é valorizado em termos de aferição da qualidade de um sistema educativo. Sobre a relação entre Inclusão e qualidade, Nóvoa (2005) afirma que “(…) é preciso manter a tensão entre a qualidade e a equidade principalmente num período em que a situação econômica tende a valorizar a ‘qualidade total’ em lugar da ‘qualidade para todos’”. O certo é que o termo “qualidade” tem sido mais associado a sistemas educacionais seletivos, competitivos e “meritocráticos” que a sistemas mais universais e inclusivos. Há pouco tempo, em Portugal, a re-instalação de exames nacionais no fim de cada ciclo da escolaridade básica foi saudada por vários partidos como uma importante medida em favor da qualidade da educação. 2 Qualidade e Educação Inclusiva O tema central dessa conferência é a discussão da forma como a Educação Inclusiva relaciona-se com a qualidade. O assunto não é pacífico porque, como vimos, o conceito comum de qualidade encontra-se ligado à excelência acadêmica e ao desempenho de altos padrões de informação e conhecimento. É uma qualidade que é concebida principalmente pelas competências acadêmicas que os alunos adquirem e aferida por processos comparativos transnacionais. Assim, a Inclusão na escola regular de alunos com alguns tipos de problemas pode ser encarada como um contratempo para atingir tal “qualidade acadêmica”. 30 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Para muitos profissionais e mesmo para o senso comum, quanto mais heterogênea e mais diversa é uma classe ou uma escola, mais problemas haverá com o aproveitamento dos alunos e conseqüentemente menor será a qualidade atingida. Os argumentos sobre essa posição são que se gasta demasiada energia em tentar articular a diversidade e que se perde tempo com alunos com dificuldades, o qual poderia ser usado para fazer progredir alunos sem dificuldades, enfim, que a qualidade se encontra ligada à homogeneidade dos alunos. Se adotarmos como parâmetro de qualidade um gama alargada de saberes, competências e atitudes, se usarmos um conceito lato de qualidade em que essa se reporte a diferentes actores, diferentes capacidades, a diferentes objetivos de aprendizagem, verificamos que a posição descrita antes, apesar da sua aparente solidez, é uma posição que só pode recrutar a seu favor a evidência ilusória do senso comum (LIMA-RODRIGUES et al. 2007). Senão, vejamos: 1. A percepção da diferença contribui para a construção da identidade e tem, por isso, papel determinante na aprendizagem. Não se pode construir uma identidade senão em um ambiente diverso. Nunca agradeceremos o suficiente aos outros por nos ajudarem a entender e a estruturar o que somos a partir da diferença que neles percebemos. 2. Quando olhamos a qualidade no contexto do currículo global da escola (mesmo no sentido restrito de nível acadêmico), verificamos que não são sempre os mesmos alunos que têm dificuldades nas mesmas situações. Todos têm, portanto, uma contribuição para a qualidade global da turma e da escola com os seus insucessos e os seus erros. Dessa forma, a qualidade assume-se no campo das heurísticas de ensino e não no campo dos resultados. Uma educação de qualidade, nesse aspecto, será a que é capaz de dinamizar a aprendizagem em grupos de alunos que podem ter conforme os momentos, matérias e contextos, apresentar (todos!) dificuldades e proficiência. 3. Fazer depender a aprendizagem da interação direta e individual com o professor é um modelo desatualizado de ensino e aprendizagem. Os materiais, os colegas, os documentos, o meio, a pesquisa são contextos que devem ser acionados para potenciar a aprendizagem de todos. Grandes teóricos da aprendizagem como Piaget, Vigotsky e Brunner proporcionaram grandes contribuições para conhecermos o quão indispensáveis à aprendizagem podem ser as mediações, os materiais e os contextos. Só é possível responder a classes heterogêneas se for criado, na sala de aula, um ambiente de trabalho em que o aluno disponha de autonomia e de meios de aprendizagem e de ensino que não se resumam à interação direta com o professor. 4. As dificuldades de uns podem ser usadas como estratégias para outros. Sabemos que o “erro” tem uma função educacional importante se poder ser analizado, contextualizado e ter entendida a sua correção. É conhecido o exemplo das pessoas 31 Educação Inclusiva: mais qualidade à educação que têm problemas, por exemplo a matemática e que finalmente superam as suas dificuldades quando a começam a… ensinar. Um ambiente de aprendizagem rico e diversificado é proveitoso para quem ensina e para quem aprende. 5. Enfim, são as turmas heterogêneas e complexas as que proporcionam experiências aos alunos para viver, negociar e progredir em sociedades que são elas próprias complexas e conflituais. Assim, quando nos perguntamos se a Educação Inclusiva (EI) promove a qualidade, temos também de pensar nos alunos concretos e no seu processo de aprendizagem e não nas “ideias feitas” que formulamos sobre a homogeneidade. (Por falar nisso: já pensaram que sucesso desportivo teria uma equipe de futebol constituída pelos melhores onze jogadores do mundo, mas... todos goleiros?) Defendemos que existe uma relação próxima entre EI e qualidade. Não pode haver qualidade em uma escola que tanto persiga a homogeneidade que a afaste da composição que deve ter como a escola de todos os alunos da comunidade em que se insere. Não pode haver inclusão se a preocupação da escola for nivelar (“normalizar”) o ensino para adequá-lo ao inexistente “aluno médio”. Uma educação que se reporte a uma tipologia de alunos e que recorra a um leque restrito de experiências de aprendizagem irá prejudicar por falta de atenção e respostas alunos cujas motivações, necessidades, capacidades e socialização os afastam do ritmo da maioria dos seus colegas (RODRIGUES, 2007). Precisamos de progresso no conhecimento dos fatores que podem levar as escolas a serem mais inclusivas e, dessa forma, terem mais qualidade. Antes de tudo recolhendo, sistematizando, aproveitando tudo o que a escola já é capaz de fazer. Ainscow (2007) afirma que “as escolas sabem mais do que o que usam” e assim se todas as escolas tiverem condições para usarem tudo o que podem e sabem fazer, ir-se-á verificar um enorme avanço. No entanto, o que a escola sabe e tem não é certamente suficiente para empreender esse processo de inovação: é fundamental que se apoiem as escolas para serem capazes de assumir novos desafios. Só quem se sente apoiado ousa fazer algo de diferente e de novo. Esse apoio significa que a escola deve estar convicta de que dispõe de meios humanos e materiais que lhe permita iniciar um processo de inovação. A EI é, em muitos aspectos, não uma evolução da escola integrativa mas antes uma ruptura com a escola tradicional (RODRIGUES, 2006). Por isso, é preciso que as escolas que querem desenvolver uma política inclusiva sejam apoiadas e se sintam apoiadas para empreender projetos criativos, originais e de qualidade para os alunos. A escola tem de se tornar uma organização mais coesa, mais confiante nos seus projetos e capaz de responder solidariamente aos desafios que se lhe deparam. Sem que a escola seja reforçada com mais e melhores recursos, a Inclusão pode tornar-se uma retórica temporária e superficial. 32 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Claro que essa empresa não é fácil: Conseguir a qualidade para todos os alunos por meio da Inclusão é uma tarefa muito mais árdua que construir uma aparente qualidade para alguns alunos por meio do reforço de práticas uniformizadoras e complacentes com a exclusão. A Inclusão é cúmplice da(s) qualidade(s). Não queremos uma inclusão que “sucateie” a escola: todos os alunos têm direito a serem estimulados ao nível máximo das suas capacidades. A diversidade deve ser encarada como uma exigência de qualidade não como um folclore “para inglês ver”. Talvez pudéssemos desenvolver projetos educacionais subordinados à idéia “reconhecer mais qualidade à diversidade e dar mais diversidade à qualidade”. 3 Políticas públicas e EI O presente Seminário relaciona-se com a discussão ao nível nacional das políticas de Educação Especial e de EI no Brasil. Não esquecendo o meu “lugar de fala” como não brasileiro e como mero convidado, gostaria de deixar algumas reflexões genéricas colhidas da experiência do meu país e de outros a que tenho tido acesso e que, talvez, nesse momento de debate nacional, possam ter alguma pertinência. Antes quero realçar a importância que tem o desenvolvimento da escola como instituição. Sem uma escola pública que ofereça formas de organização, de oportunidades de aprendizagem, de diversificação do currículo de apoio à aprendizagem do aluno, etc. será muito difícil contextualizar a EI como uma ilha de qualidade em uma escola precária. Alguns aspectos dessa “escolarização essencial” (RODRIGUES, 2006) são bem conhecidos e consensuais. Precisamos, por exemplo, de uma escola que funcione durante os dois turnos do dia, que tenha transporte e alimentação para os alunos, que funcione sem interrupções letivas que possam afetar o processo de aprendizagem, que possua um corpo docente competente, estável e comprometido e salas de aula com um número de alunos razoável (o número muito difundido no Brasil de 35 (“no mínimo”) alunos por turma parece muito excessivo quando cotejado com outras realidades). Por vezes, a Inclusão é vista como uma inevitabilidade modernista. Seria preciso criar escolas inclusivas porque é essa a tendência internacional e a que mais consistentemente defende os interesses da qualidade educativa para o aluno com necessidades educativas especiais. Entretanto, a Inclusão não deve ser feita a qualquer preço (especialmente se esse preço for barato…). Assumir uma política pública de Educação Inclusiva implica necessariamente um investimento sustentado e prolongado em recursos que possam tornar a escola capaz de responder competentemente a diversos tipos de desafios: o desafio da valorização da diferença, o da diversificação do currículo, do planeamento educacional e o das heurísticas de ensino. Esse processo de fortalecimento da escola implica certamente que nela se desenvolvam ações concretas de formação continuada. 33 Educação Inclusiva: mais qualidade à educação A inclusão não é uma conversão (para usar um termo religioso); é uma inovação educacional que, como todo processo de inovação, necessita de se desenvolver em um clima de confiança. Essa confiança advém do fato de a escola sentir que possui os meios para enfrentar os desafios que a inclusão implica. Assim não é por meio de ações de sensibilização ou de transmissão de aspectos teóricos que se cria essa confiança (RODRIGUES, 2007). Trata-se de desenvolver um processo de apoio situado nos problemas concretos da escola. Cada país encontrará face aos seus valores e práticas os melhores caminhos para desenvolver uma escola de qualidade. O que procuramos discutir nesse texto é a importância de fortalecer a escola pública por meio de políticas que apoiem os professores na criação de respostas. A Inclusão não pode ser inevitável só porque é a única resposta possível; ela tem de se afirmar como sendo a melhor resposta possível, a que proporciona a melhor qualidade educativa para as aprendizagens de todos os alunos. Dispomos de investigação e conhecimento que nos prova que, se a escola regular se comprometer com uma política de qualidade inclusiva, se torna vantajosa em relação às escolas especiais (cf: Humberto; Rodrigues, 2006). Assim, em síntese, diríamos que há aspectos “intrínsecos” à escola que as políticas públicas devem incentivar e promover: o trabalho cooperativo, as lideranças dinâmicas, a promoção da relação entre as escolas e as famílias e as comunidades. Contudo, existem também fatores “extrínsecos”, isto é, aqueles que, por não serem objetos de políticas de apoio podem tornar ineficaz o esforço da escola: os recursos humanos e materiais, o apoio ao desenvolvimento profissional dos professores através de políticas que favoreçam o estabelecimento de parcerias de formação entre escolas de formação ou congéneres e as escolas que desenvolvem modelos inclusivos. 4 Para terminar… Conheci no Brasil, no Estado de São Paulo, um menino chamado Igor. Esse menino tem paralisia cerebral e muita dificuldade em caminhar (ainda que caminhe) e dificuldades na comunicação e na aprendizagem. Educado durante anos em uma Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (Apae), foi sugerido à sua mãe que o matriculasse em uma escola regular. As dificuldades foram muitas: logo na matrícula foi dito à Irma, mãe o Igor, que se ela insistisse talvez a Apae pudesse recebê-lo de volta… a escola não tinha recursos para atender a alunos “desses”. Foi dito, ainda, que como a escola não tinha recursos, ela deveria ficar com ele durante o dia na escola. “Como?” Disse a mãe. “Mas eu tenho de trabalhar…”. Duas semanas depois de Igor entrar na escola, a mãe foi chamada para lhe dizerem que o seu filho não poderia continuar lá porque os alunos tinham de mudar freqüentemente de sala e o Igor, por causa das suas dificuldades de locomoção, demorava muito tempo a chegar e quando chegava estava sempre atrasado. A mãe disse o que era óbvio: “Porque é que a escola não se organiza para que todas as aulas tenham lugar na mesma sala e assim deixar de existir esse problema?”. 34 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Assim, de pequenas vitórias em pequenas vitórias, o Igor ficou firme na escola. No fim do ano, o professor chamou a mãe para lhe dizer algo maravilhoso: que a escola “tinha aprendido muito com o Igor”. E sabem o que mais? Um filme sobre dança com jovens, em que o Igor participava foi selecionado entre os 30 melhores filmes do mundo no 3º Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência realizado no Rio de Janeiro em agosto de 2007. O jornal da sua cidade natal, estourando de orgulho, titulava em página inteira “Jundiaienses entre os melhores do mundo” (Jornal de Jundiaí, 3 de julho de 2007, pág. 3). “Melhores do mundo”? Pois claro que são, por causa a persistência da Irma, por causa da persistência do Igor, por causa da humildade da sua escola em aprender com ele, em lugar só pensar em o ensinar. E tudo isto acontece numa de uma sociedade que se deslumbra com quem chega ao cimo da montanha, mas cria todas as barreiras a quem quer calçar as botas para começar o caminho. Esta me parece ser uma boa estória sobre o lado solar e lunar na Inclusão. Referências AINSCOW, M. A viragem inclusiva. In: LIMA-RODRIGUES, L. et al. Percursos de Educação Portugal: dez estudos de caso. Lisboa: FEEI, 2007. Inclusiva em Portugal BARROSO, J. A “qualidade”. In: FONSECA, Protes da et al. A evolução do sistema educativo e o PRODEP PRODEP. Lisboa: DAPP, 1998. LIMA-RODRIGUES, L. et al. Percursos de Educação Inclusiva em Portugal Portugal: dez estudos de caso. Lisboa: FEEI, 2007. HUMBERTO, J.; RODRIGUES, D. Análise de dois contextos educativos para jovens com deficiência mental profunda. In: RODRIGUES, D. Investigação em Educação Inclusiva Inclusiva, v. 1. Lisboa: FEEI, 2006. NÓVOA, António. Les états de la politique dans l’espace européen de l’éducation. In: LAWN, Martin; NÓVOA, António (Coord.). L’Europe réinventée réinventée. Regards critiques sur l’espace européen de l’éducation. Paris: L’Harmattan, 2005. p.197-224. RODRIGUES, D. Dez ideias mal-feitas sobre a educação Inclusiva. In: RODRIGUES, David. (Org.). Educação e Inclusão Inclusão: doze olhares sobre a educação inclusiva. S. Paulo: Summus, 2006. ______. Notas sobre a investigação em Educação Inclusiva. In: RODRIGUES, David. Inclusiva, v. 1, Lisboa: FEEI, 2007. Investigação em Educação Inclusiva ______. Dimensões da formação para a Educação Inclusiva. Revista Inclusão Inclusão. Brasília: MEC, 2007. No prelo. 35 36 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Berço das desigualdades José Pacheco1 [email protected] Releio o Berço das desigualdades. A cada voltar de página desse livro de Sebastião Salgado, novas imagens confirmam o título. As palavras de Cristóvão são tão concisas quanto discretas e não reduzem o impacto das fotografias que legendam. O olhar penetrante das crianças “desiguais” invade-nos e faz-nos crer que, somente por humana presunção, acreditaremos viver o tempo da História. Na verdade, habitamos a Proto-História do Homem. No tempo que nos coube em sorte viver, os homens dirimem os seus conflitos pelas armas. Matam em nome de um credo. Usurpam territórios em nome da paz. Edificam tribunais e prisões em nome da justiça. As frágeis e absurdas instituições do nosso tempo são reflexos de uma humanização precária. E a instituição Escola, concebida como berço de oportunidades, ainda é um “berço de desigualdades”. O espaço público da Educação ultrapassou a exiguidade das paredes da sala de aula, mas muitos ainda não perceberam essa mutação. Por seu turno, as medidas políticas que visam reformar a instituição são centradas em vícios institucionais jamais questionados, e sempre medidas avulsas. Sucedem-se decretos e despachos, decorrentes das conclusões de gongóricos relatórios produzidos por inúteis grupos de estudo. Acumulam-se no ministério e nas universidades dispendiosos “estudos”, que não logram ir além de óbvias e ressequidas “recomendações”. Somemos à ineficácia dos políticos e “estudiosos” o papel nefasto dos opinion makers, que, impunemente, vertem nos jornais a sua ignorância. Bem nos avisava Hannah Arendt: “tudo quanto é real ou autêntico é atacado pela força esmagadora da ‘tagarelice’ que irresistivelmente emana do domínio público, determinando cada aspecto da vida quotidiana, antecipando e aniquilando o sentido ou o sem-sentido de tudo”. E não esqueçamos a febre dos rankings. Guardo-os no ficheiro das anedotas sem piada. Vivemos imersos em diferentes culturas, mas as medidas de política educativa aplicam-se, indiferenciadamente, em todos os países. As realidades brasileiras são condicionadas por influências transnacionais, em um projeto de modernidade ainda por cumprir. Aferimos o estado do nosso sistema educativo por meio de estudos comparativos, como se fosse possível reduzir a realidade a cifras, ou comparar o que é, diametralmente, diferente. As leis preconizam que se deve assegurar uma formação geral comum a todos, proporcionar aos alunos experiências que favoreçam a sua maturidade física e socioafetiva 1 Mestre em Educação da Criança pela Universidade do Porto/Portugal. Coordenador de vários projetos, destacando-se, entre eles, o projeto “Fazer a Ponte” (distinguido com o primeiro lugar do concurso “Experiências Inovadoras no Ensino”). 37 Berço das desigualdades e criar condições de promoção do sucesso escolar e educativo a todos os alunos. Porém, convivemos com o “insucesso educativo” como se a expressão não fosse, em si mesma, paradoxal. Como pode a palavra “educativo” ser adjetivo da palavra insucesso? Jovens portadores de desigualdades acorrem às escolas, por via de um processo de massificação. Tratando os “desiguais” como se fossem iguais, “em pé de igualdade”, como geralmente acontece, não apenas mantemos a desigualdade, como a aumentamos. Não fora a dedicação e o anônimo esforço de muitos e bons profissionais da educação, há muito o neoliberalismo teria extinto a instituição Escola, como empresa falida. Ainda há quem resista e quem me confidencie vivências que confirmam processos de exclusão. Eu escrevo, denuncio. Posso fazê-lo, porque exponho fatos e não estou exposto a processos disciplinares, que ainda fazem calar muitas vozes. Como a do professor que me escreveu: “A tristeza vem quando me deparo com a realidade das nossas escolas”. Pergunto-me por que será que muitos professores resistem tanto a uma pedagogia diferenciada, quando, para mim e para tantos outros professores, a sua pertinência é tão óbvia. Foi a mesma voz que relatou um incidente crítico, que me custou a acertá-lo. A colega dá-me licença? -- E, sem aguardar resposta, a “colega” entrou na sala. É o que faz deixar vir para a escola esses marginais lá do bairro! Tínhamos uma escola tão bonita e, agora! -- E vai dar um sonoro par de tapas em um dos alunos “feios, porcos e maus”. Grita um catraio da “fila dos bons”: Não foi esse que partiu o vidro, minha senhora! Ai não foi? Então, pronto! Já fica com ela, para quando fizer besteria! Na fila dos burros, onde vegeta o “desigual” contemplado com a bofetada, não há quem saiba ler o “quadro da belezura”, no qual os caladinhos escrevem os seus nomes, no fim de cada aula. Nem o “quadro da feiura”, em que escrevem os seus nomes aqueles que não conseguem completar as suas tarefas escolares no tempo preestabelecido, ou que as terminam antes do tempo e usam o restante em ameno falatório. A fila dos “desiguais”, o “lixo da escola” -- foi a expressão que eu escutei em uma escola “igual”, há muitos anos -- aguarda a hora do intervalo, espera o fim do dia, desespera. Felizmente para os “desiguais”, nem todas as escolas são “iguais”. Creio na remissão das escolas, porque creio no potencial transformador dos seus professores. E acredito que a Escola resgatará o seu papel de “berço de oportunidades”. 38 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores A Inclusão como dispositivo Marisa Faermann Eizirik1 [email protected] Todos trazemos em nós uma revolução. Fomos criados para construir pirâmides e versos, descobrir continentes e mundos, e caminhar, sempre, com um saco de interrogações na mão e uma caixa de possibilidades na outra. Nizan Guanaes Na discussão que tenho feito sobre a inclusão, como contra-face da exclusão, as contribuições de Michel Foucault têm sido muito valiosas, partindo do entendimento de que pensar a inclusão como um dispositivo inserido em poderosas redes de saber/poder, em regimes de verdade que funcionam como sistemas de exclusão, que regulam e disciplinam as práticas sociais, as relações institucionais, a produção de subjetividade. Nessa perspectiva, vou desenvolver alguns tópicos que considero fundamentais como ferramentas para pensar a educação inclusiva como processo, acreditando que conceitos são ferramentas para pensar e agir sobre o mundo e que precisamos constituir uma mentalidade inclusiva. Os tópicos são: a inclusão como dispositivo, o olhar – escutar – perceber; os dispositivos de poder, o desafio da diferença.2 1 A Inclusão como dispositivo Até que ponto rupturas nos dispositivos de exclusão, dando abertura às experiências de inclusão, não estariam intrinsecamente ligados à produção de novas subjetividades, compreendendo subjetividade como um processo sempre provisório, a relação consigo, que se estabelece por meio de uma série de procedimentos que são propostos e prescritos aos indivíduos, em todas as civilizações, para fixar sua identidade, mantê-la ou transformála, em razão de um certo número de fins.3 1 Psicóloga, doutora em Educação/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), professora e pesquisadora/UFRGS. Não tratarei mais profundamente as temáticas da diferença e da exclusão, dimensões que considero fundamentais para a análise do processo de inclusão, pois já as terei abordado no artigo publicado pela Revista Inclusão (MEC) de outubro de 2007. 3 oucault: um pensador do presente Ler mais em EIZIRIK, Marisa F. Michel FFoucault: presente. Ijuí: Editora Unijuí, 2005, 2. ed. 2 39 A Inclusão como dispositivo Será que não precisamos inventar uma subjetividade que possa lidar com o estranhamento, produzir estratégias e táticas em que as diferenças façam parte da experiência, e não o mesmo, o igual, a repetição? Poderemos tolerar, e mesmo experimentar, o sentimento de orfandade que advém da perda das certezas, da vertigem produzida pelas rupturas nos modelos preestabelecidos, do embate com a realidade que é turbulência, perturbação, desordem, convívio com a diferença, num equilíbrio sempre provisório, móvel, multifacetado, complexo? Hoje vivemos uma revolução: a da inclusão. Inclusão como contra-face da exclusão. Revolução porque está produzindo um turbilhão de movimentos que invadem todas as áreas, entram pelos mecanismos legais e forçam a presença – nas empresas, nas escolas, nos lugares públicos, nas diferentes formas de cultura, lazer e diversão, na sexualidade. Como vamos lidar com esse desafio? Como a escola está enfrentando a realidade de incluir em seu cotidiano, em seus processos de ensino regular, o aluno portador de necessidades educativas especiais? Essa necessidade vem não apenas dos instrumentos legais, que visibiliza o movimento que atravessa a sociedade que, sacudida do torpor e da acomodação diante dos lugares separados, das possibilidades limitadas, dos impedimentos, exige uma educação inclusiva. A educação inclusiva é uma prática revolucionária e, como tal, desaloja poderes e saberes, produz necessidades e expectativas, induz a mudanças e aprendizagens, implica sofrimentos, frustrações, expectativas, mas também, prazer e alegria. Um processo dessa natureza pode se assemelhar a uma guerra – metáfora que utilizo aqui – pois entendo que se trata de uma luta, um combate: contra as formas de olhar e atuar no mundo, contra o mesmo, o igual; contra o desejo de não se desacomodar; contra as prerrogativas de poder já estabelecidas e asseguradas; contra os nichos de saber consolidados. 2 Olhar Olhar,, escutar escutar,, perceber Uma das rupturas mais importantes que balança nosso mundo contemporâneo se refere à revolta em relação ao desejo de totalidade, aos universais englobantes, deterministas, reducionistas, instalados e fechados. Vivemos a complexidade do singular. Defendemos ardentemente nossa característica de sermos seres únicos, irrepetíveis. Experimentamos o desafio da diferença, que provoca desarranjos, rupturas, desordens, deslocamentos, revoluções. Revoluções são atos de movimento que não se dão no vazio, nem acontecem sem luta, sem resistência, sem jogo de oposições. Imerso em contradições, “nosso” mundo ao mesmo tempo em que se revolta e se recusa ao fechado, ao dogmático, ao instalado, não gosta da revolta nem da crítica, pede a cada um para adaptar-se, submeter-se à comunicação e às imagens. Diz Badiou:4 40 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores É um mundo rápido e sem memória, em que as opiniões são frágeis e extremamente móveis. A única universalidade que conhece é a do dinheiro. Cada um defende sua particularidade. É um mundo obcecado pela segurança... onde é preciso calcular e proteger o seu futuro. É o mundo da carreira e da repetição. Um mundo onde o acaso é perigoso. Um mundo onde não devemos nos abandonar nos encontros. Podemos praticar alguma forma de resistência “nesse” mundo? Ao desenvolver algumas idéias acerca das formas de pensar e conceber o mundo de forma diferente, ou os riscos dessa aventura acredito, como Campbell,5 que “todos estamos procurando uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida... tenham ressonância no interior de nosso ser e de nossa realidade mais íntimos...” Como realizar essa procura? Morin6 afirma que precisamos de um princípio de conhecimento que não somente respeite, mas também revele o mistério das coisas. Para ele, as disciplinas separadas fragmentam o objeto do conhecimento complexo, conhecimento que fica aprisionado, na medida em que não se comunica, não se inter-relaciona, nem por complementaridade ou por oposição. Em nosso mundo contemporâneo, temos uma visão excessiva, uma escuta polifônica, transparência absoluta. Tudo se mostra ao olhar, à escuta. Tudo parece o mesmo, tudo é produzido para ser visto e ouvido. Não há mais véus nem mistérios. Estamos em permanente movimento, com a urgência da rapidez, da velocidade, pressionando e comprimindo nossas agendas, nossas experiências, nossos modos de viver. Com isso, achatamos a paisagem, que fica mais plana, nossa visão tem menor profundidade, nossa audição se confunde em meio a uma multiplicidade de sons. Sob o impacto da velocidade, perdemos a espessura. Cardoso7 propõe uma interessante ruptura entre ver e olhar. O ver, em geral, conota no vidente uma certa discrição e passividade ou, ao menos, alguma reserva. Nele, um olho dócil, quase desatento, parece deslizar sobre as coisas; e as espelha e registra, reflete e grava. Diríamos mesmo que aí o olho se turva e se embaça, concentrando sua vida na película lustrosa da superfície, para fazer-se espelho...como se renunciasse à sua própria espessura e profundidade para reduzir-se a esta membrana sensível em que o mundo imprime seus relevos. 4 BADIOU, A. Para uma nova teoria do sujeito: conferências brasileiras brasileiras. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002. p. 13. CAMPBELL, J. O poder do mito mito. São Paulo: Palas Athena, 1990. p. 5. 6 MORIN, E. Ciência com consciência consciência. Lisboa: Europa/América, s/d. 7 CARDOSO, Sérgio. O olhar viajante (do etnólogo). In: NOVAES, A. et al. O olhar olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 348. 5 41 A Inclusão como dispositivo Com o olhar é diferente. Ele remete, de imediato à atividade e às virtudes do sujeito e atesta a cada passo nesta ação a espessura da sua interioridade. Ele perscruta e investiga, indaga a partir e para além do visto e parece originar-se sempre da necessidade de “ver de novo” (ou ver o novo), como intento de “olhar bem” Por isso é sempre direcionado e atento, tenso e alerta no seu impulso inquiridor... Como se irrompesse sempre da profundidade aquosa e misteriosa do olho para interrogar e iluminar as dobras da paisagem... Entre o ver o olhar é a própria configuração do mundo que se transforma. O ver é espontâneo, desprevenido , enquanto o olhar é intencional. A visão é totalizante enquanto o olhar é descontínuo, fragmentado, dilacerado. Rompe com a superfície lisa. “O impulso inquiridor do olho nasce justamente da descontinuidade, desse inacabamento do mundo”. Essas mesmas características se impõem ao escutar. Quanto podemos escutar os sons com um tom inquiridor, como procura, como instigador de possibilidades de compreender a realidade em suas múltiplas facetas? Conceber o pensamento sob o signo da viagem, aconselhava Nietzsche,8 e não sob o signo da parada, seria fugir do imobilismo, da crença do inverno, que não suportaria o vento do degelo. Pensar é mudar. Trocar de pele, olhar diferentemente para o que se conhece, escutar diferentemente o que se pensa saber, como um viajante, um estrangeiro. Viajar, porém, não é dado a todos. Há os acomodados, que transitam pelos espaços conhecidos e ordenados. Recusam-se ao enfrentamento dos obstáculos, às angústias das desordens. Aos inquietos – curiosos ou insatisfeitos – o desconhecido instiga e desafia. “Desdenham o homogêneo e o contínuo; são sensíveis às diferenças e atentos aos limites. Afrontam obstáculos e vazios, são impelidos para o espaço aberto”. Viagem, todavia, supõe distância e proximidade, tempo, espaço, inclusões, exclusões, potência e impotência, aventura e frustração; pressupõe, também, um entre, uma passagem, uma travessia. As viagens são sempre “experiências de estranhamento, desarranjos nos territórios, fissuras e fendas, experiências desestruturantes, empreitadas no tempo”. Nesse sentimento de estranheza, de “alheamento” e distância, o mundo do viajante não se estreita, se abre, não se bloqueia, mas experimenta a vertigem da desestruturação, sempre, em alguma medida, marcada pela perda ou morte, de alguma verdade, certeza, convicção, preconceito. O estranhamento proporcionado pelo olhar e a escuta viajantes não ocorrem em relação apenas ao outro, mas também a nós próprios, pois acontecem desenraizamentos e aberturas para diversas e fecundas experiências de viver e aprender. Viagens em intensidade. Isso implica, necessariamente, combate, lutas e enfrentamentos, o que descortina a dimensão do poder. 8 Cf. LEBRUN, G. Passeios ao léu léu. Ensaios. São Paulo, Brasiliense, 1983. 42 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores 3 Os dispositivos de poder Ao introduzir a força como dimensão histórica da luta, do combate, no exercício das diferentes formas de relação entre sujeitos e instituições, Foucault9 destaca que o “poder não se dá, nem se troca, nem se retoma. Ele se exerce. Só existe em ato. A força não está nunca no singular, ela está em relação com outras forças”. O poder é um exercício, “uma ação sobre a ação dos outros, sobre ações atuais e eventuais, futuras ou presentes (...) é um conjunto de ações sobre ações possíveis (...) tendo o pressuposto inalienável da liberdade”. Liberdade compreendida como o infindável questionamento da experiência, que ocorre por meio das ações e opções de acordo com um campo de possibilidades. Os campos institucionais são atravessados por relações de poder, por dispositivos que são máquinas invisíveis, quase mudas e cegas, porém são elas que fazem ver e falar,10 e, também, não ver e calar. Eles se inscrevem em um campo de possíveis e de interditos e se traduzem e se implantam como modos de existência. As formas de saber e as forças que constituem o poder atuam articuladas, formando uma malha fina, microfísica, que percorre todo o tecido social.11 Há dois conjuntos de mecanimos de poder: -- disciplinares, que atingem corpo, indivíduos, e instituições; -- reguladores, que advém do Estado, das leis, e da população.12 Esses poderes não estão no mesmo nível, não se excluem. São articulados um ao outro. • Produzem formas de pensar. • Induzem comportamentos. • Constroem práticas. O elemento que circula entre poder disciplinar e o regulamentador é a norma. Qual é discurso e poder da norma?13 Eliminar, segregar, fragmentar, fazer cisuras, normalizar a sociedade. Excluir faz parte dos códigos de existência. Historicamente, os processos de exclusão acompanham a vida social, institucional, pessoal e até mesmo íntima. Muitas e diferenciadas são as formas de exclusão, sejam como apartheid social, racial, religioso, de gênero, de estado mental, civil ou econômico, para citar algumas.14 9 FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In: RABINOW, P.; DREYFUS, H. Michel FFoucault, oucault, uma trajetória filosófica: (para além hermenêutica). Rio de Janeiro: Forense Universitária,1995. do estruturalismo e da hermenêutica) 10 Ler mais em DELEUZE, G. O que és un dispositivo? In: BALBIER, et al. Michel Foucault Filósofo. Barcelona, Gedisa, 1990: 155-163. 11 FOUCAULT, M. Microfísica do poder poder. Machado, Roberto (Org.). Rio de Janeiro: Graal, 1986. FOUCAULT, M. Les Anormaux -- Cours au Collège de France, 1974-75. Paris, Gallimard/Seuil, 1999. p. 44-48. In: FOUCAULT, M. A verdade as formas jurídicas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau: PUC, 1996. 12 FOUCAULT, M. Em defesa da Sociedade Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 13 Ler mais em CANGUILHEM, G. O normal e o patológico patológico. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000. 14 Ler mais em EIZIRIK, M. F. Por que a diferença incomoda tanto? In: EIZIRIK, M. F. Educação e escola: a aventura institucional institucional. Porto Alegre: Editora AGE, 2001. 43 A Inclusão como dispositivo A sociedade e as instituições desenvolvem mecanismos de separação, rotulação, localização -- de pessoas, grupos, idéias. Esses mecanismos são poderosos produtores de verdades e de ações, que regulam a vida das pessoas. Ao fazer isso, porém, produzem uma complexidade enorme de outros tantos movimentos, atravessado que é o campo social por forças de várias ordens, naturezas e intensidades. O que está em jogo é determinar quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, esses diferentes dispositivos de poder que se exercem, em diferentes níveis da sociedade, em campos e com extensões tão variadas. Importa fazer a análise do poder, dos jogos de exclusão, dos regimes de verdade que separam e deixam fora do sistema grandes contigentes de pessoas, pela exclusão do trabalho, da família, do discurso, da participação plena na sociedade. É preciso atingir a consciência das pessoas e as instituições, simultaneamente, bem ali, onde ambas se suportam, na criação de ideologias, e na sua cristalização, amparadas em fortes instrumentos de poder que, ao mesmo tempo que criam, são também mantidos e sustentados pelos mesmos mecanismos. 4 O desafio da diferença Não seria a educação inclusiva um projeto revolucionário, que precisaria “decifrar as dissimetrias, os desequilíbrios, as injustiças, as violências, que funcionam apesar da ordem das leis, sob a ordem das leis, através das ordens das leis e graças a elas”15 Não seria necessária uma certa desordem para instalar novas ordens de sentido? É importante definir o conceito de desordem que não é uma noção simétrica da ordem. Compreende a idéia de álea, contendo também as idéias de agitação ou de dispersão e quando se trata de um ser vivo, as idéias de ruído e de erro. É a desordem que permite a não predição, a indeterminação, desvios e flutuações, abrindo o espaço para a transformação. Nesse aspecto, Morin chama a atenção para a necessidade de proteger o desvio, apesar das forças institucionais o reprimirem a todo o custo. Acredita ser necessário tolerar e favorecer os desvios no seio dos programas e instituições, a fim de criar um campo intelectual aberto, no qual se debatem e se combatem teorias e visões de mundo. Crise, então, para Morin, significa progressão de incertezas; mas isso não significa confusão, ou que estejamos perdidos nela. Crise quer dizer que perdemos a evolução linear, o devir pré-programado, o futuro autorizado, mas ganhamos um complexo de idéias críticas. Sabemos que as evoluções podem significar regressões, e desenvolvimentos podem trazer subdesenvolvimentos, pois evolução implica rupturas e transformações radicais, 15 Foucault, M. Em defesa da sociedade sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 44 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores das quais conhecemos, muitas vezes, os perigos e nem sempre sabemos qual seu curso ou sua finalização. Apontar essas rupturas sísmicas, subterrâneas; trazer à luz e discutir os antagonismos fundamentais, abrir caminhos para a transformação e a metamorfose são os objetivos da concepção epistemológica da complexidade, que defende a possibilidade de criação advinda da perda da ilusão da infalibilidade, de certeza do progresso. Trata-se de uma racionalidade que integra os paradoxos do movimento, da liberdade, da diferença e integrando-os convida a um convívio com a pluralidade, mas essa entendida como criação, como uma proposta de uma visão de ciência, de mundo, de sociedade, de sujeito. Criação que pressupõe uma ação que, consciente dos riscos, possa enfrentá-los com ousadia, humildade e coragem, nas mil encruzilhadas da hesitação e da dúvida. A autonomia é enfatizada, acompanhada da exigência de responsabilidade, inteligência e criatividade, exigindo a participação de todos e de cada um no jogo da complexidade. Nesse jogo, seria preciso, mais que nunca, compreender a lógica sinfônica, como já foi dito, do inesperado, da surpresa, e onde a incerteza é um ingrediente básico para dialogar com o mistério do mundo. Esse mistério, esse jogo, essa lógica precisam penetrar na ordem das relações, provocando deslocamentos para novos núcleos de sentido, buscando emergências de outras ordens, onde o risco e a aventura sejam companheiros efetivos dos caminhos de (con)viver com a complexidade. Quais os elementos que estão na raiz da questão da diferença?16 • a (re) descoberta da finitude constitutiva da vida. • a necessidade de conviver com a alteridade e os abalos inevitáveis no autoconhecimento e na auto-estima. • o exercício da sensibilidade, o desenvolvimento da escuta e o acolhimento à pluralidade. • a experiência de olhar a diversidade do mundo com diferentes lentes, enfrentando suas contradições e paradoxos. • o abalo narcisista que significa a ruptura da imagem idealizada, e a necessidade de reformulá-la, trazendo em seu bojo simbólicas formas de nascer e de morrer. Não será o narcisismo a fragilidade para aceitar a diferença? Talvez pudéssemos exercitar a estrangereidade em nossas práticas cotidianas, que é própria de quem não é do lugar, acabou de chegar, pode ver e escutar o que, os que lá estão, não são capazes de perceber – como acontece quando experimentamos algo pela primeira vez, com frescor, originalidade, entusiasmo, encantamento. 16 EIZIRIK, M. F. Por que a diferença incomoda tanto? In: EIZIRIK, M. F. Educação e escola: a aventura institucional institucional. Porto Alegre: AGE, 2001. p. 37-57. 45 A Inclusão como dispositivo Há um desconforto com esse estrangeiro que é ao mesmo tempo íntimo e secreto, duplo e opaco, destituído de forma, que inspira horror e que queremos ver fora, mas que retorna, constantemente, como fantasma, estranha presença do que nos é tão familiar e tão (in)visível. Uma possibilidade seria misturar múltiplas experiências, criar algum caminho novo ou uma nova forma de pensar. Quem sabe embarcar numa viagem como a realizada por Dante em A Divina Comédia: “É preciso olhar com os olhos bem abertos e poder voltar a perguntar-nos tudo, questionarmos tudo”. Isso significa a construção de uma estética da aprendizagem, buscando na raiz etimológica aesthesis, ou seja, sensibilidade, uma força motriz revitalizante para pensar e agir nesse campo, em que ensinar e aprender exigem que olhemos, escutemos, percebamos nossas realidades por meio de múltiplas lentes, em um exercício permanente e excitante, como é a própria vida. O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar, a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro. Mia Couto, Terra Sonâmbula Referências ara uma nova teoria do sujeito BADIOU, A. P Para sujeito: conferências brasileiras. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002. CAMPBELL, J. O poder do mito mito. São Paulo: Palas Athena, 1990 CARDOSO, Sérgio. O olhar viajante (do etnólogo). In: NOVAES, A. et al. O olhar olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 347-360. CANGUILHEM, G. O normal e o patológico patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. DELEUZE, G. O que és un dispositivo? In: BALBIER, et al. Michel Foucault Filósofo. Barcelona, Gedisa, 1990. p. 155-163. EIZIRIK, M. F. Educação e escola escola: a aventura institucional. Porto Alegre: Editora AGE, 2001. ______. Michel Foucault Foucault: um pensador do presente. 2. ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2005. 46 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999. _______. Microfísica do poder poder. MACHADO, Roberto (Org.). Rio de Janeiro: Graal, 1986. ______. A verdade as formas jurídicas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau: PUC, 1996.. _______. Les Anormaux. Cours au Collège de FFrance, rance, 1974-75 1974-75. Paris, Gallimard/Seuil, 1999. p. 44-48. ______. Vigiar e punir punir: nascimento da prisão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. LEBRUN, G. Passeios ao léu léu. Ensaios. São Paulo, Brasiliense, 1983. MORIN, E. Ciência com consciência consciência. Lisboa: Europa/América, s/d. RABINOW, P.; DREYFUS, H. Michel FFoucault, filosófica: (para além do oucault, uma trajetória filosófica estruturalismo e da hermenêutica.) Rio de Janeiro: Forense Universitária,1995. 47 48 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Sobre o especial na e o especial da educação -- breves considerações Maria Teresa Eglér Mantoan1 [email protected] “Não fora um conjunto de equívocos, imprecisões, dissonâncias entre os propósitos de uma escola para todos e sua operacionalização, teríamos, certamente, avançado muito mais na direção da inclusão escolar. Esses percalços devem-se a questões de ordem conceitual e organizacional e entre elas podemos identificar o que chamamos de indiferenciação entre o especial na educação e o especial da educação. Não se trata aqui de jogar com as palavras, mas de se expor o que é pertinente a cada uma dessas situações, que podem interferir decisivamente para que o ensino especial e o ensino regular tomem rumos compatíveis ou não com os propósitos da escola inclusiva.” O especial na educação escolar compreende os serviços oferecidos pela Educação Especial ao ensino escolar. Esses serviços preparavam alunos com deficiência para uma possível integração em turmas das escolas comuns e/ou substituíam o ensino regular, quando não havia condições de esses alunos serem encaminhados às escolas comuns. Há ainda muitos resquícios desse entendimento do especial na educação, que justificam a manutenção das classes especiais e escolas especiais. Como campo de conhecimento, a Educação Especial continua inalterada, na sua concepção, buscando o entendimento do processo educacional de alunos com deficiência e com altas habilidades. A concepção modifica-se, no entanto, quando se trata da presença da Educação Especial, como modalidade, no ensino escolar. Presente em todas as etapas dos níveis básico e superior de ensino, ela passa a ser complemento da formação de alunos com deficiência, perdendo sua condição de substituir o ensino comum, curricular em escolas e classes especiais. O atendimento educacional especializado (AEE) constitui esse complemento, que é assegurado aos alunos que dele necessitarem. Para freqüentá-lo, os alunos com deficiência em idade de cursar o Ensino Fundamental e as demais etapas do ensino 1 Doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas; Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade (LEPED) do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); autora de várias obras com o tema inclusão; e professora da graduação e do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação --- Unicamp. 49 Sobre o especial na e o especial da educação -- breves considerações básico devem, obrigatoriamente, estar matriculados e freqüentando as turmas de sua faixa etária, nas escolas comuns. No Capítulo III, Da Educação, da Cultura e do Desporto, artigo 205 a Constituição diz, em seu art. 208, que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...]”atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. O direito ao atendimento educacional especializado (AEE) está igualmente previsto nos artigos 58, 59 e 60 da Lei nº 9.394/96 – LDBEN e, para não ferir a Constituição, ao usar o termo Educação Especial, deve fazê-lo, segundo sua nova interpretação, com base no que a Constituição inovou, ao prever o “atendimento educacional especializado e não mais a Educação Especial”, como constava das legislações anteriores. A Educação Especial, quando presente no ensino escolar, de acordo com essa nova concepção, atinge necessariamente a escola comum em seus fundamentos e práticas. De fato, se os alunos com deficiência passam a realizar seus estudos em escolas comuns, esse alunos, assim como outros que foram excluídos das escolas comuns, constituem uma forte pressão para que o ensino comum seja revisto em suas bases teóricometodológicas e em sua organização pedagógica. É certo também que os alunos com deficiência são a grande preocupação dos professores, gestores das escolas comuns para que elas se tornem inclusivas, mas sabemos que a maior parte dos alunos que fracassa na escola são aqueles que não vêm do ensino especial, mas que possivelmente acabarão nele! Na perspectiva de um ensino para todos, o especial na educação assegura o prosseguimento dos estudos de alunos com deficiência, nas escolas comuns, por meio do atendimento educacional especializado, que provê meios de que esses alunos necessitam para eliminar/reduzir barreiras que suas deficiências impõem em maior ou menor grau ao aproveitamento escolar, nas turmas comuns de ensino regular. O AEE, contudo, não tem poderes para avaliar/definir quem está ou não em condições de cursar o ensino comum. O direito de todos à educação incumbe-se do acesso e permanência de todos os alunos, com e sem deficiência, às escolas comuns. O que entendemos como especial da educação provém dos princípios da inclusão escolar e provoca uma re-significação da educação comum, no seu sentido mais pleno. Reconhece-se o especial da educação quando a escola atende às diferenças, nas salas de aula, sem discriminá-las, sem estabelecer regras específicas para se planejar, para avaliar o desempenho de alguns de seus alunos (currículos adaptados, atividades facilitadas, avaliações especiais da aprendizagem). O especial refere-se ao conjunto de condições que qualificam as escolas para a inclusão escolar, como propõem a nossa Constituição Federal de 1988 e a Declaração de Salamanca e é depreendido do acolhimento de todos os alunos, indistinta e espontaneamente, da atenção das escolas ao que pode produzir situações de exclusão e suas implicações, como o fracasso escolar, a evasão e outras. 50 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Mudanças que estão sendo implementadas em sistemas públicos e particulares de ensino visando à inclusão continuam, na maioria das vezes, entendendo o especial da educação, a partir de marcos teóricos que não conseguem superar os preceitos igualitaristas e universalistas da Modernidade. Esses marcos apregoam a disciplinarização, a padronização, a precaução contra a incoerência, a indeterminação, a indefinição e tudo o mais que possa desestabilizar as escolas, insistindo em manter a sua ânsia pelo lógico, pela negação das condições que produzem as diferenças. A orientação é incompatível com o especial da educação inclusiva. Temos dificuldade de incluir todos nas escolas, porque a multiplicidade incontrolável e infinita das suas diferenças inviabiliza o cálculo, a definição desses sujeitos e não se enquadra na cultura de igualdade das escolas. A diferença é difícil de ser recusada, de ser negada, desvalorizada e o especial da educação e o especial na educação que não conseguem assimilá-la, em um quadro interpretativo includente, reproduzem o igualitarismo essencialista, em que se a exclusão se perpetua. Há, então, de se mudar de quadro referencial e definir o especial da e na educação com base no reconhecimento e valorização das diferenças, demolindo os pilares nos quais a escola tem se firmado até agora. A igualdade abstrata não propiciou a garantia de relações justas nas escolas. A igualdade de oportunidades, que tem sido a marca das políticas igualitárias e democráticas no âmbito educacional, também não consegue resolver o problema das diferenças nas escolas, pois elas escapam ao que essa proposta propõe, diante das desigualdades naturais e sociais. Em sua obra Teoria da Justiça, Rawls (2002) opõe-se às declarações de direito do mundo moderno, que igualaram os homens em seu instante de nascimento e estabeleceram o mérito e o esforço de cada um, como medida de acesso e uso de bens, recursos disponíveis e mobilidade social. Para esse filósofo político, a liberdade civil com suas desigualdades sociais e a igualdade de oportunidades com suas desigualdades naturais são arbitrárias do ponto de vista moral; ele propôs uma política da diferença, estabelecendo a identificação das diferenças como uma nova medida da igualdade. Ele assim pronunciou-se: [...] Assim, somos levados ao princípio da diferença, se desejamos montar o sistema social de modo que ninguém ganhe ou perca devido ao seu lugar arbitrário na distribuição de dotes naturais ou à sua posição inicial na sociedade sem dar ou receber benefícios compensatórios em troca (p. 108). O referido autor, caminhando na mesma direção das propostas escolares inclusivas, defende que a distribuição natural de talentos ou a posição social que cada indivíduo 51 Sobre o especial na e o especial da educação -- breves considerações ocupa não são justas, nem injustas. O que as torna justas ou não são as maneiras pelas quais as instituições (no caso, as educacionais) fazem uso delas. Ele sugere, então, uma igualdade democrática, que combina o princípio da igualdade de oportunidades com o princípio da diferença (idem, ibid., p. 79). A sugestão de Rawls tem opositores, por ser contra à noção de mérito. Para os que lutam por uma escola verdadeiramente inclusiva, na mesma linha argumentativa de Rawls (idem, ibid.), o merecimento não parece aplicar-se devidamente aos que já nascem em uma situação privilegiada socialmente, aos que já tiveram a oportunidade de se desenvolver, a partir das melhores condições de vida e de aproveitamento de suas potencialidades; o mérito deve ser proporcional ao ponto de partida de cada um. Rawls (idem, ibid.), ao combinar os dois princípios, reconhece que as desigualdades naturais e sociais são imerecidas e precisam ser reparadas e compensadas, e o princípio da diferença é o que garante essa reparação, visando à igualdade. O autor ressalta ainda que a igualdade de oportunidades é perversa, quando garante o acesso, por exemplo, à escola comum, de pessoas com alguma deficiência de nascimento ou de pessoas que não têm a mesma possibilidade das demais de passar pelo processo educacional em toda a sua extensão, por problemas alheios aos seus esforços. Entretanto, não lhes assegura a permanência e o prosseguimento da escolaridade em todos os níveis de ensino. Mais um motivo para se firmar a necessidade de repensar e de romper com o modelo educacional elitista de nossas escolas e de reconhecer a igualdade de aprender como ponto de partida, e as diferenças no aprendizado, como processo e ponto de chegada. Joseph Jacotot2 traz um olhar original sobre a igualdade, que se emaranha nas questões de direito, de política, de promessas constitucionais. Para esse professor de idéias extravagantes para a sua época e para a atualidade, a igualdade não seria alcançada a partir da desigualdade, como se espera atingi-la, até hoje, nas escolas; acreditava em uma outra igualdade, a igualdade de inteligências. Jacotot defendia o ser humano como ser cognoscente, capaz de aprender, de conhecer e defendia essa capacidade de toda submissão – uma inteligência não pode submeter uma outra. Em uma palavra, a emancipação da inteligência proviria dessa igualdade de capacidade de aprender, que vem antes de tudo, que é ponto de partida para qualquer tipo ou nível de aprendizagem e não o seu resultado!!! 2 Educador que viveu de 1770 a 1840. Foi trazido do esquecimento da história da pedagogia do século XIX por Rancière e outros filósofos que se propõem a entender a educação pelo seu avesso. 52 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores O professor, portanto, não deveria negar essa capacidade, esse “lugar do saber” que é anterior a qualquer aprendizagem e que cada aluno tem de ocupar no seu percurso educacional. Não reconhecendo a emancipação intelectual nessa perspectiva revolucionária, estaríamos ferindo o princípio de igualdade intelectual e, assim, embrutecendo esse aluno com um ensino explicativo e limitador, que o assujeita à verdade do mestre, sem contestações. Rancière (2002) relembra os ensinamentos de Jacotot, quando diz: Há desigualdade nas manifestações da inteligência, segundo a energia mais ou menos grande que a vontade comunica à inteligência para descobrir e combinar relações novas, mas não há hierarquia de capacidade intelectual (p.49). As grandes lições desse mestre são mais um argumento em favor da necessidade de combinar igualdade com as diferenças e de nos distanciarmos dos que se apegam unicamente à cultura da igualdade de oportunidades liberal e do mérito para defender a escola do seu caráter excludente, que bane os que por desigualdades significativas de nascimento e/ou desigualdades sociais não conseguem preencher os requisitos de um padrão de aluno previamente estipulado. A escola insiste em afirmar que os alunos são diferentes quando se matriculam em uma série escolar, mas o objetivo escolar, no fim desse período letivo, é que eles se igualem em conhecimentos a um padrão que é estabelecido para aquela série, caso contrário serão excluídos por repetência ou passarão a freqüentar os grupos de reforço e de aceleração da aprendizagem e outros programas embrutecedores da inteligência. A indiferença às diferenças está acabando, passando da moda. Nada mais desfocado da realidade atual do que ignorá-las e isolá-las em categorias genéricas, típicas da necessidade moderna de agrupar os iguais, de organizar pela abstração de uma característica qualquer, inventada, e atribuída de fora. Os alunos jamais deverão ser desvalorizados e inferiorizados pelas suas diferenças, seja nas escolas comuns, como nas especiais. Esses espaços educacionais não podem continuar sendo lugares da discriminação, do esquecimento, que é o ponto final dos que seguem a rota da proposta da eliminação das ambivalências com que as diferenças afrontam a Modernidade. A intenção de destacar o especial na e da educação, nesse texto, é a nossa contribuição para esquentar o debate e a oportunidade de firmarmos uma posição diante dos rumos a serem tomados pela nossa educação nesses tempos de (in) decisão e de inquietude. 53 Sobre o especial na e o especial da educação -- breves considerações As mudanças propostas pelas novas políticas educacionais para o ensino regular e especial ensejam a recolocação de questões, o reencontro das dúvidas, o confronto de nossas pretensões com as incertezas, com a incompletude, com a instabilidade do conhecido. Enfrentar idéias, posicionamentos, situações novas, que exigem desprendimento e desconfiança de todo saber que nos nutriu e com o convencionalismo de nossas concepções e práticas, não é fácil, mas possível! Referências RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante ignorante. Cico lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. RAWLS, John. Uma teoria da justiça justiça. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 54 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos quanto ao futuro da inclusão escolar? Claudio Roberto BAPTISTA1 [email protected] As reflexões que integram o presente texto partem de algumas premissas que precisam ser destacadas para que se torne compreensível o ponto de vista de quem escreve. As intensas mudanças que têm caracterizado a educação especial contemporânea encontram resistências que perpassam vários âmbitos constitutivos da nossa vida em comum. Do plano legislativo à prática cotidiana. Das diretrizes curriculares às sensações evocadas diante daqueles que insistentemente chamamos “diferentes”. Da ausência de responsabilidade anunciada (“isso não nos diz respeito”) ao movimento de circunscrever o fenômeno da inclusão em um circuito delimitado da educação especial (“isso é com vocês!”). Como reagir a esse estado atual? Como provocar mudanças, e em que direção, para que a perspectiva inclusiva se consolide? Essas parecem ser perguntas que orientam as ações que têm nos reunido como interessados. Há uma percepção de uma parcela dos profissionais envolvidos com a educação especial de que o avanço oportunizado pelos dispositivos legais, para favorecer a inclusão escolar, estaria estagnado e que seria o momento de colocar em discussão esses dispositivos. Essa perspectiva poderia produzir efeitos quanto à mudança no plano das leis que orientam a escolarização? Certamente sim. Essa perspectiva poderia associar essas mudanças legais às alterações que constituiriam a escola brasileira como uma escola inclusiva? Esse é nosso grande desafio. Dentre os tantos pontos de partida para essas questões, temos um: a definição de uma Política Nacional e as responsabilidades dos gestores em seus diferentes níveis. Nesse sentido, a Secretaria de Educação Especial do MEC tem provocado instâncias integrantes da sociedade brasileira para instituir um movimento de revisão do texto que constitui a Política Nacional de Educação Especial. Ou melhor, de proposição de uma nova Política de Educação Especial. Para tanto, alguns pesquisadores da área, dentre os quais me incluo, integram uma comissão assessora que tem trabalhado na busca de palavras e na interação com interlocutores. Substancialmente, é esse nosso trabalho: buscar palavras e dialogar. Não é pouco, considerando o universo deslizante das palavras, seus equívocos, 1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). www.ufrgs.br/faced/pos 55 Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos quanto ao futuro da inclusão escolar? seus múltiplos sentidos, suas armadilhas... Não é pouco, considerando que o diálogo é uma tarefa árdua que nós perseguimos sempre, ensinamos a nossos alunos que esta é a verdadeira direção do ato educativo, mas apenas raramente somos capazes de instituir diálogos. Pretendo, considerando essa meta, com esse texto, apresentar o ponto de vista de que falo; abordar brevemente os sentidos e as direções desse movimento de instituição de uma Política Nacional de Educação Especial; refletir sobre algumas armadilhas que identifico associadas à nossa tendência de simplificar os desafios e acreditar demasiadamente na potência daquilo que se anuncia como novo. Abordarei de forma conjunta os dois primeiros itens para depois ocupar-me do terceiro e, então, buscar um fechamento reflexivo. 1 Pontos de partida Represento um grupo de pesquisa (Nepie2 -- UFRGS) da área da educação especial que tem se ocupado na análise da política nos seus desdobramentos em termos de uma política do cotidiano, investigando as relações entre o discurso político e as práticas educativas como constituidores de sujeitos. Minha disposição, portanto, de integrar um grupo que se ocupa das palavras e do diálogo é intensa, porém reconheço que a riqueza desses encontros está na possibilidade de nos deixar interpelar, sem pretensão alguma de uma coesão que impeça a identificação das diferenças que nos constituem. Até o presente momento, podemos dizer, a respeito da instituição de uma “nova política de educação especial”, que o sentido de provocar movimento pode ser visto como aquele de valorizar a política “instituinte”, para resgatar um termo tão caro à pedagogia institucional (MEIRIEU, 2002; BAPTISTA, 2004). Essa reconfiguração viabiliza-se por meio de uma ampliação de interlocutores que têm diferentes canais de inserção social e institucional, como ocorre com pesquisadores, gestores, educadores em diferentes níveis. Pode ser compreendida como uma ação política de fazer com que a tarefa de escrita coletiva de um texto seja uma oportunidade de construção, pelas palavras e pelo diálogo, de uma perspectiva que se encontra anunciada, porém, como destaquei nas premissas iniciais, tão carente de pontos de afirmação. Desse modo, talvez tenha maior importância nossa oportunidade de confrontar nossas opiniões e rever nossos pontos de vista que a inscrição da palavra que se assume como “a política”. Pensar desse modo é reconhecer que o texto ao qual chegaremos será necessariamente 2 Núcleo de Estudos em Políticas de Inclusão Escolar (Niepie): www.ufrgs.br/faced/pesquisa/nepie 56 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores parcial e, provavelmente, contraditório em certos aspectos, mas que vale a pena investir na política como essa ação de “ocupar-se das coisas públicas”(ROSSO, 1998). Assumir esse ponto de vista é também entender-se como partícipe de um movimento que congrega planos muito diferenciados e complexos que estão em mutabilidade contínua. Por isso, como ocorre com nossa ação de docentes, fazemos movimento no movimento, pois cada aluno que muda com a experiência educativa nada tem de estático e plácido. Se pretendemos movimento, na política, devemos ser capazes de fazer movimento no movimento. 2 Direções e tensões na instituição de uma política de educação especial Temos discutido insistentemente as vantagens de uma educação que acolha a todas as crianças, independentemente de suas características e de suas limitações. Porém, esse debate tem se restringido aos responsáveis pela educação especial. Essa afirmação vale tanto para o plano acadêmico (quem investiga os processos inclusivos?) quanto para aquele da gestão (quem se ocupa da inclusão nas redes de ensino?). Em ambos os casos, nossa resposta tende a ser: aqueles “da educação especial”. Diante de uma intencionalidade de intensificação da inclusão como diretriz, identifico como necessário para a elaboração de uma Política Nacional de Educação Especial o envolvimento de setores não específicos da área, a começar pelos gestores nacionais que são responsáveis pela educação chamada regular. Quanto mais nos resignarmos diante da ação que se anuncia dirigida à inclusão, tendo como partícipes os responsáveis pela educação especial, mais teremos seus efeitos no cotidiano das escolas, em razão da não-implementação de mudanças que deveriam ocorrer no ensino comum para dar viabilidade a processos inclusivos. Não serão apenas os responsáveis pela educação especial a indicar como o ensino comum deverá ser modificado para dar conta da escolarização de alunos com deficiência ou com necessidades educativas especiais. Essas indicações podem ter sentido quando se referem ao plano dos estudos, da pesquisa, mas os gestores, com responsabilidades diretas na vida dos sistemas de ensino, deverão ser mobilizados nas diferentes áreas que constituem a escolarização e não apenas os setores específicos ligados à educação especial. Esse, segundo acredito, é um fenômeno que acaba se reproduzindo do Ministério da Educação às mais remotas escolas rurais. Insisto: quem se ocupa de inclusão escolar? Quais as nossas habilidades e oportunidades de diálogo com os responsáveis pelo ensino comum? Quais as responsabilidades assumidas por gestores e professores do ensino comum na direção de uma política de inclusão escolar? Em geral, as iniciativas de investigação (TEZZARI, 2006; BAPTISTA; DORNELES, 2004) têm mostrado que continua havendo uma responsabilidade circunscrita: quem se ocupa de inclusão é, na melhor das hipóteses, o responsável pelo setor de educação especial das secretarias, o professor especializado, o professor de sala de recursos; mas também pode ocorrer a compreensão de que quem se ocupa é a instituição especializada que se “transforma” 57 Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos quanto ao futuro da inclusão escolar? em pólo assessor, com a difícil tarefa de “tradução” de práticas típicas da educação especial para o contexto do ensino comum. Quanto mais distante do ensino comum estiver o responsável, mais intenso será o abismo entre o conhecimento específico pedagógico e a possibilidade de uma ação planejada pelos docentes. Talvez essa seja nossa urgência número um: admitir que essa cisão é prejudicial aos processos inclusivos e que é algo que evoca nossa responsabilidade compartilhada. Todos compactuamos, por meio da nossa naturalidade ou da nossa ausência de iniciativa, com uma lógica que mantém as fragmentações na escola. Resta saber quais são nossas capacidades articuladoras, não apenas para fazer com que a relação profissional do educador especializado se torne mais sintônica com a ação do colega do ensino comum, mas para fazer com que os gestores que não são da educação especial passem a se ocupar de fenômenos que dizem respeito à inclusão escolar. Nosso diálogo e nosso movimento de assunção de responsabilidades começam na escolha das palavras para o possível diálogo. É dessas palavras que desejo me ocupar a seguir. 3 O ato de escolher palavras No início desse texto, afirmei que a palavra é o terreno da possibilidade de diálogo e, igualmente, o terreno de muitos equívocos em decorrência do caráter deslizante dos sentidos. A psicanálise nos ensinou que não existe a palavra livre desse risco, assim como o fizeram autores como Vigotsky e Bateson. No entanto, penso ser interessante uma ação reflexiva que consiga antecipar alguns riscos. O que ocorreu nas últimas duas décadas foi a valorização de um termo que, embora conceitualmente muito diferente de “deficiência”, passou a substituir essa palavra na educação especial: necessidades educativas ou educacionais especiais. Esse conceito, muito mais amplo, por envolver também alunos que apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem, tem sido o conceito predominante em nível internacional e orientador das políticas educacionais no Brasil. As vantagens dirigidas ao conceito estariam ligadas à sua capacidade de envolver o contexto, pois a produção das chamadas dificuldades de aprendizagem, todos sabemos, tem nos contextos de referência dos alunos uma forte dimensão constitutiva. A escola contribui para que as crianças tenham dificuldades, até mesmo acentuadas, de aprendizagem. Quanto aos efeitos desse conceito na organização dos sistemas de ensino, podemos identificar um esforço de identificação de um continuum entre o aluno do ensino comum, o aluno do ensino comum que demanda algum apoio pedagógico (laboratório de aprendizagem ou oficinas) e o aluno do ensino comum que demanda o atendimento especializado oferecido em salas de recursos por educadores com formação em educação especial. Em outra direção, temos acompanhado a emergência de críticas de muitos estudiosos da área quanto à generalização do termo “necessidades educativas especiais”, para ter se tornado muito amplo e envolver alunos que não necessariamente precisariam do atendimento educacional especializado. 58 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Em alguns documentos internacionais, a conceituação envolve crianças que vivem em condições de desvantagem que podem contribuir para que haja dificuldades na escola ou que têm suas dificuldades associadas às dimensões culturais ou lingüísticas. Assim, pode-se dizer que, pela imprecisão do diagnóstico, poderíamos ter crianças identificadas como alunos com necessidades especiais sem que o fossem. Esse fenômeno não é exclusivo do atual momento histórico e nem desse conceito. Devemos retomar essa questão. Reconheço uma disposição por parte de vários setores responsáveis pela atual discussão sobre a política de educação especial, para propor que abandonemos o conceito “necessidades educacionais especiais” e passemos a identificar o aluno da educação especial como aquele com deficiência, com altas habilidades e com transtornos globais de desenvolvimento. Quais os efeitos de uma decisão dessa natureza para a política brasileira relativa à educação especial? O ponto de partida que identifico como organizador de minha leitura é: não existe conceito que nos livre dos problemas, pois estamos em um território que, para além das palavras, tem representado a “periferia” (BAPTISTA, 2006). A educação especial, a educação popular, a educação de jovens e adultos são campos de conhecimento e atuação que têm tido uma posição secundária quando nos referimos às políticas (considere-se os recursos econômicos o número de atendimentos, a emergência de elementos de divulgação). Reafirmo, portanto, que seria uma ilusão a crença de que reduziríamos os problemas da educação especial, restringindo o conceito e abandonando um termo considerado “vago”. Não resolveremos nossos problemas com base nessa restrição por dois motivos específicos que merecem muita atenção. Primeiro, porque a idéia de que, ao restringir, garantiremos o atendimento especializado a quem de fato necessita é falsa. Falsa quando consideramos o número de oferta de vagas comparado ao universo de pessoas que seriam o contingente potencial da educação especial. A oferta extremamente reduzida foi analisada por Odeh (2000), em estudo que mostrava como, contraditoriamente ao que se pensa, os alunos com necessidades especiais já se encontram matriculados no ensino comum e não se beneficiam de serviços de apoio. Esse movimento que a autora chama de “integração não-planejada” tem suas vantagens e seu lado perverso. A vantagem seria a não-identificação do aluno, permitindo que o mesmo tenha a chance de tentar a escolarização, ainda que em uma escola que não está devidamente preparada para essa tarefa. O lado perverso é aquele que, em razão do tipo de escola que temos (não da ausência de identificação do aluno), o que ocorre freqüentemente é a produção de sujeitos não escolarizados e que acabam abandonando a escola, com um forte sentimento de que o “erro” estaria nele (“eu não fui feito para essa experiência”). O que fazer? Em quais situações seria compreensível que se defendesse a restrição conceitual, com ênfase em alguns grupos de sujeitos? A primeira questão a ser respondida 59 Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos quanto ao futuro da inclusão escolar? é relativa à definição. Para esse debate, escolho um grupo de sujeitos que têm no diagnóstico um tema polêmico, o que não é verdade para todos os quadros de deficiência. No entanto, esses sujeitos têm sido aqueles que constituem o maior contingente de alunos da educação especial.3 Refiro-me ao aluno com deficiência mental. A quem cabe definir o aluno com deficiência mental? Quem se ocupará da diferenciação entre esse aluno e aquele com dificuldades de aprendizagem? Historicamente, apesar de termos freqüentemente evocado a responsabilidade de “equipes multidisciplinares”, sabemos que duas áreas têm sido responsáveis por essa identificação: a psicologia e a medicina. Na última década, com base na ênfase ao conceito necessidades educativas especiais, o trabalho do educador especializado tem sido valorizado na identificação inicial do aluno. Apesar disso, nossos indicadores numéricos, como mostra o censo escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), continuam sendo pautados nas categorias associadas à deficiência. Portanto, há ao menos dois planos diferenciados de consideração do sujeito: um mais genérico para indicar de quem devemos nos ocupar e outro mais restritivo, que é acionado no momento de quantificar esses alunos. Como fortalecer uma tendência de valorização do diagnóstico inicial realizado pelos educadores especializados e, contemporaneamente, defender o retorno a parâmetros mais restritivos associados à deficiência? No caso da deficiência mental, esse movimento terá como efeito a valorização da ação profissional dos psicólogos e dos médicos para efetuar a identificação ou para decidir sobre a avaliação inicial desse sujeito. O recurso à área da saúde ocorre ainda hoje, mesmo tendo como parâmetro as necessidades especiais e mesmo em redes de ensino nas quais o educador especializado tem seu trabalho extremante valorizado. Creio que essa tendência deverá se acentuar. O que faremos com nosso esforço histórico para garantir uma avaliação contextualizadora e a ocorrência de oportunidades que, muitas vezes, são favorecidas pela ausência de um rótulo explícito como “deficiente mental”? Quais os riscos de, apesar de nossa boa intenção atual, contribuirmos para uma valorização de uma concepção biologizante na avaliação desses alunos? Se houve, durante muito tempo, o processo de diagnóstico de deficiência mental imposto a alunos com dificuldades de aprendizagem, que garantias temos de que essa não será a direção provável com a revalorização desses conceitos no plano da política? Não tenho essas respostas, mas sinto-me na obrigação de destacar esse risco. Resta a tarefa de nossa contínua “busca pelas palavras”. 3 De acordo com o Censo escolar do Inep/2006, os alunos com deficiência mental correspondem a aproximadamente 40% do total de alunos da educação especial. Caso consideremos as possíveis relações desse grupo de sujeitos com o segundo contingente numérico (14% -- condutas típicas), a tendência seria de aumento do número total de alunos com essa deficiência. Esclareço que apesar de serem grupos distintos, ambos têm a indefinição de parâmetros identificadores como características e, além disso, há sobreposições entre os dois grupos. 60 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores 4 A dimensão pedagógica No que se refere à dimensão pedagógica do debate atual sobre a Política Nacional de Educação Especial, penso que merecem atenção dois pontos que nos auxiliam a pensar os sujeitos e os espaços da educação. Quanto aos sujeitos, tenho observado a predominância de uma referência ao conceito de “pessoa” nos debates atuais sobre a “nova política”. Apesar de reconhecer a importância do termo o qual teve seu lugar de destaque na Constituição de 1988 – a Constituição chamada Cidadã --, entendo que uma política de educação deveria focalizar um personagem mais definido e dar ênfase ao “aluno”. Esse foi o termo enfatizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996. Quanto aos espaços educacionais, considero que as diretrizes da atual política, além de assegurarem o ensino comum como espaço de todos os alunos, deveriam indicar o privilégio da dimensão pedagógica associada a dispositivos didáticos como a sala de recursos e como a ação do professor especializado na condição de “professor de apoio”. Devemos nos interrogar sobre as metas da implementação desses dispositivos e sobre suas relações com o projeto político-pedagógico da rede de ensino em questão. A sala de recursos é um dispositivo potente nos processos inclusivos em razão de sua atuação complementar, porém não avançaremos no uso desse espaço se não houver um investimento na sua qualificação pedagógica, o que tem precária relação com a concepção dessa sala como um espaço físico diferenciado, com materiais típicos do ensino especializado, podendo resultar em uma espécie de microclínica no interior da escola. Nosso desafio, portanto, é pensar dispositivos que estejam articulados a um projeto geral que valorize os processos inclusivos. 5 Para concluir Considero que vivemos um momento privilegiado e desafiador. Temos acesso às informações; temos disposições legais que já indicavam uma diretriz “inclusiva” que agora tende a se intensificar; temos conhecimento acumulado sobre a prática pedagógica. No entanto, temos também desafios associados às dimensões de nossa tarefa histórica de pensar a educação no Brasil, em paralelo com as demais prioridades nacionais. Ao debatermos a Política Nacional de Educação Especial, a dinâmica de um diálogo plural pode ser um bom indício. Contudo, é importante que não tenhamos tantas ilusões. Ainda há muito a fazer. Trata-se de valorizar um processo de escolhas de palavras e de fortalecer a ação dirigida aos contextos em movimento, o que deveria nos implicar ainda mais. Penso que um dos efeitos desejáveis desse momento histórico seria aquele de intensificar a responsabilização dos gestores estaduais e municipais, visto que a Educação Básica é um âmbito de responsabilidade prioritária desses gestores. Assim, devemos continuar nossa busca pelas palavras, apostando no diálogo como estratégia e como 61 Política e Educação Especial: quais interrogações e quais riscos quanto ao futuro da inclusão escolar? meta de nosso trabalho. Considero que nossa ação deva buscar a ampliação dos implicados nesse processo, reduzindo a centralização da responsabilidade pela inclusão na educação especial; deva intensificar a dimensão pedagógica ao pensarmos os dispositivos que pretendemos colocar em ação; deva ser pautada na cautela com relação à escolha reflexiva de palavras, reconhecendo a complexidade dessa tarefa. Referências BAPTISTA, Claudio. Ciclos de formação, educação especial e inclusão: frágeis conexões? In: MOLL, Jaqueline (Org.). Ciclos na vida, tempos na escola escola. Criando possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2004. ______. (Org.). Inclusão e escolarização escolarização: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Mediação, 2006. BAPTISTA, Claudio; DORNELES, Beatriz. Políticas de inclusão escolar no Brasil: descrição e análise do município de Porto Alegre. In: PRIETO, Rosângela (Coord.). Políticas de inclusão escolar no Brasil Brasil: descrição e análise de sua implementação em municípios das diferentes regiões. Trabalho encomendado do GT-15 Educação Especial na 27ª Reunião Anual da ANPEd. Caxambu, 2004. fazer: a coragem de começar. Porto MEIRIEU, Philippe. A pedagogia entre o dizer e o fazer Alegre: Artmed, 2002. ODEH, Muna M. O atendimento educacional para crianças no hemisfério sul e a integração não-planejada: implicações para as propostas de integração escolar. Revista Brasileira de Educação Especial Especial, n. 6, p. 27-42, 2000. ROSSO, Andrea. Bateson, a mente aperta. École École, n. 57, fev. 1998. TEZZARI, Mauren. Inclusão Escolar e rede de apoio: a Sala de Integração e Recursos (SIR) como possibilidade de serviço de atendimento especializado. Anais do VI Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul – ANPEd-Sul ANPEd-Sul, Santa Maria, 7 a 9 de junho de 2006. 62 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva Soraia Napoleão Freitas1 [email protected] Antônio Carlos do Nascimento Osório2 osó[email protected] Trata-se, em suma, de interrogar o caso de uma sociedade que desde há mais de um século se fustiga ruidosamente por sua hipocrisia, fala profilaxamente de seu próprio silêncio, obstina-se em detalhar o que não diz, denuncia poderes que exerce e promete liberar-se das leis que fazem funcionar (FOUCAULT, 1988, p.14). O presente artigo tem como objetivo incentivar reflexões acerca do currículo, como um dos instrumentos que se dimensiona e se adequa de diferentes maneiras, “ditas” pedagógicas, em lidar com o conhecimento de forma disciplinar, fragmentada e redistribuída, por interesses e valores, os quais se alojam por meio de dois pilares consolidados como dispositivos reguladores. O primeiro pilar estrutura-se a partir de uma análise sócio-histórica que permita entender o currículo como fruto de relações de poder, coordenado por interesses econômicos dominantes, que utilizam os mesmos mecanismos de repressão, de controle e de domínio, chegando até o aluno. O segundo tem suas origens nos conflitos de ordem cultural, no valor pelo qual se define um currículo e se postula imperativos disciplinares, metodológicos, avaliativos, como “prescrições de prudência” em regras de imanência, de variações contínuas e de polivalência. Tudo isso se encaminha para uma melhor segregação, quando enunciamos um currículo que deveria dar conta de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e alunos com superdotação/altas habilidades. 1 Professora Associada I, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Rio Grande do Sul. Líder do Grupo de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): “Educação Especial: interação e inclusão social”. Coordenadora do Programa de Apoio à Pesquisa em Educação Especial (Proesp)/MEC/Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) da UFSM. 2 Professor Associado I, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), da Linha de Pesquisa “Educação e Trabalho”, e Coordenador dos Grupos de Estudos/CNPq: “Educação, trabalho e formação profissional” e “Investigação acadêmica nos referenciais foucaultianos”. Coordenador do Programa de Apoio à Pesquisa em Educação Especial Proesp/MEC/Capes da UFMS. 63 O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva Essas polêmicas históricas e sociais ganham sentido no momento que se discute e se encaminha uma política para a educação especial, a partir dos pressupostos de que ela é definida como um conjunto de ações que perpassa os níveis e modalidades de ensino, nos modelos normativos estruturantes no País, compreendendo o atendimento educacional especializado, os serviços e recursos específicos que favorecem a interação entre as características pessoais dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e o contexto familiar e social, promovendo aprendizagem a partir das condições individuais de cada aluno. Com isso, assume-se o compromisso social, agora não mais só teoricamente, de que o aluno é o centro da aprendizagem e o sujeito do próprio conhecimento. Assenta-se, então, a perspectiva da educação inclusiva que se fundamenta em rupturas nas estratégias e tecnologias do poder, inerentes a uma sociedade organizada pela exclusão, constituindo-se em uma proposta de organização do sistema educacional que reconhece o direito de todos de compartilhar de um mesmo espaço pedagógico, promovendo a igualdade, valorizando as diferenças, potencializando a participação dos alunos no currículo (comum) da escola e garantindo sua aprendizagem de acordo com suas condições individuais. É a ruptura da homogeneização dos sujeitos, da uniformidade do saber. O currículo, nesse contexto de enfrentamento, continua sendo um desafio fundamental e contraditório para os educadores e, ao mesmo tempo, os limites e as possibilidades de uma real mudança educacional, assentada na perspectiva de que todos podem aprender, mas não por aquilo que os “outros querem” que o aluno aprenda, mas sim pelo que “possa” aprender, a partir de suas condições cognitivas. Ao enunciarmos a expressão “currículo”, associada à escolaridade de forma geral (educação infantil, ensino fundamental, médio, superior, profissional) ou específica (educação especial, educação de jovens e adultos), no contexto, emergem sempre as questões de ordem social: o fracasso escolar e os limites daquilo que se pensa sobre o “ato de educar” e o que efetivamente se “pratica” na realidade escolar. Há um isolamento entre os reais fatores que interferem na prática pedagógica. Em um princípio geral, analisa-se a questão educacional em um espaço reduzido aos muros da instituição escolar ou a quem se destina, fragmentando em especificidades, distanciando-se cada vez mais do que é educação em sua totalidade. Isso permite melhor controle daquilo que se prática como pedagógico. Se, por um lado, é difícil estabelecer as razões e os motivos, à distância entre o “pensar” e “fazer”, o currículo concebido como um elemento pedagógico é o segundo grande distanciamento. O currículo deve estar sempre voltado à dinamicidade histórica de um mundo que tem registrado como regras gerais a complexidade, o ambíguo e o imprevisto. Por outro, é fácil localizar os diferentes momentos em que o currículo foi utilizado como meio tático de desmobilização e controle, do ponto de vista de ser responsabilizado pela preparação para melhoria de condições humanas. A promessa de uma educação igual para todos geralmente provém de grupos dominantes para amansar e justificar a maioria da população, dimensionando o currículo como elemento responsável para uma melhor cidadania. Entretanto, é importante elucidar que essa possibilidade currículo/cidadania, em uma perspectiva emancipatória, 64 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores pode permitir entender que o “conhecimento” e “poder” não estão disponíveis a todos. Ao contrário, são duramente disputados ou, na maioria das vezes, negados, fazendo essa contradição parte integrante da dinamicidade dialética da história do ato pedagógico e, ao mesmo tempo, torna-se, pelos educadores, um elemento reivindicatório da categoria. É a partir dessas idéias, à distância, conversando, concordando ou discordando, que os autores desse artigo, com experiências diferenciadas, mas tendo um mesmo ideal, entendendo algumas contradições, conflitos e fragilidades da educação brasileira se aproximam, buscando articular as noções de algumas concepções teóricas e metodológicas sobre o de currículo e suas relações de poder na institucionalização nas diferentes práticas da pedagogia, entendida como ciência que deveria dar suporte, buscando desvendar a formação de “saber” e tentando escapar de velha discussão teoria/ prática. O elo é o currículo e a educação especial, não em suas especificidades, mas como parte de um todo na rede de domínio e saber. Nossas preocupações com o currículo são acrescidas das dificuldades que os envolvidos com a educação sentem ao tentar dirigi-lo em um processo de aprendizagem que vise a um exercício mais adequado à cidadania e diretamente à melhoria das condições de vida. Não existem aqui preocupações de dirimir polêmicas, pelo contrário, nossa pretensão é oferecer maneiras passíveis de reflexões e provocar inquietações, em um prisma teórico e metodológico pertinente em dimensionar o currículo em uma perspectiva de efetividade social, que enseje um exercício mais adequado à cidadania. Lida-se com diferentes tendências, na tentativa de evidenciar os diferentes “olhares” sobre o currículo. O que nos motiva é que, culturalmente, a idéia de currículo está repleta de irregularidades e estranhezas, daí sempre suas concepções, na maioria das situações, serem relativizadas, marcadas historicamente por contradições e incoerências, deixando evidente que quando falamos de currículo, pensamos em disciplinas, conteúdos, atividades, metodologias avaliações de uma forma isolada do processo aprendizagem, mais distante ainda do exercício da cidadania. Para lidar com nosso propósito, organizamos esse artigo em dois eixos interligados no conjunto das inter-relações enunciadas. O primeiro refere-se ao “Currículo”, em que tentamos situá-lo em dimensões conjunturais, preservando as práticas sociais e pedagógicas, referendadas por alguns princípios teóricos e metodológicos, afirmando algumas correlações que não se limitam aos “fazeres escolares” e que normalmente são desconsideradas pelos educadores e pela própria sociedade. O segundo eixo busca refletir o “Currículo em uma compreensão pedagógica centrada na educação especial”, embora saibamos que isso se configure em uma particularidade, apenas para efeitos de complementações de idéias, porque o currículo, como instrumento de controle social, nunca teve especificidades para qualquer grupo de alunos. A condição do aluno soma e respalda a idéia da segregação, de impossibilidade do professor, da escola e da própria sociedade. 65 O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva Em um cenário mais amplo, o Estado Brasil encontra-se, hoje, em fase de transição e de renegociação frente à nova ordem econômica mundial, gerindo a crise de identidade nacional oriunda das diferentes “crises” institucionais, encabeçadas pela ausência de definições e omissão de compromissos do próprio Estado, como unidade integradora dos diferentes conflitos de ordem socioeconômica. Esse fato agrava-se quando, no momento atual, “o fenômeno de escolarização em massa” é algo que se propaga e existe certo consenso de associá-lo como fator preponderante, não só para o progresso utópico de sociedade igual para todos, mas, acima de tudo, da crença positiva que isso deverá produzir indivíduos capazes. Martins (1992), quando se referiu ao termo educação, também nos possibilitou entender um outro ângulo conceptivo do currículo, como sendo um elemento que assume características de um “meio” para o ser humano se deslocar em determinado caminho, não envolvendo uma determinação rígida imposta, mas supondo uma aplicabilidade necessária às relações sociais, culturais e de poder. Hamilton e Gibbons (1980, p.15 apud GOODSON) destacam outra condição diante dessa realidade: a importância da compreensão das expressões “classe e currículo”, por elas terem adentrado o vocabulário educacional em um momento de transformação em que a escolarização passou a ser vista como uma “atividade de massa”. Isso explica, em parte, porque uma classe especial. Nessa perspectiva, o campo pedagógico torna-se novamente um referencial rico dessa situação conflitiva. É possível, pinçando a questão da educação especial, considerar como uma possibilidade de diferentes enfoques. Tem sido freqüente examiná-la no ângulo de que o governo, o Estado ou a sociedade e os movimentos sociais permitem, concedem, impedem ou limitam. Essas posições, muitas vezes antagônicas, deixam a sociedade e seus indivíduos, na condição de sujeitados aos conflitos dessas representações e de sua construção social, (controle direto) de qualquer um de seus segmentos, como objeto de interesses políticos difusos. A mediação dessa contradição só poderá ser garantida após a definição de comprometimentos coletivos que explicitem um novo caminho, que dêem uma concreta visibilidade social capaz de ser entendida, assimilada e defendida conscientemente por todos os segmentos da sociedade, não só pelo poder estatal, mas por todos que se dizem comprometidos. A princípio, esses todos têm os mesmos propósitos: reserva de domínio. Dessa realidade “passada”, “presente” e, quem sabe, “futura”, vários reordenamentos são postos como elementos de mediação e com características apaziguadoras entre os poderes constituídos e as necessidades da sociedade, não, com isso, que algum desses poderes organizativos detenham o monopólio do poder. Nossa preocupação passa a ser a perspectiva curricular diante de uma totalidade de relações que são sociais e culturais, como elemento mediador da sociedade entre a transformação e o processo de conhecimento do aluno. 66 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores A educação é uma das necessidades constituídas – uma “invenção histórica” gestada desde o século XVIII, na Europa, como um condicionante estratégico, visando apaziguar emergências sociais. Por conta disso, não basta conhecer suas origens, é preciso repensar permanentemente sua representação social na sociedade contemporânea. É necessário, portanto, atualizá-la, estar em pauta constantemente. Indiscutivelmente, o momento atual é configurado positivamente pelo provisório paradigmático, requerendo mudanças de atitudes de todos os sujeitos sociais que, até então, se postaram como comprometidos com uma transformação social. No caso da educação, cobra-se tardiamente seu princípio, seus significados de validade, enquanto uma formação escolar, sinalizando as possibilidades concretas nos domínios de conhecimentos, não mais restritos às especificidades de um determinado saber, de uma determinada teoria ou do mundo do trabalho, mas, essencialmente, quais são as condições de aprendizagem de cada aluno. Nem “todos” deverão saber as mesmas coisas. Nem “todos” deverão ter as mesmas habilidades, mas todos deverão ser escolarizados, independentes do grau de conhecimento adquirido. Embora a exigência seja o contrário. Da forma que se configura, o currículo nos remete ao conceito de dispositivo, como uma das “estratégias de relações de força que sustentam saber e por eles são sustentados” (FOUCAULT, 2000, p. 246). Portanto, o currículo presta-se a cumprir determinada urgência social, não querendo, com isso, resolver a problemática em si, mas, muito pelo contrário, agravando os próprios compromissos a que se destina, principalmente aquele cujo respeito se relaciona à diversidade social ou à inclusão escolar. Assim, é importante mencionar que o currículo como elemento de inserção social, na medida do possível, diante desses contextos enunciados, deve desenvolver uma reflexão voltada para uma dinamicidade do processo de escolarização, tendo como foco central a “prática pedagógica” como o único campo verdadeiro e real do “fazer educacional”. Por essa razão, a preocupação não apenas com a gestão da escola na perspectiva da educação inclusiva, mas na interligação entre as concepções que fundamentam as ações organizacionais da estrutura educacional, das políticas afirmativas, da instituição escolar, da organização do trabalho da sala de aula e da aprendizagem do aluno, tendo o currículo como eixo articulador. Dessa forma, macro e microestrutural, talvez seja possível avançar sobre as questões não só relacionadas às práticas pedagógicas, mas também às práticas sociais exercidas, ao buscar compreender a necessidade de configurar outras relações entre o “domínio do saber” (conhecimento científico) e o domínio do “saber fazer” (conhecimento prático) na organização curricular, na atuação com os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e alunos com superdotação/altas habilidades, marginalizados pela suas características pessoais. Elas se alojam nos preconceitos sociais, considerados como desvalorizados, pois fogem aos padrões de uma regularidade valorativa de cunho cultural, do “belo” e do “bonito”. 67 O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva As possibilidades desse início de aproximação indicam para um exercício de compreensão curricular, como um dos movimentos que tende a não se limitar ao ato de identificar o “estruturante” (pedagógico) ou a “estrutura” (currículo), muito menos interpretar, em termos de um “sistema” de campo específico, de forma isolada de outras dinâmicas contextuais, não descartando, assim, sua vinculação às demais tendências oriundas do movimento positivista, não se limitando, com isso, a uma organização pontual de determinado saber, mas, sim sua compreensão exercida como mecanismo de domínio e controle. Em traços gerais, o currículo, compreendido como campo de conhecimento e de verdade, só pode ser explicitado a partir de uma leitura diferenciada sobre a realidade social e escolar. Esse princípio de “ver a realidade” em contextos distintos e com “olhares diferenciados”, mas interligados entre si, caracteriza-se em uma perspectiva que se delineia com três princípios: o primeiro, “reduzir um determinado tipo de realidade a outro” (sociedade/escola); o segundo, “a realidade verdadeira” nunca é expressa (a organização curricular); e o terceiro, a natureza do verdadeiro transparece já no cuidado que põe a escapar. A que servem as disciplinas de um currículo? Para que serve o aluno? As tentativas de desvelar esses princípios sempre foram no universo pedagógico, o que é um equívoco, procurando integrar o primeiro com o segundo, sem nada sacrificar das suas propriedades e relações inerentes, ou seja, uma sucessão regulada de certo número de operações estruturais, nunca desvelando o aluno como sujeito de seu processo de aprendizagem. O aluno sempre foi visto como alguém que não sabe, por isso deve ir à escola para aprender? Se for, o quê? Tradicionalmente, o termo currículo evoca a solidariedade entre os elementos de um todo burocrático sem a presença do aluno, correspondendo às idéias de “arquitetura”, “organismo”, “organização”, sem distinguir o essencial do acessório, porém, essa idéia hoje está esgotada. É necessário que os componentes curriculares se tornem compreensíveis em razão do todo, incluindo o aluno como sujeito social, independentemente de seus limites e possibilidades de conhecimento. O currículo não detém qualquer especificidade, mas representa as confluências de um universo de contradições de toda a ordem social, fruto de uma realidade dinâmica, com fonte de variações e de transformações, possíveis, sim, de se tornarem inteligíveis aos fenômenos socioculturais e pedagógicos. É necessário, então, rupturas de modelos arcaicos de currículo, partindo do princípio que o aluno já tem uma experiência cultural. Contudo, o currículo não se esgota na referência ao caráter sistemático de um objeto como uma totalidade irredutível ou a soma das partes. Portanto, o currículo não é apenas um conjunto de disciplinas e atividades escolares como sistema fechado. Não há lugar para termos absolutos. Há simplesmente relações de dependência mútua, valores relativos, negativos e opositivos. Diante disso, não existe um currículo adaptado. O currículo é ou não é um currículo? Sua categorização ou adjetivação permite uma 68 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores segregação respaldada pelos próprios responsáveis pelo aluno, ou seja, pela própria sociedade. Importa, sobretudo, reconhecer entre as relações pedagógicas, seletivas e discriminatórias, não tanto aquilo por que se assemelham, mas aquilo por que se diferenciam, deduzido o eixo semântico (ou eixos semânticos), ordenando e valorizando as diferenças, de tal modo que os conjuntos considerados surjam como variantes uns dos outros; e o conjunto desses, como o produto de uma combinatória, que garanta um significado real à diversidade ou à diferença, abrindo, assim, para as possibilidades de uma inclusão, acima de tudo, social. Assim, ao contrário de diversas acepções, o currículo não pode ser definido por conteúdos, mas somente como um sistema de leis lógicas que caracteriza a sua especificidade, que é o fundamento da inteligibilidade e comunicabilidade humana. Assim, o currículo é, portanto, mais um sistema simbólico, demarcado como burocrático e perverso, um instrumento segregador. Lévi-Strauss (1970, p. 54) afirma que é “da natureza da sociedade” que ela se exprima simbolicamente, nos seus costumes e instituições, e que as condutas individuais nunca são simbólicas por si mesmas. Elas são os elementos, a partir dos quais os sistemas simbólicos, que sempre serão coletivos, se constroem. Sobrepõem-se, pois, à ordem do real e à do imaginário, uma terceira, a do simbólico. O sentido do que é um currículo não está nas expressões, mas nas relações que tais expressões estabelecem. O conhecimento do uno e do semelhante é substituído pelo conhecimento relacional; a semelhança não existe em si: é apenas um caso particular da diferença; a significação é, pois, diferencial. O currículo, portanto, não conduz à supressão do sentido. As “grades” curriculares, assim como os parâmetros curriculares e os temas transversais, não se situam nas significações imediatamente perceptíveis. No entanto, não esgota a integralidade do sentido: no limite, há sempre um excesso de significação irredutível e de caráter reacionário, descomprometido. O aluno está marcado pela excentricidade: o eixo dos significantes não coincide com o eixo dos significados. Representam um tipo de sujeito, enquanto o produzem: o sujeito não está, afinal, no centro de si mesmo. Mesmo assim, explicita-se que o aluno não é o centro da aprendizagem. Ele é periférico ao poder das relações pedagógicas, independentemente de suas condições pessoais. Portanto, independe do simbólicocultural do sujeito. Por seu turno, Foucault (1988), a par de uma arqueologia do saber, na qual os procedimentos da “continuidade” e “totalidade” históricas são objetos de percuciente crítica, elabora uma genealogia do poder, procurando desmontar esses mecanismos e descrever os diversos dispositivos de domínio ou de repressão. 69 O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva É nessa contradição sutil e pervertida que adentra a educação inclusiva, com base fundamentalmente no respeito às diferenças, passando a considerar o currículo como uma organização essencialmente centrada em uma atitude política do educador, constituída por nexos entre o conhecimento e o saber, não como um controle, mas como possibilidades. Observamos que, pinçando alguns autores, de diferentes tendências teóricas, em comum, está a necessidade de buscar alternativas curriculares que explicitem um real sentido da escolaridade ou, quem sabe, da própria educação, embora o sentido da escolaridade esteja demarcado pela própria construção da história das sociedades, associada aos poderes explícitos e implícitos, concedidos ou não, de questões de ordem políticas, sociais, econômicas e pedagógicas. Silva (2000, p. 64) revela a necessidade dos educadores trabalharem na perspectiva da construção de um currículo crítico, ou seja, um currículo que permita compreender a natureza relacional dos processos sociais, que rompa com a tradição do senso comum de “fetichizar” a vida social e esconder as relações que as constituem e complementa: [...] é o próprio conhecimento e o próprio currículo que devem ser vistos como produtos de relações sociais. O conhecimento e o currículo não são coisas, como a noção de “conteúdos” – tão entranhada no senso comum educacional – nos leva a crer. O conhecimento e o currículo corporificam relações sociais. Isso significa não apenas ressaltar seu caráter de produção, de criação, mas, sobretudo, seu caráter social. Eles são produzidos e criados através de relações sociais particulares entre grupos sociais interessados. Nesse entendimento, conhecimento e currículo são produções sociais, marcados pelas relações e pelos interesses que configuram as noções e intenções políticas marcadas por um imaginário social. Silva (2000) esclarece que compreender as relações sociais como um dispositivo pedagógico permite um triplo movimento: primeiro, possibilita inserir a educação e o currículo na moldura de suas conexões com as relações sociais mais amplas, com relações de classe, gênero, raça, dentre outros dispositivos seletivos. Segundo, permite estabelecer um dos objetivos centrais de uma pedagogia e um currículo, ou seja, de ter em vista o caráter constituído e relacional do conhecimento trabalhado e produzido no currículo. Terceiro, o conhecimento e o currículo devem ser vistos como construções e produtos de relações sociais, particulares e históricas, possibilitando vê-los como artefatos históricos e sociais. 70 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Osório (2000, p. 104) destaca que os currículos praticados pelos diferentes níveis e modalidades da educação nacional “poderiam/podem” ser caracterizados como “generalizados/generalizantes”. Eram/são normalmente constituídos em uma arquitetura composta por nomes de disciplinas e distribuição de hora/aula pelas séries (ou ciclos) e pelo estabelecimento de conteúdos, geralmente, correspondentes a índices de livros ou interesses pessoais dos professores, tentando demarcar seus poderes e necessidades de superação. Logo, o currículo concebido como um conjunto de disciplinas e de atividades escolares ditas significantes, é burocrático e reducionista. Só é possível entendê-lo como fruto das relações sociais dominantes, tendo clareza de que essas relações são, essencialmente, dinâmicas de poder, normalmente individuais, embora carreguem uma idéia coletivizada. Assim, se entendermos o currículo como caminho que desejamos que nossos alunos percorram, independentes de suas condições cognitivas, mas a partir de suas possibilidade individuais, estaremos rompendo com uma tradição histórica e social do próprio currículo, presente até os dias atuais. São “grades” arrancadas. Em decorrência dessa realidade, o currículo envolve concepções teóricas e operacionais desde suas origens ditas pedagógicas, nesse particular: [...] o currículo ficou reduzido simbolicamente a um mero “corredor” de passagem para o percurso necessário à obtenção de um certificado ou diploma – “critério de exigência formal” – ou um depósito escolar para justificar-se a segregação social pela instituição pedagógica, criando as categorias de “aprovados” e “reprovados”, ou pior, os que têm condições de “aprender” e os que “não aprendem”, sem explicitar as razões, as causas e os critérios de tal situação (OSÓRIO, 2000, p. 115). Diante disso, o currículo até hoje tem sido um instrumento de seletividade social pedagógica. Ele classifica os indivíduos a partir de critérios implícitos e explícitos de educação, tendo como estratégia elementos subjetivos ou descontextualizados dos reais propósitos da educação, mas que servem aos diferentes interesses da sociedade e da própria escola. Perrenoud (2001) informa que o currículo constitui uma ferramenta mantenedora das relações de poder na sociedade, difundida na organização escolar e afirma que ele pode-se apresentar como uma das formas de fabricar as desigualdades escolares, padronizando caminhos de aprendizagens ao escolher programas elitizados ou desvinculados dos interesses ou da realidade do aluno, reforçando o distanciamento entre uns e outros alunos. 71 O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva Contraditórios a essa sedimentação curricular, surgem os discursos de inclusão, pressupondo que a escola e o currículo que está posto funcionem perfeitamente, o que é um crime social, pois a escola que está posta é segregativa, eliminatória, portanto, discriminatória. No momento atual, exige-se um outro espaço pedagógico que atenda a “todos” aqueles que querem viver possibilidades de aprendizagem, nem que seja diferenciada, mas respeitada, independentemente de condições sociais, de ser ou não deficiente, menino ou menina, jovem ou idoso, pobre ou rico. Logo, o currículo precisa ser repensado, em seus diferentes contextos sociais, culturais e educacionais em níveis e modalidade de ensino, para que possam ser formuladas e encontradas soluções compatíveis com a urgente necessidade de melhoria das propostas educativas de nossas escolas, para, então, podermos falar de uma educação para todos – utopia milenar. Emerge, nessa perspectiva, o entrelaçamento, nesse caso, entre a educação geral e a educação especial, de forma que sustente uma proposta de educação para todos, tanto nas suas dimensões relacionadas às políticas públicas (mas essencialmente que intervenha diretamente nas práticas pedagógicas) quanto das possibilidades e das ações para que o processo de inclusão educacional seja implementado. O que talvez seja um dos maiores desafios educacionais. Esse fato implica pensar nas relações entre os alicerces da educação geral e da educação especial, em rupturas necessárias e determinantes para uma possível ressignificação do que é uma escola e, portanto, um currículo pensado e exercitado para uma transformação social, não como uma correção ou adequação a valores culturais e sociais impostos. Assim, a educação das pessoas com deficiência, no contexto do ensino regular ou em formas de atendimento especializado, exige uma atitude política dos professores, independentemente dos aparatos reguladores ou incentivos políticos gerais. É necessário rever não só seus referenciais teórico-metodológicos, mas se perguntar para que tem servido a educação? Indiscutivelmente, é necessário um enfrentamento dos discursos produzidos até então, ideativos de uma pedagogia da exclusão. A diferença é uma realidade objetiva e a educação precisa ser pensada como um fenômeno concreto, uma atitude pedagógica emancipatória. Ferreira (1995) considera que a educação especial vive um importante momento, pois está inserida em um contexto favorável para ampliar reformas na educação geral, com vistas a assegurar uma educação de qualidade aos alunos com deficiência, garantindo, dessa forma, a possibilidade de se começar a pensar no sucesso escolar, independentemente de quem é o aluno, com ou sem diferenças. A educação inclusiva deve ser vista, portanto, como uma parcela das conquistas, ainda restrita e imaginária, de inclusão social, figurando ao lado de definições relativas a políticas de distribuição de renda, de emprego, de moradia, de transporte e, principalmente, da própria educação. 72 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Sob esse ângulo, a educação tem, como finalidade primordial, favorecer a todos o acesso ao conhecimento historicamente produzido pela humanidade e mediando os alunos, a capacidade de eles utilizarem esse conhecimento, tanto para a produção de novos saberes, como para o exercício da cidadania, respeitando a diversidade cultural e suas características pessoais. Visto a relevância e a complexidade da estruturação e aplicação das estratégias de ensino para a viabilização de uma aprendizagem que respeite as diferenças e se caracterize como uma atitude política do professor, é imprescindível discutir a respeito do currículo, das concepções de ensino e aprendizagem, de avaliação/terminalidade que permeiam a estruturação de novas práticas pedagógicas. Tal necessidade justifica-se tendo em vista a possibilidade da promoção de estratégias de aprendizagem desafiadoras e estimulantes, processo facilitado pela articulação de um currículo permeado por conteúdos de interesse e possibilidades dos alunos, a partir de suas experiências de vida. Sob esse prisma, a avaliação também precisa ser transformada, superando seu papel tradicionalmente difundido de prática de seleção e exclusão escolar, mas articulando-se de forma diferenciada, de modo a permitir que os processos avaliativos sirvam de estruturadores dos elementos que darão continuidade ao fazer pedagógico. Nesse sentido, pensa-se que os elementos fundantes da prática pedagógica – planejamento, currículo e avaliação – precisam ser utilizados como mediadores para acolher e desenvolver as potencialidades do aluno, considerando suas diferentes capacidades cognitivas, considerando uma prática pedagógica que permita a todos o acesso ao conhecimento. Perrenoud (2001, p. 21) discorre sobre como a escola faz para fabricar sucessos e fracassos. Para aprofundar sua reflexão, o autor distingue três mecanismos complementares: 1) o currículo, ou o caminho que desejamos que os alunos percorram (necessidade de considerar que nem todos os alunos partem do mesmo ponto e não dispõe dos mesmos recursos para avançar); 2) ajuda que o professor proporciona para que cada aluno possa percorrer o caminho (surge o problema da indiferença às diferenças, a ajuda padronizada promoverá a chegada dos mais bem preparados enquanto os demais não atingirão os objetivos); 3) modo de avaliação (contribui expressivamente para minimizar ou dramatizar as desigualdades de aprendizagem, ou ainda, “a avaliação cria suas próprias desigualdades, quando inclina a estimativa das competências a favor dos bons ou de crianças socialmente favorecidas; mesmo sendo eqüitativa, ela fabrica desigualdade por meio da realidade dos desvios)”. 73 O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva Sob esse prisma, diferenciar, na prática pedagógica, deve ser organizar as intenções e as atividades, de modo que cada aluno seja confrontado constantemente ou ao menos com bastante freqüência com as situações didáticas mais fecundas para ele, ou ainda, individualizar as informações e as explicações dadas pelo professor, as atividades e o trabalho dos alunos em sala de aula e em casa, a observação e a avaliação. Nas palavras do mesmo autor: O desejo de diferenciação acrescenta outra dificuldade à busca dessas atividades: o sentido de uma atividade ou de uma situação varia de uma criança para outra, segundo sua personalidade, suas aspirações, seus interesses, seu capital cultural, sua relação com o jogo e com o trabalho. Assim, é preciso diferenciar as atividades globais ou os papéis individuais no contexto das mesmas para que cada um encontre nelas um sentido e a oportunidade de aprendizagens também significativas (PERRENOUD, 2001, p. 36). É necessário atentar que, diferenciar pedagogicamente, ou seja, individualizar os percursos de aprendizagem não significa, em nenhum momento, desprezar a interação entre os indivíduos. A relação entre os pares exerce papel fundamental na aprendizagem dos educandos e o confronto das diferentes capacidades cognitivas entre aluno/aluno e aluno/professor é que facilitam a problematização das situações e o compartilhamento de conhecimentos. Assim, discutir sobre a elaboração das mediações que os professores formulam para trabalhar com a diversidade dos alunos em sala de aula, considerando as diferentes capacidades cognitivas na prática educativa, pode revelar pressupostos que indicam os fatores que agravam o fracasso escolar e auxiliar da transformação dos aspectos pedagógicos. Nesse sentido, essa discussão demonstra preocupação não apenas com o que os professores pensam sobre o ensino e a consideração das diferentes capacidades cognitivas dos alunos nesse processo, mas também com a ação de ensinar e sua relação com as concepções sobre esse ensinar. Dessa forma, poderá ser possível avançar sobre as questões pedagógicas, à medida que se buscar compreender as relações existentes entre o domínio do saber (conhecimento científico) e o domínio do saber fazer (conhecimento prático). Propor-se a atuar pedagogicamente na concepção de educação inclusiva significa pensar a diferença de um campo político, no qual experiências culturais, comunitárias e práticas sociais são colocadas como integrantes da produção dessas diferenças. Logo, colocar a diferença em um âmbito político exige outras posturas e fundamentações legais e requer que todas as instâncias sociais construam práticas que respeitem a dignidade humana e promovam a ética nas relações. 74 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores O processo de inclusão deve ser compreendido como um processo interativo e dinâmico, resultante da influência mútua de múltiplos fatores (RODRIGUES, 1998). A característica dinâmica do processo verifica-se na medida em que esse procura sistematicamente novos equilíbrios, novas formulações em razão da mutabilidade dos ambientes em que se processa. Estar incluído não é um valor estabelecido e adquirido: é, sobretudo, possuir e dominar alguns instrumentos que permitam novas relações com a comunidade escolar. Sob esse aspecto, a responsabilidade da inclusão não se limita a alunos com deficiência, mas destina-se a todos eles, amparados pela comunidade escolar, e representa uma oportunidade, um objetivo para que a escola não caminhe para um grupo de pessoas homogêneas, como ocorreu milenarmente. Assim, se a sociedade quer assegurar o direito à educação e à igualdade de oportunidades terá de refletir sobre as condições de acesso, acessibilidade e de sucesso que é capaz de propiciar aos seus alunos. A influência dessa atitude pedagógica de reconstruir um novo sentido para o currículo, a partir das necessidades que o momento histórico exige, tendo como eixo o aluno, deverá gerar transformações não só pedagógicas, mas da própria sociedade, o que implica deter, com clareza, o próprio sentido de realidade ou, até mesmo, a totalidade dos fenômenos observados, mas indiscutivelmente o próprio sentido da aprendizagem voltada para o aluno. É a partir da prática pedagógica que se reconstrói a teoria, o saber escolar e a diversidade social, tendo como pano de fundo as diferentes relações individual/ coletiva e vice-versa. É um novo fazer pedagógico que se explícita em uma nova relação de conhecimento, realidade e verdade. É o currículo a partir das necessidades dos alunos. Todavia, essa nova postura de conceber o currículo tem um local determinado para uma ação exeqüível: a escola, que é fruto das contradições sociais, as mais diversas possíveis, que comprometem, em muito, seus objetivos, desvirtuando suas atribuições institucionais. Isso representa uma contradição, mesmo assim ela é um espaço em potencial de resistência, uma possibilidade concreta de mudanças iniciais da conjuntura em que vivemos, pois ela ainda continua sendo uma instituição de processo de construção. É uma abertura não preconceituosa, mas efetivamente comprometida com uma transformação social, com responsabilidade e compromisso. Referências FERREIRA, Julio Romero. A exclusão da diferença diferença. 3. ed. Piracicaba: São Paulo: UNIMEP, 1995. V. 1. 99p. 75 O currículo em grades: mais um desafio para a Educação Inclusiva FOUCAULT, M. A arquelogia do saber saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. ______.V punir: história da violência nas prisões. Tradução 23. Petrópolis: Vozes, Vigiar e punir 2000. Currículo: teoria e história. Tradução de Atílio Brunetta. Petrópolis: GOODSON, Ivor F. Currículo Vozes, 1995. LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural II II. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1970. OSÓRIO, Antônio Carlos do Nascimento. O currículo escolar como lugar de uma imersão social e compreensão pedagógica. In: OSÓRIO, Antônio Carlos do Nascimento. (Org.). Registros de educação educação. Campo Grande, MS: UFMS, 2000. p. 96-127. PERRENOUD, Philippe. A pedagogia na escola das diferenças diferenças: fotos de fragmentos de uma sociedade do fracasso. Porto Alegre: Artmed, 2001. RODRIGUES, D. Paradigma da educação inclusiva: reflexão sobre uma agenda possível. Criança, Universidade do Minho, Portugal,1998. Revista do Instituto de Estudos da Criança SILVA, Tomaz Tadeu da. Descolonizar o currículo: estratégias para uma pedagogia crítica – dois ou três comentários sobre o texto de Michael Apple. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Escola básica na virada do século século: cultura, política e educação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. 76 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Formação continuada do professor para atender à E ducação Inclusiva Eduardo José Manzini1 [email protected] 1 Introdução A presença de alunos com deficiência em salas de aulas de ensino comum é hoje uma realidade cada vez mais constante. Desde a promulgação das Leis de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), que indicou o atendimento do aluno com deficiência preferencialmente nas salas de ensino comum, pôde-se verificar não só o respaldo legal para essa ação política, mas uma série de empreendimentos para sensibilizar familiares, professores e alunos em relação à chegada de alunos com deficiência para conviverem com seus pares. Uma série de campanhas, principalmente executadas por meio de rádio e televisão, cujo poder de formação de opinião é bem conhecido, começou a divulgar os direitos à inclusão de pessoas com deficiência. Tais campanhas, projetadas por órgãos do governo, como o Ministério do Trabalho, Educação e Ministério da Justiça, dentre outros, contemplaram posição afirmativa sobre a inclusão social e educacional de pessoas com deficiência. Nessas campanhas, foram veiculados temas como acessibilidade, direito à educação e direito ao trabalho. Algumas dessas campanhas foram patrocinadas por associações, como a Associação de Síndrome de Down, que demonstrava várias situações de empregos de jovens com Síndrome de Down que acabavam por mexer com o estigma e preconceito que, porventura, estivesse presente na audiência. Essa fase de sensibilização foi precedida, e seguida, por várias leis na tentativa de garantir os direitos das pessoas com deficiência para conviverem, ao mesmo tempo e no mesmo espaço, com pessoas sem deficiência. Essas leis incidem em muitas instâncias, como, por exemplo, no direito ao trabalho, educação e direito a acessibilidade. Em termos de direitos ao trabalho, foram promulgadas, já há oito anos, as Leis nº 8.112 e nº 8.213 (BRASIL, 1999a; 1999b) que, respectivamente, definem em até 20% o percentual de vagas em concursos públicos e que determinam uma cota de vagas para a pessoa com deficiência, que varia de 2% a 5%, junto às empresas privadas que possuem mais de 100 funcionários. 1 Docente do Programa de Pós-graduação em Educação e do Departamento de Educação Especial da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Marília, São Paulo. 77 Formação continuada do professor para atender à educação inclusiva Como salientaram Tanaka e Manzini (2005), a partir dessas leis foi possível observar uma oferta crescente de vagas para pessoas com deficiência nas empresas, veiculada, principalmente, por meio da mídia, despertando a ilusória idéia de que, finalmente, o mercado de trabalho estava receptivo a essa população. Com certeza, muitas empresas foram multadas por não atender à lei e, atualmente, há uma discussão sobre a exigência legal para a redução do número de funcionários (menor que 100) para obrigar às empresas a contratar empregados com deficiência. Isso parece ser interessante para ampliar a inclusão social, que deveria ocorrer via trabalho (MANZINI, 1989). Em termos promoção de condições de acessibilidade, houve uma série de leis (BRASIL, 2005a,b,c,d,e) e normas (ABNT, 1994) na tentativa de garantir vários direitos e promover a acessibilidade em transporte, acesso a estabelecimentos públicos, em comunicação, em serviços de atendimento, em estruturas físicas e arquitetônicas. Em termos de educação, algumas leis já influenciam diretamente nos cursos de formação de profissionais e professores, como exemplo, a Portaria Ministerial do MEC, nº 3.284 de 7/11/2003 (BRASIL, 2005e), que indicou as condições necessárias para o processo de autorização e credenciamento de cursos, que incidiu sobre a necessidade de adequação das condições de espaço e equipamentos das instituições do ensino superior, para atender à demanda de alunos com deficiência nas faculdades e universidades. Mais especificamente sobre a pessoa surda, a Lei nº 10.436 de 24/4/2002 (BRASIL, 2005b) obriga o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) nos Cursos de Fonoaudiologia e Magistério, em nível médio e superior. Essa legislação é ainda reforçada pela a Lei nº 5.296 de 02/12/2004 (BRASIL, 2005f), que indicou a presença do interprete em Libras nas instituições do ensino superior a partir de dezembro de 2005 e indicou também, que, no prazo de três anos, 23% dos cursos das instituições deverão apresentar a Libras como disciplina curricular, iniciando-se nos cursos de Educação Especial, Fonoaudiologia e Pedagogia, ampliando-se, gradativamente, para as demais licenciaturas. Já é possível vislumbrar, em vários currículos de cursos de pedagogia, a inserção de disciplinas que objetivam promover a formação do futuro professor no atendimento a alunos com deficiência em situações de ensino comum. Isso tem ocorrido mais rapidamente em faculdades particulares que estão modificando o perfil dos cursos na direção da inclusão. Assim, atualmente, ao optar pela carreira docente, implicitamente, o futuro professor já está obrigado -- segundo Lei nº 7.853 de 24/10/1989 (BRASIL, 2005d), que dispõe sobre discriminação e crime -- a atender alunos com ou sem deficiência, não sendo mais a população de alunos com deficiência somente da alçada do professor especializado. Dessa forma, a inclusão do aluno com deficiência no ensino regular deve ser entendido como um processo legal, como um processo que envolve a sensibilização da sociedade quanto aos direitos desses alunos e, principalmente, no caso da educação, é um processo que visa garantir a formação do futuro professor para atender ao aluno com deficiência. 78 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores A partir dessas considerações iniciais, poder-se-ia questionar: 1) estariam todos os professores preparados para atender a alunos com deficiência? 2) como ficaria, diante da temática inclusão, os professores que já estão atuando em escolas e que não possuem formação para atender a alunos com deficiência? 3) como essa formação para atender a alunos com deficiência em sala do ensino comum poderia, efetivamente, ocorrer? 2 Preparação do professor em uma abordagem inclusiva: educação continuada As pesquisas indicam que o principal argumento que dificulta o processo de inclusão escolar se refere à não-preparação dos professores. Esses relatos já estão disponíveis há mais de 20 anos no Brasil. O segundo dado, que as pesquisas que trabalham com o tema formação de professores indicam, é que o professor apresenta um medo inicial ao saber que vai receber um aluno com deficiência e esse sentimento se atenua com o passar das semanas e meses (MONTEIRO; MANZINI, 2005; MONTEIRO, 2006). Em boa parte dos casos estudados sobre inclusão de alunos com deficiência no ensino regular, os professores tentam buscar alguma forma para preparar-se diante do novo. Alguns deles indicam, posteriormente ao receberem alunos com deficiência, que nem necessitaram desse preparo adicional. Outros revelam que as formas de preparação profissional vão desde a busca de apoio interno na escola até serviços que estão fora dela, como cursos adicionais. Parece claro, retornando ao ponto sobre a preparação do professor, que a preparação para o trabalho de ensino não termina com o curso de graduação. Ou seja, a preparação é um processo dinâmico e contínuo. Hoje, em várias áreas de atuação profissional, a preparação após a graduação é uma regra. Isso ocorre com dentistas, médicos, engenheiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos. Contudo, esse idealismo ainda não está totalmente presente na formação dos profissionais da educação. Esse fato pode ser interpretado em dois sentidos. Por um lado, ainda é uma profissão com baixa remuneração que dificulta o investimento e, por outro, o próprio profissional ainda não concebe esse investimento como importante fator de desenvolvimento profissional (fala dos próprios pedagogos que participam de cursos, como, por exemplo, de especialização), ou seja, esse parece ser um componente cultural que está presente. Em várias situações de formação continuada de professores -- cursos financiados por governo federal e municipal -- foi possível observar o descompromisso de uma parcela dos professores em participar, assiduamente, nos horários estabelecidos e usufruírem totalmente das condições apresentadas pelos setores administrativos dos órgãos governamentais. Em uma dessas ocasiões, foi possível vivenciar a intervenção de uma das promotoras do evento, discutindo esse fato com o grupo de professores, que ocorreu no início de um encontro do programa da Secretaria de Educação Especial (SEESP-MEC) sobre formação de educadores e gestores em uma abordagem inclusiva. 79 Formação continuada do professor para atender à educação inclusiva Apesar de a remuneração do profissional da educação ser abaixo do mérito, não é possível desconsiderar os investimentos iniciados nos últimos dez anos em relação à formação continuada do professor para receber, em suas salas de aulas do ensino comum, alunos com deficiência. Esse investimento tem sido estimulado por alguns municípios, estados e governo federal. Principalmente em nível federal, houve um aumento considerável de publicações impressas e acessíveis, on line, tratando do assunto ensino do aluno com deficiência. O que se pode discutir é o alcance, em termos de demanda necessária, para atender a todos os professores. Nesse sentido, hoje, já é possível coletar relatos de professores que se consideram preparados para atender a algumas categorias de deficiência. Um segundo ponto de discussão refere-se ao tipo de formação continuada. Ao pesquisar a literatura da área, pode-se classificar a formação continuada do professor para atender à educação inclusiva em, pelo menos, quatro caminhos: 1) a formação continuada por meio de cursos, extra-sala de aula; 2) a formação continuada em serviço, com ênfase na preparação direta, por meio de supervisão; 3) a formação, com informações coletadas na sala de aula, e discutidas com o professor, chamada de educação reflexiva; e 4) a formação com auxílio de um profissional externo à escola, chamada de colaborativa. A formação por meio de cursos pode ocorrer em congressos, eventos e cursos de especialização. Na última década, no Brasil, houve uma grande proliferação de eventos que tratam de educação inclusiva, quer como eventos específicos ou cuja temática a inclusão esteja embutida em grandes eventos na área de educação. Também houve proliferação de cursos de especialização e, mais recentemente, cursos à distância. Uma segunda modalidade, ainda alicerçada por meio de cursos ou conjunto de palestras, que parece ser mais proveitosa, dirige-se aos programas contínuos, como os promovidos pelo SEESP, do qual participam os municípios pólos ou como os promovidos pela Secretaria de Educação, via Departamento de Educação Especial, da Cidade de Curitiba, Paraná. Esse tipo de formação envolve um grupo grande (mais de 100) ou médio de pessoas (50), que se encontra, periodicamente, para receber informação e para, em grupos de trabalho, constituir os alicerces para as ações inclusivas. Porém, os conteúdos discutidos podem não chegar até a sala de aula. Para que isso ocorra, são necessárias ações políticas e técnicas dos grupos que administram à educação nas localidades onde os professores e gestores trabalham, principalmente, ações que envolvam a avaliação e o acompanhamento dos programas em situações reais de ensino, ou seja, dentro da sala de aula. As outras três formas de educação continuada são localizadas em uma escola ou pequeno grupo de escolas e envolvem, ou um único professor, ou um pequeno grupo de professores. Na supervisão direta, um professor ou outro profissional mais experiente no assunto, auxilia e apóia o professor do ensino comum, que tem alunos com deficiência, em sua sala de aula. Esse apoio ocorre em situações pontuais e específicas dentro da sala de aula. Esse deveria, até mesmo, ser um dos papeis do professor especializado numa concepção de inclusão (MELLO, 2003). 80 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Na forma reflexiva do professor, o caminho é discutir as experiências dos professores para promover as trocas de procedimentos que deram certos, em salas de aulas, bem como levar o professor a refletir sobre os procedimentos que ainda não havia observado até então. Isso pode ocorrer entre um professor e um promotor de reflexão ou em pequenos grupos de professores (ADAMUZ, 2002; MELLO, 2003; LEITE, 1997; 2003). No intitulado ensino colaborativo, atualmente, em prática no Brasil e sendo realizado em vários Estados da Federação, geralmente, um pesquisador em educação, externo à escola, adentra a ela e busca formar um elo de colaboração com os profissionais na escola na tentativa de discutir, refletir e resolver possíveis problemas ou dificuldades oriundas do processo de ensino e aprendizagem em sala de aula (JESUS; BAPTISTA; VICTOR, 2006). 3 Dificuldades e necessidades para o estabelecimento de uma educação continuada: predisposição do professor professor,, planejamento e base teórica As vivências da prática profissional têm indicado que, nas três últimas modalidades, aqui intituladas como supervisão, ensino reflexivo e colaborativo, a predisposição do professor em participar é imprescindível para que as ações em sala de aula possam fluir e se estabelecer como mudanças e transformações de estruturas, tanto administrativas como de ensino. Principalmente nas abordagens de ensino sob supervisão, ensino colaborativo e reflexivo, é imprescindível de o professor possuir, em seu poder, uma programação de ensino preestabelecida e que possa ser contemplada a outros, externos a sala de aula. Ou seja, um planejamento que possa ser visualizado, pré-avaliado e materializado nos planos de aula. Nossa realidade tem demonstrado que, em várias situações de ensino, os planos de aula estão dentro das gavetas, esquecidos e abandonados. Dessa forma, um agente externo tem pouca chance de, efetivamente, promover a reflexão e colaboração. O planejamento do professor é um instrumento imprescindível para que a inclusão ocorra. Os interpretes de Libras necessitam desse planejamento para servir de referência na identificação do vocabulário a ser traduzido; os professores especializados precisam saber da programação para ajustarem o auxílio e supervisão; os agentes externos colaborativos necessitam do planejamento para não interpretarem ou realizarem uma leitura equivocada da prática pedagógica do professor; as agentes, de acordo com uma abordagem reflexiva, necessitam do planejamento para promover a reflexão, que deve nortear-se pelos conteúdos e ações, algumas das quais já preestabelecidas nos planos de aula. Uma outra dificuldade em promover as ações no âmbito da educação continuada refere-se, ainda, à dificuldade de compreensão conceitual sobre aquilo que se faz na prática, ou seja, qual teoria estaria embasando e explicando a prática pedagógica do professor. Essa tem sido, na prática de educação continuada, um dos conteúdos a serem discutidos. 81 Formação continuada do professor para atender à educação inclusiva Esse parece ser um dos pontos importantes para a profissão docente: em qual teoria aportar a própria prática pedagógica? como explicar aquilo que é feito pedagogicamente em sala de aula ao ensinar português, matemática ou ao trabalhar com alfabetização? Sem dúvida, o objeto de trabalho do professor é o ensino. Assim, o professor deveria ter bastante claro uma opção teórica para promover o processo de ensino e aprendizagem. Uma base teórica sobre ensino e aprendizagem é fundamental para a educação de alunos com ou sem deficiência. Exatamente por esses argumentos que a educação continuada é uma necessidade. A preparação não pode ser entendida como algo absoluto a ser alcançado, mas um processo de formação, contínua e dinâmica. Sem dúvida, essa formação é necessária para o ensino numa abordagem inclusiva. Um professor bem preparado é aquele que tem claro e definido, na prática e na teoria, como conduzir o processo de ensino, como explicar a aprendizagem, como avaliar e reformular seu plano de ensino frente ao planejamento preestabelecido. Não se tratar, portanto, de adequar o currículo, mas como criar condições para que o seu aluno consiga tomar posse do currículo que ele precisa. Referências ADAMUZ, C. R. A re-interpretação da prática pedagógica por um professor com uma comum. 2002. 123 f. Tese (Doutorado aluna com deficiência mental inserida no ensino comum em Educação) -- Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Adequação das edificações e do mobiliário urbano à pessoa deficiente deficiente. Rio de Janeiro: ABNT, 1994. BRASIL. Coordenadoria Nacional para Integração da pessoa portadora de deficiência. Lei nº 11126, de 27 de junho de 2005. Dispõe sobre o direito do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia. In: Acessibilidade Acessibilidade. Secretaria dos Direitos Humanos/CORDE: Brasília, 2005a. p. 124. ______. Coordenadoria Nacional para Integração da pessoa portadora de deficiência. Lei nº 10436 de 24/4/2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras providências. In: Acessibilidade Acessibilidade. Secretaria dos Direitos Humanos/CORDE: Brasília, 2005b. p. 122-123. ______. Coordenadoria Nacional para Integração da pessoa portadora de deficiência. Lei nº 10048 de 8/11/2000. Dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 82 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores dá outras providências. In: Acessibilidade Acessibilidade. Secretaria dos Direitos Humanos/CORDE: Brasília, 2005c. p. 111-112. ______. Lei nº 7853 de 24/10/1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, institui a tutela jurisdicIonal de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. In: Acessibilidade Acessibilidade. Secretaria dos Direitos Humanos/ CORDE: Brasília, 2005d. p. 91-104. ______. Lei nº 9.394 de 20/12/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (LDB). Brasília/DF. Diário Oficial da União, nº 248, de 23/12/1996. ______. Lei nº 5.296 de 02/12/2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. In: Acessibilidade Acessibilidade. Secretaria dos Direitos Humanos/CORDE: Brasília, 2005f. p. 41-74. ______. Ministério do Emprego e do Trabalho. Lei nº 8.112 de 11 de dezembro de 1990. deficiência: coletânea. Brasília: Legislação relativa ao trabalho de pessoas portadoras de deficiência MTE, SIT/DSST, 1999a. ______. Ministério do Emprego e do Trabalho. Lei nº 8.213 de 24 de julho de 1991. Legislação relativa ao trabalho de pessoas portadoras de deficiência deficiência: coletânea. Brasília: MTE, SIT/DSST, 1999b. ______. Portaria Ministerial MEC nº 3284 de 7/11/2003. Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências, para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições. In: Acessibilidade Acessibilidade. Secretaria dos Direitos Humanos/CORDE: Brasília, 2005e. p. 134-136. JESUS, D. M.; BAPTISTA, C. R.; VICTOR, S. L. Pesquisa e educação especial especial: mapeando produções. Vitória: UFES, 2006. LEITE, L. P. Um passo além além: estratégias de formação continuada de professores de educação especial. 1997, 149. Dissertação (Mestrado em Educação) -- Programa de Pósgraduação em Educação, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 1997. ______. A intervenção reflexiva como instrumento de formação continuada de professores de educação especial especial: um estudo em classe especial, 2003, 212. Tese 83 Formação continuada do professor para atender à educação inclusiva (Doutorado em Educação) -- Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2003. MANZINI, E. J. Profissionalização de deficientes mentais mentais: visão do agente institucional e visão do egresso. 2. reim. rev. 1989. 88f. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) -- Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 1989 (versão reformulada em pdf em 1995). MELLO, M. I. T. Intervenção pedagógica com uma professora que tem um aluno com física. 2003. Tese (Doutorado em Educação) -- Programa de Pós-graduação deficiência física em Educação, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2003. MONTEIRO, A. H. Há mudanças nas concepções do professor do ensino regular em relação à inclusão após a inserção de alunos deficientes? 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) -- Faculdade de Filosofia e Ciências – Unesp, Marília, 2006. MONTEIRO, A. P. H.; MANZINI, E. J. Mudanças nas concepções dos professores do ensino regular em relação à inclusão. In: VILELA, R. A. T.; FARIA FILHO, L. M. (Org.). Pós Pós-graduação e pesquisa em educação no Brasil/Região Sudeste Sudeste: Educação: direito ou serviço? Coletânea de textos do VII Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste. Belo Horizonte: PUC MINAS/UFMG -- 2005. CD-ROM. p. 1-16. TANAKA, E. D. O.; MANZINI, E. J. O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência? Revista Brasileira de Educação Especial Especial, Marilia, v. 11, n. 2, p. 273-294, 2005. 84 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Educação de alunos com características de altas habilidades/ superdotação e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão Soraia Napoleão Freitas1 [email protected] Denise de Souza Fleith2 [email protected] Uma das metas de uma sociedade democrática é a de garantir espaços sociais e educacionais que possibilitem o convívio harmonioso na diversidade. Conforme expresso no Documento Subsidiário à Política de Inclusão do Ministério da Educação (BRASIL, 2005), “a capacidade que uma cultura tem de lidar com as heterogeneidades que a compõem tornou-se uma espécie de critério de avaliação de seu estágio evolutivo, especialmente em tempos de fundamentalismos e intolerâncias de todas as ordens como este em que vivemos” p. 7). Assim, a construção das práticas de inclusão social e educacional deve ser vista como um processo essencial para determinação dos rumos de uma sociedade. No contexto escolar, avança o movimento de valorização das diferenças sociais, emocionais, cognitivas, físicas e culturais e de busca por um processo educativo inclusivo e de qualidade que atenda às necessidades dos alunos. Entretanto, Mitjáns Martinez (2005) chama atenção para o perigo de se adotar uma concepção restrita e simplista de inclusão educacional. Anache (2005) explica que “não é colocando um aluno na escola do ensino regular que se garantirá a efetivação de sua educação” (p. 131). Segundo Mitjáns Martinez, a idéia de inclusão implica criar condições de aprendizagem e desenvolvimento para todos os alunos. Para isso, é preciso, inicialmente, refletir sobre as concepções e representações vigentes no contexto escolar acerca da inclusão e de quem é o aluno a ser incluído. Na verdade, implica discutir os conceitos de normalidade/anormalidade e de diferença/semelhança. 1 Professora Drª. do Departamento de Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Líder do Grupo de Pesquisa CNPq Educação Especial: interação e inclusão social, Coordenadora do Programa de Apoio à Pesquisa em Educação Especial Proesp/MEC/Capes da UFSM. E-mail: [email protected] 2 Professora Dr a. do Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Pesquisadora do CNPq. E-mail: [email protected] 85 Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão Trabalhar sob a ótica da inclusão exige, ainda, dos educadores repensar e modificar suas práticas de forma a contemplar diferentes estilos e ritmos de aprendizagem, habilidades e interesses em sala de aula. Mantoan (1997) conclui que “a inclusão é um motivo para que a escola se modernize e os professores aperfeiçoem suas práticas” (p. 17). Dessa forma, articular as temáticas “formação docente, diversidade e inclusão” torna-se uma tarefa desafiadora quando a sociedade e o sistema escolar buscam meios de garantir a todos os alunos o cumprimento dos seus direitos e deveres previstos constitucionalmente. A responsabilidade pela inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais é de toda a comunidade escolar e representa uma oportunidade para que a escola questione e modifique suas práticas padronizadas e homogeneizadoras. Assim, se a sociedade quer assegurar o direito à educação e à igualdade de oportunidades terá de refletir sobre as condições de acesso e de sucesso que é capaz de dar aos seus alunos. Logo, entendemos que a formação inicial dos professores precisa também ser repensada em seus diferentes níveis, para que soluções compatíveis com a urgente necessidade de melhoria das propostas educativas de nossas escolas possam ser formuladas e encontradas. Sob esse prisma, é no entrelaçamento entre a educação geral e a educação especial que se encontra a base para a proposta de educação para todos, tanto nas suas dimensões relacionadas às políticas públicas, da formação de professores e das práticas pedagógicas, quanto das possibilidades e das ações para que o processo de inclusão educacional da pessoa com necessidades educacionais especiais seja implementado. Desse modo, a educação dessas pessoas, seja no contexto do ensino regular ou em formas de atendimento especializado, permite aos professores rever seus referenciais teórico-metodológicos e os incentiva, diante do enfrentamento das diferenças de seus alunos, a buscar por uma formação continuada. Tendo em vista a relevância e a complexidade da estruturação e implementação das estratégias de ensino para a viabilização de uma aprendizagem que respeite as diferenças e se caracterize como inclusiva, é imprescindível que o processo formativo docente considere as especificidades dos alunos com altas habilidades/superdotação. Segundo Delou (2007), a maioria dos alunos superdotados não são identificados em sala de aula. Estar matriculado garante o acesso ao ensino regular, mas para que alunos com altas habilidades/superdotação sejam incluídos é preciso mais. É fundamental neste processo de inclusão um professor especializado que seja sensível às necessidades deste aluno e crie oportunidades educacionais mais avançadas e desafiadoras condizentes com seu ritmo de aprendizagem, interesses e competências. No Brasil, além de terem pouca visibilidade, os superdotados constituem ainda um grupo que é pouco compreendido. Observa-se, até mesmo, resistência à implementação de programas ou serviços de atendimento ao superdotado, fruto de uma série de idéias errôneas sobre este aluno. Segundo Alencar e Fleith (2006), 86 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Uma dessas idéias é a supervalorização de fatores genéticos, colocando-se em segundo plano o papel do ambiente para o desenvolvimento de habilidades e competências. Tal idéia seria responsável pela consideração do superdotado como um privilegiado, que apresentaria recursos intelectuais inatos superiores, considerando-se injusto e antidemocrático oferecer-lhe mais privilégios sob a forma de participação em programas educacionais especiais, nos quais os demais alunos seriam excluídos. Observa-se também resistência a propostas de implementação de programas especiais para o superdotado, com o argumento de que seria um absurdo investir nesta área, quando se tem um contingente significativo de analfabetos e portadores de necessidades educacionais especiais, nas áreas visual, auditiva ou física, que permanecem sem um atendimento especializado (p. 53). Além de uma compreensão inadequada acerca das necessidades do aluno com altas habilidades/superdotação, a falta de informação acerca de suas características leva-os, muitas vezes, a serem identificados equivocadamente como autista, hiperativo ou portador de algum distúrbio de aprendizagem, como déficit de atenção, ou de problemas de conduta comportamental (ALENCAR; VIRGOLIM, 1999; BAUM, OWEN; DIXON, 1991; HARTNETT, NELSON; RINN, 2004; MONTGOMERY, 2003). Embora não seja possível estabelecer um perfil único de aluno superdotado, algumas características são mais comumente encontradas nesse grupo (veja Quadro 1). Quadro 1. Características do aluno com altas habilidades/superdotação Alto grau de curiosidade. Boa memória. Atenção concentrada. Persistência. Independência e autonomia. Interesse por áreas e tópicos diversos. Facilidade de aprendizagem. Criatividade e imaginação. Iniciativa. Liderança. Vocabulário avançado para sua idade cronológica. Riqueza de expressão verbal (elaboração e fluência de idéias). Habilidade para considerar pontos de vistas de outras pessoas. Facilidade para interagir com crianças mais velhas ou com adultos. Habilidade para lidar com idéias abstratas. Habilidade para perceber discrepâncias entre idéias e pontos de vista. Interesse por livros e outras fontes de conhecimento. Alto nível de energia. Originalidade para resolver problemas. Fonte: Alencar; Fleith, 2001. 87 Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão Acredita-se, ainda, que o aluno superdotado apresenta um excelente desempenho acadêmico em todas as disciplinas curriculares. Na realidade, a baixa motivação, o tédio e ausência de desafios na vida escolar podem gerar falta de compromisso, desinteresse e pouco envolvimento com as atividades de sala de aula. Além disso, o aluno com altas habilidades é visto como uma ameaça à autoridade dos professores, que se sentem intimidados pelo questionamento, perguntas e críticas desse aluno. Predomina ainda em nossa sociedade o estereótipo do indivíduo superdotado como excêntrico, instável emocionalmente e isolado socialmente. Entretanto, estudos têm revelado maior estabilidade emocional e ajustamento social por parte do aluno com altas habilidades (ALENCAR; FLEITH, 2001). Entretanto, isso não significa afirmar que os alunos com um potencial superior são “imunes” a qualquer desajuste emocional ou social. É importante esclarecer, contudo, que não é a superdotação que “provocará” tais desajustes, mas a maneira como ocorre a interação entre esse indivíduo e o ambiente; ou seja, em que extensão suas necessidades estão em sintonia com as oportunidades oferecidas ao longo de sua vida. Nessa perspectiva, atender às necessidades singulares dos alunos com altas habilidades/superdotados significa considerar os fatores socioculturais e a história de cada um, bem como suas características pessoais. Trata-se de garantir condições de aprendizagem a todos os alunos, tanto por meio de incrementos na intervenção pedagógica quanto de medidas extras que atendam às necessidades individuais. A atenção à diversidade, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999a), deve concretizar-se em medidas que levem em consideração não só o que o aluno dispõe, mas seus interesses e motivações. Tradicionalmente, a pessoa com altas habilidades/superdotação é vista como mais inteligente em relação a uma média. Na sociedade ocidental, o conceito de inteligência fundamenta-se no pensar, no abstrair e na possibilidade de processar a informação. Essa concepção, marcadamente influenciada pela produção e competição implantada pelo sistema capitalista, valoriza as destrezas, os conhecimentos e o raciocínio. Entretanto, em outras culturas ou mesmo dentro de subgrupos da cultura ocidental, a ênfase pode estar em aspectos menos intelectivos como o sentimento, a criação artística, dentre outros. A definição de quem são as pessoas com altas habilidades/superdotação envolve o entendimento de conceitos de inteligência, e esse não possui aceitação universal, assim como o conceito de altas habilidades (PÉREZ, 2006). Alencar e Fleith (2001) destacam que a “superdotação é um conceito ou constructo psicológico a ser inferido a partir de uma constelação de traços ou características de uma pessoa” (p. 52). A Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994) considera portadores de altas habilidades/superdotados aqueles que apresentam desempenho acima da média ou potencialidade elevada em aspectos isolados ou combinados de áreas como capacidade intelectual, aptidão acadêmica, pensamento criador, capacidade de liderança, talento especial para artes cênicas, plásticas, musicais e habilidades psicomotoras. 88 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores A Lei nº 9.394/96 (LDBEN), no capítulo de Educação Especial (BRASIL, 1996, p. 22) estava assumindo que: PESSOA PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS: É a que apresenta, em caráter permanente ou temporário, algum tipo de deficiência física, sensorial, cognitiva, múltipla, condutas típicas ou altas habilidades, necessitando, por isso, de recursos especializados para desenvolver mais amplamente o seu potencial e/ou superar ou minimizar suas dificuldades. No contexto escolar, costumam ser chamadas de pessoas portadoras de necessidades educativas especiais. Nela já se incorporava o termo altas habilidades, utilizado pelo Conselho Europeu para Altas Habilidades, que o Ministério de Educação passou a adotar no caso dos superdotados. A LDBEN (BRASIL, 1996, p. 14-5) inclui os alunos com altas habilidades/ superdotados, ao prever o seu atendimento no inciso II do Artigo 59, que trata da “aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados” e, no inciso IV, que garante a educação especial para o trabalho também “[...] para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora”, assim como já o fizera a Política Nacional de Educação. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares (BRASIL, 1999b, p. 23), a expressão necessidades educacionais especiais refere-se às necessidades de crianças e jovens decorrentes de sua elevada capacidade ou de suas dificuldades para aprender e que essas necessidades estão associadas “portanto, a dificuldades de aprendizagem, não necessariamente vinculada a deficiência(s)”. O Parecer CNE/CEB nº 17 (BRASIL, 2001) reconhece os alunos com altas habilidades/superdotados, como um dos segmentos da comunidade discriminados e à margem do sistema educacional: É o caso dos superdotados, portadores de altas habilidades, “brilhantes” e talentosos que, devido a necessidades e motivações específicas – incluindo a não aceitação da rigidez curricular e de aspectos do cotidiano escolar – são tidos por muitos como trabalhosos e indisciplinados, deixando de receber os serviços especiais de que necessitam, como, por exemplo, o enriquecimento e aprofundamento curricular. Assim, esses alunos muitas vezes abandonam o sistema educacional, inclusive por dificuldades de relacionamento (p. 19). A Resolução nº 02/01, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, fundamentada no Parecer nº 17/01, afirma que a ação da educação 89 Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão especial se amplia, passando a abranger não apenas as dificuldades de aprendizagem relacionadas a condições, disfunções, limitações e deficiências, mas também aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica. Muitas vezes, em razão de dificuldades cognitivas, psicomotoras e de comportamento, alunos são freqüentemente negligenciados ou mesmo excluídos dos apoios escolares. Nesse contexto, assume-se que todo e qualquer aluno pode apresentar, ao longo de sua aprendizagem, alguma necessidade educacional especial, temporária ou permanente. De acordo com a Resolução nº 02/01, alunos com altas habilidades são aqueles que, durante o processo educacional, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. A diretriz com base no artigo nº 59 da LDB/96 expressa ser necessário assegurar currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização, específicos para atender às necessidades dos educandos com necessidades especiais. Para atendimento às necessidades educacionais do aluno superdotado, recomendam-se práticas que possibilitem a esse aluno (ALENCAR; FLEITH, 2001): (1) (2) (3) (4) (5) (6) Desenvolver ao máximo seus talentos e habilidades. Ter uma existência feliz e de realização. Fortalecer um autoconceito positivo. Ampliar suas áreas de experiência. Desenvolver uma autoconsciência social. Apresentar uma produtividade criativa. Nesse sentido, práticas de enriquecimento curricular e aceleração de ensino têm sido indicadas na literatura como umas das mais apropriadas para atender aos alunos com altas habilidades. O enriquecimento curricular diz respeito a oportunidades de experiências de aprendizagem diversas das que o currículo normalmente apresenta. Conforme esclarecem Alencar e Fleith (2001), “o enriquecimento consiste em solicitar ao aluno o desenvolvimento de projetos originais em determinadas áreas de conhecimento. Ele pode ser levado a efeito tanto na própria sala de aula como através de atividades extracurriculares” (p. 133). A aceleração de ensino, por sua vez, implica cumprir o programa escolar em menos tempo, procedimento que pode ser implementado de muitas formas. Como bem explicam Sabatella e Cupertino (2007): O conceito de aceleração pode ser traduzido em várias práticas, que variam de saltar séries até a flexibilização do currículo para que etapas possam ser cumpridas em tempo menor que o estabelecido. Ela também pode ocorrer por um aumento do ritmo do ensino-aprendizagem, proporcionando oportunidades mais compactas para abranger os conteúdos da grade curricular 90 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores em menos tempo, com atividades durante as férias, períodos de contra-turno, cursos à distância ou obtendo créditos em exames especiais, que possibilitem dispensa de algumas disciplinas (p. 73). Portanto, planejar alternativas de atendimento ao aluno com altas habilidades, que atinjam suas reais necessidades e expectativas dos pais e correspondam à filosofia educacional das escolas, sem entrar em conflito com o ensino regular, é um trabalho que deve ser executado com habilidade e critério3. Um ponto importante a ser destacado é que o professor no cotidiano escolar precisa reconhecer e responder às necessidades diversificadas de seus alunos, bem como, acomodar diferentes potencialidades, estilos e ritmos de aprendizagem, assegurando, com isso, uma educação de qualidade. Porém, só a formação do professor não é o suficiente para o estímulo da criatividade e das inteligências individuais dos alunos, pois, além da ação docente em sala de aula existem outros fatores que devem ser considerados, como o currículo apropriado e flexibilizado que conduzirá a práticas pedagógicas realmente heterogêneas. O professor da escola inclusiva deve avançar em direção à diversidade, deixar de ser mero executor de currículos e programas predeterminados, para se transformar em responsável pela escolha de atividades, conteúdos ou experiências mais adequadas ao desenvolvimento das capacidades fundamentais dos seus alunos, tendo em conta suas necessidades. Conhecer, portanto, as características individuais dos alunos com características de altas habilidades/superdotação e as diferentes formas de manifestação de suas singularidades é condição para que se estabeleça o vínculo necessário entre o ensino e a aprendizagem. Evidentemente não é tarefa do professor estabelecer diagnósticos, mas uma postura de observação que lhe permita identificar as preferências e facilidades de cada um, assim como suas limitações. O trabalho docente, por meio do estímulo das habilidades cognitivas, da criatividade e da motivação em sala de aula, pode ser um instrumento para a flexibilização do currículo nas séries iniciais do ensino fundamental, uma vez que não é difícil reconhecer a relevância do estímulo à capacidade criadora discente no âmbito da educação escolar, nem o seu papel e importância para o desenvolvimento cultural do aluno. Nesse desenvolvimento cultural, a memória, a fantasia e a imaginação são funções psicológicas complexas e dialeticamente inter-relacionadas. 3 Para obter uma descrição detalhada das práticas educacionais de atendimento ao superdotado, consulte a série A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação, publicado pela Secretaria de Educação Especial do MEC (2007). 91 Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão Faz-se necessário que os professores e as escolas se convençam da necessidade e da viabilidade de transformação da sua prática, para que busquem construir condições adequadas ao trabalho de inclusão de todos os alunos. A ausência de tal convicção impede a construção de um currículo suficientemente amplo e adequado para atender às necessidades desses alunos e da sociedade e impede, também, a redefinição de critérios de agrupamento de alunos, de avaliação de rendimento e de valorização de conquistas. Com base na complexidade do ato educativo, consideramos necessárias transformações nas propostas formativas de professores, tanto em sua dimensão teórica como prática, promovendo e facilitando o uso de metodologias e estratégias didáticas que gerem modos de pensamento e ação próprios a profissionais críticos e reflexivos, capazes de trabalhar coletivamente. O princípio fundamental da escola ou ensino inclusivo é que todos os alunos, sempre que possível, aprendam juntos, independentemente de suas dificuldades ou talentos, deficiência, origem socieconômica ou origem cultural em escolas e salas de aula, onde todas as necessidades são satisfeitas. Stainback e Stainback (1999) diz que “para conseguir realizar o ensino inclusivo, os professores em geral e especializados, bem como os recursos, devem aliar-se em um esforço unificado ao consistente” (p. 25). A inclusão reforça a prática de que as diferenças são aceitas e respeitadas. No entanto, para que isso aconteça realmente, são necessárias mudanças sociais, bem como um esforço mútuo de todos os incluídos na prática inclusiva. Incluir e garantir uma educação de qualidade para todos é, atualmente, o fator mais importante na redefinição dos currículos escolares, desafiando a coragem das escolas em assumir um sistema educacional “especial” para todos os alunos. É nesse contexto que as atuais políticas públicas de educação se inserem. A perspectiva de educação para todos constitui um grande desafio, pois a realidade indica uma numerosa parcela de excluídos do sistema educacional, sem possibilidade de acesso à escolarização. Vale lembrar que: Incluir não significa apenas colocar no próprio ninho o estranho que vem de fora, seqüestrando-o de sua vida plena; ao contrário, requer um sair de si e ir ao seu encontro, ofertando-lhe aquilo de que, efetivamente necessita. Incluir significa ouvir e responder àquilo que um outro pede pela sua própria voz. (TUNES; BARTHOLO, 2006, p. 147). Enfrentar esse desafio é condição essencial para atender à expectativa de democratização da educação, em nosso país, e às aspirações de todos que almejam seu desenvolvimento e progresso. 92 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Referências ALENCAR, E. M. L. S.; FLEITH, D. S. Superdotados Superdotados: determinantes, educação e ajustamento. 2 ed. São Paulo: EPU, 2001. ______. A atenção ao aluno que se destaca por um potencial superior. Revista Educação Especial, v. 27, p. 51-59, 2006. Especial ALENCAR, E. M. L. S.; VIRGOLIM, A. M. R. Dificuldades emocionais e sociais do superdotado. In: SOBRINHO, F. P. N.; CUNHA, A. C. B. (Orgs.). Dos problemas disciplinares aos distúrbios de conduta conduta. Rio de Janeiro: Dunya, 1999. p. 89-114. ANACHE, A. A. O psicólogo nas redes de serviços de educação especial: desafios em face da inclusão. In: MITJÁNS MARTÍNEZ, A. (Org.). Psicologia escolar e compromisso social social. Campinas: Alínea, 2005. p. 115-133. BAUM, S.; OWEN, S. V.; DIXON, J. To be gifted and learning disabled disabled. Mansfield Center, CT: Creative Learning Press, 1991. BRASIL. Política Nacional de Educação Especial Especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 9394/96. Brasília: MEC, 1996. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais Nacionais. Brasília: MEC, 1999a. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais. Adaptações Curriculares. Estratégias para Especiais. Brasília: MEC, 1999b. a Educação de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais ______. Educação inclusiva. Documento Subsidiário à Política de Inclusão Inclusão. Brasília: MEC/ SEESP, 2005. DELOU. C. M. C. Educação de alunos com altas habilidades/superdotação: legislação e políticas educacionais para a inclusão. In: FLEITH, D. S. (Org.). A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação habilidades/superdotação. Orientação a Professores. Brasília: MEC/SEESP, 2007. p. 25-39. HARTNETT, D. N.; NELSON, J. M.; RINN, A. N. Gifted or ADHD? The possibilities of misdiagnosis. Roeper Review Review, v. 2, p. 73-76, 2004. MANTOAN, M. T. E. A integração de pessoas com deficiência deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Mennon/SENAC, 1997. 93 Educação de alunos com características de altas habilidades/superdotação e a formação docente sob a ótica da diversidade e da inclusão MITJÁNS MARTÍNEZ, A. Inclusão escolar. Desafios para o psicólogo. In: MITJÁNS MARTÍNEZ, A. (Org.). Psicologia escolar e compromisso social social. Campinas: Alínea, 2005. p. 95-114. MONTGOMERY, D. Gifted and talented children with special educational needs needs. London: David Fullton, 2003. PÉREZ, S. G. P. B. Sobre perguntas e conceitos. In: FREITAS, S. N. (Org.). Educação e altas habilidades/superdotação habilidades/superdotação: a ousadia de rever conceitos e práticas. Santa Maria: Editora da UFSM, 2006. SABATELLA, M. L.; CUPERTINO, C. M. B. Práticas educacionais de atendimento ao aluno com altas habilidades/superdotação. In: FLEITH, D.S. (Org.). A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/auperdotação habilidades/auperdotação. Orientação a Professores. Brasília: MEC/SEESP, 2007. p. 67-80. STAINBACK, S.; STAINBACK, W. Inclusão Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. TUNES, E.; BARTHOLO, R. O trabalho pedagógico na escola inclusiva. In: TACCA, M.C.V. R. (Org.). Aprendizagem e trabalho pedagógico pedagógico. Campinas: Alínea, 2006. p. 129-148. 94 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em relação a outros países Maria Amelia Almeida1 [email protected] No decorrer da história da humanidade, vamos perceber que as pessoas com deficiência têm sido vulneráveis a práticas de infantilismo e de segregação. Em muitos países, essas práticas, de alguma forma, estavam relacionadas com o medo da sociedade de que “tais defeitos” pudessem comprometer a raça humana (BRADDOCK; PARRISH, 2002). De acordo com Hardman, Drew e Egan (2005), na segunda metade do século XVIII, reformas humanitárias indicaram uma era de otimismo em relação ao tratamento e, eventual cura daqueles que se desviavam da norma. No entanto, ainda segundo esses autores, quando o “desvio” não era curado e continuava sendo um problema social preocupante, muitos profissionais se convenceram de que era necessário esterilizar e segregar um grande número desses “degenerados mentais e sociais”. Em alguns países, algumas leis apresentavam orientações para esterilização de pessoas com deficiência mental e/ou epilepsia e criminosos. Além do mais, muitas pessoas eram forçadas a deixarem as suas comunidades para receberem “cuidados especiais” em ambientes isolados da sociedade. Esses lugares se tornaram conhecidos como “instituições” e receberam diferentes nomes, como: escola residencial, hospital, colônia, asilo... Essas instituições foram estabelecidas para oferecer treinamento e alguma forma de educação em um ambiente protetor, no qual passariam as suas vidas. Nos anos 1900, muitas tentativas de “ressignificação” dessas instituições foram feitas. Por exemplo, no início dos anos 1950, nos Estados Unidos a Associação Americana de Psiquiatria envidou todos os esforços para inspecionar e qualificar tais instituições. Esse trabalho resultou em uma chamada geral de atenção ao público sobre a falta de intervenções terapêuticas e das condições deploráveis que se encontravam os residentes (BLATT; KAPLAN, 1974; WOLFENBERGER, 1975). Talvez em resposta a esses dados, os pais de crianças com deficiência nos Estados Unidos começam a se organizarem e a fundarem organizações de proteção às pessoas com deficiência, como por exemplo United Cerebral Palsy (UCP), National Association for Retarded Children (NARC). 1 Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos. Atua nas áreas de Comunicação Alternativa e Ampliada, Currículo Funcional, Ensino e Consultoria Colaborativa para a Inclusão, Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho. 95 Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em relação a outros países É importante ressaltar, que nos anos 1800, na época do império, foram criados no Brasil dois importantes institutos, hoje denominados Instituto Benjamim Constant e Instituto Nacional de Educação de Surdos . Porém tais institutos escolares foram criados para atender às demandas educacionais de seus residentes. Segundo Jannuzzi (2004, p. 12), o “Imperial Instituto para Meninos Cegos, nome dado ao Instituto Benjamin Constant por ocasião de sua criação, “destinava-se ao ensino primário e alguns ramos do secundário, ensino de educação moral e religiosa, de música, de ofícios fabris e trabalhos manuais”. Ainda segundo Jannuzzi (2004, p. 14) “essas duas instituições para deficientes foram intermediadas por vultos importantes da época , que procuravam transmitir ensinamentos especializados aceitos como fundamentais para esse alunado”. Portanto, a criação dessas duas instituições nada se assemelha à criação das instituições que descrevemos anteriormente. Pelo contrário, seus objetivos era o de oferecer o que de melhor havia em termos de Educação para surdos e cegos naquela época. No fim da década de 1950, do outro lado do mundo, em 1959, o “Princípio Normalização” era Promulgado na Dinamarca por sugestão de Bank-Mikkelsen (1969), que tinha como principal objetivo: “Deixar a pessoa com deficiência mental obter uma existência o mais próximo possível do normal”. Esse princípio “revolucionou” o mundo e o atendimento das pessoas com deficiência mental, principalmente, em ambientes segregados da sociedade passa a ser questionado, da mesma forma que aconteceu nos USA no início dos anos 1950. Nessa mesma ocasião, em 1961, aprova-se no Brasil a Lei nº 4.024/61 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (20 de dezembro de 1961), que em seus Artigos 2 e 88 , estabelecia: “A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola”. “A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de ensino, afim de integrá-los na comunidade”(BRASIL, Lei nº 4024/61). Diante de tudo o que estava acontecendo em outros países, em que se discutia se as pessoas com deficiência podiam ou não “obter uma existência o mais próximo possível do normal” (BANK-MIKKELSEN, 1969) em nosso país era aprovada uma lei que permitia às crianças com deficiência serem educadas no sistema geral de ensino. Talvez o problema maior dessa lei foi afirmar que a educação das crianças com deficiência “deveria” e não o “teria” que enquadra-se no sistema geral de ensino. Ou seja, a expressão “no que for possível”, acabou por manter as crianças com deficiência fora da rede comum de ensino, uma vez que “muitos” concluíram “que não era possível” educá-las nas escolas comuns de ensino com isso muitas escolas especiais continuaram sendo criadas. Em outros países, os questionamentos sobre a educação de crianças com deficiência em ambientes segregados continuava sendo questionado. Assim é que, em 1968, Lloyd Dunn, lança nos Estados Unidos uma publicação a qual questiona, de forma muito incisiva, os serviços de Educação Especial para alunos com deficiência mental leve. Também na Escandinávia, dez anos após ser promulgado, finalmente o “Princípio de 96 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Normalização” foi sistematizado na Dinamarca e colocado na literatura por Nirge no capítulo da monografia: “Mudando os padrões dos serviços residenciais para deficientes mentais” (KUGEL; WOLFENSBERGER, 1969). Essa publicação causou uma grande revolução em vários países e o trabalho com os alunos com deficiência mental passou a ser totalmente reformulado. Nesse mesmo ano, em 1969, foi aprovada uma nova Constituição Brasileira, que afirmava: “O direito à educação deve ser igual a todos” e “O ensino de 1º grau obrigatório para todos, dos sete aos 14 anos, gratuito, nos estabelecimentos de ensino” (BRASIL, 1969). Podemos, então deduzir que como a lei proclamava que a Educação era direito de todos os brasileiros na faixa etária de 7 a 14 anos, subentende-se que esse direito estendiase também a todos os alunos que apresentassem deficiência, transtornos, superdotação. Um ano após a aprovação da Constituição (BRASIL, 1969), a Espanha aprovava sua Lei Geral da Educação de 1970, que previa que “a educação dos surdos-mudos e cegos poderia ser realizada tanto nas escolas especiais quanto nas escolas regulares”. Ou seja, após séculos de segregação, a uma lei educacional espanhola concede, pelo menos, aos alunos surdos e cegos, o direito de estudarem nas escolas comum da rede de ensino, direito esse garantido no Brasil desde 1961 pela Lei nº 4.024/61 (GONZÁLES, 2007). Em 1971, o Brasil aprovou mais uma Lei de Educação, a Lei nº 5.692/71 (11 de agosto de 1971), que em seu Artigo 9º estabelecia que: “Os alunos que apresentem deficiências físicas e mentais, que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação. Será que em relação aos alunos especiais, a Lei nº 5.692/71, foi um progresso ou retrocesso se comparada com a Lei 4.024? Como competia aos Conselhos de Educação fixarem normas em relação à educação desses alunos, dois pareceres importantes surgiram: Em 1972 foi aprovado o Parecer CFE nº 848/72 do Conselheiro Valnir Chagas, que estabelecia: “Os excepcionais estão incluídos na obrigatoriedade escolar dos sete aos 14 anos, com direitos a que levem em conta as suas características individuais prolongando o ensino gratuito até o limite da real educabilidade de cada aluno e 1974 foi aprovado o Parecer 1.682/74, da Conselheira Terezinha Saraiva, que estabelecia que “O acompanhamento e a avaliação dos deficientes deverão constituir processo contínuo e trabalho cooperativo, abrangendo aspectos relativos à capacidade intelectual, interesses, atitudes,competência social, aproveitamento escolar”. Esses dois pareceres, à época, foram muito importantes para os alunos superdotados, com deficiência e outros transtorno, pois enquanto o primeiro incluía esses alunos na obrigatoriedade escolar dos 7 aos 14 anos, ou outro estabelecia que o acompanhamento e a avaliação dos “deficientes” deveriam constituir um processo contínuo. Porém, o que 97 Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em relação a outros países houve com o parecer da Conselheira Terezinha Saraiva, que ainda hoje, a todo momento, nos deparamos com jovens e adultos com deficiência mental que não aprenderam a ler e a escrever e muito menos estão preparados para o trabalho? Será que nunca foram avaliados no percurso de sua vida escolar que não estavam aprendendo? Ou será que pelo fato do parecer do Conselheiro Valnir Chagas “prolongar o ensino gratuito até o limite real de sua educabilidade” fez com que se acreditasse que não era preciso investir tão fortemente na sua educabilidade, visto que “teriam mais tempo” para aprender? Assim, enquanto no Brasil, as leis vinham garantindo a educação de alunos especiais na rede comum de ensino desde 1961, é somente em 1975 que Portugal e Estados Unidos garantem uma educação menos segregada para esses alunos. Dessa forma, em Portugal “são criadas as primeiras equipes de Ensino Especial que tinham por objetivo promover a integração familiar, social e escolar das crianças e jovens portadores de deficiências sensoriais ou motoras, com capacidade de acompanhar o currículo escolar” (LIMA-RODRIGUES et al. 2007). Posteriormente, esse apoio à integração incorporou também as crianças com deficiência mental, segundo os mesmos autores. Nesse mesmo ano, nos Estados Unidos da América do Norte foi aprovada a Lei nº 94.142 – Educação para Todas as Crianças Excepcionais – que assegurava às crianças com necessidades especiais o direito à “Educação pública, gratuita e apropriada a todas as crianças excepcionais de 3 a 21 anos em ambientes o menos segregado possível”. Assim, uma nova terminologia entra na área de Educação Especial: 1. “Mainstreaming”, situação que garante às crianças “excepcionais”: (a) matrícula nas escolas com seus pares normais; (b) garantia de serviços especiais enquanto estiverem matriculadas em classes regulares; (c) oportunidade de interagir o máximo possível com seus pares em ambientes não segregados”; 2. Processo de “desegregação”, que consiste na retirada das “pessoas com necessidades especiais” dos ambientes segregados (escolas especiais, instituições residenciais). 3. Processo de “desinstitucionalização”, que consistiu na retirada das “pessoas com necessidades especiais”, que viveram toda as suas vidas em instituições segregadas da sociedade e devolução das mesmas às suas respectivas famílias ou colocando-as em “casas lares” em bairros residenciais. Todas essas leis, tanto as brasileiras, quanto as portuguesas, espanhola, americana, favoreceram mais a integração escolar e educativa, que segundo Blanco (1998) significou um processo de inserção da pessoa deficiente preparada para conviver em sociedade se caracterizando como um movimento de luta por direitos com o objetivo de incorporar à escola comum crianças com deficiência que freqüentaram sistemas segregados de ensino por muitos anos. Em 1986 Portugal publica a nova Lei de Bases do Sistema Educativo (nº 46/86 de 14/10/1986), que proclama nos artigos 17º e 18º “igualdade de oportunidade e o direito 98 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores de todas as crianças à educação, independentemente das suas características físicas, sociais e étnicas. A Educação Especial é definida como modalidade integrada no sistema geral de educação, prestando apoio às estruturas regulares de ensino, de acordo com as necessidades de cada aluno. Prevê o ensino em instituições especiais quando o tipo e o grau de deficiência da criança exigir” (FELGUEIRAS, 1994). Nesse mesmo ano, nos Estados Unidos da América, a Lei 94.142 de 1975 denominada “Educação para todas as crianças excepcionais” foi renomeada para “Ato Educacional para Indivíduos com Deficiência” – IDEA (HEWARD, 2006), que tem como principais garantias: 1. Rejeição zero. As escolas devem aceitar todas as crianças com necessidades especiais. Este princípio deve ser aplicado independente da natureza e severidade da deficiência. 2. Todos os alunos com deficiência são elegíveis a uma educação pública, gratuita e de qualidade. 3. As escolas devem utilizar-se de identificação e avaliação não discriminatória envolvendo métodos multidisciplinares para determinar se a criança tem uma deficiência e, se tiver, indicar no tipo de atendimento educacional especializado que vai precisar. 4. As crianças devem ser educadas com outras crianças não deficientes em ambientes não segregados e só podem ser removidas para classes ou escolas separadas apenas quando a severidade de sua deficiência não permitir que recebam educação apropriada em classes da educação geral. 5. As escolas devem garantir os direitos das crianças com deficiência e de seus pais. 6. A participação dos pais e dos filhos com deficiência (quando possível) nos processos de decisões. As escolas devem colaborar com pais e aluno com deficiência no planejamento e implementação dos serviços de Educação Especial. Apesar dos avanços, essas leis continuam garantindo a integração dos alunos com especiais nas escolas da rede comum de ensino. Em 1988, é aprovada no Brasil a nova Constituição Brasileira, cujo Artigo 208 prevê como dever do Estado: “Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino”. Ou seja, o “preferencialmente” acabou sendo uma espécie de sinônimo do “no que for possível”, estabelecido na Lei nº 4.024 de 1961. Um ano depois da aprovação da nova Constituição foi aprovada a Lei nº 7.853 (24/10/89), que estabelece “normas gerais para o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência e sua efetiva integração social”. O Inciso 1 do artigo 2º define as medidas a serem tomadas pelos órgãos da administração direta e indireta na área de Educação: 99 Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em relação a outros países 1. Inclusão da Educação Especial no sistema educacional como modalidade educativa; 2. A inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e públicas; 3. Oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimentos públicos de ensino; 4. Oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar e escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a um ano, educandos portadores de deficiência; 5. O acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, até mesmo material escolar, merenda escolar e bolsa estudo; 6. Matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino. Logo em seguida, também foi aprovada a Lei nº 8.069 (1990), que é o Estatuto da Criança e do Adolescente, que em seu Artigo 54 estabelece que é “Dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Nesse mesmo ano, no período de 5 a 9 de março de 1990, ocorreu a Conferência de Jomtien, na Tailândia, ocasião em que foi aprovada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, que afirma: “As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo”. Quatro anos depois, em 1994, a Declaração de Salamanca é proclamada na Espanha da qual foram signatários mais de 80 países e preconiza: 1. Direito fundamental da criança à educação; 2. Os sistemas educacionais devem levar em conta a vasta diversidade; 3. As pessoas com necessidades especiais devem ter acesso à rede regular de ensino; 4. As escolas regulares devem ter orientação inclusiva; Nesse mesmo ano, foi publicada no Brasil a Política Nacional de Educação Especial, que traz algumas definições de integração. Em 1996, foi aprovada no Brasil mais uma educacional, a Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educacional Nacional (20/12/1996) e da mesma forma que a Constituição de 1988, também preconiza “Atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino” (Artigo 4.III). Mais uma vez, o “preferencialmente” está presente em mais uma lei brasileira. O Capítulo V é dedicado à Educação Especial: Artigo 58: Define o que é Educação Especial para efeitos legais da lei. 100 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Artigo 59: Estabelece o que os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais. Artigo 60: Reafirma que é de responsabilidade do poder público a ampliação do atendimento aos alunos com necessidades especiais na própria rede pública de ensino regular, independentemente das instituições caracterizadas para fins de apoio técnico e financeiro, pelos órgãos normativos dos sistemas de ensino. Em 1997, Portugal aprovou o Despacho Conjunto nº 106 (01/07/97) que indica para um sistema educativo único, englobando simultaneamente, a educação regular e a especial, centrando-se na inclusão de todos os alunos. Em 2001, foi aprovado no Brasil o documento Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica que indica que “a educação especial de ver ocorrer nas escolas públicas e privadas da rede regular de ensino, com base nos princípios da escola inclusiva” (página 42). Mais adiante, o documento torna claro que “Extraordinariamente, os serviços de educação especial podem ser oferecidos em classes especiais, escolas especiais, classes hospitalares e em ambientes domiciliares” (página 42). Mais uma vez, as chances de inclusão dos alunos especiais na rede comum de ensino ficam diminuídas, uma vez que o termo “extraordinariamente”, talvez da mesma forma que o “preferencialmente” ou “no que for possível” abrem a possibilidade para que todos os alunos com deficiência se enquadrem nesses serviços. Em 2005, em Portugal o Despacho nº 106 é reformulado pelo Despacho nº 10856/ 05 (13/05/05) onde refere como função principal dos recursos e apoios educativos especializados , a construção de uma “Escola Inclusiva”, que promova a “Inclusão sócioeducativa”dos alunos Necessidades Educacionais Especiais (LIMA-RODRIGUES et al. 2007). Da mesma forma que em Portugal, o Brasil também se preocupa com a construção de uma “Escola Inclusiva” que também possa promover a inclusão de todos os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades/superdotação. Para tanto, está sendo construído no Brasil o documento: “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”, que tem sido apresentado em vários eventos e em diferentes ocasiões com os vários segmentos da sociedade na tentativa de uma ampla discussão. Ao encerrar esse trabalho, gostaria de resgatar o que a pesquisadora Marisa Faermann Eizirik nos disse no “IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores” realizado em Florianópolis em setembro de 2007 acerca dos incômodos que a diferença traz e “ousar” fazer uma comparação com o documento da nova Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva que poderá trazer sensações de: estranhamento, proximidade, sofrimento, insegurança, incerteza, desassossego, desconforto, mudança. O mais importante de todos esses incômodos é a “mudança” que eles podem provocar. Vamos então acreditar que, finalmente, após 46 anos de aprovação de documentos que indicam a possibilidade de alunos com deficiência, 101 Da segregação à inclusão: o percurso feito pelo Brasil em relação a outros países transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades/superdotação serem atendidos nas escolas de ensino comum, esse documento provoque no Brasil a verdadeira “mudança” que tanto ensejamos! Referências BANK-MIKKELSEN, N. E. A metropolitan areas in Denmark: Copenhagen. In: KUGEL, R.; WOLFENSBERGER. (Orgs.). Changing patterns in residential services for the mentally retarded retarded. p. 227-254. Washington DC: President’s Committee on Mental Retardation, 1969. BLANCO, R. Aprendiendo en la Diversidad: impli-caciones educativas, In: Anais do III Ibero--Americano de Educação Especial Especial. v. 1, Foz do Iguaçu: Paraná, 1998. Congresso Ibero urgatory BLATT, B.; KAPLAN, F. Christmas in P Purgatory urgatory: a photographic essay on mental retardation. Boston: Allyn and Bacon, 1974. BRADDOCK, D.; PARISH, S. L. Na Institutional history of disability. In: Braddock, D. (Org.). Disability of the dawn of the 21 st century and the state of the states. p. 1-61. Washington, D. C: American Association on Mental Retardation, 2002. BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica básica. Secretaria de Educação Especial: MEC/SEESP, 2001. ______. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial Especial. MEC/ SEESP: Brasília, 1994. CORDE. Declaração de Salamanca Salamanca. Linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE, 1997. DUNN, L. Special education for the midly retarded – Is much of it justifiable? Exceptional Children Children, 35, 5-22, 1968. EIZIRIK, M. F. A gestação de uma mentalidade inclusiva. Trabalho apresentado no IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Educadores, Florianópolis, 12 a 14 de setembro de 2007. FELGUEIRAS, I. As crianças com necessidades especiais: como educar ? Inovação Inovação, 7 (1), p. 23-35, 1994. GONZÁLES, E. Necessidades educacionais específicas – intervenção psicoeducacional. Porto Alegre: Artmed, 2007. 102 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores HARDMAN, M; DREW, C. J.; EGAN, M. W. Human exceptionality exceptionality: school, community and family. Boston: Allyn and Bacon, 2005. HEWARD, W. L. Exceptional children – na introduction to special education. Columbus (OH): Merril Prentice Hall, 2006. JANNUZZI, G. M. S. A educação dos deficientes no Brasil: dos primórdios ao início do século XXI. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. LIMA-RODRIGUEZ, L.; FERREIRA, A. M.; TRINDADE, A. R.; RODRIGUES, D.; COLÔA, ortugal J.; NOGUEIRA, J. H.; MAGALHÃES, M. B. Percursos de educação inclusiva em P Portugal ortugal: dez estudos de caso. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, 2007. MAZZOTA, M. J. S. Educação especial no Brasil – história e políticas públicas. São Paulo: Cortez Editora, 1999. WOLFENBERGER, W. The origen and nature of our institutional models models. Syracuse, NY: Human Policy Press, 1975. 103 104 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Inclusão de surdos: pela peça que encaixa nesse quebra-cabeça Ronice Müller de Quadros1 [email protected] “Contrário ao modo como muitos definem surdez – isto é, como um impedimento auditivo – pessoas surdas definem-se em termos culturais e lingüísticos.” Wrigley, 1996, p. 13. Inclusão depende das diferentes possíveis traduções que se aplicam às práticas políticas na educação. A tradução feita nesse artigo no caso específico dos surdos brasileiros é no sentido de garantir uma educação com qualidade na língua de sinais em que seja privilegiada a experiência visual com pares surdos. O espaço em que isso pode se tornar realidade depende da realidade local, mas definitivamente a opção da escola pública deve ser garantida. Vejam que educação de surdos tem sido motivo de debate em vários países, pois é uma das peças do quebra-cabeça da Educação Inclusiva que não se encaixa. Ela não se encaixa porque a peça que serviria nesse quebra-cabeça de modo como vem sendo traduzida deveria ter outra forma. Nesse artigo, serão apresentadas as formas dessas peças e propostas algumas alternativas, considerando a realidade das políticas públicas de educação e os sonhos dos surdos para possibilitar um espaço de negociação. A educação de surdos na perspectiva das políticas públicas estão voltadas para a garantia de acesso e permanência do aluno surdo nas escolas regulares de ensino. Entende-se “dentro da rede regular de ensino” que o aluno surdo deverá ter condições escolares na escola da esquina do seu bairro. No entanto, ao mesmo tempo, com a legislação vigente garantindo o direito lingüístico ao surdo de ter acesso aos conhecimentos escolares na língua de sinais, esse “dentro da rede regular na escola da esquina de seu bairro” impõe uma construção de uma educação que garanta as questões lingüísticas impostas. Imaginem ter aulas em uma língua que não é a língua falada na escola em qualquer escola em que haja, pelo menos, um surdo matriculado. Os próprios articuladores 1 Ronice Muller de Quadros é Doutora em Letras (ênfase em Lingüística), Pedagoga e Interprete de Língua de Sinais Brasileira, atua como professora e pesquisadora na Universidade Federal de Santa Catarina. Outros artigos e discussões a respeito da educação de surdos e a língua de sinais podem ser acessados na sua página: www.ronice.ced.ufsc.br . As pesquisas relacionadas com esse artigo recebem apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) Programa de Educação Especial. 105 Inclusão de surdos: pela peça que encaixa nesse quebra-cabeça que encabeçam as políticas públicas de educação chegam à conclusão de que isso seria extremamente dispendioso e acabaria criando situações garantidas por lei, mas sem serem concretizadas. O poder público cria, então, algumas estratégias para manter a idéia de que a educação de surdos deva ser disponibilizada no ensino regular. Uma delas seria a de oferecer o intérprete de língua de sinais onde houver surdos matriculados. De qualquer maneira, a distância entre o prescrito e o executado, em alguns estados brasileiros, está fazendo com que os próprios surdos ou seus familiares estejam acionando judicialmente o estado, exigindo o ensino na língua de sinais brasileira. Assim, vemos os efeitos da política de Educação Inclusiva, mesmo que ainda as escolas deparem-se com a inexistência de intérpretes de língua de sinais para atender à demanda imposta por essa política educacional. Alguns mecanismos já vêm sendo criados e algumas instituições de ensino começam a formar esse profissional. Atualmente, foi aprovado o Curso de Letras Libras Bacharelado na Universidade Federal de Santa Catarina que graduará profissionais para assumirem tal demanda. Além dessa ação, há várias iniciativas de instituições de ensino para formar intérpretes de língua de sinais em nível de pós-graduação. Algumas pesquisas começam a despontar no país apresentando resultados sobre as funções desse profissional no espaço escolar e o que tem sido reportado é que, apesar do intérprete romper uma barreira comunicativa na rede regular de ensino, as questões metodológicas deixam a desejar, ignorando aspectos culturais e sociais que fazem parte do processo educacional deixando, muitas vezes, a criança surda à margem da escola (LACERDA, 2000a, 2000b). Assim, estamos diante de um impasse, uma vez que as orientações das políticas públicas são para garantir o acesso ao conhecimento na rede regular de ensino por meio da língua de sinais brasileira com o intérprete de língua de sinais. A peça do quebra-cabeça das políticas públicas, no entanto, não é a peça que os surdos projetam. A educação de surdos na perspectiva dos surdos é norteada pela reivindicação de uma escola pública de qualidade em língua de sinais com professores bilíngües e professores surdos. Os movimentos surdos criticam a manutenção dos surdos nos espaços das escolas que estão estruturadas para ensinar e aprender em português com alunos que crescem ouvindo e falando essa língua, ou seja, as proposições são contrárias às propostas de inclusão nessa perspectiva. Os movimentos surdos clamam por inclusão em uma outra perspectiva. Dá para se perceber que os surdos entendem inclusão como garantia dos direitos de terem acesso à educação de fato consolidadas em princípios pedagógicos que estejam adequados aos surdos. As proposições ultrapassam as questões lingüísticas, incluindo aspectos sociais, culturais, políticos e educacionais (QUADROS, 2003). Nesse sentido, os surdos sonham com espaços em que a língua de sinais seja a língua de instrução em um ambiente cultural e social que 106 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores favoreça o fortalecimento das heranças surdas para consolidação de um grupo que se diferencia a partir da experiência visual. A escola que os surdos querem e a escola que o sistema apresenta ainda não são convergentes. A peça que os surdos apresentam não se encaixa na forma como as escolas públicas estão organizadas. A educação no país ainda reflete os princípios da política de integração traduzidos como a colocação de surdos na rede regular que ensina na língua portuguesa. Esse é o grande entrave do processo inclusivo dos surdos na educação, impondo um desafio para as propostas governamentais, no sentido de garantir os direitos dos surdos. A implementação de uma política de inclusão deve estar acompanhada do diálogo com os movimentos surdos, que apesar de insatisfeitos, estão interessados no sucesso da educação de surdos. A partir dessa iniciativa, podemos processar uma aproximação entre o “querer” e o fazer na educação instaurando um espaço de negociação. Esse espaço de negociação permitira a reorganização de todas as peças do quebra-cabeças ou, até mesmo, a criação de outros quebra cabeças que garantam uma educação com qualidade aos surdos brasileiros. A peça do quebra-cabeça dos surdos não apresenta o formato para se encaixar no quebra-cabeça da escola que está aí. No entanto, existe a possibilidade de negociação para tornar essa peça mais próxima à peça que se espera por parte dos que definem como a educação deve ser, em uma perspectiva que consolida os princípios da inclusão e a garantia dos direitos humanos. Para concluir tal trabalho, escolhi as palavras de Miranda (2001), que por meio da sua experiência visual, conseguiu captar brilhantemente a importância das interações entre os surdos como decisivas na construção da subjetividade e identidade dos surdos: Considerando que a cultura surda mostra uma nostalgia curiosa em relação a uma “comunidade imaginária”e que é barbaramente ou profundamente transformada, senão destruída no contato com a cultura hegemônica, ela age como reguladora da formação da identidade surda, que se reaviva novamente no encontro surdo-surdo surdo-surdo. Este encontro é um elemento chave para o modo de produção cultural ou de identidade, pois implica num impacto na “vida interior”, e lembra da centralidade da cultura na construção da subjetividade do sujeito surdo e na construção da identidade como pessoa e como agente pessoal. 107 Inclusão de surdos: pela peça que encaixa nesse quebra-cabeça Referências LACERDA, C. B. F. de. O intérprete de língua de sinais no contexto de uma sala de aula de alunos ouvintes: problematizando a questão. In: LACERDA, C. B. F. de; GÓES, M. C. R. de (Orgs.). Surdez Surdez: processo educativos e subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000a. p. 51-84. ______. A inserção da criança surda em classe de crianças ouvintes: focalizando a organização do trabalho pedagógico. In: Anais da XIV Reunião Anual da ANPEd ANPEd. Disponível em: <www.anped.org.br. 2000b>. ______. O intérprete educacional de língua de sinais no ensino funamental: refletindo sobre limites e possibilidades In: LODI, A. C. e Cols. Letramento e minorias minorias. Porto Alegre: Mediação, 2002. p. 120-128. QUADROS, R. M. de. Situando as diferenças implicadas na educação de surdos: inclusão/ onto de V ista exclusão. Revista P Ponto Vista ista, n. 5. p. 81-112. Florianópolis: NUP, 2003. MIRANDA, W. Comunidade dos surdos surdos: olhares sobre os contatos culturais. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 2001. WRIGLEY, O. The politics of Deafness Deafness. Washington: Gallaudet University Press, 1996. 108 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência Ricardo Tadeu Marques da Fonseca1 [email protected] 1 Da igualdade formal à igualdade real A atuação do Ministério Público do Trabalho demostrou a importância do esforço em prol da inserção das pessoas com deficiência no trabalho. A lei brasileira, por estímulo constitucional, estabelece ação afirmativa categórica nesse sentido, fixando cotas de reserva de vagas, tanto na esfera pública, quanto na privada. De outra parte, a condição de exclusão das pessoas com deficiência do convívio social é milenar e reveladora do quão distante estão essas pessoas de condições mínimas de cidadania erigidas desde o princípio da cultura ocidental. O direito de livre expressão, de ir e vir, de votar e ser votado, bem como os direitos sociais de educação, habitação, trabalho, saúde estão, até certo ponto, conquistados, apesar das ameaças e insuficiências constantes em relação ao povo. O grupo das pessoas com deficiência, no entanto, não usufrui desses direitos por causa da inadequação do próprio Direito e das estruturas físicas nas cidades e nas empresas para lhes permitir a fruição dessas liberdades e conquistas. A par disso, assinale-se que os direitos sociais e as próprias liberdades individuais vêm sendo francamente agredidas, não só no terceiro mundo, como nos países do capitalismo central. A doutrina de segurança nacional, o Tribunal de Guantânamo, a polícia mundial norte-americana e a pretensa hegemonia ideológica da globalização econômica trazem riscos concretos à permanência dos direitos humanos, submetidos que podem ficar ao poder econômico e das armas. A compreensão da importância da História como instrumento de validação da correlação de forças e da origem e destino da vida em sociedade impeliu à discussão que se trava nesse trabalho. Como se falar em emprego especial para pessoas com deficiência se o próprio emprego se encontra estruturalmente ameaçado? É justa essa preferência? São as questões que emergem ao se analisar as ações afirmativas de que se cuidam. A História, porém, fornece elementos suficientes para que se compreenda que as transformações que se travam no mundo do trabalho, em razão da tecnologia e da 1 Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho – 9ª Região, Especialista e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (Usp) e Doutor pela Universidade Federal do Paraná. 109 Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência globalização econômica, incitam mudanças na forma da prestação de serviços, mas substancialmente não a alteram, pois, apesar das inovações expressas na terceirização, no teletrabalho e na prestação autônoma de serviço, dos quais vêm se servindo as empresas, a partir da política do downsizing e da reengenharia, que estiveram muito em voga nos anos 1980 e 1990, o Direito do Trabalho mantém-se íntegro. Seus princípios oferecem respostas firmes, visto que dizem respeito à dignidade da pessoa e ao fato de que ela, a dignidade, está fora do mercado. O naufrágio das políticas econômicas neoliberais que acenavam com a pujança dos Tigres Asiáticos, como argumento para justificar a precarização do trabalho, evidenciou-se ante a constatação de que a perda de poder de consumo da classe trabalhadora acaba por impedir a própria evolução do mercado e de que as pessoas não se conformam com imposições econômicas sobre valores humanos que se lapidaram a partir da modernidade. Veja-se, por exemplo, a rejeição do povo francês à lei do primeiro emprego. A crise desses valores só encontra resposta neles mesmos a partir da dinamização daquelas promessas do século XVIII e XIX para que assumam dimensões coletivas amplas e se aperfeiçoem para abarcar a diversidade humana, que não é burguesa ou proletária, tão somente. Perpassa a luta de classes, sem desprezá-la, mas reafirma novos valores que vão sendo incorporados pelo conhecimento acumulado e aprendido, até mesmo, pela luta de classes. A afirmação das minorias fez a diferença depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Revolucionou o Direito Constitucional, reafirmando-o a partir de princípios com força de norma, princípios que humanizaram o Direito, dirigido às pessoas, para sua dignidade. Dessa forma, o trabalho das pessoas com deficiência e as ações afirmativas que o garantem não são contrários ao clamor de justiça universal, confirmam-no na medida em que esse grupo traz a tona, com suas reivindicações, questões de inclusão social que aperfeiçoam os direito humanos, a partir da chamada igualdade real entre as pessoas; tão real que se reforça nas diferenças e delas emerge. A ignorância generalizada sobre as competências das pessoas com deficiência impede-lhes o acesso às condições mínimas de cidadania, como se afirmou. Sufoca-lhes o excesso de proteção assistencial e familiar. A despeito disso, rompem o véu milenar de opressão estética, cultural e comportamental e brandem bandeiras até então desconhecidas e que fortalecem as lutas de todas as minorias, fazendo com que o discurso economicista se coloque no seu lugar, uma vez que as condições humanas, que se evidenciam a partir das limitações ínsitas a toda a humanidade, também emprestam a alavanca que permite a superação de fronteiras físicas, sociais, políticas e tecnológicas. Cada vez que se cria um novo equipamento tecnológico ou se supera uma barreira cultural, as pessoas todas ganham espaço em sociedade e as pessoas com deficiência, antes estigmatizadas, não mais se limitam, pois se verifica que a limitação não está nelas e sim 110 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores na capacidade da humanidade em lhe propiciar oportunidades. Essa é a importância da idéia de sociedade inclusiva: a igualdade na incorporação da diferença. O Direito do Trabalho veio como o primeiro instrumento jurídico que tratou da igualdade substancial, visto que o confronto direto entre capital e trabalho evidenciou a insuficiência da mera afirmação formal de que todos são iguais perante à lei. Suas bases axiológicas possibilitaram o lançamento dos alicerces das ações afirmativas que são as mesmas, na medida em que as confirmam e reproduzem, voltadas agora para grupos menores, cuja projeção corta verticalmente as forças em conflito. Ele foi a ação afirmativa possível naquele momento, uma vez que o processo de lapidação dos direitos humanos não permitia outra percepção. De qualquer modo, os instrumentos que forjaram o Direito do Trabalho são os mesmos que aqui se aplicam para defender as ações afirmativas em prol das pessoas com deficiência. Nesse trabalho, analisa-se, portanto, a origem do Direito do Trabalho, sua inclusão nas constituições, o novo Direito Constitucional que valoriza a dignidade da pessoa, justamente para se verificar as razões que, a partir dos anos 1980, viabilizaram o Direito Internacional em prol das pessoas com deficiência, bem como as normas de ação afirmativa que vieram pelo Judiciário, nos países da Comonn Law, e pelas leis, nos países do Direito codificado. A própria construção do conceito de igualdade formal à igualdade substancial, à igualdade real acompanha a implementação de formas de combate à discriminação, discriminando, até mesmo, positivamente, determinados grupos que foram historicamente excluídos do acesso à cidadania. As mulheres, os negros e os índios, por exemplo, ocuparam seu espaço apenas a partir do fim do século XIX e início do XX, depois de muita violência que contra eles se perpetrou. A violência contra as pessoas com deficiência era calada, caridosa, mas tão veemente quanto à escravidão dos negros, ou à espoliação da terra dos índios, ou à submissão que se impôs às mulheres. Nenhum dos direitos humanos universais o são, efetivamente, mas a concretização de sua existência se faz a partir das novas demandas da História, que são provocadas pela ação política constante. O Direito pode ser um instrumento de opressão ou libertação, dependendo da forma que seja utilizado. É o que se vê com o novo Direito Civil que busca novas fronteiras que transcendem o patrimonialismo patriarcal que o gerou e que se dirigem à defesa da dignidade da pessoa, da sua personalidade. O Direito Civil passa a se nutrir de valores constitucionais, plurais, em prol da dignidade da pessoa, tal como fizera o Direito do Trabalho, desde de sua origem. O novo Direito do Trabalho, por seu turno, colhe, do Direito Civil contemporâneo, novos elementos que o revalidam. Enquanto se fala na privatização das relações laborais, todavia, defende-se a publicização das relações civis e de consumo. As regras que protegem as pessoas com deficiência, por sua vez, evidenciam a necessidade de ambos, o Direito do Trabalho e o Direito Civil, todos balizados em princípios constitucionais que estão acima do mercado. Esse é o impulso que mobilizou esse estudo, de vez que a vivência desse Membro do Ministério Público do Trabalho e 111 Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência cidadão com deficiência propiciou elementos pessoais e profissionais que aqui se fundem e oferecem recursos que atestam o que até aqui se disse e se procurará demonstrar doravante. 2 Convenções da Organização Internacional do T rabalho Trabalho Convém, agora, expor-se o conteúdo da Convenção nº 111,2 de 1958, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 62.150, de 19/01/68, adotada na 42ª Conferência Geral da OIT, que fixa critérios gerais sobre discriminação no trabalho. Em seu preâmbulo, a Convenção em apreço toma por referência axiológica a Declaração de Filadélfia3 para sublinhar que todos os seres humanos, sem distinção de raça, de crença ou de sexo, têm direito a perseguir seu bem-estar material e seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade e dignidade, de segurança econômica e em igualdade de oportunidades. Regula, destarte, os critérios de combate à discriminação no trabalho em catorze artigos. Define o termo discriminação (art. 1º), para fins de aplicação de seus dispositivos, da seguinte forma: a) qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em motivos de raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego e na ocupação; b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego ou ocupação que poderá ser especificada pelo Membro interessado mediante prévia consulta às organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas organizações existam, e a outros organismos apropriados.4 2 OIT, Convenios y recomendaciones... op. cit., p. 1037-1040. 2"Em maio de 1944, a Conferência Internacional do Trabalho – a Assembléia-Geral da Organização – reunida em Filadélfia, nos Estados Unidos, aprovou uma declaração relativa aos fins e objetivos da OIT, conhecida pela Declaração de Filadélfia. Em uma época do pós-guerra e da reconstrução, a Declaração reafirma os princípios orientadores da OIT, nos quais se deveria inspirar a política dos países-membros. São esses princípios os seguintes: o trabalho não é uma mercadoria; a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável para um progresso constante; a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos; todos os seres humanos, qualquer que seja a sua raça, a sua crença ou o seu sexo, têm direito de efetuar o seu progresso material e o seu desenvolvimento espiritual em liberdade e com dignidade, com segurança econômica e com oportunidades iguais” (Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/html/oit.htm>. Acesso em: 14 de setembro de 2004). 4 OIT – Organização Internacional do Trabalho. Convenios y recomendaciones internacionales del trabajo – 1919-1984 – adoptados por la Conferencia Internacional del Trabajo, p. 1037. 3 112 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Exclui da esfera da discriminação qualquer exigência concernente à qualificação profissional específica a determinados postos de trabalho. Exorta os membros signatários (arts. 2º e 3º) a adotarem políticas públicas, em parceria com representantes de empregadores e trabalhadores, com o fito de proporcionar igualdade de oportunidades para empregos e ocupações, eliminando, assim, qualquer forma de discriminação a esse respeito. Excluem do campo da discriminação (arts. 4º e 5º) medidas adotadas em face de pessoas que exerçam atividades prejudiciais ao Estado, assim como medidas de proteção que se adotem em outras convenções ou recomendações da OIT, além de outras (medidas) decorrentes de consultas prévias a organizações de empregados e empregadores em favor de pessoas, cuja situação acarrete necessidade de compensação em face de discriminação notória, como o sexo, a deficiência, os encargos de família ou o nível social ou cultural. Estabelece critérios para a sua vigência (arts. 6º a 10º), determinando, para tal, um lapso de tempo de doze meses após a ratificação por parte de, pelo menos, dois membros e, em cada país, doze meses após o registro da respectiva ratificação pelo Diretor-Geral da OIT, o qual deve sempre ser comunicado das ratificações e comunicar a todos os membros o universo das ratificações ocorridas, para que a Convenção se faça obrigatória em todo o território do país-membro. A denúncia da Convenção poderá ser feita após dez anos da sua entrada em vigor. Finalmente (arts. 11 a 14), cuida dos procedimentos de revisão e de divulgação internacional de suas normas. A Convenção nº 159, de 1983, assume importância primordial, de vez que representa a posição mais atual do organismo internacional em comento e será, por isso, verificada. O seu princípio basilar esteia-se na garantia de um emprego adequado e da possibilidade de integração ou reintegração das pessoas com deficiência nas sociedades. Em razão das condições práticas e das possibilidades nacionais, todo Estado que a ratificar deve formular e aplicar uma política nacional sobre readaptação profissional e emprego de pessoas com deficiência e garantir que as medidas, efetivamente, beneficiem as pessoas com deficiência de todas as categorias. Essa política deve ter base no princípio da igualdade de oportunidades entre os trabalhadores com deficiência, de um ou de outro sexo, e os demais trabalhadores (sem excluir a possibilidade de que se tomem medidas positivas especiais em favor daqueles). A Convenção dispõe a obrigatoriedade da consulta às organizações representativas de empregadores e de trabalhadores, assim como as que representam as pessoas com deficiência, acerca da aplicação dessa mesma política. As pessoas com deficiência devem dispor de serviços de orientação, de formação, de colocação, de emprego ou de outras finalidades, bem adaptados as suas necessidades. Tais serviços devem promover-se igualmente nas zonas rurais e nas comunidades apartadas. O Convênio dispõe, além disso, medidas em favor do desenvolvimento da formação e da disponibilidade de assessores especializados.5 5 OIT – Organização Internacional do Trabalho. Resúmenes de normas internacionales del trabajo, p. 29. 113 Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência 3 Convenção Internacional de direitos da pessoa com deficiência da ONU Inicialmente, faz-se mister um comentário sobre o contexto em que se insere a importante ocorrência de dezembro de 2006, que revelou a adoção, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, do 8º documento internacional de Direitos Humanos produzido pela própria ONU, qual seja a Convenção Internacional de Direitos da Pessoa com Deficiência. A leitura do preâmbulo, que a muitos pareceria supérflua, é na verdade fundamental para a compreensão do alcance do texto da norma internacional e para a compreensão da circunstância política que o gerou. A produção normativa da Organização das Nações Unidas iniciou-se após a Segunda Guerra, logo após a fundação do próprio organismo internacional e o registro daquelas normas é reiterado no preâmbulo aqui comentado. Assim é que o item “d” do preâmbulo enumera-os, o que se reiterará para facilitar a argumentação. São os seguintes: Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Internacional para Proteção dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias. Também à guisa de reforço argumentativo, retomam-se alguns itens do preâmbulo, os das letras “a”, “b” e “c” para sublinhar, dessa feita, que a principal força motriz da atuação da ONU é a preservação da dignidade inerente da família humana e da paz mundial, bem como a relevância dos direitos e liberdades atinentes aos pactos internacionais patrocinados pela Organização das Nações Unidas; tudo para garantir a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação dos Direito Humanos. O direito ao trabalho é um Direito Humano universal assegurado desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1789. Esse direito só se realiza plenamente, porém, com a implementação de outros inerentes à liberdade, à educação, à moradia, à alimentação, à saúde, à habilitação e reabilitação, por exemplo. Trata-se da mencionada inter-relação e interdependência dos Direitos Humanos, que são, por isso mesmo, indivisíveis. Não há liberdade sem igualdade, tampouco essa sem aquela e ambas jamais prosperarão se medidas relativas à fraternidade humana não se implementarem. No entanto, observa-se que há Convenções voltadas a minorias ou a grupos vulneráveis como mulheres, crianças, negros, imigrantes, etc. É que logo se percebeu que uma lei votada pela maioria pode oprimir minorias, tal como ocorreu com a eleição de Hitler e as leis por ele propostas. Desse modo, a função da Convenção em comento é a de assegurar todos os Direitos Humanos a esse grupo vulnerável, as pessoas com deficiência, que em razão de barreiras físicas e atitudinais, não alcançou, até o presente, direitos mínimos inerentes às liberdades e à dignidade humana. 114 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores O direito ao trabalho está contido no artigo 27 da Convenção, cujo teor, sinteticamente é o de assegurar a liberdade de escolha de trabalho, adaptação física e atitudinal dos locais de trabalho, formação profissional, justo salário em condição de igualdade com qualquer outro cidadão, condições seguras e saudáveis de trabalho, sindicalização, garantia de livre iniciativa no trabalho autônomo, empresarial ou cooperativado, ações afirmativas de promoção de acesso ao emprego privado ou público, garantia de progressão profissional e preservação do emprego, habilitação e reabilitação profissional, proteção contra o trabalho forçado ou escravo, etc. Como se vê, o dispositivo é bastante amplo mas de abrangência exemplar, e não é possível cogitar de se abandonar qualquer das disposições nele contidas. Com efeito, essas diretrizes foram estabelecidas, a princípio, em diversas Convenções da Organização Internacional do Trabalho, organismo pertencente à ONU e mais antigo que a própria ONU, visto que fundado em 1919, logo após a Primeira Guerra Mundial. São as Convenções nº 105, contra o trabalho forçado, nº 111 contra qualquer discriminação no trabalho e acima de todas, a Convenção nº 159 de 1983, cuja temática é o trabalho da pessoa com deficiência. Desse modo, não se verifica nenhuma inovação especial no campo laboral no que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência. Isso do ponto de vista jurídico. A grande inovação parece ser o fato de que a ONU adotou a Convenção em prol das pessoas com deficiência, nela agrupando tudo que já se havia construído em Convenções anteriores da própria ONU e, no particular, pela OIT. Em síntese, a legislação brasileira em favor da pessoa com deficiência no trabalho é a seguinte: artigo 7º, XXXI, da Constituição Federal, que proíbe discriminação para admissão e remuneração em razão de deficiência; o artigo 37, também da Constituição, que no inciso VIII garante reserva de vagas na Administração Direta e Indireta, além da legislação ordinária expressa pela Lei nº 7.853/89, que assegura no artigo 2º uma política pública de acesso ao emprego público e privado; a Lei nº 8.112/90, que estabelece a reserva de 5% a 20% dos cargos da Administração Direta e Indireta a pessoas com deficiência; a Lei nº 8.213/91, que no artigo 93 fixa cotas de 2% a 5% de emprego para pessoas habilitadas ou reabilitadas nas empresas com mais de 100 empregados e, finalmente, o Decreto nº 3.298/99 que regulamenta as leis anteriores, além do Decreto nº 5.296/04 que regulamenta as Leis nº 10.048 e nº 10.098 ambas de 2000, para o transporte público adaptado e remoção de barreiras arquitetônicas. Verifica-se assim, com essa pequena síntese, que o Brasil está caminhando par e passo com a Convenção, mas a importância da ratificação é fundamental para que se supere a flagrante fragilidade da eficácia das normas acima enumeradas, fragilidade que se deve a problemas inúmeros, como o próprio benefício de prestação continuada que desestimula o emprego em prol de uma política assistencial exacerbada, como a falta de fiscalização, por déficit material e humano, a falta de sanção nas leis, que não prevêem penas, a concentração de direitos em demasia em normas de caráter meramente regulamentar, como os Decretos nº 3.298 e nº 5.296 e etc. 115 Os efeitos da 8ª Convenção Internacional da ONU e o acesso ao mercado de trabalho para as pessoas com deficiência A Convenção, assim, universaliza o direito das pessoas com deficiência e, ao contrário do que alguns pensam, não significa um gueto institucional. É sim, sem sombra de dúvida, um instrumento jurídico adequado para que direitos nunca antes aplicados sejam efetivamente estendidos às pessoas com deficiência. É um instrumento jurídico certo para que os Direitos Humanos universais se viabilizem para esse grupo específico e para que eles se afirmem como um bem universal. Embora o Brasil tenha auferido méritos com sua política de emprego para pessoas com deficiência, visto que desde 2000, desde a edição do Decreto nº 3.298 em dezembro de 1999, pôde-se estimar a contratação de cerca de 100 mil pessoas com deficiência por empresas e pela Administração Direta e Indireta, segundo observações empíricas que decorrem de estatísticas do Ministério do Trabalho. Muito há de se fazer, até mesmo aperfeiçoarem-se os métodos estatísticos de avaliação, pois há pessoas com deficiência em demasia que ainda não tiveram chances reais e isso deve ser superado. 116 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Inclusão social da pessoa com deficiência: uma questão de políticas públicas Martinha Clarete Dutra1 [email protected] Políticas públicas são ações governamentais que visam à resolução de problemas coletivos. Conforme Azanha (1998, p.102), um “problema nacional”, como problema governamental, só existe a partir de uma percepção coletiva. O autor lembra que a consciência não cria a realidade, mas essa pode ser determinante para gerar pressão social, que, por sua vez, pode, a partir da concepção coletiva, transformar um fato em um problema de governo. Ser caracterizado como um problema governamental é pressuposto primordial para desencadear o processo de definição e elaboração de uma política. Esse processo deve transpor o espaço restrito dos gabinetes tanto do executivo, quanto do legislativo. Os segmentos sociais interessados devem atuar, diretamente, na construção desse novo paradigma. Quando o tema em pauta é a inclusão social da pessoa com deficiência, não se pode negar o longo período de segregação social vivido por tais pessoas. Para pessoas com deficiência, a conquista de direitos vem ocorrendo por meio da organização social, pelo fim da tutela e pelo protagonismo histórico de cada um de nós, fortalecido pelo movimento de controle social das políticas públicas. Como “as definições são sempre encarnadas, isto é, indivíduos concretos e grupos de indivíduos servem como definidores da realidade [...] é preciso entender a organização social que permite aos definidores fazerem suas definições” (BERGER; LUCKMAN, 1990, p. 157). Nesse sentido, vivemos um momento histórico fecundo. Percebe-se uma tomada de posição da sociedade civil que, ao rever o conceito de democracia participativa, estabelece diálogo franco com o poder público na tentativade construir juntos ações capazes de gerar autonomia e sepultar a concepção de que toda pessoa com deficiência deve ser tutelada por profissionais, amigos e familiares. Nessa esteira, surgem os Conselhos de defesa de direitos da pessoa com deficiência na década de 1990. 1 Mestre em Políticas de Educação. Universidade Norte do Paraná (Unopar). 117 Inclusão social da pessoa com deficiência: uma questão de políticas públicas A maior responsabilidade de tais órgãos concentra-se no poder de mobilização social no momento de definição, elaboração e controle social das políticas públicas de atenção ao segmento da população que representa. Por sua vez, os gestores públicos, ao estabelecer comunicação direta com a sociedade civil, desenvolvem um novo aprendizado, inédito em nossa cultura. “Nada sobre nós, sem nós”. Ao definir uma política relativa à pessoa com deficiência, caberá ao setor competente, debater com os segmentos interessados as principais diretrizes da ação. A partir desse debate, de forma conjunta, dar-se-á a elaboração da política. A mudança de paradigma, tratando-se da pessoa com deficiência, reside no fato de que tais pessoas foram, historicamente, consideradas incapazes para tomar quaisquer decisões em sua vida. Como estarão habilitadas a se tornar definidoras e agentes de controle de políticas públicas? Sem esse pedagógico movimento, não haverá legitimidade na ação. Toda política pública deve ter por princípio o desenvolvimento da autonomia, independência, emancipação das pessoas com deficiência. Esse é o tripé em que os conselhos de direitos da pessoa com deficiência vêm se consolidando. Os conselhos são mecanismos de defesa de direitos e promoção da cidadania. Órgãos, fundamentalmente, responsáveis pela articulação desse segmento social, tanto no momento de definição e elaboração de políticas, quanto no exercício efetivo do controle social dessas medidas. Por isso, a importância de ser paritário e representativo. Preferencialmente, à pessoa com deficiência, caberá o protagonismo do processo de discussão das políticas relativas a essa população. Conselho é uma instância superior de deliberação colegiada, de natureza permanente. Seu primordial objetivo é assegurar às pessoas com deficiência o pleno exercício dos direitos individuais e sociais. Suas principais atribuições e competências são: propor, acompanhar e avaliar as políticas relativas aos direitos da pessoa com deficiência, com capacidade de interiorização das ações, dispondo de autonomia administrativa e financeira; acompanhar e avaliar os planos, programas e projetos da política municipal, estadual e nacional para inclusão da pessoa com deficiência e propor as providências necessárias à sua completa implantação e ao seu adequado desenvolvimento, até mesmo as pertinentes a recursos financeiros e as de caráter legislativo; acompanhar o planejamento e avaliar a execução das políticas municipais, estaduais e municipais da acessibilidade à educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer, urbanismo e outras relativas à pessoa com deficiência; acompanhar a elaboração e a execução da proposta orçamentária da esfera de governo a que se vincula, sugerindo as modificações necessárias à consecução das políticas para inclusão da pessoa com deficiência; zelar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo de defesa dos direitos da pessoa com 118 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores deficiência; propor a elaboração de estudos e pesquisas que visem à melhoria da qualidade de vida da pessoa com deficiência; propor e incentivar a realização de campanhas que visem à prevenção de deficiências e à promoção dos direitos da pessoa com deficiência; acompanhar, mediante relatórios de gestão, o desempenho dos programas e projetos da política municipal, estadual ou nacional para inclusão da pessoa com deficiência; manifestar-se, de acordo com os limites de sua atuação, acerca da administração e condução de trabalhos de prevenção, habilitação, reabilitação e inclusão social de entidade particular ou pública, quando houver notícia de irregularidade, expedindo, quando entender cabível, recomendação ao representante legal da entidade; avaliar anualmente o desenvolvimento da política Estadual/Municipal/Nacional de atendimento especializado à pessoa com deficiência de acordo com a legislação em vigor, visando à sua plena adequação. Desse modo, todos os municípios e Estados brasileiros devem constituir um Conselho de direitos da pessoa com deficiência, interlocutores legítimos entre a sociedade civil e o poder público. A construção de uma sociedade para todos deve ser feita a várias mãos, de forma participativa e compartilhada. “O êxito consiste em ter êxito. Não em ter situação de êxito. Condição de palácio toda terra larga tem. Mas, onde estará o palácio se não o construirmos?” Fernando Pessoa. Referências AZANHA, José Mario. Planos e políticas de educação no Brasil: alguns pontos para reflexão. In: MENESES, J. G de C.; BARROS, R. S. M.; NUNES, R. A. C. Estrutura e funcionamento da educação básica básica: leituras. 2. ed. São Paulo: Thomson, 1998. BERGER, Peter L.; LUCKAMNN, Thomas. A construção social da realidade realidade: tratado de Sociologia do conhecimento. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1990. COHEN, E; FRANCO, R. Avaliação de projetos sociais sociais. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. JÖNSSON, T. Inclusive education education. Hyderabad: UN Interregional Programme for Disabled People, [s.l.] 1994. 160 p. SASSAKI, Romeu Kassumi. Inclusão Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997. 119 120 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar e Desigualdades Sociais José Geraldo Silveira Bueno1 [email protected] 1 Introdução Queria agradecer ao honroso convite para participar do IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores, organizado pela Secretaria de Educação Especial do MEC, evento muito significativo para os rumos das políticas educacionais e, ao mesmo tempo, desculpar-me diante desse público por não ter para relatar nenhuma experiência de êxito de inclusão escolar, que constitui o grande eixo desse encontro. E não a tenho exatamente porque já faz muitos anos que não estou mais na linha de frente da educação, pois desde 1993 concentrei toda a minha energia na formação de mestres e doutores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Como não tinha para relatar qualquer experiência desse tipo, pensei inicialmente em declinar do convite, não por qualquer desconsideração sobre a importância do evento, mas porque não tinha praticamente nada a apresentar para o público que presumia compor o encontro e, portanto, frustrar as expectativas tanto de seus organizadores quanto dos participantes. Entretanto, na perspectiva de evitar a ampliação de um fosso que já existe entre a produção acadêmica e a realidade educacional, resolvi aceitar o convite e apresentar aos senhores o que temos produzido de investigações envolvendo a relação entre processos de escolarização e deficiências/necessidades educacionais especiais, esperando, de alguma forma, que ele possa oferecer alguma contribuição para os presentes. Nesse sentido, dividi minha apresentação em dois tópicos: o primeiro procura explicitar como o grupo de pesquisa que coordeno na PUC/SP se organizou e que perspectiva de investigação o norteia; o segundo tópico apresenta um balanço inicial das dissertações e teses produzidas por mestrandos e doutorandos incorporados a ele. 1 Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor titular da PUC/São Paulo, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade. 121 A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar e Desigualdades Sociais 2 O Grupo de Pesquisa Inclusão/exclusão escolar e processos de escolarização Desde a última reformulação do Programa realizada em 1997, a sua organização acadêmica tem se pautado pela centralização de professores, alunos e colaboradores externos em grupos de pesquisa cuja característica comum reside no fato de serem relativamente largos em termos de seu escopo, mas com foco em determinadas temáticas comuns a todos os seus membros. Assim, desde 1997, mas com iniciativas precursoras desde 1993 (quando iniciamos o processo de reformulação acadêmica que redundou as nova estrutura a partir de 1997), um conjunto de quatro professores desenvolveu estudos e pesquisas ao abrigo de amplo grupo de pesquisa denominado “Escola: entre saberes, professores e alunos”, norteados por eixo que persegue as relações entre escola e cultura, com aporte privilegiado das Ciências Sociais, especialmente das vertentes críticas da sociologia da educação. Com o desenvolvimento de estudos sob esse amplo espectro, fomos nos aproximando gradativamente de focos mais precisos, à busca de aprofundamentos específicos em estudos mais delimitados. Tudo isso redundou, em 2006, em um desmembramento do amplo projeto em três outros, com menor escopo, mas com maior concentração temática. É nessa direção que o grupo denominado “Inclusão/exclusão escolar e desigualdades sociais” foi criado, tendo por finalidade incorporar professores, alunos e pesquisadores voltados a estudos e investigações sobre os processos de inclusão e exclusão escolar, com base em referências teóricas da sociologia da educação, tais como Bourdieu (1982, 1998, 2004), Charlot (1996, 2000, 2001), Lahire (1997, 2002) Enguita (1998), Paugam (1996), Nogueira, Romanelli e Zago (2003). Nosso intuito é de que os estudos nele realizados possam contribuir como referência para análises dos processos de escolarização, tanto no que se refere ao seu caráter de seleção e classificação social, quanto o de promotor de possibilidades de acesso aos bens culturais necessários à inserção social. É essa face dupla do caráter da escola brasileira, especialmente da escola básica, que tem constituído nossas duas frentes para estudos e investigações: - processos de escolarização e seletividade escolar; e - políticas e práticas de inclusão escolar. De acordo com esse escopo, têm recebido atenção especial as políticas e práticas de escolarização de crianças com deficiências e/ou necessidades educacionais especiais, por entendermos que elas constituem uma das expressões, muito peculiar, dessa contradição entre a democratização do acesso e permanência e os processos de seleção e de exclusão de alunos na escola brasileira. Para tanto, além de estudos e pesquisas desenvolvidos pelos docentes e pesquisadores participantes do grupo, temos produzido um número relativamente 122 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores significativo de dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre a relação entre deficiência/necessidades educacionais especiais e processos de escolarização. Para esse evento, vou realizar pequeno e preliminar balanço sobre as tendências da nossa produção discente por considerar que ela é a expressão mais evidente dos caminhos que estamos procurando construir em nossas trajetórias de investigação. Assim, apresento em seguida um pequeno balanço dessa produção, englobando as dissertações e teses defendidas e em andamento, no período entre 1996 e 2007, por meio dos seguintes indicadores: - distribuição entre dissertações de mestrado e tese de doutorado; distribuição anual; distribuição por orientador; distribuição por tema específico; e distribuição por tipo de deficiência/necessidades educacionais especiais. 3 As tendências da produção discente do Programa A distribuição entre a dissertações e teses do programa que se voltam para a análise de relação entre deficiência/necessidades educacionais especiais estão apresentadas na Tabela 1. Tabela 1 Dissertações e teses sobre processos de escolarização e deficiênfia/necessidades educacionais especiais defendidas e em andamento PEPG em EHPS-PUC/SP (1996/2007) Dados autor, 2007. Pelos dados apresentados, pode-se verificar que, apesar do maior número de dissertações de mestrado, a quantidade de teses de doutorado é significativa, ainda mais se considerarmos que o prazo para defesa dessa última (4 anos) é muito superior ao das dissertações (2,5 anos, no máximo). 123 A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar e Desigualdades Sociais Além disso, pode-se observar, também, que a tendência parece ser de manutenção de teses envolvendo a escolarização de alunos com deficiência/necessidade educacional especial, pois o número de produções em andamento no presente ano sinaliza para isso (4 produções).2 A Tabela 2 apresenta a distribuição anual dessa produção. Tabela 2 Distribuição anual das dissertações e teses de educação especial PEPG em EHPS-PUC/SP (1996/2007) (*) Quatro dessas cinco produções estão em andamento com previsão de defesa até 09/07. Dados autor, 2007. O fato de não ter ocorrido defesas de teses doutorado e de dissertações de mestrado entre os anos de 1997 e 2000 pode ser explicado pela pouca divulgação do abrigo de orientações voltadas à educação especial, visto que o Programa não possui uma linha específica sobre esse campo, mas procura incorporá-lo no conjunto de grupos e linhas de pesquisa que desenvolve. Tanto no mestrado quanto no doutorado, a distribuição é relativamente equilibrada entre os anos que compõem o período, mas a do doutorado é um pouco mais evidente, uma vez que no primeiro ela oscila entre nenhuma e quatro produções anuais, enquanto que no segundo varia entre uma e três produções anuais. Apesar de em alguns anos não ocorrer defesas de mestrado (2001 e 2002) ou de doutorado (1996 e 2002), verifica-se que, em termos globais, não existe um ano que não tenha havido uma defesa, pelo menos, de tese ou de dissertação. A distribuição das produções por orientador está apresentada na Tabela 3. 2 Nesse trabalho, estão as dissertações e teses defendidas e aquelas com previsão de defesa até o fim do presente ano, embora existam algumas em andamento cuja previsão de defesa ultrapassam esse limite. Como não existe garantia total de que todos os alunos cheguem a termo, resolvi não incluí-las. 124 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Tabela 3 Distribuição por orientador das dissertações e teses de educação especial PEPG em EHPS-PUC/SP (1996/2007) Dados autor, 2007. A grande concentração de orientações em um professor explica-se pela sua trajetória pregressa no campo da educação especial, mas o mais significativo é o fato de que professores não oriundos dessa área passarem a incorporar alunos com interesse nesse tema, exatamente por integrarem o grupo de pesquisa e por participarem ativamente de interlocução qualificada dentro do próprio grupo. É interessante destacar, também, que, das quatro produções orientadas por pesquisadores que não são especialistas da educação especial, três delas são teses de doutorado, em razão da vasta experiência e renomada competência dos professores envolvidos. Na Tabela 4, encontramos os dados sobre os temas das dissertações e teses. Tabela 4 Dissertações e teses por temas de pesquisa PEPG em EHPS-PUC/SP (1996/2007) Dados autor, 2007. 125 A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar e Desigualdades Sociais Dois campos temáticos foram os mais incidentes (trajetórias escolares e práticas pedagógicas), somando mais de 62% de toda a produção, enquanto os demais foram bem menos aquinhoados. Isso revela a ênfase que o grupo de pesquisa tem dado a análises das práticas pedagógicas envolvendo alunos com deficiência/necessidades educacionais especiais desenvolvidas em escolas, bem como tem procurado avaliar concretamente os resultados da escolarização a que esses alunos foram submetidos, por meio de suas trajetórias de escolarização. Cabe ressaltar, no entanto que, enquanto houve uma distribuição equâmine entre as dissertações e teses que trataram das trajetórias escolares, com relação às práticas pedagógicas, o número de dissertações foi bem superior ao de teses. Sobre os demais temas específicos, é interessante verificar que houve uma distribuição bastante equilibrada entre dissertações e teses, mas é digno de nota indicar que, com relação ao tema formação docente, não houve nenhuma dissertação defendida, mas apenas uma tese de doutorado. Os dados sobre o tipo de deficiência/necessidades educacionais especiais abordado por essa produção estão contidos na Tabela 5. Tabela 5 Dissertações e teses por tipos de deficiência/necessidades educacionais especiais PEPG em EHPS-PUC/SP (1996/2007) Dados autor, 2007. Verifica-se, em primeiro lugar, que as maiores incidências residem em produções que trataram a questão de duas formas: não especificando o tipo de deficiência ou englobando diversos tipos, e que foram aqui caracterizadas pela denominação “geral”. Além dessas, dois tipos de deficiência mereceram mais atenção: a deficiência mental e a auditiva, também com sete produções cada. 126 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores As demais deficiências/necessidades educacionais especiais foram muito pouco investigadas (uma produção cada), cabendo ressaltar o fato de que o campo da "altas habilidades" foi o único, entre os três, que foi objeto de tese de doutorado. Além disso, enquanto as produções e teses sobre as deficiências mental e auditiva tiveram uma distribuição relativamente equilibrada, na categoria "geral" houve uma maior incidência de dissertações de mestrado. Esse foi o pequeno balanço sobre a produção docente do Programa com foco na relação entre processos de escolarização e deficiência/necessidades educativas especiais e que mostram as principais tendências de nossos estudos que podem ser assim sintetizadas: - distribuição relativamente equilibrada tanto em relação às dissertações e teses, quando aos anos de defesa; - grande concentração em um orientador, com participação bem menor dos demais envolvidos no grupo; - privilegiamento das trajetórias escolares e práticas pedagógicas como temas específicos das investigações; e - concentração em investigações que tratam das deficiências/necessidades educacionais especiais em geral, bem como da deficiência mental e auditiva e pouca ênfase em estudos sobre a deficiência visual, física e altas habilidades. Com essa apresentação, espero ter dado um breve panorama sobre as nossas trajetórias de investigação e que não pretendem ser a única possível nem a mais qualificada, mas apenas uma das possibilidades no campo da pesquisa educacional, que, a nosso juízo, deve ser plural e diversificada. A fim de oferecer indicações que possam ser de algum interesse aos participantes, apresentamos a bibliografia que tem sido mais utilizada por nosso Grupo, bem como o rol de dissertações e teses produzidas e em andamento. Referências BOURDIEU, P. Escritos de educação educação. Organizado por Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani. Petrópolis: Vozes, 1998. ______. O poder simbólico simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. reprodução: elementos para uma teoria BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A reprodução do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982. BRASIL. CNE. Resolução n. 02/01 02/01. Institui as diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. 127 A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar e Desigualdades Sociais ______. MEC. INEP. Geografia da educação brasileira brasileira: 2001. Brasil: MEC/INEP, 2001. BUENO, José Geraldo Silveira. Educação especial brasileira brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC-Editora da PUC/SP, 1993. ______. A produção social da identidade do anormal. In: FREITAS, Marcos Cezar de. Brasil. São Paulo/Bragança Paulista: Cortez/EDUSF, (Org.). História social da infância no Brasil 1997. ______. A inclusão de alunos deficientes nas classes comuns do ensino regular regular. Temas sobre desenvolvimento. São Paulo, vol. 9, n. 54, 2001. ______. FERREIRA, Julio R.; BAPTISTA, Cláudio R.; OLIVEIRA, Ivanilde A.; KASSAR, Monica M.; FIGUEIREDO, Rita V. Políticas de educação especial no Brasil: estudo comparado das normas das unidades da federação. Revista Brasileira de Educação Especial Especial, Marília, v. 11, n. 1, 2005. ______. Alunos e alunos especiais como objeto de investigação: das condições sociais às condições pessoais adversas. In: FREITAS, Marcos Cezar de. (Org.). Desigualdade social e diversidade cultural na infância e na juventude juventude. São Paulo: Cortez, 2006. ______. Processos de inclusão/exclusão escolar, desigualdades sociais e deficiência. In: JESUS, Denise Meirelles de; BAPTISTA, Claudio Roberto; VICTOR, Sonia Lopes. (Org.). Pesquisa e educação especial: mapeando produções. Vitória: Editora da Universidade Federal do Espírito Santo -- EDUFES, 2006. CHARLOT, B. Relação com o saber e com a escola entre estudantes de periferia. Cader Cader-nos de P esquisa Pesquisa esquisa, S. Paulo, n. 97, maio, p. 47-63,1996. ______. Da relação com o saber saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: ArtMed, 2000. ______. Os jovens e o saber saber: perspectivas mundiais. Porto Alegre: ArtMed, 2001. CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Declaração mundial sobre educação para todos todos. Jomtien: UNESCO, 1990. CONFERENCIA MUNDIAL SOBRE NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS. DeclaraSalamanca. Brasília: Corde, 1994. ção de Salamanca ENGUITA, Mariano F. A face oculta da escola escola: educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. FERNANDES, Florestan. Luta de raças e de classe. Teoria e debate debate, n. 2, março, São Paulo: 1982. 128 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores FERRARO, Alceu R. Diagnóstico da escolarização no Brasil. Revista Brasileira de Educação ção, n. 12, set./dez., 1999. FERREIRO, Emilia.; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. mudança. Lisboa: Mc Graw-Hill, HARGREAVES, Andy. Os professores em tempos de mudança 1996. GOFFMAN, Erving. Estigma Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahhar, 1982. LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares populares: as razões do improvável. São Paulo: Ática, 1997. ______. Homem plural plural: determinantes da ação. Petrópolis: Vozes, 2002. MARTINS, José de Souza. Exclusão e desigualdade social social. São Paulo: Paulus, 1997. NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G.; ZAGO, N. Família e escola escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. PAUGAM, Serge. L'exclusion, l'état des savoirs savoirs. Paris: La Découverte, 1996. TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1976. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989. ______. A formação social da mente mente. São Paulo: Martins Fontes, 1996. WEREBE, Maria José Garcia. Grandezas e misérias do ensino no Brasil Brasil. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968. WILLIS, Paul. Aprendendo a ser trabalhador trabalhador. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. ZAGO, Nadir. Quando os casos contrariam as previsões estatísticas estatísticas: os casos de êxito escolar nas camadas socialmente desfavorecidas. Paideia: Ribeirão Preto, jan./jul., 2000. ______. Processos de escolarização nos meios populares: as contradições da obrigatoriedade escolar. In: NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G.; ZAGO, N. Família e escola escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. 129 A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar e Desigualdades Sociais ANEXO ROL DAS DISSERT AÇÕES E TESES DEFENDIDAS E EM ANDAMENT O DISSERTAÇÕES ANDAMENTO 1996/2007 Concluídas Dissertações de Mestrado CUKIERKORN, Mônica Moreira de Oliveira Braga. A escolaridade especial do deficiente auditivo: estudo crítico sobre os procedimentos didáticos especiais. Ano de defesa: 1996. auditivo Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. SILVA, Fabiany de Cássia Tavares. O jogo como procedimento didático no ensino do deficiente mental mental. Ano de defesa: 1996. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. MARTINS, José Luiz Germano. Educação inclusiva: formação de grupamentos afetivos, intelectuais e recreativos entre deficiente mental incluído em escola regular e seu grupo de pares. Ano de Defesa: 2007. Orientador: José Geraldo Silveira Bueno. SANTOS, Roseli Albino dos. A trajetória escolar de alunos atendidos em classes especiais da rede estadual paulista paulista. Ano de defesa: 2002. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. MOREIRA, Cláudia da Silva Moreira. A trajetória escolar de portadores de deficiência visual no ensino regular regular,, atendidos em sala de recursos recursos. Ano de defesa: 2002. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. SANTOS, Wanderley José Pereira dos. Do ensino médio à universidade universidade: a trajetória de alunos surdos formados em escola especial. Ano de defesa: 2002. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. ILLIANO, Fernanda Cortez. Trajetória curricular de uma escola de surdos surdos: entre a escola regular e as demandas do alunado. Ano de defesa: 2002. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. XAVIER, Alexandre Guedes Pereira. Ano de defesa: 2004. Deficiência e trabalho trabalho: uma anatomia política. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. SIQUEIRA, Benigna Alves. A inclusão de crianças deficientes no ensino regular regular: limites e possibilidades de participação em sala de aula. Ano de defesa: 2004. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. 130 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores SOUZA, Alberto Alves de. A progressão escolar de alunos deficientes em classes comuns muns. Ano de defesa: 2005. Orientador: Marcos Cezar de Freitas. VIANA, Edson Alves. A trajetória de escolarização e acesso à profissão docente de professores deficientes no ensino público de São Paulo Paulo. Ano de defesa: 2006. Orientador: José Geraldo Silveira Bueno. DANTAS, Mauriza de Moura. Surdos. Práticas cotidianas de ensino da língua escrita em classe especial para surdos surdos. Ano de defesa: 2006. Orientador: José Geraldo Silveira Bueno. Teses de Doutorado DELOU, Cristina Maria Carvalho. Sucesso e fracasso escolar de alunos considerados superdotados superdotados: um estudo sobre a trajetória escolar de alunos que receberam atendimento em salas de recursos de escolas da rede pública de ensino. Ano de defesa: 2001. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno SILVA, Fabiany de Cássia Tavares. As relações entre ensino, aprendizagem e deficiência mental tal: desenhando a cultura escolar. Ano de defesa: 2003. Orientador: Alda Junqueira Marin. MICHELS, Maria Helena. A formação de professores de educação especial na UFSC (1998-2001) (1998-2001): ambigüidades estruturais e a reiteração do modelo médico-psicológico. Ano de defesa: 2004. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. LUNARDI, Geovana Maria. Nas trilhas da exclusão exclusão: as práticas curriculares da escola no atendimento às diferenças dos alunos. Ano de defesa: 2005. I: Maria das Mercês Ferreira Sampaio. OLIVEIRA, Mércia Aparecida da Cunha. Práticas de professores em salas de aula com alunos incluídos incluídos. Ano de defesa: 2005. Orientador: Alda Junqueira Marin. CUKIERKORN, Mônica Moreira de Oliveira Braga. As trajetórias escolares de deficientes auditivos na rede pública municipal de São Paulo Paulo. Ano de defesa: 2005. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. DALLABRIDA, Adarzilse Mazzuco. As famílias com filhos deficientes e a escolha da escola escola: o caso do Colégio Coração de Jesus. Ano de defesa: 2006. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. SANTOS, Roseli Albino dos. Processos de escolarização e deficiência deficiência: trajetórias escolares singulares de ex-alunos de classe especial para deficientes mentais. Ano de defesa: 2006. Orientador: Jose Geraldo Silveira Bueno. 131 A produção discente do grupo de pesquisa Inclusão/Exclusão Escolar e Desigualdades Sociais Em andamento Dissertações de Mestrado CHAMBAL, Luís Alfredo. Os processos de escolarização dos alunos com necessidades educativas especiais em Moçambique Moçambique. Ano de defesa: 2007. Orientador: José Geraldo Silveira Bueno LYKOROPOULOS. Cristiana Beatrice Beatrice. Inclusão escolar de alunos deficientes: da implantação das políticas à realização pelas escolas. Previsão de defesa: 2007. Orientador: José Geraldo Silveira Bueno PASSOS. Viviane Saladino. A expectativa de mães de crianças com paralisia cerebral grave frente à escolarização escolarização. Previsão de defesa: 2007. Orientador: José Geraldo Silveira Bueno Tese de Doutorado MENDONÇA, Suelene Regina Donola. Trajetórias escolares e sociais de alunos surdos: entre as marcas da deficiência e a origem social. Previsão de defesa: 2007. Orientador: José Geraldo Silveira Bueno 132 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores O papel da universidade diante da inclusão Dulce Barros de Almeida1 [email protected] A universidade brasileira, apesar de todas as reformas e avanços alcançados ao longo de sua história, ainda tem sido marcada pela exclusão de alunos que não satisfazem às suas exigências e, por conseguinte, alunos com algum tipo de deficiência ou acometido por alguma síndrome. A reforma da universidade em qualquer época tem sido um evento co-natural à essência de uma instituição que necessita sobreviver às contradições do avanço das forças produtivas e das novas relações sociais e de trabalho (SGUISSARD, 2004, p. 648). As justificativas, que camuflam a realidade, têm como foco mais a pessoa que a própria universidade que foi construída e concebida em um modelo elitista em um momento histórico em que poucos tinham acesso ou mesmo possibilidades de adentrá-la, haja vista a sociedade vigente e, conseqüentemente, a formação inadequada ou inexistente proporcionada às camadas menos favorecidas, incluindo nessa categoria, as pessoas com deficiência. Ressalta-se ainda que, se houve uma expansão considerável da oferta de educação superior no Brasil nos últimos 40 anos, isso deve-se basicamente à proliferação das instituições privadas que, com algumas exceções, conseguiram reverter o sentido do bem público para o sentido do bem rentável. Houve, considerando que a partir da década de 1990 e início do atual século, a massificação das universidades ocasionada, sobretudo pela expansão dessas instituições privadas de ensino superior, não se pode afirmar que houve a democratização de acesso. Para Peixoto (2006, p. 6), “A democratização ocorre quando há ampliação do acesso, mas com as condições para um funcionamento que garante a qualidade.” Nessa linha de pensamento, recorremos à Boaventura Souza Santos ao afirmar que: 1 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, tanto na graduação quanto no Programa de Pós-Graduação 133 O papel da universidade diante da inclusão Em vez de democratização, houve a massificação e depois, já no período pósmassificação, uma forte segmentação do ensino superior com práticas de autêntico dumping social de diplomas, sem que nenhuma medida eficaz tenha sido tomada (SANTOS, 2004, p. 67). Entretanto, não obstante às reformas e à expansão, por quais passaram as universidades em razão de exigências econômicas, não se pode deixar de cobrar do Estado o seu papel de mantenedor responsável por uma política na qual a universidade continue sendo considerada um bem público e direito de cidadania, pois é ele (Estado) o maior responsável no que se refere à sua oferta e subvenção. No presente trabalho, concebe-se como universidade, de responsabilidade do Estado, aquela instituição que por ser realidade histórica e social, compreende o seu espaço enquanto lócus de resistência diante de modelos impostos, sente constantemente desafiada a cumprir o seu papel em uma sociedade que se quer democratizar e, portanto, ao mesmo tempo em que preserva e socializa, produz conhecimento e cria cultura. Em que mudamos? Até que ponto pode-se afirmar que a universidade, hoje, como bem público e espaço de produção e construção do conhecimento, tem sido aberta a todos que dela necessitam? E, se há limitações nesse sentido, como fica a formação inicial das pessoas que se sentem excluídas no que diz respeito, principalmente, à participação no desenvolvimento sustentável do país? Se a própria universidade (mesmo em se tratando de instituição privada) contribui com a banalização do processo de formação do docente e do pesquisador ao privilegiar o lucro financeiro determinado pelo mercado (mercantilização do conhecimento) em detrimento a uma formação sólida que prima pela produção do saber, sem levar em consideração o seu papel no que diz respeito à transformação social, no entendimento de uma parcela considerável de docentes, tal como na do filósofo Adão Peixoto vinculado à Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE/UFG): A universidade só se constitui enquanto tal se submeter constantemente seu fazer ao crivo da reflexão, da crítica, da dúvida, para repensar, avaliar, experimentar e transformar sua ação com vistas a aperfeiçoar suas atividades e a contribuir para a construção de uma sociedade mais solidária (PEIXOTO, 2006, p. 8). E quanto aos professores universitários, vinculados à educação, como contribuir com a reversão de um modelo de universidade excludente, ainda que seja parte dele? Enfim, não se pode entender que a exclusão social, naturalizada no País, é de 134 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores responsabilidade apenas da universidade, entretanto há de se reconhecer a sua coparticipação em todo esse processo excludente, pois como instituição social, agregada ao modelo vigente, há limitações quanto à democratização de acesso. Segundo Boaventura Souza Santos citado por Pires (2004), para reconquistar a legitimidade perdida, a universidade pública terá de reforçar sua responsabilidade social, estabelecer um relacionamento sinergético com a escola pública, melhorar as condições de acesso, dar maior atenção à extensão, aprender a atuar em rede, adotar procedimentos participativos de avaliação e rever mecanismos internos e externos de democratização, entre outros. Assim, apesar de não haver desconhecimento das iniciativas do atual governo na questão da ampliação e democratização do acesso à universidade, que até então foi reduzido e elitizado, na tentativa de se mudar o perfil do aluno ingressante, seja por meio da introdução do Programa de Quotas ou do Programa Universidade para Todos (Prouni), cada instituto que compõe o eixo universitário tem sua parcela de responsabilidade de se tentar reverter o quadro atual, sobretudo as Faculdades de Educação (FE) que se constituem em foco de formação docente das universidades brasileiras. Concordamos com o Professor Benno Sander (2007, p. 1), Presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), ao afirmar que A formação dos profissionais da educação é tarefa primordial da universidade e de suas faculdades e centros de educação e cursos de licenciatura. Estreitamente associada à docência universitária está a pesquisa científica, protogonizada pelos programas de pós-graduação e voltada para a construção e difusão do conhecimento em matéria de políticas públicas e gestão da educação. Assim, institucionalmente, cabe a todos os educadores, a partir da construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição a que pertence, a reflexão quanto à política de combate à exclusão implementada e o que tem sido oferecido de oportunidades para que todas as pessoas possam usufruir dos seus direitos e assim se constituírem de fato como cidadãos emancipados. Nesse sentido, a Universidade Federal de Goiás reconhece que o trabalho que vem sendo desenvolvido se apresenta ainda de forma fragmentada, haja vista as ações dos diversos institutos/faculdades que são realizadas por iniciativa própria sem se constituir em um propósito único institucional, ou seja, o de incluir qualquer aluno que necessite da promoção adequada à acessibilidade Entretanto, há o reconhecimento de que a Faculdade de Educação (FE/UFG), em específico, tem se preocupado com a qualidade de ensino proporcionada, tanto na formação inicial quanto na formação continuada dos professores, a partir do entendimento 135 O papel da universidade diante da inclusão de que essa formação será revertida, basicamente para alunos da Educação Básica e que poderá beneficiar pessoas até então, marginalizadas e excluídas do processo educacional. Assim, ao se tomar algumas posições e agir pontualmente, [...] reafirma a docência como a base da identidade do pedagogo e propõe-se a formar professores que compreendam as complexas relações entre a educação e a sociedade, pensem e realizem a existência humana, pessoal e coletiva, e o trabalho pedagógico com vistas à transformação da realidade social, à superação dos processos de exploração e dominação, à construção da igualdade, da democracia, da ética e da solidariedade (UFG/FE/PPP, 2003, p. 14). Com essa concepção, consolidada, mas fruto de enfrentamentos e resistências ainda nos anos de 1980, a FE/UFG tem tentado contribuir, de forma séria e comprometida, na reversão desse quadro de exclusão ainda presente na educação brasileira. Em resumo, serão apresentadas algumas ações da FE/UFG, hoje, de caráter mais institucional, que têm representado avanços em relação à questão da inclusão escolar: • Inserção de conteúdos específicos sobre a Educação Especial e a Educação Inclusiva nos Planos de Curso de disciplinas vinculadas aos estágios obrigatórios; • Execução de “Projetos de Extensão -- Prática de Ensino e Formação Continuada de Professores” em escolas-campo, estaduais especiais e inclusivas, envolvendo, principalemente, reflexões quanto à prática pedagógica desenvolvida; • Realização de Cursos de Especialização, com disciplinas específicas sobre a Educação Especial e Inclusiva, tendo como conseqüência diversas produções monográficas; • Realização de Grupo de Estudo, sistematizado, no interior da FE/UFG já no ano de 1998, envolvendo diversas instituições públicas e privadas para se compreender melhor a educação especial na perspectiva da educação inclusiva – totalizando 140 horas; • Realização de mesas-redondas, comunicações orais e minicursos sobre pessoas com deficiência e inclusão escolar nos Simpósios da Faculdade de Educação/UFG que ocorrem anualmente; • Publicações específicas, objetivando a divulgação e sensibilização da comunidade em geral sobre questões pertinentes à Educação Especial e Inclusiva na Faculdade de Educação ou no interior da UFG, tais como em Jornais e na Revista INTER-AÇÃO nº 31, julho/dezembro, 2006, tendo como tema Educação Inclusiva, com artigos de autores de reconhecimento local e nacional; 136 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores • Atendimento às solicitações de diversas instituições públicas e privadas e instituições representativas das pessoas com deficiência, para proferir palestras em congressos, encontros, fóruns, cursos, seminários, simpósios, reuniões e grupos de estudos entre outros, tanto em âmbito local, regional, quanto nacional; • Produção, publicação e apresentação de trabalhos para trocas de experiências sobre à Educação Especial e Inclusiva nos espaços proporcionados pelos Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino tais como no IX ENDIPE em Águas de Lindóia/SP/1998; no X ENDIPE no Rio de Janeiro/RJ/2000; no XI ENDIPE em Goiânia/GO/2002; no XII ENDIPE em Curitiba/PR/2004 e no XIII ENDIPE em Recife/PE/2006; • Participação junto às Pró-Reitorias de Extensão, Comunitária, Graduação, Pesquisa e Pós-Graduação, em discussões, encaminhamentos e tomada de decisões quanto à acessibilidade de pessoas com necessidades educativas especiais no interior da UFG, internamente e em âmbito mais amplo, seja socializando informações, seja produzindo projetos; • Participação no Fórum Nacional de Educação Especial das Instituições de Ensino Superior, sob a coordenação da UFMS, com apoio da Secretaria de Educação Especial (Seesp/MEC), realizados no fim dos anos de 1990 e início dos anos 2000; • Participação no Grupo de Pesquisa do “Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade” (Leped/FE/Unicamp), sob a coordenação da Profª. Drª. Maria Teresa Eglér Mantoan, desde março de 1999; • Participação na produção de vídeo sobre “Direitos humanos e cotidiano” para se discutir questões específicas sobre as pessoas com deficiência à luz dos direitos humanos, produzido pelo Curso de Radio e TV da UFG, com 120 minutos de duração, em VHS/NTSC nos anos de 1990; • Participação efetiva desde 1996 em congressos, cursos, seminários, fóruns e encontros entre outros, de âmbito regional, nacional e internacional, para se discutir os novos rumos da educação especial frente aos desafios da inclusão escolar, como parte da política da FE/UFG em apoiar e incentivar a qualificação docente; • Desenvolvimento do Projeto de Extensão – Curso de Formação Continuada de Professores da Rede Pública de Ensino em Braille e Sorobã – 2002/ 2003 – 60 h – envolvendo três turmas compostas por um total de 120 alunos/professores; • Introdução da disciplina “Educação e Diversidade” no Programa de PósGraduação em Educação (PPGE) da FE/UFG a partir de 2005, vinculada à Linha de Pesquisa – Formação e Profissionalização Docente; 137 O papel da universidade diante da inclusão • Introdução da disciplina “Noções Básicas de Libras”, por meio de concurso público para professor substituto, como parte dos Núcleos-Livres, componentes curriculares obrigatórios dos cursos da UFG, por força do Decreto nº 5.626 de 22/12/2005; • Acompanhamento e orientação de mestrandos e doutorandos que desenvolvem pesquisas na área de Educação Especial/Inclusiva por meio do PPGE da FE/UFG a partir do ano de 2004; • Desenvolvimento do Projeto de Pesquisa intitulado “A educação especial/ inclusiva no contexto dos programas de pós-graduação: estudo e análise interinstitucional”, com início em março de 2006 e encerramento em 30/ 06/2007, financiado pelo Proesp/Capes; • Desenvolvimento do subprojeto intitulado “A produção acadêmica sobre a formação de professores para a educação inclusiva” vinculado ao projeto maior “A produção acadêmica sobre professores: estudo interinstitucional da Região Centro-Oeste” do Núcleo de Formação de Professores – Nufop/ FE/UFG – 2004/2006; • Coordenação do Exame Nacional de Certificação de Proficiência em Libras e de Certificação de Proficiência em Tradução e Interpretação de Libras/ Língua Portuguesa/Libras, denominado Prolibras, ocorrido na própria FE/ UFG no presente ano; • Participação em encontros promovidos pela Secretaria de Educação Especial – Seesp/MEC no ano de 2006 e no decorrer do presente ano, originando produtos tais como artigos de revistas e livros; • Participação em bancas de qualificação e defesa de dissertação de mestrado e tese de doutorado em universidades públicas e privadas em Goiás e em outros Estados; • Parecerista de artigos com temas sobre a Educação Especial e Educação Inclusiva para instituições públicas ou privadas, em diversos estados brasileiros; • Publicação em revistas, jornais, livros, anais de eventos nacionais e internacionais, com temas referentes à Educação Especial e à Inclusão Escolar objetivando a socialização e intercâmbios diversos; • Lançamento do livro “Educação: diversidade e inclusão em debate”, sob a nossa organização e prefaciado pela Profª Drª Teresa Eglér Mantoan, no presente ano, tendo como autores mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-Graduação da FE/UFG; • Introdução da disciplina/Núcleo Livre – Educação Especial e Inclusão Escolar na FE, com o objetivo de atender às solicitações dos alunos da UFG, a partir do 2º semestre/2007; 138 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores • Introdução da disciplina “Inclusão Educacional” no Curso de Especialização – Tecnologias Aplicadas ao Ensino de Biologia/UFG, com início previsto para o 2º semestre/2007; • Participação na Mesa Redonda: “Crianças com necessidades especiais” -IX Congresso Nacional de Pediatria – Região Centro- Oeste, promovido pela Faculdade de Medicina da UFG, a ser realizado no período de 8 a 12 de outubro de 2007, no Centro de Convenções de Goiânia(GO). Enfim, a FE/UFG reconhece o seu papel diante dos desafios postos pela sociedade brasileira e, apesar das resistências e enfrentamentos constantes, tem assumido o seu papel de formador, voltado para uma educação de qualidade para todos e acredita que com esses exemplos de ações e posicionamentos poderá possibilitar uma formação mais ética e, em conseqüência, poderá contribuir com a construção de uma sociedade mais justa, cooperativa e solidária, por entender o compromisso da educação com a formação humana, priorizando os valores éticos, a sensibilidade, a criatividade e o espírito crítico que são aspectos fundamentais na formação de qualquer pessoa. “Nossa capacidade de alcançar a unidade na diversidade será a beleza e o teste de nossa civilização” Gandhi Referências PEIXOTO, A. J. Projeto “Universidade, pesquisa e profissionalização” profissionalização”. Programa de PósGraduação da FE/UFG. Goiânia/GO, 2006. PIRES, V. A contra-reforma universitária: uma universidade diferente é possível... Revista de Ciência da Educação Educação. Campinas/SP: v. 25, n. 88, p. 639-1094, Especial. Out. 2004. p. 1071-1075. rimestral da Associação SANDER, B. Por uma escola de qualidade para todos. Boletim T Trimestral Nacional de P olítica e Administração da Educação Política Educação. Niterói, RJ: n.2, abril-junho 2007. p. 1. SANTOS, B. S. de. A universidade no século XXI XXI: para uma forma democrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2004. 139 O papel da universidade diante da inclusão SGUISSARD, V. Universidade: reforma e/ou rendição ao mercado? Mercantilização do conhecimento e deserção do Estado. Revista de Ciência da Educação Educação. Campinas/SP: v. 25, n. 88, p. 639-1094, Especial. Out. 2004. p. 647-651. olítico UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS. Faculdade de Educação. Projeto P Político olítico-Pedagogia, 2003. Pedagógico do Curso de Pedagogia 140 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Percusos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso Luzia Lima-Rodrigues1 [email protected] David Rodrigues2 [email protected] 1 Introdução O projecto Boas Práticas em Educação Inclusiva (BPEI), que deu origem ao livro Percursos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso (LIMA-RODRIGUES at al., 2007), surgiu a partir de uma iniciativa da Equipe de Investigação do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (FEEI) – Departamento de Educação Especial e Reabilitação da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa. O objetivo principal do estudo foi identificar e conhecer as representações/percepções de vários intervenientes da comunidade educativa, relativamente aos aspectos facilitadores (“boas práticas”) e às “barreiras” à Inclusão existentes em cada uma das escolas estudadas. Decorrente desse objetivo, tivemos a preocupação de relacionar tais representações/ percepções com as mais recentes perspectivas sobre Inclusão, veiculadas pela literatura científica nacional e internacional. Assim, tentamos encontrar e descrever exemplos de “boas práticas” em Inclusão, ocorridos de Norte a Sul de Portugal, em Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico (1º CEB – equivalente à 2ª e 3ª série do Ensino Fundamental, no Brasil). O Projecto BPEI foi composto de duas vertentes relacionadas entre si: i) a realização de formações sobre a temática em análise e ii) a realização de uma investigação de âmbito nacional, envolvendo duas escolas de cada uma das cinco Direções Regionais de Educação do Continente português, perfazendo um total de dez escolas. No que diz respeito à formação, foram realizados minicursos sobre conceitos e práticas bem-sucedidas de Inclusão, referenciadas na literatura nacional e internacional. Na vertente da investigação, foram realizados dez estudos de caso a partir de documentos da escola e de entrevistas efectuadas aos diversos intervenientes educativos (representante do conselho executivo, professor do ensino regular, professor de apoio educativo e encarregados de educação de um aluno com e de um aluno sem Necessidades Educacionais Especiais – NEE). 1 2 Professora Doutora, Faculdade de Motricidade Humana. Fórum de Estudos de Educação Inclusiva/Portugal. Professor Doutor, Faculdade de Motricidade Humana. Fórum de Estudos de Educação Inclusiva/Portugal. 141 Percusos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso Com o estudo desses casos, pretendemos conhecer quais os aspectos facilitadores e as estratégias adotadas pelas escolas para superarem as “barreiras” à Inclusão, bem como perceber quais as “barreiras” ainda existentes, segundo a representação/percepção dos entrevistados. Paralelamente, foi feita uma recolha de dados estruturais e documentais, para a caracterização das escolas. Sob a coordenação e organização da Professora Doutora Luzia Lima-Rodrigues e a supervisão do Professor Doutor David Rodrigues, o Projecto BPEI contou com duas equipes de trabalho: – a “Equipe de Investigadores do FEEI”, composta por Mestres na área da Educação Especial e da Saúde, delineou os processos de formação e de investigação, realizou as entrevistas, a respectiva análise e discussão dos dados e elaborou o documento final para a publicação do estudo; e – a “Equipe de Investigadores Estagiários do Instituto Piaget de Almada”, composta por alunos finalistas (2006-2007) das Licenciaturas em “Motricidade Humana” (Instituto Superior de Estudos Interculturais e Transdisciplinares – ISEIT) e “Professores do Ensino Básico – 1º Ciclo” (Escola Superior de Educação – ESE), que colaborou com a Equipe de Investigadores. 2 Seleção das escolas Para conhecer exemplos de “boas práticas” em Educação Inclusiva em Portugal, seria importante encontrar potenciais escolas distribuídas por todo o país e situadas tanto em áreas urbanas como em áreas rurais ou da periferia dos grandes centros urbanos. O Projecto estudou casos situados nos diversos contextos, considerados sociologicamente padrão (rural e urbano), onde se inserem “as escolas portuguesas”. O critério subjacente à seleção das escolas foi a existência de uma turma onde estivesse incluído, no ano letivo de 2005-2006, um aluno com NEE de Carácter Prolongado, acompanhado por um Professor de Apoio Educativo. As entrevistas realizadas incidiram sobre os intervenientes educativos vinculados à referida turma, nomeadamente: – – – – – Professor do Ensino Regular. Professor de Apoio Educativo. Encarregado de Educação de um aluno com NEE. Encarregado de Educação de um aluno sem NEE. Representante do Conselho Executivo. 142 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores 3 Instrumentos Para caracterizar as escolas escolas, foi criado o Guião (roteiro) de Recolha de Dados Estruturais, utilizado para o levantamento dos dados necessários. Foi feita também a análise de conteúdo dos seguintes documentos: Projeto Educativo do Agrupamento; Projeto Curricular; Regulamento Interno e Projeto Curricular de Turma. Embora não tenha sido solicitado pela equipe de investigação, foram também disponibilizados, em alguns casos, o Projecto Curricular do 1º Ciclo do Ensino Básico, o Plano Anual de Atividades do Agrupamento e ainda “outra documentação”. Para conhecer a opinião dos intervenientes educativos sobre “boas práticas” e “barreiras” à Inclusão, foram construídos três roteiros de entrevistas, para: i) o representante do conselho executivo, ii) os professores do ensino regular e de apoio educativo, e iii) os encarregados de educação de um aluno com e de um aluno sem NEE. A análise de conteúdo das entrevistas foi realizada por meio de um quadro, com categorias criadas a priori, com base nos conceitos de diversos autores (AINSCOW, 2007; BOOTH; AINSCOW, 2002; EGGERTSDÓTTIR, R.; MARINÓSSON, G., 2005; FLORIAN, 2007, 2003; LIMA, 2005; LINDSAY, 2003; LIPSKY; GARTNER, 1998; MARCHESI, 2005; RODRIGUES 2001, 2003, 2006a, 2006b; RODRIGUES, KREBS; FREITAS, 2005; TILSTONE, FLORIAN; ROSE, 2003). À posteriori, a partir dos temas emergentes, surgiram as categorias: “Processo de Inclusão” (relacionada com as “barreiras” identificadas no decurso de tornar aquela escola mais Inclusiva) e “Percepção e Atitudes” (relacionada com a opinião do interveniente sobre “Inclusão”, com a aceitação dos alunos portadores de deficiência e demais “diferenças” e com a “opinião sobre a escola”). Assim, a análise das entrevistas foi realizada seguindo uma metodologia de análise de conteúdo e em conformidade com as seguintes categorias e subcategorias: CA TEGORIAS CATEGORIAS 1 Preparação para a escolarização SUBCA TEGORIAS (e/ou indicadores) SUBCATEGORIAS • Preparação dos alunos (Há preparação dos alunos para o processo de inclusão do futuro colega?) • Preparação dos professores e agentes educativos (Há preparação para o processo de inclusão do futuro aluno?) • Equipamentos da escola (Há aquisição/ adequação dos equipamentos e materiais de apoio, antes do ingresso do aluno com NEE na escola?) 143 Percusos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso 2 Currículo e planos educ. individuais • Planeamento para grupos heterogéneos (Há planeamento para grupos heterogéneos?) • Adaptações curriculares individualizadas (Há adaptações curriculares individualizadas para os alunos?) • Participação dos encarregados de educação e de outros técnicos (Há participação dos encarregados de educação e de outros técnicos na elaboração dos planos curriculares individuais?) 3 Prática de sala de aula • Estratégias e objetivos de avaliação (Há estratégias e objetivos diferenciados de avaliação?) • Equipa de intervenção (Há colaboração entre professores e entre professores e outros técnicos?) • Organização e ambiente de sala de aula (Há adequação da organização e do ambiente de sala de aula?) • Estratégias de ensino (Há estratégias individualizadas?) • Interação entre os alunos (Há uma interação entre os alunos planeada pelos professores?) 4 Colaboração e coordenação • Colaboração e coordenação dentro da escola (Há? Que tipos de iniciativas foram identificadas?) • Colaboração e coordenação entre a escola e outros serviços (Há? Que tipos de iniciativas foram identificadas?) • Colaboração entre a escola e a família (Há? Que tipos de iniciativas foram identificadas?) 5 Serviços de apoio • Participação dos especialistas (Há participação ativa e efetiva dos especialistas nas actividades da escola?) • Prestação do apoio (Quais são as modalidades e locais de apoio?) 144 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores • Serviços externos presentes na escola (Há transferência de serviços externos para dentro da escola?) • Recursos humanos (Há recursos humanos suficientes?) • Recursos materiais/financiamento (Há recursos materiais e financiamento suficientes?) 6 Desenvolvimento profissional • Desenvolvimento profissional na escola (Há actividades de desenvolvimento profissional ocorridas dentro da escola?) • Parcerias (Há parcerias para atividades de desenvolvimento profissional?) • Conteúdos (Há e quais são os conteúdos do desenvolvimento profissional centrados em problemas concretos?) 7 Avaliação e reflexão • Avaliação e reflexão da escola (Há processos de avaliação/reflexão sobre o trabalho efectuado?) 8 Processo de inclusão • Quais foram as barreiras e as boas práticas identificadas no decorrer do processo de tornar a escola mais inclusiva? 9 Percepção e atitudes • Opinião sobre “Inclusão”. • Opinião sobre a aceitação dos alunos portadores de deficiência e demais “diferenças”. • Opinião sobre a Escola. Por fim, cabe ressaltar que todos os instrumentos utilizados no estudo foram submetidos à apreciação da Comissão Nacional de Proteção de Dados e considerados isentos de notificação. 4 Procedimentos Efetuados os contatos iniciais com os órgãos de gestão de cada escola e, após a sua disponibilidade e receptividade, procedeu-se à formalização do pedido, por escrito. 145 Percusos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso Posteriormente, os contactos visaram: i) apresentar mais detalhadamente os objetivos do projeto e os procedimentos gerais para a recolha de dados, ii) agendar previamente todas as entrevistas a serem realizadas, e iii) encaminhar, antecipadamente, o “Guião de Recolha de Dados Estruturais”. Quando da visita dos membros da Equipa de Investigação do FEEI às escolas para a realização das entrevistas, eram também recolhidos os dados estruturais, a fim de evitar uma possível dispersão de informações. As entrevistas, realizadas pelos membros da Equipe de Investigadores do FEEI, foram gravadas em áudio, transcritas integralmente pelos membros da Equipe de Investigadores Estagiários do Instituto Piaget de Almada, e encontram-se disponíveis para consulta nos arquivos do FEEI. 5 Caracterização das escolas e análise dos discursos A caracterização de cada uma das dez escolas foi realizada a partir da análise dos vários documentos facultados pelos respectivos Conselhos Executivos, bem como dos dados estruturais recolhidos. Uma vez transcritas as entrevistas, efetuamos uma análise detalhada do conteúdo das mesmas, cujos dados foram sistematizados em um total de 160 quadros, tabelas e memorandos. Foi a partir desses dados sistematizados que elaboramos a “análise dos discursos” dos diversos intervenientes. São análises que colocam em evidência os aspectos mais relevantes e significativos encontrados em cada uma das Categorias/Indicadores de “Boas Práticas”/Factores Facilitadores à aprendizagem e participação. Tratam-se de dados de opinião que surgem exclusivamente das representações/percepções dos intervenientes educativos sobre as práticas pedagógicas e vivências educativas de uma determinada escola, inserida em uma comunidade educativa. O estudo de cada caso é finalizado com uma discussão reflexiva e crítica dos dados emergentes, tentando compreender quais foram as soluções encontradas por cada escola, o que Ainscow (2005) chama de “alavancas para a mudança”. 6 À Guisa da conclusão Apresentadas as conclusões do trabalho, ressaltamos que “boas práticas” em Educação Inclusiva não são “as melhores práticas existentes”, nem a receita perfeita para todos os males das escolas. São, tal como as encontrámos nos dez estudos de caso realizados, os percursos trilhados pelas escolas na intenção de se tornarem mais inclusivas. Não há prática, nem escola, nem sociedade, nem Inclusão perfeitas. Há, sim, aquilo que de melhor as escolas podem (e sabem) fazer, diante das barreiras à aprendizagem e participação que enfrentam. 146 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores É bem verdade que encontramos casos de escolas, como bem apresentado no prefácio do Professor Mel Ainscow, que sabem mais do que o que usam. Ou seja, parafraseando Vygotsky, deparamo-nos com escolas cujo “desenvolvimento potencial” estava bem distante do “desenvolvimento real”. Com isso, constatamos que não são só os recursos que garantem um bom percurso inclusivo. “Não se faz Inclusão com meia dúzia de tostões”, dizia-nos um dos entrevistados – com o qual concordamos plenamente. Entretanto, as escolas com mais barreiras à aprendizagem e participação que encontrámos, nem sempre sofriam escassez de recursos materiais ou humanos. Careciam sim de rentabilizar os recursos existentes para potencializar “boas práticas”. Apesar disso, verificamos que (segundo a nossa própria percepção e os resultados da investigação que, intensamente, realizamos durante dois anos) a Inclusão em Portugal, até ao ano letivo de 2005-2006, seguia um caminho com dificuldades, seguramente com necessidade de ajustes mas, mesmo assim, com grande potencial e com resultados positivos concretos. A avaliação desse processo é, certamente, essencial para informar as mudanças de política que é necessário realizar. Acreditamos que as mudanças devem também alicerçar-se sobre o conhecimento da realidade que a investigação implica. Esperamos que os novos modelos que se estão a implementar na área da Inclusão possam contar com estudos desse tipo: estudos que permitam discutir, com uma base fortemente ancorada na prática, os valores que pretendemos desenvolver na Educação Inclusiva. Referências AINSCOW, M. Developing inclusive education systems: what are the levers for change? Journal of Educational Change Change, n. 6, p. 109-124, 2005. _________. From special education to effective schools for all: a review of progress so far. In: FLORIAN, L. (Ed.). The SAGE handbook of Special Education Education. London: Sage Publications, 2007. BOOTH, T.; AINSCOW, M. et al. Index for Inclusion Inclusion: developing learning and participation in schools. Manchester: Centre for Studies on Inclusive Education, 2002. EGGERTSDÓTTIR, R.; MARINÓSSON, G. (Eds.). Pathways to Inclusion Inclusion: a guide to staff development. University of Iceland Press, 2005. FLORIAN, L. Prática Inclusiva: o quê, porquê e como? In: TILSTONE, C.; FLORIAN, L.; ROSE, R. Promover a educação Inclusiva Inclusiva. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. FLORIAN, L. (2007). How special educational needs are understood. In: FLORIAN, L. (Ed.). The SAGE handbook of special education education. London: Sage Publications, 2007. 147 Percusos de Educação Inclusiva em Portugal: dez estudos de caso LIMA, L. Apertem os cintos: a direcção (as)sumiu! Os desafios da gestão nas escolas Inclusivas. In: RODRIGUES, D.; KREBS, R.; FREITAS, S. (Orgs.). Educação Inclusiva e necessidades educacionais especiais especiais. Santa Maria: Editora UFSM, 2005. LIMA-RODRIGUES, L.; FERREIRA, A.; TRINDADE, A. R.; RODRIGUES, D.; COLÔA, J.; ortugal NOGUEIRA, J. H.; MAGALHÃES, M. B. Percursos de Educação Inclusiva em P Portugal ortugal: dez estudos de caso. Lisboa: Fórum de Estudos de Educação Inclusiva, 2007. LINDSAY, G. Inclusive education: a critical perspective. Britsh Journal of Special Education Education, v. 30, n. 1, p. 3-12, 2003. LIPSKY, D.; GARTNER, A. Factors for successful inclusion: Learning from the past, looking forward to the future. In: VITELLO, S.; MITHAUG, D. (Eds.). Inclusive schooling schooling: national and international perspectives. Mahurah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 1998. MARCHESI, A. et. al. Assessment of special educational needs integration by the educational community in Spain. European Journal of Special Needs Education Education, v. 20, n. 4, p.357-374, 2005. RODRIGUES, D. A educação e a diferença. In: RODRIGUES, D. (Org.). Educação e diferença diferença: valores e práticas para uma educação Inclusiva. Porto: Porto Editora, 2001. _________. Educação Inclusiva: as boas e as más notícias. In: RODRIGUES, D. (Org.). Inclusão: da educação à sociedade. Porto: Porto Editora, 2003. Perspectivas sobre a Inclusão _________. Dez ideias (mal) feitas sobre a Educação Inclusiva. In: RODRIGUES, D. (Ed.). Inclusiva: estamos a fazer progressos? Lisboa: Fórum de Estudos de Educação Educação Inclusiva Inclusiva/Edições FMH, 2006a. _________. Inclusão e educação educação: doze olhares sobre a educação Inclusiva. São Paulo: Summus Editorial, 2006b. RODRIGUES, D.; KREBS, R.; FREITAS, S. (Orgs.). Educação Inclusiva e necessidades educacionais especiais. Santa Maria: Editora UFSM, 2005. TILSTONE, C.; FLORIAN, L.; ROSE, R. Pragmatismo sim, dogmatismo não: a promoção de uma prática mais Inclusiva. In: TILSTONE, C.; FLORIAN, L.; ROSE, R. Promover a educação Inclusiva Inclusiva. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. 148 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão Joiran Medeiros da Silva1 [email protected] “A inclusão é o privilégio de conviver com as diferenças” Maria Teresa Eglér Mantoan, 2005 1 Um breve histórico Até fins dos anos 1970, a questão da deficiência no Brasil sempre foi encaminhada pelos técnicos, professores ou responsáveis considerados “especialistas” na área. A meta principal desses grupos era o atendimento assistencialista e segregador das pessoas com deficiência nas diversas instituições educacionais públicas e privadas. Em 1979, acompanhando um movimento mundial deflagrado pela Organização das Nações Unidas (ONU) ao instituir para 1981 o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), alguns grupos organizados dirigidos por pessoas de várias áreas de deficiência começaram a se reunir para preparar seus segmentos. Como conseqüência, em 1980, em Brasília (DF), aconteceu o I Encontro Nacional de Entidades de Pessoas com Deficiência que contou com a presença de cerca de mil participantes, representantes de cegos, surdos, deficientes físicos e hansenianos, vindos de todo o Brasil. Nesse encontro, o Rio Grande do Norte foi representado pela recém-criada Associação de Deficientes Físicos do RN, fruto de um trabalho conjunto entre a Comissão Estadual do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, instituída pelo Governo do Estado e segmentos de pessoas com deficiência. Aprovou-se a primeira pauta de lutas do grupo, criou-se a primeira entidade representativa – Coalisão Nacional –, englobando todas as áreas, e definiu-se a política a ser adotada no ano seguinte, o AIPD. Dentre outras políticas sociais, o RN priorizou o acesso à educação com o lema “Plena Participação e Igualdade”, difundido pelo AIPD. 1 Professor Especialista em Educação, Subcoordenador de Educação Especial do RN – Seec/Suesp. 149 Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão Na oportunidade, setores da educação do estado, com assento na Comissão Estadual do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência (Ceaipd), preparam em 1981 e 1982 o I e o II Encontro da Participação e Igualdade, em que se discutiu a plena participação dos deficientes na sociedade. Paralelamente ao surgimento de várias entidades representativas das pessoas com deficiência e, pode-se dizer, como uma das conseqüências de suas reivindicações, o governo brasileiro começava a se estruturar de forma a criar uma política em favor desse segmento social. Em 1987, o então Presidente cria por decreto a Coordenadoria Nacional para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência (Corde), recriada pelo Congresso em outubro de 1989 pela Lei nº 7.853. Esta lei não só incumbe o Ministério Público da defesa dos interesses da pessoa com deficiência, mas também define como crime a discriminação. Nesse instante histórico, a Corde Estadual e a Secretaria Estadual de Educação, por meio da Subcoordenadoria de Educação Especial (Suesp) e o Ministério Público do RN, iniciam uma série de palestras, cursos, oficinas e apresentações de teatro de bonecos, visando informar e formar educadores e entidades civis organizadas, quanto à criminalização do preconceito e às barreiras arquitetônicas, principalmente no tocante ao Artigo 8º que preceitua punição com reclusão e multa para quem “recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta”. A constituição brasileira de 1988 traz uma mudança de postura em relação às pessoas com deficiência. O paternalismo é tema que dá lugar à equiparação de oportunidades. A tutela, substituída pela plena cidadania. Esses novos paradigmas estão calcados nos direitos da pessoa humana que pressupõem a cidadania, como o direito de ser tratado pelos outros como semelhante. Essas são premissas básicas para a inclusão da pessoa com deficiência porque é direito de todos fazer parte da sociedade, participando de forma direta e efetiva. 2 A importância da educação inclusiva na rede pública estadual do RN: um novo olhar que faz a diferença No início dos anos 1990, sob a influência dos ditames constitucionais e, diante das novas incumbências do Ministério Público na garantia de uma escola para todos, a educação inclusiva no Brasil passou a ser objeto de discussões, análises, reflexões e preocupações de professores e pesquisadores da área no que tange a atuação da escola pública. Essas discussões foram sendo assumidas pelos que respondiam pela Educação Especial, no Ministério da Educação (MEC), por meio da Secretaria de Educação Especial, cuja opção pela construção de um sistema educacional pautado na educação inclusiva vinha se desenhando em resposta à Declaração Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, 1990 e, posteriormente, em 1994, na Espanha, por ocasião da 150 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Conferência Mundial sobre as Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade, mais conhecida como Declaração de Salamanca. Em 1991, em consonância com os postulados do Direito à Educação para Todos, a Rede Pública Estadual de Ensino do RN, por meio da Subcoordenadoria de Educação Especial, inicia seu processo de inclusão escolar defendendo a diversidade dos grupos humanos independentemente de sua deficiência. O projeto na época foi considerado inovador e revolucionário, configurando-se nos primeiros passos para a revisão e o redimensionamento da prática pedagógica da comunidade escolar. Dele, constaram o desmonte das classes especiais e o remanejamento dos alunos para o Ensino Regular, efetuando-se a matrícula de todas as crianças das séries iniciais de escolarização, em classes comuns. Rompe-se com a visão de integração estruturada a cerca de vinte anos no fazer da Educação Especial do Estado, tendo base na reinterpretação dos conceitos integradores. Nesse sentido, as palavras de Mantoan (2005) reforça nossa análise quando diz: A diversidade humana está sendo cada vez mais reconhecida, valorizada e considerada como condição primeira para a implementação de arrojados projetos sociais e educacionais. É nessas e em outras ocasiões similares que constatamos o peso e a importância da diversidade como meio pelo qual aprendemos mais sobre nós mesmos e sobre os outros. A intenção de incluir todos os alunos nas escolas comuns implica que reconheçamos as diferenças e a multiplicidade de saberes e das condições sobre as quais o conhecimento é aplicado. E de transitar por novos caminhos, estabelecendo teias de relações entre o que se conhece e o que se há de conhecer, nos encontros e nas infinitas combinações entre os conteúdos disciplinares. Esses novos caminhos de respeito às diferenças defendidos pela professora Maria Teresa Mantoan provocaram inúmeras resistências em todo sistema educacional do Estado. As escolas por meio de seu corpo de educadores e gestores questionavam a viabilidade da prática educacional inclusiva, pois não acreditavam que assim o aluno viesse a “aprender”, nem eles viessem a “ensinar”, por desconhecimento de como “lidar” com essas pessoas. Por sua vez, alegavam falta de condições de trabalho; salários baixos; elevado número de alunos por salas; inadequação física das escolas; falta de um programa de formação continuada para capacitar as equipes escolares, entre outras. Todos os questionamentos são bastante procedentes, uma vez que, ainda que seja importante o esforço dos diversos organismos públicos e particulares, em realizar cursos para atender às necessidades de formação, orientação e fundamentação dos educadores, essas atividades revestem-se de eventos descontínuos de curta duração e sem o necessário controle social de sua aplicabilidade na escola, destino fim da ação de capacitação. 151 Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão Em 1998, cria-se na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) uma base de pesquisas e estudos sobre a Educação de Pessoas com Necessidades Especiais, sob a coordenação de professores do departamento de educação e participação decisiva de técnicos e professores da área de Educação Especial da Secretaria de Educação do Estado e do Município de Natal, além de alunos da pós-graduação em educação e da graduação (bolsistas de iniciação científica). Essa base muito contribuiu e ainda vem contribuindo com o aperfeiçoamento do processo de formação continuada dos professores, ajudando a reduzir preconceitos ainda existentes, principalmente no tocante a possibilidade de sucesso obtida na relação ensino/aprendizagem das pessoas com necessidades educacionais especiais. Constatados esses entraves e diante de novos paradigmas de inclusão escolar, a Secretaria Estadual de Educação, por meio de sua Subcoordenadoria de Educação Especial (Suesp), juntamente com outros atores municipais e instituições privadas de atendimento educacional especializado e o Conselho Estadual de Educação – RN, em 1996, formaliza uma proposta de regulamentação dos princípios normativos e legais pela Resolução nº 01/96. Essa resolução configura-se em um dos marcos da garantia ao acesso e à permanência com qualidade de todos os alunos na Rede de Ensino Regular do Estado do RN, visto que prever ações de formação continuada do professor, e aquisição de equipamentos para as escolas, ao mesmo tempo em que encoraja a prática pedagógica dos diversos atores envolvidos, junto ao aluno recém-chegado. O Rio Grande do Norte, desde o início da década de 1990, do século XX, tem trabalhado na direção de um ensino inclusivo, compreendido como a “prática da inclusão de todos -- independentemente de seu talento, deficiência, origem cultural – em escolas e salas de aula provedoras, nas quais todas as necessidades dos alunos são satisfeitas” (STAINBACK, 1999, p. 21). Em 2003, o Rio Grande do Norte, aderiu ao Programa de Educação Inclusiva: direito à diversidade, lançado pelo MEC, que surge como política pública de desenvolvimento de sistemas educacionais inclusivos em 144 municípios-pólo, em todos os estados brasileiros, e no Distrito Federal. O foco dessa política recai na possibilidade real de se conviver com as diferenças humanas, em uma atmosfera de aprendizagem e respeito ao caráter heterogêneo e singular, peculiares à natureza humana, portanto rechaçando práticas educacionais excludentes. O fim gradual das práticas educacionais excludentes do passado proporciona a todos os alunos uma oportunidade igual para terem suas necessidades educacionais satisfeitas dentro da educação regular. O distanciamento da segregação facilita a unificação da educação regular e especial em um sistema único. Apesar dos obstáculos, a expansão do movimento da inclusão, em direção 152 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores a uma reforma educacional mais ampla, é um sinal visível de que as escolas e a sociedade vão continuar camihando rumo a práticas cada vez mais inclusivas (STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 44). 3 Instâncias de sustentação às escolas no desenvolvimento dos serviços e ações que favoreçam a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais No contexto de um processo sempre evolutivo de práticas educacionais inclusivas e, tendo como suporte o Programa de Educação Inclusiva: direito à diversidade, em 2003, a Suesp direciona seu trabalho, para fortalecer e aperfeiçoar as instâncias de sustentação ao processo de escolarização das pessoas com necessidades educacionais especiais, nas classes comuns da Rede Regular de Ensino, por meio dos seguintes serviços e ações educacionais: • Equipe de assessoramento técnico pedagógico a professores, equipe técnica das escolas, técnicos das coordenações de Educação Especial das 16 (dezesseis) Diretorias Regionais de Ensino (Direds), sediadas nos municípios do RN, universidades públicas e privadas, organizações não-governamentais, prefeituras municipais e famílias com orientação nas áreas de Educação Especial; • Serviço de intinerância: consiste no assessoramento às escolas com o objetivo de garantir o processo de escolarização de alunos com necessidades educacionais especiais, orientando as equipes técnicas e as famílias quanto às possibilidades de aprendizagem efetiva, além de registrar e analisar dados mediante produção de relatórios individuais e coletivos, encaminhar alunos aos serviços de apoio especializado, caso necessário, promover a formação continuada em serviço da própria equipe e aos demais docentes lotados nas escolas da rede. A equipe é composta por 24 (vinte e quatro) professores, revezando-se nos três turnos, atendendo escolas no município de Natal (RN) e na grande Natal. 3.1 Apoio pedagógico especializado • Centros de educação especial: centro de atendimento especializado nas áreas pedagógica, psicológica, psicopedagógica, psicomotora, fonoaudiológica e artes, com unidades em Natal (510 alunos), Mossoró (100 alunos), Areia Branca (72 alunos), Santa Cruz (90 alunos) e Apodi (129 alunos), desenvolvendo atividades de apoio ao processo de escolarização nas classes comuns da rede regular de ensino. • Centro de apoio pedagógico para atendimento às pessoas com deficiência visual -- Profª Lapissara Aguiar – CAP/RN: projeto instituído pela Secretaria de 153 Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão • • • • Educação Especial do Ministério da Educação (Seesp/MEC), em parceria com os estados, visando oferecer subsídios aos sistemas de ensino para o atendimento aos educandos com deficiência visual. Esse Centro garante às pessoas cegas e às pessoas de baixa visão (visão subnormal) o acesso ao conteúdo programático desenvolvido na escola de Ensino Regular, por meio da produção do material didático pedagógico em braille e sua transcrição para a escrita comum, até mesmo assessorando em provas, testes de concursos, vestibulares, entre outros. Esse serviço é destinado, prioritariamente, a alunos cegos ou de baixa visão matriculados na Rede Pública Estadual desde a Educação Infantil a Superior. O CAP no RN possui unidades em três municípios: Natal, Mossoró e Currais Novos. Centro estadual de capacitação de educadores e de atendimento às pessoas com surdez: projeto instituído pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, em parceria com os estados, visando oferecer subsídios aos sistemas de ensino para o atendimento aos educandos com deficiência auditiva e surdos. Esse Centro capacita e orienta profissionais da educação da rede regular de ensino, assegurando o princípio da igualdade e da oportunidade na escolarização, bem como oferece apoio pedagógico aos educandos surdos e orientação as suas famílias. O CAS no RN possui unidades em dois municípios: Natal e Mossoró. Núcleo de altas habilidades/superdotação: projeto instituído pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, em parceria com os estados, visando oferecer subsídios aos sistemas de ensino para o atendimento a alunos com nível de aprendizagem escolar acima da média, de sua faixa etária, série e/ ou habilidades específicas, tais como pintura, dança, música, esporte e outras. Esse Núcleo encontra-se em fase de implantação de seu atendimento, contando com uma equipe interdisciplinar já capacitada pelo MEC/Seesp. Salas de Apoio P edagógico Especializada (Sapes): Apoio Pedagógico oferecido Pedagógico no espaço escolar para alunos com necessidades educacionais especiais, em turno contrário ao de sua aula. Esse Apoio funciona em 10 (dez) escolas da rede pública estadual em Natal e 38 (trinta e oito) salas de apoio distribuídas nas Direds. Oficinas de linguagem: Serviço pedagógico oferecido aos educandos que apresentam dificuldades na área da comunicação e expressão: oral e escrita. 3.2 Eliminação de barreiras físicas e ambientais nas escolas • Acessibilidade física e ambiental das escolas: a Secretaria Estadual de Educação e Cultura (Seec/RN) tem buscado eliminar as barreiras arquitetônicas e ambientais das escolas, por meio de reformas nos seus prédios e construção de novos 154 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores estabelecimentos já adaptados. Boa parte dessas intervenções são feitas com recursos próprios do estado e, outras, via projeto MEC/FNDE/Seesp. • Equipamentos e materiais pedagógicos para as escolas: aquisição de equipamentos, materiais e mobiliários escolares fundamentais para o desenvolvimento das atividades pedagógicas, em classes comuns do Ensino Regular, nos Centros Especializados, Salas de Apoio Pedagógico e/ou Salas de Recursos Multifuncionais. Algumas dessas aquisições são com recursos próprios do estado e, outras, via projetos MEC/FNDE/Seesp. • Transporte Escolar Adaptado: A Seec/RN, mesmo sabendo que as frotas de transportes públicos devem garantir o direito de ir e vir de todas as pessoas, adquiriu com recursos próprios, em 2005, 3 (três) microônibus adaptados a pessoas com deficiências motoras graves, com o objetivo de garantir seu acesso e permanência na escola e em atendimentos especializados oferecidos por instituições/associações não governamentais, em dois turnos diários. 3.3 Programa de formação continuada Realização de cursos de capacitação para professores, equipes técnicas das escolas estaduais, coordenações de educação especial nas Direds, centros de apoio especializados, salas de apoio pedagógico e organizações não-governamentais de atendimento especializado, com o objetivo de compartilhar saberes que fundamentem a prática pedagógica dos educadores, favorecendo assim, a aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais em classes comuns do Ensino Regular. 4 Refletindo sempre para não concluir É notório que avançamos muito na garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. A educação como um direito social para todos reveste-se em um passo importante para a conquista e usufruto de outros direitos. Entre eles, o direito das pessoas com necessidades educacionais especiais conviverem com qualidade em uma escola verdadeiramente inclusiva. Esse é nosso sonho, essa é a nossa busca. Bem sabemos que essa conquista exige uma mudança de foco, causa-nos perplexidades por que desmonta com a seletividade social, com a seriação compartimentalizada do conhecimento e com nossas prisões ideológicas e racionalistas. Incluir a todos sem exceção é um exercício doloroso, é um aprendizado que exige crescimento pessoal e proporciona uma identidade social saudável, rica e humana. É por essas e outras teses que acreditamos na escola como um espaço privilegiado de trocas 155 Trajetória da Educação Especial no RN: da integração à inclusão democráticas, de saberes compartilhados e de respeito as múltiplas culturas que formam seu mosaico. Como todo o processo exige, estamos sempre refletindo sobre nossas práticas, removendo novas barreiras, articulando frentes para novos desafios e essencialmente acreditando que é possível aprender na diferença para sermos diversos. Referências BIELER, R. B. (Org.). Ética e legislação legislação: os direitos da pessoas portadoras de deficiência no Brasil. Rio de Janeiro: Rotary Club, 1990. COSTA, Disiane de Fatima Araujo da. Portadores de deficiência -- inclusão de alunos ensino: abordagem de direitos e processos de nas classes comuns da rede regular de ensino efetivação. 2. ed. Natal/RN: Efe Três D, 2006. MARTINS, Lucia de Araujo Ramos et al. (Org.). Inclusão Inclusão: compartilhando saberes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003. _________. Inclusão é o privilégio de conviver com as diferenças diferenças. Entrevista a Revista Nova Escola. Maio/2005. _________. Inclusão ou o direito de ser diferente na escola. Revista Construir Notícias Notícias. Recife, ano 3, nº 16, p. 12-13, Maio/Junho, 2004. QUEIROZ, Patricia. Educação inclusiva e gestão escolar escolar. Entrevista a Revista Gestão em Rede. Brasília: CONSED, outubro/2002. STAINBACK, W.; STAINBACK, S. Inclusão Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais especiais. Brasília: CORDE, 1994. 156 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Educação Inclusiva: um processo em construção Mércia Maria Melo dos Santos1 [email protected] Por que precisamos pensar em uma política de inclusão? É possível refletir no que significa incluir? Há tantos excluídos que talvez fosse mais fácil falar de exclusão. A inclusão muitas vezes ainda nos parece complexa, difusa, inviável, improvável... A inclusão é um processo dinâmico, envolvente, participativo, educativo e profundamente social. Por meio dela, aprendemos a vivermos juntos uns com os outros nas nossas diferenças, nos enriquecendo e, ao mesmo tempo, desenvolvendo valores mais humanos de respeito e aceitação do outro. Observamos que aceitamos melhor o sentido de diferenças quando elas não afetam o compartilhar dos nossos direitos com aqueles que não consideramos nossos pares. Assim, como fica essa tal diferença expressa na presença de deficiências sejam elas físicas, mentais, sensoriais, comportamentais, etc? As diferenças são construídas histórica, social e politicamente. As diferenças são sempre diferenças e existem independentemente da autorização, da aceitação e do respeito por elas. Como pessoas vivemos em diferentes espaços sociais. Como fica a presença de pessoas com deficiências/diferentes nas várias instituições sociais? E na escola? 1 A escola persegue o direito de todos? Atualmente, já parece que há um entendimento sobre ela como um direito de todos, mas como fica a qualidade dessa educação? Ter acesso à escola não é tarefa tão fácil, melhorou nos últimos anos e até podemos observar grande avanços. No entanto, como fica a educação de todos em um espaço que sempre foi tão seletivo, elitista e excludente? Podemos acrescentar que diante de um olhar mais atrás, já encontramos palpáveis mudanças. 1 Professora Especialista. Gerente de Educação Especial. Secretaria de Educação, Esporte e Lazer – Prefeitura do Recife. 157 Educação Inclusiva: um processo em construção Graças às leis e às iniciativas do poder público é possível observar que documentos internacionais são assinados com o firme propósito de implantar uma política pública de educação para todos. Também se trabalha na direção da inclusão, para romper com as discriminações, as exclusões, com as barreiras que impedem milhares de crianças e jovens e adultos terem acesso à escola. Em um país com tanta desigualdade, a primeira providência é trabalhar para educar o povo para a necessidade de romper com marcas dolorosas de uma história de exclusão logo, a escola é o foco de ação governamental nesse sentido. Fazem-se necessárias também outras ações políticas e, para tanto, se utilizar de alguns recursos e de reformas em políticas focalizadas. A Educação Especial no Município de Recife, com base na política de inclusão social da Rede, vem procurando desenvolver ações que atendam e amplie o direito educacional dos alunos com necessidades especiais, desde a educação infantil, ensino fundamental, educação de jovens e adultos até o ensino médio. O Censo Educacional de 2000 constatou que existiam 706 alunos com necessidades educacionais especiais inclusos nas escolas municipais do Recife e que de 2000 a 2004 esse percentual cresceu 71,9%. Temos 111 escolas que possuem alunos inclusos. O atendimento nas creches municipais cresceu 200% em quatro anos. Inclusão em creche – Condutas típicas. Creche Municipal V ovô Artur Vovô 2 Os avanços acontecem Hoje, contamos com 1.164 alunos especiais participando das Escolas da Rede Municipal de Recife, nas mais variadas áreas: 158 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores • Altas habilidades; • Baixa visão; • Cegueira; • Deficiência física; • Paralisia cerebral; • Deficiência mental; • Múltiplas deficiências; • Pessoas com surdez; • Surdocegueira; • Síndromes; e • Transtornos invasivos do desenvolvimento. Aluno com baixa visão em classe regular e deficiência física Escola Municipal Reitor João Alfredo 3 Educação é um direito de todos? Enquanto uns defendem que a escola é o espaço de conhecimento, socialização, domínio de habilidades para a vida futura, outros defendem que a escola é um espaço de favorecimento para o desenvolvimento social, das habilidades, para a ruptura de estereótipos e fortalecimento da socialização. Vemos uma gradativa transformação no sistema educacional inclusivo e um foco específico para aqueles que são vulneráveis à marginalização e exclusão. A Educação Inclusiva diz respeito à capacidade de atender a todos, até mesmo aos superdotados. Grupo de leituras do complexo Estudos sobre leituras do complexo Parceria NAAH/S/Psicologia Cognitiva -- UFPE 159 Oficina de música Educação Inclusiva: um processo em construção Entendemos também que Educação Inclusiva não se refere somente às pessoas com deficiência, assim o atendimento complementar para aqueles que apresentam Altas Habilidades precisa ser concretizado para que os potencias existentes não sejam desperdiçados. É possível reinventar a escola com o objetivo de atender toda a diversidade humana. Natação adaptada no Sport Clube do Recife 4 Mas não basta a inclusão física Como fazer? Pensa-se que a tarefa é mais árdua do que ela se apresenta nos textos legais uma vez que entre o legal, o legítimo, há o afetivo que não pode e não deve ser desconsiderado. É possível modificar essa realidade excludente? Faz-se necessário tomar esse projeto de escola para todos nas mãos de cada um, sem delegar ao outro o que é de responsabilidade nossa. Precisam ser gerados serviços de apoio para um processo inclusivo, pressupondo uma ação coletiva que modifique a essência do sistema educacional. Não é possível discriminar aqueles que não aprendem como os outros, olhando a diversidade humana existente em cada comunidade escolar. O aluno e família fazem parte do processo educacional e é necessário que todos sejam participantes desse mesmo processo. A Escola Inclusiva precisa valorizar a diversidade como um recurso valioso para a vida escolar e para o desenvolvimento de todos. O desenvolvimento físico deve ser também perseguido quando visamos à totalidade do ser humano, daí a necessidade de um investimento de corpo para um desenvolvimento integral do aluno. 160 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Natação adaptada no Sport Clube do Recife Projeto Judô para Vida no Sport Clube do Recife XXII Jogos Escolares das Escolas Municipais do Recife 5 Serviços de apoio Para funcionar como facilitador nesse processo de inclusão se faz necessária uma equipe interdisciplinar bem articulada, competente para trabalhar com os recursos humanos e materiais envolvidos nas escolas. Os professores especializados precisam envolver toda comunidade escolar e também as famílias para que esses alunos tenham espaço aberto na sociedade. Contamos em Recife com Professor Especializado, Salas de Apoio Pedagógico Especializado (Sapes), os Centros de Apoio Pedagógico (CAPs) e Classe Especial, nas escolas regulares da rede de Ensino. Não basta implantar os serviços, é preciso trabalhar em um projeto de reconstrução constante para que a escola exerça o seu papel social. As mudanças são necessárias para que os serviços não mantenham a dicotomia entre regular/comum e especial, perpassando por uma revisão curricular e avaliação do 161 Educação Inclusiva: um processo em construção desempenho escolar. A gestão escolar e o envolvimento da comunidade poderão estar organizados na elaboração do projeto pedagógico inclusivo da escola. A Educação Inclusiva é bastante abrangente e vai além das primeiras séries, passando por todas as etapas do aprendizado, atingindo também a Educação de Jovens e Adultos, contando até mesmo com a profissionalização dos mesmos. Logo, devemos lutar pela reorganização e reestruturação de nossas escolas e combater toda forma de discriminação, universalizando o acesso à educação para todos, respeitando as necessidades individuais. Seja a Educação Inclusiva uma prática de vida escolar e social na qual possa atender de forma racional, responsável e responsiva às necessidades de seus cidadãos. É inegável que precisamos continuar caminhando para superar preconceitos e segregação, isso é um desafio que depende de um esforço coletivo: do governo, da sociedade, professores, gestores, alunos, família e todos que estão envolvidos no processo da educação. É necessário que a Educação Inclusiva esteja alicerçada na democracia e na autonomia. Referências JERUSALINSKY, A. Psicanálise e desenvolvimento infantil infantil. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000. MEC. Educação inclusiva, documento subsidiário à política de inclusão inclusão. Brasília: Secretaria de Educação Especial, 2007. MONTOYA, A.O.D. Piaget e a criança favelada favelada: epistemologia genética, diagnóstico e soluções. Petrópolis: Vozes, 1996. UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais especiais. Brasília: CORDE, 1994. UNICEF. Saúde na Escola Escola: tempo de Crescer. Recife: 2004. 162 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível Rita Vieira de Figueiredo1 [email protected] Para transformar a nossa escola em uma escola que acolhe e inclui todas as crianças, é preciso que os gestores escolares e os dirigentes educacionais tenham consciência da urgência em se fazer investimentos de natureza diversas nas nossas redes de ensino. No entanto, inicio meu discurso sobre a construção da Escola Inclusiva refletindo sobre um desses investimentos: a formação do professor. Gosto de pensar na formação de professores (inspirada no poema de Guimarães Rosa) sob a perspectiva de que o belo da vida é essa possibilidade de que todos nós somos inacabáveis, estamos sempre mudando, afinando (acertando) e desafinando (errando). Essa talvez seja a Verdade Maior e o aprendizado da própria existência, da própria vida. O permanente movimento na sociedade humana implica o redimensionamento de papéis das agências ou instituições sociais e dos profissionais que as integram. Nesse contexto, a formação de professores passa por uma redefinição das competências e das principais funções a eles atribuídas. A formação inicial, bem como a formação continuada de professores visando à inclusão de todos os alunos e o acesso deles ao ensino escolar, precisa levar em conta princípios de base que os instrumentalizem para a organização do ensino e a gestão da classe, bem como princípios éticos, políticos e filosóficos que permitam a esses profissionais compreenderem o papel deles e da escola diante do desafio de formar uma nova geração capaz de responder as demandas do nosso século. No que consiste a educação, o cotidiano da escola e da sala de aula exige que o professor seja capaz de organizar as situações de aprendizagem considerando a diversidade de seus alunos. Essa nova competência implica a organização dos tempos e dos espaços de aprendizagem, nos agrupamentos dos alunos e nos tipos de atividades para eles planejadas. Dentre outros aspectos do ensino e da gestão da classe, oferecer uma variedade e uma sequenciação organizada de atividades, facilita a possibilidade de realizar um programa educativo adaptado às necessidades reais dos alunos para que possam adquirir e consolidar suas aprendizagens. Nessa perspectiva de ensino, o professor situa-se como mediador, considerando aspectos tais como: atenção às diferenças dos alunos; a 1 Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará. Doutora (Ph.D) em psicopedagogia pela Université Laval, Québec, Canada. 163 A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível importância de oferecer diferentes situações de aprendizagem; a organização dos alunos de forma que possibilite interações em diferentes níveis, de acordo com os propósitos educativos (grupo-classe, grupos pequenos, grupos maiores, grupos fixos). Para ser capaz de se situar em uma nova organização de ensino e de gestão da classe o professor precisa redimensionar seu sistema de crenças e valores. Dentre as diversas crenças que respaldam as práticas pedagógicas, ainda é muito forte a idéia de controle, especialmente no que se refere ao espaço da sala de aula. As mesas e as cadeiras ainda são organizadas de forma que todos dirijam o olhar para a professora, que, na maioria das vezes, está na frente dando as orientações do que os alunos devem fazer e, quase sempre, utilizando o quadro. Os materiais didáticos pedagógicos não ficam ao alcance das crianças, a professora controla o material e a forma como espaço é organizado. De acordo com Soares e Figueiredo (2007), o espaço é realmente um elemento essencial da abordagem educacional; É preciso revisitar essa noção de espaço educativo: o espaço em torno da escola; espaço hospitaleiro e acolhedor; espaço apropriado para diferentes idades e níveis de desenvolvimento; espaço organizado e espaço ativo; espaço que documenta; espaço que ensina. Compreender esse espaço é compreender uma gama de possibilidades partindo da prática educativa dos professores. Para organizar situações de ensino e o espaço da sala de aula com o intuito que todos os alunos possam ter acesso a todas as oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela instituição escolar, gestores e professores devem ter consciência de que o ensino tradicional deverá ser substituído por uma pedagogia de atenção à diversidade. O paradigma de escola que inclui, remete à reflexão de conceitos relativos à diversidade e à diferença. É importante assinalar -- embora pareça óbvio -- que diversidade e diferenças são manifestações eminentemente humanas, elas resultam das diferenças raciais e culturais, e também das respostas dos indivíduos relativamente à educação nas salas de aula. A diversidade é tão natural quanto a própria vida. Essa diversidade é formada pelo conjunto de singularidades, mas também pelas semelhanças, que une o tecido das relações sociais. Entretanto, parece que, na tentativa de garantir a promoção da igualdade, a escola está confundindo diferenças com desigualdades. Aquelas são inerentes ao humano enquanto estas são socialmente produzidas. As diferenças enriquecem, ampliam, são desejáveis porque a identificação/diferenciação, contribuem para o crescimento. As desigualdades, ao contrário, produzem inferioridade. A escola, para se tornar inclusiva, deve acolher todos os seus alunos, independentemente de suas condições sociais, emocionais, físicas, intelectuais, lingüísticas, entre outras. Ela deve ter como princípio básico desenvolver uma pedagogia capaz de educar e incluir a todos, aqueles com necessidades educacionais especiais, e também os que apresentam dificuldades temporárias ou permanentes na escola, pois a inclusão não se aplica apenas aos alunos que apresentam algum tipo de deficiência. 164 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Na compreensão de Booth e Ainscow (2000), a inclusão e a exclusão exprimem-se por três dimensões inter-relacionadas. São elas: política inclusiva, cultura inclusiva e práticas inclusivas. A primeira refere-se à inclusão como o centro do desenvolvimento e de transformação da escola, permeando todas as ações que visem à melhoria da aprendizagem e à participação de todos os alunos. Com efeito, são consideradas como apoio às atividades que ampliem e fortaleçam a capacidade da escola de responder, de forma eficaz, à diversidade dos seus alunos. Esse aspecto deve ser uma meta primordial dos gestores educacionais A dimensão da cultura inclusiva traz a possibilidade de se criar na escola uma comunidade acolhedora e colaboradora, em que todos sejam respeitados e valorizados. A comunidade inclusiva é a base para que todos os alunos obtenham êxito em suas aprendizagens. A dimensão das práticas educativas reflete as duas já apresentadas: a política e a cultural. Esse aspecto assegura que todas as atividades, tanto as de sala de aula como as extra-escolares, promovam a participação e o engajamento de todos os alunos, considerando os seus conhecimentos e as suas vivências dentro ou fora do âmbito escolar. Nessa perspectiva, o ensino e os apoios se integram, a fim de promover, gerir e suprir barreiras nas aprendizagens, bem como nas dificuldades de participação efetiva do todos os alunos nas práticas pedagógicas. De acordo com Booth e Ainscow (2000), a mudança necessária para tornar a escola inclusiva transita pelas três dimensões. Desse modo, é o desenvolvimento de uma cultura inclusiva que possibilita mudanças na política e, conseqüentemente, nas práticas pedagógicas. Assim, é fundamental olhar para escola na sua totalidade e articular as práticas educativas e intervenções no interior da escola na óptica dessas dimensões. Para que o respeito a diversidade se efetive nas práticas educativas se faz necessário um clima global sensível, que possibilite melhorar a situação de cada membro da comunidade educativa, pautada no compromisso e nas atitudes, em que alunos, gestores e professor se percebam partícipes de uma comunidade em que possam encontrar apoio mútuo. No percurso da inclusão os professores irão ampliar e elaborar suas competências e habilidades a partir das experiências que já têm. A formação continuada considera a formulação dos conhecimentos do professor, sua prática pedagógica, seu contexto social, sua história de vida, suas singularidades e os demais fatores que o conduziram a uma prática pedagógica acolhedora. Nessa perspectiva, os professores também são aprendentes. Leva-se em conta a diversidade e as diferenças que compõem o corpo docente da escola. É nesse lugar que o professor avança no modo de produzir a sua ação e, assim, vai transformando a sua prática. De acordo com Soares e Figueiredo (2007), 165 A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível Para transformar a escola é importante considerar o ponto de vista de cada professor, respeitar as diferenças de percursos, pois, apesar destes profissionais compartilharem experiências semelhantes, cada um reage de acordo com as características de sua personalidade, seus recursos intelectuais, emocionais, afetivos, seu estilo de aprendizagem, crenças, experiências pessoais e profissionais, entre outras. É importante ter uma escuta da prática pedagógica destes profissionais, criar situações para que possam refletir sobre o que significa aquela forma de atuar em sala de aula. Portanto, não se pode esperar que, na formação dos professores, todos desenvolvam no mesmo ritmo e no mesmo nível todas as competências necessárias ao trabalho profissional. Com bases nos princípios da escola inclusiva, a formação dos professores só poderá acontecer inscrita no espaço coletivo, que possibilitará uma mudança de cultura na escola, criando mecanismos para o desenvolvimento de uma cultura colaboradora, em que a reflexão sobre o próprio trabalho pedagógico seja um de seus componentes. Assim, educar na diversidade implica também vias formativas, que contemplam aspectos: teóricos e práticos que refletem nas bases atitudinais de todos os profissionais da escola. A atenção ao princípio da diversidade assegura que todos os alunos possam dividir um espaço de aprendizagem, de interação e cooperação, no qual professores, alunos, adultos, crianças e famílias possam conviver com semelhanças e diferenças, o que legitima o contexto da diversidade. O sentimentos dos professores nesse processo de construção de uma prática inclusiva é vivido de forma bastante peculiar por cada um deles que se mobiliza para essa experiência. Para ilustrar esse processo, permito-me apresentar aqui um texto escrito por uma professora da rede municipal de Fortaleza que embarcou no desafio de transformação da sua prática pedagógica. Finalizo minhas reflexões desejando que a voz a dessa professora possa ser porta-voz de tantas outras que, no anonimato do cotidiano, lutam para transformar a escola brasileira em uma escola de qualidade para todas as nossas crianças. Relato da experiência: a voz da professora2 Bem vindo à Holanda 1987 por Emily Perl Knisley “Ter um bebê é como planejar uma fabulosa viagem de férias para a Itália! Você compra um monte de guias, conhece a moeda local, faz um curso de 2 O texto completo está publicado no Encontro de Pesquisa Educacional do Norte Nordeste (EPENN), Maceió, julho, 2007. 166 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores línguas, em fim faz planos maravilhosos! O Coliseu. O Davi de Michelangelo. As gôndolas de Veneza. É tudo muito excitante. Após meses de antecipação, finalmente chega o grande dia! Você arruma as malas e embarca. Algumas horas depois você aterrissa. O comissário de bordo chega e diz: – “Bem vindo à Holanda!”. –“Holanda!?!” diz você –“o que quer dizer com Holanda!?!? Eu escolhi Itália! Eu deveria ter chegado à Itália. Toda minha vida eu sonhei em conhecer a Itália”. Mas houve uma mudança de plano de vôo. Eles aterrissaram na Holanda e é lá que você deve ficar. A coisa mais importante é que eles não te levam a um lugar horrível, desagradável, cheio de pestilência, a fome e doença. É apenas um lugar diferente. Logo você deve sair e comprar novos guias. Deve aprender uma nova linguagem. E você irá encontrar um novo grupo de pessoas que nunca encontrou antes. É apenas um lugar diferente. É mais baixo e menos ensolarado que a Itália. Mas, após alguns minutos, você poderá respirar fundo e olhar ao redor... E começar a notar que a Holanda tem moinhos de vento, tulipas e até Rembrants e Van Goghs. Mas, todos que você conhece estão ocupados indo e vindo da Itália... E estão sempre comentando sobre o tempo maravilhoso que passaram lá. E você dirá: “Sim, lá era onde deveria estar. Era tudo o que eu havia planejado”. Porém... Se você passar a sua vida remoendo o fato de não haver chegado à Itália nunca estará livre para apreciar as coisas belas e muito especiais... Sobre a Holanda”. Sou professora de Educação Infantil há 16 anos e venho por meio desse relato descrever um pouco sobre como foi receber uma criança com Síndrome de Down na minha sala de aula. Gostaria de comentar primeiramente que esse trecho, que utilizo como abertura dessa escrita, exemplifica um pouco o meu sentimento como educadora, ao receber pela primeira vez em minha sala de aula uma criança com Síndrome de Down. Quando li esse texto, percebi que eu me sentia como essa mãe que estava à espera de uma criança normal. Como educadora, eu realmente havia me preparado para fazer essa viagem à Itália e estive lá durante muito tempo da minha história como professora, mas, de repente houve uma mudança no plano de vôo e eu aterrissei em outro país. Eu me senti assim no momento em que eu recebi a Emanuela, aluna de 8 anos, em minha sala de 1ª série do ensino fundamental regular. Logo que soube que uma criança com deficiência mental viria para minha sala, senti-me muito insegura e ansiosa (as pessoas temem o que não conhecem ou o que ainda não vivenciaram, isso é fato!). Eu não acreditava que alunos com deficiência conseguiriam aprender e pensava que ter uma criança com deficiência mental em classe poderia, no máximo, trabalhar sua linguagem oral, socialização e coordenação motora ampla e fina. Quando muito, acreditava nos benefícios para a própria pessoa com deficiência sem, contudo, pensar que esses benefícios poderiam ocorrer para os demais alunos e para os adultos que compunham o corpo de profissionais da escola, até mesmo para mim, como pessoa e como educadora. Foi necessário rever meus conceitos e 167 A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível práticas. Sempre levei em conta as diferenças na aprendizagem de todos os meus alunos, reconhecia que cada um aprende de uma forma e em um ritmo próprio. A diferença foi agora tomar consciência disso na prática. A Emanuela me fez ver isso! A socialização de Emanuela com o grupo não poderia ter sido melhor. A aluna chegou ao mês de agosto, começo do segundo semestre do ano letivo de 2006. Percebi que logo no início, ao seguir com ela na fila até a sala de aula, muitas pessoas nos olhavam com curiosidade. Algumas mães chegaram a me perguntar: Você é a professora daquela meninazinha?! As crianças de sala a acolheram com alegria e a perceberam fisicamente como outra criança qualquer. Emanuela interagiu desde o começo muito bem com os colegas, participando dos momentos de rodinha, no qual se expressava livremente sobre os assuntos abordados na aula. Ela sempre se coloca e fala suas opiniões. A inclusão vem gerando tolerância e aprendizagem para os que estão diariamente na escola e para a comunidade em geral. A chegada dessa aluna provocou uma grande reflexão em todos da escola. Durante processo de adaptação de Emanuela, em alguns momentos, o grupo cobrou dela o cumprimento de regras que foram estabelecidas no início do ano, afinal, o grupo já constituído e consciente das regras estabelecidas, não aceitava o descumprimento dessas regras. Em uma conversa com a pesquisadora que vem acompanhando o processo de inclusão da Emanuela na escola, discuti sobre esse aspecto e a sua indicação foi a de que eu deveria agir com a circunstância da mesma forma como conduziria com qualquer outra criança. Então, percebi a necessidade de conversarmos sobre o assunto na sala, com a presença da Emanuela, pois era uma nova integrante que deveria estar a par dos combinados de convivência desse grupo que agora fazia parte. As regras passaram a ser lidas diariamente, o que anteriormente a sua entrada, não era mais necessário, exceto ocorresse alguma transgressão, uma vez que o grupo já as tinha internalizado. No decorrer de algumas atividades desenvolvidas em sala, percebi que o grupo verbalizava a forma com que ela participava e realizava algumas produções, por exemplo: o nível do seu desenho, de sua evolução escrita, a velocidade com que realizava as tarefas propostas, a dificuldade de percepção que manifestava em algumas situações... Essa circunstância percebida por mim na sala de aula, me despertou para a necessidade de trazer uma discussão sobre as diferenças na sala de aula a fim de fomentar o respeito e a valorização destas diferenças. Como no início do ano tínhamos trabalhado o assunto corpo humano, decidi rever esse conteúdo, agora em uma perspectiva inclusiva. Observamos e discutimos sobre as características físicas das pessoas: peso, altura, cor da pele, cabelo, olhos, sobre os sentimentos de tristeza, alegria, sobre gostos etc. Assim, juntos percebemos que todos são diferentes, pensam diferentes, agem diferentes, e que devemos respeitar essas diferenças humanas. Muitas histórias (poesia, músicas, literatura infantil) que tratavam sobre esse assunto foram contadas, desenhadas, copiadas e/ou reescritas em grupo. 168 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Em relação ao planejamento pedagógico para as aulas, no início, eu fazia como sempre fiz, não tinha nenhuma alteração maior, mas com a chegada de Emanuela, em alguns momentos, eu senti cada vez mais a necessidade de, em alguns momentos, utilizar estratégias que promovessem o seu aprendizado, mas não sabia quais. Hoje, acrescento já desde o planejamento, atividades e/ou estratégias que utilizarei com ela, caso ela não acompanhe o ritmo do grupo ou as proposições feitas. Outros alunos se beneficiaram enormemente dessas mesmas estratégias e apoios ofertados. Nessa caminhada para Educação Inclusiva tive o total apoio da pesquisadora da universidade Federal do Ceará que me acompanha e que ali faz um trabalho sobre a atenção à diversidade e a construção de uma escola inclusiva, acolhedora e de aprendizagem para todos os alunos. Assim, no dia-a-dia, fui impelida a me tornar uma professora-pesquisadora sobre a deficiência e fui buscando estratégias escolares e procedimentos didáticos mais adequadas para trabalhar com a Emanuela e com a minha turma toda. Algumas dessas estratégias fracassaram, não surtiam o efeito esperado, outras eu percebia que se adequavam mais, que ela respondia melhor, que ocasionavam melhor envolvimento da aluna e, portanto, cumpriam sua função pedagógica de fazê-la avançar na construção de conhecimentos, da consolidação de novas aprendizagens, fazendo-a avançar no plano do desenvolvimento global. Fui fazendo opções por procedimentos que lhe proporcionassem mais autonomia e interação com o grupo. A cada dia aprendo um pouco mais com ela, observando-a, utilizando novas estratégias que possam de alguma forma favorecer cada vez mais o seu desenvolvimento social e cognitivo. Nas minhas observações, tendo o foco sobre a Emanuela, a busca era identificar suas potencialidades e suas necessidades, além da seleção das formas de apoio que poderiam melhor ajudá-la a superar as dificuldades. Percebi que ela participava das situações recreativas com mais satisfação. A partir dessa constatação, passei a planejar mais atividades corporais e artísticas, para o grupo, visando principalmente a Emanuela. Assim, explorava cada vez mais as atividades que desenvolvessem percepções, coordenação motora, seqüência de movimentos, ritmos, etc. Emanuela executava essas atividades de forma mais lenta, mas sempre chegava ao objetivo proposto. Em todas as situações de sala, eu procurava estar sempre ao seu lado, estimulando-a e orientando-a no que fosse necessário para que ela concluísse a tarefa. Percebi também o quanto à turma toda ganhava com a sua presença; vi também a importância de não priorizar somente à aprendizagem dos conteúdos educacionais em detrimento da aprendizagem da vida. Comecei a perceber suas respostas em diversos momentos da roda (momento principal em que socializamos os assuntos estudados, conversamos, ouvimos histórias, cantamos, rezamos) e a identificar que Emanuela demonstrava coerência em relação ao assunto. Eu sempre estava estimulando-a a falar: Emanuela demonstra um vocabulário rico em palavras, mesmo algumas sendo pronunciadas com dificuldades. 169 A construção da Escola Inclusiva: uma meta possível Nas atividades que tinham como objetivo favorecer a escrita e a leitura, Emanuela a princípio, não se interessava muito, sempre que solicitada a participar juntamente com seu grupo demonstrava inquietação e desinteresse, não concluindo a atividade. Passei a ficar mais perto dela, interferindo, perguntando, estimulando e parabenizando pelos seus progressos e mostrando a turma o que ela realizava (faço isso comumente com os alunos do grupo). Observei seu nível de escrita e a planejei situações didáticas objetivando interações com crianças de outros níveis, fazendo agrupamentos, favorecendo a cooperação e oportunizando a troca de conhecimentos entre todos. Emanuela encontra-se no nível présilábico, mas já identifica boa parte das letras do alfabeto e associa as letras aos nomes dos colegas de sala. Ela ainda não reconhece o valor sonoro das palavras e sua escrita é representada utilizando sempre as letras do seu nome. Percebo ultimamente que ela ampliou o seu interesse pelas atividades que envolvem linguagem escrita, já manifesta vontade de estar em contato com livros de histórias, se interessa pelas leituras, desenha, faz recontos, mesmo ainda sem atribuir uma seqüência de fatos, ou produzir escritas convencionais. Em relação à matemática, os objetivos de trabalho foram sempre desenvolvidos por meio de uma atividade recreativa ou jogo de regras, por isso não tive a necessidade de rever estratégias nesta área, pois Emanuela participa com interesse dos objetivos propostos. Nunca aprendi tão verdadeiramente sobre o que representava a palavra processo. A cada dia percebo que cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprias. Vale ressaltar que qualquer criança mesmo aquelas ditas normais, podem em qualquer período de sua escolarização, enfrentar dificuldades para aprender ou para ser aceita na comunidade escolar. Essas dificuldades de aprendizagem surgem no dia-a-dia da escola e todas as mudanças geradas para superar tal situação e as tentativas de responder às necessidades de aprendizagem das crianças, são formas de inclusão. Assim, começo a perceber que a inclusão não depende de diagnósticos médicos ou da identificação de categorias de deficiências, na qual muito mais se discrimina o sujeito por suas características individuais do que se caminha para uma compreensão das diferenças. Cada vez mais percebo que a inclusão é um posicionamento que cria oportunidades para todos os alunos aprenderem por meio do uso de estratégias diversificadas de ensino. Aprendi ainda que lidar pedagogicamente com essas crianças não se restringe apenas à participação em formações especializadas ou cursos de capacitações voltados para as deficiências, pois é primordialmente à reflexão sobre a prática em sala de aula que deve se somar ao conhecimento científico. Sei da necessidade e da importância de se buscar mais e mais conhecimentos sobre o tema inclusão. Relembrando o texto lido, anteriormente citado, acredito que a mudança do meu vôo me levou a perceber que neste lugar diferente também há muitas coisas semelhantes, boas e especiais. Aprendi nesse percurso que são de singularidades e de diferenças que nos constituímos como humanos! 170 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Os sistemas de ensino e os programas curriculares deveriam se organizar de modo que levassem em conta todas as diferentes características e necessidades das crianças. As escolas deveriam apresentar um meio mais eficaz para combater as atitudes discriminatórias em relação a qualquer condição diferenciada de seus alunos, criando comunidades verdadeiramente acolhedoras em busca de construir uma sociedade mais justa e tolerante e, assim, alcançar a educação para todos. Agradeço a toda equipe do grupo de pesquisa Gestão da Aprendizagem na Diversidade, coordenado pela professora Rita Vieira de Figueiredo da Universidade Federal do Ceara, que tem contribuído para essa discussão, pela presença de pessoas com necessidades educacionais especiais nas turmas da educação comum, que vem mostrando a todos nós educadores, às escolas e à sociedade em geral a necessidade já antiga de transformar concepções e práticas para atender a todos os alunos, sem discriminação de qualquer natureza. Trata-se sem dúvida de uma proposta justa, eminentemente humana e de legalidade jurídica, que garante a todos o direito de aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e a aprender a conviver... nas diferenças. Adriana Freire, hoje, educadora inclusiva! Referências BOOTH, T.; AINSCOW, M. Indicie de Inclusion: desarollamdo el aprendizaje y la escuelas. Centr for studies on Inclusive education: Bristol UK, participation en lãs escuelas 2000. FIGUEIREDO, Rita Vieira. O ato pedagógico como possibilidades de prazer, engajamento e significado: possibilidades de inclusão no contexto de exclusão social. Revista Pedagogia em Debate Debate. PUC Curitiba, 2006. LUSTOSA, Francisca Geny; FREIRE, Adriana Melo. Bem vindos a Inclusão! Relatos de uma professora sobre a experiência de receber alunos com deficiência no sistema regular de ensino. EPENN, Maceió, 2007. SOARES, Cristina Façanha; FIGUEIREDO, Rita Vieira. Por uma prática pedagógica inclusiva na educação infantil infantil. Prelo Recife, 2000. THURLER, M. G. Inovar no interior da escola escola. Porto alegre: Artmed, 2001. 171 172 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil Marilda Moraes Garcia Bruno1 [email protected] 1 Introdução O conceito de educação infantil como direito social é relativamente recente no ideário da política brasileira. Constituiu-se com a luta dos movimentos sociais no fim da década de 1980, a partir da Constituição Federal de 1988, quando foi assegurado o direito e a garantia de acesso a todas as crianças a creches e pré-escolas nas suas comunidades. A educação infantil foi concebida como dever do Estado e opção da família. Até esse período, a política vigente para a infância era de cunho social e assistencialista. A creche, sem fins educativos, tinha como meta compensar as carências, o abandono, a pobreza e outras mazelas sociais. As crianças de 0-6 anos eram atendidas em creches mantidas por instituições sociais e comunitárias, tendo em vista minimizar os riscos sociais pelas ações eminentemente centradas no cuidar. Essa política assistencial não se destinava a todas as crianças, apenas ao atendimento de crianças sem deficiências. O processo de legitimação da exclusão desse grupo social pode ser entendido, conforme Bourdieu (1999, p.193), como diferentes tipos de “gratificações econômicas e simbólicas correspondentes às diferentes formas desta relação que se define o grau em que se enfatiza objetivamente a pertinência ou a exclusão”. Esse processo de relação excludente e assistencialista começa a ser superado pelos princípios socioantropológicos e éticos da educação infantil como direito social garantido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)/1996. Essa legislação concebe a educação infantil como a primeira etapa da educação básica nacional, com metas e objetivos voltados não só para o cuidar como também para o educar. Por esse viés sociocultural e democrático, a educação infantil torna-se espaço privilegiado para lidar com a diversidade, diferenças culturais, sociais, bem como para combater a situação de desigualdade e exclusão em que viviam as crianças com deficiência. 1 Doutora em Educação pela UNESP/Marília/SP, Professora da Faculdade de Educação e Programa de Pós-Graduação da UFGD; Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Inclusiva Gepei. 173 A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil Passados mais de dez anos da promulgação dessa legislação, torna-se importante analisar a viabilização de programas e estratégias utilizadas para a implementação da política de inclusão na educação infantil. Esse ensaio tratará inicialmente de discutir a inclusão na Educação Infantil a partir do contexto político nacional, focalizando o discurso, o texto, as estratégias, as contradições e os desafios presentes nesse campo. A seguir, serão apresentadas algumas contribuições de estudos e pesquisas que nos sinalizam como se desenvolve a operacionalização da proposta de inclusão nos Centros de Educação Infantil. Por fim, retratará a prática de inclusão explicitada por meio das experiências, dos dados estatísticos, de pensamentos e ações manifestos pelas singularidades e interesses dos diferentes atores sociais que elaboram as políticas públicas. 2 A política pública de inclusão no contexto da educação infantil: o discurso e o texto Esse estudo parte do princípio de que as políticas públicas são ações complexas invisíveis, em constante modificação e transformação. A política, conforme Palumbo (1994, p. 350), “é um processo, uma série histórica de interações, ações e comportamentos de muitos participantes”. O autor comenta que uma proposta política não pode ser observada, tocada ou sentida. Ela tem de ser inferida a partir da série de ações e comportamentos intencionais de muitas agências e funcionários governamentais responsáveis pela sua implementação ao longo do tempo. Por esse caminho, proponho-me a analisar as políticas públicas para a inclusão educacional na educação infantil, as leis, os programas, os referenciais curriculares e as estratégias educacionais, verificando as possíveis interdependências e relacionamentos no seu processo de elaboração e implementação. A preocupação com a inclusão de crianças com deficiência no cenário educacional brasileiro é recente. Surgiu com o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) criado pela Lei nº 8.069/1990. Esse documento trata da proteção integral da criança e estabelece o direito à educação como prioritário para o pleno desenvolvimento humano e preparo para o exercício da cidadania. Assegura a todas as crianças “a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, o direito de ser respeitado por seus professores e o acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.”(Art. 35). A política nacional de educação inclusiva assume as recomendações da Declaração de Jomtien (Tailândia, 1990) e da Declaração de Salamanca (1994), a qual enfatiza que o êxito da escola inclusiva depende: da identificação precoce, da avaliação, da estimulação de crianças com necessidades educativas especiais, desde as primeiras idades, e da preparação para a escola como forma de impedir condições incapacitantes. Seguindo esses princípios, a Política Nacional de Educação Infantil (1994) concretiza-se por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)/1996, que assegura a conquista 174 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores democrática da igualdade de direitos em relação à educação infantil, concebe-a como a primeira etapa da educação básica, que tem por finalidade o desenvolvimento integral de “todas” as crianças, do nascimento aos seis anos (art. 58), até mesmo as com necessidades educacionais especiais. Assim a LDB trouxe, como responsabilidade dos sistemas municipais de educação, a estruturação e a organização de creches (0-3 anos) e pré-escolas (4-6 anos), hoje cinco anos, mediante apoio financeiro e técnico dos estados e da União. Para a implementação dessa proposta, foi elaborado o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (Brasil, 1998), que enfatizava como eixo do projeto pedagógico a diversidade, a interação, a comunicação, o brincar, a socialização das crianças por meio de sua participação nas diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma. A recomendação para a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais foi feita nesse documento de forma ligeira e superficial. De forma um pouco mais abrangente, o Plano Nacional de Educação (2001) orienta a ampliação do atendimento educacional na educação infantil, de programas de detecção precoce para identificação das alterações no processo de desenvolvimento e de medidas de prevenção na área da deficiência visual e auditiva. As Diretrizes Nacionais de Educação Especial na Educação Básica (2001) colocam como desafio para os sistemas estaduais, municipais e comunidades escolares construírem uma educação que atenda à diversidade e às necessidades educacionais especiais de todos os seus alunos.No que concerne à Educação Infantil, esse documento não aprofunda questões de âmbito político, de organização do sistema e da elaboração de projetos pedagógicos. Cabe pontuar que os Planos Municipais de Educação, nessa última década, têm se esforçado para ampliar o atendimento dos Centros de Educação Infantil em muitos municípios brasileiros. Não obstante, os direitos adquiridos tanto pelas crianças das classes populares quanto pelas crianças com deficiências estão longe de serem garantidos na sua integralidade. Observa-se a falta de diretrizes políticas específicas para essa população, ausência de articulação e integração entre os níveis responsáveis pela elaboração e implementação dessas políticas e, principalmente, a falta de previsão de recursos financeiros para a expansão da rede de educação e a baixa qualidade dos projetos educativos. Dados levantados (MEC/INEP, 2002) apresentavam indicadores de que apenas 13,47% das crianças brasileiras tinham acesso a creches nas suas comunidades. Bobbio (1999), ao discutir as teorias democráticas e pluralistas da sociedade, pondera que o estado alarga a participação do poder político estreitamente ligado ao poder econômico. Enfatiza que o poder e a democracia não estão nas instituições do governo local, mas nos grupos menores, formais e informais. “É nessas comunidades, na capacidade de se formar rapidamente sob a pressão das necessidades imediatas que reside o verdadeiro espírito da democracia” (p.17). Esse teórico reconhece a importância dos grupos, dos diferentes interesses de uma sociedade complexa, da luta pelo poder, do jogo de forças, e dos conflitos entre o momento de força e o momento de consenso. 175 A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil Nesse sentido, tornou-se consenso desde as Diretrizes Nacionais de Educação Especial na Educação Básica (2001) que o atendimento educacional especializado deve iniciar-se em creches e pré-escolas, mediante ações conjuntas da escola, da família e da comunidade. No entanto, o que se observa no mundo fático é que os programas de intervenção precoce (0-3 anos) ocorrem em instituições especializadas, muitas delas destituídas dos princípios da educação inclusiva. Embora o avanço conceitual da legislação, enfrentam-se, na prática, três grandes desafios para a inclusão na educação infantil. Primeiro, a limitação de ofertas de vagas na faixa etária de 0-5 anos em creches e pré-escolas; crianças pobres e deficientes freqüentam creches comunitárias, sem espaço e tempo adequados para o brincar e o aprender. O segundo, é a falta de professores com formação para lidar com a diversidade, com as especificidades das crianças pequeninas e com as necessidades educacionais especiais. Em terceiro plano, nem por isso menos importante, os profissionais capacitados na área da educação especial, que raramente são habilitados no campo da educação infantil. Em relação às políticas de educação infantil, Kramer (2006, p. 802) pondera que os direitos das crianças “consideradas cidadãs foram conquistados legalmente sem que exista, no entanto, dotação orçamentária que viabilize a consolidação desse direito na prática”. Ela indica para a necessidade de consolidação de um projeto educativo para a infância, com a exigência de formação de profissionais para educação infantil, assim como o reconhecimento de sua condição de professores. Observa-se na prática, principalmente nas regiões periféricas dos grandes centros urbanos e nas cidades do interior, que o atendimento ocorre em creches comunitárias na esfera da assistência. Os profissionais que atuam nessa faixa etária, tanto professores como recreadores, não têm formação no campo das especificidades da infância e do conhecimento pedagógico que lhes permita trabalhar com os conceitos de interculturalidade, flexibilidade, adequação curricular e educação bilíngüe. Pesquisadores de orientação sociológica pós-moderna como Ball e Bowe (1992) nos ajudam a refletir sobre a distância existente entre a política pública e a prática na área educacional. Esses autores enfatizam a natureza complexa e controversa da política educacional, explicam a diferença entre a política como texto e política como discurso. A primeira diz respeito a representações codificadas de maneira complexa, terá leituras diferenciadas de acordo com a pluralidade de leitores. Os textos são produtos de múltiplas agendas e influências e sua formulação envolve intenções e negociações dentro do Estado e no processo de formulação da política. Nesse processo, apenas algumas influências e agendas são reconhecidas como legítimas e algumas vozes são ouvidas. No Brasil, o discurso da política de inclusão social e educacional surgiu no governo neoliberal e foi ampliado pelo atual governo de cunho socialista e pluralista. Entretanto, as agendas de ambos os governos não aprofundaram o debate sobre os meios, os fins 176 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores e as estratégias para a implementação da política de ampliação da rede de educação infantil. Assim, os discursos ampliam-se, generalizam-se e contraditoriamente, distanciam-se dos fundamentos e princípios que os balizaram: assegurar a igualdade de oportunidades, o direito à diferença e a escola de qualidade para todos desde o nascimento. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Brasileira (Fundeb)/2007, regulamentado pela Lei nº 11.494/2007, traz como promessa contemplar investimentos para educação integral da criança desde o nascimento. Parece-nos que não prioriza especificamente esse nível de ensino, pois os recursos serão destinados na mesma proporção que aos demais níveis e modalidades de educação. O que traz de novo é o investimento na formação continuada de professores e o incentivo à pesquisa no campo da educação infantil. Ball (1994) discute que as políticas deveriam ser analisadas em termos de seus impactos nas relações e nas interações com as desigualdades existentes. Os efeitos gerais da política tornam-se evidentes quando aspectos específicos de mudanças e um conjunto de respostas são observados na prática. Sugere que a análise da política deve envolver o conjunto de proposta, as questões mais amplas, as políticas locais e as amostras de pesquisas. Seguindo essa tendência analítica das políticas sociais passemos a apreciar o que dizem os estudos e pesquisas sobre o processo de inclusão de crianças com deficiência na educação infantil. 3 Programas e estratégias para a inclusão na educação infantil: o que falam os estudos e pesquisas A análise discursiva das políticas de educação infantil indica avanço significativo no que diz respeito ao caráter de proteção, acesso, universalização e redistribuição das políticas educacionais sociais, atribuindo maior responsabilidade aos municípios quanto à expansão, estruturação e implementação de sistemas educacionais inclusivos. Dados de avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2003) indicam que a ampliação de creches foi de 7,3% e na pré-escola o crescimento foi na ordem de 3,7%. Entretanto, para cumprir as metas do Plano Nacional de Educação seria necessário, no mínimo, quadruplicar esses dados. Há grandes capitais brasileiras com índice menor de 10% da população infantil com acesso a creches e préescolas. Estratégia consistente para a implementação de políticas de inclusão educacional foi o Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade (MEC/Seesp, 2003). Programa concebido como um novo tempo, destina-se a apoiar estados e municípios na tarefa de reorientar as escolas para que se tornem inclusivas e de qualidade. Conforme Alves e 177 A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil Barbosa(2006), esse programa materializa a política pública de desenvolvimento de sistemas educacionais inclusivos em 147 municípios-pólos em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal. Tive a oportunidade de participar como mediadora de grupos de discussão e formação de gestores e professores em alguns municípios, o que me permite avaliar essa importante iniciativa. Entendo que essa ação constitui-se como o início do debate acerca da diversidade cultural, dos direitos sociais; serviu para desmistificar conceitos, combater preconceitos, trabalhar com os marcos legais e sensibilizar gestores e educadores para o compromisso com a escola inclusiva. Outra medida política favorável à implementação da escola inclusiva diz respeito ao Programa Pró-libras, o projeto Educação de Surdos, com materiais para estudo a distância e a criação do sistema de suporte por meio da organização de salas de recursos multifuncionais destinadas ao atendimento educacional especializado no contexto da escola. No âmbito da educação infantil, foram elaborados pelo MEC/Secretaria Nacional de Educação Especial, em parceria com universidades, especialista e instituições especializadas, o documento Saberes e Práticas da Inclusão (2003) com o objetivo de apoiar as creches e pré-escolas com informações sobre as necessidades educacionais especiais, estratégias didático-metodológicas específicas, recursos especiais e condições de acessibilidades para responder às necessidades dessa população. Esses programas e estratégias governamentais para a implementação e operacionalização da política de inclusão foram medidas adotadas no âmbito do Ensino Fundamental. As capacitações ocorreram na maior parte dos municípios-pólos, envolvendo profissionais que atuam a partir das séries iniciais de escolarização. O debate sobre a política e a prática pedagógica nos centros de educação infantil está ainda por ser efetivado. Em virtude desse fato, verifica-se que os documentos sobre a inclusão na educação infantil não têm chegado aos Centros de Educação Infantil. São poucos os municípios que realizaram discussões, capacitações e estudos sobre os princípios e fundamentos da inclusão e construíram propostas para a inclusão nesse nível de ensino. Laplane (2006), em estudo sobre as condições para a implementação de políticas de Educação Inclusiva no Brasil, questiona sobre a dificuldade de implementar políticas de Educação Inclusiva em nosso país; enfatiza a larga brecha entre as políticas e as práticas. Entende que a contradição no âmbito educacional remete às condições sociais amplas e à tendência excludente da dinâmica social (2006, p. 710). Essa relação do discurso político com a prática envolve, de acordo com Bowe e Ball (1992), identificar processos de resistências, acomodações, subterfúgios entre os profissionais e o delineamento de conflitos e diferentes interesses na esfera da prática cotidiana. 178 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Pesquisa realizada em todos os estados brasileiros (Bueno et al. 2003) verificou que há uma ênfase em relação à organização de serviços destinados a educandos com deficiência no ensino regular. Entretanto, não há indicação em relação a integração entre a educação especial e o ensino regular. Pesquisas sobre as práticas educativas no contexto da educação infantil são poucas em nosso meio. Tetzchner et al. (2005) estudam a inclusão de crianças com deficiência e necessidades de comunicação suplementar e alternativa na educação pré-escolar; mostraram os benefícios que os ambientes e as práticas inclusivas podem acarretar para crianças que estão desenvolvendo a comunicação. Concluem que ambientes segregados e escolas especiais não têm influência positiva no desenvolvimento de linguagem dessa população. Estudos de Bruno (1999, 2003) sobre a prática pedagógica evidenciaram a ausência de discussão sobre a construção de espaços inclusivos nos Centros de Educação Infantil; há falta de escuta e acolhida dos pais e crianças com deficiência, de reflexões sobre as atitudes, posturas e adequação da prática pedagógica para o atendimento das necessidades educacionais especiais. A autora defendeu o atendimento educacional especializado com programas de intervenção precoce centrados na família e voltados para a inclusão das crianças desde cedo em creches, mediante ação compartilhada entre os serviços de educação especial e os Centros de Educação Infantil. Monte (2006) estudou a inclusão de crianças com deficiência mental a partir das concepções e perspectivas de educadoras de creches do Distrito Federal, as quais não se perceberam como agentes de mudança em direção à inclusão, mas como expectadoras que dependem de fatores externos, como por exemplo, vontade política, financiamento da educação e formação para atuar com crianças com necessidades educacionais especiais. Das creches pesquisadas, quarenta e cinco educadoras indicaram que estão distantes de terem condições de oferecer atendimento educacional inclusivo e de responder de forma efetiva às necessidades educacionais especiais das crianças, cujo atendimento ainda é muito inspiente. Laplane (2006) discute as propostas centradas nos aspectos práticos da inclusão: formação, o repertório de ensino e sentimentos dos professores em relação aos alunos com necessidades especiais. Enfoca a complexidade, limites e possibilidades dessa tarefa; sugere ser mais produtivo discutir a questão no terreno das práticas educativas que difundir um discurso ingenuamente otimista que proclama a celebração da diversidade, sem oferecer ao educador elementos necessários para situar-se na realidade que irá enfrentar (2006, p. 711). Os resultados de pesquisas sobre a inclusão de crianças com deficiência visual na educação infantil, na Bahia, realizado por Galvão (2004) e Araújo (2007) revelam alguns obstáculos: ausência de vagas para crianças com deficiência nas regiões periféricas, formação insuficiente do professor da sala regular, condições precárias das escolas, inadequação do material didático e pedagógico, indiferença do professor e desconhecimento quanto às condições perceptivas dessas crianças. 179 A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil Para a criança surda, a educação bilíngüe desde cedo é prioritária; o acesso à língua de sinais permite que “desfrutem da possibilidade de adentrar o mundo da linguagem com todas as suas nuances”(QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 20). As autoras ponderam que isso depende da escola, de decisões político-pedagógicas; em cada estado brasileiro há diferentes proposta, há escolas com professores que desconhecem libras, não têm estrutura, recursos humanos para garantir aos alunos surdos o direito à educação, à comunicação e à informação. Parece-nos que essas questões até aqui levantadas não dependem apenas da escola. Torna-se, então, necessário retomarmos as questões sobre a formulação das políticas públicas. Bowe e Ball (1992) discutem três contextos principais de elaboração das políticas: o contexto da influência, o contexto da produção do texto e o contexto da prática. Esses contextos estão relacionados, apresentam arenas, lugares, grupos de interesses e cada um deles envolve disputas e embates. As pesquisas apresentadas deixam transparecer que os gestores, professores e pais de crianças com necessidades educacionais especiais, embora não excluídos do processo de elaboração do texto da política, ainda não se articularam no contexto para o debate sobre as barreiras, os desafios e as perspectivas para a implementação de ações, tendo em vista a melhoria das condições estruturais e a qualidade da prática pedagógica nos Centros de Educação Infantil. 4 O contexto da prática: experiências exitosas e desafios A educação de qualidade com a construção de um currículo voltado para diversidade cultural e atendimento às necessidades específicas e educacionais especiais é o grande desafio que enfrentam os Centros de Educação Infantil em nosso meio. O Brasil, não obstante os dados levantados nas pesquisas, já apresenta experiências pontuais, bem-sucedidas de inclusão de crianças com deficiência em vários estados da federação. Dados da evolução da educação especial no Brasil levantados pelo Censo Escolar Secretaria Nacional de Educação Especial MEC/INEP/2007 indicam que a política de inclusão de alunos com deficiência avançou no período de 1998-2006, em um percentual de 193% das matrículas em classes comuns do ensino regular. Nesse mesmo período, as matrículas em escolas especiais tiveram um crescimento de 56%, com índice de 89% dos municípios brasileiros que ofertam atendimento na educação especial. Esse avanço não se observa no âmbito da educação infantil; 80% das matrículas de crianças com deficiência ocorrem em creches e pré-escolas de Instituições Especializadas (MEC/INEP/2003). Levanta-se a hipótese de que com as atuais relações sociais e políticas vigentes (dependência das famílias e do poder público das instituições filantrópicas) a exclusão social, especialmente dos grupos mais vulneráveis, tende a reforçar políticas 180 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores assistencialistas e privatizantes, limitando de forma significativa as possibilidades das escolas públicas (FERREIRA, 2006, p.109). Persistindo a contradição, o Censo MEC/INEP/2007 evidencia o mesmo quadro de exclusão: são 370.530 matriculas de crianças na educação infantil na faixa etária de 0-4 anos, das quais apenas 3.845 estão matriculadas em classes regulares e 30.279 em escolas e classes especiais (88,7%). Na pré-escola, há um total de 78.864 de matrículas, sendo que 57.804 (73,3%) encontram-se em escolas ou classes especiais e 21.060 em escolas regulares. Os dados revelam a ausência de políticas específicas e diretrizes para a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais nessa etapa de ensino. O vazio deixado pelos diferentes níveis de governo abre a brecha para o fortalecimento das escolas especiais que se constituem, principalmente no interior do país, nas únicas possibilidades de educação e atendimento educacional especializado para as crianças com deficiência. Cabe refletirmos com Ball, Bowe, 1992 e Mainardes, 2006, que os discursos políticos são construídos e as políticas públicas são iniciadas no contexto de influência, ou seja, onde os grupos de interesses disputam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação e do que significa ser educado. Os atores do contexto de influência são as redes sociais dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do legislativo. Os autores enfatizam que é nesse contexto que os conceitos ganham legitimidade e formam um discurso de base para a política. Indicam ainda os meios de comunicação, as comissões e grupos representativos como lugares de articulação e de influência. Esse quadro pode ser revertido com a disposição política e mediante a participação das universidades na formação inicial e continuada de professores para a construção da inclusão nos Centros de Educação Infantil.Várias universidades brasileiras já desenvolvem ações de extensão voltadas à formação de professores do ensino fundamental. Essa discussão precisa acontecer no âmbito da educação infantil, tendo em vista a melhoria da qualidade de formação humana e social do professor, conseqüentemente, das crianças desde pequenas. Nesse sentido, a UFGD reviu o seu projeto político pedagógico e oferece as disciplinas voltadas à diversidade e à inclusão educacional: Currículo e Diversidade Cultural, Educação Indígena, Fundamentos da Educação Inclusiva, Educação Especial nas quais enfatiza o estudo das necessidades específicas e educacionais especiais e introdução aos estudos de Libras. Realiza, por meio do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Inclusiva da UFGD, seminários, colóquios, oficinas de trabalho e estudos com grupos focais envolvendo gestores, coordenadores, professores, pais, acadêmicos de Pedagogia e Licenciatura Indigena para a discussão sobre as intencionalidades, a dimensão epistemológica e prática com reflexões críticas sobre as atitudes, posturas, saberes, práticas pedagógicas e, principalmente, sobre as ações para implementação da política de inclusão na educação infantil. Esses estudos levam em consideração que os profissionais que atuam no contexto da prática não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos. Eles 181 A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil vêm com suas histórias, experiências, valores e propósitos (...) Políticas serão interpretadas diferentemente, uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A questão é que autores dos textos políticos não podem controlar os significados de seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal entendidas, réplicas podem ser superficiais. Além disso, interpretação é uma questão de disputa (BALL; BOWE, 1992, p. 22). Essas são as contradições no âmbito da educação infantil que precisam ser superadas. Um bom começo nesse sentido são as ações do Governo Estadual de Santa Catarina que promoveu a reestruturação da Política de Educação de Surdos, com providências técnico-administrativas para implementar o ensino da língua de sinais mediante a presença de professor intérprete em escolas -- pólos na educação básica. Propôs a contratação de instrutores de língua de sinais para atuarem na condução do processo de aquisição de línguas de sinais pelos surdos da educação infantil e séries iniciais (QUADROS, 2006, p.145). Cabe ao governo oferecer a oportunidade, ao cidadão e sua família decidirem pela escolha da língua e da forma de comunicação. 5 Considerações finais A educação infantil como direito social e legitimação da cidadania pelo acesso ao conhecimento, participação e produção da cultura, é prática ainda não proporcionada a todas as crianças brasileiras, sejam elas com necessidades educacionais especiais ou não. As políticas públicas de educação infantil no Brasil constituem-se em fronteiras indefinidas: transfere-se a responsabilidade às instituições assistenciais e comunidade para organizarem programas educacionais voltados à realidade social e às necessidades da infância. Essa indefinição amplia o número de crianças com deficiência, principalmente nas regiões periféricas e nas pequenas cidades, sem creches e pré-escolas, cujas famílias trabalhadoras ou desempregadas necessitam de Centros de Educação Infantil que garantam o acesso ao conhecimento, à aprendizagem, espaços lúdicos, experiências culturais, para que exerçam a função educativa e complementar ao papel da família. As pesquisas e os dados analisados sinalizam que as diretrizes políticas para a inclusão escolar são mais efetivas em relação ao ensino fundamental do que em relação à educação infantil. Nesse campo, o discurso é vago, nebuloso, inconsistente, pois permite que o sistema de educação infantil transfira a responsabilidade pelo atendimento em creches e pré-escolas às instituições especializadas, muitas delas com o perfil segregador e assistencialista. Tenho pontuado a importância das escolas especiais para a oferta do atendimento educacional especializado, defendido o redimensionamento do papel da escola especial e das salas especiais, que deveriam funcionar como sistema de apoio, suporte às famílias e à inclusão escolar (BRUNO, 1999, 2000, 2003). 182 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Compreendo a educação em uma perspectiva sociocultural (BRONFENBRENNER, 1996; JOHNSON, 2006) em uma interação face a face, a partir de uma perspectiva relacional, isto é, valorizando o como as pessoas interagem entre si, se comunicam; como os discursos se articulam, as propostas e programas se organizam; como os atores da política interagem com o ambiente e com a cultura na qual estão imersos. O grande desafio que se impõe à Educação Inclusiva é o reconhecimento do outro, de suas possibilidades, das necessidades específicas, das educacionais especiais, das diferenças culturais, dos códigos lingüísticos e da experiência social. Respeitar as diferenças na educação infantil significa, sobretudo, oferecer espaço e tempo adequados e próprios para a infância, com experiências coletivas, espaços organizados para aprendizagem por meio do lúdico, do movimento; do uso de múltiplas linguagens, das diferentes formas de expressão, arte, cultura como forma de conhecer. A pedagogia para a infância, democrática, de qualidade para acolher a diversidade e atender às necessidades educacionais especiais, depende das relações socioculturais mais amplas, das intenções, ações políticas concretas e das contradições da prática: dos interesses e do jogo de poder entre os envolvidos. Depende, ainda, no meu entender, das interações e relações que o grupo estabelece entre si, das negociações, dos projetos, das metas, dos planos, da formação de professores e, principalmente, de como a comunidade escolar se aproxima e enfrenta os conflitos sociais. Finalizo compactuando com Kramer (2006) na defesa de uma pedagogia da infância: o tempo da infância é o tempo de aprender e de aprender com as crianças, “numa perspectiva de educação em que o outro é visto como um eu em que está em pauta a solidariedade, o respeito às diferenças e o combate à indiferença e à desigualdade” (2006, p. 811). Referências ARAUJO, S. O Jogo da criança cega cega. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação, 2005. BALL, S. J. Diretrizes políticas globais, consumo e política educacional. In: SILVA, L.H. A escola cidadã no contexto da globalização globalização. Petrópolis: Vozes, 1998. _________. Educational reform reform: a critical and pos-structural approach. Buckingham: Open University Press, 1994. BALL, S. J.; BOWE,R. et al. Reforming education and changing schools schools: case studies in policy sociology. London: Routledge, 1992. 183 A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano humano. Porto Alegre, Artes Méd, 1996. BOBBIO, N. As Ideologias e o poder em crise crise. 4. ed. Brasília: UNB Editora, 1999. BORDIEU, P. A economia das trocas simbólicas simbólicas. São Paulo: Perspectiva,1999. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. _________. Ministério da Justiça. Estatuto da Criança e Adolescente Adolescente. Lei nº 8.069/1990. Brasília: CONANDA, 2002. _________. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Infantil Infantil: Brasília:MEC/ SEF/COEDI, 1994. _________. Lei nº 9.394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nacional. Brasília: Subsecretaria de Edições técnicas, 1997. _________. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil Infantil. Brasília: MEC/SEF/COEDI, 1998. _________. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: CNE/CEB, 2001. _________. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: estratégias e orientações para a educação de crianças com necessidades Infantil educacionais especiais. Brasília: MEC/SEF/COEDI, 2002. _________. Lei nº 11.494/2007. Dispõe sobre o Fundo de Manuntenção e Desenvolvimento da Educação básica e Valorização do Magistério. Brasília: MEC/SESU, 2007. Disponível em: <http//www.mec.gov.br/sesu/diretriz.htm>. Acesso em: 30 jun. 2007. BRUNO, M. M. G. Saberes e práticas da inclusão na educação infantil infantil. MEC/SEESP, Brasília, 2003. _________. Educação Infantil-Referência Curricular Nacional Nacional: das possibilidades às necessidades. Benjamin Constant/RJ, ano 9, n. 25, agosto de 2003. _________. Educação Inclusiva: problemas e perspectivas. In: Anais de Políticas Públicas Públicas: Diretrizes e Necessidades da Educação Básica. UNESP: II encontro de Educação do Oeste Paulista. Presidente Prudente/SP, 2000. 184 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores _________. Educação Especial Especial: em busca de redimensionamento e construção coletiva. Série Estudos, Periódico do Mestrado em Educação. Campo Grande: UCDB,1999. BUENO, J. G et al. Políticas regionais de educação especial no Brasil Brasil. XXVI Reunião anual da Anped, Águas de Lindóia, 2003. Disponível em: <htpp:/www.anped.org.br. FERREIRA, J. Educação Especial, inclusão e política educacional: notas brasileiras. In: DAVID, R. Inclusão e Educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006. GALVÃO, N. C. S. S. Inclusão de crianças com deficiência visual na educação infantil infantil. Dissertação de mestrado --Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, 2005. JOHNSON, R. O que é, afinal, estudos culturais culturais. Trad. Tomás Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. KRAMER, S. As crianças de 0-6 anos nas políticas educacionais no Brasil: educação infantil e/é fundamental fundamental. Educação: políticas públicas afirmativas e emergentes. Educação e Sociedade. Campinas, CEDES, vol. 27, n. 96 – Especial, out. 2006. LAPLANE, A. Uma análise das condições para a implementação de políticas de educação inclusiva no Brasil e na Inglaterra. Educação e Sociedade Sociedade. Campinas: CEDES, vol. 27, n. 96 – Especial, out. 2006. MAINARDES, J. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educação e Sociedade Sociedade. Campinas, vol. 27, n. 94, p. 47-69, jan./abr., 2006. MONTE, F. R. F. Inclusão na educação infantil infantil: concepções e perspectivas de educadoras de creches. Dissertação de mestrado --Universidade Católica de Brasília: Brasília (DF), 2006. QUADROS, R. M. Políticas Lingüísticas e Educação de Surdos em Santa Catarina. Cedes, Campinas, vol. 61, n. 69, maio/ago., 2006. Cadernos Cedes QUADROS. R. M; SCHMIEDT, M. L.P . Idéias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC/SEESP, 2006. PALUMBO, Dennis, J. A abordagem de política pública para o desenvolvimento político na América. Política de capacitação dos profissionais da educação educação. Belo Horizonte: FAE/IRHJP, 1989. p. 35-61. (Original: PALUMBO, Dennis J. Public Policy in América – Government in Action. 2. ed. Tradução: Adriana Farah. Harcourt Brace & Company, 1994. Cap. 1, p. 8-29). 185 A construção da Escola Inclusiva: uma análise das políticas públicas e da prática pedagógica no contexto da Educação Infantil TETZCHNER S. V; GRINDHEIM, E. et al. Inclusão de crianças em educação pré-escolar regular utilizando comunicação suplementar alternativa. Revista Brasileira de Educação Especial Especial. Marília, vol. 11, n. 2, p. 149-320, 2005. UNESCO. Declaração Mundial de Educação para todos.UNESCO: Brasília,1990. _________. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre as necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE,1994. especiais 186 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das pessoas com deficiência à educação Patrícia Albino Galvão Pontes1 Patrí[email protected] Rebecca Monte Nunes Bezerra2 [email protected] A escola atual tem um grande desafio: garantir o acesso a todos os indivíduos. Esta é a escola de todos, na qual nenhum aluno é excluído e todos fazem efetivamente parte do sistema educacional de ensino. A educação é o primeiro dos direitos sociais a ser elencado pela nossa Constituição Federal.3 Assim, em razão da fundamentalidade desse direito, não é possível admitir que ele seja negado a qualquer pessoa, independentemente do motivo. A Constituição Federal, em seu art. 3º, IV, afirma que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, dispondo, ainda, em seu artigo 5º, XLI que qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais será punida na forma da lei. Nesse particular, a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência (Convenção da Guatemala)4 traz a impossibilidade de tratamento desigual com base na deficiência, definindo a discriminação como “toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das demais pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais”(art. I, 2, “a”, da Convenção de Guatemala). 1 Promotora de Justiça da Comarca de Macaíba (RN) e Coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa da Pessoa com Deficiência, do Idoso, das Comunidades Indígenas e das Minorias Étnicas do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte. 2 Promotora de Justiça da Comarca de Natal (RN), Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte. 3 Art. 6º da Constituição Federal: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância; a assistência social aos desamparados, na forma desta Constituição”. 4 Esta Convenção foi ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 198, de 13 de junho de 2001, e promulgado pelo Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001, da Presidência da República, fazendo parte, portanto, do ordenamento jurídico brasileiro. 187 A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das pessoas com deficiência à educação Desse modo, admitir que a criança tenha apenas acesso ao atendimento educacional especializado, seja ele prestado em uma escola especial, seja em escola regular, significa conceder tratamento diferenciado unicamente em razão da deficiência, excluindo o exercício do direito fundamental à educação. Trata-se, portanto, de prática discriminatória e, conseqüentemente, vedada por nosso ordenamento jurídico brasileiro. A segregação das pessoas com deficiência em escolas especiais ou em classes especiais, ainda que nas escolas regulares, é uma forma de exclusão social violando frontalmente os princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania e da igualdade. Toda forma de preconceito é indigna e afronta todas as noções que se possa ter sobre Justiça. A Constituição Federal de 1988 reconhece a importância do direito fundamental à educação ao prescrevê-lo, em seu artigo 205, como um direito de todas as pessoas, visando ao seu pleno desenvolvimento, ao seu preparo para o exercício da cidadania e à sua qualificação para o trabalho.5 Portanto, não há margem no texto constitucional para se admitir a possibilidade de exclusão de qualquer pessoa do sistema educacional. É um direito básico da pessoa humana o de fazer parte da sociedade (direito dirigido a todas as pessoas em decorrência da igualdade), direito que significa não apenas a cidadania garantida no papel, mas a sua efetiva participação, sem ter de ser isolada ou privada do convívio social. O convívio social, por natureza, é plural. É importante reconhecer que a sociedade é feita de diferentes, pois o normal é a diversidade. A luta não é para que todos sejam considerados iguais, mas para que todos tenham igualdade de oportunidades. Uma sociedade inclusiva é benéfica para todas as pessoas. O convívio com a diversidade favorece a construção da cidadania. Dessa forma, serão formados adultos conscientes, pois aqueles que, na infância, desfrutaram da presença de crianças e adolescentes com deficiência em sua escola, não duvidarão da capacidade dessas pessoas e, com certeza, quando adultos, estimularão a inclusão de todos em um mesmo ambiente (seja escola, trabalho, lazer...). Essa é a forma mais eficaz de combate ao preconceito. Há de se ressaltar que a educação não visa unicamente à transmissão dos conteúdos curriculares. O artigo 205 da Constituição Federal deixa claro o seu intuito ao declarar como objetivos de tal direito o pleno desenvolvimento da pessoa, a sua preparação para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho. A educação tem um alcance muito mais abrangente que a transmissão de conteúdos. Ela visa desenvolver plenamente os indivíduos e formar cidadãos. Dessa forma, todos 5 Art. 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. 188 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores podem ser beneficiados pela educação, até mesmo aqueles que apresentem dificuldades em assimilar as noções de matemática ou física, por exemplo, em razão de possuir uma deficiência mental. Assim, retirar de alguém tal direito é simplesmente anular as chances do seu desenvolvimento como pessoa e como cidadão. É importante se garantir que todos os alunos estudem juntos, que freqüentem o mesmo espaço escolar e participem de todas as atividades culturais e sociais da escola. Em algumas situações, pode ocorrer que o aluno com deficiência, além de freqüentar a sala de aula de sua escola, também necessite de atendimento educacional especializado, visando ao seu melhor desenvolvimento e aprimoramento de suas habilidades. Nesse aspecto, garante a Constituição Federal, em seu artigo 208, inciso III, que esse atendimento deve ser oferecido preferencialmente na rede regular de ensino, e é importante ressaltar que a preferência estabelecida pela Constituição Federal refere-se ao atendimento educacional especializado e não à educação da pessoa com deficiência. O atendimento educacional especializado não se constitui em um sistema paralelo de ensino com níveis e etapas próprias. Com efeito, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define tal atendimento como uma modalidade educacional que perpassa por todos os níveis escolares, desde a educação infantil até o ensino superior. Dessa forma, o referido atendimento diferencia-se substancialmente da escolarização, devendo ser oferecido em horário diverso do dessa, justamente para possibilitar que os alunos nela atendidos possam freqüentar as turmas de ensino regular, não podendo o mesmo funcionar como um substitutivo da educação escolar. Tal modalidade educacional deve ser entendida como um instrumento, um complemento que deve estar sempre presente na Educação Básica e Superior para os alunos que dela necessitarem, visando à melhoria da qualidade das respostas educativas que a escola pode oferecer e à conseqüente facilitação do processo de aprendizagem. Como exemplo, podemos citar o ensino do sistema Braile, da LIBRAS, do Português para o surdo, entre outros. Assim a efetiva inclusão do aluno com deficiência implica possibilitar o acesso ao ensino e não apenas à escola. Portanto, não basta a simples inserção dos alunos com deficiência nas escolas regulares. Há de se proporcionar o acesso pleno à sala de aula regular e às demais atividades oferecidas pela escola, favorecendo o acesso total ao conhecimento. Para tanto, é imprescindível garantir a quebra das barreiras arquitetônicas existentes na edificação escolar (e não somente na sua entrada), a existência de intérprete e de professor de língua de sinais, a oferta de material didático em Braille, ensino do Braille, entre outras ações. É importante, também, que todos os alunos, mesmo aqueles que não possuem deficiência, se beneficiem desse conhecimento do aprendizado em língua de sinais e escrita e leitura do Braille, a fim de facilitar a comunicação entre todos. É tempo de mudar as escolas, as atitudes, os pensamentos, o ambiente como um todo. Inclusão significa transformação. Sem esse redimensionamento no atual panorama escolar, 189 A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das pessoas com deficiência à educação poder-se-á falar em outra coisa, mas não de inclusão. Mittler (2003) acredita que o maior obstáculo para a mudança está dentro de nós mesmos, seja nas nossas atitudes, seja nos nossos medos. Os professores precisam conscientizar-se de que o seu papel é educar os seus alunos, mas não os que ele escolhe, mas sim os que a ele chegam. Os diretores, também, têm de assumir a sua função, cobrando do Poder Executivo os suportes necessários para a concretização desse novo paradigma educacional. As Secretarias de Educação têm de incluir em suas prioridades a formação continuada dos docentes, pois não se deseja transferir o desafio unicamente para o professor. Esse desafio é de todos. Do mesmo modo, os pais precisam reivindicar o Direito à Educação de seus filhos, sem se conformarem com as rejeições praticadas. Todos têm de se envolver nesse processo, que não é fácil, diga-se de passagem, mas que é necessário e irreversível. Diante de tudo isso, o Ministério Público também deve assumir uma postura bastante ativa nessa área, e é ele também responsável pela inclusão educacional. A ele cabe, entre tantas outras ações, a de verificar se as escolas estão adotando uma política inclusiva, exigindo a adoção das medidas necessárias para o sucesso desta empreitada. A Constituição Federal de 1988 conferiu uma nova feição ao Ministério Público, na medida em que o incumbiu da defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis, instrumentalizando o Promotor de Justiça de mecanismos efetivos de exigibilidade desses direitos. Portanto, o Ministério Público tem importante papel nesse processo de transformação. Cabe a este órgão a verificação das condições de acessibilidade das escolas públicas e particulares, instaurando inquérito civil contra o Município ou Estado e contra o proprietário, a fim de assegurar o pleno acesso a todas as pessoas. Dessa forma, após a vistoria técnica por profissional habilitado, pode-se celebrar o Termo de Ajustamento de Conduta onde o representante legal do estabelecimento de ensino assume o compromisso de ajustar a sua conduta às normas legais, concedendo-se prazos para a execução das adaptações. Caso o responsável não aceite assinar o mencionado Termo, caberá ao Promotor de Justiça o ajuizamento de ação civil pública para restaurar o direito violado. Ao atuar pela garantia da implementação da educação inclusiva, deve o Ministério Público exigir que seja assegurada uma escola para todas as pessoas, respeitando e atendendo as diferenças existentes. Assim, além da acessibilidade, deve-se exigir o oferecimento de material didático adaptado, a capacitação permanente dos professores e demais profissionais envolvidos no processo educacional, o oferecimento de serviços de apoio especializados, entre outros. O Ministério Público do Rio Grande do Norte, reconhecendo a importância dessa tutela, desde o ano de 2003, adotou como meta institucional a inclusão educacional das pessoas com deficiência na rede regular de ensino. Os Promotores de Justiça de todo o Estado expediram recomendações às Secretarias de Educação para que elas adotassem uma política de educação inclusiva. 190 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores Porém, não bastava impedir a recusa da matrícula ou garantir a acessibilidade, era preciso levar à escola as crianças e adolescentes que ainda estavam excluídos do sistema de ensino. Contudo, como encontrá-las para que lhes fosse assegurado o direito à educação? Com esse intuito, foi firmada uma parceria com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, por meio da qual os carteiros da Capital do Estado, ao percorrerem os seus bairros de atuação, procuravam identificar se existiam pessoas com deficiência que não freqüentavam ou nunca freqüentaram a Escola, preenchendo um formulário previamente fornecido pelo Ministério Público. Tais formulários, após preenchidos pelos carteiros, eram enviados para as Promotorias de Justiça e as famílias eram chamadas para uma audiência a fim de perquirir os reais motivos da exclusão escolar, oportunidade em que se teve, muitas vezes, o conhecimento de que a ausência da escola por parte de algumas crianças e adolescentes era motivada por puro desconhecimento do direito daqueles à educação. Além disso, foram identificados alguns casos de crime de recusa de matrícula, bem como de carência de material didático adaptado e de ajudas técnicas disponibilizados, de precário fornecimento de órteses pelo Poder Público e do próprio serviço de saúde, entre outros. Assim, diante da situação encontrada, o Promotor de Justiça tomava uma ou mais das seguintes providências: 1) encaminhamento da criança ou adolescente com deficiência à escola mais próxima de sua residência; 2) expedição de recomendação ao diretor da Escola para o recebimento de determinada aluno com deficiência; 3) encaminhamento à Secretaria Estadual de Educação para que, por intermédio da Coordenação da Educação Especial, providenciasse e acompanhasse o processo de inclusão escolar da criança ou adolescente, indicando, ainda, quais as ajudas técnicas necessárias ou o atendimento educacional especial que melhor se apresentava para contribuir com o desenvolvimento pessoal do aluno; e 4) abertura de processo criminal contra eventuais diretores ou professores que tivessem recusado a matrícula das referidas pessoas, entre outras. Em relação à falta de acessibilidade nas escolas, foi firmada uma parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que financiou o pagamento de uma Arquiteta, a qual realizou vistorias e emitiu laudos em relação a todas as escolas públicas e privadas, até mesmo pré-escolas, em alguns municípios de nosso Estado, em um total aproximado de 550 (quinhentos e cinqüenta) edificações escolares. De posse dos laudos, os Promotores de Justiça passaram a firmar os termos de ajustamento de conduta com os representantes legais dos estabelecimentos de ensino, a fim de torná-los totalmente acessíveis a todas as pessoas, no menor espaço de tempo possível. Tais ações vêm sendo implementadas em vários municípios do Rio Grande do Norte, se aperfeiçoando nas parcerias realizadas, como é o caso do envolvimento de Agentes de Saúde -- pertencentes ao Programa Saúde da Família -- que, ao realizarem suas visitas domiciliares, identificam as pessoas com deficiência que estão fora da escola, encaminhando as informações ao Promotor de Justiça da respectiva localidade. 191 A escola é para todos: o Ministério Público e a tutela do direito das pessoas com deficiência à educação Também foi celebrada, posteriormente, uma parceria que persiste ainda hoje com o Centro de Reabilitação Infantil, órgão ligado à Secretaria de Saúde Pública Estadual, responsável pelo atendimento de crianças e adolescentes com deficiência de todo o Rio Grande do Norte, o qual também se incumbiu da identificação daqueles que estão fora da rede regular de ensino, realizada nas ocasiões em que são aqueles atendidos. Em razão das recomendações às Secretarias de Educação, esse assunto precisou ser debatido junto aos professores e diretores de escolas. Assim, os Membros do Ministério Público passaram a ministrar palestras para a comunidade escolar para tratar dos aspectos legais da inclusão educacional, ocasiões em que eram relatados fatos e procedimentos inclusivos de sucesso e divulgados alguns programas federais e estaduais existentes, estimulando-se a prática da inclusão escolar e divulgando-se o direito de todos à educação. Outra ação preventiva adotada consistiu na celebração de ajustamento de conduta com o órgão responsável pela expedição de alvarás de construção e reforma e da carta de “habite-se”, para somente serem aprovados para construção os projetos que respeitassem totalmente as normas de acessibilidade. Assim, evita-se a construção ou reforma de edificações ou espaços urbanos de forma inacessível. Uma medida que foi adotada pela Secretaria Estadual de Educação, que se transformou em regra para as escolas estaduais do Rio Grande do Norte, foi a realização de matrícula antecipada para os alunos com deficiência, precedendo o período da matrícula comum. Apesar de se instituir um período diferenciado para esses alunos, não se trata o referido ato de discriminação, sendo oferecido à pessoa com deficiência mais uma oportunidade de divulgação do seu direito à educação (uma vez que a matrícula antecipada é precedida de ampla divulgação), podendo aquela optar por matricular-se no período comum de matrícula, disputando as vagas existentes. A matrícula antecipada possibilita à escola saber, com antecedência, que receberá um aluno com algum tipo de deficiência e, com isso, obter mais tempo para se adaptar, a fim de inseri-lo adequadamente. Entretanto, vale ressaltar, mais uma vez, que se trata a matrícula antecipada de uma faculdade e não uma imposição ao aluno com deficiência, sendo ilegal a proibição de inscrição em estabelecimento regular de ensino no período comum para todos os outros alunos, porque já expirou o prazo concedido antecipadamente. Com tais ações, pode-se observar um aumento significativo de inclusão de alunos com deficiência na escola comum da rede regular de ensino. As críticas à inclusão na educação consistem no despreparo da escola atual e dos professores para aderirem a este novo sistema. Assim, alguns pregam a chamada “inclusão responsável”, o que significa, na prática, a exclusão de alguns alunos do sistema educacional, por meio da escolha feita pelos diretores e professores de quem nele pode se integrar. A Constituição Federal, quando prescreve o direito à educação, não confere a ninguém o poder de decidir quem dela poderá desfrutar. 192 IV Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educadores A despeito dessa forma de agir, há de se considerar a missão constitucional da escola, tendo a mesma de assumir o seu papel e encontrar as respostas educativas para as necessidades de todos os alunos passando, necessariamente, por uma reconceituação do que seja fracasso escolar. Fracasso segundo o que? Tendo como referência as atitudes de quem? Conforme os padrões previamente determinados, desconsiderando as peculiaridades e a diversidade na sala de aula? As dificuldades de aprendizagem são inerentes ao processo escolar. Sempre existiram e sempre existirão, independentemente do aluno possuir ou não alguma deficiência. Nesta nova perspectiva, remete-se o problema não ao aluno, mas à escola a fim de que esta ofereça o suporte necessário para o alcance do aprendizado. Mantoan (2005) afirma que o movimento inclusivo nas escolas, por mais que seja ainda muito contestado pelo caráter ameaçador de toda e qualquer mudança, é irreversível e convence a todos pela sua lógica e pela ética de seu posicionamento social. Um mundo inclusivo não é apenas possível, ele é saudável e necessário para todas as pessoas. Assim, apesar da reversão do quadro atual ser lenta, ela é plenamente viável. As barreiras e as dificuldades existem, mas não podem afastar, em hipótese alguma, a validade e necessidade do processo. E o Ministério Público, como órgão encarregado de zelar pela efetividade dos direitos consagrados à pessoa com deficiência, assume, nesse contexto, o papel de agente transformador, com o fim de tornar a sociedade inclusiva e elevar a referida parcela da população à condição de cidadã, garantindo a plenitude de sua dignidade humana. Referências MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Caminhos pedagógicos da inclusão inclusão. Disponível em: <http://www.educacaoonline.pro.br/art caminhos pedagogicos da inclusao.asp>. Acesso em: 10 ago. 2005. MITTLER, Peter. Educação inclusiva inclusiva. Contextos Sociais. Traduzido por Windyz Brazão Ferreira. Porto Alegre: Artmed, 2003. 193 194