Páginas iniciais

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Páginas iniciais
paris, maori
o museu e seus outros
CONSELHO EDITORIAL
Bertha K. Becker
Candido Mendes
Cristovam Buarque
Ignacy Sachs
Jurandir Freire Costa
Ladislau Dowbor
Pierre Salama
Diretoria geral biênio 2015 - 2016
Presidente - José Ricardo Ramalho (UFRJ)
Secretário Executivo - Cláudio Gonçalves Couto (FGV - SP)
Secretária Adjunta - Emília Pietrafesa de Godoi (Unicamp)
Diretoria de Publicações - Adrian Gurza Lavalle (USP)
Diretoria
José Luiz de Amorim Ratton Júnior (UFPE)
Lúcio Remuzat Rennó Júnior (UnB)
Patrice Schuch (UFRGS)
Conselho Fiscal
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (UFRJ)
Marcelo Kunrath Silva (UFRGS)
Yan de Souza Carreirão (UFSC)
Acompanhamento Editorial - Mírian da Silveira
Equipe Administrativa - Berto de Carvalho; Bruno Ranieri; Felipe Carvalho;
Mírian da Silveira
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Cidade Universitária CEP 05508-010 São Paulo SP
Tel.: (11) 3091-4664 / 3091-5043
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www.anpocs.org.br
Nina Vincent
paris, maori
o museu e seus outros
Curadoria nativa no quai Branly
Copyright © Nina Vincent
Direitos cedidos para esta edição à
Editora Garamond Ltda.
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Rio de Janeiro - Brasil - 20.261-115
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Revisão: Alberto Almeida
Editoração Eletrônica: Editora Garamond
Capa: Estúdio Garamond
Sobre foto de Vassil “Hei Tiki”, pingente maori (Nova Zelândia), início do séc. XIX.
Diponível em https://commons.wikimedia.org/wiki/File:MAP_Expo_Maori_Hei_tiki_15_01_2012_2.jpg,
sob licença Creative Commons.
Prêmio de Melhor Dissertação de Mestrado no
Concurso ANPOCS de Obras Científicas e Teses
Universitárias em Ciências Sociais – 2014
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
L279p
Lannes, Nina Vincent
Paris, Maori: o museu e seus outros : curadoria nativa no quai Branly
/ Nina Vincent Lannes. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Garamond, 2015.
200 p. : il. ; 21 cm.
Inclui bibliografia
ISBN 9788576174202
1. Antropologia. 2. Museus. 3. Arte. I. Título.
15-26830
CDD: 306
CDU: 316.7
Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação,
por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.
Para Monique, Rogério e Tiago
Agradecimentos
Este livro e a dissertação que deu origem a ele não seriam possíveis sem
a ajuda de muitas pessoas que contribuíram com informações, ensinamentos,
apoio material, idéias, incentivo, carinho e atenção. Muita gente deixou sua
marca neste trabalho e em mim, exercendo sua agência seja por suas ações,
suas falas ou por meio de objetos e imagens, partes de si. Os objetos que
encontrei me mostraram sua beleza e a brutalidade colonial, mas também
a potência insurgente da arte. Esses fragmentos compõem de alguma forma
o objeto-livro que agora entrego ao mundo. Ele vai carregado de mana,
não só o meu, mas o de todas essas pessoas e coisas que aqui se entrelaçam.
Nomear todos é uma tarefa impossível, por isso me limito a citar alguns.
Agradeço à Associação Nacional de Pesquisadores de Ciências
Sociais (ANPOCS) e à Comissão avaliadora do Concurso Brasileiro de
Teses e Dissertações Universitárias em Ciências Sociais – 2014 por
contemplar minha dissertação com este prêmio e pela oportunidade de
publicar o livro. O esforço e acompanhamento de Miriam (ANPOCS) e
Ari Roitman (Garamond) foram fundamentais para me situar e chegar
ao melhor resultado na edição.
Incluir imagens demandou longas negociações. Registro meu agradecimento ao Musée du quai Branly, Reunion des Musées Nationaux,
Agence Photo, Autvis, e suas dedicadas funcionárias A.C Biederman, I.
Artaud, M. Momesso, A. Lagrue, A. Hitier, T. Leroux.
Agradeço à CAPES, pelo fomento a esta pesquisa durante o mestrado.
Os vários anos de convivência com amigos, funcionárias e professores do IFCS e do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia
me trouxeram muitos aprendizados. Agradeço especialmente ao PPGSA
pelo apoio à publicação deste livro.
Os professores que participaram das bancas de qualificação e defesa
da dissertação Reginaldo Gonçalves (PPGSA), Regina Abreu (PPGMS), Paulo
Maia (UFMG) e Luisa Elvira Belaunde (PPGAS) ampliaram minha visão
sobre meu próprio trabalho e provocaram minha reflexão, exercício que
incorporei ao livro em alguma medida, mas que continuo desenvolvendo
permanentemente.
Meu campo na França só se concretizou porque contei com colaborações. Aurélio Vianna e Justa Helena Franco forneceram ajuda
generosa e decisiva, além dos amigos que mobilizaram seus amigos para
me receber, e Ana Coutinho, pela acolhida e prazerosa troca de idéias.
Estudar uma instituição do porte do Museu do quai Branly se revelou mais difícil do que podia imaginar, então deixo aqui meu sincero
agradecimento ao Museu e seus funcionários, mesmo os que nem sabiam
que tinham virado objeto de estudo. Anne Christine Taylor e Philippe
Descola contribuíram generosamente com a pesquisa.
Minha orientadora, Els Lagrou, escreveu o belo Prefácio deste livro e compartilhou comigo muitos ensinamentos ao longo destes anos
de trabalho, me abrindo caminhos e embarcando nas minhas viagens.
Agradeço a ela e ao Marco Antônio Gonçalves pela sugestão de título.
Nada do que faço seria possível sem minha família. Meus pais
são minha inspiração e nunca deixam de acreditar e mim e me apoiar.
Rogério Lannes, dedicado incentivador dos meus projetos, contribuiu
com a leitura minuciosa e colaboração na escrita de partes deste livro;
Monique Vincent me escutou com paciência ímpar, oferecendo parceria
constante e me dizendo para ir à praia de vez em quando. Tenho a sorte
de ter por perto minha (boa) madrasta Paula Lacombe, fonte inesgotável
de positividade, e minhas irmãs: Julia Vincent, pequena e notável companheira da vida, e Mariah Lacombe, que chegou para ser parceira nas
aventuras e desventuras do caminho.
Minha grande família, tios e tias que me acompanham com carinho,
colaborou também para viabilizar o projeto de estudar na França. Aos
meus três avôs: Michel, Valdir e Wilson, pessoas tão diferentes e admiráveis, que me proporcionaram tanto, em tantos níveis; e às minhas três
avós: Elza, que me incentivou a ter meu próprio “bom gosto” e a ver arte
em tudo, Leuza, que conhecia as histórias e artes de todos os artesanatos,
e Isis, que me ensinou a arte de falar francês; sou eternamente grata.
Minha amiga de sempre, Clarice Nicioli, e as queridas amigas
Monique Peçanha, Patrícia Salles e Juliana Tillman tornam a vida mais
alegre e me enriquecem com seus saberes tão diversos. Amigas também
da vida, Camila Bastos me trouxe muitos insights nas madrugadas
sobre artes e lutas e Marina Motta trocou comigo muitas idéias sobre
meu tema, estimulando-me a correr atrás dos meios para não desistir
dos fins. Amigos com quem compartilhei ideias, além das angústias da
escrita e da publicação (e opinaram animadamente para meu título), Ana
Gabriela Morim, Bruno Cardoso, Carolina Grillo, Diogo Lyra, Gérome
Ibri, Maria Lima, Livia Reis e Diego Madi, foram também parceiros
dos momentos de festa. A cumplicidade de todos os amigos da turma
de mestrado, com os quais troquei preciosas reflexões, vivi e continuo
vivendo momentos intensos, é preciosa; não posso nomeá-los, pois
não quero esquecer ninguém. Os colegas do NAIPE foram importantes
interlocutores, especialmente, Renan e Flora, pelo apoio e amizade.
Por fim, agradeço ao Tiago Coutinho, meu companheiro, interlocutor, crítico e apoiador constante. Obrigada pelo carinho, por me
ouvir, por me fazer rir tanto e por compartilhar comigo a vida e as
reflexões sobre o mundo.
Sumário
Prefácio............................................................................................................13
1. Introdução................................................................................................. 19
1.1. Entrando no museu........................................................................... 20
1.2. Quando objeto e teoria se cruzam...................................................30
1.3. Roteiro de leitura................................................................................39
Parte I – A exposição “Maori. Seus tesouros têm alma”
2. Visita guiada.............................................................................................45
2.1. Whakapapa (identidade e interconexão)........................................ 53
2.2. Mana (prestígio e autoridade).......................................................... 61
2.3. Kaitiakitanga (proteção e preservação) .........................................65
3. Estratégias expográficas: agências e discursos......................... 71
3.1. Mana Taonga: exibindo “tesouros” que têm “alma”.....................74
3.2. Tino rangatiratanga: a autodeterminação de uma cultura viva.......88
3.3. Um display político: controle cognitivo e objetos
que ilustram textos.............................................................................98
Parte II – O Museu do quai Branly: etnografia de um diálogo
4. Curadoria Nativa no Museu do “Outro”........................................ 105
4.1. Mokomokai: objetos em disputa....................................................106
4.2. Exposição Permanente: Sacralidade Modernista
e amnésia museal.............................................................................. 126
5. Outros diálogos no Museu do quai Branly................................... 143
5.1. Experiências colaborativas.............................................................. 145
5.2. Diálogos antropológicos.................................................................. 151
6. CONCLUSÃO................................................................................................ 167
6.1. Quando o contexto é conteúdo...................................................... 167
6.2. O curador como artista e a agência dos objetos.......................... 170
6.3. Saindo do museu.............................................................................. 178
Referências................................................................................................. 185
Imagens......................................................................................................... 195
Prefácio
O interesse pela cultura museológica enquanto arma política
na mão de grupos minoritários, populares ou étnicos, está apenas
nascendo no Brasil. É curioso para um estrangeiro que nasceu numa
cultura de museus, como eu, originária de Flandres (Bélgica), ou para
qualquer brasileiro viajado, se defrontar com o pouco investimento em
museus deste tipo no Brasil quando se compara a situação, não somente
com ex- potências coloniais ou com os Estados Unidos, mas também
com vizinhos latino-americanos como a Colômbia e o México. Este
contraste suscita perguntas e interessantes hipóteses para respostas,
que estão sendo exploradas por antropólogos interessados no tema da
patrimonialização e na retórica da perda. Talvez estejamos precisando,
para este caso específico dos museus das minorias, não de uma retórica da perda, mas de uma nova retórica para e do futuro. É o que nos
ensinam os Maori.
Esta é uma das razões porque este precioso estudo de Nina Vincent
Lannes de um caso paradigmático de diálogo entre culturas expográficas distintas mas articuladas, a francesa (de tradição colonialista) e a
maori (de tradição afirmativa), possui tanto potencial teórico e reflexivo
para o momento atual. Uma etnografia densa como esta, atenta às complexas questões que surgem deste encontro entre os Maori, expondo
seus “tesouros que têm alma” em um Museu parisiense, o Musée do
quai Branly, cujos nativos afirmam não acreditar em almas, mas onde
o culto aos fetiches dos outros é altamente desenvolvido, faz pensar.
A experiência tem nos ensinado que uma boa antropologia é
sempre comparativa, mesmo ou principalmente quando o principal
horizonte comparativo, nossa própria realidade, não é explicitado. Esta
pesquisa, que explora a negociação e o diálogo entre os representantes
legais e institucionais de duas tradições distintas, a Maori e a Francesa,
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nos ensina muito sobre a situação brasileira, principalmente pelas diferenças, tanto com relação à situação neozelandesa e francesa quanto
com relação às relações entre ambos.
Mas a ambição deste livro é outra. Esta fina etnografia da primeira exposição temporária de “Curadoria nativa”, a dos Maori da Nova
Zelândia representados pela Instituição Nacional Te Papa Tongarewa, a
ser acolhida no “Museu do Outro”, o famoso e recém fundado Museu do
quai Branly em Paris, se constrói em torno de um instrutivo paradoxo,
que se revela, sob a pena de Nina Vincent, como verdadeira caixa de
Pandora para instigantes questionamentos antropológicos, questões
estas que a autora explora com perspicácia e maestria. O museu do quai
Branly, que abriu suas portas em 2006, foi foco de uma grande polêmica
no meio intelectual francês, opondo antropólogos e colecionadores de
arte. As acaloradas discussões que antecederam a sua abertura, e que
se estenderam por um período de dez anos, foram acompanhadas de
perto por antropólogos e especialistas do mundo inteiro, por revelarem
de modo exemplar a dificuldade francesa de lidar com os paradoxos
de uma herança colonial materializada nos preciosos artefatos etnológicos convidados a migrarem de coleções etnológicas para o mundo
atemporal das ‘artes primeiras’.
A resistência intransigente do governo francês frente a políticas
de repatriação de artefatos étnicos, que têm movimentado o cenário
museológico internacional desde os anos oitenta, atraiu os holofotes
por ocasião das negociações em torno da abertura deste novo grande
museu, que pretendia concentrar todas as coleções etnográficas que se
encontravam em outros museus parisienses para que os “tesouros artísticos” ali escondidos pudessem ser revelados ao mundo e aos amantes de
uma arte ”que não conhece fronteiras”. Como disse o presidente Jacques
Chirac, autor do projeto, “Les chefs d’oeuvre du monde entier naissent
libres et égaux” (Raizon, 2006, apud Lagrou, 2008: 218). Ironicamente,
como bem notou Aminata Traoré, socióloga e ministra da cultura de
Mali, o mesmo (o fato de nascer livres e iguais) não parecia valer para
os descendentes daqueles que “outrora” os produziram, tendo em vista
a infeliz coincidência da abertura do Museu com a implementação
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da impopular “lei Sarkozy” que restringia drasticamente o acesso de
imigrantes de origem africana à França.
O museu, seu projeto arquitetônico e estilo adotado para a exposição permanente apontavam todos na mesma direção, de que a sobrevivência da chamada “primitivist fantasy”1 no meio de colecionadores
de arte étnica tinha vencido a batalha política e estética francesa na
época de Chirac. Sendo este o aspecto mais explorado pela literatura
antropológica, principalmente de origem anglo-americana, mas também francesa, Nina preferiu iluminar o outro lado deste importante
centro parisiense “onde dialogam as culturas”, o lado expresso nas
exposições temporárias e nas atividades paralelas organizadas pelo
Museu. Desde sua abertura, em 2006, o Museu era composto de duas
partes complementares e institucionalmente independentes entre si,
o setor de museologia, onde o Diretor do Museu, Stéphane Martin,
imprimia sua visão de defensor das “artes primeiras”, e o setor de pesquisa, coordenado (até 2014) pela renomada etnóloga Anne-Christine
Taylor, que acolhe pesquisas antropológicas e históricas e organiza
simpósios especializados, criando um espaço acadêmico de excelência,
com abertura para todo tipo de análise crítica dos temas invisíveis nas
vitrines da exposição permanente.
A entrada analítica no Museu do quai Branly pela exposição temporária ”Maori, seus tesouros têm alma” permitiu a construção de um
objeto muito mais complexo do que costuma aparecer na literatura. No
texto de Nina aparece um Museu vivo, inserido numa rede de diálogos
e negociações complexas e que muda através do tempo. Se o tema da
repatriação de objetos musealizados é notoriamente complexo quando
estamos em território francês, temos com a exposição Maori a celebração da devolução dos 20 crânios tatuados que estavam em museus
franceses, devolução esta que envolveu longo processo de negociação.
Dessa negociação é importante reter um argumento francês que
me foi dado por Anne-Christine Taylor e que merece reflexão: do
ponto de vista dos franceses, os Museus são lugares de celebração da
1
A “fantasia primitivista”, segundo Hal Foster, consiste na ideia de que “o Outro, normalmente
considerado de cor, tem um acesso especial a processos psíquicos e sociais primários aos
quais o sujeito branco teria o acesso bloqueado.”(Foster, 1996: 175, apud Lagrou, 1998: 224).
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alteridade, da différence. Nesta perspectiva, Museus não seriam lugares
de afirmação identitária, ou de celebração de igualdade e paz, mas lugares de encontro com mundos distantes, podendo, sugiro, os museus
desempenharem um pouco a função de “embaixadas” em território
estrangeiro, não para salvaguardar pessoas, mas para dar uma nova
vida a objetos obtidos através da troca, da guerra ou da pilhagem. É no
encontro entre mundos distantes que ganham sentido tanto os museus
quanto a palavra fetiche: um fetiche só existe na qualidade de “fetiche
dos outros” e é nisto que consiste seu poder de agir e de fascinar. Os
crânios tatuados maori representam o fetiche por excelência do troféu
de guerra, tanto para os maori quanto para os franceses, e é em torno
do tráfico que se fez desse fetiche que se pode reescrever a história
colonial da Nova Zelândia.
A detalhada e criteriosa análise do discurso expográfico maori
apresentado neste livro tornará claro como e por que se construiu a
exposição em torno da notória ausência desses crânios tatuados, que
vêm a ser o pivô que colocou em relação estas duas Instituições que
representam legalmente e politicamente respectivamente os maori e
os franceses.
Mas esta, na verdade, é só uma das muitas questões instigantes
que surgem deste livro. Outra grande questão, que foge do contexto
etnograficamente específico do encontro entre Franceses e Maori, e que
me parece um dos principais focos de atenção da autora, é como, nos
dias de hoje, é a própria exposição que vem ocupar a posição e a agência
antes atribuídas às obras de arte expostas. Este fenômeno faz com que
o papel do curador ganha cada vez mais destaque, tendo em vista que é
dele a responsabilidade do conceito veiculado pela cenografia escolhida,
fazendo dele o artista principal. A nova obra é resultado das múltiplas
relações entre cenografia, as peças escolhidas para serem expostas e o
conceito que os aproxima. E aqui, como com toda obra de arte, trata-se
de uma ‘obra aberta’ que só ganha vida através das relações estabelecidas
com o espaço assim criado pelo público visitante. Tendo esta questão
como bússola, o livro fecha com o seguinte paradoxo: o que dizer de uma
exposição onde todas as obras têm nome, data e lugar de origem, mas
onde a autoria da curadoria é assinada por uma Instituição, o Museu
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Te Papa Tongarewa, Museu Nacional da Nova Zelândia e representante
oficial do povo Maori? Como pensar esta autoria coletiva, esta pessoa
distribuída que engloba e silencia as vozes destoantes?
Para estas e muitas outras perguntas instigantes convida este brilhante trabalho que tive o privilégio de acompanhar desde seu começo
até esta sua feliz finalização na forma deste belo livro.
Els Lagrou
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1. Introdução
Este livro é resultado da reflexão desenvolvida em minha dissertação de mestrado sobre as relações entre Antropologia, Arte e Museus.
A dissertação foi defendida em outubro de 2013 no Programa de Pósgraduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ (PPGSA/IFCS/UFRJ) com
o título “Curadoria nativa” no Museu “do Outro”: um estudo sobre a
exposição “Maori. Seus tesouros têm alma” e outros diálogos curatoriais
no Museu do quai Branly. Em 2014, recebeu Prêmio ANPOCS de melhor
dissertação de Ciências Sociais e o aval e subsídio da associação para
ser publicada em livro, razão pela qual procurei fazer o mínimo de
alterações e manter a estrutura do texto original.
O objeto central da discussão é a exposição “Maori. Seus tesouros
têm alma”, exibida no Museu do quai Branly, na França. A exposição
apresentou a arte e a cultura dos maori, povo indígena da Nova Zelândia,
que levou para a França “sua própria visão” da particular relação que
estabelecem com seus objetos. Analisando essa exposição, revelam-se
relações entre muitos atores envolvidos em sua realização –pessoas,
elementos materiais e imateriais – que serão articuladas e confrontadas com o perfil mais geral do museu parisiense. O objetivo é mostrar
como uma estética expositiva criada pela curadoria é capaz de conferir
agência a este “objeto de arte” que é a própria exposição. Neste processo,
cosmologia, cultura, teorias, ações e ideias são condensadas e materializadas criando uma visualidade complexa, capaz de mediar relações.
Optei por traduzir a integralidade das citações, textos de exposição, catálogos, entrevistas e notas de colóquios em língua estrangeira
(que não possuem ou não consegui consultar versão em português)
para facilitar a leitura e o acesso ao conteúdo. Assim, toda citação cuja
referência seja uma publicação em outra lingua é tradução livre minha.
Os dados estatísticos e as datas, os cargos ocupados por certas pessoas e
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o número de atividades desenvolvidas pelo museu são aqueles colhidos
pela pesquisa que se encerrou em 2013. Provavelmente, certos discursos
e opiniões dos atores envolvidos se modificaram, assim como os meus,
de certa forma, também. Mas mantenho as informações e o percurso
teórico original, retrato de um momento de investigação muito rico
e que, espero, pode encontrar ressonância em outros estudantes e
pesquisadores.
Para tornar mais clara para o leitor a discussão que realizaremos,
apresento primeiro o Museu do quai Branly, o cenário onde se desenvolve esta pesquisa. Em seguida, esboçarei alguns referenciais teóricos
que contribuíram para a escolha do recorte adotado e para a análise do
objeto, explicitando as perspectivas adotadas e apontando os assuntos,
eventos, atores e relações que serão explorados ao longo do livro.
1.1. Entrando no museu
Em 23 de junho de 2006 foi inaugurado em Paris, uma das mais
importantes capitais culturais do mundo, o Musée du quai Branly, um
museu inteiramente consagrado à Arte não europeia. Ele fica numa região
prestigiosa da cidade, o 7ème arrondissement, na rive gauche (margem esquerda) do Rio Sena. Chegando de ônibus ou de metrô ao local, passa-se
pelo Rio Sena, de onde se tem uma das mais belas vistas da cidade, de suas
pontes, arquitetura e dos numerosos grupos de turistas que se aglomeram
no Champs de Mars, onde se localiza a Torre Eiffel, ponto turístico mais
famoso da capital francesa, a poucos metros do novo museu.
Nos arredores do cais Branly, veem-se prédios residenciais do
século XIX , uma grande concentração de sedes de instituições oficiais
ou políticas, hotéis, lojas e restaurantes de luxo. Há também outros
museus, como o Musée d’Art Moderne de la ville de Paris, o Palais
de Tokyo, o Musée Rodin, mais à frente, na mesma margem do rio, o
Musée d’Orsay e, na margem direita, mais distante um pouco, o Musée
du Louvre, dois dos museus mais visitados no mundo.1 O museu fica
1
Segundo seus sites oficiais, o Musée d’Orsay recebeu 3.579.130 visitantes em 2012 e quase 10
milhões de pessoas foram ao Musée du Louvre, garantindo sua permanência confortável
no primeiro lugar mundial em número de visitação.
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