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RIDLEY SCOTT E O REINO DO PARAÍSO: O CINEMA E OS CONFLITOS ORIENTE E OCIDENTE Tobias Dias Goulão (UEG/UnUCSEH) A sociedade contemporânea faz frequente uso da História como uma forma de orientação para encontrar respostas frente as questões que mais lhe preocupa. E é esse o seu papel, segundo aponta o historiador Jörn Rüsen ao caracterizar a função da história como orientadora da carência de orientação no tempo (RÜSEN, 2010). Mostrase necessário conhecer elementos do passado para buscar formas de explicação e afirmação de aspectos contemporâneos. Característica essa que fez com que nos últimos anos várias publicações tivessem foco na exibição de temas históricos, com o intuito de lembrar a sociedade daquilo que fosse essencial. Estado esse no qual alguns estudiosos, como a professora Sônia Maria de Menezes Silva afirma, vivermos em um mundo que não se pode esquecer, tal como o personagem Funes1 de Jorge Luis Borges (SILVA, 2007). No que toca às características da sociedade contemporânea, um dos meios para a aquisição de informação é o audiovisual. Vivemos um período no qual o vídeo tomou a vez que o livro possuía em tempos passados como fonte de informação. Desde que o cinema surge, seu potencial de mobilização já é grande, e como caracteriza Hobsbawm no livro A Era dos Extremos, dizendo que “a Era da Catástrofe foi a era da tela grande de cinema” (HOBSBAWM, 1995, p. 192). Dentro dessa perspectiva, é notável ao longo do século XX e XXI o potencial que o cinema adquire na formação de um imaginário social, de uma consciência histórica nos seus espectadores, que vão aumentando cada vez mais. A percepção da narrativa cinematográfica como agente da história foi abordada por Marc Ferro no livro Cinema e História, em que ele discute a utilização do cinema como fonte de trabalho para o historiador. Pois como forma de expressão do homem, o cinema carrega os elementos do imaginário e das concepções de mundo 1 Personagem do conto Funes, o Memorioso de Jorge Luis Borges do livro Ficções (1944) que tem como característica uma prodigiosa memória que tudo recorda, em outras palavras não esquece nada que vê ou lê. 1 (políticas, ideológicas, etc.) daqueles que o utilizam do cinema como meio de transmitir uma informação. Essa facilidade que o cinema encontra, é devido a sua linguagem, que é apontada pelo escritor, roteirista, diretor e ator francês Jean-Claude Carrière como sendo uma “linguagem não só nova, como também universal” (CARRIÈRE, 2006, p. 20), o que não exclui os que não conseguem decifrar os códigos da escrita. A combinação de imagem em movimento e som é acessível a qualquer um. Dentro da concepção do cinema como agente da história podemos ressaltar a observação que Marc Ferro faz do cinema soviético e do cinema nazista, pois “foram os primeiros a encarar o cinema em toda sua amplitude, analisando sua função, atribuindo-lhe um estatuto privilegiado no mundo do saber, da propaganda e da cultura” (FERRO, 2010, p. 52). A propaganda para a União Soviética feita por Eisenstein com seus filmes, como o Encouraçado Potemkin, e também a propaganda de ideias nazistas observadas no filme de Veit Harlan, O Judeu Süss, mostram que “a utilização política dos filmes, nasceu praticamente junto com ele” (FERRO, p.51). Nesse campo, no qual encontramos filmes que fazem um trabalho político e ideológico, podemos fazer várias observações pertinentes ao seu contexto de produção e lançamento, e quando for o caso, fazer uma observação sobre como a história do filme é representada. Isso deve ser feito, pois como todo o trabalho de um historiador há seleção dos documentos que conduzirá a narrativa. É assim também para o diretor do filme, que escolherá dentro do contexto o que ele está filmando, os problemas necessários dentro da situação na qual está centrada sua trama, é a escolha do cineasta que determina a obra (FERRO, 2010). Outra observação sobre o uso da história dentro do cinema é feita por John Sayles, cineasta norte-americano, e lembrada por José Rivair Macedo no livro A Idade Média no Cinema, que diz A História é um celeiro para ser pilhado. Dependendo de quem você é e de qual é a sua agenda, ela pode ser útil ou não. Você lê seis livros sobre a história que vai filmar. Acha parte do que leu útil e descarta o resto: personagens, ideias, países...’. Por isto é que, em geral, a consultoria de historiadores diz respeito a detalhes e não ao quadro geral (MACEDO, 2009, p. 40). 2 Sendo esse o contexto da utilização da história nos filmes, devemos nos ater ao que Marc Ferro coloca como as possibilidades de trabalho com o filme pelo historiador. Segundo ele dentro do trabalho com o cinema como agente histórico, formador de consciência histórica e ícone da cultura de massas do século XX podemos destacar as duas principais leituras em estudos históricos com a produção cinematográfica. Podemos fazer uma leitura histórica dos filmes, na qual esse é documento das mentalidades de seu tempo, trazendo sua crítica social e perspectivas de mundo; e também uma leitura cinematográfica da história, que “coloca para o historiador o problema de sua própria leitura do passado” (FERRO, p. 12). A primeira observação seria a dos elementos do imaginário que são visíveis nas produções cinematográficas, como os exemplos dos cinemas soviéticos e nazistas, que utilizavam dos filmes para atingir a maior quantidade possível de pessoas com suas propostas ideológicas, e assim construir uma imagem dos partidos e de seus opositores. Já a segunda proposta visa observar e analisar a forma como a narrativa historiográfica é representada no cinema, levando em consideração todos os aspectos de produção e de sociedade que a produziu, como lembra Ferro “a crítica não se limita ao filme, ela se integra ao mundo que o redeia com o qual se comunica” (FERRO, p. 32). Nesse contexto entra o trabalho com os filmes históricos e com as narrativas históricas cinematográficas que eles criam, e consequentemente agem como formadoras de uma imagem da história para a grande população. Com o filme histórico deve-se tratar de alguns aspectos como, por exemplo, a tempo que ele reproduz na tela, onde e quando foi feito, as características que são mais visíveis no seu roteiro. Sendo o objeto de análise desse trabalho o filme Cruzada (EUA, 2005) de Ridley Scott, ele é um filme que reproduz um período da Idade Média, com foco no conflito entre os cristãos e muçulmanos no Oriente Médio do século XII, feito nos EUA alguns anos depois dos atentados terroristas ao World Trade Center (11 de setembro de 2001), e que destaca em seu roteiro os motivos dos principais embates entre esses povos culturalmente diferentes pelo controle de um território sagrado para ambos. 3 No que diz respeito à utilização da temática medieval no cinema, o professor José R. Macedo organizou em parceria com a professora Márcia Mongelli o livro A Idade Média no Cinema, no qual uma seleção de artigos de vários autores abordam as produções cinematográficas que tem em seu enredo elementos do medievo. Nesse trabalho, Macedo coloca as características que são buscadas pelo diretor ao realizar um filme com essa temática e as ferramentas que ele utiliza, dentro da indústria cinematográfica e histórica para fazer um filme. Segundo ele podemos colocar que nos filmes de reconstrução histórica, o Diretor (com consultoria, ou não, de historiadores profissionais) vê-se na contingencia de organizar imagens de um determinado momento da História, em função da coerência trama – em geral romanescas – conferindo-lhe um tratamento artístico” (MACEDO p. 24) É perceptível que ao realizar uma obra cinematográfica, é necessário que os elementos históricos sejam favoráveis à trama e assim o filme servirá aos seus propósitos, que vão alem de ser simples veículo de informação, mas também de legitimação de uma ideologia e de lotar salas de cinema. O que acontece é que “escolhem-se informações que parecem significativas no momento em que a obra é realizada” com a observação de que “não é o passado que se encontra no comando, mas sim o presente” (FERRO, p. 177). Mesmo com as características da escolha do tema e da forma como apresentá-lo estar vinculada com o momento de sua produção, é necessário saber o que leva a utilização de um período histórico específico para a narrativa do filme. E nesse caso, é saber o motivo de usar a Idade Média. Se observarmos a dinâmica dos choques comuns entre o Ocidente e o Oriente já se nota um motivo para a seleção do tema. Mas, além disso, Umberto Eco nos mostra outro motivo, pois segundo ele, a utilização da temática medieval segue a perspectiva de que “a Idade Média representa o crisol da Europa e da civilização moderna. A Idade Média inventa todas as coisas com as quais ainda estamos ajustando contas”(ECO, 1989, p.78). E um dos ajustes nos podemos colocar como sendo a relação conturbada que existe entre cristãos ocidentais e muçulmanos orientais. 4 O que segue a partir das discussões dentro do enredo da obra cinematográfica é uma mistura de ficção e história. Isso permitirá ao diretor fazer um elo entre o a estética cinematográfica e a discussão historiográfica, criando um momento propício para lançar ao público o tema que ele deseja discutir. Os filmes com temática histórica serão assistidos pelo grande público e para muitos, eles terão um caráter de real, de “documentário”. Sendo visível, eles trazem essa característica que é criar uma visão sobre o passado, passando a ensinar, mesmo com exageros, os costumes cavalheirescos, as práticas dos ocidentais no Oriente, mostrará os peregrinos, os pregadores, sonhos dos cruzados em salvar a alma ou enriquecer os cofres. Para os historiadores e eruditos podem ser falhos, mas para os espectadores que estão distantes das produções acadêmicas, ele construirá a noção de Idade Média, de cruzadas e de muçulmanos a ser lembrada, criando uma visão sobre a história que é difícil de ser apagada.. Eles não leem o suficiente, eles veem, e isso é o mais comum na sociedade atual na ora de buscar informação. Nessa hora o filme substitui a História. O fato do trabalho do diretor ter um caráter de disseminação de uma concepção de história, faz com que ele acabe criando uma narrativa cinematográfica da história, como Eisenstein fez no cinema soviético, criando um fato dentro da história do Potenkin que superou a versão original. Isso vem a fazer do diretor um fazedor de história, um history maker. Dentro da dinâmica do trabalho com a história no cinema, o diretor acaba fazendo às vezes do historiador. É ele que faz os cortes, coloca uma interpretação, uma discussão e remonta uma narrativa e uma estética sobre o passado. Com esse trabalho do diretor, ele se assemelha ao historiador, que no processo de trabalho com o documento faz estas ponderações sobre as informações contidas no mesmo. É aqui que entra a característica do history maker. O history maker é uma figura que aparece na sociedade de várias formas. Em alguns casos ele aparece como um guardião local da memória, em outros ele é o escritor que sem o conhecimento metodológico do historiados registra fatos importantes, é o jornalista que faz ser lembrado todo o ano acontecimentos locais que, pela concepção de um grupo, não podem ser esquecidos. É um escritor que apropriando 5 de um evento histórico, recria parte do mesmo e inseri um personagem fictício nesse passado, mas mesmo assim recria todo o contexto e atmosfera desse passado. São pessoas que estão sempre trabalhando com esses fatores da história ou da memória sendo esta uma das características da contemporaneidade, que segundo Jaques Le Goff, hoje se vive “obcecado pelo medo de uma perda da memória, de uma amnésia coletiva, que se exprime desajeitadamente pela moda retro, explorada sem vergonha pelos mercadores de memória desde que a memória se tornou um dos objetos da sociedade de consumo que se vende bem” (LE GOFF, 1990, p. 472). Assim, podemos conceituar o history maker como “autores que escrevem sobre o passado sem fazer uso das regras estabelecidas pela comunidade acadêmica, ou que recolhem depoimentos orais carregando a crença em que o relato individual expressa em si mesmo a história” (FERREIRA, 2002, p. 326). Ao tratar sobre a questão da memória, das identidades atuais e como é feito o conhecimento histórico a terminologia utilizada pela professora Marieta de Morais Ferreira caracteriza então, aqueles que fazem uso do conhecimento histórico dentro de suas produções, principalmente as midiáticas. Nós teremos nessa categoria jornalistas, romancistas e os diretores de cinema e televisão. Estes, que utilizando dos meios artísticos e trarão momentos históricos ao cotidiano. Eles exibirão séries, livros, filmes, matérias de jornais, com conteúdo histórico para legitimar, criticar, expor ou informar sobre a história à massa consumidora. Essa massa que procura por sua identidade fragmentada pelas mudanças culturais e filosóficas do século XX e fazem dos meios de comunicação de massa a fonte de informação dos tempos pós-modernos. No meio cinematográfico, temos vários diretores que seguem as características do history makers. O historiador que também trabalha com o cinema, Robert Rosenstone aponta, por exemplo, o diretor Oliver Stone como um historiador da América recente (ROSENSTONE, 2009), devido ao peso dos seus filmes na concepção dos acontecimentos dos Estados Unidos durante a época moderna e relativa às situações, principalmente, da guerra do Vietnã. Outros diretores também podem entrar nessa lista, como Bergman com O Sétimo Selo (Suécia, 1959), Mel Gibson com 6 Coração Valente (EUA, 1995) e O Patriota (EUA, 2000); Jerry Zucker com Lancelot, o primeiro cavaleiro (EUA, 1995); Carl Theodor Dreyer e A paixão de Joana D’Arc (França, 1928), Jean-Jacques Annaud com O Nome da Rosa (França, 1980), entre outros, que também trouxeram para o cinema alguma encenação de algum contexto histórico ou criação dentro de parâmetros históricos, o que caracteriza esses diretores dentro dos history makers. Para este trabalho observaremos a produção do diretor Ridley Scott, que mostra sua característica como history maker. A produção dele não é apenas histórica, mas trataremos aqui dos filmes que possuem essa característica. Os filmes de Ridley Scott com temas históricos são Os Duelistas (The Duellists, Inglaterra, 1977), 1492: A Conquista do Paraíso (1492: Conquest of Paradise, ESP/FRA/ING 1992), Gladiador (Gladiator, EUA, 2000), Cruzada (Kingdom of Heaven, EUA/Marrocos, 2005), O Gângster (EUA, 2007) e Robin Hood (Robin Hood, EUA, 2010). Eles são narrativas que tratam de contextos históricos específicos nos quais o diretor reconstruiu, reinterpretou, incluiu ou inseriu situações, em nome da narrativa cinematográfica. Em seus trabalhos históricos percebemos que há uma produção maior em temas de História Antiga, Medieval e Moderna. Ridley Scott pode ser considerado um history maker por produzir um determinado conhecimento histórico, não conhecimento acadêmico. Observações, novas interpretações, elementos cotidianos, tudo isso passa a ser conhecimento das pessoas graças a filmes como esses. Robert Rosenstone comenta que “hoje em dia, a principal fonte de conhecimento histórico para a maioria da população é o meio audiovisual” (ROSENSTONE, 1997) e Ridley Scott, com seus filmes, acaba formando uma consciência histórica naqueles que são levados à salas de cinema, e saem com algum conhecimento sobre o passado. Rosenstone trabalha em um texto que compõe o livro Cinematógrafo (UNESP, 2009), seis observações a serem feitas em um filme histórico, tendo como seu referencial os filmes do diretor Oliver Stone. Ele aponta as principais características do que Oliver Stone mostra na construção de seus filmes e de seu impacto na sociedade estadunidense devido, principalmente, as questões da guerra do Vietnã. Utilizando 7 como base o estudo sobre Oliver Stone o aplicaremos na produção de Ridley Scott, em específico no filme Cruzada, para observarmos as situações do conflito Oriente x Ocidente que ele retrata, alem do papel do diretor como um history maker. Rosenstone coloca que “O filme dramático conta história como história, um conto com começo, meio e fim. Um conto que te deixa uma lição de moral e (geralmente) um sentimento de melhora” (ROSENSTONE, 2009, p. 396). No enredo que Ridley Scott monta para o Cruzada, temos questões sobre a honra, o proteger o povo, a diplomacia vencendo ao final, a relação entre o homem e o seu mundo conturbado e dividido por religiões. Scott utiliza momentos específicos dos eventos históricos reais, introduzindo novas observações sobre os fatos e interpretações que tendem a buscar uma reflexão. Em Cruzada o papel do fanatismo residente nos dois lados do conflito é um ponto que remete a reflexão sobre o papel violento dos cristãos, e a forma como o líder muçulmano mostra-se tão benévolo ao negociar e não querer repetir o feito dos cruzados ao tomar Jerusalém em 1099. Como Saladino mesmo lembre no diálogo com Balian: - Os cristãos massacraram todos os muçulmanos quando tomaram a cidade. (Balian), - Eu não sou um desses homens. Sou Saladino. Saladino. (Saladino) (Cruzada, 2:05:02). Outra característica que Rosenstone aponta é que Filmes insistem em que a história é a história de indivíduos. Podem ser homens ou mulheres que já são renomados (mas geralmente homens), ou indivíduos criados para parecer importantes porque foram singularizados pela câmera. Aqueles que ainda não são famosos são pessoas comuns, mas que fizeram coisas heróicas ou admiráveis, ou que sofreram más e incomuns circunstâncias de exploração e opressão. Colocar indivíduos no centro do processo histórico pode significar que a solução de seus problemas pessoais passam a ser a solução dos problemas históricos. (ROSENSTONE, 2009, p. 397) A câmera é focada a exaltar os feitos e a participação dos protagonistas das tramas. No caso de Cruzada os protagonistas são o cruzado Balian, e em segundo plano Saladino, pois sua figura é uma das mais importantes no filme. São eles que realçam a narrativa do filme e as especificidades históricas. É o bastardo elevado a nobre que pode mudar sua vida e os caminhos da Guerra Santa, e o nobre inimigo que age tão 8 honradamente, ou ate mais que os cristãos e impede que a carnificina seja repetida. A história é de personalidades centrais, que permitem uma melhor assimilação da mensagem pelo espectador. Rosenstone também destaca que O filme nos oferece história como uma história fechada, simples e completa do passado. Não sugere possibilidades alternativas para o que vemos acontecer na tela, não admite dúvidas e fornece toda afirmação histórica com o mesmo grau de confiança. (ROSENSTONE, 2009, p. 397) A narrativa em Cruzada coloca o passado fechado. O desfecho é conhecido, e isso faz com que a narrativa não fique variando tanto. O que deve ser modificado, adicionado é relativo ao desenrolar da trama, mas o fim é conhecido e esperado. Balian lutará contra o exército de Saladino, resistirá bravamente, mas no final verá que a única forma de sair com vida do confronto é entregando a Jerusalém ao inimigo sob um acordo colocando fim ao cerco de Jerusalém. O aprendizado sobre o tempo histórico será feito pela estética do filme, o efeito de trazer o passado para frente de quem vê. A partir disso o que a obra mostra de fictício acaba não comprometendo os ensinamentos sobre o choque entre os exércitos na Terra Santa. O cinema constrói situações que “provocam impressões muito fortes nos espectadores e são dotados de alto potencial de convencimento, gerando aquilo que se denomina de ‘efeito real’” (MACEDO, 2009: p. 24). Favorecendo à absorção do visto como meio de informação. Outra característica que podemos relembra de Rosenstone é que O filme mostra a história como experiência. Ele emociona e dramatiza o passado, nos dá a história como triunfo, angústia, alegria, desespero, aventura, sofrimento, e heroísmo. Fazendo isso, ele acaba com a distância que os historiadores tradicionais mantêm dos sentimentos e sugere que a emoção é uma parte importante do nosso legado histórico, que, de alguma maneira, podemos adquirir conhecimento histórico através da empatia. (ROSENSTONE, 2009, p.398) Em Cruzada a trama é elaborada dentro do tempo histórico é narrado de forma a fazer sentido dentro da linguagem cinematográfica. Desde o figurino, maquiagem, trilha sonora são elaborados para transportar o espectador para dentro dos 9 problemas de Balian frente ao avanço de Saladino. Quanto mais ele atrair e ser assimilado pelo público ela fará com que aquele assunto tratado na tela seja entendido por quem o vê. A tentativa de criar um “reino dos céus” na Terra, a promessa de proteger o povo, a benevolência do vencedor. Os personagens passam a corresponder a anseios dos espectadores, os aproximam os que possuem as características que os personagens estão mostrando e defendendo e “o cinema passa assim a ser visto como um modificador de mentalidades, sentimentos e emoções de milhões de indivíduos” (NÓVOA, 2009, p. 175). Ainda temos a constatação de que “o filme mostra a história como processo. O mundo na tela traz um conjunto de coisas que, para propósitos analíticos ou estruturais, a história escrita muitas vezes tem de separar” (ROSENSTONE, 2009, p. 398). O que ele mostra é que os capítulos dos livros de história que separam as especificidades de uma análise como comportamento, vestuário, culinária, crenças, na tela estão todos juntos, em uma única tomada. Podemos observar como Ridley Scott faz essas exposições ao promover uma reconstrução com base no realismo de suas películas. Em seus filmes fazem essa união de aspectos na tela que os livros de história separam, devido á própria dinâmica da escrita e da descrição historiográfica. Na imagem, principalmente quando esta possui movimento e som, é simples aglomerar a um diálogo a forma de falar, de vestir, de se portar. Nóvoa diz que “do cinema vem o fato de que a “escrita” cinematográfica possibilitou a única linguagem capaz de, na exposição fundir dialeticamente a multiplicidade dos tempos históricos” (NÓVOA, 2009, p. 165). Assim a história nos filmes torna-se mais atraente e mais fácil de ser compreendia na pluralidade de elementos que estão presentes na tela. Torna-se mais fácil conhecer no filme o motivo que levou os cristãos a irem para ao Oriente, e o motivo que fez os muçulmanos buscarem reconquistar os territórios invadidos. Fator esse que chama a atenção para os acontecimentos cotidianos envolvendo os dois grupos. Sendo agora conhecido por uma grande parte que as hostilidades entre eles são históricas e não são unilaterais. Rosenstone aponta para a transformação que os filmes causam. Segundo ele “filmes nos dão uma imagem tão obvia do passado – de prédios, paisagens e artefatos – 10 que talvez não vejamos o que isso faz com o nosso senso de história” (ROSENSTONE, 2009, p.398). A isso podemos colocar a assimilação imediata da história dos filmes à história que ele representa. As características do passado que estão nos filmes ganham sentido de “documento”, de reconstrução factual, e passa a fazer parte do imaginário sobre o passado. Não mais a descrição, mas sim a imagem do ator que representou algum personagem histórico. Saladino agora tem o rosto de Ghassan Massoud, Balian não é mais o homem maduro que surge nas crônicas das cruzadas apenas no cerco de Jerusalém, mas é um herói que vi a queda do reino de Jerusalém desde o início. As ações nos filmes serão ora de conflitos, ora de conformidades com as biografias e os relatos historiográficos. São formas de história que se fazem “necessária para preencher as especificidades de uma cena histórica particular. É também necessária ou para criar uma sequência visual coerente (e movimentada) ou para criar personagens históricos” (ROSENSTONE, 2009, p.400). Ridley Scott não chega a criar uma “história paralela”, já que a sua trama está centrada em um fato histórico. Assim, apenas em pontos específicos e que tem mais relevância no que diz respeito à narrativa cinematográfica, que as grandes modificações aparecem. Ao vermos em características gerais a forma com que Ridley Scott monta seus filmes, podemos dizer que ele conta realmente uma história, que seus filmes pode ser classificados como históricos segundo os requisitos que Rosenstone aponta. Esses requisitos são mais do que um simples drama de época, um filme deve reunir questões, ideias, fatos e argumentos neste campo do conhecimento. O filme histórico não pode cair nas invenções caprichosas, não pode ignorar os achados e asserções dos quais já sabemos. Como qualquer estudo de história, um filme deve ser julgado nos termos do conhecimento que nós já possuímos. Como qualquer trabalho de história, ele se situa dentro do corrente debate sobre a importância dos eventos e o significado do passado (ROSENSTONE, 2009, p.403) Se Ridley Scott transmite uma forma de conhecimento através de seus filmes, ele também colocou em pauta novamente a discussão sobre o papel das imagens no que diz respeito à transmissão do conhecimento. Pois “dada uma sociedade na qual a leitura, particularmente leitura séria sobre o passado, é um esforço elitista, é possível que esta história na tela seja a história que se fará no futuro” (ROSENSTONE, 2009, p. 407). E “não importa o que achemos 11 deles, devemos admitir que filmes nos dão história como visão” (ROSENSTONE, 2009, p.407). Estamos mergulhados em imagens e serão elas que farão a inserção de vários conhecimentos em nosso cotidiano. Dentro das circunstâncias nas quais o filme toca é o caso dos atentados de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas nos EUA. Devido a essa situação ser recente, muitos achavam que o filme viesse a provocar reações por parte do mundo islâmico, retratando nas telas o estereótipo do oriental que muito foi explorado pelo Ocidente. No que remete a posição que Eduard Said mostra, de que se criou uma visão do Oriente que se tornou o próprio Oriente, violento, exótico, misterioso, etc. (SAID, 2007). Esse fator, por ser constante, levava a crer que os traços marcantes que sempre foram explorados ao extremo pelo Ocidente pudessem vir a ser novamente utilizados, mas o filme mostra uma outra perspectiva. Ridley Scott fez uma narrativa utilizando de meios que, mesmo sendo perceptíveis alguns estereótipos, eles abrem espaço para uma nova observação: os excessos e fanatismos por parte dos cristãos. O massacre da tomada de Jerusalém de 1099 é lembrado, a posição de Saladino como alguém que não repetirá o feito é focada, a provocação do conflito por parte do rei Guy é outro aspecto importante. Portanto, ao elaborar uma narrativa histórica cinematográfica, Ridley Scott, mesmo com a utilização do monomito do herói (CAMPBELL, 1997), mesmo utilizando de uma estética que mostra-se real em grande parte apenas no vestuário e no arquitetônico, ainda assim conseguiu mostrar aspectos históricos que precisavam ser mostrados: que a violência, a intolerância, a honra e o heroísmo estiveram presentes em todos os lados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1997. 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