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DIANGÓSTICO REGIONAL O TRÁFICO DE MULHERES COM FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL NO MERCOSUL Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher do MERCOSUL ARGENTINA Ministério de Relações Exteriores e Culto Representação para os assuntos da Mulher em Âmbito Internacional Embaixadora Gloria Bender Conselho Nacional das Mulheres Presidenta Mariana Gras Buscetto BRASIL Secretaria de Políticas para as Mulheres – Presidência da República Federativa do Brasil (SPM). Ministra Eleonora Menicucci PARAGUAI Secretaria da Mulher – Presidência da República do Paraguai. Ministra Gloria Rubin URUGUAI Instituto Nacional das Mulheres – Ministério de Desenvolvimento Social. Diretora Beatriz Ramirez Este documento foi realizado com o apoio do Programa MERCOSUL da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento -AECID-, Projeto de Fortalecimento da Institucionalidade e a perspectiva em gênero no MERCOSUL. Autoras do Diagnóstico Regional: Diana González Prett e Andrea Tuana Nägel. Dezembro de 2011 Texto original em espanhol. Tradução para o português: Ana Maria Gomes Raietparvar. Projeto gráfico: Maru Acorinti / Ana Canelo. Autoriza-se a reprodução sempre que citada a fonte. É proibido o uso deste material, de suas reprodução ou traduções com fins comerciais. Nota: os resultados desta investigação refletem a exclusiva opinião das autoras, as quais a Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher do MERCOSUL considera competentes no assunto. 2 ÍNDICE GERAL Prólogo Pag. 5 Apresentações Pag. 6 Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher do MERCOSUL (RMAAM) Organismos que integram a RMAAM Programa MERCOSUL – AECID Projeto de Fortalecimento da institucionalidade e da perspectiva em gênero no MERCOSUL As autoras regionais Diagnóstico regional Diana González – Andrea Tuana Pag. 11 Diagnósticos nacionais: Argentina Laura Sardá – Liliana Russo Pag. 83 Brasil Verónica Teresi Pag. 89 Paraguai Lourdes Barboza Pag. 95 Uruguai Cristina Prego Pag. 99 3 PRÓLOGO casos, os organismos competentes apoiaram a tarefa das consultas e deram aval aos informes apresentados em meados de 2011. “Diagnóstico regional sobre a situação das mulheres vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual no MERCOSUL” é resultado de um trabalho impulsionado e liderado pela Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher do MERCOSUL (ex Reunião Especializada da Mulher) no marco do Projeto ‘Fortalecimento da Institucionalidade e perspectiva em gênero no MERCOSUL’, financiado pelo Programa de Cooperação MERCOSUL – Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID). Esta publicação forma parte de uma estratégia regional de abordagem a uma das formas mais flagrantes de violência contra as mulheres: o tráfico de mulheres com fins de exploração sexual. Com base na plena consciência de que o tráfico de mulheres é um fenômeno complexo que prende as mulheres em um círculo vicioso de violência, exclusão e pobreza, a Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher do MERCOSUL priorizou a criação de uma estratégia regional que contenha ferramentas para fortalecer o trabalho conjunto no enfrentamento deste fenômeno, de suas causas e consequências sobre a vida das mulheres. Este diagnóstico implicou numa análise profunda da caracterização do tráfico de pessoas, com ênfase no tráfico de mulheres com fins de exploração sexual, permitindo assim avançar no conhecimento da temática e na avaliação de possíveis estratégias conjuntas entre os países do MERCOSUL. A equipe responsável selecionada para realizar o trabalho em nível regional foi formada pela Doutora Diana González Perett e a Assistente Social Andrea Tuana Nägeli e foi realizado durante o ano de 2011. Com o objetivo de realizar diagnósticos aprofundados em cada um dos países, as consultoras contaram com documentos nacionais elaborados por especialistas em direito e/ou ciências sociais, com amplo conhecimento do tema. Na Argentina, o documento foi elaborado pela Doutora Laura Sardá e pela Bacharel Liliana Russo, no Brasil pela Mestre Verónica María Teresi, no Paraguai pela Doutora Lourdes Barboza e no Uruguai pela Socióloga Cristina Prego. Cabe destacar que em todos os No processo de elaboração do presente diagnóstico foram requeridas instâncias presenciais para o aprofundamento de temas concretos, especialmente em algumas zonas de fronteira comum (Brasil-Argentina, Argentina-Paraguai e Tríplice fronteira). Para tanto, a equipe de consultoras regionais realizou uma missão a estes pontos-chave, onde puderam intercambiar com alguns dos atores principais1. Este diagnóstico passou por um processo de enriquecimento e validação no marco do Seminário Internacional “O tráfico de mulheres no MERCOSUL. Por um acordo regional de atendimento a mulheres em situação de tráfico de pessoas”, organizado com o apoio do Programa MERCOSUL – AECID e do Centro de Formação da Cooperação Espanhola. O mesmo contou com a participação de organismos nacionais, regional e internacionais com competência na identificação, intervenção, resgate /ou reinserção de pessoas em situação de tráfico dos quatro países envolvidos neste projeto, assim como especialistas de organismos internacionais como a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e crime (UNODC). 1. As consultoras regionais realizaram uma missão de trabalho entre 30 de agosto e 1 de setiembre de 2011, participando em reuniões em Assunção, Ciudad Del Este e Encarnación (Paraguai), Tríplice Fronteira (Argentina-Brasil-Paraguai), Posadas (Argentina), Foz do Iguaçu (Brasil) e também ao Posto de Atendimento no Aeroporto de Guarulhos, São Paulo (Brasil). 2. Por exemplo, as consultoras regionais apresentaram o Diagnóstico na Mesa Interinstitucional no Paraguai e no II Encontro Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil (que se desenvolveu na cidade de Recife dos dias 7 a 9 de novembro de 2011). Com o fim de permitir o intercâmbio e comentários necessários ao Diagnóstico Regional, cada país considerou diferentes mecanismos para a sua validação, através do encontro regional ou de instâncias nacionais, o que também produziu um impacto positivo enriquecendo as políticas de enfrentamento ao tráfico.2 Por último, esta publicação contém duas ferramentas: por uma parte, uma publicação em papel que inclui duas seções: o diagnóstico regional e uma breve síntese de cada um dos diagnósticos nacionais; e, por outra parte, a publicação e os diagnósticos nacionais completos em formato digital. A Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher do MERCOSUL celebra esta publicação por vê-la como de fundamental importância para a construção de uma resposta integral regional de enfretamento da problemática, e parabeniza as consultoras regionais e nacionais pela finalização desta pesquisa, que constitui uma importante contribuição para a visibilização das diferentes formas de violência de gênero que sofrem as mulheres no MERCOSUL. Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher do MERCOSUL 5 APRESENTAÇÕES Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher (RMAAM) Desde a constituição do MERCOSUL, ONGs feministas, sindicalistas, a FLACSO, a UNIFEM e o Fórum de Mulheres do MERCOSUL uniram esforços para introduzir a dimensão de gênero no processo de integração regional. Estas iniciativas se dirigiram em particular ao Subgrupo de trabalho nº 11 do MERCOSUL, dedicado às relações trabalhistas, emprego e previdência social. Entre 1995 e 1997, antes da IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, foram realizados seminários de formação e análise da situação das mulheres no MERCOSUL. Estes encontros permitiram que as áreas governamentais da mulher dos países integrantes do MERCOSUL emitissem, ao final da atividade, uma declaração conjunta que expressava a necessidade do Conselho do Mercado Comum de implementar mecanismos para garantir a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no desenvolvimento dos trabalhos nos âmbitos de negociação que integram o MERCOSUL, e que se considerasse a criação da Reunião de autoridades (a mais alta categoria) dos órgãos governamentais responsáveis por executar as políticas públicas para mulheres nos países do MERCOSUL. Estas declarações foram o antecedente direto da criação da Reunião Especializada da Mulher do MERCOSUL (REM), concretizada em 1998 pela Resolução do Grupo Mercado Comum (GMC) (Resolução 20/98). Uma década mais tarde, levando em consideração os avanços institucionais que tiveram os organismos nacionais de políticas para as mulheres, a REM solicitou a elevação de seu status a Reunião de Ministras e Altas Autoridades. A partir da Resolução do Conselho do Mercado Comum Nº 24/02 de dezembro de 2011, é reconhecida a institucionalidade e as hierarquias dos mecanismos nacionais participantes e é criada a Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher do MERCOSUL (RMAAM). De acordo com esta Resolução, a RMAAM mantém seu objetivo: «analisar a situação da mulher, levando em consideração a legislação vigente nos Estados Partes do MERCOSUL, em relação ao conceito de igualdade de oportunidades, com o objetivo de contribuir ao desenvolvimento social, econômico e cultural das comunidades dos Estados Partes do MERCOSUL». Integram a RMAAM os/as representantes governamentais dos quatro Estados Partes, com a coordenação das respectivas seções nacionais determinadas por 6 cada Estado Parte. São estas: a Representação Especial para Temas no Âmbito Internacional da Mulher, da Chancelaria Argentina; a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República do Brasil; a Secretaria da Mulher da República do Paraguai, e o Instituto Nacional das Mulheres, do Uruguai. Participam da RMAAM Venezuela e como Estados associados Bolivia, Chile, Colômbia, Equador e Peru , e assessoram como representantes da sociedade civil várias organizações não governamentais. Desde a sua criação, o organismo regional realizou 26 reuniões semestrais, nas quais as ministras fizeram intercâmbios e realizaram acordos para favorecer os avanços de gênero em cada um dos países, e ainda promovem a inclusão da perspectiva de gênero na institucionalidade do MERCOSUL. Desde seu começo, os temas debatidos fizeram referencia à participação econômica e política das mulheres, à eliminação da violência em todas as suas formas, à saúde das mulheres, às condições sociolaborais e enfrentamento e ao tráfico de mulheres, entre outros. Para aprofundar nos temas concretos, a RMAAM acordou a organização de duas mesas técnicas: luta contra a violência de gênero (em particular: a erradicação da violência doméstica e o enfrentamento ao tráfico de mulheres e gênero); e trabalho e integração econômica. A RMAAM é o principal fórum de coordenação política entre as máximas autoridades na problemática da mulher, onde se debatem, promovem e implementam políticas públicas regionais em questões de gênero. É prioritário continuar trabalhando pelo melhoramento das condições de vida de todas as mulheres do MERCOSUL, assim como pelo aprofundamento da institucionalidade de gênero. Organismos que integram a RMAAM ARGENTINA Representação Especial da Mulher em Âmbito Internacional (REMUI) Este organismo está atrelado ao Ministério de Relações Exteriores e Culto da Argentina. É encarregado de efetuar o seguimento da agenda de gênero em âmbito regional e internacional. A REMUI articula com o Conselho Nacional das Mulheres (CNM) as ações da RMAAM. Este Conselho forma parte do Conselho Nacional de Coordenação de Políticas Sociais da Presidência da Nação, e é o organismo nacional responsável pelas políticas públicas de igualdade de oportunidades e tratamento entre homens e mulheres. Preside o Conselho Federal de Mulheres. BRASIL Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República Federativa do Brasil (SPM). A SPM foi criada no ano de 2003 e a partir de 2007, mediante a ‘medida provisória 483’, torna-se um órgão essencial da Presidência da República, passando a ter um caráter ministerial. O organismo é responsável por estabelecer as políticas públicas que contribuam para melhorar a vida das mulheres e reafirmar o compromisso do Governo Federal com todas as mulheres do país. Atualmente, executa o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e realizou a III Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres no final de 2011. PARAGUAI Secretaria da Mulher da Presidência da República do Paraguai (SMPR) O organismo foi criado em 1992 mediante a Lei 34/92. É a instância governamental regente normativa e estratégica das políticas de gênero. Conta com autonomia técnica e de gestão e impulsiona planos de ação para promover a igualdade de oportunidades e a equidade de gênero entre mulheres e homens. Está diretamente integrada à Presidência da República. Atualmente coordena a implementação do III Plano Nacional de Igualdade entre Mulheres e Homens 20082017. URUGUAI Instituto Nacional das Mulheres (Inmujeres) do Ministério de Desenvolvimento Social. O Instituto Nacional das Mulheres, criado em 2005 na órbita do Ministério de Desenvolvimento Social (lei Nº 17.886, art. 6), é o organismo regente das políticas de gênero no Uruguai, responsável pela promoção, desenho, coordenação, articulação e execução das políticas públicas a partir de uma perspectiva de gênero, e também pelo seu seguimento e avaliação, garantindo a igualdade de direitos e a equidade de oportunidades de mulheres e homens nos âmbitos político, econômico, social, cultural e territorial. Sua visão é integrar a perspectiva de gênero como enfoque de análise e gestão no Estado considerando a diversidade da sociedade, de modo a garantir o exercício de uma cidadania ativa de mulheres e homens, aprofundando, assim, a democracia e garantindo a justiça social. 7 Programa de Cooperação MERCOSUL-AECID O Programa de Cooperação MERCOSUL- Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento –AECID, forma parte da aposta decidida da Cooperação Espanhola por apoiar os organismos regionais e os processos de integração na América Latina. Em 20 de junho de 2008, sob a Presidência pro tempore da Argentina, foi assinado em Buenos Aires um Memorando de Entendimento entre a AECID e o MERCOSUL. Neste documento, o MERCOSUL reconhece haver definido eixos de ação para contribuir e aprofundar a integração regional, o desenvolvimento e a competitividade na região e a cooperação política e social entre os países, como claro comprometimento com as demandas da população. A AECID ratifica assim seu compromisso com o progresso da América Latina e com a execução de ações que permitam seu desenvolvimento sustentável. Ambas partes reiteram que compartilham de uma visão a médio e longo prazo orientada à ampliação de capacidades regionais e ao aproveitamento de oportunidades com fim de contribuir para a redução da pobreza e de fomentar sociedades mais equitativas. A área geográfica contemplada pelo Programa de Cooperação MERCOSUL-AECID é compreendida entre as fronteiras físicas dos Estados Partes do MERCOSUL: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Não se exclui a possibilidade de realizar ações no âmbito da região sul americana, especialmente incluindo os estados associados ao MERCOSUL (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Isto, sempre que os Estados Partes assim o solicitem ou não tenham inconvenientes e tenham prévia negociação e diálogo com a AECID. O âmbito temporal de aplicação do Programa de Cooperação MERCOSUL-AECID, conforme estabelecido no Memorando de Entendimento (MDE), se inicia desde o momento de sua assinatura e tem um prazo de quatro anos, renováveis por mútuo acordo das partes. Em consequência, se estabelece como primeiro período o quatriênio 2008-2011. O Programa tem a finalidade de contribuir para o fortalecimento das instituições do MERCOSUL e de impulsionar ações de desenvolvimento e favorecer a geração 8 de maiores níveis de coesão social em seus Estados Parte. Com este objetivo, se torna essencial o apoio às instituições do MERCOSUL, com participação da sociedade civil, para que sejam elas que elaborem e executem políticas públicas e ações em setores estratégicos do processo de integração regional. O Programa de Cooperação MERCOSUL-AECID contempla seis linhas de trabalho, cinco delas definidas no MDE por serem do âmbito de interesse comum às partes, e uma sexta linha incorporada mais tarde por solicitação do MERCOSUL: 1. Formação de capacidades e fortalecimento institucional 2. Gênero 3. Meio-ambiente 4. Integração produtiva 5. Desenvolvimento local, rural e fronteiriço 6. Saúde O orçamento previsto do Programa para o período 2008-2011 é de €5.000.000. Na linha de ação de gênero, a AECID busca propiciar a inclusão da agenda de gênero nas instituições do MERCOSUL e sua transversalização nas políticas públicas dos Estados Parte. Projeto: Fortalecimento da institucionalidade e a perspectiva de gênero no MERCOSUL A necessidade de aprofundar a inclusão da perspectiva de gênero no processo de integração regional e de atualizar as ações acordadas entre os países com relação às políticas de gênero conduziu à elaboração do projeto Fortalecimento da institucionalidade e da perspectiva de gênero no MERCOSUL. Este foi aprovado pela institucionalidade do MERCOSUL em dezembro de 2008, para ser executado com fundos da AECID pela Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher do MERCOSUL. O projeto possui quatro eixos. O primeiro é o fortalecimento dos organismos de gênero, tanto com recursos financeiros como humanos, para o qual são previstas ações em cada um dos países e na institucionalidade do MERCOSUL. O segundo eixo pretende comparar em escala regional indicadores de violência doméstica baseada em gênero. O terceiro inclui a promoção da parti- cipação política das mulheres no âmbito do MERCOSUL e de cada país membro, favorecendo a regionalização das políticas. O quarto promove a luta contra o tráfico de mulheres com fins de exploração sexual comercial. Os eixos ou componentes dão lugar a várias ações e atividades de sensibilização, consultorias nacionais e regionais, articulação com outras reuniões especializadas e organismos do MERCOSUL, busca e sistematização de informação, ferramentas de comunicação e outros mecanismos que propõem impactos concretos. O projeto conta com 700 mil euros para serem geridos durante os anos de 2009 a 2012, prazo em que se espera ter avançado nos seguintes temas concretos: • Fortalecimento da RMAAM. • Sensibilização em gênero dos servidores nacional e regional. • Implementação de indicadores comparáveis em nível regional em violência doméstica baseada de gênero. • Favorecimento da participação política das mulheres no MERCOSUL. • Implementação de ações de luta contra o tráfico de mulheres com fins de exploração sexual As autoras Diana González Perett Doutora em Direito e Ciências Sociais pela Universidad de la República de Uruguay, cursou mestrado em Direitos Humanos na Universidad de Andalucía – Espanha e cursos especializados na Argentina, nos Estados Unidos e no Uruguai. Têm ampla formação e experiência em direitos humanos, direitos de crianças e adolescentes, exploração sexual, assim como em violência contra a mulher, especialmente em tráfico de mulheres com fins de exploração sexual. Participou de diversas pesquisas sobre estas temáticas. É assessora jurídica em temas de direitos humanos, mulher, infância, adolescência e diversidade sexual, tanto em organizações sociais quanto no âmbito público (executivo e legislativo). Publicou diversos estudos sobre direitos humanos, violência, gênero e idade, incluindo o tráfico de mulheres com fins de exploração sexual. Andrea Tuana Nâgeli É graduada pela Escuela Universitaria de Trabajo Social del Uruguay, diplomada em Gênero, Desenvolvimento e Planejamento no Chile. Sua experiência de trabalho é centrada na luta contra as discriminações a partir de múltiplas perspectivas. Tem experiência no trabalho direto, na docência e na definição de políticas pela sociedade civil e pelo âmbito público em questões de violência baseada em gênero e discriminações. Especialista em violência doméstica e sexual contra mulheres, crianças e adolescentes. Realizou múltiplas investigações e participou na redação de Planos e Programas nacionais que lutam contra a Violência Doméstica, a Violência Sexual e o Tráfico de Mulheres. Publicou diversos estudos sobre direitos humanos, violência, gênero e idade, incluindo o tráfico de mulheres com fins de exploração sexual. Integra organismos internacionais de luta contra o tráfico de mulheres (Coalizão contra o Tráfico de Mulheres e Crianças na América Latina e no Caribe – CATWLAC) e nacionais (Mesa Interinstitucional de luta contra o tráfico de mulheres com fins de exploração sexual comercial do Uruguai).. 9 DIAGNÓSTICO REGIONAL ›MERCOSUL‹ TRÁFICO DE MULHERES COM FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL NO MERCOSUL Diana González Andrea Tuana Março 2012 11 INDICE Indice Diagnóstico Regional Apresentação Pag. 16 Capitulo 1. Marco de referência ·1.1. Perspectiva de gênero ·1.2. Perspectiva pos estruturalista ·1.3. As teorias Queer ·1.4. Violência baseada de gênero Pag. 19 Capitulo 2. Cenário internacional ·2.1. Mobilização internacional contra o tráfico de pessoas ·2.2. Síntese dos convênios internacionais e instrumentos de direitos humanos sobre tráfico de mulheres com fins de exploração sexual Pag. 23 Capitulo 3. Marco conceitual ·3.1. Diferenças entre tráfico de pessoas e contrabando de migrante ·3.2. Características do tráfico ·3.3. Fatores que favorecem ou causam o tráfico ·3.4. Objetivos do tráfico Pag. 29 Capitulo 4. CCaracterização do tráfico de pessoas ·4.1. Principais fatores de vulnerabilidade detectados na região ·4.2. Amplitude do problema ·4.3. Características das vítimas Pag. 33 Capitulo 5. As Rotas de tráfico de pessoas na região ·5.1 Principais zonas de captura e recrutamento ·5.2 Principais zonas de destino de tráfico interno e internacional ·5.3 Zonas de fronteira altamente vulneráveis Pag. 37 Capitulo 6. Redes tráfico de pessoas ·6.1 Estratégias de captura e recrutamento ·6.2 Viagem e trânsito ·6.3 Destino e exploração Pag. 45 Capitulo 7. Respostas institucionais e legislação ·7.1 Síntese descritiva ·7.2 Análise das respostas institucionais Pag. 49 Capitulo 8. Conclusões ·8.1 Caracterização ·8.2 Respostas institucionais Pag. 75 Capítulo 9. Recomendações Pag. 79 Bibliografia Pag. 81 13 Indice de mapas Mapa I: Principais zonas de captura e recrutamento na região Mapa II: MERCOSUL como região de origem Mapa III: MERCOSUL como zona de destino Mapa IV: Fronteiras vulneráveis Pag. 38 Pag. 40 Pag. 42 Pag. 44 Índice de quadros Quadro 1: Principais zonas de captura e recrutamento Quadro 2: Principais zonas de destino de tráfico interno e internacional Quadro 3: MERCOSUL como região de destino Quadro 4: Zona de fronteira altamente vulnerável Quadro 5: Políticas públicas Quadro 6: Campanhas de sensibilização e informação Quadro 7: Linhas telefônicas Quadro 8: Capacitação e fortalecimento institucional Quadro 9: Protocolos realizados Quadro 10: Penalização do tráfico de pessoas 14 Pag. 37 Pag. 39 Pag. 41 Pag. 43 Pag. 56 Pag. 57 Pag. 62 Pag. 64 Pag. 65 Pag. 72 RESUMO EXECUTIVO Identificam-se também circuitos de tráfico interno em cada um dos países. Em diversos momentos da História ocorreu o crime do tráfico de mulheres com fins de exploração sexual, mas só recentemente foi reconhecido e visualizado como um problema na região. No final do século XIX e princípios do século XX, começase a detectar a existência de redes de traficantes que transferiam mulheres de países europeus como a Polônia e a França para serem exploradas em diversos países da região. Recentemente, no final do século XX, dá-se início a uma mobilização internacional para enfrentar o problema. Desse modo, nas últimas décadas foi possível desenvolver ações de prevenção, atendimento, combate e enfrentamento ao tráfico de mulheres em todos os países do MERCOSUL. O tráfico de pessoas é um crime praticado por redes criminosas de diversa complexidade e organização, que desenvolvem suas ações na região do MERCOSUL, dentro de suas fronteiras e fora delas, dentro das fronteiras de cada país e fora delas. O caráter transnacional, regional e nacional deste delito desafia as capacidades nacionais dos países da região e visualiza a necessidade crucial de fortalecer as ações de cooperação regional para seu enfrentamento. Identifica-se na região uma diversidade de fatores de vulnerabilidade que compõem cenários favoráveis para a expansão das redes de tráfico de pessoas. Os principais fatores são a inequidade e a violência de gênero; a discriminação de grupos sociais determinados – povos originários, afrodescendentes, pessoas trans-; exclusão social; pobreza; o impacto de modelos de desenvolvimento existentes na região; as barreiras migratórias nos países de destino; a permeabilidade das passagens de fronteiras em algumas zonas da região e a existência de população não documentada. O MERCOSUL constitui uma região predominantemente de origem e destino. Existem circuitos e rotas de tráfico que posicionam a região como abastecedora de mulheres para destinos como Europa, Estados Unidos e Ásia. A Espanha é assinalada como o principal país de destino das vítimas do tráfico internacional de pessoas provenientes da região. Sem desconsiderar as iniciativas que estão se realizando em alguns países da região com relação à sistematização de informação, os dados com que se conta atualmente são parciais: permitem obter uma caracterização do problema, mas ainda não permitem medir sua dimensão. É preciso um esforço em nível regional para desenvolver investigações que permitam quantificar a dimensão do tráfico de pessoas no MERCOSUL. Os caminhos traçados por cada país são diferentes, tanto nas principais modalidades do tráfico de pessoas a serem enfrentadas, quanto nos mecanismos que são utilizados. a. A Argentina destinou principalmente seus esforços para o enfrentamento do tráfico de pessoas em que a exploração é feita dentro de seu território, dando ênfase ao resgate das vítimas e à articulação do retorno aos seus lugares de origem, quando for de sua vontade. Ainda, recentemente foram intensificados os esforços para: articulação interinstitucional para a prevenção e investigação deste crime; capacitação e profissionalização das Forças Policiais e de Segurança; unificação e sistematização dos critérios de registro da informação; implantação de campanhas de conscientização e divulgação dos canais de denúncia; identificação precoce dos casos de tráfico de pessoas e atendimento adequado às vítimas, tanto em passagens fronteiriças internacionais quanto em delegacias na Cidade Autônoma de Buenos Aires. b. O Brasil aprovou importantes documentos de Políticas e Planos de Ação e intensificou a investigação das rotas de tráfico e a articulação de ações de investigação e prevenção com os países do exterior, assim como a criação de espaços para a identificação precoce de situações potenciais de tráfico. c. O Uruguai está desenvolvendo uma resposta através da instalação de um serviço nacional de atenção a vítimas de tráfico com fins de exploração sexual. d. O Paraguai e o Uruguai criaram espaços de articulação interinstitucional permanentes, nos quais se definem as ações a serem seguidas. Em toda a região foram realizadas campanhas de sensibilização e informação à população, e reformas na legislação. Ainda, a região do MERCOSUL é considerada destino e trânsito de mulheres de outros países da América Latina e também dos próprios países que integram o bloco. 15 APRESENTAÇÃO O Diagnóstico Regional apresenta um olhar sobre as características do tráfico de mulheres com fins de exploração sexual no MERCOSUL. Contribui com aspectos globais que caracterizam a região, assim como estabelece um olhar comparativo dos países sobre as diferentes dimensões do problema. O objetivo principal deste diagnóstico é de identificar as principais características do tráfico em nível regional, assim como mapear as respostas institucionais, com enfoque especial nas ações de cooperação regional. Para a realização do diagnóstico se tomou como base os resultados provenientes das pesquisas nacionais que foram realizadas em cada um dos quatro países da região, no marco das ações desenvolvidas pela Reunião de Ministras e Altas Autoridades, com apoio do Projeto de Fortalecimento da Institucionalidade e da perspectiva de gênero no MERCOSUL (chamaremos de ‘informes nacionais’ de aqui em diante). O presente informe está estruturado em cinco capítulos. O primeiro capítulo expõe as principais correntes de pensamento que oferecem um marco analítico a partir do qual se posicionar para trabalhar o problema. O segundo capítulo descreve os esforços realizados em nível internacional para colocar o tema na agenda pública e conseguir a atenção e o compromisso dos Estados. O terceiro capítulo descreve os principais conceitos para compreender o tráfico de pessoas. Os capítulos seguintes apresentam a composição do panorama regional, que traz informação sobre a caracterização geral do tráfico de pessoas no MERCOSUL – rotas, zonas vulneráveis, características das vítimas, dinâmica do tráfico, respostas institucionais e marco normativo. Por fim, são apresentadas conclusões gerais e recomendações prioritárias. Neste sentido, se definiu contribuir com linhas gerais e prioritárias para nortear a região no sentido de fortalecer o enfrentamento ao tráfico de mulheres com fins de exploração sexual. 16 METODOLOGIA Para poder compor o panorama regional sobre o tráfico de mulheres com fins de exploração sexual é necessário destacar os aspectos comuns entre os países. Em alguns capítulos a partir de uma lógica comparativa, e em outros a partir de uma visão global; buscando não perder de vista as especificidades e riquezas particulares de cada país, o que se mostrou um grande desafio. O enfoque metodológico utilizado foi baseado na definição de uma série de aspectos a serem pesquisados em cada um dos países da região, de modo que nos permitisse sistematizar de forma comparativa os resultados obtidos. Foram desenvolvidas pesquisas nacionais cujo objetivo principal era compor um panorama nacional com as informações que o país continha no momento da realização do estudo. Essas pesquisas foram realizadas por consultoras de cada país, com ampla experiência e conhecimento da temática. Foi elaborada uma pauta de recopilação da informação, que foi ajustada e consensuada com as consultoras nacionais. A recopilação da informação foi realizada com base nas pesquisas e produções existentes em cada país, complementando este panorama nacional com entrevistas com informantes chaves, estrategicamente selecionados. O trabalho foi elaborado em um curto espaço de tempo. A partir dos resultados obtidos nas pesquisas nacionais, deu-se início à elaboração de um panorama regional. 17 CAPÍTULO 1 ·MARCO DE REFERÊNCIA e em alguns países europeus como França e Inglaterra, de uma corrente de pesquisa crítica no campo do conhecimento científico sobre a Condição da Mulher e as diferenças entre os sexos, denominada Estudos da Mulher. O tráfico de mulheres com fins de exploração sexual é um crime que adquire dimensões nacionais e transnacionais. É cometido por redes de crime organizado, de maior ou menor complexidade, que utilizam diversos meios para a captação, mobilização e exploração das vítimas. Em todos os casos é utilizado poder, controle, domínio e manipulação das vítimas para conseguir a submissão e/ou o cativeiro. As formas em que essa dominação se expressa são diversas e dependem das características das vítimas, da forma de recrutamento utilizada, dos recursos que as redes de traficantes dispõem, entre outras. O tráfico de mulheres com fins de exploração sexual provoca diferentes tipos de danos profundos, e em muitos casos, de difícil reversibilidade. Trata-se de uma violação extrema dos direitos humanos das mulheres e constitui uma forma de violência de gênero. As principais vítimas deste crime são meninas, adolescentes e adultas e, cada vez mais, são detectadas situações de mulheres trans recrutadas por redes de tráfico interno e internacional. Para entrarmos na complexidade do tráfico de mulheres com fins de exploração sexual é necessário se aprofundar nas principais perspectivas que nos permitem analisar e compreender as dimensões do problema. 1.1. Perspectiva de gênero Ao longo da História, mulheres organizadas em diferentes movimentos feministas conseguiram visibilizar a situação de subordinação e discriminação em que se encontravam e promover a mobilização social em defesa de seus direitos. Em meados dos anos 70 é produzido um impacto cultural muito forte com o surgimento, nos Estados Unidos Esta corrente contribuiu para criar conhecimento sobre as condições de vida das mulheres, resgatando no passado e no presente as contribuições das mulheres à sociedade e à cultura; visibilizando-as na História, na criação cultural, na vida cotidiana; focalizando, então, a mulher como objeto de estudo. Os Estudos da Mulher criaram antecedentes para o surgimento da categoria de gênero. Aqueles que desenvolveram os estudos da Mulher centraram seu objeto nas sociedades como criadoras da subordinação das mulheres. Esta corrente vai dar surgimento e expansão ao conceito de gênero. O conceito de gênero foi definido como a construção social e cultural das diferenças sexuais. Este conceito questiona o caráter determinante do sexo biológico e as diferentes características atribuídas a homens e mulheres. 1. Norma Fuller. ”La disputa de la Feminidad en el psicoanálisis y las ciencias sociales”.Debate en sociología No 18, Lima 1993. 2. Joan Scott:”El género, una categoría útil para el análisis histórico” en De género a mujer, compilación de Cangiano M y Du Bois L.; Centro Editor de América Latina. Bs.As., 1993. 3. Teresita De Barbieri, “Sobre la categoría de género: una introducción metodológica”, en Fin de siglo y cambio civilizatorio, Ediciones de las mujeres, No. 17, Isis Internacional, Santiago 1992,p.p 111-128. Segundo Norma Fuller1 “Cada cultura elabora suas próprias identidades de gênero a partir do dado biológico das diferenças entre os sexos. Isso supõe que a identidade de gênero se constrói a partir de um processo onde cada indivíduo aprende o que é ser homem ou mulher, a assumir papéis e atitudes que lhe são próprios e a interpretar a si mesmo segundo tais parâmetros”. Para a autora Joan Scott2, o gênero, além de ser um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças sexuais, constitui uma forma primária de relações significantes de poder. Teresa De Barbieri aprofunda e define os sistemas sexo/gênero como: “os conjuntos de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as sociedades elaboram a partir da diferença sexual anatômico-fisiológica e que dão sentido à satisfação de impulsos sexuais, à reprodução da espécie e em geral ao relacionamento entre as pessoas.”3 O enfoque de gênero provocou transformações decisivas nas concepções socioculturais e políticas ao transcender o plano natural de interpretação das causas da 19 4. Rubin, Gayle (1989)[1984] “Reflexionando sobre el sexo: notas para una teoría radical de la sexualidad” en Vance, Carole (comp) Placer y Peligro. Explorando la sexualidad femenina Madrid: Revolución. 5. Alcoff, Linda (1989) “Feminismo cultural versus postestructuralismo: la crisis de la identidad en la teoría feminista” en Feminaria. Año II. Nº4. Bs. As, Feminaria editora. 6. AAVV (1994) “Feminismo, entre la igualdad y la diferencia” en El Viejo Topo; Nº73. Barcelona: marzo. 7. De Lauretis, Teresa (1996) “La tecnología del género” en mora nº 2; Bs As, UBA, noviembre. desigualdade entre homens e mulheres e centrá-la no plano sociocultural. Em primeira instância, ao discriminar os termos diferença de desigualdade caem os argumentos mais estendidos sobre a subordinação de um sexo sobre outro, questionando esta situação. Descobre-se e explica-se que as diferenças naturais entre homens e mulheres, as diferenças morfológicas, de sexo, de comportamento, associadas a um programa genético de diferenciação social não implica na superioridade de um sexo sobre outro. Em antropologia, Gayle Rubin (1986) explica que as relações entre sexo e gênero conformam um sistema que varia em cada sociedade. Cada sociedade possui um sistema sexo/gênero, ou seja, um conjunto de arranjos pelos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana. Esta autora introduz o conceito de heteronormatividade4 em que através das normais sociais se determina uma imposição à heterossexualidade, castigando de forma simbólica e real a quem transgredir essas normas, mediante a utilização de mecanismos disciplinares. 1.2 Perspectivas pós-estruturalista 8. Grupo de Trabajo Queer (GtQ) (eds) (2005) El eje del mal es heterosexual. Figuraciones, movimientos y prácticas feministas queer. Madrid: traficantes de sueños. Introducción Esta corrente de pensamento parte da premissa que toda identidade é uma construção e não há essencialidade. Destacam-se autores como Lacan, Derrida, Foucault, Deleuze e Guattari, entre outros. Esta visão das identidades se contrapõe ao essencialismo do feminismo cultural e ao pensamento moderno de igualdade. O risco que se adverte nestas correntes de pensamento é o de negar a existência de parâmetros a partir dos quais se constroem as identidades em movimento. A autora Linda Alcoff5 explica que, quando se aplica esta ideia ao conceito de mulher, implica no que a autora chama de nominalismo, que define a ideia de que a categoria “mulher” é uma ficção e que o feminismo deve orientar seus esforços para desmantelá-la. Juli Kristeva6 (autora ligada a esta corrente de pensamento) propõe: “uma mulher não pode ser; é algo que sequer pertence à ordem do ser.” Este pensamento abre um campo de grande liberdade para as mulheres, derrubando todo condicionamento da identidade de gênero, abrindo horizontes muito amplos nas capacidades de um sujeito construir-se em função de seus próprios desejos, sentires, lógicas, pensamentos e idéias; escapa dos condicionamentos do feminismo cultural e 20 da opressão da hegemonia masculina. O risco que se vislumbra nestas correntes é de neutralizar, paralisar e/ou até aniquilar as lutas políticas feministas, dado que seu objetivo é reconstruir o sujeito feminino. Neste sentido, se voltaria a invisibilizar o gênero, tirando a perspectiva de gênero da análise dos fenômenos sociais e da construção da subjetividade. Neste ponto se apresenta um dilema entre o essencialismo do feminismo cultural que termina reafirmando o que quer transformar (a natureza do feminino que é argumento para a opressão) e a diluição do sujeito político feminista por parte dos pensamentos pós-estruturalistas que, ao posicionarem-se a partir de uma visão de que tudo que se constrói, nada está determinado, neutralizam a perspectiva de gênero entre outras e caem definitivamente na postura da igualdade que sustentou o pensamento moderno. Neste dilema, Teresa de Lauretis7 contribui ao debate com o conceito de experiência, que permite sair do essencialismo do feminismo cultural. Para de Lauretis: “a subjetividade é o que cada um percebe e apreende como algo subjetivo”. A noção de experiência é chave nesta autora para o desenvolvimento da subjetividade. 1.3. As teorias Queer As teorias Queer rejeitam a ideia do binarismo sexual e da heteronormatividade. Promovem a concepção de que existem outras identidades sexuais e buscam visibilizar como grupos de diferentes classes sociais, origens étnicas, nacionalidades, etc. vivenciam e gerenciam seus desejos e prazeres sexuais diferentes da norma heterossexual.8 Judith Butler realiza contribuições fundamentais às teorias queer, entre elas, a definição de gênero em termos de performance, para desnaturalizar a diferença sexual; o masculino e o feminino não são naturais, são atuações aprendidas, comportamentos que vão se adquirindo ao serem repetidos quase como se fossem um ritual. O gênero é uma performance, e as paródias de gênero constituem atos corporais subversivos. A relação entre sexo e gênero é performática, isto é, segue um roteiro cultural, e está normalizada de acordo com o contexto (as regras heterossexuais). Neste sentido, a autora coloca: “A univocidade do sexo, a coerência interna do gênero e o marco binário para sexo e gênero são ficções reguladoras que reforçam e naturalizam os regimes de poder convergentes da opressão masculina e heterossexista. No capítulo 3 se investiga a própria noção de “o corpo”, não como uma superfície disponível que espera significação, mas como um conjunto de limites individuais e sociais que permanecem e adquirem significado politicamente. Dado que o sexo já não pode ser considerado uma “verdade” interior de disposições e identidade, se argumentará que é uma significação performativamente realizada (e, portanto, que não “é”) e que, ao desvencilhar-se de sua interioridade e superfície naturalizadas, pode provocar a proliferação paródica e a interação subversiva de significados com gênero. Sendo assim, este texto continua se esforçando em refletir se é possível alterar e deslocar as noções de gênero naturalizadas e reificadas que sustentam a hegemonia masculina e o poder heterosexista, para problematizar o gênero não mediante manobras que sonhem com um além utópico, mas mobilizando, confundindo subversivamente e multiplicando aquelas categorias constitutivas que tentam preservar o gênero no lugar que lhe corresponde ao apresentarse como as ilusões que criam a identidade.”9 Gayle Rubin10 explica que na sociedade heteronormativa, à margem da respeitabilidade estão os casais gays e lésbicos estáveis, seguidos em ordem decrescente pelo sexo “mal” dos gays e lésbicas promíscuos, até chegar aos níveis mais baixos da hierarquia sexual, os mais estigmatizados: prostitutas, travestis, transexuais, sadomasoquistas, fetichistas. 1.4. Violência de Gênero A autora Rita Laura Segato (2003) realiza uma análise profunda e um desenvolvimento teórico que tenta avançar até a gênese da violência contra as mulheres. Em seus trabalhos, reflete sobre a noção de que o fenômeno da violência é um produto da relação entre dois eixos interconectados, um horizontal que está conformado por relações de aliança e competição e outro vertical, caracterizados por vínculos de entrega e expropriação. Explica que ambos eixos formam um sistema único, mas que este sistema é instável, possui um equilíbrio instável. O primeiro eixo (o vertical) rege as relações entre categorias sociais ou indivíduos que se classificam como pares ou semelhantes. O segundo ordena as relações entre categorias que, como o gênero, exibem marcas de status diferenciados, sinais classificatórios que expressam um diferencial de valor em um mundo hierárquico. Estas marcas são construídas e percebidas como indeléveis. Neste sentido, a autora explica: “...no eixo horizontal se alternam relações de compe- tição ou aliança, que para fins de análise são equivalentes – uma vez que só tem sentido se falar de aliança em um regime marcado pela disputa e pela competição. Enquanto no eixo vertical, dos estratos marcados por um diferencial hierárquico e por graus de valor, as relações são de exação forçada ou de entrega de tributo, em sua forma paradigmática, de gênero, o tributo é de natureza sexual.” 11 A respeito dos crimes perpetrados contra mulheres de forma massiva, crimes que em geral estão presentes ataques sexuais, cometidos com extrema crueldade contra as mulheres como nos casos de Ciudad Juárez, a autora discorda de quem os qualificam como crimes de ódio. Segato propõe que os assassinatos são produtos da criação e perpetuação de uma fraternidade mafiosa. Neste sentido, a autora explica: “...os membros destas fraternidades selam seu pacto de silêncio e lealdade quando, em comunhão nefasta, mancham suas mãos com o sangue das mulheres mediante sua morte atroz, em verdadeiros rituais onde a vitima do é colocada nesta posição por nenhuma razão além de sua anatomia feminina – índice último de subalternidade na economia desigual de gênero-, destinada ao consumo canibalístico no processo de realimentação da fratria mafiosa. Longe de ser a causa do crime, a impunidade é a sua consequência, pois a confraria mafiosa sela seu juramento de lealdade e silêncio com o sangue do corpo profanado em cumplicidade. O tributo, rendido em uma festa macabra, aqui coincide com a própria vida subalterna, e seu destino é creditar aos confrades o ingresso ou a permanência na ordem de pares.” 12 9. Butler, Judith (2001) [1990] El género en disputa. México: Paidós. Capítulo 1 10. Rubin, Gayle (1998) [1975] “El tráfico de mujeres: notas sobre la economía política del sexo” en Navarro M y Stimpson C. (comp) ¿Qué son los estudios de mujeres? México: FCE. 11. Segato, Rita Laura, Las estructuras elementales de la violencia -1era ed.- Bernal. Universidad Nacional de Quilmes, 2003 12. Idem 13. Declaración sobre la eliminación de la violencia contra la Mujer. Naciones Unidas. Diciembre, 1993. artículo 1 Em âmbito internacional, na Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, se define por violência contra a mulher “todo ato de violência baseado no pertencimento ao sexo feminino que tenha ou possa ter como resultado um dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para a mulher, inclusive as ameaças de tais atos, a coação ou a privação arbitrária da liberdade, produzidos tanto na vida pública ou na vida privada”.13 Nesta definição se explicita o tipo de dano que é considerado violência contra as mulheres, assim como os âmbitos onde é produzida. Assinala, ainda, que é um ato de violência baseado no pertencimento ao sexo feminino, isto é, que o principal condicionante para que ocorra é justamente o fato de ser mulher. Na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) se define como violência contra a 21 mulher “qualquer ação ou conduta baseada em seu gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto em âmbito público quando privado”(art.1). SEntende-se, assim, que a violência contra as mulheres é consequência da ordem de gênero que se estabelece na sociedade, ordem socialmente construída que determina uma hierarquia e poder distintos para ambos os sexos. Segundo esta ordem, as mulheres se encontram em posição subordinada com relação aos homens, que, por sua vez, exercem poder sobre elas de distintas maneiras, sendo a violência uma manifestação deste poder. A violência de gênero se expressa em práticas de exclusão e discriminação, na violência no lar ou violência doméstica, no assédio sexual e laboral, na exploração sexual em suas diversas formas, entre elas o tráfico de mulheres para a prostituição forçada. É a expressão mais extrema de um sistema de dominação baseado em uma cultura patriarcal, que estabelece pautas de comportamento tanto para homens quanto para mulheres, hierarquias entre os sexos e que modela os papéis e posicionamentos de adultos e crianças, homens e mulheres. Os homens, as mulheres, os meninos, meninas e adolescentes são vítimas desta expressão de gênero, mas em sua ampla maioria, a violência de gênero é predominantemente a violência do homem ou violência dos homens contra as mulheres, meninos, meninas e adolescentes. A violência de gênero também se expressa na violência homofóbica e transfóbica, por se dirigir contra homens e mulheres que não cumprem com o modelo hegemônico da heteronormatividade, que desafiam e rejeitam as pautas de gênero culturalmente impostas a seu ser homem ou mulher. . 22 CAPÍTULO 2 ·CENÁRIO INTERNACIONAL onde se conseguiu que a violência contra a mulher fosse considerada uma violação aos direitos humanos. Um dos frutos relevantes desta Conferência foi a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, acordada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em dezembro do mesmo ano. Durante as últimas décadas as diferentes expressões deste tipo de violência passam a ser concebidas como uma violação aos direitos humanos. Os movimentos feministas, os grupos de mulheres organizadas e ativistas de diversos âmbitos conseguiram a inclusão do enfrentamento à violência de gênero. Na década de 70, se realiza a Primeira Conferência Mundial sobre a Mulher, organizada no México em 1975, onde se começa a discutir estes temas. Porém, é em 1979 que se dá um passo fundamental, com a aprovação por parte da Assembléia Geral das Nações Unidas da Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, da sigla em Inglês). Na década de 80, os movimentos de mulheres e movimentos feministas começam a priorizar e denunciar o problema da violência doméstica como uma das formas mais duras de violência de gênero, com efeitos muito graves na vida das mulheres. Passa-se a desnaturalizar as situações de opressão e submissão que eram aceitas como parte da convivência matrimonial e começam a surgir as primeiras respostas de atenção ao problema. Em 1981, durante o Primeiro Encontro Feminista da América Latina e Caribe, realizado em Bogotá, Colômbia, as mulheres participantes decidiram declarar o dia 25 de novembro como o Dia Internacional pela Não Violência contra as Mulheres, em memória à morte das irmãs Mirabal, por parte da ditadura de Trujillo, na República Dominicana. Assim, é constituído um dos principais marcos do movimento de mulheres em relação ao tema, que seria logo retomado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1999. Um avanço muito importante foi obtido na II Conferência sobre Direitos Humanos, realizada em 1993 em Viena, Os principais avanços conquistados com esta Declaração são: - Situar a violência contra as mulheres como um problema de direitos humanos, ao afirmar que as mulheres têm igualdade de direitos no usufruto e proteção de seus direitos humanos e liberdades fundamentais; incluindo sua própria liberdade e segurança, uma vida livre de tortura ou qualquer castigo ou trato cruel, desumano ou degradante. - Ampliar o conceito de Violência contra as Mulheres para refletir as condições reais de vida das mulheres, reconhecendo não só a violência física, sexual e psicológica, mas também ameaças deste tipo. Abordar a violência contra as mulheres tanto no entorno familiar quanto comunitário e confrontar o problema da violência perpetrada e tolerada pelo Estado. - Visibilizar que a Violência de gênero é aquela em que as vítimas não são por acaso mulheres ou meninas, mas cujo fator de risco é o precisamente o fato de ser mulher. Outra conquista significativa da Conferência de Viena foi a criação pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas do cargo de Relatora Especial sobre Violência contra a Mulher assumido por Radhika Coomaraswamy, advogada do Sri Lanka, em 1994. A função desta Relatora é recopilar informação sobre a violência contra a mulher, definindo suas causas e consequências; identificar aqueles Estados onde ordinariamente se cometem abusos contra os direitos das mulheres e recomendar medidas para acabar com este sofrimento. Vários marcos surgiram depois desta Conferência, gerando avanços substantivos na priorização deste problema e no comprometimento por parte dos estados no enfrentamento deste problema: - A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher foi adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, em junho de 1994 em Belém do Pará, Brasil. 23 Nela, os Estados Parte afirmaram que a violência contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e limitam total ou parcialmente a mulher ao reconhecimento, usufruto e exercício de tais direitos e liberdades. - A IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995) Em setembro de 1995, foi realizada em Pequim, China, a IV Conferência Mundial sobre a Mulher. O documento resultante desta Conferência, a Plataforma de Ação mundial, se orienta para a conquista da igualdade entre homens e mulheres e para a proteção dos direitos destas, constituindo-se em uma orientação para os governos, ainda que a sua efetivação dependa em grande parte da vontade política dos mesmos. Especificamente sobre a violência contra as mulheres, a Plataforma assinala que este fenômeno se deriva de pautas culturais, em particular de tradições e costumes danosos para as mulheres; de esforços inadequados por parte das autoridades para prevenir e fazer cumprir ou fomentar a legislação sobre o assunto; da ausência de educação sobre suas causas e consequências; do uso negativo da imagem da mulher nos meios de comunicação, entre outros fatores. Explica a necessidade de adotar medidas para prevenir e eliminar a violência contra a mulher, estudar suas causas e consequências, assim como as medidas de prevenção; eliminar o tráfico de mulheres e dar assistência a vítimas provenientes da prostituição e do tráfico de mulheres. 2.1. Mobilização Internacional contra o tráfico de pessoas No final do século XIX, o tráfico de mulheres tomou proporções consideráveis na região. Estava intimamente ligado às correntes migratórias para o “novo mundo”, quando mulheres polonesas, russas e francesas eram transladadas para os países da América do Sul com a promessa de matrimônio ou de melhorias substantivas na sua qualidade de vida e status. Meios de transporte como barcos a vapor e trens e meios de comunicação como o telégrafo foram utilizados para expandir o comércio sexual. Entre 1860 e 1930 o tráfico de mulheres era feito da Europa para a América e também, ainda que em menor escala, para a África ou Ásia. Neste contexto, surge um primeiro antecedente de mobilização internacional: a Convenção para a supressão do tráfico de pessoas e da exploração da prostituição adotada em 2 de dezembro de 1949 pelas Nações Unidas. Esta convenção foi resultado de uma grande luta abolicionista e feminista, que surgiu em 1866, e foi levada adiante na Inglaterra por Josephine Butler. Enquanto a escravidão acabava de ser abolida na maior parte dos países europeus, Josephine Butler considerava que o sistema de prostituição constituía uma forma contemporânea de escravidão que oprimia as mulheres e atentava contra a humanidade como um todo. No Preâmbulo da Convenção se estipula que a prostituição e o contrabando são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana. O posicionamento desta Convenção parte da concepção de que as mulheres que exercem a prostituição são vítimas, que devem ser protegidas. Esta Convenção estabelece que a repressão deve ser dirigida contra todo indivíduo que explore ou encaminhe outrem para a prostituição. Permanece dentro do marco ideológico abolicionista internacional, dos primeiros acordos internacionais sobre o tráfico e a prostituição, estabelecendo um nexo de ligação entre a prostituição e o tráfico. A Convenção para a supressão do tráfico de pessoas e da exploração da prostituição prostituição forma parte do conjunto de instrumentos internacionais universais sobre Direitos Humanos das Nações Unidas que se ocuparam da escravidão ou de práticas análogas à escravidão. Estas se encontram descritas na Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, das Nações Unidas, em 1957: A. A servidão por dívidas: “o estado ou a condição resultante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade, se o valor desses serviços não for equitativamente avaliado no ato da liquidação da dívida ou se a duração desses serviços não for limitada nem sua natureza definida.” B. A servidão por gleba: “a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição”. C. Toda Instituição ou prática prática em virtude da qual uma mulher, sem que tenha o direito de recusa, é prometida ou dada em casamento, mediante remuneração em dinheiro ou espécie entregue a seus pais, tutor, família ou a qualquer outra pessoa ou grupo de pessoas; ou a prática pela qual o marido de uma mulher, a família ou clã deste têm o direito de cedê-la a um terceiro, a título oneroso ou não. D. Toda instituição ou prática em virtude da qual uma criança ou um adolescente de menos de dezoito anos é entregue, quer por seus pais ou um deles, quer por seu tutor, a um terceiro, mediante remuneração ou sem ela, com o fim da exploração da pessoa ou do trabalho da referida criança ou adolescente. Na última década, foram aprovados instrumentos internacionais que retomam e revisam o problema do tráfico de pessoas a partir de um enfoque que busca fortalecer os direitos das pessoas traficadas No ano de 2003 entra em vigor o Protocolo para Prevenir, Reprimir e Sancionar o Tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças (Protocolo de Palermo), que complementa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Uma das principais conquistas deste instrumento foi chegar a uma definição do Tráfico de Pessoas, acordada e consensuada entre os diferentes setores especializados nesta temática. Deriva de um órgão das Nações Unidas que tem como função a investigação e prevenção do crime nacional e internacional, incluindo o crime organizado, pelo que se enfatiza especialmente os aspectos relativos à investigação e criminalização do tráfico. Entretanto, também aborda aspectos relativos à proteção das vítimas, à prevenção e a restituição de direitos. O conteúdo do Protocolo de Palermo sobre Tráfico é enriquecido com os “Princípios e Diretrizes recomendados sobre Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas” do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas que abundam em uma série de recomendações e diretrizes para a prevenção, proteção e recuperação das pessoas que vivem ou viveram situações de tráfico. Estes Princípios e Diretrizes demonstram um profundo conhecimento da problemática e das melhores práticas para enfrentá-la e restituir os direitos das pessoas afetadas. Seu objetivo principal é proteger a dignidade das pessoas traficadas, evitando uma nova vitimização e sua possível criminalização, uma vez que são comumente tratadas como responsáveis pelo ocorrido, invisibilizando ou minimizando a conduta dos indivíduos que exercem abuso de poder. Também procuram evitar que as vítimas sejam utilizadas como meros objetos de provas do crime, priorizando os direitos humanos sobre os ganhos na investigação criminal. Ressaltam a necessidade de garantir às pessoas traficadas seus vínculos afetivos, familiares e comunitários, entendendo que estes constituem um direito fundamental. 2.2. SÍNTESE DOS CONVÊNIOS INTERNACIONAIS E INSTRUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS SOBRE O TRÁFICO DE MULHERES COM FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL 14. Naciones Unidas/Oficina del Alto Comisionado para los Derechos Humanos (ACNUDH). Comentario. Principios y Directrices recomendados sobre Derechos Humanos y Trata de Persona. Nueva York y Ginebra, 2010. O tráfico de pessoas, sobretudo o tráfico com fins de exploração sexual, tem sido objeto de regulação no âmbito internacional, interamericano regional. A seguir serão mencionados os principais convênios e instrumentos: Nações Unidas O tema do tráfico de mulheres com fins de exploração sexual está incluído na agenda das Nações Unidas desde princípios do século XX, através de diversos convênios e acordos14, entre os quais se destacam: - Acordo para a repressão do tráfico de mulheres brancas (1904); - Convênio Internacional repressão do tráfico de mulheres brancas (1910); - Convênio Internacional para a repressão do tráfico de mulheres e crianças (1921); - Convenção Internacional para a supressão do tráfico de Mulheres maiores (1933); - Protocolo que modifica a Convenção Internacional para a supressão do tráfico de Mulheres maiores de idade de 1933 (1947); - Protocolo que modifica o Acordo internacional para a repressão do tráfico de mulheres brancas e o Convênio Internacional para a repressão ao tráfico de mulheres brancas (1949); - Convênio para a repressão do tráfico de pessoas e da exploração da prostituição (1949). Posteriormente, o tema do tráfico de mulheres e exploração sexual destas, foi incluído como uma das formas de discriminação às mulheres na Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979, entra em vigor em 1981), nas quais são Estados Parte os países do MERCOSUL: “Artigo 6- Os Estados Partes tomarão todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração da prostituição das mulheres”. A partir de 2000, a normativa internacional realizou revisões e avanços importantes na temática. O principal instrumento é o PProtocolo sobre Tráfico de pessoas, em especial Mulheres e Crianças, complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Orga25 15. http://www.unodc.org/ unodc/en/treaties/CTOC/signatures.html 16. Naciones Unidas/Consejo Económico y Social, Principios y Directrices recomendados sobre los derechos humanos y la trata de personas E/2002/68/Add.1, 2002, 17. Naciones Unidas. Plan de Acción Mundial de las Naciones Unidas para combatir la Trata de Personas. Resolución de la Asamblea General de las Naciones Unidas en el 64º.Período de Sesiones A/ RES/64/293, Distribución General 12 de agosto de 2010. 18. Naciones Unidas/Oficina de las Naciones Unidas contra la Droga y el Delito. Marco Internacional de Acción para la Aplicación del Protocolo contra la Trata de Personas. Viena- Nueva York, 2010 19. Naciones Unidas/Oficina de las Naciones Unidas contra la Droga y el Delito. Ley Modelo contra la Trata de Personas. Nueva York, 2010. nizado Transnacional (conhecido como Protocolo de Palermo sobre Tráfico). É uma norma vinculada que – em outubro de 2011- foi ratificada por 146 Estados, incluindo os países do MERCOSUL15. Foi adotado no ano de 2000 e entrou em vigor em 25 de dezembro de 2003. Nele, se define de forma integral o tráfico de pessoas, incluindo as formas de tráfico que têm fins diferentes ao da exploração sexual (e que, portanto, também violam os direitos humanos: tráficos para fins de exploração do trabalho, remoção de órgãos, submissão à servidão, entre outros), se estabelecem os direitos fundamentais das vítimas e as regras básicas para a busca e julgamento dos traficantes. Ao Protocolo de Palermo sobre Tráfico de Pessoas se somaram outros instrumentos de importância especial para as tarefas dos países: - Os Princípios e Diretrizes recomendados sobre Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas (a seguir Princípios e Diretrizes) são o principal guia para garantir os direitos humanos das vítimas em todas as intervenções que sejam realizadas para o enfrentamento ao tráfico de pessoas. - O Plano Mundial de Ação contra o Tráfico de Pessoas16, aprovado pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, a pedido do Alto Comissariado de Direitos Humanos (ACNUDH), o Marco de Ação Internacional para a Implementação do Protocolo contra o Tráfico de Pessoas17 e a Lei Modelo contra o Tráfico de Pessoas18 do Escritório das Nações Unida sobre Droga e Crime (UNODC) para o enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, são documentos chaves para a implantação adequada do Protocolo e dos Princípios e Diretrizes. de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e c. que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra”. A partir da aprovação e posterior entrada em vigor do Protocolo de Palermo sobre Tráfico de Pessoas, na OEA se desenvolveram ações complementares para favorecer sua ratificação e fortalecer sua implantação. Na Segunda Reunião de Autoridades Nacionais em Matéria de Tráfico de Pessoas da Comissão de Segurança Hemisférica do Conselho Permanente da OEA20, de março de 2009, se recomenda aos Estados Parte a ratificação do Protocolo de Palermo sobre Tráfico de Pessoas e sua aplicação e implantação adequada, contribuindo com “Conclusões e Recomendações”. Nesta mesma reunião foi aprovado um glossário hemisférico de termos ligados ao tráfico21. No ano de 2010 foi realizada a Recomendação da Oitava Reunião de Ministros da Justiça ou Outros Ministros, Procuradores-Gerais da OEA22, que, tendo em conta os resultados da Reunião das Autoridades em Matéria de Tráfico de Pessoas, aprovou uma série de recomendações para a ação dos organismos de justiça. MERCOSUL No âmbito do MERCOSUL foi aprovada uma série de acordos e resoluções para a colaboração entre países, tanto no âmbito da prevenção quanto da proteção das vítimas e julgamento dos traficantes, dos quais serão destacadas as principais ações. Organização de Estados Americana (OEA) 20. OEA/Ser.K/XXXIX.2 RTP-II/ doc.5/09 rev. 10- 18 septiembre 2009 21. OEA/Ser.K/XXXIX.2/ RTP-II/INF.3/09 26 No âmbito da OEA, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) constitui uma norma essencial para a proteção e promoção dos Direitos Humanos das Mulheres. Nesta Convenção, que também foi ratificada por todos os países do MERCOSUL, se dispõe: “Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica: a. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual; b. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos Em primeiro lugar, deve-se assinalar o Plano de Ação para a Luta contra o Tráfico de Pessoas entre os Ministérios do Interior dos Estados parte do MERCOSUL e Estados Associados, aprovado em 200623, eno qual designam pontos focais para a ação coordenada na região e entram em acordo para o desenvolvimento de campanhas preventivas em comum. Neste mesmo ano, o Conselho do Mercado Comum do MERCOSUL decidiu realizar uma campanha conjunta de prevenção e combate ao tráfico de pessoas24. No ano de 2007 a Reunião de Ministros da Justiça do MERCOSUL (RMJ) aprovou um Guia de Boas Práticas para a Assistência Jurídica em relação à assistência jurídica mútua na questão do tráfico de pessoas entre os Estados partes do MERCOSUL e Estados Associados.25 No ano de 2008, o Centro de Coordenação e Capacitação Policial entre os Estados Parte do Mercosul (CCCP), criado no ano de 200026, rrealizou um encontro de trabalho entre os países do Mercosul e do Chile (como Estado associado), no qual houve intercâmbio de informações, e foram acordadas linhas e recomendações de extrema importância a respeito dos procedimentos e ações policiais para a investigação do crime de tráfico de pessoas27. Nesta instância, as Forças de Segurança Pública e Policiais do Mercosul e do Chile assinaram a chamada “Carta da Tríplice Fronteira”, com recomendações para fortalecer as ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas. Destacam-se três Decisões do Conselho do Mercado Comum do MERCOSUL adotadas no ano de 2010 que dão conta dos avanços importantes na matéria: - Acordo-Marco de Cooperação entre Estados partes do MERCOSUL para a criação de Equipes Conjuntas de Investigação, incluindo abertamente a investigação do contrabando de migrantes, corrupção e lavagem de dinheiro (agosto 2010) 28. - Acordo sobre Mandado MERCOSUL de captura e procedimentos de entrega entre os Estados membros do MERCOSUL e Estados associados29, entre os quais se incluem as que tenham em virtude da aplicação do Protocolo de Palermo sobre Tráfico (dezembro 2010). - AAprovação pelo Conselho do Mercado Comum30 do Plano Estratégico de Ação Social do MERCOSUL em que, entre os objetivos prioritários, se assinalam: o combate ao tráfico de pessoas, à violência e à exploração sexual (com ênfase em crianças e adolescentes) e a articulação e implantação de políticas públicas dirigidas à plena integração dos migrantes e proteção de refugiados (dezembro, 2010). 22. OEA/Ser.K/XXXIV.8 REMJA-VIII/doc.4/10 rev. 1, 26 febrero 2010 23. MERCOSUL/CMC/RMI 1/06 24. MERCOSUL/CMC/DEC 12/06 25. MERCOSUL/RMJ/ ACUERDO 01/07 26. MERCOSUR/CMC/DEC No. 16/00 27. SPRANDEL, Marcia y PENNA, Rodrigo, Cooperação e coordenação policial no MERCOSUL para o enfrentamento ao tráfico de pessoas, OIT, 2009. http://www.oitbrasil.org.br/ node/375 28. MERCOSUL/CMC/DEC 22/10 29. MERCOSUL/CMC/DEC 48/10 30. MERCOSUL/CMC/DEC 67/10 27 CAPÍTULO 3 ·MARCO CONCEITUAL jamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.” O tráfico de pessoas é um crime existente em diversos momentos da História. Durante o período colonial, mulheres e crianças, principalmente indígenas e africanas, eram “caçadas” em suas comunidades de origem e transladadas nos chamados “navios negreiros” para serem comercializadas como mão de obra para escravidão, servidão ou para a exploração sexual. No final do século XIX e início do século XX começou a ser visto como um problema social a existência de rotas de tráfico de países europeus onde se transportavam mulheres brancas para a exploração sexual em países latino-americanos, sobretudo do cone sul (Argentina e Uruguai). Esta situação foi denominada tráfico de mulheres brancas e foi objeto de preocupação por parte dos Estados. Nos meios de comunicação se difundia a existência de uma máfia que enganava mulheres provenientes de países europeus e norte-americanos lhes oferecendo melhores condições de vida em países da região ou as transladavam com promessas de casamento. O “tráfico de mulheres brancas” começou a ser difundido e teve repercussões importantes, tanto que atualmente continua-se a usar esta expressão apesar de já não se ajustar às complexidades do fenômeno. É no fim da década de 80 que se começar a substituir o termo tráfico de mulheres brancas por tráfico de pessoas ou de seres humanos a nível internacional, até que no fim do século XX consegue-se chegar ao termo que se utiliza atualmente para denominar este crime: tráfico de pessoas ou tráfico de seres humanos. A definição deste conceito também foi consensuada pela comunidade internacional a partir do Protocolo para prevenir, reprimir e sancionar o tráfico de pessoas, especialmente Mulheres e Crianças (Protocolo de Palermo), que complementa a Convenção das Nações Unidas contra a Delinquência Organizada Transnacional. Neste documento, se define o tráfico de pessoas como: “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alo- Esta definição abarca as diferentes facetas e etapas do fenômeno, dando conta de sua complexidade, o que requer a coordenação e cumplicidade da multiplicidade de atores – públicos e privados - e a comissão de uma somatória de feitos ilícitos concatenados, através de poderosas redes criminais, que submetem pessoas a condições sub-humanas” O tráfico de pessoas se caracteriza, então, por três elementos principais: 1. Atividade – mobilização da pessoa (captura, recrutamento, transferência, retenção). 2. Meios – abuso de autoridade, engano, ameaça e diferentes formas de vícios de consentimento. 3. Finalidade – exploração da pessoa (com fins econômicos ou não). Mobilização, poder e exploração são três eixos que se articulam para submeter as pessoas às redes de tráfico. Em relação ao consentimento das pessoas existe um consenso de que o consentimento de uma pessoa para ser submetida a condições de escravidão não legitima a ação do traficante. O nó aparece quando, em algumas facetas do tráfico, se invisibiliza a violência a que a pessoa está submetida, podendo distorcer a verdadeira dimensão do problema. O Protocolo de Palermo menciona abertamente que se o meio utilizado foi o engano, o abuso de autoridade ou a violência, o consentimento dado pela vítima do tráfico de pessoas a toda forma de exploração não se considerará válida e que o mesmo se dá em relação a crianças e adolescentes. 29 3.1. Diferenças entre tráfico de pessoas e contrabando de migrantes É fundamental identificar a diferença entre os processos de tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes, já que cada um tem impactos diferentes sobre os indivíduos e demandam diferentes políticas de enfrentamento. O Protocolo contra o Contrabando de Migrantes por Terra, Mar e Ar, que complementa a Convenção das Nações Unidas contra a Delinquência Organizada Transnacional, define o contrabando ilícito de migrantes como: “facilitação da entrada ilegal de uma pessoa a um Estado Parte, do qual a pessoa não seja nacional ou residente permanente, com fins de obter, direta ou indiretamente, benefício financeiro ou outro benefício de ordem material”. Identificamos como aspectos comuns ao tráfico de pessoas e ao contrabando de migrantes a mobilidade e a utilização lucrativa das pessoas mobilizadas. Entre as principais diferenças se assinala que no tráfico de pessoas: a. Os direitos humanos são consideravelmente violados. b. O lucro é gerado mediante a exploração da pessoa. c. A relação entre traficante e vítima é prolongada e frequentemente gera vínculos ambivalente. d. Nem sempre implica na travessia de fronteiras (tráfico interno). e. O maior risco de vida ou dano físico e psicológico grave se produz durante o processo de exploração.. No contrabando de migrantes se apresentam os seguintes diferenciais: a. É um delito contra a ordem migratória. b. No contrabando, o lucro é gerado pelo serviço de migração irregular ou ilegal. c. A relação entre contrabandista e vítima é de curta duração e finda uma vez que se chega ao destino. d. Sempre implica na travessia de fronteiras. e. O maior risco de vida se encontra na etapa de trânsito, em que ocorre o translado e a travessia de fronteiras. O contrabando de migrantes pode se transformar em tráfico de pessoas quando estas são capturadas por redes criminosas para explorá-las, aproveitando da vulnerabilidade própria à condição de migrante ou residente ilegal. Paralelamente, a travessia de fronteiras de forma irregular, pode ser um dos componentes do processo de tráfico de pessoas. 30 3.2. Características do Tráfico de Pessoas O tráfico pode ocorrer dentro de um país (tráfico interno), através de suas fronteiras nacionais ou entre regiões (tráfico internacional). É um crime altamente complexo, uma vez que é realizado ao longo de um processo, com etapas que se sucedem, através das quais os traficantes alcançam o objetivo final de transladar a vítima de um lugar a outro, para explorá-la de diferentes formas, obtendo com isso lucro econômico. Este processo consiste em uma sequencia de acontecimentos que se desenvolvem em passos ou etapas. Cada um destes momentos tem um resultado próprio. Por exemplo, capturar ou transladar a vítima. Estes resultados parciais se integram e se sucedem nos momentos do tráfico, conduzindo por encadeamento ao objetivo principal dos traficantes: obter lucro econômico com a exploração da vítima. Diversos atores podem estar implicados no processo, incluindo recrutadores, intermediários, falsificadores, transportadores, patrões, donos de bordéis e até amigos e membros da família. Para funcionar, as redes podem envolver atores com certo grau de acesso ao poder público, para poder falsificar documentos, driblar inspeções, obter autorizações ou habilitações, silenciar quem tiver conhecimento do ato, entre outros, e, sendo assim, a corrupção é um fator importante para a continuidade do tráfico. Os traficantes podem utilizar mecanismos complexos próprios do crime organizado e movimentar grandes quantias de dinheiro através de redes nacionais e transnacionais semelhantes ou coincidentes com as redes de tráfico de drogas e de armas. A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional define no Artigo 2 “grupo criminoso organizado” como: “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando conjuntamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”. Ainda assim, existem redes de complexidade menor, integradas por familiares ou pessoas conhecidas das vítimas, como parentes próximos, amigos e integrantes da comunidade. A dinâmica de funcionamento é semelhante, com indivíduos que desempenham funções diversas no processo do tráfico. Vários meios podem ser utilizados para capturar as vítimas, incluindo persuasão, engano, ameaças e coerção. Em alguns casos, pessoas mais pobres tomam a iniciativa de emigrar e se aproximam de recrutadores, ficando presas às redes através de promessas falsas de trabalho. É relativamente comum constatar que habitantes das áreas rurais são transferidos para serem explorados em centros urbanos; que indivíduos de países pobres são levados a países vizinhos ou mais remotos considerados mais ricos; que mulheres jovens são exploradas para responder à demanda do comércio sexual dos países ricos; que desempregados/as migram sem documentação e vivem em clandestinidade no país de destino, ficando impedidos de acessar os serviços de justiça e outros serviços fundamentais para sua própria proteção e submetidos a diferentes formas de exploração para sua sobrevivência. 3.3. Fatores que favorecem ou causam o tráfico de pessoas a) Demanda de Serviços A principal causa e sustentação econômica do tráfico de pessoas é a demanda de serviços sexuais no lugar de destino e o desenvolvimento de mercados inescrupulosos que buscam atingir lucro máximo a qualquer custo. b) Fatores Culturais Destacam-se a estrutura hierárquica de gênero e a heteronormatividade. Os contextos de desigualdade e inequidades de gênero e geração, a cultura patriarcal e adultocêntrica e a heteronormatividade são aspectos culturais historicamente presentes em diferentes sociedades e culturas. A violência de gênero como mecanismo disciplinador destas estruturas (abuso sexual intrafamiliar e principalmente violência doméstica) e a discriminação violenta homofóbica e transfóbica. c) Fatores socioeconômicos A discriminação de diversos grupos sociais – populações afrodescendentes, povos originários, população rural, identidades sexuais diversas – geram condições de vulnerabilidade para que estas populações sejam capturadas por redes de tráfico, especialmente mulheres, crianças e adolescentes. A exclusão social, a pobreza, a desigualdade e os obstáculos de acesso a oportunidades, bens e serviços. Os deslocamentos de populações por conflitos armados também se identificam como um cenário de alta vulnerabilidade às ações das redes de tráfico. O tráfico de pessoas é um fenômeno antigo, mas a glo- balização capitalista, neoliberal e patriarcal consolida as condições para que este fenômeno cresça e as contradições sejam aprofundadas. d) Políticas migratórias restritivas As fortes medidas adotadas em vários países para limitar o ingresso de migrantes é uma barreira para que as pessoas que decidem migrar o façam de modo regular. Estes processos migratórios se dão em condições precárias, com documentações falsas ou ingresso irregular nos países, deixando os indivíduos em condições vulneráveis para serem capturadas por redes de tráfico. e) Deficiência das respostas estatais dos países de origem, trânsito e destino Nos países onde as respostas de prevenção e combate ao tráfico são deficientes, as redes de crime organizado encontram um cenário propício para expandir e desenvolver suas ações criminosas. Ainda assim, a corrupção e conivência de funcionários públicos é um fator chave para a perpetuação destes crimes. São fatores chave de atração as desigualdades entre países e regiões, que permitem a existência de grandes redes de crime organizado com capacidade de financiamento e transporte internacional. Estas redes abusam das necessidades de sobrevivência da população dos países pobres, que entendem a existência de melhores condições de vida em lugares relativamente mais ricos. Do mesmo modo, dentro de um mesmo país, os habitantes das regiões mais pobres têm esse mesmo entendimento com respeito às cidades, que concentram maior riqueza e acesso a oportunidades. 3.4. Objetivos do tráfico de pessoas A finalidade do tráfico de pessoas é sempre a exploração da vítima. A exploração pode incluir as seguintes formas: › Trabalho forçado em empresas maquiladoras, fábricas, trabalho agrícola, plantações, minas, construção, pesca, mendicância, trabalho doméstico. › Seu outras formas subumanas de trabalhorvidão o. › Venda ou entrega ilegal de crianças para adoção. › Casamentos servis. › Remoção de órgãos. › Crianças soldados ou soldados cativos. › Exploração no comércio sexual, prostituição forçada, pornografia, turismo sexual, entre outras. 31 CAPÍTULO 4 ·CARACTERÍSTICAS DO TRÁFICO DE MULHERES NO MERCOSUL 4.1. Principais fatores de vulnerabilidade detectados na região Os países da região compartilham em maior ou menor grau um conjunto de contextos de alta vulnerabilidade ao tráfico de mulheres com fins de exploração sexual. Com diferentes expressões e em conjunturas diversas, em todos os países se identificam fatores de vulnerabilidade estrutural, ligados a modelos econômicos, fatores sociais, culturais e políticos. Entre estes destacamos: a) Inequidade de gênero e discriminação contra a mulher Na região, a violência sexual exercida por homens contra mulheres é uma prática milenar sustentada por uma concepção patriarcal, em que diferentes sociedades legitimam a supremacia dos homens sobre as mulheres e legitimam o direito de apropriação e controle de seus corpos. Um panorama geral sobre a situação das mulheres na região mostra o acesso tardio à categoria de cidadãs. As mulheres de todo o mundo entram no século XIX sem poder de cidadania, fora do sistema educativo formal, fora do âmbito dos direitos e bens do modelo sociopolítico liberal que a modernidade consolidava. A luta dos movimentos feministas conseguiu consolidar a ideia de que o pessoal é político e avançar na criminalização da apropriação violenta dos corpos das mulheres. Embora estes aspectos não tiveram um corolário na diminuição da violência contra as mulheres, começou um processo de visibilização do problema e preocupação dos Estados em colocar esta problemática na agenda pública. Atualmente, a violência contra as mulheres no âmbito público e privado representa um dos problemas mais urgentes dos países da região. b) Violência doméstica A violência doméstica se identifica como um fator de vulnerabilidade altamente associado às situações de tráfico. Os antecedentes de violência doméstica na família ou no casal são frequentemente presentes nas vítimas do tráfico. Os danos produzidos pela exposição precoce a situações de maltrato, submissão e dominação colocam as mulheres em condições de vulnerabilidade para serem submetidas a novas formas de controle e manipulação. Em muitos casos, a captura se produz como uma saída de uma situação de violência doméstica. Nos países da região, a violência doméstica é um problema instaurado, que afeta quase exclusivamente mulheres, crianças e adolescentes. São frequentemente identificados antecedentes de abusos sexuais na infância das vítimas do tráfico de pessoas. A exposição em idades precoces a situações de incesto e abusos sexuais no âmbito familiar provoca danos graves nas crianças e adolescentes que em muitos casos implica num processo de múltiplas submissões sexuais durante seu crescimento e desenvolvimento. A percepção de estarem “manchadas” ou de que não há nada que possa lhes machucar mais do que o abuso vivenciado coloca estas crianças em situação altamente vulnerável à exploração sexual e à captura pelas redes de traficantes. O descrédito e a rejeição familiar que comumente ocorre nessas situações gera muitas vezes a expulsão do lar e a exposição à situação de rua onde a vulnerabilidade aumenta sensivelmente. A presença de adultos “salvadores” que capturam essas meninas na rua é muitas vezes o início do caminho para as redes de tráfico interno e internacional. c) Abuso sexual intrafamiliar Se identifican antecedentes de abusos sexuales en la infancia en forma muy frecuente en las víctimas de trata. La exposición a edades tempranas a situaciones de incesto y abusos sexuales dentro del ámbito familiar provoca daños muy graves en los niños, niñas y adolescentes que en muchos casos habilita a un proceso de múltiples sometimientos sexuales durante su crecimiento y desarrollo. La percepción de estar “manchadas” o que no habrá nada que les provoque más daño que el abuso vivido, coloca a estas niñas en situación altamente vulnerable a la explotación sexual y la captación por parte de redes de tratantes. El descrédito y rechazo familiar que ocurre habitualmente frente a estas situaciones genera muchas veces la expulsión del hogar y la exposición a situaciones de calle donde la vulnerabilidad aumenta sensiblemente. La presencia de adultos “salvadores” que captan a estas chicas en calle es muchas veces el inicio de un camino a hacia las redes de trata interna e internacional. 33 d) Exclusão social e pobreza Sob estas categorias se identificam muitas e diversas situações ligadas à dificuldade e impossibilidade de acessar a bens e serviços necessários para cobrir as necessidades básicas das pessoas (saúde, educação, trabalho, moradia, alimentação, entre outras). Muitas vítimas de tráfico provêm de contextos onde não há oportunidades de acesso aos recursos necessários para desenvolver a vida desejada; sonhar e poder cumprir estes sonhos, traçar projetos pessoais e ter meios para alcançá-los. A impossibilidade de projetar o futuro cria nichos de oportunidade para os traficantes oferecerem novos horizontes e alternativas de melhorar as condições de vida destas mulheres e de suas famílias. e) Migração como estratégia de melhora das condições de vida e políticas migratórias restritivas nos países de destino A migração é uma estratégia legítima utilizada pelas populações dos países da região para enfrentar as diversas contingências. As crises econômicas e políticas têm sido os principais motores para a migração. Entre as motivações que levaram algumas mulheres a aceitar as propostas das redes estão: buscar novas oportunidades, melhorar as condições de vida, desenvolver um projeto de vida melhor e garantir o futuro de suas famílias. Muitas mulheres não contam com recursos para realizar uma migração independente, sendo essa uma oportunidade utilizada pelos traficantes para realizar a captura; outras não têm possibilidade de ingressar de forma regular no país de destino em decorrência das políticas restritivas existentes, fazendo com que muitas vezes recorram a redes de traficantes para conseguirem o ingresso. f) Impacto social dos modelos de desenvolvimento Em vários países da região houve a expulsão das comunidades de povos originários e camponeses para o uso das terras para cultivo intensivo dos setores agrícolas em expansão. Estes processos provocaram em muitas áreas da região a migração da zona rural para as zonas urbanas em áreas periféricas, com altos índices de pobreza e exclusão social. Isso cria cenários altamente vulneráveis para mulheres e meninas serem vítimas de diversas formas de exploração sexual, como o tráfico interno e internacional. Ainda, a expansão dos pólos de desenvolvimento produtivos que caracterizam os modelos de desenvolvimento econômico da região – como a construção de rodovias, portos de grande porte, grandes fábricas de celulose, represas, florestamento massivo em determinadas zonas, entre outras – gera uma alta concentração de mão de obra masculina. Este fato reproduz os mandatos de gênero tradicionalmente estabelecidos sobre o 34 uso e a compra do corpo da mulher para a satisfação sexual, provocando um aumento da demanda de serviços sexuais que são parcialmente atendidas pelas redes de tráfico. As safras de produção se caracterizam por deslocar ciclicamente a mão de obra masculina, que migra para diversos territórios seguindo as safras produtivas. Em muitos casos estes homens se transferem com suas famílias, colocando muitas vezes suas filhas e filhos em condições de extrema vulnerabilidade para serem capturados por redes de tráfico. A indústria do turismo teve um desenvolvimento e crescimento muito importantes nos países da região. Em alguns países trouxe conjuntamente um aumento da demanda de turismo sexual, que potencializa as redes de tráfico internas e internacionais. g) Fronteiras permeáveis As zonas de fronteira da região se identificam como espaços territoriais altamente vulneráveis às redes de tráfico, dado que, por características geográficas, existe uma diversidade de passagens fronteiriças não controladas, tanto secas quanto líquidas. Este aspecto é um obstáculo importante regionalmente para poder-se aprofundar tanto no combate das redes quanto na prevenção e detecção dos casos. h) Falta de documentação de identidade civil Em alguns países da região persiste o problema de falta de documentação de certas populações, criando oportunidade aos traficantes para providenciarem documentação falsa para realizar a mobilização da pessoa, dentro e fora do país. Ainda, a legislação referente às autorizações de saída do país para menores de idade é diferente entre os países da região, o que dificulta a aplicação de critérios uniformes que permitam um controle adequado destes fluxos migratórios, a fim de prevenir o translado de possíveis vítimas de tráfico. 4.2 Amplitude do problema No atual contexto não é possível dimensionar a amplitude do problema em nível regional. Sem desconsiderar as iniciativas de sistematização de informação que estão sendo realizadas em alguns países da região, até o momento não foi alcançado um sistema de registros, pesquisas e dados estatísticos unificados que permitam quantificar dados globais sobre a amplitude do tráfico. No entanto, existem dados e fontes setoriais que permitem visualizar de forma parcial como este crime se expande nos diferentes territórios da região do MERCOSUL. No caso da Argentina, de acordo com dados do Informe Nacional: “A partir da lei 26.364 “Prevenção e Sanção do Tráfico de Pessoas e Atendimento às Vítimas”, foram realizadas duzentos e oitenta e nove investigações pela comissão do crime de tráfico de pessoas. Destas, cento e cinquenta e nove (159), foram iniciadas por denúncias feitas por forças de segurança, ONG’s e pessoas que não quiseram se identifica e sessenta e uma (61) denúncias foram feitas diretamente pelas vítimas à UFASE. Do total de denúncias, sessenta e quatro (64) foram arquivadas e sessenta e cinco (65) estão em tramitação atualmente. Também houve informes sobre o tipo de exploração denunciada que, em cento e trinta e nove (139) casos, a finalidade do crime de tráfico foi a exploração sexual. Em cinquenta e uma (51) investigações pôde-se advertir a presença de menores de idade.”31 O informe citado acrescenta “Os dados obtidos são parciais, considerando que ainda não existem registros oficiais, estatísticas e informes qualitativos consensuados a nível nacional feitos pelas forças de segurança, pelo poder judicial, poder executivo ou ONGs, que reúnam e compilem oficialmente a totalidade da informação de cada província do país. Há que considerar também a inexistência atualmente de um organismo nacional que centralize a informação em relação ao problema e aos dados recolhidos nesta pesquisa. Ainda assim, foi possível atingir uma aproximação da amplitude da situação, que permitiu inferir que, desde a sanção da lei 26.464 em abril de 2008 até maio do ano 2011, o tráfico interno alcançaria 60%, e o tráfico internacional chegaria a 40%.”32 Posteriormente ao período citado conta-se com dados das Forças policiais e de Segurança Federais durante o período Janeiro - Outubro de 2011, que marcou uma tendência ao aumento de casos de tráfico internacional de pessoas, considerando que, no período mencionado, 61,78% das vítimas resgatadas eram estrangeiras. No caso do Brasil, ainda que existam diversas pesquisas sobre o tema, não fornecem dados que possam dar uma aproximação da amplitude do problema. O Informe Nacional contribui com dados obtidos de uma pesquisa referente ao país: “Desde 2002, com a elaboração da pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual no Brasil – PESTRAF , a problemática nacional passou a ter visibilidade e começou a considerar-se, a partir do âmbito público, respostas para o enfrentamento ao fenômeno, que era pouco conhecido. A partir deste momento, verificou-se, especialmente com a pesquisa PESTRAF, que o Brasil era um país de destino (recebe vítimas de tráfico de pessoas de outros países, como foi identificado no Paraguai, Bolívia e Argentina) e, principalmente, de origem a vítimas brasileiras de tráfico encontradas em países como Espanha, Portugal, Suíça, Holanda, Suriname, entre outros. Estes feitos evidenciaram a necessidade de se implementar políticas públicas para o enfrentamento deste crime com dimensões transnacionais.” 34 35 No caso do Paraguai, o Informe Nacional apresenta: “O Informe do Componente Estatístico elaborado pela Direção Geral de Estatísticas, Pesquisas e Censos da Presidência da República do Paraguai, no ano de 2009, no marco do “Programa de Apoio à Luta contra o Tráfico de Pessoas, sobretudo Mulheres, Meninas e Meninos” da Secretaria da Mulher, com apoio do BID, identificou, mediante fontes do Ministério Público, um total de 199 casos de tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, ingressados na Promotoria desde o ano de 2003 ao ano de 2009 através de todas as jurisdições do país. Se mencionam especialmente as quantidades correspondentes à Cidade de Assunção, onde se registraram 87 casos, Encarnación 23 casos e Ciudad de Este 32 casos. Não foi possível discriminar quantas vítimas estão envolvidas nestes casos.” 36 No caso do Uruguai, evidencia-se no informe nacional as dificuldades no levantamento de dados que possam quantificar este delito. Assim, o Informe nacional expressa: “No país não se produzem estatísticas que relevem o tráfico de mulheres com fins de exploração sexual comercial, pelo que não é possível dar conta da amplitude real do problema”.37 4.3. Características das vítimas 31. Informe Nacional Argentina (p. 9 ) 32. Informe Nacional Argentina (p. 19 ) 33. A Pesquisa Nacional sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes (Pestraf), coordenado pelo Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria), foi realizada em 2002 e mapeou 241 rotas de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Deste total, 131 rotas eram internacionais, 78 interestatais e 32 intermunicipais. O trabalho serviu como ponto de partida para os trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Investigação (CPMI), instalada no Congresso Nacional entre 2003 e 2004, que investigou a prática da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes no país. A partir desta investigação, percebeuse o desafio de combater o crime de tráfico de pessoas, principalmente contra mulheres, crianças e adolescentes. 34. Informe Nacional Brasil (p. 11 ) 35. Original em português. 36. Informe Nacional Paraguai (p. 11) 37. Informe Nacional Uruguai Na região, as vítimas de tráfico são predominantemente mulheres e há um aumento dos casos de mulheres trans. São, em geral, mulheres jovens entre 15 e 30 anos de idade chegando, em alguns casos, até os 35. Na Argentina, segundo dados do Informe Nacional, as vítimas têm entre 18 e 35 anos e são na maioria heterossexuais. Dos procedimentos com intervenção das Forças Po- 35 liciais e de Segurança Federais durante o período Janeiro-Outubro de 2011, 89,56% das vítimas resgatadas eram maiores de 18 anos. São originárias de províncias com altos níveis de pobreza, desemprego, falta de rede social, baixo nível educacional, dificuldade de acesso a serviços sociais, médicos, déficit habitacional de infraestrutura e pouco acesso a oportunidades. As mulheres provenientes de povos indígenas são as mais excluídas, discriminadas e vulneráveis ao tráfico de pessoas. No Brasil, segundo dados do Informe Nacional, as vítimas têm entre 15 e 30 anos de idade, nível educacional variado – do ensino básico à universidade - e com frequência têm filhos no Brasil. O Informe assinala que muitas mulheres não exerciam a prostituição previamente. Em relação aos lugares de origem, em geral provêm de todos os Estados do Brasil, principalmente de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Região Nordeste. As adolescentes são capturadas majoritariamente para tráfico interno e as maiores de 18 anos são capturadas para tráfico internacional. Muitas mulheres não se identificam como vítimas, colocando-se em um processo migratório exercendo prostituição de forma momentânea enquanto conseguem dinheiro suficiente para voltar ao Brasil e reorganizar sua vida e família. No caso do Paraguai, dados apresentados pelo Informe Nacional mostram que os setores e grupos mais vulneráveis são as mulheres de todas as idades, crianças e adolescentes, membros de povos indígenas e pessoas em situações de violência, discriminação ou pobreza extrema. As vítimas de tráfico interno são geralmente adolescentes capturadas em localidades do interior do país e transportadas aos centros urbanos da capital e de outras capitais departamentais; por exemplo, Coronel Oviedo, Ciudad Del Este, Encarnación. Muitas vezes contam com o consentimento verbal não formal dos pais, que acreditam que suas filhas viajam para exercer serviço doméstico. No caso do Uruguai foram identificados casos de adolescentes mulheres a partir de 16 anos e de mulheres jovens. As adolescentes em geral são capturadas para tráfico interno - embora também se identifiquem casos de adultas jovens – e no tráfico internacional em geral são jovens entre 18 e 30 anos com filhos. 36 CAPÍTULO 5 ·AS ROTAS DE TRÁFICO NA REGIÃO Na região, se identificam rotas de tráfico interno e internacional. No tráfico interno as vítimas são sobretudo adolescentes, ainda que existam também casos de adultas e, nos casos de tráfico internacional, a maior parte das vítimas são adultas, ainda que tenham sido detectados casos de adolescentes viajando com documentação falsa. A região do MERCOSUL é uma região predominantemente de origem e destino, detectando-se, em menor escala, rotas de trânsito. Assim, os países da região se identificam como: Argentina: país de origem, trânsito e destino. Brasil: país de origem, destino e em menor medida trânsito. Paraguai: país de origem e em menor medida trânsito e destino. 5.1. Principais zonas de captura e recrutamento No seguinte quadro se descrevem as principais zonas onde as redes de tráfico de pessoas realizam suas estratégias de captura e recrutamento. Uruguai: país de origem e em menor medida trânsito e destino. ARGENTINA Misiones Jujuy Entre Ríos Catamarca Corrientes Santiago del Estero BRASIL Região Norte, Nordeste e Sudeste - tráfico interno Região Norte, Nordeste, Sudeste, Centro oeste tráfico internacional PARAGUAI URUGUAI Central Paysandú Caaguazu Río Negro Alto Paraná Cerro Largo Itapúa Montevideo Ñeembucú Colonia Amambay San José Chaco Canelones Formosa Lavalleja Santa fe Maldonado La Rioja Rocha Salta Treinta y Tres Quadro 1: Zonas de captura e recrutamento Tucumán Fontes: Informes Nacionais da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai 37 Mapa I: Principais zonas de captação e recrutamento na região 38 5.2. Principais zonas de destino de tráfico interno e internacional A seguir são descritas as zonas de destino das vítimas de tráfico de cada um dos países da região. No tráfico internacional, a Espanha é o principal destino das rotas de tráfico de todos os países da região. A Itália é apontada como país de destino por todos os países da região, mas em menor escala. No Informe ARGENTINA Nacional, o Brasil destaca que esta rota é utilizada especialmente para o tráfico de indivíduos transexuais. O restante dos destinos varia entre os países. Nas rotas de tráfico dentro da região, todos os países do MERCOSUL são países de destino das rotas de tráfico de pessoas intraregional. Isto é, nos quatro países se identificam redes de tráfico internacional que mobilizam mulheres de um país a outro dentro da região. TRÁFICO INTERNO DE PESSOAS TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESOAS Buenos Aires ESPANHA Córdoba ITÁLIA La Pampa CHILE Chubut ÁFRICA DO SUL Quadro 2: Zonas de destino de tráfico de pessoas interno e internacional Santa Cruz Tierra del Fuego BRASIL* 78 rotas interestaduais ESPANHA (32 rotas identificadas) 32 intermunicipais - A Região Norte é origem da maioria das rotas de tráfico - Em segundo lugar está a Região Nordeste HOLANDA (11 rotas identificadas) Em menor escala seguem - Região Sudeste - Norte - Centro-Oeste - Sul VENEZUELA (10 rotas identificadas) ITÁLIA PORTUGAL PARAGUAI SUÍÇA ESTADOS UNIDOS ALEMANHA SURINAME PARAGUAI Assunção e capitais departamentais ESPANHA ARGENTINA CHILE BOLIVIA BRASIL ITÁLIA FRANCIA SUDAFRICA CORÉIA JAPÃO URUGUAI Maldonado ESPANHA Montevideo ITÁLIA Cerro Largo ARGENTINA Treinta y Tres BRASIL Fontes: Informes Nacionais da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai * Fonte: CECRIA. Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de exploração sexual no Brasil, coordenada pelo CECRIA – Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes, 2002, pg. 61 (Pesquisa conhecida como Pestraf). 39 Mapa II: MERCOSUL como região de origem 40 a) MERCOSUL como região de destino No parágrafo seguinte são estabelecidas as zonas de procedência das vítimas detectadas em cada um dos países do MERCOSUL. Esta informação foi elaborada realizando o cruzamento das informações contidas nos informes nacionais, dado que nem todos os países identificam as vítimas das nacionalidades que se traz neste capítulo. Algumas nacionalidades são identificadas pelo país de destino, porém não do país de origem e viceversa. menor medida, República Dominicana e Bolívia. Ainda, foram detectados alguns casos de vítimas provenientes de outros países (Colômbia, Peru e Uruguai).. › A Argentina é o país de destino para vítimas provenientes do: Paraguai (origem majoritária das vítimas de tráfico com fins de exploração sexual na Argentina) e, em › O Uruguai se constitui um país de destino para vítimas provenientes da: Bolívia, Paraguai, Brasil e Argentina. ARGENTINA › O Brasil se constitui como um país de destino para vítimas provenientes da: Argentina, Paraguai e Bolívia (especialmente no caso de tráfico de mulheres para fins de trabalho escravo). › O Paraguai se constitui um país de destino para vítimas provenientes do Brasil. BRASIL PARAGUAI Paraguai Argentina República Dominicana Paraguai Paraguai Brasil Bolivia (especialmente no caso de tráfico mulheres para fins de trabalho escravo) Brasil Colombia Perú Brasil URUGUAI Quadro 3: MERCOSUL como região de destino Bolivia Argentina Uruguai 41 Mapa III: Mercosul como uma área alvo REPÚBLICA DOMINICANA PAR ARAGUAI GUAI URUGUAI Referências 42 b) Zonas de fronteiras altamente vulneráveis A seguir são assinaladas as zonas de fronteira com maior vulnerabilidade e onde se detectam redes de tráfico de pessoas operando, seja na captura, transporte ou exploração das mulheres. ARGENTINA BRASIL PARAGUAI Bolivia (Jujuy) Paraguai Argentina (Itapúa, Alto Paraná, Ñeembucú) Brasil (Misiones) Uruguai Brasil Bolivia Brasil (Amambay, Alto Paraná Paraguai (Misiones e Formosa) Venezuela Bolivia (Alto Paraguai e Boquerón)) URUGUAI Quadro 4: Zonas de fronteiras altamente vulneráveis Argentina Brasil (cidades gêmeas) Suriname 43 Mapa IV: Zonas vulneráveis PAR ARAGUAI GUAI URUGUAI Referências zonas vulneráveis 44 CAPÍTULO 6 ·REDES DE TRÁFICO DE PESSOAS As mulheres vítimas de tráfico ocasionalmente são pressionadas a recrutar e captar novas mulheres para a rede, em troca de uma posição melhor, com mais privilégios ou benefícios, em troca de diminuir a dívida, entre outros. As redes de tráfico de pessoas identificadas na região são grupos de delinquência organizada, integrados por atores que cumprem papéis diversificados nas diferentes etapas do processo de tráfico. As redes operam com diferentes dinâmicas e modalidades, existindo redes mais complexas de caráter transnacional, que incluem em suas atividades criminais o tráfico de drogas e de armas. Existem redes menos sofisticadas com uma composição basicamente familiar, com atores que cumprem distintos papéis no processo e que têm membros ativos (atores primários e secundários) em diferentes zonas e territórios. Os atores primários são os traficantes, que realizam o recrutamento, transporte e acolhimento (recrutamento, proxenetas, chefes de prostíbulos). Os atores secundários facilitam a ação da rede, desenvolvendo diversas tarefas (motoristas, taxistas, facilitador de locais, integrantes de forças de segurança, empregados de empresas de transporte terrestre aéreo, agências de viagem, pessoas que se dedicam a conseguir documentação falsa, fornecedores de apartamentos, etc). “As agências de viagem, sobretudo quando o destino é a Europa, buscam estratégias que facilitem o ingresso das vítimas aos lugares de destino, principalmente à Espanha. Para tal, providenciam convites especiais para as vítimas, organizam excursões, por exemplo, religiosas, onde incluem as vítimas para que passem despercebidas, entre outras. Com países mais próximos como a Argentina, há a modalidade que o próprio explorador viaja ao Paraguai e organiza sua rede, deixando um agenciador responsável por ativar todos os atores em cada caso concreto do envio de mulheres. O explorador entra em contato com as agências de transporte, compra a passagem de ida das vítimas e enviam dinheiro ao agenciador” (Informe Nacional Paraguai) 38. A PESTRAF indica que 59% dos aliciadores são homens, contra 41% de aliciadoras mulheres, pg.64 39. Original em português. “No Brasil, a pesar da prevalência de homens como aliciadores/agenciadores das vítimas de tráfico38,verifica-se o grande número de aliciadoras mulheres que conseguem convencer mulheres das vantagens da inserção nas redes sexuais, através de suas experiências” bem sucedidas “com a prostituição no exterior. Percebe-se que essas aliciadoras já estiveram em condição de vítimas, mas conseguiram pagar sua dívida e foram inseridas na estrutura das redes de tráfico para exercer um poder de convencimento sobre outras mulheres. Ou ainda, que essas aliciadoras se envolvem sentimentalmente com algum traficante ou dono de clube de prostituição e acabam sendo as principais fontes de aliciamento de mulheres no Brasil.” (Informe Nacional Brasil) 39 6.1. Estratégias de captura e recrutamento A captura mediante engano é a principal forma de recrutamento em nível regional; seja o engano de tipo e/ ou condições de trabalho a se desenvolver no país de destino. As ofertas de trabalho enganosas sobre o tipo de trabalho a se desenvolver em geral são tarefas de cuidado (crianças, idosos) serviço doméstico, garçonetes. Uma vez no destino, a pessoa é submetida à exploração sexual. Outra forma de engano é a oferta para o exercício da prostituição e consiste em que a pessoa será submetida a condições de exploração sexual ao chegar ao destino. “Lá, descobre que aquele trabalho oferecido não existe, ou que as condições não eram as acordadas, e quando tenta rejeitá-las ou ir embora, os exploradores põem em marcha mecanismos de violência e de coerção com os quais asseguram a submissão da 45 vítima. As vítimas, na maioria dos casos, passaram por situações de vulnerabilidade e/ou submissão, e desenvolveram diversas estratégias de sobrevivência nas quais naturalizam os processos tais como: dominação, abuso de poder e vulnerabilidade de direitos. Deste modo, a vítima, por questões pessoais – situação de vulnerabilidade pré-existente – e externas – prisão, estupros sistemáticos, falta de recursos econômicos, de acesso a meios de comunicação e outros – não consegue adquirir as defesas necessárias para enfrentar os danos provocados por seus exploradores e colaboradores. A vítima adapta seus mecanismos psíquicos com fins de sobreviver no lugar onde é explorada”. (Informe Nacional Argentina) 6.2. Modalidades de recrutamento A partir das informações documentadas nos Informes Nacionais, as modalidades de recrutamento mais utilizadas na região são as seguintes: - Realização de ensaios fotográficos para promoções. São difundidos por diversos meios como jornais, letreiros, avisos publicitários. - Aliciamento mediante oferecimento de diversos objetos de consumo. Roupas, passeios, acesso a festas, cartões telefônicos como forma de criar a “isca” para a posterior inserção no mercado do sexo, nas ruas ou em zonas de exploração como bordéis, prostíbulos ou certos bares. - Anúncios e/ou agências que oferecem oportunidades para trabalhar ou estudar. - Avisos em jornais de grande tiragem. Nestes avisos publicados e exibidos nos meios de comunicação em massa, se oferecem endereços e/ou números telefônicos para contato. - Captura utilizando a sedução e a manipulação afetiva. São situações onde as mulheres são capturadas a partir de vínculos de “namoro” onde a manipulação tem uma dimensão muito importante. A ambivalência, a confusão e o envolvimento afetivo não permitem que as vítimas identifiquem nestas estratégias uma modalidade de captura. “A abordagem na rua é um dos mecanismos de primeiro contato. Este é feito por intermédio de outras mulheres ou agenciadores que se apresentam como ‘salvadores que compreendem as necessidades da vítima’ e lhe oferecem abrigo e acolhimento, a princípio sem necessidade de intercâmbio. Também aparecem familiares, amigos ou amigas próximas que relacionam as vítimas com as redes, ou promovem 46 as condições para serem capturadas. O telefone celular começa a ter um papel importante nos contatos seguintes. As novas tecnologias de comunicação, principalmente para as adolescentes (e-mails e chats) se transformaram em ferramentas de contatos com os agenciadores. Este meio é utilizado para oferecer a adolescentes e mulheres jovens a possibilidade de modelar ou começar uma tarefa como atriz em filmes pequenos com cenas eróticas, explicando que talvez tenham que viajar”(Testimonio extractado de Informe Nacional de Uruguai). “Existe um tempo de preparação, onde as mulheres passam vários dias fora de sua casa, são levadas pelo agenciador que em muitos casos é seu parceiro, a trabalhar em diferentes prostíbulos do país; é um tempo de namoro, onde se mostra às mulheres que seus filhos ficarão bem cuidados com outros familiares, que o oferecimento de trabalhar no exterior vai mudar suas vidas, que poderão ter sua própria casa. Envolvem a mulher em uma história de felicidade futura, cortam seus vínculos por um tempo, a isolam e quando aceitam, em 4 ou 5 dias estão viajando. Não as deixam nem pensar, compram roupas novas, passam de festa em festa, o recrutador a acompanha constantemente, lhe diz que não se preocupe com nada, que não leve muita roupa e em poucos dias adquire o passaporte e vai embora” (Depoimento retirado do Informe Nacional do Uruguai) O sequestro é um método utilizado com menor frequência nos países da região. É realizado por algum membro da rede que, depois de estudar os movimentos da vítima, geralmente as intercepta em via pública e as transporta em automóvel até o lugar de exploração. Utilizam-se drogas para manter as mulheres presas durante o processo de sequestro e de preparação para a exploração sexual. 6.4. Viagem e trânsito Na maioria dos países as vítimas viajam custodiadas pelo traficante ou recrutador. A viagem pode incluir várias etapas e destino, e, uma vez chegado ao país de destino, o transporte até os locais de exploração é efetuado por via terrestre. Nesta etapa, trabalhadores do setor de transporte como caminhoneiros de transporte nacional e internacional e taxistas podem cumprir papéis no translado. Os meios mais utilizados são desde as linhas regulares de transporte aéreo e terrestre, travessia em lancha para atravessar fronteiras, travessia em diversos veículos particulares ou a pé. Em geral as passagens são adquiridas em dinheiro para evitar o seguimento ou rastreio bancário. Em alguns casos, as mulheres viajam sós e são instruídas em como se comportar em toda a viagem, inclusive em que idioma devem falar e o que dizer, especialmente ao chegar ao país de destino frente às autoridades migratórias. No caso da Espanha, as vítimas são recebidas por representantes dos exploradores no aeroporto e o translado é feito por via terrestre. 6.4. Destino e exploração Os lugares de exploração podem ser prostíbulos, pubs, bares, bordéis, night clubs, sinucas, apartamentos particulares, entre outros. As vítimas podem estar alojadas nos próprios lugares de exploração ou serem alojadas em lugares diferentes, em geral em casas ou apartamentos onde se alojam outras vítimas da mesma nacionalidade ou de outras. É comum a rotatividade de lugares de exploração de forma frequente dentro de uma cidade ou em diferentes cidades e países. Podem ser vendidas a outras redes neste país e serem transferidas a outros lugares. - Violência física, sexual e psicológica. - Estupro sistemático pelos exploradores ‘processo de amaciamento’. - Fornecimento de álcool e drogas. - Privação ou restrição da liberdade. - Privação ou restrição do contato com a família (as comunicações com a família são controladas e supervisionadas). Em alguns casos permanecem totalmente incomunicáveis. - Sanções e multas por brigas entre as vítimas ou por negarem-se a realizar determinadas coisas, como beber álcool, entre outras. - Restrição de comidas. - Ameaça de represálias diretas a seus entes queridos. - Ameaça de serem enviadas à prisão ou de serem deportadas quando são estrangeiras em situação irregular. - Isolamento social e linguístico. Durante o processo de exploração, as vítimas são obrigadas a colaborar ou participar em ilegalidades administrativas ou penais, tais como: ingresso ou permanência irregular no país, uso de identidade falsa, tráfico de drogas, captura ou custódia de outras vítimas. A ameaça de serem denunciadas ante as autoridades do país funciona como um mecanismo de controle altamente eficiente. AS condições de exploração implicam jornadas de trabalho de 10 a 12 horas por dia em prostíbulos, bordéis ou locais semelhantes, onde devem realizar relações sexuais, beber e induzir os clientes a beberem álcool. Também se identificam – principalmente nos apartamentos – mulheres que ficam 24 horas à disposição dos clientes. Em outros casos, os lugares de exploração são os estacionamentos de carros, pontos em determinadas ruas e estradas, chegando a estar até 12 horas na rua. Existem redes que recrutam mulheres para atender clientes de alto poder aquisitivo em lugares exclusivos e de alto nível. Estas mulheres passam por períodos de treinamento antes de chegar aos locais de exploração. São treinadas em como atender estes clientes, no modo de se vestir, maquiar, entre outras coisas. Os mecanismos de controle utilizados pelos traficantes coincidem nos quatro informes nacionais, entre os quais se destacam: - Retenção de documentos. - Pressão ou chantagem por dívidas ou supostas dívidas. - Retenção de documentos de viagem ou identidade. - Obrigação de exercer a prostituição durante jornadas extensas. 47 CAPÍTULO 7 ·RESPOSTAS INSTITUCIONAIS E LEGISLAÇÃO Com a ratificação do Protocolo de Palermo, os países da região se obrigaram a desenvolver ações de prevenção (sensibilização, informação, pesquisa), de proteção e restituição dos direitos das vítimas, incluída a indenização e reparação, de repressão ao delito e de penalização dos traficantes. A fim de abordar estes diferentes âmbitos de ação e responsabilidade dos Estados frente ao Tráfico, serão analisadas as respostas institucionais e a legislação dos países de acordo com os seguintes: I. Políticas públicas. II. Visibilização do delito e informação à população. Para analisar as respostas institucionais e a legislação dos países da região, é imprescindível partir dos padrões internacionais resultados dos instrumentos de direitos humanos internacionais e regionais, em especial a Convenção Internacional para a Eliminação da Discriminação da Mulher (CEDAW) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará). III. Capacitação e fortalecimento institucional. IV. Primeiro atendimento: resgate, retorno seguro e voluntário e alojamento provisório. V. Recuperação física, psicológica e social das vítimas do tráfico de pessoas. VI. Accesso à justiça pelas vítimas. VII. Criminalização do tráfico de pessoas. VIII. Repressão ao delito. Estes instrumentos constituem um marco de referência imprescindível quando se analisa um fenômeno que afeta principalmente as mulheres e se sustenta em valores patriarcais que legitimam a submissão sexual e a utilização do corpo das mulheres como mercadoria de consumo. Ambos instrumentos compreendem o tráfico de mulheres com fins de exploração sexual como manifestação da violência de gênero que os Estados não podem tolerar e devem adotar todas as medidas a seu alcance para preveni-la, combatê-la e penalizá-la. Avançando no tema específico do tráfico de pessoas, o Protocolo de Palermo, complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e aos Princípios e Diretrizes da Nações Unidas sobre Tráfico e Direitos Humanos, direciona a adotar legislação e respostas institucionais que abordem o problema de forma integral, tendo especialmente em conta o enfoque dos direitos humanos e da perspectiva de gênero. 7.1. Síntese descritiva O tipo de resposta dada por cada país está fortemente determinado pelos seguintes fatores: a) amplitude territorial, b) quantidade e diversidade da população, c) estrutura político-organizacional, e d) laspectos do tráfico que foram incorporados com maior ênfase na agenda político-institucional. A seguir será apresentada uma descrição sintética das características e respostas de cada país, para, assim, aprofundar em pontos que consideramos chave para a análise e diagnóstico regional. 49 ARGENTINA A Argentina é um país com extensão territorial de 2.780.440 Km, com cerca de 40 milhões de habitantes. Faz fronteira com a Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Está organizado politicamente federativamente, com 23 províncias e a Capital Federal (Cidade Autônoma de Buenos Aires). Cada uma das províncias se subdivide em departamentos. As medidas de prevenção e sanção do tráfico, assim como as de atendimento e proteção que devem ser implantadas e os direitos das vítimas estão ordenados pela Lei 26.362 de Prevenção e Sanção do Tráfico de Pessoas e Atendimento a suas Vítimas, de 2008. Tanto em nível nacional quanto provincial, existem organismos com autoridade no assunto. As ações foram dirigidas principalmente aos casos de tráfico de pessoas em que a exploração ocorre dentro do país, seja por constituir tráfico interno ou por casos de tráfico internacional em que a Argentina é o país de destino. Neste marco, o Ministério de Segurança da Nação colocou entre seus principais eixos de gestão, desde a sua criação, em dezembro de 2010, o aprofundamento do enfrentamento ao tráfico de pessoas. Entre as políticas implantadas por este Ministério, podemos assinalar as seguintes: a) Incremento na quantidade e profissionalização do pessoal das Forças Policiais e de Segurança federais, destinados a divisões específicas que trabalhem com o tema. b) Atividades de capacitação: • Capacitação específica para pessoal que cumpra funções em delegacias da Polícia Federal. • Inclusão da temática na formação curricular das Forças Policiais e de Segurança federais. • Formação de formadores nas Forças federais para a multiplicação das capacitações em todo território nacional. c) Unificação e sistematização dos critérios de registro de informação provenientes dos procedimentos policiais, tendo resultado a implantação do Sistema Integrado de Informação Criminal do Delito de Tráfico de Pessoas (SisTrata). Tal sistema registra de maneira uniforme uma considerável quantidade de variáveis que permitirão contribuir com informação valiosa acerca das dimensões quantitativas e qualitativas do fenômeno. 50 d) Criação de marcos de cooperação interinstitucional para a prevenção e investigação do delito, atendimento às vítimas e capacitação dos atores institucionais com intervenção no tema. Neste processo participam junto ao Ministério de Segurança e Ministério de Justiça e Direitos Humanos, o Ministério Público Fiscal, a Corte Suprema de Justiça da Nação, a Direção Nacional de Migrações e a Associação de Mulheres Juízas da Argentina. e) Criação de marcos de cooperação internacional, alcançando Acordos de Cooperação com organismos do Chile e do Uruguai com autoridade no assunto. f) Criação de protocolos e guias de atuação para a atuação das Forças de Segurança e Polícias Federais. Por outro lado, o serviço central para abordagem destas situações é o Departamento de Resgate e Acompanhamento a Pessoas Danificadas pelo Delito de Tráfico de Pessoas do Ministério da Justiça e Direitos Humanos da Nação. Acompanha e atende vítimas do delito de tráfico de pessoas durante o resgate das mesmas, até a recepção do depoimento em sede judicial. Articula suas ações com as Forças de Segurança Federais. Uma vez culminada esta etapa, as situações são atendidas por serviços nacionais ou provinciais, segundo sua procedência: a) Se as vítimas são de nacionalidade estrangeira, são atendidas pela Área de Exploração Sexual infantil e Tráfico da Secretaria Nacional da Infância, Adolescência e Família, do Ministério de Desenvolvimento Social. A assistência consiste na provisão de alojamento apropriado, atenção psicológica, assistência social, médica, econômica, assessoria jurídica, capacitação profissional, reinserção educativa, provisão de documentação e retorno voluntário assistido. b) Se forem vítimas argentinas são encaminhadas aos organismos provinciais responsáveis pela proteção social. A perseguição penal é responsabilidade dos Tribunais e Promotorias Federais. No Ministério Público e Fiscal funciona a Unidade Fiscal de Assistência em Sequestros Extorsivos e Tráfico de Pessoas (UFASE) que, por requisição do promotor, presta assistência para a investigação destes delitos. Neste mesmo âmbito, funciona o Departamento de Assistência Integral à Vítima do Delito (OFAVI), que é o ponto focal para a adequação legislativa, sensibilização, capacitação e elaboração de planos de contingência com esta temática. A Área Mulher do Ministério de Relações Exteriores e Culto participa na negociação dos documentos interna- cionais sobre a temática e nos Comitês de Fronteira. Ainda, é responsável em difundir a normativa internacional no país. A forma de abordagem das situações de tráfico de pessoas no âmbito provincial tende a replicar o modelo nacional, através da criação de Departamentos de Resgate e Serviços de assessoria, atendimento e alojamento provincial, coordenando suas ações com os organismos nacionais. BRASIL O tamanho do Brasil é quase continental: 8.547.403,5Km². Sua população foi calculada em 2010 em 190.732.694 habitantes. Faz limite com a Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Colômbia, Bolívia, Peru, Argentina, Paraguai e Uruguai. É um país federal, organizado administrativamente em 26 Estados e um Distrito Federal. As respostas contra o tráfico de pessoas estão acordadas na Política Nacional e no Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, no Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, de caráter intersetorial, que consolida a Política. Esta deve ser desenvolvida em cada Estado e nos Planos Estaduais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e transversalizadas nos distintos serviços públicos do país. Intervêm especialmente na questão os seguintes organismos: Secretaria de Políticas para Mulheres, Secretaria de Direitos Humanos, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da Justiça, Ministério Público e os Tribunais Federais do Poder Judicial. A Secretaria de Políticas para Mulheres desenvolve suas ações através do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres de caráter intersetorial, que consolida a política que deve ser desenvolvida em cada Estado. Este Pacto conta com cinco eixos, um dos quais a exploração sexual e o tráfico de mulheres. Constitui um pilar fundamental para atendimento de mulheres vítimas de tráfico, já que fortalece a rede e os serviços especializados de atendimento às mulheres. O atendimento às vítimas se canaliza através da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) e da Rede de Serviços distribuída no país: 187 Centros de Referência da Mulher, 57 Defensorias ou Núcleos da Mulher, 359 Delegacias da Mulher, 72 Casas de Abrigo, 608 serviços de saúde e 42 Juizados/ Seções especializadas.40 O Ministério do Desenvolvimento Social realiza suas ações através do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em dois níveis de proteção social: básica e especial. A primeira tem como objetivo a prevenção das situações de vulnerabilidade e risco social e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. É fornecida pelos Centros de Referência e Assistência Social (CRAS) ou por organizações ou entidades autorizadas. A proteção social especial tem como finalidade o atendimento das situações de risco pessoal ou social, assim como as situações de ameaça ou vulnerabilidade de direitos. 40. Este dado corresponde ao Informe Nacional do Brasil, apresentado em julho de 2011. 41. Idem. No âmbito da proteção social especial se diferenciam as situações de média complexidade das de alta complexidade. A articulação das ações de média complexidade está a cargo dos Centros de Referência Especializada e Assistência Social (CREAS), que funcionam em âmbito municipal e regional. De um total de 1200 CREAS em funcionamento no país, 255 estão especialmente capacitados para atendimento de situações de tráfico de pessoas. A Proteção Social Especial de Alta Complexidade fornece serviços de acolhimento institucional, entre os quais se inclui o acolhimento/abrigo. No Ministério da Justiça funciona o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) que desenvolve a política pública do governo federal no país para enfrentamento e prevenção da criminalidade. A Polícia Federal é a responsável pela investigação no crime de tráfico de pessoas. En el ámbito estadual funcionan los Núcleos Estaduales de Prevención y Enfrentamiento de la Trata de Personas (NEPTs) y los Puestos de Atención al Migrante. Estos últimos funcionan en áreas de tránsito (aeropuertos, puertos y zonas de frontera) y tienen como cometido la identificación de las víctimas y brindar la primera atención. Coordinan con la policía federal y civil y con otras instituciones estatales o regionales, asesoran a las víctimas, derivan a las mismas a los servicios de atención social, de la salud, alojamiento, etc. Em âmbito estadual e municipal funcionam os Núcleos Estaduais de Prevenção e Enfrentamento do Tráfico de Pessoas (NEPTs) e os Postos de Atendimento ao Migrante. Estes últimos funcionam em áreas de trânsito (aeroportos, portos e zonas de fronteira) e têm como função a identificação das vítimas e fornecer o primeiro atendimento. Coordenam com a polícia federal e civil e 51 com outras instituições estatais e regionais, assessoram as vítimas, encaminham as mesmas aos serviços de atendimento social, de saúde, alojamento, etc. 42. Idem. No Brasil existem seis NETP’s nos Estados do Acre, Bahia, Goiás, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Os Postos se encontram nos aeroportos de Guarulhos/São Paulo, Rio de Janeiro, Belém do Pará e no porto e na Rodoviária de Manaus . Também funcionam as Casas de Migrantes com funções similares, uma em Foz do Iguaçu, (fronteira Brasil-Paraguai-Argentina) e outra em Oiapoque (fronteira com a Guiana Francesa). Assessoram os migrantes em geral e vítimas potenciais ou reais do tráfico de pessoas, encaminhando-as aos Núcleos ou a outros serviços de atendimento. O Serviço Disque Denúncia 100 recebe denúncias de todo país relacionadas a violações de direitos humanos. 1. Delegacia Especializada de Atendimento às Mulheres (DEAM) 52 O serviço telefônico da Central de Atendimento da Mulher – Ligue 180 realiza atendimento especializado às mulheres, fornece orientações sobre direitos e enfrentamento da violência e recebe denúncias de tráfico de mulheres. A Central ampliou seus serviços para atendimento internacional através da implantação de um projeto piloto com atendimento em 3 países: Espanha, Itália e Portugal. Os Tribunais Federais, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Defensoria Pública da União são os órgãos competentes nos processos penais por tráfico de pessoas. Em anexo a seguir o esquema da rede de atendimento e enfrentamento da violência contra as mulheres: PARAGUAI Tem uma extensão territorial de 406.752 Km2. e população de 6.459.058 habitantes. Faz fronteira com a Argentina, Brasil e Bolívia. É um país unitário, dividido em 17 departamentos e um distrito capital (Assunção). A Mesa Interinstitucional de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas é responsável pela articulação da política nacional de prevenção e enfrentamento ao tráfico de pessoas nos âmbitos internos e internacional. A Secretaria da Mulher da Presidência (SPMR) é a responsável por desenvolver a política de prevenção ao tráfico de mulheres. Conta com uma Direção de Prevenção e Atendimento a Vítimas do Tráfico de Pessoas que desenvolve ações preventivas, de assistência e atendimento às vítimas. Em relação às crianças e adolescentes, é responsável a Unidade de Atendimento a Vítimas de Tráfico e Exploração Sexual da Secretaria Nacional da Infância e Adolescência (SNNA). Dentro da policia nacional, ligada ao Vice Ministério de Segurança Interna do Ministério do Interior foi criada a Divisão de Tráfico e Paraguaios Desaparecidos que, junto com a INTERPOL, apóia a investigação penal e colaboram na segurança das vítimas de tráfico. Ainda, funciona a Divisão Especializada em Atendimento a vítimas de violência contra a mulher, crianças e adolescentes, que trabalham em âmbito comunitário e detectam situações de tráfico de pessoas. o contrabando, é responsável pela perseguição dos delitos de tráfico de pessoas e de exploração sexual de crianças e adolescentes. Tem sua sede na capital do país (arts.414 e 415 da Lei 18.362 e Lei 18.390 de 2008). 7.2. Análise das respostas institucionais I. Políticas Públicas › Políticas de igualdade de gênero na região. Os quatro países do MERCOSUL criaram mecanismos de regência das políticas públicas de igualdade de gênero, desenvolvendo planos e ações com diferentes níveis de alcance. ARGENTINA O Conselho Nacional das Mulheres é o órgão regente das políticas públicas sobre os direitos das mulheres, conforme criado pela Lei integral de Proteção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres, encarregando-o da elaboração, implementação e monitoração do Plano Nacional de Ação. BRASIL O órgão responsável é a Secretaria de Política para as Mulheres, que possui caráter ministerial e está vinculada à Presidência da República. URUGUAI O Uruguai tem uma extensão de 176.215 Km ², onde habitam três milhões de habitantes, a metade concentrados na capital do país (Montevidéu). Administrativamente também é um país unitário, organizado em 19 departamentos. O tráfico de mulheres com fins de exploração sexual comercial é enfrentado no âmbito do Poder Executivo pelo Instituto Nacional de Mulheres, que desenvolve ações de sensibilização, capacitação e atendimento às vítimas. Este Instituto coordena uma Mesa Interinstitucional, que tem por objetivo articular as ações de prevenção, capacitação e atendimento. Em âmbito judicial foram criados dois juizados, duas promotorias e duas defensorias especializadas no crime organizado com autoridade nacional, que, entre outros delitos organizados, como o tráfico de drogas e Aprovou Planos, Políticas e Pactos Nacionais: a) II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2008). b) Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. c) Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Este Pacto conta com cinco eixos, um dos quais é a garantia dos direitos sexuais, enfrentamento à exploração sexual e tráfico de mulheres. PARAGUAI O órgão regente é a Secretaria da Mulher da Presidência da República. Está desenvolvendo o Terceiro Plano Nacional de Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens (2008-2017). 53 URUGUAI O órgão regente é o Instituto Nacional das Mulheres, dependente do Ministério de Desenvolvimento Social. Está desenvolvendo o Plano de Igualdade de Oportunidades e Direitos entre Homens e Mulheres (cujo eixo 5 prevê a transversalização de ações contra o tráfico de mulheres). O Plano Nacional de Luta contra a Violência Doméstica (2004-2010) está em processo de avaliação e revisão. › Políticas Públicas sobre Tráfico de Pessoas A aprovação de documentos de políticas públicas para o enfrentamento do tráfico de pessoas é mais incipiente na região. No Brasil, rege uma Política Nacional e um Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. A Política Nacional foi aprovada pelo Decreto Presidencial No. 5948-2006. Nela se determinam os princípios, diretrizes e ações de prevenção e de repressão ao tráfico e atendimento às vítimas. Os princípios regentes são: - Respeito à dignidade da pessoa humana. - Não discriminação por gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência nacional, atuação profissional, raça, religião, faixa etária, situação migratória ou outro status. - Proteção e assistência integral às vítimas diretas e indiretas, independentemente de nacionalidade ou de sua colaboração nos processos judiciais.. - Promoção de garantia dos direitos humanos.. - Respeito aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos. - Universidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos e transversalidade das dimensões de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, procedência, raça e faixa etária nas políticas públicas As diretrizes gerais são: - Fortalecimento do pacto federativo por meio da ação articulada de todas as esferas do governo.. - Fomento da cooperação internacional.. - Articulação com as organizações não governamentais. - Geração de redes de enfrentamento ao tráfico de pessoas, que incluam atores governamentais e da sociedade civil. - Fortalecimento das ações em zonas de fronteira e demais áreas de incidência.. - Atenção e proteção às vítimas no exterior e no território nacional e sua inserção social. . - Realização de investigações. 54 - Capacitação de profissionais.. - Harmonização legislativa e de procedimentos administrativos. . - Garantir o acesso à informação. O Primeiro Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil vigorou entre 2008 e 2010. Se encontra em processo de avaliação e revisão para a aprovação do II Plano. Em âmbito estadual devem ser aprovados Planos Estaduais que sigam a linha da Política Nacional e do Plano Nacional. Os outros três países do MERCOSUL, Argentina, Uruguai e Paraguai, não contam com planos nacionais de ação, nem planos provinciais de ação. No entanto, é de especial relevância que a Argentina aprovou as principais linhas para o combate do crime de tráfico de pessoas através de uma Lei Nacional, No. 26.324, na qual, além de incorporar dois tipos penais para sua perseguição, determinam os direitos das vítimas, assegurando assim alguns aspectos básicos de intervenção. Por sua parte, o Paraguai elaborou uma “Política Nacional de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas 2010-2019”, que se encontra pendente da aprovação do Poder Executivo. › Espaços Interinstitucionais de Articulação e Coordenação. Dada a complexidade da problemática que causa o crime de tráfico de pessoas, é de especial importância considerar os espaços de articulação interinstitucional para sua abordagem. Estes espaços, para serem efetivos, terão que levar em conta os diferentes níveis organizacionais de cada país (nacionais ou federais/ provinciais, estaduais ou departamentais). ARGENTINA Em âmbito nacional, embora não haja um espaço unificado de coordenação, progressivamente foram estabelecidos espaços de cooperação interinstitucional. Assim, articulam permanentemente suas ações o Ministério de Segurança da Nação, a Direção Nacional de Migrações, o Ministério do Trabalho, o Ministério Público e Fiscal, os Tribunais Federais e o Ministério de Desenvolvimento Social da Nação. Em nível provincial, foram criadas comissões interinstitucionais na: - Província de Buenos Aires Nesta Província foi criada a Comissão Provincial para a Prevenção e Erradicação do Tráfico de Pessoas por Decreto No. 978/010. Encontra-se integrada por: um representante do Ministério da Justiça e Segurança, um representante do Conselho Provincial da Mulher, um representante da Secretaria de Direitos Humanos, dois representantes da Câmara de Senadores, dois representantes da Suprema Corte de Justiça, um representante da Procuração Geral da Província de Buenos Aires, um representante da Federação Argentina de Municípios. - Província de Misiones. Nesta província o Ministério de Direitos Humanos criou a Mesa Interinstitucional da luta contra o tráfico de pessoas da Província, coordenada pela Vice-governadora e integrada pelo Ministério do Governo (Polícia Provincial e Subsecretaria de Relações com a Comunidade), Ministério de Desenvolvimento Social (Subsecretaria da Mulher e Direção da Infância, Família e Deficiência), Ministério da Saúde Pública (Hospital de Fátima), Ministério de Direitos Humanos (Departamento de Tráfico e Contrabando de Pessoas e Equipe Interdisciplinar de assistência e acolhimento da vítima,) Ministério da Educação, Ministério do Trabalho, Forças de Segurança Nacionais. -Província de Neuquén Nesta Província foi criada a Comissão Interinstitucional pela Lei 2717 de 2010, coordenada pela Subsecretaria de Justiça e Direitos Humanos e integrada pelos Centros de Atendimentos a vítimas de Delitos, Conselhos das Mulheres e forças de segurança. É integrada também por outros organismos cuja participação não é efetiva. - Províncias do noroeste Argentino O Conselho Federal de Direitos Humanos do Noroeste argentino promoveu um Acordo de cooperação e Assistência Mútua para a prevenção do tráfico de pessoas. Integram as províncias de Jujuy, Tucumán, Santiago del Estero, La Rioja, Catamarca e Salta. Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. É coordenada pelo Ministério de Relações Exteriores e está integrada por 47 instituições públicas e Organizações Não Governamentais. Entre seus desafios se destaca o objetivo de fortalecer as ações de coordenação com os Conselhos Nacionais para populações específicas, tais como o Conselho Nacional da Infância e Adolescência, o Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional de Políticas Migratórias e articulação com a Rede de Direitos Humanos, criada pelo Decreto 2290/09 do Poder Executivo. A partir desta Mesa, foram constituídas Mesas Departamentais em Alto Paraná, Itapúa, Ñeembucú e San Pedro. URUGUAI A Mesa Interinstitucional de Enfrentamento ao tráfico de mulheres com fins de exploração sexual comercial do Uruguai é coordenada pelo Instituto Nacional das Mulheres do Ministério de Desenvolvimento Social e integrada pelo Ministério de Relações Exteriores, Ministério do Interior, Ministério do Turismo, Ministério de Saúde Pública, Ministério de Educação e Cultura, Poder Judicial, Ministério Público e Fiscal, Instituto da Infância e Adolescência e Organizações Não Governamentais. Conta com o apoio e assessoria da Comissão Nacional para a Erradicação da Exploração Sexual e não Comercial (CONAPESE) e da Organização Internacional das Migrações (OIM) em posição de assessora; ainda, contou com o apoio das Nações Unidas, União Européia e Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. BRASIL Neste país foram criados Comitês Interinstitucionais em nível estadual ou regional (dentro dos Estados), constituídos por atores públicos, privados e da sociedade civil. . PARAGUAI Conta com a Mesa Interinstitucional de Prevenção e 55 Quadro 5: Políticas públicas POLITICAS PÚBLICAS POLÍTICAS DE ÓRGÃOS IGUALDADE DE RESPONSÁVEIS GÊNERO ARGENTINA Conselho Nacional das Mulheres PLANOS DE IGUALDADE DE GÊNERO 56 POLITICAS E PLANOS DE PREVENÇÂO E ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS POLÍTICAS E PLANOS A Lei 26.364 é o marco geral de ação para as políticas públicas do Governo Nacional em termos de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. ESPAÇOS INTERINSTITUCIONAIS DE ARTICULAÇÃO E COORDENAÇÃO FEDERAL/ NACIONAL Espaços de Cooperação entre o Departamento de Resgate e Acompanhamento a Pessoas Danificadas pelo Delito de Tráfico de Pessoas, o Ministério de Segurança da Nação, as Forças Policiais de Segurança, a Direção Nacional de Migrações, o Ministério Público Fiscal, os Tribunais Federais e o Ministério de Desenvolvimento Social da Nação. PROVINCIAL/ ESTADUAL/ DEPARTAMENTAL Comissão Provincial para a Prevenção e Erradicação do Tráfico de Pessoas (Província de Buenos Aires). Mesa Interinstitucional da luta contra o Tráfico de Pessoas da Província (Província de Misiones) Comissão Interinstitucional da Província de Neuquén. BRASIL PARAGUAI URUGUAI Secretaria de Políticas para as Mulheres Secretaria da Mulher da Presidência da República Instituto Nacional das Mulheres - Ministério de Desenvolvimento Social - II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (2008) - Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres -Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres Terceiro Plano Nacional de Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens (20082017) Plano Nacional de Igualdade de Oportunidades e Direitos (PIODNA)-I Plano Nacional de luta contra a Violência Doméstica (2004-2010) -Política nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas -I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas -Plano Nacional de Políticas para Mulheres. - Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres Pendente de aprovação pelo Poder Executivo: “Política Nacional de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas 2010-2019” -Mesa Interinstitucional -47 instituições públicas e ONGs Comitês interinstitucionais Estaduais e Regionais Núcleos estaduais de prevenção e enfrentamento ao tráfico (NETP´S) -Mesas Departamentais: em quatro dos dezoito departamentos: Alto Paraná, Itapúa, Ñeembucú, San Pedro -Mesa interinstitucional de enfrentamento ao tráfico de mulheres com fins de exploração sexual comercial. II. Visibilização do delito e informação à população ARGENTINA Como o tráfico de pessoas é um tema que entrou recentemente na agenda dos países, as campanhas de sensibilização, as linhas telefônicas de acesso aos centros de assessoria e encaminhamento são canais de grande importância para a prevenção do problema. ORGANIZADORES/ CONVOCANTES • Campanhas de Sensibilização e Informação A seguir é fornecida uma lista das campanhas de sensibilização e informação desenvolvidas pelos países para prevenção do delito. Não inclui necessariamente todas as ações realizadas, mas as que foram destacadas nos informes dos paises. LEMA/CONTEÚDOS PÚBLICO ALVO MINISTÉRIO DE SEGURANÇA DA NAÇÃO E MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS DA NAÇÃO População em geral “Não daremos um minuto mais às orgaPassageiros de Transporte urbano nizações que se dedicam ao tráfico de pessoas”. “Se não há clientes, não há tráfico”. Spots televisivos difundindo a problemática e os canais de denuncia, difundidos principalmente durante a programação de “Futebol para todos” (transmissão na televisão dos jogos da liga profissional de futebol) e nos serviços de transporte automotor de passageiros de caráter interurbano. MINISTÉRIO DE SEGURANÇA DA NAÇÃO “Ajude-nos a combater a escravidão do século População em geral XXI. Abra os olhos”. Cartazes difundindo o número gratuito para denúncias ao Ministério da Segurança. MINISTÉRIO DE SEGURANÇA DA NAÇÃO E SECRETARIA DE TRANSPORTE DA NAÇÃO (COMISSÃO NACIONAL DE REGULAÇÃO DO TRANSPORTE) “Tráfico de pessoas é escravidão. Se souber algo, denuncie”. Legenda impressa em todos os bilhetes emitidos para os serviços de transporte automotor de passageiros de caráter interurbano, difundindo o número gratuito para denúncias do Ministério de Segurança. Passageiros de transporte interurbano OIM Março 2010 - Prog. AVOT Não ao Tráfico de Pessoas. Não à Escravidão Moderna. Dirigido às vítimas (sobre seus direitos e métodos de engano), amigos e familiares (para a reação precoce), assim como a clientes do comercio sexual, incitando-os a denunciar em situações de tráfico. INADI Campanhas informativas de prevenção e debate, jornadas de sensibilização, presença em rádios, entre outras ações. População em geral MINISTÉRIO DEDESENVOLVIMENTO SOCIAL DA NAÇÃO 1a. Campanha contra o Tráfico e a Exploração Sexual. População em geral GOVERNO DA CIDADE DE BUENOS AIRES 23 DE SETEMBRO 2010 DIA INTERNACIONAL CONTRA O TRÁFICO Lema: Sabe qual o preço do silêncio? Tua Voz pode ajudar que a exploração não encontre mais vítimas. População em geral NÃO AO TRÁFICO DE PESSOAS. REDE DE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DA Mulheres mobilizadas a través de um desfile. PROVÍNCIA DE MENDOZA 24 DE SETEMBRO2010 População em geral MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL NA TRÍPLICE FRONTEIRA -2010 População da Tríplice Fronteira, incluindo a população originária. Difundido em quéchua, aimará e espanhol. Pelos direitos das crianças e adolescentes contra o Tráfico e a Exploração na Tríplice Fronteira. Três Países. Três Poderes. Quadro 6: campanhas de sensibilização e informação 57 ARGENTINA ORGANIZADORES/ CONVOCANTES LEMA/CONTEUDOS RATT ARGENTINA O tráfico e o contrabando de Crianças, Adolescentes e Jovens é a soma das Violações de Direitos Humanos. População em geral COLETIVOS E MULHERES FEMINISTAS Nem uma mulher mais vítima de prostituição. População em geral AÇÃO PÚBLICA PELO DIA INTERNACIONAL CONTRA A EXPLORAÇÃO SEXUAL-2010 A rota dos telefones públicos é a rota da exploração sexual. População da Cidade Autônoma de Buenos Aires ONGs. ABOLICIONISTAS DEZ. 2010 Se a prostituição fosse um trabalho, você recomendaria à sua filha? População em geral INSTITUIÇÕES PÚBLI- “Eles traficam e nós Podemos”, entre outros CAS DE SALTA: MINIS- lemas. TÉRIO DE GOVERNO E SEGURANÇA, Secretaria de Direitos Humanos, OFICINA DE RESGATE. População de Salta FUNDAÇÃO MARIA DE LOS ANGELES Campanhas preventivas Revista Sol Y Azares Telenovela “Vidas Roubadas” População de Tucumán e de todo o país MINISTÉRIO DE DIREITOS HUMANOS DE MISIONES. 2007-2010 Sem clientes não há tráfico, entre outros. Dirigida aos jovens de programas sociais de Misiones MINISTÉRIO DE DIREI- Curta metragem NINA, sobre a situação de tráfico em Misiones/Encarnación. TOS HUMANOS DE MISIONES. 2007-2010 58 PÚBLICO ALVO População em geral BRASIL ORGANIZADORES/ CONVOCANTES LEMA/CONTEÚDOS PÚBLICO ALVO SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. 2004 Tráfico internacional de Mulheres. Denuncie. Dirigido à população em geral e aos migrantes em particular. Anexava-se um panfleto referente ao tema ao emitir o passaporte SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. 2010 Tráfico de Pessoas. Ajude o Brasil a não cair nessa armadilha. População em geral MINISTÉRIO DE RELAÇÕES EXTERIORES Portal na web com informação para residentes no exterior Migrantes em geral. Pessoas vítimas de tráfico no exterior. DIVISÃO DE ASSUNTOS CONSULARES DO ITAMARATY (Ministério de Relações Exteriores) Campañas preventivas Revista Sol y Azares Telenovela “Vidas Robadas” População de Tucumán e de todo o país MINISTERIO DE DERECHOS HUMANOS DE MISIONES. 2007-2010 Guia de retorno ao Brasil Brasileiros residentes no exterior. 59 PARAGUAI 60 ORGANIZADORES/ CONVOCANTES LEMA/CONTEÚDOS PÚBLICO ALVO SECRETARIA DA MULHER DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (SMPR). 2006 “Não acredite em contos de fadas” Distribuiu cartazes de sensibilização e difundiu através da televisão um spot que fornecia informação sobre o risco do tráfico de pessoas com fins de exploração sexual “Minha vida vale e não tem preço” BID/SPMR O objetivo da campanha foi alcançar uma maior conscientização sobre o tráfico de pessoas e a exploração de crianças e adolescentes, nos grupos que elaboram as políticas públicas ou que têm influências na formulação das mesmas; autoridades nacionais, meios de comunicação, organizações da sociedade civil, membros das comunidades e outros. A mesma campanha foi apoiada pela UNPFA para a realização de outdoors e aluguel de espaço para a instalação. Foram instaladas no endereço: Chaco com Bolívia, Eusebio Ayala e 22 de setembro. Com o apoio do Comitê de Equidade e Gênero da Itaipu Binacional, se realizou um documentário e um guia prático sobre o tráfico de pessoas, estes materiais até a data seguemse socializando no interior do país, especialmente em oficinas de capacitações. Assim como a reprodução dos da campanha “Minha vida vale e não tem preço” SECRETARIA NACIONAL DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA (SNNA). SECRETARIA DA MULHER DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (SMPR). GLOBAL INFÂNCIA. ANISTÍA INTERNACIONAL POLÍCIA NACIONAL SECRETARIA NACIONAL DE TURISMO (SENATUR) PREFEITURA DE ASSUNÇÃO 2007-2008 Foram distribuídos panfletos e cartazes. População em geral Voltou a passar o spot na TV “Não acredite em contos de fadas” OIT-IPEC SNNA MOVIMENTO PELA PAZ, PELO DESARMAMENTO E PELA LIBERDADE AGÊNCIA GLOBAL DE NOTÍCIAS KUÑA ROGA Campanha Não Tem Desculpas População em geral KUÑA ROGA PREFEITURA DE ENCARNACION Em Encarnación também não tem Desculpas População de Encarnación População em geral 4 meses de alta temporada internacional PARAGUAI URUGUAI ORGANIZADORES/ CONVOCANTES LEMA/CONTEÚDOS PÚBLICO ALVO Para que não te enganem GLOBAL INFANCIA, GABINETE DA Concurso de Cartazes entre adolescentes. PRIMERA DAMA DA NAÇÃO (DPD) BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES (OIM) MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA Adolescentes de escolas de Caaguazú, Coronel Oviedo e Encarnación, Departamento Central e de Assunção OIM Cartazes em três idiomas: Aimará, Quéchua e Espanhol Linha telefônica de acompanhamento. Tríplice Fronteira. DIREÇÃO DE POLÍTICAS DE GÊNERO DA PREFEITURA DE ASSUNÇÃO “ Por uma vida digna: Basta de Tráfico de Pessoas” População de Assunção COMISSÃO DE PREVENÇÃO E DIFUSÃO DA MESA INERINSTITUCIONAL 2009 Não ao tráfico! Participantes da festividade de Caacupé. GLOBAL INFANCIA SAVE THE CHILDREN ASSOCIAÇÃO DE COMUNIDADES DE CASTILLA E LA MANCHA “Para chegar a tempo”. Referente ao Tráfico e à exploração laboral Através de rádios comunitárias de Capiatá, Luque e Mariano Roque Alonso População de Capiatá, Luque e Mariano Roque Alonso PREFEITURA DE ASSUNÇÃO Portal na WEB com informação sobre o tema ORGANIZADORES/ CONVOCANTES LEMA/CONTEÚDOS PÚBLICO ALVO ONG Casa Abierta INMUJERES Cartaz com recomendações para uma migração segura Migrantes e migrantes em potencial ONG Casa Abierta INMUJERES Se for viajar, assegure que possa voltar Migrantes e migrantes em potencial Mulheres em situação de prostituição INMUJERES 2011 Com um engano podem te escravizar População em geral Mulheres em situação de prostituição Fontes: informes Nacionais da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai Fonte: CECRIA. Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual no Brasil, coordenada pelo CECRIA - Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes, 2002, pag.61 (Pesquisa conhecida como PESTRAF) 61 • Linhas Telefônicas As campanhas de sensibilização massiva, em geral, anexam números telefônicos e lugares de contato para solicitar ou fornecer informação. A seguir serão mostradas as linhas existentes nos países da região. Quadro 7: Linhas telefônicas ARGENTINA BRASIL MINISTÉRIO DE SEGURANÇA DA NAÇÃO 0800-555-5065 CENTRAL DE ATENDIMENTO À MULHER LIGUE 180 (atendimento nacional e internacional, atualmente em 3 países: Espanha, Portugal e Itália) DEPARTAMENTO DE RESGATE 4331-2223 DISQUE DIREITOS HUMANOS DISQUE 100 PARAGUAI URUGUAI INADI 0800-999.2345 OFAVI/MPF 0800-33-FISCAL SALTA 0800-444-4488 FUNDAÇÃO MARIA DE LOS ANGELES 0800-7776466 ›Centros de consulta e encaminhamento Sob este item destacamos os espaços que assessoram todas as pessoas que solicitam assessoria em relação ao tráfico de pessoas, qualquer que seja sua vinculação com o problema, informando a respeito dos serviços existentes e recomendando possíveis caminhos a seguir para sua solução. lizão de ONG Alto a la Trata y la Explotación Sexual Infantil da Província de Misiones, que fornecem, entre seus serviços, assessoria e encaminhamento. BRASIL No Brasil, se destacam os seguintes centros de assessoria e encaminhamento: ARGENTINA Neste país, tanto os Departamentos de Resgate e Acompanhamento e os serviços de assistência dos Ministérios de Desenvolvimento Social e dos Ministérios de Direitos Humanos, assim como os departamentos do Instituto Nacional contra a Discriminação são espaços de consulta e encaminhamento nas situações de Tráfico de Pessoas. Ainda, existe uma ampla cobertura de organizações não governamentais que colaboram nessa tarefa. Entre elas, se destacam a Fundação María de los Ángeles, a Fundação El Otro-Programa Esclavitud Cero e a Coa- 62 • Núcleos estaduais de prevenção e enfrentamento ao tráfico (NETP’S) Estes núcleos dependem do Ministério da Justiça e têm as seguintes atribuições: - Articular ações com organismos públicos e entidades civis - Fornecer informações à Polícia Federal e Civil - Encaminhar denunciantes aos órgãos policiais - Encaminhar aos serviços de abrigamento - Encaminhar aos Centros de Referência de atendimento às mulheres, que dão apoio psicológico às vítimas e trabalham em sua reinserção social. Atualmente funcionam 15 NETP’s no Brasil, nos Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Ceará, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal. - A Casa do Migrante de Foz do Iguaçu também pode se constituir em um lugar de referência e encaminhamento, mas atualmente não conta com pessoal capacitado para tal. . • Postos Humanizados de Atendimento aos Migrantes Estes Postos, denominados Postos Humanizados ou Postos de Atendimento ao Migrante, funcionam em aeroportos, espaços de trânsito ou em postos hidroviários na região amazônica. Têm como atribuição: - Prestar atendimento imediato ao migrante - Atender pessoas identificadas no exterior como vítimas - Atender pessoas com indícios de serem vítimas de tráfico que retornam - Articular com os NETP’s - Orientaro migrante em partida, assessorando sobre riscos e direitos - Atender os migrantes brasileiros não admitidos em outros países Atualmente funcionam Postos Avançados em São Paulo, Belém do Pará, Rio de Janeiro e Manaus. • Centros de Referência de Atendimento às Mulheres Estes centros atendem especificamente mulheres vítimas da violência em todos os âmbitos, incluindo o tráfico de pessoas. Para o retorno, o Ministério de Relações Exteriores em 2010, por meio da Divisão de Assistência Consular do Itamaraty, elaborou o Guia de Retorno ao Brasil, que fornece uma lista de instituições de apoio aos recémchegados e têm como foco principal as vítimas de tráfico de pessoas. Se realizou com o apoio da Polícia Federal, do Ministério da Justiça e da Secretaria de Políticas para as Mulheres. URUGUAI Neste país, a assessoria é realizada principalmente pelo Departamento de Violência de Gênero do Instituto Nacional das Mulheres, onde funciona um serviço piloto para o atendimento nestas situações. Este serviço funciona na capital e recebe consultas dos organismos de Gênero dos diferentes Departamentos do país, assim como de outros serviços nacionais e Organizações Não Governamentais, principalmente das instituições integrantes da Mesa Interinstitucional de combate ao tráfico de mulheres com fins de exploração sexual comercial. Em relação às vítimas no exterior, o Departamento de Assistência ao Compatriota, da Direção de Assuntos Consulares e Vinculação constitui-se num lugar de recepção de denúncias e de solicitações de informação por parte de familiares que se encontram no país ou através de chancelarias do Uruguai no exterior. III. Capacitação e Fortalecimento Institucional Os países destinaram os principais esforços de capacitação aos operadores policiais, de justiça e integrantes das equipes interdisciplinares de atendimento. A seguir se destacam as capacitações mencionadas nos informes nacionais. PARAGUAI Neste país, a assessoria e encaminhamento é uma tarefa que desenvolvem: • A Direção de Prevenção e Atendimento a Vítimas do Tráfico de Pessoas • As Secretarias da Mulher do Governo • Os Conselhos Municipais da Mulher, distribuídos por todo o paísen todo el país 63 ARGENTINA Quadro 8: : Capacitação e fortalecimento institucional INSTITUIÇÃO ATIVIDADES E PÚBLICO ALVO Ministério de Segurança da Nação Capacitação de pessoal que trabalha em Delegacias da Polícia Federal Argentina para a detecção precoce de casos de tráfico de pessoas na recepção de denúncias Formação de formadores das Forças Policiais e de Segurança no assunto. Formação profissional na problemática para os quadros de condução das Forças Policiais e de Segurança Federais. Inclusão de um módulo específico sobre o delito de tráfico de pessoas nos cursos de promoção de oficiais e suboficiais das Forças Policiais e de Segurança Federais, assim como na formação policial inicial. Departamento de Resgate do Ministério 49 capacitações a funcionários judiciais, do Ministério Público, das forças de segurança e das equipes interdisciplinares, tanto na Capital como nas Províncias. UFASE Elaborou material de capacitação para estes cursos OIM- Programa AVOT Capacitou operadores judiciais e de segurança. Conferência em Chubut, junto à Secretaria de Desenvolvimento Humano de Comodoro Rivadavia PARAGUAI BRASIL Jornadas de Capacitação em Mar del Plata, co-organizadas pelo o Ministério Público da Nação e Defensoria do Povo da Região do General Pueyrredon. 64 MIDES Capacitou 1145 operadoras da saúde, da educação, psicólogos, forças de segurança, operadores do poder judicial e do Ministério Público e Fiscal. Ministério de Direitos Humanos de Missiones Capacitou entre 2008 e 2010: 760 forças de segurança e operadores judiciais, 1180 docentes, 120 pessoas das Províncias de Corrientes e Chaco. Secretaría Nacional de Justicia (M.J.) Desarrollo capacitaciones en san Pablo, Ceará y Rio de Janeiro enre 2003 y 2005. Secretaria Nacional de Justiça (M.J.) Desenvolveu capacitações em São Paulo, Ceará e Rio de janeiro entre 2003 e 2005. Secretaria Nacional de Segurança Pública (M.J) Seminário sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes com fins de exploração sexual (2004) dirigido a policiais civis, militares, rodoviários e operadores do direito (2004) Capacitou 400 profissionais da Segurança Pública através de 4 Escritórios regionais. Implementou a Rede Nacional de Educação a Distância, um dos cursos oferecidos se refere ao tráfico de pessoas. Departamento de Polícia Federal (M.J) A Associação nacional de Polícias elaborou um Manual sobre o Tráfico de Pessoas com fins de exploração sexual, que é utilizado pela Rede Nacional de Educação a Distância OIM Capacitações na Ciudad del Este, dirigida a responsáveis pela prevenção, detecção e investigação do tráfico de pessoas. OIT – CENIJU Capacitação a juízes/as, fiscais, defensores, acadêmicos. GLOBAL INFANCIA Capacitações a docentes e pessoal técnico do Ministério da Educação e Cultura e funcionários do sistema de justiça e policial SMPR-CENIJU-BID Capacitação a juízes e fiscais de Assunção, Coronel Oviedo, Ciudad del Este e Encarnación. ITAIPU/ SMPR/OIM Seminário Internacional sobre Tráfico de Pessoas: Assistência e Reintegração das Vítimas (nov. 2010) PUE/SMPR/ CENIJU Capacitação sobre Detenção do Tráfico de Pessoas dirigida a Funcionários/as a Operadores de Turismo/ (Junho 2011) CENIJUCENTRO ENTRENAMIENTO MINISTERIO PUBLICOCORTE SUPREMA DE JUSTICIA-OIM Conversa com Juízes Penais de Garantias e Sentenças e Promotores para analisar o marco legal. 4 oficinas de capacitação a promotores e juízes de Assunção, Central, Ciudad del Este, Caaguazu e Encarnación, sobre o novo marco normativo de Tráfico de Pessoas. INSTITUIÇÃO ATIVIDADES E PÚBLICO ALVO Seminários sobre Tráfico de Pessoas a atores públicos e privados (2006-2008) Oficinas de capacitação sobre o tema nos Departamentos do Interior do país (2008-2009) junto com a Inmujeres. Seminários de capacitação sobre o Tráfico de Pessoas e Migração (2011) Seminários Binacionais Abordagem Institucional para a Assistência à Vítimas do Tráfico de Pessoas. Um foi realizado no Departamento de Colonia em 29-08-09 e o outro em Montevidéu em 01/09/09. Atividades dirigidas em geral, ao funcionalismo público e a operadores sociais de todo o país. INSTITUTO NACIONAL DAS MULHERES /MIDES- AECID Oficinas de capacitação em Montevidéu e Departamentos do Interior do País, dirigidos ao funcionalismo público e a operadores sociais de todo o país. INSTITUTO NACIONAL DAS MULHERES -U.E. Oficinas de capacitação em Montevidéu e Departamentos do Interior do País, dirigidos ao funcionalismo público e a operadores sociais de todo o país. URUGUAI OIM Os países fortaleceram suas ações protocolando algumas ações de intervenção, de acordo com o detalhamento no quadro a seguir: PAIS ARGENTINA PROTOCOLOS REALIZADOS Quadro 9: Protocolos realizados PROTOCOLOS DE ATUAÇÃO PARA A ASSISTÊNCIA A VÍTIMAS DE DELITOS E PARA RECEPÇÃO DE SEU DEPOIMENTO. Elaborado pela UFASE e OFAVI. Ministério Público e Promotoria. PROTOCOLO DE ASSISTÊNCIA A PESSOAS VÍTIMAS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTIL E TRÁFICO DE PESSOAS. Elaborado pela Secretaria Nacional da Infância, Adolescência e Família. Ministério de Desenvolvimento Social. LINHAS DE INVESTIGAÇÃO DO TRÁFICO DE PESSOAS. Elaborado pela UFASE e OFAVI do Ministério Público e Promotoria. PROTOCOLO DE ATUAÇÃO DAS FORÇAS FEDERAIS PARA O RESGATE DE VÍTIMAS DE TRÁFICO DE PESSOAS. GUIA ORIENTADOR PARA A RECEPÇÃO DE DENÚNCIAS EM DELEGACIAS DIANTE DA POSSÍVEL COMISSÃO DE UM DELITO DE TRÁFICO DE PESSOAS. PROTOCOLO PARA A IDENTIFICAÇÃO PRECOCE DE SITUAÇÕES DE TRÁFICO DE PESSOAS EM PASSGENS FRONTEIRIÇAS (em processo de elaboração) PROTOCOLO DE ALOJAMENTO DE VÍTIMAS. Elaborado pela Direção de Participação e Liderança da Subsecretaria de Igualdade de Oportunidades do Ministério de Direitos Humanos da Província de Misiones. CÓDIGO DE ÉTICA HOTELEIRA EM SITUAÇÕES DE TRÁFICO E EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES PARAGUAI ROTA DE INTERVENÇÃO PARA ATENDIMENTO NA PRIMEIRA E SEGUNDA ABORDAGEM. URUGUAI PROTOCOLO DE ATUAÇÃO PARA A ABORDAGEM DE TRÁFICO DE MULHERES,CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL NAS EMBAIXADAS E ESCRITÓRIOS CONSULARES 65 IV. Primeiro atendimento: Resgate, retorno seguro e voluntário e abrigamento provisório a atuação do Departamento de Resgate (é o caso, por exemplo, de Misiones). Dado que uma das complexidades do tráfico de pessoas está dado pelo fato das vítimas terem sido alienadas das suas redes básicas de proteção e da perda de possibilidades de sair das redes voluntariamente, a localização das mesmas (em caso de que se encontrem desaparecidas), seus resgates, assim como sua proteção imediata e o retorno a seu país de origem – se for o caso – são etapas cruciais nas ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas. Em Salta e Chubut foram criados os Departamentos de Resgate e Acompanhamento de Pessoas Danificadas pelo delito de Tráfico de Pessoas em âmbito provincial, com competência nos procedimentos em que intervêm a polícia federal, dependentes da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério de Governo, Segurança e Direitos Humanos de Salta e da Secretaria de Direitos Humanos e da Família, de Chubut, respectivamente. IImplica em que os Estados assumam uma forma diferente da tradicional na investigação dos fatos, promovendo ações proativas e não só reativas à apresentação explícita do fato ante a autoridade, que prevejam mecanismos para resgatá-las de forma segura e alojá-las e protegê-las de possíveis represálias. Com fins de analisar as respostas institucionais nestas situações, estudam-se os seguintes itens: • Equipes especializadas para a localização e resgate das vítimas, • Serviços de alojamento e abrigamento provisório, • Regularização da documentação de identificação e de viagem, • Programas de retorno seguro e voluntário, e • Direito à permanência no país. Na Província de Neuquén, o Centro de Atendimento às Vítimas do Delito (CAVD) atende situações de tráfico de pessoas (entre outras) derivados da Justiça Federal. De modo semelhante aos Departamentos de Resgate e Acompanhamento, logo da prestação de depoimento à justiça o atendimento das vítimas é encaminhado ao Ministério de Desenvolvimento Social. As forças de segurança que participam na localização e resgate das vítimas são integrantes das Divisões Especializadas em Tráfico da Polícia Federal, Guarda Nacional, força de segurança policial e Polícia de Segurança Aeroportuária. No caso do Ministério de Segurança, a informação é recopilada pelas Forças Policiais e de Segurança Federais utilizando critérios estipulados pelo Sistema Integrado de Informação Criminal do Delito de Tráfico de Pessoas (Sis Trata). ARGENTINA Neste país, esta etapa é de responsabilidade do Departamento de Resgate e Acompanhamento de Pessoas Danificadas pelo delito de Tráfico de Pessoas, com competência nacional, dependente do Ministério da Justiça e Direitos Humanos da Nação. Este Departamento está integrado por uma equipe interdisciplinar, formada por profissionais da psicologia, trabalho social, ciência política e direito. Sua função é fornecer atendimento e assistência às vítimas do delito de tráfico de pessoas durante o resgate das mesmas, e até a recepção do depoimento na sede judicial. Articula suas ações com o Ministério da Segurança, através das Forças Policiais e de Segurança Federais. Durante as buscas, sua tarefa é garantir que seja realizada a correta identificação e tratamento das vítimas que se encontram nos centros de exploração. Posteriormente, oferece um lugar seguro (casa abrigo) com atendimento e acompanhamento especializado até a declaração testemunhal. Em varias províncias foram criadas equipes locais para 66 › Retorno Seguro e Voluntário Uma importante ferramenta para garantir a voluntariedade do retorno é o fato da legislação Argentina não exigir o retorno das vítimas de tráfico a seus países de origem. A Área de Prevenção da Exploração Sexual e Tráfico da Secretaria de Infância e Família do Ministério de Desenvolvimento Social da Nação desenvolve ações para garantir o retorno seguro e voluntário. Em especial, desenvolve ações de colaboração e cooperação recíproca com o Paraguai, Colômbia, República Dominicana e a Organização Internacional para as Migrações. Também se ocupa de facilitar a coordenação com os consulados para a regularização dos documentos de identidade e viagem das vítimas. Na Província de Misiones, a coalizão de ONGs “Alto a la Trata y la explotación sexual” assinou uma carta acordo com o Consulado do Paraguai para a repatriação de pa- raguaios/as menores de idade. Ainda, o programa AVOT da OIM oferece assistência integral às vítimas de tráfico, incluindo: abrigamento seguro e protegido com provisões básicas para a vida diária, assistência jurídica psicossocial e médica, regularização da documentação e articulação dos meios necessários para o retorno voluntário em condições de segurança. De 2005 a 2009 deu assistência a 456 vítimas na Argentina, 190 vítimas de exploração sexual. BRASIL Nos casos de tráfico internacional, a autoridade para a localização das pessoas e resgate é da Polícia Federal, que desenvolve ações de inteligência. Coordenou investigações com os países de destino (destacam-se Espanha, Portugal e Alemanha). Se a situação referese ao tráfico interno, a Polícia Federal trabalha conjuntamente com a Polícia Estadual. Os Postos de Atendimento aos Migrantes e os Núcleos Estaduais facilitam o retorno das vítimas às suas cidades de origem. O abrigamento das vítimas nesta etapa não se diferencia do previsto na etapa posterior de atendimento a médio e longo prazo. A legislação brasileira prevê o direito das vítimas a residência temporária por até um ano a pedido do Ministério da Justiça e a prorroga por um ano ou transforma em residência permanente se colabora de forma voluntária. PARAGUAI Para a localização e resgate das vítimas, o Vice-Ministério de Segurança do Ministério do Interior conta com uma Divisão especializada no tema, denominada “Divisão de Tráfico e Paraguaios Desaparecidos.” Ainda, criaram unidades especializadas da polícia em tráfico de pessoas em regiões do interior do país, que participam no processo de denúncia e investigação do delito. URUGUAI Recentemente foi criado o Departamento de Crime Organizado e INTERPOL. Ali funcionam dois departamentos de especial relevância na temática: o Departamento de Vigilância e o de Registro e Busca de Pessoas Ausentes. No Departamento de Vigilância conta-se com uma Seção especialmente responsável pela investigação do Tráfico de Pessoas. Quando a vítima se encontra em outro país, intervêm a Chancelaria através dos Consulados Uruguaios,, aplicando um Protocolo e um Roteiro elaborado especificamente para estas situações. São estes departamentos que oferecerão a documentação e os meios necessários para a viagem, contando com o apoio, em alguns casos, do Programa de Retorno Assistido da OIM. Coordenam suas ações com os serviços especializados da Inmujeres, que se encarrega da recepção das vítimas no país, garantem o alojamento e o primeiro atendimento. V. Recuperação física, psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas A recuperação integral das pessoas vítimas de tráfico compreende todas as ações de atendimento para a plena restituição de seus direitos. Seguindo o Protocolo de Palermo, inclui, pelo menos: • Atendimento psicossocial, • Atendimento médico, • Alojamento/acesso à moradia, • Inserção laboral e/ou educativa, e • Indenização pelos danos sofridos. ARGENTINA A assistência psicossocial, o abrigamento das vítimas posterior ao resgate e a primeira recepção do testemunho estão a cargo da Secretaria da Infância e da Família do Ministério de Desenvolvimento Social, caso trate-se de uma vítima estrangeira (tráfico internacional) ou dos respectivos Ministérios em âmbito provincial do lugar de origem da vítima argentina (tráfico interno). Não existem serviços de saúde especializados, recorrendo-se aos universais. Província de Misiones A Direção Geral de Participação e Liderança da Subsecretaria de Igualdade e Oportunidades do Ministério de Direitos Humanos da Província de Misiones oferece assistência desde o mecanismo de busca. Além do atendimento psicossocial, oferece alojamento seguro em três lugares de Misiones: Agrupa, El Dorado e Oberá. Ainda, conta com um programa para oferecer moradia econômica às vítimas e capacitação em expressão artística, padaria, jardinagem e horta. 67 Nesta província, também oferece assistência integral a coalizão de ONG´s “Alto a La Trata y La Explotación Sexual”. No âmbito não governamental, a Fundación María de los Ángeles oferece assistência integral às vítimas e abrigamento em sua casa-abrigo em todo o país. BRASIL Os serviços de atendimento psicossocial são prestados nos Centros de Referência à Mulher. Nas localidades onde ainda não existem tais Centros, as vítimas são encaminhadas aos Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS). O abrigamento no Brasil é de responsabilidade do Sistema Único de Assistência Social em nível de alta complexidade. Não são abrigos dirigidos especialmente a esta população, mas o objetivo é buscar a capacitação de suas equipes técnicas para que possam abordar adequadamente a temática. A respeito do atendimento em saúde, o mesmo é feito através dos serviços universais, existindo também serviços de saúde especializados em situações de violência contra a mulher. PARAGUAI A assistência psicossocial no Paraguai é fornecida principalmente através da Secretaria da Mulher da Presidência da República, pela Direção de Prevenção e Atenção a Vítimas de Tráfico de Pessoas, que oferece acolhimento e atendimento primário. Contam com um albergue transitório para mulheres maiores vítimas de tráfico de pessoas e em alguns casos para adolescentes, na cidade de Assunção. Organizações não governamentais também oferecem abrigamento (ONG Luna Nueva para vítimas menores de 18 anos). URUGUAI O atendimento psicossocial das vítimas de tráfico de pessoas foi desenvolvido a partir do Instituto Nacional das Mulheres. Ali, conta-se com um Serviço de Atendimento em Violência de Gênero e muito recentemente foi incorporado um Serviço Piloto de Atendimento a Mulheres Vitimas de Tráfico de pessoas com fins de exploração sexual. 68 Este novo serviço nacional funciona em convênio com a União Européia e o Fórum Juvenil (Programa El Faro). No Uruguai, utiliza-se a rede de abrigos do Ministério de Desenvolvimento Social. Não são abrigos especializados em situações de tráfico. Utilizam-se os abrigos existentes para outros fins: situações de rua, de violência doméstica, ou os destinados à pessoa em tratamento médico provenientes do interior do país. O atendimento de saúde é coordenado com serviços universais que presta a Administração de Serviços de Saúde do Estado do Ministério de Saúde Pública, no marco do Projeto com financiamento da União Européia. › Indenização econômica da vítima A indenização econômica das vítimas é um passo fundamental no processo de responsabilização das redes criminais e também do Estado, em seu papel de garantir os direitos das pessoas afetadas pelo Tráfico de pessoas. No entanto, na região não existem ainda experiências positivas neste sentido e não foram criados fundos nacionais para garantir as indenizações. Isto, considerando que o dinheiro que poderia ser obtido dos processos de confisco dos bens das redes criminais é uma soma muito importante que permitiria não só garantir as indenizações econômicas, mas também melhorar a qualidade dos serviços de atendimento. VI. Acesso à justiça das vítimas de tráfico de pessoas A Declaração Universal de Direitos Humanos (de 10/12/48), em seu artigo 8 proclama: “Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.” Significa que toda pessoa, sem nenhum tipo de discriminação, deve ser ouvida e apresentar petições ou recursos diante dos organismos encarregados de praticar a justiça, que participe no processo de tomada de decisões em condições de equidade, com a assessoria especializada correspondente e que a resposta obtida seja de qualidade, especializada e em tempo. Cumprir o dever de garantir o acesso à justiça implica43: “a) garantir o devido processo, para o qual o Estado deve levar em conta as desigualdades que existem devido ao gênero, etnia, idade, deficiência e condição econômica, etc. e b) estabelecer garantias judiciais que levem em conta as necessidades de todas as pessoas, a fim de permitir, entre outras coisas: • ser parte do processo judicial em condições de igualdade, • não ser revitimizada no processo judicial, • ser aceita e protegida como testemunha, • participar e compreender o processo, • gozar de serviços de administração justos em equidade e igualdade, • gozar de informação judicial que oriente as pessoas usuárias e lhes facilite a tomada de decisões.” de tráfico e a isenção de sanções migratórias (art. 5 Lei Integral de Tráfico de Pessoas). Existe assessoria em serviços especializados de atendimento a vítimas, mas o financiamento não está garantida , podendo as vítimas recorrer aos serviços públicos gratuitos (nas universidades, ordem de advogados, etc.). 43. JIMENEZ, Rodrigo y SANCHEZ, Héctor. El Derecho Internacional y la Perspectiva de género en la reforma del Código Procesal Penal uruguayo. Seminario Perspectiva de Género en la legislación penal y procesal penal. Bancada Bi Cameral Femenina- UNIFEM En proceso de edición, 2009. A Fundação El Otro, Programa Escravidão Zero, oferece assistência jurídica às vítimas e aos operadores do sistema de justiça. BRASIL ARGENTINA Na lei integral de tráfico de pessoas se prevê especialmente o direito das vítimas a: • Serem informadas do conteúdo e alcances das perícias, • Reserva de sua identidade, • Direito à privacidade, • Serem escutadas e poder participar com interprete e tradutor se necessário, • Fornecer testemunho em condições de proteção e cuidado. O juiz pode adotar medidas para a proteção das vítimas e familiares sempre que não impliquem restrição de direitos nem garantias da vítima, nem privação de liberdade. É possível a inclusão das pessoas afetadas no Programa de Proteção a Testemunhas, sempre que: • Solicite ao Juiz, • Se encontre acreditada em situação de risco, • O depoimento seja relevante para a investigação, • A pessoa tenha condições de adaptabilidade ao Programa. Dentro das possíveis medidas a serem adotadas nestes programas se encontram: • custódia pessoal ou domiciliar, • Alojamento transitório, • Mudança de domicílio, • Ajuda econômica por no máximo seis meses, • Assistência para a reinserção laboral, • Documentação do nome fictício. Uma medida especialmente destacável na legislação argentina para garantir o acesso à justiça pelas vítimas de tráfico é a não penalização das mesmas por condutas contrárias à lei penal ocorridas durante o período O Brasil não apresenta a existência de normas dirigidas especificamente às vítimas de tráfico de pessoas. Em consequência, tampouco está garantida a reserva das atuações, nem a confidencialidade da identidade da vítima. No entanto, contam com programas nacionais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, aos que podem aceder as pessoas que se encontram nas seguintes condições: • Sofrem uma situação de risco atual, • O risco é consequência direta da sua colaboração no processo judicial, • Sua personalidade é considerada compatível com as exigências do programa, • Não se encontra privada de liberdade, • Manifesta sua vontade de ingressar ao programa. Aquelas que não cumprirem os requisitos, mas se encontram em situação de risco, têm direito a serem protegidos pelas forças de segurança, ainda que as mesmas não tenham as características e alcances dos programas de proteção a testemunhas. As defensorias públicas são responsáveis pela assessoria e proteção. Em relação ao idioma, são utilizados intérpretes voluntários. PARAGUAI O Paraguai prevê a prova antecipada como mecanismo jurídico para facilitar o acesso das vítimas à justiça. Isto é, a vítima presta depoimento antes do início do processo judicial. Outras ferramentas de garantia são o depoimento através da Câmara “Gessel”, a reserva de identidade e o acesso à informação sobre as perícias. 69 As vítimas recebem assessoria jurídica, porém não têm garantido o direito a serem protegidas no processo judicial. URUGUAI O Uruguai prevê uma série de medidas de proteção dos direitos das vítimas de tráfico de pessoas e seus familiares (art. 13 e 14 da lei 18026 de delitos de danos à humanidade, genocídios e guerra por remissão da Lei No. 18.250 de Migração): • Propor provas, • Pôr à disposição provas que tenham em seu poder, • Participar em todas as diligências judiciais, • Solicitar o reexame do caso, incluindo se for disposto o arquivo dos antecedentes, • Solicitar informação a respeito do estado do trâmite. Estabelecem-se como critérios específicos em todos os processos referentes a casos de violência sexual e de gênero: • Não se requer a corroboração do depoimento da vítima, • Não se admite nenhuma evidência relacionada com a conduta sexual anterior da vítima ou das testemunhas, • Não se admite utilizar como defesa o argumento do consentimento, • O tribunal pode utilizar meios eletrônicos para evitar a vitimização, • Deve-se procurar a participação no processo de assessores com conhecimento em situações de violência sexual e de gênero. Nos Juizados de Crime Organizado se prevê: • Proibição de revelar a identidade, • Representação legal, • Intérprete, • Não identificação visual de terceiros alheios ao processo, • Meios visuais alternativos, • Proibição de acareação (se são maiores de idade, deve provar-se a aptidão para a acareação).. Como medidas de proteção, estes mesmos Tribunais podem dispor de: • Proteção física, • Mudança de domicílio, • Uso de outro nome, • Assistência econômica em caso de relocação. Estas medidas são estendidas não só aos familiares e testemunhas da vítima, mas também a peritos, colaboradores e outras pessoas próximas à vítima. VII. Penalização do Tráfico de Pessoas 70 O Protocolo de Palermo define o tráfico de pessoas como: “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares a escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;” Para além dos debates que esta definição gerou, pela inclusão dos meios de tráfico de pessoas, é uma definição amplamente ratificada no âmbito das Nações Unidas e útil como padrão mínimo de referência. Apresentam-se a seguir os tipos penais previstos em cada país para sancionar o tráfico de pessoas, os que têm sido recentemente modificados ou incorporados na legislação para adequá-la ao Protocolo de Palermo. ARGENTINA A tipificação do delito neste país se efetua transcrevendo quase textualmente a definição de tráfico de pessoas do Protocolo de Palermo: “o recrutamento, o transporte e/ou transferência, -dentro do país ou para o exterior- o acolhimento ou a recepção de pessoas, mediante engano, fraude, violência, ameaça, ou qualquer outro meio de intimidação ou coação, abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade, entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridades sobre a vítima, com fins de exploração” (artigos 145 bis e 145 ter do Código Penal na redação dada pela Lei 26.364 do ano de 2008). As ações penalizadas se referem diretamente à mobilização das pessoas: oferecer (no caso de menores de idade), capturar, transportar, transferir, acolher, receber. A finalidade é a exploração, incluindo “quando se promove, facilita, desenvolve ou se obtém proveito de qualquer forma de comércio sexual”. Quando a vítima for maior de 18 anos, os meios de execução do delito devem ser provados: o engano, a fraude, a violência, o abuso de autoridade, etc. A pena é de no mínimo 3 anos e no máximo 6 anos, podendo subir para até dez anos em caso de existirem agravantes. No caso de vítimas menos de 18 anos, a pena é de no mínimo quatro anos e no máximo dez anos, com possibilidade de se estender a quinze anos se apresentarem agravantes. Neste caso, a utilização dos meios de execução não é necessária para que exista o delito de tráfico, mas constitui um agravante. Ambos os tipos penais (o tráfico de maiores e de menores de idade) compreendem tanto o tráfico interno como o internacional. Como delitos conexos relevantes podem-se assinalar: promoção e facilitação da prostituição e corrupção de menores (artigo 125 e 125 bis Código Penal); promoção e facilitação da prostituição de maiores de dezoito anos (art. 125 Código Penal); exploração econômica do exercício da prostituição alheia (art. 127 Código Penal); exploração da prostituição alheia (art.17 Lei de Profilaxia Antivenérea 12.331) e redução à servidão (art. 140 Código Penal). vidão através de outros tipos penais). Pune tanto o tráfico interno como o internacional. Não requer a prova dos meios executivos, se não que estes funcionam como agravantes. Da leitura destas disposições, resulta claro que para penalizar o tráfico de pessoas foi incorporado, ao préexistente delito de promoção da prostituição, os verbos nucleares previsto no Protocolo de Palermo para o tráfico de Pessoas. Esta forma de legislar em relação ao tráfico dificulta a tarefa de perseguição e punição do delito, sendo um obstáculo para sua identificação adequada e diferenciação de outras formas de exploração das mulheres no comércio sexual. Além disso, é provável que a aplicação deste tipo penal fique manchado pelos estereótipos e preconceitos contra as mulheres que se encontram em situação de prostituição. PARAGUAI BRASIL O Brasil tipifica o tráfico internacional e interno de pessoas com fins de exploração sexual. O tráfico internacional de pessoas com fins de exploração sexual se tipifica com o seguinte texto: “Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.” “1° Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la”. (Art. 231 Código Penal na redação dada pela Lei 12.015 de 2009) O tráfico interno se tipifica incorpora com o seguinte texto: “Estende-se esta penalização àqueles que mobilizam com iguais mecanismos e fins as pessoas dentro do território nacional, como disposto no (art. 231). As ações penalizadas são a promoção ou facilitação da entrada ou saída do país, a mobilização no país, a captura, o recrutamento, o transporte e a compra das pessoas traficadas. A finalidade é o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual. Não se tipificam outras formas de tráfico (no entanto, se penaliza a submissão à escra- O Paraguai tipifica o tráfico de pessoas com fins de exploração sexual como: : “1°.- Aquele que, usando de uma situação de constrangimento ou vulnerabilidade de outrem por se encontrar em país estrangeiro, lhe induza à coação ao exercício ou à continuação do exercício da prostituição ou a realização de atos sexuais em si, com outro ou ante outro, com fins de exploração sexual...” (art. 129 b. do Código Penal na redação dada pela Lei 3440 do ano de 2008) Os verbos nucleares deste delito são induzir ou coagir e a finalidade é a prostituição ou a realização de atos sexuais com fins de exploração sexual. Inclui somente o tráfico internacional, não penaliza o tráfico interno. Os meios de execução constituem agravantes. A redação dada a este tipo penal merece a mesma análise que se realizara a respeito do análogo no Brasil. Os delitos conexos que se destacam são: a redução à condição de escravidão, o sequestro, o sequestro extorsivo, o favorecimento da prostituição e a gestão de casas de prostituição. URUGUAI O Uruguai tipifica o delito de tráfico de pessoas como: “Aquele que, de qualquer maneira ou por qualquer meio participar no recrutamento, transporte, transferência, acolhimento ou recepção de pessoas para o trabalho ou serviços forçados, para a escravidão 71 ou práticas similares, para a servidão, exploração sexual, remoção ou extração de órgãos ou qualquer outra atividade que menospreze a dignidade humana” (art. 79 Lei de Migração No. 18250 de 2008). As ações penalizadas são o recrutamento, transporte, acolhimento ou recepção e a finalidade é qualquer atividade que menospreze a dignidade humana, incluindo explicitamente a exploração sexual. Penaliza-se tanto o tráfico interno como o internacional. Exclui totalmente a consideração dos meios de execução para a configuração do ilícito, estes sendo considerados agravantes. Os delitos conexos que se destacam são o proxenetismo, a lavagem de dinheiro, os delitos de exploração sexual e a indução ou promoção da prostituição. Quadro 10: penalização do tráfico de pessoas PENALIZAÇÃO AÇÕES PENALIZADAS (VERBOS NUCLEARES) ARGENTINA BRASIL a) Oferecer (menores de idade) a. promover ou facilitar a entrada ou a saída do território nacional ou a mobilização dentro do país b) Capturar c) Transportar d) Transferir e) Acolher f) Receber FINALIDADE DA EXPLORAÇÃO -Escravidão ou servidão ou práticas análogas. - Trabalhos ou serviços forçados. PARAGUAI a. coagir a. recrutar b. capturar b. transportar c. induzir c. transferir d. acolher b. capturar (agenciar), recrutar, comprar, transportar, transferir ou alojar (tendo conhecimento da situação) e. receber - Exercer prostituição - Exploração sexual - Outra forma de exploração sexual comercial - Prostituição ou permanecer nela -Proveito de qualquer forma de comércio sexual. - Escravidão /servidão/trabalho forçado - Extração não consentida de seus órgãos. -Extração ilícita de órgãos ou tecidos humanos. 72 URUGUAI - trabalho ou serviços forçados, -escravidão ou práticas similares, -servidão, - exploração sexual, -remoção e extração de órgãos -qualquer outra atividade que menospreze a dignidade humana. ÂMBITO INTERNO E INTERNACIONAL INTERNO E INTERNACIONAL INTERNACIONAL INTERNO OU INTERNACIONAL MEIOS Requer prova dos meios de execução (que invalidam o consentimento), salvo relacionado a vítimas menores de 18 anos de idade Não requer prova de meios (são agravantes) Requer prova de ausência de consentimento Não requer prova de meios nem de falta de consentimento PENALIZAÇÃO PENA ARGENTINA PENA Vítimas maiores de idade: 3 a 6 anos. Agravantes: 4 a 10 anos quando: a) vínculo familiar/ afetivo/autoridade b) for cometido por um ministro de um culto reconhecido ou não ou um funcionário público c) pluriparticipação d) as vítimas forem três ou mais. Vítimas menores de idade: 4 a 10 anos. Agravantes: 6 a 15 anos quando: a) mesmos agravantes de quando a vítima é maior de idade b) se utilizar algum dos meios executores DELITOS CONEXOS a. Promoção e facilitação da prostituição de menores e maiores de idade b. Promoção e facilitação da corrupção de menores de idade c. Exploração econômica do exercício da prostituição alheia d. Exploração da prostituição alheia BRASIL PARAGUAI 3 a 8 anos Mínima: não prevista Agravantes: 4 e meio a 12 anos a. menor de 18 anos b. não discernimento c. relação de familiaridade d. obrigação de cuidado ou vigilância e. violência grave, ameaça ou fraude. Máxima: até 8 anos Agravantes: até 12 anos a. força, ameaça ou engano b. vítima menor de catorze anos; c. maus tratos físicos graves ou um perigo para a vida. Vantagem econômica: d. atuou comermulta cialmente ou como membro de uma quadrilha que se formou para a realização dos fatos URUGUAI 4 a 16 anos- participantes 2 a 8 anos- facilitam ou favorecem Agravantes: (aumentam de um terço à metade) a) pôr em risco de saúde ou a integridade física dos e das migrantes, b) menor de 18 anos, Não sei se traduz como deficiência ou discapacidade c) funcionário policial, pessoa a cargo da segurança, custódia ou controle de migração, d) habitualidade/familiaridade a. Redução à condição Exploração da prostide escravos tuição alheia a. Lavagem de Dinheiro b. Extorsão. Extorsão mediante sequestro b. Exploração sexual de crianças. c. Recrutamento com fins de emigração c. Proxenetismo Indução ou promoção do exercício da prostituição no país ou no exterior. d. Favorecimento da prostituição e. Casa de prostituição e. Redução à servidão. VIII. Repressão ao delito de tráfico de pessoas A repressão ao delito gerou mudanças institucionais nos âmbitos da justiça e investigação de todos os países, que têm como objetivo melhorar as investigações policiais e a proteção das vítimas nos processos judiciais. ARGENTINA Todas as Forças Policiais e de Segurança Federais têm unidades específicas para a investigação do tráfico a nível provincial em 18 das 24 províncias. Através da implantação de Protocolos e guias de atuação, o ministério de Segurança da Nação tende a otimizar a atuação das Forças no que se refere à detecção precoce, à eficácia das investigações e à proteção dos direitos das vítimas. No âmbito das Promotorias, contam com uma Unidade de Promotoria de Assistência em Sequestros Extorsivos e Tráfico de Pessoas (UFASE). Esta unidade presta assistência ao Promotor durante a instrução penal e a preparação do julgamento oral (sempre que o magistrado assim o solicite, sob suas diretivas). No Ministério Público da Província de Buenos Aires foi criada a Comissão de coordenação e seguimento dos delitos conexos ao tráfico de pessoas (Res 724/2010), de forma a otimizar a investigação do delito. Até o momento proporcionaram informações das províncias de Santa Fe, Tucumán e Misiones. É destacável as ações tanto do Ministério Público Fiscal Nacional como da Província de Buenos Aires, as quais, através de protocolos e diretrizes de boas práticas, buscam melhorar a intervenção em casos de tráfico de 73 45. PESTRAF. Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Meninas e Adolescentes para fins de exploração sexual no Brasil, coordenada pelo CECRIA – Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes, em 2002. pessoas, tanto em relação à proteção dos direitos das vítimas, como em relação à efetividade da perseguição penal. que trabalham no exterior trabalhando em coordenação com a polícia dos países de destino e com os consulados brasileiros. Por outro lado, para facilitar a investigação do delito são previstos mecanismos como a possibilidade de escutas telefônicas e a possibilidade de reduzir a pena de atores (participantes ou encobridores) que revelem informação a respeito de pessoas com maior nível de responsabilidade penal. Entre 2004 e 2010 foram realizadas 22 operações especiais de desmantelamento de redes de tráfico com fins de exploração sexual no exterior. URUGUAI BRASIL O delito de tráfico internacional é de competência dos Juízes/as, Promotores/as e Forças Policiais Federais. A perseguição do delito de tráfico interno corresponde aos Juízes/as e Promotores/as Estaduais. A Polícia Federal, nestes casos, coordena ações com a Polícia Estadual. Para a melhor perseguição do delito, o Brasil criou um Banco de dados na Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça com informação sobre os casos de tráfico de pessoas (perfil das vítimas, localidades de maior incidência, perfil das organizações criminais, dados sobre os processos de investigação e condenação sobre tráfico de pessoas). Também realizou investigações para mapear as rotas de tráfico no Brasil – PESTRAF (2002); “Tráfico de Seres Humanos com fins de exploração sexual no Rio Grande do Sul” (2006), financiado pela Secretaria Nacional de Justiça e “Promovendo Parcerias transnacionais: prevenção e resposta ao tráfico de pessoas do Brasil nos estados membros da União Européia” (2009). Existem adidos policiais da Polícia Federal do Brasil que trabalham no exterior trabalhando em coordenação com a polícia dos países de destino e com os consulados brasileiros. Entre 2004 e 2010 foram realizadas 22 operações especiais de desmantelamento de redes de tráfico com fins de exploração sexual no exterior. PARAGUAI No âmbito da promotoria, atuam as Unidades Especializadas em Tráfico de Pessoas e Exploração Sexual Infantil, com autoridade nacional, que agem conjuntamente com a Promotoria de Assuntos Internacionais. Existem adidos policiais da Polícia Federal do Brasil 74 No Uruguai funcionam dois juizados, duas promotorias e duas defensorias públicas com competência em crime organizado, no qual está incluído o tráfico de pessoas. Para a investigação se conferem prerrogativas especiais aos investigadores, como escutas telefônicas, interceptação de comunicações e a figura do agente encoberto. Ainda, se prevê a possibilidade de redução de pena aos atores, cúmplices ou encobridores que forneçam informação relevante. › Cooperação Internacional para a Repressão ao delito Este tema é de extrema importância, mas a informação obtida não resulta suficiente para fornecer um panorama completo neste informe. De qualquer forma, é relevante indicar que os países assinalaram a utilidade de: • Iber Red como um sistema que facilita a investigação dos delitos. • Convênio de guarda com polícias da Bolívia, Paraguai e Chile. • Protocolo de Intervenção conjunta Argentina, Brasil e Paraguai. • Investigações conjuntas entre países de origem e destino do tráfico de pessoas. CAPÍTULO 8 CONCLUSÃO O tráfico de mulheres com fins de exploração sexual foi reconhecido e visualizado como um problema na região recentemente. Apesar disso, conseguiu-se desenvolver ações de prevenção, atenção, combate e enfrentamento a este crime em todos os países da região. A partir da ratificação do Protocolo de Palermo, foi dada continuidade à construção de respostas institucionais ao enfrentamento do Tráfico de Pessoas. – construção de rodovias, florestamento massivo, construção de portos de grande porte, instalação de fábricas, entre outras - em que o impacto gerado é a migração do campo para as zonas urbanas, colocando as mulheres em condições de grande vulnerabilidade em relação às redes de tráfico. • Fatores vinculados a barreiras migratórias nos países de destino. • A permeabilidade de passagens em fronteiras de toda a região do MERCOSUL e a existência de população não documentada em algumas zonas da região. As vítimas são, em sua maioria, mulheres entre 15 e 35 anos. Cada vez mais se observa a captação de mulheres trans. Os grupos mais vulneráveis ao tráfico são as mulheres provenientes de povos originários e zonas rurais. São identificadas na região rotas de tráfico interno e internacional. 8.1. Características do tráfico na região Ainda não foi possível estabelecer a magnitude do problema a nível regional, uma vez que os dados com os quais se trabalha são parciais. Permitem, no entanto, obter a caracterização do problema, ainda que não seja possível medir a sua amplitude. É necessário um esforço a nível regional para o desenvolvimento de pesquisas que permitam quantificar o tráfico no MERCOSUL. A região do MERCOSUL constitui uma região majoritariamente de origem e destino, e, em menor escala, de trânsito. Identifica-se na região uma diversidade de fatores de vulnerabilidade que compõem cenários favoráveis à expansão das redes de tráfico. • Fatores vinculados a dimensões socioculturais como: inequidade de gênero, violência de gênero - abuso sexual e violência doméstica, discriminação de determinados grupos sociais – povos indígenas, afrodescendentes, indivíduos trans-. • Fatores vinculados a dimensões socioeconômicas como a exclusão social e a pobreza, o impacto social e os modelos de desenvolvimento existentes na região No tráfico, as vítimas são, sobretudo, adolescentes. Nos casos de tráfico internacional a maiorias das vítimas são adultas, embora tenham sido detectados casos de pessoas menores de 18 anos viajando com documentação falsa. Existem circuitos e rotas de tráfico que identificam o MERCOSUL como uma região predominantemente de origem ou abastecedora de mulheres para destino como Europa, Estados Unidos e Ásia. A Espanha é identificada como o principal país de destino do tráfico internacional, assim como a Itália é identificada como um país de destino do tráfico de mulheres trans. Ainda, a região é considerada destino e trânsito de mulheres de outros países latino-americanos e dos próprios países da região, sobretudo Brasil e Argentina. Em relação a rotas de tráfico dentro da região, os países do MERCOSUL são países de destino de vítimas provindas da própria região ou de outros países da América Latina, como é o caso das mulheres colombianas e dominicanas. As redes de tráfico identificadas na região são grupos de delinquência organizada, integrados por atores que 75 cumprem papéis diversificados em função das diferentes etapas do processo de tráfico. As redes operam com dinâmicas e modalidades distintas, existindo redes mais complexas, de caráter transnacional, que incluem nas atividades criminais o tráfico de drogas e de armas. Existem também redes menos sofisticadas com uma composição basicamente familiar, com atores que cumprem diferentes papéis no processo e que têm membros ativos (atores primários e secundários) em diferentes zonas e territórios. Estas redes podem ter conexão com as redes de maior complexidade. A captura mediante engano é o meio principal de recrutamento na região, seja o engano no tipo de trabalho a se desenvolver no país de destino, seja o engano das condições do trabalho a ser desenvolvido. O sequestro é um método utilizado com menos frequência nos países da região. Na maioria dos países, as vítimas viajam custodiadas pelo traficante ou recrutador. A viagem pode incluir várias etapas e destinos, e uma vez chegado ao país de destino, o transporte aos locais de exploração é feito por via terrestre. Nesta etapa, os sistemas de transporte podem cumprir papéis no translado. Os meios utilizados vão desde linhas regulares de transporte aéreo e terrestre, caminhoneiros, taxistas, utilização de lanchas para adentrar fronteiras, utilização de diversos veículos particulares ou a pé. As vítimas podem estar alojadas nos locais de exploração ou serem alojadas em lugares diferentes, em casas ou apartamentos onde se alojam outras vítimas da mesma nacionalidade ou de outras. 8.2. Respostas Institucionais Os caminhos seguidos por cada país são diversos, tanto em relação às modalidades do enfrentamento ao tráfico, como nos mecanismos utilizados para tal. A Argentina destinou seus principais esforços para enfrentar as formas de tráfico de pessoas nas quais a exploração ocorre dentro do seu território, dando ênfase ao resgate das vítimas e a articulação de retorno das mesmas, quando assim desejarem, a seus lugares de origem. Ainda, recentemente aprofundaram os esforços tendentes a: articulação interinstitucional para a prevenção e investigação do delito; capacitação e profissionalização das Forças Policiais e de Segurança; unificação e sistematização dos critérios de registro da informação; implementação de campanhas de conscientização e difusão dos canais de denúncia; detecção precoce de casos de tráfico de pessoas e o atendimento adequado às vítimas tanto em passagens fronteiriças internacionais, quanto em delegacias da Cidade Autônoma de Buenos Aires. O Brasil aprovou importantes documentos de Política e Planos de ação, aprofundou a investigação das rotas de tráfico e a articulação das ações de investigação e prevenção com países do exterior, assim como na geração de espaços para a detecção precoce das situações potenciais de tráfico. O Uruguai, conta com um serviço piloto nacional de atendimento a mulheres adultas vítimas de tráfico com fins de exploração sexual. O Paraguai y Uruguai criaram espaços de articulação interinstitucional permanentes em que são acordadas as ações a seguir. É comum a rotatividade frequente de lugares de exploração em uma cidade ou em diferentes cidades e países. Podem ser vendidas a outras redes no país e serem transladadas a outros lugares. Em toda a região foram realizadas campanhas de sensibilização e informação à população e foi reformada a legislação. Durante o processo de exploração, as vítimas são obrigadas a colaborar ou a participar de ilegalidades administrativas ou penais, como ingresso ou permanência irregular no país, o uso de identidades falsas, o tráfico de drogas e a captura ou custódia de outras vítimas. I. Políticas públicas Nem todos os países da região contam com leis integrais, Políticas e ou Planos Nacionais de ação. A Argentina se destaca por ter aprovado uma lei de enfrentamento ao tráfico de pessoas que não se restringe à penalização da mesma, mas que incorpora os principais direitos das vítimas e as correspondentes responsabilidades dos organismos do país. O Brasil aprovou Políticas Nacionais, Planos Nacionais e Planos Estaduais de enfrentamento ao Tráfico de 76 Pessoas, transversalizando suas ações nas diferentes instituições do país. O Paraguai se encontra em processo de aprovação de um Plano nacional e conta com uma Mesa Interinstitucional que desenvolve ações de prevenção, capacitação, protocolização de ações e articulação entre os diferentes serviços e poderes do Estado. O Uruguai também conta com uma Mesa Interinstitucional e iniciou recentemente um Programa para o fortalecimento das políticas públicas de Tráfico de Pessoas com fins de exploração sexual. Destacam-se os avanços deste país na legislação para a proteção das vítimas e perseguição do delito. Os mecanismos de gênero estão especialmente envolvidos nas respostas ao tráfico de pessoas, com exceção da Argentina; no entanto, a perspectiva de gênero não aparece suficientemente priorizada nas campanhas de sensibilização, nas capacitações nem na normativa para o acesso à justiça das vítimas de tráfico. II. Visibilização do delito e informação à população A principal estratégia para a visibilização do delito e informação à população tem sido o desenvolvimento de campanhas de sensibilização. Estas campanhas enfatizam a conceitualização do fenômeno em termos de direitos humanos e combate à impunidade e nos fatores a levar em conta por potenciais vitimas para preveni-lo. Oferecem lugares ou telefones de contato para a denúncia de eventuais situações de tráfico. São quase nulas as campanhas dirigidas aos consumidores do comércio sexual. Tampouco é feita referência específica à população trans como grupo vulneráveis ao tráfico de pessoas. A Argentina e o Brasil contam com linhas telefônicas gratuitas para a população em geral, com cobertura nacional. No Brasil se avançou muito, especialmente na criação de espaços de assessoria através dos Núcleos Estaduais e dos Postos de Atendimento, com assessoria aos migrantes nos aeroportos, portos e terminais rodoviários. III. Capacitação e fortalecimento institucional Foram desenvolvidas ações de capacitação dirigidas aos operadores do sistema de justiça (juízes/as, promotores/as, forças de segurança) e às equipes técnicas que se ocupam do atendimento e/ou acompanhamento das vítimas. No entanto, estas capacitações não conseguem constituir-se em programas sistemáticos e contínuos de capacitação integral no tema. Foram protocolizadas algumas ações importantes no processo de enfrentamento ao tráfico de pessoas, seja para a articulação ou para a atuação de determinados operadores. Os protocolos que foram acordados são especialmente ricos no enfoque que dão ao gênero e aos direitos. IV. Primeiro atendimento: resgate, retorno seguro e voluntário e abrigamento provisório. Nem todos os países contam com equipes especializadas para a localização e resgate das vítimas, serviços de abrigamento e abrigo provisório, programas de regularização de documentos de identificação e de viagem, retorno seguro e garantias para assegurar o direito das vítimas à permanência no país em que foram resgatadas. O modelo mais acabado para a abordagem desta etapa é o da Argentina, principalmente através dos Departamentos de Resgate e Acompanhamento às pessoas danificadas pelo Tráfico. Nos demais países, a resposta nesta etapa é dada utilizando serviços universais que se encontram em processo de capacitação para uma intervenção adequada. V. Recuperação física, psicológica e social das vítimas de tráfico de pessoas As ações para a recuperação integral das vítimas de tráfico são incipientes e fragmentadas na região. O principal serviço oferecido é o atendimento psicossocial. O atendimento médico é garantido pelos serviços universais, mas, em geral, ainda não contam com especialização suficiente no tema. O acesso à moradia, à educação e ao trabalho e a indenização econômica são temas pendentes na região. VI. Acesso à justiça O acesso à justiça das vítimas não conseguiu ainda o padrão assinalado pelas normas internacionais. Para garantir o acesso à justiça é necessário, em primeiro lugar, garantir a aplicação e efetividade das medidas de proteção, assim como o tratamento adequado às vítimas em processo judicial. 77 A legislação na região não é uniforme em relação à garantia da preservação da identidade, à confidencialidade e à proibição de acareação e enfrentamentos com o agressor. Ainda, com exceção da Argentina, não existem normas legislativas expressas que isentem penalmente as vítimas dos delitos nos quais se teria feito incorrer durante o processo de tráfico. O Uruguai aprovou uma regulamentação na qual se destacam as normas para garantir a participação ativa das vítimas em condições de segurança.. As medidas de proteção estão condicionadas à denúncia e à colaboração com a justiça. O Paraguai não conta com patrocínio jurídico gratuito, e, se por um lado, as vítimas têm acesso ao processo penal e contam com serviços de Promotoria Especializados, o acesso a outras esferas judiciais está condicionado economicamente. VII. Penalização Todos os países incorporaram tipos penais que punem o tráfico internacional de pessoas com fins de exploração sexual. Com exceção do Paraguai, também incorporam a tipificação do tráfico interno com estes fins. Os tipos penais aprovados para esta figura requerem ainda uma revisão para sua melhoria. Em especial, se assinala a forma de descrever a conduta na legislação do Brasil e do Paraguai, a qual mantém os modelos tradicionais de combate à prostituição, obstaculizando a superação dos preconceitos e estereótipos machistas em relação às mulheres vítimas. Tanto na Argentina como no Brasil, é exigida a prova dos meios para a penalização (salvo com relação a vítimas menores de 18 anos de idade), sendo que toda forma de submissão das pessoas ao tráfico, de forma análoga à escravidão, deve ser perseguida penalmente, ainda quando possa caber a possibilidade de considerar que existiu alguma forma de consentimento da vítima para cair ou permanecer nesta situação. VIII. Repressão ao crime Para a perseguição do crime, os países da região criaram brigadas policiais especializadas, mas nem todas criaram ações de investigação proativa e de alta complexidade. 78 O delito de tráfico de pessoas é considerado delito federal na Argentina e também no Brasil; o último, somente quando se refere ao tráfico internacional. A Argentina, o Paraguai e o Brasil criaram Promotorias e equipes técnicas especializadas para o julgamento em situações de tráfico de pessoas. O Uruguai criou Juizados, Promotorias e Defensorias com competência sobre crime organizado, incluindo o tráfico de pessoas e a exploração sexual de crianças e adolescentes. CAPÍTULO 9 RECOMENDAÇÕES a. Dar ênfase a campanhas de sensibilização dirigidas à demanda de comércio sexual. b. Incluir a população trans nas campanhas contra o tráfico com fins de exploração sexual. Realizar pesquisas nacionais e regionais que permita abordar a dimensão quantitativa do tráfico de mulheres no MERCOSUL,aprofundar na caracterização do problema, atualizar as rotas existentes na região e os conhecimentos sobre as zonas mais vulneráveis (como as zonas de captura) e compilar informação sobre os clientes que sustentam a demanda. Estabelecer um programa regional de assistência a vítimas do tráfico no MERCOSUL que promova a articulação de ações na detenção, atendimento, retorno e repatriação, assim como na fase de restituição de direitos. Gerar continuamente espaços de intercâmbio de boas práticas e lições aprendidas na região com objetivo de colaborar com os países no fortalecimento das respostas brindadas às vítimas do tráfico. I. Políticas públicas Buscar a aprovação de leis integrais e Planos Nacionais para o enfrentamento do tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, incluindo os princípios, diretrizes e ações de prevenção, proteção e reparação dos direitos das vítimas e a criminalização e repressão das redes criminais. Garantir o enfoque de gênero e a participação da sociedade civil e dos organismos de políticas para as mulheres nestas leis e Planos Nacionais. Fortalecer os serviços de detecção precoce das possíveis situações de tráfico de pessoas, como centros de assessoria, linhas telefônicas, etc. · Criar em todos os países serviços de denúncia e assessoria por linhas telefônicas gratuitas. · Potencializar as linhas telefônicas, habilitando para a colaboração do enfrentamento ao tema no âmbito regional. · Assegurar que a assessoria e o atendimento não se encontrem condicionados à apresentação da denúncia para a perseguição do delito. · Incorporar a perspectiva de gênero em todas as ações de detecção. III. Capacitação e fortalecimento institucional Buscar realizar planos sistemáticos e integrais de capacitação. Garantir a introdução da perspectiva de gênero e da diversidade sexual em todas as capacitações para enfrentamento do crime de tráfico de pessoas e dos crimes correlatos (exploração sexual, proxenetismo, etc.). Ampliar o público alvo das capacitações, incluindo a rede de atendimento em saúde, atores comunitários, docentes e estudantes, entre outros. Fortalecer as ações de capacitação sobre os efeitos do tráfico de pessoas e da violência sexual e os modelos de atendimento às vítimas. Sistematizar as investigações realizadas nos diferentes países e buscar modelos comparáveis de pesquisa social. II. Visibilização do problema e informação Criar uma biblioteca comum na região, em um portal da web, em que se possa compartilhar o material produzido pelos países, nos temas de pesquisa social, capacitação, sensibilização e protocolos de ações. Desenvolver campanhas comuns de sensibilização na região e nos países de destino das vítimas. Desenvolver pesquisas sociais com ênfase nos direitos das vítimas. Capacitar os operadores dos serviços de identificação com ênfase na escuta das possíveis vítimas e suas famílias, informação e assessoria, respeito às decisões das vítimas e a proteção de seus direitos. 79 IV. Primeiro atendimento: resgate, retorno seguro e voluntário e abrigamento provisório. Criar em todos os países dispositivos suficientes, seguros e de qualidade para a intervenção nesta etapa, com ênfase nas zonas de fronteira e em outros lugares vulneráveis ao tráfico de pessoas. Incluir as vítimas do tráfico de pessoas nos planos sociais de equidade. • Não condicionamento das medidas de proteção à colaboração das vítimas na investigação do crime. • Garantir o direito da vítima em ser escutada pelo tribunal, apresentar provas e solicitar a revisão no caso de arquivamento do caso. Garantir assessoria e financiamento (defesa) legal, gratuito e obrigatório das vítimas de tráfico de pessoas. Incorporar equipes de assessoria em gênero e violência sexual a promotores, juízes e defensores das vítimas e acusados. V. Recuperação física, psicológica e social das vítimas Fortalecer os serviços de atenção psicossocial, incluindo no público alvo indivíduos trans. Fortalecer a capacitação dos profissionais da área social e de saúde mental em tratamentos especializados a vítimas que sofreram este tipo de violência. Fortalecer las acciones para dar respuesta a la adecuada reintegración familiar, social y laboral. Revisar as legislações nacionais para a adequação dos tipos penais à figura prevista no Protocolo de Palermo, levando em consideração as inequidades de gênero. VIII. Repressão ao delito Fortalecer as ações para dar resposta adequada à reintegração familiar, social e laboral. Fortalecer a capacidade das promotorias, tribunais e defensorias de atenderem à complexidade deste tipo de caso, equipes técnicas e de investigação. Incorporar a legislação que garanta que o dinheiro proveniente do crime de tráfico de pessoas seja retornado para a reparação das vítimas, ações de prevenção ao crime e capacitação dos operadores. Fortalecer as brigadas policiais, garantindo a formação no enfrentamento a crimes sexuais e ao crime organizado, e com pessoal de alta confiança ética. Promover reparação que incida não somente sobre os danos provocados pelo crime, mas também sobre suas causas. Promover a sistematização da informação obtida nos diferentes organismos de investigação do crime e de colaboração interinstitucional com os países do exterior para aumentar a efetividade das investigações. VI. Acesso à justiça Aprofundar em pesquisa de qualidade sobre os crimes ligados ao tráfico: prostituição forçada, exploração sexual de crianças e adolescentes, proxenetismo, crimes de violência sexual não comercial, corrupção vinculada a crime de migração, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e outros tipos de tráfico de pessoas. Garantir o financiamento jurídico gratuito e especializado a todas as vítimas do tráfico. Buscar respostas judiciais justas e oportunas, que eliminem todas as formas de discriminação de gênero. Fortalecer o acesso à justiça pelas vítimas com medidas como: • Não criminalização das vítimas pelos crimes cometidos no processo de tráfico de pessoas. • Isenção da prova dos meios violentos, cujo resultado tenha sido a exploração. • Possibilidade processual de adiantamento da prova quando o tempo do processo pode prejudicar a recuperação da vítima. • Proibição de realizar acareação ou outro tipo de confrontação entre vítima e acusado. • Proibição de investigar a respeito da vida sexual anterior ou atual da vítima. 80 VII. Penalização BIBLIOGRAFIA AAVV. (1994) “Feminismo, entre la igualdad y la diferencia” en El Viejo Topo; Nº73. Barcelona, España. ALCOFF, Linda. (1989) “Feminismo cultural versus postestructuralismo: la crisis de la identidad en la teoría feminista” en Feminaria. Año II. Nº4. Feminaria editora. Buenos Aires, Argentina. ATTAC. Mujeres contra la Explotación (2007) La resistencia femenina en el mundo globalizado. Le Monde Diplomatique, Buenos Aires, Argentina. 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Informe Nacional Brasil, elaborado por Veronica Teresi, com a aprovação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Brasil 2011. Informe Nacional Paraguai, elaborado por Lourdes Barboza, com a aprovação da Secretaria da Mulher da República do Paraguai. 2011. Informe Nacional Uruguai, elaborado por Cristina Prego, com a aprovação do Instituto Nacional das Mulheres do Ministério de Desenvolvimento Social do Uruguai. 2011. PÁGINAS WEB www.mercosurmujeres.org/pt www.spm.gov.br www.cnm.gov.ar www.mrecic.gov.ar www.mujer.gov.py www.inmujeres.gub.uy www.mercosur.int www.oas.org www.un.org www.unodc.org 82 DIAGNÓSTICO NACIONAL TRÁFICO DE MULHERES COM FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL ARGENTINA Laura Sardá Liliana Russo Julho 2011 83 ARGENTINA das causas que facilitam o desenvolvimento das redes de tráfico. Tais problemáticas, certamente globais, fazem com que uma pessoa que viva em outro país ou em alguma província Argentina, aceite um trabalho afastado de seus vínculos afetivos, longe da segurança, de redes sociais, sem conhecer as modalidades oferecidas, as condições em que se desenvolverá o trabalho, o pagamento de seu salário, ou o lugar onde residirá. O tráfico de pessoas é uma atividade criminal que viola os direitos humanos de suas vítimas, a liberdade, a vida, dignidade, a segurança pessoal, a integridade física, sexual, psicológica e a saúde. A República Argentina vem realizando importantes avanços na luta contra o tráfico de pessoas, em 2002 ratificou a Convenção Internacional contra o Crime Transnacional Organizado e seu Protocolo Facultativo para Prevenir, Reprimir e Punir o Tráfico de Pessoas (Protocolo de Palermo). O documento intitulado “Informe Nacional Sobre o Tráfico de Mulheres com Fins de Exploração Sexual”, reúne informações sobre o crime do tráfico de pessoas na República Argentina com finalidades de exploração sexual. Tais informações foram fornecidas por distintas instituições dedicadas à perseguição, prevenção e assistência às vítimas, nos diferentes níveis de governo como também não governamentais. Propõe-se uma aproximação da realidade atual desse flagelo na República Argentina, que é um país de origem, trânsito e destino, no qual se detectaram casos de tráfico interno e internacional. Por isso, esse país tem destinado seus maiores esforços em combater as formas do tráfico de pessoas em que a exploração ocorre dentro de seu território, com ênfase no resgate das vítimas e na articulação do retorno das mesmas, quando assim o desejarem, a seus lugares de origem. Sem desvalorizar as iniciativas que já existem nos países da região, e particularmente na Argentina, com respeito à sistematização da informação, os dados obtidos são parciais. Os mesmos permitem uma aproximação ao problema. A unificação e sistematização dos critérios de registro da informação permitirão em médio prazo contar com uma informação cabal e ajustada à realidade atual no campo. A origem do crime do tráfico de pessoas tem íntima vinculação com as condições de desigualdade social: a pobreza, a precariedade nas condições de trabalho, a discriminação por gênero, a falta de direitos, como a saúde, educação, moradia, entre outros, são algumas Depois de atravessar uma das crises econômicas mais importantes de sua história e avançar o processo de transformação implementado a partir do ano de 2003, em 29 de abril de 2008 cumpriu as obrigações assumidas frente à comunidade internacional sancionando a lei 26.364 de Prevenção e Punição do Tráfico de Pessoas e Assistência a suas vítimas. A mesma inclui nos artigos 145 bis e 145 ter do Código Penal o crime de tráfico de pessoas e reconhece explicitamente um conjunto de direitos a suas vítimas. A partir do ano de 2008 nosso país reforça em sua agenda de governo a luta contra o tráfico de pessoas, adotando progressivamente políticas específicas, partindo de três perspectivas: - A prevenção e repressão do crime do Tráfico de Pessoas em matéria de exploração sexual. - A criminalização penal e punição dos responsáveis. - O resgate e acompanhamento da pessoas afetadas pelo crime. Esta determinação obriga a todos os atores envolvidos, organismos governamentais e não governamentais a implementar e coordenar ações concebidas para esse fim. E é assim que o Ministério da Justiça e Direitos Humanos da Nação, através do Escritório de Resgate e Acompanhamento às Pessoas Afetadas pelo Delito de Tráfico, o Ministério da Segurança através das Forças de Segurança Federal, o Ministério do Desenvolvimento Social através da Secretaria da Infância Adolescência e Família, o Ministério Público Fiscal através da Unidade Fiscal 85 de Investigação em Sequestros Extorsivos e Tráfico de Pessoas, o Ministério do Interior, através da Direção Nacional de Migrações e o Ministério do Trabalho, junto aos organismos públicos provinciais, trabalham ativamente a partir de suas distintas competências. O Ministério de Relações Exteriores, através da Representação para os Temas da Mulher no Âmbito Internacional, coordena ações dos demais Ministérios e se encarrega de negociar documentos e posições a nível internacional. O crime do tráfico de pessoas, como parte do crime organizado, vai flutuando em suas formas e modalidades com o objetivo de evitar e dissuadir as políticas de prevenção, repressão e consequente punição de seus responsáveis. Portanto resulta necessária a articulação em rede entre os distintos organismos envolvidos, para identificar tais mutações e prevenir suas consequências. Os meios utilizados pelos responsáveis por esta atividade criminosa são fundamentais para obter o consentimento das vítimas às ofertas de emprego. O engano, os meios de coação, as ameaças, o aproveitamento da situação de vulnerabilidade, são alguns dos mecanismos utilizados pelos traficantes para materializar as ações de exploração. Deve-se somar, com relação à exploração sexual, que o gênero “mulher” foi historicamente tido em nossas sociedades patriarcais como “fonte” provedora de prazer, objeto sexual ou objeto de reprodução para a transmissão hereditária. Neste sentido é importante destacar que 90% a 95% das pessoas vítimas do tráfico com fins de exploração sexual são mulheres de 18 a 35 anos e crianças, as quais são exploradas por homens: traficantes e clientes. Ganhar dinheiro ou encontrar melhores oportunidades de trabalho mobiliza as pessoas a aceitar as ofertas de emprego dos traficantes para poder encontrar uma forma digna de subsistir e ajudar seus familiares. A maioria das mulheres provenientes das províncias mais pobres da República Argentina são transportadas a zonas mais favoráveis economicamente como as do Centro e da Patagônia, esta última se converteu em una zona de grande importância comercial e turística – empresas petroleiras e lugares com atrações turísticas para argentinos e estrangeiros – aumentando nos últimos anos ostensivamente a demanda por serviços sexuais. O tipo de fronteiras existentes, passagens de fronteira habilitadas e não habilitadas, terrestres ou fluviais, tornam mais permeável à entrada de pessoas com controles diferentes. 86 Também se identificam casos de mulheres que a partir dos pontos de destino do país, foram transportadas a Europa, África do Sul e Chile. O crime do Tráfico provoca em suas vítimas consequências graves para a saúde das pessoas, degradação psicológica e física, perda de sua capacidade de decisão, perda de personalidade, substituição da identidade e coisificação. Situações que conduzem à geração e estabelecimento de estratégias de adaptação e sobrevivência. As mulheres que sofrem as consequências deste crime apresentam dificuldades de inserção na sociedade, são estigmatizadas e rejeitadas socialmente. Afeta a dignidade da mulher, sua liberdade ambulatória, sua sexualidade, sua salubridade, sua capacidade de escolher e decidir. Os traficantes conseguem exercer um “aprisionamento” tanto físico como psicológico sobre as vítimas através de diferentes mecanismos de coação, servidão por dívida, violência, retenção de documentos, multas, ameaças de prejudicar familiares diretos, razão pela qual em muitas ocasiões costumam encobrir aos traficantes e recusam cooperar com a justiça, com a finalidade de proteger a seus familiares. No país, salvo exceções, os traficantes tendem a ser parte de estruturas familiares organizadas, onde cada membro desenvolve uma atividade dentro da cadeia. De acordo às distintas fases que compõem o crime, é importante destacar a existência de vários atores envolvidos; o aliciador, recrutador, transportador, agenciador, proxeneta (cafetão), entre outros. Cada um cumpre uma etapa do crime e obtém um lucro direto ou indireto da atividade. A quantidade de atores envolvidos confunde a vítima que não consegue saber quem é o responsável por seu sofrimento, dado que os aliciadores e recrutadores são geralmente pessoas de sua confiança, familiares, vizinhos ou conhecidos. É por tais pessoas que se sente traída, desenvolvendo por sua vez sentimentos de culpa e vergonha por haver confiado nelas. É interessante ressaltar que a repressão do crime não pode acontecer em detrimento do atendimento e acompanhamento das vítimas. Os serviços de atenção implementados no país se encontram capacitados para responder a suas necessidades, evitar a vitimização, fomentar mecanismos de inserção no mercado de trabalho, único modo de enfrentar a possibilidade de retorno ao circuito de exploração. É importante destacar que as práticas institucionais instrumentadas têm tido resultados satisfatórios. A participação de Equipes Profissionais Especializadas no momento do resgate das vítimas; a criação nas distintas forças de Segurança de divisões específicas para a prevenção, perseguição e investigação do crime do tráfico de pessoas; a articulação interinstitucional entre os distintos poderes do Estado; a implementação de Casas Abrigo em distintas localidades do país; controles nas estradas, aeroportos, terminais de ônibus, trens e cruzamentos de fronteira, levados a cabo por funcionários das forças armadas de segurança e do Ministério do Interior – Direção nacional de Migrações; como também a articulação, a partir da Procuradoria Geral da Nação e do Poder Judicial, com a Rede Ibero-americana de Cooperação Judicial Internacional; o desenho e implementação de protocolos de atuação para a assistência às vítimas do crime e para a recepção das declarações de testemunhos em sede judicial; as campanhas de sensibilização da população e capacitações das forças de segurança, dos membros do Poder Judicial e Ministério Público, dão conta do compromisso assumido a partir dos organismos de governo para a luta contra este crime. Em síntese, o crime do tráfico de pessoas com fins de exploração sexual é um delito que viola todos e cada um dos direitos fundamentais da pessoa humana. Nos dias atuais, a naturalização do consumo da prostituição por parte dos clientes obriga a reforçar políticas de prevenção, repressão e assistência às vítimas por meio da articulação de redes institucionais governamentais e não governamentais que respondam às necessidades dos grupos vulneráveis. Estas políticas públicas, e não outras, colaborarão no desincentivo da oferta e da demanda. Consideramos que este é o desafio de todos os atores envolvidos. 87 DIAGNÓSTICO NACIONAL TRÁFICO DE MULHERES COM FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL BRASIL Verónica Teresi Julho 2011 89 BRASIL para fins sexuais é predominantemente entre meninas negras e mulatas, com idades compreendidas entre 15 e 25 anos. As vítimas menores de idade são aliciadas para o tráfico interno. Já as maiores de 18 anos, seriam submetidas às redes internacionais de tráfico. O presente relatório é resultado da consultoria nacional Brasil realizada no âmbito do projeto “Fortalecimento da institucionalidade e da perspectiva de gênero no MERCOSUL” com a finalidade de identificar os principais aspectos referentes ao enfrentamento ao tráfico de mulheres no Brasil. A metodologia utilizada baseou-se principalmente: na recopilação, classificação e análise dos documentos, pesquisas e relatórios produzidos pelo governo brasileiro assim como pela sociedade civil organizada no Brasil e; nas consultas realizadas aos principais atores responsáveis pelo enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil, sejam eles governamentais e não-governamentais. O relatório inicia fazendo um diagnóstico situacional com uma contextualização política, social e econômica do Brasil. Levanta-se a magnitude do problema do tráfico de mulheres, caracterizando basicamente: 1. Os perfis das vítimas de tráfico de pessoas e dos traficantes; 2. As etapas do tráfico de pessoas (captação, recrutamento, a viagem, o trânsito, as rotas de tráfico, os destinos e a exploração sofrida pelas vítimas). O Brasil caracteriza-se por ser um país principalmente de origem de vítimas de tráfico de pessoas, mas também de trânsito e destino de vítimas. Essa caracterização torna-se visível ao ponto do enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil ocupar um papel importante na agenda interna. Nesse contexto verificou-se que não é possível precisar um único perfil, nem mesmo o número de mulheres traficadas no Brasil, uma vez que os dados existentes não são suficientes, seja porque estamos abordando um tipo de crime que abrange aspectos transnacionais, ou porque a particularidade do crime, que envolve a vítima como próprio objeto do crime, dificulta a sua própria identificação, quando a vítima não se identifica como tal. Por outro lado, percebe-se que as mulheres, meninas e adolescentes constituem as vítimas preferenciais desse “mercado sexual”. No Brasil, o tráfico Muitas vezes essas mulheres, ao aceitarem ir a outro país, mesmo estando cientes de que irão trabalhar no mercado sexual, não imaginam as condições reais que as esperam ali. Quando chegam, têm seus documentos retidos pela rede de tráfico, confinadas em locais próprios para a prostituição, padecendo de maus tratos, exploradas - uma vez que não podem sair até pagarem toda a dívida contraída com a viagem, transporte e alojamento – vendo ameaças constantes contra suas famílias e principalmente contra seus filhos. O relatório apresenta as respostas institucionais criadas e desenvolvidas pelo Brasil a partir de 2004, principalmente no âmbito das políticas públicas gerais e específicas criadas para o enfrentamento do tráfico de pessoas. Podem-se ressaltar a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (2006), que traz os princípios norteadores dessa Política, com os eixos da prevenção, responsabilização e repressão penal e o atendimento às vítimas; o I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (2008), que definiu ações, metas, indicadores para o enfrentamento ao tráfico de pessoas até o ano 2011 e, o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (2012 – ainda em fase de finalização). No marco específico do enfrentamento ao tráfico de mulheres, é importante ressaltar a relevância do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres na promoção do empoderamento das mulheres e prevenção ao tráfico, além da Política e do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, que tem um eixo específico para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, enfrentamento à exploração sexual e ao tráfico de mulheres. Essas políticas públicas foram promulgadas no âmbito federal e suas ações têm capilaridades a serem desenvolvidas por/em todos os entes da federação: nacional, estadual e municipal, seja no âmbito da prevenção, da repressão e responsabilização dos agentes, e no atendimento às vítimas de tráfico, conforme suas competências específicas. Nesse contexto, a criação dos Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e dos Comitês Estaduais e Regionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas vem permitindo essa capilaridade das ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas nos Estados, permitindo a percepção e análise específica sobre as necessidades prioritárias para cada região, levando a 91 um enfrentamento mais focado e eficaz. Além disso, os NETP´s e os Postos Avançados (de âmbito municipal) foram criados para serem os Pontos focais de recepção, atendimento inicial, encaminhamento e monitoramento das vítimas de tráfico à rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas. Nos locais onde não há ainda NETP´s e Postos, essas funções de recepção, atendimento inicial, encaminhamento e monitoramento das vítimas de tráfico são feitas pelos Organismos Governamentais de Políticas Públicas para as Mulheres, considerando que mais 70% das pessoas em situação de tráfico são mulheres. O diagnóstico brasileiro elenca uma abordagem particularizada de cada instituição pública, principalmente os Ministérios. No âmbito do atendimento às vítimas de tráfico, descreve como se pensou e se está estruturando o atendimento às vítimas de tráfico no Brasil, principalmente por meio dos Centros de Referência da Mulher e dos serviços especializados da Assistência Social, distribuídos por todo o Brasil. Relata e analisa outros atores que colaboram no desenvolvimento das políticas de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil, como as parcerias desenvolvidas e em desenvolvimento com organismos internacionais e o papel das organizações não governamentais no enfrentamento ao tráfico de pessoas. Ainda no campo do atendimento às vítimas, verifica-se que, o Brasil decidiu ampliar e capacitar a rede especializada de atendimento às mulheres em situações de violência, para o atendimento das vítimas de tráfico, além da criação de alguns serviços específicos, como os Núcleos Estaduais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e os Postos de Atendimento nos aeroportos. Outro capítulo importante do relatório refere-se à compilação e análise dos aspectos legais relacionados com o enfrentamento do tráfico de pessoas. Abordam-se: 1. As normativas assinadas e/ou ratificadas pelo Brasil resultante de tratados internacionais; 2. A legislação interna específica sobre tráfico de pessoas (principalmente artigos 301 e 301-A, do Código Penal Brasileiro), assim como as legislações específicas que tenham relação direta ou indireta com o enfrentamento do tráfico de pessoas; 3. A legislação específica ministerial referente ao tráfico de pessoas; 4. A legislação estadual específica já existente sobre tráfico de pessoas; 5. As autoridades competentes para a persecução do delito do tráfico de pessoas no Brasil. Nesse capítulo verifica-se, depois de feita à compilação e análise da legislação existente, que o Brasil tem se adequado à normativa do Protocolo de Palermo, porém, no âmbito da criminalização ao crime do tráfico de 92 pessoas, ainda necessita avançar mais, uma vez que o Brasil somente criminaliza especificamente o tráfico internacional e interno de pessoas para o fim da exploração sexual e prostituição e não prevê todos os meios descritos no Protocolo de Palermo. O Brasil deve avançar na adequação do tipo penal para possibilitar mais responsabilização dos traficantes pelo crime do tráfico internacional e interno. Outro capítulo aborda aspectos relacionados com a cooperação internacional desenvolvida pelo Brasil no âmbito do enfrentamento ao tráfico de pessoas, abordando especificamente a cooperação com o Mercosul, Venezuela, Guiana Francesa, Suriname, Portugal, Espanha e Estados Unidos da América. O documento demonstra algumas experiências de retornos de vítimas e atendimentos realizados a vítimas de tráfico de pessoas, atendimentos estes realizados nos Postos Avançados e serviços especializados de atendimento às mulheres, finalizando com algumas conclusões e recomendações, referências bibliográficas e anexos. No âmbito das recomendações podem-se citar: 1. No âmbito do atendimento, recomendou-se que a rede de atendimento às situações de violência seja amplamente capacitada, assim como sejam criados mais Centros de Referência para atendimento das mulheres em situação de violência, não sendo necessário encaminhá-las aos Centros de Referência Especializados da Assistência Social, uma vez que aqueles têm mais especificidade no atendimento. 2. Verificou-se a necessidade de melhor estruturação, integração e articulação dos Serviços de Proteção Social (assistência social, saúde, segurança, justiça, entre outros) para garantir o atendimento integral às pessoas em situação de tráfico de pessoas. 3. Verificou-se a necessidade da criação de um Mecanismo Comum de Referência que determine e divulgue os mecanismos e competências da rede de atendimento às vítimas de tráfico, padronizando esses mecanismos e competências. 4. No que se refere ao acesso à justiça, e pensando tanto nos casos de vítimas de tráfico interno como internacional, recomendou-se que sejam instituídas leis que garantam a todas as vítimas de tráfico:: - Direito à informação. O que se verifica hoje é que esse direito somente é efetivado quando o NETP ou Posto Avançado intervém no caso. - Direito a preservação da sua identidade: como ainda não há legislação específica penal ou processual que obrigue essa preservação da identidade, ainda fica à critério da sensibilidade dos profissionais do âmbito do Judiciário. - Direito a acesso a interprete/tradutor: criação de legislação que garanta o direito de acesso a esse profissional nas entrevistas, depoimentos, etc das vítimas de tráfico que necessitem desse profissional. - Direito a proteção, cuidado e não acareação: Hoje essa garantia depende da sensibilidade dos profissionais do Poder Judiciário. Deve ser criada legislação que garanta esse direito para a preservação da identidade e não revitimização da vítima. - Direito a acesso ao programa de proteção à testemunha: O acesso ao programa não pode estar vinculado à colaboração da vítima com as autoridades policiais e judiciais. 5. Seria importante a realização de outra pesquisa de âmbito nacional para a identificação de perfis das vítimas de tráfico e a criação de metodologias para a unificação, na medida do possível, dos dados referentes a essa temática. Além disso, seria importante a realização de uma pesquisa específica que pudesse verificar os perfis e as rotas de tráfico internacional das vítimas do Mercosul, uma vez que os dados ainda não foram suficientemente explorados. 6. No âmbito da cooperação fronteiriça, seria fundamental equipar melhor a Casa do Migrante, em Foz do Iguaçu, para que este pudesse ser um centro de Referência para atender e encaminhar vítimas de tráfico identificadas pertencentes aos Estados do Mercosul. Além disso, seria fundamental articular o Comitê de Fronteira formado pelo Paraguai, Argentina e Brasil para que cada país apóie e dê encaminhamento aos atendimentos e demandas geradas pelo Centro do Migrante. 7. No âmbito da responsabilização dos agentes é fundamental uma maior capacitação dos atores responsáveis pela responsabilização e conhecimento sobre a complexidade que envolve o tráfico de pessoas garantindo, por um lado, mais responsabilizações dos agentes e um trato mais humano às vítimas do tráfico. rias de cada um dos países da região. 2. Padronizar as garantias no acesso à justiça das vítimas do tráfico nos três países, com Planos Integrais de Assistência e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. 3. Padronização dos Programas de Proteção às Testemunhas nos países do Mercosul no sentido de não limitar o acesso das vítimas pela colaboração nos inquéritos policiais e processos judiciais. 4. Criação de policiais de ligação (adidos policiais) de cada país, localizados nos países de destino das vítimas do Mercosul, para que estes possam ser os elos de cooperação e diminuição da burocracia no âmbito da responsabilização e repressão penal. 5. Disponibilizar e divulgar o fluxo de encaminhamento das vítimas para cada um dos países. No caso de algum país não ter definido internamente seu fluxo, criá-lo para que possa funcionar o fluxo de encaminhamento entre os países. 6. Criação de um fluxo de encaminhamentos das vítimas dentro do Mercosul. 7. Conforme as particularidades das vítimas da região, estabelecer acordos de cooperação que levem em conta as particularidades dessas vítimas, principalmente no que se refere a atendimento, a exemplo das mulheres indígenas da região. 8. Estruturar e capacitar o Núcleo do Migrante, localizado em Foz do Iguaçú, para que esse possa ser um Centro de Referência para a identificação, encaminhamento e atendimento das vítimas de tráfico originárias dos países do Mercosul, até o envio destas para seus lugares de origem. 9. Assinar termo de comprometimento dos países para a revisão da legislação penal sobre o tráfico de pessoas, possibilitando mais responsabilizações e cooperação entre os Corpos de Segurança dos Estados que compõe o Mercosul. 10. Assinar acordos de extradição específicos para traficantes de pessoas no âmbito dos países do Mercosul. 11. Necessidade da realização de Capacitações conjuntas dos atores envolvidos principalmente no atendimento direto das vítimas de tráfico do Mercosul. Além dessas recomendações, o relatório conta com recomendações específicas para a criação do Protocolo Regional Mercosul: 1. Criar acordos de cooperação entre os países do Mercosul para a assistência das vítimas de tráfico originá93 DIAGNÓSTICO NACIONAL TRÁFICO DE MULHERES COM FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL PARAGUAI Lourdes Barboza Julho 2011 95 PARAGUAI nos quais funcionou como país de trânsito, cujas vítimas, mulheres dominicanas, estavam em trânsito na cidade fronteiriça de Ciudad del Este e seriam levadas à Europa. O Paraguai também funciona como país de destino do tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, sobretudo em zonas de fronteiras, cruzamentos estratégicos de estradas internacionais e zonas de agricultura intensiva principalmente habitadas por colônias de migrantes. Existem referências sobre o turismo sexual no Paraguai, através de ofertas pela internet, principalmente em zonas de fronteira. Não existem casos registrados que pudessem confirmar a existência desta modalidade de exploração sexual das vítimas do tráfico de pessoas. O tráfico de pessoas no Paraguai afeta principalmente mulheres, crianças e adolescentes do sexo feminino. Mesmo quando detectados casos de tráfico de homens, crianças e adolescentes do sexo masculino e transexuais, estes são escassos. Têm-se conhecimento da existência destes casos principalmente através de investigações realizadas na temática, os casos denunciados ou detectados relacionados ao tráfico de pessoas de sexo masculino são principalmente de tráfico com finalidade de exploração laboral. Tais referências são elencadas para enfatizar que o tráfico de pessoas no Paraguai corresponde principalmente ao tráfico de mulheres, crianças e adolescentes do sexo feminino. No mesmo sentido, a principal finalidade do tráfico de pessoas detectado no Paraguai é a exploração sexual, ainda que existam casos denunciados de tráfico com fins de exploração laboral e, não obstante, falhas no teor desta informação poderiam ter origem no fato de que o tipo penal do tráfico de pessoas contemplado na Lei Penal do Paraguai, há pouco tempo, punia exclusivamente o tráfico com finalidade de exploração sexual. Não obstante, as investigações qualitativas realizadas no Paraguai dão conta, principalmente, da existência do tráfico de pessoas com fins de exploração sexual, ao menos até o momento deste relatório. No tocante à expressão internacional do tráfico de pessoas, o Paraguai é assinalado principalmente como país de origem. Ainda que se conheçam casos Os principais países de destino do tráfico com fins de exploração sexual com vítimas de origem paraguaia são Argentina e Espanha, também são destinos regionais Bolívia e Chile e, em zonas fronteiriças, o Brasil. Com relação aos destinos transcontinentais, a Espanha coloca-se em primeiro lugar havendo ainda outros destinos na Europa, tais como Itália e França. Constataram-se casos de tráfico de pessoas também para casamento servil sendo destinos os países da Ásia, especialmente Coréia, também há casos no Japão e na África do Sul. O tráfico interno de pessoas no Paraguai não se encontra penalizado como tal, sendo esta expressão sub registrada no país, de forma a ser difícil dimensionar sua magnitude. Não obstante, sabe-se pela experiência de investigação do tráfico interno através de outros delitos, como proxenetismo ou cafetinagem, bem como através de pesquisas realizadas sobre o assunto, que mostram que esta expressão do tráfico de pessoas afeta principalmente pessoas menores de idade e do sexo feminino, traficadas com fins de exploração sexual. Tal exploração se realiza frequentemente em bordéis e outras modalidades similares e as vítimas são transportadas do interior do país aos centros urbanos e zonas fronteiriças. Conforme a experiência dos órgãos de atendimento nacionais, muitas vezes o tráfico interno precede o tráfico internacional. Em geral, resulta difícil dimensionar quantitativamente o tráfico de pessoas no Paraguai, dado que se soma às limitações do tipo penal do tráfico de pessoas que incide na detecção e registro do mesmo como tal, existem deficiências com relação ao registro e sistematização da informação tais como: falta de formulários unificados, pouca tradição de sistematização escrita da informação, sistemas de informações insuficientes ou inapropriados, complexidade no levantamento e manuseio da informação nestes casos. Não obstante, existem 97 interessantes iniciativas levadas adiante pelos órgãos públicos competentes, principalmente em matéria de atenção e investigação, tais como a Promotoria Geral do Estado e a Secretaria da Mulher da Presidência da República, assim como de organizações da sociedade civil, dirigidas a reverter esta deficiência. As redes de traficantes no Paraguai, tomando-o principalmente como país de origem das mulheres vítimas do tráfico internacional de pessoas com fins de exploração sexual, funcionam com a participação de pessoas e empresas que cumprem distintos papéis durante o processo de captação, documentação para viagem ao estrangeiro e os traslados. Pode se mencionar o aliciador, o gestor da documentação da viagem, as agências de viagens, os financiadores, os exploradores no estrangeiro que se mantém em contato, selecionam as mulheres e também, em determinados casos, financiam as viagens. É possível encontrar no Paraguai redes de traficantes com condições pouco sofisticadas que, ainda assim, funcionam perfeitamente para atingir a finalidade de captar, transportar, e em outros casos, recepcionar e explorar mulheres vítimas do tráfico de pessoas com fins de exploração sexual. Entretanto, também existem no Paraguai redes de traficantes mais sofisticadas e organizadas, geralmente vinculadas à prática de outros crimes transnacionais como o tráfico de drogas. Estas têm um proceder diferente das redes mais precárias. Não há dúvidas de que existem no Paraguai fatores que favorecem o tráfico de pessoas, entre os quais pode-se mencionar a corrupção, a impunidade, os altos níveis de pobreza e inequidade, a falta de oportunidades, falta de acompanhamento suficiente aos migrantes, o escasso controle fronteiriço, os fatores culturais que trazem a discriminação baseada em gênero, a violência doméstica e o abuso sexual, a precarização do emprego, a pouca formalidade dos atos incluindo a falta de documentação pessoal e de propriedade da terra, entre outros. Com relação às políticas públicas, no Paraguai funciona uma “Mesa Interinstitucional para a Prevenção e o Combate do Tráfico de Pessoas na República do Paraguai”, que constitui a política de articulação e coordenação interinstitucional e intersetorial a nível nacional. Foi criada pelo “Decreto do Poder Executivo Nº 5093/05”. Participam da mesa, em caráter de membros, 47 instituições públicas e organizações da sociedade civil e desde seu início tem elaborado planos estratégicos e anuais de trabalho desta instância. Atualmente foi aprovado por esta Mesa o documento referente à Política Nacional de Prevenção e Combate 98 ao Tráfico de Pessoas, 2010 – 2019. Não obstante esta política ainda não foi aprovada por Decreto do Poder Executivo e carece de dotação orçamentária no orçamento público, portanto, ainda não se encontra implementada. No âmbito legislativo, a situação do Paraguai é precária, dado que o tipo penal do tráfico de pessoas não contempla a expressão do tráfico interno de pessoas e em aspectos gerais não se ajustam à definição do artigo 3 do Protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional para Prevenir, reprimir e punir o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças, conhecido como Protocolo de Palermo, ratificado pelo Paraguai através da lei Nº 2396/04. O Paraguai também ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional. Atualmente encontra-se em elaboração um anteprojeto de lei sobre o tráfico de pessoas, para abordar esta dificuldade legislativa. Com relação à cooperação internacional, existem experiências principalmente com a Argentina, Chile, Bolívia e Espanha para a investigação penal dos casos e a atenção às vítimas. Concluindo, os problemas relacionados ao tráfico de pessoas no Paraguai são múltiplos, e os recursos e esforços para enfrentá-los ainda escassos. Entretanto, avanços importantes vem sendo dados neste sentido, porém é necessário admitir que ainda não são suficientes, o que acarreta num número crescente de mulheres que acabam sendo vítimas deste crime. DIAGNÓSTICO NACIONAL TRÁFICO DE MULHERES COM FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL URUGUAI Cristina Prego Julho 2011 99 URUGUAI Atualmente não se conta com dados estatísticos articulados nem cifras oficiais que evidenciem a real magnitude do problema, porém há certas características do país, como: as fronteiras permeáveis com países que possuem evidências da existência deste problema, o crescente relevância do turismo, os importantes fluxos migratórios, as brechas na redistribuição da riqueza com uma forte presença das variáveis de gênero e geração, constituem condições propícias para o desenvolvimento destes crimes. A partir do levantamento realizado pode-se afirmar que o Uruguai se identifica especialmente como país de origem, ainda que se tenha identificado situações nas quais é configurado como um espaço de trânsito e destino para mulheres de outras nacionalidades, principalmente argentinas, paraguaias e brasileiras. O tráfico de mulheres com fins de exploração sexual comercial é um problema cujo debate é recente no Uruguai. Desde 2006 até os dias atuais, o Estado Uruguaio vem desenvolvendo ações com o objetivo de visualizar o problema, caracterizá-lo e construir marcos legais segundo os requerimentos internacionais. Estas ações configuram os primeiros e fundamentais avanços na construção de uma política pública de enfrentamento ao tráfico de mulheres com tais fins. Desde 2008, funciona na órbita do Ministério do Desenvolvimento Social, a Mesa Interinstitucional de enfrentamento ao tráfico de mulheres com finalidade de exploração sexual comercial, presidida pelo Instituto Nacional de Mulheres, com a ativa e constante participação dos Ministérios com competência na temática. As investigações, específicas ou vinculadas a problemas afins46, não têm mais de 10 anos. É possível identificar num primeiro momento feitos importantes no âmbito de pesquisas jornalísticas 47 e, nos últimos anos, estudos de cunho acadêmico, que caracterizam o problema com o objetivo da sensibilização social e da construção de abordagens adequadas para combater o crime e proteger as vítimas. Estes avanços são escassos e em geral de caráter exploratório, porém conseguem identificar rotas internas e externas, caracterizações sociodemográficas das vítimas, além de pormenorizar os processos em que tais pessoas são submetidas a violações brutais de seus direitos fundamentais. A Organização Internacional para as Migrações (OIM), Unicef, Instituto Interamericano da Criança48 e profissionais vinculados à temática tem sido os atores principais na geração deste conhecimento. 46. As primeiras pesquisas relacionadas a violência sexual focalizavam o objeto de estudo na exploração sexual de meninas, meninos e adolescentes. 47. Em 1991 a jornalista María Urruzola desenvolveu uma investigação jornalística publicada pelo periódico semanal Brecha que depois foi publicada no livro “O ovo da serpente. Tráfico de mulheres Montevidéu-Milão”. 48. Estes organismos, pela sua competência, realizaram pesquisas focalizadas na infância e adolescência em âmbito nacional e regional. “…considera-se o Uruguai como país de origem, trânsito e destino, pelas facilidades de ingresso existente entre os países da região e a localização estratégica do nosso país, possibilitando um alto nível de conexão através do eixo Buenos Aires, Colônia, Montevidéu, Canelones, Maldonado, Rocha, para cruzar ao litoral brasileiro, ou a partir deste, a qualquer um dos pontos mencionados. Pode-se destacar que alguns destes pontos configuram-se como saídas para os Estados Unidos ou Europa. …sConseguiu-se reunir informações sobre a existência de uma rota de tráfico de adolescentes partindo da Argentina (Formosa, Chaco, Missiones, Corrientes) com destino a Punta del Este, vinculada ao turismo sexual. Também foi possível identificar uma rota proveniente da Argentina e passando pelo Uruguai (Paysandú, Tacuarembó e Rivera) com destino à São Paulo, na qual o Uruguai situa-se se como país de destino e trânsito para o Brasil” (González D., Tuana A. 2006: 35). As pesquisas que levantaram tais informações focalizam o olhar sobre as meninas, meninos e adolescentes, porém evidenciam a utilização das mesmas rotas e redes para o tráfico de mulheres adultas. As zonas de fronteira seca com o Brasil e a fronteira líquida com Argentina constituem espaços permeáveis por onde se evidenciou o trânsito cruzado de mulheres com fins de exploração sexual comercial. Montevidéu e Maldonado são pontos finais do trajeto nacional para o exterior, principalmente com destino à Espanha e Itália. Estados Unidos é outro destino identificado e recentemente também o México. O tráfico interno é um problema crescente que envolve também adolescene- 101 tes e mulheres, sendo uma etapa prévia e preparatória aotráfico internacional. A zona do litoral, especialmente o departamento de Paysandú e zonas do departamentode Rio Negro, tem sido identificada, assim como o departamento de Montevidéu, como origem para o recrutamento de muitas destas mulheres. A invisibilidade do fenômeno é sustentada no ocultamento, por se tratar de uma atividade criminosa e pela naturalização de práticas sociais associadas a exploração sexual infantil, o proxenetismo, a prostituição, sustentam um processo de naturalização ou negação que nos últimos anos tenta-se reverter a partir de diversos organismos. Nos últimos anos tem-se desenvolvido ações de capacitação para operadoras e operadores organismos com competência no assunto, porém são muito incipientes e restritas a poucas pessoas. O tema não é prioritário dentro dos organismos com competência designada para seu enfrentamento. Dentro dos fatores de vulnerabilidade associados a este problema identifica-se com maior força a incidência da violência intrafamiliar, o abuso sexual e as situações de descuido do entorno familiar. A situação econômica é um fator que influi, porém com menor incidência que os anteriormente mencionados. O meio utilizado com maior frequência para o aliciamento é o engano sobre as condições de exploração em que permanecerá a mulher no lugar de destino. Na maioria das situações identificadas as mulheres são levadas sabendo qual será a atividade (comércio sexual ) que realizarão, porém não em que condições será realizada. Também aparecem enganos onde as propostas versam em ser camareiras, empregadas domésticas ou empregadas para cuidar de crianças ou idosas/os no exterior. Os aliciadores ou aliciadoras, em geral, são próximos às mulheres, muitas vezes seus parceiros, onde a promessa de uma vida juntos e em melhores condições impulsiona à busca de melhoras econômicas no exterior. As redes estão revestidas de diversidade em sua complexidade e funcionamento, incluem desde familiares, amigos/as, parceiros, transportadores, donos de prostíbulos e bordéis, pessoas que realizam sua tarefa no país e outros no lugar de destino, coincidindo com os circuitos de tráfico de drogas e contrabando. As repostas institucionais são escassas e com avanços importantes durante o último ano. 102 É um importante avanço, (maio de 2011) a partir do Instituto Nacional das Mulheres e da ONG Fórum Juvenil a concretização de dois serviços de atenção especializada, psicossocial e legal, um específico para vítimas mulheres e outro para meninas, meninos e adolescentes. A normativa penal tipifica todas as etapas do crime, fornece prerrogativas importantes para a investigação e para a garantia do acesso à justiça das vítimas, porém um importante obstáculo para a concretização das mesmas é a escassez de recursos destinados ao tema. Isto se traduz em dificuldades pra concretizar investigações pela falta de pessoal policial capacitado designado à investigação, pela falta de pessoal nos juizados e procuradorias, pela carência de equipes técnicas especializadas e interdisciplinares que façam a assessoria ao juiz e ao promotor, pelas dificuldades para a proteção da vítima e para a restituição de direitos a partir de ressarcimento econômico.